Conselho De Disciplina
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CONSELHO DE DISCIPLINA SECÇÃO PROFISSIONAL Processo n.º 32 – 2019/2020 DESCRITORES: Sociedades desportivas – Clubes Deveres – Dever de formação – Dever de vigilância Comportamento incorreto do público – Violência no Desporto – Adeptos – Engenhos Pirotécnicos Transporte, uso e deflagração de objetos perigosos Prevenção da violência no desporto – Relatório de Árbitro – Relatório Delegados da Liga – Relatório de Policiamento Desportivo – Valor probatório reforçado Presunção de veracidade – Princípio da culpa Arremesso de objetos – Tentativa de Agressão - Princípio ne bis in idem – Reincidência Página 1 de 76 ESPÉCIE: Recurso Hierárquico Impróprio RECORRENTE: Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD (adiante, também designada FC Porto ou Recorrente) RECORRIDO: Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol – Secção Profissional OBJETO: Decisões disciplinares proferidas em formação restrita em 03.03.2020, publicitadas através do comunicado oficial n.º 180 da LPFP, que a sancionou em multas no valor total de €24.609,00 (vinte quatro mil seiscentos e nove euros), por violação do disposto nos arts. 127º, nº 1 e 187º, nº 1, a) e b) do RDLPFP, por factos ocorridos no jogo nº 12002 (203.01.173) entre a Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD e a Sport Lisboa Benfica – Futebol SAD, realizado no passado dia 08.02.2020, no Estádio do Dragão e no jogo nº 12108 (203.01.188) entre a Vitória Sport Clube – Futebol SAD e a Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD, realizado no passado dia 16.02.2020, no Estádio D. Afonso Henriques, ambos a contar para a “Liga NOS” DATA DO ACÓRDÃO: 12 de maio de 2020 TIPO DE VOTAÇÃO: Unanimidade RELATOR: Carla Pera Vieira NORMAS APLICADAS: Artigos 12º, 13.º, alínea f), 17º; 20º, nº 2,3 e 4; 36º; 53º; 56º; 127º, n.º1, 172º, n.º1; 182º, nº 2, 187.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RDLPFP2019; artigo 35º, nº 1, alíneas b), c), f) e o) e nº 2, al. f) do RCLPFP; artigo 6º, alínea g), artigo 9º, nº 1, alínea m), subalínea vi) e artigo 10º, nº 1 alínea c) do Anexo VI do RCLPFP; artigo 8º, nº 1, alínea g), 22º, nº 1, alínea d) e artigo 23º, nº1, alíneas b) e l) da Lei nº 39/2009 de 30 de julho, na redação da Lei nº 113/2019, de 11 de setembro. SUMÁRIO: I - Sobre os clubes ou sobre as sociedades desportivas, independentemente da posição (circunstancial) que assumirem enquanto visitado ou visitante, no âmbito da prevenção e combate à violência associada ao desporto, impendem indeclináveis responsabilidades e deveres de segurança do espetáculo desportivo e dos seus participantes. II - Impendem, igualmente, sobre os clubes e as sociedades desportivas deveres de pedagogia desportiva junto dos seus adeptos, como sejam, incentivar o espírito ético e desportivo, sensibilização contra práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou perturbadoras da ordem pública e aplicação de medidas sancionatórias quando for o caso. III - Impendendo sobre os clubes e as sociedades desportivas o dever legal de garantir e/ou impedir o mau comportamento dos seus adeptos e simpatizantes, tornam-se aqueles Página 2 de 76 disciplinarmente responsáveis, quando por ação sua tiver sido originado o comportamento antijurídico, bem como, no contexto de uma contribuição omissiva causal promotora de um resultado típico, quando a infração é cometida pelos seus adeptos ou simpatizantes. IV - Aos clubes impõe-se o cumprimento de deveres legais específicos na medida em que lhes cabe acautelar, precaver, prevenir, formar, zelar e incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos e simpatizantes, especialmente junto dos grupos organizados, deveres esses que lhe são direta e expressamente impostos. V - A violação de tais deveres, que estão positivados na legislação aplicável, é necessariamente inerente ao conceito de infração disciplinar contido no artigo 17.º do RDLPFP, concretamente quanto aos elementos de ilicitude e culpa. VI - No domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da “presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percecionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa” - artigo 13°, aI. f), do RDLPFP. VII - A responsabilidade pelo incumprimento desses deveres é, por isso, de imputação direta, própria e concreta à entidade participante de espetáculos desportivos, designadamente aos clubes ou sociedades desportivas, por não ter evitado a ocorrência de factos disciplinarmente puníveis, praticados pelos seus adeptos ou simpatizantes, durante o espetáculo, concluindo-se, pois, que esse efeito resulta do não cumprimento de deveres que estão na sua titularidade, enquanto responsável por todas as matérias preventivas de segurança. VIII - Resulta do artigo 79º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa que a prevenção da violência no desporto constitui um dever constitucional do Estado e das entidades desportivas - a quem, no caso da FPF, aquele atribuiu competências várias para o uso, em exclusivo, de poderes de natureza pública, entre os quais o poder regulamentar e o poder disciplinar - que, por isso, devem assumir essa responsabilidade. IX - A adoção de medidas de segurança e o cumprimento de deveres que assegurem essa prevenção visam a tutela de bens jurídicos específicos e autónomos, em especial a segurança e a confiança da “comunidade desportiva” e da comunidade em geral na realização de espetáculos desportivos. X - O arremesso de cadeiras, tochas e garrafas de água pelos adeptos de um clube, para a bancada inferior onde se encontram os adeptos (GOA) da equipa adversária e o arremesso de Página 3 de 76 cadeiras na direção de um jogador da equipa adversária que se prepara para repor a bola em jogo, consubstancia a prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 182.º, n.º 2, do RDLPFP2019. XI – Não resultando provado que tais objetos atingiram os visados, o tipo legal é preenchido sob a forma tentada, sendo disciplinarmente responsabilizado e punido o respetivo clube a que esses adeptos são afetos. XII - No caso de condutas que tipifiquem duas diferentes infrações disciplinares - concretamente as previstas no artº 127º, nº 1 e na alínea b) do n.º 1 do artigo 187.º do RDLPFP - desde que preenchidos os respetivos elementos integrativos dessas mesmas infrações, o clube infrator incorre, em concurso real, na prática das duas infrações disciplinares, pelo que a punição por cada uma delas não constitui violação do princípio “ne bis in idem”. Página 4 de 76 ACÓRDÃO Acordam, em Plenário, ao abrigo do artigo 206.º, nº 1, do RDLPFP1 os membros do Conselho de Disciplina, Secção Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol: I – Relatório §1. Registo inicial 1. A Recorrente, por meio de requerimento dirigido ao Senhor Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, apresentado em 10 de março de 2020, interpôs o presente Recurso Hierárquico Impróprio para o Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, tendo por objeto as decisões disciplinares proferidas em formação restrita em 03.03.2020, publicitadas através do comunicado oficial n.º180 da LPFP, que a sancionou em multas no valor total de €24.609,00 (vinte quatro mil seiscentos e nove euros), por violação do disposto nos arts. 127º, nº 1, 182º, nº 2 e 187º, nº 1, a) e b) do RDLPFP, por factos ocorridos no jogo nº 12002 (203.01.173) entre a Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD e a Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD, realizado no passado dia 08.02.2020, no Estádio do Dragão e por violação do disposto nos arts. 182º, nº 2 e 187º, nº 1, a) e b) do RDLPFP no jogo nº 12108 (203.01.188) entre a Vitória Sport Clube – Futebol SAD e a Futebol Clube do Porto - Futebol, SAD, realizado no passado dia 16.02.2020, no Estádio D. Afonso Henriques, ambos a contar para a “Liga NOS” (cfr. fls. 1 a 35 dos autos). 2. As decisões recorridas apresentam o seguinte teor: 1 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio e 12 de junho de 2017, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018, ratificado na reunião da Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Futebol de 30 de junho de 2018 e de 22 de maio de 2019, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 22 de junho de 2019 (Comunicado Oficial n.º 03 de 01 de julho de 2019), doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDLPFP2019 ou apenas por RDLPFP. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da LPFP. Página 5 de 76 Página 6 de 76 3. Com o referido requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou as suas alegações (cf. fls. 3 a 22 dos autos) e as respetivas conclusões, que a seguir se transcrevem: “ -I- i. Não existem meios de prova que sustentem duas dimensões normativas essenciais das infracções imputadas à recorrente: que foram sócios ou simpatizantes seus que lançaram os engenhos pirotécnicos a que se faz referência nos autos; que a recorrente violou deveres de cuidado a que se encontrava obrigada. ii. Não há meio de prova algum que permita imputar à recorrente qualquer inobservância de deveres de cuidado ou de prevenção de comportamentos indevidos por parte dos seus adeptos. iii. Precisamente porque não se prova uma conduta culposa por parte da recorrente que sustente a sua condenação pela prática dos ilícitos disciplinares previstos pelos arts.