Cenario Televisivo.Pdf
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1 INTRODUÇÃO Em dezembro de 2005, o Brasil perdeu Gianni Ratto, um dos mais importantes nomes do teatro nacional. Vindo da Itália, onde já era uma referência no campo da cenografia, Ratto chegou ao Brasil, em 1953, pelo Teatro, e pelo Teatro ficou em nosso país. Sua paixão pelas coisas do teatro está impressa nas páginas de Hipocritando (ed. Bem-Te-Vi 2004), Antitratado de Cenografia (ed. Senac 1999) e a Mochila do Mascate (ed. Hucitec 1996). No período em que ficou aqui, consolidou-se como um dos mais influentes cenógrafos do país. Com relação à televisão, em junho de 2001, em entrevista ao jornal O Estado do São Paulo, Ratto disse: “recuso-me a falar de TV, ela não me interessa”. Mais do que estranhar a postura de Ratto, que muito colaborou para a pesquisa dos elementos de configuração teatral, o que nos surpreende, nesse caso, é o modo como a pergunta foi formulada: “Você viveu um período rico do teatro brasileiro. A influência maléfica da TV nos colocou no lixo da história?” (www.estadao.com.br/divirtase/noticias/2001/jun/11/74). De um modo geral, esse é o tipo de tratamento que se dá à televisão e à produção televisiva, carregado de uma série de preconceitos, que revelam, na maior parte das vezes, idéias generalizadas, formadas sem conhecimento das inúmeras facetas do sistema. Algumas dessas opiniões já foram amplamente difundidas e tornaram-se bandeiras para todo tipo de crítica direcionada ao sistema. 1. CRITICANDO A TV. Entre os discursos críticos ao material televisivo, encontramos constantemente a referência ao meio como indústria: “A televisão é uma indústria e, em seu ritmo de produção, a possibilidade 2 de inovação é rara (...). O novo não vai aparecer na televisão exatamente por seu caráter conservador e estrutural. A inovação como ruptura não existe na televisão, porque ela tem um papel de manutenção, de reforço da ideologia vigente” (Priolli 1988: 153) Arlindo Machado, em A Televisão Levada a Sério (2000), lembra que, “para muitos, a televisão, muito mais que os meios anteriores, funciona segundo um modelo industrial e adota como estratégias produtivas as mesmas prerrogativas da produção em série que já vigoram em outras esferas industriais, sobretudo na indústria automobilística” (ibid.: 86). Esse tipo de pensamento se pode verificar claramente no texto de Muniz Sodré: “O modelo econômico de produção correspondente à televisão massiva é definido por Garnham como ‘fordista’, o que equivale a dizer um sistema de produção serializada, homogeneizante e caracterizado pela rígida divisão do trabalho” (2002: 79). À crítica de serialização, soma-se, então, a de massificação, que contém, por sua vez, a idéia de pasteurização cultural. “Ao se dirigir ao mesmo tempo a tanta gente, a televisão assume o ônus da fabricação de um produto incapaz de satisfazer a necessidades específicas de informação ou entretenimento” (Hoineff 1996: 53). Segundo Nelson Hoineff, “a televisão brasileira, em particular, cria padrões estéticos que não vão refletir as expectativas naturais da sociedade, mas impor a ela as expectativas dos que a dominam” (ibid.). Machado complementa a tese lembrando que: “a necessidade de alimentar com material audiovisual uma programação ininterrupta teria exigido da televisão a adoção de modelos de produção em larga escala, onde a serialização e a repetição infinita do mesmo protótipo constituem a regra. Com isso, é possível produzir um número bastante elevado de programas diferentes, utilizando sempre os mesmos atores, os mesmo cenários, o mesmo figurino e uma única situação dramática. (...) o programa de televisão é concebido como um sintagma padrão, que repete o seu modelo básico ao longo de um certo tempo, com variações maiores ou 3 menores. O fato mesmo de a programação televisual como um todo constituir um fluxo ininterrupto de material audiovisual, transmitindo todas as horas do dia e todos os dias da semana, (...) exigem velocidade e racionalização da produção” (ibid.: 86). O segundo, e talvez maior, alvo de críticas a este sistema encontra-se na forma como parte da programação, em especial as transmissões ao vivo, se apresenta ao público. Em estudo realizado, tendo como foco principal de observação a cobertura jornalística gerada pela Guerra do Golfo, Jean Baudrillar afirma: “a uma velocidade determinada, a da informação, as coisas perdem seu sentido” (apud Machado: ibid.: 127). Tese esta, entre outras, que Machado irá contestar: “Pierre Bourdier, em seu desastroso livro sobre a televisão, vem a afirmar, por sua vez, que a televisão não favorece o pensamento, porque ela é construída sob o sígno da urgência, da velocidade e da simultaneidade do tempo presente (...). Para Bourdier, a velocidade é o contrário do pensamento” (ibid); “para Virillo, a televisão é nociva, entre outras coisas, porque, operando fundamentalmente ao vivo, ela não permite recuo algum, nenhuma distância crítica e, por conseqüência, nenhuma reflexão” (ibid.). Entretanto, frente a essa série de críticas, Machado acredita que, “ao longo de seus mais de cinqüenta anos de história, a televisão deu mostras de ser um sistema expressivo suficientemente amplo e denso para dar forma a trabalhos complexos e também abriu espaço para a intervenção de mentalidades pouco convencionais” (ibid. 10). Sodré também acredita que a TV “não é ‘coisa una’, mas um medium em evolução” (ibid.:79). Décio Pignatari, em Informação, Linguagem e Comunicação (1997), lembra que outros sistemas, antes do surgimento da televisão, passaram pelos mesmos constrangimentos impostos, atualmente, a este: “o cinema, mesmo no início da fase sonora, sofria os mesmos ataques que a intelligentsia move hoje contra a televisão. Em seu romance Si gira..., de 1917 4 (...), Pirandello também denunciara a ‘falsidade’ do cinema (...); no Ulysses 1922, mas cuja ação se passa em 16-6-1904, Joyce conclui que a fotografia não é arte” (ibid.: 71-76). 2. FALANDO SOBRE A TV. Independente do quanto de verdade possa existir nas crenças expostas anteriormente, e em muitas outras que não estão aqui, o fato é que muito tem sido dito a respeito do sistema. O que justifica o número de trabalhos desse tipo é a forte penetração do meio nas sociedades contemporâneas, em especial, na sociedade brasileira. Em pesquisa realizada pelo Ibope, divulgada pelo jornal Folha de São Paulo em fevereiro de 2004 (Castro in: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2602200404), detectou-se que 55% da população brasileira é composta por “altos consumidores de televisão”, que assistem, no mínimo, a 15 horas semanais de programação, mais de duas horas por dia. Segundo dados da NOP World Culture Score (ranking norte-americano de atividades culturais), esse índice, em 2005, chega a 18,4 horas semanais (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/). O número de telespectadores brasileiros, conclui a NOP World, está entre os maiores do mundo. São dados como esses que justificam depoimentos como o de Eugênio Bucci: “Talvez não haja mais a possibilidade de pensar o Brasil sem pensar a TV” (Bucci 2000: 08). Ainda que alguns discursos em prol da televisão sejam desmesurados (como, por exemplo, afirmar ser impossível viver sem televisão - Rincón 2002, ou, ainda, declarar que o sistema é o fenômeno cultural mais impressionante da história da humanidade - Ferres 1998), muitos autores destacam o papel do sistema na formação dos valores e atitudes da sociedade: para Muniz Sodré, a televisão “apresenta-se como um fluxo de um cotidiano quase real” (2002: 59); Maria Aparecida Baccega acredita que, “o mundo no qual e com o qual vivemos, é hoje, 5 predominantemente, esse que é trazido (...) pelos meios de comunicação, com destaque para a televisão” (2000: 97); para Eugênio Bucci (apud Baccega ibid.), a televisão no Brasil “fornece o código pelo qual os brasileiros se reconhecem brasileiros”. Frente ao panorama apresentado, não é de se estranhar o grande número de publicações que trata das relações existentes entre o sistema e o comportamento coletivo e individual. Há pesquisas que se concentram, em sua grande maioria, no aspecto organizacional das empresas de comunicação e na função social do sistema. Surgem, nessas pesquisas, teorias que acusam o sistema produtor de exercer total influência sobre o comportamento da audiência; teorias que minimizam o efeito televisivo na audiência; teorias sobre as estruturas ideológicas dos produtos televisivos; teorias sobre a influência dos processos culturais no processo de interpretação das mensagens televisuais, entre outras. 3. FALANDO SOBRE A LINGUAGEM TELEVISIVA. No que se refere ao estudo da linguagem televisiva, algumas publicações buscam analisar os signos televisuais a partir da categorização dos gêneros. Entretanto, podemos observar que, em meio ao reduzido número de publicações voltadas para a linguagem dos gêneros televisivos, a grande maioria dos trabalhos permanece, unicamente, no campo da teledramaturgia. E, mesmo nesse campo, ainda faltam pesquisas que busquem compreender a estrutura interna do gênero, a forma como cada elemento de base colabora na determinação das especificidades e dos traços distintivos. Contudo, antes de pensar no exame dos elementos de composição de um determinado gênero, um dos maiores desafios que se apresenta ao analista diz respeito à própria forma de configuração dos diversos gêneros, composições híbridas de uma série de subsistemas distintos. 6 “Enquanto o ‘filme’ é (...) uma peça de ficção dramática produzida especificamente para exibição em cinemas, um ‘programa de televisão’ pode ser factual ou ficcional, notícias ou entretenimento, ao vivo ou gravado