Maria Medianeira Padoin Monica Rossato Organizadoras

Gaspar : perfil biográfico, discursos e atuação política na Assembleia Provincial

Projeto MEMÓRIA DO PARLAMENTO

Porto Alegre Assembleia Legislativa do 2013

53ª LEGISLATURA

MESA DIRETORA 2013

Presidente Pedro Westphalen - PP

1º Vice-Presidente 2º Vice-Presidente Paulo Odone - PPS Aldacir Oliboni - PT

1º Secretário 2º Secretário Gilmar Sossella - PDT Márcio Biolchi - PMDB

3º Secretário 4ª Secretária Marcelo Moraes - PTB Elisabete Felice - PSDB

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Superintendência Geral Álvaro Panizza Salomon Abi Fakredin

Diretoria do Memorial do Legislativo Marcio Farias

Pesquisa Histórica e Iconográfica Projeto Gráfico Maria Medianeira Padoin Capa – Criação e Arte-final Monica Rossato Bernardo Berton - Sup. de Com. Social Débora Dornsbach Soares Juliana Erpen - Memorial do Legislativo Juliana Erpen William G. Figueiró - Acad. de História / Fotografia da Capa UFRGS Acervo Memorial do Legislativo Simone Bischoff Nunes da Silva - Acad. de História / FAPA Colaboradores à Pesquisa Jacques Motta Seleção de Discursos Guilherme de Freitas Pereira / Acad. de Monica Rossato Turismo / PUCRS William G. Figueiró - Acad. de História / UFRGS Equipe de Apoio Renata Rech Revisão Textual Paulo Renato Soares Duarte Jade Rodrigues Silva Guilherme da Silva Balthazar Silvia da Gloria Duarte Normalização e Diagramação Vinicius Silva de Souza Débora Dornsbach Soares Jussara Borba Roveda Juliana Erpen Vladimir Araújo

2013 - 1ª tiragem 2.000 exemplares

(Dados Internacionais de Catalogação na Fonte-CIP)

G249 Gaspar Silveira Martins : perfil biográfico, discursos e atuação na Assembleia Provincial / organizadoras Maria Medianeira Padoin, Monica Rossato. – : Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2013. (Série Perfis Parlamentares; n. 13.)

256 p. : il. Modo de acesso: www.al.rs.gov.br/biblioteca ISBN 978-85-66054-07-1

1. Gaspar Silveira Martins. 2. Deputado Estadual. 3. Político - Biografia. 4. Rio Grande do Sul. I. Padoin, Maria Medianeira. II. Rossato, Monica. III. Série.

CDU 32(816.5) Bibliotecária Responsável: Débora Dornsbach Soares CRB-10/1700 Classificação CDU – edição-padrão internacional em língua portuguesa

Referência: PADOIN, Maria Medianeira; ROSSATO, Monica (Orgs.). Gaspar Silveira Martins: perfil biográfico, discursos e atuação na Assembleia Provincial. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2013. 256 p. (Série Perfis Parlamentares; n. 13). ISBN 978-85-66054-07-1. Disponível em: .

©Direitos Autorais reservados. Reprodução permitida desde que citada a fonte. As opiniões emitidas no livro são de responsabilidade exclusiva dos autores.

presentação A “Silveira Martins é como Aníbal, superior às forças da natureza.” Conselheiro Lafayette

Vigoroso, voz de trovão, gesto largo, Gaspar Silveira Martins não era um homem público de segredos, meias palavras ou ações vagas. Sua paixão pela política, vasta cultura e inteligência superior, foram marcos de pedra na construção da história contemporânea, e seu nome indissociável dos estudos e análises sobre a formação do Rio Grande do Sul. Ainda menino, perguntou-lhe o professor o que seria ao crescer: Ministro de Estado, respondeu. E o foi. E também Presidente da Província de São Pedro, Deputado e Senador. Segundo Joaquim Nabuco “um homem que revelava uma independência e uma audácia como de certo ainda não se tinha visto, em nome de um direito até então desconhecido: o povo”. Amado por muitos, odiado por outros, mas respeitado por todos, construiu-se como se constroem, até a imortalidade, os grandes. Gaspar Silveira Martins, líder do Liberalismo, homem de envergadura moral inconteste, imprescindível à política de qualidade. Pela fibra e destemor com que defendeu suas convicções nos dramáticos tempos da Revolução Federalista, há que ser revisitado, sempre. O presente trabalho, da série Perfis Parlamentares competentemente executado pelo Memorial da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, vem reconstituindo vida e obra de ilustres gaúchos sendo, pois, leitura fundamental àqueles que pretendem aprofundar o conhecimento sobre nossa herança política e social, vale dizer, nossa cultura. Ferrenho adversário de Júlio de Castilhos, arrebatado parlamentarista, fundou o Partido Federalista, fundou jornais, escreveu para vários deles, formou-se em direito e foi juiz, mas, acima de tudo, desde jovem revelou-se incomparável tribuno, capaz de abalar consciências e arrastar multidões pela palavra. Euclides da Cunha assim o descreveu: “ouviu-se dentro da Câmara dos Deputados uma palavra com tonalidade imponente, dessas vozes proféticas que anunciam a ruína dos impérios. Não era a dialética vibrátil de Zacarias, a argumentação fria, sulcada de súbitos lampejos de gênio, de Nabuco, nem a fluência cantante de José Bonifácio... Mas uma eloquência quase selvagem na sua esplêndida rudeza, na energia nunca vista com que reivindicava os direitos populares...”.

Pedro Westphalen

Presidente da Assembleia Legislativa - 2013

“nos liberaes não somos monarchistas, nem republicanos, somos liberaes; isto é: queremos a garantia dos direitos dos cidadãos em todas as suas manifestações, na pessoa, na religião, na propriedade, na indústria, no comercio, nas letras, nas artes, na associação; o governo para nós é uma formula, é o meio de conseguirmos estes grandes fins, que nobilitam o indivíduo, engrandecem a pátria, e honram a humanidade.”

(A Reforma. Rio de Janeiro, 25 jul. 1869, p. 1. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 16 maio 2013.)

Agradecimentos Especiais

À Universidade Federal de Santa Maria, em especial à professora Maria Medianeira Padoin e à mestranda Monica Rossato, pelo apoio na pesquisa.

Ao Grande Oriente do Rio Grande do Sul, pela cedência de imagens dos seus arquivos.

A todos, que de uma forma ou outra, colaboraram para a execução e finalização desta obra.

LISTA DE ABREVIATURAS

UFSM Universidade Federal de Santa Maria

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande FAPERGS do Sul

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível CAPES Superior

APERS Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul

GORGS Grande Oriente do Rio Grande do Sul

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 15

1 BIOGRAFIA HISTÓRICA ...... 17

2 LIBERALISMO ...... 43 Discurso proferido na Sessão em 22 de setembro de 1862 - apêndice ...... 51 Discurso proferido na Sessão em 30 de setembro de 1862 - apêndice ...... 58 Discurso proferido na Sessão em 2 de outubro de 1862 - apêndice ...... 76 Discurso proferido na Sessão em 6 de abril de 1863 ...... 84 Discurso proferido na Sessão em 16 de novembro de 1866 ...... 103 Discurso proferido na Sessão em 19 de novembro de 1866 ...... 107 Discurso proferido na Sessão em 21 de abril de 1874 - apêndice ...... 110

3 POSICIONAMENTO POLÍTICO ...... 144

3.1 A Constituição Imperial e a Organização do Estado Brasileiro ...... 144 Discurso proferido na Sessão em 16 de setembro de 1862 - apêndice ...... 150 Discurso proferido na Sessão em 10 de abril de 1863 ...... 155 Discurso proferido na Sessão em 10 de abril de 1863 (continuação) ...... 164 Discurso proferido na Sessão em 10 de abril de 1863 (continuação) ...... 169 Discurso proferido na Sessão em 22 de novembro de 1866 ...... 175 Discurso proferido na 3ª Sessão Ordinária em 13 de março de 1874 ...... 181 Discurso proferido na Sessão Ordinária em 18 de março de 1874 ...... 181 Discurso proferido na Sessão Ordinária em 18 de março de 1874 (continuação) ...... 185 3.2 Oposição Política...... 188 Discurso proferido na Sessão em 22 de novembro de 1866 ...... 192 Discurso proferido na 2ª Sessão em 12 de março de 1874...... 196 Discurso proferido na Sessão em 23 de março de 1874 ...... 200 3.3 Estado e Igreja ...... 204 Discurso proferido na Sessão em 8 de outubro de 1862 ...... 206 Discurso proferido na Sessão em 7 de dezembro de 1866 ...... 210 Discurso proferido na Sessão Ordinária em 9 de abril de 1874 ...... 219 Discurso proferido na Sessão Ordinária em 9 de abril de 1874 (continuação) ...... 222 3.4 Cidadania e Imigração ...... 236 Discurso proferido na 17ª Sessão em 4 de outubro de 1862 ...... 239

REFERÊNCIAS...... 244

ÍNDICE REMISSIVO ...... 252

ntrodução INTRODUÇÃO I A produção de obras que integram a Série Perfis Parlamentares da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, concretizada a partir de 1996, lança em 2013, mais um livro com caráter de registro histórico e de divulgação de um dos seus tribunos, que marcou profundamente a tradição política rio-grandense, por meio de sua defesa do Liberalismo, do Federalismo e do Parlamentarismo. Falamos de Gaspar Silveira Martins, um homem fortemente vinculado à história rio-grandense que tem na fronteira e na política sua fundamentação. Gaspar Silveira Martins nasceu no Departamento de Cerro Largo, no Uruguai, segundo seu registro de batismo em 1835. É filho de pais brasileiros com propriedades tanto no Uruguai quanto no Brasil, garantindo-o assim, uma “dupla cidadania”. Herdou de sua mãe, Maria Joaquina das Dores Martins, conforme registro na tradição espanhola, seu último sobrenome “Martins”. Seu pai chamava-se Carlos Silveira. Em 1856, bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo e em novembro do mesmo ano, no Rio de Janeiro, Gaspar Silveira Martins casou-se com a carioca D. Adelaide Augusta de Freitas Coutinho. Faleceu em 1901, em Montevidéu, Uruguai. Gaspar Silveira Martins em sua trajetória política ocupou os cargos de Juiz Municipal no Rio de Janeiro, Deputado Provincial (1862-1889), Deputado Geral (1872- 1879), Ministro da Fazenda (de 13/02/1878 a 8/02/1879), Senador do Império (1880- 1889), Presidente da Província do Rio Grande do Sul (1889) e foi nomeado Conselheiro de Estado Extraordinário pelo Imperador (1889). Também destacamos sua atuação como Presidente do Partido Liberal, um dos fundadores do Partido Federalista, um dos líderes da Revolução Federalista (1893-1895), bem como ter recebido o título de Grão- mestre da Maçonaria em 1883. Com a Proclamação da República, em 1889, ficou exilado com sua família na Europa. E, no período final da Revolução Federalista, em 1895, se exilou na Argentina. Pouco antes de falecer, deixou seu Testamento Político, texto onde estão expressas suas principais ideias políticas, em que apresenta uma proposta de organização de Estado alternativo ao projeto republicano castilhista. Assim, é sobre este “tribuno do Império” que apresentamos a presente obra organizada por um grupo de pesquisadores vinculados ao Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, à Universidade Federal de Santa Maria e à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Diante dos discursos de Gaspar Silveira Martins, registrados na memória escrita do Parlamento rio-grandense, foi realizada uma seleção das suas manifestações em plenário e uma divisão das mesmas em eixos temáticos. Para tanto, o trabalho de seleção documental foi realizado a partir da seguinte metodologia: levantamento da totalidades das falas de Gaspar Silveira Martins, o período em que foi Deputado Provincial (1862-1889); leitura das falas e descartes de apartes e colocações pontuais, as quais careciam de contextualização que fosse além do próprio discurso; pesquisa histórica acerca da trajetória de Gaspar Silveira Martins; organização dos discursos para comporem cada eixo temático.

Desta forma, o livro foi organizado especificamente em três partes: a primeira apresenta uma biografia de Gaspar Silveira Martins, procurando demonstrar seus vínculos familiares, trajetória pessoal e política. A segunda parte elegeu a temática do Liberalismo, por ser esta o princípio norteador do pensamento e do posicionamento político de Gaspar Silveira Martins. Assim, faz-se uma rápida introdução histórica sobre o Liberalismo para, a partir disso, destacar alguns dos discursos de Gaspar Silveira Martins em que esta opção teórico- política fica clara. A terceira parte é uma síntese de posicionamentos políticos de Gaspar Silveira Martins enquanto representante na Assembleia Provincial, na Câmara dos Deputados e como Senador do Império brasileiro juntamente com a seleção dos discursos publicados nos Anais da Assembleia e no jornal O Mercantil. Para melhor demonstrar seu posicionamento político, optou-se por definir quatro temas, que perpassaram suas preocupações e assim seus discursos. São os quatro eixos temáticos: a) a Constituição Imperial e a Organização do Estado Brasileiro; b) Oposição Política; c) Estado e Igreja; d) Cidadania e Imigração. Tais eixos temáticos escolhidos compõem o perfil do político liberal e fronteiriço que circulou por diferentes espaços sociais de seu tempo. Para tanto, a compilação de discursos selecionados de Silveira Martins e a escolha dos quatro eixos temáticos tiveram como critérios: a) a frequência com que determinados temas apareciam nos discursos; b) a importância que tais temas tiveram na atuação política de Gaspar Silveira Martins; c) o destaque posterior dado pela historiografia aos assuntos. Registra-se que, ao realizar a compilação e citação do conteúdo dos discursos, a ortografia original foi mantida e, consequentemente, também foram fidelizados os erros publicados. Cabe ainda salientar que no processo da pesquisa se observou que alguns pronunciamentos de Gaspar Silveira Martins eram anunciados nos Anais que seriam publicados posteriormente, porém não foram encontrados os registros. Os discursos na Assembleia do ano de 1863 foram publicados no jornal O Mercantil de Porto Alegre, sendo a fonte possível e assim utilizada na presente obra. Também se observa que Gaspar Silveira Martins foi Deputado Provincial pelo período de 1862 a 1889, exercendo concomitantemente os cargos de Deputado Geral (1872-1879) e de Senador (1880-1889), e que no período de 1867-1868 as atividades legislativas ficaram paralisadas devido à Guerra do Paraguai. Tais fatos podem justificar a ausência de pronunciamentos de Gaspar Silveira Martins na Assembleia provincial em alguns momentos. Nesse sentido, o trabalho de pesquisa sobre o “Perfil Parlamentar de Gaspar Silveira Martins” procurou reunir elementos que possibilitaram não apenas o registro e a divulgação da trajetória política de um dos mais atuantes parlamentares rio-grandenses do século XIX, mas também objetiva incentivar a pesquisa, a leitura e o estudo da história política, enquanto um dos fundamentos de nossa formação e atuação como cidadãos. Por fim, agradecemos a toda equipe do Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, aos pesquisadores e às Instituições envolvidas que oportunizaram a concretização desta publicação, a qual certamente contribuirá para o conhecimento histórico e para a preservação da memória nacional. Profa. Dra. Maria Medianeira Padoin Monica Rossato

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1 BIOGRAFIA HISTÓRIC A

Profa. Dra. Maria Medianeira Padoin1 Monica Rossato2

Conforme consta no documento oficial da Paróquia Nossa Senhora del Pilar y San Rafael, Gaspar Silveira Martins foi batizado “em 5 de agosto de 1835 em Serro Largo, Melo, Uruguai”3. Gaspar Silveira Martins era filho de Maria Joaquina das Dores Martins, natural de na Província do Rio Grande do Sul, e Carlos Silveira, natural de Encruzilhada também da Província do Rio Grande do Sul. Todos os filhos de Maria Joaquina das Dores Martins e Carlos Silveira “nascerão na fazenda Asseguá, do Departamento de Serro Largo, no Estado Oriental, e baptizados uns na Fazenda e outros na Igreja Matriz de Serro Largo”4. Maria Joaquina das Dores Martins era filha do português João Antonio Martins, estancieiro na região fronteiriça, dono de estâncias localizadas no Uruguai e no Brasil. Suas propriedades estavam localizadas em Serro Largo5 e Tacuarembó no Uruguai, em Bagé e , na Província do Rio Grande do Sul6. O casal Maria Joaquina das Dores Martins e Carlos Silveira residiam no Distrito de Asseguá7, Departamento de Serro Largo, Uruguai.

1 Professora Associada do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Professora do Programa de Pós-Graduação em História da UFSM. Doutora em História pela UFRGS. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria, bolsista FAPERGS/CAPES. 3 CERTIDÃO de Batismo de Gaspar Silveira Martins. Paróquia Nossa Senhora del Pilar y San Rafael, Serro Largo, Melo, Uruguai. Localização: Câmara de Vereadores do Município de Silveira Martins, RS. 4 INVENTÁRIO de Carlos Silveira e sua mulher Maria das Dores Martins, nº 200, maço 10, estante 28. 2º Cartório de Orphãos e Ausentes, , ano 1890. Localização: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS), Porto Alegre, RS. 5 Optamos por manter a formatação original do nome “Serro Largo”, conforme aparece nos documento de época. 6 INVENTÁRIO de João Antonio Martins, nº 317, maço 22, ano 1850. Cartório de Órfãos e provedoria, Pelotas, Arquivo Público do Estado do Rio Grade do Sul. Localização: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS), Porto Alegre, RS. 7 Optamos por manter a formatação original do nome “Asseguá” conforme aparece nos documentos de época.

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Figura 1 - Certidão de Batismo de Gaspar Silveira Martins. Paróquia de Nsa. Sra. del Pilar e São Rafael de Serro Largo, 1835. (Documento encontrado na Câmara Municipal de Vereadores do Município de Silveira Martins, RS, Brasil.)

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Figura 2 - João Antonio Martins, avô materno de Gaspar Silveira Martins. (ALVIM, 1985a)

Figura 3 - Carlos Silveira, pai de Gaspar Silveira Martins. (ALVIM, 1985a)

Figura 4 - Maria Joaquina das Dores Martins, mãe de Gaspar Silveira Martins. (ALVIM, 1985a)

20 No registro dos sobrenomes de Gaspar, o registro do sobrenome materno “Martins” após o sobrenome paterno “Silveira” faz parte da tradição espanhola, em que o sobrenome materno era registrado como último sobrenome8. Isso colabora para seu vínculo “binacional” fronteiriço, conforme o local de seu nascimento observado na Figura 5. A região de Asseguá onde nasceu Gaspar Silveira Martins, localiza-se nas terras fronteiriças entre Bagé (Brasil) e Melo (Uruguai).

Figura 5 - Mapa atual do Uruguai, em que destaca-se a zona de fronteira do Brasil/Bagé e a Serra de Aceguá. (Retirado de http://www.geographicguide.com/america-maps/uruguay.htm)

8 Alvin (1985a) afirmou que a sequência dos sobrenomes Silveira Martins respeita o costume do Uruguai (tradição espanhola), no qual o último sobrenome deve ser o da mãe. Já Contreiras Rodrigues (1945) considerou que a ordem Silveira Martins foi adotada por uma pretensão estética.

21 Na Constituição do Estado Oriental do Uruguai de 1830 consta que “são cidadãos naturais todos os homens livres, nascidos em qualquer parte do território do Estado”9. Assim, conforme a Constituição uruguaia do período, Silveira Martins foi considerado cidadão uruguaio, pois o mesmo nasceu em território uruguaio, em região de zona de fronteira com o território brasileiro. Ao mesmo tempo, a fronteira possibilitou que Gaspar Silveira Martins também fosse brasileiro. Segundo a Constituição do Império brasileiro de 1824, consideravam-se cidadãos brasileiros “Os filhos de pai brazileiro, e os illegitimos de mãi Brazileira, nascidos em paiz estrangeiro, que vierem a estabelecer domicilio no Império”10. Assim, a fronteira permitiu que Gaspar Silveira Martins, nascido em região formada por territórios dos Estados uruguaio e brasileiro, fosse considerado brasileiro e uruguaio, tendo por fundamento as questões legais, sociais e econômicas. Portanto, a Constituição do Uruguai garantiu a cidadania uruguaia pelo local de nascimento e a Constituição brasileira pela descendência, por ser filho de pais brasileiros com residência no Brasil. Gaspar Silveira Martins, segundo José Julio Silveira Martins (1929), realizou os estudos primários em Serro Largo, e aos nove anos de idade foi à cidade de Pelotas estudar no colégio dirigido por Antonio José Domingues11. Em Pelotas, morava o avô materno, João Antonio Martins, depois que sua esposa, D. Maria Joaquina do Nascimento faleceu em 1840. De Pelotas, Silveira Martins foi para o Maranhão, onde teria ficado por pouco tempo. Do Maranhão regressou ao Rio de Janeiro onde realizou estudos no Colégio Victorio da Costa, dirigido por Adolfo Manuel Victorio da Costa e Azevedo. Em anúncio do Colégio Victorio do ano de 1850, consta que Gaspar Silveira Martins foi aprovado em exames preparatórios12. Em 1852, Gaspar Silveira Martins matriculou-se na Academia Jurídica de Olinda, Pernambuco, cursando-a até o 2º ano13, conforme registro de matrícula na Figura 6.

9 URUGUAY. Constitución de la Republica Oriental del Uurguay de 1830. Sessión II, Capítulo I, Artículo 8º. In: URUGUAY. Constitución de la Republica Oriental del Uruguay de 1830. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2013 [tradução nossa]. 10 Art. 6, parág. II em BRASIL. Constituição Política do Império do (de 25 de março de 1824). Disponível em: . Acesso em: 11 abr. 2013. 11 Antônio José Domingues era português e migrou para o Brasil em 1808, passando pela Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, onde se destacou como poeta, latinista e professor público (VAZ, Artur Emilio Alarcon. A Lírica de Imigrantes Portugueses no Brasil Meridional (1832-1922). Tese (Doutorado em Literatura Comparada) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006). 12 ANNUNCIO Collegio Victorio. O Brasil. 5 mar. 1850, p. 4. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=709565&pasta= ano%20185&pesq=gaspar%20silveira%20martins>. Acesso em: 2 set. 2013. 13 REGISTRO de matrícula de Gaspar Silveira Martins, Livro nº 42. In: Livro de Matriculas do 1° anno (1841-1858). Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco.

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Figura 6 - Registro de matrícula de Gaspar Silveira Martins, Livro nº 42, Livro de Matrículas do 1° ano (1841-1858). (Arquivo Geral da Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco.)

Em 1854, Gaspar Silveira Martins transferiu-se do curso de Direito do Recife para São Paulo, concluindo-o em 185614. O jornal Correio Paulistano de 16 de maio de 1856 apresentou a lista das faltas dos estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo até o ano de 1856, onde consta Gaspar Silveira Martins como aluno do quinto ano da Faculdade em 185615. Após se formar no curso de Direito em São Paulo, Silveira Martins retornou à capital do Império, ao Rio de Janeiro, onde passou a atuar como advogado. Em novembro de 1856, no Rio de Janeiro, Gaspar Silveira Martins casou-se com D. Adelaide Augusta de Freitas Coutinho, natural do Rio de Janeiro e filha de Francisca de Paula Pereira e Dr. José Julio de Freitas Coutinho16. Gaspar Silveira Martins e D. Adelaide Augusta de Freitas Coutinho tiveram sete filhos: Gaspar Coutinho Silveira Martins, Gasparina Silveira Martins, Francisca Silveira Martins, Carlos Silveira Martins, Adelaide Silveira Martins, Álvaro Silveira Martins e José Julio Silveira Martins17.

14 VAMPRÉ, Espencer. Memórias para a História da Academia de São Paulo. Brasília: Conselho Federal de Cultura, 1977. 15 LISTA das faltas dos estudantes da Faculdade de Direito da cidade de São Paulo até o último de março de 1856. Correio Paulistano, São Paulo, p. 4, 16 maio 1856. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 5 jul. 2013. 16 REGISTRO de matrimônio de Adelaide Augusta de Freitas Coutinho e Gaspar Silveira Martins. 27 de novembro de 1856. Rio de Janeiro. Registros da Igreja Católica 1616-1980. Rio de Janeiro, Paróquia Sant‟Ana, Matrimônios, 1852, Jul-1861, Abr., imagem 128. Disponível em: . Acesso em: 30 jul. 2013. 17 INVENTÁRIO de Gaspar Silveira Martins, nº 289, maço 7, ano 1901, 1º Cartório Civil e Crime de Bagé. Localização: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS), Porto Alegre, RS.

23 Em 1859, Silveira Martins atuou como Juiz Municipal da 2ª Vara da Corte, no Rio de Janeiro. Em 6 de maio de 1859, o jornal O Globo noticiou que Gaspar Silveira Martins assumiu como Juiz Municipal, devido à demissão pedida pelo bacharel Jose Carlos de Almeida Torres18. Silveira Martins exerceu o cargo até 1864, quando, por um decreto, foi concedida a sua demissão do cargo de Juiz da segunda Vara da Corte, sendo nomeado para seu lugar o Dr. Jose da Silva Costa19. Entre 1862 a 1864 Silveira Martins exerceu o cargo de Juiz na Corte e de Deputado Provincial na Província do Rio Grande do Sul.

O Gabinete da Conciliação20 que dirigiu o Império entre 1853 e 1858 foi composto conjuntamente de liberais e conservadores, mas sua direção foi Saquarema (conservadores)21. O Gabinete da Conciliação esteve inserido no período de hegemonia saquarema na política imperial que teve início em 1848 e seu fim em 1862, quando os liberais emergiram no gabinete de 24 de maio, presidido por Zacarias de Góis e Vasconcelos, um dos articuladores da Liga Progressista na Câmara dos Deputados22. Em 1852, na Província do Rio Grande do Sul uma reorganização partidária resultou na formação da Liga e Contra-Liga: os saquaremas da Província do Rio Grande do Sul passaram por uma forte cisão interna, em que a Liga foi composta por facções desse partido e dissidentes moderados do Partido Luzia (liberal), que depois se tornaria o Partido Conservador. Em 1852 surgiu também a Contra-Liga, que se tornaria o Partido Liberal Progressista, agregando conservadores moderados e liberais23. Com a queda da Conciliação em 1859, os liberais da Contra-Liga da Província do Rio Grande do Sul foram perseguidos e se reorganizaram em torno do Partido Liberal Histórico. Como no centro do País, as eleições de 1860 registraram a emergência do Partido Liberal Histórico no Rio Grande do Sul, entre 1860 e 1862. Este partido lançou seu programa dirigido por Felix da Cunha em 1863, com características reformistas, com posicionamentos críticos frente à política imperial24. Nas eleições de 1861 Silveira Martins foi indicado pelo General Osório, pelo Partido Liberal Histórico, a concorrer a Deputado Provincial, sendo eleito como

18 O GLOBO. Rio de Janeiro, p. 1, 6 maio 1859. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 5 jul. 2013. 19 A SITUAÇÃO. Maranhão, 23 mar. 1864, p. 2. Acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível: . Acesso em: 4 jul. 2013. 20 Período marcado por uma conciliação política, em que os partidos Liberal e Conservador se uniram em um único Ministério, entre 1853 a 1858. 21 Segundo Helga Piccolo a partir da abdicação de D. Pedro I em 1831, se teve uma reorganização partidária, em que o “partido português” que, no decorrer do Primeiro Reinado se identificou com D. Pedro, formou o grupo dos restauradores; e o “partido brasileiro” que rompeu com o imperador, integrou o grupo dos liberais, tanto monarquistas (moderados, chimangos, exaltados ou jurujudas ou farroupilhas) como republicanos. (PICCOLO, Helga Iracema L. Vida política no século XIX: da descolonização ao movimento republicano. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1992). 22 BASILE, M. O. O Império Brasileiro: panorama político. In: LINHARES, M. Y. (org.). História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990. 23 CARNEIRO, Newton. Dissidência política e partidos: da crise com a regência ao declínio do II Reinado. In: PICCOLO, Helga I; PADOIN, Maria Medianeira. História do RS – Império I. : Méritos, 2006. 24 PICCOLO, op cit., 1992.

24 representante do 2º Círculo Eleitoral25. Em 1862, ele assumiu o cargo de Deputado Provincial na Assembleia do Rio Grande do Sul e o Partido Liberal Histórico impôs-se como maioria na 12ª legislatura (1866 e 1867) desbancando o Partido Liberal Progressista. Com a morte de Felix da Cunha em 1865 e a ida do Manuel Luis Osório, o Marques de à guerra do Paraguai, Gaspar Silveira Martins passou a liderar a bancada liberal na Assembleia Provincial. Entretanto, por decreto do governo imperial, no fim de 1866 as eleições no Rio Grande do Sul foram suspensas devido à participação do Império na Guerra do Paraguai. No fim da década de 1860, o contexto político-partidário imperial e provincial foi marcado por algumas indefinições partidárias que emergiram com a queda do Gabinete Zacarias e a subida do Gabinete conservador do Visconde de Itaboraí, em 1868. Com a emergência do Gabinete conservador, o Partido Conservador no Rio Grande do Sul foi reorganizado, e passou a abrigar a maioria dos liberais progressistas. Já no Rio de Janeiro, a rearticulação partidária uniu liberais históricos e progressistas no Partido Liberal, e um programa partidário foi criado em 186926. As discussões acerca desse programa aconteceram em conferências radicais, reuniões, debates organizados em torno dos clubes radicais. Sendo assim, em 1868 formou-se o Clube Radical, núcleo do futuro Partido Republicano, formado por uma ala mais radical dos liberais históricos que pertenceram à Liga Progressista a nível imperial. Gaspar Silveira Martins foi membro do Clube Radical do Rio de Janeiro no Império27. Em discussões e debates sobre reformas na Constituição Imperial, em 16 de maio de 1869 Silveira Martins pronunciou o discurso sobre o “Radicalismo”28 em uma conferência no Teatro Phenix Dramática, no Rio de Janeiro, além de vários artigos publicados no jornal A Reforma do Rio de Janeiro no ano de 1869. Esses discursos criticavam o sistema político do período, o Senado vitalício, a eleição indireta, a forma do sistema representativo monárquico, e defendiam o estado laico, a imigração europeia e a liberdade religiosa. Em um dos artigos publicados no jornal A Reforma do Rio de Janeiro Gaspar Silveira Martins declarou:

os liberaes não somos monarchistas, nem republicanos, somos liberaes; isto é: queremos a garantia dos direitos dos cidadãos em todas as suas manifestações, na pessoa, na religião, na propriedade, na indústria, no comercio, nas letras, nas artes, na associação; o governo para nós é uma

25 A lei eleitoral de 1860 dividia a Província do RS em dois círculos eleitorais. O 2º círculo eleitoral constituía os municípios de Rio Grande, São José do Norte, Pelotas, Piratini, Canguçu, Jaguarão, Bagé, Livramento, , , , São Borja, Cruz Alta e Passo Fundo (TRINDADE, Hélgio; NOLL, Maria. I. Rio Grande da América do Sul: partidos e eleições (1823-1990). Porto Alegre: Ed. da UFRGS/Sulina, 1991). 26 PICCOLO, 1992. 27 CONFERÊNCIA Radical. Opinião Liberal. Rio de Janeiro, p. 3, 11 maio 1869. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 5 jul. 2013. 28 MARTINS, Gaspar Silveira. Discurso sobre o Radicalismo. 8ª Sessão. Rio de Janeiro: Tyipografia e Lithographia Esperança, 1869. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

25 formula, é o meio de conseguirmos estes grandes fins, que nobilitam o individuo, engrandecem a pátria, e honram a humanidade.”29

Na Província do Rio Grande do Sul, a entrada dos liberais progressistas no Partido Conservador provocou cisões internas no partido. Assim, com a crise do Partido Conservador, o Partido Liberal cresceu no Rio Grande do Sul, mesmo em momentos em que a presidência da Província era conservadora. Nas eleições de 1872 para a Câmara dos Deputados, o Partido Liberal alcançou vitória na Província do Rio Grande do Sul, elegendo a maior parte dos deputados. Segundo Helga Piccolo30 foi a partir dessas eleições que a hegemonia do Partido Liberal se construiu na Província, permanecendo até 15 de novembro de 1889. A força política do Partido Liberal cresceu na oposição, afirmando-se a liderança de Gaspar Silveira Martins, que liderou o Partido na década de 1870. Nas eleições para deputado geral em 1872, Silveira Martins foi eleito representante da Província do RS junto ao governo imperial, cargo que exerceu concomitante ao cargo de Deputado Provincial no Rio Grande do Sul, pelo também Partido Liberal. Nas eleições para a Câmara dos Deputados em 1872, Silveira Martins foi eleito Deputado Geral pelo 2º Distrito Eleitoral31 da Província do Rio Grande do Sul, sendo eleitos também, o Conde de Porto Alegre, Araujo Brusque, Florêncio de Abreu, Barão de Mauá e Luis Flores. Logo após assumir a Câmara dos Deputados, Gaspar Silveira Martins fez crítica ao seu companheiro de partido, o deputado Barão de Mauá, devido o mesmo estar apoiando o Gabinete Conservador de Rio Branco. Com isso, Gaspar Silveira Martins propôs aos eleitores escolherem qual dos dois deputados era representante das ideias do Partido Liberal. A proposta de escolher entre Silveira Martins e Mauá ficou conhecida “repto à Mauá”. Os eleitores do 2º distrito eleitoral do Rio Grande do Sul resolveram essa questão, pois Silveira Martins e Mauá eram representantes daquele distrito. A decisão dos eleitores do 2º distrito eleitoral da Província foi de apoio a Silveira Martins, e Mauá renunciou ao cargo de Deputado Geral. Ao mesmo tempo, clubes liberais do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul manifestaram apoio a Silveira Martins no repto à Mauá32. Na Câmara dos Deputados, a pauta “Questão Religiosa” esteve em discussão a partir de 1872, na ocasião em que a administração do Império estava

29 QUEM não pode trapacêa III. A Reforma. Rio de Janeiro, p. 1, 25 jul. 1869. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 16 maio 2013. 30 PICCOLO, 1992. 31 Em 1872, o Rio Grande do Sul era dividido em 6 Distritos eleitorais. O 2º Distrito eleitoral era formado pela região norte da Província (TRINDADE; NOLL, 1991). 32 O periódico A Reforma do Rio de Janeiro publicou a manifestação de apoio do Clube Liberal de Vassouras, o diretório liberal de Itaguahy, e do 1º distrito eleitoral do Rio Grande do Sul a Gaspar Silveira Martins. (MANIFESTAÇÃO honrosa ao Dr. Silveira Martins. A Reforma, Rio de Janeiro, p. 1, 18 fev. 1873. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 7 jul. 2013); (CORRESPONDÊNCIAS do Rio Grande do Sul. A Reforma, Rio de Janeiro, p. 2, 27 fev. 1873. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 7 jul. 2013).

26 sob comando do Gabinete Conservador de Visconde de Rio Branco (1871-1875). A “Questão Religiosa” já estava posta, pois em 1869, nos artigos denominados “Recurso à Coroa”, Gaspar Silveira Martins denunciava o caso de alguns bispos estarem infringindo as liberdades civis de vigários e clérigos em suas paróquias. Foi o caso do bispo de Porto Alegre, Don Sebastião Laranjeiras, que suspendeu das funções diversos cônegos e párocos e demonstrou ser contrário à ordem maçônica33. E, em Pernambuco, frei Vital de Oliveira, bispo da Diocese de Olinda, que declarou “guerra aos maçons” e D. Antonio de Macedo Costa, bispo do Pará e outros bispos que se aliaram ao frei Vital. As atitudes dos bispos foram consideradas um “despotismo clerical” por Gaspar Silveira Martins:

não estou fazendo profissão de cathólico, estou desempenhando os deveres de cidadão patriota e liberal; trato de repellir o despotismo clerical, que opprime a consciência, restringe a liberdade civil e cercea a liberdade política, e não o faço em nome de Cesar, mas em nome de alguém mais cioso do seu poder do que Cesar; quer o nobre deputado saber quem é esse alguém? É a democracia: (Apoiados)34

Na Sessão da Câmara dos Deputados de 31 de julho de 1873, Gaspar Silveira Martins realizou uma interpelação ao Presidente do Conselho para que o governo informasse as providências tomadas a respeito da desobediência dos bispos em demitir párocos de suas dioceses, e defendeu a separação de Estado e Igreja35, a favor das liberdades civis dos cônegos36. Sob o Gabinete Conservador de Rio Branco, Silveira Martins e seus companheiros de Partido reivindicaram também alguns benefícios específicos à Província do Rio Grande do Sul, como a construção de estradas de ferro37, a criação da Escola Militar, o Tribunal da Relação e benefícios para a imigração estrangeira38.

33 Um protesto da loja Maçônica Indivisível de Santa Victoria do Palmar, Rio Grande do Sul, foi publicado pelo jornal Echo do Sul e republicado pelo O Liberal do Pará, em que a loja maçônica reclama dos desmandos que a ordem maçônica estava sofrendo por parte do Bispo Don Sebastião Laranjeiras e sua pastoral. (MAÇONARIA. O Liberal do Pará. Belém, p. 1, 18 abr. 1874. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 31 jul. 2013). 34 BRASIL. Câmara dos Deputados. Anais da ... Sessão de 31 jul. 1873, p. 352. 35 Percebe-se o contexto marcado pelo Padroado Régio, em que Igreja e Monarquia (Estado) estavam unidas, sendo a Igreja mantida pela Monarquia, e o Imperador o responsável pela nomeação dos bispos e vigários. 36 BRASIL. Câmara dos Deputados. Apêndice. Anais da ... Sessão de 31 jul. 1873, p. 350-353. Disponível em: . Acesso em: 27 jun. 2011. 37 O jornal A Reforma do Rio de Janeiro, em 24 de julho de 1874 traz uma reportagem que é uma resposta a uma carta enviada pelo Diário de Pelotas a Gaspar Silveira Martins, pedindo informação sobre o traçado da estrada de ferro. Na carta em resposta ao pedido, Gaspar diz que não prefere um lugar específico para passar a estrada, mas que deve ser feito um estudo, a fim de que a estrada passe por lugares mais industriosos e militares, pelos pontos mais ricos, para trazer desenvolvimento à Província do RS. (ESTRADA de ferro. A Reforma, Rio de Janeiro, p. 1, 24 jul. 1874. Localização: Arquivo Histórico de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil). 38 BRASIL. Câmara dos Deputados, op cit.

27 Na primeira página de O Amolador evidencia-se uma charge alusiva a “oratória, sabedoria e civismo” de Gaspar Silveira Martins:

Figura 7 - Jornal O Amolador (acervo do Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul).

28 Na ocasião da organização do Gabinete Liberal chefiado por Visconde de , em 5 de janeiro de 1878, Gaspar Silveira Martins foi indicado ao cargo de Ministro da Fazenda, exercendo-o até fevereiro de 1879. Nesse período, nos seus discursos estiveram presentes a defesa da eleição direta, a defesa da elegibilidade aos acatólicos, a criação de uma tarifa especial sobre produtos importados pela Província do Rio Grande do Sul, e a ampliação das estradas de ferro à Província. A tarifa especial à Província do Rio Grande do Sul foi decretada por Silveira Martins quando este foi Ministro da Fazenda em 187839. Além disso, como Ministro da Fazenda, Silveira Martins emitiu 60 mil contos de réis de papel-moeda para despesas com a seca que assolou o Norte do Brasil40. Como Deputado Geral e Ministro da Fazenda do Império, em discurso na Câmara dos Deputados no ano de 1879, ele pronunciou-se a respeito da tarifa especial, que fora decretada por ele mesmo, no decreto nº 7.101, de 30 de novembro de 187841:

Foi a tarifa uma medida fiscal para augmentar a renda do thesouro e não favor indébito para desfalcál-o em proveito de uma província. As fazendas que fazem objecto da tarifa especial mui poucas se importam pelas alfândegas, a totalidade entra de contrabando pelas fronteiras sem pagar direitos; o commercio licito difficulta-se na proporção que o contrabando prospera; as cidades marítimas decahem, enquanto as cidades da fronteira levantam-se pujantes [...]. Foi, portanto, o interesse do thesouro que dictou essa disposição, verdadeira medida fiscal, que o nobre deputado por Pernambuco lançou-me em rosto como um acto de puro provincialismo 42

Pela atuação de Silveira Martins na decretação da tarifa especial ao comércio da Província do RS, ele recebeu acusação do deputado José Mariano, da Província de Pernambuco, de ser uma “medida provincialista”, que beneficiaria apenas a Província do RS. Respondendo ao deputado, Gaspar Silveira Martins declarou que:

A tarifa não é um presente ao Rio Grande. Quinze annos vivi lutando naquela província por esta idéia que se acaba de realizar; dos meus adversários obtive o reconhecimento pleno deste direito e da justiça com que o reclamava: o gabinete de 7 de Março decretou a estrada de ferro do Rio Grande em 1873 por uma lei de cuja passagem fez questão de gabinete. Tal era o interesse que então ligava-se a esta medida altamente econômica e altamente patriótica, que obrigou o nobre deputado de Minas, o Sr. Martinho Campos a dizer – dou o meu voto porque essa estrada suppre um corpo de exércitos43

39 BRASIL. Câmara dos Deputados. Anais da ... Sessão de 10 jan. 1879. 40 BRASIL. Ministério da Fazenda. Proposta e relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa. Gaspar Silveira Martins. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1878. Localização: Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. 41 SOUZA, Suzana Bleil de. Fronteira, poder político e articulações comerciais no Brasil meridional do final do século XIX. Anuário IEHS, Universidad Nacional del Centro, Tandil, Argentina, v. 23, p. 305-333, 2008. 42 BRASIL. Câmara dos Deputados. Apêndice. Anais da ... Sessão de 10 jan. 1879. p. 413. Disponível em: . Acesso em: 5 abr. 2011. 43 Ibid., p. 412-413.

29 O Gabinete Liberal chefiado por Visconde de Sinimbu teve o objetivo de preparar a reforma eleitoral do Império, e para isso, a inclusão do item “elegibilidade dos acatólicos” foi defendida por Silveira Martins, a fim de que os imigrantes protestantes também pudessem ter direito a voto. Como esse item não foi incluído na reforma eleitoral, Silveira Martins se retirou do cargo de Ministro da Fazenda em 1879. Os direitos políticos aos estrangeiros e aos não católicos, item defendido por Silveira Martins, só foi concretizado em 1881 com a Lei Saraiva. A atitude de Silveira Martins não foi apoiada pelo general Osório, o que deu início ao afastamento entre ambos e à cisão interna do Partido Liberal na Província do RS. Essa cisão interna na década de 1880 levou à formação de dois grupos, os “gasparistas” e os “osoristas”44, divisão que foi ilustrada na caricatura do jornal Diabrete.

Figura 8 - Caricatura no “Diabrete”, de 3/11/1878, referente à dissensão liberal entre o General Osório e o conselheiro Gaspar Silveira Martins, em disputa pelo traçado da ferrovia. (Acervo do Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.)

No Senado Federal, Silveira Martins ocupou a vaga de Senador pelo Partido Liberal do RS entre 1880 a 188945. Seus discursos no Senado foram marcados por assuntos como a reforma administrativa do Império, a descentralização administrativa do Império, críticas às altas tarifas cobradas na importação do sal na

44 Segundo Helga Piccolo (1992, p. 63) os “gasparistas” constituiriam o Partido Federalista em 1892 e os “osoristas” seriam a base do Partido Republicano Rio-grandense a partir de 1889. 45 Segundo os dados fornecidos pelo site do Senado Federal, Silveira Martins atuou como senador nas 17ª, 18ª, 19ª e 20ª legislaturas do período legislativo do Império (1829-1889). Fonte: http://www.senado.gov.br/senadores/periodos/legisAnt.shtm

30 Província do Rio Grande do Sul, ao contrabando realizado na fronteira da Província do Rio Grande do Sul e ao melhoramento da barra do Rio Grande46. No período em que atuava como Senador do Partido Liberal, Gaspar Silveira Martins recebeu o título de Grão-mestre, demonstrando assim, sua participação na maçonaria:

Figura 9 - Silveira Martins como Grão-mestre da maçonaria. (ALVIM, 1985a)

Figura 10 - Silveira Martins como Grão-mestre da maçonaria na capa do folheto A Ordem Maçônica, Ano II, n. 9, jan./fev. 1975. (Acervo do Grande Oriente do Rio Grande do Sul (GORGS), Porto Alegre, RS.)

46 Em Sessão no Senado do dia 15 de setembro de 1882 Gaspar Silveira Martins defendeu a necessidade de resolver a questão do problema da barra de Rio Grande: “Os trabalhos a executar na barra tem duas partes: a sua desobstrucção para melhorar a navegação que cada vez se torna mais difícil, collocando a província tributaria de Montevideo; e a construção do porto, que, segundo os planos de vários engenheiros, não é só provável, mas certo poder construir-se” (BRASIL. Senado Federal. Anais do ... Sessão de 15 set. 1882, p. 326. Disponível em: . Acesso em: 9 mar. 2011).

31

Figura 11 - Quadro em homenagem a Gaspar Silveira Martins em 1920, da Loja Amizade de Bagé, na ocasião do traslado dos seus restos mortais. (Acervo do Museu Líbio Vinhas, da Loja Amizade, Bagé, RS. Imagem gentilmente disponibilizada pelo Sr. Edegar Quintana.)

32

Figura 12 - Silveira Martins como Grão-mestre da Ordem. Grande Oriente Brasileiro, 1883. (Acervo do Grande Oriente do Rio Grande do Sul (GORGS), Porto Alegre, RS.)

33 No momento em que Silveira Martins atuava como Senador, o mesmo era Deputado Provincial no Rio Grande do Sul. Na Assembleia em 1887, Silveira Martins foi relator da Comissão de Orçamento, e defendeu a necessidade de mais estudos acerca de um projeto de construção de uma estrada entre São Martinho e Santa Maria da Boca do Monte47. E em 1889 assumiu a presidência da Província do Rio Grande do Sul.

Figura 13 - Maioria Liberal da Assembleia Provincial em 1889. Da esquerda para a direita e primeiro os sentados: 1. José Francisco Diana; 2. Severino de Freitas Prestes; 3. Joaquim Pedro Salgado; 4. Gaspar Silveira Martins; 5. Joaquim Pedro Soares; 6. Francisco Carlos de Araújo Brusque; 7. Antônio Eleutério de Camargo. De pé, da esquerda para a direita: 8. Joaquim Antônio Vasques; 9. Orlando Carneiro da Fontoura; 10. Alfredo ; 11. Albino Pereira Pinto; 12. Antônio Ferreira Prestes Guimarães; 13. Carlos Von Koseritz; 14. Luiz Henrique Moura de Azevedo; 15. José Manoel da Silva Só; 16. Frederico Haensel; 17. Barão de Kalden; 18. Pedro Pereira Maciel; 19. João de Deus Martins; 20. Pedro Baptista Corrêa da Câmara; 21. Bento Soares de Oliveira; 22. Diniz Dias Filho. (Acervo Instituto Histórico e Geográfico do RS/IHGRS.)

A tarifa especial, decretada quando Silveira Martins foi Ministro da Fazenda, não surtiu efeito em relação ao contrabando, pois o Uruguai diminuiu o preço de suas tarifas e direitos de trânsito48. No ano de 1888, durante os trabalhos no Senado, Gaspar Silveira Martins apresentou uma emenda pretendendo rever a tarifa da Alfândega do RS, procurando dar a ela uma tarifa especial e integral para satisfazer

47 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da ... Sessão de 13 jan. 1887. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do RS, Porto Alegre. 48 SOUZA, 2008, p. 305-333.

34 as praças comerciais da Província e reduzir os impostos das repúblicas vizinhas 49. Nesse mesmo momento, Silveira Martins reclamou do imposto cobrado sobre o sal importado pela economia charqueadora da Província,

[...] porque mata a grande indústria da província; imposto impolitico, porque atira a província do Rio Grande do Sul nos braços do Estado Oriental. O sal, é matéria prima para a industria das carnes; e ao passo que no Estado Oriental e Republica Argentina paga elle um imposto insignificante de 60rs. por 100 litros, no Brazil paga-se pela mesma quantidade 1$, isto é: 919 rs. mais!50

Em 1889, Silveira Martins foi nomeado Conselheiro de Estado Extraordinário pelo Imperador51. E, nesse mesmo ano, em 24 de julho, assumiu a Presidência da Província do Rio Grande do Sul. Após alguns meses como Presidente de Província, Silveira Martins foi chamado ao Rio de Janeiro para assumir o novo ministério liberal que estava sendo organizado. A caminho da Corte, em Desterro, Santa Catarina, foi preso, sendo logo em seguida levado ao Rio de Janeiro, onde foi emitido o decreto de seu exílio. Com a Proclamação da República em novembro de 1889, o governo Provisório de Deodoro da Fonseca emitiu o Decreto nº 78 de 21 de dezembro que desterrou Silveira Martins do território nacional, pois o mesmo foi considerado uma ameaça ao regime do novo governo republicano. Em exílio na Europa, Silveira Martins esteve na Inglaterra, França, Alemanha, Portugal. Em dezembro de 1891, o jornal A Reforma noticiou o retorno de Silveira Martins do exílio52. Em janeiro de 1892 Silveira Martins chegou à Província do Rio Grande do Sul. Com o retorno de Silveira Martins ao Rio Grande do Sul, ex-liberais e dissidentes do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) organizaram o Partido Federalista (PF), em um Congresso reunido em Bagé, Rio Grande do Sul (cidade em zona de fronteira). Nesse Congresso foi elaborado um Programa Partidário que teve como principal defesa a República Representativa Parlamentarista, fundamentalmente o Parlamentarismo como sistema de governo, que se contrapôs ao Presidencialismo instituído pelo regime republicano a partir de 1889 e ao governo autoritário estadual de Julio de Castilhos no Rio Grande do Sul.

49 BRASIL. Senado Federal. Anais do ... Sessão do dia 13 nov. 1888. p. 554. Disponível em: . Acesso em: 7 fev. 2011. 50 BRASIL. Senado Federal. Anais do... Sessão do dia 14 nov. 1888. p. 555. Disponível em: . Acesso em: 7 fev. 2011. 51 BRASIL. Organizações e Programas Ministeriais: regime parlamentar no Império. Brasília: Departamento de Documentação e Divulgação, 1979. A Lei de criação do Conselho de Estado, decretou que ele seria composto de Membros Ordinários, além de até doze Conselheiros extraordinários, ambos nomeados pelo Imperador. As competências dos Conselheiros de Estado extraordinários são as de: servir no impedimento dos ordinários, sendo para esse fim designados; e ter assento, e voto no Conselho de Estado, quando forem chamados para alguma consulta.(Fonte: BRASIL. Senado Federal. Subsecretaria de Informações. Lei nº 234 - de 23 de novembro de 1841. Creando um Conselho de Estado. Coleção de Leis do Brasil de 31/12/1841. Brasília, DF, 1841. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2013.) 52 MARTINS, Gaspar Silveira. A Reforma. Rio Grande do Sul, p. 1, 2 dez. 1891. Localização: Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, Porto Alegre, RS; MARTINS, Gaspar Silveira. A Reforma, Rio Grande do Sul, p. 1, 17 dez. 1891. Localização: Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, Porto Alegre, RS.

35 As divergências de ideias, projetos e interesses entre o Partido Federalista e o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) levaram ao desenvolvimento da Revolução Federalista de 1892 a 1895. Silveira Martins participou como um dos chefes da Revolução Federalista contra o grupo dos republicanos, que tinham por líder Julio de Castilhos. Os federalistas concentraram-se no norte Uruguai, pois os mesmos mantinham boas relações tanto com o Partido Blanco, quanto com o Partido Colorado. Gaspar Silveira Martins, do Uruguai, onde tinha propriedades, comandou a invasão ao Rio Grande do Sul. Em 1895, um pouco antes de terminar a guerra civil, Gaspar Silveira Martins ficou exilado em Buenos Aires, Argentina. Com o fim da Revolução Federalista, em 1896 foi organizado um novo Congresso do Partido Federalista, presidido por Gaspar Silveira Martins. Nesse Congresso defendeu-se a continuidade do Partido e a oposição a Constituição Federal da República. Este programa teve característica centralizante, de formação de um Estado unitário federal, para evitar o excesso de poder nas constituições e poderes estaduais. Silveira Martins estava estabelecido no Uruguai, no Departamento de Tacuarembó, na estância do Rincão do Pereira, costa do Rio Negro. Em seu inventário, consta que dois de seus filhos, Álvaro Silveira Martins e José Julio Silveira Martins moravam em Tacuarembó. Já seu filho, Carlos Silveira Martins, formado em Direito em São Paulo, foi secretário da Província do Rio de Janeiro53 e morava no Rio de Janeiro54. Gasparina Silveira Martins, filha de Silveira Martins e D. Adelaide Coutinho, casou-se com Lafayette Coutinho Rodrigues Pereira, filho do Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira e de Francisca Coutinho Rodrigues Pereira, natural do Rio de Janeiro55. Dona Adelaide Coutinho, esposa de Gaspar Silveira Martins, morava no Rio de Janeiro, assim como suas filhas Francisca Martins Ramos, casada com seu primo-irmão Eduardo Ferreira Ramos e Gasparina Silveira Martins com seu esposo Lafayette Coutinho Rodrigues Pereira56. Outra filha do casal, D. Adelaide Silveira Martins, casou-se com o Dr. Olympio Baptista da Silva Leão em 188557. Gaspar Silveira Martins faleceu em 23 de julho de 1901, em Montevidéu, Uruguai, conforme seu atestado de óbito:

53 JORNAL O MERCANTIL. Rio de Janeiro, p. 2, 4 fev. 1885. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2013. 54 INVENTÁRIO de Gaspar Silveira Martins, 1901. 55 GASPARINA Silveira Martins. Brasil, Registro Civil, 1870-2012. Rio de Janeiro, 5ª Circunscrição, Matrimônios 1899-1902, v. 2, imagem 138. Disponível em: . Acesso em: 9 maio 2013. 56 INVENTÁRIO ..., op cit. 57 NOTICIÁRIO. O Paiz. Rio de Janeiro, p. 1, 12 set. 1885. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. . Acesso em: 29 maio 2013.

36

Figura 14 - Atestado de óbito de Gaspar Silveira Martins, Montevidéu, 24 de julho de 1901 (documento encontrado na Câmara de Vereadores do Município de Silveira Martins, RS, Brasil).

37 Pouco antes de falecer, Gaspar Silveira Martins concedeu uma entrevista a Pedro Moacyr, em que compôs seu Testamento Político, publicado na imprensa em setembro de 190158. Segundo Rodrigues59, o Testamento Político de Gaspar Silveira Martins foi uma resposta alternativa à Carta Estadual de 14 de julho de 1891, elaborada por Julio de Castilhos60. O pensamento político presente no Testamento foi apresentado para ser um novo projeto do Partido Federalista, firmado por Pedro Moacyr, Rafael Cabeda, e Alcides de Mendonça Lima. Este documento é composto de 22 itens61:

1º - Eleição do Presidente da República pelo Congresso Nacional (sistema francês).

2º - Supressão conseqüente do cargo de vice-presidente da República.

3º - Ampliamento dos casos de intervenção federal nos Estados (sistema argentino, em fundo).

4º - Os ministros poderão assistir às sessões do Congresso, tomar parte no debate e responderão às interpelações na Câmara, mediante aprovação, pela maioria, da proposta de interpelação proposta por qualquer deputado.

5º - Os ministros reunir-se-ão em gabinete, ou conselho, havendo um presidente, sob a direção do Presidente da República, com responsabilidade solidária nas questões políticas e de alta administração.

6º - Os ministros serão livremente nomeados e demitidos pelo Presidente da República, que, porém, será obrigado a demiti-los sempre que o Congresso, reunido em comissão geral, manifestar-lhes desconfiança por dois terços dos presentes.

7º - O mandato presidencial será de sete anos, o da Câmara dos Deputados de quatro anos, e o do Senado Federal, de oito anos, sem renovação parcial.

8º - A Câmara será reduzida a cento e cinqüenta deputados, aproximadamente, estabelecido novo e mais largo quociente para a representação.

9º - Não haverá subsídio nas prorrogações, podendo o Congresso funcionar cinco meses.

58 FRANCO, Sérgio da Costa. O Partido Federalista. In: RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; AXT, Gunter (org.). História geral do Rio Grande do Sul - República Velha (1889 – 1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. v.3, tomo I. 59 RODRIGUES, Ricardo Vélez. O Castilhismo e as outras ideologias. In: RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; AXT Gunter (org.). História do Rio Grande do Sul - República Velha (1889 – 1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. v.3, tomo I. 60 Ibid.. 61 Testamento político de Gaspar Silveira Martins. (FRANCO, Sergio da Costa. O Partido Federalista do Rio Grande do Sul (1892-1828). (Série Caderno de História, n.13). Disponível em: . Acesso em: 30 jul. 2013).

38 10º - As Constituições dos Estados serão revistas pelo Senado Federal, que lhes dará o tipo político uniforme da União.

11 - Sempre que houver reforma constitucional em um Estado, será submetida à aprovação do mesmo Senado, sem a qual não prevalecerá.

12 - Unidade de direito e de processo.

13 - Das decisões finais das magistraturas locais, haverá sempre recurso voluntário para a Justiça Federal, que, além dos órgãos existentes, terá tribunais regionais de revista no sul, norte e centro da República.

14 - Ao Supremo Tribunal Federal incumbirão, além das atuais atribuições, o processo e o julgamento nos crimes políticos de responsabilidade dos altos funcionários da União e dos Estados.

15 - As rendas e impostos da União e dos Estados sofrerão nova e radical discriminação, de modo a ficar aquela dotada com mais abundantes recursos.

16 - Os Estados não poderão contrair empréstimos externos sem prévia aprovação do Senado Federal.

17 - Os Estados não poderão organizar polícias com caráter militar, isto é, com o armamento, tipo e mais condições peculiares ao Exército e à Guarda Nacional, incumbindo o serviço de segurança a guardas civis, de exclusiva competência municipal.

18 - Reverterão ao domínio da União as terras devolutas.

19 - Os governos estrangeiros não poderão adquirir imóveis no território nacional sem expresso consentimento do Poder Executivo.

20 - Haverá uma só lei eleitoral para todo o país (União, Estados e municípios).

21 - Será mantida a autonomia municipal, porém, as leis orgânicas respectivas e as de orçamento submetidas à aprovação das legislaturas estaduais.

22 - Os governadores dos Estados serão eleitos por sufrágio direto de cada um, em lista tríplice, da qual o Senado Federal escolherá o Governador, ficando os outros votados classificados 1º e 2º vice- governadores62.

No congresso do Partido Federalista de 1901 em Bagé, o testamento político não foi adotado como programa partidário devido às resistências em torno de alguns detalhes do funcionamento do sistema parlamentar e à forma de eleição do Presidente do Estado63.

62 Testamento político de Gaspar Silveira Martins. FRANCO, Sergio da Costa. O Partido Federalista do Rio Grande do Sul (1892-1828). In: Caderno de História, nº 13. Memorial do Rio Grande do Sul. In: http://www.memorial.rs.gov.br/cadernos/maragatos.pdf. 63 FRANCO, Sergio da Costa. O Partido Federalista. In: RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; AXT Gunter (org.). República Velha (1889 – 1930). Passo Fundo: Méritos, 2007.

39 Gaspar Silveira Martins foi enterrado no panteão da família Suarez, em Montevidéu, no Cemitério Central. O jornal La Nación comunicou o falecimento do político64 e no mesmo jornal, foi publicado um telegrama assinado por amigos da província de Salto, no Uruguai, no qual autorizavam a compra de uma coroa de flores ao túmulo de Silveira Martins65. A notícia de seu falecimento também repercutiu no Rio de Janeiro, onde Gaspar Silveira Martins morou por muitos anos. O jornal Cidade do Rio exibiu em sua capa uma homenagem ao falecimento do político.

Figura 15 – Jornal Cidade do Rio. Diretor José do Patrocínio. Rio de Janeiro, 25 jul. 1901, p. 1. (Acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.)

Em 1907, Adelaide Coutinho Silveira Martins, viúva de Gaspar Silveira Martins, escreveu um telegrama ao Presidente do Estado, Borges de Medeiros, agradecendo-o pela iniciativa em trasladar o corpo de Gaspar Silveira Martins para o

64 O jornal “La Nación” de Montevidéu comunica o falecimento “del notable hombre publico brasileño Conselheiro Gaspar Silveira Martins, que tanto actuó em la política del vecino país”. Fallecimiento de Silveira Martins. La Nación, Montevidéu, 24 jul.1901. Rojo 321, pg. 1. Acervo da Biblioteca Nacional do Uruguai. 65 A la memória de Silveyra Martins. La Nación, Montevideo, 28 jul. 1901, p. 1. Acervo da Biblioteca Nacional do Uruguai, Montevidéu, Uruguai.

40 Rio Grande do Sul66. Dezenove anos depois, em 1920, os restos mortais de Gaspar Silveira Martins foram trazidos ao Rio Grande do Sul, passando pelas cidades de Rio Pardo, Santa Maria até serem depositados na Igreja Matriz de Bagé, Rio Grande do Sul, onde permanecem até hoje67.

Figura 16 - Monumento de Silveira Martins no centro da Praça Silveira Martins (praça central), em Bagé, RS, Brasil. (Imagem gentilmente disponibilizada pelo Sr. Edegar Quintana.)

Figura 17 - Busto em bronze de Gaspar Silveira Martins. (Acervo da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.)

66 MARTINS, Gaspar Silveira. A Federação. Rio Grande do Sul, p. 2, 28 ago. 1907. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 19 ago. 2013. 67 MARTINS, Gaspar Silveira. Jornal Gaspar Martins. Santa Maria, 28 jun. 1920. Localização: Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria.

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Figura 18 - Retrato de Gaspar Silveira Martins tirado à época em que proferiu discurso em 1877. (MARTINS, Gaspar Silveira. Um discurso parlamentar de Silveira Martins. Porto Alegre: Livraria do Globo; Barcellos Bertaso e Cia, 1921. Localização: Acervo de Obras Raras da Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).)

Assim, resumindo a atividade política de Gaspar Silveira Martins, Joaquim Nabuco expressou suas impressões acerca da atuação de Gaspar Silveira Martins no cenário político do Império:

Um homem novo começava a apparecer na politica, e revelava, desde os seus primeiros actos, uma independência, uma força, uma audácia,como de certo ainda não se tinha visto, batendo ás suas portas em nome de um direito até então desconhecido: o do povo. Era Silveira Martins. A figura do tribuno, como depois a do parlamentar, e ratalhada em formas colossaes; não havia n'elle nada de gracioso, de' modesto, de humilde,de pequeno; tudo era vasto, largo, soberbo, dominador.

[...] em todas as posições, que se abateram diante d'elle para que elle entrasse sem subir, em todos os papeis que desempenhou, Silveira Martins foi sempre único, differente de todos os mais; possante e solido, súbito e irresistível, natural e insensível, como uma tromba ou um cyclone. Elle é o seu próprio auditório, sua própria claque;respira no"espaço illimitado da sua individualidade, da sua satisfação intima, dos seus triumphos decretados com justiça por elle mesmo e depois homologados pela massa obediente,como o gaúcho, respira nos Pampas, onde, no horizonte inteiro, nada vem interceptar, opprimir o seu largo hausto. É em uma palavra, uma figura fundida no molde em que a imaginação prophetica vasava as suas creações. É o Sansão do Império68

68 NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império: Nabuco de Araujo: sua vida, suas opiniões, sua época. Rio de Janeiro: Garnier; Livreiro-Editor, 1918. p. 187-188. Tomo III. Disponível em: . Acesso em: 31 jul. 2013.

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2 LIBERALISMO

Profa. Dra. Maria Medianeira Padoin1 Monica Rossato2

A temática do Liberalismo presente no processo histórico de construção e formação do estado nacional brasileiro está vinculada, diretamente, à trajetória política de Gaspar Silveira Martins, especialmente no século XIX. Para tratarmos deste tema, partimos de explicações fornecidas por Norberto Bobbio, que afirma que “o Liberalismo é um fenômeno histórico que se manifesta na Idade Moderna e que tem seu baricentro na Europa (ou na área atlântica), embora tenha exercido notável influência nos países que sentiram mais fortemente esta hegemonia cultural”3. Nesse sentido, o Liberalismo é “um fato histórico, isto é, um conjunto de ações e de pensamentos, ocorridos num determinado momento da história européia e americana”4. O Liberalismo teve início no contexto do século XVII, quando o absolutismo era forte na França e quando, na Inglaterra, revoluções lideradas pela burguesia procuraram limitar a autoridade dos reis. A Revolução Puritana e depois a Revolução Gloriosa (1688) liquidaram com o absolutismo, sendo que na última revolução, Guilherme III, proclamado rei, aceitou a Declaração de Direitos que limitava sua autoridade e dava mais poderes ao Parlamento em detrimento do poder executivo. Essas ideias surgidas nesse contexto influenciaram as concepções políticas nos séculos XVII e XVIII, inclusive na América, na independência dos Estados Unidos (1776) e na França com a Revolução Francesa (1789), na declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão5. Na conhecida era liberal, surgida com as revoluções, se deu a formação do Estado Liberal no século XIX na Europa, antes mesmo do termo liberal ter uso político, pois “um Estado tem a finalidade de garantir os direitos do indivíduo contra o poder político e, para atingir esta finalidade, exige formas, mais ou menos amplas, de representação política”6. Temos então na definição do Liberalismo o conjunto de ideias éticas, políticas e econômicas, especialmente vinculadas a burguesia que se opunha à visão de mundo da nobreza feudal.

1 Professora Associada do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Professora do Programa de Pós-Graduação em História da UFSM. Doutora em História pela UFRGS. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria, bolsista FAPERGS/CAPES. 3 Como na Austrália, America Latina e, em parte, a Índia e o Japão. (BOBBIO, Noberto. Dicionário de Política. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1992. v.2, p. 687.) 4 Ibid., p. 687. 5 ARANHA, Maria Lucia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. p. 216. 6 BOBBIO, op cit., p. 690.

44 Nessa era liberal, a individualidade - do indivíduo e da nação - garantiu o direito à livre manifestação e com isso, à liberdade, provocando mudanças na Europa: uma liberdade encarada desta maneira provoca, em todos os segmentos da sociedade, conseqüência tais que são capazes de modificar rapidamente a face da Europa: na vida econômica, a ruptura dos laços corporativos e dos privilégios feudais possibilita a arrancada econômica [...]; no campo político, forma-se uma opinião pública esclarecida que, pela livre discussão exerce controle sobre o Governo; em todos os campos da vida social, política e cultural, a luta se dá contra a opressão clerical pela abolição da mão-morta e do foro eclesiástico e pela laicidade do Estado e do ensino; e, enfim, luta-se contra as monarquias absolutas, a fim de se conseguir Constituições, instituições representativas, responsabilidade de Governo, em outras palavras, novas instituições que, muitas vezes, não passam de um compromisso entre absolutismo e revolução, monarquia e soberania popular. Este compromisso, sob a pressão das forças democráticas, se revela prejudicial à monarquia, mesmo se do antigo Estado absolutista permanecem as grandes estruturas como a burocracia e o exercito permanente7.

Nesse contexto, o Estado nacional ou moderno “se configura como a característica sintética da era liberal” e para dar expressão política à nação8. A era liberal não surgiu por acaso na Europa. Além das ideias favorecidas pelo contexto cultural da Europa moderna (Humanismo), a Europa herdou o Estado Liberal, que se definiu pela tradição da Inglaterra e dos movimentos revolucionários dos Estados Unidos e da França9. Com isso, podemos sintetizar o Liberalismo no seu âmbito ético, em que defende a garantia dos direitos individuais do indivíduo, como a liberdade de pensamento, a liberdade religiosa, o que supõe um estado de direito. No âmbito político, temos o forte combate ao Absolutismo e ao direito divino dos reis, buscando nas teorias contractualistas as formas de legitimação do poder. Em decorrência disso, se processa o aperfeiçoamento do sistema eleitoral e da representação, a autonomia e divisão dos poderes, e assim a limitação do poder central. No que se refere ao âmbito econômico, ou ao liberalismo econômico, se deu o combate ao mercantilismo, em que o lema dos fisiocratas “laissez-faire, laissez- passer, le monde va de lui-mêmme” (“deixe fazer, deixe passar, que o mundo anda por si mesmo”) foi o grande impulso para a defesa da propriedade privada, pela economia de mercado baseada na livre iniciativa e na competição. Neste primeiro momento, esteve presente a defesa do estado não intervencionista. Entre os teóricos, temos Rousseau (1712-1778) e John Locke (1632-1704), que partem da concepção individualista, pela qual os homens isolados pelo estado de natureza se unem por meio do contrato social para construir a sociedade civil. Para Locke, os direitos naturais dos homens não desaparecem devido a este consentimento (contrato), mas subsistem para limitar o poder do rei, ou seja, dão as bases para a justificativa do direito à insurreição caso esse poder seja

7 BOBBIO, 1992, p. 690. 8 Ibid., p. 690. 9 Ibid..

45 autoritário/tirânico. Para ele, o poder tem fundamentação nas instituições políticas e não no árbitro dos indivíduos. Com isso, o poder supremo encontra-se no legislativo e não no poder executivo, como defendia Hobbes (1588-1679). Já para Rousseau a soberania está não no soberano ou no governo, mas sim no povo. Para ele, a soberania do povo, manifesta pelo legislativo, é inalienável. Montesquieu (1689-1755) procurou estabelecer as relações que possuem as leis com a natureza e assim com o princípio de cada governo, sendo bases do constitucionalismo. Tais ideias levaram a defesa da separação dos poderes, pois segundo ele “só o poder freia o poder”, decorrendo a necessidade de sua divisão em executivo, legislativo e judiciário, garantindo assim a autonomia e o equilíbrio10. Após a era liberal, o Estado liberal continuou existindo na forma liberal- democrática11. O destaque para a liberdade fundamentada na propriedade passará para a exigência da igualdade, procurando que a liberdade se estenda a um número cada vez maior de pessoas, garantidas por meio da legislação e de garantias jurídicas. No século XIX, observa-se então a presença do Liberalismo Conservador e do Liberalismo Radical. Sinteticamente, o primeiro defende a liberdade sem a presença da igualdade, enquanto o segundo defende a igualdade. Assim, o Liberalismo apresentou-se de diferentes formas, conforme os grupos políticos envolvidos nos processos históricos, pois nos diferentes países o “Liberalismo defrontou-se com problemas políticos específicos, cuja solução determinou sua fisionomia e definiu seus conteúdos”12. Mas o pressuposto básico do Liberalismo é a liberdade do indivíduo frente aos valores sociais, frente às necessidades do homem e suas correlações intrínsecas com o Estado. Desde John Locke, em defesa dos direitos naturais, de Montesquieu no sistema da tripartição dos poderes, de Rousseau com a soberania nas mãos do povo até a consolidação da doutrina, com Stuart Mill, em 1859, quando reafirma as ideias de Rousseau, as repercussões se deram de acordo com as realidades locais e temporais. Segundo Bobbio, esse Estado liberal teve continuidade demonstrando ter capacidade de se adequar às diferentes situações históricas. Assim, o autor conclui:

não podemos olhar para o Liberalismo como sendo uma simples ideologia política de um partido, mas como uma idéia encarnada em instituições políticas e em estruturas sociais. Todas as grandes ideologias do século XIX – a democrática, a nacionalista, a católica (nos seus aspectos reacionários ou social), a socialista – na medida em que se afastaram explicitamente do Liberalismo, buscaram a edificação de uma outra forma de Estado que, conforme a matriz ideológica, poderia ser um Estado autoritário ou uma democracia populista ou autoritária.13

No Brasil, no século XIX, Gaspar Silveira Martins em sua trajetória política demonstrou ser um adepto do Liberalismo, cujos princípios defendia. Frente à organização política do Estado Imperial, Gaspar Silveira Martins defendeu o

10 ARANHA; MARTINS, 1993, p. 216-230. 11 BOBBIO, 1992. 12 Ibid., 13 Ibid., 1992, p. 691.

46 fortalecimento do Parlamento (legislativos imperial, provincial e municipal), a limitação da autoridade e do poder do Monarca, a descentralização do poder e o Estado laico. Podemos pensar que a sua formação no curso de Direito14 possibilitou que Silveira Martins adquirisse conhecimento e gosto pelos ideários do Liberalismo. Além da sua formação acadêmica, Silveira Martins era natural de uma região fronteiriça, espaço influenciado pelos acontecimentos políticos que se desenrolavam no Prata, no século XIX, região em que destacaram-se defesas por ideias liberais presentes na Revolução Francesa e nos processos de independência na América. Dentre as influências, tem-se a temática do federalismo que esteve presente no Rio Grande do Sul, associado ao artiguismo e apropriado pela elite política e econômica, visando a organização de um Estado que atendesse seus interesses, especialmente neste espaço fronteiriço platino15. Um dos exemplos foi a eclosão da Revolução (1835-1845) como uma variável do processo de descolonização da América espanhola16, em que ideais de autonomia, federalismo, republicanismo e independência tiveram na região fronteiriça platina seu espaço de circulação e apropriação desses ideais pelos diferentes grupos políticos do período e, que muito influenciaram nos rumos da organização política provincial/estadual. Nesse contexto, que podemos situar Gaspar Silveira Martins, natural de uma região fronteiriça, que teve uma atuação política na qual se destacaram a defesa do federalismo e de ideais e princípios do Liberalismo. Em seus discursos, visualizamos opiniões e ideias que priorizavam, especialmente, as liberdades individuais, a descentralização do Estado e a defesa do poder Legislativo. Por exemplo, em discurso na Assembleia Provincial de 1862, Gaspar Silveira Martins expressou seu princípio de defesa dos direitos e liberdades:

Membro de um paiz livre eu zélo Sr. presidente, os direitos e a liberdade dos meus concidadãos, como os proprios direitos, e a propria liberdade; magistrado devo auxílio e protecção aos opprimidos; a lei tem por fim a garantia da pessoa e do direito do cidadão, e não é como em geral entendem, e praticam as autoridades policiaes um instrumento de satisfação para seus odios vingativos, e torpes, e mesquinhas paixões17.

Neste primeiro ano como Deputado Provincial, Gaspar Silveira Martins, frente ao poder que estava sendo exercido pelos chefes de polícia e delegados do

14 No Brasil, pela Lei de 11 de agosto de 1827 foram criados dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na cidade de Olinda, sendo esse transferido para o Recife em 1854 e outro para São Paulo. (PRESIDÊNCIA da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei de 11 de agosto de 1827. Crêa dous Cursos de sciencias Juridicas e Sociaes, um na cidade de S. Paulo e outro na de Olinda. Disponível em: . Acesso em: 15 jun. 2013 às 20:35:15). 15 PICCOLO, Helga Iracema L. O Federalismo como Projeto Político no Rio Grande do Sul. In: TARGA, Luis Roberto P. (org.). Breve inventário de temas do sul. Porto Alegre: UFRGS: FEE; Lajeado: Univates, 1998. 16 PADOIN, Maria Medianeira. O federalismo gaúcho: fronteira platina, direito e revolução. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001. 17 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da ... Sessão de 22 set. 1862, . p. 5-11. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.

47 governo central, acusou-os de violar as liberdades e direitos individuais. Essa questão mereceu um longo discurso de Gaspar Silveira Martins na Assembleia Provincial, ao considerar que muitas vezes o princípio da autoridade infringia o princípio da liberdade individual: um dos grandes mestres da política liberal, o illustre Sismondi, fallando da discussão – diz – a discussão sempre refreia o poder, e os próprios monarchas a temem, porque ella os faz descer de sua posição de soberanos para trata-los como funcionários, que são. Nunca, Sr. presidente, se dá demasiada importância à liberdade individual; o poder tem sempre tendências para coartal-a, para destruil- a mesmo, e nos animamos essas tendências com o nosso habitual indifferentismo. Decrescentes de tudo, fatigados da luta nos recolhemos ao nosso lar, e deixamos à policia e a autoridade a liberdade dos nossos concidadãos. – Cegos não vemos que a liberdade individual é um principio, e os princípios uma vez quebrados desapparecem, e se extinguem; daí a policia o direito de prender a seu arbítrio e todas as liberdades são cadeas [...] na liberdade se encerram todas os direitos do homem; e foi por isso que a nossa constituição no art. 179 chamou a base de nossos direitos; sobre ella realmente se levantam em pyramide todas as liberdades, todas s acham nesse único direito virtualmente contidas!18

Tendo por fundamento teórico o Liberalismo, em 1863, na Assembleia Legislativa Provincial, Gaspar Silveira Martins citou o inglês John Stuart Mill, e o entendimento que este autor apresentou a respeito do progresso: “Um escriptor célebre, o inglês J. Stuart Mill que nós ambos estamos habituados a consultar, fazendo a apreciação do progresso e não da conservação, diz que o progresso, é a ordem, é a conservação, e alguma cousa a mais; porém como se vê, falla do progresso e não da conservação [...]”19 A Carta Constitucional de 1824 garantiu a organização de um Estado Imperial centralizado20. As manifestações políticas e as críticas à centralização levaram à promulgação do Ato Adicional21 de 1834, que atribuiu maior autonomia às províncias, com a criação das Assembleias Provinciais. Entretanto, a partir da Revisão do Ato Adicional, realizada pelos conservadores em 1840, a autonomia das Províncias sofreu limitações, o que foi motivo de crítica por parte de Gaspar

18 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da ... Sessão de 22 set. 1862, p. 9. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 19 MARTINS, Gaspar Silveira Martins. Discurso na Sessão de 6 de abril de 1863. Jornal O Mercantil, 20 abr. 1863, p. 1. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. 20 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil (de 25 de março de 1824). 21 O Ato Adicional originou-se de um projeto de reforma constitucional aprovado na Câmara dos Deputados em 1832, onde estabelecia, além de outras questões, a criação das Assembleias Legislativas Provinciais com autonomia, limitação do Executivo e a substituição da Regência Trina pela Una, eleita pelas Assembleias Provinciais. Às Assembleias cabia o direito de determinar as despesas municipais e as provinciais e os impostos que deveriam ser cobrados para fazer frente a tais despesas. Eram responsáveis pela fiscalização das rendas públicas provinciais e municipais, além do controle final das contas. Cabia à Assembleia as divisões civil, judiciária e eclesiástica da província (DOLHNIKOFF, 2005, p. 99).

48 Silveira Martins. Assim, Silveira Martins considerou as Assembleias Provinciais como símbolos da autonomia provincial e como umas das primeiras conquistas da liberdade do Brasil22. No Rio de Janeiro, no contexto de reorganização partidária de liberais e conservadores na década de 1860, Gaspar Silveira Martins participou de uma conferência radical, pronunciando discurso que ficou conhecido por “Radicalismo”. Nesse discurso, que foi impresso, estão presentes as principais ideias liberais defendidas pelo político, em que algumas delas se contrapõem à administração imperial do período: a vitaliciedade do senado, segundo Silveira Martins, era fatal à liberdade, assim como a união entre Estado e Igreja; ao falar sobre a representatividade do Império, ele comentou “Mas, assim como nos queremos a garantia dos cidadãos contra as violências do governo, também queremos garantias das pequenas províncias contra as grandes e a das grandes contra o Império todo”23. Nesse mesmo discurso, Gaspar Silveira Martins falou sobre a situação da Província do Rio Grande do Sul em relação à sua representatividade nacional: Ultimamente ainda a minha província do Rio Grande, depois de tantos sacrifícios foi excluída da representação nacional; (Muito Apoiados!) 10 províncias se reunirão, e nós fomos despojados do nosso direito; decretarão que se levantasse no Rio Grande um terceiro exercito, decretarão-se novos impostos, tudo sem sermos ouvidos. Por menos do que isso a America do Norte fez a sua revolução e independência, e nós, os rio-grandenses, que tantos serviços havemos prestado à pátria no campo da batalha (numerosos apoiados!) ainda nos sujeitamos, não digo ao sacrifício do imposto, senão ao de nossos direitos! (Muito bem!)24

Segundo Helga Piccolo, o posicionamento do Partido Liberal na década de 1860 foi de propor reformas à administração imperial: a defesa de uma maior participação no governo, o fim da vitaliciedade do Senado (em nome da soberania do povo), a autonomia provincial, eleição direta, descentralização, entre outros. Para a autora “vê-se claramente a filiação do Partido Liberal a determinadas correntes ideológicas do século XIX onde o liberalismo pregava a descentralização como fundamental limitar o poder, esse transferido do centro para a periferia”25. Ao falar sobre o regime despótico, Silveira Martins argumentou em favor ao regime liberal: No regime liberal, não se dão tais fatos; os povos, longe de serem escravos, são verdadeiros soberanos, e os monarcas só são monarcas por aclamação dos povos. Pela revolução de sete de abril, consolidou-se a Constituição, ate ali apócrifa; a reforma de 12 de agosto de 1834 consagrou o pacto

22 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da ... Sessão de 23 nov. 1867, p. 532. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 23 MARTINS, Gaspar Silveira. Conferência Radical, oitava Sessão, 1869, p. 24 e 25. Discurso proferido pelo Sr. Dr. Gaspar Silveira Martins sobre o Radicalismo. Rio de Janeiro: Typografia e Lithographia Esperança, 1869. Localização: Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 24 Ibid., p. 25. 25 PICCOLO, Helga Iracema L. A política rio-grandense no Império. In: DACANAL, Jose Hidelbrando; GONZAGA, Sergius (Orgs.). RS: economia e política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. p. 105.

49 fundamental que rege o Império, dando uma certa autonomia as províncias com a criação das assembléias provinciais. Pela Lei das Reformas Constitucionais elegem-se, de dois em dois anos, os mandatários da Província, como pela Constituição, de quatro em quatro anos os mandatários da Naçao, para votarem as contribuições que no ano se hão de pagar. Somos, pois, neste regime os cidadãos, que a nos mesmos nos taxamos, determinando a contribuição de cada um, como nas associações se marca a quota de entrada, ou a mensalidade de cada associado26.

Nesse sentido, principalmente na década de 1870, Gaspar Silveira Martins defendeu a laicização do Estado e combateu o Padroado Régio. A liberdade religiosa (especialmente aos que não professavam a religião católica, como os protestantes e judeus), o casamento civil, a elegibilidades dos acatólicos, e o apoio à vinda de imigrantes europeus ao Brasil, também foram defendidos em sua trajetória política, princípios que promoveriam a liberdade individual dos cidadãos brasileiros. Enquanto Ministro da Fazenda em 1878, Gaspar Silveira Martins defendeu também a reforma eleitoral, constituindo uma de suas ideias políticas liberais: O artigo principal da nossa reforma é a eleição directa; e que programma pode ser mais elevado do que entregar ao paiz a liberdade eleitoral que é o eixo sobre o qual gyra toda essa machina imensa do systema representativo? Que outra reforma política poderíamos fazer antes desta, que não viesse eivada do vicio e da eleição falseada?[sic] Sem duvida que para reformar-se a legislação, a cousa mais necessária a fazer é uma representação nacional verdadeira, assegurando-se directamente ao cidadão a liberdade do voto27.

Sendo assim, observamos que Gaspar Silveira Martins teve uma atuação política pautada em princípios do Liberalismo, vinculado ao contexto político do período. Sua proposta de reforma constitucional do Estado Imperial tinha fundamentação em seu Liberalismo, pois buscava descentralizar a administração entre as províncias e municípios, atribuindo maior autonomia à periferia com a criação de legislativos provinciais e municipais. Além disso, a questão dos impostos e tarifas também procuraram ser descentralizadas por Gaspar Silveira Martins, assim como o desenvolvimento das estradas de ferro à Província do Rio Grande do Sul. Conforme Miriam Dolhnikoff (2005), Gaspar Silveira Martins se empenhou em descentralizar a arrecadação dos impostos enquanto ministro da Fazenda em 1877. A proposta de criação de uma tarifa especial para a Província do RS beneficiava as principais praças comerciais da Província, prejudicadas pelo contrabando na fronteira com o Uruguai e pela concorrência dos produtos platinos. Ela foi apoiada por Gaspar Silveira Martins e decretada quando o mesmo exerceu o cargo de Ministro da Fazenda do Império.

26 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da ... Sessão de 21 abr. 1874. p. 421 e 422. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 27 MARTINS, Gaspar Silveira Martins. Discurso na Sessão de 20 dez. 1878. p. 108. Anais da Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em: 5 abr. 2011, 12:03:30.

50 Assim, a descentralização do poder (fortalecimento das províncias e municípios) permitiria um melhoramento da vida política das províncias e da liberdade dos cidadãos, e com isso, a atividade comercial da Província do Rio Grande do Sul, que via-se prejudicada com a interferência monárquica e com a prática do contrabando, gozaria de maior autonomia e espaço de atuação dos potentados locais. Já com a Proclamação da República em 1889, a concepção liberal predominante no Império entrou em contraposição com a ideologia positivista do governo estadual de Julio de Castilhos, e segundo Vélez Rodrigues “o combate foi ganho, com inegável vantagem, pela visão positivista heterodoxa”28. Gaspar Silveira Martins, representante do Liberalismo, fez duras críticas ao positivismo castilhista, expressando essas diferenças ideológicas em seu Testamento Político, de 1901. Nesse documento, Gaspar Silveira Martins defendeu o fortalecimento do governo representativo dentro da República Presidencialista e o fortalecimento da União sobre os estados, em uma centralização administrativa. Segundo Vélez Rodrigues: [...] Silveira Martins fortalece o papel do Congresso Nacional adotando o regime parlamentar, atribuindo-lhe a função primordial de legislar, bem como a de vigiar a vida política dos estados, especialmente no relativo às Constituições, a de regular a marcha do Executivo, mediante a eleição do presidente da República, a fiscalização das funções ministeriais e a escolha dos presidentes dos estados29.

Nesse sentido, observa-se a concepção liberal de governo de Gaspar Silveira Martins ao defender o fortalecimento do Legislativo, base do sistema Parlamentarista, que o tribuno sempre defendeu, tanto no Império, quanto na República. Ao contrário do Império, a centralização administrativa defendida por Silveira Martins na República foi uma posição adotada por ele frente ao fortalecimento que Julio de Castilhos atribuiu ao executivo estadual (em detrimento do legislativo), com a Carta Constitucional de 14 de julho de 1891. Sendo assim, passamos agora a tratar de algumas temáticas presentes nos discursos de Gaspar Silveira Martins, na Assembleia Provincial do Rio Grande do Sul. Essas temáticas geraram grandes debates tanto na Assembleia quanto na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, espaços ocupados por Silveira Martins enquanto político representante da Província pelo Partido Liberal. A Constituição imperial e a organização do Estado, a oposição política, a relação Estado e Igreja, a cidadania e a imigração compõem o perfil liberal do político fronteiriço que circulou por diferentes espaços sociais de seu tempo.

28 VÉLEZ RODRIGUES, Ricardo. O castilhismo e as outras ideologias. In: RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; AXT Gunter (org.). História do Rio Grande do Sul - República Velha (1889 – 1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. v.3, tomo I, p.58. 29 Ibid., p. 58.

51 Discurso proferido na Sessão em 22 de setembro de 1862 - apêndice

O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, o requerimento que vou mandar á mesa era para ser offerecido na ultima sessão desta assembléa; mas, salteado de inesperado incommodo, fiquei impossibilitado, e aguardei o dia d'hoje convencido que a urgencia não era tamanha, que se não podesse metter de permeio a espaço de 48 horas. Antes de lêr esse requerimento, Sr. Presidente, vou fundamental-o já que os motivos que m'o sollicitam são poderosissimos, e não devem nem podem ser guardados em silencio. Membro de um paiz livre eu zélo Sr. presidente, os direitos e a liberdade dos meus concidadãos, como os proprios direitos, e a propria liberdade; magistrado devo auxílio e protecção aos opprimidos; a lei tem por fim a garantia da pessoa e do direito do cidadão, e não é como em geral entendem, e praticam as autoridades policiaes um instrumento de satisfação para seus odios vingativos, e torpes, e mesquinhas paixões. Sou demais membro desta assembléa que entre as suas mais preciosas attribuições conta a que lhe confere o artigo 11 § 7 da lei de 12 de agosto de 1834, quero dizer o direito de suspender, e até mesmo de demittir o magistrado contra quem houver queixa de responsabilidade dando-se-lhe lugar a defeza; sou ainda, Sr. Presidente, membro relator da commissão de justiça civil e guarda da constituição das leis, e devo a esta assembléa que também é um tribunal de justiça denunciar as violencias feitas aos cidadãos, os ataques contra a lei, e muito principalmente as infrações dos principios constitucionaes. Eu vou cumprir esse penoso dever por que quero que este povo Rio- Grandense saiba que tem no humilde orador que occupa a tribuna·um filho dedicado que as devéras o ama e nada tem de commum com esses indignos que sem crenças, sem fé e sem moral, vão humildes de porta em porta nas epochas eleitoraes esmolando de chapéu na mão o obulo da caridade em nome de seus protectores para logo depois cortejarem a autoridade e apoiarem seus exccessos. Na noite de 18 do corrente mez teve lugar no theatro desta cidade um facto que me deixou maravilhado; foi posta em scena uma peça que se diz composição de uma mulher. Não passe de leve, Sr. Presidente, que essa peça é obra de uma mulher, por que esta organisada como é differente do homem, dotada d‟um apprarelho nervoso muito mais impressionavel, a sua sensibilidade também é muito mais delicada e o seu pudor muito mais sensível; no entanto que essa peça, drama, ou como melhor nome haja immoralissima; tem trechos que fazem côrar; eu não os repito porque um homem honesto não os póde repetir, nem esta casa seria proprio, nem eu lhes daria aqui, e pela imprensa a publicidade que reprovei dentro das quatro paredes do theatro; basta só que a casa saiba que as posturas eram indecentes, os gestos asquerosos, as phrases nauseabundas, e os equivocos – mepheticas exhalações dos mais infectos prostibulos.

52 Era um desrespeito á innocencia da infancia, uma affronta ao pudor virginal da donzella e uma injuria á grave honestidade da matrona; era um ultraje a familia, á cidade, á provincia e ao paiz inteiro. O estrangeiro desconhecedor de nossos costumes, e por isso sem poder aquilatar a calumnia assistindo a representação de semelhante scena, cuja côr local éra desenhada por um dos personagens, um negro, tratado pelo entre nós classico nome de moleque havia de pensar que se lhe apresentava um quadro intimo da familia brasileiro já que conforme as leis que regem o drama devem os costumes, e as palavras ser naturaes as leis que regem o drama devem os costumes, e as palavras que nelle figuram: havia de accreditar que essa imunda comedia era um castigo dos vicios das mulheres da nossa terra visto como a policia não só não poz termo a tão escandaloso espectaculo, mas até a tinha officialmente approvado pondo o seu visto n‟uma peça offensiva da moral publica cujos attaques a ella propria policia incumbe processar, e punir. Eu quero accreditar, Sr. presidente, para honra do nosso paiz que a policia foi omissa, e não cumprio com o seu dever, mas em qualquer hypothese delinbuio, ou leu a peça, e consentiu em sua representação, tornando-se desse modo escandalosamente immoral; ou consentiu sem primeiro lel-a, e tornou-se negligente e omissa, e sempre criminosa. Não sei, Sr. Presidente, se essa asquerosa farça estava approvada pelo consertatorio dramatico do Rio de Janeiro, mas é certo que quando mesmo estivesse a policia é o juiz da moralidade publica, e por isso lhe são submitidas as peças antes exhibidas no palco. No correr da representação, sr. Presidente, muitas familias só retiraram e fugiram diante de tanta impudencia; a platêa fazia o mesmo e pouco a pouco s‟esvasiava; e neste momento, Sr. Presidente, recordo-me com prazer que V. Excia. a quem a nossa Província commum conhece, e rende o preito e homenagem devidos a severidade de seus costumes e a quem todos os amigos veneramos como um pai de familia modello, V. Ex. Sr. Presidente, exclamou indignado – eis-ahi para que nos pedem subvenções, eis-ahi um espectaculo autorisado, e recompensado pelos cofres provinciaes! Saiamos, e não sancionemos com a nossa presença tanto escandalo! E como V. Ex. Sr. presidente, só não pensará aquelle que não sentir pular- lhe nas veias o sangue generoso do Rio Grande; ou o vil mercenário que adopta todas as patrias, e segue todas as bandeiras, e defende todas as causas contanto que lhe paguem: para esses sacerdotes de torpezas, e abominações e desprego publico, e as soldadas porque se alongam. Ao saber, Sr. Presidente, em companhia de V. Exc. mesmo, encontramos na porta alguns moços que se tinham retirado vexados de tanta imprudencia e como era justo, e natural censuravam a comedia, e admiravam-se de haver a policia consentido na sua representação; então eu mesmo, Sr. Presidente que durante a minha vida d‟estudante, em tempos em que a platéa academica da cidade de S. Paulo rachava as paredes do theatro com pateadas ou applausos, eu que então nunca dei o mais leve signal de approvação, ou reprovação; porque não se admira do mediocre talento d‟um comediante quem está habilitado a contemplar as maravilhas do genio antigo, ou os prodigios da industria moderna; porque sempre tive, mercê de Deos, bastante caridade para desculpar as faltas alheias, e bastante

53 raciocinio para comprehender que o máu sucesso d‟um dia não é prova d‟incapacidade, porque há talentos demorados que só se desenvolvem, e apparecem a poder de tropeços pela pertinacia do estudo, e são estes justamente os mais robustos, e fecundos, eu, Sr. Presidente com estes principios, e estes precedentes fui o proprio que fiz ver a esses moços que não era sufficiente a desapprovação negativa de abandonar a platéa, que o orgulho da actriz e o amor proprio da autora, não deixaria de recorrer do juizo da publico de Porto Alegre para o de outro que talvez não fosse tão illustrado, nem tivesse o mesmo tino e gosto para apreciar as obras de arte, e instiguei-os a que dessem mais directas, e positivas provas de reprodução para que semelhante peça nunca mais voltasse a scena; elles o fizeram pela maneira do estylo, e procederam em tudo com o commedimento que era proprio de taes pessoas como elles eram. Assim procedendo, Sr. Presidente, elles praticaram um acto permittido porque nenhuma lei prohibe, exercitaram o direito de critica que está contido no principio constitucional de liberdade de pensamento, e não fizeram injuria a ninguem. Quem fálla em injuria, sr. Presidente? O comediante no palco nem é homem nem é mulher, é comediante, e deixa nos bastidores a sua dignidade; elle faz um contrato com o publico, aluga-lhe seus serviços e compromette-se pela paga que recebe a dar-lhe um espectaculo agradavel que o entretenha; são estes os termos deste contrato tacito; quaes são as penas? d‟um lado o publico perde o seu dinheiro que deu-o enganado por cousa que o não valia, do outro o comediante fica sujeito á censura e reprovação, que já sabe qual é, que não póde ignorar, porque é costume tradiccional de nossos avós, e dos povos mais civilisados. Como pois podem fallar d‟injuria? A dignidade do homem, repito, ficou dentro dos bastidores! Lembro-me, Sr. Presidente, de uma resposta que Talma, o primeiro dos comediantes em nobresa d‟alma e talento, deu ao imperador Napoleão que o condecorava com a cruz da legião de honra: - não posso acceita-la, disse elle, quem possue tão distincta condecoração não traga uma affronta, há de lava-la no sangue do seu adversario; e eu sou um artista posso soffrer uma injuria e não tenho direito de me desagravar. – Isto quanto ao artista, e quanto á policia poderei citar o facto narrado no Correio Mercantil e Jornal do Commercio em uma das ultimas correspondencias de Paris sobre drama Caetana de Edmond About dezeseis vezes exhibido em scena, e dezeseis vezes horrivelmente pateado. As actuaes leis de França não tem ponto de comparação com a liberdade das massas; e é certo que a policia lá não tem por costume afogar as paixões das turbas; no entanto que só interveio para prohibir a representação de uma peça tantas vezes repellida; e se effectuou algumas prisões foi na ultima noite quando os estudantes animados, e provocados pela obstinação, e teima dos comediantes audazes lançaram mão de instrumentos, e atiraram-se ao palco com intenções criminosas extenormente manifestadas. O caso que se deu em Porto Alegre nem se quer por si tem a novidade, é um facto commum a que estão habituados artistas vulgares, até aqui a policia fez o que devia, e o que costuma a fazer mesmo quando não deve; isto é: não fez nada; mas de repente ouvio-se n'um camarote um assobio ordinario, que foi logo

54 acompanhado, ou correspondido de outro estridente, quero mesmo que fosse estridentissimo. No dia seguinte, Sr. Presidente, soube ao concluirmos os nossos trabalhos que tinha sido preso o homem que déra o assobio, ou alguem por elle; lembrei-me do artigo 179 da Constituição do Imperio, que consagra a inviolabilidade dos direitos do cidadão e diz em seu paragrapho – 1º Nenhum cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa senão em virtude da lei; e fiquei admirado; e disse comigo: para a policia não há constituição; commete-se a violencia,e depois, allega-se contra a victima suspeita de crimes nunca commetidos; é esse o costume dos esbirros; mas em todo o caso, Sr. Presidente, reflecti que qualquer que fosse a côr que a policia désse ao facto, não era menos verdade que havia um cidadão que sofria innocente uma prisão injusta; e unão o conhecia, nem o conheço ainda, não lhe sei o nome, nem aonde móra, talvez mesmo, e é provavel, nunca o tivesse visto, mas entre mim e elle havia um sentimento commum qualquer que fosse a differença no modo d‟exprimi-lo, ambos pensavamos que a comedia era nojento e offensiva da moral publica, e que a policia era complice; corri ao quartel dos policiaes; perguntei pelo preso, responderam-me que tinha ali dormido, mas já estava solto; augmentou, Sr. Presidente, a minha admiração, e fiquei maravilhado; admirei-me porque a policia fez de um assobio um crime, mas ella faz tudo que quer com o escudo das indagações; maravilhei-me porque desta vez não se recorreu á esse embuste grosseiro, e se fez tudo com garbo e escandalosa ostentação; o preso tinha sido solto, a policia era a propria que reconhecia a sua não criminalidade, e já não podia corar o seu abuso com um crime inafiançavel, e tinha-se condenado a si mesma por abuso de poder. Qualquer que seja a hypothese figurada, Sr. presidente, nunca a policia poderá justificar o seu procedimento; o artigo 2º do codigo criminal diz – Não haverá crime, ou delicto sem uma lei que o qualifique e onde, Sr. Presidente, achará a policia a lei que qualifique de crime um assobio? o facto da soltura do preso no dia immediato ao em que teve lugar a prisão dispensa-nos de sua resposta; quando mesmo fosse o assobio um delicto nem assim a prisão era justificavel porque o §8 do artigo 179 da constituição do imperio terminantemente dispõe que ninguem póde ser preso sem culpa formada, salvas as excepções legaes que são caso de crime inafiançavel, ou flagrante delicto; a primeiro excepção seria irrisoria, a policia recorre pois a segunda, que tambem não a defende de excessiva e arbitraria; porque em primeiro lugar não houve tal flagrante, que só se dá quando o criminoso é apanhado no acto do commetimento de delicto, ou quando foge perseguido pelo clamor publico; ora do chefe de policia ouvi, que despedido o assobio d‟um camarote um soldado que se achava na porta advertio a quem o deu, que não repetisse tendo em resposta que havia de dar pois que era livre, e sabindo do camarote para fôra quis o soldado dete-lo o que não pôde conseguir evadindo-se o moço, que foi preso logo depois por elle proprio chefe de policia; a prisão portanto não teve lugar flagrante, e nem mesmo que o soldade lhe tivesse dado voz de prisão, estaria effectuada, porque a lei só julga realisada ainda que o preso se escape á prisão feita por intimação de uma ordem legal; o soldado tem o direito de prender em flagrante como qualquer cidadão, mas essa prisão não podendo ser feita por mandado precisava para sua existencia de completa realisação pela effectiva aprehenção do delinquente, que depois só póde ser preso por ordem regular, passada por escrivão, e assignada pelo juiz como é expressa o §10 do artigo 179 da

55 constituição, e no artigo 114 da lei reforma do codigo. Ainda vou mais longe, Sr. Presidente, e affirmo que, nem mesmo preso em flagrante podia o chefe de policia desta provincia, nem autoridade alguma do Imperio fazer por tão simples facto um cidadão passar uma noite na cadêa, ou no quartel de policia; sim, porque mesmo considerado delicto por qualquer fórma que seja nunca poderá deixar de ser d‟aquelles que o codigo considera levissimos, e manda em virtude do artigo 179 §9 da constituição que o réo se possa livrar solto independente da fiança. Mas, Sr. Presidente, para que sobre isto questão? Não foi o mesmo chefe de policia que reconheceu a sua violencia mandando no dia immediato pôr o preso em liberdade? onde, Sr.presidente, a lei que dá ao chefe de policia o direito de prender correcionalmente os cidadãos, fazendo-os passar uma noite na cadêa á seu arbitrio? O chefe de policia não póde escapar deste dilemma, ou o preso foi legalmente detido por ter commetido um crime nas hypotheses em que é ordenada, ou facultada por lei a detenção, e essa autoridade pactuou com o criminoso, pondo-o em liberdade sem proceder na fórma da lei e delinquio a seu turno, ou realisou uma prisão que não é autorisada por artigo de lei, e neste caso commetteu o crime de excesso de poder, e abuso de autoridade: em ambas as hypotheses o seu procedimento mereceu do legislador um assento muito distincto no codigo criminal. Sr. presidente, a nossa constituição hoje tão falseada, e pervertida pelo governadores do paiz revestiu a liberdade pessoal do cidadão de formulas protectoras, exigio em regra, ordem escipta para que um individuo possa sererso [sic] e a lei posterior do processo determina as formulas essenciaes de legalidade dessas ordens – nada disto se fez, tudo foi atropello e violencia. Um Sr. Deputado – Apoiado. O SR. S. MARTINS: – Eu trago, Sr. presidente, esta questão para a tribuna; aqui é o lugar mais adequado para ventila-la; não faltará, e não falta quem diga, Sr. presidente, que o parlamento provincial se deve occupar de cousas mais serias, e importantes; o que é com effeito para o poderoso, para o grande a noite humida e fria que passa o desgraçado na cadêa? nada, cousa nenhuma! Trago a questão para esta tribuna Sr. presidente para discutirmos a administração da autoridade, para corrigi-la em seus desmandos para soffre-la em seus desvarios. Que importa que os abusos e crimes denunciados não sejam seguidos pela sancção penal da lei? Seria sem duvida muito melhor que o fossem: mas em todo o caso é um grande correctivo é uma pena moral; os cidadãos aprendem seus direitos, esclarecem seu juizo, conhecem os factos, e retiram sua consideração da autoridade que a usurpava, forma-se a opinião publica, e a autoridade a mais forte cahe pelo desprestigio e pela desmoralisação. Um dos grandes mestres da política liberal o illustre Sismondi, fallando da discussão – diz – a discussão sempre refreia o poder, e os proprios monarchas a temem, porque ela os faz descer de sua posição de soberanos para tratal-os como funccionarios, que são. Nunca, Sr. presidente se dá demasiada importancia á liberdade individual; o poder tem sempre tendencias para coartal-a, e para destruil-a mesmo, e nós animamos essas tendencias com o nosso habitual indifferentismo.

56 Descrentes de tudo, fatigados da luta nos recolhemos ao nosso lar e deixamos á policia e á autoridade a liberdade dos nossos concidadãos. – Cegos não vemos que a liberdade individual é um principio, e es principios uma vez quebrados desapparecem, e se extinguem; daí á policia o direito de prender a sua arbitrio e todas as liberdades são cadêas – todas as garantias – uma farça cruel; daí pelo contrario ao cidadão o direito de liberdade individual, assegurai-lhe que elle pode livremente dispor de sua pessoa, e lhe tereis dado a mais livre das constituições; na liberdade individual se encerram todos os direitos do homem; e foi por isso que a nossa constituição no art. 179 chamou a base de nossos direitos; sobre ella realmente se levantam em pyramide todas as liberdades, todas se acham nesse único direito virtualmente contidas! Ainda mais o arbitrio é prejudicial a autoridade; Benjamin Constant profundo publicista francez, e um dos mais nobres, senão o mais nobre entre os apostolos da doutrina liberal diz – O arbitrio de nada serve ao poder; se o poder ataca os seus inimigos fundados na lei, os seus inimigos não podem reagir contra seus ataques, porque a lei é terminante e positiva; mas se o poder recorre ao arbitrio para perseguir seus inimigos, seus inimigos podem contra elle reagir pelo arbitrio; porque o arbitrio é vago e sem limites. O remedio do arbitrio é fazer effectiva a responsabilidade do agente, arbitrario, é punil-o do seu crime e Benjamim Constant já citado diz. – Quando eu vejo, um cidadão arbitrariamente encarcerado, qualquer que seja o paiz, em que isto succeder eu logo direi – este paiz, pode desejar a liberdade, pode mesmo merecel-a, mas é certo que desconhece os seus primeiros elementos. A nossa constituição, Sr. Presidente, seguio os principios do illustrado publicista e procurou revestir a liberdade de todas as garantias possiveis definindo um por um no seu art. 179 os direitos primordiaes do cidadão brasileiro. O povo, Sr. Presidente, sabe que nunca hade governar, nem fazer as leis, mas tambem elle se não importa com isso, elle só quer que o poder desempenhe o fim de todos os governos legaes; quer que fique contido nas suas raias e que não a perturbe elle, nem deixe outro perturbal-o no livre goso da sua liberdade, na segurança de sua pessoa, no desenvolvimento completo de todos os seus direitos. Sò para isso é que o povo toma o incommodo de figurar na confecção das leis por meio de representantes nomeados em virtude do direito eleitoral que para si reservou; para isso quiz figurar na força publica pela guarda nacional, que é a milicia dos cidadãos; assim elles são os seus proprios guardas contra o exercito mercenario de que o governo dispõe em massa como se fora um só homem; finalmente, Sr. Presidente, para isso guardou também a liberdade da imprensa, que como o Argus da fabula tem cem olhos despertos em cima do poder, espreita todos os seus movimentos, analysa todos os seus actos, indaga os seus meios, inquire das suas intenções para denunciar tudo ao paiz; a imprensa é uma das mais robustas alavancas de uma nação livre, sem imprensa não há opinião publica. A constituição deu-nos todas as liberdades ou antes prometteu-nos, uma constituição é sempre uma promessa, as leis posteriores que tratão de realizar os principios constitucionaes é que cumprem, ou deixão de cumprir a promessa. Os codigos criminal e do processo prendem-se ás boas tradicções constitucionaes, nesse tempo o povo tinha força, e foi largamente aquinhoado, realisou-se o principio da liberdade individual desenvolvendo-se o artigo respectivo

57 da constituição, marcando-se os casos terminantes em que podia ter lugar a prizão, estabelecendo-se os requisitos de validade das ordens que tivessem por fim privar o cidadão de sua liberdade, creando-se os juizes de paz e municipaes, autoridades do municipio e da freguezia nomeados pelo povo. Mas de que serve tudo isto, de que vale, se uma lei conceder a autoridade o direito de prender arbitrariamente? De nada! e acrescentarei com um ilustre publicista: o redactor independente que censurasse seus actos, o credor importuno que o tivesse por devedor, o pai millionario que lhe recuzasse sua filha, o marido zeloso que delle defendesse a honestidade de sua mulher, o rival intelligente que lhe fizesse sombra na opinião publica, não serião encarcerados como redactores, como credores, como pais, como maridos, como rivaes, mas o serião por qualquer motivo phantastico, por motivos secretos de que a ninguem daria contas! A calumnia seria sufficiente para motivar a perseguição! Pois bem, lei de 3 de dezembro de 1841 que reformou o codigo do processo e organisou a actual policia só com a faculdade de prender para indagações tornou illusorias todas as garantias constitucionaes de liberdade, o que vale o mesmo que tel-as revogado! E na verdade, quem póde atrever-se a tomar parte nos comicios, se a policia, querendo, póde arredal-os por uma prisão não motivada? Quem, á vista de semelhante attribuição, póde atrever-se com o poder? Essa lei fatal que não foi posta em execução sem tingir de sangue o solo glorioso das mais illustradas provincias com poucas disposições mudou absolutamente a face do imperio, tanto é certo que a liberdade assenta em poucos, ainda que fecundos principios. Tudo foi alterado principiando pelas autoridades minicipaes que eram como o foram nos antigos tempos um dos mais fortes palladios das liberdades publicas. Hoje em vez do juiz de paz da freguezia, e do juiz municipal, nomeados directamente pelo povo, e pela camara, temos o subdelegado e o juiz do poder; o juiz de paz é quase que unicamente entidade eleitoral. O que é da guarda nacional? Desappareceu; o que existe hoje, é mais ou menos tropa de linha; os chefes, os comandantes, são nomeados e demittidos pelo governo. Destacada a arbitrio pelo governo a guarda dos cidadãos acha-se sempre com o regulamento do Conde de Lipe ás costas toda vez que o governo entender. Tornou-se por tanto, illusorio o direito que tinha o povo de tomar parte na força publica; em vez de garantia da liberdade, tornou-se instrumento de propria oppressão. E o que é feito do jury, uma das sagradas instituições dos povos livres? A policia perverte, e estraga os julgamentos, tem jurados seus e ainda não satisfeito o poder com as suas camaras unanimes denega e entrega o julgamento a uma só autoridade as mais das vezes dominada pelo governo. A única que nos resta, por assim dizer, é liberdade de imprensa, e essa mesma, Sr. Presidente lá vai a peita e o suborno minar, e no caso de máu sucesso recorre-se a violência já disfarçada, já as claras promovida pelo poder. Quantos exemplos não se tem visto, talvez nesta

58 mesma cidade de ser uma typographia destruida pelos esbirros da policia? Na representação nacionalm, Sr. Presidente, não apparecem delegados da nação, apparecem delegados do governo! Em cada campanha eleitoral ahi vem o governo com a força armada, com os empregos, com as promoções, com as graças, com os postos da Guarda Nacional disputar a palma da victoria. Para que a ambiciona? Para fazer as camaras unanimes; para destruir como destruido tem todos os principios de liberdade, que os nossos antepassados gloriosamente conquistaram. Tudo isto succede; a constituição só tem uma existencia nomimal: está morta; elles mesmos, os devotosdo poder hoje estão atterrados da sua propria obra; elles mesmos conspiraram contra si; já confessam e estabelecem formulas e principios, que atacaram, já combatem direitos que sustentaram outr‟ora, porque elles veem que o excesso de seus principios faz com que o publico vá reagindo a seu turno. Qual é, Sr. Presidente, o resultado de tudo isto accrescido, augmentado, e requintado por um recrutamento infrene? É o triste estado em que nos achamos e a que fomos reduzidos pela lei de reforma; mercê de Deos a nossa provincia é a que ainda hoje mais regalias gosa em todo o imperio. Pernambuco é o feudo de uma familia... O Sr. Hemeterio: – Apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O Ceará é o feudo de um sò homem, e as outras províncias estão retalhadas dominando nesses tristes fragmentos barões de bacamarte: nós, Sr. presidente, graças, talvez a nossa gloriosa revolução e a nobreza, energia e vigor do povo rio-grandense ainda conservamos uma sombra que já foi outr'ora o Brasil em príncipios de liberdades. Eu por tanto, Sr. presidente, julgo que a offensa feita ao direito do cidadão já que ha quem a denuncie, já que ella tem tambem um defensor, já que a policia não faz mysterio de seu arbítrio, não deve passar sem nós a discutirmos; mesmo porque apezar do nosso estado um pouco melhor do que o das outras provincias, ainda assim não se deixão de fazer diariamente abusos immensos; o a cidadão está exposto sempre ao arbitrio do poder e no entanto os graves delictos, os delictos inafiançaveis não diminuem. É o Sr. presidente que nol-o diz em seu relatorio; os grandes criminosos passeião impunes; passão nas portas da secretaria da policia e a policia não acorda. A cidade do Rio Grande não é das mais favorecidas a este respeito; o povo inteiro reclama e o governo está dormindo, e por isso, Sr. presidente, já que eu felizmente me acho neste lugar requeiro a assembléa que se pessam informações sobre essas violencias ao Sr. presidente da provincia. Julgo que tenho dito quanto basta para autorizar o requerimento que vou mandar á mesa.

Discurso proferido na Sessão em 30 de setembro de 1862 - apêndice

O SR. S. MARTINS : – Sr. Presidente, esta assembléa não tem o direito de ouvir constrangida a palavra do deputado que se levanta para accusar um magistrado ou denunciar uma violencia commetida pela autoridade contra qualquer do povo; affirmal-o, Sr. Presidente, é exprobar á esta assembléa uma falta que

59 supponho, ella não commeteu; é irrogar-lhe uma injuria, que acredito – ella não merece. Mas que cometesse a falta, e que mereça injuria, não seria isso parte para que eu me houvesse a calar; não; bem longe d‟isso; e quando mesmo todos me fossem adversos, o que felizmente não succede (apoiados) ainda assim eu levantaria bem alto a minha voz para que o paiz a ouvisse já que os seus representantes fechavam os ouvidos; eu havia de seguir caminho direito sem temor; não mete os homens quem cumpre seu dever porque vai acompanhado de Deos. Que aquelles que se nos apresentam como adversarios digam isso pela imprensa, nada mais natural; é talvez mesmo um direito, em quanto se não lança mão da calumnia, desprestigiar aquelleque tem differentes idéas, e que póde pelas suas embaraçar o progresso das nossas; o que é clamoroso, o que não tem explicação, ao menos para mim, é que aquelles que se dizem sectarios das mesmas crenças, e que se abraçam nas mesmas fileiras como amigos e companheiros, venham fazer écho e repetir dentro desta casa as palavras, que lá fóra espalhou a imprensa adversa; foi o que fez o nobre deputado o Sr. 1º secretário, a quem demasiado estimo, e aprecio para que seu procedimento deixasse de intimamente magoar-me. O Sr. Ávila: – Não tem motivo para isso. O SR. S. MARTINS: – Ponho de parte este incidente, Sr. Presidente, e nunca mais venha elle pertubar a nossa concordia: Passo a tratar da materia. Sr. Presidente, o requerimento que submetti á consideração da casa, foi ainda antes de posto em discussão, aggredido n‟um discurso de duas horas pelo meu illustre amigo, que hontem occupou a tribuna. Sr. Presidente o nobre deputado o Sr. Dr. F. da Cunha, tomando a defesa do chefe de policia desta provincia deixou-se arrebatar pelos sentimentos da amisade. Seguio os impulsos de seu nobre coração, não fez a defesa da autoridade, que violou o sagrado principio da liberdade individual; cumpre dizel-o, Sr. Presidente, porque os adversario do meu nobre amigo não deixarão de aproveitar o momento propicio em que elle lhes offerece o flanco; já os ouço que dizem, eil-o fascinado, o mancebo liberal, que recolheu as gloriosas tradições do seu partido, levantou o estandarte liberal derrubado, e reaccendeu no peito de seus correligionarios o fogo sagrado da liberdade amortecido, e quasi apagado; elle era hontem liberal quando pretendia, é hoje deputado, e começa a mudar de phase, amanhã será governo, e tornar-se-ha inteiramente outro: os homens politicos são como os rios, puros, e cristalinos quando brotam da rocha viva, mas á proporção que corre, e engrossam tomam a côr, e o sabor das terras por onde passam, até que se vão perder no oceano que os absorve, os salga, elhes tira o nome; o poder tem os encantos da sereia da antiga Grecia seduz, enleia, arrasta, e prende. Não, Sr. Presidente, eu que neste momento o combato, reconheço e proclamo que não há entre nós divergencia politica, estamos de acordo nos principios, differimos na apreciação dos factos; o Dr. Félix da Cunha é uma das glorias mais illustres desta terra (apoiados) jovem como é o seu nome é conhecido, e saudado em todo o Imperio como um dos astros mais luminosos da imprensa, e da tribuna liberal (apoiados) ouvindo fazer a accusação do chefe de policia, não consultou senão os sentimentos generosos de seu coração, e correu galhardamente a

60 fazer a defesa de um amigo que se não podia defender julgou cumprir um dever de amisade, que eu não louvo, nem censuro; fez Sr. Presidente, o que talvez eu, e qualquer dos nossos amigos em outra occasião fizesse se por ventura o chefe de policia accusado se chamasse Felix Xavier da Cunha. Sr. Presidente, o meu nobre amigo teceu ao chefe de policia uma óde pindarica, como as que os poetas gregos cantavam aos vencedores dos Olympicos; mas a poesia se alimenta das imagens ficticias, e envolve os pensamentos n‟um manto de nevoas; os poetas enlevados em seus arroubos se esquecem do mundo real, e como planetas perdidos no espaço, vagam sem centro, e sem rumo nos paramos infinitos da phantasia; nos seus sonhos divinos as idéas se elevam nos vapores da terra e se transformam um nuvens cambiantes, e como as novem passam sutis, e fugitivas, sem que o espirirto as possa aprehender; só o raciocinio aprehende a verdade, que se perde, e desapparece nas irradiações do genio poetico! O nobre deputado tomou nas mãos um pincel, embebeu-o nas tintas brilhantes que lhe forneceu o seu grande talento, lançou-as na tela, e fez uma pintura; mas, Sr. Presidente, os pintores distribuem as côres á vontade, carregam, ou acclaram mais conforme a inspiração do momento, ou a conveniencia do effeito que se quer obter; aqui os reflexos da luz; alli claro escuro; mais adiante sombras. Endireitam-se as curvas, descarnem-se as fórmas arredondadas, e vejam-se as cousas mathematicamente desenhadas com a austera simplicidade da verdade em seus linhas rectas, puras, e abstractas, como as leis do pensamento, como os severos principios da logica e tudo terá desapparecido como sombra! É o que vou fazer. Sr. Presidente, os factos de todos sabidos, de todos conhecidos, e em que todos estamos accorde são estes; 1º existe um africano livre de nome Manoel na Santa Casa de Misericordia desta cidade; 2º este africano esteve em injusto captiveiro até o anno passado em que a autoridade publica o libertou, e o poz no lugar onde actualmente se acha; 3º quem o tinha em escravidão era José Joaquim de Paula, eleitor em S. Leopoldo, e do seu poder foi arrancado; sobre este pontos não há divergencia entre mim, e os meus adversarios, divergimos na apreciação dos factos, eu vou analysal-os, Sr. Presidente, com a lei na mão e comprometto-me a convencer a todos os homens imparciaes, que quiserem saber a verdade. É fóra de duvida, e não soffre contestação que o africano livre Manoel foi escravisado; é fóra de duvida, que existe o crime gravissimo do artigo 179 do codigo criminal de reducção de pessoa livre á escravidão; a nossa tarefa, e a da policia é portanto saber quem cometteu o crime, pois não ha crime se, criminoso, como não ha effeito sem causa. O facto criminoso de escravidão de pessoas em quanto não cessa o estado injusto que constitue este crime, existe sempre em flagrante; (há um aparte) portanto muito embora haja outros criminosos, aquelle que conserva o homem livre na condição de escravo tambem o é; e deve ser logo preso não só por ser o crime gravissimo, e inafiançavel, mas principalmente por se dar o flagrante; e isto ainda se não fez até hoje, nem mesmo se instaurou processo! Mas dirão, os nobres deputados, Paula possuia esse individuo em boa fé sem intenção criminosa; e eu lhes direi, o facto em si é odioso, e a boa fé sem intenção criminosa; e eu lhes direi, o facto em si é odioso, e a boa fé não se presume nesse caso, prova-se: e Paula só a póde provar mostrando que adquirio esse africano por um meio reconhecido em

61 direito, como doação, herança, troca, compra, ou outro qualquer que legitima, e legalmente transfira a propriedade; cumpre ainda notar que nestes mesmos casos é preciso provar não só que se não sabe, mas que não se tinha rasão de saber que a cousa não pertencia ao doador, ou vendedor; assim é aquelle que compra um objecto furtado, ou roubado é complice se sabia do furto, ou se tinha rasão de saber pela qualidade da pessoa, por exemplo aquelle que comprar um escravo um pedra de brilhante, se comprar um furto não se póde defender da complicidade pela ignorancia porque devia saber que um escravo não podia possuir um objecto de tanto valor; Paula allega em sua defesa que comprou esse africano de um tal Agostinho Antonio Leal, quando isso fosse verdade, devia ainda provar a compra com titulo habil, e demais que Agostinho podia possuir esse escravo. O Sr. F. da Cunha: – Está argumentando civilmente. O SR. S. MARTINS: – Estou portanto argumentando criminalmente uma vez que no juizo criminal a prova é muito mais ampla, e não está sujeita ao rigor da letra da convenção, e a interpretação da palavra, como no civel; todavia o exemplo de compra de objecto furtado que apresentei é do codigo criminal, e no entanto o nobre deputado diz que este argumento é de processo civil. Mas, Sr. Presidente, esses titulos que deviam provar a boa fé de Paula, são justamente que patenteam a sua requintada má fé, pondo fóra de toda a duvida a sua criminalidade. O titulo pelo escrevo apresentado. O Sr. F. da Cunha: – Que era igual ao de Paula. O SR. S. MARTINS: – Por isso mesmo é que eu fallo n‟elle, e oacho estranho... esse titulo, Sr. Presidente, é um contrato de compra e venda assignado pelas partes e por testemunhas. Sr. Presidente, quando se faz um contrato de compra, e venda escreve-se um titulo único para prova, e entrega-se ao comprador o objecto comprado, o titulo de prova do contrato, e os mais que provavam a propriedade do vendedor, porque este só tem de haver o preço, e não preciso de titulo para provar aquillo que deixa de possuir; no entanto, Sr. Presidente, que Paula em seu interrogatorio diz que fez passar tres titulos um para elle que era o comprador, e precisava; outro para o vendedor, que não precisava, e o terceiro para a cousa vendida, o que é uma verdadeira novidade, só feita com o fim que conseguio de enganar o desgraçado africano; não pára aqui, ainda há mais alguma cousa. Paula compra sem condições por 600$ réis um escravo que lhe é desconhecido, e manda escrever no contrato que o africano no fim de 8 annos será liberto. O SR. S. MARTINS: – Se elle comprasse o escravo barato com condição de liberta-lo no fim de um certo tempo, o contrato havia de estipular isso necessariamente; mas comprar incondicionalmente um escravo desconhecido, ficar com o direito pleno de lhe dar a liberdade quando quisesse, e antes de conhecer as qualidades do escravo mandar de motu [sic] próprio escrever no contrato que o escravo será liberto no fim de 8 annos de serviço, isso é que não se crê, e foi o que em seu interrogatório disse Paula, estou bem lembrado apezar de não ter aqui os documentos porque não fui tão como o nobre deputado que teve copia authentica das informações policiaes. O Sr. F. da Cunha: – Que foi tirada para mim.

62 O SR. S. MARTINS: – Mais foi sempre um grande favor, o deixar tirar porque as informações policiaes pertencem á policia, são secretas e o chefe não as póde emprestar. O Sr. F. da Cunha: – Não foi do chefe de policia que as obtive, foi do delegado o Sr. Luis Affonso de Asambuja. O SR. S. MARTINS: – Pois fosse quem fosse não fez bem, porque eram informações policiaes que são segredos da policia, e não sahem da secretaria para fóra! O Sr. F. da Cunha: – Mas que o nobre deputado denunciou na tribuna e que alguém lh‟o revelou, que tambem não o poderia fazer, segundo a opinião do nobre deputado. O SR. PRESIDENTE: – Attenção. O SR. S. MARTINS: – Está o nobre deputado enganado, a minha opinião é que todos podem dizer o que sabem, menos os empregados que souberem de algum segredo em consequencia do seu emprego, sendo ainda mais irregular e pode-se dizer mesmo mais criminoso o confiar papeis que que contém segredos de justiça, que envolvem interesse publico; faço este reparo porque o nobre deputado fallou de semelhantes copias e em quem lh‟as deu. O Sr. F. da Cunha: – Provando assim que não tinha medo que seus actos fossem conhecidos. O SR. S. MARTINS: – Mas nem por isso tal procedimento deixa de ser irregular, reprehensivel, e até punivel. Sr.presidente, atando o fio do meu discurso interrompido direi que tanto é verdade, que o que acabei de referir acha-se no interrogatorio de Paula: que bem me recordode ter lido esta pergunta do chefe de policia, porque então o Sr. tendo comprado o escravo Manoel, só o obrigou por 8 annos? Respondeu elle Paula por que é esse o meu estilo, tenho em casa muitos escravos assim obrigados. Bem vê o nobre deputado que me lembro muito bem do que ouvi ler. Continuemos nas nossas indagações; figuram no contrato, Sr. Presidente, de um lado como comprador do escravo José Joaquim de Paula, do outro como vendedor Agostinho Antonio Leal, e assignam como tendo presenciado o facto duas testemunhas: pois é curioso, Sr. Presidente, mas é verdade, o próprio Paula em seu interrogatório responde que não conhece o vendedor, nem as testemunhas, nem mesmo nunca as viu, e a policia, ou antes o seu chefe acha o que diz Paula muito natural! O Sr. F. da Cunha: – Mas deu a razão porque; resta provar se é falsa essa razão. O SR. S. MARTINS: – Sim deu uma razão muito conveniente para os ingenuos, para os protectores,e para a policia que é ambas as cousas; disse, Sr.presidente, que foi Bernardino Raposa, hoje defunto, quem efecctuou a compra, e eu vejo no titulo de compra que foi o proprio Paula; á Paula pois compete destruir essa prova, justificar-se,e innocentar-se; e o nobre deputado jura nas palavras de Paula, e pede-me a prova da falsidade de suas allegações, sem ao menos haver elle

63 em seu favor produzido uma presumpção de verdade! que fatal inversão de todos os principios da jurisprudencia criminal! Mas, Sr. Presidente, não é só Paula que não comhece, nem nunca vio o vendedor, nem as testemunhas do contrato, ninguem em cima da serra os conhece, nem os vio, hoje, ou em tempo algum; não há delles noticia, nem memoria; nenhuma pessoa em cima da serra jámais ouvio fallar nos nomes do vendedor do escravo, e das testemunhas dessa venda; nenhuma autoridade dá outra informação, que não seja completa ignorancia da existencia de taes pessoas; isso mesmo declara o tabelião a quem foi presente o titulo de compra para reconhecer as firmas; emfim esses homens só eram conhecidos de Bernardino Raposa,e José Pampla que já morreram, e não podem ser chamados a juizo! finalmente do supposto contrato de venda do africano não se pagou meia siza; tudo isto não prova a má fé de Paula, e a sua responsabilidade no crime existente de redução de pessoa livre a escravidão? E até agora jazem esses documentos nas gavetas da secretaria da policia! O Sr. F. da Cunha: – As informações posteriores obtidas pelo Sr. chefe de policia provam que não havia protecção, mas desejos de obter esclarecimentos. O SR. S. MARTINS: – Não ha necessidade de esclarecimento onde tudo é claro; as informações negativas obtidas pelo chefe de policia nada adiantam; e quando adiantassem levaram mezes a fazer aquillo que em dous dias podia, e devia estar feito, e desde que chegaram essas informações já tem decorrido muito tempo, o processo nem começado está e as indagações acham-se guardadas na secretaria da policia. Analisei o titulo de compra, e venda, examineí o interrogatorio de Paula; passo agora a analisar os depoimentos da victima e do.seu padrinho. O depoimento do africano Manuel não tem contra si suspeita de parcialidade por não ser elle immediatamente interessado, deve antes merecer todo o credito principalmente porque combina, e harmonisa com os factos sabidos, e provados. O Sr. F. da Cunha: – Isso não é principio jurídico; dar credito ao depoimento da parte. O SR. S. MARTINS: – Veja V. Ex., Sr. presidente, como são os homens parciáes; sustentam princípios contradictorios conforme a conveniencia do momento! hontem ·na defesa do chefe de policia, o nobre deputado baseou-se nas respostas deste, que é um homem formado em direito e deve conhecer as leis, e a mim, que lhe dizia em aparte que o depoimento do réo não prova a seu favor respondeu que se provava contra tambem provava a favor, e agora é o mesmo nobre deputado quem me diz que o depoimento do africano Manoel é suspeito por ser o mesmo africano parte interessada! a verdade Sr. presidente, é que o depoimento da parte prova contra a mesma parte, e nunca a seu favor; a razão é intuitiva; é porque sempre se presume que ninguem deponha contra si mesmo; assim portanto as respostas do chefe de policia podem condemnal-o, mas nunca absolvel-o por si sós; mas o depoimento do africano Manoel não está nesse caso; porque elle não é parte, nem deu queixa, ou denuncia contra Paula á autoridade publica, foi esta quem espontaneamente o chamou, e interrogou; é demais esse africano quasi inteiramente boçal e não pode ter o atilamento de pretender alguma cousa por meio de processo, além destes motivos mais que sufficientes para que o seu depoimento inspire plena confiança ha outros ainda mais valentes; a

64 concordancia desse depoimento com a verdade sabida, a explicação completa dessa misteriosa transação, a luz que derrama nas trevas desse contrato em que intervieram só desconhecidos por intermedio de defuntos, e finalmente porque bem longe de ser o depoimento proveitoso ao africano, lhe é prejudicial porque se elle fosse verdadeiro escravo de Paula, concluído o tempo dos 8 annos, tinha adquirido a sua liberdade, seria um liberto, e iria trabalhar e ganhar a vida aonde bem quizesse; e com a sua declaração chegou-se ao conhecimento de que éra o africano livre e nessa qualidade foi remettido á Santa Casa, para ser pelas nossas leis um verdadeiro escravo, designado ironicamente pelo epitheto de livre. Manoel depõe que desembarcou em Tramandahy com outros africanos e foram levados para o matto por alguns homens brancos, e que depois sabendo elle que os seus companheiros estavam na Santa Casa de Misericordia desta cidade vinha tambem para a mesma Santa Casa, e como se achasse no caminho Paula na casa do subdelegado Bernardino Raposa, que o havia chamado para interrogal-o, Paula depois de saber do seu intento despersuadiu-o dizendo-lhe que os africanos na Santa Casa eram mais escravos do que em outra parte, e convidou-o para a sua casa promettendo-lhe terras o que elle acceitou e desde esse tempo tem vivido em companhia de Paula, que realmente deu-lhe um pedaço de terra para plantar, mas trata-o sempre como escravo, da-lhe tres camisas de algodão grosso por anno, e quiz baptisal-o como escravo não podendo fazel-o por ter-se a isso recusado o padre, motivo porque não foi baptisado, o que só mais tarde consumou-se achando- se elle respondente muito doente, e servindo de padre o mesmo Paula, e de padrinho um preto velho forro de nome José a quem Paula entregou um papel dizendo ser a liberdade delle respondente. O preto velho padrinho de Manoel declara que não conhece nenhuma das pessoas que figuram no papel de venda excepto Paula, e affirma que Manoel muitas vezes lhe tem contado a sua historia do modo porque já referi a casa. O chefe de policia devia acarear estas tres pessoas, o que não fez, não inquiriu Soares que lhe foi apontado como testemunha, nem mandou fazer exame da letra do documento e até mesmo para dar começo ao processo fez questão de promotor publico, quando a autoridade tem por si a iniciativa, quando póde chamar testemunhas e seguir com o processo por diante, mandando depois dar vista ao promotor publico. O Sr. F. da Cunha: – Era para maior garantia da justiça, sem duvida. O SR. S. MARTINS: – Não éra tal, éra, sim, mais um pretexto de demora, e esquecimento, porque sendo nomeado o promotor continuaram as informações a jazer na gaveta a mais secreta da policia. O Sr. F. da Cunha: – Eu sei que mandaram-se procurar informações em Santo Antonio e que vieram. O SR. S. MARTINS: – Mas que nada adiantam ao que já se sabia. Sr. presidente, se quatro ou cinco testemunhas jurassem concordes sobre um facto, o nobre deputado poria em duvida esse facto? O nobre deputado não o faria não o poderia fazer, porque esta prova é legal; mas por ventura quatro ou cinco testemunhas, que se podem facilmente equivocar, ou mesmo que as partes podem comprar porque ha gente no nosso paiz cuja profissão é jurar em juiso; testemunhas que a policia tambem sabe arranjar quando quer perseguir e processar, fazem prova perante um tribunal, e não ha de fazer a mais valente das provas, a prova

65 circumstancial q' resulta da applicação severa das leis do raciocínio, da logica, e combinação dos factos que levam até á evidencia a criminalidade do denunciado!? O Sr. F. da Cunha: – A lei não admitte testemunhas falsas. O SR. S. MARTINS: – Ninguem diz que a lei admitte testemunhas falsas; o que se diz é que a prova testemunhal é acceita por lei e quasi que nella exclusivamente se baseam todos os processos e todas as condemnações criminaes; no entanto que é uma prova fraquissima, que facilmente se pode corromper e adulterar. Antes de concluir esta parte do meu discurso devo addicionar as provas que deduzi um adminiculo que de certo não é o menos curioso, e interessante desta curiosissima e interessantíssima questão e é que o titulo que tem o preto Manoel está falsificado na data em prejuízo deste africano que pela emenda tinha mais dous annos de serviço e Paula que interrogado, disse ter em seu poder um titulo identico sendo-lhe este exigido pela autoridade obriga-se a trazer e no dia seguinte faz um requerimento dizendo que o mandou buscar e que o portador o perdeu! E o chefe de policia Dario Callado acredita isso com a simplicidade d'um neophito ignorante. Temos pois o facto criminoso de jazer o africano livre Manoel na escravidão de Paula, e agrupam-se em torno deste unico facto, os tres títulos quando Paula havia mister d'um só, a falta do pagamento da meia siza a escravidão temporaria por 8 annos, quando diz ter comprado esse africano sem condição de tempo, o não conhecer, nem mesmo ter Paula visto o homem que lhe vendeu o preto nem as testemunhas da venda, a noticia da não existencia de taes pessoas, as declarações do africano corroboradas pelas do preto velho, que esclarecem tanto a questão e finalmente a falsidade da data e declaração de Paula de havir perdido o seu titulo convencem ao mais incredulo que o criminoso é José Joaquim de Paula. Esta serie de factos que se harmoniam, se casam, se ligam s‟emtransam, se tecem, se urdem, se completam uns aos outros para formar um todo único, e indestructivel, a verdade do crime, constitue a mais robusta das provas, a prova logica ou do raciocinio... esta é a prova que mais seguramente póde autorisar um juiz a decidir com criterio. O Sr. Ávila: – A prova dos indicios? O SR. S. MARTINS: – Não é a prova dos indicios, é a prova do raciocinio que é constituida por todo este conjuncto de factos que deixa o espirito desprevenido, o espirito que não fôr levado pela paixão, intima e profundamente convencida de que o facto criminoso se consumou, e seu autor foi Paula, o que não póde negar ainda o mais incredulo. O Sr. F. da Cunha: – O incredulo foi o legislador. O SR. S. MARTINS: – O legislador não foi increditlo, foi amplissimo fazendo o juiz letrado pronunciar por indicios vehementes, se estes o convencerem, e deixando a decisão final á consciencia dos jurados sem especificar a natureza da prova. O facto da escravidão do africano é fóra de toda a duvida, e Paula devia ser logo preso não só por ser o crime inafianlavel, mas por estar com continuo flagrante enquanto não cessou a injusta escravidão, e o nobre deputado ainda diz: aonde as provas? Pois ainda as quer mais claras, e contundentes! Eis o tal negocio de Paula esclarecido e tenho para mim que não póde haver ninguem que não acredite na sua criminalidade; eu não tenho a menos duvida nisso.

66 Mas agora diz a policia: não quero só Paula, quero também o vendedor. Quem deu á policia o direito de deixar o criminoso impune porque não conhece ou não encontra seus cumplices?... O Sr. F. da Cunha: – Se não absolveo como está impune? O SR. S. MARTINS: – Ainda está impune, e ficará sempre se a policia quizer processal-o quando apparecerem os complices que não existem nem nunca existiram senão na ideia de Paula; e este crime é gravíssimo, a pena no gráo maximo é de 9 annos de prizão com trabalho e ainda maior porque a lei diz: Mas nunca será menos que o tempo da escravidão e mais a terça parte... O Sr. F. da Cunha: – Mais uma razão para se obter informações precisas para não se condemnar a quem estiver innocente; é ainda o respeito á liberdade individual. O SR. S. MARTINS: – Assim nunca haverão criminosos porque realmente poucos processos tenho visto com clara e evidente prova, e o nobre deputado ainda quer esperar por informações dos complices imaginarios de crime tão atroz. O Sr. Ávila: – Faltando a principal dellas. O SR. S. MARTINS: – Qual é? O Sr. Ávila: – O caracter de escravo desse preto que se diz livre. O SR. S. MARTINS: – Por isso mesmo que lhe falta o caracter de escravo é elle livre. Um Sr. Deputado: – Aonde está a prova? O Sr. F. da Cunha (com ironia): – O dito do preto Manoel não è bastante. O SR. S. MARTINS: – Aonde está o titulo da propriedade de Paula, aonde está a meia siza paga, aonde está a escriptura que transfere a propriedade?.... (ha diversos apartes) O SR. PRESIDENTE: – reclama a attenção e pede a observancia do regimento que prohibe não se deem apartes, e se interrompa o orador. (Trocão se diversos apartes entre os Srs. Ávila, presidente e Neri). O SR. S. MARTINS: – Sr. Presidente, a prova é de tal felicidade que póde ser feita por mera inspecção occular; ahi está a lei que declara livre todo o africano importado depois de 1831, e esse africano é visivelmente boçal; e ainda me pedis prova da liberdade? O que se prova é a escravidão e admira como homens da lei façam semelhante exigencia contra os mais elementares principios da nossa sciencia commum: a liberdade se presume, a escravidão é que se deve provar, mas Paula não contesta a liberdade do preto, nem apresenta seu titulo de propriedade, e se por ventura o africano Manoel escravo fosse, o chefe de policia teria ferido a constituição porque tinha ferido um dos seus mais sagrados direitos, o direito de propriedade; elle não podia apoderar-se da propriedade do cidadão. Aonde o direito que tem a autoridade de arrancar um escravo do poder do seu senhor e prival-o do seus serviços? Os nobres deputados estão n‟um pendor, vão até o abysmo, e no abysmo ainda cantam victoria...

67 O Sr. F. da Cunha: – Ainda que fosse verdadeira a venda já tinha passado o tempo da escravidão. O SR. S. MARTINS: – Segundo o depoimento de Paula foi este negocio feito no fim do anno de 1853 ou principio de 1854 estando obrigado a servir por oito annos e tendo-lhe sido tirado o africano em principio de 1861 não havia decorrido o tempo da escravidão, por tanto essa defesa é improcedente (ha diversos apartes). E se fosse verdade, Sr. Presidente, o que diz o nobre deputado, Manoel seria hoje liberto e o chefe de policia teria commettido a maior das iniquidades violentando a pessoa d‟um liberto e coagindo-o a servir a força como se fosse africano livre; seria elle proprio o criminoso de reduzir pessoa livre a escravidão; d‟outro lado se o preto Manoel não é africano livre, e é escravo de Paula não tendo completado o seu tempo de escravidão não haveria duvida nenhuma que o chefe de policia tinha commetido o crime de roubo, arrancando a propriedade do poder de seu legitimo dono com violencia feita á pessoa e á cousa. Mas eu não digo tanto, quero tão somente a verdade, e a verdade é esta: O africano Manoel era livre, estava em injusto cativeiro, quem o reduzio a esse estado commeteu um crime inafiançavel, e o chefe de policia a não ter sido protector do delinquente já o devia ter processado como incurso no artigo 179 do codigo criminal que diz: “Reduzir a escravidão pessoa livre que se achar em posse de sua liberdade – penas de tres a nove annos de prizão e multa correspondente a terça parte do tempo; nunca podem o tempo de prizão será menor que o do captiveiro injusto, e mais uma terça parte. Além disto tem a falsidade do titulo, porque uma vez que o africano é livre não póde haver titulo verdadeiro de escravidão, nem mesmo que elle se quizesse vender. A liberdade é inalienável, e ainda que o homem livre se queira vender não póde fazer esse contrato; porque elle não pode ser o objecto do contrato e ao mesmo tempo a parte contratante. O chefe de policia não tem sabido cumprir seu dever, e tem tido contemplação com o delinquente ou com seus protectores; está por tanto incurso no art. 129 do codigo criminal que diz; - Serão julgados prevaricadores os empregados publicos que, por affeição, odio, ou contemplação ou para promover interesse pessoal seu – deixarem de proceder contra os delinquentes que a lei lhes mandar prender, accusar, processar e punir. O Sr. F. da Cunha: – Em qual dessas hypotheses está incurso o chefe de policia? O SR. S. MARTINS: – De certo, para fazer mais honra e conceito da sua pessoa, quero incluil-o na contemplação e affeição... O Sr. F. da Cunha: – Contemplação mandando pedir informações que fazem carga á Paula. O SR. S. MARTINS: – Impostura, porque sabia que nenhuma informação podia colher sobre pessoas que nunca existiram; o seu fim unico tem sido demorar, pondo uma pedra sobre o processo e guardando-o em perpetuo silencio. Suponhamos, Sr. Presidente, q‟ não haviam provas evidentes da criminalidade de Paula, ainda assim o chefe de policia procedeu mal; porque o seu dever era formar- lhe o processo e para a pronuncia bastam indicios e presumpções que convençam a autoridade da criminalidade do indicado; e eu posso assegurar a V. Ex. que o chefe

68 de policia não fez escrupulo em dizer ao meu amigo e nobre adversario, diante de mim mesmo, que elle suppunha que Paula era criminoso de reduzir á escravidão pessoa livre... O Sr. Ávila: – Mas no processo os indicios devem estar plenamente provados. O SR. S. MARTINS: – Bem, digo eu, que os nobres deputados no abysmo ainda cantam victoria. Já não querem que haja indicios! Pois se os indicios são em si instrumentos, meio de prova, como me pedis prova da prova. O Sr. Ávila: – Não entendeu a argumentação. O SR. S. MARTINS: – Pois é muito facil d‟entender, não precisa para isso muita argucia, não é nenhuma argumentação metaphysica, é simples e está ao réz do senso comum. Pois o nobre deputado não comprehende que a pessoa que tinha esse africano livre escravisado estava em perpetuo flagrante... (Ha muitos apartes). O SR. PRESIDENTE: – (Interrompendo o orador, lê o artigo 187 do regimento e pede para elle a atenção da casa a fim de ser fielmente observado.) (Ainda se trocão alguns apartes.) O SR. S. MARTINS: – Sr. Presidente, repetirei a minha ultima proposição. O individuo que tinha o africano Manoel, como escravo, estava n‟um perpetuo flagrante, podia ser preso sem culpa formada ainda mesmo que o crime não fosse, como é, inafiançavel, e no entanto, Sr. Presidente, depois de achar-se indiciado em crime desta ordem, depois de ter sido chamado a depôr, depois de haver dado o seu depoimento, e se acharem reunidas provas tão vehementtissimas, de sua criminalidade, autoridade pára, porque elle, Sr. Presidente, era eleitor neste feliz Imperio do Brasil, tinha de votar e fazer deputados com o seu voto. Passo a tratar, Sr. Presidente, de outra questão de que também o meu amigo e digno deputado desta provincia, o Sr. Dr. F. X. da Cunha se occupou hontem; é da passagem do rio Uruguay pelo chefe de policia desta provincia, e desde já invoco o nobre deputado o Sr. 1º secretario para que me diga com franqueza se é verdade que esta autoridade passou para paiz estrangeiro por odem do governo... O Sr. Ávila: – O que posso asseverar é que passou; e passou prestando um serviço importante ao paiz. O SR. S. MARTINS: – Eu quero que a censura vá a quem tocar; se o governo do meu paiz praticou uma indignidade desta ordem, á elle cabe a censura e o risco de ser enxovalhado como talvez fosse o estandarte nacional. O Sr. Ávila: – Eu não disse que o governo tivesse dado autorisação para o chefe de policia passar o Uruguay. O SR. S. MARTINS: – Posso asseverar ao nobre deputado que me pareceu ouvir hontem de sua bocca estas palavraz: “Elle foi até por odem do governo e prestou importantes serviços.” Seja porem, como fôr, o certo è que o nobre deputado affirma que elle passou o Uruguay e isto só por si, Sr. Presidente, é um delicto punido pelo codigo

69 criminal. Eu disse ainda agora que o chefe de policia pôz o paiz em risco de soffrer em sua dignidade um grande desar e sem o poder vingar; elle, estrangeiro, desconhecido, expoz-se, Sr. presidente, o que qualquer destes alcaides de fronteira, qualquer d‟esses commandantes reconhecendo o chefe de policia do Rio Grande do Sul o trancasse na cadeia e por certo fariam muito bem, e já que elle zela tão pouco a liberdade d‟aquelles que estão confiados á sua guarda não podia estranhar que o estrangeiro desconhecido,e que por certo nos não tem grande amor fizesseesta affronta ao homem, ao indivíduo e ainda mais a honra e dignidade nacional, que não podia vingar-se, Sr. presidente, porque elle não era consul, não era encarregado de negocios, não era enviado extraordinário, não era embaixador, elle não era senão um estrangeiro, um méro particular sugeito as indagações da policia, e sendo autoridade policial de um paiz fronteiro tinha contra si as presumpções de espião,p odia muito legalmente ser mettido na cadêa ou como é costume d‟aqueles povos no tronco ou estaqueado ao menos por uma noite. Sr. presidente, não há um brasileiro digno deste nome que seja capaz de affirmar que essa passagem não podia envolver um grande dezar; e eu o digo Sr. presidente, para responder ao que disse hontem o nobre deputado o Sr. Xavier da Cunha,que era isso uma falta ligeira,e se elle fosse processado e o nobre deputado fosse seu juiz de certo o desculparia, e lhe daria o seu voto de absolvição. Acabo de provar que essa falta não é tão ligeira assim, e que é antes um crime gravissimo, porque se não resultou mal, podia resultar um mal irreparavel; e em todo o caso mesmo que não resultasse mal algum é sempre um crime, porque o código crimal [sic] o diz terminantemente no seu artigo 147 "Largar ainda que temporariamente o exercicio do emprego sem prévia licença de legitimo superior- Penas- de-suspensão do emprego por um a três annos,e de multa correspondente à metade de tempo." Quem substituio o chefe de policia em sua ausencia? O governo que lhe daria licença para isso? Se desse de certo lhe teria dado um substituto; de duas uma, ou elle foi sem licença e violou a lei ou foi com licença do governo e foi este quem o violou, mas como elle não provou que fosse autorisado pelo governo deve pesar o crime sobre elle porque largou seu emprego individamente. Agora Sr. Presidente, iria elle lá somente por passear? Eu disse outro dia que não, que tinha informações do fim para que tinha ido; mas a casa protestou eu não continuei por falta de prova authenttica não foi Sr. Presidente, porque eu ficasse desconcertado, felizmente não me desconcerto com tanta facilidade, foi porque vi pessoas que aliás tinham fallado, nisso, e estavam informados da verdade darem ao orador - não apoiados. - Mas hoje não está isso posto fóra de dúvida porq‟ o nobre deputado o Sr. Dr. Pavão impellido pela sua dignidade o veio declarar á casa como pessoa perfeitamente informada e disse-nos: Os amigos do Major Mello desconfiados que o chefe de policia tratava da prisão deste, mandaram um enviado saber o que elle ia fazer, e qual o seu fim além do Uruguay, e souberam que ia tratar da troca de criminosos; da troca do major Mello por dous criminosos correntinos. Sr. Presidente, isto é uma verdadeira ingorancia; sem tratado, sem ligame algum com o Estado visinho ir oferecer-lhe a troca de criminosos, que estão a salvo de baixo do estandarte nacional! é uma violação da lei, é uma traição, é uma vergonha, é um crime digno não só da mais severa reprehensão, mas do mais aspero castigo. (Apoiados.) O chefe de policia declarou, que esse facto é falso; mas o chefe de policia, accusado como o está sendo deste crime ignominioso, não o havia de o confessar; seria uma dureza da nossa parte exigir do réo o sacrificio do seu pudor, obrigal-o a

70 que viesse em juizo, ainda que impelido fosse pela mais evidente prova, e que confessasse o seu crime; seria isto crueldade e eu não preciso della; posso muito bem ser accusador sem ser cruel: elle negou o facto, fez o que devia. Mas a autoridade estrangeira referio o fact e n‟este caso, qualquer que seja a dignidade dessa pessoa, deva merecer mais credito do que a palavra do chefe de policia do Rio Grande, porque este nunca poderia dizer outra cousa senão o que disse, ainda mesmo que tivesse feito o contrario, elle não o devia confessar; portanto a sua palavra nesta questão de nada valle, nem ninguém devia invocacà-la. Que este facto é verdadeiro, Sr. presidente, vê-se pelo que affirmou o Sr. Dr. Pavão, que se mandou avisar o major Mello para que se retirasse: e o Correio do Sul, narrou o facto que corria julgando-o impossivel por não haver tratado de extradição entre o Brasil e a República Argentina, e accrescentou que o major Mello retirou-se para o Ombú, se bem me lembro; para evitar qualquer sorpresa. O Sr. Neri: – Sim, Sr. O SR. S. MARTINS: – ... o que combina perfeitamente com as informações que deo o Sr. Dr. Pavão; que as houve não somente de Alvarenga, que não lhes offerecia bastante confiança, ma ainda do collector que é a segunda autoridade do lugar, e a quem se dirigiram para cautela contra a facilidade de Alvarenga, que é um gaucho, e o collector assegurou-lhes que Alvarenga não praticaria semelhante attentado, não por elle, mas porque seria severamente punido; não pela dignidade própria, mas por medoda pena; Alvarenga recusou a proposta. Eis aqui, Sr. presidente, factos contestados por esta assembléa, que se apresentam com outras cores, com outras provas, e denunciam-se em voz alta e ninguem reclama. O SR. FLORES: – A base da informação é que o Sr. Alvarenga não merece credito algum. O Sr. F. da Cunha: – Devemos dar mais crédito a uma autoridade nossa do que à estrangeira. (Apoiados.) (Trocão-se mais apartes.) O SR. S. MARTINS: – Oh! Sr. Presidente, pois até esta questão há de ser tratada por espirito de nacionalidade! O homem a qualquer paiz que pertença, qualquer que seja a religião que professe tem a presumpção de bom conceito, porque a dignidade é própria de todos os homens; aqui a autoridade brasileira é criminosa não póde achar-se nas mesmas circunstancias que outro qualquer para merecer credito a respeito do próprio crime. O Sr. Coitinho: – Mas não sacrifiquemos a autoridade brasileira para elevar a estrangeira. O SR. S. MARTINS: – Ninguem trata de elevar a autoridade estrangeira, nem de sacrificar a autoridade brasileira que foi a própria que se sacrificou, procurando velipendiar o estandarte nacional, é por isto que eu accuso a autoridade. O Sr. Avila: – Accuso-a com muita injustiça. O SR. S. MARTINS: – E eu entendo que com toda justiça.

71 O Sr. Avila: – E o que tem provado o nobre deputado? O SR. S. MARTINS: – Quando aqui, do alto desta cadeira, eu accusei a autoridade violenta, o nobre deputado ouvio-me impassivel e quedo: e em um dia, em que eu me achava nesta casa, formulou um requerimento, para fazer a sua defesa, quando não a tinha feito em tempo e em lugar competente. O Sr. Avila: – Não quiz aproveitar-me da ausencia do nobre deputado e tanto que o nobre deputado chegou logo em principio de meu discurso. O SR. S. MARTINS: – E porque o não fez na discussão do meu requerimento? O Sr. Avila: – Porque não tinha os dados officiaes e não queia avançar proposições que não podesse provar. O SR. S. MARTINS: – As informações que o chefe de policia remetteo são accordes com o que eu declarei então no meu primeiro discurso, e nada adiantaram ao que já sabiamos. O Sr. F. da Cunha: – dá um aparte. O SR. S. MARTINS: – E o nobre deputado, que me deo o aparteestá completamente enganado, o processo não é uma perseguição, é antes a maior garantia do cidadão nos paizes livres; nos governos despoticos, ou absolutos não se fazem processos, impera a vontade do despota; nos governo livres o processo é o meio de harmonisar o direito de punir que tem a sociedade, e o direito de defeza que tem o cidadão; e não é raro ver-se um empregado honesto sobre quem o governo exerceo uma vingança, escudado em calumnias adrede espalhadas, pedir contra si processo de responsabilidade para patentear aos seus concidadãos e calumnia de que foi victima. Sr. presidente, o nobre deputado, o Sr. Dr. F. Cunha trouxe novamenteá tribuna a prisão feita no theatro,e encarou esse acto da autoridade por um lado pouco juridico, porem novo, V. Ex. me dará de certo licença que destrua seus argumentos; o nobre deputado confessou em pleno parlamento que o chefe de policia tinha errado. O Sr. F. da Cunha: – Em que? O SR. MARTINS: – Eu lhe digo. O nobre deputado disse na tribuna que se o chefe de policeia [sic] prendeo no theatro um homem,por ter dado um assobio,prendeo mal. O Sr. F. da Cunha: – Sem duvida, mas não é isso que se deduz da informação. O SR. S. MARTINS (com ironia): – De certo, da informação se deduz que elle prendeo por desobediencia, mas ahi mesmo se declara terminantemente que o homem foi preso por ter dado um indecente assobio. Sr. presidente, eu vou destruir a argumentação do nobre deputado neste terreno da desobediencia, e depois passarei a examinar a informação do Sr. chefe de policia, para mostrar-se da sua informação se deduz desobediencia, ou se positivamente essa autoridade declara que fez a prisão pelo assobio; antes porem de o fazer cumpre-me aqui mencionar

72 um facto que veio ao meu conhecimento, e que prova até que ponto foi arbitraria a prisão effectuada. Na occasião em que eu fiz o primeiro requerimento sobre esta malfadada questão, especifiquei os factos que queria saber, e que necessariamente a autoridade por lei devia ter averiguado, assim é que o chefe de policia devia ter qualificado, e enterrogado [sic]o preso, no entanto Sr. presidente, este entrou, e sahio da cadêa sem ao menos lhe perguntarem o nome, e para darem as informações exigidas, mandaram chamar de novo esse homem que fôra preso no theatro,para lhe fazerem essas indagações; esse homem foi preso, e foi solto, sem deixar o nome, a idade, a naturalidade e profissão; para que um juiz de direito aspero em correição não podesse verificar, consuras e punir mesmo um facto destes; que grande escandalo! O Sr. F. da Cunha: – Os actos do chefe de policia não estão sujeitos a correição. O SR. S. MARTINS: – Mas o estão os actos dos delegados e os do chefe de policia estão sujeitos a censura, e a denuncia, que a lei manda dar ao tribunal competente. Para o chefe de policia pode dar as informações pedidas mandou que o delegado de policia chamasse o moço preso à sua casa, o que este fez com muita polidez segundo me affirmou esse moço disendo, que desta vez o tratou com a maior amabilidade sem aquelle ar soberbo e sobranceiro da véspera, mandou-o entrar para o interior da casa, perguntou-lhe como tinha passado, como se chamava, e assim por diante até saber o que queria,que era justamente aquillo sobre que se havia pedido informações. E é esta, Sr. presidente, a regularidade dessa prisão; é esta a intenção de processar de que nos falta o chefe de policia, que aliás foi o mesmo que no dia seguinte mandou soltar o preso sem sequer perguntar-lhe o nome; mas, Sr. presidente estes escandalos são tão vulgares que já ninguem os estranha. Assim podem as autoridades vexar a população, prendel-a, encadeal-a violentamente porque os presos não deixaram apoz de si vestigios: a policia tem a sua descrição a liberdade e a bolsa dos cidadãos! Eu comprometti-me Sr. presidente, a provar que o nobre deputado o Sr. Dr. F. da Cunha sem melhorar a posição do chefe de policia desclocou a questão quando a encarou como crime de desobediencia; porque o art. 204 da lei da reforma do codigo,tratando da desobediencia diz: "As autoridades, officiaes de justiça, ou patrulhas desobedecidas, prenderão em flagrante, e levarão o facto ao conhecimento da autoridade competente, por uma exposição circumstanciada poe elles escripta e assignada e com declaração das testemunhas que foram presentes. Mas o que diz o chefe de policia em sua informação? Diz que ouvio um assobio, dirigio-se para o lugar donde partio, e encontrou com um soldado que lhe disse ter chamado o moço que o deo e que não fez caso, e seguio para o saguão; accrescenta o chefe de policia, que seguindo elle proprio para o saguçao ahi o encontrou a contender com o soldado que o queria levar a presença da autoridade. – Donde concluio o nobre deputado que houve desobediencia? Por ventura o chefe de policia diz que especie de contenda era essa? Não seriam antes desculpas do infeliz?

73 Mas supponhamos por um momento que houve desobediencia, o desobedecido era o soldado, a este o direito de prender, no entanto que o chefe declara ser o ordenador da prisão. O Sr. F. da Cunha: – A ordem era emanada da autoridade. O SR. S. MARTINS: – As ordens emanadas da autoridade devem ser escriptas com as formalidade do artigo 176 do codigo do Processo, o que no caso se não deu; o art. 204 já citado é terminante: diz patrulhas desobedecidas prenderão em flagrante; ao soldado cabia pois prender, e não ao chefe de policia que nenhuma ordem deu. O chefe de policia foi portanto violento, e arbitrario. Sr. Presidente, eu quero ser condescendente com o nobre deputado, concedo-lhe pois que fosse o chefe o chefe de policia o desobedecido, e que o desobediente fosse preso em flagrante, único caso em que podia ser preso; o que cumpria ao chefe? A lei o diz: fazer uma exposição escripta e assignada com testeminhas presenciaes, e remetter á autoridade competente para processar. Ora, o chefe de policiaa nada disto fez, tornou-se portanto illegal e iniqua a presão; de mais o mesmo chefe diz: soltei-o por falta de provas; pois o crime apanhado em flagrante pode ficar sem prova? Ainda mais a desobediencia é um crime, cujo maximo de pena é dous mezes de prisão, o delinquente póde pois livrar-se solto indepentende de fiança, e todavia dormio na cadêa. Quem pois á vista disto póde atrever-se a diser que não houve violencia da parte da autoridade? O chefe de policia diz d‟um lado que um crime apanhado em flagrante, não foi seguido do competente processo, e do outro affirma cynicamente que não fez ao réo interrogatorio como a lei ordena; pois não saberá um homem formado que a confissão do réo coincidindo com o facto, e feita livre de ferros faz prova plena contra o mesmo réo? Como pois declara que há falta de provas? Finalmente onde em tudo isto enxergou o meu nobre amigo desobediencia, e ainda menos desobediencia em flagrante? Como é pois, que o nobre deputado diz que elle prendeu por desobediencia? O favor como acabo de demonstrar não foi grande realmente, porque o nobre deputado tirou-o de Scilla e arremeçou-o em Charibedes, pois sobre ser violenta a prisão de cadêa pela desobediencia, accrescia ter o chefe de policia soltado o preso, mostrando-se assim negligente e omisso. O Sr. F. da Cunha: – Agora censura-o porque não foi violento, hontem porque o tinha sido! O SR. S. MARTINS: – Não é ser violento cumprir a lei; ser violento é colocar-se acima da lei, prendendo arbitrariamente quando a lei não manda, e deixando de fazer aquillo que a lei ordena por qualquer motivo, e mais escadalosamente por cortezania para com os poderosos. Isto, Sr. Presidente, quanto á nova argumentação do meu nobre collega e amigo, o Sr. Dr. F. da Cunha; agora vou tratar da verdade do facto; como o chefe de policia a explica é elle quem diz que ao ouvir o assobio correo a ver quem tinha commettido essa indecente perturbação da ordem, ahi soube quem tinha sido, e decretou a prisão fundado nos art. 114 e 139 do codigo do processo; o art. 114 dispõe sobre os casos de prisão em flagrante, e nenhuma applicação tem a especie

74 vertente porque não houve flagrante, é o chefe de policia que o declara, quando diz que foi elle quem ordenou a prisão, e depois diz que soltou o preso por falta de mais prova além da declaração do guarda que o prendeu, que assegurava ter elle dado o assobio: o art. 139 diz que a autoridade policial do thatro mandará sahir para fóra os perturbadores da ordem; d‟aqui pois se vê q‟ o chefe de policia fez dormir uma noute na cadêa a um homem que elle sò podia mandar sahir para fóra, commeteo portanto violencia, o seu defensor é quem o confessa. Assim, Sr. Presidente, deu motivo á prisão um assobio, que o chefe de policia na sua regidez puritana taxa d‟indecente apezar desse assobio ser atirado a uma comedia escadalosamente immoral onde se faziam allusões directas as devassidões que abrasaram Sodoma e Gomorra com os fogos do cèo, no entanto, Sr. Presidente, esse chefe de policia puritano, em virtude do art. 137 da lei da reforma do Codigo poz nessa peça o seu – visto – n‟uma pessa immunda esse chefe de policia tão pudico que julga indecente um assobio! Mas ha homens que tem da moral ideias tão repugnantes, e quem sabe se o nosso chefe de policia não é pudico a sua moeda! Quem sabe se elle não pertence a seita impura dos Mormons, que foi esconder no Lago Salgado, bem longe dos homens, nos sertões dos Estado Unidos as suas abominações! Não sei se essa seita preza tambem a cobardia ás autoridades violentas, mas é certo que a defeza do chefe de policia é desagraçada, e miseravel: elle procura justificar-se recorrendo a calumnia, e a mentira; elle quer desviar de si o golpe dá respostas esquivas, e não tem coragem para tomar sobre seus hombros, aquillo que a dignidade humana tem de mais nobre – a responsabilidade dos seus actos! O Sr. F. da Cunha: – Pois nisso provou a demasiada coragem. O SR. S. MARTINS: – Sr. Presidente, o chefe de policia era alem de tudo competente, porque o art. 138, da lei de 3 Dezembro, que trata de inspecção do theatro dá a attribuição de fazer o pertubador da ordem sahir de theatro as autoridades que dessa inspeção estiver encarregada, e nesse dia estava camarote da policia não o chefe, e sim o delegado. O Sr. F. da Cunha: – Delegado pelo chefe de policia. O SR. S. MARTINS: – Mas que tem autoridade propria. O Sr. F. da Cunha: – Na ausencia do chefe de policia. O SR. S. MARTINS: – E na sua presença; o delegado é uma autoridade creada por lei, com attribuições proprias, independentes das commisões que o chefe de policia lhe póde dar. O Sr. Flores: – Aonde está o maior, cessa o menor. O SR. S. MARTINS: – Esse adagio popular não é aphorismo de jurisprodencia; quem occupava o o lugar da autoridade, quem presidia a representação era o delegado, que tambem tem por lei essa attribuição, o chefe de policia encarega-o dessa commissão como seu subalterno, que tem jurisdição para exercer, e não como uma delegação no seu sentido proprio, que é passar attribuições proprias do delegante para o delegado que as não tem.

75 O Sr. F. da Cunha: – Neste caso é; diz expressamente o regulamento que o chefe de policia delegará a inspecção do theatro a outra autoridade. O SR. S. MARTINS: – A outra autoridade, que tenha attribuição policial, já vê o nobre deputado, a natureza dessa delegação, ma quando fosse como diz o nobre deputado, o chefe de policia devia rassumir sua jurisdição regularmente. (Trocão-se mais apartes.) O chefe de policia não assumio, como lhe cumpria, o lugar da autoridade, por que assumir não consiste em metter-se nos camarotes das familias, ou em fazer prisões na saguão, era preciso tomar directamente a inspecção, e por-se no lugar da autoridade o que elle não fez, e atè declarou que cada vez que o delegado presidia o theatro succedia alguma cousa. O Sr. F. da Cunha: – Então como diz que não tem coragem, quando elle assumio uma responsabilidade que lhe não competia? O SR. S. MARTINS: – A responsabilidade é pessoal, compete sempre ao criminoso e o criminoso e é elle e não o delegado; é mais uma irregularidade em seu irregular procedimento. (Há alguns apartes.) O nobre deputado o Sr. Avila, com grande admiração minha disse nesta casa: que um assobio era indecente perturbação da ordem e que uma pateada era muito justa, decente e regular. Até que ponto póde chegar a perversão das ideias, Sr. Presidente? Nos paizes mais civilisados do que o nosso, o meio justamente de reprovar os actores do theatro é assobiar, a que os francezes chama siffler; na Italia é a mesma cousa, e a vista das suas expressões esses povos são naturalmente immoraes para o chefe de policia do Rio Grande, que tem sobre moral ideias mormonianas. Ainda não é isto só, Sr. Presidente, o chefe de policia pretende justificar seu procedimento e salvar sua responsabilidade com os exemplos; no que é acompanhado pelo mês illustre collega o Sr. Dr. Avila; diz elle; eu procedi como procede o chefe de policia da côrte, que durante o anno passado meteu na casa de correcção, e nas diversas prisões daquela cidade 13:914 pessoas e destas 13:914 pessoas, sómente 682 foram processadas e só 110 julgadas! Que edificantes exemplos! Quanta miséria! Quanto victima innocente, quanta dôr, quantos suspiros abafados, nas gelidas paredes da casa de detenção e nas immundas pocilgas do xadrêz! Quantas lagrimas tem feito esta amaldiçoada policia verter de olhos virtuosos! Quanta mulher viuva antes do tempo com seus maridos vivos! Quantos filhinhos orphãos antes de tempo com seus pais encarcerados! Quanta familia entregue á miseria, á fome, á morte e á prostituição, mil vezes mais terrivel do que a miseria e do que a morte!! O que val o pobre? Ente desgraçado, desprotegido dos homens e quem sabe, se abandonado de Deos, é uma folha seccae mirrada que a mais leva aragem arrebata, queixai-vos, respondem os oppressores! Quem attende as queixas dos desgraçados, que só sabem gemer! É uma resposta cruelmente insultante, é uma ironia á miseria, é uma affronta á Divindade. O pobre não quer queixar-se, a quem? Os seus representantes, aquelles mesmo que subiram fazendo escada de seus hombros, incesam o poder. Vozes mais fortes do que a sua não podem atrvessar a atmosphera compacta, e impermeavel d‟incenso que circula o governo e os gemidos

76 do pobre são tão baixinhos que os seus proprios guardas estão demasiado altos para ouvil-os! Não! O pobre não quer queixar-se, quer a sua liberdade que é sua unica riqueza; condemnado a um perpetuo trabalho vê no futuro a miseria para seus filhos, na velhice a mendicidade para si; elle não quer morrer nos carceres da policia, quer tostar a fronte, e requeimar os olhos e a bocca a quebrar pedras aos raios abrasadores do sol pestifero e assassino do Rio de Janeiro prefere affontar a febre- amarela, no trabalho de alimentar uma familia, e abrigal-a da desgraça. É este, Sr. Presidente, o exemplo com que se defende o chefe de policia e com que o defendem aquelles, que lhe fizeram uma apotheose. Mas então sejam coherentes, e o logicos; digam, no Rio de Janeiro a policia prende 13:914 pessoas a seu arbitro, faça-se em Porto Alegre outro tanto, converta- se cada casa n‟uma cadês, cada quarto n‟uma cellula, e prenda-se metade da população. Não, Sr. Presidente, Catillina não bate ás portas de Roma como disse o nobre deputado; mas o chefe de policia do Rio Grande insulta a miseria, e um deputado, um dos astros mais brilhantes da liberdade chama-o autoridade energica, que sabe fazer respeitar a lei! Pois bem tomai-o nos braços arrojai-o em um carro de triumpho, cinja-lhe a cabeça uma corôa de louro, adorne-lhe a mão a palma dos triumphadores, e em voz alta exclamai: ao capitolio, ao capitalio!! Mas que não trema, não empalideça se vir arocha tarpeia! por ora só se trata de render graças aos Deoses.

Discurso proferido na Sessão em 2 de outubro de 1862 - apêndice

O SR. S. MARTINS: – Sr. presidente, eu nunca pensei tornar a esta questão, mas sou coagido a isso, não para responder aos principios de direito com que o Sr. Deputado Fellipe Neri julgou hontem refutar minhas proposições; S.S. declarou-se desde logo leigo na materia, e infirmou tudo quanto disse; mas por que julgo que não devem passar sem resposta algumas proposições que o nobre deputado affirmou, por serem perigosas. S.S começou o seu discurso disendo que eu tinha sido poeta; S.S de certo não levará a mal que eu hoje diga que o achei hontem prégador. Varias vezes elle pareceu-me inspirado por espirito divino, e até fez Sr. Presidente, como fazem de ordinario certo pregadores vulgares que misturão o Evangelho, e a fabula, o sagrado com o profano, que fallão em Jezus Christo e em Jupiter, no Céo e no Olimpi, na Virgem Maria e em Venus mãe d‟amores; e não é de admirar porque temos exemplo no nosso grande poeta Camões e ainda hoje marcham de par nas procissões S. Miguel e Cupido (risadas), tenho-os visto muitas vezes amigavelmente a conversar (risadas). Sr. Presidente, antes de entrar em materia declaro que dou de mão á questão inicial do theatro já discutida; não sou paladino de comicios; elles discutem nos seus bastidores e nós nesta casa; entro portanto na materia que faz o objecto desta discurso.

77 O primeiro argumento, Sr. Presidente, o argumento principal e o único que parece procedente dos apresentados pelo nobre deputado a quem respondo, é aquelle em que eu me referi ao meu illustrado amigo o Sr. Dr. F. da Cunha. É verdade que eu disse que collocado na sua posição, sendo o chefe de policia aggredido o Sr. Dr. F. da Cunha, eu e os meus amigos talvez proceedessemos ocmo elle procedeu. O nobre deputado podia desta argumento tirar a seguinte conclusão, que é consequencia logica do principio, logo não és tão sevéro como te inculcas; não és impelido pelo principio do dever e do amor da liberdade individual, se éras capaz de sacrificar o interesse publico das considerações particulares de amizade. Esta, Sr. Presidente, éra a conclusão logica; e eu responderia, como respndo hoje suppondo que o nobre deputado a tivesse tirado: é verdade; mas o nobre deputado que tanto blazona de cavalheiro, deve saber o que é uma cortezia de amigo; eu o prezo a par de irmão, respeito as suas virtudes civicas e privadas, venero nelle o filho estremecido, e a pae carinhoso, admiro o cidadão patriota, e intelligente, aprecio o amigo dedicado; e só a occasião de momento é que decidiria a maneira porque eu me havua de obrar no futuro; mas cortezmente lhe disse, para attenuar aquillo que talvez alguem considerasse da sua parte uma violação dos nossos principios, que eu collocado na sua posição dificil, faria o que elle fez; como bom amigo, Sr. Presidente, quis untar da mél a orla do vaso em que lhe ia dar a beber tão amarga beberagem (pedindo emprestada a phrase á Jerusalem libertada,) para que mesmo no meio da nossa divergencia momentanea todos vissem unidos os nossos corações de amigos. Mas o nobre deputado, por ventura tirou esta consequencia, a unica logica e verdade? Não tirou; o nobre deputado concluiu das minhas palavras que a minha accusação éra caprichosa, que o chefe de policia não tinha commetido o delicto de que é accusado: semelhante conclusão, Sr. Presidente, não se contem nos principios; não; porque entre mim e o Sr. Chefe de policia não existem as mesmas relações que existem entre mim e o Sr. Dr. F. da Cunha, ou as mesmas que existem entre este e o Sr. Chefe de policia: eu nunca tive intimidade com elle, conheço-o há muitos annos, foi meu contemporaneo na academia e mutias vezes depois tem comparecido perante o meu juizo como advogado e eu tratei-o sempre como tato a todos, e principalmente os meus collegas, mas entre um tratamento cordial, e intimidade medeia muita distancia. Portanto se eu não procedesse com o Dr. F. da Cunha como estou procedendo com o Dr. Chefe de policia eu faltaria então ao meu dever, mas não se póde dizer que eu falto hoje accusando o Sr. Chefe de policia. (Apoiados.) Este, Sr. Presidente, foi o único argumento rasoavel apresentado pelo nobre deputado; e esse único argumento é desta força! Sr. Presidente, o nobre deputado para mostrar a improcedencia de accusação feita ao chefe de policia por ter passado o Uruguay com o fim de obter a extradição do major Mello pela entrega de dous criminosos correntinos repetio o argumento de defeza do proprio chefe dizendo: o chefe de policia não precisava transpor o Uruguay para propôr á troca de Mello por outros criminosos; era-lhe mais facil, muito mais facil, transpor uma noite o Uruguay com alguns soldados e arrancal-o de surpreza (pois que elle se achava proxima á margem do rio) e depois dizer que o

78 tinha apprehendido aqui no Brazil, porque Mello tem passado as rezes para este lado. Sr. Presidente, ninguem póde dizer semelhante couza; e eu admiro como a autoridade tem o cynismo de o fazer; não ha entre nós e a republica Argentina tratado de extradição; todavia, Sr. Presidente, era possivel haver em segredo entre as autoridades de um e de outro paiz, essa troca ignominiosa, ear isso possivel, sem quebra de dignidade para qualquer das nações, porque se uma quebrava, quebrava a outra tambem, se uma dava um criminoso, recebia outro: podia ser um contrato immoral, mas não havia offensa nacional; era de certo degradante entregar um homem que tinha vindo pedir proteção ao estandarte nacional, mas não era um ultrage directo, uma offensa gratuita feita por uma paiz estrangeiro. Mas será a mesma cousa entrar em um territorio estrangeiro a mão armada e arrancar a força o cidadão protegido ao estrangeiro protector? De certo que não! Se o nobre deputado o Sr. Felipe Neri tem algumas luzes do direito das gentes, como creio que tem, deve saber muito bom que esse acto do chefe de policia seria uma violação do territorio invadido seria um ataque a soberania do Estado, onde estivesse o foragido. E estes Brazil, cujo governo tantas vezes tem dado satisfações como devia; e esta só podia ser cabal, e completa pela restituição a liberdade do cidadão injustamente arrancado de lugar do seu exilio; isto manda o direito das gentes, dos Estados; mas por ventura deixaria esse acte de ser affrontoso ao Brazil? Ninguem o dirá! E quem seria a causa disto? De certo que não seria eu nem esta assembléa, mas sim o chefe de policia, que devia ser asperamente castigado, e estou certo que o seria se por nossa desgraça realisasse os seus sinistros pensamentos. O nobre deputado, tratando Mello, achou-me em contradicção, por que via de accusação fundada na perseguição do major que o chefe de policia não protegia os poderosos para perseguir os pequenos, porque Mello é poderoso por si, e por seus amigos; e se o chefe é capaz de praticar o acto de passar a paiz estrangeiro para o procurar, prender, arrancar, e fazer punir, de certo, é incapaz, e não póde ser increpado, de proteger os poderosos, de opprimir e de calcar os pequeninos. Mas, Sr. Presidente, não ha pequenez nem grandezas absolutas, o pequeno e ogrande são relativos, e entre dois poderosos ha um mais poderoso do que outro e por Mello ser poderoso, não se segue que os seus adversarios ainda o não seham mais do que elle e que o chefe de policia não opprime os pequeninos. – Esse argumento, como se vê, é tambem improcedente. Tratando da questão de Paula, S. S. teve a bondade de dizer que era inteiramente incompetente para tratar da questão de direito, e com isso sacrificou todos os seus raciocinios futuros; mas acredito, Sr. Presidente, que este dito do nobre deputado não foi filho da convicção intima e sincera, foi antes um acto de modestia, e por isso S. S. arcou com a questão. Mas permitta-me que lhe diga que foi muito infeliz. O nobre deputado começou disendo que o chefe de policia tinha procedido bem não prendendo a Paula, por que eu mesmo havia dito dias antes que era facultativa a prisão antes da

79 culpa formada, no crimes inafiançaveis; é uma verdade, eu o disse, e é inquestionavel. Mas, Sr. Presidente, lembro a V. Ex., que Paula estava constituido na excepção, porque tendo debaixo do seu poder um homem livre em escravidão, estava em continuo flagrante até aquelle momento e portanto podia e devia ser logo preso sem culpa formada. E mesmo que não houvesse flagrante, Sr. Presidente, o chefe de policia tinha dado sobejas provas da sua maneira de proceder com os criminosos indiciados antse da culpa formada, porque José Joaquim de Paula, eleitor e capitão, mesmo com todas estas qualidades, que o nobre deputado tanto decantou, nem assim offerecia pela qualidade da pessoa nem pela natureza do crime, tanta garantia como um honrado negociante d‟esta praça; e qual foi o procedimento do chefe de policia? Deixa Paula tranquillo na sua casa e chama a si o processo daquelle e o prendeu logo antes da culpa formada; e depois vio-se coagido para salvar a responsabilidade, fructo da sua precipitação, a pronuncial-o em um artigo de lei indevido, julgando-o incurso no codigo criminal art. 205, ferimentos graves, quando o auto de sanidade affirma que era um ferimento levissimo: porque se o pronunciasse no art. 201 como devia, o réo podia prestar fiança, e livra-se solto, e nesse caso ficava fóra de duvida a violencia da prisão preventiva. Não quero tratar a fundo esta questão, Sr. Presidente, só de passagem toco nela; mas ainda direi, que preso violentamente, processado, e injustamente pronunciado esse homem, o chefe de policia estou certo que não foi pedido do réo, nem tão pouca expontaneidade do chefe, - mandou remetter immediatamente o processo ao escrivão do jury, para aproveitar a sessão aberta, depois do pronunciado ter desistido dos 5 dias que a lei lhe concede para recorrer; no que procedeu illegalmente, sendo o processo nulamente submettido a julgamento. Eu vou explicar isto porque muito embora V. Ex. me comprehenda muito bem, o publico para quem eu fallo e que hade ler o meu discurso póde me não entender. No processo ha formulas essenciaes que não podem ser transgredidas sem nullidade, e a lei até constitue um crime para a authoridade, para o juiz que pela sua negligencia ou ignorancia dá motivos para a nullidade do processo na instancia superior; e não foi em balde que a lei attentou para isso, porque um juiz caprichoso podia dar motivo a nullidade de um processo quando elle visse que o réo seria absolvido ou condemnado, conforme fosse seu desejo, afim de que viesse instaurar- se novo processo e o réo continuasse sua cadêa quando devia estar solto, absolvição, quando legalmente já estivesse perdido. Sr. Presidente, depois da prenuncia a lei marca cinco dias para parte de dentro delles recorrer; alli não havia parte accusadora propriamente porque era parte a justiça publica, e os direitos do promotor publico não são os direitos que tem qualquer individuo quando é parte, o promotor não pode fazer transacções com os direitos que não sção seus, com os direitos da sociedade de quem elle é representante. Sim, Sr. Presidente, o réo desistio dos cinco dias para interpôr seu recurso mas o promotor publico não havia delles desistido, nem podia desistir, e o chefe de policia violou a lei mandando para o escrivão do jury o processo antes de decorrido o tempo do recurso afim de que o réo fosse logo submetido a julgamento

80 e não podesse ser espaçedo para o jury que devia ter lugar dous ou tres mezes depois. De maneira, Sr. Presidente, que o chefe de policia portou-se como um heróe chamando a si a questão e acabou Sr. Presidente, como acabaria qualquer subdelegado d‟lAdêa ou qualquer inspector de quarteirãe. E não se diga, como dizem alguns nobre deputados, Sr. Presidente, que o promotor foi ouvido, e officiou no requerimento de desistencia sem se lhe oppor e portanto tambem desistio; não semelhante argumento só pode ser apresentado por quem não conhece o processo, e eu admiro-me de vel-o acceito aqui por distinctos jurisconsultos; nos requerimentos de desistencia não se ouve o promotor senão para este dizer se é ou não caso de procedimento official, e que toma a si a accusação por parte da justiça; mas n‟um caso de recurso o promotor nada tem que oppor, portanto só resta ao juiz o dever de despachar, mandando tomar o termo; como pois se quer ver no officio do promotor desistencia do seu direito? Demais o promotor não pode desistir, porque os direitos que elle exerce são da sociedade, não são seus; finalmente não é natural que ninguem demitta de si seus direitos por isso a lei não presume a desistencia, que só tem lugar a requerimento da parte desistente que assigna nos autos um termo que é pelo juiz competente julgado por sentença; assim procedeu o chefe de policia com o réo; mas onde requerimento do promotor? Onde o termo que assignou? Onde a sentença que julgou a sua desistencia? Já vêm os nobres deputados que a desistencia não se infere, é expressa; não se presume, prova-se. O promotor não desistio nem podia desistir do recurso legal; o chefe de policia atrapalhou; e viciou o processo de nullidade não guardando os termos, e formulas essenciaes necessarias para sua validade. Não seria o seu procedimento illegal filho do remorso do seu crime de ter mettido na prisão, quem podia, e devia estar afiançado, e solto? Não param aqui as tropellias desse douto chefe de policia, ainda elle fez mais – na sua viagem nesas desgraçada, nessa infeliz questão de S. Luiz, elle juiz de direito e chefe de policia deo minutas para se lavrarem sentenças tirando de algum modo o recurso ás partes, proque das sentenças de pronuncia do chefe de policia cabe recurso para a relação do districto e das sentenças de pronuncia dadas por delegados, juiz municipal ou subdelegado ha recurso para o juiz de direito. Ainda mais, Sr. Presidente, o assessor é o responsavel criminalmente quando assessora um juiz leigo e o chefe de policia não podia alli constituir-se responsavel e isemptar da criminalidade o delegado ou subdelegado a quem confiou a minuta por que estes respondem ao juiz de direito, e aquelle a relação do districto. Isto, Sr. Presidente, é de certo irregular, mas é verdadeiro e foi confessado pelo proprio juiz assessorado. Porque não julgava que podesse haver nisso culpa alguma nem para ei nem para a authoridade que proferio a decisão. Sr. Presidente, o Sr. Felippe Neri passou a apreciar a natureza do facto, e do delicto de redução de pessoa livre a escravidão e começou por dizer que a escravidão não é um estado ephemero, mas que é congenito com o homem. O Sr. Neri: – Congenito? O SR. S. MARTINS: – E ephemero, são as suas expressões e apello para a memoria do meu amigo o Sr. Dr. Themoteo e de todos os presentes. É preciso não

81 ter idéa alguma do que é escravidão, Sr. Presidente, um facto de sua natureza violento, ou então ignorar completamente o significado da palavra e “congenito” que quer dizer – gerado no mesmo momento com ou em companhia para dizer que a escravidão é congenita com o homem! Se por ventura a escravidão é congenita com o homem, este é de sua natureza escravo; mas isto não se dá e não é possivel que diga semelhante absurdo um homem como o Sr. Neri que blasona professar ideéas liberaes! Parece-me que a segunda hypothese é a verdade! Foi adiante, e disse como conclusão que a escravidão não pode ser por um tempo preciso e por tanto essa escravidão temporaria é apenas um contracto lesivo de locação de serviços. O nobre deputado ainda está enganado e se como me parece vio esses papeis secretos da policia, havia de ler no titulo; que se compra a propriedade, a cousa, o objecto, o escravo Manoel, que será livre depois de ter servido oito annos. Já vê V. Exc. que até decorrerem os 8 annos o africano é escravo; e todos os dias não s fazem testamentos, em que se deixam escravos libertos? Todos os dias os senhores de bons escravos, não lhes permittem, que vão ganhar certa quantia, que será o preço da sua liberdade? E não continuam esses escravos, futuros libertos, no estado d‟escravidão emquanto não morre o testador? Emquanto não ganham o preço de sua liberdade? O senhor não é por ventura livre de forrar o seu escravo, de dizer-lhe tens até hoje sido escravo d‟ora avante sê forro? Que lei pois o prohibe, que em vez disso diga – tens até hoje sido um bom escravo, serve-me assim mais um, dous, ou tres annos, conforme o q‟aprouver ao libertante, e serás forro? Vê portanto o nobre deputado quanto é perigoso internar- se sem bussola n‟um oceano desconhecido! D‟aqui eu concluo, que se os acampamentos onde o nobre deputado teve a bondade de nos dizer que nasceo, e creou-se podem das bôas lições de moral de certo as não dão de jurisprudencia. Fallo, Sr. Presidente, em acampamentos porque o nobre deputado disse-nos hontem e eu acredito porque é terceira ou quarta vez que nos diz, depois que aqui estamos, que nasceo, viveo, e aprendeo nos acampamentos. Não sei, Sr. Presidente, se o nobre deputado quanto tanto falla em acampamento algum dia batalhou; é possível, mas eu ignoro, ou se só viveo em acampamentos pacificos como filho de general; não sei se o nobre deputado foi cadete como teve a bondade d‟informar-nos sei que foi soldado, foi soldado em 1836 não neste paiz, Sr. Presidente, mas no Estado-Oriental; não em acampamentos, mas na bellissima cidade de Montevideo. Isto é a verdade. O Sr. Neri: – Constou-lhe alguma vez que eu negasse esse e outros factos? Não sabe tambem que pela liberdade do nosso paiz eu troquei alguns tiros ainda quando o nobre deputado engatilhava? O SR. S. MARTINS: – Isto não sei nem me consta que alguem saiba, porque a guerra da nossa liberdade foi em 1822, sei o que disse porque vi um documento que o prova. O Sr. Neri: – Eu estou confirmando isso e até troquei o meu tirinho muito honradamente. O SR. S. MARTINS: – Ainda tenho, Sr. Presidente outros pontos, que combatter como cidadão, e como homem de lei, não posso deixar passar sem

82 protesto algumas proposições do nobre deputado que chamou a nossa sciencia de esteril, e declaro alto e bom som que aborrecia os codigos... O Sr. Neri: – Digo que tenho medo e tenho aprendido á custa minha. O SR. S. MARTINS: – Este direito chamado esteril por quem não o conhece, é uma das mais bellas sciencias que o pensamento humano tem concebido; nenhuma outra sciencia tem um objecto tão elevado, tão sublime como é a justiça; o direito é a condição de todas as outras sciencias, e de todo o progresso; é um centro onde se agrupam os resultados praticos do saber humano; o direito organisa o Estado, que é condição indispensavel da civilisação; apanha os resultados da medicina para regulamentar a hygiene publica; os resultados da mechanica, e das sciencias naturaes para os traduzir em estradas, pontes canaes, calçadas, officinas, fabricas, navegação, e commercio, regulando os principios das associações, e companhias que são os prodigiosos motores da industria em grande; finalmente prende o homem; o direito abrange pois um campo tão vasto que vai além da imaginação do homem, e o nobre deputado chama-o de esteril! Mas, Sr. Presidente, que campo não é esteril para o semeador ignorante? Esta explendida vegetação, esta natureza portentosa com que a Providencia nos dotou era inculta e a maninha nas mãos dos selvagens aborigere; porque não basta Sr. Presidente, que o terreno seja fecundo é preciso conhecer as épocas, e as estações apropriadas, a natureza e qualidade do terreno, e a semente que se lhe deve lançar com proveito! Mas Sr. Presidente, o nobre deputado disse: eu aborreço os codigos! Sr. Presidente, como é que o nobre deputado membro de um parlamento, fazendo leis, diz que aborrece os codigos? Não é isto o mesmo que dizer que aborrece as leis que elle mesmo confecciona? Não é isto convidar ao desprezo, e a violação da lei? Mas, Sr. Presidente, oque são os codigos? Os codigos regulam os direitos dos individuos e da sociedade, os direitos que a sociedade tem poder para garantir ao cidadão; por tanto quem pode temer os codigos que são a nossa garantia? Quem hade temer codigo criminal? O assassino, porque no codigo criminal o assassino é punido com a morte; o roubados, porque o roubo é punido com oito annos de prisão com trabalho; o estelionatario, o empregado publico concussionario, o q‟ se tiver deixado subornar, o que tiver commetido o crime de peculato, ou de peita, emfim todos os criminosos; mas para nós outros, Sr. Presidente, para os homens honestos, o codigo é a nossa garantia! Ora, Sr. Presidente o nobre deputado repellindo, aborrecendo deste modo os codigos e proclamando em alta vòz diante de um publico, que nem todo é capaz de censurar, criticar, e apreciar as suas idéas, pode fazer cada um crer que o codigo é a sua vontade e suas más inclinações; e então Sr. Presidente, fica a porta aberta, e livre a carreira do crime para aquelles que adoptarem esta diabolica doutrina. Foi por isso, Sr. Presidente, que eu, cidadão respeitador da lei, e zeloso pela sua execução, não pôde deixar em pé as proposições do nobre deputado; quiz mostrar-lhe com o dedo as consequencias que logicamente se dirivam dos seus principios, a fim de que o nobre deputado renegue a sua doutrina; e estou persuadido que já a renegou. Sr. Presidente, vou acabar, mas antes de o fazer não posso deixar de lamentar a nossa infelicidade. O governo central nos manda quase sempre empregados que mais parecem inimigos do que autoridades; homens que nenhuma

83 garantia offerecem ao povo e que as mais das vezes são a inspiração do patronato do Rio de Janeiro; aqui mesmo para esta provincia já veio um juiz de direito aquem o então presidente da provincia não lhe quiz dar posse porque estava louco varrido; esse presidente foi o illustrado Sr. Manoel Vieira Tosta, hoje barão de Muritiba; e quaes quer que sejam seus idéas politicas tão differentes das minhas, eu respeito nelle um grande cidadão. Não digo que elle nunca commettesse erros, quem os não commette? Mas, Sr. Presidente, fez grandes serviços ao nosso paiz. O SR. HEMETERIO: – Foi um valentão em Pernambuco e um cobarde diante da epidemia em Porto Alegre. O SR. S. MARTINS: – Digo, Sr. Presidente q‟elle foi grande cidadão; não professo as suas idéas, ma não posso deixar de ver nelle um homem eminente que prestou relevantes serviços a este paiz ainda mesmo na revolução de Pernambuco. Eu sou partidario dessas idéas liberaes, e sempre o serei; mas collocado no lugar delle eu faria outro tanto; eu metralharia os adversarios; eu Sr. presidente, presidente do partido liberal n‟uma provincia revoltada havia metralhar os vermelhos; isso de certo; elle não era liberal era vermelho, metralhou-nos a nós; fez o seu dever; não há ahi motivo para a censura; estavam todos fora da lei; alli não gavia mais processo; a provincia revoltada; a constituição rasgada; era preciso não ficar vencido; dominava a força; elle teve mais – foi felicidade; paciencia e resignação é o que nos resta; esperaemos a desforra. (Ha diversos apartes). Sim, Sr. Presidente, nas provincias que presidio o Sr. Barão de Muritiba fez grandes serviços; a policia, a alfandega, as thesourarias, as contadorias, tudo foi por elle visitado; os empregados concussionarios tremiam delle; elle fez grandes serviços em Pernambuco e supponho que os devia ter feito aqui, ao menos este acto que delle sei de não ter dado posse a um juiz de direito nomeado pelos seus correligionarios mais intimos, porqu‟ esse juiz era louco, prova terminantemente que elle não aceitava imposição de ninguem; que sabia cumprir o seu dever, e que foi no Rio Grande, o que foi nas outras provincias que presidio. Julgo, Sr. Presidente, que tenho respondido a todas as proposições do nobre deputado que me pareceram perigosas e agora ha de me permitir que não o acompanhe ao capitolio – eu quero ficar aqui, estou muito a meu gosto; vá o nobre deputado sósinho; porque não tem o direito de lá ir levando no carro triumphador o emblema da justiça; a justiça é representada no codigo e o nobre deputado aborrecendo o codigo não pode amar a justiça.

84 Discurso proferido na Sessão em 6 de abril de 1863

Publicado no jornal O Mercantil, dias 26 e 28 de abril de 1863

PRESIDÊNCIA DO SR. DR. VIEIRA DA CUNHA

O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, a minha presença nesta tribuna é authorisada por dous motivos especiaes; de um lado fui directamente provocado pelo distincto orador que occupou toda a ultima sessão, e a amisade, a consideração que desde a minha mais tenra infancia lhe tributo e as suas virtudes civicas e privadas, me impôem o dever de responder-lhes immediatamente. De outro lado, Sr. presidente todos sabem que eu sou novo soldado nas lutas parlamentares: mas no campo de batalha da velha Roma em quanto as legiões veteranas occupavam o centro ou a reserva, cobriam a retaguarda as cohortes bisonhas, accomemettiam os inimigos e jogavam na vanguarda as primeiras armas. Em Athenas a galera sagrada só sahia nas occasiões solemnes e ainda hoje em Constantinopla só quando corre perigo o Imperio do crescente, então se desenrola o estandarte do Propheta. Felizmente hoje a doutrina liberal nenhum risco corre, antes progride e se propaga, e os seus adversarios desaparecem; por tanto nenhum mal resultará de que seja o humilde orador que tem a palavra o primeiro a encetar o combate... O Sr. Mendonça: – Nenhum seria mais digno. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Bem sei Sr. presidente que assim que tornará mais patente a minha inferioridade, arcando com o gigantesco athleta da doutrina conservadora tantas vezes laureado com triumphos oratorios nesta assembléa e na assembléa geral, porem quanto mais infimo for propugnador tanto mais realçará a verdade da fé, e eu não desespero de demonstrar que o nobre deputado é sacerdote, e o apostolo de um evangelho apochriph: hei de consegui-lo com a graça de Jesus Christo que pregou a igualdade dos homens, n‟um tempo em que a humanidade jazia avassalada na mais objecta escravidão, e que foi o divino promotor da mais maravilhosa e universal revolução, que a historia comemora em seus annaes. Sou fraco e o nobre deputado é forte, mas Golia era um gigante e foi derrubado pelo fonda de David. Duas partes, Sr. presidente, contém o discurso do nobre deputado, a segunda diz respeito tão sómente á sua illustre pessoa e dois distincto tribuno conservador pela amenidade e cortezia, pela arte e jeito com que sabe em torno de aspide central enfeixar, e tecer mimoso ramalhate de rosas para fulminar seus adversarios. Felizmente Sr. presidente o meu illustre amigo o Sr. Nascimento acaba de dar signaes de vida, graças talvez á sua naturesa de Mithridates, refractaria ao veneno. O Sr. Mendonça dá um aparte.

85 O SR. SILVEIRA MARTINS: – Parece-me que nesta minha phrase não ha nada de ofensivo a V. Ex que asbe perfeitamente o quanto o estimo e que de forma alguma teria intenção de offende-lo, apenas me limitei a cumprimental-o como o digno rival de Aristophanes, atheniense tão distincto pela familia de quem descendia, como pelo grande genio com que o dotaram as musas, na imagem que empreguei não podia haver cousa alguma como nada ha de facto contra a pessoa de S. Ex., a quem sou o primeiro a render homenagem pelas suas qualidades de coração e de espirito... O Sr. Mendonça: – Eu só queria fazer notar ao Sr. Nascimento que eu não tinha a susceptibillidade delle. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, o discurso do nobre deputado foi para mim a prova mais evidente do quanto se acha gasto e extenuado o partido conservador, pois apesar de sua grande eloquencia S. Ex. não pode galvanisar-lhe o cadaver; as suas phrases foram melifluas, fiseram levantar da terra vapores, que se chrystalisaram nos ares e cahiram sobre nós em chuva de perolas; mas perelas que se derreteram como o graniso, e não enriqueceram ninguem; fez- nos S. Ex. admirar a sua eloquencia maviosa recendente aos perfumes dos salões aristocraticos do Rio de Janeiro, mas as suas palavras não callaram no coração do povo. A doutrina conservadora veio sómente dar o triste espetaculo dos cemiterios em que os cadaveres em dissolução sobre o solo humido desenvolvem o phosforeto de hydrogenio gasoso, que se inflama ao contacto do ar, e produz essa rapidas ardentias, essas brilhantes phosforecencias q‟os rusticos; ignorantes creem ser almas condemnadas que penam errantes no espaço. Com effeito, Sr. presidente, o discurso do nobre deputado foi brilhante, mas pondo de parte o brilhantismo da forma para apreciar os pensamentos, e aquilatar as idéas hade se ver que S. Ex. atirou proposições, propoz problemas, affirmou théses sem resolver nenhum daquelles, sem demonstrar nenhuma destas, limitando- se em algumas em que mais se alongou a desenvolve-las não cmo o raciocinio mas com factos e com exemplos, que se nem sempre constituem argumentos valiosos, menos o podem fazer quando se contradisem entre si. Eu analisarei o discurso de S. Ex. sem contrahir obrigação de o acompanhar passo a passo: reconheço o dever de o destruir, mas não me obrigo a começar pelo principio, pelo meio ou pelo fim; o irei refutando conforme me vierem acudindo á memoria as suas proposições pela associação das idéas, pondo em relevo a contradição que vai de uma a outra proposição aproximando ao principio o fim, ao fim e ao principio o meio. S. Ex. no fim do seu discurso affirmou esta proposição que será a primeira que vou combater. “As assembléas provinciaes são corpos administrativos e sò acidentalmente políticos” Sr. presidente o nobre deputado não demonstrou semelhante proposição, para o fazer lhe seria mister definir o que é administração, explicar o que é corpo administrativo e percorrer os arts. do acto addicional em que se trata das attribuições das assembléas provinciaes, mostrar que essas corporações tem as condições essenciaes dos corpos administrativos, e por tanto que esta assembléa é administrativa e só acidentalmente politica; mas se o nobre deputado fizesse isto havia de ver Sr. presidente que administração é todo governo do estado menos o seu pensamento politico, a confecção das leis e a acção da justiça entre os

86 particulares; havia de ver que o administrador deve obrar, consultar, deliberar; havia de ver que a administração tem por principio a unidade, a par do conselho que é multiplo, que deve informar, consultar, mas que não tem responsabilidade, que não pratica, que obra a par do contencioso, do deliberativo, que deve decidir os conflictos entre as autoridades, os principios de direito entre os individuos e o poder. A qual destas tres especies principaes da administração, e que todas ellas formam uma parte do poder executivo pertence a assembléa provincial? Sem duvida nenhuma segundo a proposição do nobre deputado as assembléas provinciaes são um fragmento do poder executivo, entre tanto a lei de 12 de agosto de 1834 da reforma constitucional as demonina “assembléas legislativas provinciaes.” Se percorrermos ainda as attribuições que lhes pertencem, havemos de ver que são exclusivamente politicas, que lhes compete cumulativamente com a assembléa geral a guarda da constituição e das leis, pelo que podem estabelecer os mais amplos debates sobre os direitos individuaes dos cidadãos brasileiros, sobre os seus direitos politicos violados pela autoridade, o que mais uma vez tem sido feito e diariamente se faz. Se considerarmos até as suas attribuições que alguns avisos chamam de poder judiciario como a de suspender e demittir os magistrados, veremos que ainda essas são politicas e não tem nada de judiciarias. As funções judiciarias devem ser sempre regulares, tendo por base a garantia da justiça rigorosa, no entanto que as assembléas provinciaes só em casos de gravissimos, é urgentes devem cobrar; a natureza das penas que as assembléas podem impor prova que essa attribuição e politica. As assembléas provinciaes só podem applicar as penas de suspenção e demissão, no entanto que a autoridade pode estar muitas vezes sujeita á pena corporal que esse tribunal não lh‟a póde impôr e nessa hypothese deve decretar a suspensão ou demissão do magistrado, e em seguida mandar remetter os documentos a autoridade a quem competir, formar-lhe o processo. Se a assembléa provincial fosse um tribunal judiciario não podia Sr. presidente, o magistrado suspenso ou demittido responder a um segundo tribunal; seria uma iniquidade responder por um só facto um dois juizos differentes, que podem applicar duas penas por um só dilicto. Por tanto as assembléas provinciaes com essas duas penas limitadas que applicam não podem ser consideradas tribunaes judiciarios, porque não fazem o réo exprimir o crime por uma condemnação e mandam no responder perante o seu legitimo superior. Se o nobre deputado reflectisse havia de ver que ás assembléas provinciaes pertence tambem a attribuição que tem o governo e assembléa geral de suspender as garantias dos direitos individuaes do cidadão brasileiro em tempo de rebelião ou invasão de territorio, assim o declara o acto addicional, e por ventura não é esta uma attribuição inteiramente politica? Parece-me que não ha duvida nenhuma. De mais as funcções do legislador não são politicas? De outra parte se nós combinarmos a doutrina do nobre deputado com o seu procedimento notaremos que elle está n‟uma perfeita contradicção. Não foi elle proprio que contestou-nos o direito de corpo politico quem... O Sr. Mendonça: – Não contesto nem contestei. O SR. SILVEIRA MARTINS: – [...] veio estabelecer um debate amplissimo sobre politica, fazendo uma profissão de fé que não seria deslocada na assembléa geral e até caberia na praça publica perante multidão amotinada? A casa e o nobre deputado o sabem tão bem como eu.

87 É verdade, Sr. presidente, que o nobre deputado não contestou absolutamente o caracter politico as assembléas provinciaes; mas disse <> o tinham; e entenderá o nobre deputado que esse accidente, o que para os outros é facto constante, e natural e se não o é, e se o nobre deputado se defender de ter promovido uma questão politica, n‟um corpo que S. Exa. chama administrativo, com os estylos da casa, eu lhe responderei que na opinião do nobre deputado devia esse estylo ser considerado abusivo e o abuso não faz lei; por tanto o nobre deputado seria mais logico se conformasse seu procedimento com suas crenças. Mas concedendo ao nobre deputado o direito de ser inconsequente a vista dos uzos introduzidos nas assembléas provinciaes, ainda assim o nobre deputado não se pode esquivar de contradictorio, quando affirma que as assembléas provinciaes são corpos administrativos, e nos lança em rosto a nossa divisão de liberaes em dois grupos n‟esta casa? Parece-me Sr. presidente que uma vez considerada esta corporação como administrativa o nobre deputado não podia fazer-lhe uma imputação d‟essa ordem, porque podem os homens concordes nos mesmos principios politicos, divergirem na sua applicação, que é justamente a tarefa da administração. Ainda se contradisse o nobre deputado quando fazendo sua profissão de fé se disse francamente conservador para se distinguir d‟aquelles que pertencendo sempre a essas fileiras hoje “segundo a moda” se dizem todos liberaes e logo pouco mais adiante disse-nos com a maior singelesa “que um conservador não é senão um liberal” mas um liberal refletido, e nos citou o pensamento espirituoso de alguem que disse nada mais parecido do que um conservador com um liberal brasileiro. O nobre deputado com estas idéas não foi d‟encontro á sua declaração de conservador, e não incorreu na accusação que fez os liberaes de se acharem divididos em dois grupos? devia fazer o nobre deputado tres grupos, já que os conservadores são tambem liberaes, e se profundasse mais a analyse, se não estivesse como os olhos desarmados, se tivesse uma lente o nobre deputado descobriria examinando as entranhas d‟este monstro, fasendo-lhe a autopsia, acompanhando os ultimos fillamentos dos nervos, alguma glandula donde ha de germinar ainda uma nova doutrina, e abrasar o imperio como uma faisca electrica; o nobre deputado poderia achar um quarto partido ainda que não fosse um grupo, por que confesso que deste quarto partido a que me refiro na unidade na casa... O Sr. F. de Barreto: – Unidade aqui dentro. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não me refiro ao nobre deputado. Não me maravilham as idéas quaesquer que ellas sejam, me maravilha sim o procedimento de certo partidarios tão differentes que devera ser, por isso já me não admiro que haja um conservador liberal, quando eu vejo aqui um liberal tão corcunda, que não há corcunda que o iguale. O Sr. Mendonça: – Commigo não pode ser isso. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Nem de longe. Sr. presidente, eu gosto de ver todas as crenças francamente pregadas, mas estranho Sr. presidente que um homem professa doutrinas liberaes e faça sacrificios humanos nos altares da Brahma; este contrasenso repugna a minha intelligencia como uma aberração do bom senso.

88 Sr. presidente, o nobre deputado tambem nos censurou porque apoiamos aqui um presidente conservador. Que nos importa o nome Sr. presidente se o administrador concorda com as nossas idéas se nos ouve, se segue nossos conselhos? Se um presidente concorda com a maioria da assembléa ou de um grupo qualquer que seja porque é que este grupo ou esta maioria o não apoiará? Não se dá a mesma rasão que se deu para com o nobre deputado eu fez n‟esta assembléa uma opposição a troz mais justa ao Sr. conselheiro Ferraz, quando presidente d‟esta provincia, aliás conservador e conservador vermelho? Parece-me que o nobre deputado não traz muito em harmonia os seus principios e suas obras quando censura nos outros, aquillo que mutatis mutandis é o seu mesmo procedimento.... O Sr. Mendonça: – Eu mostrarei que a doutrina é diversa; isto não é negocio de apartes, eu terei a honra de responder ao nobre deputado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Mas o nobre deputado disse-nos que o partido conservador não queria a immobilidade, e por uma interpretação novissima que de certo não deve o nobre deputado, encontrar nos dicionarios entende que a palavra “conservar” quer dizer melhorar, aperfeiçoar, caminhar, andar para diante. Parece-me que o nobre deputado foi victima d‟uma verdadeira illusão de optica. Um escriptor celebre, o inglez J. Stuart Mill que nós ambos estamos habituados a consultar, fazendo a apreciação do progresso e não da conservação, diz que o progresso, é a ordem, é a conservação, e alguma coisa mais; porém como se vê falla do progresso e não da conservação; porque de certo nós sabemos perfeitamente que se cada passo para diante na carreira social fosse seguido da destruição do existente nenhum progresso era possivel; o progresso pois que é uma das idéas cordiaes contidas na palavra – liberal – como bandeira politica, quer dizer melhoramento, aperfeiçoamento, caminhar, andar para diante. Ora, Sr. presidente, isto mesmo é que o nobre deputado chama conservar; para o nobre deputado portanto conservar é progredir, progredir e conservar são perfeitos synonymos. O nobre deputado illudio-se, tomou a nuvem por Juno, e deu a sua conservação as propriedades que o illustre publicista inglez só dá, só reconhece no progresso. A palavra conservação, Sr. presidente, significa uma idéa inteiramente negativa de progresso senão contradictoria, conservar não quer dizer augmento, nem quer dizer diminuição: conservar não é augmentar, nem diminuir e assim é que quando vemos um homem de idade que de modo alguma podia tornar-se mais moço, mas que nos parece ter ainda as feições, a saude, a robustez, e o espirito de juventude, isto é; quando o tempo não tem feito n'elle os estragos que era de suppor em relação á sua idade, nós disemos <> e isto não é augmentar, melhor aperfeiçoar, progredir, ninguem o dirá. Portanto, Sr. presidente, o nobre deputado na sua doutrina de conservação, é excepcional e nesta parte salvo o nome que pouco é, não está longe de nós.

89 Assim é, Sr. presidente, que dois elementos contrarios tendem sempre aos extremos; d‟um lado o partido do povo que em seus excessos vae cahir na anarchia; do outro lado o partido da autoridade que em suas reacções vae dar no despotismo: no entanto que o nobre deputado escolheu o meio termo uma terceira idéa, uma idéa de paz que nasce do equilibrio dos dois elementos contrarios, como no ar os astros giram todos em harmonia attrahidos, e repellidos a um tempo pelas forças de attracção e repulsão; o nobre deputado escolheu o terceiro ponto para estabelecer a sua doutrina: e pintou-nos os conservadores como nautas cautelosos que em mares desconhecidos e aparcellados primeiro se lançam na canôa e vão com o prumo na mão sondar a profundeza, marcar os parceis, balisar os baixios, para depois destramente fazer velejar o barco. Realmente, Sr. presidente, a doutrina conservadora seria admiravel se podesse em si só reunir todas as boas qualidades de todas as doutrinas politicas; o nobre deputado não contente com as suas idealidades, quiz provar-nos a verdade do que dizia com a historia das nossas reformas e citou-nos varios exemplos tendentes a demonstrar que o partido conservador é quem sempre realisa as nossas idéas, porque é cousa sabida que os liberaes não tem capacidade para governar.>> Isto quer dizer, Sr. presidente que esta terra foi lançada pela Providencia para estse Srs. vermelhos. só elles tem o direito de mandar, só elles tem a sciencia para governar, como só Adão tinha o direito de comer os fructos do Paraiso. Mas a proposição historica do nobre deputado não é só inteiramente falsa, mas é ainda o inverso, pois são e tem sido até hoje os conservadores os homens da centralisação e do arrocho. O Sr. J. de Mendonça: – Prove o contrário. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Immediatamente o vou fazer e começo, Sr. presidente, por admirar-me de como póde alguem pôr isso em duvida, e muito menos o nobre deputado negal-o fundando-se em ser o projecto da descentralisação administrativa proposto pelos conservadores, bem como o projecto de lei para a separação da policia e da justiça. É verdade, Sr. presidente, os conservadores propuseram esses projectos, mas nenhum delles medrou nenhum foi convertido em lei do Imperio; plantas exoticas mirraram a falta de seiva na esterilidade do cerebro de seus autores. Agora perguntei eu ao nobre deputado quem propoz o projecto de lei sujeitando os crimes de morte nas fronteiras a julgamento privativo dos juizes de direito restringindo assim as attribuições jury? Quem fez passar, e converteu esse projecto em lei do Estado violando a constituição? Quem propoz leis rigorosas para a imprensa? Quem propoz a abolição do jury que excitou, parece-me que pela primeira vez entre nós a reclamação dos povos?... O Sr. J. de Mendonça: – Propol-a o Sr. conselheiro Nabuco que hoje está muito ligado aos liberaes, e quem combateu muito tenazmente foi o Sr. conselheiro Sayão Lobato que os Srs. dizem que não é mais vermelho, que é roxo. O Sr. Presidente: – Recommendo ao nobre deputado a observancia do regimento. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Que hoje está ligado comnosco, diz muito bem, mas que então apresentou esse projecto como conservador, e o nobre deputado é o primeiro que o diz quando nos apresenta como obra do partido

90 conservador o projecto de reforma judiciaria que não é só tambem de Exm. Conselheiro Nabuco, mas e´até da mesma occasião que o do jury. As idéas liberaes ficaram em projecto, passemos ás leis que fizeram, e executaram e seja a primeira essa que a indignação, que a animadversão dos povos condemnou, dando-lhe o merecido nome de lei corta cabeças; quem propoz e fez passar na assembléa essa lei violentissima e tyranica de 18 de Setembro de 1851, que sujeita pisanos a conselhos de guerra que desafóra os cidadãos do seu juizo natural, para sujeital-os a juntas militares? Não foi isso obra do Sr. conselheiro Eusebio? Quem propoz, e fez passar a lei de 2 de Julho de 1850 que fere a instituição do jury, e cercea suas attribuições sujeitando os crimes de moeda falsa, roubo, e homicidio nas fronteiras, resistencia, tirada de presos, e bancasrotas a julgamento privativo dos juizes de direito? Não foi ainda o Sr. conselheiro Eusebio, que decide ex-cathedra no consistorio? Mas isto é nada, e não passe de pequenos golpes na constituição: vamos a cousas maiores, a essas leis que alteraram pela base o governo do estado. Quem foi que fez a lei d‟interpretação do acto addicional? Quem fez a lei de 3 de dezembro de 1841, que reformou o codigo do processo, e poz a cima da constituição a policia? Quem aos juizes municipaes e promotores das camaras substituio os juizes municipaes e promotores do Governo? Quem aos juizes de paz, eleitos pelos suffragios do povo, e ao chefe de policia, juiz de direito da comarca substituio os subdelegados, delegados, chefes de policia instrumentos do governo, que desse modo pode processar povoações inteiras, alcançou affastar das urnas suas adversarios, conseguio, conseguio camaras unanimes, converteu a assembléa em chancellaria dos ministros, e transformou um paiz livre, e constitucional em um imperio absoluto governado por uma oligarchia que nem ao menos tem por si o merito da sciencia, e do talento. Quem foi que creou o conselho d‟Estado para nelle s‟encastellar, d‟ahi offerecer resistencia tenaz a todas as reformas e melhoramentos? Não é o conselho d‟Estado depois do senado o principal baluarte da doutrina conservadora? O Sr. J. de Mendonça: – Isso é uma injustiça! O SR. SILVEIRA MARTINS: – Quem foi que converteu a G.N. em tropa de linha e coagio o desgraçado, que não tem outra riqueza mais do que seu trabalho, e abandonar sua familia á fome marchando para a fronteira em destacamento, ou dar o voto ao seu superior? O Sr. P. da Rosa: – Apoiado; como se pratica ainda hoje. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, o nobre deputado foi muito infeliz nos seus recursos á historia; apreciou mal os factos, mas a sua phrase ornada de todas as galas do dizer parecia-me o canto da sereia; felizmente hoje as sereias ainda cantam, mas já não encantam como d‟antes! Eu sou o primeiro a render homenagem á habilidade com os Srs. conservadores, apostolos de uma doutrina detestada, sabem sedusir e angariar o povo e leval-o como cégo contra seus interesses; á nóssos liberaes cumpre allumial- o, a esclarecel-o com a rasão, e como Evangelho para que aprenda na doutrina e no exemplo do Divino Mestre, a livrar-se das diabolicas tentações; logo no quarto capitulo do Evangelho de S. Matheus se refere que sendo Jesus levado ao deserto pelo Espirito depois de varias tentações malogradas o subio o diabo a um monte

91 muito alto e lhe mostrou todos os reinos do mundo, e a gloria delles; e lhe disse: tudo isto te darei, se prostrado me adoraes. Então lhe respondeu Jesus: - Vai-te Satanaz; escripto está que ao Senhor teu Deus adorarás e a elle só servirás. Não se parecem com o diabo os conservadores, Sr. presidente, quando falam aos ouvidos dos povos, e lhes narram os seus serviços á patria, e seu amor a ordem, e seu respeito a propriedade? A acreditar nesses Senhores só elles tem amor da patria, e capacidade para governar; e aos incapazes liberaes lançam em rosto as revoluções que em verdade fizeram, mas que sò os conservadores provocaram com seus excessos, promoveram com suas violencias, animaram com seus odios, entretiveram com suas intrigas, e porque éra esse o único meio de firmarem o seu dominio exclusivo. Sr. presidente, o nobre deputado apesar de achar muito parecidos os conservadores, e liberaes brasileiros especificou uma serie de pontos cardeaes, em que não só differem, mas até se acham um diametral opposição; consistem essas differenças de crenças no credito publico, na vitaliciedade do senado, na eleição directa e no direito de revolução; mas não nos disse, e eu desejo saber se o nobre deputado tambem contesta ao povo a sua soberania? O Sr. J. de Mendonça: – Deos me livre de tal. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Bem; estimo muito estar de accordo com o nobre deputado neste ponto, e me obrigo a mostrar-lhe, e o farei em tempo, que é isso mais uma incnsequencia do illustre conservador. O Sr. J. de Mendonça: – E eu em tempo tambem hei de mostrar o contrario. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, antes, e depois da fundação do imperio éra tal a nossa crassa ignorancia da economia social que a nossa legislação fiscal poz em pratica tudo quanto éra disparate, e não tem sido esta a menos causa do nosso atraso; ainda hoje, Sr. presidente, lutamos com males originados pelo nosso máo principio; porque os males cream raizes, e produzem fructos, craem e produzem interesses immensos que depois se não podem prejudicar cerceando d‟um só golpe as suas causas, porq‟o mal do remedio seria ainda mais grave que a molestia, as doenças chronicas não se dão bem com remedios heroicos; é preciso tratal-as lentamente; um paiz como o nosso com uma legislação fiscal viciosa não póde d‟um jacto, sem comprometter a ordem e segurança publica mudar de systema, vêr portanto o nobre deputado que o máo sucesso d‟uma doutrina n‟um paiz dado não é prova de sua falsidade, pois póde ser verdadeira e ferir os interesses immediatos creados pelo máo systema opposto. A nossa legislação financeira, Sr. presidente, é deploravel; o nosso systema societario, e bancario não o é menos; em materia de commercio e d‟industria onde tudo depende da intelligencia, do zelo, do conhecimento pratico e especial do individuo que eleva tudo isto a uma gráo supremo aguilhoado pelo interesse proprio, é sempre de máo agouro o dedo e a influencia directa dos governos, e principalmente dos nossos, que duram mezes, e que por isso não podem preservar n‟uma idéa, porque o q‟ succede não quer continuar a obra que o outro começou; e finalmente diga-se porque é verdade, os nossos ultimos governos tem sido pessimos, por serem em sua totalidade compostos de velhos rutineiros já cançados e de moços sem experiencia

92 alguma, sem estudos especiaes de nenhuma qualidade, e muito menos administrativos, e governamentaes, e o que mais é, a maior parte delles sem talento e capacidade, porque alguns ambiciosos presidentes de conselho querem ser ministros de todas as pastas, e isso se consegue nomeando-se para quase todas incapases, que só saibam obedecer. Para mim o principio bancario é simples; d‟um lado os bancos não tem o direito de bater ou fabricar moeda papel; d‟outro lado liberdade absoluta de associação sem outra inspeção do governo alem da repressão que a lei penal impõe á fraude; os titulos dos bancos devem ter o credito que os banqueiros inspirarem á seus freguezes sem que o governo por uma solemne approvação apresente uma garantia que não dá. Esta questão merece uma discussão especial, e aqui não é occasião que nem é lugar para ella. O nobre deputado faz aos adversarios da restricção bancaria a accusação de apoiarem o gabinete Ferraz muito mais reaccionario do que o seu antecessor em materia de bancos; mas o nobre deputado deve se lembrar que a camara que apoiou o gabinete Ferraz não era liberal, de mais desmoralisada, e gasta como estava no seu 4º anno de sessão, os deputados cançados queriam ir tratar de si, e não desejavam achar pelo prôa a guerra do governo assim a audacia do Sr. conselheiro Ferraz approveitou a occasião propicia, e foi singrando por ahi além. O Sr. J. Mendonça: – É uma injustiça que faz a essa camara. O SR. SILVEIRA MARTINS: – É um juizo publico que eu, como cidadão, me julgo no direito de fazer. O Sr. J. de Mendonça: – Mas é uma injustiça que faz a essa camara e Deos nos livre que todos se singissem a esse pensamento. O SR. SILVEIRA MARTINS: – No entanto é a verdade historica! O SR. SILVEIRA MARTINS: – Quanto á eleição directa, Sr. presidente, estão de accordo em principio os liberaes e conservadores; se destes o nobre deputado não é o unico especial na sua doutrina e se representa realmente aqui a doutrina conservadora dos canones do consistorio. O Sr. Mendonça: – Represento a minha, não tenho entrado em consistorio nenhum. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu o tenho na conta de Pontifice desta provincia. O Sr. Mendonça: – Não tenho diploma, não posso apresentar-me como tal. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Mas é filiado. Neste ponto da eleição directa o nobre deputado está de acordo e só nega a actualidade; eu não tratarei de ventilar o direito, que foi acceito, mas... tratarei da actualidade que se contesta. Porque razão o nobre deputado que vê entre nós formarem-se as municipalidades directamente; que vê o corpo eleitoral, mesquinho, e diminuto em relação á massa da população eleito directamente sem privilegio algum de classe; porque razão, Sr. presidente, o nobre deputado contesta a capacidade ao povo que elege os eleitores para só admmittil-a n‟estes? Não vejo para isto o menos fundamento, porque se estes eleitores são eleitos pelo povo, porque n‟elle exercem

93 uma justa influencia porque não poderão tambem segundo o seu partido, fallar, advogar, converter os povos em favor do candidato geral em quem julgam que se deve votar? O Sr. Mendonça: – Se bem me lembro, o nobre deputado concordou que era necessario levar o censo, no caso de eleição directa. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não será por ventura muito mais facil ao governo ou aos poderosos transigir com numero limitado de eleitores? Não ha tantos que no imperio do Brasil fazem d‟isso meio de vida e que por intermedio do seu voto obtem empregos lucrativos? Não é mais facil ao governo peitar e subornar um pequeno numero de eleitores de deputados, do que a massa do povo? Sem duvida nenhuma que o grande numero de votantes torna quasi impossivel o emprego de meios torpes para se vencer uma eleição. E o que é facto, pela experiencia provado, é que as eleições, como se fazem entre nós, tem dado aos governos camaras unanimes, tem desnaturado o systema representativo e convertido a assembléa geral n‟uma subalterna secretaria! Portanto se o que existe é pessimo, a reforma não póde ser peior, porque peior que isto só isto mesmo. O Sr. Presidente: – Peço ao nobre deputadao que limite quanto fôr possivel o seu discurso, porque a hora do expediente está terminada. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Tenho muito desejo de obedecer a V. Ex. e vou limitar-me quanto poder; porém tenho ainda alguns pontos a combater afim de que não fique em pé nenhum dos principios atirados tão brilhantemente á discussão pelo meu illustre amigo, e adversario. Sr. presidente, agora vou responder ao aparte do nobre deputado quanto á elevação do censo, em que não concordo e antes sou de opinião diametralmente opposta. O Sr. Mendonça: – Pareceu-me que tinha concordado. O Sr. Barcelos: – Concordou em que para isso era preciso a reforma da constituição. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu não posso partilhar semelhante idéa quando penso que todos nascemos homens independentes uns dos outros, e voluntariamente nos reunimos em sociedade para mais segura garantia de nossos direitos communs delegando em um, ou em alguns o governo que não podemos todos cumulativamente exercitar; ora assim como seria uma violencia que um só homem sugeitasse á força todos os membros d‟uma sociedade a seu poder, e governo; assim tambem seria uma violencia que todos sugeitassem á força a uma só dos seus semelhantes, iguaes por naturesa em direitos, e deveres. A única differença está no numero dos violentados, mas a violencia é a mesma porque todos juntos não tem mais sagrados direitos do que cada um; todos pois que fazem parte d‟uma sociedade politica devem ser admittidos a manifestar sua intenção sobre o governo, sem que dar-se-hia para a sociedade uma usurpação d‟um poder estanho á sua naturesa, e repugnante á sua vontade. Eu entendo, Sr. presidente, que o cidadão d‟um paiz verdadeiramente livre, por mais baixo e humilde que seja o seu lugar na escala social tem direito a

94 manifestar sua vontade sobre o governo do seu paiz, dos seus concidadãos, da sua familia e de si mesmo; é curioso de ver-se o mesmo homem a quem a sociedade impõe o dever de morrer pela patria não ter o direito de dizer por quem quer ser governado, nem de saber por quem deve morrer; porque o homem que não toma parte na direcção politica do seu paiz, não é cidadão, e não tem patria por quem morrer. Esse individuo como homem é victima d‟uma injustiça, como cidadão é degradado pela lei; a soberania do povo é um complexo da soberania de cada individuo; a sua mais fiel expressão é o suffragio universal. O Sr. P. da Rosa: – Apoiadissimo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu costumo acceitar as consequencias dos meus principios. O Sr. J. de Mendonça: – É justo e eu gosto de quem acceita as ultimas consequencias;s segundo esse principio, a consequencia é o suffragio universal, nem póde deixar de o ser. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sem duvida; porém se o nobre deputado pensa que eu quero a eleição directa com o augmento das condicções de fortuna dos votantes, então expliquei-me mal, ou o nobre deputado não comprehendeu o meu pensamento. O Sr. J. de Mendonça: – Comprehendi-o perfeitamente; mas persuadia-me que concordava na elevação do censo, essa feitura do partido liberal, como hei de mostrar. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu concordei e concordo que para estabelecer-se entre nós esse principio é mister reformar a constituição. O Sr. Mendonça: – Isso é o ponto liquido. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, não são consequencias necessarias da eleição directa o augmento do censo e o suffragio universal; mas o suffragio universal é consequencia immediata e intuitiva do direito de soberania que tem o povo. Sr. presidente, o nobre deputado admitte o principio da soberania do povo, e nega o direito de revolução que á a sua mais perfeita manifestação; isto implica uma evidente contradicção. O Sr. J. de Mendonça: – Eu entendo que as revoluções são sempre uma produção abortiva das circumstancias. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Pergunto qual o principio, qual a origem de todos os governos do mundo? Não póde ser senão uma de duas; ou é usurpação, a violencia quando um ou alguns individuos a força sugeitam a sociedade a seu governo, e poder; ou é a liberdade, a expontaneidade, quando todos os cidadãos elegem um governo á sua vontade para garantia de suas pessoas e propriedades. O nobre deputado, Sr. presidente, nega o direito de revolução, mas nos declara que acceita o facto! O Sr. Mendonça: – Se elle se legitimar depois.

95 O SR. SILVEIRA MARTINS: – Legitimado, ou não legitimado ha de acceital-o; mas de boa vontade admitto a declaração. O Sr. Mendonça: – É como está no meu discurso; porque se se legitimar é capitolio, se não se legitimar é Rocha Tarpeia. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não contesto; o que contesto é que o nobre deputado com suas idéas possa acceitar a legitimação. Na primeira hypothese de governo que figurei um, ou alguns individuos usurpam o poder, e constituem um facto violento que todo, e qualquer cidadão póde destruir; todos tem o direito de derrubar o governo usurpador. O Sr. J. de Mendonça: – Não sendo previo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Pelo contrario é da naturesa de todo o direito o ser previo, isto é, o ser anterior ao acto. Para fixar e esclarecer a ideia vou figurar um exemplo, para que se não diga que eu imagino hyphoteses gratuitas vou pedil-o a historia. Se entre nós aparecesse um aventureiro com vinte ou trinta mil homens, e nos ditasse a lei como o Americano Walker fez na republica da Costa Rica com quatrocentos flibusteiros não teriamos o direito de atirar com esses piratas ao mar? O Sr. Mendonça: – Isso não só é direito, como é dever que a constituição nos impõe. O SR. SILVEIRA MARTINS: – A constituição nesse tem não rege porque já figura a conquista effectuada; mas abstraia o nobre deputado a constituição, e responda-me pelo simples direito d‟independencia natural não podemos derribar o usurpador? Mas para sanar seus escruptos figurarei outro caso que tambem será historico. Approveitamos para alguma cousa os nosso visinhos; Rosas nomeado presidente da Republica Argentina faz-se dictador; concentra em si todos os poderes legislativo, executivo, judiciario; destroe a constituição da Republica;torna-se verdadeiro tyranno. Os cidadãos não tem o direito de repellil-o, derribal-o e até matal-o? Nenhum conservador, Sr. presidente contesta estes principios, ninguem pode deixar de accertar depois de consumado este facto, que o nobre deputado sò acceita depois de legitimado: mas como entende o nobre deputado essa legitimação? Será o assentimento geral de todos? Mas se todos, ou pelo menos a maioria é que fazem a revolução, a consumação de facto, è a sua legitimação. O Sr. Mendonça: – O que disse e repito é que não ha direito previo de fazer revoluções. O Sr. P. da Rosa: – Não apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Então devemos obedecer cegamente a violencia, e ao despotismo do primeiro governo que augmentar o exercito, e decretar a revogação da constituição proclamando o governo absoluto, ou despotico. O Sr. Mendonça: – Não Sr.

96 O SR. SILVEIRA MARTINS: – É essa a consequencia legitima desses principios, que matam as ideias de honra, liberdade, e amor da patria. Os homens ficão reduzidos a puras machinas, desapparecem todos os seus nobres sentimentos e a escravidão é a lei do mundo. (Apoiados). São os resultados que nos apresenta a logica rigorosa. O Sr. Mendonça: – Não são. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu peço ao nobre deputado que attenda que o homem tem direito de desenvolver-se physica, moral e intellectualmente; a sociedade foi creada para melhor garantia desses direitos; mas se o governo que a representa em vez de garantir usurpa os direitos dos cidadãos e em vez de seu bem promove o mal, eu entendo q‟ a sociedade pode mudar de governo; mas como o governo resiste, a sociedade deve derribal-o; mas o nobre deputado que não admitte este direito entende sem duvida q‟ a sociedade deve sujeitar-se a esse despotismo que tem por effeito immediato a destruição das virtudes civicas, e privadas do cidadão. Com semelhantes principios não pode o nobre deputado acreditar na soberania do povo, nem fallar em legitimação de factos revolucionarios; legitimar um facto é dar-lhe a louça do direito, mas se o povo não pode, soberano como é, derribar o governo, tambem não pode legitimar sua queda. O Sr. Mendonça: – Isso não é negocio para apartes, eu responderei. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sahindo da legitimação do facto a sua justiça, segue-se que ha creação d‟um direito, o que nunca poderia existir se o povo não tivesse o direito de revolução, por que o contrario seria um conflito de direito, entre o novo, e o velho governo. O Sr. A. da Silveira: – Pergunte aos Gregos e aos Polacos se têm ou não o direito de destruirem o despostimos que os opprime. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Se o nobre deputado o que é hoje, em principio o fosse em 1822, não digo já que não seria um dos heroes da independencia mas até não havia de pegar em armas em favor da patria. O Sr. Mendonça: – Está enganado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Pois se o nobre deputado julga que não se deve destruir um facto violento por outra violencia, não podia deixar de assim praticar. O Sr. Mendonça: – Eu responderei. O SR. PRESIDENTE: – Eu peço que o orador não seja interrompido. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O que sinto, é não ter mais a palavra, mas não faltará entre nós quem arvore com mais honra o estandarte sagrado. Da doutrina do nobre deputado resulta um ascetismo, e uma paciencia como não se póde imaginar igual na humildade dos conventos dos jezuitas. O homem converte-se em puta machina e degrada a sua natureza fazendo-se instrumento passivo do governo.

97 O Sr. Mendonça: – Não condemne a sim minha doutrina. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado de certo se refere á logica, por que eu aqui não faço mais do que tirar conclusões de seus principios, se o nobre deputado não acha muito a sabor as consequencias que deduz tem bom remedio, que é um de dous; ou mostrar que a minha argumentação é falsa; e que hade ser um pouco difficil; ou ver no absurdo manifesto das conclusões o absurdo contido no principio e abandonal-o como insustentavel. Sr. presidente, a doutrina do nobre deputado é incompativel com a soberania do povo, principio lançado na constituição do Imperio, e acceito pelo nobre deputado. O governo do estado é o delegado do povo para defesa commum dos direitos sociaes, mas o homem não pode delegar os deveres e direitos que constituem a sua essencia divina. Assim se qualquer fizer um contracto vendendo-se a si mesmo esta venda é nulla, porque a liberdade, essencia do homem e causa de sua responsabilidade divina e humana é inalienavel. Se pois o governo social se desvia do fim de sua instituição, despresa as leis de sua creação para invadir relações com que nada tem que ver; elle torna-se um inimigo que é preciso combater, e derribar; a revolução é o direito de legitima defesa que tem os individuos uns contra os outros, é a resistencia legal contra os outros, é a resistencia legal contra as ordens illegaes da autoridade porem no seu mais amplo desenvolvimento, quando o agressor é o governo, quando quem se defende é o povo, é a nação. O governo inimigo da nação hade ser necessariamente derribado em mais ou menos tempo, ainda que todos pregassem a doutrina do nobre deputado, porque os povos os mais ignorantes sabem distinguir os bons e maos governantes. O nobre deputado fallando da tarifa especial, disse é a única cousa que nos pode salvar. Pois então entende o nobre deputado que se nos negarem os meio de salvação, se os poderes do Estado nos tiverem tanto desamor q‟persistam em tratar- nos com tanta injustiça reduzindo-nos a ultima miseria, matando as nossas cidades, o nosso commercio, a nossa industria, sem nos darem aquillo a que temos direito, que tantas vezes temos pedido, que tantas vezes nos tem sido promettido, e que sempre nos tem sido negado illudindo-se as promessas? Entende o nobre deputado que se nos tirarem o ar que respiramos, e o sol que nos aquece, o que nos resta é morrer? Nunca; acima dos deveres legaes que contrahimos estão os deveres que nos impõe o architecto Supremo do universo, está o direito de viver e para sustental-o ainda nos resta o recurso dos desesperados – a lança e a espada. O Sr. J. de Mendonça: – Ahi esta no que eu não concordo, nisso não. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Porque o nobre deputado não concorda com isso é que eu o combato; é clarissimo. O nobre deputado nas suas citações revolucionarias foi ainda infeliz, apresentou-nos os conservadores com a prudencia de verdadeiros estadistas, os liberaes como incapazes de governo pela sua impaciencia, e citou-nos depois para provar os resultados da impaciencia de um lado Carlos X e de outro Garibaldi...

98 O Sr. J. de Mendonça: – Ambos não podiam ser impacientes em cousas diversas como foram? O SR. SILVEIRA MARTINS: – Um rei afferado as tradições do passado, outro liberal adiantadissimo pelas idéas que defende. O Sr. J. de Mendonça: – Um rei retrogrado não é conservador. Podia ser um louco. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Era um rei retrogrado por ser conservador, porque via reformado o governo da França, que pouco antes não tinha carta constitucional, não tinha imprensa livre, elle queria conservar os legados de seus avós, em vez de carta a sua vontade arbitraria, em vez de imprensa bastilha; por isso revogava a carta, conquista de tanto soffrimento, de tantas batalhas, e tanta gloria como se fosse uma dadiva real; mandava quebrar as typographias como se fosse ainda como seus avôs rei e senhor da terra de França; queria fazer a França de 1830 devolver a França de antes de 1793. O Sr. J. de Mendonça: – Era revolucionario. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Revolucionario. Pois o nobre deputado já acha governos revolucionarios; mas o nobre deputado já não admitte que a revolução seja outra causa senão um crime, e como combina isso com esse absoluto respeito, e obediencia que entende se deve ao poder? Não teremos o direito de combater o governo revolucionario com a revolução; mas revolucionario em que foi Carlos X. O Sr. J. de Mendonça: – Em mudar a ordem das cousas. O SR. SILVEIRA MARTINS: – A ordem das cousas illegalmente constituida para elle, para o nobre deputado, e para todos que não admittem o direito de revolução. Se não há direito de revolução a ordem de cousas estabelecidas pela revolução de 1793 é illegal, e violenta e Carlos X tinha o direito de fazer o que fez conservar o velho regimento Francez como rei de direito que era segundo o nobre deputado. O Sr. J. de Mendonça: – Elle foi de direito e de facto. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Nesse terreno então digo-lhe, que elle foi governo de facto mais do que nenhum. O Sr. J. de Mendonça: – Pode-se dizer, pessimo governo, mas não governo de facto. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Governo de facto por que segundo o principio que ambos professamos, governo de direito é sò aquelle que é eleito pelo povo soberano; ora bem longe da vontade do povo está o governo destruido, a dynastia expulsa pelo povo do solo francez e pelo povo condemnada ao cadafalso na pessoa do seu cabeça, o rei Luiz XVI; bem longe da vontade popular está o rei imposto pelo despota das Russias, o Czar Alexandre, pelo governo inglez na pessoa de seu general Lord Wellington, pelo governo Prussiano na pessoa de seu general o barbaro Blucher. Não poder deixar de ser execrado o governo de um rei que era uma memoria viva da vergonha de nação, e da batalha de Waterloo. E Garibaldi impaciente tambem.

99 O Sr. J. de Mendonça: – E não foi? O SR. SILVEIRA MARTINS: – Se é pela ferida que recebeu tambem foi impaciente Jesus Christo oprque até foi prega-lo na Cruz... O Sr. J. de Mendonça: – Jesus Christo, veio no tempo proprio. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Veio no tempo proprio. O Sr. J. de Mendonça: – Até foi annunciado pelo prophetas. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Foi annunciado pelo prophetas, e por tanto não pode logicamente o nobre deputado concluir que Garibaldi ferido no tornozelo veio fòra de tempo quando Jesus Christo morreo, tendo apenas lançada na terra a semente de sua doutrina deixando a outros a missão de a semear e derramar pelo universo inteiro; Garibaldi vê a sua obra quasi consummada, r unidade [SIC] porque a Italia suspira há mil e tresentos annos é hoje quasi realidade e Garibaldi é o instrumento da providencia é o representante do direito dos povos, é o porta-estandarte da liberdade. Não seria tambem Garibaldi impaciente entrando na Sicilia com alguns centos de voluntarios não o seria entrando só com o seu estado maior na capital do reino de Napoles, cidade de perto de quinhentas almas, e vendo fugir diante de si um rei com cem mil soldados para ir occultar a sua cobardia e a sua vergonha atraz das muralhas de Gaeta que dahi a pouco haviam de ser feitas em calháos pela artilharia do illustre general Cialdini? Os resultados sô podem provar que a época é chegada e que Garibaldi é o instrumento da providencia para a regeneração da patria, e para a gloria da humanidade. Segundo os principais anti-revolucionarios do nobre deputado, Francisco 2º, o filho e seccessor de Fernando 2º de tristissima memoria podia continuar os assassinatos, e espoliações commetidas por seu pai, sem ninguém poder obstar-lhe. Ainda, Sr. Presidente, tocou o nobre deputado n‟outro ponto que foi a vitaliciedade do senado, que julga retirada da nossa bandeira de aspirações liberaes... O Sr. J. de Mendonça: – Eu perguntei só. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu não sei, Sr. Presidente, o que os chefes nos seus conselhos tem feito, anda isso por ahi tão baralhado em ambos os partidos que um homem não pode responder senão por si; eu fallo em meu nome, como o nobre deputado falou segundo nos disse só por si. Começo por francamente dizer ao nobre deputado que quem admitte em principio a soberania do povo não pode de modo algum admittir um senado vitalicio; os senadores são delégados da nação, e é da essencia de toda a delegação a revogabilidade, o contrario importa em nada menos do que em ter o constituido mais poder do que o constituinte, o procurador mais do que o commitente o que é absurdo, e eu heide fazer sempre o que as leis me permittem para tirar o absurdo da lei; demais os representantes devem realmente exprimir a opinião publica, que é de sua natureza variavel, ora os senadores vitalicios não só deixam de representar a opinião do publico que mudou mas até não podem continuar a ser mandatarios d‟uma nova geração que nenhum poder lhe delegou.

100 Um senado vitalicio é um verdadeiro perigo para a liberdade e o progresso, não só por que todos os homens são propensos em regra a cuidar de seus interesses com preferencia aos interesses publicos, mas porque a immobilidade do senado em opposição a vida, actividade, o progresso da nação é uma causa promotora de revoluções que uma constituição sabia deve procurar evitar sempre. Não são estas accusações que em todos os tempos os liberaes tem feito ao senado brasileiro, onde se encastellaram os conservadores impedindo que a outra parcialidade politica governe o nobre deputado diz que não ha olygarchia que o que tem é a ochlocracia, é o governo da população! Como se pode temer semelhante governo n‟um paiz em que o chefe e delegados de policia subjugam a vontade do povo; n‟um paiz em que o governo manda uma luta para cada provincia e faz os deputados que quer e reune assim á um senado vitalicio uma camara unanime? Que diferença ha entre o absolutismo, em que o governo legisla, e executa e o constitucionalismo em que o governo faz camaras a vontade, e decreta o que bem lhe parece? A unica diferença é que no absolutismo há pelo menos franquesa e nesse constitucionalismo ha de mais a hypocrisia a immoralidade, e a abjecção. O consistorio reina... O Sr. J. de Mendonça: – Outros governos. O SR. SILVEIRA MARTINS: – […] e governa o Papa. E, Sr. Presidente, que immoral e desgraçado o governo aquelle que applica o obolo do pobre, o dinheiro nacional em pagar orgias asiaticas e recompensar as huris do paraiso do propheta, pois o que entre nós ha são mufitis. Se nos pudessemos entrar nos segredos d‟essas companhias subvencionadas pelos cofres publicos. Sr. Presidente, haviamos de ver que esses favores se outorgam, que o thesouro está a ordem das companhias que assegurem lugar pingues aos editores responsaveis das orgias cardinalicias... O Sr. J. de Mendonça: – A este ponto não me comprometto a responder; o nobre deputado acceita toda a responsabilidade; a isto respondo com o meu silencio. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Aceito a responsabilidade porque nunca dei por mim responsavel Ha outro ponto, Sr. Presidente, que de leve tratarei já que V. Ex. me adverte que a hora está muito adiantada; é da eleição do nobre barão de Porto Alegre e da candidatura do meu illustre amigo o Sr. Dr. Mendonça. Ninguem contesta, Sr. presidente, que o nobre deputado o Sr. Dr. Mendonça tenha as mais eminentes qualidades para representar esta provincia, o que tantas vezes tem feito com muita honra para si e muita gloria para ella. Mas, Sr. Presidente, no conflicto em que se debatiam por ventura o nobre deputado, ou o Sr. Barão de Porto Alegre pediram votos prra si a seus amigos como o nobre deputado quiz fazer entrever interrogando directamente o Sr. Brigadeiro Portinho? Sr. presidente, quem presenciou e assistio as primeiras eleições que deram em resultado á exclusão do nobre deputado havia de ver que o paiz não estava mais nas mesmas circumstancias e que as mesmas idéas não actuavam agora nos eleitores; o Sr. Sayão Lobato um dos maiores adversarios do nobre deputado no

101 Rosario, como eu mesmo vi, era n‟esta ultima campanha o maior propugnador da sua eleição; de outro lado o Sr. Dr. Félix da Cunha que escreveu uma nenia sentida por ocasião do malogro da candidatura do Sr. Dr. Mendonça escrevia cartas a favor do Sr. Barão de Porto Alegre porque se tinham mudado as circumstancias e mesquinhas questões de individualidades fora, como cumpria a distinctos cidadãos sacrificadas á grandesa das ideas, o nobre deputado não podia tomar, como uma affronta pessoal a derrota do partido conservador. O Sr. Bittencourt: – Ahi dividiram-se muitos liberaes votaram no Sr. Mendonça. O SR. SILVEIRA MARTINS: – A verdade é que o Sr. Barão de Porto Alegre foi eleito deputado em nome, Sr. Presidente, da opposição que tinha feito na camara com o seu voto ao ministerio Ferraz, a quem tinha aqui apoiado, e por quem foi servido, segundo me consta, mas que muito bem julgou que o sacrificio dos deveres publicos não eram meio de pagar a gratidão individual. O nobre deputado o Sr. Barão de Porto Alegre foi nomeado ministro do famoso ministerio de 24 de maio, e os Srs. Vermelhos que dizem, que os liberaes não tem capacidade para governar, que este terreno, que é de nós todos é só d‟elles, não poderão tolerar que esse ministerio praticasse um só acto, e em quatro dias fizeram uma léva de brequeis, e o ministerio cahio. Em nome d‟esse ministerio, em nome dos principios que ele representara, apresentou-se o ministro da guera decahido o Sr. Barão de Porto Alegre, á provincia do Rio Grande e em nome, Sr. Presidente, dos principio contrarios apresentou-se o Sr. Dr. Mendonça, e colhendo-se sem duvida o sem nome por ser particularmente sympathico na provincia, e como meio mais valente de victoria. A provincia, Sr. Presidente, elegeu o Sr. Barão de Porto Alegre e eu apesar da amizade que desde a minha infancia consagro ao Sr. Dr. Mendonça, e á sua illustre familia por tantos titulos credora de estima, disse aqui em alta voz, que a reeleição do Sr. Barão de Porto Alegre tinha sido gloriosa para a provincia. Nas minhas palavras felizmente o nobre deputado não enxergou nem ningume podia enxergar uma offensa á pessoa; e, porque eu liberal como me préso de ser tendo esta provincia a reputação de liberal em todo o Imperio, tendo visto que a Oligarchia tinha tido força para sacrificar nos seus altares o Sr. Sá e Albuquerque por ter abandonada a causa d‟uma família a que aquella provincia do Imperio esta enfeudada ha muitos annos, considerei uma gloria para a provincia do Rio Grande que ella podesse provar que a olygarchia, aqui não tinha raizes. A provincia preferio a um insigne parlamentar conservador, um liberal, que não tem o dom nem o habito da palavra. Mas por ventura alguem haverá que diga que uma provincia ou que um povo deve eleger somente aquelles que tem os dotes da eloquencia, e que sabem discutir, sem attenção alguma a seus principios? Sem duvida nenhuma, Sr. Presidente, que o parlamento é uma arena onde não sei combate com a espada, mas Sr. Presidente, se fossemos seguir aquelle principio em seu rigor haviamos de riscar nove decimos do parlamento porque só um decimo será de oradores destes ainda são poucos os de primeira ordem e n‟uma nação o parlamento deve representar o paiz e mtodas as idéas e decentes profissões. O parlamento pois, sem ser Pantheon tem lugar para todas as glorias, e se o nobre marquez de Caxias póde ser senador por esta provincia donde não é filho, não sei porque, Sr. Presidente, o nobre barão de Porto

102 Alegre não pode ser deputado por esta provincia que é o seu berço, e foi o berço de seus pais. Quem venceu n‟esta ultima eleição não foi o indivíduo, Sr. Presidente, não houve comparação pessoal entre os candidatos venceu o principio liberal representado pelo Sr. Barão de Porto Alegre contar o principio conservador, que o Sr. Dr. Mendonça representa e de que não faz misterio. O nobre deputado excluido do parlamento faz nesta casa o que fez Scipião africano accusado perante o povo, disse <

103 intelligencia do homem; não, o nobre deputado não é um proscripto, porque a liberdade é o povo, e povo é a patria, a patria é a mãi, e a mãi tem sempre no peito amor, no coração saudades e n‟alma perdão para seus filhos transviados. (Muito bem, muito bem) O Sr. Mendonça: – Perfeitamente quanto á forma. A discussão fica addiado pela hora. Indo passar-se a ordem do dia, virifica-se não haver numero legal, e feita a chamada na forma do regulamento, o Sr. presidente disigna a ordem o dia e levanta a sessão.

Discurso proferido na Sessão em 16 de novembro de 1866

O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, depois da Independencia do Imperio e da sua constituição nenhuma outra victoria tem alcançado o povo e a liberdade mais explendida do que a consagrada na lei de 12 de Agosto de 1834que como o nome de acto addicional a constituição consumma a quase independencia das provincias do imperio em relação ao centro, que tendo-se collocado quando nos emancipamos do reino de Portugal, na frente do movimento revolucionario, representava com as provincias o papel da nossa velha mãi patria com o Brasil e de algum modo nos sugava o sangue e a vida; o acto addicional creou estas corporações que chamamos – assembléas provinciaes, deu-nos o direito de crear impostos, e de legislar para a provincia. Não comprehendo pois, Sr. presidente, com possa haver um provinciano que concorra para que esta grande conquista da liberdade se abata e desappareça como todas as corporações pela demoralisação. (Apoiados.) Desde a maioridade, começou nova direcções politica nas provincias do Imperio; o centro não tem feito mais do que embaraçar-nos por todos os modos, falsear todas as nossas garantias, procurando desacreditar esta liberal instituição para tornar a collocar-nos no pé de abatimento e sugeição em que estavamos antes de 7 de abril de 1831; desde o anno de 1840, em que teve lugar a maioridade que as provincias forão “dotadas” com a lei de interpretação do acto addicional pela qual as nossas attribuições forão completamente falseadas, adulteradas, e cerceadas; e a té hoje vivem as provincias em lucta constante com o conselho de estado, que procura por todos os meios, contestar nossos direitos, e pôr peias as leis provinciaes. (Apoiados.) Não são por tanto levados por um principio de patriotismo e muito menos de liberalismo aqueles que quebrão os seus compromissos e desertão das bandeiras do povo para assentarem praça nas fileiras do governo “que espira” ao absolutismo e se tornarem os instrumentos de descredito e de desmoralisação desta instituição provincial! Vozes: – Muito bem!

104 O Orador: – Nesta posição se achão todos aquelles que tem deixado passar como entre nòs annos as provincias sem orçamento: porque se alguma atribuição faz realçar o provincialismo, e liberalidade das assembléas é a descretação, e votação dos subsidios publicos: o governo sem meios, sem impostos, não póde governar; o povo é que lh‟os da sem a decretação dos seus representantes, a provincia não deve pagal-os, nem o governo póde exigil-os; o governo sem nós, não póde legalmente governar, carece dos meios; mas se o governo proseguir no alvitre até hoje um orçamento anterior, e nós continuarmos a approval-o, a que ficamos reduzidos? O governo não preciza de nós, não preciza do povo, tem o direito de dispôr da nossa propriedade e da nossa pessoa! E d‟ahi vem que em vez de harmonisar comnosco a administração, nos teme; em vez de convocar nossa reunião, é esta adiada, e quando como agora se torna impossivel o adiamento, a impedir nossa reunião e affasta da assembléa os seus amigos, e empregados della dependentes! A deserção, que de tempos a esta parte, tem feito os membros baronistas da assembléa provincial do Rio Grande do Sul tem-nos collocado na triste contindencia de approvar constantemente a violação da lei por parte do governo. Tres annos consecutivos a provincias do Rio Grande não tem tido orçamento; mas governo que não póde governar sem elle, em lugar de promover seus amigos a que comprão seus deveres, folga com o escandalo, e o que faz? Proroga, de propria autoridade, descricionariamente, o orçamento vigente que devia vigorar tão somente um anno! O que nos cumpre é reconquistar nossos direitos usurpados, syndicar o procedimento da administração não approvar o acro illegal cegamente, mas sim por verbas, aprovarmos justas despezas, mas não os favores, que por ventura á custa dos cofres tenha feito a administração. E preciso, Sr. presidente, que não passem factos da ordem dos que censuro sem protesto da nossa parte; se não de todos, pelo menos de alguns. Assim é, Sr. presidente, que estavamos reduzidos á uma contigencia não menos triste do que a dos outros annos em que temos funccionado, é verdade, mas nos dias da votação temos ficado sem casa para votar, reduzidos ao estado em que nos achamos hoje! Agora sabe mesmo de ponto a audacia; não è mais da votação que se foge, è até da reunião da assembléa; ali havia pelo menos a garantia da discussão, a liberdade que tinhamos de censurar a influencia sinistra do governo, que á todo preço quer matar as assembléas provinciaes: aqui até isso se nos quer tirar, e não só não podemos votar os meios do governo, mas nem ao menos discutir nossos direitos. (Apoiados.) Todos sabem o sacrificio que temos feito para poder reunir aqui 16 membros, isto é, metade e mais um dos deputados da provincia, numero minimo que é necessario para poder funccionar a assembléa, nenhum de nós tem licença de adoecer por alguns minutos, por que nesse dia não pode mais haver sessão; no entanto que a assembléa provincial do Rio Grande tem por lei 30 membros! No entanto esses membros quase todos estão presentes na capital da provincia e não querem comparecer! (Apoiados.)

105 A‟s vezes, Sr. presidente, imagino que não é possivel que um partido que se apoia no emprego de taes meios possa por mais tempo influir e dominar esta desgraçada provincia; porem, Sr. presidente, outras vezes quando reflicto, e considero em tudo porque temos passado, perco a fé, e chego a persuadir-me que não nòs, mas os fugitivos são os verdadeiros representantes desta calamitosa quadra! (Apoiados.) Alguns delles são empregados publicos e estiverão aqui presentes no dia em que esta assembléa se installou, não está enfermos, não estão impedidos, estão funccionando nos seus empregos; no entanto, o acto addcional á constituição do imperio em seu artigo 23 diz – que os membros das assembléas provinciaes que forem em pregados publicos <> V. Ex. e a casa veem que a lei não faz distincções, não diz que comparecendo na assembléa, que não comparecendo ás sessões, poderão exercer seus empregos, diz terminantemente – durante as sessões não poderão exercer seus empregos... O Sr. Nascimento: – E é como sempre se tem entendido. O Orador: – ... dá-lhes direito porem de optar pelo ordenado ou pelo subsidio, mas não lhe dá direito de optar pelo serviço do seu emprego contra o serviço da assembléa! Vozes: – E‟ exacto. O Orador: – Os commentadores da constituição em cujo numero occupa um lugar proeminente o conselheiro Pimenta Bueno, dizem que o serviço da assembléa tem a preferencia; – no entanto os membros da assembléa da provincia do Rio Grande deixão de cumprir os seus deveres, não desempenhão o mandato popular, não correspondem á confiança que o povo nelles depositou, não satisfazem as obrigações que o lhe impoz porque elles as pedirão e vão exercer os cargos dependentes da vontade do governo! Uma Voz: – A culpa é de quem consente. O Orador: – Preferem a sem mandatarios do povo serem delegados do governo e isso contra a lei, contra a constituição do Imperio que lhes marcou a preferencia. Não é isto só, Sr. presidente; vexados (se no caso cabe a expressão)... O Sr. Avila: – Duvido (hilaridade). O Orador: – ... do proprio acto que praticão, o disfarção caluniando vergonhosamente aos representantes do 2° districto: a uns dizem que temos a pretenção de mudar a capital da provincia no empregar para Pelotas, á outras declarão que vamos emprefar todos os rendimentos da provincia no 2° districto; ao governo finalmente dizem que neste tempo de guerra nacional vemos sucitar questões odiosas e inicitar o povo á rebelião! Sr. presidente, o 2° districto nesta ultima eleição deu uma prova digna de inveja para todos aquelles que tem convicções politicas sinceras, não fez questões de bairrismo; tratando-se dos interesses publicos, elle procurou mandas á esta casa, não

106 os Rio-Grandenses que tivesse nascido neste ou naquelle bairro, mas aquelles que podessem participar energicamante o seu dever e honrar aos seus eleitores; o 2° districto veio a este primeiro pedir os moços notaveis que elle encerrava, e repelia do seu seio para envial-os á esta representação provincial, e dar-lhes o lugar que elles merecião por sus talentos ... Vozes: – Muito bem! O Orador: – ... o 2° districto não póde com justiça ser accusado de uma idéa tão vil e egoistica. (Apoiados.) Nós todos, Sr. presidente, temos orgulho, não de ser filho desta ou daquella cidade, desta ou daquella aldéa da campanha, mas de sermos todos rio-grandenses! Vozes: – Muito bem! O Orador: – Nem, Sr. presidente, do 2° districto partiu a idéa pouco rio- grandese de dividir esta provincia em duas, anniquilando inteiramente sua força; não foi do partido liberal do 2° districto que partiu essa idéa, felizmente, para a honra do 1° districto tambem o digo, ella não brotou em cabeça rio-grandense! Vozes: – Muito bem! O Orador: – Era melhor, Sr. presidente, que aquelles que deixão de cumprir os seus deveres que se calassem, já que não querem dizer os verdadeiros motivos que os impellem. (Apoiados.) Ha um, Sr. presidente, um unico motivo, que em vez de deshonrar, como elles pretendem, honra ao 2° districto: e não recuso dizel-o: é que deputados do 2° districto vêm aqui cumprir com o seu dever, não receião discutir, deliberar; e elles que grandes aspirações, conscios do que valem, fugirão desta assembléa, onde se legitimão as nobres pretenções, sómente para não dar ao publico o espectaculo da sua nihilidade; desde que uma vez estiverão ali (apontando para o lado direito) ou calados ou batidos por poucos representantes do segundo districto descerão do seu proprio valor! Hoje estamos em maior numero, fogem, não discutem, á alguem ainda póde restar a duvida! E‟ este o verdadeiro motivo, porque se o não fosse, se elle estivessem de boa fé poderião mostrar o contrario com as accusações que contra nós propalão: queremos mudar a capital, queremos distribuir no 2° districto as rendas publicas ... pois bem, vinde para aqui, vós que sois do 1º districto, arregimentai-vos, mostrai a iniquidade do nosso procedimento e patenteai ao mesmo tempo aos vossos eleitores o vosso merecimento. Era ali que elles devião cumprir o seu dever e não do modo porque o fazem, fugindo da discussão, e procurando evitar a reunião da assembéa; fação por o que quizerem, não abafarão as minhas vozes, não deixarei por isso de profligar a vergonha de tal procedimento, nem a indigna baixeza dos que o applaudem, e acoroçoão: porque aquelles que alimentão uma facção que por tal modo rebaixa e degrada os brios da provincia do Rio Grande do Sul, esses estão inferiores a tudo! Vozes: – Muito bem! O Orador: – A‟ vista deste estado de cousas, Sr. presidente, achando-se presentes nesta cidade alguns deputados provinciaes que acabão de chegar e que

107 estão reconhecidos por esta assembléa, eu venho propor para se lhe officiar, convidando-os para nella tomar assento e parte nos debates, são elles dous militares, os Srs. Drs. Farinha e Domingos Francisco dos Santos. Não ha duvida, Sr. presidente, sobre as minhas idéas a respeito dos militares deputados provinciaes; não ha muitos dias as desenvolvi nesta assembléa: mas cessada a razão da lei, cessa a sua disposição. Estes militares não se achão hoje arregimentados, retirarão-se com licença, licença maior que o tempo que deve durar esta assembléa; retirarão-se por doentes, tambem é verdade, mas as molestias que podem impossibilitar o militar do exercicio da sua profissão em campanha, impedindo-o que se exponha á humanidade, á chuva e ás intemperies não são molestias que impeção o deputado de trabalhar em sua casa e vir a esta assembléa discutir: não è por tanto uma razão de impedimento a retirada por molestia, porque ha muita differença entre o serviço militar e o legislativo. (Apoiados.) Assim pois, Sr. presidente, peço a V. Ex. licença para mandar á mesa o seguinte requerimento (lê). Vozes: – Muito bem! E lido, apoiado e entra em discussão o seguinte requerimento. <> E‟ lida, apoiada e entra conjunctamente em discussão a seguinte emenda addictiva: <> E sem debate é approvado o requerimento a emenda addictiva.

Discurso proferido na Sessão em 19 de novembro de 1866

O SR. SILVEIRA MARTINS: - Sr. Presidente, estamos ha muitos annos - habituados a decretar·aposentadorias, todavia esta é uma das questões mais melindrosas que se podem suscitar nas assembleas provinciaes, porque envolveem·si a resolução de muitas outras. A primeira que se apresenta é: somos competentes para decretar aposentadorias? Eu não ponho duvida, pela parte que me toca, todavia é ainda hoje um ponto letigioso para o governo que não tem deixado de sustentar a negativa segundada por todos os seus auxiliares, principalmente do conselho de estado.

108 Não ha menos de uma duzia de consultas em que o conselho de estado nos contesta o direito de aposentar empregados, confundindo o direito de aposentar com o direito de agraciar; elles dizem: as graças são privilegio do governo do Imperio, as assembléas provinciaes não teem o poder de conceder graças a ninguem: as assembléias provinciaes não teem por tanto o direito de aposentar empregados. Sr. Presidente, eu distingo para responder a este argumento: as aposentadorias podem importar uma graça, mas tambem podem não importar: a escola politica a que pertenço não póde admitir de modo algum que um empregado possa no fim de alguns annos, só porque já serviu, vir perceber o vencimento que tão sómente se deve ao serviço actual! Eu peço aos nobres deputados attenção, para a materia de que se trata, pois como já disse, à uma daquellas questões que mais nos interessão, não só pelo direito que nos é contestavel, mas sobretudo porque em pouco tempo nos ameaça absorver as rendas da provincia. (Apoiados). O imposto, Sr. Presidente, representa a constituição, o dinheiro de todos os nossos concidadãos; e se nòs concedemos uma aposentadoria aos empregados que não prestão serviços, nòs não fazemos mais do que taxar uns cidadãos em proveito de outros e estabelecer uma desigualdade de direitos. As aposentadorias, até hoje concedidas, estão quasi todas neste caso, e o artigo que impugno não faz mais do que sanccionar esse principio, visto que elle não considera senão o numero de annos de serviços para dar ao empregado jus a recompensa; decorrido o tempo necessario o empregado não serve, entretanto recebe o seu salario! Porque razão, no fim de alguns annos de serviço, quando está mais habilitado para ensinar, e o seu serviço é mais proveitoso, ha de um mestre valido cessar de servir? e se cessa de servir porque ha de continuar a receber o salario só devido ao serviço? O imposto é o meio porque os cidadãos pagão ao Estado, os serviços que delle recebem; mas o Estado não tem direito de commerciar, nem de enthesourar, e se lhe sobra o dinheiro, deve diminuir o imposto, deixal-o nas algibeiras dos contribuintes antes do que regalar seus empregados; neste caso a aposentadoria é uma verdadeira graça, è uma grande injustiça estabelecer salarios para empregados que não prestão serviços, e que, no entante são validos, e cheios de saude. Em outra hypothese, a aposentadoria não importa uma graça, e é não só autorisada pela equidade, mas até pela justiça, e pela conveniencia do serviço publico, como quando a aposentadoria é concedida para garantir a subsistencia aos invalidos, aos velhos empregados que sacrificarão o melhor tempo dos seus annos no serviço publico, sem poderem accumular um peculio para a velhice. (Apoiados.) O Sr. Bittencourt: – É o que estabelece a leis que nos rege. O Orador: – A lei que nos rege póde chamar-se verdadeiramente monstruosa. O Sr. Bittencourt: – Póde ser; mas a aposentadoria é só no caso de impossibilidade absoluta.

109 O Orador: – Assim é em principio; mas em todos os artigos seguintes a lei altera o principio com disposições contrarias, e em vez de serviços provinciaes vai procurar serviços geraes, e até de guarda nacional, para contar o tempo para aposentadoria. O Sr. Bittencourt: – É porque o nobre deputado não esta ao facto da historia, por isso ha de vêr que para se fazer passar o principio, vimo-nos na obrigação de conceder. O Orador: – Em nada tenho que vêr com a historia da lei, sómente á lei me refiro; a assembléa não devia fazer parar o principio antes de que fazer concessões desta ordem, pois não se tratava de salvação publica, que obrigasse a todos os sacrificios; pelo contrario para favorecer a poucos prejudicou-se a todos, onerando enormemente os cofres provinciaes. Neste caso a aposentadoria é um estimulo á capacidade e á dedicação do empregado (apoiados); o empregado póde dedicar-se ao serviço publico, tem no fim da vida quando se estragar a sua saude uma recompensa certa. Mas, Sr. Presidente, é mesmo escandaloso, já não digo injusto, que por esse meio vamos recompensar igualmente o bom e o máu empregado. (Apoiados). Não ha meio de acoroçoar o bom, e de recompensar o bem; a recompensa é estimulo e se ella se barateia, se a ella tem igual direito o bom e o máu funccionario, de que estimulo póde servir? Hoje tem-se estabelecido uma especie de concorrencia geral, os empregados não tratão de bem servir ao paiz, não se esforção para tornarem-se dignos; tratão sómente de vencer tempo, na doce esperança de recompensa por serviços que não fizerão, a fim de viverem grande parte da vida sem trabalhar, á custa do trabalho alheio. O Sr. Bittencourt: – A execução da lei é que tem acoroçoado tudo isso, essa tem sido má. O Orador: – O art. do projecto que eu combato sancciona este principio, porque sem consideração de saude, estabelece tão sòmente o tempo de serviço para aposentação. Assim pois, Sr. Presidente, eu não posso de modo algum votar pelo art. como se acha, não posso mesmo votar pelo art. no regulamento que se discute, porque acho que deve ser lançado na lei especial de aposentadorias. A aposentação só se deve conceder aos empregados que physicamente ficarem impossibilitados ou pela idade ou pelas enfermidades, esses tem direito á aposentadoria. A aposentadoria do professor é a sua jubilação: assim como a aposentadoria do official militar é a sua reforma, uma e outra não podem ser concedidas sómente pelo tempo, pois podendo um professor começar a funccionar aos 21 annos com 25 de serviço, teria 46 annos e poderia aposentar-se, e assentando praça na policia aos 18 com 30 teria 48 e poderia aposentar-se! daqui se vê que quando o empregado pela sua experiencia podia prestar melhores serviços, a lei o aposenta no vigor da idade, para tornal-o consumidor, e cargos á sociedade.

110 A lei devia ter prevenido todas estas hypotheses que não preveniu, mas em alguns dias eu me comprometto a apresentar um projecto de lei, reformando a lei actual, considerando todos os empregados publicos nas suas verdadeiras cathegorias, sujeitando todos ao único principio de – invalidade. – Não é licito que paguemos os que tem saude da mesma maneira porque devemos pagar os que se invalidarão no serviço da provincia. São estes os fundamentos porque eu desde já voto pela completa regeição do art. que se discute; por agora paro aqui, deixando o muito que se póde accrescentar para quando tiver de apresentar o projecto a que me refiro: nessa occasião poderei desenvolver mais largamente os principios que apenas esbocei nas breves razões que apresentei á consideração da assembléa.

Discurso proferido na Sessão em 21 de abril de 1874 - apêndice

O SR. SILVEIRA MARTINS: – (Geral attenção. Profundo silencio:) – Sr. presidente, o nobre deputado a quem vou responder, assentou-se declarando: que estava fatigado por haver fallado com mais calor do que costuma. Eu, pelo contrario, se algum dia, Sr. presidente, occupei a tribuna, calmo, frio, e perfeitamente tranquillo, foi hoje. Tal é a plena convicção que tenho, que o nobre deputado procurou demonstrar a these insustentavel: que o humilde orador que neste momento attrahe a attenção da casa e do publico, foi, no seu partido, uma vez se quer, pomo de discordia. (Muito bem) Não preciso, Sr. presidente, preparar-me para responder ás infundadas accusações do nobre deputado, que cahem por si mesmas; basta correr a memoria sobre o meu passado, sobre a minha vida politica, para provar que se não encontra nella um acto que não fosse filho da intima, da sincera convicçõa, que praticava um acto autorisado pela justiça, pela idéa liberal, e pelo interesse publico. O Sr. Avila: – Mas tem desmoralisado o seu partido muitas vezes (Não apoiados) O SR. SILVEIRA MARTINS: – Como demonstrou o nobre deputado essa proposição? Não quero, não preciso qualificar; contento-me em recordar que, longe de desmoralisar, deve ter sustentado com esplendor as idéas liberais, e a honra da bandeira do partido, o cidadão que acaba de ser o alvo da manifestação unanime dos seus correligionarios, desde o Prata até ao Amazonas! (Muito bem, muito bem.) Eu podia responder ao nobre deputado que só é digno de lastima, já que não tem força para desmoralisar um partido, a voz única que se levanta para quebrar o accodo unanime dos liberaes em todo o imperio com censuras de tal ordem. O Sr. Avila: – É um engano; ha muitas vozes como a minha. O Sr. F. Barreto: – Ainda as não ouvimos.

111 O Sr. Avila: – É porque não tem ouvidos; quem sabe se o nobre deputado tambem já tem dito alguma cousa? O Sr. Presidente: – Peço aos nobres deputado que não interrompam o orador. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não preciso, Sr. presidente, invocar o testemunho da minha provincia, da minha patria, principalmente da illustre cidade do Rio de Janeiro que tantas vezes honrou com os seus applausos, não o talento de que careço, mas as idéas, que com tanta fé eu sistentava; podia apellar para o proprio nobre deputado, se elle conservasse a mesma opinião duas horas consecutivas, e para o nobre deputado o Sr. Pereira da Rosa, que a seu lado tem assento, que ouviu o nobre deputado no dia em que chegou a esta cidade, dizer-me que assignava um voto de adhesão ao meu procedimento politico. O Sr. Avila: – Sem duvida. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado diz – sem duvida; como, pois me censura? S. Ex. foi além: eu para elle era o verdadeiro chefe do partido liberal; e á resposta que lhe dei – que não aspiro, que não quero sel-o, redarguio que não podia deixar de querer, porque só eu possuia a energia precisa para conter em justos limites as ambições individuaes, e manter a unidade do nosso partido! E é hoje, 5 ou 6 dias depois, o mesmo nobre deputado que me fazia manifestações desta ordem, que me considerava o symbolo da unidade do partido, que me apellida de pomo da discordia! O paiz, que aprecie a sua sinceridade. O Sr. Avila: – Não lhe chamei o symbolo da unidade do partido; disse que assignava um voto de adhesão ao seu procedimento na assembléa geral, e ainda o dou nesta tribuna. Mas nada tem uma cousa com a outra. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não chamou de symbolo da unidade, disse que a mantinha; e quem mantém a unidade do partido a symbolysa, e não póde ao mesmo tempo ser pomo de discordia. O chefe do partido liberal na provincia, Sr. presidente, é o general Osorio... O Sr. Avila: – Sim, sr. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... chefe benemerito... O Sr. Avila: – Sem duvida alguma. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... chefe sem rival pela sua alta posição no paiz, pela sua incontestada influencia, reconhecida e acceita em todo o imperio, pelo serviços relevantissimos prestados á patria, pela sua incomparavel abnegação e raro tino politico. (Apoiados, muito bem) O Sr. Avila: – Estimo muito esta declaração; veio muito a proposito na actualidade. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Se o nobre deputado com o seu aparte se refere á acclamação que fizemos do illustre general conde de Porto Alegre para chefe do partido...

112 O Sr. Avila: – Não. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... eu direi, que o Sr. Conde de Porto Alegre era o chefe do partido liberal; mas todos sabem que, ha mais de dous annos, o nobre deputado conde tem estado retirado das lutas activas da politica, e quem appareceu para dirigir a eleição e commandar a batalha que demos ao poder, foi o illustre general Osorio. Ora, Srs., dizendo que o nobre deputado que não era aquelle chefe o director do partido, que era eu... O Sr. Avila: – Não do partido, chefe do partido liberal nesta assembléa. Ha de recordar-se que foi esta a minha expressão. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Se era isso, porque me contestava quando eu dizia que não era eu, que o chefe era o general Osorio? O Sr. Avila: – Perdoe-me, nem se fallou em general Osorio nessa occasião. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Tenho bem presentes as suas palavras; mas o nobre deputado nega, estará esquecido, e não o contrario... O Sr. Avila: – Fique certo que a sua memoria está muito fraca. O SR. SILVEIRA MARTINS: – (com ironia.) Pois então não fallaria... e provavelmente tambem negará que disse haver escripto ao Sr. Barão de Mauá uma carta, declarando-lhe que elle nunca mais seria representante da provincia do Rio Grande. O Sr. Avila: – Eu disse que adheria ao procedimento do Sr. Dr. S. Martins na assembléa geral, que era a expressão dos eleitores da provincia. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado não contesta-me o que a respeito da carta disse; mas tambem não affirma, o que pode parecer fraqueza da minha memoria, mas felizmente foi o nosso commum amigo o Sr. Dr. Timotheo testemunha de tudo. O nobre deputado teve a bondade de achar que o pomo da discordia do partido liberal representava no parlamento a expressão dos sentimentos dos eleitores da provincia; mas eu tenho a convicção da haver sido o orgão do meu partido de todo o imperio. O “Diario da Bahia”, um dos autorisados orgãos da opinião liberal, no Brazil, não só pelo primor com que é redigido, mas pelo senso com que dirige o partido, inspirado pelo seu chefe o illustre conselheiro Dantas, exultou por tal modo com o triumpho alcançado pela idéa opposicionista na questão Mauá, que vio nesse facto o mais solemne prenuncio de regeneração do Imperio; o nobre exemplo, o masculo vigor de que deu provas o eleitorado rio-grandense, arrancou os applausos do partido liberal em toda a parte, aviventou as crenças apagadas, deu enthusiasmo aos desanimados, e hoje alenta a todos com as esperanças de proximo triumpho. No entanto, é só agora, depois deste facto, que o nobre deputado entibia, retira-se e dissolve o partido liberal, como se exprime no seu manifesto! Os partidos mudam muitas vezes de nome, as idéas modificam-se e variam; mas, em sua essencia, os dous grandes partidos da autoridade e da liberdade não se

113 extinguem, porque sem elles não póde haver systema representativo, ao contrario do que alguns pensam. O Sr. Avila: – Quem disse isso? É uma méra invenção do nobre deputado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – É uma mera invenção minha! Antes fosse... mas infelizmente parece-me de tudo o que tenho visto nestes poucos dias, que o nobre deputado está muito desmemoriado. Pois não foi o nobre deputado quem, ha pouco, acabou de dizer que posera fim a sua imprensa por entender que devia cessar a luta dos dois partidos? O Sr. Avila: – Entre os dous partidos nesta actualidade. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado confessou perante a assembléa, e o nomeroso auditorio que o ouviu e que me ouve, que era elle o redactor da “Atalaia do Sul.”. O Sr. Avila: – Na cidade em que resido, é bem sabido. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Pois, Sr. presidente, até o dia em que o nobre deputado a mim mesmo m‟o confessou, eu o ignorava; não porque muitas pessoas m‟o não dissessem, mas porque repugnava-me acreditar que o nobre deputado, ainda com motivos, tinvesse tal procedimento, quanto mais quando de mim, e dos nossos chefes nunca recebeu provas que não fossem de amisade e dedicação; não podia, Sr. Presidente, acreditar ainda, que fosse o nobre deputado o redactor dos artigos aggressivos ao seu partido, porque eram de tal maneira contradictorios, contraproducentes, e desarrasoados, que eu não podia julgal-os productos de seu distincto talento. Demais, o nobre deputado que se diz redactor da “Atalaia”, havia concluido com a “Reforma”, declarando-se arredado das lutas politicas; como podia eu jamais acreditar que era o camarada que se ausentara das nosas fileiras, que se havia ido emboscar nos mattos para, as occultas, atacar-nos pela retaguarda? Eu não disse, Sr. presidente, como o nobre deputado pretende enxergar, que S. Ex. desertou as bandeiras liberaes; contestei-lhe apenas com muito bom direito a franqueza e lealdade de que faz timbre, e que exige lhe seja reconhecida pelos seus amigos atacados subterraneamente. O despeito é máo conselheiro, e as opiniões de certos homens são tão varias e inconstantes, que mais parecem effeitos da propria natureza, do que da vontade. Em que fundou S. Ex. para dizer que o havia alijado? O Sr. Avila: – Nas suas palavras. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Pois um liberal de todos os tempos, como preso-me de ser póde jamais alijar ninguem? E um liberal sincero e dedicado, como o nobre deputado, póde jamais ser alijado por alguem? Porque um homem, porque um partido condemna um dos seus membros, póde este mudar as suas crenças, as suas convicções? Oh, Srs., só mudam de partido os que não tem idéas, ou que as sacrificam aos interesses privados; mas não se diga que o facto de declarar-se não liberal a opinião d‟um liberal, importa o alijamento de membro do partido.

114 Em todos os paizes, e no nosso tambem, não raras vezes têm sido sustentadas pelo nosso partido idéas repellidas pelo systema liberal. Quem não sabe que já foi bandeira do partido liberal no Norte do imperio o commercio a retalho? Será porventura liberal essa idéa que fére de frente a liberdade de industria, que é uma liberdade civil, e não uma liberdade politica de que só devam gosar os nacionaes? Ainda ante-hontem, não fiz declaração, não fiz declaração na acta de haver votado contra a postura que manda fechar as portas aos negociantes nos domingos e dias santos, por entender que tal ordem affecta directamente a liberdade de consciencia e de trabalho? Os judeus celebram o sabbado, os mahometanos a sexta-feira, porque se lhes hade prohibir o trabalho nos domingos e dias santos? E se o estado pela nossa doutrina nada deve ter que ver com as crenças religiosas, que têm as municipalidades, as provincias, e o imperio, que os cidadãos trabalhem quando quizerem? É a isto que chama o nobre deputado renegar o passado do partido liberal? Não, nunca reneguei o principio que dá vida ao meu nobre partido; que não é renegal-o pelo patriotismo, porque os seus inimigos não são os adversarios, são aquelles que pensam que a liberdade é o arbitrio de fazer o que se quer, em vez do direito de fazer o que se deve. Eu, Srs., ainda que tivesse distinctissimos amigos entre os liberaes progressistas, pertenci sempre ao partido liberal historico, que tinha como principaes chefes o conselheiro Bernardo de Souza Franco, no senado, e na camara dos deputados, Teophilo Ottoni, Octaviano e Martinho de Campos, com quem sempre convivi na maior intimidade, e de cujos labios, sendo ainda muito jovem, aprendi os segredos do systema politico que nos rege, e a historia parlamentar da nossa patria. Estes tres eminentissimos patriotas representavam a pura tradicção dos homens em 1831; e se Teophilo Ottoni já descança na eternidade, os dous outros, para lustre e gloria da patria, ainda vivem, e me distinguem com cada vez mais intima e dedicada amizade. Quem será, pois, tão ousado, que se atreva a dizer que reneguei as crenças do meu partido? No dia da desgraça dos progressistas, alistámo-nos todos debaixo da bandeira liberal, a que pertenciamos; e se é certo que não posso, como não podem os liberaes historicos, acceitar a responsabilidade de uma politica que tenazmente combatiamos, quando os conservadores se conservavam calados ou applaudiam; também é verdade, que nunca, nem na imprensa nem na tribuna, recordei de leve para magual-os os erros que commetteram, e de que nenhum partido está isento. No entanto, foi o elemento historico que fundou a Reforma da côrte, ainda hoje orgam autorisado pelo partido liberal, pelo talento de seus redactores, e pelos relevantissimos serviços prestados á causa liberal; e o humilde orador que occupa a attenção da casa, foi dos que mereceu a subida honra de ser convidado por Francisco Octaviano para creal-o e redigil-o, honra que aceitei e desempenhei por tal maneira, que este eminente cidadão declarou que, salva a vehemencia, que não

115 era do seu temperamento, não duvidava subscrever todos os meus artigos politicos... O Sr. Avila: – Não contesto os seus grandes serviços. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não allego serviços, não fiz mais do que o meu dever; e se recordo estes factos, tenho sómente em vista provar, que fallam inconsideradamente aquelles que accusam de incoherencia a um homem que pratica um systema polictio de que elles se mostra ignorantes. Agora mesmo, na ultima sessão da camara dos deputados, collocado na vanguarda do partido, não como chefe, mas como simples atirador, ouvi de alguns dos nossos chefes mais prudentes ou mais timidos do que logicos, que a grande idéa, que a grande idéa liberal, que sustentei – da igreja livre no estado livre, – era por demais adiantada para a actualidade do nosso paiz, que não está preparado para tão radical reforma. Esta idéa póde não fazer parte de um programma de governo, mas ninguem jámais se atreverá a dizer, que não é um principio da escola liberal. O Sr. Avila: – Mas não é acceito pelo liberaes. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Engana-se o nobre deputado, é acceita; não póde deixar de sel-o, desde que é um principio; o que dizem os velho prudentes ou timidos é que, no momento, a realisação dessa idéa póde pôr em perigo a sociedade brasileira; e por isso affirmei que, sendo principio liberal, não faz todavia parte do programma a executar immediatamente; mas eu, que não sou governo, e não acredito em perigos imaginarios, sustento o principio da escola politica a que pertenço, prégo e doutrino os povos pela imprensa e pela palavra, convencido que a verdade tem de fatalmente triumphar, e que a idéa acceita pela opinião publica será consignada em lei. Se os homens de estado do partido pretendem que o paiz não está preparado para tão radical reforma, entendo que devemos os adiantados, preparal-o para receber um principio livre, justo, sensato, que honra a civilisação de um povo. Se assim não fôra, seria o homem obrigado a conservar occulto, no intimo do coração, os mais elevados sentimentos. Não foi para isso que a constituição decretou ampla liberdade de imprensa? Não é para isso que o acto addicional nos concede liberdade de palavra nesta tribuna? Hei de sustentar aqui, senhores, os principios da nossa escola politica, que quero ver praticados no meu paiz: hei de sustentar sempre a verdade... O Sr. Avila: – E muitas vezes não é verdade; erra muitas vezes o seu juizo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Senhores, não presumo de mim a infallibilidade; mas é certo que, até ultimamente, o nobre deputado fazia-me a honra de acompanhar, pugnando pelos principios, que, confessava, havia eu inaugurado nesta assembléa desde a primeira vez que nella entrei em 1862. Nos tempos em que os partidos andavam confundidos, baralhados, as lei representavam um amalgama de interesses, sem idéa dominante, sem systema politico que as inspirasse. Que desordem na distribuição dos dinheiros publicos! Dava-se dinheiro emprestado aos protegidos; subvencionam-se emprezas; mandava

116 se doutorar os filhos dos amigos, e até passeiar á Europa, e sempre que se podia dar de comer a algum afilhado, creando um emprego desnecessario, crava-se o emprego, e o afilhado vivia sem trabalhar, á custa do thesouro, ou, melhor, á custa do povo contribuinte! Que revolução, senhores, não fez a primeira lei de orçamento, que propuz na sessão de 1862! Que alarma, que gritos, que prantos, que supplica! Sr. Presidente, V. Ex. o sabe melhor do que ninguem, pois era digno membro dessa commissão, e não poucos insultos soffreu pela nobre coragem e patriotismo que revelou. Tive, nessa ocasião, de atacar a supposta caridade, que tirava dos pobres para dar, não direi aos ricos, mas aos válidos, que podiam ganhar por seu trabalho; mostrei que o dinheiro da provincia não cahia do céo, era a contribuição de todos; e que representa as sobras do rico, tambem representa o suor do trabalhador, o óbolo do orphão, a lagrima da viuva; e é um crime arrancar dos infelizes, por meio do fisco, que não tem entranhas, para regalar os amigos! O nosso venerando amigo, o Sr Dr Vieira da Cunha, applaudindo o meu procedimento, e animando-o, dizia: mas, que se não lembre, eu o affirmo. O Sr. Avila: – Não tratei aqui disso; confirmo a sua posição no parlamento, os seus bons serviços; mas não é disso que se trata. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Mais adiante verá que disso que estou tratando. Tenho aqui na mão um documento, é o manifesto que então fizemos á provincia: está firmado por mim, está firmado pelo nobre deputado e por todos os nosso amigos, membro da assembléa, alguns dos quaes se acham hoje nos mesmos bancos. Este manifesto enumera os relevantes serviços que fazia á provincia a lei do orçamento, as sinecuras que tentámos cortar, as despezas superfluas que supprimimos, e a applicação que davamos aos dinheiros provinciaes. Os nosso adversarios denominavam esse orçamento de corta cabeças, e eu o chamava de fura-barrigas. (Risadas.) Aqui (mostrando o manifesto) está, Sr. presidente, consignado o systema politico que eu e o nobre deputado adoptamos, quando nesta casa nos encontrámos, e que por muitos annos seguimos; veremos quando, como, e porque discordámos; homens politicos devemos esta satisfação aos nossos constituintes que têm o direito de pedir contas do madato que nos conferiram. Eramos então 11 liberaes na assembléa, não havia numero sufficiente para o partido fornar casa e deliberar; os nossos adversarios se retiravam nas votações, e a sessão suspendia-se; mas tal era o ardor com que advogavamos a causa publica, que não havendo, infelizmente, ainda nesse tempo, telegrapho electrico para Pelotas, expedimos, eu e o meu sempre saudoso amigo Dr. Felix da Cunha, um proprio ao Dr. Amaro da Silveira, fazendo-lhe ver que a sua presença era aqui muito necessaria, e pedindo-lhe que embarcasse no vapor, que devia sahir do Rio Grande. Tenho nos meus papeis archivado a carta d‟aquelle distincto cidadão que tanta falta faz ao partido liberal, a sua provincia natal, e a patria, de que era um ornamento. O Dr. Amaro respondeo-nos: admiro a vossa coragem, a vossa energia, applaudo o vosso patriotismo; mas confesso a minha fraqueza, não tenho a vossa força, lastimo os olhos que choram, e temo as barrigas que gritam. (Riso.)

117 Esta politica, Sr. presidente, fez com que no fim de tres annos, a provincia, que, V. Ex. sabe como membro distinctissimo que foi da comissão de orçamento, devia 300 contos, visse extincto o seu debito dando-nos occasião para decretar obras importantissimas, umas já hoje ralisadas, e outras quase realisadas: as grandes pontos do Piratiny, do Ibirapuitam, do Jacuhy; a illuminação a gaz nas tres primeiras cidades da provincia; a estrada de ferro de Porto Alegre a Hamburg-berg; o encerramento das aguas de Pelotas; a grande estrada do Rio Pardo á Uruguayana e outros muitos importantes serviços, quando cahiram os progressistas; o poder, no Rio Grande, para assim dizer estava nas mãos dos liberaes: era o vice-presidente o nosso venerando amigo o Dr. Vieira da Cunha; a pezar de proseguirmos activamente nos melhoramentos maternaes, haviamos conseguido pagar a divina provincial, e encher os cofres que encontrámos exhaustos. A sinistra politica dos conservadores é a guerra declarada ao dinheiro publico; e por isso desde a sua ascensão, a 16 de Julho de 1868 começaram os assaltos os thesouro até esvasial-o de todo, o que se conseguio com a celebre embaixada do Sr. Pederneiras a Inglaterra para comprar dragas sem batelões. Hoje acha-se a provincia na mesma precaria situação, de que já uma vez a salvamos; devemos, portanto, com as pequenas differenças, que exigem os tempos e as circunstancias actuaes com os seus onus, seguir aquella politica prudente que nos deu tão beneficos resultados. O nobre deputado, que se distinguio, e eu sou o 1º a reconhecel-o, nessa luta que por tanto annos temos sustentado contra os nosso adversarios; o nobre deputado, que durante todo esse periodo viveu commigo na mais perfeita solidariedade de principios politicos; o nobre deputado, que na assembléa nunca teve voto differente do meu, como eu nunca tive discorde do seu; o nobre deputado, que viveu sempre com este egoista que quer salva-se sosinho na arca e sepultar o resto do mundo no abysmo das aguas, que viveu, Senhores, nas relações da maior intimidade, de verdadeira fraternidade, porque rompe, hoje, comnosco? Trairia eu os deveres da amizade? isso seria razão para romper cmmigo e não com o partido. Trairia eu, trairião meu amigos as idéas do partido? Tenho demonstrado até aqui a politica que seguimos, proseguirei nessa senda até aclarar o motivo da nossa seperação. Já manifestei a casa as relações de intimidade que me ligaram ao nobre deputado, mas não são só essas, e, neste momento, sinto verdadeiro prazer em recordar as finezas infinitas que devo aos seus parentes os mais proximos, que recebi da nobilissima senhora sua mãi quando viva era, e que tenho recebido de seus irmãos e de seus cunhados, meus sinceros e dedicados amigos, finezas a que sou reconhecido, e que me tolhem completamente a liberdade nesta tribuna. O Sr. Avila: – A provocação foi sua, e sómente sua. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não é exato; a consciencia do nobre deputado melhor que eu lhe dirá; e a assembléa e a provincia já conhecem os factos, e proferirão o seu juizo, que ainda mais esclarecido será pelas historias do passado, que vou rememorar. Esta cordialidade, senhores, ainda existia na epoca em que se procedeu a eleição de deputados a assembléa geral, e achando-me eu em Pelotas, onde fui

118 visitar o glorioso e heroico soldado que dirige o nosso partido, – o general Osorio, que se achava enfermo, alguns mezes antes da eleição, presente o Dr. Pio Angelo da Silva, de cuja palavra ninguem jamais duvidou (apoiados), e tratamos entre os tres, como éra natural, de candidatos, o que levou-me a ponderar, que tendo o Dr. Timotheo Pereira da Rosa, filho, como eu, da campanha, peremptoriamente recusado a candidatura, eu não podia prescindir, já que os meus generosos correligionarios faziam questão do meu nome, da candidatura do meu esforçado correligionario e dedicado amigo, o Sr. Henrique Francisco d‟Avila. O Sr. Avila: – Mas que não queria acceitar tambem. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não sei: o illustre general Osorio reconheceu e encareceu os serviços relevantes do nobre deputado, e manifestou o pezar que lhe inspiravam algumas duvidas oppostas por influencias do partido. Fiz-lhe então ver, que nunca se manifestava mais legitimamente a influencia de um chefe do que desfazendo esses embaraços que entorpecem a victoria dos partidos; que todos os seus amigos lhe eram verdadeiramente dedicados, e tinham a convicção de que ninguem consultava mais do que aquelle grande patriota os interesses da provincia e do paiz; ponderei-lhe, que os partidos politicos dominados pela paixão exageram os meritos dos seus lutadores, e os prejudicam, ponto extraordinarias esperanças nas suas pessoas, o que era peso terrivel ainda mesmo sobre os hombros os mais herculeos; e que me não deviam collocar em posição esquerda no parlamento, tirando-me a força que dá o prestigio d‟um eleitorado devotado, pois conjunctamente eleito com deputados incolores, politicamente fallando, pareceria antes o favorecido da fortuna, um filho de amigos e de poderosos patronos, de que o homem idéa cujo nome servia de bandeira ao partido liberal rio-grandense no assalto geral das urnas. O illustre general, que primeiro que ninguem reconhecia os serviços e o talento do nobre deputado, achou justas estas ponderações e escreveu o nome do nobre deputado na chapa liberal. O nobre deputado: autorisado pelo illustre chefe do partido, ao passo que publicava essa chapa na Reforma, escravia-lhe uma carta, que tenho em meu poder, na qual dizia que jogasse francamente com o seu nome, que não faltaria occasião em que o seu partido o distinguisse com a honra que lhe offerecia, mas que a aceitaria resignado se o illustre general insistisse. A vista desta declaração, Srs., estando ainda pendentes as duvidas, que ha pouco referi, o general Osorio com franqueza excluio o nome do nobre deputado, da chapa, com a sua propria permissão, dando-lhe um publica e solemne satisfação pela imprensa em que declarava que não conhecia entre os candidatos nenhum mais digno do que o D. H. d‟Ávila. Assim estavamos, Srs., quando teve lugar a eleição; cumpre, por tanto, reconhecer, que só depois disto appareceu o motivo que perturbou a harmonia que entre nós reinava. Fui eleito deputado, e antes de findar-se o segundo mez de sessão já se tinha dado entre e o Sr. Barão de Mauá o rompimento, que a historia politica da nossa patria registrará para celebrar a energia e independencia do caracter e patriotismo do povo rio-grandense.

119 Aquillo, Sr. presidente, que este homem de pouco tino tinha previsto realisou-se, e o deputado eleito pelo 2º districto, em nome da opposição triumphante, traficava com seu voto, prestava apoio ao governo, e declarava ao paiz, que a sua provincia, escandalosamente opprimida por quatro annos, gosara sempre da mais plena liberdade, era um verdadeiro paraiso terreal debaixo dos governos paternaes dos Costa Pinto, Pinto Lima, Figueira de Mello, e se já houvesse governado o Sr. Carvalho de Moraes, não seria de certo esquecido para occupar um lugar de honra entre os dous. O Sr. Avila: – Elle não disse isso na camara. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu não m‟impuz o dever de decorar a cartilha pela qual resa o nobre barão, outros que o façam, mas se não repito as suas palavras, reproduzo as suas idéas; elle fez a apologia do governo imperial, e affirmou uma proposição que o nobre deputado no seu discurso repetio – que o governo deixou ao povo toda a liberdade no pleito eleitoral. O Sr. Avila: – Deixou mesmo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Deixou mesmo! O nobre deputado ainda se atreve a repetir esta falsidade contra os nossos amigos de S. Borja, que tem vencido sempre as eleições, lutando contra a força, contra as armas, contra o despotismo do commando da fronteira... O Sr. F. Barreto: – Da minha freguezia levaram para a cadêa votantes que nos acompanhavam. (Ha outros apartes.) O SR. SILVEIRA MARTINS: – No dia da eleição o commandante superior de Alegrete e Sant‟Anna do Livramento, nomeado, de proposito para a campanha eleitoral, commandante da fronteira, apresentou-se nesta ultima villa donde acabava seu cunhado, o general das armas, arvorado em cabalista, de fazer retirar o 3º regimento, fez espalhafato, ameaçou, deu ordens a officiaes da G. N., como ao nosso distincto amigo David Martins, para retiral-o do pleito. Em S. Martinho outro commandante superior praticou todas as violencias, até mesmo a de cercar a igreja, encerrando alguns amigos nossos, que correram rico de ser assassinados, e impedindo a entrade de outros. O Sr. P. da Rosa: – Maior liberdade do que essa é impossível. (Riso.) O SR. SILVEIRA MARTINS: – Srs. o que debaixo deste ponto de vista diz o nobre deputado revela qual a sua e qual a minha posição para com o partido liberal. O Sr. Avila: – Sou o primeiro a reconhecer que a minha ê muito insignificante. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não me referi a importância: tanto valho eu como o nobre deputado, refiro-me aos factos, pois emquanto eu sou o orgão do partido liberal e reproduzo suas queixas, o nobre deputado repete o que disse o Sr. De Mauá condenado unanimamente pela provincia. O Sr. Avila dá um aparte. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Srs., antes de entrar na analyse da administração do Sr. Carvalho de Moraes para procurar a justificação de apoio, que

120 lhe presta o nobre deputado, e da admiração, que tribuna ao seu governo, ha de permitir que lhe conteste um facto, que á falta absolutamente de razão foi procurar para prova da minha incoherencia. O nobre deputado descobrio que eu defendi o Sr. Dr. Homem de Mello, delegado d‟um ministerio que guerreavamos, e com isto quer justificar a sua triste posição nesta casa. Não defendi o Sr. Homem de Mello, redargui-lhe, sustentei-o: e eis o nobre deputado a bater palmas,e a provar que o defendi, como se das minhas palavras se concluisse a negativa. Perdeo o nobre deputado o seu descobrimento, pois quando digo, que não denfendi, que o sustentei, quero dizer, que fiz ainda mais do que defendel-o, e com effeito o Sr. Homem de Mello foi pouco aggredido na sua administração, e eu, dessas aggressões o defendi, mas fiz ainda mais o sustentei, apoiando com dedicação a sua honrada administração, elogiando seus actos quando mesmo, não eram censurados; e ainda nesta sessão, em um desses pareceres, que tive a honra de escrever, rememorei o seu illustre nome, que não cesso de relembrar sempre que se trata de louvar o criterio politico, a sisudez do administrador, a imparcialidade do bom governo. (Apoiados.) Todos para mim tem direito a justiça, mas fazendo o que fiz com o ex- presidente Homem de Mello, o nobre deputado bem o sabe, não o fiz a um adversário, o Sr. Homem de Mello nunca o foi Meu companheiro de academia, vivemos sempre juntos, ligados pela maior intimidade, quase companheiros de casa, conheci-o sempre enthusiasta das glorias da patria, estudando os homens da independencia, escrevendo as biographias dos magnificos vultos que ornam o nossa historia politica, dos Andradas, dos Feijós e de outros cidadãos benemeritos que elevam o partido liberal do Brasil. Quando o Dr. Homem de Mello foi nomeado presidente do Rio Grande do Sul aceitou o cargo como liberal, e para governar com liberaes. O Sr. Avila: – Foi nomeado por um governo progressita. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O partido progressista nunca se disse conservador, sempre declarou-se liberal (apoiados)... O Sr. F. Barreto: – Tivemos grande discussão a respeito em 1862. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... e por muito tempo estiveram unidos os Ottnis Silveira Lobo, Octaviano, Souza Franco e Andradas com Saraiva, Nabuco, Zacarias, Olinda e outros, até que questões de reformas mais tarde os dividiram como acontece hoje aos conservadores; houve, sem duvida, entre as duas fracções do grande partido na provincia a mesma guerra civil que ha hoje entre conservadores lobos e conservadores cordeiros, porque, muito embora diga o Sr. Carvalho de Moraes e repita a sua imprensa, que acabou-se a scisão, ella nunca existio mais forte e vigorosa do que hoje, (apoiados) e se desaparecer é pelo completo completo naufragio dos dissidentes que o Sr. Carvalho de Moraes teve a pretensão de levantar, mas cuja ruina cavou com o desregramento e desaso da sua administração. O Sr. Carvalho de Moraes como governo, ficou com o ventre do partido, a cabeça, acha-se na fracção opposionista. O Sr. C. Chaves: – Ficou com o Sr. Bittencourt. O Sr. Avila: – É uma cousa muito explicita.

121 O SR. SILVEIRA MARTINS: – Em que situação veio o Sr. Homem de Mello? Quando o governo procurava levantar um 3º corpo de exercito nesta provincia. Para quem appellava o governo afim de conseguir um facto que se lhe antolhava impossivel? Para o general Osorio... O Sr. Avila: – O unico que podia levantar esse exercito. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... Para o chefe liberal, que ainda não restabelecido de grave enfermidade que o arredara do campo de batalha empunhou de novo a espada para acudir ao reclamo da patria; o governo, que assim procedeu, nomeando general e commandante das armas para organisar um corpo de exercito o chefe do partido liberal historico, mandou um presidente que com elle se pudesse entender, (apoiados) e o digo, em homenagem ao patriotismo desse ministerio, não lhe recusou cousa alguma, concedeu todas as medidas reclamadas, e sanccionou todas as nomeações propostas, ou feitas pelo general para levar a cabo a sua tão elevada como difficil commissão! (apoiados). E não pensem, que aquelle benemerito soldade aproveitou-se da occasião para satisfazer vinganças ou castigar ingratidões, no coração de tão grande patriota não se aninham sentimentos menos generosos, pelo contrario, para mostrar-se sempre superior, e desempenhar satisfactoriamente a sua commissão, preferia os adversarios, ainda com menos direitos, para os commandos; porque dos amigos esperava sacrificios, contava com o seu amor a patria, com a dedicação a sua pessoa, para não abandonal-o em difficel transe: foi assim que deu uma brigada ao Sr. Coronel Severino Ribeiro, e outra ao Sr. João Nunes da Silva Tavares, hoje barão do Itaqui, a pezar de ser simples major, tenente- coronel de commissão. No entanto, que apenas éra commandante do corpo, um dos seus mais dedicados amigos e correligionarios, cidadão, que honra a terra do Rio Grande de que é glorioso brazão, o general Bento Martins de Menezes. Era então tenente-coronel este benemerito soldado, e não hesitou em sacrificar o seu amor proprio as conveniencias do paiz, auxiliando e dando força ao seu amigo, que o mesmo praticava, voltando, para occupar lugar secundario, ao exercito, que tão alto levantara o pavilhão nacional quando elle era o primeiro. E Bento Martins, senhores, é justamente aquelle bravo de quem ouvi dizer o general Osorio – no Paraguay – todos os chefes foram valentes, muito foram heroicos, mas Bento Martins além de heróe tem a capacidade de um general. O Sr. Silvestre: – Eu tambem ouvi. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, o illustre conselheiro Homem de Mello, então presidente da provincia, encontrou-nos aqui de pé, no parlamento provincial em maioria, como o Sr. Carvalho de Moraes justamente nos encontra hoje; não nos veio ajudar, nem levantar o nosso partido; administrou com as suas idéas que eram tambem as nossas, e nós lhe prestámos franco e leal apoio. (Apoiados.) Que comparação tem o apoio que prestámos ao Dr. Homem de Mello, e aquelle que o nobre deputado, a medo, presta ao Sr. Carvalho de Moraes. E agora cabe dizer para apreciar-se a minha lealdade e sinceridade politica nas lutas com o progressismo: no dia, Sr. Presidente, em que nos julgamos, os historicos, mais fortes para vencer a eleição do 2º districto voltassem ao parlamento,

122 fui eu, de combinação com meus amigos, ter com o distincto chefe progressista, o Sr. Dr. Flores, para manifestar-se o desejo da união do partido e para isso nenhuma outra condição punhamos se não a conservação dos nosso amigos do 2º districto, que eram os verdadeiros liberaes, e a exclusão do Sr. Nery da chapa geral. O Sr. Nery, mal informado do que se tinha passado, tratou deste facto n‟assembléa, declarando que se havia estabelecido como condição unica do pacto a exclusão do castelhano. A candidatura do illustre deputado progressista, que já não existe, não era aceita, nessa epocha pelo liberaes puros, nem porque não fosse brasileiro, nem porque não fosse capaz, nem por motivo algum menos digno para a sua pessoa, mas pura e simplesmente por um acto de coherencia e lealdade politica de nossa parte: nós acceitavamos como candidatos o Sr. Dr. Flores é o honrado conde de Porto Alegre, o Sr. Nery, porém, era impossivel, a vista da attitude por elle assumida em relação a união que elle não queria e, á administração do Sr. Homem de Mello, que elle combatia e nós apoiavamos. Como podiamos eleger um adversario? Eis a razão porque eu propunha a exclusão da candidatura do Sr. Neri; e o nobre deputado o Sr. Flores foi tão snicero aos seus amigos, e cauteloso no seu procedimento, que, conhecendo como conhecia a posição precaria do partido progressista, pela exclusão em massa de quase todos os seus votantes, alcançada pelo Sr. Desembargador Sayão Lobato, na relação do Rio de Janeiro, disse-me, que reconhecia como eu a necessidade da consolidação do partido, mas que não podia fazer nada por si só, sem ouvir o conde de Porto Alegre, que se achava no exercito. O nobre deputado fazia parte distincta da assembléa nesse tempo, e vio que aqui votamos de commum accordo liberaes e progressistas (apoiados) todas as medidas de confiança á administração, fazendo unicamente opposição tres deputados: o Sr. Neri, que ha muito andava descontente com o governo; o Sr. Bittencourt, que desde logo manifestou-se adversario da nova situação que creavamos para a provincia; e o Sr. Barrios, que tendo-se até ali declarado progressista, a pretexto de acompanhar o Sr. Neri contra a união liberal, desertou para o partido conservador, logo que, pouco depois, subio ao poder. (Apoiados) Por tanto, dos tres adversarios da administração Homem de Mello só salvou-se uma para a idéa liberal: o Sr. Neri, que conservou por amor proprio um periodico, o Correio do Sul, com a epigraphe – 2ª phase do partido progressista – em que ninguem mais fallava em todo o imperio; mas como nada se mantém contra a natureza, nem os mortos resuscitam, elle afinal convenceu-se, que fallava no nome de um cadaver, e supprimiu a folha. Todos sabem que fundando-se a Reforma de Porto Alegre, quasi ao mesmo tempo que a do Rio de Janeiro, foi elle um dos lidadores do partido, e prestou relevantes serviços á causa da opposição. (Apoiados). Vê, pois, o nobre deputado, que a administração Homem de Mello trouxe para a provincia do Rio Grande a união e a consolidação do partido liberal.... O Sr. Avila: – Não contesto isto; considero-o apenas delegado de um governo a quem hostilisavamos.

123 O SR. SILVEIRA MARTINS: – Que importa isso? O governo não era adversario, e o presidente administrou a provincia comnosco, com o nosso apoio, com o nosso conselho, e com a nossa solidariedade politica. O Sr. Avila: – Tambem não contesto isto. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não póde por tanto, ver contradicção entre o meu passado e o meu presente, nem o apoio que prestei ao Sr. Homem de Mello póde autorisal-o prestar igual ao Sr. Carvalho de Moraes. O Sr. Avila: – Nas suas palavras de hoje, e nas suas palavras de outr‟ora. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Repita o nobre deputado as minhas palavras de hoje que contradizem as de outr‟ora; não será capaz de fazel-o. Agora vou expôr-lhe a doutrina que muitas vezes tenho prégado na imprensa, e offerecer ao nobre deputado um meio facil de contestar-me na sustentação da falsa posição que assumo. Ainda que entre nós esteja a administração tão ligada á politica, que, para assim dizer, acha-se nella encravada, é possivel apoiar-se um presidente adversario: o presidente, se é delegado politico do governo é na provincia especialmente administrador, e não faz parte da assembléa legislativa provincial, senão pela sancção das leis; d‟outro lado, se a assembléa é um corpo politico, as suas funcções são em sua maximo parte administrativas. Para o proveito commum devem, pois, harmonisar-se governo e assembléa. Não é de admirar, por tanto, que um presidente honrado e intelligente, em circumstancias ordinarias, faça, na provincia que governa uma administração em harmonia com seus adversarios; nesse caso seria perfeita insensatez atacar, só porque é adversario politico, o presidente, que administra a provincia de accordo com os representantes da opposição. Se o Sr. Carvalho de Moraes administrasse a provincia como queremos, porque lhe haviamos de fazer opposição? Seria de certo uma inconsequencia da nossa parte. Os presidentes, que não recebem inspiração pelo telegrapho, que governam as provincias com a propria responsabilidade, tem muitas vezes seguido, nas suas administrações, politica contrario á do partido a que pertencem. Foi assim que Honorio Hermeto Carneiro Leão, terrivel adversario dos liberaes, depois de haver posto á premio a cabeça de Pedro Ivo, em Pernambuco, instaurou uma politica mais generosa, affagou os liberaes tornando-se o protector dos vencidos, acabou guerreado pelos seus proprios amigos, que queriam avassallar aquella briosa provincia a uma familia. Quem não sabe, que no 1º ministerio Itaborahy foi enviado á esta provincia, como presidente, o Sr. Cansansão de Sinimbú para derrocar a influencia do Sr. Pedro Rodrigues Fernandes Chaves, que a côrte julgava perigosa? Que de mais natural, que esses presidentes fossem apoiados pelo partido, cujos interesses serviam?

124 Da nossa parte, não pedimos tanto ao Sr. Carvalho de Moraes: o nosso partido nasceu, robusteceu, e venceu na opposição; não precisa, portanto, do calor do governo; mas queriamos aquillo a que temos direito pela nossa posição de deputados: a justa interferencia da assembléa na administração. S. Ex.. foi tirado de uma secretaria onde exercia cargo subalterno, para vir, como alheio á politica, administrar a provincia do Rio Grande do Sul, cujo assembléa é um sua unanimidade liberal. Desde logo pareceu-me S. Ex. um homem que não está na altura desta provincia; isso, porém, não era rasão para nos declararmos em aberta opposição; a situação conservadora habituou-nos, ha muito, com essa raça de administradores. A sua administração coincidia com a minha entrada no parlamento nacional, onde fiz ao governo de que S. Ex. é delegado, a opposição que todos sabem; mas nada aleguei contra um administrador, que até então nada fizera nem de mal nem de bem. No intervallo das sessões, vim á provincia, por poucos dias; encontrei S. Ex. de harmonia com os meus amigos, que não o guerrearam, mas tambem não o apoiavam (apoiados). Delegado immediato d‟um governo adversario que combatemos, não podiamos contar com favores, nem mesmo com condescendencias da parte de S. Ex. Puzemo-nos em posição espectante... O Sr. Arruda: – Em paz armada. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... S. Ex. ia govenando, e os nossos amigos calados, de armas ensarilhadas, só quebravam o silencio para emittir seu juizo a favor ou contra alguma acto parcial, q‟ se praticava; não era um adversario, era um pobre moço inofensivo, que ia vivendo com as suas fardas, com as suas chaves, com as suas danças, e a provincia que ha pouco presenceara os disparates do Sr Figueira de Mello (riso) apreciava o presidente que não fazia mais do que patuscar, comer, beber e dançar; os adversarios tinham tudo a perder, e nós tinhamos tudo a ganhar. Quando uma administração se esterilisa, não prejudica o partido que está em opposição, desacredita o partido que nomeia e apoia taes administradores. O Sr. Arruda: – Apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Voltei para a côrte, Sr. presidente, depois de termos confeccionado a lei do orçamento; não essa lei em que o nobre deputado enxerga tanta confiança, e sim uma lei que dá amplos recursos á administração, mas que manifesta terminantemente, que é feita por adversarios zelosos pelas attribuições d‟uma assembléa, que não confia na administração. V. Ex. sabe, como distincto membro que foi da commissão de orçamento na ultima sessão, que mais de uma vez convidado pelos meus illustres amigos da commissão, para tomar parte em seus trabalhos, repeti: precisamos dar liberdade á administração, como o cavalleiro que afrouxa as redeas, sem as soltar; cumpre conserval-as sempre na mão, para que a besta não despare. Foi o que succedeu; e apesar de meu pouco tino politico...

125 O Sr. Avila: – Nunca o achei assim. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... previa o futuro, quando annunciava que não podia durar por muito tempo a paz armada, e que seriamos forçados á luta para desprestigiar e expulsar o jesuita, que uma vez convencido que o partido liberal é invencivel na provincia, havia tentar, já que não podia consolidar os seus, o emprego dessa politica sinistra, que consiste em dividir para reinar. V. Ex. sabe que as pretensões individuaes e os interesses privados são o elemento dessa politica antipatriotica; o Sr. Carvalho de Moraes empregou-a, mas ha de levar a convicção de que empregou-a sem resultado; se conquistou um do outro individuo, não conseguiu dividir um partido de idéas, um partido nobre que repelle e não acompanha a traidores que se vendem. É certo que voltei, não de Bagé, mas da côrte, com deliberação de romper em opposição; de chegada o manifestei ao eminente liberal, o Dr. Pio Angelo da Silva, no Rio Grande; ao chefe do partido o general Osorio, em Pelotas; e em Bagé ao meu particular amigo o Dr. José Francisco de Azevedo Penna, uma das verdadeiras influencias da provincia... O Sr. S. da Silva: – Apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... e nenhum me contestou a conveniencia desse procedimento, senão ultimamente o nobre deputado, que já não tem a palavra na direcção d‟um partido que deu por dissolvido, e abandonou muito pouco lealmente. Disse aos distinctos amigos, cujos nomes acabo de declinar, que admirava a prudencia dos jovens patriotas, a quem tinha commettido a redacção da “Reforma” na minha ausencia, que haviam tentado romper contra a administração, tentativa que não foi levada a effeito, por não quererem assumir sobre seus hombros a responsabilidade que assumi eu, diante dos actos do Sr. Carvalho de Moraes, e das queixas repetidas dos nosso correligionarios perseguidos. O Sr. Carvalho de Moraes julgou-se habilitado a desautorisar uma camara municipal, a attentar contra as attribuições das municipalidades e usurpar-lhe as funcções, reintegrando no cargo do secretario um cidadão pela camara demittido, por gravissimas faltas. Não sei como o nobre deputado, admirador do Sr. Carvalho de Moraes, póde harmonisar esta usurpação do executivo com as suas theorias municipaes. O Sr. Avila: – Um acto bem contra a lei, bem irregular, pelo qual o presidente devia ser accusado e não foi. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Foi immediatamente censurado, mas... O Sr. C. de Oliveira: – É verdade. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... prometeu reparar o attentado... O Sr. Camargo: – Comprometteu-se a isso. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... insinuando que a camara representasse contra a reintegração do secretario, que elle sanccionaria. O secretario, no entanto, para livrar-se da demissão que lhe era dada, pedio-a; mas nem por isso foi menos

126 attentatorio o acto do Sr. Carvalho de Moraes sustentando a força um empregado demittido pelo poder competente. O mesmo honrado administrador, apesar da lei que rege o exercicio actual não consignar dinheiro para as igrejas, mandou, já no decurso deste exercicio, entregar dinheiros votados pela lei que regeu passado exercicio, e que já não vigora. Este acto faz presumir no administrador despreso pelas leis que garantem a fortuna publica, faz desconfiar da sua probidade de homem e estabelece uma pratica funesta a liberdade dos povos. Se a administração póde dispôr de meios que os representantes do povo não consignam, o governo deixa de ser constitucionalmente para tornar-se absoluto; o governo que tem dinheiro, tem tudo: tem armas, tem policia, tem exercito, tem meios de ser omnipotente contra o povo que não tem nada. O Sr. Carvalho de Moraes não tem direito nem ao nosso respeito, é um administrador ignorante, violento, e improbo. No entanto, não lhe nego meios regulares de governo, concedo-lhes; não lhe podemos, porém, dar as amplas faculdade que na lei do exercicio corrente lhe demos, pensando que o nosso adversario era pelo menos um homem de bem, como deve ser um presidente da provincia. Nem pelas faculdades, que lhe demos, de abrir creditos, merecemos censura: a provincia tinha e tem grandes compromissos, era mister habilitar a administração com os meios de solvel-os, visto que os nossos adversarios fizeram um orçamento tão fraudulento, é o termo, (apoiados) que dando á presidencia a faculdade de transportar verbas – o primeiro transporte que se effectuou foi de 165:000$000 tirados – de que verba! Da verba – obras publicas!! As verbas votadas para os serviços para os serviços necessarios são todas insufficientes, e por esse meio alcançarão elles um grande saldo par applicar a obras; o resultado foi que o governo teve de usar com a maior franquesa da faculdade, que lhe foi conferida, de transportar verbas, erecorreu logo a de obras publicas, que ficou reduzida a 70:000$000! O Sr. P. da Rosa: – Dos quaes só se gastaram 40:000$000, O SR. SILVEIRA MARTINS: – Ha na administração alguma cousa q‟ não pertence a partidos – é o principio de governo, e a sua solidariedade sem distincção de côr politica, no que toca a honra e o credito da provincia; á vista de tal orçamento e dos compromissos que o desgoverno de nosso adversarios legou á provincia, outro remedio não tivemos senão conceder amplas faculdades á administração para sustentar o credito provincial, já que não podiamos acabar com males autorisados por lei, ou por ellas sanccionados. Desde que o Sr. J. C. de Moraes mostrou-se tal qual é realmente: entendi que se não devia guardar mais considerações, e ao desembarcar em Porto Alegre a minha primeira palavra foi de opposição. Nenhuma pretensão mallograda, nenhuma absolutamente livre, o affirmo deta tribuna; o Sr. Carvalho de Moraes ainda preside a provincia do Rio Grande, elle que diga se lhe manifestei alguma pretensão politica.

127 Um amigo particular, cidadão eminente no partido conservador, vendo a guerra que movemos á administração, escreveu-me perguntando: o presidente ahi prejudica os vossos interesses politicos? Eu respondi com franqueza: não; elle faz- nos com os seus disparates tanto bem como o Sr. Figueira de Mello; mas eu não sou homem de conveniencias pessoaes; o presidente é incapaz, é corrompido, e estraga a provincia, por isso o guerreio. Se faço esta declaração é para provar, diga o nobre deputado o que quizer, que só me acho lançado na politica por amôr da minha patria e da minha provincia. O Sr. Avila: – Não contestei. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Contesta desde que é isso incompativel com o egoismo que o nobre deputado vê na minha pessoa; no entanto o meu egoismo levava-me a dizer ao illustre chefe do nosso partido, quando se tratava da candidatura do nobre deputado: se o Dr. Avila não entra, eu tambem quero ser excluido da chapa. O Sr. C. Chaves: – Isto não tem resposta. O Sr. Avila: – Não o chamei de egoista nesse sentido. O Sr. Camargo: – Apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Proseguindo, perguntarei ao nobre deputado se não tinhamos razão de romper com um administrativo a quem não démos confianã, mas a quem concedemos meios de governo, de que elle usou, não para bem da provincia, como era a nossa intenção, porém para formar um corrilho pernicioso ás instituições, funesto aos interesses da nossa provincia, fatal á força moral do governo, explorada por traficantes? Pois ha entre nós alguem que ignore quanto hesitámos em conceder a garantia de 7% á companhia de marmores da Encruzilhada? (Apoiados.) V. Ex. sabe, Sr. Presidente, a repugnancia, com que ao principio encarei a idéa apresentada, em conferencia, por alguns amigos. Mais tarde pensei que a rejeição absoluta traria a morte infallivel da empreza, mal irreparavel á uma industria, que talvez devesse ser animada; considerando por outro lado que, se o sacrificio fosse improficuo não seria extraordinario, visto a provincia ser possuidora de grande numero de acções, lembrei-me de propôr aos meus amigos a idéa de conceder essa garantia simplesmente por cinco annos. Demais, faltavam-nos informações, e a assembléa não quis atrahir sobre seus hombros a responsabilidade do acto, e concedeu autorisação ao presidente para o fazer, já q‟elle tinha agentes ao seu serviço, para proceder aos exames necessarios tanto nos negocios da companhia, como nas jazidas de marmores, para ver se offereciam alguma vantagem provavel. Como desta faculdade usou S. Ex.? Porventura realisou a nossa expectativa? Dirigio-se conforme as manifestações da tribuna? Examinou o estado da companhia? Mandou examinar as jazidas e a qualidade das pedras? Não, senhores; ameaçado de ver-se corrido, ao mesmo tempo, dos dois grupos conservadores da provincia, sem ter o apoio franco do partido liberal, S.Ex. quiz crear um reducto, e o vice-presidente da provincia o Sr. Simões Lopes veio de Pelotas á Porto Alegre...

128 O Sr. Arruda: – Salvar o enforcado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... comprar a imprensa chamada dos lobos, que já o tinha, nos folhetins, ameaçado com cajadadas de cutia. (Riso.) O Sr. C. Chaves: – É verdade. O SR. SILVEIRA MARTINS: – E, senhores, compraram a imprensa, montaram o seu parque de artilharia, e só para aquinhoar o redactor, que ficava sem emprego, concedeu o Sr. Carvalho de Moraes a garantia de juro que estava autorisado a conceder. O nome do individuo nomeado era geralmente repellido pelo accionistas, e até pela propria directoria, que cedeu á necessidade que tinha de ver garantidos os juros das acções; e como isto só se podia obter por meio daquelle corrector, foi nomeado gerente, e nomeado está! A garantia de juros foi, de facto, incontinenti concedida; e se o nobre deputado chama isto um grande lance de habilidade politica, eu chamarei um escandalo, filho unicamente da corrupção do Sr. Carvalho de Moraes. Nem só isto: Havia o corpo de policia a organisar, em execução da nova lei que não era de confiança, mas de segurança publica, porque a policia tem por fim manter a ordem e prender os criminosos; o Sr. Carvalho de Moraes aproveitou a occasião para desorganisar e não organisar o corpo, fazendo delle um viveiro dos seus amigos e sustentadores (apoiados); homens na quasi totalidade improprios, incapazes, ou indignos de tal corpo. Quem foi, senhores, o commandante nomeado para a policia? Todos sabem que é um homem inutilisado, invalido, de muito duvidosa probidade, pois respondeu á conselho de guerra por desfalque no batalhão, quando era capitão, e foi condemnado á pena de suspensão do commando da companhia por trez mezes! Um homem que mais de uma vez foi accusado nesta tribuna com a responsabilidade do nobre deputado, em 1863, pelos abusos praticados na celebre chacara das Bananeiras! Como preencheu S. Ex. esses postos? Como officiaes de tal ordem, que alguns, contra quem este proprio commandante informou, que não podiam fazer parte do corpo pelo seu comportamento e improbidade, o presidente, governado por um corrilho, nomeou capitães, nomeou alferes; outros, dos quaes, custa-me a dizer, um dos meus illustres amigos desta assembléa, tem em seu poder a prova, quero dizer, a confissão escripta, que sendo inferiores do antigo corpo, em vez de garantirem a propriedade do cidadão, e prenderem os criminosos, assaltavam de noite os gallinheiros para roubar os perús e gallinhas do proximo (Risadas; muito bem!) O Sr. Camargo: – E eu o posso affirmar. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado dirá, sem duvida, que é este homem um grande administrador, um funccionario honrado! O Sr. Avila: – Eu não disse que elle era um grande administrador; o seu trabalho não sei a que vem; está fazendo um esforço muito grande, suppondo que

129 alguem compara a administração do Sr. Carvalho de Moraes com a do Sr. Homem de Mello. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não estou fazendo grande esforço; o nobre deputado engana-se, ainda que não seja novidade comparar as cousas pequenas com as grandes. O Sr. Avila: – Mas eu não puz em comparação a administração do Sr. Carvalho de Moraes com a do Sr. Homem de Mello. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado disse mais: disse que não era comparavel o Sr. Carvalho de Moraes ao Sr. Homem de Mello, nem como administrador, nem como homem, nem como cidadão; nem eu estou fazendo comparação, apenas trato de provar, que se podemos apoiar a administração corrompida de um presidente corrupto. Nem para isso é mister esforço, pois quando hoje sentei-me neste lugar, nunca pensei que tivesse de tratar de tal maneira, a que sou levado tão sómente para responder ás proposições geraes e vagas, pelo nobre deputado atiradas com tanta injustiça contra mim. O Sr. Avila: – Mas pela sua linguagem parece que prestei apoio á administração do actual presidente, e não é isto exacto. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Estou ainda mostrando, Sr. Presidente, que a opposição que a “Reforma” faz ao Sr. Carvalho de Moraes não é individual, é uma opposição que tem o applauso unanime de todos os verdadeiros liberaes da provincia (muito apoiados, muito bem.) O Sr. Avila: – A opposição como está feita, não é acceita. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Já fiz, Sr. Presidente, uma grande conquista; o nobre deputado se declara opposiocionista! O Sr. Avila: – Não nos termos em que é feita a opposição. O Sr. P. da Rosa: – A seu modo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Com os seus artigos da “Atalaia do Sul” eu pensava que o nobre deputado era um governista. O Sr. Avila: – Pensou mal, e a prova dei-lh‟a aqui nesta tribuna mesmo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O Sr. Carvalho de Moraes, com os principios que mais de uma vez tem posto em pratica entre nós, parece medir todos os homens pela sua bitola; e como se acha em apertos, procurou ganhar proselitos por meio de corrupção; e se felizmente não o conseguio, infelizmente para a nossa provincia e para nosso partido ficou-se sabendo, que ha gente que não está superior a ella. Um dos grandes abusos pelo presidente praticado, foi a licença dada a um dos nossos amigos e companheiros de assembléa, para tratar dos seus negocios fóra do paiz com vencimentos. A primeira licença foi desculpavel; o presidente podia ignorar que o empregado a quem concedia, deixava o seu emprego para passear; mas depois que soube, como tornou-se publico, que o empregado seguira viagem para a Europa a fim de assistir á exposição internacional de Vienna d‟Austria; elle, que todos os dias

130 mandava responder-nos pela sua imprensa, quando o accusavamos de esterilidade, que senão faziam obras porque não havia engenheiros; não podia decentemente dar licença aos engenheiros da provincia, para abandonarem o serviço provincial, e de mais a mais com os vencimentos! (Apoiados.) Respondeu o presidente, pela folha official, que a lei lhe dá essa faculdade. Sem duvida que dá; mas as faculdades que as leis concedem em nome do interesse publico, não devem ser usadas pelo presidentes para favorecer amigos; é sómente no interesse publico que podem ser exercidas, e os presidentes são responsaveis e censuraveis quando abusam. O proprio governo geral por haver concedido licenças a empregados, ainda que sem vencimentos, foi aspera e justamente censurado pelo “Diario do Rio”, que não é suspeito á facção que governa a provincia: se ha empregados superfluos sejam abolidos, que o povo não deve pagar superfluidades; (muito bem) e se são necessarios, o governo não póde honrosamente consentir que os empregados vão deleitar os olhos, e passear pelas capitaes da Europa, emquanto os cargos são servidos pelos subordinados sem as mesmas honras e vencimentos. Em um paiz livre não é admissível semelhante privilegio; já lá foi o bom tempo em que os reis faziam presente aos seus validos de officios e beneficios que os concessionarios vendiam ou arrendavam, e tinham rendas sem trabalho; hoje na pratica do regimen liberal reina o grande principio do troco – serviço por serviço; o paiz não quer, e não precisa de serviços de graça, mas ninguem tem o direito de perceber um real do thesouro do estado por favor do governo; só os serviços feitos á patria, á civilisação, ou á humanidade dão direito ás remunerações do paiz. Não foi menos censuravel o procedimento do presidente da provincia, em relação á estada de ferro: exigio contas da directoria, pois os juros deviam, como declarou em officio, ser pagos do capital realmente despendido; a directoria não prestou as contas e reclamou os juros das entradas, que bem podia achar-se, em parte, ainda nos bancos onde foram recolhidas; o presidente sustenta o direito por escripto, porém de facto mandou pagar os juros. O presidente é réo confesso, reconhece a falta de direito e dá ordem para que a repartição fiscal pague a quantia reclamada, satisfaça o direito que S. Ex. desconhece! O Sr. C. de Oliveira: – Foi um attentado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Foi um attentado, é verdade, porém, o que é esse attentado perante aquelle que foi ultimamente praticado, quando já funccionava esta assembléa? Todos estes factos, todos estes abusos não passam de culpas levissimas diante do golpe profundo que o Sr. C. de Moraes desfechou nas instituições; e, cousa maravilhosa, é jsutamente por este acto que o nobre deputado a quem respondo defende o presidente! O Sr. Avila: – Não considero que fosse um golpe profundo; declaro solemnemente que nesse ponto não o accuso, defendo-o. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Pois seja golpe raso, já que o nobre deputado ama o paradoxo. Pois, Srs., o nobre deputado podia desculpal-o em todos os outros pontos, mas não é admissivel que um representante da escola do regimen

131 representativo possa sanccionar com a sua palavra e cmo o seu voto um attentado que implica desrespeito á constituição, e ataca pela base o systema politico do Imperio (apoiados) como aquele que foi praticado pelo Sr. Carvalho de Moraes. Na propria lei vigente declaramos terminantemente: que o presidente não poderia abrir credito estando a assembléa a funccionar, principio corrente do systema, e que por cautella, por andar muito esquecido, como então disse V. Ex., Sr presidente, lançamos na lei. Nos paizes verdadeiramente constitucionaes não se escrevem taes cousas em lei, porque resultam da naturesa do systema. A autorisação para abrir creditos entende-se sempre na ausencia dos representantes do povo, unicos que podem votar dinheiro para os serviços. O Sr. Avila: – E elles votaram!! O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... Votaram condicionalmente; leia o nobre deputado a lei, que de certo não leu. Sr. Presidente, no regimen liberal o povo paga contribuições; no regimen despotico paga impostos ou tributos. Na Turquia ou na Russia o soberano arrola os seus subditos como os grandes proprietarios das stepes daquelles grandes imperios arrolam as suas manadas de gado, os seus rebanhos de carneiros, e depois tributam um tanto por cabeça, é o que se chama – capitação; ainda hoje são lá mais do que era antigamente o nosso rei de quem se fallava – El-rei nosso Senhor; e se eram senhores de nossas pessoas como não haviam de sel-o da nossa fazenda, da nossa propriedade? As terras pelo dominio eminente pertencem, nesse systema, ao soberano, e oproprietario não tem mais do que um dominio precario, é um posseiro; e se porventura commette um crime, ou cahe no desagrado ou desconfiança do despota, segue-se o confisco, e o infeliz fica despojado em um momento. É que in servorum conditione nulla est differentia – dizia um grande jurisconsulto romano: não ha differença na condição de escravo; e assim é, Sr. Presidente, que um soberano da Russia ao mesmo tempo que mandava para a Siberia um duque de Menschikoff, levantava das suas cavallariças Bireu para governar o Imperio. Neste systema, as graças, as recompensas são filhas dos caprichos dos senhores que abatem n‟um dia o grande e levantam o servo em seu lugar – é a mesma historia de José com o Pharaó, de Amman e Mardocheo, que nos conta a Biblia no Genesis e no livro d‟Esther. No regimen liberal não se dão taes factos; os povos, longe de serem escravos, são os verdadeiros soberanos, e os monarchas só são monarchas por acclamaçao dos povos. Pela revolução de 7 de abril, consolidou-se a constituição, até ali apocripha; a reforma de 12 de agosto de 1834 consagrou o pacto fundamental que rege o imperio, dando uma certa autonomia ás provincias com a creação das assembléas provinciaes. Pela lei das reformas constitucionaes elegem-se de 2 em 2 annos os mandatarios da provincia, como pela constituição de 4 em 4 annos os mandatarios da nação, para votarem as contribuições que no anno se hão de pagar. Somos, pois, neste regimen os cidadãos, que a nós mesmos nos taxamos, determinando a

132 contribuição de cada um, como nas associações se marca a quota de entrada, ou a mensalidade de cada associado. A assembléa é quem vota as contribuições no nosso regimen; no regimen turco é o sultão que marca a capitação para cada um dos seus escravos. O Sr. Carvalho de Moraes, não sei se por ser creado do Paço imperial, não faz caso das leis provinciaes, executa leis que não estão em vigor, realisa operações de credito, sem respeito ás leis que regem; e faz mais, Srs., decreta impostos, sobrecarrega a exportação da provincia, que já não póde competir cmo o Estado Oriental; e para que? Para edificar no Rio Grande um cáes, porque alguns ricaços daquella cidade desejam aformosear a rua onde tem seus prédios, dar-lhes mais valor; mas querem isso á custa do pobre barqueiro, e não quererão, se fôr preciso, que elles contribuam. (Muito bem.) Srs., nem eu, nem a assembléa provincial, jamais fomos infensos ao cáes; mas quero se faça por meios regulares uma cousa como deve ser. Mais do que nenhum dos nobres deputado, talvez tenha eu recebido provas de dedicação dos briosos cidadãos, meus correligionarios, que habitam n‟aquella cidade; não será isso, porém, parte, para que eu vote por uma cousa que acho inconveniente. E póde por isto o nobre deputado apreciar a força da minha coherencia, que leva-me a preferir as conveniencias da provincia ao meu interesse individual. Eu não sou, não quero ser neste recinto o representantes de uma localidade, sou representante de todas, sou membro da assembléa da minha heroica terra do Rio Grande do Sul; se para estar aqui fosse mister que eu me convertesse em advogado de interesses locaes contra as inconveniencias geraes da provincia, eu não ficaria aqui um só dia. (Muito bem.) O Sr. Avila: – Mas, representando o todo, póde reconhecer uma grande necessidade de uma localidade. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não desconheço a necessidade, desapprovo o remedio; e o faço convencido que produz maior mal á provincia inteira, do que bem ao Rio Grande. Se assim não fosse, Sr. Presidente, que necessidade tinha eu, de fornecer pretexto a desleaes adversarios, a especuladores e invejosos, para repetirem todos os dias que sou inimigo das conveniencias do Rio Grande, que nunca teve mais dedicado defensor do que eu, como provei na côrte, esforçando-me para que a estrada de ferro partisse dessa cidade? A provincia do Rio Grande está, todavia, para mim, acima da cidade do Rio Grande. O grande Rousseau disse um dia, Srs., que não ha posição mais difficil para o homem, do que achar-se o seu interesse individual em contraposição com o seu dever. Pois, Srs, estou disoposto a soffrer tudo pelo amôr do cumprimento do meu dever de delegado do povo rio-grandense; saiba o nobre deputado que eu reconheço que o meu interesse individual neste momento seria a pretensão que julgo inconveniente; mas, fique tambem sabendo, que eu tenho a alma bastante

133 forte para desempenhar o meu dever, e o espirito muito elevado para fazer politica de occasião. O Sr. Avila: – E faz muito bem. O SR. SILVEIRA MARTINS: – A cidade do Rio Grande deve ter cáes, ha de tel-o; e de conformidade com o parecer que se acha sobre a meza, a commissão de orçamento offerece uma emenda para que essa obra seja feita com a sinceridade de que carece contato. (Muito bem.) Não é, Sr. Presidente, o xarque, o sebo, a graixa, os couros e o cabello, a exportação da provincia, emfim, que os commerciantes d‟ali julgam já sobrecarregada, que deve ser ainda mais aggravada com o accrescimo de 13%. O Sr. Avila: – Nessa parte, de accordo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não é a pequena lavoura, o milho e o feijão que devem ser multados para se construir um cáes só para aformosear uma cidade e dar importancia aos predios da rua Riachuelo, não senhor; aquella cidade, ou antes esses poucos commerciantes, proponentes dos impostos, que não representam a cidade, nem o commercio (apoiados) daquella importante praça, não tem o direito de fazer taes exigencias da provincia (apoiados), e pelo modo porque o fazem, condemnam elles mesmos, primeiro do que ninguem, a sua pretensão, porque comparam os productos do Estado Oriental com os nossos; confessam que são similares; que têm mais vantagens; que são mais procurados; declaram que, com todas essas preferencias naturaes, só pagam 8%, e que os nossos pagam 14%!! Como querem, senhores, que paguem mais 13%? E se dizem representantes do commercio taes individuos? Não é possivel. Uma praça com tantos importadores de primeira ordem não póde dizer taes absurdos! Accresenta a intitulada commissão do commercio: de certo este commercio não se lembraria de tal cousa se não fosse a grande necessidade de tal obra! Ninguem nega a conveniencia da obra; o que se contesta, é que seja a tal necessidade, que, para satisfazel-a, convenha matar a industria da provincia, e anniquilar a propria cidade, que se quer aformosear, (Apoiados; muito bem.) A primeira necessidade do Rio Grande do Sul, Sr. presidente, não é cáes, é Porto; e o contrato feito pelo governo com um deputado provincial, limita-se a decretar um cáes problematico, sem ao menos trata da escavação do porto; hão de decretar-se impostos de cáes; mas os navios não poderão aproveitar-se do cáes, hão de continuar a descarregar nas lanchas, tambem gravadas para a feitura desse cáes. Para isto o presidente da provincia já decretou impostos, já fez operações de credito, estando a assembléa aberta!! Os impostos devem ser cobrados desde o dia 1º de julho, justamente quando entra em execução o orçamento que estamos fabricando! Onde já vio o nobre deputado estas praticas? Pois quem sustenta uma attentado desta ordem, contra a liberdade, póde dizer que é liberal? E dizendo-se liberal, póde accusar alguem de incoherencia? O Sr. Avila: – Sim, senhor, já o mostrei.

134 O SR. SILVEIRA MARTINS: – Estão de certo trocados os papéis: o nobre deputado, que é a incoherencia viva nas suas palavras e nos seus actos, não demonstrou cousa nenhuma. Sr. presidente, o cáes deve ser feito como a commissão propõe, com a elevação da decima a 12%, ficando a par da do Rio de Janeiro; com a elevação a 15% da decima dos predios da rua Riachuelo; com impostos addicionaes de industrias e profissões, equiparando as tabellas do Rio Grande, capital commercial da provincia, ás de Porto Alegre, capital politica e muito mais pobre; com impostos diarios de atracção no cáes, a tanto por metro occupado pelo navio. O Sr. Avila: – De accordo perfeitamente com as suas idéas. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Bem. O Sr. Avila: – Mas o contrato não foi submmettido á aprovação da assembléa? O SR. SILVEIRA MARTINS: – Devia sel-o; mas quer esteja submettido, quer não, jámais se póde contestar a competencia desta assembléa para desapprovar um contro nullo, feito arbitrariamente. O Sr. Avila: – Eu contesto a competencia da assembléa. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Póde contestal-a quanto quizer; e o que não contestará o nobre deputado na falsa posição em que se collocou? Nem pela sua contestação a assembléa perde o direito de considerar nullo o contrato, desapproval-o, se entender que o deve fazer. O Sr. Avila: – Tambem não digo o contrario. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. Presidente, implicam a approvação da assembléa todos os actos para cuja realidade ella tem de votar fundos. Por este meio conquistaram alguns paizes todas as suas liberdades. Levados por este principio, escrevemos na lei do orçamento um artigo declarando que – todo o contrato que importasse concessão de privilegio, devia, ipso facto, ser submettido á aprovação da assembléa, ainda que o governo estivesse autorisado a celebral-o, mas para aquelles que dependem de dinheiro, nada estabelecemos; porque estão, por sua natureza, sujeitos á apreciação de quem decretar os meios. O Sr. Avila: – E quando o dinheiro já está votado? O SR. SILVEIRA MARTINS: – Aqui não está votado. O Sr. Avila: – Essa é que é a questão. Os meios estão decretados; a assembléa não faz mais do que cumprir um dever. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não estão votados, porque os meios se votam em lei annua e não em lei especial. O Sr. Avila: – Isso é o que devemos liquidar. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Isso é liquido, não está por liquidar.

135 Como a assembléa autorisou o presidente a contratar a abertura dos canaes da Sarangonha e Sangradouro, a commissão de orçamento escreveu estes nomes na verba de juros, mas sem assignar quantia. O Sr. Avila: – Ahi está votada a quantia necessaria. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não está, nem podia estar, porque não estava contrato nenhum feito; e se o presidente quizesse recorrer a verba teria de lançar mão das operações de credito que lhe foram facultadas; devia regularmente pedir primeiro um credito á assembléa que está funccionando, que o autorisaria ou não a contrahir emprestimo. O presidente não usou o tempo da faculdade que lhe foi outurgada; não podia fazel-o agora, com a assembléa aberta. Ainda muito a tempo podemos agarrar o prevaricador pelos cabellos, castigal-o pela sua improbidade e salvar a provincia de um grande sacrificio. O Sr. Avila: – Sacrificio autorisado por esta mesma assembléa. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O melhoramento foi autorisado, mas não a patota, e isso mesmo foi só o do Sangradouro e não o do cáes: a lei do exercicio de 1872 1873, exercicio findo; o presidente não podia contratar cousa alguma sem a approvação da assembléa; e tanto é verdade que o proprio proponente declarou na sua proposta que dará o cáes prompto vinte e quatro mezes depois, e approvado pela assembléa. O Sr. d’Avila: – Bem; sobre a lei caduca é outra questão. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Tudo para o onobre deputado são outras questões. O Sr. Avila: – Mas não penso tambem como o nobre deputado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – E eu ficaria muito desconfiado se pensasse. Sr. presidente, sinto estar abusando da paciencia da casa (muitos não apoiados) quando desejava discutir questões que mais importassem ao interesse publico, que para isso estamos reunidos neste recinto.... O Sr. Avila: – Provocadas pelo nobre deputado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... Sim, fui eu que vim de Jaguarão comprar brigas. Como ia dizendo, Sr. presidente, todo o cidadão por maior que seja o seu valor individual, é sempre entidade muito pequena para preterir os grandes interesses do paiz. O Sr. Avila: – Apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Mas não foi por mim, Sr. presidente, nunca pensei nisto, podem ficar certos os nobres deputados, que, quando levantei- me pela 1ª vez para votar com o nobre deputado por outros motivos que não os que apresentou S. Ex., nunca supuz que o facto de não achar eu justas as accusações que dirigio ao Sr. bispo, fosse tomado pelo nobre deputado como uma injuria.

136 O Sr. Avila: – Não com essa innocencia com que agora o disse, mas do modo porque proferio certas palavras, com as circumstancias que tinham antecedido, era para tomar assim. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Que circumstancias haviam antecedido? Não sei de nenhuma; o nobre deputado de quem já declarei, tenho recebido maitas finezas, foi por mim vistado logo que chegou, sem que eu tivesse a fortuna de encontral-o. S. Ex. foi á minha casa, não para visitar-me, mas acompanhado d‟um amigo comum, o Sr. Dr. Timotheo Pereira da Rosa, para tratar de interesses. Senhores, tenho familia, e os meus filhinhos são travessos, fazem grande barulho, têm commigo intimidade e perturbam-me a cada momento; por esta razão recebi o meu amigo na sala em lugar mais afastado, onde sem interrupção podiamos tratar negocios; o nobre deputado apezar de ser recebido com a maior amabilidade, vio no meu procedimento uma mudança da antiga amisade. O Sr. Avila: – E assim devia considerar. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não devia, não tinha direito para isso; antes de mim pertencia considerar modificado o nobre deputado que, ha muito, affastou-se na imprensa dos seus companheiros, mas preferi não vêr em artigos anonymos, que sabia serem da penna de S. Ex., o amigo aquem presava, e que eu queria ver elevado no conceito do seu partido e dos seus concidadãos. Sr. presidente, os apartes fizeram-me quebrar o fio do meu discurso; vou reatal-o. Fallava do attentado commetido pelo presidente da provincia, decretando impostos quando funcciona a assembléa. Este acto, Sr. presidente, quando fosse para realisar o maior melhoramento do mundo, devia determinar uma assembléa liberal e rejeital-o, porque inicia um principio que póde produzir todas as sortes de males para a provincia e para o paiz, porque implica despreso do povo pela autoridade, e fére de morte o systema constitucional. E se o accaso da sorte tem apresentado principes como Henrique 4º, rei da França, que têm feito a felicidade das nações por alguns annos, tambem têm apresentado os maiores monstros, que deshonram a humanidade. É preferivel, que os povos com todas as suas imperfeições discutam os seus interesses, a estabelecer um principio que tem originado a ruina das nações, pelo que vai sendo substituido em quasi todas as partes do mundo. Até a Asia, a patria do despotismo, o vai substituindo: o Japão já decretou a liberdade de imprensa, e chama o povo a intervir na direcção dos proprios negocios. Recordo-me daquella fabula de Lafontaine, do cão gordo de casa e o cão faminto dos mattos: encontrão-se, um ganoso e outro de barriga cheia, conversaram entre si, e, diante da exposição do barrigudo, o outro ficou desejoso de fazer-lhe companhia, e seguio-o; quando chegavam a casa notou o cão silvestre (risadas geraes) o chimarrão, como dizem nossos patricios que o pescoço do barrigudo estava pellado e perguntou-lhe: o que é isso? Respondeu-lhe este: é a colleira; rôo ossos de gallinha, saboréo os restos da mesa do meu senhor, mas estou preso todo o dia, soltam-me só de noite para vigiar.

137 Preso, como? Em uma corrente, replicou o barrigudo; e o chimarrão, sem mais ouvir palavra, desatou a correr outra vez para o matto. Prefiro, Sr. Presidente, a liberdade com as suas convulsões, a esse paternal governo que nos dá a quietação com o despotismo. (Muito bem.) Senhores, este ataque pelo administrador feito ás instituições livres do paiz, é que determina o nobre deputado a admirar o Sr. Carvalho de Moraes; e senão leiam-se os artigos publicados na “Atalaia do Sul,” periodico de que S. Ex. declarou- se redactor. O Sr. Avila: – Sem duvida. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado só para cortejar o presidente, não trepidou em condemnar os seus collegas, em condemnar a assembléa liberal! O Sr. Avila: – Este procedimento eu não apoio, porque entendo que não é legal. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. Presidente, quando a “Reforma” rompeu em opposição contra o Sr. Carvalho de Moraes, appareceu na “Atalaia do Sul” de Jaguarão, um artigo anonymo, tão contraproducente, tão contradictorio, que eu não quis acreditar que fosse do nobre deputado, apezar de m‟o affirmar pessoas de muito credito; o nobre deputado já havia annunciado a sua retirada da politica no manifesto com que poz termo á “Reforma” de Jaguarão; no entanto, apresentava-se quasi em seguida para apoiar o Sr. Carvalho de Moraes, em nome do partido liberal, de que se affastá-ra, e contestar-me a mim o direito de falar em nome desse partido. Elle, Senhores, que abandonara a fileira e affastara-se da luta, julga-se com direito de fallar como o orgão desse partido; eu a viva encarnação da idéa liberal sagrada em trez eleições consecutivas, não posso! São desta força os raciocinios do nobre deputado. O deputado geral pelo 2º districto, o deputado provincial pelo primeiro, o deputado liberal apoiado pelos dous districtos da provincia, na questão Mauá; o homem que foi apoiado pelo partido liberal de todo o Imperio, e pelo centro liberal da côrte sem excepção do conselheiro Zacarias, que S. Ex. sabe que diverge de mim em pontos de liberdade religiosa, não póde fallar em nome desse partido que o applaude, e lhe dá força moral; e aquelle, despeitado, que por motivos inconfessaveis empresta armas aos adversarios, e declara o seu partido dissolvido quando se acha, na maior pujança; aquelle, liberal que risca o seu nome do alta da folha que redije, e vai ás occultas, numa folha de politica duvidosa, atacar os seus amigos e defender o presidente adversario que trevaria, esse, sim, é o representante da opinião liberal, esse é o partido liberal! O Sr. Avila: – Ninguem disse isso; apenas externei a minha opinião individual. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado dominado não sei por que paixão contra os seus amigos, foi até negar o merito que por ventura podesse caber á assembléa, e principalmente a seus companheiros de Jaguarão, na decretação desta medida por que tanto se esforçaram, para ofertal-o inteiro a seu idolo.

138 Se alguem duvida, aprecie estes trechos do artigo do nobre deputado. A assembléa provincial decretou essa importante obra em sua ultima reunião, porém não o “fez positiva e terminantemente”. Decretou em uma mesma lei a desobstrucção dos canaes do Sarangonha e Sangradouro. Não podia a provincia realisar essas duas obras ao mesmo tempo, e por isso deixou ao arbitrio da presidencia a escolha da que fosse mais urgentemente reclamada. O Ex. Sr. Dr. Carvalho de Moraes julgou mais urgente a desobstrucção do Sangradouro, e a contratou. A elle deve principalmente o 2º districto, e com particularidade este municipio e fronteira esse grandioso melhoramento. O projecto de lei que foi apresentado á assembléa, consignava a preferencia do canal da <>, expressão dos <> porém o Dr. Carvalho de Moraes, <>, preferindo com toda a justiça e equidade a desobstrucção do Sangradouro. Viva o Ex. Sr. Dr. Carvalho de Moraes!>> Pois póde se dar injustiça maior do que contestar á assembléa e até aos seus proprios companheiros de Jaguarão, um decreto tão claro, que se claro não fosse, o presidente não podia dar a execução? O Sr. Avila: – Veja qual é o pensamento do artigo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – É attacar os seus correligionarios, os seus amigos de Jaguarão para fazer recahir sobre outro a gloria do contrato de abertura do Sangradouro, como se um acto leviano podesse produzir boas consequencias. Aprecie-se esta outra parte do artigo: <> O nobre deputado só interrompe os seus periodos para levantar vivas ao Sr. Carvalho de Moraes. (Risadas.) Tendo lido estes trechos do artigo do nobre deputado, não posso deixar passar sem protesto a idéa pouco rio-grandense que suscita, de rivalidades entre o 1º e o 2º districtos: já houve na assembléa liberal semelhante divisão? Por honra do nosso rio-grandensismo, Senhores, nunca houve. E se por ventura alguma influencia tem preponderado na assembléa, deve ser a do 2º districto que tem quasi sempre estado em maioria. Ainda ha pouco não me honrava o nobre deputado com a qualificação, que não acceito, de chefe do partido na assembléa provincial? E eu, senhores, donde sou? Do 2º. Districto, que honrou-me com uma cadeira na assembléa geral. Que preferencia podiam manifestar os deputados do 1º districto em questão desta ordem?

139 Esta idéa pouco patriotica, pouco rio-grandense, é felizmente uma invenção; para crear paixões, promover desconfianças e discordias na familia rio-grandense? Será isto effeito do municipalismo do nobre deputado? Se considero que só pela união e concordia de todos os municipios, póde a provincia ser grande, forte, e respeitada pelo poder, como não pensarei que os membros do mesmo partido devem vier em harmonia? Aquelles que pensão o contrario, são logicos, quando inventam discordias em toda a parte. O Sr. Avila dá um aparte. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado remata o seu 1º. Artigo d‟um modo original: <> saudação ao <> da provincia. Viva o Ex. Sr. Dr. João Pedro Carvalho de Moraes!>> Senhores, com a mão na consciencia invoco o juizo da assembléa e de toda a provincia, que decida entre mim e o nobre deputado; eu, oppondo-me ao contrato do cáes para a cidade do Rio Grande, que me tem sustentado com os seus votos no parlamento nacional; oppondo-me a um contrato sem base, nullo, feito com uma firma extincta para a abertura do Sangradouro, via fluvial para Jaguarão, onde tenho muitos e distinctos amigos... O Sr. Avila: – Apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... e o nobre deputado, que encantado, não pelo melhoramento decretado e que ninguem combate, mas pelo contrato feito, deixa de parte a dignidade da provincia, offendida pelo administrador, as idéas do partido feridas de frente, e a constituição desrespeitada, e sacrifica tudo a uma cousa que elle chama interesse municipal. Sem duvida é louvavel que cada um tenha amor ao lugar em que nasceo; mas desgraçada da humanidade, se os generosos fossem aquelles que appellidam os outros de egoistas, e que não fazem horisontes mais dilatado do que as grades do berço em que foram embalados! Não! Não é a idéa do municipio que me inspira; nesta tribuna não sinto outra inspiração que não seja o progresso e o grandesa desta patria que nos vio nascer, que não é o lugar onde por ventura cahimos, mas o povo com quem convivemos, com quem estamos ligados, pelo sangue e pela alma, que sente os mesmos sentimentos, que vive a mesma vida, que defende os mesmos principios, que falla a mesma lingua, e mantém as mesma instituições. Esta idéa engrandece o homem, ennobrece um partido, porque eleva a alma ás altas regiões dos sentimentos moraes! O corpo é uma miseria, o volume é muito pequeno, bastam alguns palmos de terra para contel-o; o espirito derrama-se e transborda no espaço, abrange todos os limites da patria, sonda-lhes as chagas, comprehende-lhe os males e as necessidades, prepara-lhe os triumphos, annuncia- lhe a gloria, e despede clarões que illuminam a humanidade! (Muito bem. Muito bem.)

140 O nobre deputado defendeu com tal paixão estes actos, que, depois de fazer contra a assembléa a insjustiça que já notei, ainda a injuria, n‟outro artigo sobre os impostos, tão contraproducente e contradictorio como o primeiro. Aprecie-se este trecho: “Porém, quando „mesmo esse acto da presidencia seja illegal‟, o que por agora não investigaremos por nos faltarem os dados necessarios, resalta á primeira „vista a leviandade e precipitação do procedimento da assembléa‟. Não tinha esses actos da administração sido communicados ainda á assembléa provincial; em que pois fundou-se ella para emittir juizo definitivo sobre elles?” Fundou-se na publicação feita no “Diario official”, e na urgencia, visto como dous dias depois começaram as inscripções de apolices. Note porém a casa o criterio d‟aquelle que chama a assembléa de leviana nestas palavras – quando mesmo o acto da presidencia seja illegal, quer dizer quando mesmo o presidente tenha violado as instituições, despresando os representantes do povo; ainda assim a assembléa devia calar-se! Aprecie-se mais este pedacinho de ouro: “Antes de contratar a obra do cáes do Rio Grande, e criar os impostos necessarios para obter a renda necessaria para essa obra, consultou o Sr. Dr. Carvalho de Moraes á praça do commercio do Rio Grande sobre esse importante assumpto. Aquella illustre corporação foi que indicou ao illustre e honrado administrado da provincia aquelles meio de rendas, e a criação daquelles novos impostos. É aquella praça que tem de supportar mais immediatamente o onus dos novos impostos, ainda que com exportadora dos generos gravados com elle, o que em muitas occasiões não importará senão em um adiantamento feito por conta do productor ou consumidor; portanto ninguem mais competente para decidir essa questão do que a praça do Rio Grande; Logo o Sr. Dr. Carvalho Moraes não praticou o acto senão depois de estar bem certificado de que era elle da acceitação dos povos, sobre que elle hia pesar”. Admire a casa o espirito contradictorio do nobre deputado; elle que ainda ha pouco, se achava de accordo commigo sobre a inconveniencia dos impostos, ja se havia esquecido de tel-os applaudido, sustentado, e justificado na sua Atalaia!! Que admiravel coherencia! Depois de tudo quanto acabo de ler, ninguem póde estanhar que o nobre deputado nos inspirasse duvidas; todavia S. Ex. ha de continuar a dizer que foi provocado por mim, assim como continuará a dizer que não apoia á administração. Não, Sr. presidente, no procedimento do nobre deputado ha mais do que apoio á administração, ha apoio politico; eu asseguro ao nobre deputado que os representantes do partido conservador não serão capazes de sustentar q‟ o Sr. Carvalho de Moraes cumprio a lei, a manteve-se na posição de delegado de um governo constitucional. O nobre deputado vae além dos proprios correligionarios do presidente, e não só apoia a sua administração, como tambem os seus attentados, os seus crimes! Eu comprometti-me a dar a denuncia ao supremo tribunal da justiça contra o presidente da provincia manifestamente criminoso; V. Ex. sabe que já pedi as

141 certidões para instruir a denuncia, e arrastar o delinquente do palacio da presidencia ao banco dos réos, para ouvir a sua sentença. O Sr. Avila: – De absolvição de presidente. O SR. SILVEIRA MARTINS: – É possível! O Sr. Avila: – Porque é acto de toda a justiça. O SR. SILVEIRA MARTINS: – A justiça para o nobre deputado é uma desconhecida. N‟um ultimo artigo, Sr.presidente, (atirando o jornal) não leio mais, porque confesso a V. Ex., estas miserias foram para mim um desengano de tal ordem que, quando tive a certeza dos facto de que queria duvidar, disse a alguns amigos que me acompanhavam, e que se acham nesta assembléa: é o único, verdadeiros desgosto que tenho experimentado na minha vida politica. (Apoiados do Sr. João Ignacio, Chaves e Camargo). É o único! Nada me magoa; eu temperei a minha alma para affrontar as contrariedade; as mais atrozes calumnias dos adversarios não conseguem abalar-me; quando devotei-me ao serviço do meu paiz, e lancei-me na politica, sabia que a calumnia é o calix de amargura que todos mais ou menos tragam; e os males que se prevêem chegam sempre menores. O Sr. C. de Oliveira: – Apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... mas, o que eu não podia prevêr é que o amigo intimo, o companheiro conchegado ao meu lado, sem uma queixa individual, sem o minimo pretexto particular ou de partido, me fizesse tragar fel em retribuição da minha dedicação! O Sr. Avila: – Em não concordar com o nobre deputado? O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não é por não concordar comigo, pois ha tantos amigos dedicados que discordam em tanta cousa! Não é em ter posto tanta esperança no nobre deputado que reputava um dos athletas da idéa liberal, um das esperanças da nossa terra... O Sr. Avila: – Muito agradecido. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... e vêl-o no dia em que menos esperava, anjo decahido das alturas precipitar-se abaixo dos seus proprios adversarios, santificando não os abusos do poder, os excessos dos adversarios, porém um attentado inspirado somente pela demasiada confiança no poder aulico, que o nobre deputado profliga nesta tribuna. Sómente um creado do paço podia ter a audacia de praticar attentados da ordem dos que denunciei, e afrontar a condemnação dos tribunaes! Está escripto nas leis que o poder moderador, que tem usurpado as attribuições dos outros poderes, como diz o nobre deputado, tem tambem o direito de agraciar. Que vale a condemnação, pelo tribunaes, do réo que attenta contra a constituição? Se o fizer em honra e proveito do Imperante, este tem em si a faculdade de perdoar! Ao menos na Belgica os ministros não pode ser agraciados. Sr. Presidente, não ha como illudir-nos se quer, por alguns momentos O nobre deputado por Jaguarão o Sr. Menandro, de chegada justificava o seu collega, dizendo que tinha sido sabedor destes actos, mas que S. Ex. era como sempre

142 opposicionista, pois havia escripto os artigos da Atalaia por manobra politica, para obter da presidencia o contato do Sangradouro, mas que obtido o fim, seria como todos, opposicionista. Não repito, tenho vergonha, as palavras, que lhe disse em resposta, mas é certo, que o nobre deputado em qualquer hypothese não encontrará justificação, e que o facto de comparecer nesta sessão, depois do contrato do Sangradouro feito... dá razão ao Sr. Carvalho de Moraes, nas suas tentativas palacianas. Se se tratasse de obter o contrato, comprehendo que o nobre deputado, que se declara desgostoso da vida politica, fizesse o sacrificio de vir no meio da sessão, para com a sua presença, com as suas amisades e influencia, alcançar o melhoramento que aspirava; porém depois do contrato effectuado o que vinha o nobre deputado fazer senão o que tem dito: abraçar o Sr. Carvalho de Moraes na assembléa. Do que soubemos de um deputado de Jaguarão mettido nos segredos, é fóra de duvida que o presidente contava que havia aqui quem se prestasse a promover a discordia no partido liberal. Nunca acreditei que o Sr. Carvalho de Moraes podesse conseguir tal cousa; e se conseguisse, não perderia o partido: cahe um homem no mar, ainda mesmo que esse homem seja o commandante, toma o piloto a direcção da náo que não deixa por isso de velejar para o porto. Alguns homens podem brigar, mas o partido não se quebra na provincia do Rio Grande, por uma única razão: porque está ligado pelas idéas e não por interesses individuaes. Quando os homens se ligam para satisfazer os interesses do ventre, não formam partido, formam um ajuntamento, que se desfaz no dia da victoria, porque os vencedores combatem entre si pela preza. A politica dos interesses individuaes é funesta, porque os ventres são insaciaveis, como a loba esfaimada do Dante – que depois de comer tinha mais fome que antes; se satisfazem uma pretensão, apresentam logo outra; esses não pertencem a partido algum, são propriedade de todos os governos; e o Sr. Carvalho de Moraes engana-se persuadindo-se que tem feito grandes conquistas; amanhãm, quando S. Ex. fôr apeado do poder, não lhe pertencerão mais. Estou convencido que não ha cousa nenhuma que possa perdurar pela injustiça, foi esta convicção que alentou-me sempre no tempo da desgraça do partido na nossa provincia; será, pois, a justiça a minha bandeira no dia do triumpho como tem sido na adversidade. Sinto, Sr. Presidente, que, em vez de discutir o orçamento sobre o qual o nobre deputado fez observações tão futeis, que provam que S. Ex. nem se quer leu as disposições geraes e nas novas tabellas annexas á lei, eu tenha sido obrigado a entender o publico em questões tão desagradaveis, e (tirando o relogio) só agora vejo que já bateu meia noite e que não posso dizer uma palavra sobre o orçamento; mas V. Ex. sabe que na qualidade de relator tenho a faculdade de fallar mais uma vez do que qualquer outro; e quando não podesse, seria esse dever desempenhado pelo meu particular amigo, o Sr. Joaquim Antonio Vasques, a quem principalmente pertence que não a mim, a honra de ter confeccionado o orçamento.

143 É o meu nobre amigo um distincto profissional; esse, na sua qualidade de funccionario d‟uma das repartições da fazenda, está habilitado com a sua intelligencia e experiencia a fornecer-nos dados muito uteis, por outro lado em pontos de probidade e escrupulos de consciencia, póde ter muitos rivaes, mas não conhece superiores em todo o império. (Muitos apoiados; muito bem; muito bem.)

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3 POSICIONAMENTO POL ÍTICO

3.1 A Constituição Imperial e a Organização do Estado Brasileir o

Profa. Dra. Maria Medianeira Padoin Monica Rossato

Em 1831, D. Pedro I abdicou o poder em favor de seu filho D. Pedro II, que então estava com 5 anos de idade. D. Pedro I havia dissolvido a Constituinte em 1823 e outorgado a Constituição em 1824, de caráter centralizador, que estabeleceu um governo monárquico hereditário, constitucional e representativo1. A Constituição de 1824 foi reformada em 1834 por um Ato Adicional, Lei nº 16 de 12 de agosto de 1834, que aboliu o Conselho de Estado e retirou a capacidade da Regência em dissolver a Câmara, concedendo a vitaliciedade do Senado e a eleição popular de um regente único2. As competências dos governos provinciais e nacional foram divididas constitucionalmente, as Assembleias Legislativas foram criadas nas Províncias, sendo os deputados provinciais eleitos pelos cidadãos; a presidência da Província ficou a cargo da indicação do governo central. Outra mudança promovida pelo Ato Adicional foi a autonomia tributária das províncias, que passaram a elaborar seus orçamentos, descentralizando assim a arrecadação3. O Partido Conservador, questionando o Ato Adicional e a instabilidade política gerada pelo mesmo, defendeu a retirada do direito das Assembleias Provinciais de intervirem no funcionamento da magistratura, e a limitação do poder dos juízes de paz, atribuições que foram transferidas a funcionários nomeados pelo governo central. Assim, Bernardo Pereira de Vasconcelos, membro do Partido Conservador, foi chamado a compor o ministério de Araujo Lima, formado por magistrados e políticos ligados à agricultura de exportação, que estudaram na Europa. Vasconcelos liderou o chamado “Regresso” que, em posse do governo, os conservadores aprovaram em 1840 uma nova interpretação do Ato Adicional, reduzindo as atribuições dos presidentes de províncias4.

De acordo com Miriam Dolhnikoff5, o sentido da revisão conservadora foi “a centralização do aparato judiciário, garantindo ao governo central exclusividade

1 BRASIL, 1824. 2 CARVALHO, José Murilo de. A vida política. In: CARVALHO, José Murilo de (org.). A construção nacional (1830-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. v.2. 3 DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX. São Paulo: Globo, 2005. 4 CARVALHO, op cit.. 5 DOLHNIKOFF, op cit., p.132.

145 nas decisões sobre os empregos gerais, enquanto ao governo provincial ficavam reservadas as decisões sobre empregos provinciais e municipais”. Duas mudanças foram feitas pelos conservadores, a reforma do Código do Processo Criminal de 1841 e a Interpretação do Ato Adicional em 1840. A primeira, retirou dos juízes de paz as atribuições referentes ao processo criminal e criou os cargos de delegados e subdelegados que passaram a ser responsáveis por tais funções. A Interpretação do Ato Adicional também visou à centralização do aparato judicial, e a mudança ocorrida foi em relação à natureza dos empregos gerais, de competência do governo central, dos empregos provinciais, de competência do governo provincial. A unidade da América portuguesa, sob o governo do Rio de Janeiro, foi possível pelo estabelecimento de um arranjo institucional por meio do qual essas elites se acomodaram ao contar com mais autonomia para administrar suas províncias e obter garantias de participação no governo central através de suas representações na Câmara dos Deputados6. Assim, as elites provinciais participaram na construção do Estado Nacional brasileiro seja a nível provincial ou nacional através do arranjo institucional implantado pelas reformas liberais da década de 1830 e com o Ato Adicional de 1834, permanecendo após a revisão conservadora da década de 18407. Sendo assim, Gaspar Silveira Martins buscou as origens do seu partido no movimento liberal de 1831, quando reformas liberais foram aprovadas, como o Ato Adicional. Membro do Partido Liberal, defensor do Liberalismo e da descentralização administrativa, Gaspar Silveira Martins defendeu as reformas promulgadas pelo Ato Adicional de 1834. Na Assembleia Legislativa Provincial, em sessão de 16 de novembro de 1866, ele discursou a respeito dos benefícios que o Ato Adicional trouxe à Província e sobre o “Regresso” conservador:

Sr. Presidente, depois da independência do Imperio e da sua constituição nenhuma outra victoria tem alcançado o povo e a liberdade mais esplendida do que a consagrada na lei de 12 de agosto de 1834, (apoiados), que com o nome de acto adicional, a constituição consumma a quase independência das províncias do império em relação ao centro, que tendo-se colocado quando nos emancipamos do reino de Portugal, na frente do movimento revolucionário, representava com as províncias o papel da nossa velha mae pátria com o Brasil e de algum modo nos sugava o sangue e a vida; o acto adicional creou estas corporações que chamamos – assembleias provinciaes, deu-nos o direito de crear impostos, e de legislar para a província.

Desde a maioridade, começou nova direcçao política nas províncias do Império; o centro não tem feito mais do que embaraçar-nos por todos os modos, falsear todas as nossas garantias, procurando desacreditar esta liberal instituição para tornar a collocar-nos no pé de abatimento e sugeiçao em que estávamos antes de 7 de abril de 1831; desde o anno de 1840, em que teve lugar a maioridade que as províncias foram dotadas com a lei de interpretação do acto adicional, pela qual as nossas atribuições foram completamente falseadas, adulteradas, e cerceadas; e ate hoje vivem as províncias em lucta constante com o conselho de estado,

6 DOLHNIKOFF, 2005. 7 Ibid.

146 que procura por todos os meios, contestar nossos direitos, e por peias as leis provinciaes8.

Segundo Gaspar Silveira Martins, o Ato Adicional proporcionou uma maior autonomia das províncias em relação ao centro do Império. Isso ia ao encontro de seu projeto federalista ao Brasil, a partir de uma reforma constitucional do Império, descentralizando a administração e delegando maior autonomia às províncias e municípios. A Constituição do Estado foi vista por Silveira Martins como uma pirâmide, onde a base seria formada pela soberania do povo e no vértice os eleitos como representantes do povo:

A constituição do estado, em sua pureza, representa uma pyramide [...] tendo pó base a soberania do povo, e por vértice o supremo representante da nação; no entanto, já chegamos pelo caminho da má fé, da hypocresia, ao ponto de fazer uma reviravolta tão completa que o vértice se acha cravado no chão e a base no ar é que repousa sobre o vértice; as posições estão invertidas, são falsas, e portanto fracas, é da essência das cousas procurar sua posição natural, e havemos dar-lh’a! (Muito bem! Muito bem!)9

Com a independência do Brasil, a Constituição adotou um regime centralizador e unitário sob o governo do Rio de Janeiro. Nesse sentido, o unitarismo10 do Império representou a centralização dos poderes. Na prática imperial, o próprio Imperador escolhia seus ministros e Gabinetes, bem como os funcionários, juízes e presidentes de província. Por isso, o pedido de reforma constitucional visando à reforma da administração provincial era algo necessário para reanimar a instituição monárquica e reformar o sistema parlamentarista do Império, segundo Silveira Martins. Segundo a Constituição do Império, os municípios estavam sob a tutela das Assembleias Provinciais que eram responsáveis por aprovar o orçamento, posturas e regimentos que as câmaras municipais deveriam adotar. A municipalidade naquele momento, segundo Silveira Martins “quando não depende immediatamente do ministro do Império, esta submettida a Assembleia provincial; as decisões desta são burladas pelo presidente da província, que é dependente dos ministros, que o são do chefe do Estado”11. Então, a reforma nas municipalidades para Silveira Martins compreenderia a criação de executivos municipais. A administração dos municípios

8 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da Sessão de 16 nov. 1866. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 9 MARTINS, Gaspar Silveira. Conferência Radical, oitava Sessão, 1869. p. 18 e 19. Discurso proferido pelo Sr. Dr. Gaspar Silveira Martins sobre o Radicalismo. Rio de Janeiro: Typografia e Lithographia Esperança, 1869. Localização: Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 10 Para João Camilo de Oliveira Torres o regime unitário será aquele em que a administração local provém de decisões tomadas pela autoridade central. O conceito de regime unitário é um conceito político, podendo um Estado Unitário ser centralizado ou descentralizado administrativamente. (TORRES, João Camilo de Oliveira. A Democracia Coroada: teoria política do Império do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957). 11 MARTINS, Gaspar Silveira. A Reforma, p.1, 6 jul. 1886. Localização: Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, Porto Alegre, RS, Brasil.

147 deveria ser organizada em conselhos municipais compostos por vereadores que escolhiam o executivo municipal, atribuindo maior autonomia aos municípios12. No que se refere ao Regresso conservador de 1840, em que passou ao governo central a atribuição de nomear funcionários, Silveira Martins discursou que o governo central nomeava empregados “que mais parecem inimigos do que autoridades; homens que nenhuma garantia offerecem ao povo e que as mais das vezes são a inspiração do patronato do Rio de Janeiro”13. Ao mesmo tempo, a capacidade que as províncias tinham em elaborar seus orçamentos, retirada da Constituição pelo Regresso, também foi uma questão criticada por Gaspar Silveira Martins. Outra questão presente na Constituição Imperial e criticada por Silveira Martins foi a vitaliciedade do Senado, que, segundo ele, não podia coexistir com a delegação da soberania do povo. Assim, Gaspar Silveira Martins buscou exemplos de organização política de outras monarquias, para pensar a política imperial brasileira. Em sessão do dia 10 de abril de 1863, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, ele citou o inglês Robert Peel, liberal e reformista que se opôs aos conservadores ingleses. O sufrágio universal foi pensado como uma maneira de manifestação da vontade universal de todos os cidadãos na organização do Estado. Para Gaspar Silveira Martins a ideia de soberania apresentou-se como

a independência de tudo e de todos; e n’este sentido só Deos é verdadeiramente soberano, por que só elle é independente de tudo [...], mas se o homem não tem a soberania absoluta de Deos, tem a soberania relativa que consiste na independência de todos os seus semelhantes, por que elle conhece que nem elles são instrumentos do seu poder, nem elle é instrumento do poder alheio. Da independência do individuo resulta a idéia do poder que elle tem sobre si mesmo; a idéia de sua soberania; e portanto a da soberania da sociedade. Da soberania individual resulta para a soberania collectiva, a soberania do povo [...]14

Para Gaspar Silveira Martins, leis e projetos centralizadores eram atribuídos ao Partido Conservador. Assim, ele explanou a necessidade de uma reforma da Constituição Imperial que adotasse uma descentralização administrativa, incorporasse a eleição direta, a soberania do povo, e a garantia dos direitos individuais, o fortalecimento dos municípios, e o fim da vitaliciedade do Senado. Nesse sentido, seu federalismo apresentou-se como um projeto de organização do Estado Nacional brasileiro, fundamentado em seus ideais do Liberalismo. A liberdade individual sempre foi defendida por Silveira Martins, e seria o primeiro passo para a formação do Estado liberal. Para que essa liberdade individual pudesse ser concretizada no Brasil, as reformas na administração dos municípios e províncias seriam essenciais: “E o Brasil não garantira perfeitamente a liberdade individual, si as suas instituições se não fundarem todas na liberdade

12 GASPAR Silveira Martins. A Reforma, p. 1, 6 jul. 1886. 13 MARTINS, Gaspar Silveira. Sessão do dia 2 de outubro de 1862. Anais da Assembléia Legislativa da Província do Rio Grande do Sul. Memorial da Assembléia Legislativa do Estado do RS. 14 MARTINS, Gaspar Silveira. Discurso na Sessão do dia 10 abr. 1863. Jornal O Mercantil, p. 1, 12 jun. 1863. Localização: Memorial da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.

148 provincial, tornando-se praticas e formais as grandes theses consignadas no acto adicional”15. Sendo assim, a liberdade individual deveria partir de uma liberdade provincial que já estava estabelecida no Ato Adicional de 1834. Gaspar Silveira Martins pensava a organização das províncias a partir da criação de um executivo provincial, assim como acontecia nas monarquias belga, prussiana, holandesa e italiana, onde cada executivo provincial administraria e decidiria os interesses de cada província melhor do que os presidentes nomeados pelo governo central.16 Ao mesmo tempo, a organização dos municípios era pensada através da criação de conselhos municipais, com base em exemplos como a Itália, onde os conselhos municipais tinham um maior número de membros. Ou seja, o aumento da representação através do aumento do número de vereadores para compor os conselhos deveria ser proporcional às povoações, cidades ou vilas17. Cada conselho municipal escolheria sua comissão executiva, responsável em governar e administrar os assuntos do município, observando-se assim, que a representação é coletiva e vem demonstrar a valorização do poder legislativo a nível local. A partir do que foi exposto em relação à atuação política de Gaspar Silveira Martins, durante os anos em que ocupou cargos políticos no Império, evidenciamos um projeto de Estado Liberal e de um federalismo que preconizou reformas na instituição monárquica, descentralizando o poder nos municípios e províncias, para que essas organizassem seus próprios governos através de corpos legislativos. A descentralização também deveria ser em relação aos impostos, tarifas e leis criadas, levando em conta as características locais das províncias, ao lado de leis e tarifas nacionais que vigoram em todo o território, beneficiando a atividade comercial da Província do Rio Grande do Sul, que via-se prejudicada com a interferência monárquica e com a prática do contrabando na fronteira (que tentava burlar este centralismo):

Não fallo das confederações, reunião de estados com soberania local, como a Suissa, os Estados Unidos, a Allemanha e outros países; não fallo da Maior Bretanha, como chama Seeley, a grande federação inglesa da Europa, America, Ásia, áfrica e Oceania; mas da Grã- Bretanha, paiz unitário – que tem leis que so vigoram na Irlanda, ou só na Escóssia, ou só no Condado de Galles; fallo da Italia e ate da França, representante do tipo de centralismo, que não ´so tem leis especiaes para as colônias, mas ella própria tem muitas tarifas: - a chamada tarifas geraes e convencional18

Em seu projeto de Estado liberal moderno, o parlamentarismo foi o sistema político sempre propagado por Silveira Martins. O Império tinha na sua constituição o parlamentarismo como sistema de governo. Entretanto, segundo Silveira Martins, ele não existia na prática, pois o Imperador (poder moderador) escolhia seus ministérios e gabinetes, sendo que estes deveriam ser escolhidos pelo parlamento. Somava-se a isso a crítica de Gaspar Silveira Martins ao poder pessoal

15 BRASIL. Senado Federal. Anais do ... Sessão do dia 21 ago. 1882, p. 54. 16 Id. Anais do ... Sessão do dia 27 abr. 1882, p. 52. 17 MARTINS, Gaspar Silveira. A Reforma, 6 jul. 1886. 18 BRASIL. Senado Federal. Anais do ... Sessão do dia 5 set. 1888. p.554.

149 do Imperador. O parlamentarismo pensado pelo político seguia o modelo parlamentarista da Inglaterra, Bélgica e Itália:

É sábio o principio em que se funda o regimen parlamentar, mas entre nos a pratica o tem desvirtuado. Na Inglaterra o legitimo soberano é o chefe do gabinete – soberano como o Pericles nas assembléias populares de Athenas, Isto é, affirmando pela luta cotidiana a sua superioridade intellectual e a sua popularidade. Por isso, e só nisso, a monarchia constitucional leva vantagem as republicas, porque nestas, se o presidente perde a confiança popular nem por isso deixa de governar o resto do prazo legal. Mas entre nos, onde tudo se encontra, há depositários do poder que de tudo entendem e tudo inspeccionam19

Com a República, o pensamento de Silveira Martins em relação à organização do Estado Nacional brasileiro sofre alterações, principalmente em razão do governo estadual autoritário de Julio de Castilhos. Seu projeto de organização de um Estado liberal foi expresso em seu Testamento Político (1901), pouco antes de seu falecimento. Ele foi um projeto alternativo ao projeto republicano comtista de Julio de Castilhos, estabelecendo, entre outros pontos que “as Constituições dos Estados serão revistas pelo Senado Federal, que lhes dará o tipo político uniforme da União” e que “sempre que houver reforma constitucional em um Estado, será submetida à aprovação do mesmo Senado, sem a qual não prevalecerá”20. Além disso, o Testamento Político trouxe também o princípio de que “os Estados não poderão organizar polícias com caráter militar, isto é, com o armamento, tipo e mais condições peculiares ao Exército e à Guarda Nacional”.

Nesse sentido, segundo Vélez Rodrigues21 (2007, p. 78) “Silveira Martins sintetizou as suas diferenças com o castilhismo no seu Testamento político”. Diferentemente do que Silveira Martins defendia no Império (descentralização administrativa), o contexto político nos primeiros anos da República, marcados pelo governo autoritário de Julio de Castilhos e pela Revolução Federalista, levou Silveira Martins a defender um fortalecimento do governo representativo (República Representativa Parlamentarista) e o fortalecimento da União sobre os Estados (centralização administrativa)22.

19 MARTINS, Gaspar Silveira. A Reforma, 10 jun. 1886, p. 1. 20 Testamento político de Gaspar Silveira Martins. (FRANCO, Sergio da Costa. O Partido Federalista do Rio Grande do Sul (1892-1828). (Série Caderno de História, n.13.) Disponível em: . Acesso em: 30 jul. 2013). 21 VÉLEZ RODRIGUES, Ricardo. O Castilhismo e as Outras Ideologias. In: RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; AXT Gunter(org). História do Rio Grande do Sul - República Velha (1889 – 1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. v.3, tomo I. 22 Ibid.

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Discurso proferido na Sessão em 16 de setembro de 1862 - apêndice

O SR. S. MARTINS: – Sr. presidente, o meu primeiro dever, do alto desta tribuna, é dirigir os meus sinceros agradecimentos aos eleitores do 2º districto que tão espontaneamente aqui me collocaram, e para corresponder aos suffragios com que me destinguiram começo desde hoje a defender seus direitos que se pretende prostergar. A questão que se debate é simplíssima para todos, e de facil solução, e para o espírito do jurisconsulto habituado a interpretação da lei conforme os princípios da philosophia do direito, e as regras da bôa Hermeneutica não póde mesmo ser qualificada de questão-que é sempre- um problema a resolver. De que se trata, senhores? tão sómente de saber se os votos tomados em separado na freguezia das Lavras, e em outras do 2º districto devem, ou não ser contados aos candidatos que os obtiveram, uma vez que esses votos foram proferidos em tempo ainda que esses eleitores não estavam reconhecidos pela assembléa geral muito embora o estejam actualmente. Em que princípios se fundou o nobre membro da commissão de verificação de poderes para assignar o parecer com restricções, quanto a parte que conclue pela contagem dos votos em separado e a admissão do Dr. Antonio José Gonçalves Chaves? Em dous argumentos principaes notoriamente improcedentes, um por ser contra a disposição terminante da lei, outro por envolver uma interpretação do artigo 121 da lei regulamentar das eleições feitas contra os principios geraes, e theoria da sciencia, contra a pratica constante, e uso sempre invariavelmente seguido pelas assembleas provinciaes e geral. O primeiro argumento do nobre deputado que assignou o parecer com restricções, é que se não devem contar os votos em separado porque a lei o não consente, e não se diga que essa prohibição não é expressa, pois se a lei o não prohibe expressamente, tambem o não permitte. A maneira inversa de argumentar é que é verdadeira, Sr. presidente; a lei não trata em geral do que é permittido, se o fizesse não haveria em todo o mundo papel bastante para escrever o código de todos os actos possíveis e imaginaveis que o homem póde licitamente praticar. O homem é um ente livre, moral e activo, e tem por si a presumpção natural de poder obrar tudo quanto quizer; o poder publico da sociedade para a utilidade commum prohibe os actos que julga ruinosos á communidade conforme a materia, o fim que se tem, e a re1ação de direito em que o individuo se acha: assim entende- se ao contrario do que pensa o nobre relator da commissão de verificação de·poderes que é permitido em direito tudo que não é prohibido, e portanto se não é prohibido 110 caso dos eleitores de Santa Victoria, e outros votar em separado, a conclusão é que é permittido, e nesse caso já que hoje esses eleitores estão reconhecidos devem-se contar seus ·votos ao candidato que os obteve.

151 Mas, Sr. presidente, o argumento do nobre relator da commissão não é só falso como acabo do demonstrar á toda a luz segundo os princípios de direito; é ainda contra a lei expressa; se o nobre relator da commissão de verificação de poderes se tivesse dado ao pequeno trabalho de ler mais alguns artigos da lei regulamentar das eleições alem do art. 121, acharia sem duvida no art. 87 esta disposição: “A camara municipal se limitará a sommar os votos mencionados nas differentes actas, e se houver duplicata de eleições em um collegio, e vierem duas actas desse collegio apurará a que mais legitima lhe parecer, deixando de apurar a outra; fazendo porem declaração especificada que deixou de apurar inglobadamente, e mencionando por extenso os votos attribuidos em cada um dessas a quaesquer cidadãos” Agora, senhores, para que fim manda lei mencionar. por extenso esses votos, se a final os não hade contar?. Seria uma superfluidade da lei, um luxo de trabalho improfcuo para vir difficultar a apuração? não! a razão é clara, e acha-se nos avisos de 9 de Fevereiro e primeiro de Março de 1848, é porque as funcções da camara municipal são meramente administrativas, a camara se guia pelas presumpções de direito; mas a presumpção do direito ainda não é o direito em si, e por mais vehemente que seja ha de sempre ceder a prova em contrario, e o julgamento definitivo compete á assembléa geral nos termos do art. 121 desta mesma lei. Este mesmo principio de presumpção é que domina no art. 56· da lei das eleições onde se diz “se recahir maioria do votos em individuo que a mesa julgue não estar em circunstancias de ser eleitor expedir-se-lhe-ha não obstante o respectivo diploma, lançando-na acta a declaração de todas as duvidas que occorrerem sobre a idoneidade do votado, a fim de que o collegio eleitoral decida por occasião da verificação dos poderes dos eleitores;” o proprio collegio ainda não decide terminantemente como é patente da lei, e do aviso de 15 de abril de 1847-, a sentença definitiva ha de ser proferida pela camara dos deputados. O 2º argumento, Sr. presidente, deduzido pelo nobre relator da commissão de verificação de poderes, e que o artigo 121 da lei de eleições, diz: que a camara dos deputados decidirá na occasião da verificação de poderes do seus membros da legitimidade dos mesmos eleitores; e os eleitores que assim forem julgados válidos serão os competentes, durante a legislatura, para proceder a qualquer eleição de deputados, e membros das assembléas provinciaes; ora quando esses eleitores votaram ainda não estavam válidos, e portanto não eram nos termos e deste artigo 121 os competentes para eleger os membros da assembléa provincial. Sr. presidente. Este argumento encerra uma grande confusão de idéas que vou esclarecer; qual deva ser o espirito d‟uma lei de eleições? fazer que nenhum cidadão se excuse ao direito politico de votar, que é tambem um grande dever publico, e procurar conseguir a liberdade de voto afim de que a eleição não seja falseada pela fraude; pois bem, esse é o espirito da nossa·lei que em muitos casos impõe penas de multa aos cidadãos remissos e estabelece em muitos artigos formulas protectoras que são substanciaes ao processo eleitoral; como pois a vista destes principios havemos de rejeitar votos de eleitores legitimos e reconhecidamente autenticos?

152 E nem se diga, Sr. presidente, que para votar é preciso prèvio reconhecimento – nas palavras da lei “assim julgados válidos” validoso adverbio assim significa deste modo é todo relativo ao processo de reconhecimento – que é sempre o mesmo, e nada tem que ver com o tempo da eleição, do contrario seria uma nova superfluidade mandar fazer nova eleição nos collegios em que a primeira for annulada (Apoiados.) Mas os nobres deputados dizem que essa é quanto a assembléa geral, enganam-se, o art. 121 comprehende eleição de deputados e membros da assembléa provincial, é para a provincia, e para o lmperio (apoiados). É preciso, Sr. presidente, não confundir o facto da eleição, e sua verificação, e reconhecimento; são cousas muito diferentes uma da outra; o facto é sempre anterior, e isso deixam ver as palavras verificar, e reconhecer, que implicam sempre alguma cousa preexistente; os eleitores são eleitores desde o dia da eleição, e não desde o reconhecimento, e verificação que quer dizer exame sobre a validade do acto; se a verificação produzio em resultado o reconhecimento do facto, o facto é legitimo desde seu nascimento, e reconhecimento posterior importa a legitimidade de todos os efeitos logicos do facto. Assim pois, os eleitores votaram, a camara tomou seus votos em separado, por que não era juiz competente para decidir de sua legitimidade, mas hoje esta se acha fóra de duvida pelo reconhecimento da assembléa geral, é claro que cessaram as duvidas então muito legitimas da camara, e que esta assembléa deve contar esses votos. Por ventura não é assim que se procede na eleição geral? não são eleitores ainda não reconhecidos que elegem os deputados verificando se ao mesmo tempo os poderes destes, e os poderes daquelles; e nem digam que é neste caso unico de deputação geral que isto succede, bastava uma só hypothese para autorisar o principio, mas não é só nessa hypothese, é em todas que o principio se verifica; aqui mesmo nesta provincia já succedeu facto identico de se proceder a eleição provincial dias depois da eleição geral. O Sr. Pereira da Silva: – Na presidencia do Sr. conselheiro Galvão. O SR. S. MARTINS: – É verdade, e não só aqui, em muitas outras províncias o mesmo tem succedido; ahi está o aviso de 18 de Janeiro de 1848 que resolve affirmativamente uma duvida sobre a abertura da assembléa provincial de S. Paulo, que a vista disso foi aberta em 15 de Fevereiro, que era o dia designado pela lei provincial independente do reconhecimento dos eleitores, por pertencer a mesma assembléa o direito de deliberar sobre esse assumpto: devo porem dizer que trouxe esse aviso para provar o facto da eleição antes do reconhecimento dos eleitores, mas não adopto a sua doutrina juridica por ser a verificação de poderes dos eleitores de privativa competencia da camara dos deputados, como è expresso no artigo 121 da lei eleitoral de 20 de Agosto de 1.846. Ultimamente ainda, Sr. presidente, suscitou-se na Assembléa Provincial de S. Paulo se se devia. dar assento ao Rvm. Padre Scipião que litigava se bem me recordo, com o Dr. Americo Brasiliense de Almeida Mello-aquelle tinha mais votos apurados, e em consequencia diploma, este tinha menos votos apurados, porem muitos em separado ainda não reconhecidos que somados com os outros davam-lhe

153 maioria so sobre seu adversário;·a Assembléa não deu assento ao Padre Scipião porque no todo tinha menos votos, não podia tambem dar ao Dr. Almeida Mello por que seus votos não estavam reconhecidos, e longe de admittir o candidato com diploma addiou a decisão até que a camara dos deputados verificasse os poderes dos eleitores do Dr. Mello, o que teve lugar um mez depois, e os votos em separado lhe foram contados, e elle tomou assento; como depois não havemos hoje de contar estes votos que são de eleitores já reconhecidos? O diploma é pois um documento que dá uma presumpção de direito, mas o verdadeiro titulo é a camara quem o dá; tenho visto mais de uma vez entrarem para o parlamento deputados sem diploma como os Drs. José Bonifacio e Carrão ainda o anno passado, a sahirem da camara para fóra alguns documentados com diplomas como o Sr. dezembargador Pacheco por S. Paulo e Barros Pimentel por Sergipe. O direito, Sr. presidente, é essencialmente pratico, quero dizer tem necessidade de traduzir-se em obras, em factos, e por mais indubitaveis que naturalmente pareçam, nem sempre temos delles a prova, mas por isso poder-se-ha dizer que esses factos só depois da prova legal é que existirão!? As sciencias juridicas e sociaes são como uma historia natural da parte moral do homem, e é por isso que Cuvier achava no estado das sciencias natoraes um tão poderoso auxiliar da politica; ambas as sciencias requerem igual sagacidade e profundeza de observação, mas porque se chegou a lei, ao principio atravéz do facto, segue-se que este não é por ella regido? Nunca! Ninguém o dirá; pois aqui tambem uma causa é o voto, outra o reconhecimento de sua legitimidade; o voto foi sempre legitimo desde o seu principio, o reconhecimento é apenas a prova authentica dessa legitimidade. Enfim, Sr. presidente, de oito homens formados em direito que tem assento nesta casa, nenhum tem sobre isto opinião differente e o illustrado Sr. desembargador Bello, que votou pelo reconhecimento dos eleitores das Lavras, e que de certo não é suspeito ao lado adverso não tem diferente opinião. Ainda neste recinto pleito eleitoral que teve lugar na Provincia, ambas as parcialidades recorreram a esses eleitores que ainda não estavam reconhecidos, e cujos votos hoje que não há mais duvida sobre sua qualidade não querem atender. O Sr. Coitinho: – E o collegio admittio a votar em separado homens que nem titulo de eleitores tinham. O SR. S. MARTINS: – Sem duvida, e fez muito bem; e se os não tivesse admittidos elles não poderiam authenticar seus votos, e nesse caso ainda mesmo depois de reconhecidos eleitores ficariam privados de votar. Eu lisongeo-me, Sr. Presidente, de ter por companheiro nesta questão o Exm. Sr. B. de Porto Alegre; S. Ex. ainda não ha dous dias falando de seu triumpho eleitoral, disse-me que seus amigos haviam pedido a ser favor os votos desses eleitores. O Sr. B. de Porto Alegre: – Mas em que me póde comprometter essa declaração? O SR. S. MARTINS: – Não ha compromettimento algum para V. Ex. senão do seu voto. Eu sinto, Sr. presidente, que esses eleitores negassem ao Sr. B. de Porto Alegre os seus votos n‟uma occasião em que a eleição do Sr. Barão era

154 uma verdadeira questã ode honra para esta heroica provincia, (apoiados) e qualquer que seja a parcialidade politica de S. Ex. todos a conhecem como um cidadão eminente (apoiados). O Sr. B. de Porto Alegre: – O Sr. Brigadeiro Portinho acaba de declarar que as cartas que o nobre deputado se refere não foram entregues, e estão em seu poder. Um Sr. Deputado: – Mas nem por isso deixa de haver a intenção. Outro Sr. Deputado: – S. Ex. não tem culpa das intenções de seus amigos. O Sr. B. de Porto Alegre: – Eu não pedi cousa alguma. O Sr. Costa: – Acceitou a intervenção de seus amigos não concorreu para ella. (trocam-se mais apartes) O SR. PRESIDENTE: – Attenção. O SR. S. MARTINS: – Estou convencido, Sr. Presidente, que um varão tão illustrado que tem o seu nome e o de seus avòs confundidos com as glorias da nossa Patria, não póde dar hoje um voto contra o seu procedimento de homem. Não há duvida, Sr. Presidente, que esta questão é uma questão juridicamente morta, que pode ser levantada pelo odio, ou pela amisade, mas nunca com fundamento de direito. O Sr. Costa: – Mas pode ser numa questão de consciencia. O SR. S. MARTINS: – Não póde ser de consciencia aquillo que é só de sciencia. Sr. Presidente, é o caso do Evangelho, os verdadeiros cégos são aquelles que não querem ver; mas para esses havemos de levar-lhes até os olhos o facho da verdade para que a sintam, já que a não vêem. O Sr. Pederneiras: – Nós nos queimaremos. O SR. S. MARTINS: – Como cégos. O Sr. Neri:- Uma unica clausula do nosso regimento porque me dirijo sempre é aquella que manda respeitar a sanidade das intenções dos descidentes de. nossa opinião (Ha mais apartes). O SR PRESIDENTE: – Eu não chamei o nobre orador a ordem porque entendo que nada disse offensivo a ninguem. O SR. S. MARTINS: – Eu não me dirijo por uma unica, dirigir-me-hei sempre a por todas as clausulas do regimento, e parece-me que tenho guardado todas as conveniencias para com os meus adversarios. O Sr. Timotheo: – É verdade, fez apenas um apello do que se quer praticar O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu fallo, Sr. Presidente, a verdade da lei; habituado a decidir de direito e a dar o seu a seu dono, pretendo trazer para a vida politica os meus antecedentes de magistrado. O Sr. F. Barreto: – Todos nós devemos assim proceder. O Sr. Timotheo: – Deus o queira..

155 O SR. S. MARTINS: – Eu sou levado pela lei; habituado a decidir e não pelo “espírito de partido obsecado pela paixão” não sou arrastado pela amisado q‟ao contrario está da parte daquelles a que combato; sou é verdade amigo do Dr. Antonio José Gonçalves Chaves, que é um digno cidadão e um dos distinctos filhos desta Provincia (apoiados), mas tambem sou amigo intimo do Dr. Alexandre Jacintho de Mendonça e respeito mais que ninguem as qualidades do seu espirito e os sentimentos cavalheirosos que empobrecem o seu coração (Apoiados). Sinto, Sr. presidente, não poder vetar por elle, mais a lei e o dever me ordenam o contrario. Não é pois esta questão uma questão de favor, é uma questão de direito, não é uma questão de amisade, é uma questão de justiça que está sujeita a esta assemblea como tribunal, e cumpre, Sr. Presidente, que esta camara que tem por dever fazer leis, não seja a primeira a quebral-as, consummando uma illegalidade.

Discurso proferido na Sessão em 10 de abril de 1863

Publicado no Jornal O Mercantil, em 10 de junho, com alguns erros e em 11 de junho de 1863, de forma completa.

O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. Presidente, o nobre deputado a quem tenho a honra de me dirigir não é um astro decadente, como a sua modestia nos pintou, prestes a mergulhar se no occaso; antes hoje mais do que nunca irradia sobre nós torrentes de luz vivificadora, já que é o privilegio do talento e do sol animar todas as creaturas que recebem no seio seu calor benefico; porque o calor é a vida, a vida é o direito, o direito é o progresso e o progresso é o desenvolvimento de todos os nobres principios do homem como indivíduo, como pai de famílias, como cidadão e como membro do grande corpo da humanidade. Não ha, Sr. presidente, entre mim e o nobre deputado outra differença que não seja a do seu talento; e da minha midiocridade; da sua experiencia, e da minha estreia na carreira politica... O Sr. Mendonça: – Não apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – É a desigualdade que existe entre a garça implume que ensaia vôos timidos e a aguia real que rompe os ares, respira a athmosphera luminosa do sol, e percorre a amplidão do espaço infinito. É verdade, Sr. Presidente, que a minha profissão tem mais contato com a vida politica do que a do nobre deputado, mas a jurisprudencia não é a politica, não é a sciencia social, e tantas habilitações póde ter como homem d‟Estado aquelle que faz do direito a sua profissão habitual como o astronomo que devasse os mysterios dos astros, como o physico que pesa o ar, como o engenheiro que rasga as entranhas da terra e applica sua sciencia á industria e ás artes, como o medico conhecedor da physiologia do homem, objecto constante de seus profundos estudos. O estadista precisa de todos estes conhecimentos e faz uma profissão aparte que não é nenhuma d‟essas, portanto, Sr. Presidente, a differença que achou o nobre deputado entre a sua sciencia e a minha não produz aqui uma differença de profissão: se elle é médico e

156 eu magistrado ambos professamos Política; a differença da medicina, e da jurisprudencia não póde traser resultado algum a meu favor nesta questão de idéas politicas, em que ambos somos competentes como sectarios de doutrinas oppostas. A emenda que apresentei é additiva e complementar do requerimento que foi apresentado pelo nobre deputado que tendo sido vencido no pleito eleitoral que se debateu na provincia, tem o direito de requerer, e de ter em seu poder os meios de provar que o seu máo sucesso não foi causado pelas idéas politicas, não partiu da provincia, mas que veio do governo, que veio da autoridade; para isso era preciso completal-o e saber não só as demissões que foram dadas, mas as nomeações que foram feitas depois; e é esta a razão principal do meu additivo. Não posso porém perder a occasião de acompanhar o nobre deputado na sua questão politica, porque eu entendo, Sr. presidente, que as questões politicas nessa assembléa são de grande conveniencia, de grande utilidade para o publico, para o povo que aprende a conhecer seus direitos, e a tomar parte activa do governo do estado e habitua-se a apreciar e dar valor á sua independencia; lembra-me n‟este momento, Sr. presidente, de um libello de Cormenin em que este insigne publicista diz: <> É esta, Sr. presidente, a razão que me obriga a voltar á questão aventada pelo digno deputado o Sr. Mendonça; S. Ex., Sr. presidente, tratando de destruir a argumentação que empreguei para demonstrar a falsidade da sua these <> apresentou por sua vez um argumento se assim se póde chamar a proposição que é duas vezes falsa; porque a conclusão não se contem em seus principios; e porque os principios são contraproducentes. Sr. presidente, o nobre deputado apresentou o art. 173 da constituição que diz <

157 Este argumento é duas vezes falso, como já disse; falso porque, Sr. presidente, não é só o corpo que legisla sobre direitos, não é só a assembléa geral que é corpo politico, todos os poderes são politicos pela constituição do imperio; tanto o poder executivo como o legislativo, o moderador e o judiciario; se portanto a assembléa provincial não podesse prover como nos disse o nobre deputado não era conclusão que somente por este simples facto ella deixasse de ser corporação politica, porque as attribuições politicas são variadas e prover não quer dizer só legislar; todas as attribuições do poder executivo puro, que se acham na constituição art. 102 são attribuições politicas, como convocar a assembléa geral, nomear bispos, embaixadores, dirigir as negociações com as nações estrangeiras, fazer tratados, declarar a guerra &c. Não ha uma só que não seja attribuição politica da mesma maneira todas as attribuições do poder moderador, e da mesma maneira todas as attribuições da assembléa geral; Ora a assembléa geral tem justamente as attribuições das assembléas provinciaes e mais aquellas que se referem ao imperio inteiro, por que as assembléas provinciaes sendo tão somente uma parte do todo não podem pela ordem constitucional legislar para o todo. As attribuições da assembléa legislativa geral estão consignadas no art. 15 capitulo 1º e seus paragraphos; e uma justa comparação com o acto addicional na parte em que trata das attribuições das assembléas provinciaes prova que as assembléas provinciaes só não tem como a assembléa geral a faculdade de legislar sobre cousas que devem ser uniformes ao imperio inteiro, e que ao imperio inteiro interessam immediatamente. Assim é que compete á assembléa geral tomar juramento ao imperador, ao principe imperial, ao regente ou regencia; eleger o regente, e marcar os limites da sua autoridade, reconhecer o principe imperial com sucessor do throno, nomear tutor ao imperador menor quando seu pai não o tenha feito, resolver as duvidas sobre a sucessão da corôa, escolher nova dynastia no caso de extincção da imperante, conceder ou negar a entrada de forças estrangeiras dentro do imperio, ou portos delle; determinar o peso, e valor das moedas e o padrão dos pesos, e medidas. A nosso turno a assembléa provincial è para a provincia o poder supremo, só restringido pelos direitos consagrados nos tractados pelo impostos geraes, pelo direitos de outros provincias, sobretudo pela constituição do imperio; pelo art. 2º do acto addicional a assembléa geral póde cassar as nossas leis só no caso especial d‟invadirmos esses direitos de outro modo, não; não ha poder nenhum do mundo que as revogue senão nós mesmos; somos perfeitamente soberanos... O Sr. Mendonça: – Ou quando exhorbitamos dos assumptos marcados no acto addicional. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Isso é illegalidade. O Sr. Mendonça: – A limitação não é só em relação a circunscripção, é em relação a materia. O SR. SILVEIRA MARTINS: – V. Ex. sabe perfeitamente que n‟uma constituição se lançam principios geraes, que se desenvolvem theses absolutas, que se applicam a todas as nossas relações de direito expecial e se a assembléa provincial não pode ter alçada sobre o codigo criminal, a legislação fiscal, a legilação civil, e

158 tudo aquillo q‟for relativo ao direito de todos os brasileiros, fora disso tem um poder soberano, e isto é um caracteristico perfeito q‟distingue o corpo legislativo, d‟um corpo administrativo, pois é da essencia dos corpos administrativos q‟todas as suas deliberações possam ser cassadas por outro poder que não elle propriamente; não ha decisão nenhuma do poder administrativo que não possa ser revogada pela assembléa geral, mas a assembléa geral não póde cassar as nossas leis confeccionadas dentro da esphera marcada pelo acto addicional... O Sr. Mendonça: – Creio que não é muito exacto; ha alguns actos do poder administrativo que não podem ser revogados pela assembléa geral; todos os actos que são da exclusiva competencia do poder administrativo não podem ser revogados pela assembléa geral. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Os actos do poder executivo devidem-se em duas grandes partes; o poder executivo politico que é a direcção suprema do Estado, e a administração que o governo póde regulamentar á sua vontade; o executivo politico é constitucional, e como tal só póde ser reformado com a constituição, que não desce a tratar da administração, assim è que sendo esta regulada por leis ordinarias, póde ser ordinariamente revogado tudo que é administrativo; no entanto que os direitos conferidos pelo acto addicional não podem ser revogados senão pelos meios que a constituição marca para se mudar e alterar a constituição do Estado. As outras attribuições da assembléa geral que não implicam com a unidade do Imperio tem-nas tambem as assembléas provinciaes em proporção; assim é que se a assembléa geral póde fazer leis, interpreta-las, suspende-las, revoga-las o mesmo faz a assembléa provincial em sua orbita, se a assembléa geral vela na guarda da constituição, fixa annualmente as despesas publicas, fixa as forças de terra, o mar; a assembléa provincial tambem vela na guarda da constituição, fixa as despesas da provincia, a força de policia etc.; paro aqui para não fadigar a casa com uma analise prolixa pois julgo que não preciso ir mais longe... O Sr. Mendonça: – Mesmo era difficil para depois fazer a comparação. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Pois eu continuarei apesar de ter para mim que tenho dito demais, mas para satisfazer ao nobre deputado dir-lhe hei que se a assembléa geral autorisa o governo a contrahir emprestimos, a estabelecer meios convenientes para pagamento da divida publica, se a assembleia geral creia, e supprime empregos publicos, regula a administração dos bens nacionaes, e decreta sua alienação; a assembléa provincial tambem autorisa o presidente a contrahir emprestimos, tambem estabelece meios convenientes para pagamento da divida provincial, tambem creia, e supprime empregos provinciaes, regula administração, e alheiação dos bens da provincia. Não continuo porque s‟exgotaram os paragraphos do art. 15, mas bastava que algumas das attribuições da um corpo politico como é a assembléa geral pertencesse a assembléa provincial para ficar evidentemente provado que as assembléas provinciaes tem attribuições só próprias de um grande corpo politico havendo somente a differença que não póde deixar de haver de sua esphera de acção, poisque a da assembléa geral é muito mais ampla que a nossa. O Sr. A. da Silveira: – A differença vai do todo a uma de suas partes,

159 O Sr. Mendonça: – Está enganado, nem mesmo a respeito da parte se pòde legislar em tudo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – É falso ainda o argumento do nobre por outro lado; ou por outra o argumento do nobre deputado não se contêm no principio, porquanto as assembléas provinciaes podem prover muitas vezes às infrações da constituição e directamente; e indirectamente sempre o podem mas que não o podessem, ainda assim não se podia com rigor logico concluir que as assembléas provinciaes são corpos administrativos; não só porque todos os ourtos poderes tendo immensas attribuições politicas, nem sempre podem prover, como o poder legislativo ás violações da constituição e nem por isso deixam de ser politicos; mas ainda porque da prova negativa de não serem politicas as assembléas provinciaes não se conclue que sejam administrativas, como realmente o não são; porque o administrativo, é parte do poder executivo e ninguém dirá que nós somos aqui poder executivo. Há ainda um argumento que o nobre deputado apresentou e foi que se as assembléas provinciaes são corpos politicos tambem o são as camaras municipaes porque tambem a ellas compete velar na guarda da constituição e das leis. Como corporação não tem semelhante attribuição, salvo em representação como todos os cidadãos podem fazer porque todos são membros de um corpo politico, tem o direito de petição e os mais recursos que a constituição offerece a cada um e a todos. Demais, Srs., a lei diz que são meramente administrativas as camaras municipaes porque essa é a sua essencia o base, mas as camaras tem aqui ou ali algumas attribuições politicas, ellas fazem a apuração das actas dos collegios eleitoraes, e todavia são corpos politicos. Sr. presidente, ha que não podem fazer o que quer o nobre deputado como os collegios eleitoraes,e todavia são corpos politicos. Portanto, Sr. Presidente, a argumentação do nobre deputado peca na forma, e na materia, é duas vezes falsa. A 2ª parte do discurso do nobre deputado foi a refutação das minhas idéas sobre a temporiedade do Senado, e ainda aqui, Sr. Presidente, o nobre deputado não destruio aquillo que eu affirmei. Eu apresentei argumentos que em theses, são indestructiveis. De um lado a permanencia, a perpetuidade do Senado não pode existir com a delegação da soberania do povo; mudam-se as idéas de uns tempos para outro, e o senado vitalicio torna-se um corpo delegado que não representa mais as idéas do delegante, que não o pode destituir adquirindo o delegado maior poder do que aquelle que um mero mandato pode conferir; imagina-se porem que no fim de 6 ou 8 annos os eleitores não são mais os mesmos, a face eleitoral do paiz, as idéas estão inteiramente mudadas, uma nova geração apparece com novas aspirações, o que se segue é que não somente o senado vitalicio não representa as idéas do paiz, mas nenhum poder tem uma vez que os paes não podem fazer delegações pelo filhos maiores. O nobre deputado não desconheceu a inconveniencia que resulta d‟um senado vitalicio, causa permanente de desordem e apenas quiz applicar um remedio constitucional interpretando o artigo 61 da constituição e tornando a fusão requerida pela cama [sic] dos deputados obrigatoria para o senado que ficará absorvido pela camara.

160 É a opinião do nobre deputado e minha tambem, mas este argumento de que vale depois que o proprio senado declarou que não é obrigatoria, a fusão, e que depende da sua vontade? não havendo poder superior que o constranja a mudar de opinião, todos os males ficam subsistindo e não ha meio nenhum de sanal-os. Tem havido, Sr. presidente, senados vitalicios: e ainda ha, ou com o nome de senado ou camara de pares, ou outro semelhante, mas em quasi todos, ha um meio de attenuar os males resultantes desse absurdo; alguns como os de Portugal e Hespanha se corrigem por um meio ainda mais perigoso qual o dessa enchurrada de senadores ou de Pares que os reis ou ministros arremessam de um dia para outro a fim de poderem fazer passar as suas medidas; ha e tem havido senados que não tem bastantes attribuições e ficam n‟uma posição subalterna como era o senado de Sparta diante dos Ephoros, e dos reis; outros ainda que poderosissimos tem um freio, como era o senado de Roma cujos abusos tinham um correctivo no poder do censor que expulsava do senado o cidadão que não sabia cumprio o seu dever e não era digno daquelle lugar. Nos Estados Unidos dura 6 annos o mandato dos senadores e essa camara tem até hoje apresentado os homens mais dignos e illustrados da União. Mas entre nós aonde não ha meio algum de garantir a moralidade o senador pode ser indigno á sua vontade, sua cadeira é perpetua, seu poder é vitalicio, e d‟ahi resulta, Sr. presidente, o que tem succedido no nosso paiz; grande numero das cadeiras senatoriaes que deviam ser occupadas por homens de serviços, de intelligencia, de moral e de conceito tem sido dadas a homens incapazes; e os poucos com raras mas honrosas excepções, que tem intelligencia, e capacidade tem-se assenhoreado da vontade dos outros e tem constituido o que se chama entre nós “a oligarchia”... O Sr. Mendonça: – São filhos das urnas. O SR. SILVEIRA MARTINS: – As urnas nem sempre fallam a verdade, o poder tem muitos meios de seducção e de influencia; e quando os povos não querem obedecer, quando não estão pela seducção hão de estar pelas baionetas dos soldados; e para responder ao Sr. Dr. Mendonça que me interrogou em seu primeiro discurso, direi de passagem que é esta a intervenção, que eu condemno no governo; mas não aquella de que fallou o Correio Mercantil, que apenas se limita a exprimir um desejo; parece muito natural que o ministerio deseje a eleição dos membros que hão de apoiar; com tanto que não empregue meios externos para fazer prevalecer suas idéas está dentro da constituição, onde tudo é lícito. O Sr. Mendonça: – Isso é o que tem sido condemnado. O Sr. Nascimento: – Eu não condemno o simples desejo, oque condemno são as imposições. O SR. SILVEIRA MARTINS: – É o senado, Sr. Presidente, é o conselho de Estado que tem entre nós nthronisado a oligarchia: é verdade que são os olygarchas filhos da imprensa e da tribuna; que não são descendentes de nobres famílias, porque não ha entre nós feudo; mas como começa o feudo. O olygarchia, seja muito embora de homens de talento, e até de homens de virtudes, é sempre um mal, por que ninguem pode fazer monopolio daquillo que não é seu. A olygarchia é mais perigosa nas mãos dos intelligentes; porque esses a consolidam e tornam mais dificil a emancipação popular; entre nós a moderna

161 olygarchia vae-se desmoralisando felizmente desde que os olygarchas se fizeram mercadores, e procuram os altos empregos da administração pra os darem ás filhas em dótes de casamento! Isto é verdade, e por isso a digo ao povo, a quem a devo como seu representante. Agora responderei ao nobre deputado que eu, como elle e como todos os homens honestos, qualquer que seja o seu lado politico, não defendo os desvarios do meu partido. (Apoiados) O Sr. Mendonça: – Muito bem. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, eu julgo que os liberaes não são impeccaveis, que são como os outros homens feitos de barro quebradiço, mas não lhes acho um crime em não terem reformado a lei de 3 de dezembro n‟esse decantado periodo de cinco annos. Com o senado vitalicio, de tal modo formidavel que até chegou a repellir os senadores escolhidos pelo imperador; que podiam fazer os liberaes sem força, e sem prestigio? O Sr. Hemeterio: – Nesse ponto não posso acompanhar o nobre deputado; esses foram impostos pelas baionetas, (Trocam-se mais apartes.) O SR. SILVEIRA MARTINS: – Ja vejo que era nesse tempo que o nobre deputado servia debaixo das ordens do celebre José Pedro. (Risadas) Os conservadores tiveram a habilidade de monopolisar os lugares do senado, para os olygarchas; faziam listas triplices, em que se escrevia o nome do candidato, futuro senador, e mais dous na phrase technica duas cunhas, que era para ser eleito aquelle e illudir-se o direito de escolha do Monarcha; donde resultava que em regra era escolhido o filho da olygarchia, por que os outros eram nullidades que não lhe faziam frente, e quando uma determinação positiva do monarcha podesse preferir ao intelligente a cunha ia ella sempre servir os amigos, e assegurar o dominio dos outros. Eu não defendo, Sr. Presidente, o partido liberal da interpretação que deu a lei sobre o rendimento do eleitor, isto é; que devia ser em prata; porque se a mais alta expressão das idéas liberaes sobre votação é o suffragio universal, claro fica que nunca póde ser idéa liberal a elevação do censo, porque a proporção que se eleva o censo diminue-se o numero de votantes. O Sr. Barcellos: – Era a intelligencia da constituição. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Mas eu o desculpo, porque a sua intelligencia de lei foi a intelligencia que todos os jurisconsultos então davam, muito embora eu entenda que a lei não podia fallar em moeda fórte ou em moeda fraca, porque é cousa que depende da baixa e da alta do cambio. O Sr. Mendonça: – Apoiado; esse é que é o principio. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Francamente digo que não adopto semelhante opinião mas acho attenuada essa falta. O Sr. Mendonça: – E não foi interpretação, foi verdadeira reforma.

162 O SR. SILVEIRA MARTINS: – Foi interpretação e sempre assim se interpretou para todos os casos em que a lei anterior á moeda papel estipulava quantia exacta, porque s‟entendia que tendo a lei sido feita n‟uma época em que regulava a moeda forte, dominando hoje a moeda fraca na razão dupla, as quantias estipuladas na lei velha deviam hoje ser pagas em dobro; assim foi que o Sr. Barros Pimentel ainda na sessão transacta propoz na camara dos deputados, que se pagasse aos deputados e senadores em vez de vinte – quarenta; em vez de trinta – sessenta mil réis, o que foi a final regeitado. O partido liberal não reformou a lei de 3 de Dezembro, para o que se apresentaram na camara vários projectos, por que não tinha meios de fazer semelhante reforma, uma vez que as leis tinham de passar pelo senado e o senado foi-lhes sempre infenso. O Sr. Mendonça: – Isso não é exacto. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Para a não reforma de lei de 3 de Dezembro ser imputavel com justiça ao partido liberal era mister que essa reforma se podesse fazer só com a adhesão e o apoio da nação, que è representada na camara dos deputados de quatro em quatro annos renovada, e não com a revisão da velhos senadores vitalicios, que pela idade já são naturalmente inclinados ao repouso, e pela vitaliciedade tem verdadeiro horror a tudo quanto é reforma: os velhos pensara que a humanidade se abastarda, e definha, lamentam sempre o passado, que foi a sua mocidade, entendem que os moços, o melhor que tem a fazer é copial-os! Os velhos tem medo do futuro que entreveem sempre com a idéa da morte, e para os jovens o futuro é o progresso, Sr. presidente, o progresso é – a reforma. Com estas idéas no senado, que ainda por demais era dirigido por homens como Bernardo Pereira de Vasconcellos, Carneiro Leão, Olinda, Mantalegre como poderia o partido liberal fazer passar a reforma d‟uma lei por esses mesmos homens fabricada e tão habilmente fabricada que fundou o seu dominio politico; que não é outra cousa mais do que a olygarchia, formando o reverso da medalha cunhada com o senado vitalicio, e o conselho d‟estado. Estes eram os dous baluartes do partido conservador; a sua influencia era balançada pelo povo, pela eleição quatriennal, mas desde que a lei de 3 de Dezembro deu as eleições ao governo, quebrou-se o equilibrio e a primeira vez que subiram os conservadores foi para fazer uma camara unanime. O Sr. Mendonça: – E para que a não fez passar na camara dos deputados? O SR. SILVEIRA MARTINS: – Para que? Para perderem o tempo na discussão improficua d‟um projeto que havia de ficar, como outros tantos, archivado na secretaria do senado! Pode bem ser, Sr. Presidente, que os liberaes impellidos pelo soffrimento, e pelas paixões politicas tivessem praser em despedaçar os seus adversarios pelos meios por estes creado para os despedaçar a elles! Se assim foi, não louvo esse procedimento, antes o censuro: d‟antemão já disse – não tenho encargo de defender homens que não são impeccaveis e que como todos tem faltas; mas faltas que nunca chegaram aos crimes de alguns presidentes conservadores do Rio de Janeiro e de outras provincias, que levavam a influencia do governo até o poder judiciario,

163 provendo elles proprios, fragmentos do poder executivo, aggravos de magistrados, usurpando assim as funcções do juiz de direito e da relação sugeitando com offensa gravissimas da constituição ao poder executivo, o judiciario! O Sr. Mendonça: – Nesse sentido, se o nobre deputado soubesse o que se tem feito, admirava-se. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Ainda tenho de responder a um ponto do discurso do nobre deputado, que não contestou o historia que eu fiz do passado e das leis conservadoras attentadorias da constituição; mas citou-nos o Exm.º Barão de Muritiba, conservador, como tendo apresentado o aviso... O Sr. Mendonça: – Decreto. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O decreto é de 6 de Julho de 1859. O Sr. Mendonça: – Eu verifiquei, é um decreto de 25 de Maio. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu, como diariamente lido com o decreto de 6 de julho de 1859, e o aviso que o esclarece de 14 de Novembro do mesmo anno por isso atrevo-me a dizer que é o decreto de 6 de Julho, sem ter a pretenção de me não enganar. O Sr. Barcellos: – É a mesma cousa – o decreto de 25 de Maio trata da formação da culpa. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Mas o nobre deputado fallou em sentenças, e a formação da culpa dá na pronuncia que é um despacho; o decreto de 6 de Julho que trata das sentenças finaes dos processos summarios; porem decreto de 25 de Maio, ou de 6 de Julho a disposição é a mesmissima quanto a parte da maior, ou menor demora da decisão do juiz – O cod. do processo diz – no artigo 148 que a formação da culpa ao réo preso não excederá o termo de 8 dias depois da entrada na prisão, e no artigo 210 diz que o juiz nos processos summarios dará a sentença na mesma audiencia da formação do processo, ou quando muito na seguinte – Os decretos de 25 de Maio, e 6 de Julho de 1859 ordenam o 1º que o juiz declare no despacho de pronuncia o motivo porque excedeu o praso dos 8 dias: o 2º que a sentença nunca poderá passar da 2ª audiencia depois de concluido o processo, devendo o juiz declarar o motivo porque não findou o processo na 1ª audiencia, o que sò será justificavel por impedimento invencivel. O Sr. Mendonça: – Olhe que eu não disse que o Sr. Barão de Muritiba tinha creado legilação nova; disse que tinha garantido a liberdade individual para execução do artigo que o nobre deputado acaba de citar. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu vou mostrar a V. Exa. que elle nada garantia; Deo-se um conflito entre um juiz municipal do Rio de Janeiro e o Dr. Venancio José Lisboa, juiz de direito da 2ª vara criminal, que tinha por principio annullar todos os processos que passassem da 2ª audiencia e não admittia as partes a produzirem mais testemunhas do que as cinco marcadas na lei para formação de culpa nos processos em que cabe procedimento official de justiça. Esta questão foi levada ao governo, que sobre ella ouvio o conselho do estado. A doutrina de juiz de direito era excessiva, por que um processo não pode

164 ser anullado senão por faltas essenciaes ou nos casos em que a lei profere terminantemente nullidade; a demora do processo além da 2ª audiencia, não constitue nullidade; de mais o juizo era plenario, não era processo de formação de culpa portanto o juiz não podia obstar que as partes apresentassem mais de cinco testemunhas. O sr. Barão de Muritiba por isso mandou aquelle decreto decidindo a questão e ao mesmo tempo ordenou o cumprimento de uma disposição terminante da lei, que só faz uma excepção quando há acumulação de trabalho; ora se esta é a unica excepção claro fica que assim que o processo não seja concluido dentro dos 8 dias da lei entendido ficava que houve agglomeração de trabalho; a declaração da sentença nada melhorou por que é fácil allegar-se por escripto aquillo que dantes se deprehendia; bem sei que o espirito do illustre ministro foi tornar real a garantia de liberdade da lei; porem a execução das leis é o dever de todos os governos. Portanto, Sr. Presidente, eu em nenhum destes decretos vejo motivo para que se apresentem os conservadores como homens reformadores e muito menos reformadores liberaes. Devo porem como homenagem a verdade dizer que esse distincto cidadão o Sr. Barão de Muritiba, com quem tenho a honra d‟entreter relações íntimas de amizade é um zeloso cumpridor da lei, em até no seu ministerio da justiça consultou-me, como juiz que eu era, e convidou-me a apresentar as necessidades que eu na minha pratica de magistrado tivesse encontrado para que elle as examinasse e provesse conforme melhor lhe parecesse nessa occasião recordo-me que lhe propuz a reforma do art. de lei que manda entrar o réo prezo, já condemnado, em cumprimento da sentença, apezar de ter interposto recurso para a relação, d‟onde muitas vezes resulta cumprir um homem trez ou quatro mezes de prisão com trabalho, ver sua barba e cabeça rapada, seu nome substituido pelo numero do galé, e depois o tribunal declara o innocente de culpa e pena. (Continúa).

Discurso proferido na Sessão em 10 de abril de 1863 (continuação)

Publicado no Jornal O Mercantil, em 12 de junho de 1863 (continuação do número antecedente).

O SR. SILVEIRA MARTINS: – (Continuando): Nas expansões da amizade tive a velleidade de pretender insinuar-lhe a reforma da lei de 3 de Dezembro, elle respondeu-me que não tinha meios de a fazer passar e que não reconhecia necessidade d‟uma reforma dessa lei, que tão somente de retoques precisava segundo seu modo de ver. Ainda ha pouco, Sr. presidente, fiz ver ao Sr. Sayão Lobato, quando ministro da justiça a necessidade do promotor publico assistir sempre aos processos, e julgamentos dos crimes em que cabe procedimento oficial, e essa falta deu lugar no Rio de Janeiro a uma escandalosa fraude no jury, sendo eu mesmo o presidente do

165 tribunal; um autor em crime inafiançavel transigio com a parte, recebeu dinheiro e representou-se uma farça deixando-se o autor vencer quasi sem accusar; eu descobri a fraude, mas o tribunal da relação não lhe deu remedio algum porque não quiz; o escandalo consummou-se. O Sr. Sayão attendeu o que lhe representei e no seu relatório propõe essa medida, mas por ventura merecerá por isso o titulo de reformador liberal? Serão estas as grandes reformas do partido conservador brasileiro, que mereceram do nobre deputado a pomposa citação de Guizot que diz que todos os partidos fazem promessas mas só os conservadores as cumprem? A julgar pelos resultados, Sr. Presidente, cumpre confessar que o Sr. Guizot, por maior parte que fosse sua grande intelligencia, foi muito desastrado nas suas reformas, senão foi o seu emperramento que lhe deu a quéda. Quanto a Roberto Peel, eu peço licença ao nobre deputado para dizer que S.Ex. s‟engana quando faz Robert Peel conservador, o Robert Peel reformista foi liberal em manifesta opposição com os conservodores, tanto que sendo representante da universidade d‟Oxford, cujo filho era, revogou-lhe esta o mandato, pois S. Ex. bem sabe que essa universidade conserva viva a tradição da intelerancia religiosa, e é o symbolo da conservação das velhas usanças inglezas. Essa reforma a que se liga o nome de Robert Peel é o grande resultado, é o triumpho, e a gloria da iniciativa individual de Cobden do seus illustres companheiros Brighte Fox, e da grande influencia das associações na Inglaterra. Todos asbem que os direitos pesados sobre os cereaes estrangeiros foi que suggerio a grande ideia da liga, que em suas sabias, e profundas discussões tem esclarecido tantos pontos de sciencia economica. O illustre Robert Peel quando se poz a frente da reforma declarou em pleno parlamento no meio de applausos geraes que o verdadeiro autor dessa celebre reforma não era elle, era Richard Cobden, o chefe da liga. O Sr. Mendonça: – Nem os grandes homens precisam tirar gloria de ninguém. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sem duvida nenhuma, mas Cobden não é um homem vulgar, e a execução das ideias de Cobden talvez seja o mais bello titulo de Roberto Peel á gratidão da inglaterra. O Sr. Mendonça: – Mas era e sempre foi Robert Peel. O SR. SILVEIRA MARTINS: – E nem podia deixar de o ser; muitos perversos do mundo não deixam de ser grandes homens, e nem por isso a sua memoria deixa de ser tambem execrada! O Sr. Mendonça: – Era Robert Peel com sua opinião. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Mas o Robert Peel á frente dos Torys não foi, não seria de certo o Robert Peel abençoado pelo povo da Inglaterra, por lhe ter matado a fome devoradora! Os Torys fizeram-lhe uma opposição atrocissima, e retiraram-lhe a sua confiança, e seu mandato.

166 O Sr. Mendonça: – Isso era uma questão de interesses, uns e outros defendiam a reforma de fundados em certa ordem de interesses. O Sr. Neri: – O que é certo é que existe ainda um partido em Inglaterra que se chama Peel. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, o nobre deputado concordou commigo em principio na soberania do povo; o nobre deputado não podia deixar de concordar, quando um artigo terminante da constituição do imperio diz – que todos os poderes são delegados da nação. Mas, Sr. presidente, a ideia de soberania é complexa; eu vou decompol-a em suas partes, analysal-a em seus elementos, para tirar po conclusão que o nobre deputado repelle, o suffragio universal, e o direito de revolução! A soberania, Sr. presidente, é a independencia de tudo e de todos; e n‟este sentido só Deos é verdadeiramente soberano, porque só elle é independente do seu Creador, que o organisou d‟um modo especial, que deu-lhe leis eternas, como são as leis da verdade, as leis do justo, as leis do bello, que formam como que a essencia do homem, que por mais que imagine que um acto não é bom, que um facto não é verdadeiro e que uma cousa não é bella, esse acto não é menos bom, esse facto não é menos verdadeiro, essa cousa não é menos bella; e o que é mais a consciência lhe brada o contrario porque essas qualidades não são dependentes da vontade dos homens: mas se o homem não tem a soberania absoluta de Deos, tem a sobrania relativa que consiste na independencia de todos os seus semelhantes, porque elle conhece que nem elles são instrumentos do seu poder, nem elle é instrumento do poder alheio. Da independencia do indivíduo resulta a idéa do pode rque elle tem sobre si mesmo; a idéa da sua soberania; e portanto a da soberania da sociedade, que não é mais do que a agglomeração de indivíduos da mesma especie, iguaes em seus direitos porque os direitos naturaes derivam da naturesa do ser e onde a naturesa é a mesma, ha igualdade de direitos. Da soberania universal resulta para a soberania collectiva, a soberania do povo; é como se imaginasse a sociedade, a collectibilidade dos homens como um só corpo, cujas moleculas são os indivíduos, e a força de cohesão que as liga entre si é o interesse geral de todos que compõe o corpo. A lei da vontade é portanto que liga os homens em sociedade que não póde ter outro fim legitimo que não seja o bem geral de todos pela garantia dos direitos de cada um; mas como a sociedade não poderia por si exercitar como governo os seus direitos soberanos delega-os á um ou á alguns e organisa-se assim o governo, cuja missão primordial é manter a justiça fazendo que cada membro da sociedade gose amplo dos seus direitos em todas as manifestações externas, evitando as invasões, e as violencias da parte dos outros membros, e punindo-as quando infelizmente tiverem lugar. Mas ha direitos, Sr. Presidente, que importam para o homem deveres, que não podem ser delegados, porque fazem a essencia, a propria base do ser; o homem não pôde alheiar a sua liberdade, como não pode esquivar-se ao cumprimento do dever divino de conservar-se a si mesmo.

167 Assim é o poder social limitado pela liberdade individual, que esse poder deve manter, e respeitar. D‟estes principios, Sr. presidente, se deduzem duas conclusões immediatas; a primeira, todos os membros da sociedade, todos os homens que são, como já demonstrei, em si soberanos, devem concorrer para a organisação do Estado, para a delegação da soberania sob pena de haver um soberano violentado, um direito desattendido, uma injustiça consummada, um cidadão degradado! Mas como se manifesta a vontade universal de todos os cidadãos na organisação do Estado, na direcção, e governo da sociedade? Pela suffragio de todos, ou o que é a mesma cousa pelo suffragio universal. Se a soberania de todos vem da soberania de cada um, o poder social para ser legitimo deve provir da delegação de cada um, é isto o que se chama suffragio universal, e V. Ex., Sr. presidente, bem vê que é consequencia legitima do principio de soberania do povo acceito pelo nobre deputado e lançado na constituição do Imperio – Quem crê na soberania do povo não pode querer, sem inconsequencia, a elevação do censo. Ninguém por suffragio universal entenda a votação universal de crianças, mulheres e homens; não é preciso dizer que em actividade politica só se consideram os cidadãos capazes pela idade, e pela propria soberania; assim naturalmente ficam excluidos os mendigos que abdicaram a sua independencia tornando-se cargosos á sociedade que os alimenta, e á quem por isso não podem pretender dirigir com seus votos, que symbolisam um interesse social que não tem; Entre nós não é possível tambem admittir-se a votar o exercito que é inteiramente passivo e só representa a vontade seus chefes. Em doutrina liberal, todos os cidadãos são soldados quando a patria precisa do seu concurso; não ha exercito permanente, invenção sinistra dos governo violentos, e despoticos, que a titulo de manterem a ordem, e segurança publica só se mantêm a si mesmo com prejuizo da liberdade dos povos. O governos livres a sua turno a titulo de estarem sempre preparados para a defesa arremedaram os absolutos, organisaram exercitos permanentes, e crearam assim uma ameaça constante á liberdade publica, um sorvedouro dos recursos do Estado, e arrancaram innumeros braços a industria e a producção. O nosso exercito importa-nos annualmente em doze mil contos pouco mais ou menos; se o não tivessemos eram doze mil contos, que ficariam nos cofres para serem applicados sem obras uteis, ou nas mãos dos cidadãos pela diminuição dos impostos iriam alimentar novas industrias, creando assim novas fontes de riqueza para os particulares e para o Estado. O Sr. Mendonça: – Isto é, teriamos de mais alguns dinheiro, e a paz de menos. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Teriamos de mais 20 mil pessoas que podia ser empregadas na producção e quanto não produzíssemos mais do que consomem como soldados, miseravelmente pagos, ainda assim produziriam doze mil contos, que juntos a outro tanto que deixavam de despender dos cofres somam 24 mil contos n‟um anno ou 240 mil contos no breve espaço de 10 annos!

168 Calcule-se quanta cousa se pode fazer com esse dinheiro applicado por uma boa administração! Teriamos a paz de menos, diz o nobre deputado, mas não vê que os exercitos nunca preveniram as revoluções que se tem de fazer, e que a paz obtida pelos exercitos é a paz dos cemiterios; em todos os tempos tem havido paz, tem-se administrado justiça e nem sempre houve exercitos permanentes, pura invenção dos modernos. Os povos que actualmente se podem orgulhar do seu grande exercito, não se podem orgulhar da liberdade que gosam... O Sr. Mendonça: – Ainda a poucos dias se lamentava no paiz a falta de não termos um bom exercito; isto por occasião da questão ingleza. O SR. SILVEIRA MARTINS: – E os inglezes não tem grande exercito. O Sr. Mendonça: – Mas tem marinha. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Que com outra marinha pode ser combattida, mas nunca com um exercito por mais numeroso que seja, ao passo que a Inglaterra com sua industria, e seu dinheiro pode assoldadar tropas para derrubar o grande Napoleão. Tivesemos nós muita riquesa e industria e não nos faltariam meios infinitos de defesa, artes, marinha e soldados. Ao famoso e grande exercito francez deve Napoleão 3º essa corôa imperial que o nobre deputado attribuio ao suffragio universal. O Sr. Mendonça: – Eu disse que foi legitimada pelo suffragio univesal e por oito milhões de votos. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Se foi legitimamente eleito pelo suffragio universal, é o filho da soberania do povo, e se não o foi, o nobre deputado sobe que não ha boa instituição que não possa ser falseada pelos governos, e até não ha prova mais robusta, e evidente da verdade do principio do suffragio universal do que essa aparencia que Napoleão 3º obteve por meio do seu exercito; o hypocrita rende homenagem á virtude quando occulta seus vicios e finge qualidades que não tem; os despotas rendem homenagem aos direitos do povo, quando vão suffragar-se nas urnas para se dizerem delegados da nação! Assim, pois, Sr. presidente, esse facto em nada condemna o principio; Rosas não era como pretendeu o nobre deputado filho do suffragio universal, mas da honrada sala; o principe Alfredo o era, e a Grecia com sua adquisição teria grande proveito moral e territorial; se factos destacados podessem fazer regras, as doutrinas do nobre deputado acham na historia dos abusos muito mais numerosos, e funestos exemplos. As mesmas rasões que o nobre deputado tem para em principio admittir a eleição directa o levam a professar o suffragio universal em principio; porque são um, o outro emanações logicas da soberania do povo. O nobre deputado podia combater esta doutrina pela actualidade, pela inopportunidade, preciso melhor o meu pensamento; eu não o acreditaria jamais, porem alguem talvez o acreditasse, mas negar-me isso em principio, isso é grande inconsequencia em quem é partidario da soberania do povo. (Continúa.)

169 Discurso proferido na Sessão em 10 de abril de 1863 (continuação)

Publicado no Jornal O Mercantil, em 14 de junho de 1863

O SR. SILVEIRA MARTINS: – (Continuando): – O Sr. Mendonça: – Eu respeito muito, as maiorias devidamente qualificadas, não respeito as do numero. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Então não respeita nenhuma, porque a palavra maioria é technica em politica, e sò exprime numero; então não pòde o nobre deputado admittir a soberania do povo sem grande inconsequencia de sua parte; assim é que os doutrinarios, cuja opinião o nobre deputado professa repellem a soberania do povo que é a soberaniado numere, e a substituem pelo termo ocoria bombo de soberania da razão. Seja porem como for, admitta, ou não o nobre deputado a soberania do povo, seja o nobre deputado logico, ou inconsequente, a soberania do povo è principio constitucional, e por tanto constitucional deve ser a sua immediata conclusão o suffragio universal; combata-me o nobre deputado pela opportunidade, diga que o nosso povo não está preparado para isso, eu devirjo da opinião do nobre deputado, mas em fim são modos de apreciar as cousas; mas Sr.presidente, nem o nobre deputado nem ninguém que admitta a soberania do povo pode jamais sem faltar as leis da logica, sem cahir em manifesta contradicção com os próprios principios repellir o suffragio universal, que é a mais perfeita manifestação dessa soberania em que o nobre deputado acredita! Destes principios, eu tiro ainda o direito de revolução que o nobre deputado contesta, porque não procede com logica. Desde que o povo é soberano tem a responsabilidade da liberdade, os deveres da soberania, desde que o povo delega o seu poder, essa delegação é um facto certo e determinado que constitue um contracto que não pode ser valido senão pela legitimidade do fim que é o bem social; e dahi resulta tambem a obrigação para o Estado de cumprir suas funcções, e de usar do poder delegado tão somente para o desempenho de sua missão; mas desde que elle exorbita, desde que elle faz aquillo que os poderes todos tendem a fazer que é sahir da orbita de suas attribuições; desde que não dirige mais a sociedade para o seu fim, torna-se um adversario que é preciso combater, um inimigo que é preciso derrubar até pela força que por meio della apparecem as manifestações dos direitos violados. O Sr. Mendonça: – Pode ser cohibido e tolhido peos meios constitucionaes. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Duvido muito; tem havido na historia multiplicados exemplos de Reis, de tyrannos, como Luiz XV, para quem não ha nada sagrado, para quem a honra das famílias é um brinco, e a liberdade do homem cousa inteiramente desconhecida; para esses, Sr. presidente, qual é o recurso que nos resta? Será soffrer cmo paciencia, como um frade que abandonou o seculo, que antepoz á sua actividade humana, uma beatifica humildade tornando-se ente

170 meramente pacifico e soffredor? Deverá soffrer, ou obrar da maneira porque devem obrar cidadãos digno de tal nome? Segundo este principio do nobre deputado não ha governo illegitimo; o nobre deputado não tem o direito de empregar a palavra legitimação por que a legitimação de um governo, implica dar força de direito ao reconhecimento de um facto, julgal-o bom e conforme a justiça; e então vai-se o nobre deputado lançar no principio opposto, e cahir no absurdo de admittir um direito, contra outro direito. Se não ha direito de revolução por mais unanime que seja essa legitimação nada valerá ainda quando seja a expressão verdadeira da vontade do povo. Desde que o facto se legitima é por que foi praticado em virtude d‟um principio de direito; se o direito resulta só do facto, se o facto é o direito, o direito é a força para o nobre deputado e ainda aqui o nobre deputado está em contradicção com seus principios, pois d‟aqui resulta que a revolução vencedora é o direito. Como pois o nobre deputado nega o direito de revolução? Sem duvida, que o direito não é força, como conclui das proposições do nobre deputado, mas manifesta-se muitas vezes pela força, que é o seu caracter. Luiz Felippe, Carlos X, exorbitam em suas funcções reaes o povo oppõe, primeiro uma resistencia passiva depois activa, finalmente ao governo uma revolução; o governo quer debellar o que para elle é uma anarchia o povo quer derrubar o que para elle é um despotismo. Quem tem rasão? Os governos em luta com os povos, como as nações em guerra entre si não tem superiores, e nesse caso decide a força, a espada, e a metralha. O Sr. Mendonça: – Na sua demonstração, foi obrigado á conclusão, de que o direito é a força. É a ultima expressão. O Sr. Avila: – Que força é a garantia do direito. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Então o nobre deputado não me comprehendeu. O direito não é a força, mas a todo o direito é inherente a força; o nobre deputado nas relações triviaes da vida, se tiver um devedor remisso, vai demandal-o, vai penhorar seus bens, vai pagar-se por intermedio do Juiz, que é a autoridade publica, que é a força; mas se o nobre deputado não tivesse a justiça para garantil-o ver-se-hia obrigado a garantir pela propria força, assim como se defende do ataque inopinado de que a lei, e a autoridade não o pode livrar. O Sr. Mendonça: – Então, as revoluções que abortam por que são punidas? O SR. SILVEIRA MARTINS: – Ahi está o nobre deputado com o principio de força... O Sr. Mendonça: – Eu não admito o direito. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não tem rasão para isso; as revoluções são punidas pelos governos triumphantes, pela mesma rasão que as revoluções triumphantes punem os governos que derrubam. Emfim, Sr. presidente, o nobre deputado ora faz sahir do facto o direito, indentifica-os, e se é consequente deve concluir o facto da revolução para a sua legitimidade; nega aos povos o direito de se revolucionarem contra o despota que os mandar enforcar ou espingardear sem processo, e a puro arbitrio... O Sr. Mendonça: – Isso, é meio revolucionario.

171 O SR. SILVEIRA MARTINS: – Então o nobre deputado aceita o direito de revolução para remediar estes males... O Sr. Mendonça: – Eu acceito ou admitto o direito reconhecido, prescripto, não admitto a vontade de ninguém, isto é de um homem, ou de muitos fazendo direito. O SR. SILVEIRA MARTINS: – A fé que o não comprehendo. O nobre deputado não nega aos povos opprimidos o direito de derrubarem o poder que os opprime; po que esse poder, como agora nos acaba de dizer, emprega meios revolucionarios; eu concluo d‟aqui que o nobre deputado admitte o direito de revolução, o nobre deputado contesta-me; volta de novo a outra ponta do dilemma, e concluo então que o nobre deputado aceita que os cidadãos se devem deixar enforcar, espingardear, açoutar, roubar; o nobre deputado contesta-me de novo: Srs. uma de duas; ou há o dever de obdecer, que torna os homens machinas, e instrumentos da vontade do despota, que é um verdadeiro senhor d‟escrevos; d‟um lado é a soberania do povo, é a delegação do poder, d‟outro lado é a soberania do despota, é o direito divino; o nobre deputado por uma inconsequencia sem nome, admitte os principios d‟um, as consequencias de outro; duas cousas que se repugnam entre si. O nobre deputado refutou o direito de revolução com o tenebroso, com o terror, com o medo, e disse-nos quem oide dizer onde vae parar o rio que se despenha dos cerros, a padra que rola da montanha? As leis da phisica responder immediatamente, que as aguas procuram os lugares mais baixos, e por isso tendem todas para o oceano, que a pedra como toda a materia é em si inerte, se move impellida por força externa, que a impulsão diminue na relação da resistencia que encontra, e onde a impulsão por nulla, ou como technicamente dizem os mathematicos, onde a impulsão por zero, ahi manifesta-se inercia natural, a materia, ahi repousa, ahi pára. O Sr. Mendonça: – Prescindindo da elegancia da phrase do nobre deputado, o que quer dizer é, que vai para o baixo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Vá para onde fôr, vai procurar a ordem, vai em virtude d‟uma lei providencial. As nações tambem estão sujeitas a leis providenciaes, Luiz XVI, foi á guilhotina, a republica succedeu o imperio, á Napoleão Luiz XVIII, á este, Carlos X, á Carlos X Luiz Felippe, depois novamente a republica, e ainda de novo o imperio; tem sido uma luta constante dos governos, e dos povos e quem duvida da victoria destes? As dynastias tem sido violentamente , tanto as succedidas como as successoras; mas o povo francez, a França está viva, e forte, a herança da revolução não se perdeu... O Sr. Mendonça: – Depois do diluvio, tivemos um novo mundo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – É um engano, era o mesmissimo mundo, somente estava purgado da raça amaldiçoada de Caim. Esta palavra revolução que vem como muito bem disse o nobre deputado da palavra revolvere foi empregada primieiramente pelos astronomos para exprimir a rotação dos astros porque eternamente giram em suas orbitas, e descrevem o mesmo circulo: Aristhoteles e deoius delle Vico a trouxeram para a historia e vida dos povos, ensinando em suas theorias sociaes que os povos como os astros descreviam circulos nascendo, attingindo ao Zenith, e finalmente caahindo, e desapparecendo; hoje significa cousa

172 differente é sempre o movimento geral da nação; mas tem por fim a mudança de governo ou da dynastia, a creação de nova ordem de cousas, e estabelecimento de principios novos, caso desesperado, porém único recurso que ninguém póde tirar aos heroicos polacos, e aos povos que soffrem! A revolução madura é a ordem, é o progresso, é a justiça, é a harmonia, é a bellesa; a ordem não é a immobilidade do cahos, é antes a revolução divina, arrancando do amalgama universal de todas as cousas, a luz, os astros, as aves, os peixes, os tanimaes, o homem! No entanto que disso o nobre deputado nos fez um quadro atroz figurando-nos o pai contra o filho, o filho contra o pai, mas porventura é isso proveniente da revolução? Ninguem o dirá; são factos sem duvida que as vezes apparecem, mas nada tem com a revolução, são antes filhos da differença de idéas, que existem sempre independente de revolução, e só pela opposição de interesses. Ninguem approva o barbara virtude de Brutus fazendo cahir sobre a cerviz de seus filhos a machadinha do Licor porque elles machinavam contra a patria em favor de uma família proscripta. Mas tambem é verdade que se todos os homens tem relação de familia, estas relações individuaes devem ceder o passo aos interesses vitaes da patria, que é a grande sociedade de que é membro... O Sr. Mendonça: – Começando por ser da familia. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Naturalmente, e talvez seja essa a rasão porque os conservadores, não digo bem, a oligarchia é tão amiga dos filhos em prejuiso da nação... O Sr. Mendonça: – O nobre deputado sabe em que sentido eu fallo; a familia é a base da sociedade, se a familia é despresada os direitos da sociedade são especulação. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Aqui não ha despreso de familia ninguém a aprecia, nem tem razão de aprecia-la tanto como eu, faz-se apenas uma comparação de deveres considerando-se o bom individual de um só, e o bem geral da patria inteira; o verdadeiro cidadão deve sacrificar-se pelo bem publico dos seus concidadãos, e a humanidade não tem sido tão escassa de nobres exemplos que a historia não os apresente em grande numero; o nobre deputado sabe que até Codro que devia ser tão amigo de si como rei que era de Athenas sacrificou-se para que os athenienses ficassem vencedores, muitos outros homens tem havido que com praser sacrificaram os interesses próprios, a propria vida, á honra e gloria da patria, amando aliás muitissimo á família. Sr. presidente, eu comprometti-me a provar ao nobre deputado, que nas nossas leis está escripto o direito de revolução; não cumpri a promessa na primeira vez que fallei, porqu escapou-me no ardor da discussão, faço-o hoje: o codigo criminal, Sr. presidente, não pune o acto criminoso praticado em propria defesa... O Sr. Mendonça: – Mas obriga a justificação. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sem duvida, para provar que foi em defensa, para verificar a hypothese, do contrario todos os crimes seriam absolvidos, se para isso bastasse simples allegação de defesa legitima. O homem nem sempre tem perto de si o poder da sociedade para o defender de um ataque imprevisto, que receba o então defende se por si; elle não

173 tem este direito da sociedade, tem-no de Deos; é o direito qu têm os próprios animaes, e que o exercem instinctivamente. O Sr. Mendonça: – Eu preciso e essa è a minha theoria a respeito de revoluções; podem ser justificadas depois mas antes são crimes punidos pelo codigo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não ha crimes justificaveis senão os que se commettem por força de um direito, logo admitte o nobre deputado o direito de revolução. O homem tem o direito de defesa, e esse direito vai até aonde póde ir o ataque, se o ataque póde ir até privar da vida do cidadão, o cidadão tem o direito de matar seu agressor, defendendo-se muito legitimamente. Passando ao indivíduo que ataca, para a autoridade que ataca, a lei ainda consagra o direito de defesa debaixo do nome de direito de resistencia; a lei constituio crime o abuso da autoridade e justifica o cidadão ou o indivíduo que resiste á ordens illegaes, e como neste caso a agressão da autoridade póde ir até a morte do offendido, o direito do offendido póde ir tambem até á morte da autoridade... O Sr. Mendonça: – Mas a lei define o que são ordens illegaes. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Assim como a instituição define quaes são as obrigações e direito dos que governam. Passamos do indivíduo para a autoridade, passemos agora da autoridade simples, para a autoridade suprema, para o governo; se o governo violar as leis, cuja execução deve ser o primeiro a vigiar, se ferir a constituição, que è a base da legitimidade de seu poder, se aspirar á tyrannia, se em vez de protector torna-se inimigo, e aggredir, Sr. presidente, como tantas vezes nos mostra a historia, os cidadãos; o povo que é soberano tem ainda pelo direito de defesa, cujo exercicio é um dever, o direito de derrubar o governo. Foi o que se deu em 1830 com Carlos X; o primeiro ordens illegaes, typographias quebradas, cidadãos presos, d‟ahi a resistencia passiva, sem armas; a opposição despertando cada vez maior acrimonia, na proporção da maior violencia do poder; seguem-se tirou, ferimentos, mortes; a resistencia e o ataque chegam a uma verdadeira grande batalha entre o povo, e o governo; dominam as leis de guerra; o povo reclama as suas côres nacionaes, o estandarte de Jemmapes, e de Marengo, quer ver longe de si esses lizes tão funestos a liberdade a França novamente trasidos pelas baionetas extrangeiras! O resultado todos nós sabemos, cahio Carlos X e com elle a aborrecida raça do ramo mais velho dos Bourbons que até hoje expiam seus erros longe da França em exilio perpetuo. Este é o direito do povo, é o direito, é o direito que tem como soberano, é o direito q‟tem como aggredido. O nobre deputado com as suas descripções sempre imcompletas estafou no quadro os males q‟ nos podem provir das revoluções, e esqueceu-se dos immensos bens cuja fonte inesgotavel quasi sempre tem sido! Eu não desconheço, Sr. presidente, quo n‟este mundo andam d‟envolta os males, e os bens, cousas em si mesmas tão differentes, mas inseparaveis em todas as contingencias de nossa naturesa, neste mundo as revoluções, não só tem produsido mais bens do que o despotismo, têm ainda produsido muito menos males, e escandalos. Compare-se essa gloriosa, e infelizmente a mais sangrenta das revoluções, a de 1793 na França com a paz despotica dos paizes modernos em varias épocas e com a paz da mesma França antes de 1793 e vejam se os judeos roubados, persiguidos e assassinados;

174 quinhentos mil francezes expulsos da sua patria pelo seu próprio rei Luiz, o grande; os cidadãos mais intelligentes, e industriosos de Hespanha e Portugal, queimados na praça publica com suas mulheres, e seus filhos; as donzellas, a arbitrio do despota, arrebatadas a seus paes, encerradas em palacios edificados com os milhões dos povos, para cevarem a lascivia do crapoloso Luiz XV! É a atrocidade friamente calculada, é a immoralidade premiditada, é a bestialisação da especie humana, é a violação das leis humanas, e divinas! Do outro lado o que vemos? Uma irrupção momentanea, que ainda que pareça tudo alargar volta logo como as enchentes dos rios a seu leito natural; o espirito opprimido, a liberdade sopeada, os direitos desconhecidos irritam o povo, despertam suas nobres paixões, e elle em seu desespero commete os crimes, e desacatos, que ninguém ignora, e que todos desculpa como tristes fructos de longos soffrimentos; mas se na lava do volcão vae o fogo exterminador, vae tambem a cinza que renova, e fertiliza o solo; os males da revolução são de sobra compensados pelas ideias novas, que brotam, e remoçam a alma humana entorpecida! O nobre deputado a proposito do direito de revolução, que a escola liberal sustenta e que a escola conservadora combate, disse-nos, que os amigos do povo éram os que lhe fallavam a verdade, e não os que lesongeavam suas paixões. Eu lhe direi d‟esta tribuna, que nada mais faço de que acceitar as consequencias dos principios, que professa, assim como sempre e registro os principios cujas consequencias me repugnam. Dir-lhe-ei ainda que os governos, os reis e os poderosos, sempre tiveram mais meios de recompensar seus lisongeiros do que o povo; os amigos dos reis, passam sempre vida regalade, saboream os deleites do mundo; os filhos do povo, os homens da humanidade, os directores supremos das grandes revoluções andam sempre expatriado, Kossuth, Manin, e tantos heroicos filhos da Polonia, e da Hungria ahi vão pedir á terra estrangeira um abrigo, ou um tumulo, o grande tribuno Mazzini apesar de ver consolidada a unidade da Italia, a grande revolução que brotou do seu cerebro, não pode ainda repousar no solo da patria, e sua imensa cabeça encanecida no exilio! Garibaldi encarnação militar do espirito de Mazzini rejeita as offerendas dos reis, as dragonas de Marechal, condecorações de todas as especies, e até a corôa de principe para que os mais incredulos acreditem na sinceridade dos heroes da liberdade; para que ninguém possa dizer que a Italia de hoje abastardada por tanto seculos de despotismo não é capaz de renascer e de reproduzir pela liberdade, algumas patrioticas vasadas nos moldes de Fabricíus, e Cincinatus! Sim! Que é mais glorioso do que a corôa real da Inglaterra, do que a corôa imperial da França, do que a corôa mais brilhante do universo inteiro, ser o rival de Washington, o libertador de seu povo, e chama-se Giuseppe Garibaldi! (Muito bem, muito bem).

175 Discurso proferido na Sessão em 22 de novembro de 1866

O Sr. Silveira: – Sr. Presidente, se alguma vez possa achar-me embaraçado nesta tribunal é esta em que me levanto para responder ao meu illustre collega que no principio do seu discurso taxou-me de falta de generosidade, imputação que não supponho merecer de modo algum, não só porque o meu illustre collega della não carece... O Sr. Florencio: – Preciso. O Orador: – ... mas porque poderei ser accusado de tudo, porém não posso ser accusado de falta de generosidade. Estou sobre tudo acanhado, Sr. Presidente, porque a minha lealdade me obriga a repetir agora que ainda mais embaraçado me acho depois da sua explicação do que antes; parecendo-me a sua contradicção mais palpavel; e senão, V. Ex. e a casa verão pelas provas que vou apresentar. De que se trata? de aposentadoria; eu impugnei o artigo que as consigna por duas razões: a 1.ª porque sou da opinião que quer que os empregados publicos possão achar uma garantia na sua velhice, no caso de invalidade, pondo de parte a consideração de tempo, de serviço, em que se dá a invalidade. O Sr. Florencio: – Também puz de parte o tempo. O Orador: – Os dinheiros publicos são de todos e nós que aqui os gerimos só podemos applical-os ao bem publico; se houver saldos não temos por isso direito de regalar empregados; o que nos cumpre é diminuir os impostos, derrocando a contribuição nas algibeiras dos contribuintes; o estado não pôde commerciar, não pòde enthesourar, deve receber sómente o pagamento do serviço que presta; quando há saldos n‟um exercicio, o imposto cobrado foi demasiado; a regra é levar- se o saldo á conta do exercicio futuro e diminuir os impostos; o imposto por mais modico que seja, representa sempre um grnde sacrificio para os povos. O Sr. P. da Roza: – Esse é o typo. O Orador: – Esse é o typo, muito bem diz o meu illustre amigo; mas deste typo tirão-se varias conclusões com rigor mathematico e uma dellas é esta: o estado não tem direito de dar graciosamente os dinheiros publicos... O Sr. Florencio: – Está claro, nem eu disse o contrario. O Orador: – ... e deve retribuir á cada um o seu serviço. Ora, a aposentadoria concedida sómente em relação ao tempo de serviços importa uma violação flagrante desse principio, por quanto decorrido um certo numero de annos cessa o empregado de trabalhar e começa a receber o dinheiro dos cofres publicos sem prestar o serviço equivalente ao salario recebido; o que diante do typo estabelecido é uma grande injustiça; toma-se o dinheiro publico, que é a contribuição de todos, para se dar á um só; é isto uma perfeita desigualdade.... O Sr. Florencio: – Não é o que se conclue.

176 O Orador: – ... é o que na linguagem vulgar, porém graciosa, se costuma dizer – trabalhão os feios para os bonitos comerem. Sr. Presidente, o partido liberal não póde acceitar essa doutrina odiosa, que crêa uma classe previlegiada, e só admitte as aposentações para o empregado que sacrificou-se no serviço da nação, e que a nação não deve madrastamente abandonar no dia da invalidade. Eis a doutrina liberal; qual é a conclusão? a conclusão é esta em que o nobre deputado affirmou estar de accordo; por mais annos que sirva qualquer empregado, não tem direito á aposentação se não estiver invalido; de outro lado, ainda mesmo com pouco tempo de serviço, se ficou invalido por causa do serviço publico, tem direito a ser aposentado com o ordenado por inteiro. Mas, Sr. Presidente, se o nobre deputado está de accordo comigo n‟este principio, como fixa para o professor publico um praso fatal, vencido o qual o professor publico terà direito á aposentadoria? como estipula trinta annos para a aposentadoria dos outros empregados e vinte e cinco para os professores? eu não quero praso de tempo, quero impossibilidade para poder o empregado aposentar-se e vou mostrar em como o praso póde ser uma grande inconveniencia. Sr. Presidente, a nossa lei marca vinte e um annos para que qualquer cidadão possa ser professor publico; dada a hypothese muitas vezes realisada, de que o candidato obtenha uma cadeira de professor aos vinte e um annos, pelos principios do meu illustre collega, só que facto de servir vinte e cinco annos tem direito á aposentadoria. Um professor publico com 46 annos de idade póde ficar aposentado, e viver á custa dos cofres publicos; no vigor da idade é um cidadão cargoso á sociedade, em vez de ser-lhe util. O Sr. Florencio: – Se acaso ficar invalido, não é o santo ocio. O Orador: – À aposentadoria neste caso é de grande inconveniencia publica; a vantagem de tempo que a lei dá aos professores, e que o nobre deputado quer manter, não é mesmo moral, pois que desta differença de tempo tira-se conclusão desfavoravel ao professorato. O professor, pelo sua profissão de instituidor, de mestre, assume posição de sacerdote e de pai, deve ser um exemplo vivo para os seus discipulos; não deve ser só pregador de boa doutrina, e entre todas as grandes virtudes, a virtude que o professor deve mais assiduamente pregar e praticar, é a virtude do trabalho; a preguiça traz a necessidade, a necessidade géra a miseria, e a miseria o vicio e o crime; que exemplo póde dar a seus alumnos o professor que aos 46 annos deixar de trabalhar para viver no ocio outros 40? a vida dos professores não é curta, é longa... O Sr. Florencio: – É muito trabalhosa. O Orador: – ... tem como todas, os seus prós e contras; tem tambem as suas delicias, e muitos grandes homens, sem serem obrigados pela necessidade, passarão toda a sua longa vida a educar a mocidade; não ha homem de letras que não conheça, e não se curve respeitoso diante dos seus veneraveis de Platão e Aristoteles.

177 O Sr. Florencio: – Quer comparar as prelecções da sciencia com o ensino primario; a differença é muito grande. O Orador: – Não faço comparação das prelecções da sciencia com o ensino primario, e se ha differença como o nobre deputado pensa é a favor do instituidor primario: e demonstra-se facilmente esta verdade com a experiencia; e na historia o nobre deputado ha de encontrar essas escolas agitadas pelas grandes idéas de reforma, discutindo com o calor das paixões da vida publica; ha de ver os soberanos tomarem parte dos debates, o fanatismo travar do punhal, Abélard emigrar para escapar ao furor dos seus adversarios, e Ramus cahir assassinado, victima sacrificada nos altares da philosophia! O professor primario está no meio dos seus alumnos, como um pai entre os seus filhos; elle verte com facilidade nas suas almas virginaes os grandes principios que hão de dominar o futuro.... Dé-me a educação da mocidade, dizia Leibnitz – que eu mudarei a face do mundo! – E assim é! como a arma de liste determina muitas vezes o vigor da saúde do infante, o ensino primario é muitas vezes a causa dos resultados bons, ou máus nos estudos superiores: pela lei de amor, e de caridade mesmo que deve animar o verdadeiro mestre para com as criancinhas é o professor primario muito superior ao professor de sciencia. O Sr. Florencio: – Por isso muito mais difficil. O Orador: – O verdadeiro professor não é só levado pelo interesse do dinheiro; se o professorato é sacerdocio, não é a paga que deve preoccupal-o, è a doutrina. O Sr. P. da Rosa: – (rindo-se): Isso é muito bello! O Orador: – É muito bello! tem razão o nobre deputado de rir-se, e admirar-se considerando o que é entre nós o professor, mas não ha de ser a aposentadoria aos 25 annos, nem a animação do vicio que ha de promover a grande reforma. O Sr. P. da Rosa: – Nem com isto quero dizer que me opponho ao pensamento do nobre deputado. O Orador: – Nós somos, Sr. Presidente, um povo de catholicos, um povo christão, um povo em fim do seculo XIX, e são estes os preceitos da religião de Jezus Christo e da philosophia do seculo, que o nobre deputado conhece bem e bem praticaria se fosse mestre de primeiras letras. (Ha um aparte.) Assim o nobre deputado concede aposentadorias aos professores com 25 annos de serviço; o nobre deputado não faz questão de invalidade, e na idade de 46 annos ninguem é velho, muito principalmente homens que vivem educando a mocidade e que sabem, devem sempre inspirar-se nestes grandes principios que devem provocar a imitação aos seus alumnos. O Sr. Florencio: – Está me ajudando. O Orador: – Não é essa a minha intenção, não estou ajudando ao nobre deputado que quer que o professor aos 46 annos só pelo facto de ter sido professor 25, seja aposentado, e vá viver em santo ocio dos seus ordenados.

178 O Sr. Florencio: – Eu não quero que viva á custa dos cofres publicos, quero que isso aconteça quando ficar invalido. O Orador: – Mas aqui, a doutrina do meu illustre amigo é muito menos generosa do que a minha, porque se o servidor se invalida quando tiver 10 annos de serviço, porque nãolhe havemos de pagar o seu ordenado por inteiro? O soldado que fôr mutilado, ha de ter direito ao soldo por inteiro porque tem 20 annos de serviços já pagos, ou porque se invalidou no serviço publico? o soldado que fôr mutilado ao dia seguinte ao em que assentar praça não é igualmente digno da recompensa por esse serviço? O Sr. Florencio: – Não digo o contrario. O Orador: – Diz o contrario querendo fixar um tempo de 25, de 20 ou de 16 annos. O Sr. Florencio: – É apenas em relação ao ordenado. O Orador: – Mas isto em nada altera o principio, porque o professor póde não ficar invalido aos 46 annos e póde aos 60 annos ser ainda excellente professor; eu os tive dessa idade; e se ha alguma cousa que vantajosa seja á educação, é sem duvida a veneração pela idade, que por tal modifica e modera os homens: não é estranho vêr homens perdidos em sua mocidade e que na velhice tem-se tornado bons e excellentes educadores da juventude. Eu pedi a palavra, Sr. Presidente, para mostrar a contradicção do nobre deputado; se o nobre deputado apresentar o principio da invalidade, o nobre deputado não póde fixar um praso para a jubilação dos professores; se o nobre deputado estabelece a desigualdade de tempo, o nobre deputado não segue o principio da invalidade. O Sr. Florencio: – Não é assim. O Orador: – Mas como então quer que os professores se possão aposentar aos 25 annos e os soldados hão de ficar a espera dos 30? V. Ex., Sr. Presidente, ha de ter em memoria a maneira porque nasceu esta discussão: eu impugnei o artigo com que o meu illustre collega estava de accordo; o nobre deputado levantou-se para impugnar tão sómente a questão de ordem, porque pedi a transplantação desse artigo para a lei regulamentar das aposentadorias; mas o nobre deputado pedindo a palavra esqueceu-se que já declarara que estava de accordo com os meus principios, e que só fazia questão da collocação do artigo; no entanto deixou de parte esse ponto e veio impugnar a minha doutrina sobre o artigo, com o qual aliás tinha concordado na 1ª vez que fallou. O que é claro é que, estabelecido o principio de invalidade, não se deve regular a aposentadoria pelos annos de serviço. O Sr. Florencio: – Mas pelo ordenado a dar. O Orador: – O ordenado deve ser o mesmo. O Sr. Florencio: – Não póde ser o mesmo.

179 O Orador: – Não senhor, deve ser o mesmo, isto é a verdadeira igualdade, a verdadeira justiça: se se dá o ordenado porque o cidadão se invalidou no serviço da provincia, como o que serviu muitos annos não serviu de graça, e está pago aquelle que serviu um anno e se invalidou, está no pè de igualdade daquelle que se invalidou depois de 20; se ha alguma differença é em favor dos mais infelizes, que por certo não são os que servirão maior numero de annos, robustos e validos, ao passos que os outros por sua infelicidade em menos tempo se invalidarão. (Trocão-se varios apartes.) A lei vigente estabelece segundo me lembra, que depois de certo numero de annos de serviço, o empregado póde aposentar-se com ordenado por inteiro. Eu acho a lei imperfeita, pois lança principios, que ella mesmo fére em quasi todas as suas proprias disposições. A lei, por exemplo, estabelece o principio de invalidade e nessa conformidade não póde admittir duas aposentadorias o que aliás expressamente prohibe, mas que immediatamente viola. Diz mais abaixo que se o empregado provincial tiver tempo para a sua aposentadoria e já <> terá direito á metade do ordenado; de maneira que esta lei que estabelece o principio de invalidade e que positivamente prohibe que o empregado possa accumular duas aposentações, é o mesmo que lhe dá metade de uma 2ª aposentação e viola o principio de invalidade! A lei é defeituosa. O meu illustre collega o Sr. Dr. Bittencourt disse que eu ignorava o historico dessa lei; talvez que ignore, mas o que digo é que não havia pressa de fazei-a, nem curava ella uma necessidade tão urgente; se era de justiça, de justiça são outras muitas que ainda carecemos. Se alguem havia que impedisse a passagem da lei sem as clausulas que a deturpão, era preferivel não a fazer, e deixar cahir o projecto. Sr. Presidente, pela lei vigente contão-se nos annos de serviço os serviços geraes, os serviços municipaes, e até serviços da guarda nacional! de maneira que quasi que não ha cidadão que não possa ter direito á aposentadoria com ordenado por inteiro, uma vez que seja 4 annos empregado provincial; pois sendo todos os cidadãos obrigados ao serviço da guarda nacional que começa a ser prestado aos 18 annos, em muito pouco tempo de emprego podem preencher o numero de annos necessarios pela lei para a aposentadoria com ordenado integral. Admitido, Sr. Presidente, o principio da invalidade, não se deve fazer distincção entre os serviços publicos; serviço publico é sempre necessario e embora hajão differenças de cathegorias, deve para a aposentadoria ser julgado pela maneira porque é desempenhado e não pela natureza do serviço. O Sr. Florencio: – Conforme a necessidade de serviço. O Orador: – Não é esta disposição que ha de attrahir para as escolas os grandes professores: as razões que apresenta o nobre deputado serão sufficientes para propôr um augmento de ordenado, mas não para autorisar aposentadorias. O Sr. Florencio dá um aparte.

180 O Orador: – Sr. Presidente, se o nobre deputado está de accordo commigo quanto ao principio de invalidade, como quer dar aos professores aposentadoria aos 25 annos, e aos outros empregados aos 30? É preciso que se note que nòs damos instrucção gratuita, porque a constituição nos manda dar; é isso uma protecção aos cidadãos, mas não aos mestres de escola, como o nobre deputado suppõe. O Sr. Florencio: – É porque é uma necessidade. O Orador: – Não é só porque é uma necessidade sentida por todos os paizes e quasi nenhum a dá. O Sr. Florencio: – Segue-se que não a comprehendem. O Orador: – Comprehendem-na perfeitamente, mas nem todas as necessidades podem ser satisfeitas; porem o que é certo é que entrando a educação dos filhos nos deveres paternaes, naturalmente aos pais compete educar seus filhos. Como a profissão não é tão incommoda e trabalhosa como o nobre deputado pretende, pois apezar das escolas publicas em todas as nossas villas e cidades, estão cheias de escolas particulares que muito vantajosamente concorrem com as publicas. O Sr. Florencio: – Porque as particulares pagão melhor. O Orador: – Não é a razão: è porque as particulares são em regra melhores do que as publicas, porque é bem patente que por mais rico que seja um pai não tem interesse em pagar a escola de seu filho; se ha pois razão de preferencia dá-se em favor da escola publica, porque alem de mais é pela constituição gratuita. Corrão-se as aulas publicas da provincia e ver-se-hão muitas vezes as escolas publicas vazias e as particulares cheias, sem outro motivo que não seja o da capacidade do professor; e não é porque o salario do professor publico seja diminuto, pois muitas vezes o professor publico come o salario sem prestar trabalho; e o professor particular que trabalha para viver recebe de seus discipulos salario inferior ao que recebe no ocio o professor publico: e senão, vejamos as escolas das colonias allemãs... O Sr. Florencio: – Ahi a razão especial é o espirito de congregação. O Orador: – Não é o espirito de congregação, e sim os grandes principios de que o professorato é um sacerdocio; porque ali o professor é respeitado, tem posição de amigo e de conselheiro dos seus parochianos; é o conceito publico que lhe dá os costumes tradiccionaes dos allemães, é a consideração de todos aquelles que o cercão: o professor publico entre nós vale pouco, porque esse emprego em geral não é procurado por vocação, mas como um meio de vida. O Sr. Florencio: – A independencia deve ser a qualidade especial de sua posição. O Orador: – Fallemos francamente: a maneira porque os professores publicos recebem dos cofres um salario que o seu serviço não vale; não é por tanto a miseria da paga que faz que não hajão professores. O meu illustre collega, bem longe de provar que eu não tinha comprehendido a sua argumentação, não fez mais do que persuadir-me que apreciei

181 devidamente as suas opiniões, quando affirmei que não ha harmonia entre os principios que o nobre deputado admitte e a conclusão que tirei. (Muito bem.)

Discurso proferido na 3ª Sessão Ordinária em 13 de março de 1874

O SR. DR. S. MARTINS: – Não pedi a palavra, Sr. presidente, para impugnar a conclusão final do parecer que remette o supplicante para o poder executivo; mas para explicar o voto que tenho de dar. Com effeito, desde que existe uma lei que regula as aposentadorias dos empregados provinciaes, ao presidente se devem dirigir aquelles que se julgarem com direito ao beneficio da lei. Não posso, porém, admittir que se consagre no parecer – que se a assempléa provincial é incompetente para conceder aposentadoria. Que o não é, torna-se evidente considerando-se que 2 lei reguladora das aposentadorias autorisa os presidentes a aposentar, sujeitando, porém, o acto à approvação da assembléa. D‟aqui conclue-se que á assembléa cabe a ultima palavra sobre a materia. Não se lhe póde, portanto, negar competencia, como faz o parecer, para decretar aposentadorias. O que não lhe compete é, apenas, a iniciativa na applicação da lei aos casos occorrentes Mas, uma vez applicada a lei pela presidencia, a assembléa tem ampla jurisdicção para decidir a questão em grau de recurso, que é necessario no caso de concessão, que a lei tornou dependente de approvação, ou voluntaria, a requerimento do empregado, se pelo pode administrativo lhe foi negada justiça. Tem sido sempre assim entendida e praticada a lei; e não há muito que a presidencia remetteu para a assembléa provincial o requerimento de um empregado da camara municipal do Rio Pardo, por entender que havia na contagem do tempo duvidas, que só a assembléa podia solver. Feita esta correção, que a illustrada commissão de certos se dignará aceitar, voto pela parecer.

Discurso proferido na Sessão Ordinária em 18 de março de 1874

O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, o parecer da ilustre commisão não me parece procedente, por duas razões, uma só das quaes bastava para que não devesse se attendido, o peticionario, pela commissão; e portanto, uma só basta para para que o parecer, que defere a essa petição, não seja approvado por esta assembléa. Não é justo o requerido.

182 Este motivo era por si só sufficiente para o indeferimento, porque a base fundamental de qualquer perdido é a justiça da pretensão, ou a conveniencia geral. E quando fosse justa a supplica attendida pelo parecer, ainda este não póde ser aprovado, porque a materia é evidentemente estranha á jurisdicção desta assembléa, visto tratar-se de propriedade entre terceiros, e não ser assembléa tribunal de justiça. A assembléa provincial só poderá decidir questões de propriedade, quando administrativamente tratar da propriedade da provincia, que ella representa; mas a municipalidade é uma corporação especial, é uma individualidade, differente da pprovincia, ainda que nella contida, e das suas contendas juridicas com as partes são os tribunaes ordinarios do paiz, que decidem não nós. Vê-se do primeiro fundamento do parecer que a assembléa exorbita se o votar, pois a commissão defere o requerimenot, porque em vista do artigo 7.º do codigo de posturas da camara municipal desta cidade – os proprietarios, nas reedificações dos edificios devem avançal-os recual-os, conforme exigir o alinhamento. Mas não somos nós os competentes para applicar o direito aos casos occorrentes. E quem nos diz, que este artigo das das posturas rege este caso especial? As posturas referem-se ás ruas da cidade, mas não podem ter applicação as chacaras, as estranhas, por onde transitam os animaes, carros e todos os vehiculos. Não me parece que o artigo 7.º de uma lei modernissima possa applicar-se a hypothese em questão, especialissima, e de antiga data, mas quando podesse seria a propria camara municipal a competente para apreciar o requerimento do supplicante, e no caso de se lhe recusar fazer o direito que reclama, restava-lhe o meio ordinario de demandal-o em juizo. A nós, porém, Sr. presidente, não nos compete applicar a lei aos casos occorrentes, attribuição especial dos tribunaes de justiça, mas sim legislar, e prover administrativamente aquillo que por lei foi commettido ás assembléas provinciaes. Independente da competencia é injusta, como já disse, a pretenção de Joaquim José Ferreira Barbosa, e para proval-o basta combinar o seu requerimento com o termo por elle assignado na camara municipal. Não tenho a honra de conhecer esse Sr., não sei se é nacional ou estrangeiro; do que, porém estou convencido é que não é fim, nenhuma d‟aquellas pessoa a quem tutor, ou curador para em juizo e fóra d‟elle proteger sua fazenda, e defender os direitos de sua pessoa. Não faço, dizendo isto, superflua divagação apresento considerações muito naturaes, donde tenho de deduzir consequencias que esclarecem o pedido, comvinando-o com o termo assignado. Diz o supplicante no seu requerimento: <

183 cedesse por venda parte de uma chacara, que ahi possue... e consentindo que o supplicante avançasse com suas cercas para a frente da estrada... E mais adiante, continúa: <> Vê V. Ex. que o supplicante ao passo no requerimento allega haver sido sempre proprietario do terreno, ao mesmo tempo diz – que só por consentimento da camara avançou com sus cércas para a frente da estrada, por esse novo alinhamento. Do proprio requerimento, portanto, se deduz, que o supplicante não era proprietario do terreno, que cercou por consentimento da camara, pois se fosse não carecia de licença para exercitar um acto licito e regular na sua propriedade. Combine-se esta petição com o termo assignado: diz o supplicante no requerimento, que não pediu á camara esse alinhamento, mas do proprio termo que assignou na camara, e que juntou ao requerimento resulta que pediu o terreno, e até com condições. Desse termo, cuja certidão passada pelo secretario da camara o proprio supplicante nos ministra, consta que Joaquim José Ferreira Barbosa requereu a camara municipal tapar o terreno á ella partencente. O Sr. Pereira da Rosa: – Elle allega que essa declaração é falsa. O SR. S. MARTINS: – Mas como acreditar-se em tal falsidade, quando a prova authentica aqui a lemos por elle mesmo exhibida? O Sr. P. da Rosa: – E‟ que foi escamoteada, há dias. (Risos.) O SR. S. MARTINS: – Por isso comecei por dizer, que não o considerava nem rustico, nem sandeu, nem no caso daquelles, que a lei declara incapazes de comparecer em juiso descompanhados de tutor ou curador! A não precisar disso não é possivel aceitar-se tal defeza. Dos documentos que o supplicante juntou, vê-se que fez um requerimento previo, pedindo o terreno, e offerecendo vantagens á municipalidades; esta deferiu a pretensão, e aceitou as condições mandando que assignasse o termo requerido. Não existe no processo certidão desse requerimento, mas não é necessaria desde q‟ a integra do requerimento foi transcripta, como devia, no termo assignado. Eis a integra : <

184 mencionado terreno, quando a camara o exigir, ou a entrega-lo á mesma camara, vem por isso assignar o presente, pelo qual se obriga á referida idemnisação ou entrega, quando assim o exigir a camara.>> Neste termo assignado pelo supplicante em virtude de requerimento por elle feito á camara, reconhece-se expressamente a propriedade da camara... O Sr. C. Flores: – Por ignorancia dos seus direitos. O SR. S. MARTINS: – Tanto elle sabia que assignava, que o fez a seu requerimento, onde até menciona a extensão em palmos quadrados do terreno que cercou, abrigando-se a restituil-o á camara ou a indemnisal-o quando esta o exigisse. A questão, porém, Sr. presidente, para mim é facil de comprehender: o art. 7 das posturas da camara municipal em que se basêa o parecer, diz assim : <> O supplicante entendeu que era mais commodo ficar com o terreno da camara de graça, do que apagal-o, e que este artigo das posturas favorecia sua pretenção; por isso requereu o terreno chanado-o seu. Em todo o caso, a assembléa provincial nada tem de ver com a questão, e sim a camara municipal que, segundo diz o parecermas deve-se notar que outra camara anterior mandou intimar o supplicante para pagar fôro desse terreno. O Sr. C. Flores: – Sem direito algum, porque a camara não póde aforar terrenos. O SR. S. MARTINS: – Não importaria isso ao caso, nem alteraria em nada o valor do argumento que apresento, quando assim fosse; mas não é; o terreno é aforavel e a camara o pode fazer nos termos do arl. 12 da lei do 1.° de Outubro de 1828 desde que a autorissassemos. O Sr. C. Flores: – Mas não estava autorisada. O SR. S. MARTINS: – Muita cousa se faz sem autorisação uma vez sujeita a ratificação posterior. Isto não altera em nada a consideração que ia fazer, que è: se uma camara informou favoravelmente o requerimento do supplicante, outra longe de fazel-o, queria obrigal-o a ágar fôro, isto é, entendeu e muito vem que o terreno pertence á municipalidade e que o supplicante não deve gosal-o gratuitamente, já que não cumpriu a obrigação de indemnisar o q‟ espontaneamente contrathiu com a camara pelo termo assignado que tem valor de escriptura publica. O Sr. C. Flores: – E‟ justamente essa questão. O SR. S. MARTINS: – A questão principal, para mim, não é esta, é outra: é se a assembléa póde decretar o acto que se lhe requer: desde que a assembléa não póde fazel-o como demonstrei, o parecer é improcedente. Observarei ainda, Sr. presidente, que do facto de haver uma camara informado a favor da pretensão do supplicante ao dominio do terreno, e de outra querer que elle pegue fôros, reconhecendo o senhorio da camara, póde-se concluir, de quanta prudencia foi o legislador, que não concedeu ás camaras municipaes, cujo espirito varia com o tempos e as circunstancias, o direito de transigirem com os

185 negocios que administram, em nome do municipio; longe ser isso uma coacção, é, pelo contrario uma verdadeira garantia da liberdade do cidadãos e dos direitos das corporações, entregar aos tribunaes judiciarios a jurisdição sobre a propriedade territorial. O terreno está atombado como proprio municipal; as camaras são meramente administradoras da propriedade do municipio não são senhoras; não podem portanto doar o que lhes não pertence, nem mesmo por qualquer forma transigir. Pelas rasões que acabo de expender, sinto não poder votar pelo parecer, porque titulo de propriedade e o supplicante, que no seu actual requerimento apresentado á assembléa se pretende proprietario, mas confessa que possue o terreno em nome da camara, esta tem de seu lado o direito: e quando der-se letigio devem ventilar o direito perante o poder judiciario, e não na assembléa provincial. Voto contra o parecer.

Discurso proferido na Sessão Ordinária em 18 de março de 1874 (continuação)

O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, pedi de novo a palavra para apresentar um requerimento. Não posso deicar de admirar-me das idéas que acabou de expender o meu illustre amigo, signatario do parecer, para a assembléa – de mandar cancellar os termos que as partes assignam perante a camara municipal. O Sr. C. Flores: – Se ella concorda com isso; se não concorda, o poder judicial será o competente. O SR. MARTINS: – Veja V. Ex. a que conclusões leva o principio do nobre deputado: a assembléa póde mandar cancelar um termo se a camara municipal concorda, se ella não concorda não o póde mandar fazer. Qual é então a nossa autoridade? Sr. presidente, a autoridade perde todo o seu prestigio quando decide materias, que exorbitam da sua jurisdicção, ficando a decisão dependente da vontade ou approvação d‟aquelles que tem de cumpril-a: quando uma autoridade superior profere uma decisão a inferior cimpre sem decidil- a de novo por si. O Sr. C. Flores: – Camara ahi não autoridade, é parte. O SR. S. MARTINS: – A camara, administrativamente, está subordinada a assembléa, que para os actos da camara é fiscal e tribunal de recursos; mas por isso mesmo que aqui não se trata da corporação, mas da pessoa moral, como proprietario, ainda mais extravagante pe a conclusão do parecer que arvora a assembléa em juiz da propriedade individual de dous particulares. O Sr. C. de oliveira: – O caso é que não litiguem.

186 O SR. S. MARTINS: – Não importa; o principio de jurisdição é absoluto: não ha litigio? póde havel-o! As conciliações fazem-se perante o juiz de paz, as demandas perante os tribunaes. Na hypothese há uma questão de propriedade. O Sr. C. de Oliveira: – Não em litigio; esta é que é a questão. O SR. S. MARTINS: – O nobre deputado não foi bem inspirado, quando pôz de parte o seu tão discutincto talento para basear-se em um despacho do ex- presidente desta provincia, o Sr. Figueira de Mello. O Sr. C. de Oliveira: – Foi um argumento ad hominem. O SR. S. MARTINS: – Quem apresenta asgumento ad hominem fica sujeito ás consequencias. O nobre deputado diz-nos: o requerimento que fora feito ao presidente, depois de favoravelmente informado pela camara municipal, por este foi remettido á assembléa a quem competia ordenar o requerido; e accrescenta: que, pondo de parte os actos magistrado eminente cheio de luz, membro do Supremo Tribunal de Justiça, que não podia das despachos senão depois de sérios estudos, e madura reflexão! Nesta provincia todos os conhecem o criterio e prudencia desse magistrado, que, sendo presidente, adiou a assembléa mandando trancar as portas e depositar a chave em cima da sua mesa. (Risos.) O Sr. C. Chaves: – Ahi provou elle o que era. O SR. S. MARTINS: – Agora mesmo, depois de membro de Supremo Tribunal de Justiça, o vemos escrevendo livros e artigos nos accusando, de quem mais tarde apezar de advogado quer ser juiz a força. Deixemos o Sr. Figueira de Mello, que só podia ser trazido para confirmar a improcedencia do parecer, já que tem o raro dom de andar sempre divorciando do direito, e o do bom senso. O seu despacho não merece a honra, que conferiu-lhe o nobre deputado, tornando a assembléa competente sómente porq‟ assim o affirma aquelle ex- presidente; todavia não proferio, pois póde dizer-se que é incorrecto, e que não encerra a conclusão que tirou o nobre deputado. O ex-presidente referiu-se a lei de 1.° de Outubro de 1828, que no art. 42, dispõe: <> Ora, porque a assembléa pode dar autorisação ás camaras, não se segue, que possa decretar o cancellamento dos termos lavrados na camara, e que as possa obrigar a transigir com seus direitos.

187 Diz mais o nobre deputado, que não cabe aqui a intervenção do poder judicial porque não ha contenda; engana-se o nobre deputado; se tivesse a fortuna de merecer-lhe mais attenção, quando fallo, o nobre deputado não me responderia assim; pois comecei por tornar saliente o espirito da lei que não permitte ás municipalidades transigir. As camaras variam; V. Ex. sabe que elas representam o espirito da paiz de 4 em 4 annos conforme a eleição, e aquillo que uma camara pretende, a successora regeita. Isto é effeito da natureza propria das corporações, onde os individuos quasi não tem responsabilidade pessoal; é assim em rodos os corpos collectivos, principalmente nos que por isso são dominados, em regra, pela condescendencia, pela fraqueza para com os amigos, e pelos interesses dos partidos. Os bens municipaes ficariam sujeitos aos vai-vens eleitoraes, se não repousassem em garatias mais solidas do que a simples vontade dos membros da corporação. Essas garantias são a lei e o poder juriciario. Por isso, Sr. presidente, comecei, dizendo que a municipalidade não podia transigir; que era sabia e precidente a lei que impediu com essa prohibição a dissipação dos bens municipaes. O supplicante reclama um direito não póde ser amigavelmente reconhecido pela camara, por não poder esta conciliar-se; recorra portanto ao poder judicial, porque só este póde legitimamente julgar do merito e valor juridico do termo assignado. O nobre deputado, porém, prodiziu o original argumento de que sendo impetente o presidente, como se declarou; e a camara municipal porque não póde transigir; e o poder judicial, porque não há litigio; a conclusão é que a competencia cabe a assembléa provincial! Não preciso refutar tão peregrino raciocinio. O poder judicial é o competente para decidir a questão; a assembléa, sim, não é: a sua principal funcção é promover ao bem geral por meio de leis e resoluções, e ao vem particular dentro da orbita de suas attribuições administrativas, mas nunca resolver a questões de direito entre duas individualidades, seja muito embora uma dellas a municipalidade. Esta única razão, Sr. presidente, é sufficiente para matar a pretenção do supplicante, que, como disse, é injusta, como se vê de contradição em que se acham o termo assgnado com o requerimento agora apresentado. O requerimento que declara o terreno propriedade do supplicante, logo no principio declara, que o pretenso proprietario só levantou as cercas com consentimento da camara municipal: o termo junto, por elle assignado, prova que elle reconhece a propriedade da camara, e abrigou-se a indemnisação ou a entrega á vontade da camara. Porque há de a camara privar-se da justa indemnisação, a que tem direito? A lei que rege as municipalidades não lhes confere o direito de doar, nem ainda com autorisação da assembléa; pelo contrario, n‟um dos seus artigos diz, que não poderão perdoar, nem quitar coimas.

188 Pelo art. 42 podem comprar, vender, aforar ou trocar os bens do conselho com autorisação da assembléa, mas neste artigo não se pode comprehender a hypothese especialissima da doação, que a lei não presume nem mesmo entre os cidadãos, pelo que as sujeita á iniciação judicial, apezar de feitas por escriptura publica, exigindo o comparecimento da parte em juiso, para declarar sedoou livremente, sem constrangimento physico moral: e como o constrangimento moral póde ir até aos tribunaes, a lei nãp se satisfaz com a retificção judicial do doador, ainda manda que o juiz inquira testemunhas que tenham razão de saber a doação foi, de facto, livre, espontanea e voluntaria. Como havemos nós deferir um requerimento desta natureza quando, nem a titulo de autorisação poderiamos fazel-o? A camara, nem que entendesse que era justo ou convincente dar, não o podia fazer, porque só o proprio dono póde dar, e a camara não é proprietaria dos bens municipaes, é simplesmente administradora; os seus poderes estão sujeitos á cassação no fim do quatriennio; ella administra com responsabilidade civil e criminal, seu membros tem a desempenhar deveres de funcionarios publicos, e podem, ser processados, julgados e condemnados pelos abusos que commettem. Concluindo, Sr. presidente, direim que podendo aproveitar á parte os documentos, com que instruio a sua petição, para evitar-lhe novas despezas de certidões dos titulos e documentos, requeiro que lhe sejam devolvidos. (Muito bem.)

3.2 Oposição Política

Profa. Dra. Maria Medianeira Padoin Monica Rossato

Em relação ao estudo do contexto e à organização política da Província do Rio Grande do Sul, no século XIX, Helga Picollo23 apresentou um esquema da evolução dos partidos a partir de 1831, no contexto de definições político- partidárias com a abdicação de D. Pedro I. Nesse momento, os restauradores e os liberais se dividiam entre monarquistas (moderados) e republicanos (exaltados). No governo do primeiro regente eleito, Padre Feijó, em 1836, ocorreu a rearticulação dos grupos políticos. Os monarquistas moderados unidos a ex-restauradores constituíram o Partido Conservador, sendo conhecidos a partir de 1842 como “saquaremas”, que construíram uma hegemonia política até o renascer liberal em 186224. Em contrapartida, o Partido Liberal foi organizado integrando monarquistas exaltados, conhecidos em 1842 como “luzias”. Em 1862, os liberais se organizaram na Liga Progressista, formada por dissidentes da Conciliação e liberais históricos. A Liga, de orientação liberal, chefiou os seis gabinetes, entre 1862 a 1868. Em 1868, o Imperador organizou um novo Gabinete, chefiado por Visconde de Itaboraí, do

23 PICCOLO, 1992. 24 Ibid.

189 Partido Conservador. Frente à organização desse Gabinete Conservador, os liberais fundaram o Partido Liberal em 1869 e com o jornal A Reforma, propuseram o programa do Partido Liberal25.

No contexto da política da Conciliação a nível imperial26, no Rio Grande do Sul em 1852, uma aliança entre saquaremas e liberais resultou na formação da Liga, que constituiria a organização do Partido Conservador. Neste mesmo ano, liberais e conservadores não identificados com a Liga, organizaram a Contra Liga, que foi a matriz do Partido Liberal Progressista. Com a queda do Gabinete da Conciliação em 1859, deu-se na Província do Rio Grande do Sul a organização do Partido Liberal Histórico. Esse partido opôs-se ao Partido Liberal Progressista, liderado pelo Conde de Porto Alegre. O Partido Liberal Histórico elegeu a maioria dos representantes na Assembleia Provincial, ascendendo Felix da Cunha, Gaspar Silveira Martins, Amaro da Silveira, Timóteo Pereira da Rosa, e Davi Canabarro como líderes em oposição a Felipe Nery e Barão de Porto Alegre27. O Partido Liberal Histórico, na Província do Rio Grande do Sul, impôs-se como maioria na 12ª legislatura (1866 e 1867) desbancando o Partido Liberal Progressista, na Assembleia Provincial. Com a morte de Felix da Cunha em 1865 e a ida do General Osório à Guerra do Paraguai, Gaspar Silveira Martins passou a liderar a bancada Liberal na Assembleia Provincial28. Em 1868, o Partido Progressista e o Partido Liberal Histórico uniram-se em um mesmo partido, o Partido Liberal (histórico e progressista). A entrada de liberais progressistas no Partido Conservador provocou a cisão do Partido Conservador, favorecendo a vitória dos liberais nas eleições de 1872. A partir de então, o Partido Liberal predominou na Província até o fim do Império. O predomínio dos liberais expandiu-se à Câmara dos Deputados e Senado Federal. Já na década de 1880 acentuou-se a divisão interna dentro do Partido Liberal entre “gasparistas” e “osoristas”29.. Mais tarde, os gasparistas constituiriam o Partido Federalista e a família de Osório participaria do Partido Republicano Rio- Grandense, após 1889. Também na década de 1880, assistiu-se a organização do Partido Republicano no Rio Grande do Sul, com base no manifesto republicano de 1870, no Rio de Janeiro, fundando em 1882 o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR)30. Em sua atuação política, Gaspar Silveira Martins enquanto Deputado Provincial do Partido Liberal, realizou críticas à administração dos Gabinetes que estiveram sob comando do Partido Conservador, especialmente nas décadas de 1860 e 1870. Os Gabinetes Ministeriais que dirigiam o Império foram conservadores até 1878, quando os liberais retomaram o poder com a formação do

25 BASILE, 1990. 26 Ministério composto conjuntamente por liberais e conservadores. A direção do Ministério foi Saquarema (BASILE, 1990). 27 CARNEIRO, 2006. 28 PICCOLO, op cit. 29 A “aliança gasparista” era a ala do Partido Liberal que tinha como líder Gaspar Martins, na qual estavam presentes as ideias mais radicais do período. A cisão interna do partido em dois grupos foi decorrente da discussão da reforma eleitoral do império, em que Gaspar Silveira Martins defendia a inclusão do item referente a elegibilidade dos acatólicos enquanto Osório e demais membros do PL não aceitaram esse item proposto (PICCOLO, 1992). 30 Ibid.

190 Gabinete dirigido por João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, Gabinete no qual Gaspar Silveira Martins ocupou o cargo de Ministro da Fazenda. Sendo assim, a administração imperial sob comando do Partido Conservador, foi criticada pelo Partido Liberal, e por Gaspar Silveira Martins. Em 1862, primeiro ano como Deputado Provincial, Gaspar Silveira Martins criticou o fato de funcionários (e principalmente presidentes de província) serem nomeados pelo governo central: “O governo central nos manda quase sempre empregados que mais parecem inimigos do que autoridades; homens que nenhuma garantia offerecem ao povo e que as mais das vezes são a inspiração do patronato do Rio de Janeiro”31. Na Assembleia Provincial, em Sessão de 6 de abril de 1863, Gaspar Silveira Martins contrapôs-se às ideias do deputado Joaquim Jacinto de Mendonça, do Partido Conservador. A primeira ideia que Gaspar Silveira Martins combateu foi a afirmação do deputado Mendonça de que as Assembleias eram “corpos administrativos e acidentalmente políticos”. Assim, Silveira Martins defendeu que as atribuições das Assembleias são de caráter político, sugerindo ao deputado que esse consultasse o Ato Adicional para ver as competências das Assembleias Legislativas. Para Gaspar Silveira Martins, as Assembleias Provinciais e Geral são responsáveis pela “guarda da Constituição e das leis, pelo que podem estabelecer os mais amplos debates sobre os direitos individuaes dos cidadãos brasileiros, sobre os seus direitos políticos violados pela autoridade” podendo ainda, “suspender as garantias dos direitos individuaes do cidadão brasileiro em tempo de rebelião ou invasão de território, assim o declara o acto addicional, e por ventura não é esta uma attribuição inteiramente política?32. Nessa mesma Sessão, Gaspar Silveira Martins explanou sua fundamentação sobre progresso e conservação, para explicar a diferença entre liberais e conservadores.

Um escriptor célebre, o inglês J. Stuart Mill que nós ambos estamos habituados a consultar, fazendo a apreciação do progresso e não da conservação, diz que o progresso, é a ordem, é a conservação, e alguma cousa a mais; porém como se vê, falla do progresso e não da conservação; porque de certo nós sabemos perfeitamente que se cada passo para diante na carreira social fosse seguido da destruição do existente nenhum progresso era possível; o progresso, pois que é uma das idéias cardiaes contidas na palavra – liberal – como bandeira política, quer dizer melhoramento, aperfeiçoamento, caminhar, andar para a diante. [...]. A palavra conservação, Sr. presidente significa uma idéia inteiramente negativa de progresso senão contraditória, conservar e não quer dizer augmento, quer dizer diminuição: conservar é não augmentar nem diminuir [...]33

31 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da .... Sessão de 2 out. 1862. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do RS. 32 MARTINS, Gaspar Silveira. Discurso na Sessão de 6 de abril de 1863. Jornal O Mercantil, p. 1, 20 abr. 1863. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. 33 MARTINS, Gaspar Silveira. Discurso na Sessão de 6 de abril de 1863. Jornal O Mercantil, p. 1, 20 abr. 1863.

191 Nesse sentido, Gaspar Silveira Martins se referiu que “tem sido até hoje os conservadores os homens da centralisação, e do arrocho” considerando ainda, que o Conselho de Estado e o Senado são “baluarte da doutrina conservadora”34. Ao atribuir ao Partido Conservador a construção e aprovação de Leis e projetos centralizadores no Império, Gaspar Silveira Martins questionou o deputado Joaquim Jacinto de Mendonça, explanando:

Sr. presidente, o nobre deputado a pesar de achar muito parecidos os conservadores, e liberaes brasileiros especificou uma serie de pontos cardeaes, em que não só differem, mas até se acham em diametral opposição: consistem essas differenças de crenças, no credito publico, na vitaliciedade do senado, na eleição directa e no direito de revolução; mas não nos disse, e eu desejo saber se o nobre deputado também contesta ao povo a sua soberania?

Apesar das diferenças entre conservadores e liberais, em seus discursos, Gaspar Silveira Martins considerou necessária a existência de dois partidos políticos, o Partido Conservador e o Partido Liberal, para o funcionamento do sistema representativo imperial: “Os partidos mudam muitas vezes de nome, as idéias modificam-se e variam; mas, em sua essência, os dous grandes partidos da autoridade e da liberdade não se extinguem, porque sem eles não pode haver systema representativo, ao contrario do que alguns pensam”35. Na Assembleia Legislativa Provincial, a partir de 1872, a maioria de seus membros era composta de liberais que se debateram contra a administração conservadora da Província. Como Deputado Provincial, Gaspar Silveira Martins em 1874 criticou a administração do conservador José Carvalho de Moraes:

O Sr. Carvalho de Moraes, não sei se por ser creado no Paço Imperial, não faz caso das leis provinciaes, e executa leis que estão em vigor, realisa operações de créditos, sem respeito as leis que regem, e faz mais, srs., decreta impostos sobrecarrega a exportação da província que já não pode competir com o Estado Oriental. E para que? Para edificar no Rio Grande um cães, porque alguns ricassos daquella cidade desejam aformosear a rua onde tem seus prédios, dar-lhes mais valor; mas querem isso a custa do próprio barqueiro, e não quererão, se for preciso, que elles contribuam36.

Na Câmara dos Deputados, na Sessão 27 de dezembro de 1872, Gaspar Silveira Martins também teceu críticas ao Gabinete Imperial que governava naquele momento, chefiado pelo Partido Conservador, presidido por Rio Branco (1872- 1875), que segundo ele, era caracterizado de corrupção e fraudes. No ano seguinte, em Sessão do dia 12 de janeiro de 1873, Silveira Martins continuou fazendo críticas à política do ministério Rio Branco, se referindo às violências que estavam ocorrendo nas províncias, devido à nomeação de chefes de polícia e juízes pelo governo central. Buscando demonstrar essas violências, Silveira Martins narrou um

34 Ibid. 35 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da .... Apêndice. Sessão de 21 abr. 1874. p. 56. Localização: Memorial da Assembleia do Rio Grande do Sul. 36 MARTINS, Gaspar Silveira. Apêndice. Sessão do dia 21 de abril de 1874. Anais da Assembleia Legislativa Provincial do RS, 1874, p. 69 e 70. Memorial da Assembleia do Rio Grande do Sul.

192 fato que aconteceu em Bagé, de um estrangeiro italiano que foi assassinado por criminosos, sendo esses criminosos absolvidos e liberados, demonstrando a incompetência do chefe de polícia, delegado escolhido pelo Gabinete do momento37. Nesse sentido, a trajetória política de Gaspar Silveira Martins apresentou diferenças em seus posicionamentos políticos, especialmente nas duas primeiras décadas em que atuou como político do Partido Liberal. A atuação de Gaspar Silveira Martins na década de 1860 foi marcada por intensas críticas à organização do Estado, à vitaliciedade do Senado, à união de Estado e Igreja, entre outras. Suas ideias e projetos propostos neste período foram apresentados no seu discurso no Teatro Phenix Dramática, no Rio de Janeiro em 1869, discurso que ficou conhecido como o “Radicalismo”38.

Segundo Milena C. Costa39, na década de 1860 e 1870, a atuação política de Gaspar Silveira Martins foi marcada por críticas ao poder pessoal do Imperador e ao Partido Conservador, à centralização do Império, mencionando que o sistema representativo era uma farsa, em que a vontade da coroa prevalecia. Posteriormente, a partir da sua entrada no Ministério da Fazenda em 1878, percebeu-se em seus discursos a conservação dos princípios da autoridade, do sistema representativo e da unidade nacional em um momento de ameaça da instituição monárquica40. Por fim, a partir da década de 1870 o republicanismo havia crescido muito na Província do Rio Grande do Sul e os partidos imperiais receberam ataques frequentes do Partido Republicano. O Partido Republicano criticava a forma de governo imperial em si, ou seja, queria o fim dos partidos imperiais e por consequência o fim da Monarquia.

Discurso proferido na Sessão em 22 de novembro de 1866

O SR. SILVEIRA MARTINS: (pela ordem): – Sr. Presidente, independente do convite do meu illustre amigo, eu tenho-me abstido de tomar a palavra neste debate; e sem entrar agora na indagação, se o orador que acabou de sentar-se faltou na ordem ou fóra della, eu curvo-me á decisão de V. Ex. que para mim é sempre caso julgado, e sómente peço o mesmo direito a liberdade. O Sr. Bittencourt: – Apoiado. O Orador: – Sr. Presidente, eu não sei que temor póde impellir ao meu illustre amigo, quando se lembrou de impugnar as accusações que por ventura alguem nos possa dirigir... O Sr. P. da Rosa: – E que já nos tem sido dirigidas.

37 MARTINS, Gaspar Silveira. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão do dia 16 jan. 1873, p. 184. 38 MARTINS, Gaspar Silveira. Discurso sobre o Radicalismo. Rio de Janeiro: Typografia, 1869. Documento encontrado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. 39 COSTA, Milena Cardoso. Idéias Constitucionais de Gaspar Silveira Martins. 2001. 120 f. Dissertação (Mestrado em Direito Público) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001. 40 Ibid.

193 O Orador: – Mas se, segundo suas proprias palavras são calumniosas, em que nos podem ellas prejudicar? Por ventura, Sr. Presidente, nos devemos dirigir aqui por aquillo que de nos possão inventar nossos adversarios? O Sr. Bittencourt: – Apoiado. O Orador: – Por ventura podemos esquivar-nos ás invenções dos outros? quando cumprimos com o nosso dever, estaremos por isso livres da suas accusações? podemos estar acima dellas, o paiz nos julgará, mas não poderemos jamais embargar-lhes a voz, nem impedir as calumnias; podemos, sim, esmagal-as, e com o favor de Deus o havemos de conseguir. O Sr. Bittencourt: – Apoiado. O Orador: – Não sou da opinião do nobre deputado quando entende que nos estamos tomando o tempo de outros trabalhos e que as accusações á presidencia tem lugar mais proprio na discussão da lei do orçamento ou na de lei das forças. Se estas accusações devem ter lugar, como reconhece e declara o nobre deputado, que nos importa o dia? Se hão de fazer-se no dia em que se discutir a lei do orçamento, porque não devemos antes preferir a hora do expediente, quando por isso não nos privamos de discutir as questões importants designadas para a 2ª parte da ordem do dia? Sr. Presidente, esta assembléa deve exigir do Sr. vice-presidente o cumprimento dos seus deveres; a lei ordena-lhe que nos apresente um relatorio de todos os trabalhos da provincia e que nos preste exactas contas da sua administração, e apezar do illustre sustentaculo da presidencia, o Sr. Moraes Junior, dize-nos que na occasião em o Sr. Dr. Bittencourt se lhe apresentou perguntando pelo adiamento, o Sr. vice-presidente mandara chamar um empregado da secretaria e que este dissera que a secretaria estava occupada em copiar o relatorio, decorrerão desse tempo para cá mais de 2 mezes, e o relatorio não appareceu; de maneira que a propria defesa fornece a mais evidente prova de que o presidente da provincia foi menos verdadeiro. O Sr. M. Junior: – O relatorio veio. O Orador: – O relatorio não existe na casa; o Sr. presidente trouxe um papel manuscripto que daquelle assento (apontando para o lado direito do Sr. Presidente) leu em meia folha de papel, e declarou-nos que não tendo tido tempo para fazer o relatorio, nos offerecia o que tinha preparado para apresentar ao seu substituto; ninguem dirá que foi-nos apresentado o relatorio que a lei manda que o presidente apresente á asssembléa provincial; e se era de seu dever apresentar-nos relatorio como chefe da administração, a quem a constituição ordena, e as leis regulão em seus deveres; e se elle devia mandar para esta casa todos os contratos que houvessem na secretaria da presidencia, não o fez: o requerimento desta assembléa não importa a lembrança de um dever que elle deixou de cumprir? (apoiados); e não estaremos na ordem lembrando-lhe que não è esta a sua única falta? que tem deixado de cumprir outros deveres?

194 Eu não sou da opinião do meu illustre collega que nos pede que deixemos para outros tempos essas censuras, porque não são só interesses materiaes que são sacrificados nesta quadra de desventuras; sobretudo a liberdade dos cidadãos padece, e não devemos transigir com a iniquidade um dia, uma hora, um momento; se o innocente soffre é nossa obrigação protegel-o, como fiscaes da autoridade, que somos; Sr. Presidente, eu sou apologista dos interesses materiaes; mas esses interesses são secundarios comparados com outros; neste paiz de liberade o primeiro interesse é o direito individual, é a liberdade do cidadão. O Sr. vice-presidente tem abusado muito; que remedio senão fazer-lhe censuras? a censura já é um castigo; para um homem collocado em tão alta posição, não póde haver maior castigo que o desprestigio, que lhe provêm das accusações feitas pelos representantes da provincia; isto só é sufficiente para fazer mudar a marcha da administração, convencendo-a que ella não está acima da lei. (Apoiados.) Outro da administração nesta assemblèa aconselha-nos que não demos em homem morto. O Sr. M. Meirelles: – Para morrer, disse eu. O Orador: – É justamente por isso que lhe devemos dar; quando o homem está pra morrer é de ordinario que faz seus testamento e destribue legados aos amigos, por quem não ha de ser acompanhado á borda da sepultura, mas a quem constantemente vê em torno do leito para ser contemplado em parte da herança. (Muito bem, hilaridade.) Uma Voz: – Os desherdados reclamão com mais força. (Riso). O Orador: – Os desherdados! parece-me, Sr. Presidente, que os nossos illustres adversarios, ainda não estão satisfeitos que o governo lhes mande para aqui um verdadeiro caixeiro para agenciar seus interesses! O Sr. M. Meirelles: – Affianço que não comi no balcão. O Orador: – Não comeria milho soccado, mas houve quem comesse milho inteiro. (Hilaridade.) O Sr. M. Meirelles: – Muito apoiado. O Orador: – Neste momento os nossos concidadãos são estaqueados e preseguidos, victimas de todas as violencias, por que o Sr. vice-presidente tem sido um verdadeiro manequim ao serviço das paixões de nossos adversarios politicos. (Apoiados.) Pois se assim é, já que nos achamos aqui, não devemos trazer quanto antes á discussão esta nefasta administração antes que morra? não devemos discutir a ignominia a que temos chegado? Nesta epocha, em que se devião procurar não digo os grandes homens, já que não os temos, mas pelo menos homens graves e de criterio reconhecido, o governo do Sr. Marquez de Olinda, vai aos sertões de Goyaz desenterrar o Sr. Pereira da Cunha, depois de 20 annos ter vivido nas mattas, para ser no Rio Grande miseravel instrumento de uma facção! E é nesta época, e é nesta quadra que devemos ter considerações para com semelhante administrador? pois não basta este desastre tão infelizmente lembrado pelo nobre deputado o Sr. Dr. Moraes, não basta o sangue generoso tão

195 ineptamente derramado em Curupayti para ensinar a este governo insensato que é tempo de pôr de parte esta desgraçada politica que tem seguido, chamado para pôr na frente dos negocios publicos estes homens que ineptos esperdição todos os sacrificios que com tanta galhardia tem até hoje feito este generoso povo? Vozes: – Muito bem. O Orador: – Não ha duvida, Sr. Presidente, que a discussão tem estado na ordem; as censuras forão cabidas e devem continuar. E ainda mais, Sr. Presidente, o que importa este requerimento? O vice- presidente não cumpriu o seu dever e quem nos disse a nós que existem propostas naquella repartição? O Sr. N. de Miranda: – Elle indica isso no seu relatorio, por isso se pedem. O Orador: – Se não vierão, se não forão presentes á commissão, a commissão tem obrigação de dar parecer sobre propostas que lhe são presentes e não sobre aquellas que estiverem na secretaria e não apparecerão. (Trocão-se diversos apartos.) Não existem para a assembléa outras propostas alem daquellas que a assembléa conhece. Se a illustre commissão tem pressa de dar parecer, póde dal-o sobre as propostas que tem em seu poder. Sr. Presidente, não fui o motor das accusações; nem agora tencionava fazel- as; não fiz mais do que imitar o meu illustre collega, que fez a sua defesa – pela ordem. O Sr. P. da Rosa: – Eu não fiz defesa a ninguem, não me faça injustiça. O Orador: – O nobre deputado declarou francamente que era opposicionista e que a administração da provincia era má: mas tomado de compaixão tão natural ao meu espirito conciliador, e á generosidade do seu coração, quiz poupar a inepcia, apresentando uma excepção dilatoria que importa uma verdadeira defesa para uma má causa; o nobre deputado que é um advogado distincto a todos os respeitos, sabe que um direito perdido obtem uma grande vantagem, quando se consegue pelo menos espaçar a sentença de condemnação. O Sr. P. da Rosa: – Não apoiado; muitas vezes as excepções dilatorias tem grande vantagem: ensinão melhor caminho. O Orador: – Mas as mais das vezes não fazem senão demorar o julgamento e prejudicar a justiça; o nobre deputado o Sr. Meirelles, que como já disse é um dos sustentaculos da administração nesta casa, implora perdão para o morimbundo; amanhã quando elle tiver expirado hão de querer canonisal-o, e dirão áquelles que não sentem o odor de santidade – parce sepultis. – (Apoiados.) Mas eu não sigo esta doutrina como homem politico; os politicos, segundo diz o nobre deputado, não tem direito de serem generosos com o prejuizo dos interesses publicos; prefiro, Sr. Presidente, a doutrina egypcia, que trazia o cadaver do rei defunto ao tribunal, instaurava-lhe processo, e julgava-o depois de morto! procedimento filho da mais profunda philosophia, porque morria o individuo, mas

196 ficava o principio, ficava a realeza e era esse o meio de praticamente mostrar ao rei que succedia, que tempo viria em que sobre seu governo a posteridade havia de proferir um juizo com a maior severidade. Não é só esta administração que eu estygmatiso: eu estygmatiso a todos os caixeiros do governo; o que se dá na provincia do Rio Grande dá-se em quasi todas as provincias ha muitos annos; envião-se caixeiros consignados a commissarios, verdadeiros regulos de provincia e por isso nos achamos neste desgraçado estado! (Apoiados.) E quando o governo geral não envia caixeiros ao regulo é quando manda um executor de alta justiça, porque o regulo tomou corpo, a papoula cresceo, e convém decepal-a; era a pratica de Tarquinius. Esta provincia não ha muitos annos, vio consecutivamente duas dessas execuções; neste momento a provincia de Minas e a de Pernambuco contemplão erguido o cadafalso; hoje no Rio Grande não ha mister execução, reinão os caixeiros, e governão os consignatarios! Cumpre, Sr. Presidente, que a provincia do Rio Grande representada nesta assembléa proteste contra esse escandalo a que até hoje tem assistido impassivel. (Apoiados.) Não posso portanto, Sr. Presidente, acceder ao pedido do meu illustre amigo, ainda que com dôr de coração. Vozes: – Muito bem. A discussão fica adiada pela hora.

Discurso proferido na 2ª Sessão em 12 de março de 1874

O SR. SILVEIRA MARTINS: – Peço a palavra. O Sr. Presidente: – Tem a palavra. O SR. SILVEIRA MARTINS: – (Movimento de attenção.) Sr. Presidente, V. Ex. sabe que, por occasião de discutir-se o contracto feito pela meza do anno passado para a publicação dos debates desta sessão, eu achava-me enfermo, e não pude, por isso, assumir directamente, com os meus nobres colegas, a responsabilidade do acto pela assembléa praticado, negando approvação ao contrato effectuado; hoje, porém, que acho-me felizmente, bom, não quero deixar de manifestar os motivos que tenho para tomar perante a província do Rio Grande, como seu representante, a responsabilidade de um acto regular, honesto, e, em si, grandemente politico, desfazendo ao mesmo tempo os ridiculos ataques de adversarios tão pequenos como inhabeis, que intitulam de leonino um contrato que é, para assim dizer, a reprodução do mesmo que elles proprios fizeram (muito bom.) Sinto, Sr. presidente, que não se achem presentes os Srs. Drs. Vieira da Cunha, e Antunes Maciel, porque vou referir factos que, em presença de ambos, se

197 passaram, e em que foram, o primeiro, ex-presidente da assembléa, parte, e o segundo, testemunha. Ninguem ignora que a meza eleita por uma assembléa suppoe-se representar o espirito da maioria da mesma, pelo que, é necessario, para certos actos politicos, que a meza procure sondar o espirito da assembléa, que representa, sob pena de sujeitar-se a vêr seus actos desapprovados pela maioria, que conserva sempre immanente o poder de destituil-a por uma votação. Assim como o parlamento se presume representar o espirito do paiz, a meza reflecte o espirito do parlamento: é a theoria democratica da nossa constituição, já que não é hoje possivel q‟ os cidadãos deliberarem immediatamente, como outr‟ora succedia nas cidades republicanas de Athenas e Sparta, cujos membros governavam sem delegação de poderes, reunindo-se nas praças publicas. É, pois, dever restricto para aquelle que exerce um poder delegado, inspirar- se constantemente na fonte d‟onde lhe emana o poder; e sem dúvida rendendo homenagem a esses principio, foi que o nobre deputado Sr. Dr. Vieira da Cunha, então presidente da assembléa, fez-me a honra de consultar sobre a resolução que pretendia tomar, de fazer o contrato dos debates com o Sr. Luiz Cavalcanti, proprietário do Jornal do Comercio. Quando S. Ex. assim s‟exprimia, nem se quer havia chamado propostas para a publicação dos debates. Eu, Sr. Presidente, que estava autorisado a fallar em nome de muitos dos meus distinctos amigos, deputados provinciaes, cujas opiniões me eram conhecidas, a tão peremptoria declaração respondi também incontinenti: com o meu voto e dos meus amigos – nunca! S. Ex. disse-me então – a Reforma não está preparada para esses trabalhos. – Não sei, respondi-lhe eu; mas não é de nossa conta por ora; ella tem tempo para preparar-se no prazo de um anno, que tanto falta para a outra sessão; e se não cumprir bem as suas obrigações, seja inexoravel na imposição das multas; eu porém, jámais sanccionarei com o meu voto o contrato com uma empreza que tem diffamado os mais nobres caracteres da nossa terra e do nosso partido. Com effeito, senhores, tenho para mim que, se assim procedessemos, teriamos ao mesmo tempo lavrado o decreto da nossa ignominia! (muito bem! muito bem!) Mais depressa, do que praticar esse acto, que repito, em minha opinião, incredoso, eu votaria, senhores, para que se creasse uma folha especial dos debates, como já houve, porque a minha provincia é, graças a Deus, bastante rica para não sujeitar os seus representantes á humilhação, ainda mesmo que custasse a folha official da assembléa 50 ou 100 conto de réis! (Muito bem!) Felizmente, não é mister sacrificios; o partido liberal tem o seu orgão, que outras garantias nos offerece, muito mais reaes, do que o proprietario do Jornal do Commercio; e as francamente manifestei ao Sr. Dr. Joaquim Vieira da Cunha, provando-lhe que o proprietario do Jornal era notoriamente incapaz de cumprir o que propunha, pois nem ao menos era senhor dos typos q‟tinha em casa; eu mesmo guardava na minha gaveta documentos para trancar-lhe a porta da typographia, sujeita á penhora executiva pela quantia de 7 contos de réis, que devia só de alugueis de casa que, havia annos, não pagava, e que até agora ainda não pagou; contentou-se o locador em despejal-o do predio, visto o prélo e os typos acharem-se vendidos a terceiro, por escriptura passada na nota de um tabellião publico, pelo que, no

198 principio deste anno, este tomou conta do que lhe pertencia; e no momento em que fallo, esse individuo, com quem a meza do anno passado fez contrato, não tem mais imprensa, e da antiga profissão só conserva os credores. Como, pois, ainda agora se atrevem os nosso adversarios politicos affrontar a opinião publica clamando q‟a Reforma não póde desempenhar seus compromissos, e que Luiz Cavalcanti, sim, o faria dignamente? É isto filho só da cegueira da paixão politica? A Reforma tem nas suas officinas feito trabalhos, que o ex-contratador dos debates não pôde fazer, estando a isso obrigado; tal foi a impressão das ultimas folhas do Almanak Rio-Grandense, que começou no Jornal e acabou-se na Reforma, por não poder aquelle dar cumprimento ao contrato que tinha com o edictor. Assim, pois o contrato, que a assembléa rejeitou, moral e legalente impedido de contratar, que de nenhum modo podia satisfazer os encargos que tomava, se houvesse sido approvado, teria hoje a provincia de manda accional-o, e de perder a importancia da primeira prestação, pela mesma razão porque soffreu prejuizos com o contrato do Constitucional, que expirou inanido, e com o do Rio-Grandense, que, apezar de mudar de proprietario com intervenção official do governo, defende-se, dizendo – que as obrigações ficaram com o ex-proprietario, e não passatam para os actuaes. (Muito bem.) Vamos agora ver, Sr. presidente, em que póde ser leonino o contrato pela meza actual feito com a Reforma. Não se fez neste contrato a mais leve alteração do que primitivamente exista com o Jornal do Commercio; não se paga mais nem menos ao orgão do nosso partido, do que pagaram os conservadores ao Jornal do Commrcio, quando este era orgão do seu; se, pois, é leonino o contrato, a responsabilidade é principalmente da assembléa conservadora. A verdade, porém, Sr. presidente, é que o contrato nada tem se exagerado; e se o Jornal do Commercio, cuja proposta nem de graça devia ser acceita, propôz fazer por menos, foi animosamente, pois tinha conhecimento das disposições da assembléa, e sabia que não te seria acceita a proposta de quem não merecia a nossa confiança. O mais barato, Sr. presidente, em politica, em administração e em tudo, não é sempre o mais conveniente; o homem de mais limitado entendimento não desconhece que há objectos de varios preços, porque os há de varias qualidades. O Sr. Dr. Camargo: – Muito bem. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Para um partido politico, a confiança só por si já não pe pequena cousa; e a confiança de que era digno o proprietario no Jornal do Commercio, manifesta-se no resumo adrede adulterado, que publicou, do debate havido sobre o contrato que com elle fizera a meza da sessão passada. E já que toco nesta materia, Sr. presidente, devo dizer que seria exorbitante e digno de censura da assembléa, se fosse verdadeiro, o que não posso crer, o procedimento que o contratante mallogrado atribuio pela imprensa ao nosso distincto amigo o Sr. Dr. Vieira da Cunha, de arrogar-se, como presidente da casa, o

199 direito de rubricar os discursos tomados pelos tachygraphos, ou os resumos os discursos feitos por quem q‟ seja. O presidente da assembléa não é mais do q‟ primus inter pares, sem que isso dê-lhe prerogativas de fé publica, como têm os tabelliães para authenticarem os actos que se passam nos seus cartorios; a sua palavra não vale mais do que a de outro qualquer membro da casa, e a sua opinião, nas mareias em que a mezza delibera collectivamente, cede ao voto da maioria dos seus collegas. Assim, pois, mais uma vez declaro, que não posso acreditar, sem q‟ S. Ex. expressamente o declare nesta tribuna, que praticou um acto que é desairoso á assembléa porque offende a dignidade dos representantes da provincia; e se é, como penso, torna-se, que o ex-proprietario do Jornal do Commercio era indigno de contratar com a assmbléa. Pelas razões expostas supponho ter demonstrado: primeiro – que a provincia não fez sacrificio algum, nem a assembléa liberal praticou um escandalo, effectuando o contrato para a publicação dos debates com o orgão do seu partido pelo mesmo preço pelo qual a assembléa conservadora contratou com um orgão seu; segundo, que o proponente que offereceu-se para publicar os debates por menos dinheiro, não podia ser acceito pela meza, não só porque era isso illegal, achando-se elle fallido, mas porque nenhuma confiança merecia da assembléa um individuo que offendia nosso brios de homens politicos; terceiro, e accrescentarei: representando nós o partido liberal victorioso na provincia, temos em parte já realisado grandes medidas que foram pregadas e sustentadas pelo orgão do nosso partido, economisando no ultimo orçamento proximamente 300 contos de réis: 150 de impostos injustamente lançados e que foram reduzidos, e outros tantos de despazes superfluas creados pelos nossos adversarios com applauso da sua imprensa. E seria tnato mais imperdoavel erro quanto é uma injustiça clamorosa, que a assembléa liberal se esquecesse dos seus deveres repelindo, para favorecer indignos adversarios, o orgão de seu partido que se lhe apresenta, não para pedir um favor, mas para reclamar o cumprimento d‟ uma obrigação, isto é: que lhe fosse dada a preferencia pelos preços antigos, pois é certo, que a barateza do Jornal do Commercio não passava d‟ uma illusão. O sagacissimo Talleyrand perguntou uma vez tratando-se de certos negocios: porque preço? Responderam-lhe, de graça: – e elle redarguio immediatamente – pois custará muito caro. Caro tambem havia de cusatar á provincia o contrato com o Sr. Luiz Cavalcanti, que foi obrigado a fechar as portas de suas officinas, e a entregar o prélo e os typos a um só dos seus numerosos credores; e ainda que entregasse a todos, não seria essa bagatella sufficiente para pagar a vigesima parte das suas dividas. Não quizemos, Sr. presidente, discutir á mais tempo pelo imprensa esta materia, apezar de ineptamente provocados pelos adversarios, não só porque a assembléa é o juiz competente para decidir o negocio, mas, porque, apezar do proponente não nos merecer attenção alguma, ha certas cousas que fazemos em respeito pela nossa propria pessoa: e entendemos que emquanto estivesse funccionando a officina do proponente, que era uma empreza commercial, não deviamos vir á imprensa fazer declarações autenticas, que sem duvida concorreriam para seu pairo descredito, e mais prompta fallecia; preferiamos deixar prolongar-se a

200 agonia dessa empreza ao direito de defender-nos, para que se não dissesse, que eramos faltos de generosidade. Hoje, porém, não ha de que occultar a verdade patente, e a assembléa e a provincia tinham direito a saber tudo. Estou bem convencido que o illustre presidente que fez o contrato, regeitado, com o Jornal do Commercio ha de, hoje, estar como nós convencido da verdade dos fundamentos, que allegavamos para muito a pezar nosso negat a approvação ao acto que Sr. Ex. contra nossa idéas praticou. Máo grado tudo quanto tenho dito, Sr. presidente, nossos adversarios continuarão a tratar-nos de prevaricados, que lesam os cofres publicos; mas para responder-lhes ahi estão os povos alliviados de impostos, as viuvas e orphãos pobres, poupados, e os grandes principios de moralidade administrativa, de zelo e economia dos dinheiros publicos, cousas quase desconhecidas do passado applicados ao orçamento. Poderia, se quizesse, citar nomes de illustres adversarios que não hesitaram em declarar, que o orçamento que na passada sessão fizemos, era uma obra tão digna, que não podia ser repetida por duas ou tres sessões, porque o povo estava tão dedicados aos proprios interesses, que era impossivel que não nos obrigassem a transigir, sob pena de perdermos as cadeiras do parlamento. Não cito os nomes, cito só as opiniões, por que tenho convicção sincera que estas palavras em relação ao partido liberal não exprime a verdade, pelo contrario não fomos, fazendo essa lei de orçamento, mais do que os legitimos interpretes da opinião publica da provincia, e do grande partido liberal, que nunca deixa de applaudir aqueles que defendem o suor do povo. E o que tunha a dizer, para justificar perante a provincia o acto da assembléa rio-grandense, desapprovado o contrato feito pela meza na sessão passada. (Muito bem! muito bem!)

Discurso proferido na Sessão em 23 de março de 1874

O SR. SILVEIRA MARTINS: – Peço a palavra. O Sr. Presidente: – Tem a palavra o nobre deputado. O SR. SILVEIRA MARTINS (movimento geral de attenção): – Sr. presidente, á vista da discussão que acabou de ter lugar, entro em duvida, sobre qual deve ser o procedimento do deputado, que quer que um papel enviado á mesa tenha destino differente d‟aquelle que por esta lhe foi dado. O regimento diz: que qualquer deputado póde lembrar o destino que julgar conveniente, porém não prohibe o requerimento; a mim parece-me que de qualquer maneira poderemos chegar ao mesmo fim, pois não é só uma entrada que conduz á Roma. O Sr. João Ignacio: – Apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Como já fiz o requerimento, submettel-o- hei á apreciação da casa.

201 V. Ex., em nome da assembléa, declarou, que a casa fica inteirada do officio do Sr. presidente da provincia, mas esse officio para nós é um documento preciso que deve ser conservado. São publicas as razões, que nos levaram a desapprovar, immediatamente depois da publicação no jornal official, os actos da presidencia de 17 do corrente mez. Aqui estamos reunidos os legisladores da provincia, para satisfazer o preceito consagrado na lei das reformas constitucionaes, que nos manda fixar a despeza da provincia, e crear os impostos que os povos devem pagar. Esta grande e importantissima attribuição é exercitada pelos deputados sobre orçamento proposto pelo presidente da provincia. E‟ sobre proposta do governo, que os deputados provinciaes tem de fixar a despeza, e a receita: é o presidente o chefe da administração activa, quem executa as nossas deliberações, quem administra, quem nos deve dar todas as informações do que ha a fazer, e prestar contas do que tem feito. Aos presidentes, pois, quem tem de propôr os meios de occorrer as despezas, jamais póde a assembléa delegar o direito de decretar os impostos (apoiado, muito bem.) A antorisação da lei do exercicio de 1872-1873, é um attentado contra o systhema representativo, e que o poder administrativo não podia exercitar, ainda quando a lei refesse o exercicio que corre, principalmente funccionando a assembléa para decretar a despeza e votar os meios de pagal-a. O Sr. presidente da provincia tinha tanta consciencia do acto que praticou, que já na falla com que abrio a assembléa fez imprimir os impostos, que agora decretou pelos actos de 17 do corrente: entretanto no orçamento que a constituição lhe ordena que faça, nada disse, nada propoz, como se podesse no regimen constitucional haver impostos independentes da votação das assembléas. A lei do orçamento nada mais é do que um balanço de todos os haveres da provincia: obrigações e direitos. A lei de orçamento é soberana no exercicio que rege: qual quer seja a lei especial em que se crie despeza, esta não póde ser exequivel se lhe falta, na lei do orçamento, o competente credito. Isto é um principio elementar que o mais humilde empregado da thesouraria não ignora, no entanto é desconhecido pelo actual presidente da provincia! (Apoiados, muito bem.) O Sr. Carvalho de Moraes devia, no seu orçamento, submetter á nossa approvação os impostos q‟ julgava necessarios para satisfazer á obra que tinha contratado, e se, só depois do orçamento feito, fez o contrato, devia mandar-nos como supplemento o plano que entendia rasoavel para acudir em tempo aos gostos da edificações do caes, a fim de que a assembléa tomasse delle conhecimento, o estudasse, acceitando, rejeitando, alterando, ou modificando o plano adoptado e os meios suggeridos pela administração.

202 Quando mesmo o Sr. presidente da provincia tivesse exercitado uma faculdade legalmente conferida, na ausencia da assembléa, em sua primeira reunião tinha esta de examinar a maneira por que a presidencia havia exercitado a faculdade concedida. Semelhante autorisação só podia ser entendida para decretar impostos provisorios, até a reunião da assembléa, que devia regulal-os definitivamente. Outra cousa se não póde deduzir da disposição, que manda cobral-os incontinenti. E‟ como o governo tinha a necessidade de satisfazer as despezas feitas no intervallo das sessões, e para as despezas futuras a assembléa proveria como julgasse conveniente. Os coros legislativos não podem abdicar ainda que queiram, porque é inalienavel como a liberdade – o direito de apreciar todos os annos os impostos, de mantel-os, modifical-os ou supprimil-os. Porém, no momento em que exercitamos em plana sessão nossa funcções, é um erro grosseiro e palmar da presidencia decretar impostos que hão de começar a ser cobrados no dia 1° de Julho deste anno, dia em que começa o exercicio futuro; mas como e porque hão de ser exigidos tributos que não imposemos, e que não se acham lançados na lei do orçamento? O Sr. P. da Roza: – (com ironia.) – No orçamento de 1872. (Riso.) O SR. SILVEIRA MARTINS: – E‟ de certo um abuso; e não só um abuso, mas um crime do Sr. Carvalho de Moraes, porquanto ainda que não lhe imputo á perversidade de caracter, imputo-lhe á crassa ignorancia, e a ignorancia em autoridades desta ordem é um grande crime (apiados); quem é inepto não póde tomar sobre os seus hombros estas grandes commissões. (Apoiados, muito bem.) Sr. presidente, se á assembléa fossem enviados, como proposta do governo os actos de 17 do corrente, seriam em seguida remettidos á commissão de orçamento, que poderia apresentar parecer rejeitando a proposta. Como a presidencia, longe de cumprir esse dever, pôz immediatamente seus actos em execução, chamando subscriptores de apolices para o dia de hoje, cumpria a assembléa manifestar-se, para que ninguem de boa fé, podesse allegar ignorancia, ou qualquer pretexto, para reclamar indemnisação de despezas ou pagamento de juros que a provincia não deve. Foi a razão porque a assembléa entendeu conveniente, declarar antecipadamente a sua solemne desapprovação ao acto do presidente da provincia. (Apoiados.) O Sr. Carvalho de Moraes responde-nos – que a manifestação da assembléa não está nos termos de ser recebida, mas que fica archivada. Esta declaração, contradictoria com o procedimento do governo, é uma impostura: é feita para colorir o erro que commeteu; para cobrir a vergonha da cassação dos seus actos arbitrarios; mas não é, Sr. presidente, a devolução que S. Ex. mandou annunciar, como cousa feita, pelo seu jornal official. (Apoiados.) O Sr. Carvalho de Moraes ha de obedecer á deliberação da assembléa; e que desobedeça, que caro lhe ha descutar.

203 Por esta hypothese, que se não ha d realisar, pedi a palavra para indicar outro destino ao officio presidencial; entendo que deve ser archivado esse officio, que é o documento da criminalidade do presidente. (Apoiados; Muito bem.) Felizmente, Sr. presidente, as cousas, parece que tendem a mudar neste paiz: já um presidente, o Sr. Simplicio Mendes, do Piauhy, foi condenado; lá está condemnado a trabalhos o bispo de Pernambuco, D. Vital, principe da igreja e do imperio; condemnado será será tambem, infalivelmente, o Sr. D. Antonio, bispo do Pará. Cumpre não desanimar, deliberando-nos, uma vez por todas, a arrastar aos tribunaes estes insolentes criminosos, para que sobre elles caia a espada da justiça, que a impunidade faz desprezar. (Apoiados; Muito bem.) Indico, portanto, que o officio seja archivado; e desde já me comprometto, que, se o Sr. Carvalho de Moraes persistir na desobediencia das leis, ferindo a constituição, os direitos da assembléa provincial, e a propriedade do cidadão, – eu mesmo, hei de leval-o ao supremo tribunal de justiça, e accusal-o pelas suas violencias e prevaricações. (Muito bem.) Denuncias destas não deshonaram, pelo contrario, elevam muito na consideração publica o cidadão que ataca os poderosos para defender a liberdade e os direitos do povo. Muitas vozes: – Muito bem! Muito bem! Vem á mesa o seguinte requerimento, que é approvado: <

ORDEM DO DIA. São approvados em 1a discussão os projectos ns. 91, 92, 93 e 94; em 2a os de ns. 84, 86 e 87 deste anno; e em 3a os de ns. 72 de 1873, e 75, e 77 deste anno. Entra em discussão o projecto n° 83, subtitutivo do de n° 33. O Sr. Paula Soares: – Julgo, Sr. presidente, que deve ser posto em discussão em primeiro lugar o subsitutivo e por isso eu requeiro a V. Ex. que consulte á casa qual dos dois deve ser posto em discussão. O Sr. Presidente: – Entendo que se deve fixar bem este ponto, e julgo que deverá entrar em discussão o projecto n. 83.

204 3.3 Estado e Igreja

Profa. Dra. Maria Medianeira Padoin Monica Rossato

A relação entre Estado e Igreja foi tema de discussão por Gaspar Silveira Martins na Assembleia Legislativa da Província do Rio Grande do Sul e na Câmara dos Deputados, entre o fim da década de 1860 e primeiros anos da década de 1870. A monarquia brasileira, na sua Constituição Imperial de 1824, adotou a religião católica como religião oficial do Estado, sendo competência do Executivo “nomear Bispos e prover os benefícios eclesiásticos”41. A “Questão Religiosa”, que esteve em discussão no período em que Gaspar Silveira Martins atuou como deputado, foi referente ao padroado régio, em que a Igreja era vinculada à monarquia, sendo o governo responsável pela nomeação de bispos e vigários, e a Igreja realizava o registro “civil” (o batismo e o casamento). Assim, Estado e Igreja estavam vinculados, questão criticada por Gaspar Silveira Martins, por acreditar que tal característica não pertencia a um Estado moderno e liberal. No período de crise da monarquia a crítica ao padroado se soma fortemente ao que ficou conhecido como a “Questão Religiosa”. Em 1869, nos artigos do jornal A Reforma do Rio de Janeiro, intitulados “Recurso à Coroa”, Gaspar Silveira Martins denunciou o caso de alguns bispos estarem infringindo as liberdades civis de vigários e clérigos em suas paróquias, suspendendo de suas funções vigários e clérigos que fossem críticos ao sistema ou por divergências pessoais e políticas. Por exemplo, o bispo da Província do Rio Grande do Sul, Don Sebastião Laranjeiras, também foi acusado por Gaspar Silveira Martins, sendo aquele responsável pela demissão de párocos e vigários da Diocese. Em artigos no jornal A Reforma do Rio de janeiro, Gaspar Silveira Martins realizou críticas ao sistema político do Império e à administração conservadora a nível imperial do Gabinete chefiado por Visconde de Itaboraí (1868-1871). Nessas críticas ao Gabinete e nas discussões em torno das ideias e projetos do novo Programa do Partido Liberal, a prerrogativa de um Estado Laico foi defendida. Em artigos de 13 e 15 de junho de 1869, Gaspar Silveira Martins escreveu que conflitos seriam evitados se os poderes civil e eclesiástico estivessem limitados às suas esferas de ações42. Sendo assim, ele defendeu a separação entre Estado e Igreja como uma das prerrogativas do Liberalismo. Na Câmara dos Deputados, no Gabinete Rio Branco (1871-1875), os debates em torno da “Questão Religiosa” foram intensos, a partir de denúncias de que alguns bispos estavam demitindo de suas paróquias vigários e clérigos e indispondo-se contra a maçonaria, desrespeitando, segundo Silveira Martins, as

41 Capítulo II. Do poder Executivo. Art. 102. Constituição política do Império do Brasil (25 de março de 1824). In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm. 42 O RECURSO a Coroa I. A Reforma. Rio de Janeiro, p. 1, 13 jun. 1869. O RECURSO a Coroa II. A Reforma. Rio de Janeiro, p.1, 15 jun 1869. Disponível em: http://memoria.bn.br/ DocReader/docreader.aspx?bib=226440&pasta=ano%20186&pesq=silveira%20martins>. Acesso em: 16 maio 2013. Localização: Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

205 liberdades individuais e civis. Nestes, a relação entre Igreja e maçonaria43 esteve presente nas discussões, pois dois bispos brasileiros, em conformidade com linhas do Vaticano, proibiram maçons de participarem das irmandades religiosas44. Em 1873, Gaspar Silveira Martins se referiu a esses casos como um “despotismo clerical”, pois “opprime a consciência restringe a liberdade civil e cercea a liberdade política”45. Segundo Silveira Martins, os bispos estavam exercendo “autoridade sem freio nas suas dioceses”46, defendendo assim “uma igreja livre em um estado livre”, ou seja, a liberdade para ambos a fim de evitar a supremacia de um sobre o outro47. Em Sessão da Câmara dos Deputados de 31 de julho de 1873, Gaspar Silveira Martins interpelou o Presidente do Conselho, Visconde de Rio Branco, a respeito dos acontecimentos religiosos que estavam ocorrendo no Império. Gaspar Silveira Martins colocou como raiz da “Questão religiosa” a união entre Estado e Igreja, que estava em discussão naquele momento:

Este conflicto que se levanta atualmente entre espiritual e o temporal tem origem naquelle principio fatal, que espero cer um dia supprimido da constituição do Império – o casamento da Igreja e do Estado.

Nos paizes onde a Igreja é livre e livre o Estado, não se tem estes conflictos, que de momento pertubão a sociedade e abalão seus alicerces; e se alguma religião tem interesse em condenar a protecçao do Estado aos cultos e aceitar ampla discussão e livre concurrencia, é a catholica, cuja doutrina pretende conseguir triumphos promettidos pelo próprio Deus, contra quem não podem prevalecer as portas do inferno. Todo o bom catholico deve, pois, pedir a neutralidade, e não a intervenção do Estado nos cultos.48

Gaspar Silveira Martins, no discurso dessa Sessão, demonstrou ser um defensor das liberdades civis, como o casamento civil, condenando a ligação entre Estado e Igreja. Demonstrou também conhecimento sobre a situação da Igreja e sua relação com o Estado. Por fim, pediu ao Presidente do Conselho que reformas fossem feitas, a fim de trazer liberdade aos indivíduos brasileiros49. Em discurso na Assembleia Legislativa Provincial de 1874, Gaspar Silveira Martins, ao se referir às discussões que estavam acontecendo na Câmara dos Deputados acerca da “Questão Religiosa”, mencionou que:

ouvi de alguns de nossos chefes, mais prudentes ou mais tímidos do que lógicos, que a grande idéia liberal, que sustentei – da igreja livre no estado livre – era por demais adiantada para a actualidade do nosso

43 Rio Branco, presidente do Conselho era Grão-mestre da Maçonaria, assim como Gaspar Silveira Martins que se tornara Grão-mestre em 1883. 44 CARVALHO, 2012. 45 BRASIL. Câmara dos Deputados. Anais da ... Sessão de 31 jul. 1873. p. 352. 46 O RECURSO a Coroa III. A Reforma. Rio de Janeiro, p.1, 18 jun.1869. Localização: Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 47 Ibid. 48 BRASIL. Câmara dos Deputados. Anais da ... Sessão de 31 jul. 1873. p. 240. 49 Ibid., p. 240.

206 paiz, que não está preparado para tão radical reforma. Esta idéia pode não fazer parte de um programma de governo, mas ninguém jamais se atreverá a dizer, que não é um principio da escola liberal50.

Segundo ele, naquele momento, a sua ideia de uma “igreja livre no estado livre” não podia ser realizada, pois segundo alguns, “a realização dessa idéia pode por em perigo a sociedade brasileira; e por isso affirmei que, sendo principio liberal, não faz todavia parte do programma a executar immediantamente”51. No ano seguinte, em 1875, se organizou o novo Gabinete ministerial chefiado por Duque de Caxias, em substituição ao Gabinete anterior, de Rio Branco. Na Câmara dos Deputados, ao questionar o que o novo Ministério pensava em relação à “Questão Religiosa”, Gaspar Silveira Martins discursou:

[...] soltem-se os bispos, acho isso justo, e applaudirei; mas garanta-se ao cidadão, garanta-se a liberdade, pelo casamento civil e livre acesso a todos os cargos públicos aos acatholicos, enquanto não chega o dia de decretar-se o divorcio perpetuo dos dous inimigos – o estado e a igreja cathólica. Se assim não fizermos, reduziremos este paiz ao deplorável abatimento das populações da China e da índia52.

Nesse sentido, Gaspar Silveira Martins defendeu um estado moderno e liberal, em que prevalecesse a separação entre Estado e Igreja, garantindo assim amplas liberdades civis aos indivíduos, especialmente aos imigrantes acatólicos estabelecidos no Brasil, a partir das levas imigratórias ao longo do século XIX.

Discurso proferido na Sessão em 8 de outubro de 1862

O SR. S. MARTINS: – Sr. Presidente, não pretendo alongar-me sobre esta questão, porque para mim ella não contém dificuldade alguma. S. Pedro fundou como muito bem diz o nobre deputado o Sr. Vigario Massa os patriarchados de Alexandria e de Antiochia, mas nos tempos de S. Pedro, a religião christã começava a propagar-se e ainda não tinha sido acceita pelos povos e pelos principes. O Sr. Massa: – Estava espalhada por toda a terra. O SR. S. MARTINS: – Apenas começava; e o nobre deputado que é um sacerdote instruido, sabe de certo que quando morreu Jezus a religião christã não tinha sido prégada fóra das terras da Judéa. O Sr. Massa: – Já tinha sido difundida pela terra.

50 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da ... Sessão de 21 abr. 1874, p. 58. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 51 Ibid. 52 BRASIL. Câmara dos Deputados. Anais da ... Sessão de 28 jun. 1875; A REFORMA, Rio de Janeiro, p. 1, 7 jul. 1875.

207 O SR. S. MARTINS: – Não tinha passado os limites da Judéa, e tanto é isto verdade, que o nobre deputado ha de lembrar-se que S. Pedro algum tempo depois da morte do Salvador vio descer uma multidão de animaes de muitas especies e qualidades, e ouvio uma voz, que lhe dizia – Pedro comei – o que quer dizer segundo a explicação e commentarios dos theologos catholicos, que era chegado o tempo dos apostolos abandonarem a Judéa sua patria, e pregarem, e espalharem a religião de Jesus Christo pelo Universo inteiro, cujas nações diferentes em raças, em côres, em linguagens, em feições eram representadas por aquelles animaes de tão variadas qualidades, e especies; assim ainda dos mesmos Evangalhos, e das divinas palavras do memso Jesus Christo se vê a especialidade judaica de sua missão; Christo tendo ido ás terras de Tyro e Sidonia entrou em uma casa sem que ninguem o soubesse, mas foi conhecido por uma mukher na Cananéa que tinha uma filha possessa, e lhe disse lançando-se aos pés, Senhor, filho de David compadecei-te de mim, pois tenho uma filha atormentada do espirito maligno. Christo não lhe respondeu, e os discipulos pediam-lhe que a despedisse; o Salvador retorquio: Não fui enviado senão para as ovelhas que pereceram da casa d‟Israel: mas a mulher adorou-o clamando: valei-me, Senhor! Jesus replicou: Deixa que primeiro se saciem os filhos; porque não é justo pegar no pão, que é delles, e deixal-o aos cães; por estas expressões alludia a nação, de que era a afflicta mãi, pagã, e phenicia, emfim estrangeira a Judéa. A Cananéa redarguio: Assim é Senhor; porém os cachorrinhso debaixo da mesa tambem apanham as migalhas que ficam dos meninos, e Christo, deslumbrado, disse, mulher grande é a tua fé, e fez-lhe o pedido. Ella creu, e entrando em casa, achou a menina deitada e livre. D‟aqui vê o meu illustado collega que não tem razão de dizer que no tempo de S. Pedro, quando elle fundou esses patriarchados estava espalhada pelo Universo a religião, que apenas começava a ser prégada aos povos; Jesus não a espalhou, não prégou senão na Judéa, porque fuel á sua missão, eel não sahio da sua patria; os seus discipulos, depois da sua morte, é que a espalharam. Só depois da morte de Jesus Cristo, e depois destas manifestações e revelações divinas, como o nobre deputado deve saber, e sabe de certo, é que S. Pedro baptisou o capitão romano Cornellio, o primeiro pagão que abraçou a religião christã. O Sr. Massa: – Dá um aparte. O SR. S. MARTINS: – Isto não é mais do que uma ractificação de idéas, a que obrigou-me o nobre deputado a fazer, e sem que eu garanta a phrase, garanto todavia o espirito; o que supponho o nobre deputado me não constestará. Depois de estar espalhada, e só depois seculos é que foi acceita a fé pelos governos; mas antes disso, dizia Jesus: - O meu reino não é deste mundo, não se referia á materia e só as espirito. Mas com os tempos os imperadores adoptaram a religião catholica, tornaram-se defensores, e protectores da fé; deram ás penas canonicas effeitos civis, e grandes, e importantes direitos aos sacerdotes. E aqui começam esses eternos embaraços oppostos mutua e reciprocamente pelo dous poderes espiritual, e temporal um contra o outro: até ali não havia questão; S. Pedro podia derramar a religião pelo Universo inteiro, podia crear

208 bispos, podia fazer o que quisesse, como S. Paulo fazia por toda a parte aonde pregava; creava, se lhe convinha, bispados e nomeava bispos que sagrava logo; como sagrou senão m‟engano Tito, e Thimoteo; mas depois de adoptada pelo poder civil a religião catholica, depis que os imperadores fizeram leis, em que as decisões ecclesiasticas e os meios do poder clerical tinham effeito immediato sobre o poder civil, ahi tambem cessou esse arbitrio que tinha o clero. O Sr. Massa: – Ficaram de acorod todos dous. O SR. S. MARTINS: – Porque não era justo que o poder temporal dando effeitos civis ás decisões ecclesiasticas, dando-lhes por meio de grandes propriedades, e distincções maior força e explendor, porque por si o espiritual não tem effeito nenhum real e material e é forçoso acreditar que este é sempre maior. O Sr. Massa: – Não tem o effeito material. O SR. S. MARTINS: – Elle tambem perdeu aquelle arbitrio que tinha e é preciso harmonisar-se com o poder civil, assim não é livre a qualquer sacerdote lançar excomunhão, muito embora o possa fazer, porque a excomunhão necessita de accordo com o poder civil, pois traz sobre este muito directa influencia. O Sr. Massa: – Não apoiado. O SR. S. MARTINS: – É um favor, porque se nós temos direito de fazer a divisão do Estado, que é toda temporal e material, e se o principio ecclesiastico é inteiramente espiritual, é tão somente por attenção que lhe pedimos a sua intervenção para marcharmos de accordo, o que é sempre apreciavel. D‟ahi vem, Sr. Presidente, que a assembléa ouve com toda a defferencia o parecer do Bispo Diocesano; mas não se mude, Sr. Presidente, a naturesa das cousas; o Bispo Diocesano nesta materia não decide nada absolutamente e não está superior a nós; ouvimol-o como um consultor (apoiados; não apoiados) e estamos dispostos á atender ás suas razões quando forem justas, e dadas d‟um modo digno e proprio de um verdadeiro pastor de Jezus Christo; d‟um successor dos apostolos; mas um consultor não passa de conselheiro e não póde arrogar a si, direitos de governo que não tem. O Sr. Ávila: – É o que tem feito e o que faz. (Há mais apartes) O SR. S. MARTINS: – Nós não estamos adestrictos a cingirmo-nos á consulta que nos dá o consultor, podemos decidir como entendermos melhor, porque em nós está a soberania. Eu não ponho duvida em ouvir o Prelado sobre o artigo como está redigido; desejo mesmo que seja ouvido; mas tomei a palavra para sustentar o direito que no meu entender temos de deixar de ouvil-o, porque é disso que se trata, e eu vejo da parte de alguns membros, tão grande exorbitancia, que tomam aquillo que é uma simples cortezia, e attenção como um poder, como um direito; e eu pela parte que me toca não o consinto nem o posso admittir; sou muito zeloso das nossas attribuições temporaes, e não gosto de theocracias. Demais, Sr. Presidente, os sacerdotes, é fóra de duvida, são empregados publicos... O Sr. Massa: – Infelizmente hoje assim acontece.

209 O SR. S. MARTINS: – ... e os empregados estipendiados pelo thesouro não podem affectar para com a nação essa independencia e mesmo superioridade a que se julgão com direito e que costumam arroga-se. O Sr. Bittencourt: – Se confunde os sacerdotes com o Bispo, discordo. O SR. S. MARTINS: – Com o Bispo e com todos que estão sujeitos ás nossas leis, pois, ha quem ponha em duvida que póde o Bispo ser processado por crime de responsabilidade pelo poder competente? O Sr. Bittencourt: – Não ha duvida nenhuma, mas como cidadão, e é por isso que elle não é empregado publico, porque tem esse privilegio. O SR. S. MARTINS: – Está o nobre deputado enganado, o bispo é cidadão como qualquer brasileiro, mas justamente como cidadão não podia ser criminoso de crime de responsabilidade que sómente póde ser commettido por empregados publicos. E demais não é o padre, o vigario, tabellião em sua parochia? para tudo que diz respeito á filiação, ao casamento, ao baptismo, os seus atteestados e certidões não são escripturas publicas? Não tem por isso todo o valor e authenticidade em juizo? Não ha duvida nenhuma. Por tanto não só não são tão independentes como querem, mas até não são mesmo independentes, elles estão sujeitos á nossa lei civil, e providencias materiaes e á conveniencia publica; e nós fazemos um favor estabelecendo e creando condicções exteriores, e territoriaes para poderem funcionar. Não ha ninguem que possa por em duvida que o estado tem o direito de não admittir outro estado dentro de si mesmo. O Sr. Bittencourt: – Mas a questão é diversa. O SR. S. MARTINS: – Não é diverso, é exactamente a mesma; elles são elevados, distinguidosk, e respeitados pelas nossas leis civis, que elles a seu turno devem respeitar; e lá está o texto de S. Paulo – é preciso respeitar as potestades superiores. Um Sr. Deputado: – Mas não há superioridade. O SR. S. MARTINS: – Não ha duvida que a China e o Japão tem direito de não admittir dentro em si a igreja, ou de admittil-a sub-conditione; assim como ainda niguem lhe contestou o direito que tem tido de cerrar seus portos a toda e qualquer outra nação. Um Sr. Deputado: – Actualmente não. O SR. S. MARTINS: – Actualmente não, mas por tratado especial em que se determina que taes e taes portos ficarão abertos, mas ainda absolutamente não é livre entrar nesses paizes como o é entre os povos de raça europêa; é a mesma cousa, não ha differença alguma, ninguem admitte em casa um estranho a dar ordens. Quanto mais a rasão apresentada pelo meu nobre collega, prova de mais. Nós não podemos crear parochias sem intervenção do Bispo, também não devemos poder crear bispados sem ouvir o Papa; mas isso não dá, nem o Papa foi ouvido quando a assembléa geral creou este; o Papa póde deixar de prover o bispado, mas isso não annulla o direito que temos de crear bispados, sem previa

210 audiencia de sua Santidade porque é uma necessidade que nós melhor podemos apreciar do que elle. O que eu sinto é que quando se tratou de bispado para o Rio Grande não se ouvesse o Papa, e este se não oppuzesse; nós iamos cá vivendo muitobem com o nosso vigario geral, sem apparato, e sem questões; é assim que eu amo a religião; modesta, caridosa, e sem controversia, que só geral duvida, e indifferença. Voto pela emenda.

Discurso proferido na Sessão em 7 de dezembro de 1866

O SR. SILVEIRA MARTINS (Movimento de attenção): – Sr. Presidente, não tomo a palavra para entrar propriamente na discussão do requerimento do Sr. Meirelles: d‟um lado affirma-se um facto, d‟outro lado nega-se esse facto; em material de factos nada se póde decidir quando por unicas provas temos só a affirmativa d‟um nobre deputado e a negativa de outro. O illustre deputado, a quem vou responder, defendeu o Diocesano da provincia do Rio Grande, estendeu-se muito largamente sobre principios religiosos, que confundiu com os principios politicos que se tem debatido nos campos de batalha, e o fez, Sr. Presidente, em desabono das nossas crenças, com adulteração da historia. (Apoiados.) Sr. Presidente, não comprehendi o illustre deputado o Sr. Dr. Bittencourt quando, respondendo ao Sr. Dr. Avila, exclamou logo no principio de seu discurso: <<-Não se pôde, Srs., fazer maior injustiça ao Bispo da provincia do Rio Grande do Sul do que chamal-o de Jesuita!>> – Sr. Presidente, o nobre deputado em seguida fez a apologia das virtudes do actual Bispo. <>, o nobre deputado, que repelle com tanta paixão a qualificação de Jesuita para elle, condemna a companhia de Jesus. Foi, porém, grande a minha admiração quando, Sr. Presidente, tratando da quéda da companhia, levantou o nobre deputado a voz enthusiasmada para entoar os feitos de Anchieta, e as artes da celebre companhia! Eu esperei, mas embalde, que além de muitas outras celebridades, elle nos apresentasse logo os prodigios de eloquencia do nosso padre Antonio Vieira. O nobre deputado, depois de repellir do bispo da Diocese o epitheto de Jesuita, exclamou: << – Os filhos da America do Sul não podem levantar queixas contra a companhia de Jesus, que encheu o mundo dos seus filhos e fez para o catholicismo tantas conquistas, sem estarem no máo caminho! Quem construiu esses templos ricos e magnificos que tem até hoje nas nossas Missões affrontado seculos?>> – O que quer pois dizer o nobre deputado? Pergunto-lhe agora. – A quem accusa? A quem defende? É uma grande injustiça que fez o nobre deputado o Sr. Dr. Avila em ligar o Sr. Bispo á companhia de Jesus; se o sr. Bispo é um modelo de virtudes, essa companhia que o nobre deputado repelle do Sr. Bispo não pode ser uma companhia de homens virtuosos, de homens de bem!

211 Vê V. Ex., Sr. presidente, que de duas, uma; ou o nobre deputado enthusiasta da companhia não crê nas virtudes do Bispo ou o nobre deputado apologista do Bispo não crê na virtude da companhia de Jesus. (Hilaridade.) Sr. Presidente, eu sou o primeiro a confessar que na companhia de Jesus apparecerão como em quasi todas as companhias, homens sabios, grandes homens em todas as materias grandes homens não só pela sciencia, mas tambem pelas virtudes; eu sou o primeiro a render homenagem a Nobrega, a Anchieta e ao padre Antonio Vieira, Bossuet brasileiro a quem tanto devemos: mas por que homens houve illustrados e dignos nessa associação, pretende o nobre deputado fazer a apologia dos principios de Ignacio de Loyola que a tornarão por tantos seculos detestavel? Todos conhecem a celebre anedocta que perfeitamente caracterisa a manha, a arte, o jeito, a astucia com que os Jesuitas disfarçavão com o manto da religião as ambições mundanas; os Jesuitas tomavão os meninos nas escolas, e desde a infancia espreitavão a inclinação e a intelligencia de cada um, e assim recrutavão para a sua ordem todas as aptidões. A vista disso admirava-se um sabio de vêr entre elles frades muito ignorantes, alguns ignorantissimos e talvez mesmo sandeos; um dos mestres da ordem respondeu-lhe – a companhia tem homens para tudo, tem papas, tem geraes, tem bispos e tambem tem <>, e são esses que ella guarda para martyres no Japão. (Hilaridade.) Sr. presidente, com estes principios a companhia chegou quasi a reger o mundo, é verdade, mas o nobre deputado me ha de desculpar de certo se eu não acreditar nas virtudes recommendadas nas suas regras, nem nos seus mandamentos. Essas Missões, que o nobre deputado invocou, que fazem parte hoje da nossa provincia, são a prova concludente do contrario do que affirma o nobre deputado, e a guerra calamitosa, que os jezuitas promoverão, só nos deixou de apreciavel a mais bella inspiração de genio americano, o poema immortal de José Basilio da Gama, o primeiro poeta das Americas. Sr. Presidente, o nobre deputado se é dado á leitura das cousas da sua patria, ha de ver que nesse poema se canta sobre tudo a gloria do general conde de Bobadella que bateu e humilhou os selvagens levantados pelos reverendos frades contra o legitimo governo e contra a civilisação. (Muitos apoiados.) Tome-se como dito de passagem o que referi sobre a celebre companhia de Jezus, que desde a bulla de Clemente XIV trocou a roupeta pela casaca. Sr. presidente, o nobre deputado, como em extasi, levantou os braços para o céo e agradeceu á Providencia que se amercêou desta desgraçada provincia, enviando-lhe o Sr. D. Sebastião Laranjeira para seu bispo. Sr. presidente, o nobre deputado fez injustiça aos nossos illustres comprovincianos e esqueceu-se que era difficil ao Sr. D. Sebastião mais do que á qualquer outro apagar da memoria dos Rio-Grandenses, e fazer esquecer os nomes venerandos do nosso ultimo vigario geral o Sr. padre Thomé (apoiados), e do primeiro prelado da nossa Diocese, o seu antecessor o Sr. D. Feliciano. (Apoiados.) O Sr. Avila: – Muito bem.

212 O Orador: – Sr. presidente, deputado da provincia do Rio Grande do Sul, não posso deixar passar uma indirecta accusação sobre dous varões que fazem legitimo orgulho á nossa comum provincia e que farião á qualquer clero do mundo (apoiados); se não primavão pela sua sciencia, se não tinhão cursado a <>, tinhão as virtudes de sacerdote christãs, governavão os seus diocesanos, como diz o Evangelho, que o pastor deve governar as suas ovelhas. (Apoiados). Governavão-nas com amor e brandura, e não as dilaceravão como lobos. Sr. presidente, não posso deixar de lamentar a tendencia sinistra que tem de certo tempo a esta parte seguido o governo imperial, procurando lisongear a curia romana na apresentação dos bispos: o primeiro titulo ao Episcopado é a visita de Roma; o bispo do Rio Grande do Sul, o bispo de Pernambuco, o bispo do Ceará, o bispo do Pará, são todos bispos que tiverão a honra de beijar o pé ao Santo Padre, a quem preferem ao seu paiz, e se distinguem todos pela guerra crua que movem ao clero nacional. Temos de tirar d‟aqui, Sr. Presidente, uma triste conclusão: o procedimento desses bispos nos prova que esses bispos não são brasileiros, esses bispos são romanos. O Sr. Avila: – Apoiado. O Orador: – Elles esquecem-se promptamente que, embora sejão considerados pela nossas leis principes da igreja, elles são civilmente subditos do Estado; elles esqueem-se que, apezar de bispos, são empregados publicos, sujeitos ás leis do paiz, e que ás leis devem homenagem; elles têm introduzido o terrivel systema de extorsão para com os seus subordinados, e brasileiros, fazem timbre de desacreditar o clero nacional em favor dos Jezuitas, dos Lazaristas, e de todos os Janizaros de Roma. (Apoiados). Sr. presidente, o nobre deputado o Sr. Dr. Bittencourt agradeceu a mercê da Providencia que nos enviou o Sr. Sebastião Laranjeira, e desafiou que lhe apresentassem faltas. Sr. presidente, o bispo é chefe tambem de uma administração, não é preciso que S. Ex. Rva. tenha individualmente commettido faltas humanas, não é preciso que se lhe reprehenda um facto, que se lhe lancem em rosto os delictos para que elle seja considerado em falta, para que deixe de se ser um bom bispo; basta que elle não pratique na sua diocese os verdadeiros principios do Evangelho, basta que elle seja um homem apaixonado, um homem imprudente, um homem que não esteja na altura do seu elevado posto, para tornar-se digno da censura de todos os seus concidadãos, a que está sujeito, e de que ninguem está livre. Sr. presidente, disse o Sr. Dr. Bittencourt, respondendo a um aparte do Sr. conego Procopio, que se tivesse de responder ao nobre deputado começaria por averbal-o de suspeito. Sr. presidente, a suspeição è de dous modos, ou é filha da inimisade ou é filha da amisade; a se o nobre deputado o Sr. Dr. Bittencourt pôde averbar de suspeita a aggressão do Sr. conego Procopio, por que elle é uma das victimas da sanha episcopal, porque nós outros não podemos averbar de suspeita a apologia do Sr. Dr. Bittencourt porque é inspirada por compadresco? (Hilaridade.)

213 O nobre deputado a quem respondo, desafiou que lhe apontassem factos: qual foi de nós que não leu, no tempo em que se publicava, não sei se ainda hoje se publica, um jornal creado pelo Sr. bispo ou sob seus auspicios, a <>, e não admirou muitas vezes as doutrinas christãs que ali erão pregadas? Quem não conhece, Sr. Presidente, o procedimento iniquo de S. Ex. contra os conegos de sua diocese, suspendendo-os contra as leis civis e canonicas? E agora lembro ao nobre deputado o Sr. Dr. Bittencourt, que nos disse sobre os alimentos dos parochos: por ventura o padre não ha de viver, não ha de vestir, não ha de comer? Sem duvida, o sacerdote como qualquer operario tem jus ao seu salario – <> diz o Evangelho. Posso porém responder com a doutrina do seu illustre compadre – não, os conegos suspensos não tem direito de comer, de vestir e de viver, por que sem deixarem de ser conegos, sem serem degradados de suas ordens, estão suspensos ao mesmo tempo de ordens, de officios e de beneficios – (apoiados) pela caridade Episcopal! E assim procedendo, quer o Sr. Bispo que actendamos ás suas contraditorias reflexões? Sr. presidente, ha uma funcção de que, segundo dizem todos os theologos, o padre não póde della ser privado; uma funcção que elle póde exercitar só porque é sacerdote: é a celebração da missa, e de que só pode ser privado por uma sentença de degradação propria n‟um processo regular. Pois bem: o Sr. bispo suspendeu alguns conegos seus subordinados, sim, mas tambem seus companheiros; suspendeu-os de ordens, de officios e de beneficios sem marcar prazo, sem dar satisfação, sem accusação, isto é, o Sr. Bispo D. Sebastião Laranjeira degradou os seus subditos contra todos os principios da justiça! (Apoiados.) Por ventura, Sr. presidente, serão estes os principios lançados no Evangelho, sempre invocados e sempre illaqueados por esses jesuitas que apezar da igreja estar <> a fazem sempre <>, para attrahirem pela compaixão devida as victimas, o que não conseguirão pelo seu sordido egoismo? É isto que se faz; no regimen jesuitico da hypocrisia as accusações não se pronuncião, não se articulão, mas sacrifica-se a victima com o maior amor e caridade <>! Tinha razão, Sr. presidente, o nobre deputado o Sr. Dr. Avila, quando ligava a fé do actual bispo á de Loyola e à da companhia de Jesus; e procedimento de S. Ex. com os conegos da diocese faz-me lembrar um facto que ouvi contar ao Exm. Sr. conselheiro José Maria do Amaral, ex-ministro plenipotenciario brasileiro no Paraguay. Uma manhã, Sr. presidente, entrou o Sr. conselheiro no salão do palacio do dictador d‟aquella republica, Carlos Antonio Lopez, pai do actual; d‟ali á momentos appareceu o homem: sabia do quarto e vinha ainda chorando, procurando enxugar as lagrimas: o nosso embaixador, verdadeiro diplomatico, não só pelos vastos conhecimentos, mas pela extrema delicadesa, julgando-o victima de algum profundo desgosto de que não são isemptos n‟este mundo nem mesmo os soberanos, e Lopez o era, e dos mais poderosos, disse-lhe que via que S. Ex. se achava incommodado, e que não lhe era penoso voltar n‟outra occasião.

214 Não, senhor, respondeo o tyranno; tenho muito praser em recebel-o, <>. (Hilaridade.) De maneira que o santo homem acabava de espingardear um seu concidadão e depois chorava sobre o cadaver! Queria sem duvida fazer crer que o fazia somente por amor ao <>. e não por <>! O assassino, Sr. Presidente, fingia-se <> para usurpar ainda a sympathia que só era devida ao desgraçado! O Paraguay é o florão do espirito evangelico da cathechese da companhia de Jesus, e o velho Lopez era digno de ser geral. O mesmo <> fazem todos estes santos varões que não tem o poder do velho Lopez, mas que, como elle, receberão a educação da Sapienza Romana nos collegios dos mestres que de lá sahirão, quando a não beberão na propria fonte viva como o vigario do Morro Queimado, ou de outra qualquer freguezia da Bahia! Sr. presidente, o nobre deputado o Sr. Dr. Bittencourt disse que, quem corrige abusos, ha de por certo ter inimigos e adversarios e apresentou-nos o Sr. Laranjeira com o grande corregedor desta Diocese. Sr. presidente, em honra da verdade devo dizer que, se o Sr. bispo Laranjeira fosse dominado por esse principio, não precisava estender tão longe os seus olhos; bastava inclinal-os para os degrãos de solio aonde se senta para ver que ali é que está o abuso á corrigir, ali é que está a immoralidade á punir! (Apoiados.) O nobre deputado, Sr. Presidente, deixu-se tomar de uma verdadeira inspiração de padre pregador na comparação do clero catholico com o clero protestante. Sr. Presidente, nesta provincia, os seus habitantes não tem direito de fazer increpações ás crenças christãs; nesta provincia, onde com tanto sacrificio temos trazido da Allemanha milhares de protestantes para enriquecel-a, felicital-a e regeneral-a, nenhum de nós póde sem dar provas d‟espirito acanhado e pequenhez de coração neste seculo de luzes e nesta terra de liberade, lançar em rosto a outrem os seus principios religiosos. Vozes: – Muito bem. O Sr. Avila: – Nem isso é de um verdadeiro christão. O Orador: – Estes pastores que de Allemanha tem vindo tão cheios de sciencia e ao mesmo tempo tão humildes e tão pobres respondem ás increpações do clero <>, que o nobre deputado lança ao protestantismo, que como elle tambem lê os Evangelhos e professa a divindade de Jesus Christo. Sem duvida que o clero superior da Inglaterra é um clero millionario; mas o nobre deputado se esquece que na Inglaterra todas as altas posições na magistratura, no exercito, na politica, na administração, tem milhares de libras sterlinas de renda ou de salario. Eu sou catholico, Sr. Presidente, mas a doutrina catholica mesmo me prohibe negar a verdade, que eu reconheça tal; por isso, Sr. Presidente, não posso concordar com o nobre deputado, quando, fazendo a comparação dos dous cleros, lança ao clero protestante o pitheto de <>; delicioso porque? Será por ventura por que os padres protestantes se casão? será por ventura humilde o clero catholico porque è celibatario? Mas, Sr. Presidente, antes de ser celibatario o clero

215 catholico, era casado, e nem o casamento dos padres é prohibido pelo Evangelho; S. Pedro, o principe dos apostolos, era pai de familia, e muitos santos sacerdotes o forão! Serião por isso <>? O nobre deputado esqueceu-se que na idade media, quando a igreja dispunha até da corôa dos soberanos, e ainda mesmo, e clero fidalgo na Europa ostentava uma riqueza secular, e um luxo verdadeiramente oriental; o nobre deputado esqueceu-se que além dos Estados Pontificios havião, não ha muito, principados cujos soberanos ecclesiasticos vivião com a pompa de Principes. Os padres catholicos professão hoje o celibato mais isso, Sr. presidente, foi mais um grande pensamento politico da igreja romana; os padres ligados pelos laços do coração com a mulher e com os filhos, não poderião corajosamente affrontar os perigos da cathechese para conquistarem almas para o céo e contribuintes para a igreja! Se o nobre deputado levasse o seu pensamento á cidade eterna, havia ver que essa cidade de maravilhas, essa cidade de delicias, pertence quasi exclusivamente a Cardeaes; elle havia encontrar no meio do luxo, da pompa, e da grandeza, respirando <> n‟atmosphera de salões embalsamados, um salteador de Sonino, que graças ao desembaraço com que no principio do seculo os francezes espingardeavão os ladrões é hoje cardeal Antonelli (muito bem); alem deste, muitos outros, entre os quaes não póde ser esquecido Monsenhor de Merode! Não é só entre os protestantes que o nobre deputado ha de ver delicias no clero; tambem as ha no clero catholico, e no clero especialmente de Roma, e d‟ani vem a historia da conversão d‟aquelle judeo que foi á roma, e que, admirado das <> lá praticadas, se converteu, porque a religião que podia resistir como a catholica a taes desmandos, não podia deixar de ter por si um poder divino e ser a verdadeira. O nobre deputado sahiu muito fóra de proposito da questão episcopal para invectivar Lutero. Sr. presidente, eu não tomo sobre meus hombros defender Lutero, e muito menos accusar a igreja de Roma, eu sou catholico; o que ataco, Sr. presidente, é a intolerancia religiosa que fez a vergonha do passado da nossa mãi patria e a sua ruina; o que defendo é a liberdade de consciencia garantida pela constituição, é a liberdade de direitos dos nossos concidadãos protestantes; não quero que nesta terra onde vivem tantos protestantes, passem sem protesto semelhantes idéas (apoiados); não quero que ao longe se pense que os liberaes do Rio Grande atacão a primeira das liberdades, a liberdade de consciencia! (Apoiados.) Nesta assembléa é imprudente e impolitica esta intolerancia; como havemos de attrahir ao paiz homens industriosos que abundão n‟outros Estados, se elles sonharem que em vez das liberdades concedidas hoje pelos mais despoticos soberanos, hão de encontrar um povo fanatico? quaesquer que sejão as vantagens que entre nós possão obter, de certo que as renunciarão pelo preço que se lhes quer impôr da venda da consciencia ou pelo menos da condemnação da sua crença, como se fosse reprovada pela moral. Sr. presidente, Lutero fez um scisma, mas Lutero não foi, como diz o nobre deputado, um traidor, porque atacou as indulgencias e os Dominicanos.

216 Sr. presidente, o nobre deputado não apreciou devidamente a questão da venda das indulgencias pelos Dominicanos: Julio II e Leão X, pápas, no empenho de reconstruirem a basilica de S. Pedro e tantos magnificos monumentos que o mundo hoje admira, esgotados os dinheiros dos seus cofres, entenderão que não era má politica fazer á custa das nações estrangeiras de Roma uma maravilha de pedra! Especularão com o fanatismo religioso, e abusando da ignorancia e da cegueira dos tempos, mandarão por toda a parte conceder indulgencias áquelles que contribuissem para a construcção dos templos; era a mesma cousa que entre nós se faz com os titulos de Barão para aquelles que contribuem para o hospicio de Pedro 2º; sómente era tudo então mais facil, e n‟uma escala immensa. Os povos accorrião de toda a parte para obter a remissão de seus peccados; os ladrões e os assassinos roubavão e matavão impunemente, desde que se resolvessem a comprar o seu perdão com parte do roubo e dos despojos da victima; nunca o mundo presenciou maior escandalo, nem religião alguma sanccionou immoralidade tal como esta, que publicamente se praticava em nome do catholicismo, com autorisação do vigario de Christo na terra! Lutero, frade Agostinho, professor na universidade de Wittemberg, homem de intelligencia e coração, cheio de saber, eloquencia e coragem, até então respeitado e admirado pelo Papa, levantou-se contra esse commercio infame que desmoralisava o povo, matava a religião e envergonhava a humanidade. Lutero declarou-se contra as indulgencias, o ardor da polemica levou-o logo a atacar o proprio <> das indulgencias, e uma vez no pendor cahiu no scisma, mas as scismas nas religiões, como as revoluções na politica, são sempre motivadas pelos excessos do poder; o promotor da reforma não foi Lutero, foi o Papa. Entre nós os povos indifferentes só se lembrão de questões religiosas para repellirem a intolerancia episcopal. Mas, que Lutero fosse tudo quanto pretende o nobre depuatdo, <> que temos que ver aqui com Lutero, Calvino e outros? Não foi o nobre deputado quem repetio aqui o pensamento de alguem – que a justiça não é menos nobre, a medicina menos util, a religião menos santa, porque ha juizes venaes, medicos ignorantes e sacerdotes degradados? Todas as classes tem membros que as deshonrão e rebaixão, como tem outros que as elevão e nobilitão. De Lutero ter sido traidor, nada se conclue contra a sua doutrina; o nobre deputado sabe que têm havido bispos, arcebispos, cardeaes, papas, que corromperão a igreja, que estragarão o catholicismo; por isso o christianismo não deixa de ser uma doutrina sagrada; quem não conhece entre os envenenadores o nome terrivel de Papa Alexandre VI, o Borgia? quem não conhece tantos outros grandes criminosos, que neste mundo forão coroados com a thiára? Aquelles que se levantarão contra elles não são homens que mereção o stigma da historia: pelo contrario, merecem o respeito geral da humanidade. Lutero foi um desses homens, ministro da igreja, não aceitou a igreja nas suas estravagancias; levantou-se contra a corrupção do Papa e dos conventos, mas não sahiu do Evangelho; os seus preceitos não são catholicos, mas são christães. O nobre deputado disse que Lutero atacou os dominicanos, frades encarregados do commercio das indulgencias: mas se esqueceu que S. Domingos, o chefe da ordem, foi tambem o primeiro inquisidor! O que ha, Sr. Presidente, de

217 comparavel no mundo aos autos de fé do Santo Officio, que parecia querer queimar a humanidade toda! O tribunal da inquisição pertencia de direito aos filhos de S. Domingos, que fizerão sempre por imitar esse santissimo varão, que ao lado do malvado Simon de Montfort fez passar o fio de espada muitos milhares de Albigenses velhos, moços, homens, mulheres e crianças! o que porém é triste, é a condição da humanidade, tão dependente das luzes dos tempos; a cegueira da fé, que faz um homem tão eminente e virtuoso como frei Luiz de Souza, o bravo cavalheiro Manoel de Souza Coutinho, contar essa triste historia na su chaonica de S. Domingos; como se fossem feitos gloriosos, que no céo assignão um lugar muito distincto entre todos os Santos a S. Domingos! Sem duvida que Lutero foi além do que devia, mas não lhe era possivel sem aniquilar-se na fogueira de Huss, e Jeronymo de Praga ficar aquem! À que ficão reduzidas as accusações que o nobre deputado fez? Lutero não está acima dos erros humanos; mas apezar dos seus erros uma nação que prima pela liberdade do pensamento como a nossa, ha de considerar Lutero um dos homens que mais honrão a humanidade, que lhes deve desde aquelles tempos de espessas trevas, a primeira das liberdades, a liberdade da consciencia. Vozes: – Muito bem. O Orador: – A emancipação do pensamento, a emancipação da instrucção, que por toda a parte hoje borbulha contra a oppressão do pensamento pregado na igreja ultramontana, não na Igreja de Christo, que é a verdadeira igreja catholica, a Lutero se deve: o seu scisma fez a Igreja reconsiderar, e o concilio de Trento na sessão 25 deu victoria a Lutero e condemnou o abuso das indulgencias. Lutero era christão e por ter promovido um scysma, nem por isso deve deixar de ser apreciado com justiça pelos catholicos. Não se pode censurar um mão bispo, sem que se clame logo – ataca a religião do Estado; não se pode julgar com justiça os adversarios do Papa, que se não diga logo – é protestante. Sou catholico, Sr. presidente, mas quero para os protestantes os mesmos direitos e as mesmas regalias que quero para mim: não quero differenças odiosas, ridiculas e sobre tudo injustas entre os meus concidadãos. Aristoteles era pagão e no entanto os padres catholicos de tal modo o estudavão e apreciavão, que acreditavão mais nelle do que nos Evangelhos. Este grande homem escravisou o pensamento humano por 20 seculos e fez dizer a um dos seus modernos julgadores, que elle fundou um Imperio mais vasto e duradouro que o seu grande discipulo, e com effeito o imperio de Alexandre quebrou-se com a morte de seu fundador. O imperio de Aristoteles foi destruido por Descartes 20 seculos depois da sua fundação! As mais robustas intelligencias do seculo e do clero entendião que não se podia ir alem do grande mestre que em tudo tinha dito a ultima palavra a contentavão-se em commenttar seus escriptos: no entanto erão catholicos, sacerdotes, e até Santos como S. Thomaz de Aquino, que commentavão este pagão e que repetião suas doutrinas! quem jamais se lembrou de chamal-os anti- catholicos?

218 Ninguem; mas o seu fanatismo na sciencia não era differente do seu fanatismo na fé; aqui a inquisição queimava os infieis, os judeos, os apostatas; ali os primeiros que se levantarão contra a tyrannia do pensamento, que Aristoteles jamais admittiu, cahirão victimas do punhal dos assassinos. Não é pois de admirar que o nobre deputado, que no clero catholico encontra este respeito por um pagão tão sabio e illustre, seja aquelle que venha aqui atacar um homem da ordem do celebre reformador que era christão: o ultramontanismo é intolerante e considera fòra da lei os seus adversarios. Eu, porém, que desejo sobretudo o bem e a prosperidade desta terra, Sr. Presidente, e quero que nella medrem todas as liberdades, não posso deixar de combater taes doutrinas; toda a religião que se funda na existencia de um Deos, e na immortalidade d‟alma, merece o meu respeito, se esses dogmas não são desnaturados com sacrificios humanos. Segundo o systema seguido pelos ultramontanos, de adversarios apaixonados, e amigos dedicados, o nobre deputado fez a apologia de Constantino Magno que viu nas nuvens a cruz com o <>, tão bem aproveitado para as nossas moedas de ouro, que é o santo que mais milagres faz hoje na secretario do bispado, e até no Vaticano. Sr. presidente, o christianismo é uma doutrina celeste, mas não funda seus titulos de religião dos povos cultos da terra nas batalhas campaes de Constantino, nem de S. Luiz, rei da França, nem de nenhum outro heróe; o christianismo não se préga com o Islamismo, com a espada; é uma doutrina verdadeira e santa. que se prega pela paz, pela palavra, pela caridade e por toda as virtudes; quando Constantino declarou o christianismo religião do imperio, não fez mais do que consagrar legalmente o facto consummado; para que argumentar com desnecessarios milagres, que os homens de bom senso repellem? Não é melhor dizer a verdade que é aquillo que sempre succede em casos identicos? a doutrina nova foi perseguida, e Jesus crucificado, é o que succede sempre; a perseguição em vez de matar, deu alento á nova doutrina porque a velha estava gasta e desmoralisada; a nova cresceu, tomou corpo, e acabou matando a velha; foi isto o que succedeu com o Bramhanismo e Budha, com a religião dos Arabes de Mahomet: não forão crucificados porque erão homens, e fugirão; não succedeu o mesmo a Jesus, que era um Deus, e vinha realisar as palavras da prophecia. Os christãos agradecidos lisongeão Constantino que por certo não merece a suspeita apologia que delle faz a igreja: Constantino foi um homem cruel, e assaz o prova o assassinato de seu filho Cryspus, mancebo de grandes virtudes. O nobre deputado attribuiu á protecção divina a victoria que o filho de Constancio Chloro obteve sobre Maxencio; mais justo seria attribuil-a ao auxilio do seu cunhado e collega no imperio, o bravo Licinius, a quem Constantino depois de ter atacado traiçoeiramente, despojou da purpura, desterrou para Tessalonica; não satisfeito com haver roubado o imperio a um homem que o tinha conquistado pela espada, mandou ainda estrangulal-o sem respeito á bravura infeliz de seu adversario, e sem que o commovessem as lagrimas de sua irmã e a orphandade de seus sobrinhos! Eis o grande homem que o nobre deputado celebra, e a quem sacrilegamente os ultramontanos concedem especial protecção da divindade!

219 Sr. presidente, eu não sei em que religião se possa victoriar o assassino, e se alguma o faz não è a religião christã que funda no amor do proximo, na caridade, na paciencia e no perdão. (Apoiados). Se Constantino Magno foi grande homem e triumphou dos seus inimigos porque arvorou o estandarte da cruz, como explica o nobre deputado a exaltação ao throno de seu sobrinho Juliano que depois de Constancio o succedeu no imperio? como explica os brilhantes triumphos que alcançou sobre os seus inimigos? Juliano denominado o philosopho ou o apostata, restabeleceu contra o christianismo a religão de Jupiter e de Venus; para aquelles que pensão como o nobre deputado e attribuem o resultado á religião, este homem deveria ser sempre batido, no entanto o imperio nem mesmo nos seus melhores tempos teve um homem tal; muito jovem ainda, foi, por ser parente do imperador, nomeado Cesar e general das legiões da Germania; o seu nobre caracter, as suas virtudes, o seu heroismo e sobretudo o seu genio militar, fizerão-no em pouco tempo o predilecto das legiões, que o elevarão ao império, onde praticou a sublime doutrina de Platão; aos 32 annos, da mesma idade com que fallecerão Christo e Alexandre Magno, morreu Juliano n‟um combate; consolando, ao expirar, os amigos que o choravão, dizia: – <>! Se a verdade da religião de Christo se verificasse com a espada como se infere da argumentação do nobre deputado, eu lhe contestaria o direito de ser christão, pois essa Constantinopla que foi, como o nobre deputado affirma, um presente do céo á Constantino, vio alguns seculos depois os descendentes das legiões romanas, que entre os seus heroes contavão os Fabios, os Scipiões, os Cesares, trocarem a gloria das armas pelos triumphos dos circos, onde pleiteavão os <> e os <>! abastardados, degenerados, em quanto os infieis abrião brechas na grande capital do mundo, os <> filhos do imperio discutião casos de consciencia e estuiticias theologicas! e já lá vão 4 seculos que a cruz foi derribada do magnifico templo de Santa Sophia, e 4 seculos já forão que a meia lua do propheta campèa sobre os seus minaretes! Vozes: – Muito bem. Muito bem.

Discurso proferido na Sessão Ordinária em 9 de abril de 1874

O SR. S. MARTINS – (geral attenção): – Sr. presidente, não pedi a palavra para fazer um discurso, a questão está esclarecida; mas tão sómente para justificar meu voto. Tratado pelos meus adversarios de exaltado, e muitas vezes pelos proprios amigos considerado adiante das idéas do partido, formei para mim o firme proposito de não proferir voto em questão que pareça melindrosa, sem apresentar perante a assembléa e o paiz, os motivos do meu procedimento. O Sr. C. de Oliveira: – E‟ um exellente principio. O SR. S. MARTINS: – ... para que todos fiquem convencidos do que qualquer que seja a minha posição: governista ou opposicionista, jamais baseio o

220 meu voto n‟outros fundamentos que não sejam ou principio de lei, a ou sevéra justiça, ou as conveniencias geraes da sociedade. (Muito bem.) Reconheço, Sr. presidente, o direito que tem o poder executivo de recusar sua sanção ás leis que julgar incovenientes; não estranho, pois, o procedimento do presidente que não fez mais do que usar de usar do seu direito. Entendo, porém que os motivos com que fundamentou seu acto, não são procedentes. Não gastarei tempo em provar o que já foi cabalmente demonstrando com principios, factos e praticas, que aliás são vulgares para os que conhecem as leis, e a esphera de jurisdicção das assembléas provinciaes. Digo, porém: que o procedimento do governo não foi fundado nos motivos que deu, mas filho unicamente da paixão politica e da posição tomada pela assembléa em relação ao adminstrador. O Sr. João Ignacio: – Isto está bem claro. O SR. S. MARTINS: – ... porque não ha coherencia entre este procedimento de hoje e o do anno passado, em que o Sr. presidente praticou o contrario do que agora quer. O Sr. C. Chaves: – Apoiado. O SR. S. MARTINS: – A consequencia é que os motivos apresentados. O Sr. C. de Oliveira: – Não são sinceros. O SR. S. MARTINS: – ... não são mais do que pretexto, para ostentar o seu antagonismo á assembléa, e então, Sr. presidente parece mais natural que a censura recaia antes sobre o governo, do que sobre o Sr. bispo que não foi ouvido, e que não tomou parte alguma na repulsa do acto da assembléa. Sr. presidente, é principio essencial de bom governo, a harmonia de todos os poderes publicos entre si: não só do legislativo e do executivo e mais poderes politicos, mas destes com o ecclesiastico que é um verdadeiro poder social; a harmonia é a ordem, e sem ordem não ha bom regimento na sociedade. Por esta rasão não resignei-me a dar voto symbolico. O nobre deputado que primeiro fallou sobre a materia, emittiu, ainda que accidentalmente, idéas que, se passarem em protesto, póde se pensar, que mereceram a sancção unanime da assembléa. Se os bispos, Sr. presidente, tem abusado no exercicio de suas funcções, não é isso rasão sufficiente para serem desnaturalisados; elles são cidadãos; e se não fossem, não podia o episcopado ser elevadissimo cargo que a lei civil consagra com tantas honras, privilegios e destincções. Os bispos são altos funccionarios do Estado; e no nobre deputado que entende que elles todos deviam, como frei Vital, achar-se encarcerados na fortaleza de Santa Cruz, como funccionario regularmente processados e punidos, não pode ao mesmo tempo querer vel-os expulsos, desterrados da patria, como cidadãos desnaturalisados. Como se póde ao mesmo tempo desconhecer a cidadania ou direito de cidade um individuo, e responsabilisal-o por quebrar os deveres de cidadão? Se os bispos

221 devem ser condemnados como funccionarios criminosos, não podem ser desterrados como estrangeiros; ninguem póde, hoje, graças a Deos e á idéa liberal, ser condemnado neste paiz, sem um julgamento regular do poder judicial, nem soffrer pena que não esteja marcadas nas leis! (Apoiados, muito bem.) Eu, Sr. presidente, não sou suspeito quando assim me exprimo: sabe V. Ex., sabe a casa e o paiz, que as provincias de Pernambuco e do Rio de Janeiro conferiram-me a hora immerecida de ser, perante o parlamento nacional, o orgão de suas queixas contra os abusos das autoridades eccelesiasticas. Já estão terminantemente declararei, que todos estes conflictos, se eram movidos pelos bispos, eram filhos das leis canonicas que os subordinam a Roma; leis que a politica sanccionou, consagrado na constituição uma religião de Estado, e nas instituições civis o casamento religioso. O art. da constituição, Sr. presidente, que consagra a religião catholica, como religião d‟Estado, reconhece ipso facto a cabeça visivel da igreja, o summo pontifice de Roma, porque sem papa não ha religião catholica apostolica romana. O Sr. C. de Oliveira: – Nas restringe esse principio na questão do placet. O SR. S. MARTINS: – Não é, portanto, Sr. presidente, applicavel á religião, o art. do codigo criminal, que qualifica crime, o facto de prestar o cidadão brasileiro obediencia a um chefe estrangeiro; e muitos menos póde-se concluir, que importe isso perda dos direitos de cidadania; antes o contrario succederia, porque se catholicos não fossemos, não podiamos ser deputados, nem o imperador podia ser imperados do Brasil. Não exige a constituição que o imperante jure manter a religião catholica? Não é elle o o primeiro que reconhece a supremacia do papa em ponto de religião? O mal vem do casamento, que no parlamento qualifiquei de hybrido, da religião e da politica, da igreja e do estado. O principio religioso tem por theatro a consciencia, e a consciencia tem por juiz unicamente Deus, ou seus ministros na terra! A sociedade civil, pelo contrario, não póde devassar o pensamento, o seu theatro é o mundo exterior; e quem regula as relações sociaes, são as leis humanas applicadas pelos poderes politicos. A alliança destes dous poderes rivaes é a origem dos conflictos suscitados; mas, se os bispos devem obedecer ao poder civil, não se segue que este tenha o direito de desnaturalisal-os contra os preceitos da constituição do Estado. O procedimento dos bispos é criminoso? instaure-se-lhes processo; assim se pratica com qualquer funccionario, assim se deve praticar com um alto funccionario: a lei é igual para todos. Foi o que se fez com Frei Vital, condemnado pelo poder supremo tribunal de justiça, condemnação que é ao mesmo tempo o attestado de que se pune um cidadão; pois se o não fora, não podia ser responsabilisado com funccionario. Todos os outros, disse o nobre deputado, praticaram o mesmo crime, porque despresaram as nossas leis, lançaram á publicidade a pasroral do papa sem o placet imperial; mas, longo de por isso censurar-se o bispo da provincia de jesuitismo, ou os outros que fiseram o mesmo, só merece censura o governo que não soube cumprir integralmente o seu dever. (Apoiados)

222 O Sr. bispo do Rio Grande não desembainhou, a espada contra o governo, foi prudente, e alliou quanto pôde o seu dever de bispo romanocom os de subtido do imperio; devemos, Srs., censural-o porque foi prudente? Não julgo isso, nem justo, nem conveniente. Censuravel foi o procedimento hypocrita do presidente (apoiados) que sendo tambem governo, e podendo entender-se com o bispo sobre a conveniencia da capella creada, não o fez, e em vez de mandar nos dizer: não sancciono porque o bispo não acha conveniente esta capella – diz-nos – não sanccionei porque a assembléa não ouvio o bispo. Isto, Srs., é que é jesuitico, porque o Sr. Carvalho de Moraes sanccionou o anno passado leis semelhantes sem esses santos escrupulos; e accusar-se em tal caso o bispo que nenhuma parte tem no acto, é atacar o innocente para innocentar o culpado. (Muito bem! Muito bem!)

Discurso proferido na Sessão Ordinária em 9 de abril de 1874 (continuação)

O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. Presidente, não sei o que mais admire no nobre deputado – se a volubilidade com que deixou a questão que se debate, se a naturalidade com que, aggredindo-me, por uma fórma inesperada, declara em minhas palavras ver uma aggressão. Sr. presidente, se me fosse dado neste momento rever as notas do tachigrapho, havia o nobre deputado ficar convencido que proferio as proposições que lhe attribui, e que agora modifica no seu 2º discurso. O Sr. Avila: – Pois eu peço ao Sr. Tachigrapho que transmitta ao nobre deputado o meu discurso antes de mandar-m‟o á casa. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Disse o nobre deputado, que o ataquei tomando a defesa dos bispos, quando em minhas palavras apenas procurei ser o orgão da lei, e voz da justiça. Por isso mesmo que tenho combatido as invasões do poder eclesiastico, senti a necessidade de não applaudir a uma accusação fóra de proposito, para que as minhas censuras, quando por ventura as renove, tenham por si o conceito que merece o homem que respeita o direito em qualquer parte em que este se ache. O Sr. Avila: – Não contesto isso. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não foi a defesa dos bispos que tomei, o que não quiz foi partilhar a responsabilidade das censuras pelo nobre deputado feitas ao Sr. Bispo do Rio Grande, com quem não tenho relações, e a quem, posso dizer, não conheço. E que tem que ver Srs., o projecto em discussão, com a publicação da bulla papal sem placet? Por ventura defendi esse acto? Ignora alguem, que principalmente ao movimento popular da provincia de Pernambuco de Pernambuco que agitou a opinião publica de todo o paiz foi devido ao facto extraordinario do processo e

223 condemnação do bispo D. Vital? E quem foi perante o parlamento órgão dessa opinião, oque arrancou o governo da inercia para cumprir o seu dever? O nobre deputado sabe que fui eu; como póde pois considerar-me defensor dos bispos? Não sou defensor dos bispos que violaram as leis; eu, hoje, defendo os cidadãos, que, por commetterem um delicto, não devem ser considerados fóra dellas. O nobre deputado, desnaturalisado os bispos, seus concidadãos, assume grave responsabilidade, vai além, das nossas leis que não são sobre a materia muito liberaes, e encontra diametralmente a doutrina do nosso partido. O Sr. Avila: – Póde ser. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado, variando da lei para os factos, atacou o bispo como jesuita porque limitou-se como o arcebispo da Bahia a publicar a pastoral do summo Pontifice, e não tomou a espada de guerreiro desembainhada por Frei Vidal, ontra a autoridade civil. Srs., não me parece justo o nobre deputado, quando ataca o bispo guerreiro por violento e usurpador, e aquelle por jesuita, que como este não procedeu. O Sr. Avila – dá um aparte. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O bispo do Rio Grande publicando sem o placet a pastoral do Papa, que invade a jurisdição civil, e dando-lhe força obrigatoria contra as leis do paiz commetteu o mesmo delicto que os outros; ao governo, portanto, cumpria, se fosse coherente, instaurar-lhe o processo de responsabilidade. Quem é, pois, que falta aos seus deveres? O governo ou o bispo? Quem foi o jesuita, o bispo que publicou pela imprensa e mandou observar o acto apostolico offensivo das leis civis, sem estrepito, sem alarde, ou o governo que deixou de submettel-o a processo, fingindo ignorar um facto, que a imprensa unanime apreguou? O governo, só o governo é o jesuita neste conflicto. Nesse livro da nossa infancia, Sr. presidente, no Telemaco, se bem me recordo, a imaginação grega do divino Fenelon nos apresenta o filho de Ulysses, que ao passo que se affastava da patria suppunha, victima d‟uma miragem, aportar a cada momento, em sua cara Ithaca e abraçar o velho pai; mas chegando, apenas encontrava as nuvens do horisonte! O nobre deputado, Sr. presidente, parece dominado por essa fatal miragem, que lhe não consente fazer a distinção da dupla individualidade... O Sr. Avila: – Não soube. O SR. SILVEIRA MARTINS: – … do papa, como soberano e como chefe da christandade. Quem não sabe que o papa foi um rei? Todos o sabem; os próprios meninos que cursão as escolas não ignoram que desde Carlos Magn até ultimamente, o sucessor de S. Pedro tinha uma patrimonio que governava como rei! Mas o que o nobre deputado não distingue é que o seu papel de rei se limitava – aos antigos Estados Pontificios, e como papa, Srs., o summo pontifice não é rei, é o chefe da orba catholico.

224 O Sr. Avila: – (Com ironia) isso não é filigrama. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não é filigrana, é uma trivialidade que admira possa ser posta em duvida, hoje, quando o papa até já nem rei é, ou se quiserem, é rei destronado. Os catholicos, fies d‟uma religião cujo nome exprime <>, conhecem outras crenças, mas não podem reconhecer nações se não como entidades politicas. Os dogmas catholicos são os mesmos para todos os fieis, e os sagrados mysterios celebram-se da mesma maneira em todos os templos, abertos a todos os catholicos do mundo, sem distinção de raças, de línguas, nem de nações. O proprio nobre deputado, se é catholico... O Sr. Avila: – Catholico como elle pensa, eu não sou. O SR. SILVEIRA MARTINS: – … não póde deixar de reconhecer no pontifice o seu soberano espiritual, e, a própria constituição do Imperio reconhece no papa residente em Roma, o chéfe da Igreja, e Summo Pontifice da religião do Imperio; O papa como soberano temporal regia os seus Estados, promulgava decretos, como papa transmitte bullas e pastoraes aos seus fieis. Que o nobre deputado cahio em contradição, não é mister esforço para proval-o, basta recordar-lhe as suas recentes palavras neste recinto: se Pio 9º fosse um <>, se fosse um verdadeiro apostolo de Jesus Christo, se fosse um santo, ou um papa como o nobre deputado imagina, de sua feitura e a seu gosto... O Sr. Avila: – Porque não tinha supremacia, nem era infallivel. O SR. SILVEIRA MARTINS: – … esse seria o pontifice do orbe catholico e aquelles que lhe prestassem obediencia não serião estrangeiros. O Sr. Avila: – Sem duvida. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Veja V. Ex., Sr. Presidente, onde vai parar o nobre deputado com este seu individualismo? Senhores, ou não se aceita a igreja, ou aceita-se como ela é... O Sr. Avila: – Eu acceito como é, e não como o papa a quer. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado <> d‟um lado, ao passo que do outro quer desconhecer a autoridade dos bispos e do papa. Senhores, o competente para dizer o que a igreja é e o que a igreja não é, não é o nobre deputado é o papa e os concilios. Se o nobre deputado se declarasse livre pensador, eu não teria a oppor-lhe, mas confessando-se catholico e reconhecendo a infallibilidade da igreja... O Sr. Avila: – A igreja não é o papa; são cousas muito distinctas. O SR. SILVEIRA MARTINS: – E quem não sabe isso? O Sr. Avila: – Porque está confundindo então? O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não estou confundindo; o nobre deputado é quem faz a confusão, ou em vez de attender ao que digo anda correndo mundo.

225 O Sr. Avila: – Sou muito gordo para correr mundo. (Riso) O SR. SILVEIRA MARTINS: – Mas é lgero. Sr. Presidente, o nobre deputado que acaba de reconhecer a infallibilidade da igreja diz – a igreja não é o papa – como quem diz – a igreja é infallivel. O papa não. Pois bem; quaes são os meios porque promulga a igreja seus infalliveis decretos? Os concilios ecumenicos. Pois foi o concilio do Vaticano, o ultimo concilio ecumenico, que decretou o dogma da infallibilidade do papa... O Sr. Avila: – Não apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – e de uma – ou o papa pela doutrina do nobre deputado que se confessa catholico romano, é infallivel, ou a igreja não o é. O Sr. C. Flores: – É a questão dos velhos e novos catholicos. O Sr. Avila: – É a questão velha. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não é; os velhos catholicos separam-se de Roma, sem se importarem se o Papa é Pio 9º, ou Bemvindo de Victor Hugo. A minha doutrina não é religiosa, é politica; e por isso reclamo para a minha patria liberdade ampla de cultos, para que cada um possa conquistar o céo pelo caminho que escolher (apoiados). Todos os cadaveres humanos tem na sociedade direito natural á cova... O Sr. Avila: – Nem em todos os paizes. O SR. SILVEIRA MARTINS: – As municipalidades devem ter os seus cemiterios para os homens, as congregações religiosas que os tenham para os seus membros; porém, dizer-se catholico romano, professar o principio intolerante que esta doutrina consagra nos seus codigos: que não ha salvação fóra do gremio da igreja, e querer harmonisal-a com a doutrina ampla, liberal e philosophica do racinalismo: que o verdadeiro culta é a pratica das boas obras, como fazem a maior parte dos maçons brasileiros, é um contrasenso! O catholicismo deve ser acceito como é, ou regeitado; a doutrina d‟um Deos é a verdade absoluta, e não admitte transacções. Quando se diz: o verdadeiro culto é a pratica das boas obras, sagra-se a moral, e a moral não tem patria nem crença, é humana e de todas as religiões. Todos os bons tem por este principio direito ao reino dos céos, sem mais distincção do que as virtudes. Mas quando se diz catholico, significa-se um humam que professa o principio contrario e intolerante, que ha pouco referi, e os que forem sinceros devem prostrar-se aos pés dos minitros do catholicismo e não insubordinar-se contra elles. Os Estados Unidos desconhecem estas questões, porque lá não ha religião de Estado: a luta em que vivemos nasce do art. 5 da constituição, que consagra a alliança de dous poderes rivaes que não podem transigir: os civilistas, ou partidarios do Estado, querem a subordinação da igreja ao Estado; os clericaes querem o estado para instrumento da igreja. A verdade não está nem n‟uma nem n‟outra, são duas associações differentes; a sociedade humana nada tem que vêr com o reino dos céos, ella trata somente da ralidade das cousas da terra (com ironia) trata até da barriga; (Risadas).

226 A sociedade religiosa trata das almas do outro mundo, (riso) trata do espirito immortal. O Sr. Avila: – E não da bariga? Pergunte a Antonelli se elle trata da barriga (riso) ou ao Penedo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – A minha doutrina é pois, hoje, a que foi sempre – divorcio dos poderes civil e eclesiastico, a igreja livre do Estado livre. Eis porque, Sr. Presidente, justificando o meu voto, reconheci o direito dos bispos a cidadania do imperio, e combati a opinião do nobre deputado que leva ao principio contrario – do Estado livre com igreja escrava. Podia, o nobre deputado, com sinceridade enxergar aggressão nas poucas palavras que proferi para salvar os principios liberaes que o nobre deputado comprometteu? O Sr. C. de Oliveira: – O nobre deputado fallou sem acrimonia. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu não disse que o nobre deputado não era órgão de suas opiniões; não disse que fosse instrumento de interesse inconfessaveis; em que o aggredi, portanto? Em dizer... O Sr. Avila: – Que era injusto e illegal. O SR. SILVEIRA MARTINS: – ... em dizer que S. Ex. offendia a lei reclamando o exilio, a expulsão da patria, para lalguns de nossos concidadãos, que tem, como nós, os mesmos direitos, os mesmos deveres, e as mesmas garantias constitucionaes? O nobre deputado veio desta vez por demais melindroso; nunca o conheci assim. Pois nesta epocha, em que o nobre deputado brada por amplas reformas liberaes; quando os próprios conservadores as vão fazendo, nesta epocha em que queremos abrir os braços a todos os estrangeiros e dar-lhes os mesmos direitos que temos de nacionalidade, é que o nobre deputado, liberal, quer expulsar os filhos do paiz como estrangeiros! O Sr. Avila: – Em virtude da mesma lei. O SR. SILVEIRA MARTINS: – De que lei falla o nobre deputado? O Sr. Avila: – Da lei que os desnaturalisa. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Nenhuma lei os desnaturalisa, nem ha lei que autorise o governo a deportar estrangeiros! O nobre deputado torna-se echo de um erro fatal que tive a honra de exprobar ao illustre autor das cartas de Ganganelli... O Sr. C. de Oliveira: – É da mesma opinião. O SR. SILVEIRA MARTINS: – … o meu distincto amigo, o Sr. Conselheiro , dizendo-lhe: cuidado! Sois chefe de partido republicano, e parece que, quando pedis a deportação para os bispos porque violam o art 5ºda constituição esqueceis que reclamais para vós, que a quereis destruir pela base, mudando a fórma do governo.

227 O Sr. Avila: – Mas como simples cidadão, não como empregado publico, e não obedecendo a um soberano estrangeiro. Ha muita distincção, ahi é que ha muita insjustiça. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Ha unicamente a distincção, que um offende a todos. Já mostrei que o Papa não é soberano estrangeiro. O Sr. Avila: – Isso é sua opinião. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não é opinião individual minha, é commum, e não póde haver duvida séria sobre este ponto. O chefe da igreja do Estado, reconhecida pela constituição é o Papa, a quem o poder executivo apresenta os bispos para serem sagrados, e quando os recusa, como tem succedido por mais de uma vez, o governo apresenta outros. Mesmo quando o Papa era soberano não sagrava bispos como tal, e sim como Pontifice de Jesus Christo. Quem póde duvidar que o próprio imperador, se é catholico, reconhece espiritualmente a supremacia do Papa. O Sr. C. de Oliveira: – Não ha hierarchia ahi. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Ha hierarchia, na ordem espiritual, tão grande que debaixo deste ponto de vista o imperador é subdito de seus próprios subditos, a cujos pés, se é verdadeiro catholico, prostra-se de joelhos, confessa suas peccados, e implora em nome de Deus absolvição de suas culpas. O Sr. P. da Rosa: – Ahi não é o imperador, é o christão (Apoiados e outros apartes no mesmo sentido). O SR. SILVEIRA MARTINS: – Nem outra cousa digo eu, desde que não há imperadores espiritaes. Isto não é objecto de duvida, Srs.: os proprios principes catholicos quando se dirigem ao Summo Pontifice subscrevem-se – subditos fieis, e imploram sua benção apostolica. O Sr. Avila: – Assim como nós tambem nos subscremos – creados – de todos os amigos a quem escrevemos. (Riso) O SR. SILVEIRA MARTINS: – Mas os principaes não tem nesse ponto a mesma liberdade que nós; seria ridículo e insensato que um soberano se assignasse creado do seu subdito. Duvidar disto é duvidar da luz do sol. O Sr. Avila: – (rindo-se) Mas, meu Sr., eu não vejo o sol; declaro-lhe positivamente. O SR. SILVEIRA MARTINS: – (Com ironia). Bem sei que não vê nada, e nada poderá vêr, prque diz o Evangelho: os verdadeiros cegos são aquelles que não querem vêr. O Sr. Avila: – Pois seja.

228 O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado, Sr. Presidente, que vio ataque á sua pessoa, nas minhas inoffensivas palavras, deu-me direito a desconfiar do seu procedimento, pois sempre ouvi dizer que quem anda aos cerdos tudo lhe parece ronco. (risadas.) O Sr. Avila: – E acha que não tenho rasão? O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado respondeu-me alardeando franqueza, e appellando para a minha pessoa, agora pergunta-me se acho que elle não tem rasão? Responder-lhe-hei, perguntando: e o nobre deputado não acha que eu tambem terei rasão? O Sr. Avila: – Entendo que não. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não me admiro, porque o nobre deputado é dedicado sectario do systhema das contradicções, agora mesmo, no discurso que acaba de proferir, declara-se lutador de annos e logo diz que tem pequeno tirocinio politico; affirma que não tem tanta experiencia como eu, e logo que é muito mais antigo do que eu na vida publica. Ninguem mais do que eu reconhece os esforços e sacrificios pelo nobre deputado feitos em favor da causa commum; mas, por isso mesmo tanto amis de pasmar é o procedimento do redactor, que n‟um bello dia quebra a penna, condemna o seu partido, declara-o dissolvido, sem programma, sem chefe, abandona os seus amigos, e – declara-se affastado da politica! Isto quando o partido manifesta-se unido, organisado, accorde e pujante como nunca esteve no Brazil o partido liberal! E que se dirá, então, considerando-se que o nobre deputado “affastado da politica” fica permanente na imprensa, para sem o seu nome e responsabilidade moral, atacar a idéa liberal, e os seus próprios correligionarios? É isso que o nobre deputado chama de franqueza? E depois disto terá o nobre deputado direito de perguntar-nos se desconfiamos de sua pessoa? O Sr. Avila: – Sem duvida que tenho. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado, fazendo proceder a sua entrada nesta assembléa de rumores de opposição contra cada um e contra todos os seus amigos; o nobre deputado, manifestando-se por toda a parte contra a nossa politica, servindo assim os interesses de nossos adversarios, tem direito de exigir de nós o reconhecimento dessa franqueza que alardêa? O Sr. Avila: – Provarei que tenho mais que direito. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado contestará isto que acabo de dizer? O Sr. Avila: – Sem duvida nenhuma. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Pois eu invocarei o testemunho de seus próprios amigos. O Sr. Avila: – Não ha falta de franqueza; de toda a franqueza tenho usado na minha vida.

229 O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu appelarei para o nobre deputado, que não faz hoje mysterio dos artigos que publicou... O Sr. Avila: – Todos são meus, eu o digo, e hei de repetil-o aqui na tribuna: fique certo disto. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Porque então se diz arredado da politica? Que original correligionario não é esse, que exige plena confiança de seus amigos, ao mesmo tempo que abandona as fileiras em que milita, e vai subterraneamente lançar o facho da discordia n meio delles? O Sr. Avila: – O que lamento é não poder responder-lhe já. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado pode responder quando quiser. O Sr. Avila: – Mas accusa-me quando já não posso fallar; não tenho mais a palavra. Isso não é nobre; devia ter um pouco mais de cavalheirismo comigo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado não tem o direito de fallar desse modo. O Sr. Avila: – Provar-lhe-hia que não havia nada desleal. O Sr. Presidente: – Eu peço aos nobres deputados que não continuem nesse dialogo, que póde irritar a discussão. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. Presidente, o nobre deputado é que não foi cavalheiro; eu dei a rasão do meu voto, e o nobre deputado vio logo uma aggressão no facto de haver eu votado no mesmo sentido, mas por motivos differentes dos do nobre deputado. O Sr. Avila: – Deu a razão do seu voto tratando de mim exclusivamente. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não tratei da pessoa do nobre deputado; tratei do seu discurso; para discutir aqui estamos. O Sr. Avila: – É verdade; tratou do discurso! E não discutio a questão de que se trata. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Declarei que não o fazia, porque era superfluo, desde que a materia era clara e se achava discutida, porém não concordava com as doutrinas pelo nobre deputado prégadas contra os bispos, por não me parecerem justas nem liberaes, e não queria que recahisse sobre uma assembléa liberal a responsabilidade d‟um attentado contra as idéas. O nobre deputado, senhores, com quem sempre entretive as mais intimas relações de amizade, e em quem sempre reconheci muita liberdade de espirito, sorprehendeu-me com a sua resposta. A casa e o publico são testemunhas da maneira por que o nobre deputado fallou, o tom aggressivo que deu á sua declamação, ora feroz e iracundo, ora fazendo uso daquella arma que maneja sempre com primor, a ironia mordente, confessando-se de ante-mão esmagado, quando aliás não discutiamos questão alguma, e reconhecendo-me talentos extraordinarios que não possuo. O Sr. Avila: – Quem os negou já?

230 O SR. SILVEIRA MARTINS: – Nestas circumstancias, senhores, é justo o nobre deputado quando me attribue falta de cavalheirismo por dar-lhe immediata resposta? Eu não escolho voz nem dia para fallar: é quando me cabe a palavra. Sr. Presidente, se de mim dependesse, eu daria ao nobre deputado a palavra todas as vezes que pedisse. O Sr. Avila: – Não vio a gravidade da accusação que me fez ha pouco? O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não foi accusação ao nobre deputado; fiz a minha defeza. Ao nobre deputado não faltará occasião de fallar... O Sr. Avila: – Sem duvida. O SR. SILVEIRA MARTINS: – … e será, Sr. Presidente, com verdadeiro prazer q‟ verei S. Ex. arrancar de sobre hombros a responsabilidade que assumio perante toda a provincia. O Sr. Avila: – Não sei se esta – toda a provincia – está bem applicada; é bom distinguirmos. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Pois distinga-se; e acho que tem o nobre deputado razão; já vê que sou prompto em reconhecer a verdade, e dar satisfação á justiça. A provincia não é toda liberal; a responsabilidade do nobre deputado é só perante o nosso partido; o outro dar-lhe-ha parabéns, exultará, felicitará o nobre deputado por pretender, entre nós, a gloria d ser pomo da discordia. O Sr. Avila: – Eu mostrarei ao nobre deputado quem é o pomo da discordia. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Provoco o nobre deputado para que o faça. O Sr. Avila: – E o farei, porque hoje ha necessidade de indeclinavel. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Sr. presidente, vaso de imperfeições, como me considero e me confesso, ha uma cousa q‟presumo de mim, é a coherencia; membro do partido liberal, homem politico, tenho procurado a ser incarnação do principios da nossa generosa e patriotica doutrina, da mais dedicada abnegação, despindo-me de pretenções individuaes de toda a sorte: de cargos, de empregos, de posições. Só tenho disputado cargos de eleição popular por amor da idéa liberal e do bem publico da minha patria, com especialidade da minha provincia. É desagradavel, senhores, a um homem publico tratar de suas pessoa no posto que lhe foi confiado para tratar da patria; mas não terei remedio, á vista da ameaça do nobre deputado, senão dar-lhe resposta, tratar da minha vida politica, e do meu procedimento em relação ao proprio nobre deputado, para mostrar a todos, Sr.presidente, que, se tenho amigos dedicados que me acompanham e outros que me sutentam, não os conquistei pela corrupção, nem os conservo por esperanças e ambições, cuja satisfação acha-se fóra do meu poder; porque tenho convencido aos meus desinteressados e patrioticos amigos, que a minh‟alma não conhece maior amor do que o da provincia que nos vio nascer, nem maior ambição do que a do seu progresso e prosperidade. (Apoiados.)

231 A minha vida politica é absolutamente extreme de miudezas, de despeitos, de intrigas, que desnaturam o systema representativo, e acanham as proporções dos homens; é frente a frente, que quero encontrar os meus detractores, que inventam pretextos para disfarçar os seus desvios. Desde o primeiro dia em que entre, pela primeira vez, na assembléa provincial, travei a luta que até hoje sustento – a de fazer predominar a justiça sobre a protecção, o bem geral sobre o interesse particular, que toma mil fórmas, e põe em jogo os mais extraordinarios recursos. V. Ex., Sr. Presidente, companheiro de nossos trabalhos, confidente de nossas esperanças, tem pleno conhecimento dos sacrificios feitos por uma pleiade de moços generosos, dominados pelo amor da terra natal. Quantas lutas! Quantas espearanças decahidas! Quantos desalentos! Para podermos realisar aquillo q‟vamos fazendo. Se para mais não prestassem os meus serviços do q‟ para conservar firme e energica no meu partido a certeza do triumpho, eu ainda assim animar-me-hia a perguntar – quem já prestou maior! O nobre deputado foi nosso companheiro; hei de rasgar o véo que lhe escurece a memoria, e relembrar-lhe o passado; então, senhores, ver-se-ha claro o segredo dessa dictadura, inventada para correligionarios, despeitados por não verem satisfeitas indebitas pretenções, e exploradas pelos adversarios, que desejam nas nossas fileiras a desordem e desorganização que nas suas existem; ver-se-ha que são verdadeiros benemeritos do partido liberal os que tomam por norma a justiça e interesse publico. O Sr. Avila: – E se não... terão os epithotos que tive ha pouco. O SR. SILVEIRA MARTINS: – … o que vale é que o nobre deputado diz isso diante d‟aquelles que nos ouviram. Jamáis contestarei o nobre deputado os serviços que prestou, os sacrificios que tem feito; mas, senhores, todos nós os temos feito, e se não eu, muitos têm prestado maiores do que o nobre deputado, e não allegam. Dominado por uma idéa superior, e não por interesses de circumstancias, o partido liberal, como se acha hoje, não póde desorganisar-se, não se desorganisará, embora se levantem emanações do inferno para asphixiar a liberdade, que triumpha. (Ha um aparte). Havemos, Sr. Presidente, marchar unidos pela mesma estrada, inspirados pelas mesmas idéas do patriotismo e do bem publico, sem deixar-nos avassallar pela idéa de localidade ou de bairro... O Sr. Avila: – dá um aparte. O SR. SILVEIRA MARTINS: – … que sacrifica o corpo aos membros; todos queremos o bem esta nobre terra do Rio Grande do Sul e a mais humilde localidade... O Sr. Avila: – É parte da provincia do Rio Grande. O SR. SILVEIRA MARTINS: – … é creadora da attenção da assembléa, comtanto que não sacrifiquemos os grandes interesses publicos a conveniencias meramente locaes ou a pretenções injustificaveis.

232 O nobre deputado, Sr. Presidente, distinguio a politica da administração: S. Ex. não inventou novidade alguma; e se tratei isso de filigrana, terminantemente o disse – entre nós, onde as cousas estão confundidas, e em relação a administração do Sr. Carvalho de Moraes a que se referia a distincção do nobre deputado; pois é certo que nenhum administrador tem sido mais politico do que o actual. Por outro lado, quem não conhece o insigne machinismo que faz funccionar a autocracia no Brasil? O imperador chama 7 homens para o ministerio, noméa 20 presidentes para as provincias e outros tantos chefes de policia, faz-se uma inversão parallela na G.N. e na policia, desde commandante superior até os sargentos, desde o delegado até o inspector de quarteirão, põe-se a machina em movimento, as resistencias são quebradas, trituradas, pulverisadas, e as urnas dizem que os povos acceitam unanimemente a obra do seu rei. Nesta circumstancias, Srs., que administração não é politica no Brasil? E o que demais affirmo, e hei de provar, é que Sr. Carvalho de Moraes tem sacrificado a administração á politica mais do que qualquer outro. Ninguem, que me conste, disse ao nobre deputado que devemos rejeitar os actos bons dos governos adversarios. A doutrina que expuz, implica até o contrario: quando tomei a palavra, comecei dizendo que não contestava ao poder executivo o direito que lhe era confiado por lei, de não saccionar as leis manifestando os motivos na forma do acto addicional? Pois, porque somos adversarios, havemos de atacar o que é bom, justo e razoavel? Os nossos adversarios praticam o bem? Nós não podemos censural-os; mas, nem por isso se segue que tenham direito ao nosso apoio, nem que nos convertamos em trombetas de suas glorias: o silencio da opposição é o elogio do governo! O Sr. Avila: – Não penso assim, nem desse modo tem procedido o nobre deputado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não digo, Srs., que nunca elogiei nenhum ministro contario, estabeleço uma regra, de politica, que nada tem de absoluta, e que não repugna com o louvor contrario e espontaneo dirigido por um cidadão a um ministro de opiniões contrarias por haver praticado um acto. Na assembléa geral tive occasião de elogiar alguns actos do governo, sem que por isso deixasse de apoial-o com a “minha opposição”. O Sr. Avila: – E até mesmo o actual administrador da provincia. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não me recordo de jamais havel-o feito; peço ao nobre deputado que me desperte a memoria, citando-me um facto. O Sr. Avila: – Até confeccionou com elle a lei do orçamento passado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – (com força) Não é verdade! Apello para os meus collegas que foram membros da commissão respectiva. O Sr. Camargo: – Póde apellar para toda a assembléa. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O que fiz, foi significar-lhe a disposição em que estavamos de facultar-lhe meios amplos de governo, e perguntar-lhe o valor do credito que julgava necessario abrir, para satisfazer os grandes compromissos da

233 provincia; se o Sr. Carvalho de Moraes outra cousa disse ao nobre deputado, faltou á verdade. O Sr. Avila: – Não tive conversa com elle a esse respeito. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Srs., ahi está a lei do orçamento, que é o documento de prova cabal qu esta assembléa, sem mover opposição ao Sr. Carvalho de Moraes, não depositava grande confiança na suas promessas. O Sr. Avila: – Nesse orçamento ha disposições que não se votam a amigos intimos. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Ha demonstração de desconfiança, que de facto se não vota a amigo intimo. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Elogiei mais de uma vez, o Sr. Ministro da guerra, e o Sr. Ministro da justiça, por actos que praticaram, porque estando tão habituado a ver praticar só erros por outros, entendia que era conveniente louvar os que acertavam, e com isso tirava dous proveitos: animava-os a que continuassem, e dava força e autoridade ás minhas censuras aos outros ou a elles próprios dirigidas. Eu espero, Sr. Presidente, que o nobre deputado analysando a administração do Sr. Carvalho de Moraes, faça sobresahir os grandes actos administrativos de S. Ex., que merecem a sua approvação porque não participam da natureza politica; se o fizer terá o nobre deputado a prova que voto pelo bem publico, sem indagar do seu autor. Votei no parlamento nacional pelas estradas de ferro do Rio Grande, de que fez o governo questão de gabinete. O Sr. Avila: – E salvou-o até. (Não apoiado). O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não o salvei. O Sr. Barreto: – Então devia votar contra? O Sr. Avila: – Ninguem diz isto. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Tratando-se dos adversarios como homens politicos, e não podendo o meu partido subir ao poder naquelle momento, eu tinha dever de distinguir entre governo e governo, (apoiados) não tinha sòmente de considerar o gabinete que estava no poder, senão tambem aquelle que o devia succeder. O Sr. Avila: – Eu tenho bem presentes as palavras do Sr. Rio Branco: retiro- me do poder se este projecto não passar –; e o nobre deputado deu o seu voto de confiança. (Não apoiados) O SR. SILVEIRA MARTINS: – Voto de confiança contra um gabinete a quem sempre fiz opposição? É ridículo! O projecto que se discutia era iniciado por mim... O Sr. F. Barreto: – Isso é que é; e havia de votar contra a sua idéa! O SR. SILVEIRA MARTINS: – ….tratava-se da maior conquista, que uma provincia podia alcançar no parlamento e que nenhuma antes do Rio Grande do Sul havia alcançado: a decretação de duas grandes vias ferreas...

234 Uma voz: – A grande accusação dos conservadores é esta. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Os meus amigos politicos todos, com excepção do Sr. Pinheiro Guimarães, acompanharam-me na camara e no senado, e o nobre deputado lança-me em rosto o facto que mais incomodou os nossos advesarios: que eu não tivesse votado contra a minha propria idéa, para perder a gloria que por ventura me podesse resultar de havel-a iniciado! (Apoiados. Muito bem). Quando o governo tornava-se o instrumento das nossas idéas, e tomava a si o encargo de executar o que nós lhe pediamos, eu não podia votar conta o projecto. (Apoiados). O Sr. Arruda: – Contra um triumpho seu. O SR. SILVEIRA MARTINS: – E tanto é verdade, que o Sr. Rio Branco disse sem rebuço ao illustre Sr. Conselheiro Zacharias: a idéa é da opposição, mas o governo aceita o bom de qualquer parte que venha, sem fazer disso questão de partido. O Sr. Cândido Lopes: – Acima de tudo está a ideia. O Sr. Avila: – Aceita o principio; acima de tudo está a idéa. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O Sr. Zacharias respondeu-lhe com a sua reconhecida habilidade: isso seria verdade se se tratasse somente de um melhoramento industrial e economico, nesse caso qualquer deputado póde ser o orgão legitimo das aspirações de sua provincia. O Sr. Avila e outros Srs. deputados: – Apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Mas quando se trata, como diz a Falla do Throno, do caso presente de uma estada estrategica, que entende com a alta politica, e reporta-se a defeza do Estado, ao governo principalmente competia a iniciativa. Sr. Presidente, devo dizer ainda ao nobre deputado, que não basta que uma medida seja util para ser decretada, cumpre que sejam primeiro analysadas, discutidas, e que se cotejem os beneficios que produzem com os sacrificios que custam á provincia. O Sr. Avila: – Apoiado. O SR. SILVEIRA MARTINS: – … e se os sacrificios excedem, fóra de proporção, ao bem que se consegue, a idéa de companario deve ceder a conveniencia geral. O Sr. Avila: – Se é allusão não é a mim. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado terá occasião de apreciar a lealdade do nosso procedimento, desde que patentear o erro em que estamos, e as conveniencias em nome das quaes exige um grande sacrificio para a provincia. O Sr. Avila: – Não sei que exigencia é essa. Realmente está fallando de um modo que não o posso entender. Não lhe fiz exigencia, nem a ninguem absolutamente.

235 O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não digo que o nobre deputado nos exija com um punhar... O Sr. Avila: – Nem com um pedido bem macio; manifestei-lhe uma opinião minha. Dar-lhe um esclarecimento não é fazer-lhe exigencia alguma. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Decididamente, Sr. presidente, devo estar esquecido do que o nobre deputado ainda ha muito poucos dias me disse: mas em todo caso não podia pensar que offendia o nobre deputado com esta phrase. O Sr. Avila: – É verdade, offendeu. O SR. SILVEIRA MARTINS: – … pois nenhum mal vae em reclamar-se qualquer medida, uma vez que se faça com direito. O Sr. Avila: – Mas eu não lhe exigi nada, nem pedi; apenas lhe dei explicações, e muito succintamente, reservando-se para outra occasião. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado esforçando-se para convencer-me... O Sr. Avila: – Ah! O SR. SILVEIRA MARTINS: – que devia ser attendido, fazia-me uma reclamação. O Sr. Avila: – Não, senhor: queria esclarecê-lo bem. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Eu acho-me sobre a questão mais esclarecido que o nobre deputado, e os annuncios que o precederam. O Sr. Avila: – Esses annuncios é que lhe estão fazendo mal. Se me tivesse ouvido, e não só aos adversarios, não vinha com esses annuncios. O SR. SILVEIRA MARTINS: – Não me refiro a annuncios de adversarios. O Sr. Avila: – E de quem são elles? Pensa que só adversarios é que dão annuncios? Não sabe que muitos companheiros são tambem trombetas? O Sr. Presidente: – Os apartes interrompem o orador, que não escolheu occasião para fallar, cabendo-lhe por ultimo a palavra. Eu peço ao nobre deputado que deixe o orador continuar o seu discurso. O Sr. Avila: – Garanto a V. Ex. Que não dou mais um aparte. O SR. SILVEIRA MARTINS: – O nobre deputado póde dizer o que quiser, mas não é menos verdade que veio fazer exigencias, para que aliás póde ter muito bom direito, e que fez-se preceder de annuncios ameaçadores que não assuntam a ninguém. Ponho fim ao meu discurso, pedindo a V. Ex. E a casa desculpa de ter sido, e minha defeza, obrigado a tratar de materia alheia ao debate, e dizendo ao nobre deputado que não estou esquecido, que hypothecou a sua palavra – de mostrar quem é o pomo da discordia no partido liberal.

236 Eu o provoco a que o faça; e, se o não fizer, fica bem entendido que não me fez uma allusão pessoal. É oque tinha a dizer. O Sr. Avila: – Fique certo de que cumprirei a minha palavra.

3 . 4 C i d a dania e Imigração

Profa. Dra. Maria Medianeira Padoin Monica Rossato

Fundamentado nos princípios do Liberalismo, uma das principais defesas de Silveira Martins foi o da formação de um Estado laico, ou seja, fazer com que acabassem os vínculos do padroado, tanto o domínio do Estado sobre a Igreja e vice-versa. A laicização do Estado permitiria a liberdade religiosa e a garantia dos direitos civis a todos os cidadãos. Neste aspecto, permitiria também aos imigrantes que não fossem católicos, o registro civil de casamento, não vinculando mais esse exclusivamente à Igreja Católica. A elegibilidade dos acatólicos também foi uma das suas defesas, mais uma vez primando pela laicização do Estado. Nesse sentido, a formação de um Estado laico traria benefícios aos imigrantes que estavam no Brasil, pois os mesmos teriam liberdade civil e direito de participação política no Estado brasileiro. Assim, na Assembleia Provincial, em Sessão de 17 de outubro de 1867 Gaspar Silveira Martins declarou que “eu sou d‟aquelles, que bem quizera que todo o estrangeiro, que viesse com animo de residir perpetuamente n‟este paiz, fosse desde esse momento considerado cidadão brasileiro”53. Já no primeiro ano de sua atuação como político, em Sessão do dia 4 de outubro de 1862 da Assembleia Legislativa Provincial, percebeu-se posição de Gaspar Silveira Martins em relação aos imigrantes alemães das colônias da Província. A discussão nessa Sessão foi sobre um projeto de criação de escolas para as colônias alemãs da Província. Gaspar Silveira Martins ressaltou a importância desses imigrantes na Província: “nós queremos colonos allemães porque a colonização significa trabalho, indústria, agricultura, e sobretudo augmento de cidadãos”54. E destacou também a importância do ensino na língua portuguesa nas escolas:

Portanto nos devemos ensinar a nossa língua aos allemães, digo mal, aos brasileiros de raça allemã, porque senão a ensinarmos nunca havemos de nacionalisá-los; elles serão sempre homens da lingua, e da

53 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da ... Sessão de 17 out. 1867, p. 438. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 54 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da .... Sessão de 4 out. 1862, p. 177. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.

237 nação de seus pais, e finalmente nós seremos por elles absorvidos; porque, Sr. presidente, a fonte principal da emigração Européa para a província do Rio Grande, para o Brasil, é Portugal e Allemanha;55

Nesse sentido, Gaspar Silveira Martins demonstrou sua preocupação e visão estratégica de como inserir esses novos cidadãos (imigrantes e seus descendentes) à sociedade, como cidadãos brasileiros. Sendo assim, sua defesa da liberdade religiosa estava vinculada ao contexto imigratório que o Império estava vivenciando, com a chegada de imigrantes alemães e imigrantes da Península Itálica. A criação de colônias de imigrantes europeus e, principalmente, alemães na Província do Rio Grande do Sul proporcionou que Silveira Martins defendesse direitos políticos aos imigrantes não católicos, dentro de sua prerrogativa defendida da liberdade religiosa. Essas defesas incluíam a liberdade de culto, o casamento civil, a elegibilidade dos acatólicos, questões defendidas por Silveira Martins na sua trajetória política56. Defender direitos políticos aos imigrantes católicos ou acatólicos significava, ainda, o apoio eleitoral que esses imigrantes iriam fornecer ao Partido Liberal e ao próprio Silveira Martins. Assim, em Sessão no Senado do dia 17 de novembro de 1880, Gaspar Silveira Martins mais uma vez defendeu direitos políticos aos acatólicos, pois “[...] alem de ser de justiça, a elegibilidade dos acatólicos é aconselhada por muitas necessidades, entre as quaes a de promover a immigração para o nosso pais onde se agita a tremenda questão da substituição do trabalho”57. Os italianos que chegavam à Província de São Pedro no último quartel do século XIX eram majoritariamente católicos. No entanto, a colônia germânica, formada durante o período regencial do Império, foi constituída por uma maioria protestante, o que implicava na impossibilidade de tornarem-se eleitores do Partido Liberal. Assim, a defesa da elegibilidade dos acatólicos teria sido o motivo que provocou a retirada de Silveira Martins do cargo de Ministro da Fazenda, do Gabinete Liberal Visconde de Sinimbú. O Gabinete Sinimbú ficou responsável por realizar a reforma eleitoral do Império, mas não incluiu tal pauta. A atitude de Silveira Martins em se retirar do Ministério da Fazenda foi apoiada pelos imigrantes da Província do Rio Grande do Sul e foi revertida em forma de propaganda política de apoio a Gaspar Silveira Martins. Após sua retirada do Ministério da Fazenda, em 1879, na Câmara dos Deputados Gaspar Silveira Martins explanou sua ideia de reforma constitucional do Império, que incluiria a eleição direta e dois princípios necessários para isso: a naturalização dos estrangeiros e a igualdade política de todos os cidadãos brasileiros qualquer que fosse seu culto58. Neste mesmo ano, na Sessão do dia 1 de abril 1879, Gaspar Silveira Martins leu uma representação da Assembleia do Rio Grande do

55 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da .... Sessão de 4 out. 1862, p. 177. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. 56 Em Sessão na Câmara dos Deputados do dia 10 de fevereiro de 1879, Gaspar Silveira Martins sugere que na reforma constitucional do Império, sejam incluídos a eleição direta, a naturalização dos estrangeiros e a igualdade política dos cidadãos brasileiros adeptos de todos os cultos. (BRASIL. Câmara dos Deputados. Anais da ... Sessão de 10 fev. 1879). 57 BRASIL. Senado Federal. Anais do ... Sessão do dia 17 nov. 1880. p. 239. 58 BRASIL. Câmara dos Deputados, 1879.

238 Sul, reclamando que o projeto de reforma constitucional não consagrou o item referente a elegibilidade dos acatólicos, não atendendo assim os cidadãos brasileiros que não professavam a religião católica apostólica romana. Na Sessão do dia 23 de abril de 1879, Gaspar Silveira Martins leu um telegrama escrito pela comissão dos brasileiros descendentes de alemães do Rio Grande do Sul. Essa comissão se pronunciou a respeito do fato do Estado não ter reconhecido os direitos políticos aos acatólicos:

Este facto importa por certo em clamorosa injustiça! Anachronica e incomprehensivel anomalia em um paiz livre, que, para supprir a falta de braços necessários a cultura de seu solo e ao desenvolvimento de suas riquesas naturaes e de sua industria, continua a despender milhões para attrahir emigrantes, os quaes em compensação condenna, bem como seus descendentes, ao estado de parias, ela única razão de se conservarem fies a religião de seu pais!.59

A relação de Silveira Martins com a colônia germânica pode ser observada em artigo do periódico “Deutsche Zeitung” (Jornal Alemão), de Porto Alegre, republicado no periódico “A Reforma”, em homenagem ao Conselheiro Gaspar Silveira Martins. Este artigo traz diversos elogios a ele, e informa sobre os festejos que serão realizados na chegada de Silveira Martins à Província, após ter deixado a pasta da Fazenda do Gabinete Liberal chefiado por Sinimbu, justamente por negarem-se a colocar na Reforma Eleitoral o item referente à elegibilidade dos acatólicos: “O artigo que alludimos falla ao dever dos filhos da raça germânica, desta província, por cujos direitos até agora sofhismados na constituição do Império, sacrificou-se o ilustre ex-ministro da Fazenda”60. Desta forma, percebe-se que Silveira Martins, ao defender a vinda de imigrantes para o país, tinha interesses e finalidades políticas e uma visão de construir um país moderno liberal, ao incentivar a criação de colônias na província do Rio Grande do Sul. Como exemplo, a criação da Quarta Colônia Imperial de Imigração Italiana do Rio Grande do Sul, junto ao município de Santa Maria, teve a participação de Gaspar Silveira Martins61. A Quarta Colônia de Imigração Italiana surgiu a partir de uma solicitação da Câmara de Vereadores da cidade de Santa Maria ao Governo Imperial, com a intenção de povoar algumas áreas ainda desocupadas. Solicitou-se “... a demarcação

59 BRASIL. Câmara dos Deputados. Anais da ... Sessão de 23 abr. 1879. 60 A REFORMA, Rio de Janeiro, p.1, 1879. 61 A investigação sobre a atuação de Gaspar Silveira Martins em relação à imigração e à criação da Quarta Colônia de Imigração Imperial foi desenvolvida em projeto de pesquisa intitulado “Gaspar Silveira Martins, a imigração e seu projeto político para o Brasil” com auxílio de bolsa BIC/FAPERGS, no período de agosto de 2008 a agosto de 2010. Participaram desse projeto, como pesquisadores: Naiani Machado da Silva Fenalti e Monica Rossato, sob orientação da Profa. Dra. Maria Medianeira Padoin, coordenadora do projeto. Algumas publicações referentes ao projeto: FENALTI, Naiani Machado da Silva; ROSSATO, Monica. Gaspar Silveira Martins: do político a símbolo da Quarta Colônia Imperial de Imigração Italiana. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DO NÚCLEO DE ESTUDO DAS AMÉRICAS, 2., 2010, Rio de Janeiro. Sistema de poder, pluriculturalidade, integração. Anais do ... Rio de Janeiro, 2010. v. 1, p. 1-10; PADOIN, Maria Medianeira; FENALTI, Naiani M.; ROSSATO, Monica. A Imigração Italiana para o Rio Grande do Sul e a Atuação Política de Gaspar Silveira Martins. Latinidade, Rio de Janeiro, v. 3, p. 135-154, 2011.

239 de áreas devolutas ao redor da cidade, contando para isto, com o apoio do Senador Gaspar Silveira Martins”62. Em ata de 13 de janeiro de 1876, de uma Sessão ordinária da Câmara de Vereadores do município de Santa Maria da Boca do Monte, foi dirigido um voto de agradecimento aos apoiadores do pedido citado acima:

[...] foi resolvido que se dirigisse um voto de agradecimento aos Exmos senhores Dr. Gaspar Silveira Martins, Dr. José d’ Araújo Brusque, Dr. Florencio de Abreu e Silva, pelo empenho com que, na qualidade de dignos [...] desta província apoiaram o pedido desta câmara a Assembléia Geral para que lhe fosse concedido terras para seu patrimônio, tanto mais quando a [...], conforme comunicou-lhe a Vosso Presidente desta Província em data de 19 de novembro do findo ano. 63

A partir disso, percebe-se parte do processo de criação da Quarta Colônia Imperial de imigração italiana do Rio Grande do Sul, estabelecendo a atuação imediata de Gaspar Silveira Martins em relação à criação do núcleo colonial de Santa Maria da Boca do Monte. Em 1878 foi autorizada a elevação deste núcleo colonial a “Colônia de Silveira Martins” e em 1886, esta foi emancipada do regime colonial, ligando-se a Santa Maria, como seu 4ª distrito64. A Quarta Colônia Imperial de Imigração que levou o nome de Silveira Martins, foi símbolo da incorporação do fronteiriço Gaspar Silveira Martins como representante dos anseios do setor . Suas defesas, pautadas em interesses políticos do Partido Liberal, atendiam a dificuldades sofridas pelos imigrantes já no Brasil, no que se refere à participação e aos direitos políticos desses imigrantes. As mudanças legislativas propostas por Silveira Martins, demonstram sua defesa a favor de um Estado laico e em prol de um Estado moderno liberal.

Discurso proferido na 17ª Sessão em 4 de outubro de 1862

O SR. S. MARTINS: – Sr. presidente, não posso deixar de tomar a palavra, por que tenho algumas considerações a accrescentar ao muito que foi dito pelo nobre deputado que me precedeu na tribuna. Não conheço as colonias nem nunca lá fui, mas conheço o povo allemão tanto quanto se pòde conhecer pelos livros, pelos thesouros de sciencia, e de litteratura que possue como nenhum outro povo jà possuio iguaes; conheço a sua educação litteraria pelas suas leis de ensino, pelas materias ensinadas, e pela immensa multidão de compendios apropriados a todos os gráos d'instrucção desde a instrucção primaria para a infancia até as mais transcendentes theorias das sciencias dos sabios; por isso Sr. presidente, creio, que os allemão, entre nós são solicitos em mandar ensinar a ler a seus filhos; em parte alguma do mundo a não ser, talvez os Estados Unidos o povo é tão instruido como

62 PADOIN, Maria Medianeira, TURRA, Sandro Ronaldo. A República Velha Rio-grandense e a Região da “Quarta Colônia de Imigração Italiana” do Rio Grande do Sul. Relatório do Projeto BIC da FAPERGS, 2000. Centro Universitário Franciscano, Santa Maria, 2000. p. 3. 63 SANTA MARIA da Boca do Monte. Ata da Sessão da Câmara de Vereadores, 1876. p.60. 64 PADOIN; TURRA, op cit., p. 04).

240 na Allemanha; quasi todos sabem ler, grandes,e pequeno, ricos, e pobres, porque em quasi todos os estados da Allemanha a instrucção primaria é obrigatoria, e quando o pai não manda seu filho a escolla o burgomestre vae buscal-o. E se é verdade, Sr. presidente, o que nos diz o nobre deputado o Sr. Dr. Barcellos, o que ninguem póde duvidar, que os Allemães em cada colonia tem no centro um professor da sua lingua, cujo ensino custa mensalmente a cada menino pouco mais, ou menos quinhentos reis, esta quantia é tão modica que o ensino é quasi gratuito com proveito geral de todos; da provincia, dos mestres, dos alunos, e de seus paes; portanto não mettamos diz bem o nobre deputado no meio das colonias os nossos regalamentos d'instrucção; e a razão é clara, Sr. presidente, porque a intervenção do Estado afrouxa, e mata a iniciativa, e esforço individual, porque vamos estragar o que está, sem nada melhorar. O nobre deputado o Sr. F. Neri, fez um argumento de paridade, e concluio que aquelles que votárão pelo projecto que subvencionava pastores Allemães, estão obrigados pela necessidade da cohereocia a votar pelo projecto, que actualmente se discute que crea escolas Allemãs para colonias Allemãs. Mas tal paridade não existe, Sr. presidente, e a conclusão que tirou o nobre deputado não se contem nos principios. A Constituição do Imperio tratando de religião e instrucção, eu estou e creio que todos estamos convencidos, que especialmente se refere à religião do Estado, que é a catholica romana, á instrucção primaria da língua Portugueza que é a língua do paiz; porem nem não nos prohibe, como alguns nobres depuados induziam, que subvencionemos, attentas as conveniencias politicas, a qualquer culto que seja necessario, subvencionar para o progresso do paiz, nem tão pouco impede de crear escolas primarias de línguas estrangeiras, se essa creação tambem for de conveniencia, e utilidade publica; esta necessidade ou mesmo conveniencia é que o legislador tem de apreciar, pois que è ella o principio director, e a base de todas as boas leis; nós queremos colonos allemães porque a colonisação allemã significa trabalho, industria, agricultura, e sobretudo aumento de numero de cidadãos; subvencionamos pastores do seu culto, porque a religião é a crença do coração de que raríssimas vezes o homem se desprende, porque a constituição garante ao estrangeiro, e ao nacional o livre exercicio de seu culto; o cidadão brasileiro póde ser catholico, protestante ou judeo sem que por isso seja menos bom cidadão, e menos patriota; mas succederá o mesmo com a lingua? Eu entendo que não, Sr. presidente, porque o primeiro característico de um povo é a sua língua; um povo que não tem lingua commum, não é um povo, são tantos povos quantas forem as línguas falladas; o antagonismo das familias da raça Caucasiana desapparece com; a língua; o homem é da nação, cujo idioma falla; é o grande mal dos Estados-Unidos a diferença das linguas, que faz com que as partes da mesma republica não s'entendam entre si; ha cidades inteiras que só fallam allemão, inglez, hollandez, ou francez, e não é este meio de estabelecer nos filhos do paiz, nos cidadãos da mesma patria a harmonia, e a concordia, que são os fructos mais saborosos da organisação do Estado; os convenientes políticos que resultam da diferença da lingua são muitos serios para não serem por nós attendidos; povos muito mais fortes do que nós não podido resistir a essa força centrífuga, e dijunctiva, que impelle, e separa um todo composto de partes heterogeneas sem cohesão entre si; n' antiguidade Carlhago máo gráo suas esplendidas victorias e o

241 genio de seos generaes vio os seus exercitos de dez línguas se desfazerem afinal diante da unidade compacta de Roma, apezar de abattida por des desastres. Ainda hoje a Austria, que forma um o grande Imperio, e que se acha entroncada na propria Allemanha, que é um collosso de população, de sciencia, industria e artes; a Austria que tem tantos seculos d'existencia histórica vê pôr em problema a sua condição de nação, a sua existencia, porque a Hungria, a Transilvania, a Dalmacia, a Galicia, o Veneto apezar dos esforços immensos pelo governo feitos desde os tempos de José 2º para germanizar esses paizes, têm resistido tenazmente e conservam-se até hoje afferrados a sua língua, e aos seus costumes. Portanto nòs devemos ensinar a nossa lingua aos allemães, digo mal, aos brasileiros de raça allemã, porque senão a ensinarmos nunca havemos de nacionalisal-os; elles serão sempre homens da língua, e da nação de seus pais, e finalmente nós seremos por elles absorvidos; porque, Sr. presidente, a fonte principal da emigração Européa para a provincia do Rio Grande, para o Brasil, è Portugal e Allemanha; Portugal, não tem forças para supprir a necessida de que temos de gente, pois apenas tem trez milhões e meio de habitantes e hoje menos isso, pe1a continua emigração da sua população, para as colonias e principalmente para todo o Brasil; a Allemanha conta perto de quarenta milhões de almas e desde que seus filhos, achem riqueza e prosperidade entre nós como tem achado vão achando e continuarão a achar no Rio Grande, hade de certo engrossar muito a corrente da emigração expontanea da Allemanha para a nossa provincia; por que é hoje fóra de duvida e attestado por escriptos de distinctos allemães como Roscher, e outros que os allemães apezar de encontrarem grandes vantagens que facilitam a emigração, para os Estados Unidos, não tem sido felizes, n‟esse paiz de emigrados; tem-se mesmo nos ultimos tempos formado sociedades cujo unico fim é fazer opposição a emigração; e máo sucesso d'um lado, e d'outro a má vontade dos naturaes aos allemães, são outros tantos motivos de arrefecer o furor de emigrar para os Estados Unidos com o que não podemos deixar de ganhar; mas se por ventura s'estabelecer para o Rio Grande uma corrente grossa de emigração, em pouco tempo a metade, ou os dous terços da população da provincia serà allemã, se em vez do portuguez ensinarmos allemão aos nossos comprovincianos descendentes da Germania; seremos a final todos allemães, sem ligame natural com o Imperio porque não há quem ponha em duvida que elles são mais trabalhadores, industriosos, e illustrados do que nós, e que possuem na sua língua thesouros inexgotaveis de sciencia, sublime para os sabios, e pratica, e vulgar para as crianças, para os rusticos, e para todos. Não é isto, Sr. presidente, um prejuízo, um preconceito de amor proprio, que um philosopho deve desprezar; as nações não se compõem de philosophos, todos temos amor de patria, de língua, de tradições, mas não é isso que me impelle; é a razão política de sermos o fragmento de um grande Estado, de quem temos; e devemos ter a mesma natureza; demais, Sr. presidente, o projecto não manda só ensinar allemão aos allemães, manda ensinar a língua predominante na colonia, isto é, hollandez aos hollandezes, inglez aos inglezes, flamengo aos belgas, porque temos colonias onde predominam qualquer desses elementos; nós queremos sanccionar por lei, aquillo que todos os povos procuram evitar porque prejudicial!

242 Demais, Sr. presidente, são os mesmo colonos, que tem presentemente nesta casa um requerimento pedindo escolas de portuguez, no entanto que não me consta que algum dia pedissem escolas allemãs; é porque elles sabem que seu filhos são cidadãos brasileiros, e devem saber a língua da sua pátria, pois me consta, que ha homens filhos do Brasil, que não sabem uma palavra de portuguez; isso é uma vergonha, e attesta a nossa incuria. O cidadão tem direitos a exercer, tem deveres a cumprir para com a sua patria e não pode ignorar a língua em que está escripta a constituição do Imperio, o codigo criminal, e as leis civis, e commerciaes, que regem, e regulam todos os seus actos. Devemos portanto crear para as colonias escolas de portuguez; é essa a nossa conveniencia e a conveniencia dos colonos; porque o cidadão deve conhecer a sua lingua, e a lingua dos cidadãos brasileiros, não é a allemã é a portugueza. Entre os seus muitos deveres são os cidadãos obrigados a ser guardas nacionaes, e acaba o nobre deputado o Sr. Fontonra [sic] Barreto de dizer-nos em aparte que no seu corpo havia um soldado, que não sabia uma palavra da língua do seu commandante. O Sr Barcellos: – E um subdelegado que não entendia uma palavra do portuguez? O SR. S. MARTINS: – E, como diz o nobre deputado, um subdelegado, e muitos inspectores de quarteirão que não sabem ler, e menos entender as palavras da lei que tem de applicar como autoridades! Cumpre-me ainda Sr. presidente, refutar um argumento do Sr. Felippe Neri; S. S. disse-nos que se os allemães de S. Leopoldo soubessem a lingua portugueza, cahia por terra a nossa argumentação porque então não se fazia mister dar-lhes mestres portuguezes. Esse argumento, Sr. presidente, prova de mais, porque leva a nada menos do que a completa supressão da instrucção publica; se os allemães que sabem fallar a lingua portugueza não precisam de mestres, não devemos tambem mandar ensinar a nossos filhos a nossa lingua porque elles já a fallam. O nobre deputado Sr. presidente, confundio o saber fallar vulgarmente uma lingua, com o sabel-a grammaticalmente, ou antes com a instrucção primaria de saber ler, escrevem, e contar; é isto o que se quer ensinar, porem na lingua portugueza. Parece-me claro que a instrucção primaria não é dada, só para ensinar a fallar; isso se aprende naturalmente, sem ir a escola, basta para isso a força de habito que constitue como que uma nova natureza; a instrucção primaria é um grande instrumento de conhecimentos de todo o genero, de educação, e de sciencia : aprende-se a lingua scientificamente pela grammatica, que é a logica da infancia, pois é certo que aquelle que só falla uma lingua, e não a sabe grammaticalmente, a esquece desde que a deixa de fallar continuamente, para fallar outra; pelo contrario aquelle que uma vez aprendeu conforme as regras da sciencia nunca mais se esquece; o verdadeiro conhecimento é aquelle que o espirito aprehende, e explica com consciencia, o que não é assim, é mechanicamente gravado n‟uma intelligencia passiva, e desapparece com o tempo.

243 A emenda do Sr. Dr. Barcellos é a meu ver eminentemente política e nacional; qualquer que seja a conveniencia individual e o meu amor pelo individuo, aqui da-se o cazo, Sr. presidente, em que a liberdade individual, e o bem de um só cede diante do bem commum, e do interesse de todos. Portanto voto pela emenda. (Muito bem.) Encerrada a discussão é approvado o projecto, com a emenda do Sr. Barcellos para que os professores saibão tambem o idioma predominante na colonia; e com a do Sr. F. Barreto ao art. 3º, augmentando o ordenado até um conto de réis; ficando regeitada as mais emendas.

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REFERÊNCIAS

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250 PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da ... Sessão de 21 abr. 1874, p. 58. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da .... Apêndice. Sessão de 21 abr. 1874. p. 56, 69 e 70. Localização: Memorial da Assembleia do Rio Grande do Sul. PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da .... 1874. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do RS, Porto Alegre. PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL. Assemblea Provincial. Anais da ... Sessão de 13 jan. 1887. Localização: Memorial da Assembleia Legislativa do Estado do RS, Porto Alegre. QUADRO em homenagem a Gaspar Silveira Martins em 1920, da Loja Amizade de Bagé, na ocasião do traslado dos seus restos mortais. Localização: Acervo do Museu Líbio Vinhas, da Loja Amizade, Bagé, RS. Imagem disponibilizada pelo Sr. Edegar Quintana. QUEM não pode trapacêa III. A Reforma. Rio de Janeiro, p. 1, 25 jul. 1869. Localização: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 16 maio 2013. REGISTRO de matrícula de Gaspar Silveira Martins, Livro nº 42. In: Livro de Matriculas do 1° anno (1841-1858). Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco. REGISTRO de matrimônio de Adelaide Augusta de Freitas Coutinho e Gaspar Silveira Martins. 27 de novembro de 1856. Rio de Janeiro. Registros da Igreja Católica 1616-1980. Rio de Janeiro, Paróquia Sant‟Ana, Matrimônios 1852, Jul- 1861, Abr, imagem 128. Disponível em: . Acesso em: 30 jul. 2013. RODRIGUES, Contreira. Esboço da Filosofia Política de Silveira Martins (Conferência). Porto Alegre: Livraria do Globo, 1945. VÉLEZ RODRIGUES, Ricardo. O Castilhismo e as Outras Ideologias. In: RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; AXT Gunter(org). História do Rio Grande do Sul - República Velha (1889 – 1930). Passo Fundo: Méritos, 2007. V. 3, tomo I. ROSSATO, Monica; PADOIN, Maria Medianeira. Gaspar Silveira Martins e o federalismo. 2011. Monografia (Trabalho de Conclusão de Graduação em História) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2011. ROSSATO, Monica; PADOIN, Maria Medianeira. O poder local, a república e o federalismo. Relatório Final Projeto PIBIC/CNPq/UFSM 2010-2011. SANTA MARIA da Boca do Monte. Ata da Sessão da Câmara de Vereadores, 1876. P. 60.

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ÍNDICE REMISSIVO

Absolutismo ...... 43, 44, 100, 103 Calvino...... 216 Abuso de poder ...... 54, 55 Cansansão de Sinimbú ...... 123 Acto addicional ...... 103 Carlos Antonio Lopez ...... 213 Agostinho Antonio Leal...... 61, 62, 216 Carlos X ...... 170, 171, 173 Alexandre Jacintho de Mendonça ...... 155 Carneiro Leão, senador ...... 162 Alexandre VI ...... 216 Carta Constitucional de 14 de Julho de 1891 Allemanha ...... 214, 240, 241 50 Almanak Rio-Grandense...... 198 Carta Constitucional de 1824 ...... 47 Americo Brasiliense de Almeida Mello .. 152 Cartas de Ganganelli ...... 226 Anarchia ...... 89 Carvalho de Moraes119, 120, 121, 123, 124, Anchieta ...... 210, 211 125, 126, 128, 129, 131, 132, 137, 138, Antonelli, cardeal...... 215 139, 140, 142, 201, 202, 203, 222, 232, Antonio Fernandes Teixeira ...... 183 233 Antonio José Gonçalves Chaves ...... 150, 155 Casamento civil ...... 49 Antonio Vieira, padre ...... 210, 211 Catholicismo ...... 225 Antunes Maciel ...... 196 Ceará ...... 58 Aposentadoria107, 108, 109, 175, 176, 177, Censura ...... 83, 220 178, 179, 180, 181 Centralização administrativa ...... 50 Arabes de Mahomet ...... 218 China ...... 209 Argentina ...... 70, 78, 95 Christianismo ...... 216 Aristoteles ...... 176, 217 Cincinatus ...... 174 Assembléa liberal ...... 229 Citação Assembléas provinciaes85, 86, 87, 103, 105, Benjamin Constant ...... 56 107, 108, 131, 151, 152, 156, 157, 158, Guizot...... 165 159, 182, 193, 220 Scipião ...... 102 Atalaia do Sul, jornal ...... 113, 129, 137 Sismondi ...... 55 Athenas ...... 172, 197 Talma ...... 53 Austria ...... 241 Clemente XIV ...... 211 Autocracia ...... 232 Commissão de justiça civil e guarda da Bagé ...... 125 constituição das leis ...... 51 Bahia ...... 214, 223 Commissão de orçamento ...... 124 Barão de Mauá ...... 112, 118 Commissão de verificação de·poderes .... 150 Barão de Muritiba ...... 83, 163, 164 Companhia de Jezus ...... 210, 211, 213, 214 Barão de Porto Alegre ..... 100, 101, 102, 153 Concilios ecumenicos ...... 225 Barcellos, deputado ...... 240, 243 Conde de Lipe ...... 57 Barros Pimentel ...... 153, 162 Conde de Porto Alegre ...... 112 Batalha de Waterloo ...... 98 Conego Procopio ...... 212 Belgica ...... 141 Conservador liberal ...... 87 Bernardino Raposa ...... 62, 63, 64 Constantino Magno ...... 218, 219 Bernardo de Souza Franco, conselheiro .. 114 Constitucionalismo ...... 45 Bernardo Pereira de Vasconcellos, senador Constituição51, 54, 55, 56, 57, 58, 66, 83, 162 89, 90, 93, 94, 95, 97, 100, 108, 115, 131, Bispo de Pernambuco ...... 212 139, 141, 156, 157, 158, 159, 160, 161, Bispo do Ceará ...... 212 163, 166, 167, 173, 180, 193, 197, 201, Bispo do Pará ...... 212 203, 215, 221, 224, 225, 226, 227, 240, Blucher ...... 98 242 Bramhanismo ...... 218 Coronel Severino Ribeiro ...... 121 Brigadeiro Portinho ...... 100 Correio Mercantil ...... 160 Budha ...... 218 Costa Pinto ...... 119 Caetana de Edmond About ...... 53 Costa Rica ...... 95

253 Czar Alexandre ...... 98 Galicia ...... 241 D. Sebastião Laranjeira ...... 211, 213 Galvão, conselheiro ...... 152 Dalmacia ...... 241 Garibaldi ...... 97, 98, 99, 174 Dantas, conselheiro ...... 112 General Bento Martins de Menezes...... 121 Dario Callado ...... 65 General conde de Bobadella ...... 211 David Martins ...... 119 General Osorio ...... 112, 118, 121 Declaração dos Direitos do Homem e do Genero...... 242 Cidadão...... 43 Governista ...... 219 Descentralização do poder ...... 50 Governo representativo ...... 50 Despotismo ...... 71, 89, 95, 137, 171 Grecia ...... 168 Diario da Bahia ...... 112 Guarda Nacional56, 57, 58, 90, 119, 179, Diario do Rio ...... 130 232 Diario official ...... 140 Guilherme III, rei ...... 43 Dictadura ...... 231 Henrique d’Avila...... 138 Direiro de propriedade ...... 66 Henrique Francisco d’Avila ...... 118 Direito de revolução...... 91 Hespanha ...... 160, 174 Direitos do cidadão ...... 54 Hobbes ...... 45 Direitos individuaes ...... 46, 51, 71, 86, 166 Homem de Mello, conselheiro120, 121, 122, Domingos Francisco dos Santos ...... 107 123, 129 Doutrina conservadora . 84, 85, 88, 89, 90, 92 Honorio Hermeto Carneiro Leão ...... 123 Doutrina liberal ...... 56, 84, 87, 167, 176 Humanismo ...... 44 Dr. Pavão, deputado ...... 69, 70 Hungria ...... 174, 241 Duque de Menschikoff ...... 131 Idéa liberal ...... 110, 137 Educação...... 242 Ignacio de Loyola...... 211 Elegibilidades dos acatólicos ...... 49 Igreja ...... 209 Eleição directa ...... 91, 92, 93, 94, 168 Imigrantes europeus ...... 49 Eleições ...... 151, 152 Imperador ...... 227 Eleições, lei ...... 151 Impostos ...... 102, 108, 133, 175 Emigração ...... 241 Impostos e tarifas ...... 49 Empregados publicos ...... 212 Imprensa ...... 123, 136, 160, 223 Ensino primario ...... 177 Inglaterra ...... 117, 165, 166, 168, 174, 214 Escola particular ...... 180 Islamismo ...... 218 Escola publica ...... 180 Italia ...... 75, 99, 174 Escravidão60, 61, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 79, Jaguarão ...... 135, 137, 138, 139, 141, 142 80, 81, 84, 96, 132 Japão ...... 136, 209, 211 Estado laico ...... 46 Jesuitas ...... 210, 211 Estado Liberal ...... 43, 44, 45 Jezus Christo ...... 76, 177, 208 Estados Unidos ...... 225, 239, 241 João Nunes da Silva Tavares ...... 121 Eusebio, conselheiro ...... 90 Joaquim Antonio Vasques ...... 142 Evangelho76, 90, 154, 212, 213, 215, 216, Joaquim José Ferreira Barbosa ...... 182, 183 227 Joaquim Vieira da Cunha ...... 197 Exercito ...... 167, 168 John Locke ...... 44, 45 Exportação ...... 133 Jornal do Commercio ...... 197, 198, 199, 200 Fabricíus ...... 174 José Basilio da Gama ...... 211 Fabula de Lafontaine ...... 136 José Bonifacio e Carrão ...... 153 Falla do Throno ...... 234 José Feliciano Fernandes Pinheiro ...... 107 Família amília ...... 172 José Francisco de Azevedo Penna ...... 125 Felippe Neri, deputado ... 76, 78, 80, 240, 242 José Joaquim de Paula ...... 60, 62, 65, 79 Félix da Cunha, deputado59, 71, 72, 77, 101, José Maria do Amaral, conselheiro ...... 213 116 José Pampla ...... 63 Ferraz, conselheiro ...... 92 Julio de Castilhos ...... 50 Figueira de Mello ...... 119, 124, 186 Julio II ...... 216 Filigrama...... 224 Laranjeira, bispo ...... 214 Fogueira de Huss ...... 217 Lavras ...... 153 Fontonra Barreto, deputado...... 242 Leão X ...... 216 Fortalecimento do Legislativo ...... 50 Legilação civil ...... 157 França ...... 43, 53, 98, 136, 171, 173, 174 Legislação Francisco de Paula Soares ...... 107 Lei de 12 de agosto de 1834 ...... 103 Francisco Octaviano, deputado ...... 114, 120 Legislação fiscal ...... 157 Frei Vidal ...... 221, 223 Lei do orçamento ...... 193

254 Leibnitz ...... 177 Organisação do Estado ...... 167 Liberal brasileiro...... 87 Ottnis Silveira Lobo ...... 120 Liberalismo ...... 16, 43, 45, 47, 48, 103 Padroado Régio ...... 49 conservador ...... 45 Papa100, 209, 210, 216, 217, 221, 223, 224, radical ...... 45 225, 227 Liberalismo econômico...... 44 Pará ...... 203 Liberdade46, 51, 53, 55, 56, 57, 58, 59, 61, Paraguay ...... 121, 213, 214 64, 66, 67, 69, 72, 76, 78, 81, 92, 94, 96, Parochias, criação ...... 209 97, 99, 100, 102, 103, 112, 114, 117, 119, Partido conservador ...... 88, 165 124, 133, 136, 137, 151, 163, 164, 166, Partido liberal48, 50, 83, 94, 106, 111, 112, 167, 168, 169, 173, 174, 185, 192, 194, 114, 116, 118, 119, 120, 121, 122, 125, 202, 203, 215, 217, 225, 227, 229, 231, 127, 137, 142, 161, 162, 176, 197, 199, 243 200, 228, 230, 231, 235 Liberdade civil ...... 114 Partido progressista ...... 120, 122 Liberdade de imprensa ...... 56, 57, 115 Pedro Ivo ...... 123 Liberdade do indivíduo ...... 45 Pedro Rodrigues Fernandes Chaves ...... 123 Liberdade dos povos ...... 126 Pereira da Cunha ...... 194 Liberdade individual55, 56, 59, 66, 77, 163, Pereira da Rosa, deputado ...... 111 167, 243 Pernambuco . 58, 83, 123, 196, 203, 221, 222 Liberdade politica ...... 114 Piauhy ...... 203 Liberdade religiosa ...... 49 Pimenta Bueno, conselheiro ...... 105 Licinius ...... 218 Pinheiro Guimarães ...... 234 Língua alemã ...... 241 Pinto Lima ...... 119 Lingua portugueza ...... 242 Pio Angelo da Silva ...... 118, 125 Lord Wellington ...... 98 Placet ...... 221, 222 Luis Affonso de Asambuja, delegado ...... 62 Platão ...... 176, 219 Luiz Cavalcanti ...... 197, 198, 199 Poder ...... 171 Luiz de Souza, frei ...... 217 Poder administrativo ...... 158 Luiz Felippe ...... 170, 171 Poder da Igreja ...... 220 Luiz XV ...... 169, 174 Poder executivo ...... 181 Luiz XVI...... 98, 171 Poder judiciario ...... 162 Luiz XVIII ...... 171 Poder moderador ...... 157 Lutero ...... 215, 216, 217 Poder social ...... 220 Machinismo ...... 232 Política ...... 156 Major Mello, extradição ...... 77 Polonia ...... 174 Manoel de Souza Coutinho ...... 217 Porto Alegre53, 76, 83, 111, 122, 126, 127, Manoel Vieira Tosta, barão de Muritiba ... 83 134, 138, 153 Mantalegre, senador ...... 162 Portugal ...... 103, 160, 174, 241 Marquez de Olinda ...... 194 Positivismo castilhista ...... 50 Martinho de Campos, deputado ...... 114 Princípio Constitucional ...... 169 Mazzini ...... 174 Liberdade de pensamento ...... 53 Mendonça ...... 160 Principio de patriotismo ...... 103 Mendonça, deputado ...... 156 Principio do troco ...... 130 Mercantilismo ...... 44 Principios constitucionaes ...... 51 Minas Geraes ...... 196 Prisão em flagrantes ...... 72 Monarcha ...... 161 Professor ...... 176, 178, 180 Montesquieu ...... 45 Progressistas ...... 114, 122 Moraes Junior ...... 193 Promotor publico ...... 64 Moralidade publica ...... 52 Propriedade ...... 66, 67 Morte nas fronteiras ...... 89 Propriedade territorial ...... 185 Municipalidade ...... 182, 187 Prova testemunhal ...... 65 Municipalismo ...... 139 Publicação dos debates ...... 199 Nabuco, conselheiro ...... 90 Publicação no jornal official ...... 201 Nacionalidade ...... 70 Radicalismo ...... 48 Napoleão ...... 53, 168, 171 Reforma ...... 162, 177 Nobrega ...... 211 Reforma constitucional ...... 49 Ochlocracia ...... 100 Reforma de Porto Alegre ...... 122 Olinda, senador ...... 162 Reforma do Rio de Janeiro ...... 122 Olygarchia ...... 100, 101, 102, 160 Reforma eleitoral ...... 49 Opposicionista ...... 219 Reforma, jornal 113, 125, 129, 137, 197, 198

255 Reformas constitucionaes ...... 131 Simplicio Mendes ...... 203 Relações individuaes...... 172 Sistema Parlamentarista ...... 50 Remedio constitucional ...... 159 Soberania do povo94, 96, 97, 99, 159, 166, Rendas publicas ...... 106 167, 168, 169, 171 Revolução ...... 166, 170, 171, 172, 173, 174 Sodoma e Gomorra ...... 74 Revolução Farroupilha ...... 46 Souza Franco ...... 120 Revolução Francesa ...... 43, 46 Sr. Avila, deputado ...... 75 Richard Cobden ...... 165 Stuart Mill ...... 45, 47, 88 Rio de Janeiro52, 76, 83, 85, 102, 111, 122, Suffragio universal94, 161, 166, 167, 168, 134, 162, 163, 164, 221 169 Rio Pardo ...... 181 Supremo Tribunal de Justiça ...... 186 Roberto Peel ...... 165 Systema representativo ...... 231 Rocha Tarpeia ...... 95 Talleyrand ...... 199 Roma ...... 76, 200, 212, 215, 221 Telemaco ...... 223 Rousseau ...... 44, 45, 132 Teophilo Ottoni, deputado ...... 114 Russia ...... 131 Theatro ...... 52, 71, 72, 75, 76 S. Thomaz de Aquino ...... 217 Thomé, padre ...... 211 Saldanha Marinho, conselheiro ...... 226 Timotheo Pereira da Rosa ...... 118, 136 Santa Victoria ...... 150 Tramandahy ...... 64 São Borja ...... 119 Transilvania ...... 241 São Paulo ...... 52 Turquia ...... 131 Sayão Lobato ...... 100, 164 Universalidade ...... 224 Sayão Lobato, conselheiro ...... 89 Uruguay ...... 68, 69, 77 Sayão Lobato, desembargador ...... 122 Vaticano ...... 218 Sciencia ...... 242 Venancio José Lisboa ...... 163 Scipião, padre ...... 152 Veneto ...... 241 Scipiões ...... 219 Victor Hugo ...... 225 Sebastião Laranjeira ...... 212 Vieira da Cunha ...... 196, 197, 198 Senado ...... 91, 159, 160, 161, 162 Vieira da Cunha, deputado ...... 116, 117 Senadores vitalicios ...... 162 Xarque...... 133 Sergipe ...... 153 Xavier da Cunha, deputado ...... 69 Serviço publico ...... 108, 178, 179 Zacharias, conselheiro ...... 137, 234 Simon de Montfort ...... 217

SÉRIE PERFIS PARLAMENTARES 1 João Neves da Fontoura: discursos (1921-1928) 2 Getúlio Vargas: discursos (1903-1929) 3 José Antônio : discursos (1909-1930) 4 Oswaldo Aranha: discursos (1916-1931) 5 A.J. Renner: perfil, discursos e artigos (1931-1952) 6 João Goulart: perfil, discursos e depoimentos (1919-1976) 7 Carlos Santos: trajetória biográfica 8 Leonel Brizola: perfil, discursos e depoimentos (1922-2004) 9 Bento Gonçalves da Silva: atas, propostas e resoluções da Primeira Legislatura da Assembléia Provincial (1835-1836) 10 Joaquim Francisco de Assis Brasil: perfil biográfico e discursos (1857-1938) 11 Suely de Oliveira: perfil biográfico, depoimentos e discursos (1915-1994) 12 Fernando Ferrari: perfil biográfico, discursos no Parlamento Gaúcho e imagens (1947-1951)

Fontes utilizadas na editoração desta obra: Nos textos: Book Antiqua, Garamond, Cambria, Bookman Old Style Capa: UpperEastSide