CONSELHO DE DISCIPLINA

SECÇÃO PROFISSIONAL

RHI n.º 04-20/21

DESCRITORES: Infrações dos Clubes - Deveres dos Clubes –Relatório dos Delegados da LPFP – Valor Probatório Reforçado – Presunção de Veracidade – Livre Apreciação da Prova – Flash Interview.

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ESPÉCIE: Recurso Hierárquico Impróprio Recorrente: Clube Desportivo Feirense – Futebol SAD Recorrido: Conselho de Disciplina, Secção Profissional da FPF OBJETO: Processo sumário deliberado pela Secção Profissional do Conselho de Disciplina, em formação restrita, a 30 de outubro de 2020, publicitado através do comunicado oficial n.º 93 de 30.10.2020 da LPFP, que sancionou a Recorrente com multa no valor de € 429 (quatrocentos e vinte e nove euros) nos termos do disposto no artigo 127.º n.º 1 RDLPFP, por factos ocorridos no jogo n.º 20702 (204.01.056) entre a Clube Desportivo Feirense - Futebol SAD e a Clube Desportivo de Mafra, Futebol SDUQ , realizado no dia 26 de outubro de 2020, a contar para a Liga 2 SABSEG. DATA DO ACÓRDÃO: 24 de novembro de 2020. TIPO DE VOTAÇÃO: Unanimidade. RELATOR: Isabel Lestra Gonçalves NORMAS APLICADAS: Artigos 13.º, alínea f); 127.º n. º1, ambos do RDLPFP19; Refª. E32 do Regulamento das Infraestruturas e Condições Técnicas e de Segurança nos Estádios, anexo IV ao RCLPFP.

SUMÁRIO: I. Os clubes estão sujeitos a respeitar os deveres que para eles decorrem das normas que regulamentam a sua participação no âmbito das competições organizadas pela Liga Portugal. II. O clube que, enquanto decorre a flash interview ao treinador da equipa adversária, aumenta o volume do som emitido pela aparelhagem sonora e, simultaneamente, desliga a maioria das luzes do recinto desportivo, assim dificultando a qualidade de som e imagem ao produtor da SporTV, incorre numa violação direta, consciente e intencional dos deveres a que está adstrito tornando-se incurso em responsabilidade disciplinar.

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ACÓRDÃO Acordam, em Plenário, ao abrigo do artigo 206.º, nº 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional1 os membros do Conselho de Disciplina, Secção Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol.

I – Relatório 1. Registo inicial 1. A Recorrente, por meio de requerimento dirigido à Senhora Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, apresentado em 04 de novembro de 2020, constante de fls. 1 e seguintes dos autos, interpôs o presente Recurso Hierárquico Impróprio para o pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, tendo por objeto a decisão condenatória deliberada pela Secção profissional do Conselho de Disciplina, em formação restrita, a 30 de outubro de 2020, publicitada através do comunicado oficial n.º 93 da LPFP, que sancionou a Recorrente com multa no valor de € 429 ( quatrocentos e vinte e nove euros) nos termos do disposto no artigo 127.º n.º 1 RDLPFP, por factos ocorridos no jogo n.º 20702 (204.01.056) entre a Clube Desportivo Feirense - Futebol SAD e a Clube Desportivo de Mafra, Futebol SDUQ , realizado no dia 26 de outubro de 2020, a contar para a Liga Portugal 2 SABSEG. 2. Distribuído o processo à Relatora, por despacho de 4 de novembro de 2020, o presente recurso hierárquico impróprio foi admitido, por ser legal, tempestivo e interposto por quem tem legitimidade (artigo 291.º do RDLPFP), com efeito devolutivo. 3. Aos autos foram oficiosamente juntos os seguintes documentos com relevância para a decisão deste recurso: i) Comunicado Oficial n.º 93, e processos sumários de 30.10.2020, da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (cf. fls. 9 e 10 dos autos);

1 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, aprovado na Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011 (com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018, 22 de maio de 2019 e 28 de julho de 2020, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 26 de agosto de 2020), doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDLPFP. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da FPF.

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ii) Relatório de Árbitro, Relatório de Delegado e Fichas Técnicas dos Clubes, referentes ao jogo em apreço (cf. fls. 11 a 25 dos autos); iii) Cadastro disciplinar da Recorrente (cf. fls. 26 a 30).

4. Foi notificada a Comissão de Instrutores, para os efeitos previstos no artigo 292.º, n.º 3 do RDLPFP, tendo deliberado, a 5 de novembro de 2020, “não apresentar qualquer pronúncia sobre o pedido e os fundamentos do recurso apresentado pela Clube Desportiva Feirense - Futebol, SAD, no âmbito do processo em epígrafe.” (fls. 46 dos autos).

2. Defesa 5. Com o requerimento de interposição de recurso a Recorrente apresentou as respetivas alegações, que sintetizou em conclusões2, requerendo a revogação da decisão recorrida tomada em processo sumário “não sendo aplicada à Arguida qualquer sanção disciplinar”.

II – Competência do Conselho de Disciplina 6. De acordo com o artigo 43.º, n.º 1 do RJFD20083, compete a este Conselho, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva. No mesmo sentido, dispõe o artigo 15.º do Regimento deste Conselho4. 7. Nos termos do disposto no artigo 287.º, n.º 3, do RDLPFP, as decisões proferidas singularmente pelos membros da Secção Profissional do Conselho de Disciplina ou em formação restrita, são impugnáveis apenas por via de recurso para o Pleno da Secção. 8. Constituindo nosso entendimento que os autos fornecem todos os elementos necessários à prolação de uma decisão, não se determinou a realização de qualquer diligência complementar de prova.

2 Cf. determinado pelo RDLPFP (artigo 292.º n.º 1 RDLPFP). 3 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2º e 4º Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último. O artigo 3º, da Lei nº 101/2017, de 28 de agosto, veio também a introduzir alterações neste regime, embora sem relevância neste domínio. 4 Disponível, na íntegra, na página da Federação Portuguesa de Futebol.

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III – Âmbito do Recurso 9. Com o requerimento de interposição de recurso a Recorrente apresentou as respetivas alegações sintetizadas nas seguintes conclusões: A. À Arguida não lhe pode ser imputada uma sanção por inobservância de outros deveres, conforme previsto e punido pelo artigo 127.º do RDLPFP. B. No decorrer da “Flash Interview” realizada no relvado, o som do estádio não aumentou de volume e não houve interferência na referida entrevista. C. Durante a “Flash Interview” as luzes do estádio da Arguida não foram na sua maioria desligadas. D. Não houve qualquer dificuldade de qualidade de som e imagem do produtor da Sport TV durante a “Flash Interview”. E. À Arguida não deve ser aplicada qualquer multa, por violação do artigo 127.º do RDLPFP. F. A “Flash Interview” decorreu em termos normais, apenas os tempos foram claramente excedidos, sendo essa uma situação que não é imputável à Arguida. G. A equipa de manutenção da Arguida foi desligando a potência da luz no Estádio para evitar desperdícios, sem que isso tivesse colocado em causa o trabalho do Operador de Televisão e das equipas de desmontagem. H. Não existiu perda de qualidade quer sonora quer de imagem, mantendo-se as mesmas inalteradas, desde o início da “Flash Interview” até ao seu final. I. A Arguida é alheia ao excesso de tempo com a “Flash Interview”, uma vez que o mesmo é da responsabilidade do Operador Televisivo. J. Pelo que inexiste qualquer culpa ou negligência da Arguida, não lhe sendo imputável qualquer sanção disciplinar.

IV – Fundamentação 10. A questão que é submetida à apreciação deste Conselho, e a que cumpre dar resposta, é a de saber se o facto de a Recorrente, enquanto decorria a flash interview ao treinador da equipa adversária, ter aumentado o volume do som emitido pela aparelhagem sonora e, simultaneamente, desligado a maioria das luzes do recinto desportivo, assim dificultando a qualidade de som e imagem ao produtor da SporTV, incorre numa violação direta, consciente e intencional dos deveres a que está adstrita tornando-se incursa em responsabilidade disciplinar.

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V – Fundamentação de facto §1. A prova no direito disciplinar desportivo 11. Em sede de direito disciplinar desportivo, atenta a particular natureza sancionatória do respetivo processo, tem plena validade a convocação para o exame crítico da prova do princípio geral da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código do Processo Penal, de acordo com o qual «[s]alvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Aliás, o RDLPFP convoca a aplicação do Código do Processo Penal quando, no n.º 1 do artigo 16.º, onde estatui «[n]a determinação da responsabilidade disciplinar é subsidiariamente aplicável o disposto no Código Penal e, na tramitação do respetivo procedimento, as regras constantes do Código de Procedimento Administrativo e, subsequentemente, do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações». 12. Todavia, no âmbito disciplinar desportivo, a concreta conformação do mencionado princípio vê-se condicionada pelo valor especial e reforçado que os relatórios oficiais e declarações complementares das equipas de arbitragem e dos delegados da LPFP merecem em tal contexto. Com efeito, o RDLPFP – numa aproximação à previsão constante do artigo 169.º do Código de Processo Penal – dispõe, na al f) do artigo 13.º, que os factos presenciados pelas equipas de arbitragem e pelos delegados da LPFP, percecionados no exercício das suas funções, constantes de relatórios de jogo e de declarações complementares, se presumem verdadeiros enquanto a sua veracidade não for ‘fundadamente’ posta em causa. 13. O valor probatório qualificado a que o RDLPFP alude constitui um mecanismo regulamentar compreendido e justificado pelo cometimento de funções particularmente importantes aos árbitros e delegados da LFPF, a quem compete representar a instituição no âmbito dos jogos oficiais, cumprindo e zelando pelo cumprimento dos regulamentos, nomeadamente em matéria disciplinar (ainda que isso possa não corresponder aos interesses egoísticos dos clubes). Na verdade, encontramo-nos, nesta sede, no domínio do exercício de poderes de natureza pública – in casu disciplinares –, que se sobrepõem aos interesses particulares dos clubes. No quadro competitivo, enquanto os clubes concretizam interesses próprios, compete a quem tem o poder e o dever de organizar a prova e fazer cumprir os regulamentos prosseguir um interesse superior ao interesse próprio de cada um dos clubes que a integram. Neste conspecto, o interesse superior da competição, realizado no âmbito de determinados poderes de natureza pública (que são exercidos em representação da própria LFPF), justifica perfeitamente que os relatórios dos

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árbitros e dos delegados e declarações complementares respetivas – vinculados que estão a deveres de isenção e equidistância –, gozem da aludida presunção de veracidade (presunção “juris tantum”). Trata-se, afinal, da consequência necessária e justificada do exercício, no quadro do jogo, da autoridade necessária para assegurar a ordem, a disciplina e o cumprimento dos regulamentos, distanciando-se das disputas que envolvem os participantes nas provas. Deste modo e em primeiro lugar, perante tal presunção, a todos os que pretendam sindicar e refutar a materialidade relatada por árbitros e delegados da LFPF (e declarados como diretamente percecionados no exercício das respetivas funções oficiais) impõe-se um especial esforço probatório, exigindo-se-lhes a apresentação de prova bastante para legítima e racionalmente questionar, colocar fundadamente em causa ou justificadamente pôr em dúvida a veracidade dos factos narrados nos relatórios oficiais ou declarações complementares. Destarte, a credibilidade probatória reforçada de que gozam tais relatórios oficiais só sairá abalada quando, perante a prova produzida, existirem fundadas razões para acreditar que o seu conteúdo não é verdadeiro. Para além disso e em segundo lugar, no que tange à atividade decisória, a força probatória reforçada de que tais relatórios beneficiam impõe ao julgador, quando entenda impor-se o afastamento da presunção de veracidade, um “especial dever de fundamentação”5. 14. Para além disso, importa ainda tomar em linha de conta que, à semelhança do processo penal, vigora neste contexto, e à luz do que determina o artigo 13.º, al. h), do RDLPFP, o princípio da «liberdade de produção e utilização de todos os meios de prova em direito permitidos».

§2. Factos provados Analisada e ponderada toda a prova produzida, consideram-se provados os seguintes factos: 1.º No dia 26 de outubro de 2020, pelas 18h30, no Estádio Marcolino Castro, realizou-se o jogo 20702, entre a Clube Desportivo Feirense – Futebol SAD e a Clube Desportivo de Mafra Futebol SDUQ, a contar para a jornada 7 da Liga Portugal SABSEG. 2.º O jogo terminou com o resultado de 3-1, favorável à Clube Desportivo Feirense – Futebol SAD. 3.º No final do jogo, enquanto decorria a flash interview ao treinador da equipa adversária, realizada no relvado, a Recorrente aumentou o volume do som e, simultaneamente, desligou a

5 Convocando o pensamento de PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, este «A limitação do julgador consiste em que ele deve “fundadamente” pôr em causa a autenticidade ou veracidade do documento», In Comentário ao Código de Processo Penal, 2.ª Edição, Un. Católica Editora, 2008, pág. 452. Página 7 de 16

maioria das luzes do recinto desportivo, assim dificultando a qualidade de som e imagem ao produtor da SporTV. 4.º A Recorrente agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que a sua atuação, nas circunstâncias apuradas, configura desrespeito pelas normas que regulamentam a sua participação no âmbito das competições organizadas pela Liga Portugal. 5.º Na época em curso, até à data dos factos, o cadastro da Recorrente não apresenta infrações disciplinares.

§3. Motivação quanto à matéria de facto 15. No caso vertente, para a formação da nossa convicção, foi tido em consideração todo o acervo probatório carreado para os autos o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz de regras da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade. Convergiu, também, a alegação da Recorrente que a sua equipa de manutenção “foi desligando a potência da luz no Estádio para evitar desperdícios” (ponto 11 das alegações e ponto G das conclusões) e ainda a visualização das imagens da flash interview. Visionada a gravação do jogo, junta a fls.8 dos autos, concretamente as imagens relativas à flash interview dos dois treinadores principais, tal como foram produzidas pela estação de TV que emitiu o jogo, é claramente percetível que a partir do minuto 1:25 da gravação, ocorre uma diminuição da intensidade da luz e, bem assim, é audível um som que perpassa durante toda a realização da flash interview do treinador da equipa visitante. Assim, sem necessidade de grandes esforços dialéticos, fica demonstrado, pelo conteúdo do Relatório acima mencionado que a Recorrente incorreu na prática da infração disciplinar sancionada. Na verdade, a prova que produziu - através das imagens que juntou aos autos - não é suficiente para colocar fundadamente em dúvida a veracidade do conteúdo do citado relatório, bem pelo contrário, pois as imagens antes corroboram a declaração que o Senhor Delegado da Liga fez constar no seu relatório, o que reforça a sua credibilidade. Em face do que se expõe, tem necessariamente de claudicar a pretensão da Recorrente em afastar o juízo de facto relativamente ao comportamento que motivou o sancionamento em processo sumário, concluindo-se, sem margem para dúvida razoável, que a punição da Recorrente assentou na existência dos concernentes factos.

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VI– Fundamentação de Direito §1. Fundamentos e âmbito do poder disciplinar 16. O poder disciplinar exercido no âmbito das competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol – ou, por delegação, pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional – assume natureza pública6. Com clareza, concorrem para esta proposição as normas constantes do artigo 19.º, n.ºs 1 2, da Lei n.º 5/2007 de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto)7 e dos artigos 10.º e 13.º, al. i), do RJFD2008. A existência de um regulamento disciplinar justifica-se pelo dever legal – artigo 52.º, n.º 1, do RJFD2008 – de sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, entendendo-se por estas últimas as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo (artigo 52.º, n.º 2, do RJFD2008) 8. O poder disciplinar exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário (artigo 54.º, n.º 1, do RJFD2008)9. Em conformidade com o artigo 55.º do RJFD2008 o regime da responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal. Todo este enquadramento, representa, entre tantas consequências, que estamos perante um poder disciplinar que se impõe, em nome dos valores mencionados, a todos os que se encontram

6 “A Federação Portuguesa de Futebol é uma pessoa coletiva de direito privado sem fins lucrativos, dotada de utilidade pública desportiva, por via da qual o Estado lhe atribuiu competências várias para o uso, em exclusivo, de poderes de natureza pública, entre os quais o poder regulamentar e o poder disciplinar” (Ac. do STJ de 05.07.2018, procº nº 8671/14.4T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt). 7 A Lei nº 5/2007 sofreu alterações, nomeadamente através da Lei nº 74/2013, de 6 de setembro, mas sem qualquer relevância neste âmbito. 8 Sob a epigrafe “Regulamentos disciplinares”, o artigo 52º estatui que: “1 – As federações desportivas devem dispor de regulamentos disciplinares com vista a sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva. 2 – Para efeitos da presente lei, são consideradas normas de defesa da ética desportiva as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo.” 9 “Artigo 54º (Âmbito do poder disciplinar): 1 – No âmbito desportivo, o poder disciplinar das federações desportivas exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a actividade desportiva compreendida no seu objecto estatutário, nos termos do respectivo regime disciplinar. 2 – Os agentes desportivos que forem punidos com a pena de incapacidade para o exercício de funções desportivas ou dirigentes por uma federação desportiva não podem exercer tais funções em qualquer outra federação desportiva durante o prazo de duração da pena.” Página 9 de 16

a ele sujeito, conforme o âmbito já delineado e que, por essa razão, assenta na prossecução de finalidades que estão bem para além dos pontuais e concreto interesses desses agentes e organizações desportivas.

§2. Enquadramento jurídico-disciplinar §2.1. Das infrações disciplinares em geral 17. No estabelecer das infrações disciplinares, o RDLPFP encontra-se estruturado pela qualidade do agente infrator: clubes, dirigentes, jogadores, delegados dos clubes e treinadores, demais agentes desportivos, espectadores, árbitros, árbitros assistentes, observadores de árbitros e delegados da Liga Para cada um destes tipos de agente o RDLPFP recorta tais infrações e respetivas sanções em obediência ao grau de gravidade dos ilícitos, qualificando assim as infrações como muito graves, graves e leves.

Das infrações disciplinares concretamente imputadas 18. No caso concreto, situamo-nos no universo das infrações dos clubes10, qualificadas como leves, estando em causa a prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 127.º, n.º 1, do RDLPFP cujo texto agora se transcreve:

Artigo 127.º Inobservância de outros deveres 1. Em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável são punidos com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 10 UC e o máximo de 50 UC. 2. Na determinação da medida da pena prevista no n.º 1 do presente artigo, salvo se cometer a violação do mesmo dever violado na mesma época desportiva, não será considerada a circunstância

10 Capítulo IV (Infrações disciplinares), Secção I (Infrações específicas dos clubes), Subsecção III (Infrações disciplinares leves). Página 10 de 16

agravante da reincidência prevista nos artigos 52.º e 53.º n.º 1 alínea a) do presente regulamento.

§3. O caso concreto 19. O facto de a Recorrente, enquanto decorria a flash interview ao treinador da equipa adversária, ter aumentado o volume do som emitido pela aparelhagem sonora e, simultaneamente, desligado a maioria das luzes do recinto desportivo, assim dificultando a qualidade de som e imagem ao produtor da SporTV, faz com que incorra numa violação direta, consciente e intencional dos deveres a que está adstrita tornando-se incursa em responsabilidade disciplinar. 20. Atentemos no teor da descrição feita no Relatório do Delegado: “No decorrer da flash interview realizada no relvado, no momento em que o treinador do CD Mafra falava o som do estádio aumentou de volume o que interferiu na referida entrevista bem como em simultâneo as luzes foram na sua maioria desligadas, o que dificultou a qualidade de som e imagem ao produtor da Sport TV, tendo este se queixado ao Delegado da Liga pelas condições técnicas do momento. Após três tentativas efetuadas pelo Delegado da Liga a fim de reporem as tais condições, estas foram infrutíferas.”. 21. Estamos, pois a apreciar materialidade constante de Relatório de Delegado da Liga - que beneficia, como se referiu, de uma presunção de veracidade – e que decorre do cumprimento de um dos seus múltiplos deveres, nomeadamente o previsto no artigo 65.º n.º 1 aliena i) do RCLPFP: “elaborar e remeter à Liga Portugal um relatório circunstanciado de todas as ocorrências relativas ao normal decurso do jogo, incluindo quaisquer comportamentos dos agentes desportivos findo o jogo, na flash interview;”. 22. O Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional impõe que, no final de cada jogo transmitido em direto pela TV, seja realizada pelo operador televisivo titular do direito de transmissão do jogo, uma entrevista (flash-interview) de carácter obrigatório, a ela devendo comparecer, entre outros, o treinador principal de cada uma das equipas (artigo 91.º n.º 1 RCLPFP). 23. Este preceito regulamentar insere-se numa divisão sistemática do Regulamento das Competições (Capítulo XI), toda ela dedicada às transmissões televisivas e radiofónicas. 24. Ora, afigura-se-nos desnecessário, frisar – indo mais longe na fundamentação - a relevância que para competições desportivas profissionais, assume este segmento do espetáculo

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desportivo. Em todo este espaço regulamentar, tudo é meticulosamente regulado, o que bem se compreende. Uma simples viagem pelas normas estabelecidas nos artigos 88º a 96º daquele RCLPFP, permite alcançar, com facilidade, essa constatação. 25. A flash interview não é mais do que uma vertente dessa preocupação, onde se jogam interesses para além dos das sociedades desportivas, individualmente consideradas. Veja-se, por exemplo, o referido na alíneas a) e b) do nº1 da norma transcrita: a [flash interview] realiza-se i) no relvado; ii) diante de um painel fornecido pela Liga Portugal com os logótipos dos seus patrocinadores, devendo os intervenientes colocar-se sobre uma marca afixada no chão pelos delegados da Liga, para esse efeito. 26. Por outro lado, o Anexo IV Regulamento de Infraestruturas e Condições Técnicas e de Segurança nos Estádios, prevê na Ref.ª E 32 que a zona da flash interview é uma “zona especifica para a realização da flash interview localizada perto dos balneários das equipas, em que exista espaço suficiente para a instalação de um painel publicitário e iluminação para a realização da mesma”. 27. O que se mostra regulado nas citadas normas sobre o modus faciendi da flash interview, concretamente quanto à sua localização e o seu timing, foi observado no caso em análise. E, há que sublinhá-lo, do cumprimento dos aspetos organizativos que presidem à realização da flash interview não cabe a qualquer dos clubes em presença curar, mas tão só à entidade organizadora da competição que, para o efeito, adotou um regulamento e em que, como deles se vê, foram salvaguardados os interesses dos participantes no espetáculo. De outro modo, deixar as coisas ao livre alvedrio de cada um dos participantes para além do organizador propriamente , estaria legitimada a prevalência da perspetiva de qualquer dos participantes sobre o modus faciendi da realização da flash interview o que, como bem se vê, facilmente poderia redundar em ausência de organização. 28. Mas se a Recorrente observou, no cumprimento dos seus deveres regulamentares, o espaço para a sua realização, já incumpriu o dever de o manter boas condições técnicas de iluminação e som durante o período em que ocorreu a entrevista ao treinador da equipa adversária, tal como deixamos evidenciado nos factos provados. 29. Ora, mostra-se assim configurado por parte da Recorrente, Clube Desportivo Feirense, Futebol SAD, mercê da regulamentação referida, um comportamento ilícito face à violação do dever de manter a iluminação do local onde decorreu a flash interview, em circunstâncias que permitissem um trabalho ao produtor televisivo em boas condições técnicas. Com esta atuação

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pôs em causa a estrutura organizativa preparada para a flash interview, assim defraudando os interesses e finalidades da competição, também comerciais e de comunicação do espetáculo desportivo. 30. E nem a postura persuasiva do Delegado da Liga, que por três vezes solicitou a reposição das condições técnicas, teve qualquer efeito, inexistindo razão que justifique a manutenção de um comportamento inadimplente que revela culpa grave por nele ter persistido, não obstante as advertências. 31. Permita-se-nos, na abordagem desta questão, seguir, agora, um caminho próprio, pois esta mesma matéria reclama uma breve alusão à questão global da ética desportiva e, como é sabido, são inúmeras as referências a este assunto e aos seus princípios em registos normativos de soft law e ainda em declarações das organizações desportivas, nacionais e internacionais. 32. Por ora, julga-se ser bastante referir o artigo 3º da Lei nº 5/2007, de 16 de janeiro, Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, preceito inserido no espaço dos princípios gerais. Sob a impressiva epígrafe Princípio da Ética desportiva, dispõe o seu nº1: “A atividade desportiva é desenvolvida em observância dos princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva e da formação integral de todos os participantes.” 33. Estamos perante um dos mais emblemáticos princípios normativos que enformam atividade desportiva e que perdura intocável desde a Lei nº1/90, de 13 de janeiro (Lei de Bases do Sistema Desportivo), aí plasmado no artigo 5º11 e que também ganhou espaço na Lei nº 30/2004, de 21 de julho (Lei de Bases do Desporto), neste caso, entre outros, no seu artigo 40º12.

11 Artigo 5.º Ética desportiva 1 - A prática desportiva é desenvolvida na observância dos princípios da ética desportiva e com respeito pela integridade moral e física dos intervenientes. 2 - À observância dos princípios da ética desportiva estão igualmente vinculados o público e todos os que, pelo exercício de funções directivas ou técnicas, integram o processo desportivo. 3 - Na prossecução da defesa da ética desportiva, é função do Estado adoptar as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas, designadamente a violência, a corrupção, a dopagem e qualquer forma de discriminação social. 12 Artigo 40.º Ética desportiva 1 - A prática desportiva deve ser desenvolvida na observância dos princípios da ética desportiva por parte dos recursos humanos no desporto e com ele relacionados, do público e de todos os que, pelo exercício de funções directivas ou técnicas, integram o processo desportivo. 2 - Na prossecução da defesa da ética desportiva, é função do Estado adoptar as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas, designadamente a violência, a corrupção, a dopagem e qualquer forma de discriminação social negativa. 3 - O Governo deve incentivar os corpos sociais intermédios públicos e privados a encorajar e a apoiar os movimentos e as iniciativas em favor do espírito desportivo e da tolerância, bem como projectos educativos e sociais.

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34. Sem cuidar aqui de analisar todo o alcance do princípio e dos seus segmentos, tal como enunciado na norma, afigura-se-nos incontestável que nele se integram sem dificuldade, os deveres gerais recolhidos pelas normas da LPFP nos seus regulamentos, tais como os previstos no artigo 19.º do RDLPFP que sob epígrafe Deveres e obrigações gerais determina que “1. As pessoas e entidades sujeitas à observância das normas previstas neste Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social”; e também no artigo 51.º do RCLPFP que sob epigrafe Deveres de correção e urbanidade dos intervenientes determina que “1. Todos os agentes desportivos devem manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes. 2. Dentro das instalações desportivas onde o encontro se realiza, todos os agentes desportivos deverão usar da maior correção e respeito para com o público, elementos das forças de segurança e representantes dos órgãos da comunicação social”. (realce adicionado). 35. Com efeito, a ética desportiva e a defesa do espírito desportivo englobam naturalmente a correção devida com o oponente desportivo. Assim, indubitavelmente, as sociedades desportivas que elaboram e aprovam tais normas devem ser as mais interessadas em respeitar tais obrigações legais, tudo com vista à operacionalização do espetáculo desportivo mais nobre atrativo e formativo. Só num ambiente de respeito entre todos os intervenientes diretos é que o desporto se expressa como uma “escola de virtudes” para eles e para os intervenientes indiretos. 36. Efetivamente, nunca é demais salientar que quem deseja preservar o desporto e especificamente as competições reconhecidas como profissionais, seja tanto na veste de equipa visitada como de equipa visitante, não pode tolerar, nem aceitar que o ambiente nos estádios onde estas se desenrolam seja um espaço à margem do ordenamento social e, dentro deste, do ordenamento jurídico, onde a urbanidade, a correção e a retidão sejam permutadas pela insubordinação ou afronta. 37. Descendo à questão que nos ocupa, é pois incontestável que a Recorrente ao ter aumentado o volume do som emitido pela aparelhagem sonora e, simultaneamente, desligado a maioria das luzes do recinto desportivo enquanto decorria a flash interview ao treinador da equipa adversária, assim dificultando a qualidade de som e imagem ao produtor da SporTV atuou, não só, violando as disposições regulamentares previstas no Anexo IV Regulamento de Infraestruturas e Condições Técnicas e de Segurança nos Estádios Ref.ª E 32, mas também com desrespeito pelos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão previstos no artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP,

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bem como violou os deveres de correção e urbanidade previstos no artigo 51º, n.º 1, do RCLPFP, que a terem sido acolhidos na decisão recorrida em muito mais graduariam a sua culpa traduzida num mais elevado juízo de censura por não ter adotado um comportamento conforme ao seu dever que podia e devia ter assumido de modo a evitar o resultado verificado. 38. Concluindo, tendo a decisão disciplinar recorrida apurado adequada e corretamente os factos em causa e feito a respetiva subsunção ao ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 127.º, n.º 1, do RDLPFP, não é merecedora de qualquer censura, motivo pelo qual propendemos para a sua manutenção.

VII – Decisão. Nos termos e com os fundamentos expostos, os membros da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF decidem julgar improcedente o Recurso Hierárquico Impróprio interposto da decisão sumária, publicitada pelo comunicado oficial n.º 93 de 30.10.202 da LPFP, quanto à prática pela Recorrente, Clube Desportivo Feirense – Futebol SAD, da infração disciplinar prevista no 127.º n.º 1 do RDLPFP, confirmando a decisão disciplinar recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, fixando-se o emolumento disciplinar em € 215 (duzentos e quinze euros), correspondente a 6 UC [artigos 279.º n.º 4, 283.º n.º 1 a), 284.º n.º 3 e 36.º n.º 3 todos do RDLPFP.

Registe, notifique e publicite.

Cidade do Futebol, 24 de novembro de 2020.

O Conselho de Disciplina, Secção Profissional

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RECURSO DESTA DECISÃO

As decisões do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol são passíveis de recurso, nos termos da lei e dos regulamentos, para o Conselho de Justiça ou para o Tribunal Arbitral do Desporto. De acordo com o artigo 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, na redação conferida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/2014 de 23 de junho, cabe recurso para o Conselho de Justiça das decisões disciplinares relativas a questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva. O recurso deve ser interposto no prazo de 5 dias úteis (artigo 35.º do Regimento do Conselho de Justiça aprovado pela Direção da Federação Portuguesa de Futebol, em 18 de dezembro de 2014 e de 29 de abril de 2015 e publicitado pelo Comunicado Oficial n.º 383, de 27 de maio de 2015). Em conformidade com o artigo 4.º, n.ºs 1 e 3, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (aprovada pelo artigo 2.º da Lei n.º 74/2013 de 6 de setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei, na redação conferida pelo artigo 3.º da Lei n.º 33/2014 de 16 de junho - Primeira alteração à Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei), compete a esse tribunal conhecer, em via de recurso, das deliberações do Conselho de Disciplina. Exclui-se dessa competência, nos termos do n.º 6 do citado artigo, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva. O recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto deve ser interposto no prazo de 10 dias, contados da notificação desta decisão (artigo 54.º, n. º2, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto).

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