TELEJORNALISMO ALL NEWS: a Morte Do Âncora-Vedete?1
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TELEJORNALISMO ALL NEWS: a morte do âncora-vedete?1 SILVA, André Luiz (mestrando)2 Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) Resumo O presente artigo tem por objetivo observar se, de fato, o apresentador/âncora perdeu espaço no telejornalismo, sobretudo com o advento das emissoras all news, em que a velocidade e a onipresença da informação têm prioridade sobre os demais elementos constitutivos dessa emissão televisiva. Para isso, por um viés histórico- -discursivo, primeiramente, é proposto um caminho para se pensar a história do telejornalismo no Brasil, desde a década de 1940 até hoje; posteriormente, a partir de uma análise de dois telejornais all news brasileiros (Jornal das 10 e Jornal da Record News), tenta-se compreender a presença/ausência dos apresentadores/âncoras. Com base nas análises empreendidas aqui, não se pode dizer se o âncora-vedete vai desaparecer ou não; no entanto, vale ressaltar a força do apresentador nos telejornais all news analisados, sobretudo o JR News, em que Heródoto Barbeiro é editor-chefe e goza de liberdade para falar, sem, necessariamente, ficar preso à leitura das notícias, o que é uma estratégia de captação adotada pela emissão televisiva. Palavras-Chave: história do telejornal; discurso; âncora; telejornalismo all news. 1 De leitor de notícias a âncora-vedete Nos dicionários Houaiss (2009) e Aurélio (2009), a palavra “âncora” tem várias acepções, entre elas: “[...] 4 TV profissional de jornalismo televisivo que centraliza a emissão nos noticiários, cuidando pessoalmente ou participando da elaboração do texto das informações apresentando-as, freq. com comentários opinativos [...]” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 128). Esse sentido, apesar das controvérsias acerca da opinião (se deve haver ou não), é, de certa forma, ponto pacífico e não apresenta algo novo. Chama a atenção, contudo, outras três acepções da palavra “âncora”, as quais, conotativamente, são no mínimo sugestivas de análise se comparadas com o apresentador: [...] 3 fig. o que serve para proteger, para amparar; [...]” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 128); [...] 4. Símbolo da esperança. [...] 6. Inform. Em um documento hipertexto, elemento (como trecho de texto, imagem, etc.) com marcação especial, que o torna um elo para o outro ponto do documento ou para outro documento. [As palavras que servem como âncoras aparecem ger. grifadas ou em outra cor, ou sublinhadas, para destacá- las das demais e evidenciar para o leitor as alternativas de navegação.]. (FERREIRA, 2009, p. 132) 1 Trabalho apresentado ao GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. 2 Mestrando de Estudos em Linguagens do Cefet-MG. É pós-graduado em Revisão de Textos e graduado em Jornalismo. Atualmente, realiza pesquisa sobre Análise do Discurso e telejornais all news. É pesquisador do Centro de Apoio a Pesquisas sobre Televisão (CAPTE) do CEFET-MG e bolsista CNPq. 2 Nas duas primeiras acepções (proteção, amparo; e símbolo da esperança), o âncora é visto como o salvador, aquele cuja função é fiscalizar, reivindicar e se indignar em nome dos telespectadores. “Âncora é salvação, último recurso para elucidar, esclarecer, lembrar. Ancorar é persistir em uma posição, perseverar em uma opinião, em um sentimento e em uma ótica” (CUNHA, 1990, p. 103). Essa visão de um âncora messias vai além, pois a ele cabe mostrar, diariamente, “o que de mais importante aconteceu”. Pode-se pensar também no apresentador como essa âncora do documento hipertextual. De acordo com a clássica definição de Lévy (1993), o hipertexto é como um conjunto de nós interligados de modo aleatório e não linear. Pensando o apresentador como um nó, ele seria o meio ou o caminho entre o telespectador e o “mundo dos acontecimentos”. Segundo Ignacio Ramonet (2005 apud SOUSA, 2006), o telejornalismo passou por três fases desde o seu surgimento, na década de 1940, nos Estados Unidos. Num primeiro momento, consistia na leitura de notícias. Quase não havia imagens nesse período, quando muito de eventos já passados ou de gráficos, mapas, fotografias. No caso brasileiro, sobretudo por questões econômicas, o jornal era quase todo feito direto do estúdio, ao vivo, só com a presença do âncora-leitor e sua voz vibrante oriunda da experiência no rádio. A década de 1960 inaugura a segunda fase do telejornalismo, com o advento do vídeo. O telejornalismo se tornou mais dinâmico, ágil e ganhou em mobilidade. Esse modelo, para Ramonet (2005 apud SOUSA, 2006), criou o “apresentador-vedete”: é “[...] ele que confere unidade ao programa, pela sua presença constante e familiar, e credibiliza a informação, pois parece sentado ao mesmo nível do telespectador e olha-o nos olhos” (p. 171). A terceira e atual fase do telejornalismo, de acordo com o sociólogo espanhol, iniciou- -se com o surgimento da CNN (Cable News Network, na sigla em inglês) e de outras emissoras de TV all news3. Teria como característica principal a informação onipresente e contínua, em que são mostrados acontecimentos em diferentes pontos da Terra, bem como a sua repercussão. Dessa forma, Ramonet (2005 apud SOUSA, 2006) defende que o “âncora- -pivô” perdeu espaço como figura principal do telejornal. 1.1 Quatro âncoras e um caminho possível 3 Entende-se por emissoras all news aquelas cuja programação é exclusivamente de conteúdo jornalístico. 3 Embora a televisão tenha sido inventada em 1923, quando Vladimir Zworykin descobriu os raios catódicos4, a ideia de transmitir informações jornalísticas pelo tubo iconoscópio só se deu 20 anos depois. Não obstante, segundo Vianna (2003), o primeiro jornal em imagens foi produzido em 1909, pelos irmãos Lumière. Essa pré-história do telejornalismo, na verdade, tratava-se de filmes a respeito de acontecimentos históricos5. Na década de 1930, como mostra Ignacio Ramonet (2005 apud SOUSA, 2006), algo semelhante foi feito na Alemanha, onde a TV era utilizada para divulgar “info-propagandas” nazistas. De acordo com o sociólogo, o telejornalismo como se conhece hoje só surgiu no fim da década de 1940, nos Estados Unidos. 1.1.1 Gontijo Teodoro – o rádio na televisão No Brasil, o telejornalismo teve início como a chegada da televisão, trazida por Assis Chateaubriand, dono do primeiro império de comunicação do País6. Em setembro de 1950, foi exibido, pela TV Tupi, o Imagens do Dia, primeiro telejornal brasileiro. A primeira matéria exibida pelo Imagens foi um desfile cívico-militar pelas ruas paulistanas (REZENDE, 1999). Segundo Vianna (2003), no início, o Imagens era marcado por improviso e problemas de instabilidade. A exibição frequentemente sofria atraso. De acordo com Viana (2003), é interessante observar nesse período a semelhança do telejornalismo com o radiojornalismo no Brasil. O novo meio em muito copiou a práxis do rádio, inclusive, levando para a telinha muitos dos seus artistas e técnicos. Diferentemente, nos Estados Unidos, a base para o desenvolvimento do telejornalismo foi o cinema. O Imagens do Dia saiu de cena dois anos após a sua estreia, dando lugar às Telenotícias Panair. Este teve vida mais curta ainda e, em 1953, deu lugar ao Repórter Esso7, um dos telejornais de maior sucesso da história da TV brasileira, ficando no ar por 20 anos (VIANNA, 2003). Um dos êxitos do Repórter Esso foi a adoção do modelo norte-americano de apresentação. Nessa fase, o telejornal da Tupi teve como âncora, primeiramente, Khalil Filho e, em seguida, Gontijo Teodoro. Este se notabilizou pela frase: “Repórter Esso, o testemunho ocular dos fatos”. 4 No entanto, para Paternostro (1999), a invenção da TV foi fruto de descobertas iniciadas ainda no século XIX. 5 Em Vianna (2003), há mais informações sobre esse “cinejornalismo”. 6 Ver PATERNOSTRO, Vera Íris. O texto na TV: manual de telejornalismo. Rio de Janeiro: Campus, 1999. 7 Para Rezende (1999), o Repórter Esso era caracteristicamente marcado pelo estilo do rádio e pela subordinação ao patrocinador, algo corriqueiro na época. 4 Em 4 de agosto de 1952, a TV Tupi veio a fechar importante contrato com a Esso para a apresentação do “Repórter Esso”. O prestígio do programa já vinha do rádio, no qual se tornou o noticioso de maior evidência. Fora lançado em 20 de agosto de 1941 na Rádio Nacional [...] Na TV, eram programas de cinco minutos, várias vezes ao dia e contendo as últimas e mais destacadas notícias [...]. (ARONCHI DE SOUZA, 2005, p. 79) O estilo norte-americano no telejornalismo brasileiro ganhou regras extremamente rígidas, segundo Vianna (2003): frases com até 30 palavras; notícias com duração de, no máximo, 16 segundos; uso coloquial da língua; atribuição da fonte; 40% de notícias regionais, 40% nacionais e 20% internacionais, entre outras. Exceção desse período foi o Jornal de Vanguarda, da TV Excelsior. Este criou um modelo alternativo ao estilo norte-americano, com notícias críticas, mais profundas e comentadas. De acordo com Paternostro (1999), o Vanguarda foi o divisor de águas entre radiojornalismo e telejornalismo no Brasil8. “[...] o texto jornalístico ganhava força na locução de Luís Jatobá e Cid Moreira. O cuidado com a imagem refletia no visual dinâmico [...]” (REZENDE, 1999, p. 107). Até o fim da década de 1950, já havia seis TVs no país: Tupi, Record (1953) e Paulista (1952) em São Paulo; Tupi (1955), Excelsior (1959) no Rio de Janeiro; e Itacolomi (1956) em Belo Horizonte. Segundo Paternostro (1999), nesses primeiros dez anos, a TV no Brasil era considerada um luxo; só havia 78 mil aparelhos no país. 1.1.2 Cid Moreira – videotape, satélites e o JN A década seguinte inaugura uma nova fase do telejornalismo, com o advento do videotape e dos satélites de telecomunicações9. Com isso, o telejornalismo se tornou mais dinâmico, ágil e ganhou em mobilidade. Nesse momento, o (sub)gênero se tornou a principal atração das emissoras10. Apesar dessas novas tecnologias, o telejornalismo brasileiro não pôde gozar de todo o seu potencial criativo em razão, sobretudo, do Golpe de 1964. Talvez a emissora mais prejudicada com a ascensão do militares ao poder foi a Excelsior e seu crítico e combativo Jornal de Vanguarda, principalmente após a publicação do Ato Institucional n.