"O Aparecimento Dos Caraíba": Para Uma História Kuikuro E Alto-Xinguana

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MANUELA CARNEIRO DA CUNHA (ORG.) FRANCISCO M. SALZANO NIÉDE GUIDON ANNA CURTENIUS ROOSEVELT GREG URBAN BERTA G. RIBEIRO LÚCIA H. VAN VELTHEM BEATRIZ PERRONE-MOISÉS ANTÓNIO CARLOS DE SOUZA LIMA ANTÓNIO PORRO FRANCE-MARIE RENARD-CASEVITZ ANNE CHRISTINE TAYLOR PHILIPPE ERIKSON ROBIN M. WRIGHT NÁDIA FARAGE PAULO SANTILLI MIGUEL A. MENÉNDEZ MARTA ROSA AMOROSO TERENCE TURNER BRUNA FRANCHETTO ARACY LOPES DA SILVA CARLOS FAUSTO MARY KARASCH MARIA HILDA B. PARAÍSO BEATRIZ G. DANTAS JOSÉ AUGUSTO L. SAMPAIO MARIA ROSÁRIO G. DE CARVALHO SILVIA M. SCHMUZIGER CARVALHO JOHN MANUEL MONTEIRO SÓNIA FERRARO DORTA HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL 2? edição FaPESP ^fefe. _SMC Fundação DE AMPARO Á Pesquisa y, i -T^ i ltlUsicir«i o! Ti in s DO ESTADO Dt SÃO PAuuí COMHAN H I A DaS LiriRAS iD... JL1"l>.. 1 .., Biblioteca Digital Curt Nimuendajú http://www.etnolinguistica.org/historia C:op>rinht © 1992 hy os Autores Projeto editorial: NrCIS.O DF. HISTÓRIA INDÍGF^A E DO INDIGENISMO Capa e projeto gráfico: Motmd CMvakanti Assistência editorial: Mjrta Rosa Amoroso Edição de texto: Otanlío Fernando Nunes Jr. Mapas: Alíàa Roíla Tuca Capelossi Mapa das etnias: Clame CA)hn FJmundo Peggion índices: Beatriz Perrvne-Moisés Clame C^hn Edgar Theodoro da Cunha Edmundo Peggion Sandra Cristina da Silva Pesquisa iconográfica: Manuela Cimeiro da Cunha Marta Rosa Amoroso Oscar Cuilávia Saéz Beatriz Calderari de Miranda Revisão: Cármen Simões da Costa FJiana Antonioli 1^ edição 1992 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (iip) (Câmara Brasileira do Lixro, sp. Brasil) Carneiro História dos índios no Brasil / organização Manuela das letras Se- da Cunha. — São Paulo : Companhia AL BR f*pf.sp. cretaria Municipal de Cultura : 1992 F2519 Bibliografia .H57 ISBN S5-7164-260-5 1998x Brasil História 1 1. índios da América do Sul — — Cunha. Manuela Carneiro da. 921393 (Di>-980.41 índices para catálogo sistemático 41 1 Brasil índios História 980 1998 Todos os direitos desta edição leservados à KDl rC)R.\ St:H\\ARt J'. l.Tlí.V Rua Bandeira Paulista. 702, cj. 72 04532-002 — São Paulo — SP Telefone: (011) 86tU)801 Fiix: (011) 8t)tU)814 e-niail: ct)leiiasiííinleiiu't.sp. ioin.br "O APARECIMENTO DOS CARAIBA' Para uma história kuikuro e alto-xinguana Bruna Franchetto tratar dos povos que habitam até hoje nomia, parentesco, cosmologia, valores, rituais formadores rio Xingu, intra e intertribais — e se distinguem en- Aoa bacia dos do que no norte do Mato Grosso, pressupõe- tre si por outros traços, que funcionam como se uma unidade tanto geográfica e eco- emblemas de identidades contrastivas, como lógica como sócio-poh'tica. a manufatura de artefatos para troca, o terri- Seus Hmites geográficos são claros. A bacia tório de ocupação histórica e a língua ou dia- dos formadores, área de transição entre o cer- leto. rado e a floresta, é drenada por um leque de A sociedade alto-xinguana é multilingue; rios, sendo os principais os rios Kuliseu ou Ku- seus povos falam línguas que pertencem aos risevo, Kuluene e Ronuro, interligados por um troncos Tupi e Arawak e à família Karib, além emaranhado de igarapés, canais e lagoas, que do Trumai, língua considerada isolada. O Ka- confluem a 11°55' de latitude sul e a 53''35' mayurá e o Aweti são línguas Tupi-Guarani; de longitude oeste, no ponto chamado pelos Mehináku, Waurá e Yawalapiti são línguas Ara- índios de "centro do mundo", palco da cria- wak; Kuikuro, Kalapalo, Matipu e Nahukwá são ção do universo físico e humano. A bacia é fe- línguas Karib. Os Bakairi, grupo karib outro- chada ao sul pelo chapadão mato-grossense, ra limítrofe dos alto-xinguanos na fronteira me- a oeste pela serra Formosa que divide a dre- ridional e tendo em comum com eles elemen- nagem entre o rio Xingu e o rio Teles Pires, tos culturais, não pertencem a esse sistema, ao leste pela serra do Roncador que a separa não somente por estarem dele separados já há da bacia do rio das Mortes-Araguaia. O aces- quase um século, como também por apresen- so à região pelos rios nunca foi fácil; impossí- tarem diferenças culturais significativas e fa- vel procedendo do norte pela interposição da larem uma língua que não pode ser conside- cachoeira Von Martins e pelas corredeiras do rada próxima do Karib alto-xinguano.' No in- médio-baixo Xingu, obstáculo natural à nave- terior de cada agrupamento lingiiístico — Tu- gação rumo às nascentes do rio Xingu, resta pi, Arawak ou Karib — há variação de tipo dia- a transponibilidade do limite meridional, da- letal, com graus variados de inteligibilidade da a navegabilidade sazonal dos muitos tribu- mútua. O bilingiiismo ou até poliglotismo é fe- tários que correm no sentido sul-norte em área nómeno pouco difuso e de tipo essencialmen- de depressão (Menget, 1977:7; Menezes, te passivo, ou seja, vale para a compreensão 1990:210-1). e não para a execução; contudo, as barreiras Do ponto de vista sócio-político, a socieda- lingiiísticas não significam impossibilidade de de alto-xinguana é um conjunto bastante ho- comunicação intertribal (Franchetto, 1986). mogéneo de grupos locais inter-relacionados Nas últimas décadas, como resultado de um ([ue compartilham traços culturais em diver- longo processo de depopulação, cujo início sos domínios — padrão de aldeamento, eco- coincide com os primeiros contatos com os uo IlISTÓRU !X>S (NDIOS \0 BR\SIl. brancos, cada agrupainento liniíiiístico tem atualizada de pesquisas antropológicas e, em constituído uni único grupo local, reunido nu- menor número, linguísticas. ma só iildeia. Com relação à história anterior a 1884 Nosso objetivo, neste capítulo, não é deli- parece existir um grande vácuo, só preen- near uma história geral da sociedade alto- chível por conjeturas deduzíveis de umas xinguana, embora seu perfil seja traçado di- poucas investigações arqueológicas, todas retamente nesta introdução e na seção seguin- apenas de caráter preliminar, e da tradição te, e indiretamente no restante do trabalho. E, oral indígena. mais limitadamente, procurar reconstruir a A ocupação humana do alto Xingu parece história de um subsistema da sociedade alto- ser bastante antiga. Escavações realizadas por xingiiana, o dos grupos karib, ainda mais es- Dole (1961-2) e por Simões (1967) re\elaram pecificamente entre eles a história dos Kuiku- resíduos se acumulando num espessor de mais ro. Esta será enfocada cada vez mais a partir de um metro, onde se distinguiriam duas tra- do pano de fimdo alto-xinguano, para em se- dições ceramistas de origem amazônica. A pri- guida, à guisa de conclusão, nos reportarmos meira dataria dos séculos XII e XIII e a segun- àquele mesmo sistema abrangente nos dias de da, semelhante à cerâmica decorada plastica- hoje, definitixamente cercado pelas fronteiras mente e zoomorfa fabricada hoje pelos grupos de uma reserxa, o Parque Indígena do Xingu. arawak, dataria por volta de 1200-1300 d.C. A história do contato com os brancos, ou ' ca- Outro achado arqueológico tem sido apresen- raíba", é o fio condutor ou o ponto de irradia- tado para sustentar a hipótese de que po\os ção do discurso aqui desem ol\ ido, que pre- distintos dos atuais alto-.xinguanos teriam ha- tende incorporar o fio condutor da história bitado a região; trata-se da interpretação de cu- contada pelos próprios índios. Veremos como, riosas formações em forma de valetas como a partir deste século, a história indígena passa que enclausurando territórios delimitados. a se confinidir inextricavelmente com a histó- Produto de processos geológicos ou fortifica- ria do indigenismo brasileiro e da penetração ções feitas por mãos humanas? As supostas va- e estabelecimento da presença dos brancos em letas fortificadas, contemporâneas da segun- território indígena. da fase ceramista e encontradas em antigos sí- tios karib, mostrariam a existência no passado "PRÉ-HISTÓRIA" AUO-XINGUANA: de sociedades "guerreiras" e mais "comple- UM GRWDE VÁCUO xas" (Heckenberger, 1991). Tais sociedades te- E ALGUMAS CONJETLTIAS riam sido dizimadas por epidemias decorren- A história documentada dos povos indígenas tes dos primeiros contatos com os brancos e da região dos formadores do rio Xingu come- por conflitos com grupos indígenas invasores. ça no fim do século passado com os relatos das Monod (1978), ao relatar os resultados de es- viagens do alemão Karl \on den Steinen rea- cavações por ele realizadas em 1973, obserxu lizadas em 1884 e 1887 (Steinen, 1940, 1942). a existência de aldeias circulares circundadas A partir da leitura de O Brasil Central. Expe- por paliçadas cortadas por três amplos e re- dição em 1884 para a exploração do rio Xingu tos caminhos de entrada. Monod fala ;únda de e de Entre os aborígines do Brasil Central, cui- uma grande quantidade de sítios, gnuides ;il- dadosas crónicas das duas expedições e pri- deias e, sobretuda chama a atenção para a ílJta meiras obserxações etnográficas, é possí\el de- de provas arqueológicas de continuidade en- hnear o quadro do povoamento indígena da tre a fase datada de 1200-1350 d.C. e o siste- área no fim do século passado. Graças à docu- ma intertribal encontrado por \"on den Stei- mentação produzida pelas expedições que se nen, ponto iniciiil da história ;iltt>xingiuuui. As- sucederam às de \bn den Steinen, em perío- sim, o alto Xingu permanece um mistério à dos bastante regulares, a história dos índios do espera de pesciuisas cjue consigam traçar sua alto Xingu neste século se desenrola median- "pré-história". te relatórios, publicações científicas ou de di- .\ pergiuita fundamental que permanece vulgação jornalística, debates políticos, mani- não obstante as \arias hipóteses é; cinno e festos, projetos. Tal produção tem se intensifi- quando se formou o sistema multihngxie e in- cado desde meados dos anos 40. acrescen- tertribal do alto Xingu? Há consenso quanto tando-se uma contribuição mais regular e ao fato de que não seja unui criação itHvnte o APARECIMENTO DOS CAR.\fBA" 341 e que, pelo menos, tenha evoluído e se conso- sionomia cultural comum dos grupos que ne- Membros da expedição Von den lidado num processo contínuo nos últimos tre- le foram se sedentarizando, ligados por laços Steinen de 1887.
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