JUVENATRIX – Fanzine de Horror & Ficção Científica ANO 31 – Número 219 – FEVEREIRO 2021

JUVENATRIX – 31 anos – Desde Janeiro de 1991 – total 5.009 páginas

“A morte é apenas o começo... de uma eterna vida de dor...” Editor – RR

Capa: “Viagem ao Centro da Terra” (Journey to the Center of the Earth, 1959) HQ “A Noite Em Que Ela Voltou”, por André Bozzetto Jr HQ “A Lenda do Espantalho Sanguinário”, por Angelo Júnior

E-mail: [email protected] Blog: www.juvenatrix.blogspot.com.br Facebook: https://www.facebook.com/juvenatrix/ Twitter: https://twitter.com/Juvenatrix Instagram: https://www.instagram.com/juvenatrix/

Lançamento dessa edição: 01/02/2021 – São Paulo/SP Distribuição gratuita por e-mail através de arquivo PDF

METAL EXTREMO

Música: Chamber of Fear / Banda: Sepulchral Whore (Recife/PE) / Single: Chamber of Fear (2019)

A night of agony. The time is running out. A not ephemeral disease. It's dropping through your spine. Abnormal transitions. Anxiety controlling thoughts. Unexpected apparitions. Out of this gloomy dawn. You shall praise the fire. Inhaling acrimonious smoke. Mysteriously. Entranced in shallow halls. An unknown process shall begin. Into the chamber of fear. Corrosive salvation. Confessional decay. Vipers and Vultures. On every step until the fall. You shall praise the fire. Inhaling acrimonious smoke.

NOTÍCIAS & DIVULGAÇÃO & CURIOSIDADES

Confiram uma lista sugerida de filmes de horror, suspense, ficção científica e fantasia lançados nos cinemas brasileiros durante o ano de 2020

A lista abaixo pode não estar completa, mas serve como uma interessante referência dos filmes com elementos fantásticos (Horror, Ficção Científica, Suspense, Fantasia) que entraram em cartaz no circuito comercial dos cinemas brasileiros no ano de 2020, num total de 24 filmes.

1º semestre

* O Farol (The Lighthouse, EUA / Canadá, 2019) – estreou em 02/01/20 (horror) * Ameaça Profunda (Underwater, EUA, 2020) – estreou em 09/01/20 (horror) * Jumanji: Próxima Fase (Jumanji: The Next Level, EUA, 2019) – estreou em 16/01/20 (aventura com elementos fantásticos) * A Possessão de Mary (Mary, EUA, 2019) – estreou em 23/01/20 (horror) * Os Órfãos (The Turning, EUA, 2020) – estreou em 30/01/20 (horror) * O Grito (The Grudge, EUA / Canadá, 2020) – estreou em 13/02/20 (horror) * Maria e João – O Conto das Bruxas (Gretel & Hansel, EUA / Canadá / Irlanda, 2020) – estreou em 20/02/20 (fantasia com elementos de horror) * A Hora da Sua Morte (Countdown, EUA, 2019) – estreou em 27/02/20 (horror) * O Homem Invisível (The Invisible Man, EUA / Austrália, 2020) – estreou em 05/03/20 (horror) * Bloodshot (EUA / China, 2020) – estreou em 12/03/20 (ação com elementos de ficção científica) * A Maldição do Espelho (Queen of Spades: The Looking Glass, Rússia, 2019) – estreou em 12/03/20 (horror) * Disforia (Dysphoria, Brasil, 2020) – estreou em 12/03/20 (thriller)

PANDEMIA CORONAVÍRUS (CINEMAS FECHADOS POR ALGUNS MESES)

2º semestre

* As Faces do Demônio (Metamorphosis, Coréia do Sul, 2020) – estreou em 15/10/20 (horror) * A Ilha da Fantasia (Fantasy Island, EUA, 2020) – estreou em 15/10/20 (horror) * Os Novos Mutantes (The New Mutants, EUA, 2020) – estreou em 22/10/20 (horror e ficção científica) * Possessão – O Último Estágio (The Assent, EUA / Inglaterra / Israel, 2019) – estreou em 29/10/20 (horror) * Jovens Bruxas – Nova Irmandade (The Craft: Legacy, EUA / Canadá, 2020) – estreou em 05/11/20 (horror) * O 3º Andar – Terror na Rua Malasana (Malasaña 32 / 32 Malasana Street, Espanha, 2020) – estreou em 12/11/20 (horror) * Convenção das Bruxas (The Witches, EUA / Inglaterra / México, 2020) – estreou em 19/11/20 (comédia com elementos de horror) * Destruição Final: O Último Refúgio (Greenland, EUA / Inglaterra, 2020) – estreou em 19/11/20 (ação com elementos de ficção científica) * Invasão Zumbi 2: Península (Train to Busan 2, Coréia do Sul, 2020) – estreou em 28/11/20 (horror) * Amizade Maldita (Z, Canadá, 2019) – estreou em 03/12/20 (horror) * Freaky – No Corpo de Um Assassino (Freaky, EUA, 2020) – estreou em 10/12/20 (horror com elementos de comédia) * Mulher-Maravilha 1984 (Wonder Woman 1984, EUA, 2020) – estreou em 17/12/20 (ação com elementos de fantasia)

Cartazes da "HorrorCon" (São Paulo/SP) dos anos 90

# 1 (07, 08 e 09/04/1995) # 2 (30 e 31/03/1996) # 3 (05 e 06/04/1997) # 4 (28/03/1998) (Acervo Juvenatrix - Museu da HorrorCon) Ainda tenho uma grande quantidade de diversos materiais desses históricos eventos, fotos, filmagens, programações, atas de reunião da organização, rascunhos, flyers, fanzines, artigos de revistas e jornais, etc...

Fanzine de divulgação de produções artísticas: “Aaahhrte!” # 22 (Janeiro 2021)

(Mensagem de divulgação)

AAAHHrte é um zine-colagem de acontecimentos interessantes encontrados por aí. O objetivo é apenas prestigiar e divulgar obras criativas, sem qualquer finalidade comercial. Distribuição gratuita. Nesta edição iniciamos com uma excepcional capa realizada pelo Alberto Beralto, dentro do projeto Fanzinotecapa, mais uma ótima iniciativa da Fanzinoteca IFF Macaé. E seguimos com divulgações diversas, mostrando um pouco do que vem acontecendo de interessante por aí, como o lançamento do marcante livro “Cavidade”, pela “Editora Merda Na Mão”, trazendo textos do saudoso Alexandre Mendes, um grande artista que merece ter sua obra valorizada e imortalizada. Disponível pela “Editora Merda Na Mão”. https://editoramerdanamao.blogspot.com/p/catalogo.html Contatos: [email protected]

Fanzine de quadrinhos: “Quadrinhos Independentes” # 166 (Novembro / Dezembro 2020)

“Quadrinhos Independentes” – Foi lançada a edição 166 (Novembro / Dezembro de 2020), editada por Edgard Guimarães, com 36 páginas, formato meio ofício e impressão digital. Conteúdo: quadrinhos, artigos, anúncios, ilustrações, seção de cartas dos leitores e divulgação de fanzines. Acompanha os encartes “Os Primeiros Super-Heróis do Mundo” # 2, “Sr. Brazil e Brazília”, 8 páginas, de Rod Tigre, e “Cripta”, HQ de Lincoln Nery. Contatos: A/C Edgard Guimarães – Rua Capitão Gomes 168 – Brasópolis/MG – CEP 37530-000 e-mail: [email protected]

Blog: “Relatos Noturnos”, de André Bozzetto Junior

“Relatos Noturnos” – Histórias de Terror Brasileiras. Contos e resenhas de literatura e cinema, de autores brasileiros. Editado por André Bozzetto Junior, autor de diversos livros publicados nas áreas de História, Religiões Afro-brasileiras e participação em diversas antologias de contos fantásticos, além de ser o autor dos romances sobrenaturais "Odisseia nas Sombras" (1998), "Na Próxima Lua Cheia" (2010), "Jarbas" (2011) e "O Inimigo Final" (2012). www.relatosnoturnos.com

CONTOS

Uma Última Dança por Wagner Teixeira

Ao fundo, música clássica, suave, uma jovem de aparência frágil e delicada baila languidamente. Ao ritmo do som, segura o coração de seu amado, que acabou de esquartejar. Em perfeita sintonia com as últimas notas da sinfonia, num golpe rápido e certeiro, arranca o próprio coração. O corpo desaba, os dois corações rolam pelo chão. A música termina. No solo, lado a lado, dois corações apaixonados.

As Chamas Ainda Queimam por Allan Fear

O fogo ainda está queimando. Eu olho para as chamas devorando a carne e lembro-me das labaredas infernais. Eu sei o meu trabalho e eu tenho que fazê-lo. Embora seja tarde demais para salvar vidas. Na mais negra das noites eu ligo as sirenes e rasgo a escuridão com o carro de bombeiros. Há sempre uma cena macabra me esperando. Eu sei que preciso ser rápido, mas eu tenho que parar por um minuto e apreciar a beleza. Eu vejo as vítimas queimando. As línguas de fogo lambendo as paredes, exalando sua fumaça escura. Eu ouço os gritos. Os gritos nunca vão embora, estão sempre na minha cabeça. Gritos sobre gritos se unem em minha mente num coro de sofrimento interminável, compondo a trilha sonora do horror. Eu sinto o cheiro da carne queimando, ceifando as vidas das pessoas cujos corpos feridos ardem nas entranhas do carro em chamas com o para-choque que afundou de encontro a um poste de luz. Essa cena embalada pelo desespero me faz recordar de outro acidente fatal. Eu ainda posso ouvir o crepitar das chamas infernais que devoraram minha esposa e filha. Eu ainda sinto a dor que sangra em meu coração. Mas eu não pude salvá-las. Eu tentei, mas o diabo permitiu que apenas uma pessoa saísse viva daquele acidente. Eu amava minha família, mas o egoísmo que corrói minha alma me fez pensar apenas em mim mesmo. Eu me tornei uma criatura da noite disfarçada de salva vidas. Eu hesito em salvar vidas para que as chamas da perdição as conduzam ao fogo do inferno. Este é o meu contrato com o diabo para que ele permita que os fantasmas de minha mulher e filha habitem meu lar. No final das contas eu acabei salvando-as dos tormentos do inferno. Este sou eu e minha vida maldita! Basta ligar para 911 em casos de acidentes que eu irei até você para apagar a chama de sua vida!

O Que Eles Viram – Capítulo 4 por Rynaldo Papoy

Capítulo 3 (Juvenatrix # 216)

Durante o restante da tarde, Walter fez um inventário do que havia na chácara, aquilo que poderia ser jogado fora e o que poderia ser aproveitado. De vez em quando, achava sinais de que pessoas andaram perambulando pela chácara, realizando feitiços, entregando oferendas à sua bisavó ou utilizando o local para fazer sexo, fato denunciado por algumas camisinhas encontradas ali e ali. Não se poderia imaginar que todas as pessoas em Arujá acreditassem no fantasma de sua bisavó ou na caveira dela perambulando pela localidade, tampouco poderia se imaginar que todos os habitantes de Arujá frequentassem a Igreja do Saci. Especialmente pelo fato de que a maioria dos frequentadores não admitia frequentar a Igreja e inclusive havia alguns que frequentavam outras igrejas maiores e, às escondidas, iam aos cultos ou guardavam imagens do Saci em suas casas. Também era curioso o fato de que em locais, pelo Brasil (e outros países da América do Sul para onde a Igreja do Saci estava se espalhando), onde ocorreram fenômenos sobrenaturais, como Arujá, rapidamente se formava uma forte comunidade do Saci, o que incluía os curandeiros não-oficiais como a Rosemeire Milagreira, ou os charlatães. Walter decidiu que, no dia seguinte, compraria algumas ferramentas para limpar a chácara e deixa-la aproveitável novamente, após o quê, compraria móveis novos para poder permanecer lá mesmo, talvez até ficasse morando no local. Precisaria algum incentivo para continuar morando no local, mas ele iria encontrar um, naquela noite mesmo. Sua fome chegou antes do anoitecer. Walter observou o horizonte avermelhado e belo e as diversas espécies de pássaros que sobrevoavam o local e decidiu voltar ao centro da cidade, lembrando-se de que não havia pegado o telefone de nenhum taxista da cidade. Naquela época, não havia o app Carona Camarada. Mesmo que houvesse, haveria Carona Camarada em Arujá? Talvez. Estávamos numa sexta-feira. Walter caminhou até o centro da cidade, cerca de uma hora de caminhada. Já que o caminho era quase uma linha reta plana, imaginou que a melhor solução seria comprar uma bicicleta para ir de um lado ao outro na cidade. Mais econômico e saudável. Perto da rodoviária, deu de cara com Tubalão, que, ao vê-lo, ameaçou fazer uns movimentos de capoeira. Mas improvisou uma trova:

Forasteiro, forasteiro, sem uma arma na cintura. Esta tua cara de doido não tem quem atura. Chega aqui perto de mim e me dá um abraço Senão eu faço uma música em um compasso.

Sem alternativa, Walter lhe deu um abraço, sendo obrigado a respirar o resultado de um ano inteiro sem tomar banho, além da evidência do consumo de algum produto alcoólico. -Tubalão, onde é que eu posso comprar uma bicicleta? - Oxe, só pode ser na Casa Piauí. E saiu de perto rebolando e dando chiliques. “Naturalmente que há uma Casa Piauí em Arujá”, pensou Walter. A Casa Piauí de Arujá não era muito grande, mas havia umas bicicletas lá. Mas Walter não queria comprar a bicicleta agora, apenas foi verificar os preços e comprar depois. Um rapaz careca com cara de tédio e usando uma camisa encardida, com o crachá virado ao contrário, aproximou-se e disse: - Sou obrigado a perguntar se os clientes precisam de ajuda. Walter ficou surpreso com tamanha grosseria e respondeu: - Ué, então por que não arranja outro emprego? Aí virou um debate entre os dois que começou a juntar uma multidão, alguns dos quais sacaram seus celulares para filmar, com o objetivo de colocar na internet depois. Naquela época, já tinha começado a internet em Arujá, mas não em todos os bairros. - Isto não é da sua conta. Se não quer comprar nada, caia fora, porque está desperdiçando nosso oxigênio. - Cara, eu lamento tanto ter esquecido meu arco e flecha na minha casa. Eu acho que uma flecha e seu coração foram feitos um para o outro. - Sim, eu já fui atingido por uma flecha, mas pelo cupido, quando conheci sua mãe e fui obrigado a comer o cu dela. - Com esta sua educação, consegue vender algum produto aqui, amigo? - Não, minha única cliente é sua mãe. Eu telefono para ela e ela vem aqui comprar o que eu mandar. - Eu não estou acreditando nisto. Pode chamar o gerente? - O gerente sou eu. - Então eu vou chamar a polícia. - Não vai adiantar nada, porque o delegado também sou eu. - Eu acho que você foragiu de um hospício. - Isto é uma “falácia ad sanatorium”. Quando alguém tem um comportamento imprevisto, o debatedor já vai dizendo que a pessoa deveria sofrer interdição psiquiátrica. - Neste caso aqui, estou falando alguma coisa errada? Quem interferiu foi um garoto que comia churros e assistia à contenda desde o início: - Moço, dá uma porrada na cara deste vendedor. Ele é folgado demais. Toda vez que a gente tem que comprar alguma coisa na Casa Piauí tem que aguentar esta humilhação. - E por que continuam comprando? - As promoções são boas. - Escuta, onde é que vende churros? Eu quero um. Ao ver o cliente saindo, o vendedor petulante da Casa Piauí o xingou pela última vez: - Vá pros quintos da puta que te pariu! Eu misturo dois xingamentos na mesma frase e estou cagando! Ao caminhar ao lado do garoto, Walter perguntou: - Que acontece nesta cidade de Arujá, hein? Isto é coisa da Igreja do Saci? Todo mundo ficando biruta? - Nada. Se não fosse a Igreja do Saci, seria pior. Por causa do Saci, Arujá é o melhor lugar para viver no Estado de São Paulo. Não viu a reportagem sobre o IDH? - Não vi. Mas eu gostei de Arujá. Estou pensando em ficar morando aqui mesmo. - E você veio fazer o quê, aqui? - Se eu te contar, não vai sair correndo? - Depende do que vai contar. - Eu sou bisneto da Dona Maria Cecília Fernetto. - Quem é Maria Cecília Fernetto? - Ah, eu esqueci que vocês nunca souberam o nome dela. A mulher sem cabeça. Aquela ocorrência que houve cinquenta anos atrás, na Estrada da Fatec. - Ah, sim, você é o bisneto dela. Todo mundo na cidade já está sabendo. Meu tio-avô já me contou a história várias vezes. Ele participou da ocorrência. - Seu tio-avô não seria o Sacerdote Péricles, né? - Ele mesmo. Walter ficou exultante. Disse: - Garoto, se você me apresentar seu tio-avô... eu vou te pagar churros todos os dias! - Uma oferta irrecusável. No caminho, vou te contar um segredo. Walter se lembrou da garotinha da bicicleta. Perguntou: - Você não foi ressuscitado pela Rosemeire Milagreira, né? - Talvez eu tenha sido. Você não acredita no poder da Nossa Senhora do Ventilador? Pegaram os churros e caminharam. - A casa do seu tio-avô é muito longe? - Nada. Nem dois quilômetros de caminhada. - Eu tenho visto crianças perambulando tranquilamente pelas ruas. A criminalidade aqui é muito baixa. - Até existem crimes, mas ninguém mexe com pessoas da Igreja do Saci. Muito menos, pessoas ressuscitadas. - Este negócio de crianças ressuscitadas é verdade mesmo? - Não está aqui falando comigo? Walter não quis discutir, mas imaginou que mais cedo ou mais tarde iria descobrir a verdade. Chegaram a uma outra avenida recém-asfaltada. Na verdade, era chamada de “estrada”. Estrada dos Índios. As residências terminaram e agora só se viam árvores. - Ali é o sítio do meu tio-avô, onde ele mora. Eu te trouxe aqui porque presumo que ele esteja aqui. Só então Walter reparou que por mais que o garoto comesse o churro, o doce continuava em sua mão direita exatamente com o mesmo tamanho, como se o garoto não tivesse comido quase nada. O garoto disse: - Não precisa tocar a campainha, nem bater palma, basta abrir a porteira e entrar. Nem cachorro bravo tem. Walter aproximou-se do portão branco recém-pintado (aparentemente com uma inadequada tinta látex branca), olhou para o interior do sítio e depois disse, para garoto: - Bem, obrigado por ter me trazido aqui. Você vai entrar...? Quando olhou para trás, o garoto havia desaparecido. Agora Walter já nem estava mais se surpreendendo. E ali realmente viveria o Sacerdote Péricles? E estaria ali bem no meio do dia? Bem, nem tanto no meio do dia, pois o Sol já estava se pondo, na glória de sua vermelhitude. Walter fez o que o garoto mandou. Simplesmente abriu o portão. Subiu uma estradinha e chegou a uma velha casa, até meio parecida com a casa de sua bisavó. Uma mulher aparentemente com trinta anos, muito bonita, com longos cabelos pretos presos com um elástico também preto, recolhia roupas de um gigantesco varal. Walter gostou muito do que viu. Era uma mulher sensual, corpulenta. Os dois primeiros botões de seu vestido na cor azul-celeste estavam abertos. Estava descalça. A mulher parecia ter saído de dentro de algum filme de Mario Monicelli. Ela olhou para Walter sem grandes expressões faciais. Parecia mesmo que já o estava esperando. Ela se aproximou, segurando uma grande bacia cheia de roupas. - Não sou o que você está pensando. – ela iniciou. – Você está vendo uma camponesa com aspecto primitivo e já pensa logo que sou uma dona de casa submissa e tal... - Olha, na verdade, você parece mesmo uma imagem onírica. - Devo tomar isto como um elogio? Bem, eu iria dizer que eu não sou dona-de-casa, eu sou doutora em filosofia, com especialização em semiologia. Vamos entrar. O jantar vai ficar pronto daqui a pouco. Eu cozinho muito bem, viu? - Acredito que a culinária semiológica deva ser a melhor do mundo. - Você entende de semiologia? - Só semiologia de botequim, como todo mundo. Quando Walter entrou na casa, pela porta da cozinha, andando atrás da filósofa, não acreditou no que viu. Sobre a velha geladeira vermelha, havia um crânio. Porém, sem a mandíbula. A filósofa percebeu que Walter estava impressionado com o crânio e disse: - Foi um velho cachorro do meu avô que achou enterrado. Meu avô levou na polícia, eles não tiveram o menor interesse em saber de quem era o crânio, então ele trouxe de volta para casa e fica aí de enfeite. Não se preocupe, não faz mal algum. - E será que seu avô se importaria se eu solicitasse um exame de DNA? - Por que você quer fazer um exame de DNA? - Pode ser minha bisavó. - Oi? Aquela da Estrada da Fatec? – a moça riu. – Não é não... hahaha... se fosse, meu avô saberia. Eu não me apresentei ainda: Janaína. – estendeu a mão para cumprimentar Walter. - Muito prazer. Ela se sentou à frente de Walter. A panela de pressão debatia-se sobre o fogão. Walter olhou os pés dela. Muito bonitos. O fato de estarem sujos em função de Janaína ficar andando descalça pelo sítio deixou Walter muito interessado. Ficou com vontade de lavá-los, depois massageá-los. Ela percebeu que Walter olhava para seus pés e disse: - Gostou dos meus pés? Observe melhor. Colocou os pés sobre as coxas de Walter, que, imediatamente passou a massageá-los e acaricia-los, mesmo que as solas estivessem totalmente sujas. Continua...

RESENHAS DE LITERATURA

Canibal Filmes: Os Bastidores da Gorechanchada Por André Bozzetto Jr

Se é verdade que o ano de 2020 será para sempre lembrando por uma infinidade de motivos – infelizmente, muito mais ruins do que bons – é igualmente verdadeiro que, em se tratando da cena cultural underground brasileira, ficará marcado pelo lançamento de uma obra que já nasceu clássica. Trata-se do livro Canibal Filmes: Os Bastidores da Gorechanchada, de autoria da grande mente por trás da mais icônica produtora brasileira de filmes independentes de baixo orçamento, o diretor, produtor, roteirista, ator, escritor (e mais algumas funções que devo estar esquecendo de citar) Petter Baiestorf. Editado de forma primorosa, em uma luxuosa edição em capa dura, acompanhado de lobby cards e marcadores de página personalizados, o livro aborda por mais de 500 páginas em textos e fotos os 30 anos de história do grupo de amigos que, no início dos anos 90, decidiu fazer filmes de forma amadora, sem nenhum dinheiro no bolso e, mesmo assim, revolucionou não apenas o pacato cotidiano da pequena cidade de Palmitos, no oeste de Santa Catarina, como também divertiu e influenciou toda uma geração de artistas independentes Brasil afora. É muito legal de se ver o status de reconhecimento e relevância que a Canibal Filmes construiu sendo atestado por fiéis colaboradores como E. B. Toniolli, Carli Bortolanza e Elio Copini – presentes desde os primórdios da produtora – e também por figuras já tarimbadas na cena nacional, que participaram diretamente das produções ou se dedicaram a analisá-las e escrever sobre elas, como Cesar “Coffin” Souza, Gurcius Gewdner, Carlos Primati e Christian Caselli – que, inclusive, assina o prefácio da obra. Dezenas de pessoas que tiveram parte nas três décadas de caminhada da Canibal Filmes ganham voz nas páginas do livro, em excertos de depoimentos concedidos ao autor, ou através de recortes de entrevistas de fanzines, livros, documentários e revistas, compilados de diferentes épocas, mas que, reunidos de forma sistematizada, fornecem um interessantíssimo panorama dessa incrível trajetória de dificuldades, perrengues e fracassos, mas também de reconhecimento, aprendizado e, principalmente, muita diversão. A obra destina espaço para tratar das produções originadas no seio da Canibal Filmes e também – em diferentes graus de detalhamento – daquelas capitaneadas por outros realizadores que de alguma forma contaram com a participação de Petter Baiestorf e membros do seu séquito de canibais. Há referências desde aos filmes de Rodrigo Aragão até citações de projetos totalmente despretensiosos, verdadeiras brincadeiras filmadas, como Lua Perversa, idealizado por este que aqui escreve. Não vou perder tempo citando os filmes nesta resenha. Basta dizer que não apenas os clássicos, como O Monstro Legume do Espaço (1995), Zombio (1999) e Vadias do Sexo Sangrento (2008), mas também cada um dos demais é esmiuçado no livro, com grande riqueza de detalhes sobre a concepção dos roteiros, produção, filmagens e resultados, com deliciosas anedotas de bastidores e curiosidades em geral. Para saber mais sobre eles, há centenas de críticas e artigos na internet, além de muitos dos próprios filmes disponíveis para serem assistidos gratuitamente. Também não vou me ater em pormenorizar o estilo característico que já se tornou marca registrada das produções da Canibal, com muito sangue e tripas permeando histórias debochadas, provocativas e, por vezes, chocantes, repletas de experimentalismos, sexo e um vasto cabedal de insanidades diversas. Prefiro mencionar um dos elementos que mais me agradou durante a leitura: constatar que essa não é apenas uma obra sobre filmes, mas também sobre fanzines, bandas de metal, punk e goregrind, eventos de cultura underground, poesia marginal e manifestos anárquicos. Ou seja, é um livro sobre um grupo de caras que, por absoluta falta de opções para expressar suas veias artísticas, criaram por sí próprios os canais necessários para isso, e tudo em uma época anterior às facilidades da internet, em um município conservador de apenas 10 mil habitantes e – nunca é demais lembrar – sem dinheiro algum. Chega a ser emocionante a leitura dos relatos de muitos participantes afirmando que sempre se sentiram como párias e excluídos sociais e que, graças aos amalucados projetos do Baiestorf, encontraram não apenas um espaço de interação cultural, mas também de integração social. Nas entrelinhas, o que nós temos é uma empolgante história sobre amizade e companheirismo. Quando se chega ao final da leitura, a primeira lição evidente é a de que não há limites para a manifestação da Arte quando se acredita nela. O segundo grande legado deixado por este livro – e só por isso já vale cada centavo investido na aquisição – é a arrebatadora vontade de produzir que ele desperta em quem lê, sejam filmes, textos ou qualquer outra coisa que sirva como forma de expressão e, acima de tudo, diversão. Simplesmente indispensável.

Autor: Petter Baiestorf. Editora: Sangue TV. Preço edição física: R$ 91,00 (com correio incluído para qualquer cidade brasileira). Preço Versão e-book: 29,90. 544 páginas. Capa dura. Ano: 2020. Primeira Edição. CONTATO PARA ADQUIRIR O LIVRO: [email protected]

Ilustrações por Maria Ferreira Dutra

Ilustração por José Nogueira

RESENHAS DE CINEMA

Viagem ao Centro da Terra

“Sabemos menos sobre a Terra em que vivemos, do que sobre estrelas e galáxias do espaço sideral” – Prof. Oliver Lindenbrook, sobre o desafio de exploração do nosso próprio planeta

O escritor francês Jules Verne é muito conhecido por suas populares histórias de aventura com elementos de ficção científica e fantasia, como por exemplo “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, “20 Mil Léguas Submarinas”, “Da Terra à Lua”, e outras. De sua brilhante mente saiu também a história divertida e escapista “Viagem ao Centro da Terra” (Journey to the Center of the Earth), que recebeu inúmeras versões e adaptações para o cinema. A principal é de 1959, produzida pela “Twentieth Century Fox”, dirigida por Henry Levin e com , Pat Boone, Arlene Dahl e Diane Baker no elenco. Com história ambientada no século XIX, o professor escocês Oliver Lindenbrook (James Mason), da universidade de Edimburgo, seguindo seus instintos de cientista em busca de conhecimento após encontrar um objeto manufaturado dentro de um pedaço de lava transformada em rocha, decide organizar uma expedição com destino ao centro da Terra. Viajando ao interior do planeta através de uma abertura localizada num vulcão extinto na Islândia, uma passagem secreta descoberta muitos anos antes por um lendário explorador local chamado Arne Saknussemm, um especialista em vulcões que desapareceu misteriosamente. A expedição formada por Lindenbrook ainda conta com a companhia do jovem estudante Alec McEwan (Pat Boone), namorado da sobrinha do professor, Jenny Lindenbrook (Diane Baker). E o time é completado pela senhora Carla Goteborg (Arlene Dahl), viúva de outro cientista rival na corrida ao centro da Terra, e o ajudante Hans Belker (Peter Ronson, em seu único trabalho no cinema), um islandês alto e forte, importante como carregador dos acessórios para a exploração. O filme tem muitos elementos de humor, principalmente nas cenas envolvendo Gertrude, a pata de estimação de Hans, que acompanha seu dono na jornada. Em paralelo, na disputa pelo reconhecimento das novas descobertas no interior do planeta, temos também o cientista Conde Saknussemm (Thayer David), que organiza sua própria expedição secreta, agindo de forma inescrupulosa e desonesta, com conspirações e sabotagens para conseguir a fama e os lucros das descobertas científicas. Durante o arriscado trajeto por dentro da crosta terrestre, eles enfrentam diversos perigos como deslizamentos, terremotos, inundações e ataques de répteis carnívoros gigantes. Mas, também encontram cenários de imensa beleza natural como cavernas com cristais de quartzo e algas luminescentes nas paredes, minas de areia, florestas com cogumelos gigantes comestíveis, uma praia com oceano subterrâneo, culminando ainda com a descoberta dos escombros da lendária cidade perdida de Atlântida. “Viagem ao Centro da Terra” tem uma duração longa, com 129 minutos, porém é divertido o tempo todo com uma típica aventura recheada de elementos fantásticos e efeitos especiais grandiosos e convincentes, principalmente pela época da produção, no final doas anos 50 do século passado. Sem a tecnologia de computação gráfica para a criação dos monstros, foram utilizados animais vivos (lagartos, iguanas e camaleões) para simular os dimetrodontes e outros répteis, caminhando sobre cenários em miniatura, com a perspectiva de filmagem por baixo, dando a sensação de serem monstros gigantescos ameaçadores. O filme foi lançado em DVD por aqui pela “Fox”, com a opção da dublagem clássica da exibição na televisão, na saudosa “Sessão da Tarde” da TV Globo, numa época que eram exibidos filmes divertidos como “A Guerra dos Mundos” (1954), “A Máquina do Tempo” (1960), “O Mundo Perdido” (1960), “Viagem Fantástica” (1966), “Planeta dos Macacos” (1968) e muitos outros similares. Foi uma experiência extremamente nostálgica rever o filme com a dublagem original, com vozes reconhecidas que ficaram eternizadas em nossa imaginação pelos filmes e séries que assistíamos nos anos 70 e 80.

(RR – 29/12/20)

Viagem ao Fundo do Mar: O Ataque da Aranha Monstruosa

Os anos 1960 foram palco de uma grande quantidade de séries de televisão com temática de ficção científica e horror que povoaram durante anos o imaginário dos fãs com seus incríveis mundos de fantasia. Em especial, um lendário e veterano produtor falecido em 02/11/1991 aos 75 anos de idade, , foi o responsável por quatro das mais divertidas séries do gênero fantástico de todos os tempos. São elas: “Viagem ao Fundo do Mar” (Voyage to the Bottom of the Sea, 1964/68), “Perdidos no Espaço” (, 1965/68), “Túnel do Tempo” (, 1966) e “Terra de Gigantes” (, 1968/69). “Viagem ao Fundo do Mar” teve um filme piloto lançado em 1961 e um livro homônimo escrito por Theodore Sturgeon com base em manuscrito de Irwin Allen e lançado na mesma época. O filme foi produzido e dirigido por Irwin Allen, motivado após o sucesso de seu trabalho anterior, “O Mundo Perdido” (The Lost World, 1960), com história de dinossauros ambientada na Amazônia brasileira baseada em obra homônima de Arthur Conan Doyle. Em “Viagem ao Fundo do Mar”, um poderoso submarino atômico chamado “Seaview” tem a importante missão de salvar o mundo de uma ameaça da natureza, a incineração do planeta devido à radiação provocada por um cinto espacial recém descoberto. A tripulação era formada por militares e civis que viajavam à bordo do submarino para realizar pesquisas e missões militares especiais. Seu comando era do Almirante Harrigan Nelson (, de “Planeta Proibido”/1956), juntamente com os demais oficiais, o Capitão Lee Crane (Robert Sterling), o Comandante Lucius Emery (Peter Lorre, de “O Corvo”/1963), a psicóloga Dra. Susan Hiller (Joan Fontaine), a Tenente Cathy Connors (, da série de TV da década de 1960 “Jeannie é um Gênio”), o cientista civil Miguel Alvarez (Michael Ansara), e o Tenente Chip Romano (o cantor pop Frankie Avalon). O filme foi um grande sucesso e impulsionou Allen a transformá-lo em série de televisão, motivado pelo baixo custo de produção (exigência dos executivos da Fox) e por economizar nos gastos utilizando muito material aproveitado do filme, como cenários e maquetes das naves. Para a série foram chamados outros atores, com exceção de Del Monroe e Mark Slade, os únicos a participarem de ambas as produções. Monroe era o marujo Kwoski do filme e passou a ser Kowalski na série, um tripulante com bastante destaque em vários episódios. Slade participou apenas do primeiro ano da série como o marujo Malone. Para o papel do Almirante Nelson foi convocado o ator shakespereano Richard Basehart, o imediato em comando Capitão Crane ficou para David Hedison (de “O Mundo Perdido”/1960), o chefe Chip Morton foi interpretado por Bob Dowdell, e o chefe Francis Sharkey ficou para Terry Becker. A série teve 110 episódios de 50 minutos de duração cada, num total de 4 temporadas produzidas entre 1964 e 1968. A primeira temporada foi produzida em preto e branco e as histórias eram mais “sérias”, abordando temas de espionagem, sabotagem e thrillers psicológicos. Pressionado para aumentar os índices de audiência, Irwin Allen modificou o estilo dos episódios a partir do segundo ano e houve a inclusão de cores e as histórias agora eram mais “fantasiosas”, apresentando uma enorme variedade de monstros de todos os tipos, das profundezas desconhecidas dos oceanos à imensidão do infinito e inexplorado espaço sideral, além de fantasmas, assombrações e alienígenas hostis. Foi acrescentado também uma nave futurista (a série era ambientada num futuro próximo à sua época de produção, algo em torno de 1980, o que curiosamente já é um passado distante para nós) chamada de “Sub-voador”, responsável pelas missões que necessitavam de maior flexibilidade nas ações, já que é um veículo pequeno que voa e navega sob as águas com a mesma performance. “Viagem ao Fundo do Mar” é muito lembrado pelos fãs por seus episódios recheados de situações absurdas, com roteiros inverossímeis introduzindo uma imensa diversidade de monstros, alienígenas e cientistas loucos, em histórias super divertidas com efeitos especiais toscos. Ou seja, o tipo de histórias que adoramos e que proporcionam o mais puro entretenimento, despertando um saudoso sentimento de nostalgia.

(Atenção: o texto a seguir contém spoilers)

Para exemplificar bem o assunto, vale relembrar um episódio em especial que se encaixa perfeitamente nesse estilo. Trata-se de “O Ataque da Aranha Monstruosa” (The Monster´s Web), que tem um título bem apropriado e com o qual já se imagina como será o roteiro. Um submarino de testes está realizando uma perigosa experiência com um novo e poderoso combustível explosivo que permitiria atingir grandes velocidades. Comandados pelo Capitão Gantt (Mark Richman), o criador do combustível, e seu imediato Chefe Balter (Barry Coe), o submarino sofre um acidente e choca-se contra uma enorme teia de aranha no fundo do mar (!), destruindo parte de seu casco e matando vários marinheiros. O Capitão Gantt salva-se milagrosamente e junta-se aos tripulantes à bordo do Seaview, um submarino nuclear altamente moderno, que foi convocado para averiguar o incidente militar. A missão do Seaview é resgatar alguns cilindros com combustível que ficaram presos no submarino avariado, antes que os mesmos possam causar alguma explosão no fundo do mar com consequências de extrema gravidade. Sendo assim, o Almirante Nelson (Richard Basehart) parte no sub-voador numa missão de resgate formando um grupo com Gantt e o mergulhador Riley (Allan Hunt). Ao chegarem e recuperarem o combustível, eles são surpreendidos por uma gigantesca aranha aquática, maior que o próprio Seaview, que os ataca e prende o sub-voador em suas imensas teias. Uma equipe de mergulhadores do Seaview parte para o resgate, liderada pelo Capitão Crane (David Hedison) e após uma série de aventuras e confrontos com o enorme ser aracnídeo, o monstro peludo submarino (como em todos os episódios, sem exceção) é destruído num ataque com uma arma composta pelo poderoso e devastador combustível em experiência. Por esse argumento já pode-se notar como eram a maioria dos episódios de “Viagem ao Fundo do Mar”, ou seja, absurdos mas muito, muito divertidos, com seus monstros de borracha e efeitos especiais deficientes. A aranha submarina é um destaque bizarro, emitindo rugidos como se fosse uma imponente fera e com uma enorme e poderosa teia que foi capaz de capturar um submarino nuclear em alta velocidade. O Seaview e o sub-voador são claramente maquetes de veículos aquáticos, mas confesso que gostaria de ser mais um de seus tripulantes e participar junto com o Almirante Nelson e o Capitão Crane das divertidas e perigosas missões especiais combatendo monstros, alienígenas e cientistas loucos que ameaçam a humanidade.

Viagem ao Fundo do Mar (Voyage to the Bottom of the Sea, Estados Unidos, 1964/1968). Twenty Century Fox. O episódio “O Ataque da Aranha Monstruosa”, tema desse artigo, tem o título original de “The Monster´s Web” – Roteiro: Al Gail e Peter Packer, baseado em história de Peter Packer. Direção: Justus Addiss. Elenco: Richard Basehart (Almirante Harrigan Nelson), David Hedison (Capitão Lee Crane), Bob Dowdell (Chefe Chip Morton), Allan Hunt (Riley), Mark Richman (Capitão Gantt), Barry Coe (Chefe Balter).

OBS.: Texto escrito por RR em 2002 e publicado originalmente na fase impressa do fanzine “Juvenatrix” # 70 (Janeiro de 2003)

Viagem ao Fundo do Mar: O Monstruoso Homem-Peixe

“Extração do fluído pineal completa. Cinco centímetros foram removidos. Deve ser o suficiente para transplantação para o paciente.” – Dr. Borgman, em sua experiência na criação do Homem Peixe.

A fantástica e nostálgica série de televisão dos anos 1960 “Viagem ao Fundo do Mar” (Voyage to the Bottom of the Sea, 1964-68), criada e produzida pelo lendário Irwin Allen (1916-1991) foi um dos maiores exemplos de pura diversão com histórias de ficção científica e horror repletas dos tradicionais elementos característicos do gênero, principalmente as ações inescrupulosas dos chamados “cientistas loucos” e suas experiências científicas absurdas para conquistar o mundo.

(Atenção: o texto a seguir contém spoilers)

Fazendo parte dessa temática que tanto povoou o cinema fantástico por décadas e até hoje incita a imaginação dos apreciadores do gênero, está o episódio “O Monstruoso Homem Peixe” (The Menfish). A história é sobre um “cientista louco”, Dr. Borgman (John Dehner), e seu assistente Hansjurg (Victor Lundin), em meio a uma experiência completamente inverossímil: criar homens peixes a partir da extração da secreção da glândula pineal humana (localizada na base do cérebro, na parte traseira do pescoço), injetando-a em peixes e submetendo-os à exposições de doses de radiação em determinadas condições de temperatura da água (18 graus Célsius) e pressão (20 decibares). Inicialmente criando seres mistos de homem e peixe no tamanho pequeno do segundo (algo em torno de 30 cm), o próximo passo na experiência era agora transformá-los para o tamanho natural do primeiro, a altura padrão de um homem (aproximadamente 1,80 m) através da exposição dos pequenos seres mutantes à elementos radiativos no mar a uma profundidade de 105 m (um evento ainda mais inverossímil, o que só reforça a curiosidade despertando nosso interesse e consequente diversão). Para isso, o cientista Dr. Borgman requisitou o auxílio do submarino nuclear “Seaview”, conseguindo a autorização para realizar sua macabra experiência vinda diretamente do Almirante Harrigan Nelson (Richard Basehart – ator fixo na série, mas que não participou desse episódio sendo o seu nome apenas citado). Para preencher a ausência de Nelson, que fora chamado para uma reunião secreta do governo, foi requisitado o também Almirante Roy Park (Gary Merrill), que já conhecia o Dr. Borgman e era um antigo desafeto de seu trabalho, sempre questionando sua ética científica e os resultados inconsequentes de suas experiências. O objetivo do “cientista louco” era criar um exército de homens peixes controlados por ele através do implante de um componente eletrônico no cérebro que podia manipular suas ações, e assim ele poderia conquistar os oceanos. Uma vez o Almirante Park descobrindo as reais intenções do cientista, ele é dominado e suas ações são manipuladas devido ao implante do mesmo tipo de aparelho controlador em seu cérebro. O comandante do “Seaview”, Capitão Lee Crane (David Hedison), juntamente com seu imediato Chefe Chip Morton (Bob Dowdell), cedem então a sala de mísseis do submarino para abrigar o laboratório do Dr. Borgman. A experiência da criação de um ser misto de homem e peixe com o tamanho do primeiro funciona com sucesso e a criatura é trazida à bordo sendo posteriormente responsável pela morte de um tripulante curioso e inconsequente. Devido a esse incidente, o mutante passa a ser mantido agora fora do submarino e numa outra experiência ele recebe uma alta dosagem de radiação transformando- se num gigantesco monstro maior que o próprio “Seaview”, surpreendendo a todos, inclusive o “cientista louco” Dr. Borgman, que via na imensa criatura a concretização de seus ideais de conquista dos mares. Porém, ele não conseguia controlar o descomunal homem peixe com seu aparelho eletrônico e o monstro passou a atacar o “Seaview” agitando-o como se fosse um brinquedo. Como já esperado no desfecho de todos os episódios, mantendo o clássico e conhecido clichê já largamente explorado, o colossal homem peixe é derrotado por uma rajada de raios laser disparada pelo “Sub-voador”, um pequeno veículo que voa e navega sob a água com grande agilidade, pilotado pelo Almirante Park. E o Dr. Borgman é assassinado por seu assistente Hansjurg, arrependido de colaborar com as experiências e discursando que gostaria agora de ajudar a humanidade. Os efeitos especiais são completamente toscos e divertidos. Percebe-se claramente um homem vestido com uma roupa de borracha simulando um monstro atacando o submarino (uma maquete de aproximadamente 1,5 m de comprimento). Em determinado momento, o homem peixe (ainda do tamanho natural de um homem) arromba uma porta supostamente de aço do “Seaview” e percebe-se que não passa de um cenário de papelão. Em outra cena, o homem peixe do tamanho do segundo nada mais é que um boneco imóvel completamente artificial. Os rugidos ferozes emitidos pelo homem peixe são os mesmos ouvidos em quase todos os episódios envolvendo monstros. E o mais fascinante nisso tudo é que a série tinha a real intenção em ser séria, o que torna todas essas deficiências uma verdadeira preciosidade dos filmes de baixo orçamento. “O Monstruoso Homem Peixe” é apenas mais um episódio de “Viagem ao Fundo do Mar” que apresenta em seu incrível argumento monstros criados por cientistas loucos, ou alienígenas hostis que querem conquistar a Terra, ou ainda seres aquáticos gigantescos que ameaçam a humanidade. Isso sem contar os diversos incidentes militares que ameaçam a destruição do planeta por guerras nucleares, a aparição de fantasmas que assombram o submarino e seus tripulantes, e todo tipo de histórias fantásticas que são a marca registrada do mais puro entretenimento.

Nota do Autor: Esse artigo complementa o texto “Viagem ao Fundo do Mar: O Ataque da Aranha Monstruosa”, já publicado anteriormente no Juvenatrix # 70, onde são relatados maiores detalhes e informações sobre a série. A presente matéria tem como objetivo maior enfocar especificamente o episódio “O Monstruoso Homem Peixe”.

Viagem ao Fundo do Mar (Voyage to the Bottom of the Sea, Estados Unidos, 1964/1968). Twenty Century Fox. O episódio “O Monstruoso Homem Peixe”, tema desse artigo, tem o título original de “The Menfish” – Roteiro: William Read Woodfield e Alan Balter. Direção: Tom Gries. Elenco: David Hedison (Capitão Lee Crane), Bob Dowdell (Chefe Chip Morton), John Dehner (Dr. Borgman), Gary Merrill (Almirante Roy Park), Victor Lundin (Hansjurg), Wayne Heffley (médico), Del Monroe (Kowalski).

OBS.: Texto escrito por RR em 2002 e publicado originalmente na fase impressa do fanzine “Juvenatrix” # 71 (Fevereiro de 2003)

Viagem ao Fundo do Mar

O lendário cineasta e produtor Irwin Allen (1916 / 1991) teve seu nome eternamente ligado ao gênero fantástico graças a sua contribuição na criação de vários filmes e séries de TV que tornaram-se inesquecíveis e imortalizados entre os apreciadores do estilo. Séries como “Viagem ao Fundo do Mar” (Voyage to the Bottom of the Sea, 64/68), “Perdidos no Espaço” (Lost in Space, 65/68), “Túnel do Tempo” (The Time Tunnel, 66) e “Terra de Gigantes” (Land of the Giants, 68/69), e filmes como “O Mundo Perdido” (The Lost World, 60) e “Cidade Sob o Mar” (City Beneath the Sea, 70), são alguns exemplos de seus trabalhos que ficaram registrados para sempre na história do cinema de Ficção Científica e Horror.

No caso da série “Viagem ao Fundo do Mar”, é importante ressaltar que foi originada de um filme homônimo produzido, escrito e dirigido por Irwin Allen alguns anos antes, em 1961, e que foi lançado em DVD no Brasil pela “Fox”, trazendo como material extra apenas um trailer de três minutos em versão original sem legendas em português. No filme, um poderoso submarino atômico chamado “Seaview” tem a importante missão de salvar o mundo de uma terrível ameaça da natureza, na forma de um cinturão de fogo que se formou ao redor do planeta, aumentando a temperatura para níveis cada vez mais crescentes, derretendo as camadas polares e causando incêndios nas florestas. A tripulação do submarino é formada por militares e civis pesquisadores, sob o comando do cientista Almirante Harriman Nelson (Walter Pidgeon), ao lado do oficial Capitão Lee Crane (Robert Sterling), além do Comodoro Lucius Emery (Peter Lorre), a psicóloga Dra. Susan Hiller (Joan Fontaine), que estava à bordo para estudar o comportamento da tripulação sob situações de forte pressão psicológica, a Tenente Cathy Connors (Barbara Eden), o cientista civil Miguel Alvarez (Michael Ansara), que fora resgatado de um acidente em alto mar, e o Tenente Danny Romano (o cantor pop Frankie Avalon, que aproveitou a oportunidade para tocar música numa corneta), entre outros. O plano de salvação do planeta, meticulosamente estudado pelo Almirante Nelson e o Comodoro Emery, consiste em lançar um míssil com o objetivo de motivar a auto destruição do cinturão de fogo, com o local, a trajetória, a velocidade, e o horário de lançamento matematicamente calculados para atingir o alvo de forma precisa. Porém, o plano foi debatido numa conferência internacional e recebeu forte oposição, principalmente pelo cientista Dr. Zucco (Henry Daniell), que alegava que o cinto radioativo se extinguiria sozinho ao atingir uma determinada temperatura, um pouco inferior ao limite máximo suportável pela vida na Terra. Para não correr riscos, o Almirante Nelson decide então agir por conta própria e mesmo sem autorização ele comanda uma missão do Seaview dirigindo-se ao local exato para o lançamento do míssil, sendo perseguido por um outro submarino que tenta impedi-lo. Entre as diversas aventuras que o Seaview enfrenta estão uma tempestade submarina de enormes pedaços de gelo desprendidos pela alta temperatura no Pólo Norte, um grupo de minas explosivas impedindo o caminho, o ataque de um polvo gigante, as ações misteriosas de um sabotador interno, e o ataque de mísseis de um submarino perseguidor, que não suportou a gigantesca pressão exercida na profundidade do oceano.

“Viagem ao Fundo do Mar” é um divertido filme de Ficção Científica, apresentando um submarino atômico futurista capaz de realizar uma série de missões científicas para o bem da humanidade, e estratégias militares para a decisão dos rumos da guerra fria, bastante em evidência naquela época, no início dos anos 60. O roteiro é simples e despretensioso, não se preocupando com as várias situações inverossímeis e clichês tradicionais, nem se prendendo em detalhes técnicos, preferindo evidenciar os momentos de ação e aventura enfrentados pela tripulação do submarino nos infindáveis mares de nosso planeta. O diretor Irwin Allen inspirou-se na clássica história de Julio Verne “20.000 Léguas Submarinas” para idealizar a criação de seu filme de aventura aquática (e depois série de TV). Os efeitos especiais são modestos, mas eficientes para a época da produção, e o maior destaque certamente é o grande elenco liderado por Walter Pidgeon (de “Planeta Proibido”) e Peter Lorre (grande astro de inúmeros outros filmes de horror), além do suporte de atrizes como Joan Fontaine e a bela Barbara Eden (mais conhecida pela série de TV “Jeannie é um Gênio”). Com o sucesso do filme, os executivos da Fox incentivaram Irwin Allen a criar uma série de TV entre 1964 e 68, que teve 110 episódios de 50 minutos de duração em suas 4 temporadas. Uma das grandes características da série foi o baixo custo de produção, reciclando muitos materiais utilizados no filme como cenários e várias maquetes do submarino. Para a série foram recrutados outros atores e redefinidos vários personagens, sendo que o papel do Almirante Nelson foi para Richard Basehart e o imediato em comando Capitão Crane ficou para David Hedison. Curiosamente o ator Del Monroe participou de ambas as produções no papel do marujo Kowalski. É interessante notar como a primeira temporada da série foi marcada por episódios com roteiros mais “sérios”, abordando temas de espionagem, sabotagem e thrillers, num estilo mais próximo do filme de 1961, e que nos anos seguintes as histórias foram alteradas para argumentos mais populares, com a inclusão de alienígenas, fantasmas, assombrações, monstros submarinos e com todo tipo de criaturas exóticas e cientistas loucos tentando dominar o mundo.

Viagem ao Fundo do Mar (Voyage to the Bottom of the Sea, Estados Unidos, 1961). Fox. Duração: 115 minutos. Direção e produção de Irwin Allen. Roteiro de Irwin Allen e Charles Bennet, a partir de história de Irwin Allen. Fotografia de Winton C. Hoch e John Lamb (cenas submarinas). Música de Paul Sawtell e Bert Shefter. Edição de George Boemler e Roland Gross. Direção de Arte de Herman A. Blumenthal e Jack Martin Smith. Efeitos Especiais de L. B. Abbott. Elenco: Walter Pidgeon (Almirante Harriman Nelson), Joan Fontaine (Dra. Susan Hiller), Barbara Eden (Tenente Cathy Connors), Peter Lorre (Comodoro Lucius Emery), Robert Sterling (Capitão Lee Crane), Michael Ansara (Miguel Alvarez), Frankie Avalon (Tenente Danny Romano), Henry Daniell (Dr. Zucco), Del Monroe (Kowalski), Regis Toomey, John Litel, Howard McNear, Skip Ward, Mark Slade, Charles Tannen.

OBS.: Texto escrito por RR em 2004 e publicado originalmente na fase impressa do fanzine “Juvenatrix” # 89 (Agosto de 2004)

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