Associação Pró-Ensino Superior em - ASPEUR Universidade Feevale

ARTE E CULTURA

ORGANIZAÇÃO Gladis Luisa Baptista Cristiane Aparecida Souza Saraiva

Novo Hamburgo 2014 PRESIDENTE DA ASPEUR Luiz Ricardo Bohrer

REITORA DA UNIVERSIDADE FEEVALE Inajara Vargas Ramos

PRÓ-REITORA DE ENSINO Denise Ries Russo

PRÓ-REITOR DE PESQUISA E INOVAÇÃO João Alcione Sganderla Figueiredo

PRÓ-REITOR DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO Alexandre Zeni

PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOS Gladis Luisa Baptista

COORDENAÇÃO EDITORIAL Inajara Vargas Ramos

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) EDITORA FEEVALE Universidade Feevale, RS, Brasil Celso Eduardo Stark Bibliotecária responsável: Elena da Costa Plümer - CRB 10/1349 Graziele Borguetto Souza Adriana Christ Kuczynski Arte e cultura [recurso eletrônico] / Gladis Luisa Baptista, Cristiane Aparecida Souza Saraiva (organizadoras). – Dados eletrônicos. – Novo Hamburgo: Feevale, 2014. PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader. Modo de acesso: Adriana Christ Kuczynski Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7717-176-7 CAPA 1. Arte - Cultura. 2. Arte - Comunidade. 3. Processos Culturais. I. Baptista, Gladis Luisa. II. Saraiva, Cristiane Aparecida Souza. III Celso Eduardo Stark Fórum Nacional de Extensão e Ação Comunitária das Universidades e Instituições de Ensino Superior Comunitárias (FOREXT) REVISÃO TEXTUAL CDU 7 Valéria Koch Barbosa

Universidade Feevale © Editora Feevale – Os textos assinados, tanto no que diz respeito à linguagem como ao conteúdo, são de inteira responsabilidade dos autores Câmpus I: Av. Dr. Maurício Cardoso, 510 – CEP 93510-250 – Hamburgo Velho e não expressam, necessariamente, a opinião da Universidade Feevale. Câmpus II: ERS 239, 2755 – CEP 93352-000 – Vila Nova É permitido citar parte dos textos sem autorização prévia, desde que seja identificada a fonte. A violação dos direitos do autor (Lei n.° 9.610/98) é crime Fone: (51) 3586.8800 – Homepage: www.feevale.br estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. FÓRUM NACIONAL DE EXTENSÃO E AÇÃO COMUNITÁRIA DAS UNIVERSIDADES E INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR COMUNITÁRIAS – FOREXT

Coordenação Nacional do Forext 2014 - 2015 Presidente Prof. Dr. Josué Adam Lazier - Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) Secretária Prof.ª Dr.ª Gladis Luisa Baptista - Universidade Feevale

Coordenação da Câmara Sul Coordenação Prof.ª Dr.ª Bernadete Maria Dalmolin - Universidade de Passo Fundo (UPF) Vice-coordenação Prof. Me. Pedro Floriano dos Santos - Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

Comissão Avaliadora Prof. Me. Reginaldo de Souza Vieira (Unesc) Prof.ª Me. Cristiane Saraiva (FEEVALE) Prof.ª Dr.ª Rosane Maria Cardoso (UNIVATES) Prof. Me. Ricardo André Machado (Unisc) Prof.ª Dr.ª Fabiane Villela Marroni (Ucpel) Prof. Dr. Claudio Luis Orço (Unoesc) SUMÁRIO

PREFÁCIO 6 Lurdi Blauth

APRESENTAÇÃO 8 Gladis Luisa Baptista

A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO DE RECEPÇÃO EM PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO 11 AMBIENTAL NO PROJETO DE EXTENSAÕ RASTRO SELVAGEM FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa - Universidade de Passo Fundo (UPF)

ARTE E CULTURA COMO DISPOSITIVOS DE INTERVENÇÃO À VIOLÊNCIA INFANTO/JUVENIL 29 NO CONTEXTO DE UMA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES MIRINS BOTTESINI, Camila; BERNARDI, Analu; FIOREZE Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana - Universidade de Passo Fundo (UPF)

ATIVIDADE EDUCATIVA EM MUSEUS: A EXPERIÊNCIA CULTURAL DO MUSEU DA MADEIRA 49 Junior, João Paulo Roberti; Hasse, Charles Roberto; - Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI)

CULTURA VISUAL E VERBAL: EXPERIMENTOS NO PROGRAMA 63 “MATUR(A)IDADE NA UNIVILLE” Everling, Marli; Morgenstern, Elenir; Peixe, Rita Inês Petrykowski; Moraes, Taiza Mara Rauen; - Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE)

VÍNCULO PO(I)ÉTICO ENTRE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO 83 Richter, Sandra Regina Simonis; Fronckowiak, Ângela Cogo; - Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) O CORO CANTO E VIDA: UMA AÇÃO DO PROJETO DE EXTENSÃO MOVIMENTO 102 CORAL FEEVALE PARA A TERCEIRA IDADE Specht, Ana Claudia; Sant’Anna, Denise Blanco; - Universidade Feevale

A TEMÁTICA INDÍGENA NO VALE DO TAQUARI: ATIVIDADES DE UM PROJETO 119 DE EXTENSÃO ENVOLVENDO ALUNOS E INDÍGENAS KAINGANG Laroque, Luís Fernando da Silva; Pilger, Maria Ione; Invernizzi, Marina; Busolli, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André; - Centro Universitário UNIVATES (UNIVATES)

ARQUITETANDO: EXPERIÊNCIAS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NO VALE 135 DO TAQUARI/RS ATRAVÉS DA DISCIPLINA DE ARTES Diemer, Merlin Janine; Lucke, Sabrina Assmann; Bueno, Luiza de Almeida; Dadall, Marcela; - Centro Universitário UNIVATES (UNIVATES)

MOMENTOS DE ARTE NA UNIVERSIDADE DE CRUZ ALTA: 149 memórias e reflexos do eu! Camargo, Maria Aparecida Santana; Garces, Solange Beatriz Billig; Krug, Marília de Rosso; Camargo, Mariela; - Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ) PREFÁCIO Lurdi Blauth¹

Os estudos publicados neste livro apresentam o resultado de atividades realizadas no âmbito da arte e da cultura oriundas de projetos de Extensão Universitária de distintas universidades brasileiras, bem como salientam a sua indissociabilidade entre o Ensino e a Pesquisa. Nessa perspectiva, entendemos que, através de um conjunto de ações de projetos extensionistas, as universidades assumem uma das funções sociais que têm junto às comunidades em que estão inseridas e, nessa participação, possibilitam a articulação com diferentes áreas do conhecimento. Essas intervenções abrangem, de um lado, a realização de diferentes atividades socioeducativas, em distintos contextos sociais e culturais, proporcionando que docentes e discentes compartilhem seus saberes com os saberes vividos pelo outro e ampliem a compreensão e a percepção da realidade em suas semelhanças e diferenças. De outro, contribuem para que todos os sujeitos envolvidos no processo, ao serem estimulados para vivenciar novas experiências, além de promover a apropriação das suas potencialidades criativas, ressiginifiquem e valorizem a riqueza da diversidade presente na realidade cotidiana em que se encontram inseridos. Diante das distintas temáticas relatadas e contextualizadas neste livro, aprendemos que a arte, ao estar presente no campo social, auxilia na superação das diferenças e das ¹Professora da Universidade Feevale, Doutora em Artes Visuais desigualdades étnicas e culturais. As práticas expressivas e estéticas possibilitam mudanças

6 profundas no pensar, no fazer escolhas, no compartilhar sensível e, com isso, evidenciamos a importância da construção de subjetividades através do desenvolvimento da formação continuada nas mais diversas faixas etárias e condições sociais. Portanto, ao reunir em um livro experiências realizadas por meio da extensão acadêmica, constatamos, sem dúvida, que a interação entre a arte, a cultura e a sociedade tem uma importância imprescindível, pois contribui para a formação de cidadãos mais conscientes, críticos e participativos.

7 APRESENTAÇÃO Gladis Luisa Baptista¹

A Extensão, fortemente alicerçada na indissociabilidade com o Ensino e com a Pesquisa, busca produzir e socializar conhecimentos na perspectiva da formação acadêmica de excelência e do desenvolvimento da sociedade. Nesse sentido,

Considerando que a universidade faz parte do universo social e é influenciada por essas tendências, ela tem diante de si o compromisso de formar sujeitos, processos e projetos, que sejam minimamente motivados por uma proposta que parte de outros princípios. Nesse caso a indissociabilidade deixa de ser um imperativo legal para se transformar num objetivo educacional (MENEZES; SÍVERES, 2011, p. 53).

Assim, a Extensão, nessa relação indissociada, tem contribuído para a formação de profissionais qualificados e de cidadãos comprometidos com a comunidade. Além disso, as atividades dos programas e dos projetos sociais voltados ao atendimento das demandas da comunidade contribuem para reforçar a identidade e o compromisso comunitário das instituições. Da mesma forma, o processo dialético que se estabelece entre teoria e prática, ação e reflexão possibilita uma visão ampla e integrada da realidade social, permitindo que a Extensão se consolide cada vez mais como o espaço de interlocução das IES com a sociedade. O Fórum Nacional de Extensão das Instituições de Ensino Superior Comunitárias ¹Pró-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários da Universidade Feevale, (ForExt) tem buscado produzir e socializar conhecimentos e experiências sobre o fazer Secretária do Fórum Nacional de Extensão e Ação Comunitária – ForExt extensionista nas ICES.

8 As publicações da Câmara Sul, vinculada ao ForExt, têm como objetivo divulgar as práticas extensionistas desenvolvidas na relação da comunidade acadêmica com a sociedade. Este é o quarto de uma série de livros publicados pela Câmara Sul de Extensão e busca dar visibilidade sobre as atividades desenvolvidas na área da Arte e Cultura. Estão aqui publicados nove artigos oriundos de sete diferentes instituições da região Sul do Brasil. Tomar o universo artístico e cultural como ponto de partida e de chegada, tal como aqui apresentado nos relatos dos autores, possibilita entendê-lo como espaço de formação acadêmica, de cidadania, de criação e fruição e de respeito à diversidade cultural brasileira. Não há dúvidas, pois, que as ICES têm contribuído decisivamente para a democratização do acesso à arte e à cultura no Brasil. Da mesma forma, as experiências aqui compartilhadas apresentam novas possibilidades de articulação entre Ensino, Pesquisa e Extensão e entre universidade e comunidade.

Referências MENEZES, Ana Luiza Teixeira de; SÍVERES, Luiz. Nas fronteiras da indissociabilidade: a contribuição da extensão universitária. In: MENEZES, Ana Luiza Teixeira de; SÍVERES, Luiz. Transcendendo Fronteiras: a contribuição da Extensão das Instituições Comunitárias de Ensino Superior. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2011.

9

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de Educação Ambiental no projeto de extensão rastro selvagem

¹ Ecólogo, curioso e apaixonado pela Natureza, iniciou sua vida acadêmica no curso de Bacharelado Instituição de Forigem:onseca Universidade, Gustavo de PassoMatos Fundo da¹ em Ecologia pela Universidade Católica de Pelotas. Possui experiência em educação ambiental (estágio na Secretaria de Qualidade Ambiental). Aproximou-se da fotografia no decorrer do curso, Pott, Crisla Maciel² no qual documentou diversas espécies representantes do Bioma Pampa. Em 2009, reunindo-se Estrela, Carina Costa³ com alguns amigos, propuseram o projeto de extensão Rastro Selvagem, aprovado pelo Conselho de Extensão da UCPel, onde trabalhou por três anos de forma voluntária, registrando, em fotos e vídeos, a vida selvagem do . Atualmente, concluída a graduação em Ecologia, é sócio-fundador da empresa Rastro Selvagem Ltda. - Conservação Ambiental www.rastroselvagem. blogspot.com. ² Graduanda do 6º semestre no curso de Bacharelado em Ecologia pela Universidade Católica de Instituição de origem: Universidade de Passo Fundo (UPF) Pelotas. Atualmente é bolsista do Museu de História Natural da Universidade Católica de Pelotas. Possui experiência em gestão de resíduos sólidos por ter sido estagiária do PGRS/UCPel, além de experiência como auxiliar de laboratório e desenvolvimento de material didático. ³ Ecóloga, formada pela UCPel (1999), especialista pela UFPEL/UFRGS em Gestores Regionais de Recursos Hídricos (2006) e pela ULBRA em Gerenciamento Ambiental (2011), além do título de mestre pela UFPel (Variabilidade Espacial e Temporal da Qualidade da Água de Irrigação do Morangueiro) em 2008. Professora na Universidade Católica de Pelotas e coordenadora do curso de Bacharelado em Ecologia, possui experiência em gestão ambiental, licenciamento ambiental e monitoramento da qualidade da água e educação ambiental.

11 RESUMO A fotografia mostra-se uma ferramenta sutil e bela no sentido de sensibilizar e desenvolver a percepção para as causas ambientais. Dessa forma, o Projeto de Extensão Rastro Selvagem, da Universidade Católica de Pelotas, atua no campo da Educação Ambiental, utilizando recursos imagéticos e lúdicos no incentivo à mudança de opiniões e atitudes, auxiliando na formação de indivíduos críticos e preocupados com o ambiente em que vivem. A partir da pesquisa bibliográfica e dos relatos dos participantes das oficinas, este trabalho busca descrever a importância da fotografia na percepção e como estas atuam de forma transformadora durante as atividades do Projeto. Palavras-chave: Educação ambiental. Fotografia. Percepção.

ABSTRACT A photography is showing a subtle and beautiful tool to raise awareness and develop awareness for environmental causes. Thus the Wilderness Trail Extension Project Catholic University of Pelotas operates in the field of the Environmental Education, utilizing imagistic and ludic resources on encouraging the change of opinions and attitudes assisting in the training of individuals critical and concerned about the environment in which they live. Starting from the bibliographical research and to reports of the participants in these workshops, this work seeks to describe the importance of photography in perception and how they operate of transformativeformduring the Project activities. Keywords: Environmental education. Photography. Perception.

FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 12 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa 1 INTRODUÇÃO

Catástrofes naturais e mudanças climáticas são temas que vêm sendo discutidos recorrentemente em todas as esferas sociais, desde a educação infantil até a economia mundial. Desde 1990, discute-se sobre a implantação de temáticas socioambientais no currículo escolar. O Brasil possui a regulamentação dessa prática na Lei nº 9.795/99, que compreende a educação ambiental como um processo em que o indivíduo e a coletividade constroem seus valores e atitudes voltadas para a conservação do meio ambiente e para a construção de uma sociedade mais justa. A lei prevê ainda que ela seja um componente essencial da educação, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades de ensino (BARBOSA, 2011). Os professores, por diversas vezes, não conseguem levar para a sala de aula a discussão sobre os componentes do meio ambiente e sua relação com o ser humano, ou, por outras vezes, trabalham o tema de modo tão descontextualizado da realidade dos estudantes que estes idealizam um ambiente totalmente surreal ou imaginário. Para trazer novas formas de aproximação dos estudantes com suas realidades, facilitar a assimilação de conteúdos e formar sujeitos capazes de tomar suas próprias decisões a respeito do espaço onde interagem e, dessa maneira, refletir criticamente a respeito do futuro, diversas alternativas vêm sendo desenvolvidas e aprimoradas com o intuito de munir, facilitar e sensibilizar para o aprendizado. O Projeto de Extensão Rastro Selvagem, da Universidade Católica de Pelotas – UCPel, surgiu a partir dessa necessidade de criação de novas alternativas que implementem e facilitem as atividades de Educação Ambiental. As experiências e as contribuições desse trabalho surgiram em um resgate de atividades vivenciadas na colaboração de oficinas de educação ambiental promovidas pelo Projeto. FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 13 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa O Rastro teve seu surgimento partindo da iniciativa de estudantes do curso de Bacharelado em Ecologia, com o objetivo de realizar atividades ligadas à Educação Ambiental. Com os meios de comunicação social servindo como ferramenta para difundir o trabalho, hoje, tem a missão de criar atividades de extensão ligadas à Educação Ambiental através de documentários, práticas fotográficas, bem como trabalhos em grupo, além de prestar auxílio aos acadêmicos durante a sua formação, colaborando com a disseminação dos conhecimentos a respeito dos ecossistemas do bioma Pampa, foco das imagens, e das produções desse projeto. O registro fotográfico foi identificado durante o percurso acadêmico prático como a melhor forma de expressar os sentimentos e revelar a diversidade biológica, assim como as culturas que integram e interagem na região dos pampas. Colabora, através da produção visual, com as atividades de educação ambiental e valorização da região sul, concretizando os conhecimentos adquiridos em sala de aula e somando-se à intimidade com o meio natural, vindo a servir como embasamento e inspiração para as ações nesse contexto.

2 OBJETIVOS

Dessa forma, o trabalho apresentado almeja relatar atividades de sensibilização promovidas pelo Projeto de Extensão Rastro Selvagem, bem como contribuir para a criação de novas alternativas para práticas de Educação Ambiental, utilizando a fotografia como recurso imagético, a fim de potencializar a percepção de estudantes de níveis técnico e superior quanto à importância de sua intervenção, como futuros profissionais e tomadores de decisão, na investigação de novas alternativas frente à crise ambiental. FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 14 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa 3 METODOLOGIA

A metodologia foi elaborada a partir de um referencial teórico básico a respeito da educação ambiental, da percepção e também da arte fotográfica, de modo a contribuir no embasamento da análise sobre as atividades desenvolvidas. Visto que são temas amplamente discutidos em diversas áreas do saber, procuramos referências que pudessem auxiliar o trabalho proposto, sem a pretensão de esgotar o debate. Foram desenvolvidas três atividades, em três diferentes instituições de ensino e pesquisa, totalizando a participação de 47 estudantes de níveis técnico e superior de cursos relacionados à atuação ambiental na cidade de Pelotas/RS. As atividades foram realizadas por meio de oficinas, nas quais, após uma breve apresentação de aproximadamente 20 minutos sobre temas referentes a técnicas fotográficas e suas aplicações na Educação Ambiental, os estudantes foram encaminhados para a prática, portando uma câmera fotográfica para registrar situações de conflito socioambiental nas imediações de suas instituições de ensino.

4 EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Para iniciarmos as contribuições a respeito das relações e dos processos na educação ambiental, é importante estabelecermos aqui a definição de meio ambiente que melhor esclareça os segmentos deste trabalho. FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 15 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa Para Reigota (2009), meio ambiente é definido como um lugar determinado e/ou percebido onde estão, em relação dinâmica e constante interação, os aspectos naturais e sociais. Essas relações acarretam processos de criação cultural e tecnológica, bem como processos históricos e políticos de transformações da natureza e da sociedade. Nessa atribuição, meio ambiente é entendido para além das relações naturais, colocando as discussões políticas e sociais como itens indispensáveis à compreensão do todo onde se deseja intervir com a educação ambiental. Se olharmos para a abordagem do ambiente, numa perspectiva educativa, é imprescindível ter por referência as relações sociais que se estabelecem no e com o meio. Tendo como base esses fatores, realizar uma abordagem ecológica desvinculada do fator humano seria praticar o mais ingênuo e primário reducionismo. Sob essa ótica, alguns conceitos têm surgido na busca por afirmar a Educação Ambiental em suas mais diversas intervenções educacionais. Na Conferência de Tbilisi (Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental), foi definida uma dimensão dada ao conteúdo e à prática da educação, orientada para a resolução dos problemas concretos do meio ambiente através de enfoques interdisciplinares e de uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade (DIAS, 1998). Segundo Medina (2008), os processos de globalização do sistema econômico se aceleram, e os fatores globais adquirem maior relevância na definição das políticas nacionais, sendo assim e, no contexto internacional, começa a ser preparada a Conferência Rio-92, na qual a grande discussão se centra nos problemas ambientais globais e nas questões do desenvolvimento sustentável. Nessa conferência, em relação à Educação Ambiental, destacam-se dois documentos produzidos. O primeiro, o Tratado de Educação Ambiental para sociedades sustentáveis, elaborado pelo fórum das ONG’s que explicita o compromisso da sociedade civil para a construção de um modelo mais humano e harmônico de desenvolvimento, fundamentando a criação da Política Nacional de Educação Ambiental, em que se reconhecem os diretos humanos da terceira geração, a perspectiva de gênero, o direito

FOREXT e a importância das diferenças e o direito à vida. E o segundo documento, a regulamentação ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 16 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa da Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA, via Decreto nº 4.281/2002 (BRASIL, 2002), decorrendo de intensas discussões realizadas no âmbito da Câmara Técnica Temporária de Educação Ambiental, especialmente constituída pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA - para essa finalidade (UEMA, 2009, apud NOVICKI, 2010). Em seu Artigo 1º, esse decreto determina que a execução da PNEA consista em responsabilidade dos órgãos e das entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, das instituições educacionais públicas e privadas dos sistemas de ensino, dos órgãos públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, das Organizações Não Governamentais (ONG’s), das entidades de classe, dos meios de comunicação e dos demais segmentos da sociedade. Ainda, entende por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 2002). A Política Nacional de Educação Ambiental, por meio do Artigo 5º, dispõe como objetivos fundamentais da educação ambiental: VI - o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia (BRASIL, 2002). Segundo Bianco (1998), o último decênio do presente século trouxe, talvez inesperadamente, uma mutação profunda a todos os contextos de educação e de formação. Ao contrário do acontecido em ocasiões anteriores, em que a formulação de novas teorias e metodologias pedagógicas causou uma modificação substantiva na organização dos modos de ensinar e de aprender, a mutação referida decorreu do reconhecimento da eficácia de práticas educativas essencialmente baseadas em estratégias de autoaprendizagem e na utilização intensiva de novas tecnologias de comunicação e informação. Muitos conceitos têm sido abordados a respeito dos processos para o sucesso da educação ambiental. Dentre as finalidades desse processo, perceber o ambiente mostra-se o gatilho para a reflexão da realidade. Tais importâncias justificam a necessidade de um capítulo

FOREXT para abordar como esses conceitos podem ser aplicados na educação. ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 17 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa 5 A PERCEPÇÃO NO PROCESSO EDUCACIONAL

Dentre as metodologias criadas para elucidar formas de utilização da comunicação na educação ambiental, Apa (2006) considera a arte, principalmente por meio de mensagens visuais, um grande facilitador do processo de percepção, compreensão e análise crítica dos problemas sociais. Quando a ciência se une às artes, o resultado pode ir além de oferecer soluções úteis e práticas.

A arte pode elevar o homem de um estado de fragmentação a um estado de ser íntegro, total. A arte capacita o homem para compreender a realidade e o ajuda não só a suportá-la como a transformá-la, aumentando-lhe a determinação de torná-la mais humana e mais hospitaleira para a humanidade. A arte, ela própria, é uma realidade social. A sociedade precisa do artista, este supremo feiticeiro, e tem o direito de pedir- lhe que ele seja consciente de sua função social (FISCHER, 2002 p. 56).

Percepção ambiental pode ser definida como sendo uma tomada de consciência do ambiente pelo homem, ou seja, o ato de perceber o ambiente em que se está inserido, aprendendo a proteger e a cuidar dele (VILLAR apud SATO, 2008). Cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente às ações sobre o ambiente em que vive. As respostas ou as manifestações daí decorrentes são resultado das percepções (individuais e coletivas), dos processos cognitivos, dos julgamentos e das expectativas de cada pessoa. Dessa forma, o estudo da percepção ambiental é de fundamental importância para que possamos compreender melhor as inter-relações entre o homem e o ambiente, suas expectativas, seus anseios, suas satisfações e insatisfações, seus julgamentos e suas condutas. Como princípio das atividades aqui descritas, a sensibilização está entendida como:

[...] um dos conceitos mais utilizados e, ao mesmo tempo, mais imprecisos que existem na educação. Para uns, refere-se ao tornar sensível pela emoção; para outros se refere FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 18 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa a um processo inicial de transmissão de informações que faça com que o outro fique mais atento acerca de algo; outros tantos generalizam como qualquer processo que resulte em apropriação pelos sentidos, o que envolve transmissão, construção e compreensão de informações. Na Educação Ambiental normalmente se utilizam os dois primeiros sentidos, mas sem que haja muita clareza das implicações disso. Enfim, é um conceito que se for utilizado como objetivo exige que quem o escolheu diga claramente o que se pretende com isso (LOUREIRO, 2012).

Nesse sentido, o presente trabalho pretende estudar a fotografia como instrumento em tais iniciativas práticas na educação ambiental, bem como o possível favorecimento oriundo da utilização desse instrumento na percepção de mundo de cada sujeito nesse processo.

6 O USO DA FOTOGRAFIA

A fotografia está enquadrada, neste trabalho, como um instrumento que, por meio de seus usos, possibilita estratégias comunicativas para favorecer os processos na Educação Ambiental. Tal tecnologia ganha consistência por atrelar arte e conteúdo a um suporte que pode ser facilmente veiculado, uma mídia capaz de ser amplamente distribuída, provocando, através da imagem, novos questionamentos a respeito do olhar sobre o ambiente.

A fotografia enquanto arte visual cada vez mais popularizada figura nesse cenário. A linguagem fotográfica é vista como uma prática, que pode ser estimulada em vários níveis da formação, pois ao colocar em foco as múltiplas formas de ver e ser visto, o ato fotográfico desponta como mais um caminho de problematização da vida, que nos permite, através da mediação da câmera fotográfica, registrar, decifrar, ressignificar e recriar o mundo e a nós mesmos (FONSECA apud LOPES, 2009, p.230).

Mesmo com a evolução e o aprimoramento das técnicas de uso da fotografia, para Justo (2003), é uma forma pouco valorizada de apreensão do outro. É um olhar que se FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 19 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa contrapõe ao imediatismo da sociedade atual. Permite ao sujeito estar diante de um mesmo fenômeno por tempo indeterminado de maneira a senti-lo, percebê-lo, julgá-lo, interpretá-lo. É por meio desse processo de percepção e compreensão da realidade que são construídos os valores culturais e sociais, ou seja, a partir do momento em que os olhos percebem, o indivíduo faz a sua leitura de uma determinada realidade, evento ou imagem, o que o leva a uma reflexão e, consequentemente, à formulação de conceitos capazes de construir atitudes para transformação do ambiente a sua volta. A percepção está associada ao fato de que nós interagimos e nos apropriamos do mundo através dos órgãos do sentido, justificando a fotografia como potência para essa apropriação crítica do mundo utilizando-se do olhar. Muitos benefícios são diagnosticados pelo uso da fotografia na percepção, o mais relevante deles, certamente, é a possibilidade de quebra do paradigma da Pedagogia, libertando-a do verbalismo que está imposto há tantos anos devido a concepções conservadoras da educação, principalmente a tradicional, que centra na transmissão de conteúdos. No entanto, para que os resultados do uso da fotografia sejam eficazes na formação de cidadãos críticos e conscientes, é necessário que ela seja empregada como algo além de uma simples ilustração. Portanto, a Fotografia como ferramenta pedagógica e a Educação Ambiental mostram-se como um terreno fértil na criação de uma nova relação homem e natureza e do homem com sua própria natureza, na construção de uma consciência ecológica que reconheça a importância e o valor de todas as formas de vida e a responsabilidade da formulação de um novo pensamento coletivo e planetário. Na medida em que a fotografia permite o ato de “enxergar a si próprio” e o mundo em que vivemos, podemos agir rumo à consolidação do mundo com que sonhamos e queremos, com uma sociedade mais poética, justa, solidária, sustentável (ARAUJO, 2010).

FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 20 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa 7 A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO RASTRO SELVAGEM

Conforme visto nos parágrafos anteriores, a fotografia é um importante instrumento para o exercício da percepção, principalmente no que diz respeito à capacidade crítica em reflexões sobre a realidade. Na tentativa de avaliar os resultados práticos da utilização da fotografia como instrumento de educação ambiental, foi desenvolvido este estudo com enfoque nas atividades voltadas ao uso da fotografia. Segundo ARAUJO (2010), a massiva veiculação de imagens em meios de comunicação dos mais corriqueiros aos meios contemporâneos e complexos como a Internet dota a imagem fotográfica de valor e poder de apreensão de interesse e atenção; ao conjugar a temática do meio ambiente em sua estética, passa a valorizar, despertar interesse e até mesmo incentivar a discussão e a reflexão sobre tal assunto; sendo assim, a utilização das práticas fotográficas constitui um dos tentáculos das ações socioambientais promovidas pelo projeto Rastro Selvagem. A partir da hipótese de que é possível formar competências e habilidades por meio do desenvolvimento de práticas fotográficas, na busca pelo alcance do objetivo proposto, foram planejadas atividades que têm como intenção (utilizando-se da percepção visual) potencializar o olhar, despertando o senso crítico do público-alvo a respeito dos conflitos existentes em suas áreas de atuação profissional, tornando-os agentes multiplicadores, movimentando a comunidade em direção a mudanças de comportamento em relação ao ambiente. Intitulada “Oficina de Fotografia Violentamente Pacífica – Denunciando Realidades”, os participantes foram instigados, através do tema, a despertar o sentimento de força de atuação em relação às realidades do seu entorno, em que tiveram, naquele momento, o poder de denunciar suas insatisfações através de um instrumento pacífico e silencioso: a fotografia. FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 21 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa Os estudantes envolvidos nas três oficinas realizadas foram: a) 13 do curso Técnico em Meio Ambiente; e b) nove de Gestão Ambiental do Instituto Federal Sul-rio-grandense de Pelotas – IFSul / campus CAVG; c) 16 do curso de Biologia da Universidade Federal de Pelotas – UFPel; e d) nove do curso de Biologia da Universidade Anhanguera de Pelotas (TABELA 1).

1 Tabela 1 - Número oficinas, de participantes e instituições envolvidas em atividades de Educação Ambiental

OFICINA INSTITUIÇÃO PARTICIPANTES

1 Universidade Federal de Pelotas – UFPel 16

1 Universidade Anhanguera de Pelotas 9

Instituto Federal Sul-rio-grandense de Pelotas – 1 22 2 IFSul / campus CAVG

TOTAL 47

As práticas realizadas nas oficinas desenvolvidas tiveram como foco principal o registro de conflitos socioambientais nas imediações de suas instituições de ensino (FIGURAS 1, 2 e 3). Após uma hora de registros em campo (FIGURA A, B, C), os estudantes foram 3 conduzidos à sala de aula, onde, em círculo, foi sugerido que cada um escolhesse livremente

• Figura 01 - Campus Universitário Capão do Leão - uma fotografia a ser discutida e analisada junto ao grupo. Algumas questões-chave foram Universidade Federal de Pelotas – UFPel - Estudantes integrando-se à prática levantadas pelos facilitadores, como: a) qual conflito foi registrado; b) o porquê da escolha • Figura 02 - Universidade Anhanguera de Pelotas - Estudantes integrando-se à prática daquela fotografia; e c) quais seriam as alternativas de transformação da realidade registrada. • Figura 03 - Instituto Federal Sul-rio-grandense As fotos foram avaliadas em seu potencial documental, abstendo-se a necessidade de Pelotas – IFSul / campus CAVG – Estudantes integrando-se à prática de conhecimentos técnicos de fotografia. Assim, a técnica adotada assegura a cada pessoa que ela mesma decida o que quer registrar, como deve realizar o que pretende, permitindo FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 22 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa a b c

• Figura a, b, c - Participantes dos cursos de Biologia, Gestão que o participante opine e questione ativamente em todas as etapas de produção da Ambiental e Técnico em Meio Ambiente em atividade de campo mensagem. A ação, que parte da autoconvocação, está embutida no procedimento de na coleta de registros para a oficina “Fotografia Violentamente pacífica percepção proveniente da ideia singular capaz de, através do questionamento, da ação e do – Denunciando realidades”, em ordem da esquerda para a direita, debate, chegar a uma percepção em grupo que influencia diretamente no modo de exercer a Imagem Universidade Federal de Pelotas - UFPEL; Universidade Anhanguera de Pelotas; Instituto liberdade e a força de expressão individual. Federal Sul-rio-grandense de Pelotas – IFSul / campus CAVG.

8 RESULTADOS E DISCUSSÃO

De imediato, nas três instituições trabalhadas, os resultados das oficinas trouxeram reflexões e, por conseguinte, transformações nas atitudes dos envolvidos nessas práticas em um curto período de tempo. Durante a descrição dos registros em campo, os principais temas foram relacionados a saneamento, saúde pública, descaso com animais e arborização. Ao término das atividades, após as análises dos registros fotográficos, surgiram os primeiros FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 23 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa questionamentos e anseios em relação às situações em que se encontravam as dependências das instituições e a cidade como um todo, questões essas enumeradas a seguir: 1) Como podemos aplicar mais nossos conhecimentos obtidos em sala de aula? 2) O que acontece com os resíduos produzidos na instituição e na cidade? 3) Qual o papel do poder público na gestão ambiental da cidade? 4) Como podemos colaborar com a qualidade de vida de todos? 5) Quais os primeiros passos para uma gestão ambiental participativa? Os próprios estudantes, em discussões com base nas fotografias, criaram alternativas de respostas. Novas atitudes em relação ao espaço onde interagem foram construídas. Dentre os resultados desses diálogos, algumas iniciativas práticas chamaram a atenção dias após a realização das oficinas. Dentre os resultados conseguintes, foi criado, pelos estudantes, um blog de discussão de assuntos com enfoque ambiental, foram realizadas pesquisas a respeito da biodiversidade nas imediações das instituições e foi promovida a criação de um grupo participativo para a gestão de resíduos. Considera-se, com base na bibliografia levantada, que tais atitudes podem ser colocadas como os principais desfechos em relação aos resultados das oficinas. Tal consideração é baseada na necessidade de divulgação e comunicação dos assuntos pertinentes às problemáticas ambientais locais, facilitando a transformação social. O uso da fotografia mostrou-se útil em todas as instituições de ensino. Através do registro da realização das oficinas, foi possível observar a grande satisfação, por parte dos estudantes, em participar de uma experiência extraclasse. O estudo da percepção ambiental é de fundamental importância. Por meio dele, é possível conhecer a percepção de cada indivíduo dos grupos envolvidos, facilitando a realização de um trabalho com bases locais, que parte da realidade do público-alvo, para conhecer como os indivíduos enxergam o ambiente em que convivem e como isso afeta suas fontes de satisfação e insatisfação (FAGGIONATO, 2004). A partir de então, com o uso de um instrumento tecnológico capaz de expandir o sentido da visão para um olhar sintético (câmera fotográfica) e libertar a consciência através da experimentação de inúmeras formas FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 24 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa 5 6 7

• Figuras 5, 6 e 7 - Imagens escolhidas por participantes de interagir com as representações da semiótica ao seu redor, forma-se uma bagagem dos cursos de: Biologia da Universidade Federal de experimental, contendo transformações que guiam novas atitudes perante o meio, diante das Pelotas (Figura 04) - denuncia a necessidade de seleção dos obrigações como cidadãos e futuros profissionais. resíduos para triagem por agentes da reciclagem; Biologia da Universidade Anhanguera (Figura 05) - denuncia o descaso e a necessidade de cuidados com animais abandonados nas ruas; Gestão Ambiental do Instituto Federal Sul-rio-grandense de Pelotas – IFSul / campus CAVG (Figura 6) -denuncia a 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS necessidade de tratamento dos efluentes gerados na instituição. Nas oficinas: “Fotografia Violentamente Pacífica – Denunciando Realidades” Após a análise dos materiais coletados em campo, através de registro fotográfico dos participantes, foi realizada a observação desses registros, permitindo a verificação de um grande interesse, por parte do público atingido, a respeito de sua postura em relação ao ambiente. No momento em que o sujeito se apodera de uma ferramenta capaz de denunciar suas insatisfações, ele se torna um agente da percepção, instigando seu olhar para os conflitos e provocando a reflexão quanto a alternativas para o assunto observado, corroborando a ideia de que a fotografia, quando aplicada juntamente com o diálogo crítico, é capaz de transformar realidades através da discussão de melhorias no ambiente ao seu redor. FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 25 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa A arte pode, assim, despertar nas pessoas um modo de ver e estar no mundo, levando a reflexões diversificadas e particulares sobre a vida. Assim, podemos afirmar que as artes instigam a interação dos sujeitos com o ambiente de forma lúdica, criativa, crítica e atraente, potencializando a percepção. Na experimentação de linguagens e tecnologias da comunicação, salienta-se o uso da fotografia como uma nova forma de enxergar o que antes era despercebido ao olhar impaciente do dia a dia. A sua utilização como instrumento sensibilizador favorece a expressão de culturas diversas, promove ações de mobilização social, cria canais de diálogo entre as pessoas, dinamiza os processos de ensino e aprendizagem, seja na escola, ou em ambientes informais, por meio da mídia ou na vida em sociedade.

FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 26 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa REFERÊNCIAS

______. Resolução CONAMA nº. 237, de 19 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 22 dez. 1997c.

______. Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília, DF, 2002.

______. Programa Nacional de Educação Ambiental. Brasília, DF, 1994.

APA, Hatsi Corrêa Galvão do rio. A utilização da arte como ferramenta para educação ambiental. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Departamento de Zootecnia e Desenvolvimento Rural, Disciplina de Projetos e Seminários. Santa Catarina, 2006.

ARAUJO, Deise Lorena Cordeiro de. A estética fotográfica a favor da sensibilização ambiental – reflexão e prática, 2010. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2012.

BARBOSA, Leila Cristina Aoyama. O uso da fotografia como recurso didático para a educação ambiental: uma experiência em busca da educação problematizadora. Escola Técnica Estadual de Rondonópolis/MT, 2011. Disponível em: . Acesso em: 13 de nov. 2012.

BIANCO, B. F; MIRIAM L. M. L. Desafios da Imagem: Fotografia, icnografia e vídeo nas ciências sociais. Campinas, SP: 1998.

DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e prática. 8 ed. São Paulo: Global, 1998.

FAGGIONATO, S. Percepção Ambiental. Disponível em : , 2004. Acesso em: 18 nov. 2012. FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 27 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa FISCHER, Ernest. A necessidade da arte. 9 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

JUSTO, Carmen Sílvia Sanches. Os meninos fotógrafos e os educadores: viver na rua e no Projeto Casa. São Paulo: UNESP, 2003.

LOPES, Lima. Educação pelos meios de comunicação. Disponível em: , 2009. Acesso em: 18 nov. 2012.

MEDINA, Nana Mininni. Breve histórico da Educação Ambiental - Naná Mininni. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2012.

NOVICKI, Victor. Políticas públicas de educação ambiental e a atuação dos Conselhos de Meio Ambiente no Brasil: perspectivas e desafios. Ensaio. Rio de Janeiro, v. 18, n. 69, 2010.

RIBEIRO, L. M. O papel das representações sociais na educação ambiental. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica. Departamento de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Rio de Janeiro, 2003.

REIGOTA, Marcos. O que é educação Ambiental: 2 ed. Revista e Ampliada São Paulo: Brasiliense 2009.

FOREXT ARTE E CULTURA

A fotografia como instrumento de percepção em práticas de educação ambiental no projeto de extensão Rastro Selvagem 28 FONSECA, Gustavo Matos da; POTT, Crisla Maciel; ESTRELA, Carina Costa ARTE E CULTURA COMO DISPOSITIVOS DE INTERVENÇÃO À VIOLÊNCIA INFANTO-JUVENIL NO CONTEXTO DE UMA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES MIRINS

1 Assistente Social, graduada em Serviço Social pela UPF (2012), foi estagiária do projeto de extensão Instituição de origem: UniversidadeBOTTESINI, de Passo Camila Fundo1 Educação e Cidadania entre os anos de 2011 e 2012. Atua como assistente social na Fundação Lucas 2 Araújo. E-mail: [email protected]. BERNARDI, Analu 2 Assistente Social, graduada em Serviço Social pela UPF (2012), foi estagiária do projeto de extensão FIOREZE, Cristina3 Educação e Cidadania entre os anos de 2011 e 2012. Atua como assistente social no projeto Minha 4 Casa Minha Vida – Caixa Econômica Federal/UPF. E-mail: [email protected]. MORETTO, Clenir Maria 3 Assistente Social, graduada em Serviço Social pela UCS (2001), mestre em Educação pela UPF HENRICH, Giovana5 (2004) e doutoranda em Sociologia pela UFRGS. Professora do Curso de Serviço Social da UPF e coordenadora do projeto de extensão Educação e Cidadania. E-mail: [email protected]. 4 Assistente Social, graduada em Serviço Social pela PUCRS (1996), mestre em Serviço Social pela Instituição de origem: Universidade de Passo Fundo (UPF) PUCRS (2000) e doutoranda em Educação pela UPF. Professora do Curso de Serviço Social da UPF. E-mail: [email protected]. 5 Assistente Social, graduada em Serviço Social pela UNICRUZ (2002), mestre em Serviço Social pela PUCRS (2008) e doutoranda em Serviço Social pela PUCRS. Professora do Curso de Serviço Social da UPF. E-mail: [email protected].

29 RESUMO O presente artigo tem por finalidade apresentar e discutir a experiência extensionista do projeto Educação e Cidadania, da Universidade de Passo Fundo (UPF), realizada junto à Associação de Moradores Mirins do Loteamento Manoel Corralo, integrando a vivência de estágio curricular obrigatório de acadêmicos do curso de Serviço Social da UPF no ano de 2012. O projeto Educação e Cidadania existe desde o ano de 2005 e é uma parceria entre o Curso de Serviço Social e a UPFTV. A intervenção aqui relatada emergiu do acompanhamento ao grupo de crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social, membros da Associação de Moradores Mirins, em que a arte e a cultura se constituíram como dispositivos de enfrentamento de um cotidiano marcado pela violência e pela segregação social. O objetivo geral da intervenção consistiu em promover, por meio de processos socioeducativos, a reflexão crítica acerca da violência na realidade das crianças e dos adolescentes, contribuindo para a sua problematização e desnaturalização. Atividades artísticas e culturais foram incorporadas a um conjunto de estratégias de intervenção, as quais favoreceram a liberdade de expressão e o acesso a direitos, como cultura, lazer e informação. A experiência exigiu do Serviço Social um olhar interdisciplinar, com a exploração de outras áreas do conhecimento, colocando-se como um importante desafio, ao tempo que permitiu o alcance de resultados positivos tanto para os sujeitos quanto para a categoria profissional em termos de produção do conhecimento. Palavras-chave: Criança e adolescente. Arte. Cultura. Violência. Serviço social.

ABSTRACT This paper aims to present and discuss the extension experience obtained from the Project “Education and Citizenship”, from Passo Fundo University, developed at the Minor Residents Association of Manoel Corralo Housing Development, which is part of the curricular traineeship mandatory for students of Social Work in 2012. The Project “Education and Citizenship” exists since 2005 and is a partnership between Social Work Program and UPFTV. The intervention reported here has emerged from the monitoring of a group of children and adolescentes at social vulnerability, who were members of the Minor Residents Association, where arts and culture constituted coping devices to a routine marked by violence and social segregation. The general aim of the intervention was to promote critical reflexion about violence within children and adolescentes realities, through social and educational processes, contributing to its questioning and denaturalization. Artistic and cultural activities were incorporated into a set of intervention strategies, which favored the freedom of expression and access to rights such as culture, leisure and information. The experience demanded interdisciplinary approach from Social Work, exploring other fields of knowledge, what constituted an important challenge that enabled positive achievements for both subjects and professional category, considering knowledge production. FOREXT Keywords: ChildARTE E CULTURA and adolescent. Art. Culture. Social work.

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 30 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana 1 INTRODUÇÃO

Este artigo relata uma experiência desenvolvida pelo projeto de extensão Educação e Cidadania, da Universidade de Passo Fundo (UPF), universidade comunitária situada no norte do estado do Rio Grande do Sul. O projeto é resultado de uma parceria entre o Curso de Serviço Social e a UPFTV, canal de televisão da universidade. A experiência em relato considera a vivência de estágio curricular obrigatório de acadêmicos de Serviço Social e foi realizada no primeiro semestre do ano de 2012, junto à Associação de Moradores Mirins. Tal associação consiste em um grupo constituído por meio do projeto Educação e Cidadania em parceria com a Escola de Educação Infantil Geni Araújo Rebechi e é formada por crianças e adolescentes do Loteamento Manoel Corralo, do município de Passo Fundo. A Associação de Moradores Mirins teve sua origem a partir de demandas da própria comunidade, justificadas nas evidências do aumento da violência, principalmente juvenil, naquele local. Diante dessa demanda, o grupo foi criado com o objetivo de promover a auto-organização dos jovens do Loteamento, visando a potencializá-los como membros ativos daquela comunidade. O Loteamento Manoel Corralo foi uma das oito comunidades envolvidas na elaboração de um Diagnóstico Social Comunitário produzido pelo Projeto Educação e Cidadania junto a vilas, bairros e loteamentos de Passo Fundo que congregam populações em situação de vulnerabilidade e risco social, com o objetivo de mapear e dar visibilidade às problemáticas sociais vividas pelas comunidades, além da identificação das potencialidades existentes, partindo do ponto de vista dos próprios moradores. Esse diagnóstico envolveu os moradores, as lideranças e os representantes de equipamentos sociais de cada uma das comunidades, transformando-se em programa de televisão veiculado pela UPFTV e também em livro (MORETTO; FIOREZE; FONSECA, 2008). O pensar coletivo sobre questões vivenciadas por aquela comunidade, no contexto daquele espaço-tempo, tornou evidente a situação da FOREXT violência juvenil, o que levou à busca de novos sentidos e de alternativas aos processos de ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana 31 violência e de desalento lá vivenciados, principalmente se consideradas as experiências dos sujeitos criança e adolescente naquele lugar. Nesse sentido, avaliou-se ser necessário desenvolver um trabalho com vistas a desencadear, junto às crianças e aos adolescentes, a reflexão sobre questões que faziam parte das suas vidas, as quais mereciam especial atenção, mas que somente poderiam ser foco de estudo se pensadas a partir de instrumentos que fossem ao encontro das reais necessidades do grupo de jovens pertencentes à Associação de Moradores Mirins. Assim surgiu, em 2012, por meio da intervenção de acadêmicos do curso de Serviço Social, um projeto que teve como premissa tematizar a realidade marcada pela violência, simbolizada nas falas e nas ações cotidianas das crianças e adolescentes do grupo. No percurso, foram realizadas ações que colocavam em pauta aspectos socioculturais do cotidiano dos participantes da Associação, como, por exemplo, a análise conjunta, entre equipe técnica e crianças/adolescentes, das músicas que costumavam ouvir nos diferentes espaços que frequentavam em seu dia a dia. Dessas experiências, surgiram possibilidades de aprofundamento do vínculo entre a equipe e as/os crianças/adolescentes e, principalmente, a possibilidade de refletir sobre a relação entre as músicas, o cotidiano e seus significados naquele contexto de vida. Adentrando o universo social e cultural daqueles sujeitos, observa-se que a violência é fortemente tematizada pela mídia, podendo incidir nos modos de subjetivação dos indivíduos, principalmente quando se faz presente em períodos singulares de sua formação, como a infância e a adolescência. Assim como muitos reproduzem o que a televisão veicula, a violência também passa a ser concebida como forma de conquistar respeito e, talvez, dignidade. Nesse sentido, também expressa uma forma de poder. Conforme mencionado, os sujeitos atendidos no desenvolvimento do projeto foram as crianças e os adolescentes integrantes da Associação de Moradores Mirins, cujas idades se situavam, naquela ocasião, entre os nove e os dezessete anos. Muitos desses sujeitos estavam expostos a situações que os obrigaram a adultescer prematuramente, devido a FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 32 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana responsabilidades que lhes foram exigidas diante de certas situações, tais como o trabalho infantil, o cuidado dos irmãos mais novos e os conflitos domésticos. Diante disso, cabe destacar que, apesar de o processo de adultização ser observado, contemporaneamente, em todas as camadas sociais, os modos de experenciá-lo se diferenciam nos contextos de vida das populações em situação de pobreza e vulnerabilidade social, como as crianças e os adolescentes envolvidos no projeto aqui discutido. Partindo dessas compreensões, o principal objetivo do projeto proposto consistiu em promover, por meio de processos socioeducativos, a reflexão crítica acerca da violência no cotidiano das crianças e dos adolescentes, em situação de exclusão social, da Associação de Moradores Mirins do Loteamento Manoel Corralo, contribuindo para viabilizar os direitos à cultura, à informação e ao lazer. Uma das referências fundamentais para a construção desse projeto foi o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que indica, em seu artigo 5º, que

“nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais” (BRASIL, 1990).

Assim, o relato de experiência a ser apresentado a seguir está organizado do seguinte modo: inicialmente indica-se o percurso metodológico por meio do qual o projeto foi desenvolvido; num segundo momento, são apresentados os resultados obtidos e as discussões sobre eles; e, por fim, apontam-se as conclusões a que se pôde chegar a partir da análise desses resultados.

FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 33 BOTTESINI, Camila; BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana 2 METODOLOGIA

Visando a atingir os objetivos propostos, o percurso de intervenção constituiu- -se de encontros semanais com o grupo da Associação de Moradores Mirins pelo período de quatro meses. As temáticas abordadas foram ao encontro das experiências vividas pelos membros do grupo, percebidas principalmente por meio das histórias e dos relatos cotidianos de seus integrantes. Buscou-se, sempre que possível, a utilização de metodologias criativas e inventivas, visando a despertar o desejo e o sentido da participação. Sendo assim, as atividades desenvolvidas estiveram voltadas para o universo musical e cultural das crianças e dos adolescentes, em que a violência foi tematizada e discutida por meio de instrumentos como desenho, música e dança. Para tanto, levaram-se em conta experiências vividas anteriormente com os integrantes que participaram de grupo de percussão em parceria com o curso de Música da UPF, no ano de 2011, em que foi possível perceber que a música influenciou consideravelmente no comportamento e nas atitudes desses sujeitos; outra experiência se deu no início do ano de 2012, com a participação do grupo no carnaval de rua de Passo Fundo, na escola de samba organizada pela Secretaria Municipal de Desporto e Cultura (SEDEC). Nos encontros realizados junto ao Loteamento Manoel Corralo, principalmente os adolescentes traziam músicas que ouviam diariamente, cujas letras tematizavam sobre características de suas vidas pessoais, tomadas como uma forma de identificação. Em muitas situações, ficou evidente que a música era vista como uma fonte de resistência frente à realidade de injustiça social em que se encontravam, caracterizada por situações como trabalho infantil, fragilidade nos vínculos familiares, vulnerabilidade social e violência, discriminação pela condição de pobreza, objetos principais da intervenção. Nesse sentido, tem-se que a experiência da

FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 34 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana injustiça social é constituída por duas dimensões inter-relacionadas: a da desigualdade material e econômica, ligada à má distribuição, e também pela dimensão do não reconhecimento, a qual, de caráter intersubjetivo, está vinculada às injustiças de status (FRASER, 2006). Salienta-se, a partir da experiência, que a organização social contemporânea trouxe importantes avanços para a sociedade, mas também fez com que algumas características próprias das fases distintas da vida das pessoas se perdessem com o tempo, como o sentido da infância para determinados grupos sociais. Sabe-se que muitas crianças estão expostas a situações complicadas para sua idade, como o trabalho infantil, a violência, as drogas, e que a mídia também faz parte desse universo que influencia consideravelmente as formas de agir do sujeito. Para melhor compreender essa realidade, foi desenvolvida, como parte do processo interventivo, uma pesquisa que objetivou identificar, através de um estudo exploratório, como a música pode influenciar no desenvolvimento psicossocial e nas atitudes das crianças e dos adolescentes em situação de vulnerabilidade social vinculados à Associação de Moradores Mirins do loteamento Manoel Corralo, a fim de problematizar, a partir do seu significado, formas de desenvolver a capacidade crítica dos sujeitos. A pesquisa constitui-se em um estudo de campo1, de caráter qualitativo. Para que fosse realizada, foram utilizadas técnicas como grafodrama2, músicas, questionário e grupo focal. A partir das categorias teóricas do método dialético-crítico, as quais envolvem a historicidade, a contradição e a totalidade, tornou-se possível analisar as relações que permeiam a vida dessas crianças e desses adolescentes, a fim de melhor compreender aspectos que produzem seus modos de viver, sentir, escolher, participar, agir. Os resultados da pesquisa foram analisados a partir de categorias empíricas nominadas como a diversidade musical, trazendo os diferentes gêneros musicais

1 A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética. Processo CAAE 09000012.1.0000.5342 - Número do Parecer 141.246, de 09.11. 2012. 2 A técnica grafodrama consiste em articular o desenho à vida dos sujeitos pesquisados em relação às figuras representadas, sendo que se torna importante pelo fato de poder observar sentimentos por vezes difíceis de serem expressos. Assim, apresenta-se como uma estratégia que estimula a ordem psicológica, cultural e/ou social (PRATES, 2007). FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 35 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana ouvidos pelas crianças e pelos adolescentes, assim como sua compreensão em relação a eles, traduzindo-se através de aspectos como adolescência, amor, sexualidade, drogadição, desigualdade social, discriminação, trabalho e religiosidade; a indústria cultural, que na sua completude pode influenciar consideravelmente nos modos de consumir, inclusive a música, destacando os meios que permitem ou dificultam o acesso ao consumo, explicitando as dimensões individual, cultural e social que se complementam no processo que resulta na formação da subjetividade; e os sentidos das músicas, pois se acredita que estas podem refletir formas de linguagem, expressão e aprendizagem, que estão condicionadas pelo contexto social vivido, ressaltando que os sons podem se tornar meios de representação. A pesquisa permitiu compreender as particularidades dos sujeitos envolvidos no processo a partir do estudo das músicas que os envolvem cotidianamente, além de possibilitar uma análise mais crítica sobre o universo musical que se faz presente na sociedade e que, muitas vezes, é dado como despercebido ou sem valor ao analisar o contexto social. Sabe-se que a música favorece a expansão da sensibilidade infantil, estimula a criatividade e o senso de responsabilidade, o desenvolvimento mental, a atenção, a cooperação e a participação, já que faz com que a criança se integre ao grupo (MÁRSICO, 2003). Os resultados da pesquisa permitiram, também, considerar que os meios de comunicação podem ser compostos por texto, imagem e som, representando a realidade social de diferentes formas de comunicação, as quais se tornam importantes para a pesquisa social, conforme destacam Bauer e Gaskell (2008). Para além da pesquisa, as demais atividades do projeto de intervenção foram planejadas a partir de ações socioeducativas, que visaram a abordar e trabalhar a violência, das mais variadas formas, por meio de instrumentos como cartazes, vídeos, músicas e dança. Percebeu-se, ao longo da intervenção, o progressivo envolvimento dos integrantes do grupo, que, a partir dos instrumentos acionados, traziam a sua realidade para discussão e problematização. FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 36 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana O processo grupal destacou-se como o principal recurso metodológico da intervenção, partindo do pressuposto de que trabalhar de forma coletiva permite ao sujeito aprender a conviver com o outro, com as diferentes formas de pensar e de sentir e, muitas vezes, a perceber que existem diferenças e particularidades que os aproximam. O grupo pode ser considerado resultado da dialética entre os indivíduos, seus mundos internos e a história da sociedade em que estão inseridos, construindo-se através da heterogeneidade das diferenças entre os participantes. Trabalhar no desenvolvimento e na construção grupal através de ações educativas significa preocupar-se não apenas com o produto da aprendizagem, mas com o processo que possibilita a mudança de percepção dos sujeitos frente a dadas realidades. Nesse sentido, Winnicott (1994) destaca que o sujeito se constrói na interação entre objetividade, subjetividade e coletividade, de acordo com a afirmação de que a realidade interna e a realidade externa se compõem na experiência de viver. Aliados ao grupo como processo edificador que permitiu o estabelecimento de vínculos, foram utilizados instrumentos e técnicas, como visitas domiciliares e institucionais, planejamento, observação, escuta e recursos de monitoramento e avaliação. No processo interventivo, que aconteceu com periodicidade semanal3, os integrantes do grupo participaram da escolha das atividades, que foram pensadas no intuito de contribuir para a construção de uma identidade de autonomia e responsabilidade entre seus integrantes e estimular a criatividade e o senso crítico. A violência foi trabalhada por meio de desenhos em cartazes, confecção de um mural a partir de músicas, utilizando estas e a dança como princípio integrador dos participantes através do convívio e do respeito mútuo. Isso permitiu refletir sobre as questões trabalhadas em relação às músicas que eles ouviam, buscando desnaturalizar a violência, para fortalecer uma cultura de paz. Entende-se que a cultura de paz vai ao encontro das expressões da questão social identificadas naquela realidade, já que busca a construção de uma cultura de não violência para a sociedade. Nesse sentido, destaca-se que a cultura representa um conjunto de modos

3 Durante os meses de abril a julho de 2012. FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 37 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana de vida, sejam eles criados, adquiridos ou transmitidos com o tempo para a sociedade. Implica projetos históricos de vida que são compartilhados por todos os membros de um grupo, ou por alguns membros determinados, tendo caráter de aprendizado ou transmissão (ABAGNANO, 2007). Ou ainda, a cultura está determinada por um tempo que implica transformação, mudanças de costumes, leis, emoções, pensamentos, técnicas, alimentação, linguagem, instituições, entre outros (CHAUÍ, 2006). A dificuldade de os integrantes do grupo participarem dos encontros e das oficinas também deve ser ressaltada, já que acarretou o atraso de algumas ações planejadas, sendo que as condições climáticas (mais precisamente chuva e frio) interferiram muito na decisão de irem para o grupo, além das atividades que lhes são exigidas frequentemente, como cuidar dos irmãos, ir para o “centro” resolver as coisas da família, trabalhar para um vizinho, fazer a limpeza da casa, entre outras formas de trabalho infantil.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Pode-se discutir que, ao proporcionar espaço para as crianças e os adolescentes falarem sobre sua condição de vida, percebe-se a dimensão educativa do processo dialógico, entendendo a influência da fala, da escuta e da troca, tanto no relacionamento do grupo quanto nas atitudes individuais de seus membros. Assim, entende-se que o assistente social também exerce uma função educativa:

A função educativa do assistente social se concretiza em todos os espaços ocupacionais. O perfil pedagógico dessa prática advém da intervenção direta desse profissional na maneira de agir e pensar, ou seja, sua ação incide diretamente na formação da cultura. É um elemento constitutivo das relações de hegemonia na FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 38 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana sociedade, pois, juntamente com outros profissionais, contribui para a criação de consensos na sociedade em torno de interesses das classes fundamentais, reforçando a hegemonia vigente ou criando uma contra-hegemonia no cenário da vida social (CONCEIÇÃO, 2010, p. 55).

A função educativa do assistente social encontra-se, também, nos processos de planejamento de suas ações, as quais podem refletir consideravelmente na maneira de agir e pensar e, até mesmo, na cultura dos sujeitos. Os resultados do processo interventivo como um todo foram sistematizados a partir dos seguintes indicadores sociais: participação institucional, que apresenta todas as instituições que contribuíram para a realização do projeto de intervenção, assim como suas contribuições e a avaliação das atividades desenvolvidas; violência intrínseca nas atitudes das crianças e dos adolescentes, em que vários tipos de violência foram abordados e problematizados a partir das falas dos sujeitos envolvidos no grupo focal e nas discussões referentes aos vídeos e às músicas trabalhados nos encontros; a música, a dança e o desenho como facilitadores de expressão, analisando as oficinas de dança e outras produções realizadas na intervenção. Quanto ao indicador participação institucional, tem-se que, para o desenvolvimento do projeto, firmaram-se parcerias entre a UPFTV e o Curso de Serviço Social UPF com a Escola Municipal de Educação Infantil Geny Araújo Rebechi do Loteamento Manoel Corralo, que disponibilizou espaço físico; a ONG Moradia e Cidadania da Caixa Econômica Federal, que financiou e monitorou o projeto; o Curso de Educação Física/UPF, que planejou e acompanhou as oficinas de dança; o Projeto Observatório da Violência e da Juventude nas Escolas/UPF, o qual contribuiu de forma qualificada para o encontro com os pais e os familiares, a fim de apresentar as atividades que as crianças e os adolescentes realizaram. A possibilidade de firmar essas parcerias foi levantada em reuniões de equipe do Projeto Educação e Cidadania, já que se partiu do pressuposto de que as decisões tomadas em conjunto fortalecem a relação entre a equipe, exigindo compromisso e autonomia para FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 39 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana levantar alternativas mais eficazes de intervenção. Nesse sentido, as reuniões apresentam- -se como um espaço político, já que nele são tomadas decisões que, por vezes, envolvem diferentes interesses, os quais somente são reconhecidos quando existe competência teórica e política nesse espaço, o que permite a tomada de decisões que envolva todos os seus participantes, alcançando, assim, os objetivos da reunião (SOUSA, 2008, p. 127). O processo construído através das parcerias consolidou a dimensão da participação institucional no projeto, já que:

[...] participar é tomar parte ativa em cada uma das distintas fases que afetam o funcionamento de grupos – desde a sua constituição inicial, passando pela sua estruturação, a tomada de decisões, pôr em prática as mesmas e a avaliação dos resultados, assumindo parte do poder ou do exercício do mesmo. Nesta perspectiva, a cultura de participação implica a integração coletiva num grupo, com o objetivo de realizar determinados objetivos. (PALACIOS, 1994, p. 11, apud, OLIVEIRA, s. a., s. p.)

Além disso, considerando as distintas áreas do conhecimento que se constituíram ativas no processo, enfatiza-se que a participação se tornou concreta mediante uma postura interdisciplinar nas práticas de intervenção social, já que a interdisciplinaridade está pautada em concepções articuladas, construída a partir da contribuição de conhecimentos empíricos e teóricos (SÁ, 1989). Ao se construir junto uma proposta interventiva, aprendendo a olhar para outras áreas do saber, valorizando os conhecimentos destas, caminha-se para uma concepção de prática mais ampla, que possa trazer resultados mais efetivos, colaborando para que a ação não seja puramente técnico-profissional. O indicador violência intrínseca nas atitudes das crianças e dos adolescentes, por sua vez, permite avaliar que, ao se trabalhar a temática da violência, também puderam ser percebidas mudanças na qualidade das relações afetivas e no exercício da autonomia do grupo. O aprendizado estimulou o senso crítico dos participantes ao desnaturalizar a violência e contribuir para uma cultura de paz. A construção desse indicador levou em consideração que a violência foi identificada como uma alternativa encontrada pela maioria das crianças e dos adolescentes da Associação FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 40 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana de Moradores Mirins para resolver muitas situações, seja em relação à família, à comunidade ou à escola. Essa constatação foi percebida também através das histórias vivenciadas ou presenciadas por eles e, se considerado o surgimento da Associação, pode-se constatar que a violência também se caracteriza como um processo histórico. A violência, além de ter causas múltiplas, tem consequências que são diversas. Os sujeitos, não se sentindo parte do meio em que estão ou vivendo sob condições de vida precárias, buscam diferentes formas para expressar essa realidade, como por meio da reprodução dela. Segundo sua etimologia, violência vem do

[...] étimo latino vis (que significa ‘força’) também dá origem aos vocábulos ‘vigor’, ‘vida’ (de vis, vita) e ‘vitalidade’, assim como também origina o termo ‘violência’. A transição de um estado mental de vigor para o de uma violência é a mesma que se processa entre o de uma agressividade sadia para o de uma agressão destrutiva. Para que a diferenciação conceitual entre agressividade e agressão fique clara, é útil lembrar que a agressividade designa um sadio movimento para frente, tal como comprova a etimologia do verbo ‘agredir’, o qual resulta dos étimos ad (quer dizer para frente) e gradior (movimento). (LEVISKY, 2001, p. 217)

O conhecimento das crianças e dos adolescentes sobre a violência denota compreensão de que tais processos não se materializam somente com características visíveis, mas também de formas subjetivas, o que pode ser analisado nas seguintes falas:

É um monte de coisa, né professora, pode ser bater, mas pode ser de palavra também (depoimento do adolescente “G”); Pra mim palavra é pior porque ela que faz a briga acontecer (depoimento da adolescente “B”); Pode machucar, mas também não (depoimento do adolescente “J”).

Além de a violência se caracterizar como física, ela também pode se manifestar como psicológica, e esses tipos, ao se complementarem, geram a minimização da liberdade.

A violência se inicia de uma forma lenta e silenciosa, que progride em intensidade e consequências. O autor de violência, em suas primeiras manifestações, não lança mão de agressões físicas, mas parte para o cerceamento da liberdade individual da FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 41 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana vítima, avançando para o constrangimento e humilhação. Como mostra Miller (2002, p.16), o agressor, antes de ‘poder ferir fisicamente sua companheira, precisa baixar a auto-estima de tal forma que ela tolere as agressões’. (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007, s. p.)

Através do projeto, percebeu-se que a violência (de todas as formas) faz parte do cotidiano das crianças e dos adolescentes, sendo que, por muitas vezes, ela pareceu naturalizada em suas falas, principalmente através das histórias relatadas pelo grupo. Vale ressaltar que a criança que cresceu em um ambiente de violência poderá reproduzi-la durante sua vida, pois esta já se apresenta como naturalizada, ou seja, faz parte do seu desenvolvimento como sujeito, caracterizando a violência como uma expressão cultural. É fundamental lembrar que a violência também pode ser simbólica, quando induz o indivíduo a enxergar e a avaliar o mundo de acordo com critérios e padrões definidos por alguém, ou seja, é um tipo de imposição de crenças, por exemplo, para a socialização. Bourdieu (apud VASCONCELOS, 2002, s. p.) define violência simbólica como “o mecanismo que faz com que os indivíduos vejam como ‘natural’ as representações ou as ideias sociais dominantes”. Além disso, é importante afirmar que a violência pode se apresentar como uma questão estrutural, que faz parte das classes sociais, inerente às desigualdades geradas pelo modo de produção. Para Silva, Coelho e Caponi (2007), a violência estrutural é composta por ações que não são consideradas violentas, porque se produzem e reproduzem no cotidiano da vida, constituindo um modelo societário de novas contradições, que envolve aspectos históricos no que diz respeito às possibilidades de sua superação. Dessa forma, a violência estrutural faz parte de um ciclo que compõe e se reproduz na sociedade capitalista, sendo que a superação desse modelo societário está condicionada e materializada pelos limites impostos ao mundo do trabalho devido à lógica do capital (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007). No que diz respeito ao indicador que busca analisar a música, a dança e o desenho como facilitadores de expressão, percebeu-se que as técnicas e os instrumentos utilizados tornaram-se meios facilitadores da expressão de sentimentos e experiências relativos FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 42 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana às vivências das crianças e dos adolescentes, estimulando a reflexão. A música, a dança e também o desenho constituíram-se em linguagens capazes de expressar as condições e o modo de vida dos sujeitos envolvidos, evidenciando a influência dos meios de comunicação nas suas atitudes, a violência, o trabalho infantil, a religiosidade, a fragilidade nos vínculos familiares, entre outros. Notou-se que a violência não se manifesta somente em atos, em atitudes, mas também nas falas, nas músicas que ouvem. Assim como se pode constatar que a violência se caracteriza como um processo histórico, também se pode dizer que assim é o objeto de intervenção do Serviço Social, pois se trata de uma profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho e que tem a questão social como base sócio-histórica, o que faz com que haja uma relação entre a profissão e a realidade social, sendo que se convive cotidianamente com as mais diversas expressões da questão social. Quando se fala em arte, entende-se que também se fala em cultura presente no cotidiano. A ação e a consciência política do assistente social direcionam sua prática a possibilidades de emancipação dos sujeitos, já que as atividades desenvolvidas na Associação de Moradores Mirins, por exemplo, puderam chegar até as famílias dessas crianças e desses adolescentes, assim como na sua comunidade local, influenciando em sua organização. Nesse sentido, para Santos (2004), a relação arte/cultura/cotidiano/experiência situa possibilidades de compreensão da capacidade emancipatória do fazer profissional (apud OLIVEIRA, 2011). Na avaliação do processo realizada junto aos participantes, ficou evidente a satisfação deles, que demonstraram, a partir da intervenção, a identificação de atitudes não violentas e a resolução dialogada de conflitos. Quanto à compreensão da contribuição para a melhoria da qualidade de vida dos participantes e a identificação do cunho social do trabalho realizado, entende- se que o projeto “Contribuiu no sentido de aprender a dialogar mais e a conviver em grupo, além de discutir a violência apresentando alternativas contra a mesma. O cunho social está em desenvolver as atividades abordando uma questão que faz parte do seu cotidiano, a violência” (depoimento da equipe do Projeto Educação e Cidadania). FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 43 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana Por fim, como forma de dar visibilidade às produções e às atividades desenvolvidas pela Associação de Moradores Mirins, foi produzida reportagem pela UPFTV, que foi ao ar pelo programa Canal de Notícias, em que constam inclusive depoimentos das crianças e dos adolescentes sobre essa experiência.

4 CONCLUSÕES

Pode-se afirmar que trabalhar a violência, expressão muitas vezes naturalizada pela população que com ela convive, constituiu-se em desafio, principalmente em se tratando de um projeto de extensão vinculado a uma universidade comunitária. Considerando ser essa uma expressão da questão social que transversaliza o cotidiano do território em que foi realizado o projeto, compreendeu-se que uma estratégia metodológica central seria o trabalho com a dimensão do protagonismo infanto-juvenil, e não com a violência em si. Para tanto, a equipe, constituída de modo interinstitucional e interdisciplinar, buscou criar e diversificar a partir da utilização de metodologias interventivas que pudessem garantir a tríade extensão, ensino e pesquisa, por meio de temas do cotidiano das crianças e dos adolescentes. Desse modo, o projeto possibilitou a ampliação dos pressupostos da formação dos envolvidos na sua execução, no sentido de possibilitar a construção de vínculos e o reconhecimento de territórios e sujeitos comumente vistos pelo ângulo da violência e das vulnerabilidades. Ressalta-se, então, que a intervenção priorizou o estímulo à liberdade, à autonomia, à socialização e à criatividade das crianças e dos adolescentes, garantindo direitos naquele espaço-tempo, tais como o acesso ao lazer, à cultura, ao respeito e à informação. Como a realidade se transforma continuamente, cabe ao assistente social “[...] construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 44 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo” (IAMAMOTO, 2000, p. 20). Dessa forma, é no cotidiano profissional que as competências e os conhecimentos dos assistentes sociais passam a ser vistos, tendo como compromisso o Código de Ética do Assistente Social (1993). Ressalta-se que o trabalho a partir da arte e da cultura evidencia dimensões ainda pouco exploradas no campo do Serviço Social, o que leva à compreensão de que a extensão universitária pode também se constituir em dispositivo de integração de áreas do saber e de habilidades nos âmbitos social, cultural e comunicacional. O percurso feito, em momento algum fora definido de antemão, embora tenha sido desenhado e planejado com princípios e objetivos claros. Sendo assim, exigiu dos sujeitos envolvidos – e principalmente da equipe técnica – abertura para o novo e reconhecimento da necessidade de construções metodológicas na área da infância e da adolescência. Exigiu, também, um processo auto-organizativo da equipe, em que a avaliação de cada passo, de cada intervenção, era feita no sentido de garantir que reflexões possibilitassem o aperfeiçoamento ético, teórico e metodológico do grupo. Trata-se de uma experiência que articulou processos afetivos, territórios e sujeitos, no contexto de diferentes áreas do saber e da construção de uma política de extensão que dialoga com os princípios e as diretrizes das políticas públicas voltadas para a infância e a adolescência no Brasil.

FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 45 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana REFERÊNCIAS

ABAGNANO, Nicola. Dicionário de Sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

BAUER, Martin W.; GASKELL, George (Ed.). Pesquisa Qualitativa com texto: imagem e som: um Manuel prático. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. 7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

BRASIL. Estatuto da Criança e Adolescente. Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: ABDR, 2006.

CONCEIÇÃO, Débora Guimarães da. O Serviço Social e prática pedagógica: a arte como instrumento de intervenção social. Serv. Soc. rev., Londrina, v. 12, n. 2, p. 51-67, jan./jun. 2010.

FRASER, Nancy. Uma deformación que hace imposible el reconocimiento: réplica a Axel Honneth. In: FRASER, Nancy; HONNETH, Axel. ¿Redistribución o reconocimiento?: un debate político-filosófico. Madrid: Morata, 2006, p. 17-88.

IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 2000. 325 p.

LEVISKY, Davis Léo. (Org.). Adolescência e violência: ações comunitárias na prevenção “conhecendo, articulando, integrando e multiplicando”. São Paulo: Casa do Psicólogo/Hebraica, 2001.

FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 46 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana MÁRSICO, Ledo Osório. A criança no mundo da música: uma metodologia para educação musical de crianças. : Rigel, 2003.

MORETTO, Clenir; FIOREZE, Cristina; FONSECA, Henrique. Educação e Cidadania – Um olhar para comunidades em situação de vulnerabilidade social de Passo Fundo. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2008.

OLIVEIRA, Priscilla Rodrigues. A instrumentalidade do Serviço Social – A Arte como Intervenção social Emancipatória e Instrumento Inovador para o Trabalho do(a) Assistente Social. Brasília – DF, 2011. Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço Social da Universidade de Brasília.

OLIVEIRA, Osvaldo Antônio dos Santos. Por uma cultura de participação. Centro de Formação Francisco de Holanda (s./a.). Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2012. PRATES, Jane Cruz. A arte como matéria-prima e instrumento de trabalho para o Assistente Social. Revista Textos & Contextos. Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 221-232, jul./ dez. 2007.

SÁ, Jeanete L. Martins de. (Org.). Serviço Social e interdisciplinaridade: dos fundamentos filosóficos à prática interdisciplinar no ensino, pesquisa e extensão. – São Paulo: Cortez, 1989.

SANTOS, José Vicente Tavares. Violências e conflitualidades. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2009. – (Série Sociologia das Conflitualidades, 3).

SILVA, Luciane Lemos da; COELHO, Elza Berger Salema; CAPONI, Sandra Noemi Cucurullo de. Violência silenciosa: violência psicológica como condição da violência FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 47 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana física doméstica. Interface - Comunicação, Saúde, Educação. v.11, n. 21, Botucatu, jan./abr. 2007. Disponível em: . Acesso em: 11 jun. 2012.

SOUSA, Charles Toniolo de. A prática do assistente social: conhecimento, instrumentalidade e intervenção profissional. Emancipação. Ponta Grossa, 8(1): 119- 132, 2008.

VASCONCELOS, Maria Drosila. Pierre Bourdieu: a Herança Sociológica. Educação e Sociedade, v. 23 n. 78 - Campinas Apr. 2002. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2012.

WINICOTT, D. W. Explorações psicanalíticas.Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

FOREXT ARTE E CULTURA

Arte e cultura como dispositivos de intervenção à violência infanto-juvenil no contexto de uma associação de moradores mirins 48 BOTTESINI, Camila, BERNARDI, Analu; FIOREZE, Cristina; MORETTO, Clenir Maria; HENRICH, Giovana ATIVIDADE EDUCATIVA EM MUSEUS: A EXPERIÊNCIA CULTURAL DO MUSEU DA MADEIRA

1 Curador e Historiador responsável pelo Museu da Madeira do Centro Universitário para o Instituição de origem:JUNIOR, Universidade João Paulo de Passo Roberti Fundo1 Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí - UNIDAVI. Possui graduação em História e Pós-graduação em Metodologia de Ensino de História pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci). HASSE, Charles Roberto2 2 Pró-reitor de Ensino, Pesquisa e Extensão do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí - UNIDAVI. Possui graduação em Ciências Contábeis pela Fundação Educacional do Alto Vale do Itajaí (1994), Pós-graduação em Ciências Contábeis pela Fundação Educacional do Alto Vale do Itajaí (1994), Mestrado (2002) em Gestão Moderna de Negócios pela Fundação Universidade Regional de Blumenau).

Instituição de origem: Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI)

49 RESUMO Este relato de experiência visa a abordar sobre a utilização da memória como suporte do ensino em museus. Através da análise dos princípios teóricos e dos fundamentos dessa metodologia, demonstra-se a importância da memória e a História oral como fonte historiográfica em museus, tensionando e dinamizando a cultura através do ensino da História. O Museu da Madeira é um museu de acervo historiográfico e utiliza-se das dinâmicas do ensino da História a fim de partilhar com a comunidade a cultura na qual está inserida. Através da utilização de um vídeo com o relato de um antigo dono de uma serraria que era locada no espaço onde atualmente está o Museu, demonstra-se a importância de preservar e salvaguardar a memória como peças fundamentais para a História e a cultura de uma comunidade. Esse processo é realizado antes de os visitantes realizarem a visita no Museu, a fim de sensibilizar para a sua visita. Desse modo, entende-se que a História oral exige a compreensão de que lidar com o outro, através desse enfoque metodológico, comporta perceber distinções relativas à memória, como categoria teórica coberta de subjetividades decorrentes da interação entre os sujeitos e, portanto, da cultura em que estão inseridos. Palavras-chave: Museu da Madeira. Memória. História oral.

ABSTRACT This experience report aims to address on the memory usage in support of education in museums. Through the analysis of the theoretical principles and foundations of this methodology demonstrates the importance of memory and oral history as historiographical sources in museums, intending and stimulating culture through the teaching of history. The Wood Museum is a museum of historiographical collection and uses of the dynamics of the teaching of history to share with the community culture to which they belong. Through the use of a video with the story of a former owner of a sawmill that was leased space which is currently in the Museum, demonstrates the importance of preserving and safeguarding the memory as key pieces to the history and culture of a community. This process is performed before the visitors undertake a visit at the Museum in order to alert visitors to your visit. Thus it is understood that the oral history requires understanding to deal with each other through this methodological approach, involves noticing distinctions concerning memory, as covered subjectivities arising from the interaction between the theoretical subject categories and therefore the culture in they are inserted. Keywords: Wood Museum. Memory. Oral history.

FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 50 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto 1 INTRODUÇÃO

O papel do Museu da Madeira consiste na preservação e na conservação da memória extrativista, focando a história econômica na colonização do Vale do Itajaí. Com base na disseminação dos valores culturais, visamos a desenvolver uma geração mais consciente da importância do meio ambiente e sua preservação (CONCEIÇÃO; ROBERTI JUNIOR; GHIZZO, 2013). O Museu da Madeira está localizado no município de Rio do Sul – Santa Catarina – e compõe um dos projetos de extensão do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI. Localizado no Parque Universitário Norberto Frahm, o qual abriga o Museu da Madeira, oferece condições aos seus visitantes de espaço para a realização de eventos culturais, para exposições temporárias, recreação, serviços educativos de formação cultural, restaurante, mirante, disponibilidade para acesso a pessoas com deficiência e estacionamento para veículos, com capacidade para 300 vagas. O Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí - UNIDAVI - vê no Museu da Madeira a possibilidade de recuperar parte do patrimônio histórico e cultural da comunidade do Vale do Itajaí, por representar referenciais da sociedade. Nesse contexto, ao preservar a identidade cultural, propõem-se, através do Museu da Madeira, mecanismos para possibilitar ao visitante o resgate do patrimônio histórico da região. Face ao exposto, os motivos que levaram ao desenvolvimento do Museu da Madeira estão entrelaçados entre: estimular o visitante a recuperar seus valores culturais, com o resgate do período do desenvolvimento econômico de origem e suas consequências; mostrar ao visitante os impactos ambientais decorrentes das ações extrativistas, visto que a maior parte da mata atlântica da nossa região foi devastada em prol da indústria madeireira; preservar e conservar os utensílios para a execução das atividades do segmento; recuperar documentos que enfatizem a memória do imigrante na reconstituição da sua FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 51 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto história, sua cultura e seus valores e permitir o acesso ao espaço histórico e cultural do desenvolvimento regional (CONCEIÇÃO; ROBERTI JUNIOR; GHIZZO, 2013). Além disso, mostra-se necessário explicitar que grande parte do desenvolvimento social, econômico e cultural das cidades que compõem o Alto Vale do Itajaí se deu justamente pela exploração e pelo beneficiamento da madeira. Valorizando a cultura no processo de construção de identidade da região como agente precursor da história, possibilita-se o acesso da comunidade, possibilitando entender o presente em decorrência do passado como forma de desenvolver a cultura da comunidade. O Museu da Madeira desenvolve-se considerando os fatos históricos, políticos, econômicos e socioculturais, retratando os acontecimentos do Alto Vale do Itajaí, juntamente com uma equipe de profissionais que trabalha na efetivação de ações de caráter museológico que definirão suas funções básica e específica na sociedade, contemplando os itens de: ações contínuas; ações Inclusivas e ações socioeducativas. Nessas últimas, temos uma das ações compartilhadas no presente relato de experiência. As ações socioeducativas estão entrelaçadas, entendendo-se que a interdisciplinaridade é o cerne do nosso planejamento didático-pedagógico no que tange aos visitantes de Escolas Municipais, Estaduais e Superiores. Um desses enfoques é a utilização da memória como fonte historiográfica para os visitantes no Museu, através da utilização de um vídeo com o relato de um antigo dono de uma serraria que era locada no espaço onde atualmente está o Museu. Nesse contexto, segundo Ferreira e Amado (2006), a História Oral do tempo presente possui uma perspectiva temporal por excelência e é legitimada como objeto de pesquisa e de reflexão histórica. Na História, seu objeto de estudo é recuperado por intermédio da memória dos informantes, e a instância da memória passa a nortear reflexões históricas, acarretando desdobramentos teóricos e metodológicos importantes.

FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 52 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto 2 DE ONDE ADVÉM A MEMÓRIA: HISTORICIDADE E INDAGAÇÕES SOBRE HISTÓRIA E MEMÓRIA

As inserções nas categorias analíticas de História e Memória demonstram-se importantes para o conhecimento das questões que envolvem esse tema. A intenção é tornar o assunto familiarizado para adentrar em discussões teóricas na experiência da utilização da memória e da História oral no Museu da Madeira. Jaques Le Goff (1998) lembra-nos que foram os gregos antigos que fizeram da Memória uma deusa, de nome Mnemosine. Ela era a mãe das nove musas procriadas no curso de nove noites passadas com Zeus. Mnemosine lembrava aos homens a recordação dos heróis e dos seus grandes feitos, preside a poesia lírica. Desse modo, o poeta era um homem possuído pela memória, um adivinho do passado, a testemunha inspirada nos “tempos antigos”, da idade heroica e, por isso, da idade das origens. Assim, de acordo com essa construção mítica, a História é filha da memória. Entretanto, os cerca de vinte e cinco séculos de existência da historiografia demonstram uma relação ambígua e tensa entre a Memória e a História (LE GOFF, 1998). Assim, se quisermos eleger um “mito” fundador, podemos tomar como conclusivo que, metodologicamente, a História oral está na origem do ofício do historiador. A História e a Memória passaram a se revelar cada vez mais complexas, contudo possibilitam com que os historiadores passem a considerar fenômenos como memória social e individual, compartilhada e individualizada como fenômenos inerentes do ofício do historiador. Com isso, a História Oral, segundo Bittencourt (2006), se configura como um processo de coleta da História utilizado em pesquisas históricas e da educação. Esse recurso possibilita ao pesquisador e professor recorrer, além dos documentos escritos, aos documentos de fontes orais que são elementos significativos no resgate da História e da cultura de uma FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 53 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto comunidade. Ao recorrer à História Oral, é preciso entendê-la numa perspectiva que vai além de um simples relato de fatos, mas é um momento de se chegar aos fatos vivenciados em um dado momento histórico em que os documentos escritos por si só não poderiam revelar, demonstrando, assim, todas as subjetividades inerentes a esse processo. Assim, entende-se que a memória, constantemente, possui sentido estreito como a presença ou a recordação do passado. Ela pode ser caracterizada como uma construção intelectual que acarreta uma representação seletiva do passado, que nunca é somente aquela do indivíduo, mas de um indivíduo inserido num contexto social (WOOD; FOSTER, 1999).

3 METODOLOGIA DA HISÓRIA ORAL: UTILIZANDO-A NO MUSEU

A preocupação com a preservação da memória histórica e, por extensão, do patrimônio cultural vem caracterizando atenção por um número considerável de instituições, sejam elas públicas ou privadas. A cada dia, tomamos conhecimento de iniciativas destinadas à criação de museus, centros de memória, projetos de restauração, revitalização, etc. Nesse sentido, o presente relato de experiência é fruto da metodologia utilizada no Museu da Madeira do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI. Através da utilização de depoimentos de pessoas que vivenciaram a história da madeira na região, o vídeo busca sensibilizar para a visita no Museu. Dessa forma, antes da realização da visita no Museu, acontece um processo de sensibilização dos visitantes. Conforme a figura 1, através do depoimento de um antigo dono de serraria, os visitantes são levados a um mergulho crítico na história da madeira. O depoimento relata dificuldades, facilidades e curiosidades da época da história da madeira em nossa região. FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 54 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto Ao longo do ano de 2013, o Museu da Madeira recebeu aproximadamente 1.200 alunos dos mais diversos municípios e das escolas que compõem a região do Alto Vale do Itajaí. As visitas ao Museu da Madeira são gratuitas e a mantedora desse Museu é o Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí. A experiência demonstra-se rica quando comparada com visitas sem a atividade educativa. Além disso, o vídeo possibilita que, em casos de escolas, elas deem continuidade, em sala de aula, à visita realizada no Museu, tendo em vista que o vídeo é repassado aos professores e eles podem utilizar essa rica metodologia no cotidiano de sala de aula. 1 Com relação a essa metodologia, segundo Ferreira e Amado (2006), a utilização • Figura 1 - Depoimento de Emílio Odebrecht – antigo dono de serraria da História Oral possibilita investigar o núcleo central da memória, isso leva em conta que Fonte: Documentário “A Madeira como Moeda” o professor/historiador leve em consideração eventos ou processos que às vezes não têm como ser elucidados de outra forma. São histórias muitas vezes de versões menosprezadas e descaracterizadas. Nesse contexto, deslembra-se muitas vezes de utilizar a memória como um suporte para o ensino no museu. A sua utilização tem como fundamento a possibilidade de os visitantes se tornarem cidadãos críticos da sociedade em que vivem, transformando e modificando a sua cultura. Considera-se que no Museu a memória é a instância e o locus privilegiado para o exercício e a formação da cidadania, que se traduz também no conhecimento e na valorização dos elementos que compõem nosso patrimônio imaterial. No entanto

[...] o papel da escola é, também, ensinar a degustar as formas e os conteúdos que hoje podem parecer separados, mas que fazem parte das nossas raízes, ou pertencem ou patrimônio cultural da humanidade. A poesia chinesa clássica, as pinturas rupestres de Altamira e de Lascaux, a concepção arquitetônica das malocas dos índios brasileiros, as esculturas africanas contemporâneas são tão importantes quanto um concerto de Xenakis, uma pintura de Picasso, um poema de Drummond de Andrade, um filme de Ingmar Bergman, um vídeo de Bill Viola, um balé de Martha Graham ou uma fotografia de Sebastião Salgado (LEITE, 1995, p. 46)

FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 55 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto Destaca-se assim que, ao socializar o conhecimento historicamente produzido e preparar as atuais e as futuras gerações para a construção de novos conhecimentos, o museu está cumprindo seu papel social para com a comunidade em que está inserido. Paulo Freire (2006) afirma que é necessário se atentar para o simples decorar dos alunos e que estes devem ser agentes críticos da sociedade em que vivem. A utilização da metodologia da História oral no Museu possibilita trabalhar com a memória de forma que os visitantes percebam, na fisionomia da cidade, sua própria História de vida, suas experiências sociais e suas lutas cotidianas. A memória demonstra- se imprescindível na medida em que esclarece sob o vínculo entre a sucessão de gerações e o tempo histórico que as acompanha (ORIÁ, 2006). Sem isso, os visitantes não possuem capacidade de compreender a História de sua cidade como um espaço produzido pelo homem, a fim de entender esse espaço como lugar “dado e pronto”, estático assim como os conteúdos no Museu. É conciso destacar que

A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para libertação e não para a servidão dos homens (LE GOFF, 1994, p.477).

É imperioso considerar que, sem a memória, perdem-se referenciais históricos que estão pautados ao longo da visita no Museu. Sem a memória, não se encontram mais os ícones, os símbolos e as lembranças que nos unem. No entanto, ainda em muitos centros urbanos, vivemos o jogo dialético entre a memória e o esquecimento. Mais do que tudo são sábias as palavras de Ecléa Bosi:

Podem arrasar as casas, mudar o curso das ruas; as pedras mudam de lugar, mas como destruir os vínculos com que os homens se ligavam a elas? [...] Á resistência muda das coisas, à teimosia das pedras, une-se a rebeldia da memória que as repõe em seu lugar antigo. (BOSI, 1994, p. 452) FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 56 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto Considerar a preservação do patrimônio imaterial como uma questão de cidadania implica reconhecer que a nossa comunidade possui o direito à memória e também o dever de contribuir para a manutenção desse rico e valioso acervo das pessoas. Ademais, por admitirmos o papel fundamental do museu no exercício e na formação da cidadania de nossa criança e dos jovens e adolescentes é que se defende a necessidade de que a temática da História oral seja apropriada como objeto e fonte de estudo em museus, a fim de contribuir para a experiência cultural de uma comunidade. No tocante a essa questão, em congresso internacional realizado no Brasil sobre essa temática, foi aprovada a seguinte resolução, o que bem demonstra a preocupação como o assunto:

Compreender o Direito à Memória, como dimensão fundamental da cidadania, implica reformular as relações entre a preservação e a educação formal [...] cabe ao ensino de 1º e 2º graus investigar ações concretas nesta área, incorporando atividades no campo da história oral, do contato com acervos arquivísticos ou museológicos, e com a paisagem urbana, de modo vivenciar uma relação democrática com as diferenças do passado e do presente. (MAGALDI, 1992, p. 230)

O Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), aprovado na Câmara dos Deputados, previa, em seu art. 35, parágrafo único, que: “a preservação do patrimônio cultural nacional e regional, bem como as diferentes formas de manifestações artístico-culturais originárias do Brasil, terá tratamento preferencial”. Como se vê, a lei aponta para a necessidade de valorização da diversidade cultural de nossa formação histórica como condição indispensável à construção de uma comunidade plural e cidadã. Todo conteúdo compartilhado no museu deve refletir uma intenção fundamental de quem a elabora: a de atender e despertar o desejo de aprofundar o reconhecimento através do pertencimento ao museu. A memória torna-se o íntimo entre o ensino da História. Mais do que tudo ela ratifica os conteúdos de História, possibilitando o elo entre a função do historiador e a função do museu como instituição de desenvolvimento crítico da população.

FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 57 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto Salienta-se que todos os conteúdos podem ser abordados com diferentes metodologias e com didáticas diferenciadas. Propõe-se um caminho que apenas começa a ser trilhado, um caminho ainda em construção. No desenvolvimento dessa experiência, confrontamo-nos não apenas com os desafios, mas também com vários outros problemas, de ordem operacional, dado o curto espaço de tempo que muitas escolas possuem para realizar a visita ao museu. Contudo, é preciso que o professor de História assuma seu papel como profissional que procura preservar e salvaguardar a História e, consequentemente, a memória. Assim, une- se a escola nesse processo tão fundamental para o desenvolvimento de cidadãos preocupados com o futuro.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A História, como disciplina acadêmica, investiga entender e relacionar os fatos sociais do passado a partir das indagações do presente. Com esse fator, a História presente em museus atualiza-se constantemente por novas fontes e objetos historiográficos através de novas metodologias de preservação do passado. Essas novas possibilidades movimentam a dinâmica do ensino da História, possibilitando um movimento cíclico de renovação das fontes historiográficas e das metodologias de ensino da História. Essa inserção da historicidade oral no ensino da História no museu estabelece um diálogo constante entre os alunos na sala de aula e os atores renegados da História, possibilitando uma forma dialética entre ensinar e aprender a História, dando voz aos algozes que vivenciaram e/ou contribuíram para a construção da História, permitindo uma renovação constante da dinâmica do ensino da História, contribuindo para o desenvolvimento cultural da comunidade. FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 58 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto Algumas indagações da História, como de que normalmente o historiador assassina a memória, pois ele não a preserva, mas sim a reconstrói, justificaram o projeto, haja vista que o professor, ao preparar um conteúdo para sua aula, em geral não concebe os fatos como suporte da memória, mas sim como uma fonte histórica em si. Trazer discussões no âmbito da História Oral e da memória é um processo que busca engajar consideração para um fenômeno que perpassa entre todos (ou quase todos) os conteúdos da História em museus. Mais do que tudo é trazer para a dinâmica da sala de aula iniciativas que perduram para além da visita realizada. O entendimento reside na ideia de que o trabalho de extensão, realizado através da História oral, exige a compreensão de que lidar com o outro, através desse enfoque metodológico, comporta perceber distinções relativas à memória como categoria teórica e com subjetividade na interação com sujeitos. Implica perceber que o trabalho de construção das fontes exige a percepção do outro, numa dimensão peculiar, em que cada pessoa apresenta interpretações a respeito do mesmo evento. As fontes orais permitem, de uma forma organizada, o conhecimento e a compreensão de valores sociais, religiosos e educacionais, normas, comportamentos veiculados nessa oralidade. Pelo breve levantamento realizado, percebe-se que o projeto realizado no Museu da Madeira tem potencialidade e um longo caminho a percorrer. Não obstante, as dificuldades em empregar a fonte oral no ensino de história, a elaboração de projetos para a produção da fonte oral em museus poderia permitir mais indícios para a discussão dessa temática. É através da experiência vivida no passado, dos erros e dos acertos, das ilusões e das desilusões, das ideologias e das utopias, dos sonhos e das realidades, das verdades e das mentiras, das buscas e das desistências, dos medos e das coragens, enfim, de tudo que se viveu, sentiu ou pensou que se pode corrigir, no presente, para se melhorar no futuro. Nesse sentido é que a memória privilegia aqueles que não tiveram vez nem voz por falta de oportunidade ou por ofuscamento das diretrizes dominantes.

FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 59 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto O projeto realizado foi e é de fundamental importância, principalmente numa sociedade que cada vez mais perde seus valores culturais. De qualquer forma, a experiência encontrada na disseminação da utilização da fonte oral no museu apenas tornou e torna mais instigante o caminho a ser construído.

FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 60 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto REFERÊNCIAS

ABREU, Martha; SOIHET, Rachel. (Org.). Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.

BITTENCOURT, Circe et al. O saber Histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006.

BOSI, Eclea. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 12 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

BRASIL. Lei 9.394/96. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 1996.

CONCEIÇÃO, Simone da Silva; ROBERTI JUNIOR, João Paulo; GHIZZO, Idemar. Gestão do Museu da Madeira. In: IV Fórum Integrado de Ensino, Pesquisa e Extensão da ACAFE. Chapecó: Argos, 2013, p. 422-425.

FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para liberdade e outros escritos. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

LE GOFF, Jacques. A História nova. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

______. “Memória”. In: História e Memória. Campinas: Ed. UNICAMP, 1994, p. 423-483.

LEMOS, Carlos. O que é patrimônio histórico. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

MAGALDI, Cássia. O público e o privado: propriedade e interesse cultural. São Paulo: DPH, 1992.

FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 61 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto PEDROSA, Mauro. A madeira como moeda. Rio do Sul: NPV - UNIDAVI, 2000. Vídeo. (10 min).

PINSKY, Jaime. O ensino de História e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 2009.

ROCHA, Ana Luiza Carvalho da; ECKERT, Cornelia. Os jogos da memória. Ilha: Revista de Antropologia, p. 71-84.

WOOD, Ellen Meiksins; FOSTER, John Bellamy. Em defesa da História: marxismo e pós- modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

FOREXT ARTE E CULTURA

Atividade educativa em museus: a experiência cultural do museu da madeira 62 JUNIOR, João Paulo Roberti; HASSE, Charles Roberto CULTURA VISUAL E VERBAL: EXPERIMENTOS NO PROGRAMA ‘MATUR(A)IDADE NA UNIVILLE’

1 Doutora em Design e Sociedade pela PUC-Rio (2011), Mestre em Engenharia de Produção (2001) Instituição de origem: UniversidadeEVERLING. de Passo Marli Fundo 1 pela Universidade Federal de Santa Maria e graduada em Desenho Industrial (1998) pela mesma 2 instituição. Tem vínculo docente com o Departamento de Design da Universidade da Região de MORGENSTERN. Elenir Joinville e com o Mestrado Profissional em Design, em que atua nas áreas de ensino, pesquisa e PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês 3 extensão com foco em (a) design, (b) contexto urbano e relações de uso estabelecidas entre usuário 4 e produtos e serviços e (c) geração de renda e educação continuada. MORAES, Taiza Mara Rauen 2 Doutora em Design (PUC-Rio, 2011); Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUÍ, 2002); Especialista em Metodologia do Ensino de Artes Plásticas (UNIJUÍ, 1998); Graduada em Artes Plásticas (UNIJUÍ, 1993). Professora titular no Curso de Design (habilitações em Projeto de Produto, Programação Visual, Moda, Animação Gráfica e Design de Interiores) da UNIVILLE (Joinville, SC); professora titular no Mestrado Profissional em Design; tem experiência em ensino, pesquisa e extensão nos cursos Instituição de origem: Universidade da de Design e Artes Visuais, atuando, principalmente, nos seguintes temas: design gráfico, história da Região de Joinville (UNIVILLE) arte e do design, abordagem antropológica da arte e do design. 3 Doutora em Educação, linha de pesquisa: Arte Linguagem Tecnologia (UFRGS, 2012); Mestre em Educação (UnC/UNICAMP, 2003); Especialista em Arte-Educação (UPF, 1999); Graduada em Educação Artística - Habilitação em Artes Plásticas (UNOESC, 1995); Graduada em Pedagogia - Habilitação em Orientação Educacional (UNOESC, 1996). Atualmente é professora no Mestrado Profissional em Design, no Departamento de Design (habilitações em Projeto de Produto, Programação Visual, Moda, Animação Digital e Interiores) e no Departamento de Arquitetura da UNIVILLE (Joinville, SC). Tem experiência em ensino, pesquisa e extensão nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, Design, Artes Visuais e Pedagogia, atuando, principalmente, nos seguintes temas: arte/educação, cultura, educação e imagem. 4 Doutora em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002). Possui graduação em Letras pela Universidade do Contestado (1977) e mestrado em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (1982). É professora titular da Universidade da Região de Joinville no curso de graduação em Letras, ministrando as disciplinas: teoria da literatura, Literatura Brasileira e Metodologia do Ensino de Língua e Literatura, bem como no mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade, ministrando as disciplinas: Tópicos Especiais, Cultura Visual e Verbal e Estudos Culturais. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Teoria Genética, atuando principalmente nos seguintes temas: leitura - contação de histórias, leitura - incentivo - formação de leitores, cinema; crítica; debate, leitura e leitura - prazer. Coordena o Comitê Proler Joinville.

63 RESUMO O artigo relata parte da experiência de educação continuada do Programa A Matur(a)idade na Univille, no modulo de ‘Arte, Design e Letras’. O referido programa, sob a sigla ‘MATURA’, desenvolvido na Universidade da Região de Joinville e vinculado ao Departamento de Design, articula-se de modo interdepartamental há nove anos. A presente reflexão, por meio de abordagem teórico-prática, expõe a articulação da estrutura das oficinas vinculadas ao módulo e discorre acerca da relação entre as culturas visual e verbal. Evidencia que o envolvimento dos participantes do programa, nas atividades propostas, possibilita estabelecer intersecções entre os conteúdos relacionados à cultura, abordados ao longo das oficinas, e contribui para ampliar seu repertório de análise e expressão visual e verbal. Por meio da estruturação das oficinas, em torno de um módulo que abrange questões referentes às culturas visual e verbal, efetiva-se uma das metas do programa: proporcionar a educação continuada para indivíduos da terceira idade visando a promover a inserção e o bem-estar social e emocional. Palavras-chave: Cultura visual e verbal. Educação continuada. Terceira idade.

ABSTRACT This paper reports an educational experience at the ‘Matu(a)idade na Univille’ program in the discipline named ‘Art, Design and Literature’. The Program is nine years old and is associated to the Design Department from University of Joinville Region (Univille) besides other institucional departments. This paper presents a theorical-practical approach, discusses the structure of the workshops and the relation among visual and verbal cultures. The paper also shows the relation of the group with the activities and how is promoted the conection between culture contents contributing to enlarge their visual and verbal analitical knowledge. With the structure of the workshops around issues related to verbal and visual culture is achieved on of the aims of the program: promoting emocional and social well-being to sênior people by education. Keywords: Seniors. Continuing education. Verbal and visual culture.

FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 64 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen 1 INTRODUÇÃO

A experiência relatada neste artigo é decorrente de reflexões e de práticas continuadas abordando as culturas visual e verbal no Programa ‘A Matur(a)idade na UNIVILLE’. O programa, sob a sigla ‘MATURA’, desenvolvido na Universidade da Região de Joinville e vinculado ao Departamento de Design, funciona articulado de modo interdepartamental há nove anos. O pré-requisito para ingressar no Matur(a)idade é o critério idade: os proponentes devem ter, no mínimo, 50 anos. As atividades propostas estão dirigidas para os saberes do ser humano, promovendo a cidadania e o bem-estar, integrando universidade e comunidade, por intermédio de oficinas prático-teóricas, em diferentes campos do saber. As oficinas são agrupadas em torno dos módulos: ‘Arte, Design e Letras’, ‘Meio Ambiente’, ‘Cidadania & Direito’, ‘História & Cultura’. Os aspectos relacionados às culturas visual e verbal ocorrem por meio das oficinas vinculadas ao módulo ‘Artes, Design e Letras’: Serigrafia; História da Arte, Círculo de literatura e Cinema - Projeto Salve o Cinema. Em termos metodológicos, cada uma das oficinas adentra em questões teóricas e práticas. Inicialmente, focalizam-se questões conceituais, históricas, sociais, filosóficas, entre outras. Posteriormente, investe-se em aplicações práticas que exemplifiquem as teorizações em torno dos conceitos. Por fim, investe-se em atividades práticas, momento em que os integrantes do Matura são estimulados a utilizar ferramentas de criatividade e executar procedimentos técnico-estéticos ministrados durante as oficinas. As oficinas que integram o módulo de Cultura Visual e Verbal são ministradas por professores dos cursos de Design, Letras e Arquitetura. O apoio técnico fica por conta dos estudantes bolsistas e dos voluntários integrados ao programa Matura. A participação desses estudantes é positiva, principalmente, por dois aspectos: contribuiu com a formação acadêmica dos estudantes, considerando aspectos sociais, e estimula o grupo integrante do Matura, por meio de intervenções ousadas e inovadoras, próprias do meio acadêmico. FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 65 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen Ao se trabalhar com terceira idade, faz-se necessário considerar algumas questões éticas e comportamentais relacionadas ao seu histórico de vida. Observou-se que alguns temas que envolvem questões subjetivas podem provocar emoções inesperadas. Assim, ao longo do histórico do programa, assumiu-se um código de conduta que orienta as práticas educacionais. Entre as condutas estabelecidas, destaca-se o acompanhamento de uma psicóloga para apoiar a abordagem de temáticas de fundo emocional e as atividades de integração.

2 TERCEIRA IDADE E EDUCAÇÃO CONTINUADA

Ao discutir os temas ‘envelhecimento’ e ‘ educação’, Doll (2008, p. 15) parte da divisão da gerontologia educacional em três áreas propostas por Peterson (1976):

Gerontologia educacional é o estudo e a prática de ações educacionais para ou sobre a velhice de pessoas idosas. É possível observar três diferentes, mas relacionados aspectos: (1) atividades educacionais voltadas para pessoas com meia idade ou idosas; (2) atividades educacionais para um público geral ou específico sobre o envelhecimento e pessoas idosas; e (3) preparação educacional para pessoas que trabalham ou pretendem trabalhar em relação a pessoas idosas, como profissionais ou de forma profissional.

Considerando os objetivos, as metas e a metodologia das atividades propostas no programa ‘A Matur(a)idade na Univille’, é perceptível a sua inserção na primeira categoria apresentada: atividades educacionais voltadas para pessoas com meia idade ou idosas. Ao abordar as dimensões das atividades educativas para a terceira idade, Doll destaca as seguintes dimensões. FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 66 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen Tabela 1 - dimensões da educação para idosos. Baseado em Doll (2008)

Dimensões Descrição

Desenvolvimento de contatos e relações sociais e a capacidade de conviver com Socioeducativa outras pessoas. Visa ao compartilhamento de ideias, atividades e experiências, além do olhar para o outro, escutá-lo e respeitá-lo.

Parte da ideia do aproveitamento do tempo livre para atividades educativas. Lazer Envolve pessoas que já relacionavam a aprendizagem com lazer e prazer ao longo da vida e funciona com um grupo restrito.

Abrange sujeitos que procuram compensar, na terceira idade, experiências Compensatória educacionais que, por diversas razões, foram adiadas ao longo da vida.

Requer acreditar na capacidade de aprender e compreender o mundo e dispor Emancipatória de competências ou instrumentos adequados para participar de forma ativa da sociedade.

Atualização Envolve atividades de atualização, como a inclusão digital.

Manutenção das capacidades Envolve o exercício de atividades relacionadas a reflexão, memória, aprendizagem. cognitivas

Comparando as atividades educativas que compõem a estrutura do programa com as dimensões enumeradas no quadro proposto por Doll (2008), nota-se que todas elas são mobilizadas nas ações propostas; entretanto, para o enfoque deste artigo (dirigido para a análise das culturas FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 67 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen visual e verbal), serão consideradas apenas atividades relacionadas ao modulo de ‘Arte, Design e Letras’; Em relação a esse módulo, as dimensões aplicadas foram: socioeducativa (proposição de atividades em equipe explorando a aprendizagem apoiada na socialização), lazer (atividades lúdicas/criativas) e compensatória-emancipatória (experimentação de novos recursos de expressão, possibilitando a interferência no cotidiano social).

3 A CULTURA VISUAL E VERBAL ARTICULADA EM MEIO AO MÓDULO ‘ARTES, DESIGN E LETRAS’

Para darmos início a essa breve discussão e nos aproximarmos dos termos que acercam essa pauta, recorremos a Knauss (2008), Walker e Chaplin (2002) e Hernández (2007 e 2010), entre outros estudiosos, que nos possibilitarão as referências necessárias à sua fundamentação. O primeiro propõe algumas orientações indicativas e aponta-nos que “os estudos visuais ou o conceito de cultura visual não têm o mesmo sentido para os autores que se debruçaram sobre o tema e suas problemáticas” (KNAUSS, 2008, p. 154). Explicitando que as diferentes instituições originaram distintas opções conceituais e definiram algumas direções de trabalho, o professor Knauss assinala dois universos relativos ao seu caráter, sendo um de modo abrangente e outro de modo restrito. No que se refere ao abrangente, relaciona o conceito de cultura visual ao mundo das imagens, dos processos de visualização e dos modelos de visualidade, cuja experiência cultural abarca seus contextos e as transformações históricas, questionando-os e pensando-os no âmbito das sociedades. A definição restrita para a cultura visual trata especificamente da centralidade do olhar a partir da cultura ocidental e dos estudos dela demandados. Entre outros autores, nesse ponto de vista, está Mirzoeff (1999), para quem, segundo FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 68 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen Knauss (2008, p. 156), “a cultura visual é uma abordagem para estudar o modo de vida contemporâneo do ponto de vista do consumidor, interrogando como informação e prazer são combinados pelo consumidor por meio de tecnologia visual ou por meio de aparatos concebidos para intensificar o olhar”. Aqui também estão compreendidas questões relacionadas à pós-modernidade, ao uso das tecnologias, ao universo digital e virtual. Embora o termo não tenha sido aplicado inicialmente aos estudos da arte, os questionamentos advindos da sua utilização expandem as motivações e reconhecem sua amplitude, possibilitando distintos aportes e inserções nos mais diversos âmbitos e áreas do conhecimento, conforme nos descreve o autor, a partir dos estudos de Dikovitskaya (apud KNAUSS, 2008, p. 157). Há de considerar, ainda, sob a ótica anglo-saxã, algumas relações entre os estudos visuais e a história da arte, sobre os quais Knauss discorre, verificando que:

[...] a categoria de cultura visual permite, de um lado, expandir a história da arte ao integrar os objetos artísticos no mundo das imagens ou ao integrar o mundo das imagens no mundo das artes. De outro lado, porém, a categoria de cultura visual apresenta um modo de colocar novos desafios para a história da arte, redefinindo o próprio estatuto da arte como construção histórica e com variações que lhe conferem historicidade própria (KNAUSS, 2008, p. 161).

Essas abordagens acerca da cultura visual têm gerado importantes discussões no que se refere aos estudos da história da arte, bem como da imagem e seus desdobramentos. Nas considerações de Walker e Chaplin (2002), encontramos a pluridisciplinaridade que os estudos da cultura visual abarcam, os quais incluem disciplinas como antropologia, história da arte, linguística, psicologia, semiótica, estética, sociologia, entre outras tantas, cuja convergência resulta nesse “híbrido”. Para esses autores, cultura visual é definida como:

Aqueles objetos materiais, edifícios e imagens, mais os meios baseados no tempo e atualizações, produzidos pelo trabalho e pela imaginação humana, que servem para fins estéticos, simbólicos, rituais ou ideológico-políticos, e/ou para funções práticas e que apelam para o sentido da vista de maneira significativa (WALKER; CHAPLIN, 2002, p. 16). FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 69 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen Além de explanarem inúmeros aspectos relacionados à cultura, bem como as questões de visualidade, os autores transitam e esclarecem expressões como multiculturalismo, instituições, alfabetização e poética visual, prazeres da cultura visual, novas tecnologias e uma infinidade de temas-chave, com reflexões e exemplos pertinentes. Outro autor que nos serve de ancoragem para os estudos é Hernández (2007 e 2010), para quem a cultura visual chega a partir de uma insatisfação frente à proposta da Educação Visual e Plástica pretendida com a reforma espanhola em 1990. Daí seus posicionamentos críticos, tendo como ancoragem os estudos da cultura visual, tratando-a no sentido de não apenas ampliar os objetos que formam parte do acervo de estudos ligados às artes, mas a estratégias de como se relacionar com tais objetos. O autor aponta-nos que, quando falamos de cultura visual, o fazemos ao menos em três sentidos:

[...] (a) como um campo de estudo transdisciplinar que indaga sobre as práticas de ver e os efeitos da visão sobre quem vê [...] (b) como um guarda-chuva abaixo do qual se incluem imagens, objetos e artefatos do passado e do presente que são conta de como vemos e somos olhados [...] (c) uma condição cultural que, especialmente na época atual, está marcada por nossa relação com as TICs [Tecnologias da Informação e Comunicação] afetando como nos vemos a nós mesmos e ao mundo (HERNÁNDEZ, 2010, p. 17).

Para finalizar esses breves apontamentos, considerando a amplitude de referenciais que o termo abarca, bem como as reflexões por ele suscitadas, é importante abordar aqui aspectos que o autor aponta como necessários para se desenvolver uma educação para compreensão crítica e performativa da cultura visual num contexto prático. Uma primeira forma seria a de relacionar as experiências de vida dos alunos com as questões de investigação. Outro ponto estaria em transformar a satisfação com a cultura visual em questões acerca do seu papel na construção das subjetividades dos estudantes. Há a necessidade de filtros, no que se refere às múltiplas interpretações relacionadas à cultura visual, cuidando, ainda, que se fundamentem tais interpretações como suporte para análise junto aos estudantes, “de modo que possam conviver com diferentes manifestações visuais a partir de posições que lhes FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 70 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen possibilitem assumir novos desafios, fazer contestações e diferentes relações” (HERNÁNDEZ, 2010, p. 69). A exploração dos temas relacionados à cultura visual pode resultar em formas distintas de pensar, situar e problematizar os discursos relativos às questões identitárias, de gênero, de etnia, entre outras, dando-lhes significado, revelando e interferindo nos modos de analisar, ver e entender o universo circundante. A cultura verbal está associada à leitura e à escrita de diferentes formas de expressão. A contemporaneidade reconhece a pluralidade de linguagens não só quanto a seus suportes, mas como formas de conteúdo, cuja sintaxe e cujos códigos demandam uma especial investigação quanto à lógica que as configuram e à sistematização de seus recursos. A leitura não se restringe à leitura da linguagem escrita de um texto verbalmente codificado, mas o olhar para outras linguagens que nos circundam. Linguagens verbais e não verbais: a leitura das artes visuais e dos textos, seus recortes e associações às práticas sociais. A leitura dos gestos, do olhar, do corpo que expressa uma voz e uma linguagem, bem como as várias linguagens que nos comunicam com ou sem palavras e atravessam a multiplicidade de áreas de conhecimento. Assim sendo, essa concepção de cultura verbal direciona os Círculos de Leitura e Cinema, propostos no MATURA. Nos Círculos de Literatura, são efetuadas leituras e discussões de memórias a partir de textos literários que transgridem as normas, abrindo espaços para a percepção de mundos possíveis que transcendem o vivido e, conforme Ponzio (2007, p. 228),

A literatura brinca com a linguagem verbal, burlar-se do discurso da identidade, da diferença, dos papéis. Este ‘brincar com a língua’, esta forma de brincar, ludibriando, com os signos, é a ironia da escritura literária, que Bakhtin considera uma forma do calar, um modo de fazer calar o discurso dominante, de se defender do seu ruído ensurdecedor que cobre as múltiplas vozes, incoerentes e contraditórias, e as canaliza em um discurso monológico, unifica-as em uma identidade, individual ou coletiva [...].

Na linguagem literária, a relação do leitor com a obra é de fruição, momento de prazer, no qual o texto transcende a relação de autoria e o leitor torna-se um coautor. FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 71 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen Já a linguagem do cinema é simultaneamente dirigida para a plateia como uma totalidade e a cada espectador individualmente, como também apresenta formas próprias de dizer, com recursos e ideias numa busca obsessiva e obstinada de criação material do invisível por intermédio do movimento das imagens, da ruptura com a hierarquia dos objetos no espaço, num jogo múltiplo da imagem no tempo, numa busca incessante de inventar modos de falar e sentir com o auxílio da técnica que propicia para essa linguagem rumos diferenciados. Como diz Sontag (1987, p. 102), “o cinema, ao mesmo tempo arte elevada e arte popular, é considerado a arte do autêntico.”No cinema a distância entre conteúdo e expressão é curta, pois, conforme Metz (1972, p. 80),

[...] o significante é uma imagem, o significado é o-que-representa-a-imagem. Além disso, a fidelidade fotográfica faz com que a imagem seja particularmente fiel, e os mecanismos psicológicos de participação, garantindo a famosa ‘impressão de realidade’, diminuem ainda mais essa distância [...]

A realidade que aparece na tela é sempre signo de um dado real, assim o silêncio e a ambiguidade povoam o cinema, por intermédio dos gestos e da expressividade dos atores, podemos apreender múltiplos significados que passam despercebidos no cotidiano.

FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 72 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen 4 AS VIVÊNCIAS EM MEIO AO DESENVOLVIMENTO DAS OFICINAS DO MÓDULO ‘ARTE, DESIGN E LETRAS’

O módulo Artes, Design e Letras foi estruturado com o objetivo de oferecer aos participantes do programa atividades nas quais a UNIVILLE se destaca por meio de programas e projetos de pesquisa e extensão. Nesse sentido, as ações desse módulo são promovidas por professores que atuam no curso de Design, no curso de Letras, no projeto Ecosol1, nos projetos de geração de renda SempreViva2 e AmaViva3, bem como nos programas Salve o Cinema4 e Proler5.

4.1 OFICINA DE HISTÓRIA DA ARTE

A oficina de História da Arte é organizada e ministrada pela professora Rita Inês Petrykowski Peixe, do departamento de Design, que também coordena o projeto ECOSOL. O ponto de partida da oficina são algumas provocações e questionamentos, considerando inicialmente as ideias sobre arte apresentadas pelo grupo, pois objetiva a mobilização dos

1 O projeto de extensão Ecosol é desenvolvido pela UNIVILLE e objetiva capacitar profissionais que atuam com artesanato com foco no design. 2 O projeto de extensão SempreViva é desenvolvido pela UNIVILLE e objetiva, prioritariamente, capacitar mulheres com dificuldade de inserção profissional. Entre os saberes estimulados pelo projeto, destacam-se: serigrafia, patchwork, projeto de produto, projeto de programação visual, modelagem, costura, empreendedorismo. 3 O AmaViva, constituído basicamente por mulheres artesãs, configura-se como projeto de extensão, desenvolvido pela UNIVILLE, e congrega artesãs (remanescentes de outros projetos de geração de renda) que produzem artefatos de forma associada, visando à geração de renda. 4 O PROLER visa a estimular, gradual e sistematicamente, o interesse pela leitura, criando a consciência de que o exercício de ler amplia a capacitação política do sujeito. 5 O projeto Salve o Cinema objetiva estimular a discussão sobre o cinema, possibilitando novos olhares sobre os filmes. FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 73 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen processos interativos que as imagens suscitam e suas possibilidades de desdobramento e compartilhamento, tendo como referencial as experiências pessoais acerca (e para além) das imagens. A partir de conteúdos provocativos, como um dos episódios do filme Sonhos (de Akira Kurosawa) e ainda de imagens (oriundas da arte, da cidade, publicitárias, de objetos de design, entre outras), bem como excertos de alguns autores, são propostos diálogos e processos sensibilizadores, aos quais os participantes respondem e são estimulados a expressarem seu pensamento e suas vivências em interações que geram debates e criam polêmicas. Diante de tais desafios, o grupo motiva-se a dialogar e estabelecer conexões, exteriorizando seu pensamento e organizando ideias e opiniões sobre arte, design, imagem, história e suas relações. Após essas atividades, são disponibilizadas inúmeras imagens para que cada um dos participantes possa selecionar aquela com a qual tem maior afinidade. Em seguida, são recomendadas pesquisas relacionadas à imagem escolhida, de maneira que o grupo se mobilize a explorar outras formas de relação e compreensões acerca da imagem. Debates e mesas redondas são promovidos a partir dessa primeira aproximação, e o envolvimento e o interesse de cada membro do grupo com as temáticas são perceptíveis. Essa experiência prática é, sem dúvida, um momento ímpar no qual os participantes se envolvem e potencializam as suas percepções e relações com as imagens e os objetos que os cercam, problematizando alguns aspectos e estabelecendo novas conexões. Embora não tenhamos aqui uma situação de sala de aula, na qual formalmente as relações de ensino-aprendizagem são estabelecidas a partir de outros contextos e compromissos, há que pensarmos na possibilidade de favorecer as experiências no campo educativo da cultura visual que, conforme nos recomenda Hernández (2007), permitam ampliar e desnormatizar os objetos e os artefatos com os quais se trabalha em educação das artes visuais. Ao defender uma educação para a compreensão crítica da cultura visual, o autor propõe pensar outra narrativa em educação das artes visuais a partir dos estudos da cultura visual, ou seja, do reposicionamento das práticas educativas – não somente na FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 74 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen escola – diante da “necessidade de ajudar crianças e jovens [e aqui incluímos também adultos maiores] e também aos educadores, a irem mais além da tradicional obsessão por ensinar a ver e a promover experiências artísticas” (HERNÁNDEZ, 2007, p. 25). Nesse caso, as práticas reflexivas e as críticas deveriam ser a finalidade educativa, no sentido de que os estudantes possam ter “a compreensão de como as imagens influem em seus pensamentos, em suas ações e sentimentos, bem como a refletir sobre suas identidades e contextos sócio históricos” (HERNÁNDEZ, 2007, p. 25). Após as propostas iniciais com estudos das imagens, partimos para um trabalho de produção de histórias, sendo que as referências passam a ser as próprias imagens exploradas. Os participantes criam discursos, estabelecem conexões e elaboram narrativas, revelando suas subjetividades. Aqui, os conteúdos visuais são explorados e questionados em forma de texto e, posteriormente, no grande grupo, passam a ser apresentados pelos seus autores. Como atividade final, as narrativas escritas convertem-se em conteúdo para a produção de uma nova narrativa, agora visual. Sobre suportes construídos pelos próprios participantes, as situações descritas vão ganhando espaço através de formas e cores, traduzidas na experiência de produzir a sua própria pintura. A oficina é concluída com uma exposição das pinturas desenvolvidas, o que gera grande satisfação, uma vez que muitos participantes relatam nunca terem sido estimulados na produção artística e aquela representou uma experiência gratificante, em que eles não apenas se apropriaram de um modelo, mas foram estimulados a pensar esteticamente durante todos os momentos em que as atividades aconteceram.

FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 75 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen 4.2 OFICINA CÍRCULO DE LITERATURA

Os Círculos de Literatura são ações desencadeadas a partir de leituras de textos ficcionais relacionados à memória e às reflexões dirigidas para o “como” as memórias narradas representam o real, possibilitando a reestruturação do vivido, ou seja, como esses resíduos selecionam os fatos e reconstroem as vidas. E como as memórias narradas se organizam em discursos demarcados pelo tempo e pelo espaço recuperam experiências cotidianas que podem ser deslocadas para outros tempos e espaços, como resíduos que ampliam o saber sobre as ações humanas. Os textos são lidos como um fio narrativo que nos dirige e nos redireciona para outras histórias. A recuperação de memórias/histórias de tempos passados está impregnada de afetividade e recupera as experiências vividas, (re)significando a vida e o sujeito. A palavra memorizada pelo sujeito constitui-se como signo que referencia o espaço representado por ele no mundo e, por meio da leitura e da discussão de textos ficcionais circulantes, gradativa e progressivamente foi sendo constituído um espaço para o registro escrito de memórias do grupo, demarcando o momento como uma etapa de interlocução entre os pares. A leitura faz parte do indivíduo e de seu mundo, pois, através dela, o homem pode refletir sobre sua conduta e seus atos, construir conhecimentos, trocar experiências, buscar auxílios para suas dúvidas. Conforme Barbosa (1999, p. 20-22): “Cada um guarda recordações gostosas de histórias ouvidas e sentidas, momentos de aconchego que se tornaram eternos na memória. [...] É através da narrativa que nós nos construímos como pessoa, pois transmitimos conhecimentos e experiências para o outro e nos transformamos em sujeitos culturais”. A leitura, portanto, desperta memórias e histórias, remetendo-as ao presente de forma questionadora e reveladora. Numa perspectiva teórica interdisciplinar, Dumont (1998) demonstrou que as relações entre contexto, FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 76 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen sentido e motivação são fatores interferentes e amplificadores do ato de ler, pois advindos de variadas áreas do conhecimento, apresentam-se intrinsecamente associados ao cognitivo.

4.3 OFICINA CINEMA – PROJETO SALVE O CINEMA

A oficina de cinema - Projeto Salve o Cinema – tem como proposta desenvolver a leitura crítica e a recuperação de memórias a partir de filmes que tratam de temas dirigidos para problemáticas sociais que envolvem o envelhecimento. No processo de seleção dos filmes, são considerados aspectos que possam construir parâmetros avaliativos sobre a linguagem do cinema, como: fotografia, roteiro, trilha sonora, temática, entre outros. A cada encontro, as questões de discussão são associadas ao filme e convidam o grupo espectador a pensar a existência e rever parâmetros sobre a efemeridade da arte e da vida.

4.4 OFICINA DE GRAVURA

A oficina está vinculada aos projetos de geração de renda SempreViva e AmaViva. O objetivo principal é explorar saberes técnicos e estéticos por meio do desenvolvimento de serigrafias. As proposições procuram estimular a expressão criativa e o desenvolvimento FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 77 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen cognitivo inerentes à arte (capacidade criadora) e ao design (desenvolvimento de artefatos). Imbricada aos objetivos do Programa, a oficina ‘experiências em gravura’ visa, ainda, ao estímulo à troca de experiências, à promoção da autoestima e à percepção da capacidade expressiva inerentes aos participantes. Em termos metodológicos, foram adotadas aulas práticas, orientadas pela professora e com apoio de bolsistas, em que os participantes foram estimulados a experimentações e, posteriormente, desenvolvimento de produtos com aplicação de técnicas de serigrafia (artesanal e silkscreen). As aulas, desenvolvidas no CAD (Centro de Artes e Design), seguem as seguintes técnicas: estêncil, serigrafia artesanal, serigrafia com queima em mesa de luz. Na técnica Estêncil, utiliza-se como matriz um molde vazado, delineado por corte ou perfuração em papel, papelão, metal ou em outros materiais. Segundo Martins (1987), quando os artistas necessitaram reproduzir grandes desenhos para a pintura de murais (em igrejas, residências e palácios), como os que Miguel Ângelo executou para a capela Sistina, valeram-se de esboços vazados. Moldes perfurados, conhecidos como sistema de ‘polvo’, nos quais, através de pó de carvão ou do talco, obtém-se um calco dos contornos do desenho na parede. Segundo o autor, esses sistemas de moldes vazados ficaram conhecidos como método porchoir. Os participantes da oficina de gravura, ao utilizarem essa técnica, prepararam moldes vazados e aplicaram tinta spray sobre papel. Em 1920, iniciou nos Estados Unidos a técnica da serigrafia artesanal, que consiste em transferir a imagem feita em molde vazado, tendo como auxílio uma tela de seda. A impressão pode ser feita em diversos materiais, como tecido, plástico, vidros, cerâmicas, madeira ou metal, de acordo com a possibilidade das tintas utilizadas. Segundo Martins (1987), a palavra é derivada do latim seri (seda) e do grego grafia (escrever). De acordo com o referido autor, a impressão no processo serigráfico é feita por meio de um puxador de madeira e borracha e conservando a pressão das mãos, de maneira a sentir o contato com a base; ao atravessar as partes vazadas na tela, a tinta se reproduz na superfície: papel, tecido ou outros materiais. As partes vedadas não permitem reprodução. A serigrafia artesanal é um processo de gravação FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 78 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen que necessita de poucos recursos. Um estêncil (molde vazado), com tinta por rolinho de espuma já configura um processo artesanal dessa técnica. Os participantes do projeto criaram molde vazado em xérox de uma fotografia e, posteriormente, aplicaram tinta com rolo de espuma. Segundo Belmiro (1990, p. 7), “A impressão pelo processo conhecido como Silkscreen (literalmente: tela de seda) é a prática mais comum e usual empregada atualmente para a realização de trabalhos de boa qualidade, rápidos e de baixo custo”. Conforme esse autor, a técnica de Silkscreen é um processo de impressão por meio de uma tela de nylon (seda) que pode ser montada a partir da aplicação de emulsão fotográfica. Esse método, segundo Fajardo (1999), requer uma superfície sensibilizada que vai reter a imagem quando está sendo exposta à luz de alta intensidade. A impressão, que tecnicamente pode ser definida como transferência da imagem da matriz para o suporte, dá-se diretamente sobre a tela na qual a tinta é aplicada e puxada com rodos de borracha. Trata-se de um processo serigráfico profissional de múltipla aplicabilidade: tecidos (permitindo estampar camisetas, pano); papel e papelão (possibilitando impressão em embalagens, cartazes, panfletos); madeira, metal e demais suportes. Nessa oficina, foram realizadas ilustrações individuais que serviram para o desenvolvimento de serigrafia com emulsão. O processo, na oficina de gravura, envolve criação de fotolito em papel vegetal, preparação de produtos químicos e sua aplicação na tela serigráfica e utilização da tela desenvolvida com aplicação manual da gravura em tecidos e papéis.

FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 79 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A estruturação das oficinas em torno de um módulo que abrange questões referentes à cultura visual e à verbal permite trazer diferentes experiências textuais e de produção e análise da imagem aos integrantes do Programa Matur(a)idade na Univille. A oficina de História da Arte visa a aproximar os participantes do programa de discussões, conceitos e teorias relacionadas a esse universo. Objetiva também promover a experimentação de técnicas e formas de expressão artística. A oficina de gravura, junto ao projeto “Matur(a)idade na Univille”, busca desenvolver a capacidade de expressão técnica e estética do grupo envolvido, ampliando a percepção de novos caminhos. Dessa forma, entende-se que a relevância da oficina está associada ao desenvolvimento da expressão pessoal e à geração de renda. As oficinas Círculo de Literatura e Cinema – Projeto Salve o Cinema – objetivam, por intermédio de linguagens estéticas, propiciar a reflexão, a recuperação de memórias e a reconstrução de valores. As linguagens literária e cinematográfica transcendem o mero registro da realidade, bem como se apropriam como matéria da criação de objetos imaginários e de metamorfoses físicas, promovendo uma nova relação entre tempo/espaço, pois, à medida que o olhar do leitor faz um pacto com as textualidades literárias e cinematográficas, novas relações de mundo se estabelecem projetando outras construções do e sobre o real. O envolvimento dos participantes do programa nas atividades propostas possibilita estabelecer intersecções entre os conteúdos relacionados à cultura abordados ao longo das oficinas e contribui para ampliar seu repertório de análise e expressão visual e verbal; efetiva- se, assim, uma das metas do programa: proporcionar a educação continuada para indivíduos da terceira idade, visando a promover a inserção e o bem-estar social e emocional.

FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 80 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen REFERÊNCIAS

BARBOSA, R. T. P. A leitura em dois pontos: Ler e contar histórias. Revista. Releitura. Belo Horizonte, 1999.

BELMIRO, A. Silk-Screen. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1990.

DOLL, J. Educação e envelhecimento. In: Estudos sobre o envelhecimento. Revista a Terceira Idade. São Paulo, v. 19, out. 2008, p. 7-26.

DUMONT, L. M. M. O imaginário feminino e a opção pela leitura dos romances de séries. 1998. Tese (Doutorado) – IBICT/ECO-UFRJ. 1998.

FAJARDO, E. Oficinas: Gravura. Rio de Janeiro: Imprinta. 1999.

HERNÁNDEZ, F. Catadores da cultura visual: proposta para uma nova narrativa educacional. Porto Alegre: Editora Mediação, 2007.

HERNÁNDEZ, F. Educación y cultura visual. Barcelona: Octaedro, 2010.

KNAUSS, P. Aproximações disciplinares: história, arte e imagem. Anos 90. Porto Alegre, v.15, n. 28, dez. 2008, p. 151-169,

MARTINS, I. Gravura arte e técnica. São Paulo: Laserprint Fundação Nestlé de Cultura. 1987.

METZ, C. Cinema: língua ou linguagem? In: A significação do cinema. Trad. Jean-Claude Bernardet. São Paulo: Perspectiva, 1972. P.80.

PONZIO, A. et al. Fundamentos de filosofia da linguagem. Tradução de Ephraim F. Alves. Petrópolis. RJ: Vozes, 2007.

FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 81 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen SONTAG, S. Teatro e filme. In:A vontade radical. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

WALKER, J. A.; CHAPLIN, S. Una introducción a la cultura visual. Barcelona: Octaedro, 2002.

FOREXT ARTE E CULTURA

Cultura visual e verbal: experimentos no programa ‘matur(a)idade na univille’ 82 EVERLING, Marli; MORGENSTERN, Elenir; PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês; MORAES, Taiza Mara Rauen VÍNCULO PO(I)ÉTICO ENTRE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO

1 Possui graduação em Licenciatura Plena em Educação Artística Habilitação Artes Plásticas pela Instituição RICHTER,de origem: UniversidadeSandra Regina de Passo Simonis Fundo3 UFRGS (1981), mestrado em Educação pela UFRGS (1998) e doutorado em Educação pela UFRGS 2 (2005). É pesquisadora e professora adjunta do Departamento de Educação, atuando na Graduação FRONCKOWIAK, Ângela Cogo e no Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade de Santa Cruz do Sul. Atua na área de Educação, com ênfase em Educação, Arte e Infância, principalmente nos seguintes temas: aprendizagem, imaginação criadora, experiência poética, artes plásticas, educação infantil e ensino fundamental. Integrante do grupo de pesquisa Estudos Poéticos da UNISC/CNPq e líder do grupo de pesquisa LinCE-Linguagens, Cultura e Educação da UNISC/CNPq. E-mail: [email protected]. 2 Possui graduação em Letras pela UFRGS (1994), mestrado em Teoria da Literatura pela PUCRS (1997) e doutorado em Educação pela UFRGS (2013). É professora wassistente do Departamento Instituição de origem: Universidade de de Letras da Universidade de Santa Cruz do Sul desde 1997, ministrando, nos cursos de Letras e Pedagogia, as disciplinas de Literatura Infantil e Infanto-Juvenil. Atua principalmente nos seguintes Santa Cruz do Sul (UNISC) temas: literatura, infância, experiência poética, leitura, vocalização poemática, linguagem poética. professora do Departamento de Letras da UNISC. Integrante dos grupos de pesquisa Estudos Poéticos da UNISC/CNPq e LinCE-Linguagens, Cultura e Educação da UNISC/CNPq. E-mail: acf@ unisc.br.

83 RESUMO O ensaio aborda a aproximação conquistada entre pesquisa, extensão e ensino no cotidiano da Universidade de Santa Cruz do Sul como estratégia para atualizar questionamentos em torno da relação entre dimensão poética das linguagens, educação de crianças e formação inicial e continuada de professores da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. A partir da confluência entre literatura e artes plásticas, no espaço e no tempo do ateliê, destacamos a inseparabilidade entre corpo, mundo e linguagem nos processos lúdicos de aprender o poder inventivo do gesto inaugurar sentidos agindo no mundo – falando, desenhando, cantando, escrevendo, pintando, modelando, construindo objetos, como modo de aprender a interpretar e valorar o mundo em narrativas. Para compartilhar estudos e investigações sustentados na interlocução das fenomenologias de Bachelard, Merleau-Ponty e Ricoeur com a concepção de ludicidade em Huizinga, afirmamos a dimensão poética e ética da ação pedagógica que acolhe a ação do outro em seu poder de aprender a enfrentar os acasos e a realizar escolhas, confrontar opções, tomar decisões, através do encontro entre diferentes saberes, não apenas na educação básica, mas também na universidade. Assim, negamos a educação como tarefa de “fabricação” do outro para afirmá-la como ação imprevisível, sempre inacabada em seu movimento vital de correr riscos e enfrentar o não pensado ainda como modo de compartilhar a complexidade da existência mundana. Palavras-chave: UNISC. Imaginação poética. Ateliê. Experiência de pensamento.

ABSTRACT The paper approaches the approximation conquered between research, extension and teaching in the everyday of the University of Santa Cruz do Sul as an strategy to update the questioning around the relations between the poetic dimension of the languages, children’s education and the early and ongoing formation of teachers for the children’s education and also for the elementary school. Based on the confluence between the literature and the plastic arts, in the time and space of the atelier, we highlight the inseparability between body, world and language in the ludic processes of learning the inventive power of the gesture opening senses acting in the world – speaking, drawing, singing, writing, painting, modeling, building objects, as a way to learn to interpret and value the world in narratives. To share studies and investigations sustained in the interlocution of the phenomenologies of Bachelard, Merleau-Ponty and Ricoeur with the conception of playfulness in Huizinga we affirm the poetic and ethical dimension of the pedagogic action that harbours the action of the other in its power of learning to face the accidents and make choices, confront options, make decisions, through the encounter between different knowledge, not only on basic education, but also in the university. Therefore, we negate the education as a chore of “fabrication” of the other to affirm it as an unpredictable act, always unfinished in its vital movement of taking chances and facing the yet not thought still as a way of sharing the complexity of the mundane existence. Keywords: UNISC. Poetic imagination. Atelier. Thought experience.

FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 84 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo 1 INTRODUÇÃO

Este ensaio aborda a aproximação que fomos conquistando entre ensino, pesquisa e extensão no cotidiano da UNISC – Universidade de Santa Cruz do Sul através de projetos de extensão desencadeados como estratégia metodológica para atualizar nossas interrogações em torno da complexa relação entre dimensão poética das linguagens, educação de crianças e formação inicial e continuada de professores da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. A partir da confluência entre literatura e artes plásticas, questionamos, nas ações educativas com crianças pequenas, a tendência escolar de separar as dimensões expressivas da linguagem para destacar a experiência lúdica do corpo nos processos de aprender o poder inventivo do gesto inaugurar sentidos agindo no mundo – falando, desenhando, cantando, escrevendo, pintando, modelando, vocalizando poesias, construindo objetos, como modo de aprender a interpretar e valorar o mundo em narrativas. O que perseguimos na docência e nos projetos de pesquisa e extensão é a configuração de espaços que reconheçam o lúdico, o imagético, o prazeroso, o sensível, como inseparáveis na experiência de pensar, desde a infância. Afinal, como diz Larrosa (2004, p. 297), “pensar é antes de tudo – como raiz, como ato – decifrar o que se sente”. O interesse acadêmico é constituir um ambiente favorável à imaginação poética e ao acolhimento das diferentes experiências com a linguagem, seja no ensino de pós-graduação, graduação ou educação básica, seja na extensão, no ensino ou na pesquisa.

FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 85 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo 2 TECER PO(I)ETICAMENTE O ATO DE APRENDER JUNTOS NO ENSINO, NA PESQUISA E NA EXTENSÃO

As disciplinas de Linguagem plástico-visual na educação e de Literatura infantil e infanto-juvenil, aliadas aos estudos da concepção bachelardiana de imaginação poética em sua abertura ao poder inventivo das linguagens, por nós realizados desde o ano 2000, vêm sustentando a intenção de investigar a inseparabilidade entre corpo, linguagem e mundo a partir de ações de extensão que acontecem no tempo e no espaço do ateliê do Memorial da UNISC. Através do Núcleo de Educação Básica – NEB e do Núcleo de Arte e Cultura – NAC são promovidos encontros das crianças, dos acadêmicos e dos professores dos cursos de Letras e de Pedagogia, assim como dos professores da rede pública de ensino, com a pintura, o desenho, a literatura, a modelagem e a poesia, com o objetivo de planejar e organizar ações educativas com crianças pequenas voltadas para o poder linguageiro de transfigurar a existência no ato mesmo de plasmar valorações na convivência. A interlocução das fenomenologias de Gaston Bachelard (imaginação poética), de Maurice Merleau-Ponty (corpo operante) e de Paul Ricoeur (ação narrativa) com a concepção de ludicidade em Huizinga (2004) contribui para afirmar ações pedagógicas comprometidas com o esforço lúdico da conquista de repertórios com crianças desafiadas a transformarem, brincando, a materialidade do mundo pelas provocações ao corpo e seu poder de estar e agir em linguagens. Para tanto, o grupo vem investindo em fundamentação teórico-metodológica no que se refere à ação educativa de planejar e realizar mediações lúdicas através de rodas poéticas no espaço e tempo do ateliê. O planejamento da dinâmica no ateliê, desde temáticas que visam a integrar as experiências das crianças e dos adultos nas rodas poéticas, busca favorecer a especificidade da relação entre ludicidade, poeticidade e ficcionalidade nos processos linguageiros de significar o vivido. FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 86 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo O termo “poético” remete ao termo grego poïein – o vigor do agir – como elemento fundamental não apenas dos fazeres, mas de tudo isso que é vida narrada como história em sua acepção de devir. O poético diz respeito à ação de refazer o mundo dado: rearranjando, recontando, ficcionalizando, isto é, ao poder de produção de sentido (RICOEUR, 2002). Diz respeito à ludicidade do esforço – à tensão – da conquista (alegria e divertimento) e não a respostas previamente dadas ou ao acaso das circunstâncias. A metodologia no ateliê sustenta-se num processo de interação propositiva intensa entre as crianças e os adultos e envolve, no primeiro momento, a oferta de ações planejadas e organizadas em espaços e tempos para o encontro com a cor, a luz, a sombra, o traço, a massa, a argila, a poesia e, no segundo, a ampliação de repertórios das crianças e dos adultos através de “rodas poéticas”. Nas rodas poéticas, adultos e crianças brincam e jogam, tomam decisões, enfrentam os acasos, ensaiam tentativas, imitam, repetem, rearranjam, enfim, experimentam a tensão que é interrogar o mundo e a alegria e o divertimento que é transformá-lo sem cindir imaginação e razão (RICHTER; FRONCKOWIAK, 2011). As experiências lúdicas vividas entre crianças e adultos no ateliê permitem constatar que a intencionalidade de repetir as mesmas ações – vocalizar e escutar poesias, desenhar, pintar e modelar – através de diferentes rodas: no chão, nos cantos, em volta das mesas ou dos retroprojetores, favorecem aprendizagens de produção de narrativas que vão tecendo os encontros. Nessa perspectiva, negamos a concepção de realidade dada e fixa a ser consumida e a afirmamos como dimensão temporal do viver a ser coproduzida1 – ou compartilhada – através de nossos muitos modos de ficcionar. Cabe sublinhar, com Larossa (1996, p. 17), a compreensão de imaginação vinculada ao poder produtivo da linguagem: “recuerdese que fictio viene de facere, lo que ficcionamos es algo fabricado y, a la vez, algo activo. La imaginación, como el linguage, produce realidad, la incrementa y la transforma”.

1 Produzir, aqui, no sentido que Morin (2002, p.199-201) utiliza o termo poiesis para devolver ao termo produção sua conotação criadora – seu caráter genésico de interações criadoras – diante da conotação tecnoeconômica que o aprisionou à noção de fabricação repetitiva de bens materiais. Portanto, “é preciso notar que a idéia de criação está longe de ser contrária à de produção: toda produção não é necessariamente criação, mas toda criação é necessariamente produção”. FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 87 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo O ateliê é um dos lugares privilegiados para o acontecimento da tensão desse encontro transformativo. Supõe escolhas e decisões, exige acolher as contradições e as ambiguidades do conviver. Esse o interesse intelectual que fecunda nossos planejamentos na graduação e mobiliza-nos a coordenar projetos de pesquisa2 e de extensão3 como ações dos grupos Estudos Poéticos (Programa de Pós-graduação em Letras) e Linguagens, Cultura e Educação (Programa de Pós-graduação em Educação). Desse movimento acadêmico, podemos afirmar a relevância do estudo da imaginação poética tanto para a área das artes plásticas quanto para a da literatura. Porém, nosso interesse em aproximar duas áreas do conhecimento, dois departamentos da universidade, só foi possível ao assumirmos o vínculo inegável com a ação educativa. Interrogamos de outro modo nossas áreas específicas de estudo, porque fomos instigadas pelos seus encontros e desencontros no campo da educação. Ao mesmo tempo, foi nossa formação inicial no campo das artes plásticas e da literatura que promoveu as condições para ampliar e intensificar a problematização das concepções de infância e de aprendizagem que transitam tanto na academia quanto na escola de educação básica.

3 Devir humano e aprendizagem: inseparabilidade entre corpo e linguagem

Assumir a complexidade de romper as fronteiras entre saberes e promover o trânsito entre eles na dinâmica da educação é assumir a necessidade de mudar o modo como as áreas têm produzido conhecimento e estabelecido interlocuções. Não é possível manter o encerramento

2 Experiência poética e aprendizagem na infância (2006-2009) e Dimensão poética das linguagens e educação da infância (2010-2013). 3 Ações lúdico-pedagógicas com crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental (2006-2009) e Oficinas poéticas (2011-2012). FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 88 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo a que elas vêm sendo submetidas na academia, sustentado no diálogo exclusivo entre pares e guetos, se quisermos explorar o que cada uma pode oferecer à educação, seja ela básica ou superior. A educação, como fenômeno multidimensional de conhecimento, só pode se constituir a partir da pluralidade na produção de sentidos. Nessa perspectiva, a universidade torna-se locus privilegiado. Entretanto, a tradição acadêmica de dissociá-lo – ou estancá-lo – não permite explorar condições para a fertilização mútua, o que diminui as oportunidades de interpretar a complexidade do fenômeno educativo e a especificidade de seu estatuto teórico e prático. Portanto, a lógica que guia nossas ações no ensino, na pesquisa e na extensão não é a lógica do território separado em fronteiras bem definidas. Pelo contrário, ela está, sob sugestão de Agamben (apud COSTA, 2006), mais próxima daquilo que, na ciência física, chamamos de um “campo”, onde todo ponto pode em certo momento se carregar de uma tensão elétrica e de uma intensidade determinada. Para o filósofo italiano, filosofia, política, filologia, literatura, teologia, direito não representam disciplinas e territórios separados: são apenas nomes que damos a essa intensidade. Podemos aproximar essa compreensão com a afirmação de Janine Ribeiro (2003, p. 57): “se quisermos prestigiar a inovação na pesquisa científica” teremos que

ter sempre em mente que, quem sabe, na sala ao lado da nossa se esteja realizando uma pesquisa ou utilizando uma linguagem que – introduzida em nossa área – possa revolucionar nosso modo de conhecer. (Talvez, aliás, o lugar em que a descoberta se torne revolucionária não seja lá onde ela ocorreu, mas ali onde foi ou será transferida: por isso é que vale a pena fuçar na sala vizinha, mais do que exagerar nos detalhes da nossa.)

Para tanto, teremos que aprender a simultaneamente escutar e realizar a “mistura”, a transferência da intensidade de um “campo” para outro. Para o autor, esse saber migrar de um modo de conhecer a outro é muito raro hoje, inclusive para os artistas. Nossos estudos e investigações, nossa ação como professoras, pesquisadoras e extensionistas na UNISC, emergem da convicção de que não há como pensar e planejar ações educativas se não considerarmos as “misturas” linguageiras que advêm da inseparabilidade entre corpo, imagem e palavra nos processos de aprender a tornar inteligível o vivido. Implica FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 89 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo acolher o pensamento de Edgar Morin (1996, p. 280) quando afirma que não podemos separar o modo como pensamos, como sonhamos e interrogamos o mundo do modo como vivemos, pois “há uma aderência inseparável entre nosso espírito e o mundo”. O modo como aprendemos a pensar é inseparável do modo como aprendemos a estar no mundo. Com a afirmação, destacamos que nosso interesse, tanto no ensino quanto na pesquisa e na extensão, é reivindicar a necessidade de colocarmos em debate uma cultura acadêmica que tem investido muito em métodos e procedimentos de ensinar e se centrado pouco na complexidade de acolher e acompanhar processos do corpo linguageiro de aprender a decifrar e interpretar as múltiplas dimensões do viver. No que nos diz respeito, foi a partir das artes plásticas e da leitura da literatura que pudemos nos centrar no problema da formação acadêmica e contribuir para pensar a mediação pedagógica como ação que exige em igual medida, desde a infância, encantamento e rigor, desafios ao raciocínio e provocações à imaginação propiciadas pela experiência estésica com e nas linguagens. Abordamos a arte de outra maneira, outra perspectiva que, em vez de priorizar “o” conhecimento artístico, preza pela sensualidade ambígua da linguagem, do mundo, de nós mesmos. Esse movimento tensivo entre razão e imaginação talvez seja o que Janine Ribeiro (2003, p. 57) denomina de “criação sinestésica” como “capacidade de frequentar várias linguagens e de traduzir uma em outra”. É porque “a criação exige uma interminável saída de si; que nenhuma linguagem extrai apenas de si riquezas infindáveis, mas que estas somente serão postas à luz à medida que se vejam confrontadas por outras linguagens” (RIBEIRO, 2003, p. 58). A literatura e as artes plásticas, por não terem compromisso com a comunicação4, necessitam ser constantemente interpretadas em sua abertura aos múltiplos sentidos que emergem dos “sentidos” do próprio corpo. Acontecimentos que ocorrem no corpo e só

4 A arte não pode jamais dissolver-se na comunicação porque contém um núcleo incomunicável que é fonte de uma infinidade de interpretações: é matriz de ideias e não uma ideia (MERLEAU-PONTY, 1991, p. 81). FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 90 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo podem ser decifrados pelo avesso do conceito: a dimensão poética das linguagens torna-se, então, uma experiência comprometida com a memória do tempo, com uma compreensão advinda da experiência temporal na qual “as partes constituintes da experiência não são sucessivas, mas simultâneas, múltiplas possibilidades que se entrelaçam, se criam e se recriam” (HELLER, 2006, p. 65). Considerar a temporalidade nos processos de aprendizagem exige considerar a elaboração expressiva de sentidos como produção sensual do corpo enquanto ação corporizada5 que, não tendo fundamentos últimos além da história da corporização (VARELA, 1997, p. 22), nos permite abarcar tanto a experiência vivida quanto as possibilidades de transformação inerentes à experiência do viver. Aqui, o corpo é concebido em sua material singularidade e concreção, como movimento expressivo e como palavra, ou seja, “a expressão organiza ela mesma o corpo”6 (HELLER, 2006, p. 56). O poético exige do corpo e ao mesmo tempo o supera. Por isso, para Octávio Paz (1982), a poesia é corporal e, para Paul Valéry (1999), pensamento em ato. Aqui, cada gesto, cada detalhe é significativo. A ação educativa, então, torna-se um saber que é sempre fragmentário e incompleto enquanto recriação constante dos procedimentos, dos métodos e das técnicas. Nessa perspectiva, o poeta oferece ao educador outra voz e outro modo de conceber a ação educativa e a palavra pedagógica. Outro discurso que busca mostrar, e não dizer, através de registros distintos dos dominantes na razão científica e tecnológica. Assim, destacamos a relevância formativa de promover o encontro entre a dimensão poética da arte e os graduandos de Pedagogia e de Letras, bolsistas de iniciação científica e de extensão, crianças e suas professoras da rede pública de ensino, como modo de resistir ou desacomodar hábitos de docência sustentados pela generalizada noção de que o fenômeno

5 O enfoque enactivo de Francisco Varela (1997), inspirado em Merleau-Ponty, afirma a cognição como ação corporizada em que o corpo é concebido simultaneamente como estrutura física e como estrutura vivida e experiencial, isto é, tanto biológico como fenomenológico. 6 Para Heller (2006, p. 56), a partir da fenomenologia merleaupontiana do corpo sensível, “transpõe-se assim a separação expressão/ corpo”, já que “é muito diferente dizer ‘me expresso através do corpo’ de dizer que ‘meu corpo se expressa”. Trata-se de “não tomarmos a expressão como entidade, o que transformaria a ação expressiva na veiculação de um signo”. FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 91 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo educativo pode ser inteiramente explicado, controlado, predito pelas teorias, pelos métodos e/ou recursos técnicos.

4 Experiência pó(i)ética de educar-se no ensino, na pesquisa e na extensão

Nosso diálogo com o ensino, a pesquisa e a extensão, através dos encontros semanais com a poesia e as artes plásticas, tem nos mostrado, em sua abertura ao inesperado e imprevisível poder do agir7 humano (ARENDT, 2004, p.191) que, quando a ação poética atravessa a ação pedagógica, nos encontramos diante de uma ação educativa na qual o significado do encontro entre docente e discente não está pré-fixado e imóvel, predeterminado em respostas tranquilizadoras, mas vai se constituindo em cada interlocução, em cada escuta da voz do professor e do aluno, em cada ação hermenêutica, em cada ressonância interpretativa, enfim, em cada interação. Tal configuração educativa, que consideramos uma gradual conquista tanto do professor quanto do educando, tanto do orientador quanto do orientando, exige convívio dinâmico para acolher diferentes temporalidades nos processos de ir aprendendo a compreender os estranhamentos que qualquer rotina de estudos impõe; de ir aprendendo a sustentar as exigências dos diferentes tempos, espaços e modos de pensar. Nas palavras de Bárcena e Mèlich (2000, p.194),

7 Agir, para Arendt (2004, p. 190), “no sentido mais geral do termo, significa tomar iniciativa, iniciar (como o indica a palavra grega archein, “começar”, “ser o primeiro” e, em alugns casos, “governar”), imprimir movimento a alguma coisa (que é o significado original do termo latino agere). [...] É da natureza do início que se comece algo novo, algo que não pode ser previsto a partir de coisa alguma que tenha ocorrido antes. [...] O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável”. FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 92 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo el sentido de las palabras pedagógicas no está dado de una vez por todas, sino que se debe crear constantemente, en cada momento, ahora y aquí. El maestro no ha transmitido El sentido, sino que se a retirado para dejar paso a la palabra del alumno. Sin ese ‘retirarse’, la acción educativa se convierte en una transmisión pasiva, adoctrinadora. […] La palabra de una pedagogía de la radical novedad es creadora de palabra.

A partir do argumento dos autores, podemos mudar hábitos acadêmicos de conceber a ação educativa como conjunto de procedimentos formativos preparatórios para um mercado de trabalho e passar a pensá-la como acontecimento estreitamente vinculado às dimensões poética e ética do ato de aprender a conviver. O que somos não resulta de uma fatalidade: implica sempre o poder, simultaneamente lúdico e lúcido, de aprender a realizar escolhas ao iniciarmos um gesto que dá outro rumo às coisas. Por isso, Valle (2002, p. 271) pode apontar a educação como criação e autocriação (autoalteração), como poiésis, “porque deve constituir-se em atividade criadora de algo que não estava lá, inicialmente, e que é precisamente a liberdade – a autonomia humana. Porém, como essa finalidade não está determinada a priori, como ela é um poder poder ser”, a formação não pode se tornar espaço de aplicação de teorias e de procedimentos pré-ideados, porque, como “atividade lúcida, deliberada e deliberante, seu objeto, sua finalidade é o próprio exercício dessa lucidez e dessa deliberação. Na educação, portanto, o fim corresponde à própria atividade que o produz: a autocriação” (VALLE, 2002, p. 272). Se pensarmos, com George Steiner (2003, p. 142), que “a liberdade trágica do humano vem do contra-dizer e do contra-factual”, então, criar é resistir. Só os humanos alcançam a liberdade de criação, porque podem dizer e mostrar a outros humanos aquilo que não é. Para Steiner (2003), é essa liberdade da alternativa de fazer algo existir ou não existir que faz a criação ser absolutamente livre, pois sua existência inclui a alternativa da não existência. É por isso que existe na criação a marca da imperfeição, já que a obra criada encerra e nos proclama o fato de que ou poderia não existir ou poderia existir de outra FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 93 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo maneira. O instante da decisão de começar o gesto supõe enfrentar o desconhecido, implica arriscar-se. Supõe, antes de tudo, confiança para começar algo no mundo, porque acolhe ou assume o ato da imperfeição. Nesse sentido, o poético é sempre da ordem existencial da incompletude. É o não ser que outorga o esplendor de sua existência. Nos processos de criação, é a coexistência do ser e do não ser que marca o fascínio pelo negativo, pelo oculto, pelo não realizado, pelo não nascido, pelo não começado, por tudo aquilo que poderia ter sido, mas que não será se não for “realizado”. A criação, aqui, é a coragem de tomar a decisão de agir, é ter a coragem existencial de enfrentar – ou afrontar – a ação de des-criar o real, ser mais forte do que o fato que aí está. Esse poder de “des-realizar”, de “des-arranjar” o real, é da ordem do ficcional. A arte seria incompreensível se não “des-arranjasse” e não “re-arranjasse” nossa relação com o real. É da dimensão poética da arte entrar necessariamente em colisão com o mundo para o refazer, seja confirmando-o ou negando-o. Para Rancière (2005, p. 58), “o real precisa ser ficcionado para ser pensado” e é apenas nessa referência produtora da ficção que a experiência humana, em sua dimensão temporal profunda, não cessa de ser refigurada. O elo entre sensível e inteligível é forte, caracteriza o pensamento humano no seu aspecto mais criador e inventivo: a imaginação. A imaginação poética opera não apenas no campo das ideias, altera a sensibilidade e, em um processo sem fim, leva o pensamento a desconfiar do pensamento. A educação como acontecimento po(i)ético não nega a racionalidade técnica, mas sim sua pretensão de hegemonia na compreensão do mundo e das relações humanas. Somos ambivalentes, sapiens e demens, lógicos e mágicos, lembra-nos Morin (1996). Afinal, como ironicamente sugere Serres (1999), não temos dois cérebros, nem dois corpos, nem duas almas. Nessa perspectiva, consideramos relevante compartilhar nossa experiência pó(i)ética de viver o ensino, a pesquisa e a extensão na UNISC, onde a vida acadêmica tem sido, não sem alguns embates, espaço de acolhimento à aventura de pensar, de acolhimento ao ato temporal de aprender a correr riscos e enfrentar a incerteza, o não dito, o não visto e o não pensado ainda: FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 94 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo lugar do acontecimento de uma experiência de pensamento aprendendo a se complexificar. Nós aprendemos quando ensinamos uns aos outros, quando nos divertimos, quando fazemos juntos algo que nos interessa, quando nos movemos para realizar o esforço de tomar decisões e agir, quando realizamos escolhas, quando estamos reunidos em torno de um projeto comum.

5 QUATRO PRINCÍPIOS EDUCATIVOS E UMA DOCÊNCIA PÓ(I)ÉTICA

Nesse sentido, o grupo de acadêmicos, cada um e cada uma com a sua história, está sob nossos cuidados. No grupo, há diferenças que não podem ser “medidas” – quantificadas. Podem apenas ser qualificadas – valoradas... ou seja, podem apenas ser acolhidas em suas diferenças. Porém, temos algo que nos une, algo que nos torna um grupo: o interesse comum pela tarefa de pensar a educação da infância. Todos nós podemos realizá-la, mas não podemos todos realizar da mesma maneira, no mesmo tempo. Essa a riqueza do humano, esse o desafio de qualquer docência, em qualquer momento da ação educativa: ajudar a vencer obstáculos no grupo. Para tanto, a abertura do grupo à alegria da curiosidade, à interrogação, torna-se fundamental para o percurso a ser desenhado. Temos predisposição para nos superarmos sem sofrimentos desnecessários, porque somos capazes de agir e dialogar. Podemos enfrentar e vencer desafios da melhor maneira possível: divertindo-nos com nós mesmos. Na alegria do diálogo, tornamo-nos exigentes. Assumimos o compromisso com a disciplina em seus dois sentidos – a disciplina intelectual e a disciplina nos cursos e nos projetos – as quais exigem o diálogo para afastar ou eliminar a grande dificuldade de compreender que, no ato de questionar – na experiência e pensar –, não há certo ou errado: há diferentes pontos de vista que dependem de como estamos interrogando nossos saberes, nossas certezas. Para tanto, ensaiamos nos colocar no lugar FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 95 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo do outro como experiência de compreendermos a nós. Tal experiência promove a alegria de pensar, já que não pensamos coagidos e com medo. Pensamos mais longe, alçamos voo, expandimo-nos quando nos sentimos à vontade no grupo e conosco. Esse o primeiro ponto importante que nos compromete como grupo: o caráter único do divertimento humano, aquele que constitui um mundo de liberdade e criação, porque garante aquilo que permite tornar o vivido inteligível: a confiança na convivência com outros. A confiança promove a solidariedade e a cooperação no grupo, portanto, trata- se de um princípio ou valor fundamental para fomentar o desejo de pensar coletivamente um problema comum. Só conhece quem deseja conhecer. Desejo e conhecimento são inseparáveis. Onde vigora o senso de alegre determinação – ou seja, de alegre disponibilidade, e não o terror da coação – já vigora o senso da disciplina. Para nós, o sentido do termo disciplina não é o da caserna militar, mas aquele que deriva da mesma raiz de “discípulo” e que remonta ao sentido latino da palavra ensino. Implica, portanto, a relação do mestre com o discípulo: ajudar, mostrar, orientar, indicar, “caminhar junto”. Não há perfeição ou pureza no ato de aprender. Há misturas, miscigenação... de saberes! Desejo de pensar o não pensado ainda! Somos todos aprendizes do pensamento. Então, a disciplina emerge como resultado do comprometimento de cada um do grupo com a sua experiência (sua alegria), com seus poderes e seus limites! Nesse sentido, o segundo ponto a destacar é compreender que a disciplina – o comprometimento com a aprendizagem singular no coletivo – não isola o indivíduo, pelo contrário, cria a cooperação, porque exige confiança entre os pares para enfrentar as dificuldades das relações sociais no espaço e no tempo comunitário. Confiar supõe aprender a estabelecer um relacionamento de tensão e reciprocidade. É necessário não apenas saber da totalidade do grupo: é preciso o grupo igualmente saber da singularidade de cada um que dele participa. Tal relação ocorre no time – de futebol, de vôlei – também na orquestra, no corpo de dança. Podemos vivê-la na unidade social, no coletivo comunitário. Acima de tudo, FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 96 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo porém, poderíamos ter essa relação exigente na escola, na universidade, pois a disciplina do aprendizado requer cooperação. A especificidade da cooperação é sua espontaneidade. Não posso forçar ninguém a cooperar... só posso esperar contribuir para que ocorra, ou seja: ajudar o processo do grupo. Processo no qual somos simultaneamente solitários e solidários. O terceiro ponto que respeitamos é a convicção de que aprender a sentir e pensar, na alegria e no desejo de compartilhar o que aprendemos e sabemos, é a única maneira de vivermos em comunidade. Não contribuiríamos muito na formação dos acadêmicos se, amparados na sua inexperiência, deixássemos de confiar na sua capacidade para se esforçar, aprender e ampliar suas experiências do e no mundo, pois são capazes de aprender a superar os desafios que lhes impomos. Nossa persistência se fundamenta na confiança no poder de nos tornarmos criativos e inventivos se aprendemos a paixão pelo pensar. Provocar a curiosidade, seja das crianças, seja dos jovens ou dos adultos, é contribuir para alargar suas interrogações e necessidades. Para Paulo Freire (1986, p.14), “o rigor é do desejo de saber, uma busca de resposta, um método critico de ensinar. Talvez rigor seja também uma forma de comunicação que provoca o outro a participar ou inclui o outro numa busca ativa”. Portanto, o quarto ponto, a exigência – o rigor – é por nós considerado a chave para a compreensão da relevância em garantir, desde a infância, a complexificação nos modos de decifrar e interpretar o mundo, nós mesmos e os outros. Esse é, em nossa concepção, o modo de garantir, para as crianças e os jovens, a necessária continuidade nos estudos e a integração no mundo social e cultural em seu direito inalienável de alcançar o lugar de participantes responsáveis. Nossa experiência nas disciplinas Linguagem plástico-visual na educação e Literatura infantil e infanto-juvenil, nos grupos de pesquisa Estudos Poéticos8 e LinCE – Linguagens, Cultura e Educação9, nos eventos de extensão vinculados ao Núcleo de Educação Básica da UNISC (GT-Educação Infantil, ateliês e rodas poéticas com alunos dos cursos de Pedagogia

8 Vinculado ao Programa de Pós-graduação em Letras da UNISC. 9 Vinculado ao Progama de Pós-graduação em Educação da UNISC. FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 97 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo e de Letras e com crianças, eventos e cursos para seus professores), tem nos mostrado que o processo de aprender a pensar, seja na criança, no jovem ou no adulto, é sempre um processo delicado e sutil. Assim, a educação universitária – dada em seu catálogo de cursos – não é suficiente, pois essa exige uma formação que considere a simultaneidade ou a temporalidade de suas diferentes dimensões: inicial, continuada, cultural. Compreendemos que a professoralidade, a autonomia docente universitária é constituída com os discentes como ação compartilhada entre pessoas capazes de se auto-organizarem em diferentes campos do pensamento. Não se trata de apenas aprender especificidades de uma docência e de uma profissão, mas, juntos, aprendermos a realizar uma experiência de pensamento para além e para aquém de uma dada opção profissional. Pensar a educação desvinculada da vida cotidiana que a contém é condená-la a uma esterilidade que não interessa nem à universidade nem à comunidade que a cerca. Aqui, interrogamos mais uma vez o lugar que a universidade ocupa na comunidade. Se consideramos que não é apenas para titular, para reificar ou coisificar homens e mulheres, muito menos para preparar para um provável ou redentor mercado de trabalho, teremos que defender o vínculo entre a universidade e a vida que nos cabe viver na contemporaneidade. Com essa afirmação, assumimos que a vida, o modo comunitário de viver, mudou muito nas últimas décadas e não a alcançaremos discutindo a universidade apenas internamente ou na sua articulação com o mercado. Pensamos que a temporalidade em suas mudanças e transformações – as metamorfoses que em síntese nos caracterizam como humanos – continuarão sendo insubstituíveis em nossa experiência de vida, em nossa coexistência comunitária. Torna-se necessário, então, reafirmar, com Arendt (2004, p. 338), que a experiência de

pensar ainda é possível, e sem dúvida ocorre, onde quer que humanos vivam em condições de liberdade política. Infelizmente, e ao contrário do que geralmente se supõe quanto à proverbial torre de marfim dos pensadores, nenhuma outra capacidade humana é tão vulnerável; de fato, numa tirania, é muito mais fácil agir do que pensar. FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 98 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo Por essa vulnerabilidade, pela diversidade e pela imprevisibilidade nos modos que podem acontecer, aproximar ensino, pesquisa e extensão desde estudos que focalizam a relação entre arte e educação da infância nos conduziu a assumir o mistério do humano como faísca fundamental para colocar o pensamento em movimento. Essa opção aponta para uma ousadia acadêmica, pois declina de enfrentar um problema a ser solucionado e assume a experiência de pensamento como estratégia para enfrentar o mistério do humano. É então que a dimensão poética da arte, seus saberes e seus fazeres assumem sua vocação educativa, porque é da arte e suas produções manter a multiplicidade das significações (MERLEAU-PONTY, 1991). Podemos concluir que o princípio metodológico que alicerça nossos estudos e investigações em torno da dimensão poética da linguagem e a educação da infância se encontra no privilegiado vínculo que conseguimos estabelecer entre arte e ciência no encontro com a pesquisa, a extensão e o ensino na Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Vínculo poético e ético que exigiu tempo e esforço para se configurar como outro modo de fazer pesquisa, extensão e ensino: acolhendo as diferenças que emergiam do nosso encontro com acadêmicos, crianças e professores da rede pública de ensino, rearranjando modos de estudar, de pesquisar, de refletir, de realizar, de conviver na academia, de sonhar junto, enfim, de se lançar na experiência compartilhada de aprender a transitar por diferentes saberes.

FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 99 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2004.

BÁRCENA, Fernando; MÈLICH, Joan-Carles. La educación como acontecimiento ético: natalidad, narración y hospitalidad. Barcelona: Paidós, 2000.

COSTA, Flávia. Entrevista com Giorgio Agamben. Revista do Departamento de Psicologia - UFF, v. 18, n. 1, p. 131-136, jan./jun. 2006, p. 131-136.

FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e Ousadia - o Cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

HELLER, Alberto Andrés. Fenomenologia da expressão musical. Blumenau, SC: Letras Contemporâneas, 2006.

LAROSSA, Jorge. La experiencia de la lectura: estudios sobre literatura y formación. Barcelona: Laertes, 1996.

______. Linguagem e educação depois de Babel. Tradução Cynthia Farina. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

MERLEAU-PONTY, Maurice. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. In: ______. Signos. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p.39-88.

MORIN, Edgar. Epistemologia da complexidade. In: SCHNITMAN, Dora F. (Org.). Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996, p. 274-286.

_____. O método 1: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2002.

PAZ, Octávio. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 100 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: EXO experimental org.; ed. 34, 2005.

RIBEIRO, Renato Janine. A universidade e a vida atual: Fellini não via filmes. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

RICHTER, Sandra R.S.; FRONCKOWIAK, Ângela C. A tensão lúdica entre brincar e aprender na infância. Patio Educação Infantil, a. IX, n. 27, abr./jun. 2011, p. 39-41.

RICOEUR, Paul. Paul Ricoeur: o único e o singular. São Paulo: Editora UNIESP; Belém, PA: Editora da Universidade Estadual do Pará, 2002. Íntegra das entrevistas Nomes de Deuses de Edmond Blattchen.

SERRES, Michel. Luzes: cinco entrevistas com Bruno Latour. São Paulo: Unimarco Editora, 1999.

STEINER, George. Gramática da criação. São Paulo: Globo, 2003.

VALLE, Lílian do. Os enigmas da educação: a paidéia democrática entre Platão e Catoriadis. Belo horizonte: Autêntica, 2002.

VALÉRY, Paul. Primeira aula do curso de poética. In: Variedades. São Paulo: Iluminuras, 1999, p. 179-192.

VARELA, Francisco; THOMPSON, Evan; ROSCH, Eleanor. De cuerpo presente. Barcelona: Gedisa, 1997.

FOREXT ARTE E CULTURA

Vínculo po(i)ético entre ensino, pesquisa e extensão 101 RICHTER, Sandra Regina Simonis; FRONCKOWIAK, Ângela Cogo O CORO CANTO E VIDA: UMA AÇÃO DO PROJETO DE EXTENSÃO MOVIMENTO CORAL FEEVALE PARA A TERCEIRA IDADE

1 Graduada em Psicologia pela , mestre e doutoranda em Educação pela UFRGS. Instituição de origem: UniversidadeSPECHT, Anade Passo Claudia Fundo1 Preparadora vocal e técnica vocal do Projeto de Extensão Movimento Coral Feevale e do coro 2 Feminino do Hospital Moinhos de Vento de Porto Alegre. Professora da disciplina Canto e SANT’ANNA, Denise Blanco Técnica vocal do curso de especialização em Música: ensino e expressão da Universidade Feevale. E-mail: [email protected]. 2 Graduada em Licenciatura em Música e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora de música dos cursos de graduação e pós-graduação da Feevale: Artes Visuais Licenciatura e Pedagogia. Nessa instituição é coordenadora do Curso de Especialização em Música: Ensino e Expressão, do Projeto de Extensão Movimento Coral Feevale e regente do Coro Canto e Vida. E-mail: [email protected]. Instituição de origem: Universidade Feevale

102 RESUMO O artigo que segue apresenta uma ação que integra o Projeto de Extensão Movimento Coral Feevale. A estrutura do projeto compreende vários grupos atendidos semanalmente, os quais se caracterizam como ações que propõem o desenvolvimento vocal e musical, que são oferecidas gratuitamente a toda a comunidade (externa e interna), nas modalidades canto coral (três grupos com objetivos distintos) e laboratórios de canto. Faremos um recorte abordando o coro mais antigo do projeto – o Coro Canto e Vida da Terceira Idade. O cantar de 40 senhoras que revivem, recordam, superam e experimentam a música que é produzida por seu corpo. Cantar nessa idade é desafiar o tempo da música, do corpo, da mente e, principalmente, das crenças sobre os processos de aprendizagem e produção músico-vocais de pessoas idosas. A produção da voz cantada na maturidade em muitos momentos pode representar desafios físicos e emocionais. Quebrar paradigmas relacionados à terceira idade através de uma proposta de canto coral é um desafio que o projeto de extensão Movimento Coral Feevale promove há 15 anos. O Coro Canto e Vida da Terceira Idade debutou no ano de 2013. Várias cantoras do grupo atual participaram do primeiro ensaio semanal, que ocorreu no dia 03 de novembro de 1998. Hoje, lembram-se desse momento e contam com orgulho o início dessa caminhada. Palavras-chave: Canto Coral. Terceira idade. Qualidade de vida.

ABSTRACT The following article presents an action that integrates the Extension Project Movimento Coral Feevale. The project structure comprises several groups served weekly, promoting actions that aim the vocal and musical development and are offered free of charge to the entire community (internal and external) through the modalities choral singing (three groups with different objectives) and singing workshops. We will make a cut, focusing on the oldest Choir of the project - Coro Canto e Vida da Terceira Idade (Song and Life of the Elderly Choir): 40 ladies who sing, relive, remember, and experience the music that is produced by their bodies. Singing at this age is to challenge the tempo of the music, of the body and of the mind and especially the beliefs about the musical and vocal learning and producing processes of the elderly. The singing voice production at maturity in many instances can represent physical and emotional challenges. Breaking paradigms related to the elderly through a proposal of choral singing is a challenge that the extension project Movimento Coral Feevale has been promoting for 15 years. The Coro Canto e Vida - of the elderly is turning 15 years old this year, 2013. Several current singers attended the first weekly rehearsal that took place on November 3rd, 1998. Nowadays, they remember this moment and tell the beginning of this journey with pride. Keywords: Choral Singing. The elderly. Quality of life.

FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 103 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco 1 PROJETO MOVIMENTO CORAL FEEVALE

O projeto Movimento Coral Feevale foi criado em fevereiro de 2008 e compreende um espaço de desenvolvimento artístico (musical e vocal) e cultural oferecido a acadêmicos, funcionários, professores e comunidade em geral. O projeto tem como objetivo promover o desenvolvimento das capacidades expressivas através do fazer musical em grupo, priorizando o processo de formação vocal e a educação musical em uma perspectiva de socialização e humanização. Nesse contexto, ele estabelece interface com as disciplinas de graduação e pós- graduação em diferentes áreas do conhecimento e projetos de extensão da universidade, tendo em vista viabilizar a relação entre teoria e prática e proporcionando aos acadêmicos a aplicação, a experimentação e a investigação de conteúdos desenvolvidos em sala de aula. O Movimento Coral Feevale é formado pelos seguintes grupos: • Coro Canto e Vida – coro feminino da terceira idade (40 integrantes); • Coro Unicanto Feevale (28 integrantes); • Coro Feevale (18 integrantes); • Laboratórios de canto (54 beneficiados por semestre); • Atendimento no Centro Social Madre Regina1 (25 crianças). O Movimento Coral Feevale agrega pessoas com ou sem experiência musical ou vocal. Na intenção de atender a toda demanda, apresenta uma proposta de canto coral que visa a promover os processos de ensino e de aprendizagem a partir de uma epistemologia construtivista (Becker, 2001). Assim, a construção do cantar e a musicalização dos participantes são desenvolvidas por meio de atividades de apreciação, execução, criação e reflexão desenvolvidas em grupo (Bündchen, 2005). Nesse processo, o sujeito cantante é ativo,

1 O Centro Social Madre Regina é um centro de atendimento voltado para famílias, crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social. Realiza atendimentos na faixa etária a partir de seis anos. FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 104 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco criativo e participativo, o que favorece a compreensão técnica, musical e expressiva do canto, desencadeando uma apropriação da voz por parte desse sujeito cantante, possibilitando uma autonomia vocal, graças a uma generalização do conhecimento do canto em futuras ações (Specht, 2007).

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO CORO CANTO E VIDA

O Coro Canto e Vida da terceira idade é um dos grupos integrantes do Projeto de Extensão Movimento Coral Feevale. Iniciou suas atividades em 1998 e conta hoje com a participação de 40 cantoras, com idade entre 60 e 87 anos, que se encontram para cantar todas as quartas-feiras, das 14h30min às 17h, na sala2 do movimento coral. Desde a sua formação, o grupo conta com a mesma regente3 e, a partir de 2008, juntou-se ao trabalho uma preparadora vocal4 e professora de técnica vocal. Nas atividades realizadas, a socialização, a compreensão do fazer musical e o sentido estético são considerados elementos fundamentais para a construção vocal e musical do grupo, promovendo não só a constante descoberta de potencialidades artísticas, como também o resgate da autoestima, da alegria e do prazer no fazer musical. O Coro Canto e Vida apresenta uma particularidade em relação aos outros grupos do projeto: o tempo de convívio de suas cantoras contabiliza hoje 15 anos de intensa trajetória de atividades. Além de aspectos que consideramos marcantes no decorrer desses anos de existência do coro, como apresentações em diferentes locais e eventos, ressaltamos ações

2 O projeto de Extensão Movimento Coral Feevale conta com uma sala ampla, com proteção acústica e material necessário para o desenvolvimento do trabalho com os grupos. Situa-se no Campus I da Universidade Feevale. 3 Professora de graduação e pós-graduação, coordenadora do Curso de Especialização em Música: Ensino e Expressão, do Projeto de Extensão Movimento Coral Feevale, e regente do Coro Canto e Vida. 4 Técnico administrativo – preparadora vocal e técnica vocal. FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 105 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco que vão além do desenvolvimento músico-vocal e da performance proporcionados pela convivência e pelo canto em grupo. A partir dos depoimentos das integrantes do coro e do relatório anual de avaliação, realizado a cada final de ano, observamos a importância dessa atividade em grupo como um espaço de convivência que promove, além do desenvolvimento vocal e musical, o resgate da autoestima, a socialização e a promoção de uma melhor qualidade de vida.

3 O CANTO E A DESCOBERTA DAS CAPACIDADES EXPRESSIVAS EM RELAÇÃO À MÚSICA

Você começa a aprender muitas coisas. Realmente, na musica...nós tínhamos pessoas que não sabiam cantar. A gente notou que elas tinha dificuldades e graças a paciência e conhecimento da nossa regente, elas foram aprendendo. Eu sei que tivemos colegas que tiveram dificuldade para cantar, mas conseguiram e hoje estão bem e isso é muito bom.5

O coro nasceu, em 1998, a partir de uma oficina de música que foi realizada na época no Programa da Terceira Idade da Feevale. A atual regente (na época oficineira) iniciava o primeiro contato com um grupo da terceira idade, propondo algumas músicas para cantar e outras atividades musicais envolvendo o ritmo e o movimento. Nessas primeiras oficinas de práticas músico-vocais, já era possível observar o entusiasmo que a música provocava e o envolvimento das participantes.

5 Depoimentos das cantoras do Coro Canto e Vida em entrevistas para pesquisas e avaliações de processo. FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 106 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco A experiência de cantar em grupo, de expressar-se em termos sonoros e corporais fez emergir entre as participantes o interesse de continuar os encontros de forma sistemática, visando ao desenvolvimento de um repertório de canto coral. Elas desejavam formar um coro, apresentar-se e aprimorar o cantar. A partir de então, iniciaram os ensaios semanais, que permanecem até hoje, com a formação de um grupo comprometido com o objetivo de cantar em grupo. O Coro Canto e Vida6 da Terceira Idade7 tem sido uma caminhada de muitos aprendizados construídos conjuntamente com as cantoras. As práticas pedagógicas da regente e, posteriormente, da professora de técnica vocal foram constituindo-se ao longo do desenvolvimento do trabalho com as cantoras, cuja faixa etária teve de ser descoberta no que diz respeito às aprendizagens musicais e vocais que eram propostas. Portanto, as observações e as avaliações realizadas com esse grupo ofereceram-nos subsídios para apontar alguns aspectos interessantes sobre o desenvolvimento musical das integrantes. Convém salientar que ainda hoje são poucas a publicações e as pesquisas sobre o canto coral na terceira idade. Considerando os objetivos propostos para esse grupo, que compreendem a descoberta e o desenvolvimento das capacidades músico-vocais, a socialização, o resgate da autoestima, o aprimoramento vocal e a ampliação da cultura musical, pretendemos observar e analisar os aspectos relacionados ao desenvolvimento das cantoras na faixa etária em questão, ou seja, dos 65 aos 87 anos. O primeiro aspecto refere-se à conscientização de que “posso aprender sempre”, “não posso subestimar a minha capacidade de aprender”. Valente (2001, p. 27) destaca a importância de “entender a aprendizagem como uma atividade contínua, estendendo-se ao longo da vida”, enfatizando também que “a análise dos processos de aprendizagem nos diferentes períodos da nossa vida mostra que aprendizagem como construção de conhecimento acontece na infância e na terceira idade”.

6 O nome do coro foi escolhido pelas participantes no ano seguinte a sua formação, em 1999. 7 Aqui a expressão “terceira idade” serve para definir pessoas com mais de 60 e/ou 65 anos de idade que apresentam formas dinâmicas em seu modo de viver. FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 107 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco Conhecer e compreender os processos de aprendizagem, somados aos demais processos físicos e psicológicos dessa faixa etária, é o ponto de partida para levar o trabalho adiante e atingir bons resultados. Contudo, trata-se de uma perspectiva que requer adesão por parte da regente e da técnica vocal, assim como das cantoras. Os profissionais que estão à frente do grupo acreditam que essa faixa etária é capaz de responder ao que é proposto no trabalho, despertando a vontade de tentar cada vez mais. As “crenças” do grupo em relação à capacidade de aprender estão vinculadas à confiança e à maneira como são propostas as atividades para o desenvolvimento do trabalho. O grupo precisa estar confiante para assumir desafios: no decorrer desses 15 anos, suas integrantes já ousaram muito com apresentações, viagens, interfaces e outras experiências positivas. As integrantes do coro são acolhedoras e comprometidas no trabalho, pois sentem que é possível alcançar um bom resultado, que há um investimento nessa proposta e credibilidade na capacidade tanto grupal quanto individual.

4 SUPERAÇÃO

O coro é um compromisso que nós temos na nossa idade. Quem gosta de cantar e assume este compromisso segue firme. Este compromisso nos rejuvenesce. As pessoas quando me perguntam que idade tu tens, eu tenho 76 anos, ah, mas não parece. Que isso? Essa alegria que se tem, esse encanto, coisas novas que a gente aprende, as amizades que a gente faz.

FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 108 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco O termo “superação” no Coro Canto e Vida é empregado não no sentido de ir além das capacidades, mas sim no sentido de quebrar preconceitos sobre a produção artística músico-vocal na terceira idade. Um dos aspectos que favorecem tal processo são as ações das profissionais, além do projeto de extensão em conjunto com os demais grupos, tendo em vista um trabalho diferenciado e a sua integração. Conforme Sá da Silva e Cechetto (2008, p. 165), “Cada vez mais a terceira idade é compreendida como um prolongamento, no qual podem e devem seus integrantes direcionar sua energia na procura de inserção nos padrões sociais vigentes, até mesmo com um modelo de vida semelhante ao dos jovens, mas, logicamente, dentro de outros limites”.

5 OS ENSAIOS

Aguardo o dia dos ensaios porque a gente não quer perder nenhum ensaio e nenhuma apresentação. Dificuldade a gente passa por cima.

O grupo reúne-se uma vez por semana, durante 2h30min. O tempo é dividido da seguinte forma: a) mensagem inicial (10min) − é lida de forma espontânea pelas cantoras, que trazem uma mensagem voluntariamente e colocam-se à disposição para compartilhar com o grupo no momento inicial. É escolhida apenas uma mensagem por ensaio. b) aquecimento vocal e técnica vocal (média 40min) − esse momento é dividido com exercícios de postura, respiração, ressonância, vocalizes, exercícios de afinação, improvisação e experimentação vocal, entre outros. FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 109 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco c) construção do repertório e performance do grupo − é o momento mais longo, que envolve o trabalho de leitura das músicas, execução a duas ou três vozes, afinação e compreensão rítmica das peças a partir do movimento corporal, construção da performance, integrando movimentação (expressão corporal) e execução do repertório (expressão vocal). d) combinações finais − horários de apresentações, uniforme, viagens, confraternizações, ajustes administrativos, etc. atividades variadas − em alguns ensaios, o grupo recebe acadêmicos que desenvolvem pesquisas cujo tema envolve a terceira idade e abre espaço para interfaces com acadêmicos que aplicam atividades trabalhadas em sala de aula, ou fazem suas observações sobre o trabalho desenvolvido. Os ensaios acontecem, portanto, de forma dinâmica e intensa, com vistas a desenvolver a expressividade musical e corporal do grupo. As estratégias de ensino visam ao aprimoramento vocal e musical, sendo pensadas para desenvolver o trabalho coletivamente, proporcionando a aprendizagem a partir da construção grupal, a socialização do conhecimento (não somente) e a convivência entre as participantes. Salientamos a importância de uma estruturação dos ensaios e das estratégias de ensino, pois é possível observar que o foco da maior parte dos coros de terceira idade (da região do Vale dos Sinos) está voltado mais à socialização, não fazendo grande investindo no aprimoramento vocal e musical dos participantes. Consideramos que a socialização é um aspecto extremamente relevante na atividade de canto coral, mas, a nosso ver, ela está integrada ao desenvolvimento músico-vocal do grupo.

FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 110 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco 6 O REPERTÓRIO

O nosso coral é um coro diferente. Nós temos uma amizade grande e depois nós decoramos todas as músicas. Temos que cantar de cor e fazemos coreografia que é muito interessante. Então, isto se destaca dos outros corais.

Precisa ser desafiador... A máxima “recordar é viver” não é tida como uma premissa no Coro Canto e Vida. No final de cada ano, durante a avaliação, também é feita uma pequena pesquisa sobre músicas que as integrantes gostariam de cantar: algumas sugestões são saudosistas, caracterizam o grupo e relembram suas vivências. Apesar disso, as cantoras estão sempre dispostas aos estilos diferenciados propostos, o que promove a ampliação da sua cultura musical a partir de músicas e arranjos que elas ainda não conhecem. O aspecto de maior desafio está relacionado à execução do canto a duas vozes, em que o coro é dividido em vozes mais agudas (soprano) e mais graves (contralto) e os dois grupos cantam simultaneamente melodias diferentes. Sobre a construção do repertório, as integrantes do grupo orgulham-se de subir no palco sem partituras, pois sabem cantar todas as canções de cor, e essa forma de execução sempre causa surpresa na plateia. Contudo, esse não foi um processo fácil, já que houve grande resistência por parte de algumas integrantes, que alegaram a questão da idade e de seus comprometimentos em relação à memorização e à formação tradicional do canto coral (muitas cantoras já tiveram experiências anteriores de canto coral). Hoje, porém, já não existe mais discussão acerca disso: as estratégias de ensino estão voltadas ao desprendimento da

FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 111 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco letra escrita (partitura) por meio de atividades nos ensaios e estudo em casa (cada uma tem o seu jeito, algumas escrevem, outras escutam as gravações que fazem no ensaio, outras colam a letra na geladeira...). Outro aspecto muito relevante no trabalho musical com o grupo se refere ao envolvimento do corpo no processo de aprendizagem musical. Em nossa proposta de canto coral, tanto a técnica quanto o processo e a compreensão dos elementos musicais envolvidos precisam estar integrados em um todo na interação com o sujeito de corpo inteiro, a fim de promover uma performance consciente e não mecânica. Observamos que o corpo, quando solicitado nas experiências musicais, parece auxiliar na concentração e na sensibilidade perceptiva, havendo a possibilidade de estabelecer várias relações e referências no momento de interação com a música.

A importância da ação corporal na interação com a música não é apenas uma questão de novidade, e sim de considerar o ser humano como um todo, é não fragmentá-lo, é ser cooperador no seu desenvolvimento. Ter consciência corporal é estar aberto para o mundo, é poder expressar-se com liberdade, sentir efetivamente, construir-se plenamente diante de novos desafios. (Bündchen, 2005, p. 89)

Observando e analisando os resultados de integrar o corpo no trabalho que realizamos junto às cantoras, podemos inferir que essa inter-relação provoca a compreensão acerca dos aspectos relativos ao cantar, como, por exemplo, a execução de intervalos (distância entre um som e outro), trechos rítmicos e andamento da música. Assim, levantar o braço acompanhando o movimento melódico ascendente da frase cantada, ou seja, quando cantamos em direção às notas agudas, ou executar movimentos de marcha marcando a pulsação e balançar o corpo sentindo o andamento da música são recursos extremamente eficazes no resultado final. Acreditamos que “[...] as experiências vividas a partir do próprio corpo [...] possibilitam uma captação diferente do mundo, uma apreensão de conceitos que, por haverem sido vivenciados, deixam uma impressão mais profunda que os conhecimentos meramente racionais” (SCHINCA, 1991, p. 13). FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 112 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco 7 AS APRESENTAÇÕES

Quem não pisou num palco não sabe a alegria que é. Tu tem aonde ir, o que fazer, e, quando a gente é aplaudido, isso faz um bem ao coração.

Aspectos como comprometimento, assiduidade, esforço para decorar as musicas, atenção e envolvimento nas atividades propostas têm um objetivo: cantar e também se apresentar. Podemos falar de três momentos: • antes da apresentação − geralmente envolve uma viagem, um bom período de convivência no ônibus, algum lanche, vestir o uniforme, fazer o aquecimento vocal, concentrar-se, fazer a passagem das músicas (se possível, fazer uma tomada de palco) e definir como será a entrada e a saída do palco. Também inclui o último retoque no cabelo e no batom. São artistas e orgulham-se do que fazem, do que têm para apresentar e representar. • durante a apresentação − talvez esse seja o momento de maior tensão e atenção. E, para além do que tanto ensaiaram, as cantoras sempre relatam que elas querem transmitir para a plateia muita alegria, o prazer de cantar, a satisfação de mostrar para as outras pessoas da mesma faixa etária e para os mais jovens que elas são ativas, fazem arte e “sucesso”. Os aplausos são alimento para o ego, reforçam e valorizam o trabalho apresentado. O cantar em grupo é a união das vozes, o som é do grupo, mas a voz é de cada uma. • depois da apresentação − esse momento costuma ser muito gratificante e festivo. As integrantes demonstram certo cansaço no rosto, mas estão prontas para continuar a viagem e aproveitar o passeio, ou simplesmente carregar consigo a sensação de reconhecimento e valorização pelo trabalho desenvolvido. A autoestima eleva-se com todo esse envolvimento, FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 113 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco com o reconhecimento do público, com os aplausos, por sentirem-se agentes no processo e integrantes de um grupo que representa a universidade. Há, ainda, o “bem depois”, que se chama avaliação. Após cada apresentação, no ensaio seguinte, o grupo faz uma avaliação sobre o evento como um todo. Para o grupo, o principal retorno que espera da regente e da preparadora vocal é saber como foi, se gostaram e o feedback das pessoas que assistiram ao espetáculo. Muitas relatam como são cumprimentadas e parabenizadas. Os comentários giram em torno da quebra de paradigmas, de uma apresentação diferenciada e não característica de terceira idade, além da alegria que expressam no palco e da descontração na execução das peças com movimentos corporais.

8 CONFRATERNIZAÇÕES

Dificuldade? Nenhuma! Todas as atividades me dão prazer. Fizemos um passeio na semana passada, então a gente tem momentos de lazer fora do coral. Isso é muito bom. A gente rejuvenesce.

As confraternizações são eventos que fazem parte do calendário anual do grupo. O passeio do ano propõe a ideia de se conhecer certo lugar – de preferência, novo, agradável e acolhedor, onde o grupo possa passar o dia, que ofereça uma boa comida e lanches e que tenha espaço para promover atividades de integração e cooperação. Esse é um dia marcado por muitas conversas, risadas e piadas, havendo pouco canto do repertório do coro. Em geral, são cantadas as marchinhas de carnaval, músicas que rememoram momentos alegres da vida. Há tempo para falar dos filhos, dos netos, do marido e das dores no corpo... É um

FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 114 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco momento de muitas trocas. Essas confraternizações favorecem e intensificam as relações entre as integrantes do coro, constituindo um momento livre para conversar com as colegas, ou aproximar-se mais daquelas que no ensaio sentam em lugares distantes.

9 AS VIAGENS

Ocorrem no coro dois tipos de viagens: com o objetivo de confraternização e com o objetivo de apresentação. O coro já viajou por diversas cidades do nosso estado, principalmente para participar de encontros de coros. Porém, no ano de 2013, ele foi mais longe: participou do 4º Canta del Rei, um festival nacional de corais que, nessa edição, ocorreu entre os dias 24 de maio e 02 de junho, envolvendo mais de 60 corais. O grupo viajou a Minas Gerais, indo de avião até Belo Horizonte e de ônibus até a cidade de São João del Rei. Nesse trajeto de mais de 180 km, as integrantes cantaram e ensaiaram as músicas do repertório que seria apresentado, mas não esqueceram suas raízes rio-grandenses, cantando muitas vezes a música “Quero-quero”8 de Barbosa Lessa. Essa viagem cultural e artística contou com uma guia que tornava as terras mineiras em um patrimônio cultural vivo, contando histórias do Brasil Imperial e relacionando-as com estudos sobre a memória patrimonial. Entre todos os coros participantes, o único coro feminino de terceira idade era o Coro Canto e Vida da Feevale, que levantou o público em suas duas apresentações, envolvendo os espectadores com a bela execução do repertório, pela impecável performance de palco e, acima de tudo, pela energia que essas artistas apresentaram através de seu cantar. Com certeza, pode-se dizer que elas emocionaram e encantaram.

8 Pela Lei nº 7.418, de 1º de dezembro de 1980, o Estado do Rio Grande do Sul instituiu como ave-símbolo o quero-quero, cujo nome científico é Venelluschilensis. Popularmente, também é conhecido como “térem-terém” ou “téu-téu”. FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 115 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco Essa viagem teve um significado que não conseguimos mensurar − mais uma vez, emerge a palavra “superação”. Algumas cantoras nunca haviam viajado de avião, outras nunca haviam ficado tanto tempo distantes dos filhos ou do marido, outras já estavam acostumadas, mas a grande novidade era viajar com o coro, apresentá-lo em outro estado, cantar pelo Brasil afora.

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O coro nos deixa bem mais alegres. O dia que a gente vem aqui ensaiar, a gente sai sempre cantarolando daqui... Até em casa meu marido diz: muda um pouco de música. Vou cantando o que se ensaiou no dia.

“Viver para cantar” é uma conquista do grupo e da ação – Coro Canto e Vida do projeto de Extensão Movimento Coral Feevale. A partir de atividades que estimulam a autoexpressão, estamos trabalhando questões de identidade, autoconhecimento, posicionamento social e familiar, produção artística, criação e representação. Além disso, estamos iniciando um processo de reinvenção da forma de viver na terceira idade. Novas aprendizagens incluem aprender uma nova música, aprender uma nova melodia, incrementar a performance com um pequeno movimento, compreender a divisão rítmica a partir do movimento corporal. Acima de tudo, significa acreditar que a terceira idade é uma fase da vida que precisa de desafios e investimento pessoal. O coro é um grupo de convivência e de referência: suas integrantes aguardam ansiosamente o dia do ensaio, chegam bem antes do horário e trocam muitas ideias durante

FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 116 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco os intervalos. Para elas, o mesmo coro que une e transforma suas vozes é também um espaço de acolhimento e socialização. Destacamos a maneira como elas se posicionam em relação ao termo que define a fase de vida que estão vivenciando. Segundo as cantoras, o termo correto é “maturidade”. São pessoas maduras que querem fazer, viver e ter qualidade de vida.

Eu gostaria que mais gente participasse do coral, que tivesse essa vida que nós temos aqui. Essa alegria que todos temos entre nós e mais outra coisa. Feliz eu estou que nós podemos levar essa alegria que nós temos dentro de nós para outras pessoas.

FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 117 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco REFERÊNCIAS

BECKER, Fernando. Educação e construção de conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001.

BÜNDCHEN, Denise Sant’Anna. A relação ritmo-movimento no fazer musical criativo: uma abordagem construtivista na prática de canto coral. Porto Alegre, 2005. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

SÁ DA SILVA, Mauro; CECHETTO, Fátima Regina. Cultura corporal e qualidade de vida na terceira idade: um breve ensaio. Revista eletrônica da Escola de Educação Física e Desportos, Rio de Janeiro, UFRJ, v. 4, n. 2, p.163-177, jul./dez. 2008.

SCHINCA, Maria. Psicomotricidade, ritmo e expressão corporal. Trad. Elaine Cristina Alcaide. São Paulo: Manoele, 1991.

SPECHT, Ana Claudia. O ensino do canto segundo uma abordagem construtivista: investigação com professoras de educação infantil. Porto Alegre, 2007. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

VALENTE, José Armando. Longevidade: um novo desafio para a educação. São Paulo: Cortez Editora, 2001. p. 27-44.

FOREXT ARTE E CULTURA

O coro canto e vida: uma ação do projeto de extensão movimento coral feevale para a terceira idade 118 SPECHT, Ana Claudia; SANT’ANNA, Denise Blanco A TEMÁTICA INDÍGENA NO VALE DO TAQUARI: ATIVIDADES DE UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO ALUNOS E INDÍGENAS KAINGANG

1 Graduação e Mestrado em História, Doutorado em História. Professor do Curso de História e InstituiçãoL aroquede origem: ,Universidade Luís Fernando de Passo da FundoSilva1 do PPG em Ambiente e Desenvolvimento/UNIVATES. Coordenador do Projeto de Extensão. 2 E-mail: [email protected]. Pilger, Maria Ione 2 Graduada em Ciências Sociais e Especialista em Ensino Religioso. Integrante do projeto de Invernizzi, Marina3 extensão por parte da SAEC/DAÍ/COMIN. E-mail: [email protected]. 4 3 Acadêmica do Curso de Licenciatura em História/UNIVATES. Bolsista do Projeto de Extensão. Busolli, Jonathan E-mail: [email protected]. Cristo, Tuani de5 4 Acadêmico do Curso de Licenciatura em História/UNIVATES. Bolsista do Projeto de Extensão. E-mail: [email protected]. Jasper, André6 5 Acadêmica do Curso de Licenciatura em História/UNIVATES. Aluna voluntária do Projeto de Extensão. E-mail: [email protected]. Instituição de origem: Centro Universitário UNIVATES 6 Graduação em Ciências Biológicas, Mestrado em Geociências, doutorado em Geociências, Pós- (UNIVATES) Doutor. Professor do Curso de Biologia e do PPG em Ambiente e Desenvolvimento/UNIVATES. Professor voluntário no Projeto de Extensão. E-mail: [email protected].

119 RESUMO Os Kaingang são populações indígenas do Sul do Brasil, pertencentes ao Grupo dos Jê Meridionais. O Vale do Taquari constitui- -se um tradicional território Kaingang, mas, desde o final do século XVIII, passou a ser ocupado por colonizadores europeus e seus descendentes, situação que acarretou encontros e desencontros entre esses grupos. Considerando a Lei nº 11.645, de 2008, que torna obrigatório abordar a temática indígena nas escolas, o estudo visa a apresentar atividades realizadas e vivenciadas por integrantes de um projeto de extensão com duas comunidades indígenas Kaingang que, atualmente, se encontram estabelecidas em territórios localizados nos municípios de Estrela e Lajeado, bem como com alunos e professores não indígenas da educação básica e da superior da região. Palavras-Chave: Kaingang. Indígenas. Vale do Taquari. Atividades de extensão.

ABSTRACT The Kaingang are a native people from southern and they belong to the Southern Jê Group. The region of Vale do Taquari is a Kaingang traditional territory, but since the late XVIIIth century it has been occupied by european settlers and their posterity, a fact that has caused, as time goes by, encounters and mismatches between these groups. Considering the Brazilian federal law 11.465 from 2008, which makes mandatory the teaching of indigenous theme at the elementary schools, this paper aims at presenting the experiences and activities carried out by members of an extension project with two Kaingang communities that nowadays are established in territories located in Estrela and Lajeado, and also with non-indigenous students from elementary and higher education from Vale do Taquari. Key-words: Kaingang. Native indigenous people. Vale do Taquari. Activities of extension.

FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 120 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André 1 INTRODUÇÃO

O Projeto de Extensão História e Cultura Kaingang em Lajeado e Estrela/RS é desenvolvido mediante uma parceria entre o Centro Universitário Univates (UNIVATES) e a Instituição Sinodal de Assistência, Educação e Cultura/Departamento de Assuntos Indígenas/ Conselho de Missão entre Índios (ISAEC/DAÍ/COMIN). O projeto teve início em abril de 2009, com o intuito de estudar a história, a cultura, a educação, a saúde e a sustentabilidade dos indígenas do grupo étnico Kaingang que vive e circula pela Região do Vale do Taquari. O projeto apresenta três interfaces que se complementam: uma delas consiste na revisão da literatura sobre a temática indígena e, de modo mais específico, nos trabalhos sobre os Kaingang no Vale do Taquari; a outra consiste em visitas e diálogos com os Kaingang nas terras indígenas ou em outros ambientes; e a terceira congrega atividades com alunos e professores da educação básica, bem como do ensino superior, contemplando o ensino da temática indígena e reflexões sobre a presença desses grupos étnicos na atualidade. A Região do Vale do Taquari está localizada na porção centro-leste do estado do Rio Grande do Sul e, atualmente, é composta por 36 municípios. No município de Estrela, situa-se a Terra Indígena Jamã Tÿ Tãnh e, no município de Lajeado, localiza-se a Terra Indígena Foxá. O objetivo deste trabalho é apresentar algumas das atividades realizadas e vivenciadas pelos integrantes do Projeto de Extensão “História e Cultura Kaingang em Lajeado e Estrela/ RS”, com duas comunidades indígenas Kaingang que atualmente se encontram estabelecidas em territórios localizados no Vale do Taquari e também com alunos e professores não indígenas da educação básica e da superior da região. Baseados em autores como Barth ([1969], 2000), Geertz (1978), Brandão (1986), Sahlins (1997), Veiga (2006) e Tommasino (2001 e 2004), buscamos compreender a dinâmica cultural e a identidade étnica Kaingang ao longo do processo histórico no sul do Brasil. O método consiste em uma abordagem etno-histórica de cunho qualitativo e de natureza descritiva. FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 121 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André Os procedimentos metodológicos constituem-se na análise de informações em revisão da literatura, oficinas e palestras nas instituições educacionais, visitas às terras indígenas, diálogo com os Kaingang, elaboração de diários de campo, pesquisa em jornais, bem como registros fotográficos e fílmicos no sentido de revitalizar historicidades do grupo étnico Kaingang. Os critérios éticos no que diz respeito às atividades realizadas e às informações obtidas com os Kaingang nas terras indígenas, em Estrela e Lajeado, são estabelecidos com eles por meio do diálogo e pela autorização das próprias lideranças e das famílias da comunidade Kaingang, considerando as relações de confiança e reciprocidade construídas desde o ano de 2009, envolvendo integrantes do projeto e a parceria entre a Univates e a ISAEC/DAÍ/COMIN.

2 O CONTEXTO HISTÓRICO KAINGANG

Os Kaingang pertencem ao tronco linguístico Jê e fazem parte da família linguística Macro Jê. Atualmente, esses indígenas totalizam mais de trinta mil indivíduos e encontram- se distribuídos nos tradicionais territórios Kaingang localizados nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A ocupação Kaingang no Brasil Meridional retrocede inclusive ao período da presença europeia em áreas do centro-sul do Brasil. Os divisores territoriais e sociais Kaingang eram as bacias hidrográficas, tais como os rios Tietê, Feio, Aguapeí e Paranapanema, em São Paulo; Tibagi, Ivaí, Piquiri e Iguaçu, no Paraná; Iguaçu e Uruguai, em Santa Catarina, e dos rios Uruguai, Jacuí, Sinos, Caí e Taquari-Antas, no Rio Grande do Sul (LAROQUE, 2009). FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 122 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André O Brasil possui uma história singular, pois, nos primeiros séculos de colonização, utilizou- -se de vários meios para ocupar os territórios das populações indígenas e também subjugar esses indivíduos como mão de obra escrava. No decorrer do período colonial e imperial brasileiro, o genocídio indígena foi iminente. Despreparados para compreender a lógica do estilo de vida mercantilista ou pré-capitalista utilizado como projeto governamental, os grupos indígenas acabavam por criar alianças ou guerras com os europeus, interpretando as situações a partir de suas concepções culturais. Os europeus tiravam vantagem disso, incitando as disputas e as guerras entre grupos rivais e, assim, destruindo núcleos organizacionais de povos inteiros. A ocupação das terras instituídas como devolutas ao longo dos séculos XVIII e XIX foi um projeto do Estado Nacional Brasileiro que atingiu diretamente os territórios Kaingang. O tradicional território Kaingang não é somente um espaço geográfico para obtenção dos recursos de subsistência; é considerado pelo grupo um ambiente de relações sócio-político- cosmológicas amplas e complexas para a vivência do jeito de ser Kaingang.

[...] o território ocupado por esses índios no século XIX funcionava não somente como um espaço para a busca da caça, da pesca, da coleta de pinhão e demais recursos, mas também como uma realidade construída para que seu sistema de crenças e de conhecimentos pudesse ser intensamente vivido (LAROQUE, 2009, p. 81).

Durante o século XIX, os Kaingang enfrentaram o avanço das chamadas frentes de expansão sobre seu tradicional território. Essas frentes estavam compostas por mecanismos como o estabelecimento de fazendas, as aberturas de estradas, a imigração alemã e a italiana para ocupação legal de terras, projetos de catequese e as companhias de bugreiros e pedestres que visavam à caça e à captura dos indígenas. O Governo da Província do Rio Grande do Sul, em decorrência dos conflitos com os Kaingang que deflagraram guerra a muitos dos novos ocupantes do seu tradicional território, recorreram, a partir de 1845, à política dos aldeamentos indígenas em territórios próximos à FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 123 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André Bacia do Rio Uruguai. Segundo Becker (1995), os três principais aldeamentos foram Guarita, Nonoai e Campo do Meio, os quais tinham por objetivo o confinamento dos indígenas Kaingang. Os aldeamentos, se, por um lado, limitaram oficialmente o espaço territorial Kaingang, por outro lado, nunca efetivamente conseguiram impedir a movimentação desses indígenas pelo seu tradicional território, pois as idas e as vindas continuaram a ser orquestradas por categorias sociocosmológicas. Portanto, ao observarmos as mobilidades territoriais, que continuaram ao longo do século XX e se refletem, na atualidade, em regiões como o Vale do Taquari, o Vale do Rio dos Sinos e a Grande Porto Alegre, fazem parte de um processo de longa duração e, considerando o estudo sobre interpretação das culturas de Clifford Geertz (1978), permeado de aspectos e significados na cultura tradicional Kaingang.

3 TERRAS INDÍGENAS KAINGANG NO VALE DO TAQUARI

No Vale do Taquari, a presença Kaingang na Terra Indígena Jamã Tÿ Tãnh, município de Estrela, e na Terra Indígena Foxá, município de Lajeado, faz parte dessa lógica de movimentação indígena pelo tradicional território. Ou seja, os territórios localizados na Bacia Taquari-Antas, como vimos, são tradicionalmente considerados espaços Kaingang, os quais, considerando a literatura, puderam apresentar-se ao longo do tempo como emã (aldeias fixas) e wãre (aldeias temporárias) (TOMMASINO, 2004). Nesse sentido, a concepção territorial Kaingang é pautada na relação histórica com os antepassados, que teriam vivido nos lugares localizados no Taquari-Antas e, assim, estabelecido relações sócio-político-cosmológicas amplas nos ambientes em que circulam e se instalam. Tanto as migrações como a fixação dos Kaingang no Vale do Taquari ocorreram baseadas nessas relações com o ambiente e com a cosmologia do grupo. FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 124 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André A Terra Indígena Jamã Tÿ Tãnh localiza-se em territórios da margem direita da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas, precisamente no KM 360, próximo às margens da BR 386, conforme o mapa (Figura 1). O etnômio Jamã Tÿ Tãnh, na língua Kaingang, segundo a atual liderança, significa os coqueiros que vivem aqui conosco. A história dessa comunidade teve início na década de 1960, período em que se acentua ainda mais a política repressiva do governo do Rio Grande do Sul aos indígenas. Segundo Silva e Laroque (2012), o fato de o grupo permanecer fora do território dos aldeamentos deve-se, em parte, à política repressiva de Leonel Brizola, entre 1959 e 1962, que, na época, conduzia os indígenas à força mediante as chamadas “caçambas do Brizola’’, para servirem como mão de obra aos donos de terra. O grupo Kaingang liderado por Manoel Soares, que vai se estabelecer na Terra Indígena Jamã Tÿ Tãnh, não fazia parte dos grupos Kaingang que até então se encontravam nos aldeamentos do norte. Isto é, tanto ele como seus pais já se encontravam localizados no município de Santa Cruz do Sul, na antiga Gruta dos Índios, atual Parque da Gruta. Justamente pela criação do parque é que teriam sido expulsos da região onde trabalhavam com a venda de artesanato e prestavam serviços aos fumicultores (SILVA, 2011). Manoel Soares e o tronco familiar criado com duas esposas, Dona Lídia e Dona Eva, formariam, assim, as gerações-base dos indivíduos dessa comunidade. Ele era casado com • Figura 1 - Terras Indígenas no Vale do Taquari Fonte: Os autores uma terceira esposa, Dona Sirce, com quem teria tido filhos. Conforme Silva (2011), esta esposa teria saído da comunidade anteriormente ao falecimento de Manoel, em 1990, portanto não temos conhecimento de ligação dos filhos que teve com o grupo Kaingang que atualmente se encontra na Terra Indígena Jamã Tÿ Tãnh. O espaço físico permaneceu em situação precária até meados de 2005, quando Maria Antônia Soares (líder no período), em parceria com o Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI), conseguiu a construção de moradias mais adequadas e melhorias no saneamento básico da aldeia. Atualmente, as lideranças da Terra Indígena Jamã Tÿ Tãnh são Maria Conceição Soares (cacique) e sua irmã Maria Sandra Soares (vice-cacique), que representam as vinte FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 125 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André oito famílias (cento e vinte pessoas aproximadamente) da comunidade. A sustentabilidade econômica do grupo provém, em maior parte, da venda do artesanato e do cultivo de verduras e leguminosas. A comunidade também conta com uma escola indígena de Educação Fundamental, intitulada Escola Estadual Indígena de Educação Fundamental Manoel Soares, que, atualmente, além do professor regular, possui um professor Kaingang que possibilita um estudo bilíngue aos alunos da comunidade. O professor indígena é Ramilton Kafej Manoel Antônio, cuja nominação Kafej, na língua Kaingang, significa flor (DIÁRIO de Campo, 30 ago. 2013). O outro espaço Kaingang no Vale do Taquari é a Terra Indígena Foxá, que se encontra na margem esquerda da Bacia do Taquari-Antas, localizada entre o Bairro Jardim do Cedro e Santo Antônio, município de Lajeado, próxima à RS 130, conforme é possível observar no mapa (Figura 1). O etnômio Foxá, na linguagem Kaingang, significa “aqui no Cedro’’ e faz menção à planta cedro existente na terra indígena e que denomina o bairro próximo. A narrativa oral dos Kaingang da Terra Indígena Foxá indica que são oriundos das localidades de Nonoai, Guarita e Votouro. Salientamos, entretanto, que, como a movimentação Kaingang pelo território é um fenômeno de longa duração, há possibilidade de também terem migrado de outros lugares. Evitando nos ater a uma precisão temporal devido ao ir e vir - conforme já nos referimos - ser uma constância das movimentações Kaingang, tratando-se do século XXI, há informações apontando aos anos 2000 e 2001 para o estabelecimento Kaingang às margens da RS 130, próximos ao entroncamento rodoviário do município de Lajeado. Segundo Tommasino (2001), a aproximação Kaingang dos centros urbanos, além da cosmologia para com os seus tradicionais territórios, também está relacionada com o comércio do artesanato e, consequentemente, com a sustentabilidade econômica do grupo, situação que constatamos se aplicar aos Kaingang da Terra Indígena Foxá. A pressão social da sociedade não indígena para que os Kaingang fossem removidos do local foi expressiva. Nesse sentido, é possível apontar hostilidade política pela presença, FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 126 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André hostilidade social, pela circulação no centro do município e hostilidade cultural pelo modo de ser e viver Kaingang (LAPPE; LAROQUE, 2013). Naquele período, lideranças indígenas e prefeitura tiveram que negociar para solucionar tal situação. Segundo Oliveira (2010), a tensão somente se amenizou entre gestores e Kaingang em 2004. A Prefeitura Municipal de Lajeado apontou um local para a criação da nova terra indígena, bem como a construção de casas de madeira seguindo o padrão estabelecido pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Na Terra Indígena Foxá, existe uma liderança indígena, o Cacique Francisco Ró Káng dos Santos (espírito que vive na mata), e uma vice-liderança, Gregório Lopez Nunes (DIÁRIO de Campo, 13 set. 2013). Atualmente, vivem cerca de dezesseis famílias no local, totalizando aproximadamente noventa pessoas. O espaço conta com um ponto de venda para artesanato, um pequeno salão e espaço em campo aberto para as festividades (DIÁRIO de Campo, 12 abr. 2013). As crianças da comunidade estudam em uma escola não indígena, em um bairro urbano do município de Lajeado. Dentro da comunidade, ainda não existe uma escola indígena efetiva, mas o professor Tiago Níg Farias desempenha o papel de educador bilíngue com as crianças. Na língua Kaingang, o nome do professor Níg significa Tigre (DIÁRIO de Campo, 13 set. 2013).

4 RELATOS DE ATIVIDADES E VIVÊNCIAS DO PROJETO DE EXTENSÃO

O projeto de extensão conta com professores coordenadores, participantes e colaboradores, alunos bolsistas e alunos voluntários que desenvolvem atividades tanto nas FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 127 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André terras indígenas como em escolas da educação básica e no Ensino Superior da Região do Vale do Taquari. O trabalho diretamente com os Kaingang ocorre por meio de visitas às terras indígenas, reuniões e diálogos com as lideranças e as famílias. Os indígenas de ambas as comunidades, considerando os procedimentos éticos estabelecidos mediante o diálogo, a confiança, a parceria e as relações de reciprocidade, autorizam-nos e proporcionam obtenção de informações sobre as vivências do grupo e, muitas vezes, convidam-nos, até mesmo, para participar dos cerimoniais, bem como solicitam registros fotográficos e fílmicos e a entrega de uma cópia a eles. Também costumam realizar visitas ao Centro Universitário Univates. A Cerimônia do Kikikoi, por exemplo, foi uma das festividades da qual o projeto de extensão esteve participando e registrando o processo. Essa cerimônia foi sediada na Terra Indígena Foxá, mas contou com a participação dos Kaingang das Terras Indígenas Jamã Tÿ Tãnh (Estrela), Por Fi Gâ (São Leopoldo), Terra Indígena Farroupilha (Farroupilha) e Terras Indígenas Morro do Osso e Lomba do Pinheiro (Porto Alegre). Na Cerimônia do Kikikoi, são estabelecidas as marcas clânicas Kaingang; portanto, é definida a identidade dos grupos. Segundo Veiga (2006), também é chamada de cerimônia dos mortos e trata-se de uma das principais expressões culturais Kaingang, pois reflete o interesse da família dos mortos. É o momento de a família ocupar-se com a alma do falecido, preocupando-se com o fato de que ela vá para o bom destino e, assim, não perturbe a vida dos seus parentes vivos. Durante os três dias da cerimônia que ocorreu no Vale do Taquari, foi possível observarmos o papel de identidade social e cerimonial desempenhado pelas parcialidades cosmológicas Kaingang. As duas metades exogâmicas Kamê e Kanhru, que são cosmologicamente dicotômicas e complementares, estiveram expressas e potencializadas. Conforme Veiga (2006), as metades são patrilineares, ou seja, as crianças, independentemente do sexo masculino ou feminino, pertencem à metade exogâmica do pai. FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 128 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André No primeiro dia do Kikikoi, pudemos observar Kamê e Kanhru cantarem e dançarem ao redor da árvore e, considerando o perspectivismo Kaingang, a planta entendia que eles necessitavam dela e assim enfraquecia para ser derrubada. Segundo Veiga (2006), o tronco da árvore se torna o kôkéi, recipiente para a fermentação da bebida do Kiki. Ao final desse dia, o “primeiro fogo” já estava aceso. No segundo dia, ocorreram os procedimentos para a fermentação da bebida à base de mel, milho e água dentro do kôkéi. Acontecia o “segundo fogo”, mas, nesse momento do ritual, os não indígenas foram convidados a se retirarem. No terceiro dia, ocorreu o “terceiro fogo’” e, ao final da tarde, foi precedido dos aconselhamentos dos kuiâ (rezadores ou xamãs Kaingang) e, posteriormente, a ingestão da bebida do Kiki com muita alegria por parte dos Kaingang (DIÁRIO de Campo, 12 abr. 2013). A cerimônia do Kikikoi e as outras cerimônias desenvolvidas, como é o caso dos casamentos, que não estamos abordando neste estudo, fortalecem a noção de identidade étnica que os indígenas Kaingang possuem, ou seja, seu modo de ser e viver. O esforço em manter seus conhecimentos tradicionais nos dias atuais perpassa um sentimento de pertença social e continuidade cultural. Segundo Brandão (1986), podemos constatar que, a partir dessas evidências, o Kaingang é transformado em pessoa, mas, pelas marcas clânicas que recebe, representa uma expressão tanto individualizada como grupal da estrutura de símbolos que permeia o mundo social onde vive. Considerando a Lei nº 11.645/2008, que torna obrigatório o ensino da temática indígena no currículo escolar em âmbitos de componente como história, literatura e arte, o projeto de extensão desenvolve atividades compostas de palestra e oficinas para alunos e professores da educação básica e do ensino superior, principalmente na região do Vale do Taquari. Tanto nas oficinas como nas palestras, há todo um cuidado em relação à faixa etária e ao nível de curso dos alunos. Tratando-se das séries Finais do Ensino Fundamental, desenvolvemos atividades que abordam pinturas em desenho, relatos de mitos, palavras da linguagem Kaingang e o manuseio do artesanato indígena. FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 129 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André Relativamente aos alunos do 9º Ano do Ensino Fundamental e aos do Ensino Médio, a abordagem é mais profunda e reflexiva. As chamadas palestras são embasadas em pesquisas sobre os indígenas Kaingang, seguidas de momentos dialogados em que é possível contemplar e refletir sobre o estereótipo envolvendo os indígenas tanto em nível nacional como os indígenas Kaingang em nível regional. O projeto também desenvolve atividades com os alunos do Ensino Superior, das quais, algumas vezes, os próprios Kaingang participam relatando sobre a sua história e cultura. Essas atividades são de um teor científico maior, em que são utilizados termos mais técnicos baseados nas bibliografias e nos estudos levantados pelos próprios extensionistas. Possibilitam reflexões sobre a questão indígena no sentido de perceber como os indígenas são tratados pela atual sociedade brasileira e nos debates políticos e econômicos da sociedade global. O estudo sobre a etnicidade e o culturalismo, na educação básica e no ensino superior, é muito importante, pois amplia a noção de múltiplas culturas que permeiam o mundo. Tão importante quanto a apresentação do conteúdo sobre os indígenas Kaingang é a abertura para o debate durante as atividades. É nesse momento que vivenciamos, inclusive no Ensino Superior, situações bastante conservadoras e preconceituosas relativas ao multiculturalismo que há décadas vem sendo analisado por estudiosos, pesquisadores e movimentos sociais. A título de ilustração, podemos apontar questões paradoxais sobre o uso das tecnologias por parte dos indígenas, bem como da sustentabilidade econômica. Na primeira situação, aparecem questionamentos como os Kaingang que utilizam celular, Internet e televisão, pois, agindo assim, estão deixando de ser índios e tornando-se brancos, ou então que, fazendo uso dessas tecnologias, inserem-se nos princípios acumulativos dos bens de capitais, como acontece na cultura ocidental. Recorrendo a Fredrick Barth ([1969] 2000) para a primeira questão, é importante salientar que os estudos culturais têm demonstrado que é justamente nas relações de contatos que os grupos étnicos reforçam sua identidade e seu pertencimento. Portanto, não é pelo FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 130 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André fato de os indígenas Kaingang ou qualquer outro grupo fazer uso das novas tecnologias que vão perder sua identidade étnica e cultural. Tratando-se da sustentabilidade econômica, com base no trabalho de Marshall Sahlins (1997) sobre os povos Mendi, da Nova Guiné, Samoas e Tongas, da Polinésia, e Kayapó, do Brasil Central, é demonstrado que sua economia frente ao Capitalismo e à Globalização é orquestrada em seus próprios termos, ou seja, as ações até podem ser confundidas como tal, mas o significado dessas ações não, isto é, o que também percebemos acontecer com as comunidades Kaingang em estudo. Ou seja, embora se utilizando de utensílios e praxes da Sociedade Global, os significados atribuídos a esses elementos e ações são outros, visto que a maioria das atividades envolvendo a venda do artesanato, a utilização dos recursos da natureza, os cultivos nas lavouras e nas hortas, bem como as decisões e a organização social estão pautados pela tradição e caracterizam-se muito mais por um caráter baseado na coletividade do que na individualidade.

5 RESULTADOS E CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO

Os resultados, de uma maneira geral, apontam aspectos satisfatórios. No que se refere às relações com as duas terras indígenas, trata-se de relações de reciprocidades construídas no decorrer de um período de cinco anos entre os Kaingang e os integrantes do projeto, em que a confiança e o respeito pelo protagonismo indígena são aspectos de fundamental importância. Quanto ao trabalho desenvolvido tanto na educação básica, envolvendo alunos e professores, bem como na educação superior, os extensionistas tratam com respeito as distintas FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 131 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André posições e opiniões externalizadas. Enfatizamos, entretanto, que as ações e a abordagem da temática se fundamentam na legislação em vigor e nos estudos sobre interculturalidade e multiculturalismo a respeito dos Kaingang e das populações indígenas no geral. No que diz respeito às contribuições, salientamos que as atividades do projeto vêm ao encontro de compromisso das instituições em possibilitar que seus alunos interajam com a realidade cultural e social envolvente. Tratando-se da sociedade Kaingang, podemos dizer que ela está no bojo efervescente das questões étnicas e sociais que nos últimos anos acontecem no Brasil e em várias partes do mundo.

6 conclusão

Estudar e refletir sobre a presença indígena Kaingang no Vale do Taquari como atividade do projeto de extensão “História e Cultura Kaingang em Lajeado e Estrela/RS”, envolvendo alunos e professores da educação básica e também alunos do ensino superior, atende aos objetivos propostos e aos investimentos da pareceria entre a Univates e a ISAEC/ DAÍ/COMIN. Nesse sentido, vale ainda ressaltar que a atuação dos extensionistas possibilita a mediação de situações em que os próprios indígenas Kaingang são considerados como sujeitos históricos e interlocutores para dialogar com os gestores e os demais indivíduos da sociedade nacional sobre seus direitos, suas demandas e aspectos inerentes à sua cultura e a seu modo de vida.

FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 132 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André REFERÊNCIAS

BARTH, F. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: BARTH, F.; LASK, T. (Org.). O Guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contracapa, ([1969], 2000). p. 25-67.

BECKER, Í. I. B. O índio Kaingáng no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1995.

BRANDÃO, C. R. Identidade & Etnia: Construção da pessoa e resistência cultural. São Paulo: Brasiliense, 1986.

BRASIL. Lei n.º 11.465, de 10 de março de 2008. Altera legislação que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir, no currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da União República Federativa do Brasil. Brasília, DF.

DIÁRIO de Campo. Visita à terra indígena no Vale do Taquari. 12 abr. 2013. Univates.

DIÁRIO de Campo. Visita à terra indígena no Vale do Taquari. 30 ago. 2013. Univates.

DIÁRIO de Campo. Visita à terra indígena no Vale do Taquari. 13 set. 2013. Univates.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

LAPPE, E.; LAROQUE, L. F. Um Estudo sobre Indígenas Kaingang em Áreas Urbanas no Rio Grande do Sul. História e História. Campinas. v. 00, n. 00 set. 2013. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2013.

LAROQUE, L. F. da S. Os Kaingangues; Momentos de historicidades indígenas. In: BOEIRA, N.; GOLIN, T. (Org.). História geral do Rio Grande do Sul – Povos indígenas. Passo Fundo: Méritos, 2009. V. 5, p. 81-108.

OLIVEIRA, M. D. Essa Terra já era Nossa: Um estudo histórico sobre o grupo Kaingang na cidade de Lajeado. 2010. 89 p. Monografia (Graduação em História) - Curso de História, Centro Universitário Univates, Lajeado, 2010. FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 133 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André SAHLINS, M. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: Por que a cultura não é um “objeto” em via de extinção (Parte I). Revista Mana. Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 41-73, abr. 1997.

______. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: Por que a cultura não é um “objeto” em via de extinção (Parte II). Revista Mana. Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 103-150, out. 1997.

SILVA, J. B. S. da; LAROQUE, L. F. da. A história dos Kaingang da Terra Indígena Linha Glória, Estrela, Rio Grande do Sul/Brasil: Sentidos de sua (re)territorialidade. Soc. & Nat., Uberlândia, a. 24, n. 3, 435-448, set./dez. 2012.

SILVA, J. B. S. da. Territorialidade Kaingang: um estudo da aldeia Kaingang Linha Glória, Estrela – RS. 125 p. Monografia (Graduação em História) – Curso de Licenciatura em História, Centro Universitário Univates, Lajeado, 2011.

TOMMASINO, K. Homem e natureza na ecologia dos Kaingang da Bacia do Tibagi. In: ______; MOTTA, L.; NOELLI, F. (Org.). Novas contribuições aos estudos interdisciplinares dos Kaingang. Londrina: Eduel, 2004, p. 355-413.

TOMMASINO, K. O sentido da territorialização dos Kaingang nas cidades. In: IV Reunião de Antropologia do Mercosul. Grupo de Trabalho Estudos Interdisciplinares Jê do Sul. Curitiba, 2001. 15 p. (datiloscrito).

VEIGA, J. Aspectos fundamentais da cultura Kaingang. São Paulo: Curt Nimuendajú, 2006.

FOREXT ARTE E CULTURA

A temática indígena no vale do taquari: atividades de um projeto de extensão envolvendo alunos e indígenas kaingang 134 LAROQUE, Luís Fernando da Silva; PILGER, Maria Ione; INVERNIZZI, Marina; BUSOLLI, Jonathan; Cristo, Tuani de; Jasper, André ARQUITETANDO: EXPERIÊNCIAS DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NO VALE DO TAQUARI/RS ATRAVÉS DA DISCIPLINA DE ARTES

1 Graduação em Arquitetura e Urbanismo/UNISINOS. Mestrado em Arquitetura/UFRGS. Professora Instituição de origem: UniversidadeDiemer, Merlin de Passo Janina Fundo1 do Curso de Arquitetura e Urbanismo/UNIVATES e Coordenadora do Projeto de Extensão. E-mail [email protected] Lücke; Sabrina Assmann2 2 Graduação em Arquitetura e Urbanismo/UNIVATES. Mestrado em Ambiente e Desenvolvimento. 3 Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo/UNIVATES e Colaboradora do Projeto de Extensão. Bueno, Luiza de Almeida E-mail [email protected] Dadall, Marcela4 3 Acadêmica do Curso de Arquitetura e Urbanismo/UNIVATES. Bolsista do Projeto de Extensão. E-mail: [email protected] 4 Acadêmica do Curso de Arquitetura e Urbanismo/UNIVATES. Bolsista do Projeto de Extensão. E-mail: [email protected] Instituição de origem: Centro Universitário UNIVATES (UNIVATES)

135 RESUMO O presente artigo tem por finalidade apresentar e discutir os resultados obtidos no projeto de extensão Arquitetando, do Centro Universitário Univates, em Lajeado, RS. Nesse projeto, são desenvolvidas atividades com alunos de escolas de Ensino Médio, relacionando conteúdos das disciplinas de Artes, História ou Matemática com os estudados na graduação em Arquitetura e Urbanismo. A intenção é instigar o alunado sobre a importância desses conteúdos para uma escolha profissional, já que muitas vezes estão focados prioritariamente na preparação pré-vestibular. Nesse relato, será abordada a experiência na área de Artes, que tem por objetivo demonstrar técnicas de desenho utilizadas no ensino de Arquitetura, que complementam as técnicas aprendidas nas disciplinas de Artes no Ensino Médio. Além disso, busca despertar nos alunos novos sentidos para as disciplinas que estão aprendendo, bem como mostrar a eles algumas das atribuições profissionais de um Arquiteto. Como metodologia de trabalho, foram organizadas oficinas de desenho com os alunos do Ensino Médio para aguçar a percepção e a abstração através de desenhos de croquis. Os resultados apontam que os alunos conseguem aprimorar seus desenhos através da técnica aplicada, e os exercícios propostos contribuem para o desenvolvimento da percepção e o entendimento da abstração em croquis. Palavras-chave: Extensão universitária. Ensino médio. Arquitetura e Urbanismo. Artes.

ABSTRACT This paper aims to present and discuss the results obtained in the extension Project Architecting in Centro Universitário Univates, Lajeado, RS. In this project, are developed activities with students from high schools, linking the disciplines of Arts, History and Mathematics with seen contents in Architecture and Urbanism Graduation level. The intention of this project is instigate the students about the importance of these contents for a career choice, as they often are focused primarily on pre-college preparation. In this report we will look the experiences in the Arts area, which aims to demonstrate drawing techniques used in architecture teaching, complementing the techniques learned in the disciplines of Arts in Secondary Education. It also seeks to awaken in students new directions for the contents they are learning, and show them some of the professional attributions of an architect. Like methodology work, were organized workshops with the high school student with objective organized to sharpen the perception and abstraction through drawings sketches. The results show that students can enhance their designs with techniques and the exercises, contributing to the development of perception and understanding of abstraction in sketches. Keywords: University extension. High school. Architecture and Urbanism. Arts area.

FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 136 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida 1 INTRODUÇÃO

O Ensino Médio é uma etapa da escolarização que tem por finalidade maior o desenvolvimento do indivíduo, assegurando-lhe a formação para o exercício da cidadania, meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (LDB Lei 9394-96, art. 35). No entanto, o que tem se observado é uma disseminação de conteúdos com foco na preparação pré-vestibular. Muitos jovens dedicam suas atenções à escolha da vida profissional através de um curso de graduação. A preocupação dos alunos está centrada em obter êxito num processo seletivo do tipo vestibular ou Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), e a aplicação dos conteúdos na graduação ou na atuação profissional futura recebe menor importância. A universidade, através de um projeto de extensão, pode mostrar uma visão diferenciada para os conteúdos aprendidos no Ensino Médio. Nesse sentido, o Arquitetando procura relacionar os conteúdos estudados no Ensino Médio com os da graduação em Arquitetura e Urbanismo, fazendo com que os alunos encontrem novas aplicabilidades para eles. Além disso, o projeto busca integrar a Univates com as escolas do Vale do Taquari, auxiliando os alunos na compreensão das atribuições profissionais de um arquiteto e urbanista. A profissão do arquiteto e urbanista abrange conhecimentos de diferentes ciências e campos do saber. No projeto de extensão Arquitetando, as áreas elencadas para atuação são Artes, História ou Matemática. Neste artigo, o enfoque será dado para a área de Artes, mais especificamente para a forma de representação visual através do desenho. Segundo Edwards (2003, p. 32), exercícios de desenho dão acessos às habilidades que já possuímos e que estão à espera de serem liberadas. O projeto de extensão Arquitetando explora essas habilidades através de vivências lúdicas organizadas em formato de oficinas. As técnicas utilizadas são de desenho sobre fotos com número limitado de linhas. Baseados em autores como Edwards (2003), Dondis (1997) e Arnheim (2004), buscamos compreender como a técnica aplicada auxiliou no aprimoramento da percepção e FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 137 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida da abstração dos alunos através da observação dos elementos importantes da imagem a ser reproduzida. A experiência da observação ao desenhar um objeto é um recurso que permite aprender, mesmo que “uma descrição verbal possa ser uma explicação extremamente eficaz, o caráter dos meios visuais é muito diferente do da linguagem” (DONDIS, 1997, p. 21).

2 A EXTENSÃO COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO

Considera-se Extensão Universitária a atividade de integração da universidade com a comunidade onde está inserida. A extensão é uma das funções sociais da universidade, realizada por meio de um conjunto de ações dirigidas à sociedade, as quais devem estar indissociavelmente vinculadas ao Ensino e à Pesquisa. Afirma-se e reafirma-se que possibilitar a participação do acadêmico em atividades de extensão tem permitido ao discente colocar em prática o conhecimento já adquirido, configurando uma formação complementar à graduação.

O desenvolvimento de atividades em projetos que tenham inserção em comunidade supõe desafios que se apresentam no cotidiano. Dessa forma, o estudante extensionista é desafiado a buscar soluções para as questões presentes que lhe são lançadas em suas tarefas diárias. [...] O aprendizado na extensão universitária não se limita a técnicas de determinada área profissional, mas propicia outros conhecimentos diferenciados que contribuem tanto para o desenvolvimento pessoal como profissional dos estudantes extensionistas (ALMEIDA, 2012, p. 69 e 70).

No Projeto de Extensão Arquitetando, são trabalhadas dinâmicas com alunos do Ensino Médio mesclando conteúdos dos diferentes níveis de ensino (médio e graduação). O trabalho desenvolvido envolve atividades práticas e dinâmicas lúdicas realizadas nas salas de aula das escolas ou nos ambientes acadêmicos da UNIVATES. FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 138 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida Antes da realização das atividades, cada dinâmica é pensada, preparada e testada pela equipe do projeto, sendo um importante momento de envolvimento dos bolsistas, dos alunos voluntários e dos professores do curso de graduação ao qual o projeto está vinculado. Nesse processo de construção da atividade, o discente necessita retomar conteúdos já vistos em disciplinas da graduação para aplicação em um novo contexto. Dessa forma, o projeto de extensão contribui com o conhecimento adquirido pelos discentes, pois os coloca frente ao desafio de desenvolvimento da atividade. A necessidade de fazer novas associações, vinculando conteúdos do ensino médio com os do ensino superior, enriquece a formação do graduando, pois, conforme Drucker (1993, p. 15), o conhecimento é a aquisição de um conjunto formado por experiências, valores, informações de contexto e criatividade aplicado a novas experiências. Na área de Artes, o projeto vincula conteúdos da disciplina de Artes Visuais do Ensino Médio com a disciplina de Desenho de Observação e Croquis da graduação em Arquitetura. Esta disciplina acontece no primeiro semestre do curso, portanto os acadêmicos da extensão já a cursaram e conseguem contribuir com as atividades do projeto. Para desenvolver as dinâmicas com as turmas do Ensino Médio, o projeto convida demais alunos para atuarem como voluntários, sendo que estes também já cursaram a disciplina em questão. No ato da construção das atividades, são feitas reuniões entre professor coordenador do projeto, professor colaborador, professores voluntários, acadêmicos bolsistas e acadêmicos voluntários. Nesse momento, alunos e professores contribuem como um brainstorming (explosão de ideias). Os graduandos enriquecem o trabalho, pois entendem o público-alvo do projeto, que são alunos jovens com idade semelhante à deles. Nesse momento é que se percebe que o conhecimento adquirido por eles na disciplina de Croquis não é visto apenas como um conteúdo acumulado, “mas como uma ferramenta que pode possibilitar sua inserção no mundo” (BOLFER, 2008, p.132). O ato de explorar situações diferentes de aprendizado é imprescindível para o aprimoramento do saber e, portanto, envolver estudantes em projetos de extensão garante um amadurecimento acadêmico. Além disso, houve reflexão contínua FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 139 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida das atividades a serem desenvolvidas, e a delegação de responsabilidades aos graduandos favorece a autonomia e a corresponsabilidade nas atividades junto aos alunos das escolas. A participação em programas de extensão também possibilita uma formação contínua após a realização das atividades quando o discente retorna com as experiências e os conhecimentos adquiridos para a sala de aula. Em 1987, no primeiro Encontro Nacional de Pró-reitores de Extensão, foi pactuado este conceito de extensão de mão dupla:

Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. [...] Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social (FORPROEX, 1987, p. 11).

Enfim, a equipe do projeto Arquitetando envolve-se de forma direta na elaboração de atividades e na sua aplicação, configurando a Extensão Universitária. Afinal, para melhor empregar tais atividades, é preciso conhecimento prévio e estudo dos conteúdos, de acordo com sua abordagem no Ensino Médio e na Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Para isso, a associação da equipe com professores das escolas e também dos demais cursos de graduação da UNIVATES é constante. O trabalho de alunos e professores como voluntários nas atividades traz qualidade a elas, além de favorecer a interdisciplinaridade e o respeito para com os alunos em suas individualidades. No que tange à relação entre Universidade e Sociedade, o projeto Arquitetando também estreita os vínculos com as escolas envolvidas. Professores e orientadores pedagógicos das escolas participam diretamente das ações de extensão, pois é necessário planejar atividades específicas para cada disciplina, de acordo com o conteúdo que está sendo trabalhado pelo professor do Ensino Médio. A extensão transforma as relações entre a Universidade e o agente participante da sociedade, neste caso, a Escola. A realização das atividades só se torna possível através da colaboração mútua das duas partes. FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 140 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida 3 A ATIVIDADE DE ARTES DO PROJETO DE EXTENSÃO ARQUITETANDO

O projeto Arquitetando está em sua segunda edição e nasceu através do interesse de aproximar o curso de graduação de Arquitetura e Urbanismo da sociedade do Vale do Taquari, fazendo com que os alunos do Ensino Médio das escolas do Vale conheçam como é um curso através da vivência por um dia com alguma atividade desenvolvida na graduação e que possa ser relacionada com alguma disciplina do Ensino Médio. Dessa forma, busca-se despertar o interesse e a apreciação desses alunos pela arquitetura, assim como o projeto mostra a importância dos conteúdos ministrados nas disciplinas na escola e como eles podem ter uma relação com uma escolha profissional futura. Em seus aspectos descritivos e práticos, a realização do projeto é iniciada através de um contato com uma escola para receber a equipe do Arquitetando. O contato acontece através de seus professores ou orientadores pedagógicos, quando são apresentadas as intenções e as formas de trabalho do projeto. A escola avalia e verifica se possui interesse em participar e, recebendo resposta positiva, define-se a atividade a ser desenvolvida na dinâmica. Inicia-se então o seu planejamento, que leva em consideração o número de alunos da turma, o tempo de duração, que pode ser de três a cinco períodos de aula, e o conteúdo da disciplina. Com a atividade organizada, prepara-se um plano de aula, que é aprovado pelo professor ou pelo orientador pedagógico da Escola. Na sequência, ocorre a dinâmica, que busca inserir atividades lúdicas no ambiente escolar. O propósito é desenvolver o aprimoramento de desenhos de croquis através da representação de edificações referenciais da Arquitetura Contemporânea. A atividade inicia com uma breve explicação sobre técnicas de elaboração de croquis. Os alunos desenvolvem o croqui de uma edificação em um período de tempo e número de linhas predeterminado. Todo o desenho acontece em papel manteiga sobre uma fotocópia da imagem. FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 141 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida Ao ser limitado por um número de linhas, o aluno precisa elencar quais são os elementos mais importantes para a representação e, dessa forma, ele desenvolve a capacidade de abstração.

[...] A redução de tudo aquilo que vemos aos elementos visuais básicos também é um processo de abstração, que, na verdade, é muito mais importante para o entendimento e a estruturação das mensagens visuais. Quanto mais representacional for a informação visual, mais específica será sua referência; quanto mais abstrata, mais geral e abrangente (DONDIS, 1997, p. 95).

O fundamento da abstração está intimamente relacionado com a percepção e a capacidade de síntese, pois a observação atenta às características da edificação a ser desenhada indica uma série de respostas a essas escolhas. Um desenhista usa sua capacidade de abstração quando for representar as informações selecionadas. A “abstração é uma 1 simplificação que busca um resultado mais intenso e condensado” (DONDIS, 1997, p. 95). Num primeiro exercício, os alunos fizeram a sobreposição do papel manteiga sobre a foto do Edifício MASP, localizado em São Paulo, da Arquiteta Lina Bo Bardi (figura 3). Nesse caso, os alunos podiam utilizar 20 linhas para representar a edificação. Num segundo momento, ao desenhar a Casa Bertolini, localizada em Bento Gonçalves, do grupo Studio Paralelo (figura 5), o uso de linhas estava limitado a 30. Com isso, os alunos precisavam captar quais características estruturam a forma da edificação e elencar as partes importantes. Arnheim (2004, p. 146) comenta que o desenhista, no momento em que está “produzindo a semelhança”, está evidenciando os 2 “traços relevantes” e conclui que toda reprodução é uma “interpretação visual”.

• Figura 1 - alunos desenvolvendo a atividade Fonte: Tais exercícios desenvolvem a habilidade do desenho, que, segundo Edwards (2003, arquivo do Projeto Arquitetando p. 29), está atrelado à capacidade de ver/perceber. Edwards descreve as cinco técnicas que • Figura 2 - alunos desenvolvendo a atividade Fonte: arquivo do Projeto Arquitetando são componentes básicos dos desenhos e, dentre eles, está a “percepção das bordas” e a “importância da visualização”. O fato de restringir o número de linhas faz com que os alunos desenhem realmente os traços essenciais, como pode ser visto nas figuras 4 e 6. No processo de abstração, devem deixar de lado os detalhes irrelevantes e enfatizar os traços distintivos, pois abstração “é uma manifestação visual reduzida a mínima informação representacional” e a “percepção humana elimina os detalhes superficiais” (DONDIS, 1997, p. 95). FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 142 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida 3 4

5 6

• Figura 3 - edificação a ser desenhada Fonte: arquivo do Projeto Arquitetando

• Figura 4 - resultado desenhado por um aluno Fonte: arquivo do Projeto Arquitetando 4 RESULTADOS • Figura 5 - edificação a ser desenhada Fonte: arquivo do Projeto Arquitetando

• Figura 6 - resultado desenhado por um aluno Fonte: arquivo do Projeto Arquitetando Durante o ano de 2013, o Projeto de Extensão Arquitetando atendeu um total de 309 alunos em todas as áreas propostas, conforme demonstrado nas tabelas a seguir. O projeto superou a meta do ano, que era trabalhar com três a quatro escolas, atendendo seis a oito turmas do Ensino Médio, totalizando em torno de 200 alunos. Na área de História, o projeto contemplou 54 alunos de uma escola; na área de Matemática, foram 88 alunos de duas escolas, enquanto na área de Artes, foram 167 alunos participantes. Como pode ser observado, em 2013, a escolha pela área de Artes prevaleceu, demonstrando que é uma área de interesse das escolas. Ela foi desenvolvida em mais escolas e atendeu maior número de alunos. FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 143 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida Tabela 1 – Número de alunos na área de Artes

ÁREA DE ARTES: 167 ALUNOS PARTICIPANTES

Escola: Número Alunos Participantes:

1ª Turma: 18 alunos Colégio Sinodal Gustavo Adolfo 2ª Turma: 19 alunos

1ª Turma: 33 alunos Colégio Evangélico Alberto Torres 2ª Turma: 34 alunos

1ª Turma: 32 alunos Colégio Madre Bárbara 2ª Turma: 31 alunos

Fonte: Arquivo do Projeto

Tabela 2 – Número de alunos na área de História

ÁREA DE HISTÓRIA: 54 ALUNOS PARTICIPANTES

Escola: Número Alunos Participantes:

1ª Turma: 26 alunos Colégio Madre Bárbara 2ª Turma: 28 alunos

Fonte: Arquivo do Projeto

FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 144 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida Tabela 3 – Número de alunos na área de Matemática

ÁREA DE MATEMÁTICA: 88 ALUNOS PARTICIPANTES

Escola: Número Alunos Participantes:

1ª Turma: 23 alunos Colégio Madre Bárbara 2ª Turma: 24 alunos

1ª Turma: 27 alunos Colégio Érico Veríssimo 2ª Turma: 14 alunos

Fonte: Arquivo do Projeto

No que diz respeito às contribuições, ressaltamos que as atividades do projeto vêm ao encontro do compromisso das instituições de possibilitar que seus alunos interajam com a sociedade através de um projeto de extensão. Dessa forma, o projeto buscou promover a inserção regional e o envolvimento dos estudantes do Ensino Médio com o curso de Arquitetura e Urbanismo através de atividades educacionais dinâmicas, de natureza multidisciplinar, contribuindo para o aprimoramento do conhecimento e de experiências diferenciadas entre os alunos. No final das atividades, é realizado um questionário no qual os alunos do Ensino Médio escrevem, num campo aberto, comentários sobre a participação no projeto. É interessante observarmos que eles escrevem tanto sobre as técnicas aprendidas e sobre o entendimento do que é um curso de Arquitetura e Urbanismo, bem como percebem que as técnicas utilizadas auxiliam nos desenhos da disciplina.

Aluno 1: “Achei muito legal, pois aprendi uma nova percepção de ver e desenhar as coisas ao nosso redor. Acredito que foi uma ótima ajuda para todos os desenhos, e faria de novo, com certeza.” Aluno 2: “Achei interessante, ajudou a conhecer o curso e a tirar dúvidas do mesmo. Foi um momento de intenso aprendizado. Gostei bastante.” FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 145 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida Aluno 3: “Achei muito interessante, fiquei impressionada com as técnicas usadas e os métodos de ensino. Este projeto foi muito útil para perceber o que realmente é a arquitetura.” Aluno 4: “Achei muito legal a atividade, deu para ter uma noção melhor do que é a Arquitetura, o que faz um arquiteto, e foi interessante fazer os desenhos.” Aluno 5: “Foi ótimo, descobri muitas coisas e técnicas também. Adorei a parte de desenhar o croqui.” Aluno 6: “Gostei muito de ter participado. Pude aprender mais sobre o curso e também pude aprimorar técnicas de desenho, que foi muito bom.”

Em relação aos desenhos desenvolvidos pelos alunos, verifica-se que “desenhar é uma habilidade que pode ser ensinada e aprendida” (Edwards, 2003, p. 20) e que o desenho sobre uma imagem utilizando número limitado de linhas é uma técnica que pode ser adotada para que os alunos desenvolvam a percepção e entendam o que é abstração em desenho, pois, conforme Edwards (2003, p. 16), a percepção é a consciência ou o ato de “se dar conta” ao observar um objeto. E, segundo dicionário Aurélio, a abstração é o “ato de separar mentalmente um ou mais elementos de uma totalidade complexa” (Ferreira, 2010, p. 20). Ao sobrepor o papel manteiga sobre fotocópia da imagem a ser reproduzida e limitando o número de linhas a serem utilizadas, os alunos estavam selecionando os elementos a serem desenhados. Já os alunos da graduação envolvidos no projeto, sejam bolsistas ou acadêmicos voluntários, enriqueceram seus conhecimentos. O projeto de extensão é uma ampliação do espaço da sala de aula, uma vez que o conhecimento aprendido na disciplina de Desenho de Observação e Croquis estava sendo ampliado à medida que os alunos atuavam no projeto. A extensão é um processo de enriquecimento através da vivência dos participantes, que refletem sobre o aprendizado adquirido.

FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 146 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida 5 CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que o Projeto de Extensão Arquitetando assume um papel importante para a sociedade e a vida dos alunos do Ensino Médio das escolas da região. Durante o ano de 2013, foram alcançados resultados satisfatórios, superando as metas preestabelecidas. Percebeu-se o interesse por parte das escolas em estabelecer parcerias e levar atividades inovadoras aos seus alunos. Além disso, o projeto permitiu demonstrar aos alunos do Ensino Médio novas aplicabilidades aos conteúdos estudados, através de técnicas de desenho que permitiram aguçar a percepção e desenvolver desenhos mais abstratos, qualificando o desenho à mão. Por fim, é possível perceber que a extensão cumpre com a função social da Universidade e, por meio de um conjunto de ações, reforçam, ampliam e reconstroem conhecimentos, estabelecendo, dessa forma, o vínculo com o Ensino. No caso do projeto Arquitetando, tanto os alunos das Escolas do Ensino Médio quanto os alunos da graduação realizaram trocas mútuas de experiências que foram enriquecedoras.

FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 147 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Luciane Pinho de. A extensão universitária: processo de aprendizagem do aluno na construção do fazer profissional. In: SÍVERES, Luiz. (Org.). Processos de Aprendizagem na Extensão Universitária. Goiânia: Ed. da PUC, 2012. p. 53-77.

ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção Visual: uma psicologia da visão criadora: nova versão. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.

BOLFER, Maura Maria Morais de Oliveira. Reflexões sobre prática docente: estudo de caso sobre formação continuada de professores universitários. 2008. 238f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2008.

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB – Lei Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1966. Estabelece diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996. Disponível em: Acesso em: 23 nov. 2013.

DONDIS, Donis. A. Sintaxe da linguagem visual. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista. Lisboa: Difusão Cultural, 1993.

EDWARDS, Betty. Desenhando com o lado direito do cérebro. Edição revisada e ampliada. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 5 ed. Curitiba, PR: Positivo, 2010.

FORPROEX, I Encontro de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Conceito de extensão, institucionalização e financiamento. Brasília, 1987. Disponível em: . Acesso em: 23 nov. 2013.

FOREXT ARTE E CULTURA

Arquitetando: experiências de extensão universitária no Vale do Taquari/RS através da disciplina de artes 148 DIEMER, Merlin Janina; LÜCKE; Sabrina Assmann; BUENO, Luiza de Almeida MOMENTOS DE ARTE NA UNIVERSIDADE DE CRUZ ALTA: MEMÓRIAS E REFLEXOS DO EU!

1 Prof.ª Dr.ª da Universidade de Cruz Alta/RS, Coordenadora do Núcleo de Conexões Artístico- InstituiçãoMaria de origem: Aparecida Universidade Santana de CamargoPasso Fundo1 Culturais (NUCART), pesquisadora líder do Grupo de Pesquisa em Estudos Humanos e Pedagógicos 2 (GPEHP), integrante do Grupo Interdisciplinar de Estudos do Envelhecimento Humano (GIEEH) e Solange Beatriz Billig Garces dinamizadora da Oficina “Momento de Arte”. E-mail: [email protected]. Angela Vieira Brunelli3 2 Prof.ª Doutora da Universidade de Cruz Alta/RS, Coordenadora de Pesquisa e pesquisadora líder 4 do Grupo Interdisciplinar de Estudos do Envelhecimento Humano (GIEEH). E-mail: sbgarces@ Mariela Camargo hotmail.com. 3 Prof.ª MSc. da Universidade de Cruz Alta/RS, Coordenadora do Projeto de Extensão Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI) e pesquisadora integrante do Grupo Interdisciplinar de Estudos do Instituição de origem: Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ) Envelhecimento Humano (GIEEH). E-mail: [email protected]. 4 Acadêmica voluntária, integrante do Núcleo de Conexões Artístico-Culturais (NUCART), 11º semestre do Curso de Arquitetura e Urbanismo e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Estudos Humanos e Pedagógicos (GPEHP). E-mail: [email protected].

149 RESUMO O relato aqui enfocado, de cunho qualitativo, com caráter empírico e bibliográfico, faz parte da Oficina “Momento de Arte”, um subprojeto que integra o Projeto de Extensão Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI), o qual tem o apoio do Programa Institucional de Bolsas de Extensão (PIBEX) da UNICRUZ/RS. A referida oficina é uma das atividades dinamizadas pelo Núcleo de Conexões Artístico-Culturais (NUCART), sendo que os educadores mediadores da ação estão inseridos no Grupo Interdisciplinar de Estudos do Envelhecimento Humano (GIEEH). O texto tem como objetivo relatar e compartilhar o processo criativo de uma atividade artística realizada com um grupo de idosas, sujeitos da investigação. Os processos criativos, as atividades e as exposições das obras têm sido registrados através de fotografias. O grupo tem variado de cinco a oito integrantes, sendo que suas participantes pertencem a uma faixa etária que oscila entre 55 a 73 anos. Através das duas edições da Mostra “Momento de Arte”, essas mulheres, que se sentem, por vezes, um tanto invisíveis pelo próprio processo do envelhecer, têm a oportunidade de ser protagonistas ao expor suas obras para a admiração dos colegas, dos familiares e do público em geral. Além do mais, no ato de desenhar e pintar, elas começam a buscar suas origens, a reencontrar suas raízes e, consequentemente, a reforçar suas identidades. Palavras-chave: Autoestima. Criatividade. Gênero. Protagonismo. Socialização.

ABSTRACT The report focused on here, a qualitative approach, with empirical and bibliographical character, is part of the Workshop “Moment of Art”, a subproject that is part of the Extension Project Open University of the Third Age (UNATI), which has the support of the Institutional Program Bag Extension (PIBEX) of UNICRUZ/RS. That workshop is one of the activities streamlined by the Center for Artistic and Cultural Connections (NUCART), and the action of mediators educators are inserted at the Interdisciplinary Group for the Study of Human Aging (GIEEH). The text aims to report and share the creative process of an artistic activity carried out with a group of older, participated. Creative processes, activities and exhibitions of works have been recorded through photographs. The group has varied from 5 to 8 members, and its participants belong to an age group ranging between 55-73 years. Through two editions of Show “Moment of Art”, these women, who are sometimes somewhat invisible by the aging process itself, have the opportunity to be protagonists to exhibit their works to the admiration of colleagues, family and public in general. Moreover, the act of drawing and painting these begin to seek its origins trace their roots and thus to strengthen their identities. Keywords: Self-esteem. Creativity. Gender. Role. Socialization.

FOREXT ARTE E CULTURA

Momentos de arte na Universidade de Cruz Alta: memórias e reflexos do eu! 150 CAMARGO, Maria Aparecida Santana; GARCES, Solange Beatriz Billig; BRUNELLI, Angela Vieira; CAMARGO, Mariela 1 INTRODUÇÃO

A população brasileira com idade superior a 60 anos vem aumentando consideravelmente no Brasil. Diferentemente de gerações anteriores, cujo perfil era aliar ao processo de envelhecimento a aposentadoria e ao afastamento gradativo do convívio social, gerações que ora estão experimentando essa fase continuam em plena atividade social, cultural e, não raro, em razão dos baixos proventos oriundos da aposentadoria do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), exercendo funções como profissionais de caráter informal e formal. Parte significativa delas tem maior instrução e participa, mais do que antes, de processos de educação continuada, consoante elucida Mendes (2012). Entretanto, no caso específico das mulheres idosas, não se pode esquecer que, se já é difícil encontrar uma história das mulheres, que dirá uma história das mulheres velhas! Quem estaria interessado na sua “(des)importância” social? Entretanto, mal ou bem, várias histórias – diretas ou adjacentes – das mulheres e da vida privada têm se seguido. Mas, inadvertidamente, sempre omitindo as velhas. Quando alguém se dispõe, afinal, a contar uma história das mulheres velhas, mesmo do tempo mais recente, como o século passado e a primeira década do presente, neste caso, enfrenta a escassez de pesquisa e de documentação sistemática, de acordo com a afirmação de Motta (2012). Justifica-se, assim, a presente reflexão, tendo em vista que o mundo dos velhos, segundo Soares (2012), é o mundo da memória. Mas o que particularmente nos toca é a sua afirmação de que foi nos relacionamentos com os mestres, com as pessoas que o amaram, com aqueles que estiveram sempre ao seu lado e agora o acompanham no último trecho da estrada que ele encontrou a maior riqueza da vida. Por isso a relevância da interlocução e da troca de saberes entre os integrantes do grupo aqui enfocado, o que se traduz na sua socialização. Sob a ótica de Ohy (2013, p. 153): FOREXT ARTE E CULTURA

Momentos de arte na Universidade de Cruz Alta: memórias e reflexos do eu! 151 CAMARGO, Maria Aparecida Santana; GARCES, Solange Beatriz Billig; BRUNELLI, Angela Vieira; CAMARGO, Mariela [...] a memória é a ligação mais clara que temos com a nossa história, com o que somos, com o que construímos e a arte auxilia o resgate dessa história na medida em que criar é reconstruir de uma outra forma. Assim, a arte, a expressão desses sentimentos, permite que a vida seja olhada de um outro jeito, com consciência e aceitação de si.

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

A ação aqui relatada, de cunho qualitativo, com caráter empírico e bibliográfico, embasada, principalmente, nas obras de Camargo (2009), Motta (2012), Ohy (2013), Pérez- Soba (2000) e Soares (2012), dentre outras, faz parte da Oficina “Momento de Arte”, um subprojeto que integra o Projeto de Extensão Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI), o qual tem o apoio do Programa Institucional de Bolsas de Extensão (PIBEX) da UNICRUZ/ RS. A referida oficina é uma das atividades dinamizadas pelo Núcleo de Conexões Artístico- Culturais (NUCART), sendo que os educadores mediadores da ação estão inseridos no Grupo Interdisciplinar de Estudos do Envelhecimento Humano (GIEEH). O texto tem como objetivo relatar e compartilhar o processo criativo de uma atividade artística realizada com um grupo de idosas, sujeitos da investigação. Os encontros semanais, de duas horas e meia cada, vêm ocorrendo desde abril de 2012 até a presente data. Eles se iniciam com abraços, seguidos da leitura de uma mensagem ou poesia, que é lida pela própria autora, uma vez que uma das integrantes do grupo também escreve poesias. Após, cada integrante começa a mostrar o que foi feito na semana anterior e dar continuidade ao já iniciado. Os processos criativos, as atividades e as exposições das obras têm sido registrados através de fotografias. O grupo tem variado de cinco a oito integrantes, sendo que suas participantes pertencem a uma faixa etária que oscila entre 55 a 73 anos. FOREXT ARTE E CULTURA

Momentos de arte na Universidade de Cruz Alta: memórias e reflexos do eu! 152 CAMARGO, Maria Aparecida Santana; GARCES, Solange Beatriz Billig; BRUNELLI, Angela Vieira; CAMARGO, Mariela No entendimento de Ohy (2013), por sermos seres sociais, por natureza, temos de pertencer de alguma forma a algum grupo, pois, ao nos distanciarmos dessa natureza, sem estarmos preparados, acabamos por enfatizar nossas patologias, nossas dores e nossos sofrimentos, criando ilusões destrutivas sobre nosso corpo, nossos sentimentos, acabaremos nos sentindo sem função, sem objetivo. Dessa forma, estaremos nos aproximando do isolamento, da depressão, da doença, da morte social. Por meio da expressão, da fala, das atividades realizadas, da relação e do vínculo que se estabelece entre os membros de um grupo, busca-se o bem-estar físico e mental do idoso. Membros do grupo aprendem em todos os encontros a partilhar, a conviver e a produzir arte de uma forma alegre e descontraída. Dentro dessa perspectiva foi que, por ocasião da Semana Municipal do Idoso de Cruz Alta/RS, em setembro de 2012, o grupo expôs suas pinturas em técnica mista de tinta acrílica com colagem e relevo no Salão Nobre da UNICRUZ Centro. Na oportunidade, cinco integrantes expuseram seus quadros, recebendo elogios de todos os que admiraram as obras, sendo que, inclusive, alguns demonstraram o desejo de adquiri-las. Para a criação das referidas obras, foi sugerido que cada participante trouxesse de casa um objeto que fosse significativo em suas vidas, objeto esse que gostariam de eternizar, afixando-o em um quadro, através da técnica da colagem. Uma das integrantes afixou um rosário de madeira e, para pintá-lo, escolheu tons que foram do ocre ao marrom. Outra integrante trouxe um vestidinho de sua neta quando era bebê, optando pelas tonalidades rosa e seus matizes. Seguindo a mesma ideia, outra trouxe um boné e um sapatinho do neto, obra que foi toda pintada em tons que perpassaram o branco, o azul e o preto. Uma das senhoras, também avó, fez uma composição com todos os cartões e as mensagens que seus dois filhos haviam lhe presenteado nas datas comemorativas às mães, material que ela guardava em uma caixa. De igual modo, outra obra construída foi uma composição pictórica com colagem de penas de pavão. Também a técnica da pintura com pincel seco e tinta de tecido (pochoir/estêncil) sobre camiseta foi muito utilizada e apreciada pelo grupo referido, o qual produziu inúmeras peças FOREXT ARTE E CULTURA

Momentos de arte na Universidade de Cruz Alta: memórias e reflexos do eu! 153 CAMARGO, Maria Aparecida Santana; GARCES, Solange Beatriz Billig; BRUNELLI, Angela Vieira; CAMARGO, Mariela em tecidos, criando estampas para almofadas e aventais. É mister enfatizar o entusiasmo e o senso estético do grupo, tanto que uma das integrantes criou uma logomarca específica para este, arte que foi reproduzida em todas as camisetas das integrantes. Ainda outra proposta a ser destacada é a construção de autorretratos. Cada integrante, a partir de suas habilidades e seus conhecimentos técnicos, realizou esboços de seus próprios rostos a partir da ampliação de fotografias ou de detalhes dessas fotografias, como, por exemplo, os olhos. Para facilitar o processo de construção de autorretratos, utilizou-se a técnica da ampliação e da fotocópia de fotografias. Após essa etapa, as fotocópias ampliadas foram colocadas no vidro da janela e novamente copiadas em um outro suporte de papel, para, a partir daí, começar o processo de construção do autorretrato. As técnicas mais utilizadas para tal expressão foram a do lápis grafite 6B, a da aquarela, a do lápis aquarelável e a do giz pastel seco. As obras foram expostas no Salão Nobre da UNICRUZ Campus por ocasião da Semana Municipal do Idoso de Cruz Alta/RS, em outubro de 2013, quando mais uma vez as autoras colheram os aplausos por seus esforços e sua criatividade, sendo que algumas obras foram adquiridas. No que diz respeito aos autorretratos, Rebel (2009, p. 06) esclarece que esses são

[...] testemunhos em que o ego do artista como o seu modelo e motivo se relaciona simultaneamente com outras pessoas. Os artistas representam a si próprios como querem ser vistos pelos outros, mas também porque querem distinguir-se deles. A história da arte em si também atua como um espelho e como um repositório de toda a informação sobre a imagem humana. Por esta razão, a história da arte permite-nos colocar a questão que pode ser a maior questão que podemos fazer, nomeadamente qual é o impacto e a importância dos nossos ‘egos’.

Nesse aspecto, é interessante analisar aqui que a criatividade deve ser considerada como uma atitude, mais do que uma aptidão. A criatividade manifesta-se quando o indivíduo realiza algo novo e satisfatório para si mesmo, ou quando relaciona coisas que, em sua experiência anterior, não estavam, todavia, relacionadas, encontrando o resultado de sua atividade como estimulante e gratificante. A criatividade pode chegar a ser um estilo de FOREXT ARTE E CULTURA

Momentos de arte na Universidade de Cruz Alta: memórias e reflexos do eu! 154 CAMARGO, Maria Aparecida Santana; GARCES, Solange Beatriz Billig; BRUNELLI, Angela Vieira; CAMARGO, Mariela vida. O conformismo e a criatividade são incompatíveis por natureza. O que favorece uma dessas duas qualidades tende a destruir a outra. Assim, na sociedade, não se incentiva a criatividade, já que as pressões sociais a favor do conformismo são intensas. Uma sociedade que incentive a criatividade terá que incorporar um sistema de valores que implique uma inovação e mudança de visão, como destaca Pérez-Soba (2000).

3 RESULTADOS E CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO

Ao longo das atividades, os resultados têm sido tão promissores que, inclusive, uma das integrantes, a partir de sua interessante e vasta produção, ousou inscrever duas de suas obras em um concurso de artes visuais realizado na cidade de Cruz Alta, oportunidade em que foi distinguida com Menção Honrosa pelo júri do evento. Sem dúvidas, tais atividades muito têm contribuído para a expressão pessoal, para o aumento da autoestima e da socialização do grupo de mulheres observadas. Indo ao encontro dessa compreensão, é mister transcrever o pensamento de Pérez- Soba (2000) quando alude que uma educação artística diferente pode contribuir para que as pessoas possam introjetar, sem esforços, as concepções de diversidade e de plenitude, descobrindo que a beleza não é uma mercadoria, dissolvendo-se as divisões que existem dentro do estético e dentro da sociedade, criando juntos, homens e mulheres, uma vida social significativa, em que a arte não seja uma técnica especializada, nem um saber exclusivo, mas sim a capacidade universal de dar forma a uma vida que valha a pena, pessoal e socialmente, para todos. No decorrer dos quase dois anos de funcionamento do “Momento de Arte”, as integrantes do grupo participaram de duas oficinas paralelas. Uma delas se intitulou FOREXT ARTE E CULTURA

Momentos de arte na Universidade de Cruz Alta: memórias e reflexos do eu! 155 CAMARGO, Maria Aparecida Santana; GARCES, Solange Beatriz Billig; BRUNELLI, Angela Vieira; CAMARGO, Mariela “Possibilidades da Aquarela”, em maio de 2012, e a outra, “Oficina de Isogravura”, ocorrida em agosto de 2013. Dinamizadas pelo NUCART, ambas foram realizadas nas dependências da Universidade de Cruz Alta e ministradas pelo artista visual Marcelo Eugenio Soares Pereira, cruz-altense residente em Porto Alegre/RS. É relevante destacar que as participantes sempre se mantiveram entusiasmadas com as propostas sugeridas, o que vem se refletindo em suas produções, desde os esboços até os retoques finais. Uma das participantes desenhou pássaros que viu em seu jardim e, inclusive, buscou em suas memórias subsídios para “desenhar de cabeça” um “João-de-barro” e, em outra expressão gráfica, “A porteira lá de casa”. É imprescindível trazer aqui o relato dessa participante, que, após mais ou menos três meses de participação no grupo, depois de ter criado muitos desenhos e experimentado várias técnicas, entusiasmada, declarou espontaneamente: “Agora eu sei o que eu quero fazer e agora eu vou até o fim!”. A autora desse depoimento é viúva, tem 70 anos, é uma das integrantes mais assíduas e que mais produz. Nessa fala, visualiza-se que ela quis traduzir toda a sua satisfação, o quanto havia gostado de se autorretratar e do quanto essa atividade estava sendo importante na sua vida. Afinal, ela estava descobrindo um ofício que lhe era significativo e, de certa forma, estava lhe trazendo um sentido muito mais amplo para o seu cotidiano. Igualmente outra colocação foi feita por uma das integrantes do grupo que se sentia realizada com os resultados de seus trabalhos. Essa foi uma fala que muito acrescentou ao momento: “É por isso que a vida é boa, porque sempre há o que descobrir, o que ver e o que viver!”. A partir da proposta feita ao grupo para que tentasse se autorretratar, o que é de se indagar é o fato de o porquê quatro das integrantes terem optado por se autorretratar enquanto jovens. Isso se evidenciou quando elas trouxeram fotos antigas, da época de sua juventude. Em contrapartida, uma das integrantes fez questão de se autorretratar no momento atual, fazendo inúmeros autorretratos. Quanto ao tipo de fotografia a ser trazida de casa, nada foi combinado previamente, o que demonstra a coincidência. Mas, voltando a essa avó que se autorretratou no momento atual, sua autoestima é tão satisfatória que retratou os próprios FOREXT ARTE E CULTURA

Momentos de arte na Universidade de Cruz Alta: memórias e reflexos do eu! 156 CAMARGO, Maria Aparecida Santana; GARCES, Solange Beatriz Billig; BRUNELLI, Angela Vieira; CAMARGO, Mariela seios com giz pastel. Além do mais, fez outros retratos, como de sua filha, de uma amiga e também desenhou o pé de seu netinho. Diante dessas constatações, acredita-se que, muito além de ser uma questão de autoestima, a juventude remete aos bons tempos vividos, às boas lembranças. Mas essa é uma questão muito mais profunda e que exige um estudo mais detalhado: por que preferimos nos retratar com idade inferior à atual? Por que a maioria das pessoas, e mais especificamente as mulheres, se autorretratam sem as marcas faciais obtidas com o passar do tempo? Embora a transformação facial faça parte do envelhecimento humano, como a perda do viço dos cabelos e da pele, que, inevitavelmente se modificam no processo de envelhecer, essa não é uma questão de fácil elaboração. Por outro lado, e hipoteticamente, pode ser também que, ao relembrar o semblante anterior ao que hoje está posto, essas protagonistas pensem: “como eu já fui bonita!”. E aqui entra, então, a discussão sobre o que é o belo, o bonito e o ideal estético admirado e aceito pelos outros, ou seja, o estereótipo sobre beleza que foi construído e reforçado ao longo dos tempos. Essa reflexão abre uma discussão acerca da beleza na fase mais tardia da existência. No entender de Soares (2012, p. 72), “enfrentamos todas as batalhas para, ao final, nos defrontarmos com nós mesmos (no espelho) nas encruzilhadas do trajeto”, e a percepção de crescentes mutações vai produzir expectativas e uma ansiedade pelo confronto com as imagens que cada qual guarda de si mesmo. Assim sendo, a estrutura, a forma e a aparência do corpo, que passam por mudanças contínuas no transcorrer da vida – e que revelam continuamente novas feições –, vão incidir diretamente sobre a apreensão da autoimagem. Ainda essa autora (2012) aduz que a forma física refletida no espelho vai distanciando-se da figura que antes lhe serviu como protótipo de imagem e representação de si mesmo. Quando volta o olhar para dentro, para sua interioridade, há um estranhamento. Já na percepção de Mendes (2012), nos últimos anos, as pessoas em processo de envelhecimento têm enfrentado a desvalia engendrada pelo não reconhecimento de sua importância, especialmente no mundo ocidental. Na lógica capitalista, quem não produz não FOREXT ARTE E CULTURA

Momentos de arte na Universidade de Cruz Alta: memórias e reflexos do eu! 157 CAMARGO, Maria Aparecida Santana; GARCES, Solange Beatriz Billig; BRUNELLI, Angela Vieira; CAMARGO, Mariela tem mais o seu valor. No auge de seu processo de amadurecimento, envelhecentes, que tanto se dedicaram a construir as realidades tecnológica e cultural que possibilitam uma melhor qualidade e expectativa de vida podem se deparar fragilizados, deslocados, destituídos de seu lugar de pessoas. É sob esse enfoque que as propostas desenvolvidas com o grupo da Oficina “Momento de Arte” são significativas para o seus integrantes, tendo em vista que desvelaram outras faces de seus saberes. Nesse sentido, Camargo (2009) afirma que a desconsagração da criação artística é, nessa lógica, não mais considerar a arte um privilégio para poucos, mas, sim, considerar o ato de criar como uma habilidade como qualquer outra, que pode ser desenvolvida e ampliada ao longo da vida do indivíduo. Assim, de acordo com Brandão (2004), toda pessoa é uma fonte original de saber. Aí está um dos papéis do “Momento de Arte”: proporcionar espaço à inventividade e à autoria das idosas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante desse contexto, que diz respeito à arte na sua interface com o processo de envelhecimento, por certo que há pessoas capazes de promover uma renovação, criar condições para reformular ideias, modos de vida e - quem sabe - descobrir as faces positivas desse período que pode ser vivido mais plenamente, como um tempo de liberdade para novas escolhas... Mas, para aquelas a quem isso não foi possível, o exercício de pensar, na análise, pôs em movimento um dispositivo para a descoberta de faces positivas desse período: tempo de liberdade, sem os encargos que a juventude ou a sociedade lhe impõem, que pode ser vivido mais plenamente: seu tempo é todo seu, sem travas ou obrigações que constranjam seus passos, conforme refere Soares (2012). FOREXT ARTE E CULTURA

Momentos de arte na Universidade de Cruz Alta: memórias e reflexos do eu! 158 CAMARGO, Maria Aparecida Santana; GARCES, Solange Beatriz Billig; BRUNELLI, Angela Vieira; CAMARGO, Mariela Vale ainda ressaltar, igualmente, na ótica de Soares (2012), a importância de uma contínua revisitação do passado pela memória, sob pena de cair num vácuo de inexistência. E, assim, talvez se possa resgatar o acervo da vida e dar passagem à sabedoria do tempo! Enfim, envelhecer satisfatoriamente depende do delicado equilíbrio entre as limitações e as potencialidades do indivíduo, e, se o decorrer da existência foi vivido de forma suficientemente profícua, vai haver uma coerência nessa fase da vida que estaria propícia a um refinamento das etapas anteriores. A velhice bem-sucedida é, assim, uma condição individual e grupal de bem-estar físico e social com condições e em sintonia com os valores existentes na sociedade, no ambiente e com as circunstâncias de sua história pessoal e de sua geração. Tendo em vista a forte energia que gerou a atividade do autorretrato, é sábio concordar com Mendes (2012) quando esta conclui que, mesmo não sendo possível um pacto com o tempo, há a possibilidade de crescer com ele. Envelhecer não é nenhum crime e tem sua beleza colorida por novas conquistas. A vida tem infinitas faces, histórias, repertórios. É digno conhecer os outros lados, as dimensões e os conteúdos da espiral do desenvolvimento de homens e mulheres que, desde o primeiro instante da vida, envelhecem. A partir de todo o exposto, espera-se contribuir para a continuação deste que é um debate inadiável, tendo em vista a grande população de idosas excluídas das ambiências socioculturais. Através das duas edições da Mostra “Momento de Arte”, essas mulheres - que talvez, em algum momento, tenham se sentido em situação de invisibilidade - têm a oportunidade de ser protagonistas ao exporem suas obras para a admiração dos colegas, dos familiares e do público em geral. Além do mais, no ato de desenhar e pintar, buscam suas origens, reencontram suas raízes e, consequentemente, reforçam suas identidades. Para finalizar, é interessante valer-se do entendimento de Soares (2012, p. 206), quando menciona que, “no entardecer da vida, ao se iniciar algo novo, aciona-se um manancial de energia, que, em seu retorno, alimenta, por sua vez, a própria fonte: A vida!”.

FOREXT ARTE E CULTURA

Momentos de arte na Universidade de Cruz Alta: memórias e reflexos do eu! 159 CAMARGO, Maria Aparecida Santana; GARCES, Solange Beatriz Billig; BRUNELLI, Angela Vieira; CAMARGO, Mariela 1 2 3

4 5

• Foto 01 - Na II Mostra de Arte - A criadora e suas criações!

• Foto 02 - Reflexos do eu!

• Foto 03 - A satisfação pelos resultados obtidos!

• Foto 04 - Detalhe da II Mostra “Momento de Arte”

• Foto 05 - Oficina de “Isogravura”

FOREXT ARTE E CULTURA

Momentos de arte na Universidade de Cruz Alta: memórias e reflexos do eu! 160 CAMARGO, Maria Aparecida Santana; GARCES, Solange Beatriz Billig; BRUNELLI, Angela Vieira; CAMARGO, Mariela REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Cultura e Interdisciplinaridade. Palestra realizada na UNISINOS em 05 de outubro de 2004.

CAMARGO, Maria Aparecida Santana. Educação em Arte: desmitificando e ampliando concepções estéticas. Passo Fundo: Editora da UPF, 2009.

MENDES, Tania Maria Scuro. Da Adolescência à Envelhecência: convivência entre as gerações na atualidade. Porto Alegre: Mediação, 2012.

MOTTA, Alda Britto da. Mulheres Velhas: Elas começam a aparecer... In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria. (Orgs.). Nova História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2012, p. 84-104.

OHY, Juliana Bastos. A Doença de Alzheimer e a Arteterapia: benefícios terapêuticos trazidos pelo grupo e a experimentação de recursos plásticos. In: ASSOCIAÇÃO DE ARTETERAPIA DO RIO DE JANEIRO. Estudos em Arteterapia: a arte e a criatividade promovendo saúde. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013, p. 137-154.

PÉREZ-SOBA, Pilar Díez Del Corral. Educación Artística: lo feminino en un desarrollo humano sostenible. In: CAO, Marián L. F. (Coord.). Creación Artística y Mujeres: recuperar la memoria. Madrid: Narcea, 2000, p. 177-198.

REBEL, Ernst. Auto-Retratos. Lisboa: Taschen Ed., 2009.

SOARES, Sylvia Salles Godoy de Souza. Envelhescência: um fenômeno da Modernidade à luz da Psicanálise. São Paulo: Escuta, 2012.

FOREXT ARTE E CULTURA

Momentos de arte na Universidade de Cruz Alta: memórias e reflexos do eu! 161 CAMARGO, Maria Aparecida Santana; GARCES, Solange Beatriz Billig; BRUNELLI, Angela Vieira; CAMARGO, Mariela