Floresta Tropical Pluvial Amazônica-Cap 01.P65
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capítulo I Floresta Tropical Pluvial Amazônica Floresta Tropical Pluvial Amazônica 28 | VI Congresso de Ecologia do Brasil, Fortaleza, 2003 Floresta Tropical Pluvial Amazônica Dispersão de sementes por jabutis, Geochelone horas, o cercado foi vistoriado a cada duas horas para a coleta de denticulata e G. carbonaria, na Amazônia oriental. fezes. As fezes obtidas foram lavadas para a procura dos marcadores. Adriano Jerozolimski Foi calculado o tempo médio que levou para cada marcador apare- Departamento de Ecologia - Universidade de São Paulo cer em cada amostra de fezes (tempo de retenção). Por fim, para ([email protected]) estimar a distância que um jabuti é capaz de dispersar uma semente ingerida, 24 jabutis foram monitorados, por rádio rastreamento, 1.Introdução por períodos que variaram de alguns dias a mais de dois anos. A O processo de dispersão de sementes por animais, mesmo distância média de dispersão foi calculada a partir de deslocamen- sendo uma interação muito mais difusa que as interações encontra- tos efetuados em intervalos de tempo semelhantes ao tempo esti- das entre plantas e seus polinizadores (Herrera 2002), é também mado de retenção. uma fase crítica na reprodução das plantas (Terborgh 1990). Falhas 2. Resultados nesta etapa podem comprometer o estabelecimento de plântulas, Foram encontrados vestígios do consumo de frutos em 71% das já que sementes não dispersas e que, conseqüentemente, permane- amostras de fezes de G. denticulata e em 85% das amostras de fezes de cem nas imediações da planta mãe, apresentam uma chance extre- G. carbonaria, durante a estação chuvosa. Entretanto, na estação mamente pequena de escapar de predadores (Howe 1990). seca o consumo de frutos por G. denticulata caiu para 50% das A dispersão de sementes por animais é um fenômeno extrema- amostras coletadas. De um total de 51 morfo-tipos de sementes mente comum nas florestas tropicais úmidas, onde a maioria das encontradas nas fezes de G. denticulata e G. carbonaria, foram plantas apresentam frutos adaptados à zoocoria (Howe & identificadas 34 espécies pertencentes a 26 gêneros de plantas de 15 Smallwood 1982); (Willson et al. 1989). Em algumas localidades, famílias. De 89 amostras de fezes de G. denticulata obtidas durante a 90% das espécies arbóreas e arbustivas apresentam frutos adapta- estação chuvosa, foi encontrado um total de 4.099 sementes de 44 dos à dispersão por animais (Frankie et al. 1974). espécies de plantas, enquanto que em 30 amostras de fezes de G. Mamíferos e aves são considerados os principais agentes carbonaria obtidas durante a estação chuvosa, foi encontrado um dispersores de sementes em florestas tropicais, especialmente via total de 3.147 sementes de 21 espécies de plantas. O maior número ingestão de propágulos (Terborgh 1986; Terborgh 1990; Jordano de sementes de espécies distintas encontrado em uma única amostra 2001; Herrera 2002). Apesar de existirem alguns registros de rép- de fezes foi oito. O tempo médio de retenção, obtido com os jabutis teis atuando na dispersão de sementes em regiões mais áridas (Cobo mantidos no cercado, foi de 154,2 ± 66,9 horas (6,4 dias). Estimou- & Andreu 1988; MacDonald & Mushinsky 1988; Fialho 1990; se que indivíduos adultos de G. denticulata são capazes de dispersar Milton 1992; Valido & Nogales 1994), nas florestas tropicais o sementes, durante a estação seca, a uma distância média de 135 papel deste grupo é muito pouco conhecido. Jabutis são considera- metros, e, durante a estação chuvosa, a uma distância média de 235 dos relevantes dispersores de sementes apenas em ambientes áridos metros. Indivíduos jovens de G. denticulata dispersam sementes a ou insulares (Herrera 2002), embora Moskovits (1998) tenha fei- menores distâncias se comparados a indivíduos adultos, indepen- to referência ao provável potencial de G. denticulata e G. carbonaria dentemente da estação do ano (U = 44; p = 0,0236). Com exceção como dispersores de sementes na floresta Amazônica. das sementes de uma das quatro espécies plantadas, que por alguma O objetivo deste trabalho foi avaliar o potencial dos jabutis G. razão não germinaram, todas as outras espécies de sementes, após denticulata e G. carbonaria como dispersores de sementes. Para atin- ingeridas por jabutis, germinaram. Para Genipa americana, espécie gir tal objetivo, foram abordadas quatro principais questões: (1) que apresentou a maior taxa de geminação, não houve diferenças Qual a importância de frutos na dieta destas espécies? (2) Qual é o entre as taxas de germinação das sementes ingeridas pelas duas espé- tempo de retenção de alimento no trato digestivo destas espécies? cies de jabuti e as taxas de germinação das sementes plantadas dire- 2 2 (3) A que distância de uma árvore um jabuti é capaz de dispersar suas tamente de frutos maduros (÷ dent = 0,40; gl = 1; p = 0,526; ÷ carb = sementes? (4) Existe algum comprometimento na viabilidade de 0,42; gl = 1; p = 0,518). sementes que passaram pelo trato digestivo dos jabutis? 3. Discussão 2. Métodos Terborgh (1990) enumerou três principais características de O presente estudo foi realizado nas florestas da Terra Indígena aves e mamíferos de grande porte que os tornam, geralmente, mais Kayapó, no território da aldeia A’Ukre, localizada na bacia do Rio efetivos que outros agentes na dispersão de sementes de grande Xingú, sudeste do estado do Pará. Para avaliar a importância de porte (espécies predominantes nas fases mais maduras em florestas frutos na dieta das duas espécies de jabutis, foram triadas 106 fezes tropicais): (1) eles tendem a preferir frutos de espécies com semen- de G. denticulata e 32 fezes de G. carbonaria, coletadas principalmen- tes de grande porte; (2) eles consomem mais frutos por evento te nos acampamentos de caça dos kayapós da aldeia A´Ukre. Os alimentar e (3) eles tendem a carregar as sementes à maiores dis- itens encontrados foram separados nas seguintes categorias: (1) ma- tâncias antes de regurgitá-las ou defecá-las. Com base nos resulta- terial vegetal (principalmente folhas e caule), (2) frutos (polpa e dos obtidos no presente estudo, tanto G. denticulata como G. sementes), (3) fungos, (4) material animal e (5) material inorgânico. carbonaria apresentariam todas as três características citadas por Foi registrada, para cada amostra, a ocorrência de cada item, assim Terborgh (1990). Como, então explicar o fato dos jabutis terem como estimada sua contribuição para o volume total da amostra. As sido, até agora, excluídos deste importante grupo de dispersores? sementes encontradas nas fezes foram contadas e identificadas atra- Acredito que a principal razão para a não inclusão de jabutis neste vés da comparação com sementes de frutos coletados nas matas da grupo deve-se ao fato de ambas as espécies serem dificilmente área de estudo e identificados no Herbário da Embrapa, em Belém. detectadas na floresta. Tal fato ocorre, principalmente, devido à Para avaliar o efeito, nas sementes, da passagem pelo trato coloração e ao comportamento crípticos de ambas espécies de digestivo dos jabutis, foram conduzidos testes de germinação com jabutis. Consequentemente, inventários de curto prazo acabam, quatro espécies de plantas. Para estimar o tempo pelo qual semen- invariavelmente, subestimando a densidade ou mesmo não regis- tes ingeridas permanecem dentro do trato digestivo dos jabutis, trando a presença deste componente da comunidade de dispersores seis indivíduos de G. denticulata e três de G. carbonaria foram man- de sementes. tidos em um cercado. A cada dois dias foram oferecidas aos jabutis, As poucas estimativas de densidade de jabutis disponíveis mos- durante um intervalo de aproximadamente uma hora, polpa de tram, entretanto, que as biomassas das populações de G. denticulata mamão e de banana. Foram utilizados marcadores distintos (se- e G. carbonaria podem representar frações importantes da biomassa mentes de cinco espécies diferentes), os quais foram misturados total dos vertebrados que atuam na dispersão de sementes. individualmente, em dias diferentes, às polpas. Entre 6:00 e 22:00 Moskovits (1985) estimou para uma área de 570 ha na Ilha de VI Congresso de Ecologia do Brasil, Fortaleza, 2003 | 29 Floresta Tropical Pluvial Amazônica Maracá (RR), densidades de 20 e 105 indivíduos por km2, para as Howe, H. F., and Smallwood, J. (1982). “Ecology of Seed Dispersal.” populações de G. denticulata e G. carbonaria, respectivamente. Agru- Ann. Rev. Ecol. Syst., 13, 201-228. pando-se as duas espécies, tais densidades representam uma Jordano, P. (2001). “Fruits and frugivory.” In: Seeds: the ecology of 2 biomassa de aproximadamente 600 kg/km , o que equivale a um regeneration in plant communities, M. Fenner, ed., CAB, terço da biomassa total de todos os mamíferos terrestres e mais de Wallingford, England, 125-165. três vezes a biomassa de todas as aves de Cocha Cashu, Peru MacDonald, L. A., and Mushinsky, H. R. (1988). “Foraging ecology (Terborgh 1986). Para a área de estudo do presente trabalho, as of the gopher tortoise, Gopherus polyphemus, in a sandhill habitat.” densidades das populações de G. denticulata e G. carbonaria foram Herpetologica, 44, 345-353. estimadas em 24 e 12 indivíduos por km2, respectivamente, o que representa a uma biomassa cerca de 135 kg/km2, valor semelhante Milton, S. J. (1992). “Plants eaten and dispersed by adult leopard a soma das biomassas de todas as espécies de aves da área de estudo tortoises Geochelone pardalis (Reptilia: Chelonii) in the southern (Nascimento 1999). Karoo.” South African Journal of Zoology, 27, 45-49. Mesmo considerando que os jabutis, por serem ectotermos, Moskovits, D. K. (1985). “The Behaviour Ecology of the two possam ter menores exigências metabólicas se comparados a ma- Amazonian Tortoises, Geochelone carbonaria and Geochelone míferos e aves, e desta forma apresentarem menores taxas de con- denticulata, in Northwestern Brasil,” PhD thesis, University of sumo de alimento, tais diferenças não justificam a negligência com Chicago, Chicago. que vem sendo tratado tal componente da guilda de dispersores de Moskovits, D. K. (1998). “Population and Ecology of the Tortoises sementes.