TELEJORNALISMO ALL NEWS: a morte do âncora-vedete?1

SILVA, André Luiz (mestrando)2 Centro Federal de Educação Tecnológica de (Cefet-MG)

Resumo

O presente artigo tem por objetivo observar se, de fato, o apresentador/âncora perdeu espaço no telejornalismo, sobretudo com o advento das emissoras all news, em que a velocidade e a onipresença da informação têm prioridade sobre os demais elementos constitutivos dessa emissão televisiva. Para isso, por um viés histórico- -discursivo, primeiramente, é proposto um caminho para se pensar a história do telejornalismo no Brasil, desde a década de 1940 até hoje; posteriormente, a partir de uma análise de dois telejornais all news brasileiros (Jornal das 10 e Jornal da ), tenta-se compreender a presença/ausência dos apresentadores/âncoras. Com base nas análises empreendidas aqui, não se pode dizer se o âncora-vedete vai desaparecer ou não; no entanto, vale ressaltar a força do apresentador nos telejornais all news analisados, sobretudo o JR News, em que Heródoto Barbeiro é editor-chefe e goza de liberdade para falar, sem, necessariamente, ficar preso à leitura das notícias, o que é uma estratégia de captação adotada pela emissão televisiva.

Palavras-Chave: história do telejornal; discurso; âncora; telejornalismo all news.

1 De leitor de notícias a âncora-vedete

Nos dicionários Houaiss (2009) e Aurélio (2009), a palavra “âncora” tem várias acepções, entre elas: “[...] 4 TV profissional de jornalismo televisivo que centraliza a emissão nos noticiários, cuidando pessoalmente ou participando da elaboração do texto das informações apresentando-as, freq. com comentários opinativos [...]” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 128). Esse sentido, apesar das controvérsias acerca da opinião (se deve haver ou não), é, de certa forma, ponto pacífico e não apresenta algo novo. Chama a atenção, contudo, outras três acepções da palavra “âncora”, as quais, conotativamente, são no mínimo sugestivas de análise se comparadas com o apresentador:

[...] 3 fig. o que serve para proteger, para amparar; [...]” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 128);

[...] 4. Símbolo da esperança. [...] 6. Inform. Em um documento hipertexto, elemento (como trecho de texto, imagem, etc.) com marcação especial, que o torna um elo para o outro ponto do documento ou para outro documento. [As palavras que servem como âncoras aparecem ger. grifadas ou em outra cor, ou sublinhadas, para destacá- las das demais e evidenciar para o leitor as alternativas de navegação.]. (FERREIRA, 2009, p. 132)

1 Trabalho apresentado ao GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. 2 Mestrando de Estudos em Linguagens do Cefet-MG. É pós-graduado em Revisão de Textos e graduado em Jornalismo. Atualmente, realiza pesquisa sobre Análise do Discurso e telejornais all news. É pesquisador do Centro de Apoio a Pesquisas sobre Televisão (CAPTE) do CEFET-MG e bolsista CNPq. 2

Nas duas primeiras acepções (proteção, amparo; e símbolo da esperança), o âncora é visto como o salvador, aquele cuja função é fiscalizar, reivindicar e se indignar em nome dos telespectadores. “Âncora é salvação, último recurso para elucidar, esclarecer, lembrar. Ancorar é persistir em uma posição, perseverar em uma opinião, em um sentimento e em uma ótica” (CUNHA, 1990, p. 103). Essa visão de um âncora messias vai além, pois a ele cabe mostrar, diariamente, “o que de mais importante aconteceu”. Pode-se pensar também no apresentador como essa âncora do documento hipertextual. De acordo com a clássica definição de Lévy (1993), o hipertexto é como um conjunto de nós interligados de modo aleatório e não linear. Pensando o apresentador como um nó, ele seria o meio ou o caminho entre o telespectador e o “mundo dos acontecimentos”. Segundo Ignacio Ramonet (2005 apud SOUSA, 2006), o telejornalismo passou por três fases desde o seu surgimento, na década de 1940, nos Estados Unidos. Num primeiro momento, consistia na leitura de notícias. Quase não havia imagens nesse período, quando muito de eventos já passados ou de gráficos, mapas, fotografias. No caso brasileiro, sobretudo por questões econômicas, o jornal era quase todo feito direto do estúdio, ao vivo, só com a presença do âncora-leitor e sua voz vibrante oriunda da experiência no rádio. A década de 1960 inaugura a segunda fase do telejornalismo, com o advento do vídeo. O telejornalismo se tornou mais dinâmico, ágil e ganhou em mobilidade. Esse modelo, para Ramonet (2005 apud SOUSA, 2006), criou o “apresentador-vedete”: é “[...] ele que confere unidade ao programa, pela sua presença constante e familiar, e credibiliza a informação, pois parece sentado ao mesmo nível do telespectador e olha-o nos olhos” (p. 171). A terceira e atual fase do telejornalismo, de acordo com o sociólogo espanhol, iniciou- -se com o surgimento da CNN (Cable News Network, na sigla em inglês) e de outras emissoras de TV all news3. Teria como característica principal a informação onipresente e contínua, em que são mostrados acontecimentos em diferentes pontos da Terra, bem como a sua repercussão. Dessa forma, Ramonet (2005 apud SOUSA, 2006) defende que o “âncora- -pivô” perdeu espaço como figura principal do telejornal.

1.1 Quatro âncoras e um caminho possível

3 Entende-se por emissoras all news aquelas cuja programação é exclusivamente de conteúdo jornalístico. 3

Embora a televisão tenha sido inventada em 1923, quando Vladimir Zworykin descobriu os raios catódicos4, a ideia de transmitir informações jornalísticas pelo tubo iconoscópio só se deu 20 anos depois. Não obstante, segundo Vianna (2003), o primeiro jornal em imagens foi produzido em 1909, pelos irmãos Lumière. Essa pré-história do telejornalismo, na verdade, tratava-se de filmes a respeito de acontecimentos históricos5. Na década de 1930, como mostra Ignacio Ramonet (2005 apud SOUSA, 2006), algo semelhante foi feito na Alemanha, onde a TV era utilizada para divulgar “info-propagandas” nazistas. De acordo com o sociólogo, o telejornalismo como se conhece hoje só surgiu no fim da década de 1940, nos Estados Unidos.

1.1.1 Gontijo Teodoro – o rádio na televisão

No Brasil, o telejornalismo teve início como a chegada da televisão, trazida por , dono do primeiro império de comunicação do País6. Em setembro de 1950, foi exibido, pela TV Tupi, o Imagens do Dia, primeiro telejornal brasileiro. A primeira matéria exibida pelo Imagens foi um desfile cívico-militar pelas ruas paulistanas (REZENDE, 1999). Segundo Vianna (2003), no início, o Imagens era marcado por improviso e problemas de instabilidade. A exibição frequentemente sofria atraso. De acordo com Viana (2003), é interessante observar nesse período a semelhança do telejornalismo com o radiojornalismo no Brasil. O novo meio em muito copiou a práxis do rádio, inclusive, levando para a telinha muitos dos seus artistas e técnicos. Diferentemente, nos Estados Unidos, a base para o desenvolvimento do telejornalismo foi o cinema. O Imagens do Dia saiu de cena dois anos após a sua estreia, dando lugar às Telenotícias Panair. Este teve vida mais curta ainda e, em 1953, deu lugar ao Repórter Esso7, um dos telejornais de maior sucesso da história da TV brasileira, ficando no ar por 20 anos (VIANNA, 2003). Um dos êxitos do Repórter Esso foi a adoção do modelo norte-americano de apresentação. Nessa fase, o telejornal da Tupi teve como âncora, primeiramente, Khalil Filho e, em seguida, Gontijo Teodoro. Este se notabilizou pela frase: “Repórter Esso, o testemunho ocular dos fatos”.

4 No entanto, para Paternostro (1999), a invenção da TV foi fruto de descobertas iniciadas ainda no século XIX. 5 Em Vianna (2003), há mais informações sobre esse “cinejornalismo”. 6 Ver PATERNOSTRO, Vera Íris. O texto na TV: manual de telejornalismo. : Campus, 1999. 7 Para Rezende (1999), o Repórter Esso era caracteristicamente marcado pelo estilo do rádio e pela subordinação ao patrocinador, algo corriqueiro na época. 4

Em 4 de agosto de 1952, a TV Tupi veio a fechar importante contrato com a Esso para a apresentação do “Repórter Esso”. O prestígio do programa já vinha do rádio, no qual se tornou o noticioso de maior evidência. Fora lançado em 20 de agosto de 1941 na Rádio Nacional [...] Na TV, eram programas de cinco minutos, várias vezes ao dia e contendo as últimas e mais destacadas notícias [...]. (ARONCHI DE SOUZA, 2005, p. 79)

O estilo norte-americano no telejornalismo brasileiro ganhou regras extremamente rígidas, segundo Vianna (2003): frases com até 30 palavras; notícias com duração de, no máximo, 16 segundos; uso coloquial da língua; atribuição da fonte; 40% de notícias regionais, 40% nacionais e 20% internacionais, entre outras. Exceção desse período foi o Jornal de Vanguarda, da TV Excelsior. Este criou um modelo alternativo ao estilo norte-americano, com notícias críticas, mais profundas e comentadas. De acordo com Paternostro (1999), o Vanguarda foi o divisor de águas entre radiojornalismo e telejornalismo no Brasil8. “[...] o texto jornalístico ganhava força na locução de Luís Jatobá e Cid Moreira. O cuidado com a imagem refletia no visual dinâmico [...]” (REZENDE, 1999, p. 107). Até o fim da década de 1950, já havia seis TVs no país: Tupi, Record (1953) e Paulista (1952) em ; Tupi (1955), Excelsior (1959) no Rio de Janeiro; e Itacolomi (1956) em . Segundo Paternostro (1999), nesses primeiros dez anos, a TV no Brasil era considerada um luxo; só havia 78 mil aparelhos no país.

1.1.2 Cid Moreira – videotape, satélites e o JN

A década seguinte inaugura uma nova fase do telejornalismo, com o advento do videotape e dos satélites de telecomunicações9. Com isso, o telejornalismo se tornou mais dinâmico, ágil e ganhou em mobilidade. Nesse momento, o (sub)gênero se tornou a principal atração das emissoras10. Apesar dessas novas tecnologias, o telejornalismo brasileiro não pôde gozar de todo o seu potencial criativo em razão, sobretudo, do Golpe de 1964. Talvez a emissora mais prejudicada com a ascensão do militares ao poder foi a Excelsior e seu crítico e combativo Jornal de Vanguarda, principalmente após a publicação do Ato Institucional n. 5 (AI-5), em 1967. A concessão da emissora foi cassada pelo Regime Militar.

8 “Em 1963, [o Jornal de Vanguarda] recebeu na Espanha o Prêmio Ondas de melhor telejornal do mundo.” (PATERNOSTRO, 1999, p. 36) 9 Para Rezende (1999), no entanto, a nova fase do telejornalismo brasileiro só se deu com o surgimento do Jornal Nacional e a extinção da TV Tupi. 10 Segundo Aronchi de Souza (2005), o telejornal ainda hoje ocupa espaço privilegiado na programação. 5

Em outras emissoras, o governo militar não chegou a cassar as concessões, mas a censura se instalou em toda e qualquer produção, seja jornalística, seja de entretenimento. Nesse período, surgiu, em 26 de abril de 1965, a Rede Globo, do jornalista Roberto Marinho. No início, a Globo concentrou sua programação em programas populares, como e Dercy Gonçalves (PATERNOSTRO, 1999). Em 1º de setembro de 1969, o Jornal Nacional, da Rede Globo, entra no ar. Esse foi o primeiro programa transmitido simultaneamente (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, e )11. Segundo Vianna (2003), o JN só ganhou credibilidade entre os telespectadores ao longo dos anos. E seu formato pouco se alterou desde a sua estreia, só mesmo por razões econômicas e pelo surgimento de outras emissoras. Nesse início, o JN foi marcado por um paradoxo: mostrar aos telespectadores sua autonomia em relação ao Regime Militar, mas conviver com a censura do governo. Dessa forma, de acordo com Rezende (1999), a originalidade do JN estava no uso da tecnologia, pois o conteúdo sofria intervenção direta dos militares. Nessa época, o telejornalismo não era prioridade em outras emissoras do País. A Record baseou sua programação em filmes norte-americanos e nos programas de auditórios – destaque para os consagrados musicais Fino da Bossa, Bossaudade e Jovem Guarda12. A emissora, no entanto, teve problemas em função de três incêndios ocorridos no ano de 1969 (AMORIM, 1999). A TV Tupi, já com dificuldades financeiras, continuava a exibir o Repórter Esso, mas começava a mudar o foco para as novelas, como o sucesso Beto Rockfeller. A TV Bandeiras, inaugurada em 1967, deu destaque para as produções musicais. O fim do Repórter Esso se deu em 1970 por problemas econômicos e surgimento da Globo. A década de 1970 marca o início das transmissões em cores na TV brasileira. De acordo com Paternostro (1999), a TV Difusora de Porto Alegre foi primeira a transmitir em cores, durante a Festa da Uva, em 1972. Outra inovação desse decênio, segundo a autora, foi o surgimento da programação nacional. A partir de então, a grade da emissora era ou poderia ser a mesma em todo o território brasileiro. A Rede Globo, já há muito a emissora mais assistida do País, começa a estabelecer o “padrão Globo”. De acordo com Décio Pignatari (1984, apud REZENDE, 1999), a Globo eliminou o improviso, deu novo visual ao cenário e aos locutores. O principal âncora da emissora então era Cid Moreira, saído do Jornal Vanguarda. “[...] Cid é um exemplo raro de

11 “O estilo de linguagem e narrativa e a figura do repórter de vídeo tinham os telejornais americanos como modelo.” (PATERNOSTRO, 1999, p. 36) 12 A audiência deses programas chegava a 90% no eixo Rio-São Paulo (AMORIM, 1999). 6

neutralidade no sentido de constância, homogeneidade e monotonia (i. e., um único tom, sempre o mesmo) que ele ‘imprime’ a qualquer notícia, ressaltando o tom pela rigidez de postura à leitura, olhos postos no miolo da lente da câmera, ou seja no telespectador em casa” (GLEISER, 1983 apud REZENDE, 1999, p. 114). O início dos anos 1980 é marcante para a TV brasileira. “[...] chega ao fim a história da primeira emissora do País: por causa de problemas financeiros, a de Televisão é cassada pelo governo. E suas emissoras são dividas em dos grupos empresarias – Sílvio Santos e Adolfo Bloch” (PATERNOSTRO, 1999, p. 33). Um ano depois, Sílvio Santos funda o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), uma emissora de programas populares e, em certa medida, com bons índices de audiência. Em 1983, surge a de Televisão. A TV do grupo Bloch se especializou na exibição de documentários e produções independentes.

1.1.3 – ler... e opinar

Na segunda metade da década de 1980, o SBT, segundo Rezende (1999, p. 126), era visto com “uma emissora incapaz de produzir um jornalismo de qualidade”. A mudança ocorre quando Sílvio Santos decide reformular o telejornalismo e adquire novos equipamentos e contrata o jornalista Boris Casoy, ex-editor-chefe da Folha de S.Paulo. A inexperiência dele em TV não foi problema. Pelo contrário, Casoy inovou na apresentação do Telejornal Brasil.

Casoy, no entanto, não conformou a sua função ao modelo norte-americano de ancoragem. De forma singular, além de ler as notícias e conduzir o noticiário, ele passou a fazer entrevistas e emitir comentários pessoais sobre os fatos noticiados, o que para alguns críticos e profissionais de outras emissoras era um deturpação do trabalho do âncora (REZENDE, 1999, p. 127).

A resposta a esse modelo criado por Casoy e pela direção de jornalismo do SBT logo repercutiu. O TJ teve grande aceitação entre os telespectadores e chegou a ser o segundo produto de maior audiência da emissora, só atrás do Programa Sílvio Santos. A ida de Boris Casoy para o Telejornal Brasil e a forma de ele atuar ante as notícias revolucionou a maneira de ancorar do telejornalismo brasileiro (REZENDE, 1999). O apresentador deixou de ser apenas locutor ou leitor das notícias, como outrora ocorreu com Gontijo Teodoro e Cid Moreira. A função de âncora agora cabia ao jornalista.

1.1.4 William Bonner – uniformização da notícia 7

Com opinião ou sem, o telejornalismo brasileiro acabou por adotar o jornalista como apresentador das notícias. Nem mesmo o Jornal Nacional, com o seu “padrão Globo”, foi exceção nesse sentido. Em 1º de abril de 1996, a dupla de jornalistas William Bonner e Lilian Witte Fibe tomou os lugares de Cid Moreira e Sérgio Chapelin na apresentação do JN13. De acordo com Eugênio Bucci (1996 apud REZENDE, 1999), essa, entre outras mudanças, tornou o JN mais ágil, dinâmico e jovial, mas, segundo ele, o essencial permaneceu: “[...] sua estrutura melodramática, com direito ao infalível happy end e ao ‘governismo’ [...]” (p. 134). Outra alteração no telejornalismo brasileiro veio no ano seguinte, quando Boris Casoy, após nove anos à frente do Telejornal Brasil, deixou o SBT e foi para a TV Record, onde, além de ancorar o , ganhou um programa de entrevistas ao domingo chamado Passando a Limpo. Apesar de haver vários telejornais – Jornal Nacional, Jornal da Record, Jornal da Band14 etc. –, para Rezende (1999), a década foi marcada por uma uniformização da notícia.

1.2 Telejornalismo all news

Se, na década de 1990, o telejornalismo na TV aberta vivia uma fase de arrefecimento, na TV por assinatura, ele ganhou espaço privilegiado, com a primeira emissora exclusivamente de notícias (ou all news) do Brasil, a Globo News, criada em 15 de outubro de 1996. A lógica de programação da emissora seguiu o formato utilizado pela CNN desde a década de 1980: sucessão de jornais de hora em hora ao vivo com as principais informações do dia, sempre buscando atualizar e aprofundar as temáticas de maior relevância.

[...] é uma espécie de jornal em cascata: um espelho é feito para o jornal das sete da manhã, e ao longo do dia ele se transforma, com a inclusão de novas reportagens e a atualização dos assuntos do Brasil e do mundo. [...] A cada jornal, os temas principais do dia são ampliados, aprofundados e comentados de forma que o assinante receba sempre uma informação a mais, com vários enfoques e visões diferenciadas. Algumas reportagens são reapresentadas propositalmente em todos os jornais, para que o assinante que estiver ligando a televisão naquele momento possa receber um jornal completo, de política e economia a internacional e esportes. É assim que funcionam as TVs por assinatura de notícias. (PATERNOSTRO, 1999, p. 44, grifo da autora)

13 Essa mudança veio seguida de outras, como cenário, vinheta etc. 14 Nessa época, o ex-correspondente da Globo em Nova York, Paulo Henrique Amorim, era o âncora do jornal. 8

Essa programação cíclica, contudo, pode ser interrompida a qualquer momento caso aconteça um fato de extrema relevância para a emissora; foi o caso, por exemplo, do acidente com o Fokker da TAM, em 1996, e da morte da princesa Diana, em 1997, quando a Globo News se dedicou exclusivamente a esses fatos, alterando a grade da emissora. O caminho trilhado pela Globo News logo foi seguido pela , com a TV Band News (criada em março de 2001) e pela Rede Record, com a Record News (criada em setembro 2007). Tanto esta como aquela têm tentado, de alguma maneira, buscar diferenças em relação à Globo News. A programação da TV Band News, por exemplo, consiste em exibir jornais ininterruptos com blocos de 15 minutos. Já a Record criou um canal de telejornalismo all news na TV aberta, o que levou a Globo News a pensar na possibilidade de, do mesmo modo, abrir seu sinal (CASTRO, 2007). Mesmo com a exibição de telejornais de tempos em tempos, Globo News e Record News têm, à noite, um telejornal no padrão tradicional, com todas as características e elementos do gênero (vinheta, escalada, cenário etc.)15. Tais jornais, Jornal das 10 (Globo News) e Jornal da Record News (Record News), têm a função de, em uma hora, sintetizar os acontecimentos “mais importantes do dia”. “O Jornal das Dez é o Jornal Nacional da Globo News. Com uma hora de produção, além de noticiar, comenta, explica e aprofunda os assuntos principais através de entrevistas e debates [...]” (PATERNOSTRO, 1999, p. 44). Sendo o J10 e o JR News telejornais semelhantes16 a quaisquer outros, o âncora está entre os elementos de importância para se pensar as estratégias de construção de sentido da apresentação e a estrutura de organização dos jornais como emissões discursivas. E, dessa forma, este artigo quer tentar perceber essa presença/ausência do âncora nesses telejornais.

2 Por uma análise discursiva do âncora

Os telejornais, de TV aberta ou não, são um gênero discursivamente complexo (DAVID-SILVA; COURA-SOBRINHO, 2010), permeado de interdiscursos e que possibilitam leituras multissemióticas, em razão da presença de texto escrito/falado, imagens em movimento, áudio etc. Para dar conta desse objeto permeado de inter-relações, Jost (1999) elaborou um método que leva em consideração elementos indispensáveis à constituição dos telejornais, a saber: vinheta, escalada, hierarquização temática, cenário, âncora etc.

15 A TV Band News permanece com a lógica de um telejornal ininterrupto durante 24 horas. 16 Uma diferença interessante entre telejornais de TV aberta e de emissoras all news é a presença da tarja nestes. Cíclica e onipresente, ela está na parte inferior dos telejornais e, por meio dela, os canais têm a possibilidade de divulgar mais notícias ou de reforçar informações já ditas anteriormente, num processo ininterrupto. 9

Esse percurso analítico, que vem sendo utilizado por alguns autores brasileiros (DAVID-SILVA, 2005; ANDRADE, 2012), em parte, servirá de apoio para este artigo. Apesar de não analisar todas as estratégias de construção de sentido da apresentação e a estrutura de organização do Jornal das 10 e do Jornal da Record News, pretende-se compreender a figura dos âncoras de ambos os telejornais all news (Mariana Godoy e Heródoto Barbeiro) a partir de três aspectos: 1) capital visual, isto é, o tempo de exposição da imagem do apresentador em relação ao tempo total de emissão do programa; 2) os planos fílmicos utilizados para expor o âncora; e 3) capital de voz, ou seja, o tempo de audição do apresentador durante o jornal.

3 Além do que se vê

Tentando perceber os possíveis interpretantes discursivos, propõe-se aqui confrontar os dois telejornais all news (Jornal das 10 e Jornal da Record News), a fim de perceber recorrências e diferenças em relação à figura dos âncoras. Ciente do sem-número de possibilidades de análises em se tratando de fenômenos sociais, opta-se, nesta pesquisa, por analisar a figura do âncora, pois, como afirmou Charaudeau (2010), o jornalista “constitui a figura mais importante” da instância de produção midiática. Antes de apresentar e confrontar os dados obtidos, há de ressaltar alguns dados a fim de contextualizar os corpora escolhidos. Esses são o Jornal das 10 e o Jornal da Record News exibidos no dia 22 de fevereiro de 2013. Nessa data, o J10 teve cinco blocos com duração total de 59:46 somando os intervalos entre um bloco e outro, e 55:01 sem intervalos. Já o JR News foi ao ar em quatro blocos, totalizando 1h04min57 com os intervalos e 52:55 sem. Mesmo sendo divido em mais blocos (cinco) e tendo o tempo total menor (59:46) em relação ao JR News, o J10 teve, nesse dia, um tempo maior de exibição líquida, isto é, sem contar os comerciais. Outro dado curioso diz respeito à ênfase dada ao julgamento de Gil Rugai (um jovem acusado de assassinar a tiros o pai e a madrasta em 2004 para ficar com os bens da família). Enquanto o JR News priorizou o fato, dando 28:25 de espaço, com matéria do julgamento, entrevista com especialista externo (Alberto Toron, advogado criminalista), opinião de um jornalista-especialista (Percival de Souza), o J10 dedicou apenas 2m35 ao caso. 10

Devido a isso, o JR News desse dia foi atípico, com exibição de menos entradas (reportagens17, notas secas18, notas cobertas etc.) e temáticas. Prova disso é a disparidade entre o número de reportagens exibidas: enquanto o J10 exibiu 12; o JR News, só quatro.

3.1 Capital visual

Por capital visual, entende-se a exposição do âncora ao vídeo, isto é, o tempo dado à exibição do apresentador. Tanto no Jornal das 10 quanto no Jornal da Record News, há apenas um âncora (Mariana Godoy, J10; Heródoto Barbeiro, JR News), embora naquele a apresentadora divida a apresentação com os “editores” de temáticas específicas, sobretudo política (Renata Lo Prete) e economia (Dony de Nuccio). A diferença em relação ao tempo de exposição do âncora neste dia é significativa (GRÁFICO 2), já que o JR News adotou como estratégia de captação a entrevista: além do diálogo com o advogado e com o jornalista-especialista sobre o “caso Gil Rugai”, Heródoto entrevistou Alfredo Sterheim (crítico de cinema e cineasta) sobre o Oscar-2013 e com Daniel Castro (jornalista-especialista de mídias) sobre evento de produção independente para a TV.

GRÁFICO 1 – Tempo do âncora/dia

Ao priorizar a entrevista, o JR News evidencia a figura de Heródoto, já que ele, sendo o entrevistador, era exposto ao vídeo, fazendo perguntas e instigando os convidados a opinar. Em consequência disso, o capital visual de Heródoto supera em quase três vezes o de

17 A reportagem se inicia na elaboração da pauta a ser tratada, posteriormente se dá a checagem dos dados, o trabalho externo (gravação de imagens, entrevistas etc.), para, por fim, ocorrer a edição do conteúdo. 18 Notícia lida pelo apresentador do telejornal sem qualquer imagem de ilustração. A nota coberta, por sua vez, é semelhante, mas difere por apresentar uma sucessão de imagens em vez de se mostrar a figura do âncora. 11

Mariana, do J10 (GRÁFICO 3)19. Esse uso excessivo do âncora no JR News em muito remete à segunda fase descrita por Ramonet (2005 apud Sousa, 2006), um telejornalismo hollywoodiano, centrado no apresentador, um herói, sujeito cuja responsabilidade é não só mediar o programa, mas dar unidade, coerência por meio de sua presença familiar e credível.

GRÁFICO 2 – Capital visual do apresentador

3.2 Capital de voz

Para mensurar o capital de voz, basta somar o tempo do âncora em vídeo enquanto anuncia (lê) uma cabeça20, uma nota seca etc., mais o tempo em que há a emissão da voz dele sem ele aparecer (off), é o caso das notas cobertas. Nesta categoria de análise, percebe-se uma equidade entre Mariana Godoy (J10) e Heródoto Barbeiro (JR News) (GRÁFICO 4).

GRÁFICO 3 – Capital de voz do apresentador

19 Este percentual é em relação ao tempo líquido dos telejornais, sem intervalos. 20 Cabeça é sempre lida pelo apresentador e introduz as reportagens. 12

Embora o tempo de exposição do âncora do JR News tenha sido quase três vezes maior em relação ao da apresentadora da J10, o capital de voz de ambos foi quase o mesmo, sendo 24,8% para ele e 23,9% para ela (este percentual é em relação ao tempo líquido dos telejornais, sem intervalos). Isso se explica porque Heródoto Barbeiro, apesar de ter aparecido com frequência durante as entrevistas com especialistas e diálogos com jornalistas- -especialistas, não fala, mas apenas assente e instiga seu interlocutor a enunciar. No caso de Mariana Godoy, o pouco tempo de audição da âncora se dá, em parte dos casos, pela quantidade elevada de reportagens (12) e por “dividir” a apresentação com outros profissionais (Dony de Nuccio, editor de economia; Renata Lo Prete, editora de política; Sandra Coutinho, correspondente em Nova York). Dony de Nuccio, por exemplo, entra no primeiro bloco do J10 (momento em que Mariana Godoy “sai de cena”) e anuncia duas notas secas, tomando 01:52 do telejornal da Globo News.

3.3 Planos fílmicos

Para analisar os planos fílmicos do Jornal das 10 e do Jornal da Record News, optou- -se por utilizar a ideia de proxemia desenvolvida pelo antropólogo norte-americano Edward Hall. Segundo esse autor, esse conceito diz respeito ao espaço que cada homem possui e como se utiliza dele: “cada indivíduo é o centro de uma série de bolhas concêntricas caracterizadas pelas distâncias que separam os interlocutores e que são escolhidas preferencialmente segundo o tipo de interação desejada (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 412, grifo dos autores). Dessa maneira, Hall estabeleceu quatro distâncias a partir de seus estudos:

(i) íntima, até 40 cm – pode-se sentir o calor, cheiro, respiração etc. do outro; (ii) pessoal, de 40 cm a 1,20 m – essa é a distância de um diálogo normal; (iii) social, de 1,20 m a 3,60 m – pressupõe certa privacidade em relação ao outro. (iv) pública, de 3,60 m em diante – distância impessoal.

Essa perspectiva estabelecida por Hall pode ser transposta para os planos fílmicos dos telejornais, como o fez David-Silva (2005): (i) a distância íntima seria o close-up; (ii) a distância pessoal estaria entre o primeiro plano e o plano próximo; (iii) a distância social, entre o plano médio e o geral; e, por fim, (iv) a distância pública seria o plano geral.

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FIGURA 1 – J10 – plano médio FIGURA 2 – J10: plano geral

No J10, pode-se observar o uso do plano médio, isto é, a apresentadora aparece da cintura para cima, como plano-base da emissão televisiva (FIGURA 1). Apesar de usar outros planos fílmicos, esse é o mais recorrente. Este, bem como o plano próximo (o âncora aparece dos cotovelos para cima), mais bem representa a relação olho no olho descrita por Ramonet. Há uma espécie de cumplicidade com o público nessa estratégia de captação. Interessante observar o uso feito do plano geral (em que a âncora aparece de corpo inteiro envolta pelo cenário – FIGURA 2). Esse plano é sempre usado no início e no fim dos blocos com um movimento de travelling horizontalizado21. Quando há o início do bloco, a câmera se desloca em direção à apresentadora, num movimento em que o telespectador parece ser convidado a entrar no cenário; quando há fim de bloco, a câmera deixa a figura da apresentadora em direção ao cenário, como se o telespectador dissesse: “vou ali e já volto”.

FIGURA 3 – JR News: plano próximo FIGURA 4 – plano médio/geral

Se o plano médio é o plano-base do J10, o plano próximo desempenha essa função no JR News (FIGURA 3), colocando Heródoto Barbeiro no mesmo nível do telespectador. Em

21 A câmera se desloca no espaço com auxílio de um carrinho ou grua. 14

relação ao movimento da câmera, o JR News, como o J10, usa o travelling, não horizontalizado, mas verticalizado: sempre no início dos blocos, a câmera se desloca de baixo para cima para ir ao encontro do apresentador. Ademais deste, o JR News, por vezes, usa o zoom para alternar os planos fílmicos, indo do geral ao próximo e vice-versa. Uma técnica interessante observada nesse jornal é a mudança de câmera para delimitar o fim de um assunto e o início de outro. Ao mudar de uma câmera a cada notícia, o JR News estrutura as temáticas de maneira a mostrar para o telespectador parte da estrutura do jornal.

4 Considerações finais

Embora a atual fase do (tele)jornalismo seja claramente marcada pela onipresença e velocidade da informação, não se pode afirmar, a partir deste artigo, a substituição do âncora como protagonista da cena enunciativa, dando lugar à ubiquidade das notícias. No entanto, não se sabe se o status de “âncora-vedete” vai perdurar, sobretudo se pensarmos em outras formas de informação dentro (a tarja) e fora (a internet) dos telejornais. A partir deste artigo e com base na análise feita no Jornal das 10 e no Jornal da Record News, ainda se nota, principalmente neste, a forte presença do âncora na emissão televisiva. O logotipo do JR News, por exemplo, leva o nome de Heródoto, dando ares de apresentador notório. Outros exemplos do seu protagonismo se dão em razão de sua identidade sociodiscursiva, já que, ademais de âncora do JR News, é editor-chefe, isto é, entre outras funções, define o que vai ou não ao ar, e, discursivamente, tenta estabelecer um diálogo com o telespectador, com comentários espontâneos e uso de adjetivos, o que reforça sua posição de editor-chefe e dá personalização à informação do jornal. O J10, por sua vez, não dá (pelo menos na edição analisada) o mesmo protagonismo a Mariana Godoy. Ademais de dividir a apresentação do jornal com os editores de política e de economia, e com uma correspondente no Estados Unidos, a âncora não é editora-chefe do J10 e se mostra muito presa à leitura das notícias, com poucos (ou sem) comentários acerca das notícias, o que é uma característica do “padrão Globo”. O J10 abre mão de uma apresentadora-vedete para usar como estratégia de captação a dinamicidade de apresentação, com profissionais em diferentes lugares (Rio, São Paulo, Nova York), e a quantidade de notícias, 24 ao todo, entre reportagens, notas cobertas e nota seca.

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