Variedades Diferenciáveis

Publicações Matemáticas

Variedades Diferenciáveis

Elon Lages Lima

impa

Copyright © 2011 by Elon Lages Lima

Impresso no Brasil / Printed in

Capa: Noni Geiger / Sérgio R. Vaz

Publicações Matemáticas

• Introdução à Topologia Diferencial – Elon Lages Lima • Criptografia, Números Primos e Algoritmos – Manoel Lemos • Introdução à Economia Dinâmica e Mercados Incompletos – Aloísio Araújo • Conjuntos de Cantor, Dinâmica e Aritmética – Carlos Gustavo Moreira • Geometria Hiperbólica – João Lucas Marques Barbosa • Introdução à Economia Matemática – Aloísio Araújo • Superfícies Mínimas – Manfredo Perdigão do Carmo • The Index Formula for Dirac Operators: an Introduction – Levi Lopes de Lima • Introduction to Symplectic and Hamiltonian Geometry – Ana Cannas da Silva • Primos de Mersenne (e outros primos muito grandes) – Carlos Gustavo T. A. Moreira e Nicolau Saldanha • The Contact Process on Graphs – Márcia Salzano • Canonical Metrics on Compact almost Complex Manifolds – Santiago R. Simanca • Introduction to Toric Varieties – Jean-Paul Brasselet • Birational Geometry of Foliations – Marco Brunella • Introdução à Teoria das Probabilidades – Pedro J. Fernandez • Teoria dos Corpos – Otto Endler • Introdução à Dinâmica de Aplicações do Tipo Twist – Clodoaldo G. Ragazzo, Mário J. Dias Carneiro e Salvador Addas Zanata • Elementos de Estatística Computacional usando Plataformas de Software Livre/Gratuito – Alejandro C. Frery e Francisco Cribari-Neto • Uma Introdução a Soluções de Viscosidade para Equações de Hamilton-Jacobi – Helena J. Nussenzveig Lopes, Milton C. Lopes Filho • Elements of Analytic Hypoellipticity – Nicholas Hanges • Métodos Clássicos em Teoria do Potencial – Augusto Ponce • Variedades Diferenciáveis – Elon Lages Lima • O Método do Referencial Móvel – • A Student's Guide to Symplectic Spaces, Grassmannians and Maslov Index – Paolo Piccione e Daniel Victor Tausk • Métodos Topológicos en el Análisis no Lineal – Pablo Amster • Tópicos em Combinatória Contemporânea – Carlos Gustavo Moreira e Yoshiharu Kohayakawa • Uma Iniciação aos Sistemas Dinâmicos Estocásticos – Paulo Ruffino • Compressive Sensing – Adriana Schulz, Eduardo A.B.. da Silva e Luiz Velho • O Teorema de Poncelet – Marcos Sebastiani • Cálculo Tensorial – Elon Lages Lima • Aspectos Ergódicos da Teoria dos Números – Alexander Arbieto, Carlos Matheus e C. G. Moreira • A Survey on Hiperbolicity of Projective Hypersurfaces – Simone Diverio e Erwan Rousseau • Algebraic Stacks and Moduli of Vector Bundles – Frank Neumann • O Teorema de Sard e suas Aplicações – Edson Durão Júdice

IMPA - [email protected] - http://www.impa.br - ISBN: 978-85-244-0267-8 “MAIN2” 2007/5/23 page

What win I if I gain the thing I seek? A dream, a breath, a froth of fleeting joy.

Pref´acio

Estas notas s˜ao uma reimpress˜ao n˜ao modificada do texto de um curso introdut´orio sobre Variedades Diferenci´aveis, que lecio- nei algumas vezes no IMPA, anos atr´as. Ao escrevˆe-las, vali-me dos apontamentos do meu ent˜ao aluno Jair Koiller. A presente edi¸c˜ao foi digitada por Rogerio Dias Trindade. As figuras foram produzidas por Francisco Petrucio.´ A todas estas pessoas, meus agradecimentos.

Rio de Janeiro, maio de 2007

Elon Lages Lima “MAIN2” 2007/5/23 page “MAIN2” 2007/5/23 page

Conteudo´

Cap´ıtulo I - C´alculo Diferencial ...... 1 1. Espa¸co euclidiano de dimens˜ao p ...... 1 2. Casos particulares ...... 4 3. Derivadas de ordem superior ...... 6 4. Vers˜ao intr´ınseca da regra da cadeia ...... 8 5. A desigualdade do valor m´edio ...... 11 6. Derivadas parciais ...... 13 7. O teorema da fun¸c˜ao inversa ...... 15 8. Forma local das submers˜oes e o teorema das fun¸c˜oes impl´ıcitas ...... 16 9. A forma local das imers˜oes ...... 20 10. O teorema do posto ...... 22 11. Campos de vetores em Rn ...... 28 12. Referˆencias ...... 30

Cap´ıtulo II - Superf´ıcies nos Espa¸cos Euclidianos . . 31 1. Parametriza¸c˜oes ...... 31 2. A no¸c˜ao de superf´ıcie ...... 34 3. Mudan¸ca de coordenadas ...... 36 4. O espa¸co tangente ...... 42 5. Como obter superf´ıcies ...... 46 6. Exemplos de superf´ıcies ...... 52 7. Grupos e Algebras´ de Lie de matrizes ...... 60 8. Campos de vetores tangentes a uma superf´ıcie . . . . . 63 “MAIN2” 2007/5/23 page

Cap´ıtulo III - Vetores Normais, Orientabilidade e Vizinhan¸ca Tubular ...... 70

1. Campos de vetores normais a uma superf´ıcie ...... 71 2. Superf´ıcies Orient´aveis ...... 80 3. A vizinhan¸ca tubular de uma superf´ıcie compacta . . . 86 4. A vizinhan¸ca tubular de uma superf´ıcie n˜ao-compacta 93

Cap´ıtulo IV - Variedades Diferenci´aveis ...... 102

1. Sistemas de coordenads locais ...... 102 2. Mudan¸ca de coordenadas ...... 105 3. Variedades diferenci´aveis ...... 106 4. Exemplos de variedades ...... 108 5. Variedades definidas por uma cole¸c˜ao de inje¸c˜oes . . 113 6. Variedades de Grassmann ...... 123

Cap´ıtulo V - Aplica¸c˜oes Diferenci´aveis entre Variedades ...... 129

1. Aplica¸c˜oes diferenci´aveis ...... 130 2. O espa¸co tangente ...... 134 3. A derivada de uma aplica¸c˜ao diferenci´avel ...... 137 4. Algumas identifica¸c˜oes naturais ...... 139 5. A aplica¸c˜ao esf´erica de Gauss ...... 141 6. Estruturas de variedade em um espa¸co topol´ogico . . 143 “MAIN2” 2007/5/23 page

Cap´ıtulo VI - Imers˜oes, Mergulhos e Subvariedades ...... 147

1. Imers˜oes ...... 147 2. Mergulhos e subvariedades ...... 151 3. Subvariedades ...... 154 4. O espa¸co tangente a uma variedade produto. Derivadas parciais ...... 156 5. A classe de uma subvariedade ...... 157 6. Imers˜oes cujas imagens s˜ao subvariedades ...... 159 7. A curva de Kronecker no toro ...... 163

Cap´ıtulo VII - Submers˜oes, Transversalidade . . . . 168

1. Submers˜oes ...... 168 2. Rela¸c˜oes de simetria ...... 172 3. Grupos de Lie ...... 175 4. Transversalidade ...... 177 5. Transversalidade de fun¸c˜oes ...... 181 6. Aplica¸c˜oes de posto constante ...... 183

Cap´ıtulo VIII - Parti¸c˜oes da Unidade e suas Aplica¸c˜oes ...... 186

1. Fun¸c˜oes auxiliares ...... 186 2. Algumas no¸c˜oes topol´ogicas ...... 190 3. Parti¸c˜oes da unidade ...... 193 4. O lema de Urysohn diferenci´avel ...... 196 5. Aplica¸c˜oes diferenci´aveis em subconjuntos arbitr´arios de variedades ...... 199 “MAIN2” 2007/5/23 page

Cap´ıtulo IX - M´etricas Riemannianas ...... 205

1. Variedades riemannianas ...... 205 2. A norma da derivada ...... 211 3. A distˆancia intr´ınseca ...... 215 4. A topologia geral de uma variedade ...... 219 5. Isometrias ...... 222

Cap´ıtulo X - Espa¸cos de Fun¸c˜oes ...... 230

1. Fun¸c˜oes semicont´ınuas em uma variedade ...... 230 2. Espa¸cos de fun¸c˜oes ...... 233 3. Invariˆancia da topologia de W 1(M; N) ...... 237 4. Estabilidade de certas aplica¸c˜oes diferenci´aveis . . . . 243 5. Aproxima¸c˜oes em classe C1 ...... 251 6. Topologias de classe Cr ...... 259

Cap´ıtulo XI - Os Teoremas de Imers˜ao e Mergulho de Whitney ...... 269

1. Conjuntos de medida nula em uma variedade . . . . 270 2. Imers˜oes ...... 274 3. Imers˜oes injetivas e mergulhos ...... 379 4. Espa¸cos de Baire ...... 286 “MAIN2” 2007/5/23 page 1

Cap´ıtulo I

C´alculo Diferencial

Apresentamos neste cap´ıtulo alguns resultados cl´assicos do C´al- culo Diferencial em espa¸cos euclidianos. Enfatizamos o aspecto geom´etrico do Teorema da Fun¸c˜ao Inversa, que aplicaremos para obter as “formas locais” de certas aplica¸c˜oes diferenci´aveis. Esses resultados ser˜ao amplamente utilizados no estudo das superf´ıcies e das variedades diferenci´aveis. Omitimos a maior parte das demonstra¸c˜oes, pois o objetivo principal deste cap´ıtulo ´e fixar a nota¸c˜ao e a terminologia para os subsequen¨ tes. As demonstra¸c˜oes omitidas podem ser encontradas nas referˆencias citadas no fim deste cap´ıtulo.

1 Espa¸co euclidiano de dimens˜ao p

Como se sabe, o espa¸co euclidiano de dimens˜ao p ´e o conjunto Rp de todas as sequ¨ˆencias x = (x1, . . . , xp) de p numeros´ reais.

Os vetores e1 = (1, 0, . . . , 0), e2 = (0, 1, 0, . . . , 0), . . . , ep = (0, . . . , 1) constituem a base natural de Rp. Seja U um subconjunto aberto do Rm. “MAIN2” 2007/5/23 page 2

2 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL

Uma fun¸c˜ao vetorial f : U Rn fica perfeitamente determi- → nada por suas coordenadas

f 1, . . . , f n : U R, → definidas pela rela¸c˜ao

f(x) = (f 1(x), . . . , f n(x)), x U. ∈ Escrevemos f = (f 1, . . . , f n). Rm Rn f(U) U f

f(x) x

Figura 1.1.

Diz-se que a aplica¸c˜ao f : U Rn ´e diferenci´avel no ponto → x U quando existe uma transforma¸c˜ao linear T : Rm Rn tal ∈ → que r(h) f(x + h) = f(x) + T h + r(h), com lim = 0. · h 0 h → | | (O don´ınio natural de uma aplica¸c˜ao cuja diferenciabilidade que- remos investigar ´e um conjunto aberto, a fim de que seja arbitr´ario o modo pelo qual o ponto vari´avel x + h tende para o ponto x.) E´ f´acil de ver que as condi¸c˜oes acima implicam: f(x + th) f(x) T h = lim − · t 0 t → o que ´e interpretado geometricamente pela Figura 1.2: “MAIN2” 2007/5/23 page 3

[SEC. 1: ESPAC¸O EUCLIDIANO DE DIMENSAO˜ P 3

Rm Rn f U T h

x + h f(x + h) f(x) x

Figura 1.2.

E´ unica,´ portanto, a transforma¸c˜ao linear T : Rm Rn que d´a → a boa aproxima¸c˜ao de f perto de x. Ela ´e chamada a derivada de f no ponto x e ´e indicada por f 0(x) ou Df(x). A aplica¸c˜ao f ´e diferenci´avel no ponto x se, e somente se, cada uma de suas coordenadas f i o for. E al´em disso vale a equa¸c˜ao

Df(x) h = (Df 1(x) h, . . . , Df n(x) h). · · ·

Se T ´e uma transforma¸c˜ao linear de Rm em Rn, isto ´e, T ∈ (Rm, Rn), a matriz de T em rela¸c˜ao as` bases usuais do Rm e do RLn i ´e a matriz (tj) com n linhas e m colunas cujo elemento (i, j) ´e a i-´esima coordenada do vetor T e ; imaginando cada T e como · j · j vetor-coluna, temos:

M(T ) = (T e T e T e ). · 1 · · · · j · · · · m

A matriz associada a T = f 0(x) chama-se matriz jacobiana de f no ponto x e ´e indicada por Jf(x). O elemento (i, j) desta ∂f matriz ´e a i-´esima coordenada do vetor (x) = f 0(x) ej = ∂xj · (Df 1(x) e , . . . , Df n(x) e ), denominado j-´esima derivada parcial · j · j “MAIN2” 2007/5/23 page 4

4 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL de f no ponto x. Portanto

∂f 1 ∂f 1 ∂f 1 (x) (x) . . . (x) ∂x1 ∂x2 ∂xm    ∂f 2 ∂f 2 ∂f 2  Jf(x) =  (x) (x) . . . (x)  ∂x1 ∂x2 ∂xm    ......   n n n  ∂f ∂f ∂f   (x) (x) . . . (x)  ∂x1 ∂x2 ∂xm   

2 Casos particulares

a) Seja J R um intervalo aberto. Um caminho em Rn ´e ⊂ simplesmente uma aplica¸c˜ao f : J Rn. → Diz-se que o caminho f : J Rn tem vetor-velocidade no ponto → t J se existe o limite 0 ∈ df f(t0 + h) f(t0) (t0) = lim − dt h 0 h → cuja interpreta¸c˜ao ´e dada na Figura 1.3:

df Rn dt (t0) J f(t + h) t0 + h 0 f f(t0) t0

Figura 1.3. df O vetor-velocidade (t ) existir´a se, e somente se, o caminho dt 0 f : J Rn for diferenci´avel no ponto t . A identifica¸c˜ao de f (t ) → 0 0 0 “MAIN2” 2007/5/23 page 5

[SEC. 2: CASOS PARTICULARES 5

df com (t ) ´e dada pelo isomorfismo dt 0 (R, Rn) Rn L ≈ T T 1 7→ · ou seja,

df f(t0 + h) f(t0) (t0) = f 0(t0) 1 = lim − dt · h 0 h · → b) Seja f : U Rm R uma fun¸c˜ao real diferenci´avel em x U. ⊂ → m m ∈ A derivada f 0(x) ´e um elemento de (R , R) = (R )∗, espa¸co m L dual do R . E´ tradicional chamar f 0(x) a diferencial de f no ponto x e indic´a-la por df(x). A matriz jacobiana de f tem uma linha e m colunas, a saber ∂f ∂f Jf(x) = (x), . . . , (x) . ∂x1 ∂xm   m ∂f i Obt´em-se assim a rela¸c˜ao cl´assica df(x) h = i (x) h . · i=1 ∂x · O produto interno natural de Rm induz umPisomorfismo m m R (R )∗ ≈ x x∗, x∗(y) = x, y . 7→ h i O gradiente de f no ponto p U ´e o vetor grad f(p) Rm ∈ ∈ que corresponde ao funcional linear f (p) (Rm) por este iso- 0 ∈ ∗ morfismo. Em outras palavras, o gradiente ´e caracterizado pela proprie- dade m grad f(p), v = f 0(p) v para todo v R . h i · ∈ ∂f Em particular, grad f(p), e = (p), ou seja, h ii ∂xi ∂f grad f(p) = (p)e . ∂xi i Xi “MAIN2” 2007/5/23 page 6

6 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL

A express˜ao de grad f(p) em termos de uma base arbitr´aria (n˜ao ortonormal) ´e complicada. A defini¸c˜ao intr´ınseca, que vimos acima, ´e muito conveniente para as aplica¸c˜oes te´oricas.

3 Derivadas de ordem superior

Dado U Rm aberto, diremos que uma aplica¸c˜ao ⊂ f : U Rm ´e diferenci´avel em U quando ela for diferenci´avel → em todos os pontos x U. Define-se ent˜ao a aplica¸c˜ao derivada ∈ m n f 0 : U (R , R ) → L x f 0(x). 7→

Algumas vezes imaginamos f 0 como sendo a aplica¸c˜ao que a cada x U associa a matriz jacobiana Jf(x). Deste modo, f se ∈ 0 torna uma aplica¸c˜ao de U em Rmn. Dada T (Rm, Rn), escreve-se T = sup T u ; u Rm, u = ∈ L | | {| · | ∈ | | 1 . Isto define uma norma no espa¸co vetorial (Rm, Rn). Como } L f 0 toma valores nesse espa¸co, ´e natural indagar se f 0 ´e cont´ınua ou mesmo se f 0 tem derivada. Dizemos que f ´e continuamente diferenci´avel ou de classe C1, e escrevemos f C1, quando f ´e ∈ diferenci´avel em U e f : U (Rm, Rn) ´e cont´ınua. 0 → L Se f : U (Rm, Rn) tem derivada no ponto x U, dizemos 0 → L ∈ que f ´e duas vezes diferenci´avel no ponto x e escrevemos

m m n f 00(x): R (R , R ) → L para indicar a derivada de f 0 em x. A rigor, f 00(x) ´e um ele- mento de (Rm, (Rm, Rn)), mas existe um isomorfismo natu- L L ral (Rm, (Rm, Rn)) (Rm, Rn) que associa a cada trans- L L ≈ L2 forma¸c˜ao linear T : Rm (Rm, Rn) a transforma¸c˜ao bilinear → L “MAIN2” 2007/5/23 page 7

[SEC. 3: DERIVADAS DE ORDEM SUPERIOR 7

T : Rm Rm Rn tal que T (u, v) = (T u) v. Isto nos per- × → · · mite considerar a derivada segunda de f em x como sendo uma transforma¸e c˜ao bilinear, f (x): Rm Rm Rn. 00 × → As derivadas de ordem superior podem ser definidas indutiva- mente. Se f : U Rm Rn ´e (k 1)-vezes diferenci´avel em U, ⊂ → − ent˜ao (k 1) m n f − : U k 1(R , R ) → L − ´e uma aplica¸c˜ao de U no espa¸co das aplica¸c˜oes (k 1)-lineares de − Rm em Rn. Se f (k 1) for diferenci´avel no ponto x U, diremos que f ´e − ∈ k-vezes diferenci´avel neste ponto. O isomorfismo canˆonico

m m n m n (R , k 1(R , R ) k(R , R ) L L − ≈ L (k 1) permite considerar a derivada de f − em x como sendo uma aplica¸c˜ao k-linear de Rm em Rn. Se f (k)(x) existe em cada ponto x U, define-se a aplica¸c˜ao f (k) : U (Rm, Rn), e se f (k) for ∈ → Lk cont´ınua diz-se que f ´e de classe Ck ou k-vezes continuamente diferenci´avel, e escreve-se f Ck ou f Ck(U, Rn). ∈ ∈ O conjunto Ck(U, Rn) de todas as aplica¸c˜oes f : U Rn que → s˜ao k vezes continuamente diferenci´aveis ´e um espa¸co vetorial real (de dimens˜ao infinita).

A importante classe C∞ das aplica¸c˜oes infinitamente diferen- ci´aveis ´e a interse¸c˜ao de todas as classes C k,

0 1 2 C∞ = C C C . . . ∩ ∩ ∩ E´ claro que C Ck Ck 1 C1 C0. ∞ ⊂ · · · ⊂ ⊂ − ⊂ · · · ⊂ ⊂ Pode-se mostrar que uma aplica¸c˜ao f : U R ´e de classe C k se → existem, e s˜ao cont´ınuas em U, todas as derivadas parciais mistas de f at´e a ordem k inclusive. (Vide 1.6 adiante.) “MAIN2” 2007/5/23 page 8

8 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL

4 Vers˜ao intr´ınseca da regra da cadeia

Sejam U Rm e V Rn conjuntos abertos, f : U Rn ⊂ ⊂ → uma aplica¸c˜ao diferenci´avel no ponto x U, com f(U) V , e ∈ ⊂ g : V Rp uma aplica¸c˜ao diferenci´avel no ponto y = f(x) V . → ∈ Ent˜ao a aplica¸c˜ao composta g f : U Rp ´e diferenci´avel no ponto ◦ → x e (g f) (x) = g (y) f (x): Rm Rp. ◦ 0 0 ◦ 0 → E´ util´ ter em mente os diagramas

f g f 0(x) g0(y) U V Rp Rm Rn Rp

g f (g f)0(x) ◦ ◦

Considerando as matrizes jacobianas de f, g e g f obtemos a ◦ antiga regra da cadeia,

n ∂(gi f) ∂gi ∂f k 1 i p ◦j (x) = k (f(x)) j (x), ≤ ≤ ∂x ∂y · ∂x (1 j m · Xk=1 ≤ ≤

Aplica¸c˜oes

1) Seja f : U Rn diferenci´avel em x U. Dado v Rm, → 0 ∈ ∈ seja λ: t λ(t) um caminho em U, diferenci´avel em t = 0, com 7→ λ(0) = x e λ (0) = v. Ent˜ao f (x ) v ´e o vetor-velocidade do 0 0 0 0 · caminho t f(λ(t)) em t = 0. 7→ “MAIN2” 2007/5/23 page 9

[SEC. 4: VERSAO˜ INTR´INSECA DA REGRA DA CADEIA 9

Rm Rn 0 f (x0) v U · t v λ f f(λ(t)) 0 λ(t) f(x0)

x0

Figura 1.4.

2) Seja f : U Rn diferenci´avel em x U Rm e admitamos que → ∈ ⊂ f tem uma inversa g = f 1 : V Rm, V Rn, (isto ´e, f(U) = V , − → ⊂ g(V ) = U, f g = id e g f = id ) que ´e diferenci´avel no ponto ◦ V ◦ U y = f(x). Ent˜ao f (x): Rm Rn ´e um isomorfismo, cujo inverso 0 → ´e g (y): Rn Rm. Em particular m = n. 0 → Um difeomorfismo f : U V ´e uma bije¸c˜ao diferenci´avel cuja → 1 inversa ´e tamb´em diferenci´avel. Se ambas, f e f − s˜ao de classe Ck, dizemos que f ´e um difeomorfismo de classe Ck. A aplica¸c˜ao t R t3 R ´e exemplo de um homeomorfismo ∈ 7→ ∈ diferenci´avel C∞ que n˜ao ´e um difeomorfismo. Para finalizar, examinaremos as derivadas sucessivas da apli- ca¸c˜ao composta gf, onde g e f s˜ao r vezes direrenci´aveis. A regra da cadeia pode escrever-se, resumidamente, como

(1) (gf)0 = g0f f 0. · Isto significa, evidentemente, que (gf) (x) = g (f(x)) f (x), para 0 0 · 0 cada x U, o ponto indicando composi¸c˜ao de aplica¸c˜oes lineares. ∈ Observemos que, se L e L s˜ao lineares (e a composta L L faz 1 2 2 · 1 sentido), a aplica¸c˜ao (L , L ) L L ´e bilinear. Resulta ent˜ao 1 2 7→ 2 · 1 “MAIN2” 2007/5/23 page 10

10 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL da regra de deriva¸c˜ao de aplica¸c˜oes bilineares, que (1) acarreta

(gf)00 = (g0f)0 f 0 + g0f f 00. · · Usando a regra da cadeia:

(2) (gf)00 = g00f (f 0, f 0) + g0f f 00. · · Na f´ormula (2), usamos a nota¸c˜ao B (L , L ), onde B ´e bilinear · 1 2 e L , L s˜ao lineares, para indicar a aplica¸c˜ao bilinear (h, k) 1 2 7→ B(L h, L k). Observe-se que a aplica¸c˜ao (B, L , L ) B 1 · 2 · 1 2 7→ · (L1, L2) ´e trilinear. Portanto, derivando (2), obtemos

(3) (gf)00 = g00f (f 0, f 0, f 0) + 3g00f (f 00, f 0) + g0f f 00. · · ·

Na f´ormula (3), se L, L1 , L2 , L3 s˜ao lineares, se B ´e bilinear e T ´e trilinear, as nota¸c˜oes T (L , L , L ) e T (B, L) indicam respectiva- · 1 2 3 · mente as aplica¸c˜oes trilineares (h , h , h ) T (L h , L h , L 1 2 3 7→ 1 · 1 2 · 2 3 · h3) e (h1, h2, h3) T (B(h1, h2), L h3). De maneira an´aloga, de- 7→ · a rivando (3), obteremos a f´ormula para a 4¯ derivada da composta gf:

IV IV (4) (gf) = g f (f 0, f 0, f 0, f 0) + 6g00f (f 00, f 0, f 0) · · IV + 4g00f (f 00, f 0) + 3g00f (f 00, f 00) + g0f f . · · · As nota¸c˜oes s˜ao an´alogas as` anteriores. De um modo geral, uma indu¸c˜ao f´acil permite constatar que, dado i, para cada parti¸c˜ao i + + i = i, existe um inteiro n(i , . . . , i ) tal que a i-´esima 1 · · · k 1 k derivada da aplica¸c˜ao composta gf tem a expess˜ao seguinte:

i (g f)(i) = n(i , . . . , i )gkf f (i1), . . . , f (ik) ◦ 1 k · k=1 X  onde, para cada k, temos i + + i = i. 1 · · · k “MAIN2” 2007/5/23 page 11

[SEC. 5: A DESIGUALDADE DO VALOR MEDIO´ 11

5 A desigualdade do valor m´edio

Se x, y Rm, indiquemos por ∈ [x, y] = x + t(y x); 0 t 1 { − ≤ ≤ } o segmento de reta fechado ligando x e y. O correspondente seg- mento de reta aberto ´e

(x, y) = x + t(y x); 0 < t < 1 . { − }

Seja f : U Rn cont´ınua no conjunto aberto U Rm. Se → ⊂ o segmento de reta fechado [x, x + h] est´a contido em U e f ´e diferenci´avel em todos os pontos do segmento aberto (x, x + h), ent˜ao

f(x + h) f(x) M h , onde M = sup f 0(x + th) . | − | ≤ · | | 0 t 1 | | ≤ ≤ (Lembremos que se T : Rm Rn ´e uma transforma¸c˜ao linear ent˜ao → T = sup T v . ) | | v =1 | · | | |

Rn

U f f(x + h) h x + h f(x) x

Figura 1.5. “MAIN2” 2007/5/23 page 12

12 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL

O quociente de f(x + h) f(x) por h n˜ao excede | − | | |

M = sup f 0(x + th) . 0 t 1 | | ≤ ≤

Seja U Rm aberto. Uma aplica¸c˜ao diferenci´avel f : U Rn ⊂ → diz-se uniformemente diferenci´avel no conjunto X U quando ⊂ para todo ε > 0 existe δ > 0 tal que h < δ implica f(x + h) | | | − f(x) f (x) h < ε h , seja qual for x X. − 0 · | · | | ∈ E´ uma consequ¨ˆencia da desigualdade do valor m´edio que se K U ´e compacto, ent˜ao toda aplica¸c˜ao f : U Rn, de classe ⊂ → C1, ´e uniformemente diferenci´avel em K. (Vide AERn, pag. 28.) Como aplica¸c˜ao deste fato, temos a proposi¸c˜ao abaixo. (Vide AERn, pag. 31, Exerc´ıcio 3.)

Proposi¸c˜ao. Seja f : U Rn de classe C1 num aberto U → ⊂ Rm. Se f (x): Rm Rn ´e injetiva em todos os pontos x de um 0 → compacto K U, ent˜ao existem numer´ os reais c > 0 e δ > 0 tais ⊂ que f(y) f(x) c y x quaisquer que sejam x K, y U | − | ≥ | − | ∈ ∈ com g x δ. | − | ≤ Demonstra¸c˜ao: Definamos λ: K Sm 1 R pondo × − → λ(x, u) = f (x) u . Como λ > 0 em todos os pontos do conjunto | 0 · | compacto K Sm 1, existe c > 0 tal que λ(x, u) 2c, sejam × − ≥ quais forem x K, u Sm 1. Da´ı resulta que f (x) h 2c h ∈ ∈ − | 0 · | ≥ · | | para todo x K e todo h Rm. Ora, sendo f uniformemente ∈ ∈ diferenci´avel em K, existe δ > 0 tal que h < 0 implica x + h U | | ∈ e f(x+h) f(x) f (x) h < c h para todo x K. Consequen-¨ | − − 0 · | ·| | ∈ temente, se x K, y U e y x < δ, teremos: ∈ ∈ | − | “MAIN2” 2007/5/23 page 13

[SEC. 6: DERIVADAS PARCIAIS 13

f(y) f(x) | − | = f 0(x) (y x) + f(y) f(x) f 0(x) (y x) | · − − − · − | f 0(x) (y x) f(y) f(x) f 0(x) (y x) ≥ | · − | − | − − · − | 2c y x c y x = c y x . ≥ · | − − | − | · | − |

6 Derivadas parciais

Seja Rm = E F o espa¸co euclidiano Rm, escrito como soma ⊕ direta de dois subespa¸cos E, F . Cada elemento z Rm ´e repre- ∈ sentado por um par z = (x, y), x E, y F . ∈ ∈ Dados um aberto U Rm e uma aplica¸c˜ao f : U Rn, as de- ⊂ → rivadas parciais de f num ponto (a, b) U s˜ao aplica¸c˜oes lineares ∈ ∂ f(a, b): E Rn, ∂ f(a, b): F Rn, definidas pelas rela¸c˜oes 1 → 2 →

r1(h) f(a + h, b)=f(a, b)+∂1f(a, b) h+r1(h), com lim 0 · h 0 h → → | | e

r2(k) f(a, b + k)=f(a, b)+∂2f(a, b) k+r2(k), com lim 0. · h 0 k → → | |

Naturalmente, f pode possuir uma, ambas, ou nenhuma das deri- vadas parciais em um ponto (a, b) U. ∈ A derivada parcial ∂1f(a, b), caso exista, ´e a derivada da apli- ca¸c˜ao parcial x f(x, b) no ponto a E, estando tal aplica¸c˜ao 7→ ∈ definida em um aberto de E contendo a. Analogamente, ∂2f(a, b) ´e a derivada, em b F , da aplica¸c˜ao parcial y f(a, y). ∈ 7→ “MAIN2” 2007/5/23 page 14

14 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL

E´ imediato ver que, se f : U Rn ´e diferenci´avel no ponto z = → (a, b) U, ent˜ao as derivadas parciais existem e ∂ f(z) = f (z) E, ∈ 1 0 | ∂ f(z) = f (z) F . A rec´ıproca ´e falsa, como se aprende no c´alculo 2 0 | elementar. O teorema abaixo d´a uma condi¸c˜ao suficiente para diferencia- bilidade em termos de derivadas parciais.

Teorema. Sejam U Rm um aberto e Rm = E F uma decom- ⊂ ⊕ posi¸c˜ao em soma direta. Uma aplica¸c˜ao f : U Rn ´e de classe → C1 se, e somente se, para todo z = (x, y) Rm as derivadas par- ∈ ciais existem e, al´em disso, as aplica¸c˜oes ∂ f : U (E, Rn) e 1 → L ∂ f : U (F, Rn) s˜ao cont´ınuas. 2 → L No caso da decomposi¸c˜ao usual Rm = E E , onde 1 ⊕ · · · ⊕ m cada Ei ´e o subespa¸co unidimensional gerado pelo i-´esimo vetor 1 m b´asico ei , para cada z = (x , . . . , x ), identificamos ∂if(z) com o vetor

∂f f(x1, . . . , xi + t, . . . , xm) f(x1, . . . , xm) (x) = lim − ∂xi t 0 t · →

Podemos ent˜ao enunciar o

Corol´ario. Seja U Rm um aberto. Uma aplica¸c˜ao f : U Rn, ⊂ → f(z) = (f 1(z), . . . , f n(z)), ´e de classe Ck se, e somente se, todas as derivadas parciais mistas

∂αf i (z), z U, 1 i n, 1 i1, . . . , iα m ∂xi1 . . . ∂xiα ∈ ≤ ≤ ≤ ≤ de ordem α k existem e dependem continuamente de z U. ≤ ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 15

[SEC. 7: O TEOREMA DA FUNC¸AO˜ INVERSA 15

7 O teorema da fun¸c˜ao inversa

Sejam U Rm um aberto e f : U Rm uma aplica¸c˜ao Ck ⊂ → (1 k ) tal que, num ponto x U, a derivada f (x ) ≤ ≤ ∞ 0 ∈ 0 0 ∈ (Rm) ´e um isomorfismo. Ent˜ao f aplica difeomorficamente uma L vizinhan¸ca menor V de x0 sobre uma vizinhan¸ca W de f(x0).

Rm Rn U f(V ) = W

V x

Figura 1.6.

Deve-se lembrar sempre que se f : U V ´e um difeomorfismo → ent˜ao, para todo x U, f (x): Rm Rm ´e um isomorfismo, mas ∈ 0 → o Teorema da Fun¸c˜ao Inversa n˜ao ´e uma rec´ıproca completa deste fato. Ele permite apenas concluir que se f Ck (k 1) e f (x) ∈ ≥ 0 ´e um isomorfismo para todo x U, ent˜ao f ´e um difeomorfismo ∈ local, isto ´e, cada x U tem uma vizinhan¸ca aplicada por f difeo- ∈ morficamente sobre uma vizinhan¸ca de f(x).

A aplica¸c˜ao f : R2 R2, definida por f(z) = ez, fornece um → exemplo de difeomorfismo local C∞ que n˜ao ´e globalmente um difeomorfismo. “MAIN2” 2007/5/23 page 16

16 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL

O teorema da fun¸c˜ao inversa evidencia o fato de ser f 0(x0) uma “boa aproxima¸c˜ao” de f, pois a informa¸c˜ao de que f 0(x0) ´e um isomorfismo acarreta ser f biun´ıvoca em uma vizinhan¸ca de x0 .

8 A forma local das submers˜oes e o teorema das fun¸c˜oes impl´ıcitas

Seja U Rm+n um aberto. Uma aplica¸c˜ao diferenci´avel ⊂ f : U Rn chama-se uma submers˜ao quando, para todo x U, a → ∈ derivada f (x): Rm+n Rn ´e sobrejetora. O exemplo t´ıpico ´e a 0 → proje¸c˜ao

π : Rm+n = Rm Rn Rn × → (x, y) y. 7→

Com rela¸c˜ao ao teorema abaixo, lembramos que, dada uma transforma¸c˜ao linear sobrejetora T : Rm+n Rn, se tomamos → E = nucleo´ de T e F = qualquer subespa¸co suplementar de E em Rm+n ent˜ao, necessariamente, a restri¸c˜ao

T F : F Rn ´e um isomorfismo. | →

Teorema (forma local das submers˜oes). Sejam U Rm+n um ⊂ aberto e f : U Rn uma aplica¸c˜ao de classe Ck, k 1. Suponha → ≥ que, no ponto z U, a derivada f (z ): Rm+n Rn ´e sobreje- 0 ∈ 0 0 → tora. Escolhida uma decomposi¸c˜ao em soma direta E F = Rm+n ⊕ (z = (x , y )) tal que ∂ f(z ) = f (z ) F ´e um isomorfismo, ent˜ao 0 0 0 2 0 0 0 | f se comporta localmente como uma proje¸c˜ao. Com isto queremos “MAIN2” 2007/5/23 page 17

[SEC. 8: FORMA DAS SUBMERSOES˜ E O TEOREMA DAS FUNC¸OES˜ 17 dizer que existem abertos V , W , Z, com

x V, V E, 0 ∈ ⊂ z Z, Z U, 0 ∈ ⊂ f(z ) W, W Rn, 0 ∈ ⊂ e um difeomorfismo de classe Ck, h: V W Z tal que f × → ◦ h: (x, w) w. 7→ Conv´em ter em mente a Figura 1.7, que p˜oe em relevo o car´ater geom´etrico do difeomorfismo h:

U

Z n ξ(x, c) R

z0

f V W h × W

(x, c) π = f h : (x, w) w ◦ 7→ c = f(z0) (x0, c)

E x x0 V

Figura 1.7.

Fazendo uso do teorema da fun¸c˜ao inversa podemos demons- trar rapidamente a forma local das submers˜oes, como se segue: Seja ϕ: U E Rn de classe Ck, definida por ϕ(x, y) = → × (x, f(x, y)). A derivada ϕ (z ): Rm+n E Rn ´e dada pela 0 0 → × f´ormula (h, k) (h, ∂ f(z ) h+∂ f(z ) k), h E, k F . Obser- 7→ 1 0 · 2 0 · ∈ ∈ vemos que a aplica¸c˜ao linear (u, v) (u, (∂ f(z )) 1 7→ 2 0 − “MAIN2” 2007/5/23 page 18

18 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL

(v ∂ f(z ) u)), u E, v Rn, ´e a inversa de ϕ (z ) e ganhemos − 1 0 · ∈ ∈ 0 0 o direito de aplicar o teorema da fun¸c˜ao inversa. Se escrevemos k f(z0) = c, ϕ ´e um difeomorfismo de classe C de uma vizinhan¸ca de z0 sobre uma vizinhan¸ca de (x0, c). Esta ultima´ pode ser esco- lhida na forma V W , onde V ´e aberto em E e W ´e aberto em × Rn. Ponhamos

1 1 Z = ϕ− (V W ) e ϕ− : V W Z. × × → Resta examinar o aspecto da composta f h. ◦ 1 Como ϕ(x, y) = (x, f(x, y)) segue-se que h = ϕ− ´e da forma h(x, w) = (x, h (x, w)). Se (x, w) V W , ent˜ao 2 ∈ × (x, w) = ϕ h(x, w) ◦ = ϕ(x, h2(x, w))

= (x, f(x, h2(x, w))) = (x, f h(x, w)). ◦ Logo f h(x, w) = w, para todo (x, y) V W . ◦ ∈ × Corol´ario. Uma submers˜ao de classe Ck (k 1) ´e uma aplica¸c˜ao ≥ aberta.

Observa¸c˜oes: 1) Pode parecer estranho aplicar o teorema da fun¸c˜ao inversa a ϕ: U Rm+n E Rn pois E Rn n˜ao ´e um espa¸co euclidiano. ⊂ → × × O leitor est´a convidado a justificar esta passagem. 2) Da rela¸c˜ao f h = π : V W W resulta que a derivada ◦ × → f (p) ´e sobrejetora para todo p Z. Assim o conjunto dos pontos 0 ∈ p Rm+n tais que f (p) ´e sobrejetora ´e aberto. ∈ 0 3) A decomposi¸c˜ao em soma direta Rm+n = E F pode ser sempre ⊕ tomada com E e F gerados pelos eixos coordenados. E´ o que faremos doravante em todas as aplica¸c˜oes. Com efeito: “MAIN2” 2007/5/23 page 19

[SEC. 8: FORMA DAS SUBMERSOES˜ E O TEOREMA DAS FUNC¸OES˜ 19

Uma decomposi¸c˜ao em soma direta do tipo Rm+n = Rm Rn si- ⊕ gnifica uma parti¸c˜ao e , . . . , e = e , . . . , e e , . . . , e { 1 m+n} { i1 im }∪{ j1 jn } da base canˆonica do Rm+n. Dada a parti¸c˜ao, pomos Rm Rm+n ⊂ como sendo subespa¸co gerado por e , . . . , e e Rn Rm+n { i1 im } ⊂ como o subespa¸co gerado pelos vetores restantes e , . . . , e . E´ { j1 jn } ob´ vio que Rm+n ´e a soma direta desses dois subespa¸cos e escreve- mos Rm+n = Rm Rn. ⊕ Uma vez dada tal decomposi¸c˜ao, escrevemos os elementos de Rm+n como pares z = (x, y), x Rm e y Rn. Por exemplo, seja ∈ ∈ R3 = R2 R, onde R2 ´e gerado por e , e e R por e . Ent˜ao todo ⊕ 1 3 2 z = (x1, x2, x3) ser´a denotado por z = (u, v), u = (x1, 0, x3) R2 ∈ e v = (0, x2, 0) R. ∈ Dada uma aplica¸c˜ao linear sobrejetora T : Rm+n Rn, e- → xiste uma decomposi¸c˜ao Rm+n = R Rn tal que T Rn : Rn n ⊕ | → R ´e um isomorfismo. Basta observar que os vetores T e1, . . . , n T em+n geram R e portanto ´e poss´ıvel selecionar dentre eles uma base T e , . . . , T e . Sejam i , . . . , i os ´ındices restantes. A { j1 jn } 1 m parti¸c˜ao 1, 2, . . . , m + n = i , . . . , i j , . . . , j fornece a { } { 1 m} ∪ { 1 n} decomposi¸c˜ao desejada.

4) Na demonstra¸c˜ao do teorema surgem fatos importantes, que devemos destacar: o difeomorfismo h ´e da forma h(x, w) = (x, h (x, w)), x V , w W . Isto significa que as “fibras” x W 2 ∈ ∈ { }× s˜ao movimentadas apenas no sentido vertical, como aparece na Figura 1.7. Outra novidade aparece se consideramos a aplica¸c˜ao ξ = ξ : V F , ξ(x) = h (x, c), de classe Ck. Observemos que 0 → 2 f(x, ξ(x)) = c para todo x V . Por outro lado, se (x, y) Z ∈ ∈ ´e tal que f(x, y) = c, ent˜ao (x, y) = h ϕ(x, y) = h(x, c) = ◦ (x, h2(x, c)) = (x, ξ(x)), ou seja, y = ξ(x). Este fato ´e o im- portante teorema das fun¸c˜oes impl´ıcitas, que pode ser sintetizado na seguinte afirma¸c˜ao: “MAIN2” 2007/5/23 page 20

20 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL

O conjunto f 1(c) Z ´e o gr´afico da aplica¸c˜ao x V ξ(x) = − ∩ ∈ 7→ h (x, c) F , de classe Ck. 2 ∈ Em outras palavras, a equa¸c˜ao f(x, y) = c define, implicitamente, k na vizinhan¸ca de x0 , a aplica¸c˜ao y = ξ(x), de classe C cuja derivada ´e dada por

1 ξ0(x) = ∂ f(x, ξ(x)) − ∂ f(x, ξ(x)). − 2 ◦ 1   O parˆametro c pode variar no aberto W . Conclui-se que existem abertos V E, contendo x , W Rn contendo c e ⊂ 0 ⊂ Z U contendo z tais que para cada y W e para cada x v ⊂ 0 ∈ ∈ existe um unico´ ξ(x, y) = h (x, y) F tal que (x, ξ(x, y)) Z 2 ∈ ∈ e f(x, ξ(x, y)) = y. Tal situa¸c˜ao fica tamb´em evidente na Figura 1.7. Veremos no Cap´ıtulo II que o conjunto f 1(c) Z ´e uma su- − ∩ perf´ıcie m-dimensional de classe Ck no Rm+n (se¸c˜ao 2.5.2).

9 A forma local das imers˜oes

Seja U Rm um aberto. Uma aplica¸c˜ao diferenci´avel f : U ⊂ → Rm+n chama-se uma imers˜ao quando, para cada x U, a deri- ∈ vada f (x): Rm Rm+n ´e uma transforma¸c˜ao linear injetora. O 0 → exemplo t´ıpico ´e a inclus˜ao

i: Rm Rm Rn = Rm+n, x (x, 0). → × 7→

Teorema (forma local das imers˜oes). Sejam U Rm um aberto ⊂ e f : U Rm+n uma aplica¸c˜ao de classe Ck, k 1. Suponha → ≥ que no ponto x U a derivada f (x ): Rm Rm+n ´e injetora. 0 ∈ 0 0 → Ent˜ao f se comporta localmente como uma inclus˜ao. Com isto queremos dizer que existem abertos V , W , Z, com “MAIN2” 2007/5/23 page 21

[SEC. 9: A FORMA LOCAL DAS IMERSOES˜ 21

f(x ) Z, Z Rm+n, 0 ∈ ⊂ x V, V U Rm, 0 ∈ ⊂ ⊂ 0 W, W Rn, ∈ ⊂ e um difeomorfismo de classe Ck, h: Z V W , tal que h f(x) = → × ◦ (x, 0), para cada x V . ∈ A Figura 1.8, que corresponde a m = n = 1, indica geometri- camente a situa¸c˜ao geral. Conv´em entendˆe-la bem.

F Z

f(x)

0 Rm f E = f (x0) h ·

W Rn ⊂ V i = h ◦ f ξ 0 x0 (x0, 0) U Rm ⊂ π V x0

Figura 1.8. Demonstra¸c˜ao: Seja E = f (x ) Rm e escolhamos para F qual- 0 0 · quer suplementar de E em Rm+n, ou seja, Rm+1 = E F . De- ⊕ finamos a aplica¸c˜ao de classe Ck, ϕ: U F Rm+n, dada por × → ϕ(x, y) = f(x) + y. Ent˜ao ϕ(x , 0) = f(x ) e, se (u, v) Rm F , 0 0 ∈ × temos ϕ (x , 0) (u, v) = f (x ) u+v. E´ imediato ver que ϕ (x , 0) 0 0 · 0 0 · 0 0 ´e um isomorfismo. Pelo teorema da fun¸c˜ao inversa, ϕ ´e um difeo- k morfismo de classe C de uma vizinhan¸ca de (x0, 0) sobre uma vi- zinhan¸ca de f(x ). Podemos escolher a primeira da forma V W , 0 × “MAIN2” 2007/5/23 page 22

22 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL com x V U e 0 W F , e escrever Z = ϕ(V W ). 0 ∈ ⊂ ∈ ⊂ × Seja h = ϕ 1 : Z V W . Como ϕ(x, 0) = f(x), segue-se que − → × h f(x) = h ϕ(x, 0) = (x, 0), x V . ◦ ◦ ∈ Para concluir, identificamos F com Rn (escolhendo uma base para F ) a fim de simplificar o enunciado do teorema. Observa¸c˜ao: Se π : V W V , π(x, w) = x, ´e a primeira × → proje¸c˜ao, ent˜ao ξ = π h: Z V goza da propriedade ◦ → ξ f(x) = π h f(x) = π(x, 0) = x. Portanto ξ f(V ) = (f V ) 1. ◦ ◦ ◦ | | − Conclus˜ao: f ´e um homeomorfismo de V sobre f(V ) cujo inverso ´e a restri¸c˜ao a f(V ) da aplica¸c˜ao ξ : Z V de classe C k. Esta → observa¸c˜ao ser´a de importˆancia no futuro. A interpreta¸c˜ao intuitiva de uma imers˜ao f : U Rm+n (k → ≥ 1) ´e a seguinte: para cada conjunto aberto suficientemente pe- queno V U Rm, f(V ) ´e uma “superf´ıcie m-dimensional no ⊂ ⊂ Rm+n ” dotada de um “plano tangente” f(x)+f (x) Rm em cada 0 · ponto f(x) f(V ). Este plano varia continuamente com x V . ∈ ∈ Esta interpreta¸c˜ao geom´etrica das imers˜oes ser´a desenvolvida no pr´oximo cap´ıtulo.

10 O teorema do posto

O posto de uma aplica¸c˜ao linear T : Rm Rn ´e a dimens˜ao de → sua imagem T Rm, isto ´e, o numero´ m´aximo de vetores linearmente · independentes entre T e1, . . . , T em . O posto de T ´e igual a r (ρ(T ) = r) se, e somente se, a matriz de T (relativamente as` bases canˆonicas de Rm e Rn, por exemplo) tem um determinante menor r r n˜ao nulo e todo determinante menor de ordem r + 1 ´e nulo. × O posto de uma aplica¸c˜ao diferenci´avel f : U Rm Rn num ⊂ → ponto x U ´e, por defini¸c˜ao, o posto de sua derivada f (x): Rm ∈ 0 → Rn. Por exemplo, uma submers˜ao f : U Rn tem posto n em → todo ponto x U. Analogamente, uma imers˜ao f : U Rm Rn ∈ ⊂ → “MAIN2” 2007/5/23 page 23

[SEC. 10: O TEOREMA DO POSTO 23 tem posto m em cada ponto. Por esta raz˜ao, as submers˜oes e as imers˜oes s˜ao denominadas as aplica¸c˜oes de posto m´aximo.

A aplica¸c˜ao que associa a cada x U o posto de f em x ´e ∈ semi-cont´ınua inferiormente. Mais precisamente, se f tem posto r num ponto x U, existe uma vizinhan¸ca V do ponto x tal que f ∈ tem posto r em todos os pontos de V . Com efeito, existe um ≥ determinante menor r r n˜ao nulo da matriz jacobiana Jf(x). × Por continuidade, este menor n˜ao se anula em uma vizinhan¸ca V do ponto x, de modo que o posto de f ´e r em todos os pontos ≥ de V .

O teorema a ser demonstrado nesta se¸c˜ao estuda as aplica¸c˜oes de posto constante. Cont´em, como casos particulares, as formas locais das aplica¸c˜oes de posto m´aximo.

Lembramos que um subconjunto A de um espa¸co vetorial E ´e convexo se, para cada par de pontos x, y A, o segmento de reta ∈ [x, y] est´a contido em A. Por exemplo, uma bola aberta Bδ(a), de centro em a e raio δ, num espa¸co normado, ´e convexa. Realmente, dados x, y B (a) e 0 < t < 1, temos [(1 t)x + ty] a = ∈ δ | − − | (1 t)(x a)+t(y a) (1 t) x a +t y a < (1 t)δ+tδ = δ. | − − − | ≤ − | − | | − | − A bola fechada de centro a ´e raio δ tamb´em ´e convexa.

Se A E F ´e subconjunto do produto cartesiano de dois ⊂ × espa¸cos vetoriais, dizemos que A ´e verticalmente convexo se todo segmento de reta vertical [(x, y0), (x, y00)] cujas extremidades est˜ao em A, est´a inteiramente contido em A. Por exemplo, se A = V W × onde V ´e qualquer subconjunto de E e W F ´e convexo, ent˜ao ⊂ k ´e verticalmente convexo. “MAIN2” 2007/5/23 page 24

24 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL

F A = V W × W

B

E V Figura 1.9. Os conjuntos A e B s˜ao verticalmente convexos.

Lema 1. Seja U Rm Rn um aberto verticalmente convexo. ⊂ × Se f : U Rp tem segunda derivada parcial ∂ f identicamente → 2 nula em U ent˜ao f ´e independente da segunda vari´avel, isto ´e, f(x, y) = f(x, y0) para quaisquer (x, y) e (x, y0) em U. Demonstra¸c˜ao: Dados (x, y) e (x, y ) U, o caminho 0 ∈ ϕ: [0, 1] Rp dado por ϕ(t) = f(x, (1 t)y+ty ) est´a bem definido → − 0 e ´e diferenci´avel. Como ϕ (t) = ∂ f(u, (1 t)y + ty ) (y y) = 0 0 2 − 0 · 0 − para todo t [0, 1], resulta que ϕ ´e constante. Em particular, ∈ ϕ(0) = ϕ(1), ou seja f(x, y) = f(x, y0).

Lema 2. Seja E Rm+p um subespa¸co m-dimensional. Existe ⊂ uma decomposi¸c˜ao em soma direta Rm+p = Rm Rp tal que a ⊕ primeira proje¸c˜ao π : Rm+p Rm, π(u, v) = u, aplica E isomor- → ficamente sobre Rm. Demonstra¸c˜ao: Escolhamos uma base u , . . . , u em E. A { 1 m} menos que seja E = Rm+p (isto ´e, p = 0) existe um vetor b´asico e Rm+p E. Ent˜ao u , . . . , u , e s˜ao linearmente inde- j1 ∈ − 1 m j1 pendentes e geram um subespa¸co E Rm+p. A menos que 1 ⊂ E = Rm+p (p = 1), existe um vetor b´asico e Rm+p E . 1 j2 ∈ − 1 Ent˜ao u1, . . . , um , ej1 , ej2 s˜ao linearmente independentes. Pros- seguindo o racioc´ınio, obteremos vetores b´asicos ej1 , . . . , ejp tais “MAIN2” 2007/5/23 page 25

[SEC. 10: O TEOREMA DO POSTO 25 que u , . . . , u , e , . . . , e seja uma base do Rm+p. Isto deter- { 1 m j1 jp } mina as decomposi¸c˜oes em soma direta Rm+p = Rm Rp = E Rp. ⊕ ⊕ A proje¸c˜ao π, relativa a` primeira decomposi¸c˜ao, transforma Rp em zero, logo aplica E isomorficamente sobre Rm. Teorema do Posto. Sejam U Rm+n um aberto e f : U ⊂ → Rm+p uma aplica¸c˜ao de classe Ck (k 1). Suponha que f tem ≥ posto m em todos os pontos de U. Ent˜ao, para todo z U existem 0 ∈ difeomorfismos de classe Ck

α, de um aberto do Rm Rn sobre uma vizinhan¸ca de z × 0 β, de uma vizinhan¸ca de f(z ) sobre um aberto em Rm Rp. 0 × tais que β f α: (x, y) (x, 0) ◦ ◦ 7→ U Rm+n ⊂ Rp Z0 Z f(U) f(Z) f z0 f(z0)

β Rm

α

(x, y) βfα : (x, w) (x, 0) 7→ βf(Z) = V 0 × (x0, y0) (x0, 0) (x, 0) V W Rm Rn × ⊂ × V W 0 Rm Rp × ⊂ × Figura 1.10.

Demonstra¸c˜ao: Sejam z U, arbitr´ario, e E = f (z ) Rm+n 0 ∈ 0 0 · ⊂ Rm+p. Pelo Lema 2 existe uma decomposi¸c˜ao em soma direta Rm+p = Rm Rp cuja primeira proje¸c˜ao aplica E isomorficamente ⊕ sobre Rm. Ent˜ao (π f) (z ) = π f (z ): Rm+1 Rm ´e sobre- ◦ 0 0 ◦ 0 0 → jetora. Pela forma local das submers˜oes existe um difeomorfismo “MAIN2” 2007/5/23 page 26

26 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL

α Ck de um aberto V W Rm Rn sobre uma vizinhan¸ca de ∈ 0 × ⊂ × z0 tal que πfα(x, y) = x. Isto significa que fα(x, y) = (x, λ(x, y)) onde λ: V W Rp ´e de classe Ck. 0 × → Afirma¸c˜ao: ∂ λ 0. Realmente, para cada ponto (x, y) V W 2 ≡ ∈ 0 × tem-se

m n (f α)0 : (h, k) (h, ∂ λ h + ∂ λ k), h R , k R . ◦ 7→ 1 · 2 · ∈ ∈ Segue-se que π (fα) : (h, k) h. Se denotarmos por E a ◦ 0 7→ xy imagem da aplica¸c˜ao linear (fα)0(x, y), levando em conta que dim Exy = m concluiremos que π leva isomorficamente Exy sobre Rm, para cada (x, y) V W . Se em algum ponto (x, y) a de- ∈ 0 × rivada ∂ λ fosse n˜ao-nula, isto ´e, ∂ λ k = 0 para algum k Rn, 2 2 · 6 ∈ ent˜ao (fα) (0, k) = (0, ∂ λ k) = 0. Por conseguinte, π levaria um 0 2 · 6 vetor n˜ao-nulo de Exy no zero, o que contradiz a condi¸c˜ao de iso- morfismo. Podemos supor que W ´e conexo. Pelo Lema 1 resulta que λ(x, y) n˜ao depende de y. Seja α(x , y ) = z . Consideremos a inje¸c˜ao i: V V W , 0 0 0 0 → 0 × dada por i(x) = (x, y0). Ent˜ao fα(x, y) = fαi(x) = (x, λ(x, y0)) para todo (x, y) V W . Como fαi tem derivada injetora em ∈ 0 × x0 , podemos aplicar a forma local das imers˜oes: existe um difeo- morfismo β Ck, de uma vizinhan¸ca de f(z ) sobre um aberto ∈ 0 em Rm Rp tal que βfαi: x (x, 0), x V V . (V ´e uma × 7→ ∈ ⊂ 0 vizinhan¸ca de x0 , possivelmente menor que V0). Finalmente, β f α(x, y) = β f α i(x) = (x, 0), o que ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ conclui a demonstra¸c˜ao. Proposi¸c˜ao. Sejam U Rm um aberto e f : U Rn de classe ⊂ → C1. Para cada r = 0, 1, . . . , p (p = min m, n ), seja A o interior { } r do conjunto dos pontos x U nos quais f tem posto r. Ent˜ao ∈ A = A A ´e (aberto e) denso em U. 0 ∪ · · · ∪ p Demonstra¸c˜ao: Seja V um subconjunto aberto n˜ao vazio de U. Queremos mostrar que V A = ϕ. Consideremos um ponto x V ∩ 6 ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 27

[SEC. 10: O TEOREMA DO POSTO 27 onde o posto de f assume seu valor m´aximo r0 em V . Como a aplica¸c˜ao x U ρ(f (x)) ´e semi-cont´ınua inferiormente, existe ∈ 7→ 0 uma vizinhan¸ca W U de x na qual o posto de f ´e r . Ent˜ao o ⊂ ≥ 0 posto de f ´e exatamente igual a r em todos os pontos de W V . 0 ∩ Ou seja, ϕ = W V A . Logo V A = ϕ. 6 ∩ ⊂ r0 ∩ 6 Corol´ario 1. Dada f : U Rn de classe C1, existe um subcon- → junto aberto denso A U tal que o posto de f ´e constante em ⊂ cada componente conexa de A.

A2 A1

A0 A1

Figura 1.11. Corol´ario 2. Seja U Rm aberto. Se uma aplica¸c˜ao f : U Rn ⊂ → de classe C1 ´e 1 1, ent˜ao m n e o conjunto dos pontos x U − ≤ ∈ tais que f (x): Rm Rn ´e injetora ´e aberto e denso em U. 0 → Demonstra¸c˜ao: Seja A = A A , p = min m, n , como na 0 ∪· · ·∪ p { } proposi¸c˜ao. Pelo teorema do posto, f n˜ao pode ser injetora em Ar, a menos que r = m = p. Portanto m n e A = ϕ para r = m, ≤ r 6 de modo que A = Am. Isto demonstra o corol´ario, pois o conjunto dos pontos x U tais que f (x) tem posto m ´e claramente aberto. ∈ 0 Corol´ario 3. Seja U Rm aberto. Se uma aplica¸c˜ao f : U Rn ⊂ → de classe C1 ´e aberta, ent˜ao m n e o conjunto dos pontos x U ≥ ∈ tais que f (x): Rm Rn ´e sobrejetora ´e aberto e denso em U. 0 → A demonstra¸c˜ao ´e, mutatis mutandis, como a anterior. “MAIN2” 2007/5/23 page 28

28 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL

11 Campos de vetores em Rn

Seja U um subconjunto aberto em Rn. Um campo de vetores em U e simplesmente uma aplica¸c˜ao v : U Rn. Se v Ck → ∈ dizemos que o campo de vetores ´e de classe Ck. Sejam p U e v : U Rn um campo vetorial de classe Ck. ∈ → Chama-se curva integral do campo v, com condi¸c˜ao inicial p, a um caminho diferenci´avel λ: J U, definido num intervalo aberto → contendo 0 R, tal que λ(0) = p e λ (t) = v(λ(t)) para todo ∈ 0 t J. ∈ Visualizamos o campo v associando um vetor v(x) Rn a cada ∈ ponto x U. O vetor-velocidade de uma curva integral de v num ∈ determinado ponto ´e justamente o vetor associado a este ponto pelo campo v.

U

v(x) x

Figura 1.12.

Consideraremos agora o teorema de existˆencia e unicidade das curvas integrais.

Teorema. Sejam U um subconjunto aberto do Rn e v : U Rn → um campo vetorial de classe C1. Dado qualquer p U, existe uma ∈ curva integral λ: ( c, c) U do campo v com condi¸c˜ao inicial − → λ(0) = p. Se µ: ( ε, ε) U for outra curva integral de v com − → µ(0) = p, ent˜ao λ = µ num intervalo ( δ, δ) ( c, c) ( ε, ε). − ⊂ − ∩ − “MAIN2” 2007/5/23 page 29

[SEC. 11: CAMPOS DE VETORES EM RN 29

Demonstra¸c˜ao: Seja B uma bola fechada de centro p, na qual as normas v e v s˜ao limitadas por uma constante k > 0. Em | | | 0| particular, x, y B implica v(x) f(y) k x y . Seja c um ∈ | − | ≤ | − | numero´ real positivo tal que o produto ck seja menor do que 1 e do que o raio de B. Consideremos o espa¸co m´etrico E, formado pelos caminhos cont´ınuos λ: [ c, c] B, com a m´etrica da convergˆencia uniforme. − → Sabe-se que E ´e completo. Definamos uma aplica¸c˜ao f : E E → pondo, para cada λ E, f(λ) = µ, onde ∈ t µ(t) = p + v(λ(s)) ds. Z0 Note-se que µ(t) p ck < raio de B, donde µ(t) B e portanto | − | ≤ ∈ µ E. Observe-se tamb´em que se µ = f(λ ) e µ = f(λ ) ent˜ao, ∈ 1 1 2 2 para cada t,

t µ (t) µ (t) v λ (s)) v(λ (s)) ds | 1 − 2 | ≤ | | 1 − 2 | ≤ Z0 ck sup λ1(s) λ2(s) ≤ · s | − | e portanto d(µ , µ ) ck d(λ , λ ). Como ck < 1, vˆe-se que 1 2 ≤ · 1 2 f : E E ´e uma contra¸c˜ao. Pelo teorema do Ponto Fixo para → contra¸c˜oes (ver [2], Cap´ıtulo X, Proposi¸c˜ao 9), existe um unico´ caminho λ: [ c, c] B tal que f(λ) = λ. Isto significa − → t λ(t) = p + v(λ(s)) ds. Z0 Pelo Teorema Fundamental do C´alculo, esta igualdade equivale a afirmar

λ0(t) = v(λ(t)), λ(0) = p. “MAIN2” 2007/5/23 page 30

30 [CAP. I: CALCULO´ DIFERENCIAL

Logo λ ´e uma curva integral com origem em p. Dada qualquer outra curva integral µ: ( ε, ε) U com µ(0) = p, podemos res- − → tringir λ e µ a um intervalo [ δ, δ] tal que δk < 1 e δk < raio de − B. Ent˜ao λ = µ em [ δ, δ] pela unicidade do ponto fixo. −

12 Referˆencias

[1] Serge Lang - Analysis I, Addison-Wesley, Reading 1968.

[2] Elon L. Lima - An´alise no Espa¸co Rn, Cole¸c˜ao Matem´atica Universit´aria, IMPA, 2004.

[3] Walter Rudin - Princ´ıpios de An´alise Matem´atica, Ao Livro T´ecnico, Rio, 1970.

[4] Michael Spivak - Calculus on Manifolds, Benjamin, New York, 1966. “MAIN2” 2007/5/23 page 31

Cap´ıtulo II

Superf´ıcies nos Espa¸cos Euclidianos

A no¸c˜ao de superf´ıcie de dimens˜ao m num espa¸co euclidiano Rn (n m) ´e generaliza¸c˜ao direta dos objetos que econtramos ≥ na geometria diferencial cl´assica – as curvas em R3 ou R2 que possuem vetor tangente em cada ponto e as superf´ıcies em R3 que possuem plano tangente em cada ponto.

1 Parametriza¸c˜oes

m Seja U0 um subconjunto aberto de R . Uma imers˜ao de classe Ck, ϕ: U Rn, diz-se um mergulho de classe Ck de U em Rn, 0 → 0 quando ϕ ´e um homeomorfismo de U0 sobre ϕ(U0). Dizemos tamb´em que ϕ ´e uma parametriza¸c˜ao de classe C k e dimens˜ao m do subconjunto U = ϕ(U ) Rn. 0 ⊂ Em rela¸c˜ao a` injetividade de ϕ (x): Rm Rn, lembremos que 0 → as seguintes condi¸c˜oes s˜ao equivalentes:

(i) ϕ (x): Rm Rn ´e injetora. 0 → “MAIN2” 2007/5/23 page 32

32 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS

∂ϕ (ii) (x) = ϕ (x) e , j = 1, . . . , m s˜ao vetores linearmente ∂xj 0 · j independentes.

∂ϕi (iii) A matriz jacobiana n m, Jϕ(x) = (x) , tem posto m, × ∂xj isto ´e, algum de seus determinates menores m m ´e distinto × de zero.

Rn

∂ϕ U ∂x2 ϕ ∂ϕ ∂x1 x = ϕ(x0) Rm e2

x e1 0 U0

Figura 2.1.

Exemplos: 1) Parametriza¸c˜oes de dimens˜ao 1. Seja J um intervalo aberto de numeros´ reais. Um caminho de classe Ck, ϕ: J Rn, ´e um mergulho se, e somente se, ϕ: J → → ϕ(J) ´e um homeomorfismo e o vetor velocidade ϕ0(t) nunca se anula. Existem imers˜oes biun´ıvocas C∞ de um intervalo aberto dos reais em R2 que n˜ao s˜ao homeomorfismos sobre sua imagem. Voltaremos a tratar do assunto posteriormente. A Figura 2.2 ilus- tra esta situa¸c˜ao: “MAIN2” 2007/5/23 page 33

[SEC. 1: PARAMETRIZAC¸OES˜ 33

∞ R R

ϕ ∞ ψ

R2

Figura 2.2.

2) Parametriza¸c˜oes de dimens˜ao 2 em R3. Seja U um subconjunto aberto em R2 e ϕ: U U = ϕ(U ) 0 0 → 0 ⊂ R3, ϕ(u, v) = (ϕ1(u, v), ϕ2(u, v), ϕ3(u, v)) uma parametriza¸c˜ao de classe Ck. O conjunto U = ϕ(U0) ´e chamado uma superf´ıcie local. A independˆencia linear dos vetores

∂ϕ ∂ϕ1 ∂ϕ2 ∂ϕ3 ∂ϕ ∂ϕ1 ∂ϕ2 ∂ϕ3 = , , e = , , ∂u ∂u ∂u ∂u ∂v ∂v ∂v ∂v     ´e equivalente a ser n˜ao-nulo o produto vetorial n = n(u, v) = ∂ϕ ∂ϕ , chamado vetor normal a U no ponto ϕ(u, v). ∂u × ∂v

R3 n(u, v) U ϕ ∂ϕ ∂v ∂ϕ ϕ(u, v) ∂u R2

U0

Figura 2.3. “MAIN2” 2007/5/23 page 34

34 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS

2 A no¸c˜ao de superf´ıcie

Rn

M

p U

ϕ Rm

U0

Figura 2.4.

Defini¸c˜ao: Uma superf´ıcie m-dimensional do Rn (de classe Ck) ´e um subconjunto n˜ao vazio

M = M m Rn ⊂ no qual todo ponto p possui uma vizinhan¸ca aberta U dotada de uma parametriza¸c˜ao de classe Ck e dimens˜ao m. O conjunto M tem a topologia induzida de Rn. Assim a vizi- nhan¸ca U ´e a interse¸c˜ao de M com um conjunto aberto em Rn. O numero´ n m ´e chamado a co-dimens˜ao de M em Rn. − Uma superf´ıcie de dimens˜ao n no Rn+1 ´e denominada uma hiperf´ıcie. Uma superf´ıcie zero-dimensional em Rn ´e um conjunto de pon- tos isolados. Uma superf´ıcie de dimens˜ao n em Rn ´e um subcon- junto aberto de Rn. Vemos assim que os casos extremos n˜ao tˆem maior importˆancia. Mais interessante ´e o exemplo abaixo. “MAIN2” 2007/5/23 page 35

[SEC. 2: A NOC¸AO˜ DE SUPERF´ICIE 35

z

S2 R3 ⊂

y

x

Figura 2.5.

A esfera unit´aria de dimens˜ao n ´e o conjunto

Sn = y Rn+1; y, y = 1 . { ∈ h i } n n+1 S ´e uma hiperf´ıcie compacta de classe C∞ em R . Vamos mostrar que 2(n + 1) parametriza¸c˜oes s˜ao suficientes para cobrir a esfera. Para cada i = 1, 2, . . . , n + 1, ponhamos:

+ n+1 i n+1 i H = y R ; y > 0 e H− = y R ; y < 0 . i { ∈ } i { ∈ } Estes s˜ao os semi-espa¸cos abertos determinados pelo hiperplano yi = 0. Os conjuntos

+ + n n i n n i U =H S = y S y >0 e U −=H− S = y S y <0 i i ∩ { ∈ | } i i ∩ { ∈ | } n+1 n + n s˜ao abertos em S e (Ui Ui−) = S . Cada uma destas i=1 ∪ + vizinhan¸cas Ui ´e dotadaSde uma parametriza¸c˜ao de classe C ∞, a saber ϕ : B U  ; i = 1, . . . , n + 1 i → i “MAIN2” 2007/5/23 page 36

36 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS

1 n 1 i 1 2 i n x = (x , . . . , x ) (x , . . . , x − , 1 = x , x , . . . , x ). 7→  | | p Estamos indicando com B a bola aberta de centro 0 e raio 1 em Rn: B = x Rn; x < 1 . { ∈ | | } Para n = 1 temos S1 = (x, y) R2; x2 + y2 = 1 , o c´ırculo { ∈ } unit´ario do plano. O procedimento acima consiste em tomar y + 1 como parˆametro nos semi-c´ırculos abertos U1 = (x, y) S ; x > R2 { ∈ 0 e U1− = (x, y) ; x < 0 , enquanto que x ser´a o parˆametro } + { ∈ } 1 em U2 e U2− . Um parˆametro mais natural para o S ´e o anguloˆ , que passamos a descrever no fim da se¸c˜ao 3.

3 Mudan¸ca de coordenadas

Sejam M = M m Rn uma superf´ıcie de classe Ck e ϕ: U ⊂ 0 → U uma parametriza¸c˜ao do aberto U M. Os pontos de U s˜ao ⊂ determinados por m quantidades (ou parˆametros):

(x1, . . . , xm) U p = ϕ(x1, . . . , xm) U. ∈ 0 7→ ∈

Se V ´e um conjunto aberto do Rm e ξ : V U ´e um difeo- 0 0 → 0 morfismo de classe Ck, ent˜ao

ϕ ξ : V U ◦ 0 →

´e ainda uma parametriza¸c˜ao de U. A aplica¸c˜ao ξ ´e normalmente denominada uma mudan¸ca de coordenadas (Fig. 2.6). “MAIN2” 2007/5/23 page 37

[SEC. 3: MUDANC¸A DE COORDENADAS 37

Rn M

U p

ϕ ψ

Rm ξ x = (x1, . . . , xm) y = (y1, . . . , ym)

U0 V0

Figura 2.6. Mostremos agora que esta ´e a unica´ maneira de obter novas parametriza¸c˜oes de U. Se ϕ: U U e ψ : V V s˜ao parametriza¸c˜oes em M tais 0 → 0 → que U V = ϕ, ´e evidente que a aplica¸c˜ao ∩ 6 1 1 1 ξ = ψ− ϕ: ϕ− (U V ) ψ− (U V ) ◦ ∩ → ∩ ´e um homeomorfismo entre abertos do Rm.

M ϕ V U ψ U0 V0

− ξ = ψ 1 ◦ ϕ

Figura 2.7. Mas n˜ao se pode concluir de imediato a diferenciabilidade de ψ 1 ϕ, visto que ψ 1 n˜ao est´a definida num aberto do Rn. Para − ◦ − “MAIN2” 2007/5/23 page 38

38 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS contornar esta dificuldade, apresentamos o seguinte resultado, que d´a conta de uma situa¸c˜ao um pouco mais geral. Proposi¸c˜ao 1. Sejam V um subconjunto aberto do Rm e ψ : V 0 0 → V uma parametriza¸c˜ao de classe Ck do conjunto V Rn. Dados ⊂ U Rr, aberto, e f : U V Rn de classe Ck, ent˜ao: 0 ⊂ 0 → ⊂ (i) a composta ψ 1 f : U V Rm ´e de classe Ck − ◦ 0 → 0 ⊂ (ii) para x U e z = ψ 1 f(x) temos (ψ 1 f) (x) = [ψ (z)] 1 ∈ 0 − ◦ − ◦ 0 0 − ◦ f 0(x). Demonstra¸c˜ao: (i) Como ψ : V V ´e uma imers˜ao (injetora) 0 → Ck, para cada ponto p V existem um aberto Z em Rn que ∈ o cont´em e uma aplica¸c˜ao de classe Ck, g : Z Rm, tal que → g (V Z) = ψ 1 (v. observa¸c˜ao da se¸c˜ao 9 do Cap. I). | ∩ − Seja p um ponto arbitr´ario de f(U ) V . Ent˜ao ψ 1 f = 0 ⊂ − ◦ g f : f 1((U ) Z) Rr Rm. Resulta ent˜ao que ψ 1 f ´e de ◦ − 0 ∩ ⊂ → − ◦ classe Ck, pois f e g o s˜ao.

Rr Rn V f f(U0) U0 p

x

ψ ψ −1 ◦ f V0

z Rm

Figura 2.8.

(ii) Ponha h = ψ 1 f e aplique a regra da cadeia a` igualdade − ◦ ψ h = f. ◦ “MAIN2” 2007/5/23 page 39

[SEC. 3: MUDANC¸A DE COORDENADAS 39

Corol´ario. Sejam U e V subconjuntos abertos em Rm e ϕ: U 0 0 0 → V , ψ : V V parametriza¸c˜oes de classe Ck do mesmo conjunto 0 → V Rn. Ent˜ao a mudan¸ca de coordenadas ξ = ψ 1 ϕ ´e um ⊂ − ◦ difeomorfismo de classe Ck. O Corol´ario acima permite estender o conceito de aplica¸c˜ao diferenci´avel, at´e agora s´o definido no caso em que o dom´ınio era um aberto do espa¸co euclidiano. Seja M m Rn uma superf´ıcie de classe Ck. Diremos que uma ⊂ aplica¸c˜ao f : M Rs ´e diferenci´avel num ponto p M quando → k∈ existe uma parametriza¸c˜ao ϕ: U0 U, de classe C , com p U, s → ∈ tal que f ϕ: U0 R ´e diferenci´avel no ponto p0 U0 , onde ◦ → ∈ 1 ϕ(p0) = p. Segue-se da Proposi¸c˜ao 1 que f ψ = (f ϕ) (ϕ− ψ) 1 ◦ ◦ ◦ ◦ ´e diferenci´avel no ponto ϕ− (p), seja qual for a parametriza¸c˜ao ψ, de classe Ck, de uma vizinhan¸ca de p. Esta defini¸c˜ao n˜ao depende, portanto, da parametriza¸c˜ao ϕ escolhida. Vˆe-se facilmente como estender a` aplica¸c˜ao f : M m Rs a → no¸c˜ao de classe Ck. Observa-se, por´em, que tal no¸c˜ao tem sentido apenas quando M ´e uma superf´ıcie de classe Ck. Do contr´ario, f ϕ pode ser de classe Ck para uma certa parametriza¸c˜ao ϕ sem ◦ que o seja para outras. Se tivermos M m Rr e N n Rs superf´ıcies de classe Ck, ⊂ ⊂ diremos que f : M N ´e diferenci´avel no ponto p M quando, → ∈ considerada como aplica¸c˜ao de M em Rs, f for diferenci´avel naquele ponto. Analogamente se define f : M m N n de classe Ck: para cada → p M deve existir uma parametriza¸c˜ao ϕ: U U M, de ∈ 0 → ⊂ classe Ck, com p U, tal que f ϕ: U N Rs seja de classe ∈ ◦ 0 → ⊂ Ck. Pela Proposi¸c˜ao 1, f ϕ Ck seja qual for a parametriza¸c˜ao ◦ ∈ ϕ: U U, de classe Ck, com p U. 0 → ∈ Observemos o seguinte: a fim de que f : M N seja de classe → Ck ´e necess´ario e suficiente que, para todo p M existam para- ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 40

40 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS metriza¸c˜oes Ck, ψ : V V N e ϕ: U U M, com p U, 0 → ⊂ 0 → ⊂ ∈ f(U) V e tais que ψ 1 f ϕ: U V Rn seja de classe Ck. ⊂ − ◦ ◦ 0 → 0 ⊂

M N V U f p f(p)

ϕ Rm ψ Rn

− U0 1 ψ ◦ f ◦ ϕ V0

Figura 2.9.

Demonstra¸c˜ao: Seja f : M N de classe Ck. Dado p M, → ∈ tomemos uma parametriza¸c˜ao ψ : V V N de classe Ck, com 0 → ⊂ f(p) V , V Rn. Como f ´e cont´ınua, existe uma parame- ∈ 0 ⊂ triza¸c˜ao ϕ: U U M, com p U, tal que f(U) V . Por 0 → ⊂ ∈ ⊂ defini¸c˜ao de f Ck, vemos que f ϕ: U V Rs e de classe ∈ ◦ 0 → ⊂ Ck. Em virtude da Proposi¸c˜ao 1, segue-se que ψ 1 f ϕ: U − ◦ ◦ 0 → V Rn ´e de classe Ck. A rec´ıproca ´e deixada a cargo do leitor. 0 ⊂ Corol´ario. Se f : M N e g : N P s˜ao de classe Ck ent˜ao → → g f : M P ´e de classe Ck. ◦ → Por exemplo, se M m Rr ´e uma superf´ıcie de classe Ck, ent˜ao ⊂ a aplica¸c˜ao da inclus˜ao i: M m Rr ´e de classe Ck. Do mesmo → modo, se M m W , onde W ´e um aberto em Rr, a aplica¸c˜ao de ⊂ inclus˜ao i: M W tamb´em ´e de classse Ck. Se f : W Rs for → → de classe Ck, ent˜ao a restri¸c˜ao f M : M Rs ser´a de classe Ck | → (estamos supondo M Ck!) pois f M = i f, logo podemos ∈ | ◦ aplicar o Corol´ario. “MAIN2” 2007/5/23 page 41

[SEC. 3: MUDANC¸A DE COORDENADAS 41

Exemplo - (O anguloˆ como parˆametro em S1.) A aplica¸c˜ao exponencial de R em R2 ´e o homomorfismo do grupo aditivo dos reais no grupo multiplicativo dos numeros´ com- plexos, dado por

ξ : R R2, t eit = (cos t, sen t). → 7→

A exponencial ξ ´e uma imers˜ao C∞ n˜ao-injetora, pois ξ0(t) = ( sen t, cos t) = 0 para todo t, e ξ(s) = ξ(t) se, e s´o se, s t = 2kπ, − 6 − k Z. Intuitivamente, ξ enrola a reta em torno de S1, sem estic´a- ∈ la, no sentido anti-hor´ario. O numero´ t ´e uma determina¸c˜ao do anguloˆ (em radianos) que ξ(t) S1 faz com o semi-eixo positivo ∈ dos x.

ϕ U0 ξ(t) V0 ξ t x t

R

Figura 2.10.

Seja t R, arbitr´ario, por´em fixo neste racioc´ınio. Seja ϕ ∈ uma parametriza¸c˜ao C de uma vizinhan¸ca de ξ(t) S1, com ∞ ∈ ϕ(x) = ξ(t) (ϕ pode ser uma das parametriza¸c˜oes anteriormente constru´ıdas). Como [ϕ 1 ξ] (t) = [ϕ (x)] 1 ξ (t) = 0, o teo- − ◦ 0 0 − ◦ 0 6 rema da fun¸c˜ao inversa garante que ϕ 1 ξ ´e um difeomorfismo − ◦ de uma vizinhan¸ca U de t R sobre uma vizinhan¸ca V de x R 0 ∈ 0 ∈ (Fig. 2.6). Consequen¨ temente, ξ = ϕ (ϕ 1 ξ): U ξ(U ) ´e um ◦ − ◦ 0 → 0 homeomorfismo. Em outras palavras, a exponencial ξ : R S1 → ´e um homeomorfismo local. A conclus˜ao ´e que em cada intervalo “MAIN2” 2007/5/23 page 42

42 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS aberto (a, b) R com b a 2π, a exponencial ⊂ − ≤ ξ : (a, b) S1 → ´e uma parametriza¸c˜ao do c´ırculo. Ela ´e geometricamente mais significativa que as parametriza¸c˜oes ϕi descritas anteriormente.

π p = (cos t, sin t) = x, √1 x2 “ − ”

ξ t − t ( 1, 0) x (1, 0) 0

ϕ

-1 0 x 1 ϕ−1 ξ : (0, π) ( 1, 1) ◦ → − t x = cos t 7→ Figura 2.11.

4 O espa¸co tangente

Uma caracter´ıstica importante das superf´ıcies diferenci´aveis ´e que elas possuem, em cada ponto, uma aproxima¸c˜ao linear, que ´e seu plano tangente. Sejam M = M m Rn uma superf´ıcie de dimens˜ao m e classe ⊂ Ck (k 1). Seja ϕ: U U uma parametriza¸c˜ao com p = ϕ(x) ≥ 0 → ∈ M, x U . O espa¸co tangente a M no ponto p ´e o espa¸co vetorial ∈ 0 de dimens˜ao m m T M = ϕ0(x) R . p · “MAIN2” 2007/5/23 page 43

[SEC. 4: O ESPAC¸O TANGENTE 43

∂ϕ Os vetores (x) = ϕ (x) e , i = 1, . . . , m formam uma base de ∂xi 0 · i T Mp . Esta defini¸c˜ao s´o ter´a utilidade se mostramos que o espa¸co tangente em p independe da escolha da parametriza¸c˜ao ϕ. Seja ψ : V V uma outra parametriza¸c˜ao em p. Seja ξ = ψ 1 0 → − ◦ ϕ: ϕ 1(U V ) ψ 1(U V ) a mudan¸ca de coordenadas, como − ∩ → − ∩ p = ϕ(x) = ψ(z). Ora, ξ ´e difeomorfismo, logo ξ (x) Rm = Rm. 0 · Finalmente, pela regra da cadeia, temos

m m m ϕ0(x) R = ψ0(z) ξ0(x) R = ψ0(z) R . · · · ·

U V ϕ * ∩ Y ψ

1 - 1 ϕ− (U V ) ψ− (U V ) ∩ ξ ∩

Rn 0 0 ϕ (x)  I ψ (z)

Rm - Rm ξ0(x)

A proposi¸c˜ao abaixo d´a uma caracteriza¸c˜ao para T Mp que ´e bastante significativa por seu conteudo´ geom´etrico:

Proposi¸c˜ao 2. Os elementos de T Mp s˜ao os vetores-velocidade em p dos caminhos diferenci´aveis contidos em M que passam por p. Mais precisamente,

n T M = v =λ0(0); λ: ( ε, ε) M R diferenci´avel, λ(0)=p . p { − → ⊂ } “MAIN2” 2007/5/23 page 44

44 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS

Demonstra¸c˜ao: Seja v T M . Por defini¸c˜ao do espa¸co tangente ∈ p T M , existe uma parametriza¸c˜ao ϕ: U U com ϕ(x) = ϕ tal p 0 → que ϕ(x + tu) ϕ(x) m v = ϕ0(x) u = lim − , u R . · t 0 t ∈ 7→ Escolhendo ε > 0 suficientemente pequeno, a imagem do caminho t ( ε, ε) x + tu Rm est´a toda contida em U . Assim v ´e ∈ − → ∈ 0 o vetor velocidade em t = 0 do caminho em M, λ(t) = ϕ(x + tu), λ(0) = p. Por outro lado, seja λ: ( ε, ε) M um caminho diferenci´avel − → com λ(0) = p. Consideremos uma qualquer parametriza¸c˜ao ϕ: U U tal que p U. Podemos supor, sem perda de ge- 0 → ∈ neralidade, que λ(t) U para todo t ( ε, ε). Ent˜ao, pela Pro- ∈ ∈ − posi¸c˜ao 1, o caminho ϕ 1 λ: ( ε, ε) U Rm ´e diferenci´avel e, − ◦ − → 0 ⊂ escrevendo u = (ϕ 1 λ) (0), temos u = [ϕ (x)] 1 λ (0). Portanto − ◦ 0 0 − · 0 λ (0) = ϕ (x) u, como quer´ıamos demonstrar. 0 0 · m O espa¸co vetorial tangente T Mp ´e um subespa¸co vetorial de R e, por conseguinte, passa pela origem. Nas ilustra¸c˜oes geom´etricas, por´em, sempre desenhamos a variedade afim tangente p+T Mp que e paralela a T Mp e passa por p.

p + T Mp

p

M

Figura 2.12. “MAIN2” 2007/5/23 page 45

[SEC. 4: O ESPAC¸O TANGENTE 45

O espa¸co tangente em um ponto de uma superf´ıcie de dimens˜ao zero consiste apenas do vetor zero. O espa¸co tangente T Up a uma superf´ıcie de dimens˜ao n, U Rn, ´e igual a todo o Rn. n⊂ n O espa¸co tangente (T S )p a` esfera unit´aria S consiste em todos os vetores v Rn+1 que s˜ao perpendiculares a p. De fato, ∈ n+1 p⊥ = v R ; v, p = 0 { ∈ h i } ´e um subespa¸co vetorial de dimens˜ao n do Rn+1. Al´em disso, se v (T Sn) , ent˜ao v = λ (0), onde λ: ( ε, ε) Sn ´e um ∈ p 0 − → caminho diferenci´avel com λ(0) = p. Diferenciando a identidade λ(t), λ(t) = 1, obtemos h i

2 λ0(t), λ(t) = 0, h i e, pondo t = 0, vem v, p = 0. Portanto (T Sn) p . Como o h i p ⊂ ⊥ espa¸co tangente a Sn em p tem dimens˜ao n, resulta que

n (T S )p = p⊥.

Terminamos esta se¸c˜ao definindo o referencial m´ovel associado a uma parametriza¸c˜ao. Sejam M = M m uma superf´ıcie de classe Ck em Rn, e ϕ: U 0 → U M uma parametriza¸c˜ao em M. Denominamos referencial ⊂ m´ovel associado a ϕ no ponto p = ϕ(x) ao conjunto

∂ϕ ∂ϕ (x) = (x), . . . , (x) Bϕ ∂x1 ∂xm   base do espa¸co tangente a M no ponto p. Um vetor tangente ∂ϕ v T M se escreve da forma v = α (x). Consideremos o ∈ p i ∂xi problema de determinar as coordenadasP de v com respeito a uma nova base (y), originada de outra parametriza¸c˜ao ψ : V V Bψ 0 → tal que ψ(y) = p. “MAIN2” 2007/5/23 page 46

46 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS

Seja ξ a mudan¸ca de coordenadas, isto ´e,

1 ϕ [ϕ− (U V )] = ψ ξ. ∩ ◦

Ent˜ao ϕ0(x) = ψ0(y) ξ0(x) (regra da cadeia) e · ∂ϕ (x) = ϕ0(x) e = ψ0(y) (ξ0(x) e ) ∂xj · j · · j ∂ξi = ψ0(y) (x) e · ∂xj · i Xi ∂ξj = (x) ψ0(y) e ∂xj · · i Xi ∂ξi ∂ψ = (x) (x). ∂xj · ∂yi Xi A rela¸c˜ao acima mostra que a matriz de passagem da base (x) Bψ para a base (y) de T M ´e a matriz jacobiana de ξ no ponto x. Bψ p Podemos resumir tudo isto nas equa¸c˜oes

∂ϕ ∂ψ v = α (x) = β (y) i ∂xi i ∂yi X ∂ξi X β = (x) α . i ∂xj · j Xj 5 Como obter superf´ıcies

Seja M um subconjunto de Rn. Se queremos mostrar que M ´e uma superf´ıcie, ´e necess´ario obtermos parametriza¸c˜oes de vizinhan¸cas de todos os pontos de M; esta tarefa, requerida pela defini¸c˜ao, pode vir a ser trabalhosa. Nesta se¸c˜ao apresentamos outras maneiras de se obterem superf´ıcies. “MAIN2” 2007/5/23 page 47

[SEC. 5: COMO OBTER SUPERF´ICIES 47

5.1 O gr´afico de uma aplica¸c˜ao C k. Sejam U Rm aberto e f : U Rn uma aplica¸c˜ao de classe ⊂ → Ck. Ent˜ao o gr´afico de f,

G(f) = (x, f(x)); x U { ∈ } ´e uma superf´ıcie de dimens˜ao m e classe Ck no Rm+n. Realmente, ϕ: U G(f), ϕ(x) = (x, f(x)), ´e uma parame- → triza¸c˜ao de todo o conjunto G(f). E´ claro que nem toda superf´ıcie ´e um gr´afico: a esfera Sn, por exemplo, n˜ao o ´e. Generalizando, nenhuma superf´ıcie compacta pode ser, globalmente, um gr´afico. Localmente, toda superf´ıcie de classe Ck ´e o gr´afico de uma aplica¸c˜ao da mesma classe. Provemos isto.

Proposi¸c˜ao 3. Seja M m Rn uma superf´ıcie de classe Ck. ⊂ Ent˜ao todo ponto p M possui uma vizinhan¸ca V , parametrizada ∈ por uma aplica¸c˜ao de classe Ck ψ : V V , da forma ψ(y) = 0 → (y, f(y)), y V Rm. ∈ 0 ⊂ Demonstra¸c˜ao: Seja ϕ: U Rm U M uma parame- 0 ⊂ → ⊂ triza¸c˜ao de uma vizinhan¸ca U de p = ϕ(x). Escolhamos uma decomposi¸c˜ao Rn = Rm Rn m de tal modo que a primeira ⊕ − proje¸c˜ao π : Rn Rm leve T M isomorficamente sobre Rm (Lema → p 2, se¸c˜ao 10 do Cap. I). Seja η = π ϕ: U Rm Rm. ◦ 0 ⊂ → Ent˜ao η (x) = π ϕ (x): Rm Rm ´e um isomorfismo. Pelo 0 ◦ 0 → teorema da fun¸c˜ao inversa, η ´e um difeomorfismo C k de uma vi- zinhan¸ca menor, U x, sobre uma vizinhan¸ca V π(p). Indi- 1 3 0 3 quemos com ξ = η 1 : V U o difeomorfismo inverso. Ent˜ao − 0 → 1 ψ = ϕ ξ : V Rm V = ψ(v ) Rn ´e uma nova parame- ◦ 0 ⊂ → 0 ⊂ triza¸c˜ao de uma vizinhan¸ca de p. Da rela¸c˜ao

π ψ = π (ϕ ξ) = (π ϕ) ξ = η ξ = id ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ V0 “MAIN2” 2007/5/23 page 48

48 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS segue-se que a primeira coordenada de ψ(y), relativa a` decom- posi¸c˜ao Rn = Rm Rn m, ´e y. Chamemos f(y) a segunda co- ⊕ − ordenada. Ent˜ao ψ(y) = (y, f(y)), y V0 . Nota-se que ψ = 1 ∈ (π V )− : V0 V , isto ´e, a parametriza¸c˜ao que faz de V um gr´aifco | → m n m m ´e simplesmente a inversa local da proje¸c˜ao π : R R − R m ⊕ → que leva T Mp sobre R isomorficamente.

M

V

p

ϕ T Mp π U 0 η V0 x U1 ξ

Figura 2.13.

5.2 Superf´ıcies definidas implicitamente. Seja f : R3 R dada por f(x, y, z) = x2 + y2 + z2. Ent˜ao → f C , e a esfera unit´aria S2 fica definida implicitamente pela ∈ ∞ equa¸c˜ao f(x, y, z) = 1. Se g(x, y, z) = x2 + y2 z2, ent˜ao g 1(c) ´e − − uma superf´ıcie de classe C para cada c = 0 (um hiperbol´oide de ∞ 6 uma folha para c > 0, um hiperbol´oide de duas folhas para c < 0). Por outro lado a equa¸c˜ao g(x, y, z) = 0 define um par de cones com v´ertice comum. Por um argumento topol´ogico (conex˜ao) vˆe- se que nenhuma vizinhan¸ca aberta do v´ertice 0 = (0, 0, 0) em “MAIN2” 2007/5/23 page 49

[SEC. 5: COMO OBTER SUPERF´ICIES 49

1 2 1 g− (0) ´e homeomorfa a um aberto do R . Logo g− (0) n˜ao ´e uma superf´ıcie. O teorema abaixo d´a condi¸c˜oes suficientes para que a equa¸c˜ao f(x) = c defina uma superf´ıcie.

Proposi¸c˜ao 4. Sejam U Rm+n aberto e f : U Rn uma ⊂ → aplica¸c˜ao de classe Ck. Seja c Rn. Consideremos o conjunto ∈

m+n n M = p U.f(p) = c e f 0(p): R R ´e sobrejetora { ∈ → }

Ent˜ao

1 (i) M ´e aberto em f − (c).

(ii) Supondo que M ´e n˜ao vazio, M ´e superf´ıcie de dimens˜ao m e classe Ck do Rm+n, e

(iii) (T M) = Ker f (p) para todo p M. p 0 ∈

Demonstra¸c˜ao: (i) imediato. (ii) Seja p M. ∈ Pelo teorema as fun¸c˜oes impl´ıcitas (se¸c˜ao 8 do Cap. I), existem uma decomposi¸c˜ao Rm+n = Rm Rn com p = (x , y ), vizinhan¸cas ⊕ 0 0 p Z Rm+n, x V Rm, e uma aplica¸c˜ao ξ : V Rn, de ∈ ⊂ 0 ∈ ⊂ → classe Ck, tal que G(ξ) = Z f 1(c). Assim ϕ: V Z f 1(c), ∩ − → ∩ − dada por ϕ(x) = (x, ξ(x)) ´e uma parametriza¸c˜ao de classe C k de uma vizinhan¸ca aberta de p f 1(c). Pela Observa¸c˜ao 2, se¸c˜ao ∈ − 8 do Cap. I, vem Z f 1(c) M, o que conclui a demonstra¸c˜ao ∩ − ⊂ de (ii). “MAIN2” 2007/5/23 page 50

50 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS

Rn Rn U

Z

f M p c

ϕ

V Rm

Figura 2.14. (iii) Seja v T M . Consideremos um caminho λ: ( ε, ε) M ∈ p − → tal que λ(0) = p e λ (0) = v. Ent˜ao f (p) v = f (λ(0)), λ (0) = 0 0 · 0 0 (f λ)0(0) = 0, pois f λ ´e constante (= c). Portanto v Ker f 0(p). ◦ ◦ ∈ m+n Como T Mp e Ker f 0(p) s˜ao subespa¸cos m-dimensionais do R e T M Ker f (p) segue-se que T M = Ker f (p). p ⊂ 0 p 0 Observa¸c˜oes: 1) Sejam U Rm aberto e f : URn uma aplica¸c˜ao diferenci´avel. ⊂ Um ponto c Rn chama-se valor regular de f quando, para cada ∈ x U tal que f(x) = c, a derivada f (x): Rm Rn ´e uma ∈ 0 → transforma¸c˜ao linear sobrejetiva. Se n˜ao existe x U tal que f(x) = c ent˜ao c ´e trivialmente um ∈ valor regular de f. Quando n = 1, o funcional linear f (x): Rm 0 → R ou ´e zero ou ´e sobrejetiva. Neste caso o numero´ real c ´e valor regular de f se, e somente se, f (x) = 0 para todo x f 1(c). 0 6 ∈ − Por exemplo, seja f : R3 R dada por f(x, y, z) = x2 +y2 z2. → 3 − Representando por (dx, dy, dz) a base canˆonica de (R )∗, ent˜ao f (x, y, z) = 2x dx + 2y dy 2z dz. Segue-se que f (x, y, z) = 0 0 − 0 somente para x = y = z = 0; como f(0, 0, 0) = 0, vemos que 0 R ´e o unico´ valor n˜ao-regular de f. ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 51

[SEC. 5: COMO OBTER SUPERF´ICIES 51

O teorema que acabamos de provar se reescreve da seguinte maneira, tendo em vista a defini¸c˜ao de valor regular:

Teorema 1. Sejam U Rn aberto e f : U Rn m de classe Ck, ⊂ → − k 1. Se c Rn m ´e um valor regular de f, ou bem f 1(c) ´e ≥ ∈ − − vazio ou bem ´e uma superf´ıcie m-dimensional de classe C k em Rn. Al´em disso, para cada p f 1(c), o espa¸co tangente T [f 1(c)] ´e ∈ − − p o nucle´ o de f (p): Rn Rn m. 0 → − Observa¸c˜oes: 1 2) A imagem inversa f − (c) pode ser uma superf´ıcie sem que c seja um valor regular. Por exemplo, seja f : R2 R dada por 2 → 1 f(x, y) = y . 0 R n˜ao ´e valor regular de f mas f − (0) = eixo ∈ 2 dos x ´e uma superf´ıcie C∞ de dimens˜ao 1 em R . 3) Mesmo quando c Rn n˜ao ´e valor regular de f : U Rn, ∈ → o primeiro enunciado do teorema garante que M = f 1(c) − ∩ p U; f 0(p) ´e sobrejetiva ´e uma superf´ıcie. Conv´em notar que { ∈ } 1 M n˜ao ´e necessariamente denso em f − (c). Por exemplo, seja 2 2 f : R R dada por f(x, y) = x y. Como f 0(x, y) = 2xy dx + 2 → x dy, f 0(p) = 0 se, e s´o se, p est´a no eixo dos y. Neste exemplo a imagem inversa de 0 R ´e a uni˜ao dos eixos ∈ coordenados x e y (n˜ao ´e superf´ıcie), enquanto que M consiste no eixo dos x menos a origem. Localmente, qualquer superf´ıcie M m Rn, de classe Ck ⊂ (k 1), pode ser definida implicitamente, isto ´e, como imagem ≥ inversa de um valor regular de uma aplica¸c˜ao de classe C k. Mais precisamente:

Proposi¸c˜ao 5. Seja M m Rn uma superf´ıcie de classe Ck ⊂ (k 1). Para cada ponto p M, existe um aberto Ω em Rn, ≥ ∈ contendo p, e uma aplica¸c˜ao g : Ω Rn m, de classe Ck, tal que → − 0 Rn m ´e um valor regular de g e M Ω = g 1(0). ∈ − ∩ − “MAIN2” 2007/5/23 page 52

52 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS

Demonstra¸c˜ao: Pela Proposi¸c˜ao 3, dado p M, existe uma ∈ decomposi¸c˜ao Rn = Rm Rn m em soma direta e uma vizinhan¸ca ⊕ − aberta U de p em M tal que a proje¸c˜ao π : Rn Rm (relativa → a` decomposi¸c˜ao acima) aplica U homeomorficamente sobre um aberto U Rm e ϕ = (π U) 1 : U U ´e uma parametriza¸c˜ao de 0 ⊂ | − 0 → classe Ck tendo-se evidentemente ϕ(x) = (x, f(x)), onde f : U 0 → Rn m ´e de classe Ck. Ponhamos Ω = U Rn m. Ent˜ao Ω ´e − 0 × − aberto em Rn. Definamos g : Ω Rn m por g(x, y) = f(x) y. → − − E´ imediato que U = Ω M = f 1(0). Al´em disso, em cada ponto ∩ − (x, y) Ω, a derivada g (x, y): Rm Rn m Rn m ´e dada por ∈ 0 ⊕ − → − g (x, y) (u, v) = f (x) u v. Para qualquer v Rn m, temos 0 · 0 · − ∈ − v = g (x, y) (0, v), logo g ´e uma submers˜ao. Em particular, 0 · − 0 Rn m ´e um valor regular de g. ∈ −

6 Exemplos de superf´ıcies

1) A esfera Sn definida implicitamente. Seja f : Rn+1 R definida por f(x) = x, x . Como f (x) h = → h i 0 · 2 x, h , todo real n˜ao nulo c ´e valor regular de f C ∞. Se c < 0 h i 1 1 ∈ ent˜ao f − (c) ´e vazio. Se c > 0 ent˜ao f − (c) ´e a esfera de dimens˜ao n com centro na origem 0 Rn+1 e raio c. O espa¸co tangente a ∈ esta esfera no ponto p ´e o nucleo´ de f 0(p), a saber, o conjunto de todos os vetores v Rn+1 tais que p, v = 0, ou seja, o hiperplano ∈ h i perpendicular a p. 2) O toro de dimens˜ao 2 Seja U = R3 eixo dos z . A fun¸c˜ao f : U R, dada por − { } → f(x, y, z)z2 + x2 + y2 2 2, ´e de classe C . A derivada f (p) − ∞ 0 ´e = 0 para todo p = (x, y, z) fora do c´ırculo S = (x, y, z) 6 p  { ∈ R3; x2 + y2 = 4, z = 0 . Quando p S, f (p) = 0. Portanto } ∈ 0 0 R ´e o unico´ valor n˜ao-regular de f. para 0 < c < 4, f 1(c) ´e ∈ − “MAIN2” 2007/5/23 page 53

[SEC. 6: EXEMPLOS DE SUPERF´ICIES 53 o toro gerado pela rota¸c˜ao de um c´ırculo de raio √c cujo centro percorre S.

z p = (x, y, z) z

√c g b 2 (x, y, 0) y y

S x b = x2 + y2 2 x p −

Figura 2.15.

O leitor deve tentar imaginar a forma das superf´ıcies (des- conexas e n˜ao-compactas) f 1(c) quando c 4. − ≥ O toro T 2 = f 1(i) ´e tamb´em a imagem da aplica¸c˜ao g : R2 − → R3 dada por g(s, t) = 2u(t) + v(s, t), onde u(t) = (cos t, sen t, 0) e v(s, t) = (cos s cos t, cos s sen t, sen s). Se I, J R s˜ao dois · · ⊂ intervalos abertos de comprimento 2π ent˜ao g : I J R2 ´e uma × 2→ parametriza¸c˜ao C∞ de um subconjunto aberto de T . 3) Matrizes de posto constante Seja M(m n; R) o espa¸co vetorial das matrizes reais m n × × e indiquemos com M(m n; k) M(m n, R) o subconjunto × ⊂ × formado pelas matrizes m n de posto k. Isto significa que cada × matriz X M(m n, k) tem um menor k k que ´e = 0, mas ∈ × × 6 todos os seus menores de ordem > k s˜ao nulos. Vamos mostrar que M(m n, R) ´e uma superf´ıcie de classe × C e dimens˜ao k (m + n k) em M(m n, R) Rmn. ∞ · − × ≈ Escrevamos as matrizes X M(m n; R) em blocos X = ∈ × A B , onde A ´e k k, B ´e k (n k), C ´e (m k) k e D C D! × × − − × “MAIN2” 2007/5/23 page 54

54 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS

´e (m k) (n k). − × − Seja W = X M(m n, R); det A = 0 . E´ evidente que W { ∈ × 6 } ´e aberto em Rmn. Afirma¸c˜ao: W M(m n; k) = X W D = CA 1B . De fato, ∩ × { ∈ | − } A B o posto de X = ´e igual ao posto do produto C D!

Ik 0 A B A B 1 = 1 . CA− Im k! C D! 0 D CA− B! − − −

Consequen¨ temente, o posto de X ´e k se, e somente se, D CA 1=0. − − Parametrizamos U = W M(m n; k) por meio da aplica¸c˜ao ∩ × de classe C , ϕ: U U, definida no aberto ∞ 0 →

k2 k(n k) (m k) k U = (A, B, C) R R − R − × ; det A = 0 0 ∈ × × 6  A B e dada por ϕ(A, B, C) = 1 . C CA− B! E´ claro que ϕ ´e uma parametriza¸c˜ao pois π ϕ = id, onde ◦

A B π : (A, B, C). C D! 7→

Se X M(m n; k) ´e arbitr´aria, existe um difeomorfismo de ∈ × classe C , h: M(m n, R) M(m n, R), que deixa M(m n, k) ∞ × → × × invariante e tal que h(X) U. (h ´e, por exemplo, uma conveniente ∈ troca de linhas e de colunas). Ent˜ao X h 1(W ) M(m n, k) e ∈ − ∩ × h 1 ϕ ´e uma parametriza¸c˜ao C de h 1(U) = h 1(W ) M(m − ◦ ∞ − − ∩ × n; k). “MAIN2” 2007/5/23 page 55

[SEC. 6: EXEMPLOS DE SUPERF´ICIES 55

M h

X U

ϕ Rk(m+n−k)

U0

Figura 2.16.

4) O grupo especial linear ou unimodular Identificamos o espa¸co vetorial M(n p, R) das matrizes reais × com n linhas e p colunas com o espa¸co euclidiano Rnp. Se A ´e uma matriz n p, representamos por A1, . . . , Ap os × vetores-coluna de A. O espa¸co M(n p, R) tem uma base canˆonica × E ; 1 r n, 1 s p : o elemento (r, s) de E ´e igual a 1 { r,s ≤ ≤ ≤ ≤ } r,s e os restantes s˜ao nulos. Se A = (ai ) M(n, R), indicamos com Ar a matriz j ∈ s (n 1) (n 1) obtida de A pela elimina¸c˜ao da r-´esima linha − × − e s-´esima coluna. O grupo linear GL(Rn) ´e o subconjunto aberto de M(n, R) for- mado pelas matrizes invert´ıveis ou, equivalentemente, pelas ma- trizes com determinante diferente de zero. 2 A fun¸c˜ao real det: Rn M(n, R) R ´e de classe C , pois ≈ → ∞ det(X) ´e n-linear nos vetores colunas de X. Pela express˜ao geral da derivada de uma fun¸c˜ao n-linear, tem-se

n 1 i n det0(X) H = det(X , . . . , H , . . . , X ), X, H M(n, R). · ∈ Xi=1 “MAIN2” 2007/5/23 page 56

56 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS

Em particular, para X = I = matriz identidade n n, ×

i i det0(I) H = det(e , . . . , H , . . . , e ) = h = tra¸co de H · 1 n i Xi Xi e ∂ det r+s r r (X) = det0(X) Er,s = ( 1) det Xs . ∂xs · − Consideremos a restri¸c˜ao det: GL(Rn) R. Da expans˜ao do → determinante ao longo de uma linha (ou coluna), segue-se que, dada A GL(Rn), existe algum menor det(Ar) = 0. Isto mostra ∈ s 6 que det: GL(Rn) R ´e uma submers˜ao de classe C . Em outras → ∞ palavras, todo real n˜ao-nulo c ´e valor regular de det GL(Rn). | Conclui-se que o conjunto

n n 1 SL(R ) = x GL(R ); det X = 1 = (det)− (1) { ∈ }

2 ´e uma superf´ıcie de dimens˜ao n2 1 e classe C em Rn . SL(Rn) − ∞ ´e chamado grupo especial linear ou grupo unimodular. Evidente- mente, XY SL(Rn) X, Y SL(Rn) ∈ . 1 n ∈ ⇒ (X− SL(R ) ∈ Ou seja, SL(Rn) ´e um subgrupo de GL(Rn), que ´e uma su- n perf´ıcie C∞. O espa¸co tangente a SL(R ) em I ´e o conjunto de todas as matrizes de tra¸co nulo, em virtude do Teorema 1 e de ser det0(I) H = tra¸co de H. · 5) O grupo ortogonal Dada uma matriz m n, X = (xi ), chama-se transposta de X × j a` matriz n m X = (xj), que se obt´em de X trocando ordena- × ∗ i damente suas linhas por suas colunas. “MAIN2” 2007/5/23 page 57

[SEC. 6: EXEMPLOS DE SUPERF´ICIES 57

A transposi¸c˜ao goza das seguintes propriedades:

X∗∗ = X,

(X + Y )∗ = X∗ + Y ∗,

(c X)∗ = c X∗, · · (XY )∗ = Y ∗X∗,

I∗ = I, n n 1 1 X GL(R ) X∗ GL(R ), (X∗)− = (X− )∗. ∈ ⇒ ∈ Uma matriz real n n X diz-se sim´etrica se X = X, e × ∗ anti-sim´etrica se X = X. As marizes sim´etricas e as matrizes ∗ − anti-sim´etricas formam subespa¸cos vetoriais (Rn) e (Rn) de n n S A M(n, R), de dimens˜oes (n + 1) e (n 1), respectivamente. 2 2 − Dada uma matriz arbitr´aria X M(n, R), ent˜ao ∈ n XX∗, X + X∗ (R ), ∈ S n X X∗ (R ), − ∈ A 1 1 X = (X + X∗) + (X X∗). 2 2 − Esta ultima´ identidade mostra que M(n, R) = (Rn) (Rn). S ⊕ A O grupo ortogonal O(Rn) ´e o conjunto de todas as matrizes reais n n, X, tais que XX = I. O leitor deve verificar que × ∗ O(Rn) ´e um subgrupo de GL(Rn). Geometricamente, um ope- rador linear em Rn ´e uma isometria (isto ´e, preserva distˆancias) se, e somente se, sua matriz com respeito a` base canˆonica do Rn ´e ortogonal. Vamos demonstrar que O(Rn) ´e uma superf´ıcie compacta de n 2 dimens˜ao (n 1) e classe C em Rn . 2 − ∞ Consideremos a aplica¸c˜ao de classe C∞

n n (n+1) f : M(n, R) (R ) R 2 , f(X) = XX∗. → S ≈ “MAIN2” 2007/5/23 page 58

58 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS

Se mostrarmos que I (Rn) ´e valor regular de f ent˜ao, aplicando ∈ S n 1 o Teorema 1, concluiremos que O(R ) = f − (I) ´e superf´ıcie C∞ n n 2 de dimens˜ao n2 (n + 1) = (n 1) em Rn . − 2 2 − 1 n Seja portanto X f − (I) = O(R ). Queremos provar que a ∈ n derivada f 0(X): M(n, R) (R ), dada por f 0(X) H = XH∗ + → S · SX HX , ´e sobrejetiva. Dada S (Rn), seja V = Ent˜ao ∗ ∈ S 2 · SX ∗ SX S S f (X) V = X + X = (XX ) + XX = S. 0 · 2 2 · ∗ ∗ 2 2 ∗     Nota. Para achar V M(n, R) tal que XV ∗ + V X∗ = S, apela- ∈ S mos para a sorte. Tentamos achar V tal que XV = V X = ∗ ∗ 2 · SX Esta ultima´ igualdade fornece imediatamente V = 2 · Observemos que O(Rn) ´e subconjunto fechado de M(n, R), por ser a imagem inversa de I pela fun¸c˜ao cont´ınua f. Quando identi- 2 ficamos M(n, R) Rn , O(Rn) passa a ser subconjunto da esfera ≈ 2 de centro em O Rn e raio √n, pois cada vetor linha de uma ∈ matriz X O(Rn) tem comprimento 1. ∈ 2 Portanto, o grupo ortogonal ´e fechado e limitado em Rn , ou seja, ´e compacto. O grupo ortogonal O(Rn) tem duas componentes conexas

O+(Rn) = X O(Rn); det X > 0 , { ∈ } n n O−(R ) = X O(R ); det X < 0 . { ∈ } Esta afirma¸c˜ao equivale a dizer que, dadas duas matrizes or- togonais X e Y de determinante positivo, existe um caminho cont´ınuo λ: [0, 1] O+(Rn) → tal que λ(0) = X e λ(1) = U. Os Exerc´ıcios A), B) e C) abaixo fornecem um roteiro para a demonstra¸c˜ao deste fato. “MAIN2” 2007/5/23 page 59

[SEC. 6: EXEMPLOS DE SUPERF´ICIES 59

Em resumo, O(Rn) ´e um subgrupo de GL(Rn) que ´e uma su- n perf´ıcie C∞. O espa¸co tangente a O(R ) em I ´e o nucleo´ de f 0(I), isto ´e, o subespa¸co de M(n, R) formado pelas matrizes anti- sim´etricas. Note-se que O+(R2) ´e canonicamente isomorfo a S1 pela cor- cos θ sen θ respondˆencia (cos θ, sen θ) − . 7→ sen θ cos θ !

Exerc´ıcios A) Seja α: [a, b] M um caminho cont´ınuo numa superf´ıcie → diferenci´avel M m Rn. Dada uma base ortonormal u , . . . , ⊂ { 1 u T M , existem aplica¸c˜oes cont´ınuas v , . . . , v : [a, b] m} ⊂ α(a) 1 m → Rn tais que v (a) = u , . . . , v (a) = u e, para cada t [a, b], 1 1 m m ∈ v (t), . . . , v (t) ´e uma base ortonormal de T M . { 1 m } α(t) [Sugest˜ao: Existe uma parti¸c˜ao finita de [a, b] por meio de in- tervalos justapostos, em cada um dos quais α toma valores numa vizinhan¸ca parametrizada de M. Basta ent˜ao considerar o caso em que α([a, b]) U e existe uma parametriza¸c˜ao ϕ: U U M. ⊂ 0 → ⊂ Tome p U tal que ϕ(p ) = α(a) e uma base u0, . . . , u0 Rm 0 ∈ 0 0 { 1 m} ⊂ tal que ϕ (p ) u0 = u , i = 1, . . . , m. Defina w , . . . , w : [a, b] 0 0 · i i 1 m → Rn pondo w (t) = ϕ (ϕ 1(α(t))) u0 e obtenha v , . . . , v ortonor- i 0 − · i 1 m malizando os wi por Gram-Schmidt.] B) Sejam u , . . . , u e w , . . . , w bases ortonormais po- { 1 m+1} { 1 m+1} sitivas do espa¸co Rm+1. Existem m + 1 aplica¸c˜oes cont´ınuas v , . . . , v : [0, 2] Rm+1 tais que v (0) = u , v (1) = w 1 m+1 → i i i i (i = 1, . . . , m + 1) e, para cada t [0, 2], v (t), . . . , v (t) ∈ { 1 m+1 } ´e uma base ortonormal (necessariamente positiva) de Rn+1. m [Sugest˜ao: Seja vm+1 = α: [0, 1] S um caminho cont´ınuo m → em S , ligando um+1 a wm+1 . Usando o exerc´ıcio anterior, ob- tenha v , . . . , v : [0, 1] Rm+1 cont´ınuas, com v (0) = u e, para 1 m → i i “MAIN2” 2007/5/23 page 60

60 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS cada t [0, 1], B(t) = v (t), . . . , v (t), α(t) sendo uma base or- ∈ { 1 m } tonormal de Rm+1. Por continuidade, B(t) ´e positiva para todo t [0, 1]. Usando indu¸c˜ao, obtenha caminhos cont´ınuos ∈ v , . . . , v : [1, 2] (T Sm) = Rm come¸cando com 1 m → vm+1 v (1), . . . , v (1) e terminando com w , . . . , w , mantendo-se { 1 m } { 1 m} sempre ortonormais.]

C) O grupo O(Rm) possui duas componentes conexas. [Sugest˜ao: As colunas de uma matriz ortogonal m m, de × determinante positivo, constituem uma base ortonormal positiva do espa¸co Rm.]

7 Grupos e Algebras´ de Lie de matrizes

Um subgrupo G GL(Rn) chama-se um grupo de Lie (de ⊂ n2 matrizes) quando ´e uma superf´ıcie C∞ do espa¸co M(n, R) = R . Exemplos de grupos de Lie de matrizes s˜ao O(Rn) e SL(Rn). Evidentemente, o pr´oprio GL(Rn) e o grupo trivial, reduzido a` matriz identidade, s˜ao grupos de Lie. Os grupos de Lie de matrizes s˜ao tamb´em chamados grupos de Lie lineares. Dado um grupo de Lie de matrizes G GL(Rn), o espa¸co veto- ⊂ rial tangente (T G)I a G no ponto I = matriz identidade chama-se a algebr´ a de Lie do grupo G. Vejamos a explica¸c˜ao para este nome. Dadas duas matrizes n n, A e B, chama-se colchete de Lie × de A e B a` matriz n n: ×

[A, B] = AB BA. −

A opera¸c˜ao (A, B) [A, B] entre matrizes n n ´e bilinear, → × “MAIN2” 2007/5/23 page 61

[SEC. 7: GRUPOS E ALGEBRAS´ DE LIE DE MATRIZES 61 isto ´e, satisfaz:

[A + A0, B] = [A, B] + [A0, B]

[A, B + B0] = [A, B] + [A, B0] [αA, B] = α[A, B] = [A, αB].

Em vez de comutatividade, tem-se [A, B] = [B, A] (anti- − comutatividade). Em vez de associatividade, tem-se a identidade de Jacobi

[A, [B, C]] + [C, [A, B]] + [B, [C, A]] = 0.

Estas propriedades seguem-se diretamente da defini¸c˜ao. Seja A M(n, R) um subespa¸co vetorial de matrizes n n, tal ⊂ × que A, B A [A, B] A. Nestas condi¸c˜oes, A chama-se uma ∈ ⇒ ∈ algebr´ a de Lie de matrizes. Evidentemente, o conjunto M(n, R) de todas as matrizes reais n n ´e uma algebra´ de Lie. O mesmo ocorre com o subespa¸co × formado pela unica´ matriz 0. Dada qualquer matriz quadrada A, tem-se [A, A] = 0 e por- tanto [sA, tA] = st[A, A] = 0, sejam quais forem os numeros´ reais s, t. Segue-se que todo subespa¸co vetorial A, de dimens˜ao 1, de M(n, R) ´e uma algebra´ de Lie, na qual [A, B] = 0 sempre. n Seja A = T O(R )I o espa¸co vetorial tangente ao grupo de Lie O(Rn) na matriz identidade. Sabemos que A ´e o conjunto das matrizes anti-sim´etricas n n. E´ f´acil verificar que o colchete de × duas matrizes anti-sim´etricas ainda goza desta propriedade. Em outras palavras, A, B A [A, B] A. Portanto, A ´e uma ∈ ⇒ ∈ algebra´ de Lie. n Da mesma maneira, se = SL(R ) ent˜ao T GI consiste das matrizes de tra¸co nulo. Como tr(AB) = tr(BA), vemos que “MAIN2” 2007/5/23 page 62

62 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS tr([A, B]) = 0 sejam quais forem A, B M(n, R). Em parti- ∈ cular, A, B T G = [A, B] T G , donde T G ´e uma algebra´ de ∈ I ∈ I I Lie. Propomo-nos agora a demonstrar que, seja qual for o grupo de Lie de matrizes G GL(Rn), o espa¸co vetorial tangente T G ´e ⊂ I uma algebra´ de Lie de matrizes. Para isso, usaremos a exponencial de uma matriz. Dada A ∈ M(n, R), pomos A2 A3 An eA = I + A + + + + + . . . 2! 3! · · · n! Demonstra-se em Algebra´ Linear que esta s´erie sempre converge e que, quando AB = BA, tem-se

eA eB = eA+B. · (s+t)A sA tA A A 0 Em particular, e = e e , e e− = e = I, donde A A 1 A· · e ´e invert´ıvel, com (e )− = e− . Derivando termo a termo a s´erie de potˆencias, obtemos d etA = A etA. dt · Em particular, f : R GL(Rn), definido por f(t) = etA, ´e → um caminho C∞ cujo vetor velocidade no ponto t = 0 ´e A. Um resultado mais preciso ´e o seguinte: Lema. Seja G M(n, R) um grupo de Lie de matrizes. Dada ⊂ A T G , tem-se etA G para todo t R. ∈ I ∈ ∈ A demonstra¸c˜ao deste lema ser´a adiada para a se¸c˜ao seguinte. Aqui, o usaremos para demonstrar o resultado abaixo. Proposi¸c˜ao 6. Seja G um grupo de Lie de matrizes. Dadas A, B T G , tem-se [A, B] T G . Em outras palavras, o espa¸co ∈ I ∈ I vetorial tangente a G na matriz identidade ´e uma algebr´ a de Lie. “MAIN2” 2007/5/23 page 63

[SEC. 8: CAMPOS DE VETORES TANGENTES A UMA SUPERF´ICIE 63

Demonstra¸c˜ao: Para todo t R, ponhamos α(t) = etA e β(t) = ∈ etB. Em virtude do Lema, temos α G e β(t) G para todo t, ∈ ∈ logo podemos considerar o caminho λ: [0, ) G, definido por ∞ → λ(t) = α(√t)β(√t)α( √t)β( √t). Escrevendo − − t2A2 t2B2 α(t) = I + tA + + ρ(t) e β(t) = I + tB + + σ(t), 2 2 ρ(t) σ(t) onde lim = lim = 0, um c´alculo simples mostra que t 0 t2 t 0 t2 → → ε(t) λ(t) = I + t[A, B] + ε(t), onde lim = 0. Logo, λ0(0) = [A, B]. t 0 t Como λ(t) G para todo t 0,→vemos que [A, B] T G . ∈ ≥ ∈ I Observemos, para finalizar, que o espa¸co vetorial tangente T G num ponto X G consiste em todas as matrizes X A, onde X0 0 ∈ 0 A T G . Com efeito, os caminhos diferenci´aveis ∈ I λ: ( ε, ε) G, com λ(0) = X s˜ao os da forma λ(t) = X µ(t), − → 0 0 · onde µ: ( ε, ε) G ´e diferenci´avel, com µ(0) = I. Portanto − → λ (0) = X µ (0) = X A, A T G . Por motivo an´alogo, 0 0 · 0 0 ∈ I T G = BX ; B T G . X0 { 0 ∈ I } 8 Campos de vetores tangentes a uma su- perf´ıcie

Seja M m Rn uma superf´ıcie de classe Ck. Um campo de ⊂ vetores em M ´e uma aplica¸c˜ao v : M Rn. Em conformidade → com a defini¸c˜ao geral (vide se¸c˜ao 3), diremos que o campo v ´e de classe Cr quando, para cada ponto p M, existe uma pa- ∈ rametriza¸c˜ao ϕ: U U, de classe Ck, com p U, tal que 0 → ∈ v ϕ: U Rn ´e de classe Cr. No caso de ser r k, seja qual ◦ 0 → ≤ for a parametriza¸c˜ao ψ : V V , de classe Ck, com p V , tem-se 0 → ∈ v ψ = (v ϕ) (ϕ 1 ψ), logo v ψ Cr. Assim, a no¸c˜ao de ◦ ◦ ◦ − ◦ ◦ ∈ campo de classe Cr tem sentido intr´ınseco (isto ´e, n˜ao depende da “MAIN2” 2007/5/23 page 64

64 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS escolha da parametriza¸c˜ao) desde que r k, onde k ´e a classe da ≤ superf´ıcie M. O campo v : M Rn diz-se tangente a` superf´ıcie M quando → v(p) T M para todo p M. ∈ p ∈ Um subconjunto aberto U M ´e ainda uma superf´ıcie de ⊂ classe Ck. Logo tem sentido considerar campos de vetores tan- gentes definidos em U. Em particular, se ϕ: U U ´e uma pa- 0 → rametriza¸c˜ao de classe Ck, um campo v de vetores tangentes de classe Cr em U fica determinado por uma aplica¸c˜ao v : U Rn, 0 0 → de classe Cr, tal que v (x) T M para todo x U , sendo o 0 ∈ ϕ(x) ∈ 0 campo v : U Rn definido a partir de v por v = v ϕ 1, isto ´e, → 0 0 ◦ − v(p) = v0(x), p = ϕ(x). ∂ϕ Por exemplo, dada a parametriza¸c˜ao ϕ, os vetores (x), ∂x1 ∂ϕ . . . , (x) constituem, para cada x U , uma base do espa¸co ∂xm ∈ 0 ∂ϕ vetorial tangente T M , p = ϕ(x). As aplica¸c˜oes : U Rn) p ∂xj 0 → k 1 (j = 1, . . . , m) s˜ao de classe C − e por conseguinte os m cam- n pos de vetores tangentes vj : U R , definidos por vj(ϕ(x)) = ∂ϕ → (x), s˜ao de classe Ck 1 em U. Eles constituem o referencial ∂xj − m´ovel associado a` parametriza¸c˜ao ϕ. Seja v : M Rn um campo de vetores tangentes. Em cada → ponto p = ϕ(x) da vizinhan¸ca parametrizada U o vetor v(p) se ∂ϕ escreve como combina¸c˜ao linear dos vetores b´asicos (x) T M ∂xj ∈ p assim: m ∂ϕ v(p) = αj(x) (x), p = ϕ(x). ∂xi Xj=1 Isto define m fun¸c˜oes reais α1, . . . , αm : U R. Mostraremos 0 → que, se r k 1, ent˜ao v Cr se, e somente se, as fun¸c˜oes ≤ − ∈ α1, . . . , αm : U R, acima definidas, s˜ao de classe Cr, para cada 0 → parametriza¸c˜ao ϕ: U U, de classe Ck. Mais geralmente, temos: 0 → “MAIN2” 2007/5/23 page 65

[SEC. 8: CAMPOS DE VETORES TANGENTES A UMA SUPERF´ICIE 65

Proposi¸c˜ao 7. Sejam v , . . . , v : M Rn campos vetoriais 1 m → de classe Cr (r k) tangentes a uma superf´ıcie M m Rn, de ≤ ⊂ classe Ck, tais que, em cada ponto p M, v (p), . . . , v (p) ∈ { 1 m } ´e uma base de T M . Todo campo vetorial tangente v : M p → Rn se escreve, de modo unic´ o, em cada ponto p M, como m ∈ i 1 m v(p) = α (p)vi(p). Isto define m fun¸c˜oes reais α , . . . , α : i=1 M R.PO campo v ´e de classe Cr se, e somente se, as fun¸c˜oes → αi s˜ao de classe Cr. Demonstra¸c˜ao: Se α1, . . . , αm : M R s˜ao de classe Cr, ´e i r → claro que v = Σ α vi ´e de classe C . Reciprocamente, suponha- mos v Cr. Para demonstrar que as fun¸c˜oes αi s˜ao de classe ∈ Cr, como se trata de um fato local, podemos admitir que se tem uma parametriza¸c˜ao ϕ: U U, de classe Ck, aplica¸c˜oes 0 → de classe Cr, v, v , . . . , v : U Rn, α1, . . . , αm : U R, tais 1 m 0 → 0 → que v (x), . . . , v (x) ´e uma base de T M e { 1 m } ϕ(x) v(x) = α1(x)v (x) + + αm(x)v (x), 1 · · · m para todo x U . Sejam V (x) a matriz n m cujas colunas s˜ao os ∈ 0 × vetores v1(x), . . . , vm(x) e A(x) o vetor coluna cujas coordenadas s˜ao α1(x), . . . , αm(x). As aplica¸c˜oes x V (x), x v(x) s˜ao de 7→ 7→ classe Cr em U . Em cada ponto x U , a matriz V (x) possui 0 ∈ 0 uma submatriz m m invert´ıvel. Restringindo, se necess´ario, o × aberto U0 , podemos supor que esta matriz ´e a mesma em todos os pontos e, por simplicidade de nota¸c˜ao, admitiremos que ela ´e formada pelas m primeiras colunas de V (x), ou seja, que V (x) = P (x) , onde P (x) ´e m m invert´ıvel e Q(x) ´e (n m) m. A Q(x) × − ×   aplica¸c˜ao x P (x) 1 ´e de classe Cr em U , o mesmo se dando 7→ − 0 com a aplica¸c˜ao x B(x), onde B(x) = (P (x) 1, 0) ´e uma matriz 7→ − m n cujas ultimas´ n m colunas s˜ao nulas. Como B(x) V (x) = × − · “MAIN2” 2007/5/23 page 66

66 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS matriz identidade m m, temos × A(x) = B(x) V (x) A(x) = B(x) v(x). · · · Logo x A(x) = (α1(x), . . . , αm(x)) ´e de classe Cr em U , como 7→ 0 quer´ıamos demonstrar. Corol´ario. Seja r k 1. Um campo vetorial v : M Rn, ≤ − → tangente a M, ´e de classe Cr se, e somente se, para cada parame- k triza¸c˜ao ϕ: U0 U, de classe C , e cada p = ϕ(x) U, tem-se m → ∈ j ∂ϕ 1 m R v(p) = α (x) j (x), onde as fun¸c˜oes α , . . . , α : U0 , j=1 ∂x → assim definidas,P s˜ao de classe Cr. Com efeito, dada ϕ, restrinjamos v ao aberto U, onde est˜ao ∂ϕ definidos os campos Pela proposi¸c˜ao anterior, v Cr em U ∂xj · ∈ se, e somente se, as fun¸c˜oes αj s˜ao de classe Cr. Vimos que, em cada vizinhan¸ca parametrizada U de uma su- k k 1 perf´ıcie de classe C , existem campos de classe C − que consti- tuem uma base do espa¸co tangente em cada ponto de U. Mostra- remos agora que o mesmo n˜ao ocorre com campos de classe C k, a menos que a superf´ıcie j´a fosse de classe Ck+1. Proposi¸c˜ao 8. Seja M m Rn uma superf´ıcie de classe Ck. ⊂ Se cada ponto p M possui uma vizinhan¸ca na qual se podem ∈ definir m campos tangentes linearmente independentes de classe Ck, ent˜ao M ´e de classe Ck+1. Demonstra¸c˜ao: Dado um ponto arbitr´ario p M, mostraremos 0 ∈ que existe uma vizinhan¸ca de p0 que pode ser munida de uma parametriza¸c˜ao de classe Ck+1. Por hip´otese, podemos definir, numa vizinhan¸ca U de p , m campos v , . . . , v : U Rn de 0 1 m → classe Ck que constituem, em cada p U, uma base do espa¸co ∈ tangente T M . Seja Rn = Rm Rn m uma decomposi¸c˜ao em soma p ⊕ − direta tal que a proje¸c˜ao correspondente π : Rn Rm aplique → “MAIN2” 2007/5/23 page 67

[SEC. 8: CAMPOS DE VETORES TANGENTES A UMA SUPERF´ICIE 67

Rm T Mp0 isomorficamente sobre . Restringindo U, se necess´ario, podemos admitir que ϕ = (π U) 1 seja uma parametriza¸c˜ao de | − classe Ck, definida em U = π(U). Para cada x U e cada vetor 0 ∈ 0 u Rm, o vetor v = ϕ (x) u T M ´e caracterizado, entre os ∈ 0 · ∈ ϕ(x) vetores tangentes a M no ponto ϕ(x), pela propriedade π v = u. · Para todo x U , seja V (x) a matriz n m cujas colunas s˜ao ∈ 0 × os vetores v1(ϕ(x)), . . . , vm(ϕ(x)). Ent˜ao x V (x) ´e de classe k 7→ C em U0 e cada matriz V (x) tem posto m. Podemos admitir P (x) que V (x) = , onde P (x) ´e m m invert´ıvel e Q(x) ´e Q(x) ×   (n m) m. A aplica¸c˜ao x P (x) 1 ´e de classe Ck em U . Pondo − × 7→ − 0 B(x) = V (x) P (x) 1, como as colunas de V (x) geram T M , · − ϕ(x) vemos que as colunas de B(x) tamb´em tˆem essa propriedade. Al´em k disso, x B(x) ´e de classe C em U0 . Mas ´e claro que B(x) = I 7→ m , onde I = matriz identidade m m. Logo, os vetores C(x) m ×   w1(x), . . . , wm(x), que constituem as colunas de B(x), dependem k de x em classe C e s˜ao tais que π wi(x) = ei = i-´esimo vetor m · b´asico de R . Notando que os vetores wi(x) s˜ao tangentes a M no ponto ϕ(x), segue-se que w (x) = ϕ (x) e para todo x U . i 0 · i ∈ 0 ∂ϕ k Como as aplica¸c˜oes x (x) = ϕ0(x) ei s˜ao de classe C em 7→ ∂xi · U0 , para i = 1, . . . , m, concluimos que a parametriza¸c˜ao ϕ ´e de classe Ck+1, o que termina a demonstra¸c˜ao. A seguir, estenderemos para superf´ıcies o teorema de existˆencia e unicidade de curvas integrais de campos vetoriais, que foi de- monstrado no Cap´ıtulo I para o caso de abertos no espa¸co eucli- diano. Dado um campo vetorial tangente v : M m Rn, uma curva → integral de v, com origem num ponto p M, ´e um caminho dife- ∈ renci´avel λ: ( ε, +ε) M, com λ(0) = p e λ (t) = v(λ(t)) para − → 0 todo t. “MAIN2” 2007/5/23 page 68

68 [CAP. II: SUPERF´ICIES NOS ESPAC¸OS EUCLIDIANOS

Proposi¸c˜ao 9. Seja v um campo de vetores tangentes de classe Ck 1 (k 2) numa superf´ıcie M m Rr de classe Ck. Para − ≥ ⊂ cada ponto p M existe uma curva integral de v em M, com ∈ origem p. Duas curvas integrais de v com origem p coincidem numa vizinhan¸ca de 0. Demonstra¸c˜ao: Dado p M, seja ϕ: U U M uma para- ∈ 0 → ⊂ metriza¸c˜ao Ck de uma vizinhan¸ca U de p em M. Definimos um campo de vetores u: U Rm, de classe Ck pela condi¸c˜ao: 0 →

ϕ0(x) u(x) = v(ϕ(x)), para todo x U . · ∈ 0 A regra da cadeia mostra que µ: ( ε, ε) U ´e uma curva integral − → 0 de u com origem p = ϕ 1(p) se, e somente se, ϕ µ: ( ε, ε) U 0 − ◦ − → ´e uma curva integral de v com origem p = ϕ(p0). A Proposi¸c˜ao 6 segue-se ent˜ao da Proposi¸c˜ao do Cap´ıtulo I. Corol´ario 1. Sejam W Rr um aberto, M m W uma superf´ıcie ⊂ ⊂ de classe Ck (k 2) e v : W Rr um campo de vetores de ≥ → classe Ck 1 em W , tal que v(p) T M para todo p M. Se − ∈ p ∈ λ: ( ε, ε) Rr ´e uma curva integral de v com origem num ponto − → p M ent˜ao existe δ > 0 tal que t < δ λ(t) M. ∈ | | ⇒ ∈ Com efeito, a restri¸c˜ao de v a M ´e um campo de vetores tan- gentes a M, de classe Ck. Pela Proposi¸c˜ao 6, para todo p M ∈ existe uma curva integral de v, com origem p, contida em M. Por unicidade, essa curva ´e a restri¸c˜ao de λ a uma vizinhan¸ca de 0. Corol˜ario 2. Seja G M(n, R) um grupo de Lie. Para toda ⊂ matriz A T G , e todo t R, tem-se etA G. ∈ I ∈ ∈ Dada A, consideremos o campo de vetores v : GL(Rn) → M(n, R), definido por v(X) = AX. O caminho λ: R GL(Rn), → definido por λ(t) = etA X ´e uma curva integral de v com origem · X. Quando x G, tem-se v(X) T G . (Vide observa¸c˜ao final ∈ ∈ X da se¸c˜ao anterior.) Segue-se do Corol´ario 1 que, para cada x G, ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 69

[SEC. 8: CAMPOS DE VETORES TANGENTES A UMA SUPERF´ICIE 69 existe ε > 0 tal que etA X G sempre que t < ε. Em particular, · ∈ | | tomando X = I, temos etA G para t < ε. Dado qualquer t real, ∈ | | escrevemos t = t + + t com t < ε, . . . , t < ε. Conclui- 1 · · · k | 1| | k| mos que etiA G, i = 1, . . . , k, e portanto (sendo G um grupo) ∈ etA = et1A et2A etkA G. · · · · · · ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 70

Cap´ıtulo III

Vetores Normais, Orientabilidade e Vizinhan¸ca Tubular

Consideraremos, neste cap´ıtulo, o seguinte problema: quais s˜ao as superf´ıcies de classe Ck, M m Rn que podem ser obtidas ⊂ como imagem inversa M m = f 1(c) de um valor regular c Rn m − ∈ − para uma aplica¸c˜ao f : U Rn m, de classe Ck, definida numa → − vizinhan¸ca aberta U M no espa¸co Rn? ⊃ Veremos que, para n m = 1, ou seja, quando M ´e uma hi- − perf´ıcie, M ´e imagem inversa de um valor regular de aplica¸c˜ao definida num aberto de Rn se, e somente se, M ´e orient´avel. Vere- mos tamb´em que, para uma hiperf´ıcie M, ser orient´avel equivale a` existˆencia de um campo cont´ınuo de vetores normais em M. No caso geral, em que n m pode ser > 1, orientabilidade ´e − uma condi¸c˜ao necess´aria por´em n˜ao suficiente. Para obter uma condi¸c˜ao suficiente, introduzimos a no¸c˜ao de vizinhan¸ca tubular, que constitui um dos conceitos b´asicos mais importantes no estudo “MAIN2” 2007/5/23 page 71

[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERF´ICIE 71 das variedades diferenci´aveis. Demonstraremos o teorema de Whitney, segundo o qual M m ⊂ Rn ´e imagem inversa de um valor regular de aplica¸c˜ao definida numa sua vizinhan¸ca se, e somente se, existem em M n m campos − cont´ınuos de vetores normais, linearmente independentes em todos os pontos de M.

1 Campos de vetores normais a uma su- perf´ıcie

Diremos que um vetor u Rn ´e normal a` superf´ıcie M m Rn ∈ ⊂ no ponto p M quando u for perpendicular a todos os vetores ∈ tangentes a M no ponto p, isto ´e, quando se tiver u, v = 0 para h i todo v T M . O conjunto dos vetores normais a M m no ponto p ∈ p ´e um subespa¸co vetorial de dimens˜ao n m (= codimens˜ao de M) − do espa¸co euclidiano Rn. Indicaremos este subespa¸co vetorial com T M ou νM . Em cada ponto p Rn, o espa¸co Rn se decomp˜oe p⊥ p ∈ na soma direta Rn = T M νM . p ⊕ p Um campo de vetores normais a` superf´ıcie M m Rn ´e uma ⊂ aplica¸c˜ao v : M Rn tal que v(p) νM para todo p M. → ∈ p ∈ Conforme a defini¸c˜ao geral (se¸c˜ao 3 do Cap. II), diz-se que v ∈ Cr quando, para cada ponto p M existe uma parametriza¸c˜ao ∈ ϕ: U U, cuja classe ´e a mesma de M, tal que p U e v 0 → ∈ ◦ ϕ: U Rn ´e de classe Cr. Quando r k, esta no¸c˜ao tem sentido 0 → ≤ intr´ınseco, isto ´e, n˜ao depende da parametriza¸c˜ao ϕ escolhida. Mostraremos logo adiante, por´em, que uma superf´ıcie de classe Ck n˜ao se pode esperar que existam muitos campos de vetores k 1 normais de classe superior a C − . Exemplos de campos de vetores normais 1) v : Sn Rn+1, dado por v(p) = p, ´e um campo normal C . → ∞ “MAIN2” 2007/5/23 page 72

72 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A

2) Para toda M m Rn, v : M Rn, dado por v(p) = 0 em todos ⊂ → os pontos p M, ´e normal, de classe C . ∈ ∞ 3) Sejam U R2 aberto e ϕ: U R3 um mergulho de classe Ck, 0 ⊂ 0 → com U = ϕ(U ). Ent˜ao v : U R3, definido pelo produto vetorial 0 → v(p) = ϕ0(x) e1 ϕ0(x) e2 , p = ϕ(x), ´e um campo de vetores · × k 1 · normais de classe C − , diferente de zero em todos os pontos da superf´ıcie U. O Exemplo 3 se generaliza para hiperf´ıcies, mediante o conceito de produto vetorial de n vetores em Rn+1, que recordaremos agora. Dados v , . . . , v Rn+1, indiquemos com [v , . . . , v ] a matriz 1 s ∈ 1 s (n + 1) s cujo i-´esimo vetor coluna ´e v . O produto vetorial de n × i vetores v , . . . , v Rn+1 ´e o vetor v = v v caracterizado 1 n ∈ 1 × · · · × n por v, h = det[v , . . . , v , h], para todo h Rn+1. Em particular, h i 1 n ∈ para i = 1, . . . , n + 1, temos v, e = ( 1)n+i+1 det(αi), onde αi h ii − · ´e a matriz n n cujos vetores colunas s˜ao obtidos de v , . . . , v × 1 n pela omiss˜ao da i-´esima coordenada. Isto fornece a express˜ao v = n+1 n+i+1 i ( 1) det(α ) ei , o que permite considerar v = v1 i=1 − · × · · · × vPn como um “determinante simb´olico” v = det[v1, . . . , vn, E], no qual os elementos da ultima´ coluna E s˜ao os vetores e1, . . . , en+1 . Tal determinante deve ser desenvolvido segundo os elementos da ultima´ coluna. O produto vetorial v = v v Rn+1 ´e linear em 1 × · · · × n ∈ cada um dos seus fatores. Al´em disso, v ´e perpendicular ao su- bespa¸co gerado por v , . . . , v , pois v, v = 0. Com efeito, este 1 n h ii produto escalar ´e, para todo i n, um determinante com duas ≤ colunas iguais. A aplica¸c˜ao (v , . . . , v ) v v ´e de classe 1 n 7→ 1 × · · · × n C . Notamos que v v = 0 se, e somente se, os ve- ∞ 1 × · · · × n 6 tores v1, . . . , vn s˜ao linearmente independentes. Finalmente, como det[v , . . . , v , v v ] = v v 2 0, concluimos que, 1 n 1 × · · · × n | 1 × · · · × n| ≥ se os v s˜ao independentes, ent˜ao v , . . . , v , v v ´e uma i { 1 n 1 × · · · × n} “MAIN2” 2007/5/23 page 73

[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERF´ICIE 73 base positiva do espa¸co Rn+1. Para uso na demonstra¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 5, abaixo, notemos n Rn i o seguinte: se w1, . . . , wn s˜ao tais que wj = αj vi , (j = ∈ i=1 1, . . . , n), ent˜ao w w = det(αi ) v v P. Para provar 1 ×· · ·× n j · 1 ×· · ·× n isto, indiquemos com A a matriz n n (αi ). Ent˜ao [w , . . . , w ] = × j 1 n [v , . . . , v ] A. Seja A a matriz n (n + 1) obtida acrescen- 1 n · × tando a A uma ultima´ coluna, igual a e . Para cada vetor h n+1 ∈ Rn+1 teremos ent˜ao [w e, . . . , w , h] = [v , . . . , v , h] A e portanto 1 n 1 n · det[w , . . . , w , h] = det A det[v , . . . , v , h]. Como det A = det A, 1 n · 1 n concluimos que det[w , . . . , w , h] = det A det[v , . . . ,ev , h], e por- 1 n · 1 n tanto w w = dete A (v v ). e 1 × · · · × n · 1 × · · · × n Exemplo 4) Seja M n Rn+1 uma hipersuperf´ıcie de classe Ck. Dada uma ⊂ k parametriza¸c˜ao ϕ: U0 U, de classe C , define-se em U um → k 1 campo v de vetores normais de classe C − , pondo-se, para cada ∂ϕ ∂ϕ p = ϕ(x) U, v(p) = 1 (x) (x). Como em cada ∈ ∂x1 × · · · × ∂xn ∂ϕ ∂ϕ ponto p = ϕ(x) U os vetores tangentes (x), . . . , (x) ∈ ∂x1 ∂xn s˜ao linearmente independentes, vemos que v(p) = 0 para todo 6 p U. Al´em disso, como νMp tem dimens˜ao 1, se tomarmos outra ∈ n parametriza¸c˜ao ψ : V0 V , e definirmos w : V R por w(p) = ∂ψ ∂ψ → → (y) (y), p = ψ(y), teremos w(p) = a(p) v(p) com ∂x1 × · · · × ∂xn · a = 0, para todo p U V . Pela ultima´ observa¸c˜ao feita acima, 6 ∈ ∩ vemos que a(p) ´e o determinante da matriz de passagem da base ∂ϕ ∂ϕ ∂ψ ∂ψ (x), . . . , (x) para a base (y), . . . , (y) , onde ∂x1 ∂xn ∂x1 ∂xn p = ϕ(x) = ψ(y). Ora,esta ´e a matrizjacobiana do difeomorfismo 1 1 1 ϕ− ψ : ψ− (U V ) ϕ− (U V ). Com efeito, escrevendo ◦ 1 ∩ → i ∩ ξ = ϕ− ψ, a matriz jacobiana (αj) de ξ no ponto y ´e caracterizada ◦ i por ξ0(y) ej = αjei . Como ψ = ϕ ξ, temos ψ0(y) ej = · i ◦ · P “MAIN2” 2007/5/23 page 74

74 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A

i ϕ0(x) ξ0(y) ej = ϕ0(x) αjϕ0(x) ei . Da´ı verifica-se que a · · · i · matriz de passagem dos ϕP0(x) ei para os ψ0(y) ej ´e a matriz · · jacobiana de ξ no ponto y. Outros exemplos de campos de vetores normais resultam da proposi¸c˜ao seguinte. Lembremos o gradiente de uma fun¸c˜ao real diferenci´avel f : U R, definida num aberto U Rn, introduzido → ⊂ na Se¸c˜ao 3 do Cap´ıtulo I. Tem-se

∂f ∂f grad f(p) = (p), . . . , (p) . ∂x1 ∂xn  

Proposi¸c˜ao 1. Seja f : U R uma fun¸c˜ao real de classe Cr, → definida no aberto U Rn. Seja c um numer´ o real. Se M Rn ⊂ 1 n ⊂ ´e uma superf´ıcie contida em f − (c), ent˜ao grad f : M R ´e um r 1 → campo de vetores normais, de classe C − em M.

Demonstra¸c˜ao: Para cada p M e cada v T M , seja ∈ ∈ p λ: ( ε, +ε) M um caminho diferenci´avel, com λ(0) = p e − → λ0(0) = v. Ent˜ao f(λ(t)) = c para todo t e por conseguinte (f λ) = 0. Logo grad f(p), v = f (p) v = (f λ) (0) = 0. ◦ 0 h i 0 · ◦ 0 Isto mostra que grad f(p) ´e normal a M. Por outro lado, ´e evi- dente que grad f Cr 1. ∈ −

Corol´ario. Seja M m = f 1(c) Rm+n uma superf´ıcie ob- − ⊂ tida como imagem inversa de um valor regular de uma aplica¸c˜ao f : U Rn, de classe Ck no aberto U Rm+n. Escrevamos → ⊂ f = (f 1, . . . , f n). Ent˜ao grad f 1, . . . , grad f n : M Rm+n s˜ao k 1 → campos de vetores normais de classe C − em M, os quais consti- tuem uma base de νM em cada ponto p M. p ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 75

[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERF´ICIE 75

Com efeito, se c = (c1, . . . , cn) ent˜ao M (f i) 1(ci) para cada ⊂ − i = 1, . . . , n e portanto grad f i ´e normal a M, pela Proposi¸c˜ao 1. Al´em disso, como c ´e valor regular de f, em cada ponto p M = ∈ f 1(c) a derivada f (p): Rm+n Rn ´e sobrejetiva. As n linhas − 0 → da matriz de f 0(p) s˜ao portanto linearmente independentes. Ora, essas linhas s˜ao os vetores grad f i(p).

Seja M m Rm+n uma superf´ıcie de classe Ck. Para cada ⊂ ponto p M existem Ω Rm+n aberto, com p Ω e f : Ω Rn 0 ∈ ⊂ 0 ∈ → de classe Ck tal que 0 Rn ´e um valor regular de f e Ω M = 1 ∈ ∩ f − (0). (Cfr. Proposi¸c˜ao 5, Cap. II.)

Sejam f 1, . . . , f n : Ω R as fun¸c˜oes coordenadas de f. Como → vimos, grad f 1, . . . , grad f n : U Rm+n s˜ao campos vetoriais de → classe Ck 1 em U, que formam em cada ponto p U uma base do − ∈ espa¸co normal. Portanto, um campo arbitr´ario de vetores normais v : U Rm+n determina univocamente (e ´e determinado por) n → fun¸c˜oes reais α1, . . . , αn : U R tais que → n v(p) = αi(p) grad f i(p) α=1 X para cada p U. Quando r k 1, o campo v ´e de classe C r ∈ ≤ − se, e somente se, as fun¸c˜oes αi s˜ao de classe Cr. Isto decorre da seguinte Proposi¸c˜ao 2. Sejam v , . . . , v : M m Rm+n campos vetoriais 1 n → de classe Cr (r k), normais a uma superf´ıcie de classe Ck, ≤ tais que, em cada ponto p M, v (p), . . . , v (p) ´e uma base ∈ { 1 n } do espa¸co normal νM . Todo campo normal v : M Rm+n se p → escreve, de modo unic´ o, em cada ponto p M, como v(p) = ∈ α1(p) v (p) + + αn(p) v (p). Isto define n fun¸c˜oes reais · 1 · · · · n α1, . . . , αn : M R. O campo v ´e de classe Cr se, e somente → se, as fun¸c˜oes αi o s˜ao. “MAIN2” 2007/5/23 page 76

76 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A

Demonstra¸c˜ao: Omitida, por ser an´aloga a` da Proposi¸c˜ao 7, Cap´ıtulo II. Mostraremos a seguir que, se M m Rm+n ´e de classe Ck, ⊂ por´em n˜ao de classe Ck+1, M admite localmente n campos de k 1 vetores normais linearmente independentes de classe C − , por´em n˜ao de classe Ck.

Proposi¸c˜ao 3. Seja M m Rm+n uma superf´ıcie de classe Ck. Se ⊂ todo ponto de M possui uma vizinhan¸ca na qual se podem definir n campos de vetores normais linearmente independentes de classe Ck, ent˜ao M ´e de classe Ck+1. Demonstra¸c˜ao: Sejam v , . . . , v : M m Rm+n campos nor- 1 n → mais de classe Ck, definidos no aberto U M, linearmente in- ⊂ dependentes em cada ponto. Para cada p U, seja V (p) a ∈ matriz (m + n) n cujas colunas s˜ao os vetores v (p). Como × i V (p) tem posto n, sem perda de generalidade podemos supor que A(p) V (p) = , onde A(p) ´e n n invert´ıvel. Pondo W (p) = B(p) ×   I V (p) A(p) 1, vemos que W (p) = n , onde I = matriz · − C(p) n identidade n n e C(p) ´e m n. Eviden temen te, p W (p) ´e × × 7→ de classe Ck em U e, como as colunas de W (p) s˜ao combina¸c˜oes lineares das de V (p), concluimos que as colunas de W (p) for- mam, em cada ponto p U, uma base do espa¸co normal νM . ∈ p Consideremos agora a matriz Z(p), com m linhas e m + n co- lunas, definida como Z(p) = ( C(p), I ), onde I = matriz − m m identidade m m. Efetuando a multiplica¸c˜ao por blocos, temos × Z(p) W (p) = C(p) I + I C(p) = C(p) + C(p) = 0. Isto · − · n m · − significa que as linhas de Z(p) e as colunas de W (p) s˜ao duas a duas ortogonais. Como estas formam uma base de νMp , segue-se que as linhas de Z(p) definem em U m campos vetoriais tan- gentes, de classe Ck, linearmente independentes em cada ponto. “MAIN2” 2007/5/23 page 77

[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERF´ICIE 77

Pela Proposi¸c˜ao 8 do Cap´ıtulo II, concluimos que M C k+1. ∈

3.1 Observa¸c˜oes; a faixa de Moebius

1) Se, num aberto U de uma superf´ıcie M m Rn acham-se defini- ⊂ dos s campos de vetores normais v , . . . , v : U M, de classe Cr, 1 s → linearmente independentes em cada ponto de U, ent˜ao os vetores vi podem ser supostos ortonormais, isto ´e, todos de comprimento 1, dois a dois ortogonais. Com efeito, se tal n˜ao for o caso, apli- caremos aos vi o processo de ortogonaliza¸c˜ao de Gram-Schmidt, substituindo-os por u1, . . . , us , onde

v1 u20 u = , u = , u0 = v (v , u )u 1 v 2 u 2 2 − 2 1 1 | 1| | 20 | n 1 un0 − un = , un0 = vn vn, ui ui . un0 − h i | | Xi=1 2) Seja M m Rm+1 uma hiperf´ıcie Ck (k 1) que possui um ⊂ ≥ campo cont´ınuo de vetores normais unit´arios v : M Rm+1. Seja → γ : [a, b] M um caminho cont´ınuo em M com γ(a) = γ(b). → Ent˜ao, dada qualquer fam´ılia cont´ınua a um parˆametro u(t), de vetores normais unit´arios ao longo de γ (isto ´e, t u(t) ´e cont´ınua 7→ e, para cada t [a, b], u(t) T M ´e normal a M no ponto γ(t)), ∈ ∈ γ(t) tem-se necessariamente u(a) = u(b).

Figura 3.1. “MAIN2” 2007/5/23 page 78

78 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A

Com efeito, indiquemos por v(t) o vetor v(γ(t)). Ent˜ao v(t) depende continuamente de t [a, b]. Ora, u(t), v(t) = 1 e, ∈ h i  sendo [a, b] conexo, deve ser u(t), v(t) constante. Em particular, h i u(s), v(s) = u(b), v(b) . Como v(a) = v(b) segue-se que u(a) = h i h i u(b). 3) Vejamos agora um exemplo de uma superf´ıcie M 2 R3 que ⊂ n˜ao possui campo cont´ınuo de vetores normais que n˜ao se anula em ponto algum. Pela Observa¸c˜ao 1, esta superf´ıcie n˜ao pode ser definida impli- citamente. Trata-se da faixa de Moebius. A faixa de Moebius M ´e o espa¸co obtido do retˆangulo [0, 2π] × (0, 1) pela identifica¸c˜ao dos pontos (0, t) e (2π, 1 t), t percorrendo − o intervalo (0, 1). (0, 1) (2π, 1) (0, 1) (2π, 0)

(0, 0) (2π, 0) (0, 0) (2π, 1)

Figura 3.2.

Figura 3.3.

Como superf´ıcie em R3, a faixa de Moebius ´e obtida pela rota¸c˜ao de um segmento de reta aberto, de comprimento 1, cujo “MAIN2” 2007/5/23 page 79

[SEC. 1: CAMPOS DE VETORES NORMAIS A UMA SUPERF´ICIE 79 centro se apoia num c´ırculo de raio 1. Enquanto o centro do seg- mento desliza sobre o c´ırculo, o segmento realiza uma rota¸c˜ao de 180◦ at´e o final da primeira volta. Uma descri¸c˜ao mais precisa ´e dada pela aplica¸c˜ao de classe C∞

f : (0, 1) R R3, × → 1 onde f(s, t) = γ(t) + s δ(t), sendo γ(t) = (cos t, sen t, 0) e − 2 t t δ(t) = cos γ(t) + sen e . 2 · 2 · 3

Figura 3.4.

A imagem de f ´e a faixa de Moebius M 2 R3. Para cada intervalo ⊂ aberto I R de amplitude 2π a restri¸c˜ao de f a (0, 1) J ⊂ ≤ × parametriza um subconjunto aberto de M. ∂f 1 O caminho v : [0, 2π] R3 definido por v(t) = , t → ∂s 2 × ∂f 1 t t t , t = cos t sen , sen t sen , cos ´e cont´ınuo,v(t) = ∂t 2 − 2 − 2 2 | | 1 para to dot, e v(t) ´e normal a` faixa de Moebius no ponto γ(t) (no centro da faixa) para todo t [0, 2π]; ´e importante notar que ∈ v(0) = v(2π), enquanto que γ(0) = γ(2π). A Observa¸c˜ao 2 mos- − tra que n˜ao pode existir um campo cont´ınuo de vetores normais n˜ao nulos na faixa de Moebius M. “MAIN2” 2007/5/23 page 80

80 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A

2 Superf´ıcies Orient´aveis

A existˆencia ou n˜ao de um campo cont´ınuo de vetores normais unit´arios em uma hiperf´ıcie M n Rn+1 est´a ligada ao conceito ⊂ mais geral de orientabilidade que estudaremos agora. Um atlas de classe Ck numa superf´ıcie M m Rn ´e uma cole¸c˜ao ⊂ A de parametriza¸c˜oes ϕ: U U M, de classe Ck, tal que os 0 → ⊂ conjuntos abertos U formam uma cobertura de M. Duas parametriza¸c˜oes de classe Ck, ϕ: U U e ψ : V V 0 → 0 → dizem-se coerentes se, ou bem U V = , ou bem U V = e a ∩ ∅ ∩ 6 ∅ mudan¸ca de coordenadas ξ = ϕ 1 ψ tem determinante jacobiano − ◦ positivo em todos os pontos de seu dom´ınio ψ 1(U V ). − ∩ Um atlas A chama-se coerente quando todos os pares de para- metriza¸c˜oes ϕ, ψ A s˜ao coerentes. ∈ Uma superf´ıcie M diz-se orient´avel quando existe um atlas coerente em M. Uma vez escolhido um atlas coerente , P dizemos que M est´a orientada. As parametriza¸c˜oes que s˜ao coe- rentes com aquelas de s˜ao chamadas de positivas, as outras s˜ao P ditas negativas. Cada subconjunto aberto W de uma superf´ıcie orient´avel M ´e tamb´em uma superf´ıcie orient´avel. Realmente, dado um atlas coerente em M, a cole¸c˜ao das restri¸c˜oes ϕ ϕ 1(U W ) das P PW | − ∩ parametriza¸c˜oes ϕ: U U, ϕ , ´e um atlas coerente em W . 0 → ∈ P A seguinte proposi¸c˜ao fornece exemplos de superf´ıcies orient´a- veis.

Proposi¸c˜ao 4. Seja M m Rn uma superf´ıcie de classe Ck, ⊂ k 1. Se existem n m campos cont´ınuos de vetores normais ≥ −n v1, . . . , vn m : M R tais que v1(p), . . . , vn m(p) s˜ao linear- − → − mente independentes em cada ponto p M, ent˜ao M ´e orient´avel. ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 81

[SEC. 2: SUPERF´ICIES ORIENTAVEIS´ 81

Demonstra¸c˜ao: Seja o conjunto das parametriza¸c˜oes de classe P Ck, ϕ: U U M, tais que: 0 → ⊂ (i) U0 ´e conexo. (ii) para cada x U , a matriz n n, Aϕ(x), cujas colunas s˜ao ∈ 0 × ϕ0(x) e1, . . . , ϕ0(x) em , v1(ϕ(x)), . . . , vn m(ϕ(x)), tem determi- · · − nante positivo. Vamos mostrar que ´e um atlas coerente em M. P Seja p M, arbitr´ario. Consideremos uma parametriza¸c˜ao de ∈ classe Ck, ϕ: U U M, com U Rm conexo e p U. Ent˜ao 0 → ⊂ 0 ⊂ ∈ ou ϕ , ou (por infelicidade) det[Aϕ(x)] < 0 para todo x U . ∈ P ∈ 0 Neste caso, substitu´ımos ϕ pela parametriza¸c˜ao ψ : V U dada 0 → por ψ(x1, . . . , xm) = ϕ( x1, . . . , xm), que certamente pertence a` − cole¸c˜ao . Isto mostra que as imagens das parametriza¸c˜oes per- P tencentes a constituem uma cobertura de M. P Resta provar que, dadas ϕ: U U e ψ : V V , elementos 0 → 0 → de com U V = ϕ, ent˜ao ϕ 1 ψ : ψ 1(U V ) ϕ 1(U V ) tem P ∩ 6 − ◦ − ∩ → − ∩ determinante jacobiano positivo em cada ponto z ψ 1(U V ). ∈ − ∩ Seja ϕ(x) = ψ(z). Escrevamos m i ψ0(z) e = β ϕ0(x) e ; j = 1, . . . , m. · j j · i Xi=1 i i Ent˜ao det[Aψ(z)] = det(βj) det[Aϕ(x)], logo det(βj) > 0. Mas a matriz jacobiana de ϕ 1 ψ em z ´e precisamente (βi), o que − ◦ j conclui a demonstra¸c˜ao. Corol´ario. Se M m Rn ´e a imagem inversa de um valor regular ⊂ de uma aplica¸c˜ao de classe Ck f : U Rn m ( U Rn aberto), → − ⊂ ent˜ao M ´e orient´avel. Aten¸c˜ao: A rec´ıproca da Proposi¸c˜ao 4 e de seu corol´ario ´e falsa em geral. A condi¸c˜ao de orientabilidade ´e mais fraca do que a existˆencia de n m campos cont´ınuos de vetores normais linear- − mente independentes em cada ponto. Existem exemplos de su- perf´ıcies M m Rn orient´aveis que n˜ao possuem n m campos ⊂ − “MAIN2” 2007/5/23 page 82

82 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A cont´ınuos de vetores normais linearmente independentes em cada ponto. Tais exemplos s˜ao complicados e fogem ao n´ıvel deste texto. Estudamos a seguir um caso especial em que a rec´ıproca ´e verda- deira, a saber, quando M ´e uma hiperf´ıcie.

Proposi¸c˜ao 5. Seja M n Rn+1 uma hiperf´ıcie de classe Ck. ⊂ Ent˜ao M ´e orient´avel se, e somente se, existe um campo cont´ınuo de vetores normais u: M n Rn+1, com u(p) = 0 para todo → 6 p M. ∈ Demonstra¸c˜ao: Metade da proposi¸c˜ao resulta da Proposi¸c˜ao 4. Basta ent˜ao mostrar que se pode definir numa hiperf´ıcie orient´avel M n Rn+1 um campo cont´ınuo de vetores normais u: M ⊂ → Rn+1, com u(p) = 1 para todo p M. Seja um atlas coerente | | ∈ P em M. Dado p M, tomemos uma parametriza¸c˜ao ϕ: U U ∈ 0 → pertencente a , com p = ϕ(x) U, consideremos o produto ve- P ∈ torial w(p) = ϕ (x) e ϕ (x) e (vide Se¸c˜ao 1) e ponhamos 0 · 1 × · · · × 0 · n u(p) = w(p)/ w(p) . Isto definir´a um campo de vetores normais | | unit´arios u: M Rn+1, de classe Ck 1, desde que mostremos que → − u(p) ν M n˜ao depende da escolha da parametriza¸c˜ao ϕ . ∈ p ∈ P Como a dimens˜ao de νpM ´e 1, s´o existem dois valores unit´arios normais a M no ponto p, os quais diferem apenas em sinal. Deve- mos ent˜ao verificar que, se ψ : V V ´e outra parametriza¸c˜ao em 0 → , com p = ψ(y) V , teremos ψ (y) e ψ (y) e = a w(p), P ∈ 0 · 1 ×· · ·× 0 · n · com a > 0. Isto por´em resulta de ser a o determinante jaobiano 1 da mudan¸ca de coordenadas ϕ− ψ, o qual ´e positivo em virtude da coerˆencia do atlas . (Vide Exemplo 4, na Se¸c˜ao 1). P Observa¸c˜ao: Ficou demonstrado acima que se u: M n Rn+1 ´e → um campo cont´ınuo de vetores normais unit´arios numa hiperf´ıcie de classe Ck ent˜ao M ´e orient´avel e n ´e automaticamente de k 1 k classe C − . E reciprocamente, se M ´e orient´avel de classe C k 1 ent˜ao existe em M um campo de classe C − de vetores normais “MAIN2” 2007/5/23 page 83

[SEC. 2: SUPERF´ICIES ORIENTAVEIS´ 83 unit´arios. Daremos agora um exemplo de uma superf´ıcie compacta P 2 ⊂ R4 n˜ao orient´avel. E´ um fato topol´ogico, cuja demonstra¸c˜ao es- capa as` finalidades destas notas, que toda hiperf´ıcie compacta M n Rn+1 ´e necessariamente orient´avel. ⊂ Exemplo: O plano projetivo P 2 R4 (cf. Hilbert e ⊂ Cohn-Vossen, “Geometry and Imagination”, pag. 340). Seja f : R3 R4 a aplica¸c˜ao de classe C definida por f(x, y, z) = → ∞ (x2 y2, xy, xz, yz). O plano projetivo ´e o conjunto P 2 = f(S2), − imagem por f da esfera unit´aria S2 R3. Afirmamos que P 2 ´e ⊂ 4 uma superf´ıcie de dimens˜ao 2 e de classe C∞ no R . Isto ser´a feito em etapas (i), (i)) e (iii). (i) Provemos inicialmente que, dados p, q S2, f(p) = f(q) se, e ∈ somente se, p = q.  Com efeito, ´e evidente que f(p) = f( p). Por outro lado se − f(p) = (a, b, c, d), p = (x, y, z) S2, ent˜ao tem-se: ∈ (I) x2 y2 = a, xy = b, xz = c, yz = d − (II) x2 y2 = a, dx2 = bc, cy2 = bd, bz2 = cd, x2 +y2 + − z2 = 1.

Se b = c = c = 0, as equa¸c˜oes (I) mostram que pelo me- nos duas (donde exatamente duas) das coordenadas x, y, z s˜ao nulas, a restante devendo ser necessariamente igual a 1. Neste  caso, f 1(0, 0, 0, 0) = (0, 0, 1), f 1(1, 0, 0, 0) = ( 1, 0, 0) e −  −  f 1( 1, 0, 0, 0) = (0, 1, 0). − −  Se algum dos numeros´ b, c, d for = 0, as equa¸c˜oes (II) determi- 6 nar˜ao x2, y2, z2, enquanto as 3 ultimas´ equa¸c˜oes (I) mostram que uma escolha de sinal numa coordenada determina o sinal das ou- 1 tras duas, donde f − (a, b, c, d) consiste de exatamente dois pontos ant´ıpodas p = (x, y, z) e p = ( x, y, z). − − − − “MAIN2” 2007/5/23 page 84

84 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A

(ii) Mostremos agora que, em cada ponto p = (x, y, z) S2, a ∈ derivada f (p): R3 R4 leva o plano tangente (T S2) R3 inje- 0 → p ⊂ tivamente no R4.

Isto ´e feito observando a matriz jacobiana

2x 2y 0 − y x 0 Jf(x, y, z) =   z 0 x    0 z y     Dois dos menores 3 3 de Jf s˜ao 2 (x2 + y2) e 2y(x2 + y2). × × Logo Jf tem posto 3 exceto quando x = y = 0. Segue-se que f (p): R3 R4 ´e injetora para todo p S2 a, a , a = (0, 0, 1). 0 → ∈ −{ − } Os pontos a s˜ao examinados separadamente: A matriz jaco-  biana Jf mostra que

f 0( a) e = e e f 0( a) e = e .  · 1  3  · 2  4 Como os planos tangentes a S2 nos pontos a coincidem e s˜ao  2 gerados por e1 e e2 , resulta que dim[f 0( a) (T S ) a] = 2.  ·  (iii) Pelo resultado acima, para cada parametriza¸c˜ao de classe C , ϕ: U S2, de um subconjunto aberto de S2, a aplica¸c˜ao ∞ 0 → f ϕ: U R4 ´e uma imers˜ao C . Se ϕ(U ) ´e suficientemente pe- ◦ 0 → ∞ 0 queno para n˜ao conter par algum de pontos ant´ıpodas, ent˜ao f ϕ ◦ ser´a 1 1. Resta mostrar que f ϕ ´e um homeomorfismo de U − ◦ 0 sobre um subconjunto aberto U = f ϕ(U ) de P 2. Isto ´e verdade ◦ 0 porque f : S2 P 2 ´e uma aplica¸c˜ao aberta: Dado um subcon- → junto aberto A S2, suponhamos, por absurdo, que f(A) n˜ao ⊂ seja aberto em P 2. Ent˜ao existe uma sequ¨ˆencia de pontos x S2 n ∈ tais que f(x ) f(y), y A e f(x ) / f(A). Esta ultima´ rela¸c˜ao n → ∈ n ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 85

[SEC. 2: SUPERF´ICIES ORIENTAVEIS´ 85 significa que x / A e x / A = x; x A . Como S2 n ∈ n ∈ − {− ∈ } ´e compacta, podemos supor (considerando uma subsequ¨ˆencia, se necess´ario) que x / A ( A). Pela continuidade de f, no entanto, ∈ ∪ − f(x) = f(y) f(A), donde x = y A, contradi¸c˜ao. ∈  ∈  2 2 A superf´ıcie de classe C∞ P = f(S ) ´e compacta pois ´e ima- gem cont´ınua por f do compacto S2.

O plano projetivo ´e concebido “abstratamente” como o espa¸co quociente S2/E da esfera unit´aria S2 pela rela¸c˜ao de equivalˆencia E cujas classes de equivalˆencia s˜ao p, p , p S2. Dotamos { − } ∈ S2/E da topologia co-induzida pela aplica¸c˜ao canˆonica π : S2 → S2/E.

Notemos que E ´e precisamente a rela¸c˜ao de equivalˆencia deter- minada por f : S2 P 2. Por f ser aberta e do diagrama cl´assico →

f - S2 P 2  π f(π(x)) = f(x) ? f S2/E resulta que f¯: S2/E P 2 ´e um homeomorfismo. → Portanto, a superf´ıcie P 2 R4 ´e uma imagem “concreta” do ⊂ plano projetivo S2/E, no espa¸co euclidiano R4.

Resta apresentar uma justificativa para a n˜ao-orientabilidade de P 2. Uma raz˜ao ´e que P 2 cont´em uma faixa de Moebius, a imagem por f de uma faixa equatorial em S2, como mostra a figura 3.5. “MAIN2” 2007/5/23 page 86

86 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A

B0 M 0 A f N A B

f(A) = f(A0) = M; f(B) = f(B0) = N.

Figura 3.5.

Se P 2 fosse orient´avel e A fosse um atlas coerente em P 2, as res- tri¸c˜oes a M das parametriza¸c˜oes de P 2, pertencentes a A, forne- ceriam uma orienta¸c˜ao de M, o que ´e imposs´ıvel. Em particular, n˜ao existe aplica¸c˜ao de classe C1, g : W R2 → definida num aberto W R4 contendo P 2 tal que P 2 = g 1(c), ⊂ − onde c R2 ´e valor regular de g. ∈

3 A vizinhan¸ca tubular de uma superf´ıcie compacta

Seja M m Rm+n uma superf´ıcie de classe Ck, k 1. ⊂ ≥ Diz-se que o segmento [p, a] = p+t(a p); 0 t 1 ´e normal { − ≤ ≤ } a M no ponto p se p M e v = a p νM . ∈ − ∈ p

a Rm+n v T Mp p M m

Figura 3.6.

A bola normal (de dimens˜ao n) B⊥(p; ε) ´e a reuni˜ao dos seg- “MAIN2” 2007/5/23 page 87

[SEC. 3: A VIZINHANC¸A TUBULAR DE UMA SUPERF´ICIE COMPACTA 87 mentos normais a M no ponto p, de comprimento < ε. Logo

m+n B⊥(p; ε) = x R ; x p < ε, x p, v = 0 v T M { ∈ | − | h − i ∀ ∈ p}

B1(p; ε) p ε M

p + vMp

Figura 3.7.

Diz-se que o numero´ real ε > 0 ´e um raio normal admiss´ıvel para um subconjunto X M quando, dados dois segmentos [p, a] ⊂ e [q, b], normais a M, de comprimento < ε, com p = q X, tem-se 6 ∈ [p, a] [q, b] = . ∩ ∅ q p < ε < ε X a b

Figura 3.8.

Em outras palavras, B (p; ε) B (q; ε) = se p = q X e ε ⊥ ∩ ⊥ ∅ 6 ∈ for um raio normal admiss´ıvel para X. Demonstraremos agora o teorema da vizinhan¸ca tubular para superf´ıcies M m Rm+n, compactas, de classe 2. ⊂ ≥ O leitor pode provar, como exerc´ıcio, que em nenhuma vizi- nhan¸ca da origem existe um raio normal admiss´ıvel para a curva “MAIN2” 2007/5/23 page 88

88 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A y = x4/3, de classe C1 no plano R2. Devemos considerar, portanto, superf´ıcies de classe Ck, k 2. ≥ Proposi¸c˜ao 4. Seja M m Rm+n uma superf´ıcie compacta de ⊂ classe Ck, k 2. Ent˜ao: ≥ (1) Existe ε > 0, raio normal admiss´ıvel para M. (p = q em M B (p; ε) B (q; ε) = ). 6 ⇒ ⊥ ∩ ⊥ ∅

(2) A reuni˜ao Vε(M) = B⊥(p; ε) dos segmentos normais a p M ∈ M de comprimento

(3) A aplica¸c˜ao π : V (M) M, que associa a cada ponto q ε → ∈ Vε(M) o p´e do unic´ o segmento normal que o cont´em, ´e de k 1 classe C − .

Vε(M) p ε ε

B⊥(p; ε)

M

Figura 3.9.

Demonstra¸c˜ao: (i) A proposi¸c˜ao vale localmente: todo ponto p M pertence 0 ∈ a um aberto U M para o qual existe raio normal admiss´ıvel ⊂ εU > 0. “MAIN2” 2007/5/23 page 89

[SEC. 3: A VIZINHANC¸A TUBULAR DE UMA SUPERF´ICIE COMPACTA 89

Com efeito, em virtude das observa¸c˜oes que seguem o Corol´ario da Proposi¸c˜ao 1, existe uma parametriza¸c˜ao ϕ: V V , de classe 0 → Ck, de uma vizinhan¸ca p V M e n campos de vetores normais 0 ∈ ⊂ unit´arios, de classe Ck 1, v , . . . , v : V Rm+n, mutuamente or- − 1 n → togonais em cada ponto. (A ortonormalidade justifica-se por 3.1.)

n m+n k 1 Consideremos a aplica¸c˜ao Φ: V0 R R , de classe C − , × n → 1 n dada por Φ(x, α , . . . , α ) = ϕ(x) + αivi(ϕ(x)). Geometrica- i=1 mente, Φ ´e a extens˜ao de ϕ que aplica,Pisom´etrica e linearmente, a variedade linear x Rn sobre a variedade linear ϕ(x) + νM , { } × p para cada x V . ∈ 0

Φ V V 0 0 × M

V Rn 0 ×

Figura 3.10.

Para cada x V , a matriz jacobiana de Φ no ponto (x, 0) tem ∈ 0 por colunas os vetores

∂ϕ (x), 1 i m e v (ϕ(x)), m + 1 j m + n. ∂xi ≤ ≤ j ≤ ≤

Os m primeiros formam uma base para T Mϕ(x) enquanto que os n ultimos´ constituem uma base para νMϕ(x) . Por conseguinte, Φ (x, 0): Rm+n Rm+n ´e um isomorfismo. 0 → “MAIN2” 2007/5/23 page 90

90 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A

Seja ϕ(x0) = p0 . Pelo teorema da fun¸c˜ao inversa, existe uma m n vizinhan¸ca aberta de (x0, 0) em R R , que se aplica difeo- × m+n morficamente sobre uma vizinhan¸ca de p0 em R . Podemos tomar a primeira do tipo U Bn(ε), onde x U V Rm 0 × 0 ∈ 0 ⊂ 0 ⊂ e raio ε > 0. Se escrevemos U = ϕ(U0), Φ transforma difeo- morficamente U Bn(ε) na reuni˜ao V (U) de todos os segmentos 0 × ε normais de origem em U e comprimento < ε (ver Figura 3.10). Dados p = q U, tem-se B (p; ε) B (q; ε) = , pois dois 6 ∈ ⊥ ∩ ⊥ ∅ segmentos normais de comprimentos < ε, com origem em dois pontos distintos ϕ(x), ϕ (x) U, s˜ao imagens de segmentos da 0 ∈ forma x I, x I , com x = x , I e I contidos em raios da × 0 × 0 6 0 0 bola Bn(ε). Logo os segmentos dados Φ(x I) e Φ(x I ) s˜ao × 0 × 0 disjuntos. O retˆangulo comutativo (onde π1 ´e a proje¸c˜ao do produto no primeiro fator)

π - Vε(U) U 6 6

Φ ϕ

π U Bn(ε) 1- U 0 × 0

m+n mostra que Vε(U) ´e aberto em R e que a aplica¸c˜ao π : V (U) U ´e de classe Ck 1. ε → − (ii) A proposi¸c˜ao vale globalmente. Por compacidade, M pode ser recoberta por um numero´ finito U1, . . . , Ur de vizinhan¸cas, cada uma das quais possui raio normal admiss´ıvel ε1, . . . , εr . Seja ε > 0 inferior a todos os εi e tal que 2ε ´e numero´ de Lebesgue da cobertura U1, . . . , Ur . Afirmamos que ε ´e raio normal “MAIN2” 2007/5/23 page 91

[SEC. 3: A VIZINHANC¸A TUBULAR DE UMA SUPERF´ICIE COMPACTA 91 admiss´ıvel para M. Com efeito, dados dois segmentos normais [p, a] e [q, b] de comprimento < ε, ou p e q pertencem ao mesmo U , ou p q 2ε. No primeiro caso, os segmentos dados s˜ao i | − | ≥ disjuntos pois ε < εi . No segundo caso, s˜ao disjuntos porque um triˆangulo n˜ao pode ter dois lados menores que ε e o terceiro 2ε. ≥ q p 2ε < ε < ε ≥ M b a

Figura 3.11.

As demais afirma¸c˜oes da proposi¸c˜ao tˆem car´ater local e por- tanto seguem-se de (i). Com efeito,

Vε(M) = Vε(U) [ m+n ´e um subconjunto aberto do R e π : Vε(M) M ´e de classe k 1 → C − . Diremos que a vizinhan¸ca tubular Vε(M) ´e equivalente ao espa¸co produto M Bn(ε) se existir um difeomorfismo h: M Bn(ε) × × → Vε(M) com as seguintes propriedades:

(i) O triˆangulo

M Bn(ε) h - V (M) × ε

π1 s + π M “MAIN2” 2007/5/23 page 92

92 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A

´e comutativo, isto ´e, π h = π . ◦ 1 1 (ii) Para cada p M, h ´e uma isometria da “fibra” π− (p) = ∈ 1 p Bn(ε) sobre a “fibra” π 1(p) = B (p; ε). × − ⊥ Nestas condi¸c˜oes diremos que h ´e uma equivalˆencia entre estes conjuntos. Exemplo 1 1 A aplica¸c˜ao h: S1 , V (S1), dada por h(z, t) = × − 2 2 → 1/2 1 (1 + t)z ´e uma equivalˆencia entre a vizinhan¸ca tubular V1/2(S ) 1 1 do c´ırculo e o produto de S1 pelo intervalo , . − 2 2 Proposi¸c˜ao 5. Seja M m Rm+n uma sup erf´ıciecompacta de ⊂ classe C∞. As seguintes condi¸c˜oes acerca de M s˜ao equivalentes: 1 1) M = f − (a), onde a ´e valor regular de uma aplica¸c˜ao de classe C , f : U Rn, U Rm+n aberto. ∞ → ⊂

2) Existem em M n campos de vetores normais de classe C∞, linearmente independentes em todos os pontos.

2’) Existem em M n campos de vetores, de classe C∞, trans- versais a M em todos os pontos (isto ´e, em cada p M, os ∈ n campos geram um suplemento para T Mp).

3) Toda vizinhan¸ca tubular de M ´e equivalente a um produto.

1 Demonstra¸c˜ao: 1) 2). Basta tomar v1(p) = grad f (p), ..., n ⇒ vn(p) = grad f (p). 2) 2’) Evidente. ⇒0 2) 2) Basta projetar, em cada ponto, os vetores dois campos ⇒ transversais sobre o espa¸co normal. 2) 3) Podemos supor que os n campos s˜ao unit´arios e dois ⇒ n a dois ortogonais. Seja h: M B (ε) Vε(M) definido por 1 n i × → h(x, α , . . . , α ) = x + Σ α vi(x). “MAIN2” 2007/5/23 page 93

[SEC. 4: A VIZINHANC¸A TUBULAR DE UMA SUPERF´ICIE NAO˜ COMPACTA 93

3) 1) Consideremos o diagrama ⇒

−1 π V (M) h - M Bn(ε) 2 - Bn(ε) ε ×

π s + π1 M

Seja f = π h 1 : V (M) Rn. Ent˜ao 0 Rn ´e valor regular de 2 ◦ − ε → ∈ f C e M = f 1(0). ∈ ∞ − Observa¸c˜ao: O teorema ´e v´alido para superf´ıcies compactas de classe Ck, 2 k < . A demonstra¸c˜ao acima n˜ao se aplica porque ≤ ∞ k 1 a proje¸c˜ao da vizinhan¸ca tubular tem classe C − apenas.

4 A vizinhan¸ca tubular de uma superf´ıcie n˜ao compacta

Nesta se¸c˜ao consideramos superf´ıcies M m Rm+n de classe ⊂ 2, n˜ao necessariamente compactas. ≥ Dada uma fun¸c˜ao cont´ınua ε: M R, estritamente positiva, → escrevemos Vε(M) = B⊥(p; ε(p)), onde B⊥(p; ε(p)) ´e, como p M ∈ antes, a bola aberta normalS a M no ponto p, com raio ε(p). Proposi¸c˜ao 6. Se M m Rm+n ´e de classe 2, existe uma ⊂ ≥ fun¸c˜ao ε: M R, cont´ınua, estritamente positiva, tal que → (1) V (M) ´e aberto em Rm+n, e M V (M). ε ⊂ ε (2) Se p = q em M, ent˜ao B (p; ε(p)) B (q; ε(q)) = . 6 ⊥ ∩ ⊥ ∅ Assim, cada ponto x V (M) pertence a um unico´ segmento ∈ ε normal [p, a), com p M e a p = ε(p). ∈ | − | “MAIN2” 2007/5/23 page 94

94 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A

(3) A proje¸c˜ao π : V (M) M, que associa a cada ponto x ε → ∈ V (M) o p´e do unic´ o segmento normal que o cont´em, ´e de k 1 classe C − .

(4) Para cada ponto p M existe uma vizinhan¸ca U M e ∈ 1 ⊂ um homeomorfismo h da imagem inversa π− (U) sobre o produto U Bn (onde Bn Rn ´e a bola aberta de centro 0 × ⊂ e raio 1) tal que o diagrama

1 h - n π− (U) U B ×

π π1 R © U comuta.

Vε(M) ´e chamada a vizinhan¸ca tubular da superf´ıcie M de raio ε. Para provarmos a Proposi¸c˜ao 6, precisamos de dois lemas: Lema 1. Seja M m Rm+n uma superf´ıcie de classe 2. Mesmo ⊂ ≥ que M n˜ao seja compacta, todo subconjunto compacto K M ⊂ possui um raio normal admiss´ıvel αK > 0. Ou seja, dois seg- mentos normais a M, de comprimento < αK com origem em dois pontos distintos de K, s˜ao sempre disjuntos. Al´em disso, αK pode ser tomado de tal modo que se VαK (K) = B⊥(p; αK ), ent˜ao p K ∈ tem-se V (K) M = K. S αK ∩ Demonstra¸c˜ao: Seja L M uma vizinhan¸ca compacta de K. ⊂ Segue-se da demonstra¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 4 que existe um raio normal admiss´ıvel αL para L. Tomando 1 α = min α , d(K, M L) , K 2 { L − } “MAIN2” 2007/5/23 page 95

[SEC. 4: A VIZINHANC¸A TUBULAR DE UMA SUPERF´ICIE NAO˜ COMPACTA 95 ent˜ao V (K) M = K. De fato, q V (K) M [q M e αK ∩ ∈ αK ∩ ⇒ ∈ d(q, K) α < d(K, M L)] [q M e q / M L] q L. ≤ K − ⇒ ∈ ∈ − ⇒ ∈ Como q V (K), existe p K tal que p q α < α ∈ αK ∈ | − | ≤ K L e [p, q] ´e segmento normal a M no ponto p. Ora, p, q L e ∈ p q < α , logo q = p K. | − | L ∈

VαK (K) K M

Figura 3.12.

Lema 2. Seja M m Rm+n uma superf´ıcie de classe CK (K 2). ⊂ ≥

(1) Existe uma sequ¨ˆencia de conjuntos compactos K1, K2, . . . , contidos em M tais que Ki int Ki+1 e M = Ki . ⊂ i=1 S (2) Existem tamb´em numer´ os reais ε ε > 0 tais que, 1 ≥ 2 ≥ · · · para p K , q K e p = q, tem-se: ∈ i ∈ j 6

(a) B⊥(p; ε ) B⊥(q; ε ) = . i ∩ j ∅

K K2 3 K1

M

Figura 3.13. “MAIN2” 2007/5/23 page 96

96 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A

Demonstra¸c˜ao: A afirma¸c˜ao (1) resulta simplesmente de ser a superf´ıcie M um espa¸co localmente compacto com base enu- mer´avel. Quanto a` afirma¸c˜ao (2), pelo Lema 1 existe, para cada i N, ∈ um numero´ real αi > 0, raio normal admiss´ıvel para Ki , com V (K ) M = K . αi i ∩ i Tomamos, por motivos t´ecnicos, α α . . . 1 ≥ 2 ≥ Pomos ε = α e ε = α . Suponhamos definidos ε ε 1 2 2 3 1 ≥ · · · ≥ s de modo que ε α e a condi¸c˜ao (a) do enunciado seja v´alida i ≤ i+1 para i, j s. Definimos, por indu¸c˜ao, o numero´ ε de tal modo ≤ s+1 que:

s 1 − (*) 0 < ε < min α , ε , d K int K , V (K ) . x+1 s+2 s s+1 − s εi i i=1  [  Ent˜ao a condi¸c˜ao (a) ser´a v´alida para i, j s + 1. ≤ Com efeito, temos trˆes casos a considerar: o 1¯ caso: i, j s. Hip´otese de indu¸c˜ao. ≤ o 2¯ caso: i = s e j = s + 1. Ent˜ao a afirma¸c˜ao ´e trivialmente correta, pois ε α . s ≤ s+1 o 3¯ caso: p K K e q K , i < s. ∈ s+1 − s ∈ i0 0 Consideremos dois segmentos normais a M, [p, a] com com- primento < εs+1 e [q, b] com comprimento < εi0 . Como p s 1 ∈ K int K e [q, b] V (K ) − V (K ), a equa¸c˜ao (*) s+1 s εi0 i0 εi i − ⊂ ⊂ i=1 mostra que εs+1 < d(p, [q, b]). Logo [p, aS] [q, b] = . Isto conclui ∩ ∅ a demonstra¸c˜ao do Lema 2. Demonstra¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 6: Seja, com a nota¸c˜ao do Lema ∞ R 2, V (M) = Vεi (Ki). Introduzamos ε: M , uma fun¸c˜ao i=1 → cont´ınua estritamenS te positiva definida por ε(p) = dist(p, Rm+n − “MAIN2” 2007/5/23 page 97

[SEC. 4: A VIZINHANC¸A TUBULAR DE UMA SUPERF´ICIE NAO˜ COMPACTA 97

V (M)). Como 0 < ε(p) εi para p Ki Ki 1 , segue-se ≤ ∈ − − que V (M) V (M) e, por conseguinte, cada ponto x V (M) ε ⊂ ∈ pertence a um unico´ segmento normal a M.

Vε(M)

M

Figura 3.14.

m+n (1) Provemos que Vε(M) ´e aberto em R . Consideremos uma cobertura de M por vizinhan¸cas parametrizadas U, em cada uma das quais est˜ao definidos n campos de vetores normais unit´arios, m+n k 1 mutuamente ortogonais, v1, . . . , vn : U R , de classe C − . m → Seja ϕ: U0 R U uma parametriza¸c˜ao de U. O conjunto ⊂ → n m m A = (x, y) U0 R ; y < ε(ϕ(x)) ´e aberto em R R . { ∈ 1 × | | } i × Como Φ: A π− (U), definido por Φ(x, y) = ϕ(x)+Σ y vi(ϕ(x)) → 1 m+n ´e um difeomorfismo, resulta que π− (U) ´e aberto em R . Mas 1 Vε(M) = π− (U), quando U percorre a cobertura tomada. Logo V (M) ´e aberto. ε S (2) O diagrama comutativo

1 π - π− (U) U 6 6 Φ ϕ

π1 - A U0 “MAIN2” 2007/5/23 page 98

98 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A mostra que π Ck 1. ∈ − (3) Basta tomar h: U Bn π 1(U) definida por h(p, y) = × → − Φ(ϕ 1(p), ε(p) y). Ent˜ao h ´e um homeomorfismo e π h(p, y) = − · ◦ (ϕπ Φ 1 Φ) (ϕ 1(p), ε(p), y) = p, o que conclui a demonstra¸c˜ao 1 ◦ − ◦ − da Proposi¸c˜ao 6. Aten¸c˜ao: A no¸c˜ao de vizinhan¸ca tubular, dada por este teorema, ser´a generalizada num cap´ıtulo posterior, com o objetivo de obter uma proje¸c˜ao π : V (M) M com a mesma classe de diferencia- ε → bilidade que M. Lembremos que Bn = x Rn; x < 1 . { ∈ | | } Defini¸c˜ao. Dada uma superf´ıcie M m Rm+n de classe 2, di- ⊂ ≥ zemos que uma vizinhan¸ca tubular Vε(M) ´e equivalente ao espa¸co produto M Bn se existir um homeomorfismo h: M Bn V (M) × × → ε tal que o diagrama

n h - M B Vε(M) ×

π1 s + π M seja comutativo. Nestas condi¸c˜oes diremos que h ´e uma equivalˆencia. Proposi¸c˜ao 7. Seja M m Rm+n uma superf´ıcie de classe C . ⊂ ∞ Ent˜ao cada uma das condi¸c˜oes abaixo acarreta a seguinte:

1 (1) M = f − (a), onde a ´e valor regular de uma aplica¸c˜ao de classe C , f : U Rn, U Rm+n aberto. ∞ → ⊂

(2) Existem em M n campos de vetores normais de classe C∞, linearmente independentes em todos os pontos. “MAIN2” 2007/5/23 page 99

[SEC. 4: A VIZINHANC¸A TUBULAR DE UMA SUPERF´ICIE NAO˜ COMPACTA 99

(3)’ Existem em M n campos de vetores, de classe C∞, trans- versais a M em todos os pontos.

(3) Toda vizinhan¸ca tubular de M ´e equivalente a um produto.

Demonstra¸c˜ao: (1) (2). Basta tomar v (p) = grad f i(p), 1 i n. ⇒ i ≤ ≤ (2) (2) . Evidente. ⇒ 0 (2) (3). Podemos supor que os n campos s˜ao unit´arios e dois ⇒ n a dois ortogonais. Seja h: M B Vε(M) o homeomorfismo 1 n × → i definido por h(x, α , . . . , α ) = x + ε(x)Σ α vi(x). Ent˜ao h ´e uma equivalˆencia. Aten¸c˜ao: Provaremos mais adiante neste livro que a fun¸c˜ao ε: M R pode ser tomada de mesma classe que a superf´ıcie → M. Com isto seremos capazes de provar a implica¸c˜ao (3) (1), ⇒ como se segue: Consideremos o diagrama

∞ h C - n π2 - n Vε(M) ∈ M B B ×

π s + π1 M

Seja f = π h 1 : V (M) Bn. Ent˜ao 0 Rn ´e valor regular de 2 ◦ − ε → ∈ f C e M = f 1(0). ∈ ∞ −

Aplica¸c˜oes 1) Na Se¸c˜ao 3 vimos que a faixa de Moebius n˜ao pode ser definida implicitamente. Isto tamb´em decorre da Proposi¸c˜ao 7, pois n˜ao existe homeomorfismo h: M ( 1, 1) V (M), onde V (M) ´e × − → ε ε “MAIN2” 2007/5/23 page 100

100 [CAP. III: VETORES NORMAIS, ORIENTABILIDADE E VIZINHANC¸A qualquer vizinhan¸ca tubular da faixa de Moebius. Com efeito, V (M) M ´e conexo (verifique!) enquanto que h 1(V (M) M) = ε − − ε − M ( 1, 1) M 0 n˜ao ´e conexo. × − − × { } 2) Admitindo o enunciado mais forte da Proposi¸c˜ao 7, a ser de- monstrado posteriormente, podemos provar que todo grupo de Lie de matrizes pode ser definido como imagem inversa de um va- 2 lor regular. Sejam Gm Rn , um grupo de Lie de matrizes ⊂ de codimens˜ao k = n2 m e X G um elemento diferente − ∈ de I. Consideremos a aplica¸c˜ao ϕ : GL(Rn) GL(Rn) dada X → por ϕX (Y ) = XY . ϕX ´e um difeomorfismo de classe C∞, cujo inverso ´e ϕX−1 . Al´em disso ϕX (G) = G. O isomorfismo 2 2 ϕ (I): Rn Rn , dado por Y XY , leva (T G) em (T G) . X0 → 7→ I X Escolhamos A1, . . . , Ak , base de um suplemento de (T G)I em n2 { } R . Ent˜ao XA1, . . . , XAk ´e base de um suplemento de (T G)X . Em suma, os k = n2 m campos v (X) = X A s˜ao transversais − i · i a G em todos os seus pontos.

A1 Ak

I XAk XA1 T GI

T G X X G

Figura 3.15. Observa¸c˜ao: A solu¸c˜ao acima obtida para o problema de carac- terizar as superf´ıcies que podem ser definidas “implicitamente” ´e “MAIN2” 2007/5/23 page 101

[SEC. 4: A VIZINHANC¸A TUBULAR DE UMA SUPERF´ICIE NAO˜ COMPACTA 101 devida a H. Whitney (Annals of Math. 37 (1936) pg. 865). Ela representa tudo o que se pode dizer sem usar os m´etodos da to- pologia alg´ebrica. Fica faltando saber em que condi¸c˜oes sobre M uma vizinhan¸ca tubular Vε(M) ´e equivalente a um produto. Como vimos, M deve ser orient´avel. Mas tal condi¸c˜ao est´a muito longe de ser suficiente. Para abordar este problema de maneira eficiente ´e indispens´avel considerar as classes caracter´ısticas da superf´ıcie M. A literatura sobre este assunto ´e vasta. Veja-se, por exemplo, N. Steenrod – “The Topology of Fibre Bundles-- (Princeton Univ. Press, 1951). No caso presente, o problema deve ser enunciado do seguinte modo: “Em que condi¸c˜oes um espa¸co topol´ogico X ´e homeomorfo a uma superf´ıcie M m Rn que possui uma vizinhan¸ca tubular equi- ⊂ valente a um produto?” Tais espa¸cos topol´ogicos foram estudados por J.H.C. Whitehead, que os chamou de π-variedades (Annals of Math. 41 (1940) pg. 825). Ver tamb´em as notas de J. Milnor “Differential Topology. “MAIN2” 2007/5/23 page 102

Cap´ıtulo IV

Variedades Diferenci´aveis

A no¸c˜ao de superf´ıcie M m Rn, desenvolvida nos cap´ıtulos ⊂ anteriores, ainda que adequada para muitos prop´ositos, possui contudo dois inconvenientes. O primeiro ´e de car´ater est´etico: n˜ao se pode pensar na superf´ıcie em si mesma, sem fazer referˆencia ao espa¸co euclidiano que a cont´em. O segundo inconveniente ´e de ordem pr´atica: existem na natureza objetos importantes, seme- lhantes a superf´ıcies, que n˜ao se apresentam contidos num espa¸co euclidiano. Tais s˜ao, por exemplo, os espa¸cos projetivos (como o P 2, introduzido no Cap´ıtulo III e artificiosamente imerso em R4) e, mais geralmente, as variedades Grassmanianas. A grosso modo, uma variedade diferenci´avel ´e como uma su- perf´ıcie, s´o que n˜ao precisa estar contida em um espa¸co euclidiano.

1 Sistemas de coordenadas locais

Seja M um espa¸co topol´ogico. Um sistema de coordenadas locais ou carta local em M ´e um homeomorfismo x: U x(U) de → um subconjunto aberto U M sobre um aberto x(U) Rm. ⊂ ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 103

[SEC. 1: SISTEMAS DE COORDENADAS LOCAIS 103

Dizemos que m ´e a dimens˜ao de x: U x(U). → Para cada p U tem-se x(p) = (x1(p), . . . , xm(p)). Os numeros´ ∈ xi = xi(p), i = 1, . . . , m s˜ao chamados as coordenadas do ponto p M no sistema x. ∈

Exemplos:

1) Coordenadas cartesianas

Sejam M = Rm, U Rm um aberto e x: U Rm a aplica¸c˜ao ⊂ → de inclus˜ao, x(p) = p. As coordenadas introduzidas em U pelo sistema x s˜ao denominadas “coordenadas cartesianas”.

2) Coordenadas polares

Sejam M = R2, α um numero´ real arbitr´ario e U R2 o α ⊂ complementar da semi-reta r = (t cos α, t sen α).t 0 . { ≥ } Construimos um sistema de coordenadas locais x: U R2 α → como se segue: Consideramos a faixa V = (ρ, θ) R2; ρ > α { ∈ 0, α < θ < α + 2π e definimos ϕ: V U por ϕ(ρ, θ) = ρ eiθ = } α → α (ρ cos θ, ρ sen θ). E´ claro que ϕ ´e uma bije¸c˜ao cont´ınua (a rigor, C∞). Aplicando o teorema da fun¸c˜ao inversa vˆe-se que ϕ ´e um difeomorfismo; seja x: U V R2 o difeomorfismo inverso α → α ⊂ de ϕ.

As coordenadas introduzidas em Uα chamam-se “coordenadas polares”. “MAIN2” 2007/5/23 page 104

104 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´

r ϕ α + 2π x α Vα

0

2 Uα = R r −

Figura 4.1.

3) Parametriza¸c˜oes de superf´ıcies Seja ϕ: U U uma parametriza¸c˜ao do subconjunto aberto 0 → U, contido na superf´ıcie M m Rn. O homeomorfismo inverso ⊂ x = ϕ 1 : U U Rm ´e um sistema de coordenadas locais − → 0 ⊂ em M.

U M

x ϕ

Rm

U0

Figura 4.2.

Um atlas de dimens˜ao m sobre um espa¸co topol´ogico M ´e uma cole¸c˜ao A de sistemas de coordenadas locais x: U Rm em → “MAIN2” 2007/5/23 page 105

[SEC. 2: MUDANC¸A DE COORDENADAS 105

M, cujos dom´ınios U cobrem M. Os dom´ınios U dos sistemas de coordenadas x A s˜ao chamados as vizinhan¸cas coordenadas ∈ de A. Por exemplo, os sistemas de coordenadas que s˜ao os inversos das parametriza¸c˜oes em uma superf´ıcie M m Rn formam um ⊂ atlas de dimens˜ao m sobre M. Um espa¸co topol´ogico M no qual existe um atlas de dimens˜ao m chama-se uma variedade topol´ogica de dimens˜ao m. Em outras palavras, M ´e uma variedade topol´ogica de dimens˜ao m se, e so- mente se, cada ponto de M tem uma vizinhan¸ca homeomorfa a um aberto do Rm. Exemplos: 1) Seja X um conjunto qualquer. Consideremos em X a topologia discreta. A fam´ılia de fun¸c˜oes ϕ : x 0 R0, onde x X, x { } → { } ∈ ∈ ´e um atlas de dimens˜ao 0 em X. 2) Toda superf´ıcie M m Rn ´e uma variedade topol´ogica de di- ⊂ mens˜ao m. Observa¸c˜ao: Sejam M um espa¸co topol´ogico e A uma cole¸c˜ao de cartas x: U x(U) Rm(x), cujos dom´ınios U formam uma → ⊂ cobertura aberta de M. E´ poss´ıvel provar que a dimens˜ao m das cartas locais ´e constante em cada componente conexa de M (teorema da invariˆancia da dimens˜ao). Na defini¸c˜ao que demos a constˆancia de m ´e postulada. Em todos os casos que considerare- mos a seguir, (variedades diferenci´aveis) o fato de m ser constante decorre imediatamente do teorema da fun¸c˜ao inversa.

2 Mudan¸ca de coordenadas

Dados os sistemas de coordenadas locais x: U Rm e y : V → → Rm no espa¸co topol´ogico M, tais que U V = , cada ponto ∩ 6 ∅ “MAIN2” 2007/5/23 page 106

106 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´ p U V tem coordenadas xi = xi(p) no sistema x e coordenadas ∈ ∩ yi = yi(p) relativamente ao sistema y. A correspondˆencia

(x1(p), . . . , xm(p)) (y1(p), . . . , ym(p)) ←→ estabelece um homeomorfismo ϕ = y x 1 : x(U V ) y(U V ) xy ◦ − ∩ → ∩ que ´e chamado mudan¸ca de coordenadas. M

U V

x y

y x−1 ◦

Rm

Figura 4.3.

Se z : W Rm ´e outro sistema de coordenadas locais tal que → U V W = ent˜ao ∩ ∩ 6 ∅ ϕ = ϕ ϕ : x(U V W ) z(U V W ). xz yz ◦ xy ∩ ∩ → ∩ ∩ 1 Tem-se ϕxx = idx(U) e ϕxy = (ϕyx)− .

3 Variedades Diferenci´aveis

Um atlas A sobre um espa¸co topol´ogico M diz-se diferenci´avel, de classe Ck (k 1), se todas as mudan¸cas de coordenadas ≥ ϕ , x, y A s˜ao aplica¸c˜oes de classe Ck. Escreve-se ent˜ao xy ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 107

[SEC. 3: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´ 107

A Ck. Como ϕ = (ϕ ) 1, segue-se que os ϕ s˜ao, de ∈ yx xy − xy fato, difeomorfismos de classe Ck. Em particular, se escrevemos ϕ : (x1, . . . , xm) (y1, . . . , ym), ent˜ao o determinante jacobiano xy 7→ ∂yi det ´e n˜ao-nulo em todo ponto de x(U V ). ∂xj ∩ Seja A um atlas de dimens˜ao m e classe Ck num espa¸co to- pol´ogico M. Um sistema de coordenadas z : W Rn em M diz-se → admiss´ıvel relativamente ao atlas A se, para todo sistema de coor- denadas locais x: U Rm, pertencente a A, com U W = , as → k∩ 6 ∅ mudan¸cas de coordenadas ϕxz e ϕzx s˜ao de classe C . Em outras palavras, se A z ´e ainda um atlas de classe Ck em M. ∪ { } Exemplos: 1) Se A ´e um atlas de classe Ck em M e x: U Rm pertence a A → ent˜ao, para cada subconjunto aberto V U, a restri¸c˜ao y = x V ´e ⊂ | admiss´ıvel em rela¸c˜ao a A. Se ξ : x(U) Rm ´e um difeomorfismo → de classe Ck, ent˜ao ξ x: U Rm ´e admiss´ıvel relativamente a A. ◦ → 2) Seja A o atlas de classe C∞ em R que consiste de uma unica´ carta local x = id: R R. Seja z : R R o sistema de coorde- → → nadas dado por z(t) = t3. Ent˜ao z n˜ao ´e admiss´ıvel em rela¸c˜ao a 3 1/3 A pois, embora ϕxz(t) = t seja de classe C∞, ϕzx(t) = t n˜ao ´e diferenci´avel em t = 0. Um atlas A, de dimens˜ao m e classe Ck, sobre M, diz-se m´aximo quando cont´em todos os sistemas de coordenadas locais que s˜ao admiss´ıveis em rela¸c˜ao a A. Todo atlas de classe C k em M pode ser ampliado, de modo unico,´ at´e se tornar um atlas m´aximo de classe Ck: basta acrescentar-lhe todos os sistemas de coorde- nadas admiss´ıveis. Defini¸c˜ao. Uma variedade diferenci´avel, de dimens˜ao m e classe Ck ´e um par ordenado (M, A) onde M ´e um espa¸co topol´ogico de Hausdorff, com base enumer´avel e A ´e um atlas m´aximo de “MAIN2” 2007/5/23 page 108

108 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´ dimens˜ao m e classe Ck sobre M. A exigˆencia de que o atlas seja m´aximo n˜ao ´e essencial mas ´e conveniente. Em alguns contextos admitem-se variedades n˜ao- Hausdorff ou sem base enumer´avel. Na realidade, por´em, os teo- remas mais importantes exigem estas hip´oteses. E´ o caso dos teoremas de imers˜ao de Whitney, que veremos no Cap´ıtulo X. Em termos mais expl´ıcitos, para provar que (M, A) ´e uma va- riedade diferenci´avel de dimens˜ao m e classe Ck devemos verificar que i) M ´e um espa¸co topol´ogico de Hausdorff com base enumer´avel.

ii) A ´e uma cole¸c˜ao de homeomorfismos x: U Rm, de conjun- → tos abertos U M sobre abertos x(U) Rm. ⊂ ⊂ iii) Os dom´ınios U dos homeomorfismos x A cobrem M. ∈ iv) Dados x: U Rm e y : V Rm pertencentes a A com → → U V = , ent˜ao ϕ : x(U V ) y(U V ) ´e um homeo- ∩ 6 ∅ xy ∩ → ∩ morfismo de classe Ck.

v) Dado um homeomorfismo z : W Rm de um aberto W → ⊂ M sobre um aberto z(W ) Rm, tal que ϕ e ϕ s˜ao de ⊂ zx xz classe Ck para cada x A, ent˜ao z A. ∈ ∈ Para todo r k, uma variedade de classe Ck pode ser olhada ≤ como variedade de classe Cr, pois qualquer atlas de classe Ck est´a contido num unico´ atlas m´aximo de classe Cr.

4 Exemplos de variedades

1) Os Espa¸cos Euclidianos Consideremos em Rm o atlas A contendo o unico´ sistema de coordenadas x = id: Rm Rm. E´ claro que A ´e um atlas de classe → “MAIN2” 2007/5/23 page 109

[SEC. 4: EXEMPLOS DE VARIEDADES 109

m C∞ e dimens˜ao m em R . Para cada k = 0, 1, . . . , seja Ak o k m ∞ m atlas m´aximo de classe C em R que cont´em A. O par (R , Ak) ´e uma variedade de dimens˜ao m e classe Ck. Considerar o espa¸co Rm como variedade Ck significa admitir, em cada aberto U Rm, n˜ao ⊂ somente as coordenadas cartesianas dos seus pontos como tamb´em qualquer sistema de coordenadas “curvil´ıneas” y : U Rm, dado → por um difeomorfismo de classe Ck de U sobre o conjunto y(U) ⊂ Rm, que ´e necessariamente aberto. E´ claro que A A 0 ⊃ 1 ⊃ · · · ⊃ A . Quanto mais diferenci´avel quer-se o atlas, menos cartas locais ∞ s˜ao admiss´ıveis.

Seja B o atlas de classe C∞ em R que consta do unico´ sistema de coordenadas t R t3 R. O par (R, B) ´e uma variedade ∈ 7→ ∈ diferenci´avel de classe C∞. Notemos que (R, B) = (R, A ). 6 ∞

2) Subvariedades abertas Um subconjunto aberto W de uma variedade Ck tem uma es- trutura natural de variedade de classe Ck, dada pelo atlas m´aximo em W , formado por todos os sistemas de coordenadas admiss´ıveis x: U Rm em M, cujos dom´ınios U est˜ao contidos em W . → 3) Superf´ıcies em Rn Toda superf´ıcie de dimens˜ao m e classe Ck, M m Rn, ´e uma ⊂ variedade diferenci´avel de dimens˜ao m e classe Ck, com o atlas A formado pelos sistemas de coordenadas x: U Rm, inversos → das parametriza¸c˜oes ϕ: U Rm U M, de classe Ck. A 0 ⊂ → ⊂ Proposi¸c˜ao 1 do Cap´ıtulo II mostra que A ´e um atlas de classe Ck. Na realidade, A ´e um atlas m´aximo de classe Ck. De fato, seja z : W z(W ) Rm um sistema de coordenadas, admiss´ıvel → ⊂ em rela¸c˜ao a A. Ent˜ao ψ = z 1 : z(W ) Rm W M ´e um − ⊂ → ⊂ homeomorfismo. Para cada p W existe uma parametriza¸c˜ao ∈ ϕ: U U, p U M, de classe Ck. Como z ´e admiss´ıvel, 0 → ∈ ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 110

110 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´

ϕ 1 ψ : z(U V ) ϕ 1(U W ) ´e um difeomorfismo de classe Ck. − ◦ ∩ → − ∩ Portanto, ϕ (ϕ 1 ψ): z(U W ) U W ´e uma parametriza¸c˜ao ◦ − ◦ ∩ → ∩ de classe Ck de uma vizinhan¸ca de p. Como p W ´e arbitr´ario, ∈ segue-se que ψ = z 1 : z(W ) W ´e uma parametriza¸c˜ao de classe − → Ck, i.e., z A. Ent˜ao A ´e m´aximo. ∈ 4) Produto de variedades Sejam (M m, A) e (N n, B) variedades de classe Ck. Vamos introduzir no espa¸co topol´ogico produto M N uma estrutura × de variedade de dimens˜ao m + n e classe Ck, por meio do atlas A B formado pelso sistemas de coordenadas x y : U V × × × → Rm+n, dados por (x y)(p, q) = (x(p), y(q)), x A, y B. × ∈ ∈ Como (x y ) (x y) 1 = (x x 1) (y y 1), segue-se que 1 × 1 ◦ × − 1 ◦ − × 1 ◦ − A B ´e um atlas de classe Ck. Este atlas est´a contido num unico´ × atlas maximal de classe Ck, que define em M N a estrutura de × variedade produto.

5) O espa¸co projetivo real de dimens˜ao n Na geometria projetiva cl´assica, para simplificar o enunciado de v´arios teoremas, era costume acrescentar ao Rn um hiperplano ideal no infinito, como se segue: (1) Se d´a a cada reta λ no Rn um unico´ “ponto no infinito” pλ . (2) A igualdade pλ = pµ ocorre se, e somente se, as retas λ e µ s˜ao paralelas. (3) O hiperplano H cont´em os pontos “ideais” p e somente estes. A reuni˜ao Rn H λ ∪ chamava-se o espa¸co projetivo de dimens˜ao n. Desejando aplicar m´etodos anal´ıticos a` geometria projetiva, considerava-se o espa¸co euclidiano Rn imerso em Rn+1, definido pela condi¸c˜ao xn+1 = 1. Aparecia assim uma bije¸c˜ao natural do espa¸co projetivo de dimens˜ao n sobre o conjunto de todas as retas do Rn+1 passando pela origem. Realmente, a cada ponto ordin´ario p Rn corresponde a reta que liga este ponto a` origem; e ∈ a cada ponto “ideal” pλ corresponde a reta, contida no hiperplano “MAIN2” 2007/5/23 page 111

[SEC. 4: EXEMPLOS DE VARIEDADES 111 xn+1 = 0, passando pela origem e paralela a λ. Por conseguinte, o espa¸co projetivo podia ser imaginado como o conjunto de todas as retas que passam pela origem em Rn+1. Como cada reta do Rn+1 intersecta a esfera unit´aria Sn em exatamente dois pontos ant´ıpodas, somos conduzidos a` seguinte defini¸c˜ao formal: O espa¸co projetivo real de dimens˜ao n ´e o espa¸co quociente da esfera unit´aria Sn pela rela¸c˜ao de equivalˆencia p q p = q, ∼ ⇔  p, q Sn. ∀ ∈ Os pontos de P n s˜ao portanto os conjuntos

[p] = p, p , p Sn. { − } ∈ Seja π : Sn P n a aplica¸c˜ao canˆonica π(p) = [p]. Damos → a P n a topologia quociente, isto ´e, a topologia co-induzida pela aplica¸c˜ao canˆonica. Em outras palavras, declaramos que o sub- conjunto A P n ´e aberto quando π 1(A) ´e aberto em Sn. Ent˜ao ⊂ − π : Sn P n ´e cont´ınua. Al´em disso, dado um espa¸co topol´ogico → X, uma aplica¸c˜ao f : P n X ´e cont´ınua se, e somente se, f → ◦ π : Sn X ´e cont´ınua. → Se U Sn ´e aberto ent˜ao π 1(π(U)) = U ( U) ´e aberto ⊂ − ∪ − em Sn, logo π(U) P n ´e aberto. Portanto π : Sn P n ´e uma ⊂ → aplica¸c˜ao aberta. Mostremos que P n pode ser munido da estrutura de variedade diferenci´avel de dimens˜ao n e classe C∞: (1) Como Sn tem base enumer´avel e π : Sn P n ´e uma → aplica¸c˜ao cont´ınua e aberta, segue-se que P n tem base enumer´avel (cf. Elon L. Lima, Elementos de Topologia Geral, pag. 337). Se p = q Sn n˜ao s˜ao ant´ıpodas, existem vizinhan¸cas p V e q W 6 ∈ ∈ ∈ em Sn tais que V W = e V ( W ) = . Isto significa que π(V ) ∩ ∅ ∩ − ∅ e π(W ) s˜ao vizinhan¸cas disjuntas de π(p) e π(q), respectivamente. Logo P n ´e de Hausdorff. Sendo ainda Sn compacta e π cont´ınua, vˆe-se que o espa¸co projetivo P n = π(Sn) ´e compacto. “MAIN2” 2007/5/23 page 112

112 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´

n (2) P possui um atlas [A], de classe C∞ e dimens˜ao n. n Seja A o atlas C∞ em S que consiste nos sistemas de coordenadas locais

n x = (ϕ) : U  B (0, 1) R i i i −→ n ⊂ 1 i n+1 1 i 1 i+1 n+1 (x , . . . , x , . . . , x ) (x , . . . , x − , x , . . . , x )

(ver Se¸c˜ao 2). Para cada i = 1, . . . , n + 1, a aplica¸c˜ao canˆonica π : Sn P n → leva os hemisf´erios Ui homeomorficamente sobre o mesmo sub- conjunto aberto W P n. Definimos um sistema de coordenadas i ⊂ locais w : W Rn por w = x+ (π U +) 1, i = 1, . . . , n + 1. i i → i i ◦ | i − A cole¸c˜ao A = w1, . . . , wn+1 ´e um atlas de dimens˜ao n em n { } P . Para provar que A C∞, observemos o seguinte. Dado ∈ n p Wi Wj , temos p = π(x), para um unico´ x S tal ∈ i ∩ 1 i 1 i+1 ∈n+1 que x > 0. Ent˜ao wi(p) = (x , . . . , x − , x , . . . , x ). Se j + 1 j 1 j+1 x > 0, ent˜ao x Uj e portanto wj(p) = (x , . . . , x − , x n+1 ∈ j + , . . . , x ). Se, por´em, for x < 0, ent˜ao x Uj e por- 1 j 1 j+1 n−+1 ∈ tanto wj(p) = ( x , . . . , x − , x , . . . , x ). Segue-se que − 1 − − − o dom´ınio wj wi− ´e a reuni˜ao de dois abertos disjuntos, num dos 1◦ + + 1 1 + + 1 quais wj wi− = xj (xi )− e, no outro, wj wi− = xj α (xi )− , ◦ ◦ 1 ◦ ◦ ◦ onde α(x) = x. Vˆe-se que w w− C . − j ◦ i ∈ ∞ Para cada k = 0, 1, . . . , , indiquemos por [A]k o unico´ atlas k ∞ n m´aximo de classe C que cont´em A. O par (P , [A]k) ´e o espa¸co projetivo real de dimens˜ao n visto como variedade de classe C k. “MAIN2” 2007/5/23 page 113

[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLEC¸AO˜ DE INJEC¸OES˜ 113

5 Variedades definidas por uma cole¸c˜ao de inje¸c˜oes

Seja X um conjunto. Se X possui estrutura de variedade dife- renci´avel, ent˜ao sua topologia fica perfeitamente determinada pelo atlas. De modo preciso:

Lema 1. Sejam X um conjunto (sem estrutura topol´ogica) e A uma cole¸c˜ao de inje¸c˜oes x: U X Rn satisfazendo as seguintes ⊂ → condi¸c˜oes:

(1) Para cada x A, x: U Rn, x(U) ´e aberto em Rn. ∈ →

(2) Os dom´ınios U das aplica¸c˜oes x A cobrem X. ∈

(3) Se x: U Rn e y : V Rn pertencem a A e U V = , → → ∩ 6 ∅ ent˜ao x(U V ) e y(U V ) s˜ao abertos em Rn e a aplica¸c˜ao ∩ ∩ y x 1 : x(U V ) y(U V ) ´e de classe Ck. (Segue-se que ◦ − ∩ → ∩ y x 1 = (x y 1) 1 ´e um difeomorfismo de classe Ck). ◦ − ◦ − − Nestas condi¸c˜oes, existe uma e somente uma topologia em X relativamente a` qual A ´e um atlas de classe Ck em X.

Demonstra¸c˜ao: Unicidade. Seja τ uma topologia em X tal que A ´e um atlas de classe Ck sobre (X, τ). Ent˜ao os dom´ınios U dos homeomorfismos x: U x(U) Rn s˜ao elementos de τ e cobrem → ⊂ X. Se A X ´e aberto ent˜ao A U τ logo x(A U) ´e aberto em ⊂ ∩ ∈ ∩ Rn. Por outro lado, se A X ´e tal que x(A V ) ´e aberto em Rn ⊂ 1 ∩ para todo x A, ent˜ao A = x− (x(A V )) ´e aberto em X. ∈ x A ∩ Conclus˜ao: A τ x(A U)S∈´e aberto em Rn para cada x A. ∈ ⇔ ∩ ∈ Isto mostra a unicidade de τ e nos d´a uma pista para demonstrar a “MAIN2” 2007/5/23 page 114

114 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´

Existˆencia. Declaramos um subconjunto A X aberto se, e ⊂ somente se, x(A U) Rn ´e aberto para todo x: U Rn em ∩ ⊂ → A. Deixamos como exerc´ıcio para o leitor verificar, usando as condi¸c˜oes (1), (2) e (3), que isto define realmente uma topologia em X, segundo a qual cada conjunto U X ´e aberto e cada ⊂ x: U x(U) Rn ´e um homeomorfismo. → ⊂ A topologia de uma variedade M pode ser visualizada assim: se um ponto vari´avel p M tende para um ponto p M, e se ∈ 0 ∈ x: U Rn ´e um sistema de coordenadas locais em p , mais cedo → 0 ou mais tarde o ponto p estar´a em U e x(p) tender´a para x(p0) no Rn. Devemos adicionar mais hip´oteses ao Lema 1 se desejamos que a topologia de X tenha base enumer´avel. Lema 2. A topologia X, definida pelo “atlas” A satisfazendo (1), (2) e (3) tem base enumer´avel se, e somente se

(4) A cobertura de X por meio dos dom´ınios U das aplica¸c˜oes x A admite subcobertura enumer´avel. ∈ Demonstra¸c˜ao: ( ) Se (4) se verifica ent˜ao X ´e uni˜ao enu- ⇒ mer´avel de abertos U, cada um dos quais tem base enumer´avel sendo homeomorfo a um aberto do Rn. Logo X tem base enu- mer´avel. ( ) Resulta do conhecido Teorema de Lindel¨of: Num espa¸co ⇐ topol´ogico com base enumer´avel, toda cobertura aberta admite uma subcobertura enumer´avel. Observa¸c˜ao: A topologia de X, obtida de acordo com o Lema 1, ´e localmente de Hausdorff. Quer dizer, se p = q s˜ao pontos de X 6 pertencentes ao mesmo dom´ınio U de uma aplica¸c˜ao x A, ent˜ao ∈ p e q possuem vizinhan¸cas disjuntas pois U ´e aberto em X e ´e homeomorfo ao espa¸co de Hausdorff x(U) Rn. ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 115

[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLEC¸AO˜ DE INJEC¸OES˜ 115

Em cada caso concreto, a aplica¸c˜ao dos Lemas 1 e 2 com o prop´osito de definir uma estrutura de variedade diferenci´avel deve ser seguida de investiga¸c˜ao sobre a Hausorffcidade da topologia de X. Esta investiga¸c˜ao poder´a ser abreviada usando o

Lema 3. A topologia de X, definida por um “atlas” A satisfa- zendo (1), (2) e (3) ´e de Hausdorff se, e somente se, cumpre:

(5) Para qualquer par de sistemas de coordenadas x: U Rm, → y : V Rm com U V = , n˜ao existe sequ¨ˆencia de pontos → ∩ 6 ∅ z x(U V ) tal que z z x(U V ) e (y x 1)(z ) i ∈ ∩ i → ∈ − ◦ − i → z y(V U). 0 ∈ −

Demonstra¸c˜ao: ( ) Se a topologia de X n˜ao ´e de Hausdorff ⇒ ent˜ao existem pontos p = q X com a propriedade: toda vizin- 6 ∈ han¸ca de p e toda vizinhan¸ca de q tˆem interse¸c˜ao n˜ao vazia. Consideremos sistemas de coordenadas x: U x(U) Rm em → ⊂ p e y : V y(V ) em q. Ent˜ao U V = . Como a topologia → ∩ 6 ∅ de X ´e localmente de Hausdorff, necessariamente p / V e q / U. ∈ ∈ Sejam U U . . . um sistema fundamental enumer´avel de 1 ⊇ 2 ⊇ vizinhan¸cas de p e V V . . . um sistema fundamental de 1 ⊇ 2 ⊇ vizinhan¸cas de q. Escolhamos, para cada i, p V U . Ent˜ao i ∈ i ∩ i x(p ) = z x(p) x(U V ) e y x 1(z ) = y(p ) y(q) i i → ∈ − ◦ − i i → ∈ y(V U). − ( ) Se existem sistemas de coordenadas x: U Rm e y : V ⇐ → → Rm, com U V = e sequ¨ˆencia de pontos z x(U V ) tais ∩ 6 ∅ i ∈ ∩ que z z x(U V ) e (y x 1)(z ) z y(V U) ent˜ao i → ∈ − ◦ − i → 0 ∈ − x 1(z ) p = x 1(z) U V e y 1(y x 1(z )) = x 1(z ) − i → − ∈ − − ◦ − i − i → q = y 1(z ) V U. Como p = q a sequ¨ˆencia x 1(z ) tem dois − 0 ∈ − 6 − i “limites”. Logo X n˜ao ´e de Hausdorff. “MAIN2” 2007/5/23 page 116

116 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´

U V

q p

y

x

x(U) y x−1 y(V ) ◦ y(V − U)

x(U − V ) z0 z zi

Figura 4.4.

Exemplos:

1) Variedades n˜ao-Hausdorff A topologia de X dada pelo Lema 1 ´e, como vimos, localmente de Hausdorff. Nem sempre, por´em, o atlas A define uma topologia de Haus- dorff em X. Vejamos um exemplo. Seja X = A B C, onde A = (s, 1) ∪ ∪ { ∈ R2; s 0 , B = (s, 1) R2; s 0 e C = (s, 0) R2; s > 0 . ≤ } { − ∈ ≤ } { ∈ } A a C

B b

Figura 4.5. “MAIN2” 2007/5/23 page 117

[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLEC¸AO˜ DE INJEC¸OES˜ 117

Consideremos o atlas A = x, y sobre X, onde x: A C R { } ∪ → ´e dada por x(s, t) = s e y : B C R ´e definida por y(s, t) = s. ∪ → As condi¸c˜oes (1), (2) e (3) do Lema 1 s˜ao claramente satisfeitas (com k = ), mas a topologia de X definida pelo atlas A n˜ao ´e ∞ de Hausdorff: duas quaisquer vizinhan¸cas dos pontos a = (0, 1) e b = (0, 1) em X tˆem pontos em comum. − Este exemplo n˜ao ´e t˜ao artificial quanto possa parecer. X ´e homeomorfo ao espa¸co quociente R2/E do plano R2 pela rela¸c˜ao de equivalˆencia E cujas classes s˜ao as retas verticais x = constante, x 1, e os gr´aficos das fun¸c˜oes g (x) = (1 x2) 1 + a, x < 1, | | ≥ a − − | | a R arbitr´ario. ∈

f

A a C

B b

Figura 4.6. “MAIN2” 2007/5/23 page 118

118 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´

Com efeito: Seja f : R2 X definida por →

(1 x, 1) A, se x 1 − ∈ ≥ f(x, y) = (x + 1, 1) B, se x 1  − ∈ ≤ − (ea, 0) C, se (x, y) Graf(g ) ∈ ∈ a   E´ f´acil ver que E ´e a rela¸c˜ao de equivalˆencia em R2 definida por ϕ.

Consideremos a aplica¸c˜ao canˆonica ϕ: R2 R2/E e a bije¸c˜ao → f¯: R2/E X definida por f¯(ϕ(x, y)) = f(x, y). →

f R2 - X  ϕ ? f R2/E

Como f ´e cont´ınua e aberta, segue-se que a topologia de X ´e a co-induzida por f. Resulta da´ı que f¯: R2/E X ´e um → homeomorfismo.

A seguir, apresentaremos outro exemplo de “variedade” de dimens˜ao 1 que n˜ao ´e de Hausdorff.

Seja X = A A A A a , a , a , a , onde A = 1 ∪ 2 ∪ 3 ∪ 4 ∪ { 12 23 34 14} 1 (x, x) R2; x > 0 , A = ( x, x) R2; x > 0 , A = A , { ∈ } 2 { − ∈ } 3 − 1 A = A , a = (0, 1), a = ( 1, 0), a = (0, 1) e a = (1, 0). 4 − 2 12 23 − 34 − 14 “MAIN2” 2007/5/23 page 119

[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLEC¸AO˜ DE INJEC¸OES˜ 119

A2

A1 a12

a23 a14

a34

A3 A4

Figura 4.7.

Consideremos o atlas A = x , x , x , x sobre X definido { 12 23 34 14} por

x : A a A R 12 1 ∪ 12 ∪ 2 → (x, y) x 7→ x : A a A R 23 2 ∪ 23 ∪ 3 → (x, y) y 7→ x : A a A R 34 3 ∪ 34 ∪ 4 → (x, y) x 7→ x : A a A R 14 1 ∪ 14 ∪ 4 → (x, y) y 7→

As condi¸c˜oes (1), (2) e (3) do Lema 1 s˜ao claramente satisfeitas (com k = ) mas a topologia de X definida pelo atlas A n˜ao ´e ∞ de Hausdorff: duas quaisquer vizinhan¸cas dos pontos a12 e a23 tˆem em comum pontos de A2 . Apesar de parecer o contr´ario, este “MAIN2” 2007/5/23 page 120

120 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´ exemplo ´e ainda menos artificial do que o anterior, pois o espa¸co topol´ogico X que acabamos de definir ´e o quociente de R2 0 − { } pela rela¸c˜ao de equivalˆencia cujas classes s˜ao as orbitas´ do sistema de equa¸c˜oes diferenciais x˙ = x, y˙ = y. Como se sabe, a orbita´ − deste sistema que passa pelo ponto (x, y) R2 0 ´e a curva ∈ − { } parametrizada t (x et, y e t). Com exce¸c˜ao dos pontos (x, 0) e 7→ · · − (0, y), localizado sobre os eixos, tais curvas s˜ao ramos de hip´erbole:

Figura 4.8.

2) Espa¸cos Projetivos (bis)

Encaremos o espa¸co projetivo P n como o conjunto de todas as retas H Rn+1 que passam pela origem. ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 121

[SEC. 5: VARIEDADES DEFINIDAS POR UMA COLEC¸AO˜ DE INJEC¸OES˜ 121

x3 H U ∈ 3

1

(y1, y2, 1)

R2 ⊂ R3 x2 (x3 = 1) O

(y1, y2, 0) 1 H0 / U x ∈ 3

Figura 4.9.

Os elementos H P n podem ser descritos por um sistema de ∈ coordenadas homogˆeneas. Cada vetor n˜ao-nulo v = (y1, . . . , yn+1) ∈ H ´e uma base de H e para cada real t = 0, tv ´e ainda uma base 6 de H. As coordenadas y1, . . . , yn+1, definidas a menos de um fator arbitr´ario t = 0, se chamam as coordenadas homogˆeneas de H. 6 Podemos introduzir coordenadas n˜ao-homogˆeneas em P n desde que trabalhemos localmente. Para cada α = 1, 2, . . . , n + 1, seja Uα o conjunto de todas as retas, passando pela origem em Rn+1, cujas coordenadas homogˆeneas y1, . . . , yn+1 satisfazem a condi¸c˜ao yα = 0. Seja x : U Rn definida por x (H) = 6 α α → α (yα) 1(y1, . . . , yα 1, yα+1, . . . , yn+1). Geometricamente, x (H) − − α ∈ Rn ´e obtida pela interse¸c˜ao da reta H com o hiperplano yα = 1, omitindo-se depois a α-´esima coordenada. Afirma¸c˜ao: a fam´ılia A = x : U Rn α = 1, . . . , n + 1 satisfaz as condi¸c˜oes dos { α α → | } lemas anteriores, ou seja:

1) x : U Rn ´e uma bije¸c˜ao, para cada α = 1, . . . , n + 1. α α → “MAIN2” 2007/5/23 page 122

122 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´

n 2) Os dom´ınios Uα cobrem P .

3) Seja α < β. Ent˜ao

U U = H P n; v = (y1, . . . , yn+1) H 0 , yα = 0 = yβ , α ∩ β { ∈ ∀ ∈ −{ } 6 6 } logo n β 1 x (U U ) = y R ; y − = 0 α α ∩ β { ∈ 6 } e x (U U ) = y Rn; yα = 0 β α ∩ β { ∈ 6 } s˜ao abertos do Rn. Al´em do mais,

1 x (x )− : x (U U ) x (U U ) β ◦ α α α ∩ β → β α ∩ β

´e um difeomorfismo de classe C∞ definido por

1 n β 1 1 1 α 1 α β 2 β n (x ,. . ., x ) (x − )− (x ,. . ., x − , 1, x ,. . ., x − , x ,. . ., x ). 7→ ·

n 4) A cobertura de P por meio dos Uα ´e finita.

5) Sejam α < β e zi xα(Uα Uβ) uma sequ¨ˆencia tendendo para ∈ ∩ 1 n x xα(Uα Uβ). Se indicamos zi = (xi , . . . , xi ) ent˜ao a sequ¨ˆencia ∈ − β 1 β 1 de numeros´ reais (xi − )i N converge para zero, pois z − = 0. Por conseguinte, a sequ¨ˆencia∈

1 β 1 1 1 α 1 α β 2 β n x (x )− (z )=(x − )− (x ,. . ., x − , 1, x ,. . ., x − , x ,. . ., x ) β ◦ α i i i i i i i i n˜ao converge. Logo a topologia de P n ´e de Hausdorff. “MAIN2” 2007/5/23 page 123

[SEC. 6: VARIEDADES DE GRASSMANN 123

6 Variedades de Grassmann

n+r A variedade de Grassmann Gr(R ) ´e o conjunto de todos os subespa¸cos vetoriais de dimens˜ao r do espa¸co euclidiano Rn+r.

3 G2(R )

0

Figura 4.10.

n n+1 Em particular, P = G1(R ). n+r Os elementos H Gr(R ) podem ser descritos por coordena- ∈ i das homogˆeneas, dadas por uma matriz real (n+r) r, Y = (yj), de 1 n+r × 1 n+r posto r, cujas colunas v1 = (y1, . . . , y1 ), . . . , vr = (yr , . . . , yr ) formam uma base de H. E´ fato conhecido que todas as outras r r k k bases de H s˜ao da forma w1 = a1 vk, . . . , wr = ar vk , onde k=1 k=1 A = (ai ) ´e uma matriz r r inPvert´ıvel. Ent˜ao asPcoordenadas j × homogˆeneas Y A, A GL(Rr), do elemento H G (Rn+r), est˜ao ∈ ∈ r definidas a menos de multiplica¸c˜ao a` direita por uma matriz in- vert´ıvel r r. × Podemos introduzir coordenadas n˜ao-homogˆeneas em n+r Gr(R ), desde que trabalhemos localmente. Estabele¸camos pri- meiro algumas nota¸c˜oes. “MAIN2” 2007/5/23 page 124

124 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´

Dados um subconjunto α = i < < i 1,. . ., n + r { 1 · · · r} ⊂ { } com r elementos e uma matriz Y M((n + r) r), denotamos ∈ × por α(Y ) a submatriz r r de Y formada pelas linhas de ordem × i1, . . . , ir . Analogamente, indicamos por α∗ o complementar de α em 1, . . . , n + r e α (Y ) a submatriz n r de Y formada pelas { } ∗ × linhas que n˜ao foram usadas em α(Y ). Valem as equa¸c˜oes:

α(Y A) = α(Y ) A e α∗(Y A) = α∗(Y ) A. · · · · n+r Para cada α = i1, . . . , ir como acima, seja Uα Gr(R ) o { } n+r ⊂ conjunto de todos os r-planos H Gr(R ) tais que a proje¸c˜ao Rn+r Rr ∈ ortogonal πα : α sobre o subespa¸co gerado pelos vetores → Rr b´asicos ei1 , . . . , eir leva H isomorficamente sobre α . Isto significa que para cada matriz Y de coordenadas homogˆeneas de H, α(Y ) ´e invert´ıvel. x3

H0 U 6∈ {1,2}

H U ∈ {1,2} p

x1 π{1,2}p

x2

Figura 4.11.

nr Vamos definir agora uma bije¸c˜ao xα : Uα R que ser´a n+r→ um sistema de coordenadas locais em Gr(R ). Os valores de “MAIN2” 2007/5/23 page 125

[SEC. 6: VARIEDADES DE GRASSMANN 125 x ser˜ao dados como matrizes n r, como se segue: dado um α × subespa¸co H U , seja Y uma qualquer matriz de coordena- ∈ α das homogˆeneas de H. Escrevemos x (H) = α (Y α(Y ) 1) = α ∗ · − α (Y ) α(Y ) 1. ∗ · − Notemos que Y = Y α(Y ) 1) ´e a unica´ matriz de coordenadas 0 · − homogˆeneas de H tal que α(Y0) = Ir . Ent˜ao xα est´a bem definida. Al´em disso, x ´e 1 1: se H, K U s˜ao representados por α − ∈ α matrizes Y0 , Z0 com α(Y0) = α(Z0) = Ir e xα(H) = xα(K), ent˜ao α∗(Y0) = α∗(Z0), logo Y0 = Z0 , donde H = K. Notemos finalmente que x (U ) = Rnr: dada uma matriz W Rnr, seja α α ∈ W a unica´ matriz (n + r) r tal que α (W ) = W e α(W ) = I . × ∗ r E´ claro que W tem posto r. Seja H o subespa¸co do Rn+r gerado pfelas colunas de W . Ent˜ao H Uα e xα(Hf) = W . f f ∈ Rn+r Apliquemos osflemas da Se¸c˜ao 3 para mostrar que Gr( ) ´e uma variedade de classe C∞ e dimens˜ao nr, compacta. As duas primeiras afirma¸c˜oes s˜ao ob´ vias:

(1) Cada x : U Rnr ´e uma bije¸c˜ao. α α → n+r (2) Os dom´ınios Uα cobrem Gr(R ).

(3) Sejam α, β dois subconjuntos de 1, . . . , n+r , com r elemen- { } tos, tais que U U = . Consideremos as aplica¸c˜oes cont´ınuas α ∩ β 6 ∅ α˜ : M(n r) M(n+r) r), dada por α˜(W ) = W (α (W ) = W , × → × ∗ α(W ) = I ), e β : M((n + r) r) M(r r), Y β(Y ). Ent˜ao r × → × 7→ x (U U ) = (β α˜) 1[GL(Rr)]. Consequen¨ temenfte, x f(U U ) α α ∩ β ◦ − α α ∩ β ´e abferto em Rnr. Al´em disso, dada W M(n r), o subespa¸co 1 ∈ × H = xα− (W ) tem por base as colunas da matriz W = α˜(W ). Logo x x 1(W ) = β (α˜(W )) β(α˜(W )) 1. Isto evidencia clara- β ◦ α− ∗ · − mente que a mudan¸ca de coordenadas x x 1 : x (fU U ) β ◦ α− α α ∩ β → x (U U ) ´e de classe C . β α ∩ β ∞ “MAIN2” 2007/5/23 page 126

126 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´

(4) Pelo Lema 1, as n+r bije¸c˜oes x : U Rnr definem uma r α α → topologia em G (Rn+r), em rela¸c˜ao a` qual formam um atlas A r  de classe C∞. Como A ´e finito, esta topologia possui base enu- mer´avel. n+r (5) Gr(R ) ´e um espa¸co de Hausdorff. Sejam α = β e W x (U U ) uma sequ¨ˆencia tendendo 6 i ∈ α α ∩ β para W x (U U ). Ent˜ao β(α˜(W )) n˜ao ´e invert´ıvel. Logo a ∈ α α − β sequ¨ˆencia [β(α˜(W ))] 1 n˜ao converge e portanto x x 1(W ) = i − β ◦ α− i β (α˜(W )) [β(α˜(W ))] 1 n˜ao converge. ∗ i · i − A variedade de Grassmann ´e compacta. Com efeito, seja V (Rn+r) o conjunto de todas as matrizes (r + n) r de posto r × r. Para cada Y V (Rn+r) seja H = π(Y ) o subespa¸co gerado ∈ r pelas colunas de Y . Isto define uma aplica¸c˜ao natural

π : V (Rn+r) G (Rn+r). r → r

Provemos inicialmente que π ´e cont´ınua: para cada α = i1, . . . , ir , 1 { } denotamos por Vα = π− (Uα) o conjunto de todas as matrizes Y V (Rn+r) tais que α(Y ) ´e invert´ıvel. Como V ´e aberto em ∈ r α V (Rn+r), basta provar que π V ´e cont´ınua. Considerando o sis- r | α tema de coordenadas x : U Rrn, vˆe-se que x (π V ): Y α α → α ◦ | α 7→ α (Y ) α(Y ) 1. Logo π V ´e cont´ınua. ∗ · − | α Consideremos agora o conjunto C de todas as matrizes (n+r) r cujas colunas v1, . . . , vr satisfazem a condi¸c˜ao vi, vj = × (n+r)r h i δij . Evidentemente C ´e fechado e limitado em R , logo com- n+r pacto. Como cada H Gr(R ) possui uma base ortonormal, n+r ∈ Gr(R ) = π(C) ´e compacto.

Nota: Apresentamos agora um modo intr´ınseco de introduzir co- n+r ordenadas locais em Gr(R ). Para cada par α = (E, F ) de subespa¸cos do Rn+r com E F = Rn+r e dim E = r, seja U o ⊕ α conjunto de todos os H G (Rn+r) tais que H F = 0 . Isto ∈ r ∩ { } “MAIN2” 2007/5/23 page 127

[SEC. 6: VARIEDADES DE GRASSMANN 127 significa que a proje¸c˜ao π : E F E leva H isomorficamente E ⊕ → sobre E. Definimos os sistemas de coordenadas

x : U (E, F ) α α → L pela regra x (H) = π (π H) 1 : E F . Geometricamente, α F ◦ E| − → xα(H) = u ´e a transforma¸c˜ao linear de E em F cujo gr´afico ´e H (ver Figura 4.12).

H G (R3) ∈ 1

v πF vF

πE E vE 0

F

Figura 4.12.

Nesta vers˜ao aparece uma novidade: os sistemas de coorde- nadas locais x tˆem por imagem espa¸cos vetoriais (E, F ) (de α L dimens˜ao rn) ao inv´es de tomarem valores no Rrn. Por´em, se for do nosso desejo, podemos passar em qualquer instante para matrizes n r. × A vers˜ao intr´ınseca se relaciona com a anterior do seguinte modo: cada subconjunto α = i1, . . . , ir 1, . . . , n + r define Rr Rn { } ⊂ { Rn+}r um par α = ( α, α∗ ) de subespa¸cos suplementares em , onde “MAIN2” 2007/5/23 page 128

128 [CAP. IV: VARIEDADES DIFERENCIAVEIS´

Rr Rn∗ α ´e gerado por ei1 , . . . , eir e α pelos restantes. A transforma¸c˜ao ∗ 1 Rr Rn linear u = xα(H) = πα (πα H)− : α α∗ tem por matriz ◦ | Rr Rn→ associada as` bases canˆonicas de α e α∗ exatamente a matriz xα(H) definida na vers˜ao original. Sejam α = (E, F ) e α0 = (E0, F 0). A mudan¸ca de coordenadas x 0 x 1 : (E, F ) (E , F ) faz corresponder a u = x (H) α ◦ α− L → L 0 0 α ∈ (E, F ) a transforma¸c˜ao linear u = x 0 (H) (E , F ) como se L 0 α ∈ L 0 0 segue: Seja u˜: E E F definida por u˜(x) = x+u(x). Ent˜ao a imagem → ⊕ de u˜ ´e H. Como π 0 u˜: E E ´e um isomorfismo. Por conse- E ◦ → 0 guinte, u = (x 0 x 1)(u) ´e dada por u = π 0 u˜ (π 0 u˜) 1. 0 α ◦ α− 0 F ◦ ◦ E ◦ − Isto mostra que x 0 x1 C . α ◦ α ∈ ∞ “MAIN2” 2007/5/23 page 129

Cap´ıtulo V

Aplica¸c˜oes Diferenci´aveis entre Variedades

Vimos no Cap´ıtulo I o que se entende por aplica¸c˜ao diferenci´a- vel entre espa¸cos euclidianos. Este conceito se generaliza de modo natural, pois uma variedade se comporta localmente como se fosse um subconjunto aberto de um espa¸co euclidiano.

Sendo assim, pode-se desenvolver um c´alculo diferencial em variedades: para definir a no¸c˜ao de derivada de uma aplica¸c˜ao f : M N entre variedades, associaremos a cada p M um → ∈ espa¸co vetorial, chamado o espa¸co tangente a M no ponto p e in- dicado por T Mp . A derivada f 0(p) ser´a uma transforma¸c˜ao linear de T Mp para T Nf(p) .

Os teoremas da fun¸c˜ao inversa e das fun¸c˜oes impl´ıcitas, as for- mas locais, os conceitos de imers˜ao, mergulho e submers˜ao se es- tendem ao contexto das variedades. O conteudo´ geom´etrico dessas id´eias ser´a explorado nos Cap´ıtulos V, VI e VII. “MAIN2” 2007/5/23 page 130

130 [CAP. V: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ ENTRE VARIEDADES

1 Aplica¸c˜oes diferenci´aveis

Sejam M m, N n variedades de classe Cr (r 1). Diz-se que ≥ uma aplica¸c˜ao f : M N ´e diferenci´ael no ponto p M se exis- → ∈ tem sistemas de coordenadas x: U Rm em M, y : V Rn em → → N, com p U e f(U) V tais que y f x 1 : x(U) y(V ) Rn ∈ ⊂ ◦ ◦ − → ⊂ ´e diferenci´avel no ponto x(p).

M N f U p V f(p) = q

x y

Rm Rn y ◦ f ◦ x−1 x(p) y(p) x(U) y(V )

Figura 5.1.

A aplica¸c˜ao f = y f x 1 ´e denominada a express˜ao de f xy ◦ ◦ − nas coordenadas locais x, y. Observe-se que, em particular, f : M N ´e cont´ınua no ponto → p M. ∈ Como as mudan¸cas de coordenadas em M e N s˜ao difeomorfis- mos de classe Cr, a defini¸c˜ao de diferenciabilidade independe dos sistemas de coordenadas x, y: para todo par de sistemas de coor- denadas x : U Rm em M e y : V Rn em N, com p U , 0 0 → 0 0 → ∈ 0 f(U ) V , a aplica¸c˜ao f 0 0 = y f (x ) 1 ser´a diferenci´avel 0 ⊂ 0 x ,y 0 ◦ ◦ 0 − no ponto x0(p). Dizemos que f : M N ´e diferenci´avel se f for diferenci´avel → em todos os pontos de M. “MAIN2” 2007/5/23 page 131

[SEC. 1: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ 131

Dizemos finalmente que f : M N ´e de clase Ck (k r) se, → ≤ para cada p M, existem sistemas de coordenadas locais x: U ∈ → Rm em M, y : V Rn em N, com p U e f(U) V tais que → ∈ ⊂ y f x 1 : x(U) y(V ) ´e de classe Ck. ◦ ◦ − → Segue-se da defini¸c˜ao que uma aplica¸c˜ao f : M N ´e de classe → Ck quando existem um atlas A sobre M e um atlas B sobre N tais que para cada y B existe x A relativamente aos quais a ∈ ∈ express˜ao de f ´e de classe Ck. Isto implica que, para toda carta x : U Rm do atlas m´aximo 0 0 → de M e para toda carta y : V Rn do atlas m´aximo de N com 0 0 → f(U ) V , a express˜ao local f 0 0 ser´a de classe Ck. Com efeito, 0 ⊂ 0 x ,y dado p M, sejam x A e y B tais que f : x(U) y(V ) ´e de ∈ ∈ ∈ xy → classe Ck. Ent˜ao f 0 0 : x (U U ) y (V V ) pode ser escrita y x 0 ∩ 0 → 0 ∩ 0 como

1 1 1 1 f 0 0 = y0 f (x0)− = y0 y− y f x− x (x0)− y x ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ ◦ 1 1 k = (y0 y− ) f (x (x0)− ) = ϕ 0 f ϕ 0 C . ◦ ◦ xy ◦ ◦ yy ◦ xy ◦ xx ∈ Quando dissermos que f : M N ´e de classe Ck admitiremos, → ao menos implicitamente, que M e N s˜ao de classe Cr, r k. ≥ A composta de duas aplica¸c˜oes f : M N e g : N P de → → classe Ck ´e tamb´em uma aplica¸c˜ao de classe Ck. Um difeomorfismo f : M N ´e uma bije¸c˜ao diferenci´avel cuja → 1 inversa ´e tamb´em diferenci´avel. Se ambas f e f − s˜ao de classe Ck, dizemos que f ´e um difeomorfismo de classe Ck. Exemplos: 1) Sejam U Rm um aberto e f : U Rn uma aplica¸c˜ao. Po- ⊂ → demos considerar o conjunto U como uma variedade de classe C k (Exemplo 1, Se¸c˜ao 4 do Cap. IV). Ent˜ao f ´e diferenci´avel no sen- tido das variedades se, e somente se, f ´e diferenci´avel no sentido do Cap´ıtulo I. Mais geralmente, se M m Rn e N p Rq s˜ao ⊂ ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 132

132 [CAP. V: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ ENTRE VARIEDADES superf´ıcies de classe Ck ent˜ao uma aplica¸c˜ao f : M m N p ´e de → classe Cr (r k) no sentido de variedades se, e somente se, o ´e no ≤ sentido da Se¸c˜ao 3 do Cap´ıtulo II. 2) Sejam M m uma variedade de classe Ck e x: U Rm um → sistema de coordenadas em M. Consideremos em U sua estrutura natural de subvariedade aberta de M (Exemplo 2, Se¸c˜ao 4 do Cap. IV). Ent˜ao x ´e um difeomorfismo de classe Ck de U sobre x(U). 1 De fato, a express˜ao de ambas x e x− nos sistemas de coordenadas locais x e id: Rm Rm ´e a aplica¸c˜ao identidade de x(U). → Em particular, dada uma parametriza¸c˜ao ϕ: U U M em 0 → ⊂ uma superf´ıcie de classe Ck, M m Rn, vˆe-se que ϕ e ϕ 1 s˜ao ⊂ − difeomorfismos de classe Ck. 3) Os caminhos diferenci´aveis s˜ao as aplica¸c˜oes diferenci´aveis α: I M, onde I ´e um intervalo aberto da reta real. A condi¸c˜ao → de diferenciabilidade de α exige que α seja cont´ınua e que, dado um sistema de coordenadas x: U Rm em M, para todo subin- → tervalo J tal que α(J) U, a composta x α: J x(U) seja um ⊂ ◦ → caminho diferenci´avel em Rm. 4) As fun¸c˜oes reais diferenci´aveis s˜ao as aplica¸c˜oes diferenci´aveis f : M R. Para todo sistema de coordenadas x: U Rm em → → M, a fun¸c˜ao composta f x 1 : x(U) R deve ser uma fun¸c˜ao ◦ − → diferenci´avel de m vari´aveis reais, definida num aberto x(U) Rm. ⊂ r 5) Sejam M, N1, N2 variedades de classe C . Uma aplica¸c˜ao f : M N N ´e de classe Ck (k r) se, e somente se, f = → 1 × 2 ≤ (f .f ), onde as coordenadas f : M N e f : M N s˜ao de 1 2 1 → 1 2 → 2 classe Ck. Realmente, considerando em N N os sistemas de 1 × 2 coordenadas locais do tipo y y : V V Rn1 Rn2 (ver 1 × 2 1 × 2 → × Exemplo 4, Se¸c˜ao 4 do Cap. IV), vˆe-se que (y y ) f x 1 = 1 × 2 ◦ ◦ − (y f x 1, y f x 1). Lembremos, em seguida, que uma 1 ◦ 1 ◦ − 2 ◦ 2 ◦ − aplica¸c˜ao g = (g , g ): x(U) Rn1 Rn2 ´e de classe Ck se, e 1 2 → × “MAIN2” 2007/5/23 page 133

[SEC. 1: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ 133 somente se, ambas g : x(U) Rn1 e g : x(U) Rn2 s˜ao de 1 → 2 → classe Ck.

6) Sejam A o atlas m´aximo de classe Ck sobre R que cont´em o sistema de coordenadas id: R R, e B o atlas m´aximo de classe → Ck sobre R que cont´em y : R R definida por y(t) = t1/3. Ent˜ao → A = B (ver Exemplo 1, Se¸c˜ao 4 do Cap. IV) e M = (R, A) 6 e N = (R, B) s˜ao duas estruturas distintas de variedade C k no mesmo conjunto R. A fun¸c˜ao f : M M definida por f(t) = t1/3 → n˜ao ´e diferenci´avel. No entanto, a fun¸c˜ao g : M N, g(t) = t1/3 → ´e um difeomorfismo de classe Ck.

7) Consideremos a aplica¸c˜ao f : G (Rn+r) G (Rn+r) que asso- r → n cia a cada subespa¸co de dimens˜ao r, H Rn+r, seu complemento ⊂ ortogonal f(H) = H⊥.

Afirma¸c˜ao: f ´e um difeomorfismo de classe C∞.

H1

H

Figura 5.2.

⊥ Como (H ) = H, ´e suficiente provar que f C . Para cada ⊥ ∈ ∞ α = i , . . . , i , vˆe-se que f(U ) = U ∗ . Calculemos a express˜ao { 1 r} α α de f nos sistemas de coordenadas x : U Rrn, y ∗ : U ∗ α α → α α → Rrn. Seja H U , arbitr´ario. Ent˜ao x (H) = α (Y ) onde Y ∈ α α ∗ 0 0 ´e a matriz (n + r) r de coordenadas homogˆeneas de H tal que × α(Y0) = Ir . Analogamente, yα∗ (H⊥) = α(Z0), onde Z0 ´e a matriz (n + r) n, que representa H , tal que α (Z ) = I . As colunas × ⊥ ∗ 0 n “MAIN2” 2007/5/23 page 134

134 [CAP. V: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ ENTRE VARIEDADES de Z0 , sendo vetores de H⊥, s˜ao ortogonais as` colunas de Y0 , base de H. Isto significa que tY Z = 0. Sem perda de generalidade, 0 · 0 podemos supor que α = 1, . . . , r , logo Y0 e Z0 podem ser escritas Ir B { } Y0 = , Z0 = , onde A = xα(H) ´e n r e B = yα∗ (H⊥) A In × ´e r n. Ent˜ao tY Z = I B = tA I = B + tA = 0. Logo ×  0 · 0 r · · n B = tA. Conclus˜ao: y ∗ f (x + α) 1 : A tA, portanto − α ◦ ◦ − 7→ − f C . ∈ ∞

2 O espa¸co tangente

Recordemos que o espa¸co tangente T M a uma superf´ıcie M m p ⊂ Rn, num ponto p M, ´e o conjunto de todos os vetores v Rn que ∈ ∈ s˜ao vetores-velocidade, em p, de caminhos diferenci´aveis contidos em M. Por´em, se M ´e uma variedade diferenci´avel, os “vetores tan- gentes v T M ” dever˜ao ser obtidos abstratamente, pois M n˜ao ∈ p est´a contida em nenhum espa¸co euclidiano. Apresentamos agora uma das maneiras de se construir o espa¸co tangente. Seja M m uma variedade de classe Ck e seja p um ponto de M. Indicamos por o conjunto de todos os caminhos λ: J M, Cp → definidos num intervalo aberto J, contendo 0, tais que λ(0) = p e λ ´e diferenci´avel em 0. (Ver Exemplo 3 da Se¸c˜ao 1.) Se λ ∈ Cp e x: U Rm ´e um sistema de coordenadas em M, com p U, → ∈ pode acontecer que a imagem λ(J) n˜ao esteja inteiramente contida em U. Em vista disso, toda vez que escrevemos x λ, estamos ◦ admitindo que o dom´ınio de λ foi suficientemente reduzido a um intervalo aberto menor J , contendo 0, tal que λ(J ) U. 0 0 ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 135

[SEC. 2: O ESPAC¸O TANGENTE 135

Diremos que dois caminhos λ, µ s˜ao equivalentes, e es- ∈ Cp creveremos λ µ, quando existir um sistema de coordenadas ∼ locais x: U Rm em M, com p U, tal que x λ: J Rm → ∈ ◦ → e x µ: I Rm tˆem o mesmo vetor-velocidade em t = 0, isto ´e, ◦ → (x λ) (0) = (x µ) (0). ◦ 0 ◦ 0

Vale a pena observar que, neste caso, a igualdade (x λ) (0) = (x µ) (0) ser´a verdadeira para todo sistema de co- ◦ 0 ◦ 0 ordenadas x: U Rm em M, p U. Resulta da´ı que a rela¸c˜ao → ∈ λ µ ´e de fato uma rela¸c˜ao de equivalˆencia em . ∼ Cp

O vetor-velocidade λ˙ de um caminho λ ´e, por defini¸c˜ao, a ∈ Cp classe de equivalˆencia de λ. Ou seja, λ˙ = µ ; { ∈ Cp µ λ . Portanto, dados λ, µ , tem-se λ˙ = µ˙ se, e somente ∼ } ∈ Cp se, (x λ) (0) = (x µ) (0) para algum (logo para todo) sistema ◦ 0 ◦ 0 de coordenadas locais x: U Rm em M, com p U. → ∈

O conjunto quociente / ser´a indicado por T M e ser´a cha- Cp ∼ p mado o espa¸co tangente a` variedade M no ponto p. Veremos que T Mp possui todas as propriedades “desej´aveis” para um espa¸co tangente.

Por exemplo, pode-se dar a T Mp uma estrutura natural de espa¸co vetorial sobre R, da seguinte maneira:

Cada sistema de coordenadas locais x: U Rm em M, com → p U, d´a origem a uma bije¸c˜ao x¯ = x¯(p): T M Rm, definida ∈ p → por x¯(λ˙ ) = (x λ) (0). E´ evidente que x¯ est´a bem definida e ´e ◦ 0 injetora. Mostremos que x¯ e sobrejetora. Dado v Rm, seja λ ∈ ∈ dado por λ(t) = x 1[x(p) + tv]. Ent˜ao x¯(λ) = (x λ) (0) = v. Cp − ◦ 0 “MAIN2” 2007/5/23 page 136

136 [CAP. V: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ ENTRE VARIEDADES

M U λ˙ p

λ

x

v = x(λ) x(p) x λ Rm ◦

Figura 5.3.

Damos a T Mp uma estrutura de espa¸co vetorial real, exigindo que a bije¸c˜ao x¯: T M Rm venha a ser um isomorfismo. Em p → outras palavras, as opera¸c˜oes de soma e produto de um vetor por um numero´ real s˜ao definidas pelas equa¸c˜oes

1 λ˙ + µ˙ = (x¯)− (x¯(λ˙ ) + x¯(µ˙ )), 1 c λ˙ = (x¯)− (c x¯(λ˙ )). · · O fato crucial ´e que estas opera¸c˜oes n˜ao dependem da escolha do sistema de coordenadas x. Com efeito, dado y : V Rm em → M, com p V , ent˜ao y¯ = (y x¯ 1) x¯: T M Rm. ∈ ◦ − 0 ◦ p →

T Mp x y © R Rm - Rm (y x−1)0 ◦ “MAIN2” 2007/5/23 page 137

[SEC. 3: A DERIVADA EM UMA APLICAC¸AO˜ DIFERENCIAVEL´ 137

Como (y x 1) (x(p)) ´e um isomorfismo, os sistemas de coor- ◦ − 0 denadas x e y originam a mesma estrutura de espa¸co vetorial em T Mp . Dados um sistema de coordenadas locais x: U Rm em M ∂ ∂→ e um ponto p U, indicamos por (p), . . . , (p) a base ∈ ∂x1 ∂xm Rm de T Mp que ´e levada pelo isomorfismo x¯: T Mp sobre a →∂ base canˆonica e , . . . , e . As` vezes escreveremos em vez de { 1 m} ∂xi ∂ ∂ (p). O vetor b´asico T M ´e a classe de equivalˆencia de ∂xi ∂xi ∈ p qualquer caminho λ tal que (x λ) (0) = e . ∈ Cp ◦ 0 i

3 A derivada em uma aplica¸c˜ao diferenci´avel

Sejam M m, N n variedades diferenci´aveis e f : M N uma → aplica¸c˜ao diferenci´avel no ponto p M. ∈ A derivada de f no ponto p ´e a transforma¸c˜ao linear f 0(p): T M T N que associa a cada v = λ˙ T M o elemento p → f(p) ∈ p f (p) v = (f λ) T N , vetor-velocidade do caminho f λ 0 · ◦ · ∈ f(p) ◦ ∈ . Cf(p)

(f ◦ λ) λ˙ f f(p) J p λ N 0 M f ◦ λ

Figura 5.4.

Devemos verificar que f 0(p) ´e uma transforma¸c˜ao linear bem definida. Tomemos assim sistemas de coordenadas x: U Rm → em M, com p U e y : V Rn em N, com f(p) V e f(U) V . ∈ → ∈ ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 138

138 [CAP. V: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ ENTRE VARIEDADES

Dado v = λ˙ T M , ent˜ao (y f λ) (0) = (y f x 1 x λ) (0) = ∈ p ◦ ◦ 0 ◦ ◦ − ◦ ◦ 0 f (x λ) (0). xy0 ◦ ◦ 0 Isto mostra que: 1) O vetor velocidade do caminho f λ ◦ ∈ depende apenas do vetor velocidade de λ. Por conseguinte, Cf(p) f (p) v = (f λ) est´a bem definido. 2) O diagrama 0 · ◦ ·

0 f (p) - T Mp T Nf(p)

x y ? ? m - n R 0 R fxy

´e comutativo. Logo f 0(p): T Mp T Nf(p) ´e uma transforma¸c˜ao → ∂ ∂ linear, cuja matriz em rela¸c˜ao as` bases de T M e de ∂xi p ∂yi ∂yi   T N ´e a matriz jacobiana da aplica¸c˜ao f : x(U) Rn f(p) ∂xj xy → no ponto x(p).  Proposi¸c˜ao 1. (Regra da cadeia.) Sejam M, N, P variedades diferenci´aveis, f : M N uma aplica¸c˜ao diferenci´avel no ponto → p M e g : N P uma aplica¸c˜ao diferenci´avel no ponto f(p) ∈ → ∈ N. Ent˜ao g f : M P ´e diferenci´avel no ponto p M e (g ◦ → ∈ ◦ f) (p) = g (f(p)) f (p): T M T P . 0 0 ◦ 0 p → gf(p) Demonstra¸c˜ao: Consideremos os sistemas de coordenadas x: U x(U) em M, y : V y(V ) em N e z : W z(W ) em → → → P , tais que p U, f(U) V e g(V ) W . ∈ ⊂ ⊂ Ora, f = y f x 1 : x(U) Rm y(V ) Rn ´e dife- xy ◦ ◦ − ⊂ → ⊂ renci´avel em x(p) e g = z g y 1 : y(V ) Rn z(W ) Rp yz ◦ ◦ − ⊂ → ⊂ ´e diferenci´avel em y(f(p)). Pela regra de cadeia usual (Cap´ıtulo I, Se¸c˜ao 4) resulta que g f = z (g f) x 1 : x(U) z(W ) ´e yz ◦ xy ◦ ◦ ◦ − → “MAIN2” 2007/5/23 page 139

[SEC. 4: ALGUMAS IDENTIFICAC¸OES˜ NATURAIS 139 diferenci´avel no ponto x(p). Logo g f : M P ´e diferenci´avel ◦ → no ponto p M. Dado v = λ˙ T M , ent˜ao ∈ ∈ p

(g f)0(p) λ˙ = (g f λ)· = (g (f λ))· ◦ · ◦ ◦ ◦ ◦ = g0(f(p)) (f λ)· = g0(f(p)) f 0(p) λ.˙ · ◦ · · Observa¸c˜oes:

1) Se f = id: M M ent˜ao f (p) = id: T M T M para todo → 0 p → p p M. ∈ 2) Se f : M N ´e um difeomorfismo ent˜ao, para todo → p M, f 0(p): T Mp T Nf(p) ´e um isomorfismo, cujo inverso ∈ 1 → 1 ´e (f − )0(f(p)) = [f 0(p)]− .

4 Algumas identifica¸c˜oes naturais

1) T (Rm) = Rm para todo p Rm. p ∈ Consideremos o sistema de coordenadas x = id: Rm Rm. dλ → O isomorfismo id: T (Rm) Rm, λ˙ (0) Rm, fornece a p → 7→ dt ∈ identifica¸c˜ao desejada. Estamos identificando, em cada p Rm, a ∈ cole¸c˜ao λ˙ = µ ; µ λ com o vetor v Rm tal que µ (0) = v { ∈ Cp ∼ } ∈ 0 para todo µ λ˙ . ∈ p v

Figura 5.5.

2) O espa¸co tangente a uma superf´ıcie Temos duas defini¸c˜oes para o espa¸co tangente a uma superf´ıcie M m Rn, de classe Ck: O espa¸co tangente “concreto”, que foi ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 140

140 [CAP. V: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ ENTRE VARIEDADES definido no Cap´ıtulo II e o espa¸co tangente “abstrato”, constru´ıdo na Se¸c˜ao 2 deste capitulo. Identificaremos cada vetor tangente “abstrato” λ˙ com o vetor “concreto” v Rn tal que v = µ (0) para todo µ λ˙ . ∈ 0 ∈ Isto ´e equivalente a considerar a aplica¸c˜ao de inclus˜ao i: M n k → R (que ´e de classe C ) e identificar T Mp com sua imagem pela derivada i (p): T M T (Rn) Rn. 0 p → p ≡ 3) Espa¸co tangente a um subconjunto aberto Seja U um subconjunto aberto de uma variedade M m de classe Ck. U pode ser visto como uma variedade de dimens˜ao m e classe Ck (ver Exemplo 2, Se¸c˜ao 4 do Cap. IV). Na defini¸c˜ao de T M , p U, n˜ao h´a perda de generalidade em p ∈ se considerar somente os caminhos λ: J M, λ , tais que → ∈ Cp λ(J) U. Isto significa que T U = T M . ⊂ p p Formalmente, estamos considerando a aplica¸c˜ao de inclus˜ao i: U M e identificando T U com T M por meio do isomorfismo → p p i (p): T U T M . 0 p → p Estas trˆes identifica¸c˜oes acarretam algumas outras: 4) A derivada no sentido das variedades ´e generaliza¸c˜ao natural da derivada em Rn. (Ver Exemplo 1, Se¸c˜ao 1.) Dada uma aplica¸c˜ao diferenci´avel f : U Rn (U Rm aberto), → Rn ⊂ a presente no¸c˜ao de derivada f 0(p): T Up T ( )f(p) se reduz a` →Rm Rn Rn “antiga”, atrav´es das identifica¸c˜oes T Up = , T ( )f(p) = .

0 f f (p) - n - Rn U R T Up T ( )f(p)

0 0 id id i (p) id (p)

? ? ? Df(p) ? U - Rn Rm - Rn “MAIN2” 2007/5/23 page 141

[SEC. 5: A APLICAC¸AO˜ ESFERICA´ DE GAUSS 141

5) Sejam M m uma variedade diferenci´avel e x: U x(U) Rm → ⊂ um sistema de coordenadas locais em M. Ent˜ao x ´e um difeomor- fismo de U sobre x(U).

0 x - x (p) - Rm U x(U) T Mp T ( )x(p)

x id x(p) id ? ? ? ? x(U) id- x(U) Rm id - Rm

Para cada p U, a derivada x (p): T U T (Rm) coincide ∈ 0 p → x(p) com o isomorfismo x¯: T M Rm (ver Se¸c˜ao 2). p → De agora em diante ser´a abandonada a nota¸c˜ao tempor´aria x¯.

6) Sejam M uma variedade diferenci´avel e λ: J M, λ , → ∈ Cp um caminho em M (λ(0) = p). A derivada λ (0): R T M ´e 0 → p dada por λ (0) r = (λ α ) , onde α (t) = rt. Identificaremos a 0 · ◦ r · r aplica¸c˜ao linear λ (0) com o vetor velocidade λ (0) 1 = λ˙ T M , 0 0 · ∈ p abandonando, de agora em diante, a nota¸c˜ao λ˙ . Mais geralmente,, seja λ: (a, b) M um qualquer caminho diferenci´avel. Para cada → c (a, b) escrevemos λ (c) em vez de λ (c) 1 e dizemos que λ (c) ∈ 0 0 · 0 ∈ T Mλ(c) ´e o vetor-velocidade do caminho λ(t) em t = c.

5 A aplica¸c˜ao esf´erica de Gauss

Seja M m Rm+1 uma hiperf´ıcie orient´avel de classe Ck, ⊂ k 2. Vimos no Cap´ıtulo III (Proposi¸c˜ao 5) que existe um campo ≥ u: M Rm+1, de classe Ck 1, de vetores unit´arios, normais a M. → − “MAIN2” 2007/5/23 page 142

142 [CAP. V: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ ENTRE VARIEDADES

u(p) u(p) Sm

M m p 0

Rm

Figura 5.6.

Como u(p) Sm para todo p M, vemos que u: M Sm ´e k 1 ∈ ∈ → de classe C − (cfr. Se¸c˜ao 3 do Cap. II).

Em cada ponto p M, os espa¸cos tangentes T Mp e m ∈ Rm+1 T (S )u(p) , considerados como subespa¸cos do , s˜ao iguais, j´a que ambos s˜ao o complemento ortogonal de u(p). Por conse- guinte, a derivada de u ´e um endomorfismo u (p): T M T M . 0 p → p O numero´ real K(p) = det(u0(p)) chama-se a curvatura gaus- siana de M no ponto p. Em cada componente conexa de M h´a duas escolhas, u e u, para um campo cont´ınuo de vetores − unit´arios normais a M. Quando a dimens˜ao de M ´e par, det(u (p)) = det( u (p)), e a curvatura gaussiana K(p) n˜ao de- 0 − 0 pender´a da escolha de u. Se m ´e ´ımpar, K(p) est´a definido a menos de sinal. Uma propriedade importante da derivada u (p): T M T M 0 p → p ´e que ela ´e auto-adjunta, isto ´e, u (p) v, w = v, u (p) w para h 0 · i h 0 · i todos v, w T M . Para provar isto, seja ϕ: U U uma pa- ∈ p 0 → rametriza¸c˜ao de uma vizinhan¸ca U de p M. Sejam ϕ(x ) = p, ∈ 0 ϕ (x ) v = v, ϕ (x ) w = w. Para cada x U , tem-se 0 0 · 0 0 0 · 0 ∈ 0 u(ϕ(x)), ϕ (x) w = 0. Por diferencia¸c˜ao, segue-se que h 0 · 0i

u0(p) ϕ0(x ) v , ϕ0(x) w + u(p), ϕ00(x ) (v , w ) = 0. h · 0 · 0 · 0i h 0 · 0 0 i “MAIN2” 2007/5/23 page 143

[SEC. 6: ESTRUTURAS DE VARIEDADE EM UM ESPAC¸O TOPOLOGICO´ 143

Portanto u (p) v, w = u(p)ϕ (x ) (v , w ) . Como ϕ (x ) ´e, h 0 · i −h 00 0 · 0 0 i 00 0 pelo teorema de Schwarz, uma forma bilinear sim´etrica, segue-se que u (p) v, w = u (p) w, v . h 0 · i h 0 · i Os valores pr´oprios da transforma¸c˜ao linear u0(p) s˜ao, por- tanto, numeros´ reais k k . Estes numeros´ s˜ao deno- 1 ≥ · · · ≥ m minados de curvaturas principais de hiperf´ıcie M no ponto p. E´ claro que K(p) = k k . 1 · · · · · m Grande parte da Geometria Diferencial Cl´assica ´e estudada usando a aplica¸c˜ao de Gauss. Muitas propriedades topol´ogicas globais de M se refletem no comportamento de K.

6 Estruturas de variedade em um espa¸co topol´ogico

Dada uma variedade diferenci´avel (M, A), ´e f´acil definir outra estrutura de variedade diferenci´avel (M, B), de mesma classe que a anterior, sobre o mesmo espa¸co topol´ogico M. Basta considerar um homeomorfismo ϕ: M M que n˜ao seja um difeomorfismo, → e definir

1 n n B = x ϕ: ϕ− (U) R ; x: U R em A . { ◦ → → } E´ claro que B herda de A a propriedade de ser um atlas di- ferenci´avel m´aximo. Entretanto, do fato de ϕ n˜ao ser um difeo- morfismo, deduz-se imediatamente que B = A. Isto se exprime 6 dizendo que os atlas A e B definem em M estruturas distintas de variedade diferenci´avel. Por outro lado a aplica¸c˜ao

ϕ: (M, B) (M, A) → ´e um difeomorfismo (verifica¸c˜ao trivial), o que se exprime dizendo que as duas estruturas de variedade que estamos considerando em “MAIN2” 2007/5/23 page 144

144 [CAP. V: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ ENTRE VARIEDADES

M s˜ao distintas, por´em equivalentes. Estas considera¸c˜oes sugerem algumas perguntas: 1) Dada uma variedade diferenci´avel (M, A) ser´a poss´ıvel defi- nir em M uma nova estrutura n˜ao equivalente a` primeira? Ou seja, existir´a outro atlas diferenci´avel m´aximo B, sobre M, tal que (M, A) n˜ao ´e difeomorfa a (M, B)? (Problema da unicidade da estrutura diferenci´avel.) 2) Dada uma variedade topol´ogica M, isto ´e, um espa¸co topol´o- 0 gico, munido de um atlas m´aximo A0 , de classe C , existir´a um atlas diferenci´avel A A ? Em outras palavras, admitir´a toda ⊂ 0 variedade topol´ogica uma estrutura de variedade diferenci´avel? (Problema da existˆencia de uma estrutura diferenci´avel.) 3) Uma variedade M, de classe Ck, admitir´a uma estrutura de variedade de classe Cs com s > k? O problema 1) foi resolvido por J. Milnor (Annals of Mathe- matics, vol. 64 (1956), p´ags. 395-405). J´a se sabia que, em di- mens˜oes baixas, (1,2,3) duas estruturas diferenci´aveis quaisquer numa variedade eram equivalentes. Esperava-se que a unicidade (a menos de um difeomorfismo) fosse v´alida em todos os casos. Surpreendentemente, Milnor obteve exemplos de v´arais estruturas diferenci´aveis n˜ao equivalentes na esfera S7. O problema 2) foi resolvido por S. Smale e, independente- mente, por M. Kervaire. Existem variedades topol´ogicas que n˜ao admitem estrutura de variedade diferenci´avel. Aqui, novamente, surge uma pergunta natural: como deve ser a topologia de uma variedade de classe C0 para que ela admita uma estrutura dife- renci´avel? O problema 3) foi resolvido por H. Whitney (Annals of Ma- thematics, vol. 37 (1936) p´ags. 645-680). Todo atlas m´aximo 1 A1 , de classe C , sobre uma variedade M, cont´em um atlas A de “MAIN2” 2007/5/23 page 145

[SEC. 6: ESTRUTURAS DE VARIEDADE EM UM ESPAC¸O TOPOLOGICO´ 145 classe C∞. (Isto ser´a demonstrado mais adiante, no Cap´ıtulo XI.) Mais do que isso: Whitney demonstrou que A pode ser tomado anal´ıtico. Em termos menos precisos: toda variedade de classe C 1 admite uma estrutura de classe C∞ e, at´e mesmo, uma estrutura anal´ıtica. Uma discuss˜ao mais completa dos problemas e resultados acima mencionados foge ao n´ıvel deste livro. Um problema antigo e de maior dificuldade ´e o da classifica¸c˜ao das variedades diferenci´aveis de uma dada dimens˜ao n (duas variedades M n, N n pertencem a` mesma “classe de difeomorfismo” se, e somente se, s˜ao difeomor- fas). Este problema est´a resolvido em dimens˜oes 1 e 2. Uma variedade diferenci´avel M 1 ´e difeomorfa ao c´ırculo

S1 = (x, y) R2; x2 + y2 = 1 , { ∈ } se for compacta, ou a` reta R, se n˜ao for compacta. A classi- fica¸c˜ao das variedades M 2 n˜ao ´e t˜ao simples mas est´a completa- mente feita. Duas variedades de dimens˜ao 2 s˜ao difeomorfas se e s´o se s˜ao homeomorfas. Para a classifica¸c˜ao (por homeomorfismos) das M 2 compactas, veja-se Seifert-Threlfall, “Lecciones de Topo- logia”, Cap´ıtulo VI. Uma M 2 compacta orient´avel e caracterizada pelo seu gˆenero (numero´ de “asas” acrescentadas a uma esfera para obter M 2). Elas s˜ao: a esfera (gˆenero 0), o toro (gˆenero 1), etc. Uma M 2 compacta n˜ao orient´avel ´e caracterizada pelo seu “recobrimento orient´avel”, dado por uma variedade compacta orient´avel M 2 e uma aplica¸c˜ao regular

π : M 2 M 2 f → tal que π 1(q) tem 2 pontos, para cada q M 2. Por exemplo, − f ∈ o plano projetivo ´e recoberto pela esfera, a “garrafa de Klein” pelo toro, etc. Para a classifica¸c˜ao das M 2 n˜ao compactas, veja- se Kererkjart´o: “Vorlesungen uber Topologie”, Berlin, 1932. Em “MAIN2” 2007/5/23 page 146

146 [CAP. V: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ ENTRE VARIEDADES dimens˜ao 3, sabe-se que toda variedade topol´ogica M 3 possui uma estrutura diferenci´avel, e que duas variedades diferenci´avel M 3 e N 3 s˜ao difeomorfas se e somente se s˜ao homeomorfas. Mas o problema de classificar as variedades M 3 por homeomorfismos tem resistido as` tentativas dos top´ologos. Em particular, n˜ao se sabe se uma variedade compacta, simplesmente conexa, de dimens˜ao 3, ´e ou n˜ao homeomorfa a` esfera S3 (conjectura de Poincar´e). S. Smale demonstrou que uma variedade simplesmente conexa M n, que tem os mesmos grupos de homologia de uma esfera Sn, ´e homeomorfa a Sn, se n = 3, 4. Os casos n = 3, 4 continuam em aberto. 6 “MAIN2” 2007/5/23 page 147

Cap´ıtulo VI

Imers˜oes, Mergulhos e Subvariedades

O objetivo principal deste cap´ıtulo ´e introduzir o conceito de subvariedade. Intuitivamente, uma subvariedade M m N n est´a situada em ⊂ N de modo an´alogo a uma superf´ıcie M m Rn, situada em Rn. ⊂ E´ feita, tamb´em, uma discuss˜ao elementar das rela¸c˜oes que existem entre as no¸c˜oes de imers˜ao e de mergulho. A curva de Kronecker no toro ´e discutida em detalhe. Trata-se de um exemplo importante, inclusive do ponto-de-vista hist´orico, de uma imers˜ao injetiva R T 2 cuja imagem ´e densa. →

1 Imers˜oes

Sejam M m, N n variedades de classe Ck (k 1) e f: M N ≥ → uma aplica¸c˜ao diferenci´avel. “MAIN2” 2007/5/23 page 148

148 [CAP. VI: IMERSOES,˜ MERGULHOS E SUBVARIEDADES

Um ponto p M diz-se um ponto regular de f quando a ∈ derivada f (p): T M T N ´e injetiva. Caso contr´ario, p diz-se 0 p → f(p) um ponto singular ou cr´ıtico de f.

Tomando coordenadas locais x: U Rm em M e y : V Rn → → em N, com f(U) V , a derivada f (p), p U, transforma-se na ⊂ 0 ∈ derivada f (x(p)): Rm Rn, onde f = y f x 1. Em outras xy0 → xy ◦ ◦ − palavras, o diagrama abaixo ´e comutativo.

0 f (p) - T Mp T Nf(p)

0 x (p) y0(f(p)) ? ? m - n R 0 R fxy(x(p))

Um ponto p U M ´e regular para f se, e somente se, ∈ ⊂ fxy0 (x(p)) ´e injetiva.

O conjunto dos pontos regulares p M de uma aplica¸c˜ao de ∈ classe Ck, f : M N, (k 1) pode ser vazio. Por exemplo, isto → ≥ ocorre sempre que dim M > dim N.

Proposi¸c˜ao 1. (Forma local das imers˜oes em variedades.) Seja p M um ponto regular para a aplica¸c˜ao f : M N de classe ∈ → Ck, k 1. Ent˜ao existe um sistema de coordenadas x: U Rm ≥ → em M, com p U, e um difeomorfismo de classe Ck, y : V ∈ → Rm Rn m, (V N aberto) tais que f(U) V e f = y f × − ⊂ ⊂ xy ◦ ◦ x 1 : x(U) x(U) 0 Rm Rn m ´e a aplica¸c˜ao de inclus˜ao, − → × { } ⊂ × − isto ´e, fxy(w) = (w, 0). Em particular, o conjunto dos pontos regulares p M de f ´e aberto em M. ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 149

[SEC. 1: IMERSOES˜ 149

N

M f f(p) U V p Rn−m y x y(V )

fxy x(U) × 0 0 Rm x(U)

Rm

Figura 6.1.

Demonstra¸c˜ao: Dados quaisquer sistemas de coordenadas x: U Rm em M e z : V Rn em N, com f(U) V , conside- → → ⊂ remos os diagramas

0 f - f (p) - U V T Mp T Nf(p)

0 x z x (p) z0(f(p)) ? ? ? ? - m - n x(U) z(V ) R 0 R fxz fxz(x(p))

m n Observemos que x(U) R ´e aberto, fxz : x(U) R ´e k ⊂ → de classe C e fxz0 (x(p)) ´e injetiva. Logo, pela forma local das imers˜oes (Cap´ıtulo 1, se¸c˜ao 9), restringindo se necess´ario os dom´ınios, conclui-se que existe um difeomorfismo de classe Ck, ξ : z(V ) x(U) W Rm Rn m (0 W Rn m aberto), tal → × ⊂ × − ∈ ⊂ − que (ξ f )(u) = (u, 0). ◦ xz “MAIN2” 2007/5/23 page 150

150 [CAP. VI: IMERSOES,˜ MERGULHOS E SUBVARIEDADES

f U - V

x z ? ? fxz x(U) - z(V )

ξ R ? x(U) W ×

Concluimos a demonstra¸c˜ao tomando y = ξ z. ◦ Observa¸c˜ao: O difeomorfismo de classe Ck, y : V y(V ) → ⊂ Rn, ser´a um sistema de coordenadas em N se a classe de N for exatamente igual a k. Uma aplica¸c˜ao diferenci´avel f : M N diz-se uma imers˜ao se → todo ponto p M ´e um ponto regular para f, isto ´e, a derivada ∈ f (p): T M T N ´e injetiva para cada p M. 0 p → f(p) ∈ Proposi¸c˜ao 2. Seja f : M m N n uma imers˜ao de classe Ck. → Uma aplica¸c˜ao g : P r M m ´e de classe Ck se, e somente se, g ´e → cont´ınua e f g : P r N n ´e de classe Ck (k 1). ◦ → ≥ Demonstra¸c˜ao: Suponhamos que g seja cont´ınua e que f g ◦ ∈ Ck. Pela Proposi¸c˜ao 1, para cada p P existem um sistema de ∈ coordenadas x: U Rm em M, com g(p) U, e um difeomor- → ∈ fismo de classe Ck, y : V Rm Rn m, (V N aberto) tais → × − ⊂ que f(U) V e f = y f x 1 : x(U) Rm Rn m ´e da ⊂ xy ◦ ◦ − → × − forma fxy(w) = (w, 0). Como g ´e cont´ınua, podemos encontrar um sistema de coordenadas z : Z Rr em P , com p Z, tal que → ∈ g(Z) U. Portanto (f g) = y f g z 1 : z(Z) Rm Rn m ⊂ ◦ zy ◦ ◦ ◦ − → × − “MAIN2” 2007/5/23 page 151

[SEC. 2: MERGULHOS E SUBVARIEDADES 151 faz sentido e ´e da forma (f g) = (g , 0). Como f g Ck, ◦ zy zx ◦ ∈ segue-se que (f g) Ck, logo g Ck. Conclus˜ao: g Ck. ◦ zy ∈ zx ∈ ∈ A rec´ıproca ´e ob´ via.

Exerc´ıcio. Encontrar uma imers˜ao f : R R2, de classe C , e → ∞ uma aplica¸c˜ao descont´ınua g : R R tais que f g : R R2 seja → ◦ → de classe C∞.

Corol´ario. Sejam N uma variedade de classe Ck, pelo menos, M um espa¸co topol´ogico e f : M N uma aplica¸c˜ao cont´ınua. → Ent˜ao existe no m´aximo uma estrutura de variedade Ck em M que torna f uma imers˜ao de classe Ck. Demonstra¸c˜ao: Suponhamos que existam dois atlas m´aximos de classe Ck em M, A e B, tais que f : (M, A) N e f : (M, B) N → → s˜ao imers˜oes de classe Ck. A aplica¸c˜ao identidade g : (M, A) → (M, B) ´e cont´ınua e f g = f : (M, A) N. Pela Proposi¸c˜ao 2, ◦ → resulta que g Ck. Isto significa que para cada x: U Rm em ∈ → A e y : V Rn em B, com U V = , a mudan¸ca de coordena- → ∩ 6 ∅ das y x 1 ´e de classe Ck. Analogamente, a aplica¸c˜ao identidade ◦ − (M, B) (M, A) ´e de classe Ck, logo todas as mudan¸cas de coor- → denadas x y 1, x A e y B, tamb´em s˜ao de classe Ck. Como ◦ − ∈ ∈ A e B s˜ao atlas m´aximos de classe Ck, conclui-se que A = B.

2 Mergulhos e subvariedades

Sejam M m, N n variedades de classe Ck (k 1). ≥ Diz-se que uma aplica¸c˜ao f : M N ´e um mergulho se → (i) f ´e uma imers˜ao.

(ii) f ´e um homeomorfismo de M sobre o subespa¸co f(M) N. ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 152

152 [CAP. VI: IMERSOES,˜ MERGULHOS E SUBVARIEDADES

Na Se¸c˜ao 6 veremos exemplos de imers˜oes injetivas que n˜ao s˜ao homeomofismos sobre sua imagem.

Observa¸c˜ao: Quando f : M N ´e um mergulho de classe Ck, → a Proposi¸c˜ao 2 fica simplificada, pois n˜ao ser´a preciso supor que g ´e cont´ınua. De fato, se f g Ck, ent˜ao g = f 1 (f g) ´e ◦ ∈ − ◦ ◦ cont´ınua.

Uma subvariedade M m de classe Ck de uma variedade N n de classe Cr (r k) ´e um subconjunto M N, com a topologia ≥ ⊂ induzida pela de N, e dotado de uma estrutura de variedade C k tal que a aplica¸c˜ao de inclus˜ao i: M N ´e um mergulho de → classe Ck.

Segue-se do corol´ario anterior que existe no m´aximo uma es- trutura de variedade Ck que faz de M uma subvariedade Ck de N.

Devido a` importˆancia do conceito, explicitamos as condi¸c˜oes que devem ser verificadas a fim de que M seja uma subvariedade de classe Ck de N.

(i) M ´e uma variedade de classe Ck.

(ii) M N e a topologia de M ´e induzida pela de N. ⊂

(iii) Para cada p M, existem sistemas de coordenadas y : V ∈ → Rn em N e x: U Rm em M tais que p U V e y → ∈ ⊂ ◦ x 1 : x(U) Rn ´e uma imers˜ao de classe Ck. (Ent˜ao y x 1 − → ◦ − ´e necessariamente um mergulho, pois a topologia de U ´e induzida pela de V .) “MAIN2” 2007/5/23 page 153

[SEC. 2: MERGULHOS E SUBVARIEDADES 153

Intuitivamente, M est´a situada em N assim como uma su- perf´ıcie de classe Ck em Rn.

N

V U p M y

n y(V ) x R

y x−1 x(U) ◦ Rm x(p)

Figura 6.2.

Exemplos

1) As subvariedades de classe Ck de Rn s˜ao precisamente as su- perf´ıcies M Rn, de classe Ck. ⊂ 2) Sejam M e N variedades de classe Ck e f : M N um mer- → gulho de classe Ck. Ent˜ao f(M) ´e uma subvariedade de classe Ck de N.

3) Um subconjunto aberto U N, considerado como variedade ⊂ (ver Exemplo 2, Se¸c˜ao 4 do Cap. IV) ´e uma subvariedade de N, da mesma classe e dimens˜ao. Reciprocamente, toda variedade n-dimensional M n N n ´e um subconjunto aberto de N. Real- ⊂ mente, para cada par x, y como em (iii), y x 1 : x(U) Rn ´e, ◦ − → “MAIN2” 2007/5/23 page 154

154 [CAP. VI: IMERSOES,˜ MERGULHOS E SUBVARIEDADES pelo teorema da fun¸c˜ao inversa, uma aplica¸c˜ao aberta. Segue-se que M = [y 1 (y x 1)(x(U))] ´e um subconjunto aberto de N. − ◦ ◦ − Em particular,S se uma variedade conexa N n cont´em uma sub- variedade compacta M n, de mesma dimens˜ao, ent˜ao M = N.

3 Subvariedades

Na pr´atica, as trˆes condi¸c˜oes que devemos verificar para que M seja uma subvariedade de classe Ck de N podem ser simplificadas pelas seguintes proposi¸c˜oes.

Proposi¸c˜ao 3. Sejam N uma variedade Cr e M um subcon- junto de N. Suponhamos que para cada p M exista um sis- ∈ tema de coordenadas y : V Rn em N, com p V , e uma → ∈ aplica¸c˜ao injetiva x: M V Rm tais que x(M V ) ´e aberto ∩ → ∩ e y x 1 : x(M V ) Rn ´e um mergulho de classe Ck. Ent˜ao ◦ − ∩ → existe uma (unic´ a) estrutura de variedade Ck em M que o torna uma subvariedade de classe Ck de N.

Demonstra¸c˜ao: Dotando M da topologia induzida pela de N, cada aplica¸c˜ao x = (y x 1) 1 y : M V x(M V ) ser´a um ◦ − − ◦ ∩ → ∩ homeomorfismo. A cole¸c˜ao A de todas estas aplica¸c˜oes x: M ∩ V x(M V ) ´e um atlas de classe Ck em M. Realmente, se → ∩ x: M V Rm relaciona-se com y : V Rn da maneira indicada ∩ → m → n no enunciado e x1 : M V1 R relaciona-se com y1 : V1 R , e ∩ → 1 1 1 → 1 se M V V = , ent˜ao x x = (y x− ) (y y ) (y x ) ∩ ∩ 1 6 ∅ 1 ◦ − 1 ◦ 1 ◦ 1 ◦ − ◦ ◦ − ∈ Ck. A unicidade da estrutura de variedade em M ´e um fato geral, visto na Se¸c˜ao 2. “MAIN2” 2007/5/23 page 155

[SEC. 3: SUBVARIEDADES 155

N V

M ∩ V

M y

Rn−m

y(M V ) 0 ∩ π1

Rm

Figura 6.3.

Proposi¸c˜ao 4. Seja N n uma variedade de classe Cr. Para que um subonjunto M N sejam uma subvariedade de dimens˜ao m ⊂ e classe Ck (k r) de N ´e necess´ario e suficiente que, para cada ≤ p M, exista um aberto V N, p V , e um difeomorfismo de ∈ ⊂ ∈ classe Ck y : V Rm Rn m tal que y(M V ) Rm 0 . → × − ∩ ⊂ × { } ( ) A condi¸c˜ao ´e necess´aria. Resulta imediatamente da forma ⇒ local das imers˜oes (Proposi¸c˜ao 1) e da defini¸c˜ao de subvariedade. ( ) A condi¸c˜ao ´e suficiente. Resulta imediatamente da Pro- ⇐ posi¸c˜ao 3, tomando

x = (π y) (M V ): M V Rm. 1 ◦ | ∩ ∩ → Corol´ario. Seja N uma variedade de classe Cr. Dado M N, ⊂ se cada p M possui uma vizinhan¸ca V em N tal que M V ´e ∈ ∩ uma subvariedade de dimens˜ao m e classe Ck de N (k r) ent˜ao ≤ M ´e uma subvariedade de dimens˜ao m e classe Ck de N. “MAIN2” 2007/5/23 page 156

156 [CAP. VI: IMERSOES,˜ MERGULHOS E SUBVARIEDADES

Observa¸c˜ao: Espa¸co tangente a uma subvariedade. Seja M m N n uma subvariedade de classe Ck. Em ⊂ cada ponto p M identificamos o espa¸co tangente T M ∈ p com um subespa¸co de T Np , por meio da aplica¸c˜ao linear injetiva i (p): T M T N , onde i: M N ´e a inclus˜ao. 0 p → p → Como casos especiais deste procedimento, tem-se as identi- fica¸c˜oes T U = T N para um subconjunto aberto e T M Rn p p p ⊂ quando M m Rn ´e uma superf´ıcie. ⊂ 4 O espa¸co tangente a uma variedade pro- duto. Derivadas parciais

Seja M m N n um produto de variedades Ck (ver Exemplo 4, × Se¸c˜ao 4 do Cap. IV). Em cada ponto (p, q) M N, o espa¸co tangente ∈ × T (M N) cont´em dois subespa¸cos importantes E, F . O × (p,q) primeiro, E, consta de todos os vetores-velocidade λ0(0) de ca- minhos do tipo λ(t) = (λ1(t), q), enquanto que o segundo, F , ´e formado pelos vetores-velocidade µ0(0) dos caminhos da forma µ(t) = (p, µ (t)). Tomando um sistema de coordenadas x y em 2 × torno de (p, q), vˆe-se facilmente que o isomorfismo (x y) : T (M × 0 × N) Rm Rn leva E sobre Rm 0 e F sobre 0 Rn. (p,q) → × × × Consequen¨ temente, T (M N) = E F . × (p,q) ⊕ Do Exemplo 5, Se¸c˜ao 1, do Cap. V, resulta que as proje¸c˜oes π : M N M, π : M N N, e as inclus˜oes i : M M q 1 × → 2 × → q → × ⊂ M N, j : N p N M N s˜ao de classe Ck. As duas × p → × ⊂ × primeiras s˜ao as coordenadas da aplica¸c˜ao identidade de M N, × enquanto que as duas ultimas´ tˆem uma coordenada constante e a outra ´e a identidade. As rela¸c˜oes π i = id: M M e π j = id: N N 1 ◦ q → 2 ◦ p → acarretam (pela regra da cadeia) que iq e jp s˜ao mergulhos de “MAIN2” 2007/5/23 page 157

[SEC. 5: A CLASSE DE UMA SUBVARIEDADE 157 classe Ck (logo M q e p N s˜ao subvariedades Ck de M N) × × × e que as derivadas de π1 e π2 em (p, q) s˜ao sobrejetoras. E´ ob´ vio que T (M q) = E e T (p N) = F . × (p,q) × (p,q) Identificamos E e F com T Mp e T Nq respectivamente, por meio dos isomorfismos i (p): T M E e j (q): T N F . q0 p → p0 q → Escrevemos finalmente T (M N) = T M T N . × (p,q) p ⊕ q As derivadas parciais de uma aplica¸c˜ao diferenci´avel f : M N P s˜ao aplica¸c˜oes lineares ∂ f(p, q): T M T P × → 1 p → f(p,q) e ∂ f(p, q): T N T P , definidas como sendo as derivadas 2 q → f(p,q) das aplica¸c˜oes f i : M P e f j : N P nos pontos p M ◦ q → ◦ p → ∈ e q N, respectivamente. ∈ Tomando em M N sistemas de coordenadas locais do tipo × x y, a “nova” no¸c˜ao de derivada parcial reduz-se a “antiga”, × vista na Se¸c˜ao 6, Cap´ıtulo I. Por conseguinte, valem todos os resultados locais vistos no Cap´ıtulo I, tais como o teorema das fun¸c˜oes impl´ıcitas, o teorema da fun¸c˜ao inversa e a forma local das submers˜oes. O leitor est´a convidado a estender formalmente as generaliza¸c˜oes destes teore- mas ao contexto das variedades.

5 A classe de uma subvariedade

Na defini¸c˜ao de subvariedade, n˜ao demos muita aten¸c˜ao a` sua classe de diferenciabilidade. Por isso, talvez seja interessante es- clarecer, por meio de um exemplo, que uma variedade N, de classe Ck, pode possuir uma subvariedade M, de classe Cr, r < k, de tal modo situada em N que n˜ao existe em M uma estrutura de variedade Cr+1 tomando-a uma subvariedade de N. Seja N = R2, com sua estrutura habitual de variedade de clase C e M = (x, y) R2; x4 = y3 . Ent˜ao M = f 1(0), onde ∞ { ∈ } − f : R2 R ´e a fun¸c˜ao de classe C definida por f(x, y) = x4 y3. → ∞ − “MAIN2” 2007/5/23 page 158

158 [CAP. VI: IMERSOES,˜ MERGULHOS E SUBVARIEDADES

Se 0 R fosse um valor regular de f, M seria uma subvariedade ∈ 2 de classe C∞ do R . (Se¸c˜ao 5.2, Cap. II.) Tal n˜ao ´e o caso. Apesar disso, M ´e ainda uma subvariedade de classe C1 do R2, pois ´e o gr´afico da fun¸c˜ao y = x4/3, de classe C1.

y = x4/3

Figura 6.4.

Suponhamos que M pudesse receber uma estrutura de varie- dade de classe C2 do R2. A proje¸c˜ao π : R2 R, π(x, y) = x, → daria origem a uma fun¸c˜ao ϕ = π M : M R, de classe C2. | → Como ϕ ´e um homeomorfismo e em nenhum ponto de M o espa¸co 2 tangente T Mp ´e vertical, ϕ seria um difeomorfismo de clase C . Sua inversa ϕ 1 : R M seria uma aplica¸c˜ao de classe C2, do tipo − → t (t, g(t)), g C2. Isto implicaria imediatamente g(t) = t4/3, 7→ ∈ uma contradi¸c˜ao, pois t4/3 n˜ao ´e C2. O homeomorfismo ϕ = π M pode ser usado para transportar a | estrutura de variedade C∞ de R para M: o sistema de coordenadas ϕ: M R est´a contido em um unico´ atlas m´aximo A C em → ∈ ∞ M. No entanto, a variedade de classe C∞ (M, A) ´e apenas uma subvariedade de classe C1 de R2, pois a inclus˜ao i: M R2 ´e de → classe C1 mas n˜ao ´e de classe C2. Podem-se dar exemplos semelhantes para cada r. Por exemplo, o gr´afico de y = y r+1 ´e somente uma subvariedade | | de classe Cr de R2. “MAIN2” 2007/5/23 page 159

[SEC. 6: IMERSOES˜ CUJAS IMAGENS SAO˜ SUBVARIEDADES 159

6 Imers˜oes cujas imagens s˜ao subvariedades

Uma imers˜ao f : M N pode deixar de ser um mergulho por → dois motivos: (i) f n˜ao ´e injetiva. O exemplo t´ıpico ´e a aplica¸c˜ao de classe C , f : R R2, ∞ → definida por f(t) = (2 cos t + t, sen t).

f(R)

Figura 6.5.

(ii) f ´e injetiva mas f : M f(M) N n˜ao ´e um homeo- → ⊂ morfismo, onde f(M) tem a topologia induzida pela de N. (Ver Fig. 6.6.)

R

f

g

h

Figura 6.6.

Notemos que em nenhum dos exemplos da Fig. 6, f(R) ´e uma subvariedade de R2. Notemos tamb´em que f : R f(R) (com a → topologia induzida) n˜ao ´e aberta. “MAIN2” 2007/5/23 page 160

160 [CAP. VI: IMERSOES,˜ MERGULHOS E SUBVARIEDADES

Uma imers˜ao de classe Ck (k 1) f : M N ´e localmente ≥ → injetiva. Mais precisamente, cada ponto p M possui uma vizi- ∈ nhan¸ca U tal que f U ´e um mergulho (Proposi¸c˜ao 1). | Quando dim M = dim N, uma imers˜ao f : M N ´e na rea- → lidade um difeomorfismo local: cada ponto p M possui uma ∈ vizinhan¸ca U que ´e levada difeomorficamente por f sobre uma vi- zinhan¸ca de f(p). Em particular, quando dim M = dim N, uma imers˜ao ´e uma aplica¸c˜ao aberta. A proposi¸c˜ao abaixo mostra em que condi¸c˜oes a imagem de uma imers˜ao f : M N ´e uma subvariedade. → Proposi¸c˜ao 5. Seja f : M m N n uma imers˜ao de classe Ck → (k 1). Ent˜ao f(M) ´e uma subvariedade de dimens˜ao m e classe ≥ Ck de N se, e somente se, f : M f(M) ´e uma aplica¸c˜ao aberta → (f(M) com a topologia induzida pela de N). Em particular, se f ´e um mergulho ent˜ao f(M) ´e uma subvariedade de N. Demonstra¸c˜ao: ( ) Suponhamos que f : M f(M) seja aberta. ⇒ → Cada ponto p M possui uma vizinhan¸ca U, dom´ınio de um sis- ∈ tema de coordenadas x: U Rm tal que f U ´e um mergulho (ver → | Proposi¸c˜ao 1) e f(U) = V ´e aberto em f(M).

N U f p f(U) M f(p) x x˜

x(U)

Figura 6.7. “MAIN2” 2007/5/23 page 161

[SEC. 6: IMERSOES˜ CUJAS IMAGENS SAO˜ SUBVARIEDADES 161

As aplica¸c˜oes x¯ = x (f U) 1 : V Rm, assim obtidas, defi- ◦ | − → nem um atlas de classe Ck em f(M). Pela Proposi¸c˜ao 3, f(M) ´e de fato uma subvariedade de classe Ck de N.

( ) Reciprocamente, suponhamos que f(M) seja uma subva- ⇐ riedade de classe Ck de N. Ent˜ao, pela Proposi¸c˜ao 2, f : M → f(M) ´e uma imers˜ao de classe Ck, e portanto uma aplica¸c˜ao aberta.

f i Ck M f(M) ∈ N

. . . logo f Ck. i f Ck ∈ ◦ ∈

Exemplos:

1) A aplica¸c˜ao f : R R2, dada por f() = eit, ´e uma imers˜ao C → ∞ tal que f : R f(R) = S1 ´e uma subvariedade C do R2. → ∞

2) Seja g : S2 R4 definida por g(x, y, z) = (x2 y2, xy, xz, yz). → − Ent˜ao g : S2 g(S2) ´e uma imers˜ao C aberta, pois P 2 = g(S2) → ∞ ´e uma subvariedade do R4.

Observa¸c˜oes:

1) Note-se que, na Proposi¸c˜ao 5, n˜ao estamos supondo f injetiva!

2) Ser´a mostrado brevemente que uma aplica¸c˜ao de classe C 1 n˜ao pode transformar uma variedade em outra de dimens˜ao maior. Por conseguinte, n˜ao ser´a preciso admitir, no enunciado da Proposi¸c˜ao 5, que f(M) ´e m-dimensional. “MAIN2” 2007/5/23 page 162

162 [CAP. VI: IMERSOES,˜ MERGULHOS E SUBVARIEDADES

3) Um problema interessante ´e o de investigar condi¸c˜oes suficientes para que uma imers˜ao f : M N seja um mergulho. Por exem- → plo, quando M ´e compacta toda imers˜ao injetiva f : M N ´e → um homeomorfismo sobre f(M), logo um mergulho. Isto porque toda aplica¸c˜ao cont´ınua e injetiva de um espa¸co compacto sobre um espa¸co de Hausdorff ´e um homeomorfismo. Outra condi¸c˜ao suficiente ´e a seguinte.

4) Mergulhos pr´oprios.

Dada uma sequ¨ˆencia (pn) em uma variedade M, escrevemos p para indicar que (p ) n˜ao possui nenhuma subsequ¨ˆencia n → ∞ n convergente. Dada uma aplica¸c˜ao f : M N entre variedades, → chama-se conjunto-limite de f ao conjunto

L(f) = q N; q = lim f(p ), p em M . { ∈ n n → ∞ }

Uma aplica¸c˜ao f : M N, entre variedades, denomina-se → aplica¸c˜ao pr´opria quando ´e cont´ınua e p em M acarreta n → ∞ f(p ) em N. Em outras palavras, L(f) = . E´ f´acil ver, n → ∞ ∅ pela propriedade de Bolzano-Weierstrass, que isto ´e equivalente a dizer que para cada compacto K N, f 1(K) M ´e compacto. ⊂ − ⊂ Toda aplica¸c˜ao pr´opria ´e fechada. Em particular, uma imers˜ao injetiva pr´opria ´e um mergulho e, al´em disso, f(M) ´e um subconjunto fechado de N. A inclus˜ao i: R R2, i(x) = (x, 0) ´e um mergulho pr´oprio de → R em R2. Um segmento de reta aberto e limitado em R2 ´e imagem de um mergulho R R2 que n˜ao ´e uma aplica¸c˜ao pr´opria. → “MAIN2” 2007/5/23 page 163

[SEC. 7: A CURVA DE KRONECKER NO TORO 163

As figuras abaixo s˜ao exemplos ilustrativos de mergulhos n˜ao pr´oprios de R em R2.

Figura 6.8.

7 A curva de Kronecker no toro

O toro de dimens˜ao 2, T 2 R3, ´e a imagem de R2 pela ⊂ aplica¸c˜ao f : R2 R3, de classe C , dada por f(x, y) = (2 cos 2πx+ → ∞ cos 2πy cos 2πx, 2 sen 2πx + cos 2πy sen 2πx, sen 2πy). · · E´ f´acil ver que (i) f : R2 R3 ´e uma imers˜ao de classe C . → ∞ (ii) f(x, y) = f(x , y ) = x x Z, y y Z. 0 0 0 − ∈ 0 − ∈ Mostremos agora que a aplica¸c˜ao f : R2 T 2 ´e aberta. Resul- → tar´a ent˜ao da Proposi¸c˜ao 5 que T 2 ´e uma superf´ıcie de dimens˜ao 3 2 e classe C∞ no espa¸co R . Seja Z Z R2 o subgrupo aditivo formado pelos vetores de × ⊂ coordenadas inteiras. Dados w, w R2, temos f(w) = f(w ) 0 ∈ 0 ⇔ “MAIN2” 2007/5/23 page 164

164 [CAP. VI: IMERSOES,˜ MERGULHOS E SUBVARIEDADES w w Z Z, ou seja, a rela¸c˜ao de equivalˆencia definida por − 0 ∈ × f em R2 tem por classes de equivalˆencia as classes laterais do subgrupo Z Z R2. Consideremos a aplica¸c˜ao canˆonica π : R2 × ⊂ → R2/Z Z, tomando valores no grupo quociente R2/Z Z (munido × × da topologia quociente). Dado A R2 aberto, temos π 1(π(A)) = ⊂ − A + r, uma reuni˜ao de abertos. Segue-se que π(A) ´e aberto r Z Z ∈ × emSR2/Z Z, donde π ´e uma aplica¸c˜ao aberta. Notemos ainda × que o grupo quociente R2/Z Z ´e compacto, pois ´e a imagem do × compacto [0, 1] [0, 1] R2 pela aplica¸c˜ao cont´ınua π. × ⊂ Temos o diagrama comutativo cl´assico:

f - R2 T 2  π ? f R2/Z Z × onde f¯ ´e a bije¸c˜ao cont´ınua induzida por f. Como T 2 R3 ´e ⊂ Hausdorff e o dom´ınio de f ´e compacto, segue-se que f¯ ´e um homeomorfismo. Consequen¨ temente f ´e aberta, pois f¯ constitui uma “equivalˆencia” entre f e π. Assim T 2 R3 ´e uma superf´ıcie C e f : R2 T 2 ´e uma ⊂ ∞ → imers˜ao. Atrav´es do homeomorfismo f¯, transporta-se para o grupo quo- ciente R2/Z Z a estrutura de variedade C que T 2 possui, o que × ∞ torna π uma imers˜ao e f¯ um difeomorfismo, ambos C∞. As imagens dos caminhos x f(x, y ), y f(x , y) chamam- 7→ 0 7→ 0 se respectivamente os paralelos e os meridianos de T 2. “MAIN2” 2007/5/23 page 165

[SEC. 7: A CURVA DE KRONECKER NO TORO 165

Consideremos os caminhos no toro do tipo T f λ(t), λ(t) = 7→ ◦ (t, at) R2. ∈ f t λ λ(t) 0 f(λ(t))

R2 R

Figura 6.9.

Se a = m/n ´e um numero´ racional (na forma mais simples) ent˜ao fλ(R) ´e uma curva fechada em T 2. Com efeito, fλ(0) = fλ(n) pois λ(0) = (0, 0) e λ(n) = (n, m) Z Z. Geometrica- ∈ × mente, fλ(R) intersecta cada meridiano n vezes e cada paralelo m vezes. Suponhamos agora que a seja um numero´ irracional. Ent˜ao, para s = t R, o ponto λ(s) λ(t) = (s t, a (s t)) R2 jamais 6 ∈ − − · − ∈ ter´a ambas as coordenadas inteiras. Por conseguinte, f λ: R ◦ → T 2 ´e uma imers˜ao injetiva. Sua imagem f λ(R) ´e chamada a curva ◦ de Kronecker no toro. Geometricamente, a curva de Kronecker d´a infinitas voltas em torno de cada paralelo e de cada meridiano do toro, fazendo com todos eles um anguloˆ constante.

Figura 6.10. “MAIN2” 2007/5/23 page 166

166 [CAP. VI: IMERSOES,˜ MERGULHOS E SUBVARIEDADES

Provaremos agora que a curva de Kronecker ´e um subconjunto denso do toro. Como f ´e um homeomorfismo local de R2 sobre T 2, ´e suficiente mostrar que os pontos de R2 que se aplicam por f em pontos da curva de Kronecker formam um conjunto denso em R2. Explicitamente, devemos provar que o conjunto

X = (t + m, at + n); t R, m, n Z { ∈ ∈ } ´e denso em R2 quando a ´e irracional. Usaremos o Lema. Se a ´e um numer´ o irracional, ent˜ao o conjunto G = ma+ { n; m, n Z ´e denso em R. ∈ } Demonstra¸c˜ao: Como G ´e subgrupo aditivo de R ´e suficiente mostrar que para cada ε > 0 existe g G com 0 < g < ε (com ∈ efeito, se isto ocorrer, os multiplos´ kg, k Z, decompor˜ao a reta ∈ em intervalos de comprimento < ε). Escrevamos G+ = g { ∈ G; g > 0 . Suponhamos, por absurdo, que 0 < β = inf G+. } Afirma¸c˜ao: neste caso, β G+. Realmente, se fosse β / G+, ∈ ∈ existiriam, pela defini¸c˜ao de ´ınfimo, elementos distintos de G+ ar- bitrariamente pr´oximos de β. A diferen¸ca entre dois dos tais ele- mentos ´e arbitrariamente pequena e ´e ainda um elemento de G+. Portanto β G+. Afirma¸c˜ao: G ´e gerado por β. Dado g G, ∈ ∈ escrevamos g = qβ +r, q Z, 0 r < β. Ent˜ao r = g qβ G, | | ∈ ≤ | |− ∈ logo r = 0, donde g G e portanto g G. Escrevamos a = nβ e | | ∈ ∈ a + 1 = mβ como elementos de G. Ent˜ao 1 = (m n)β, ou seja, − β ´e racional, donde a ´e racional, o que ´e uma contradi¸c˜ao. Isto conclui a demonstra¸c˜ao do lema. Mostremos agora que X ´e denso em R2. Dado (x, y) R2 e ∈ ε > 0, existem, pelo lema, m, n Z tais que y ax am˜ n < ε. ∈ | − − − | Escrevamos t = x + m˜ , m = m˜ . Ent˜ao (t + m, at + n) = (x, ax + − am˜ + n). Logo d((x, y), (t + m, at + n)) < ε. “MAIN2” 2007/5/23 page 167

[SEC. 7: A CURVA DE KRONECKER NO TORO 167

Por v´arios motivos, a imers˜ao injetiva f λ: R T 2 n˜ao ´e ◦ → um mergulho. Um deles ´e que a curva de Kronecker f λ(R) n˜ao ◦ ´e localmente conexa. Outro ´e que, em virtude da Proposi¸c˜ao 4, quando m < n, uma subvariedade M m N n n˜ao pode ser um ⊂ subconjunto denso de N. “MAIN2” 2007/5/23 page 168

Cap´ıtulo VII

Submers˜oes, Transversalidade

Os conceitos de valor regular e submers˜ao generalizam-se fa- cilmente ao contexto das Variedades Diferenci´aveis, assim como todos os resultados obtidos em cap´ıtulos anteriores: a forma local das submers˜oes, o teorema da fun¸c˜ao inversa, etc... V´arios exemplos ser˜ao discutidos: as aplica¸c˜oes do c´ırculo S1 e dos planos projetivos P n, os grupos de Lie. Concluimos o cap´ıtulo com uma exposi¸c˜ao do conceito de trans- versalidade, introduzido por Ren´e Thom.

1 Submers˜oes

Seja f : M N uma aplica¸c˜ao de classe Ck, k 1. Um ponto → ≥ c N diz-se um valor regular de f se, para cada p f 1(c), a ∈ ∈ − derivada f (p): T M T N ´e sobrejetiva. 0 p → c “MAIN2” 2007/5/23 page 169

[SEC. 1: SUBMERSOES˜ 169

Quando c N f(M) ent˜ao c ´e obviamente um valor regular ∈ − de f. Se algum c f(M) ´e valor regular de f, ent˜ao dim M ∈ ≥ dim N. O resultado abaixo estende o Teorema 1, Cap´ıtulo II. Proposi¸c˜ao 1. Seja c N um valor regular de uma aplica¸c˜ao m n ∈ k 1 f : M N , de classe C (k 1). Ent˜ao, ou bem f − (c) ´e → 1 ≥ vazio, ou bem f − (c) ´e uma subvariedade (m n)-dimensional de k 1 − M, de classe C . O espa¸co tangente a f − (c) em cada ponto p ´e o nucle´ o de f (p): T M T N . 0 p → c Demonstra¸c˜ao: Se f 1(c) = , seja p f 1(c). Tomemos − 6 ∅ ∈ − coordenadas x: U Rm em M, p U e y : V Rn em N, → ∈ → c = f(p) V , com f(U) V . Ent˜ao y(c) ´e valor regular da ∈ ⊂ aplica¸c˜ao f = y f x 1 : x(U) Rn. xy ◦ ◦ − →

M N

f −1(c) f

U p V c x y m x(U) R fxy y(V ) Rn y(c)

Figura 7.1.

1 Pelo Teorema 1, Cap´ıtulo II, fxy− (y(c)) ´e uma superf´ıcie de dimens˜ao m n e classe Ck no Rm. Pela Proposi¸c˜ao 5, − x 1(f 1(y(c))) = f 1(c) U e uma subvariedade de classe Ck de − xy− − ∩ “MAIN2” 2007/5/23 page 170

170 [CAP. VII: SUBMERSOES,˜ TRANSVERSALIDADE

1 M. Do corol´ario da Proposi¸c˜ao 4 resulta que f − (c) ´e uma sub- variedade de M. A afirma¸c˜ao sobre o espa¸co tangente ´e deixada para o leitor. Proposi¸c˜ao 2 (Forma local das submers˜oes para variedades.) Seja f : M N uma aplica¸c˜ao de classe Ck (k 1). Suponha → ≥ que no ponto p M a derivada f (p): T M T N seja sobre- ∈ 0 p → f(p) jetiva. Ent˜ao existem um sistema de coordenadas y : V Rn em → N, f(p) V , e um mergulho de classe Ck, x: U Rn Rm n, ∈ → × − (x ser´a um sistema de coordenadas em M se M Ck) tais que ∈ x(U) = W Z, f(U) V e f = y f x 1 : W Z Rn ´e × ⊂ xy ◦ ◦ − × → da forma fxy(w, z) = w. Em particular, o conjunto X dos pontos p M onde f tem derivada sobrejetiva ´e aberto e f X ´e uma ∈ | aplica¸c˜ao aberta.

N n M m V p f U f(p)

x y Zn−m

fxy y(V ) = W n W n

Figura 7.2.

Demonstra¸c˜ao: Resulta imediatamente da forma local das sub- mers˜oes. (Vide Se¸c˜ao 8, Cap. I.) Deixamos ao leitor a verifica¸c˜ao dos detalhes. Diz-se que uma aplica¸c˜ao diferenci´avel f : M N ´e uma sub- → mers˜ao se todo c N for valor regular de f. Isto ´e equivalente ∈ a dizer que para cada p M a derivada f (p): T M T N ´e ∈ 0 p → f(p) sobrejetiva. “MAIN2” 2007/5/23 page 171

[SEC. 1: SUBMERSOES˜ 171

Observa¸c˜oes: 1) Pela Proposi¸c˜ao 2, toda submers˜ao ´e uma aplica¸c˜ao aberta. 2) Se f : M N ´e uma submers˜ao, ent˜ao dim M dim N. → ≥ 3) Quando dim M = dim N os conceitos de submers˜ao, imers˜ao e difeomorfismo local coincidem. 4) As imers˜oes e as submers˜oes s˜ao chamadas aplica¸c˜oes de posto m´aximo. (O posto de uma aplica¸c˜ao diferenc´avel f : M N, no → ponto p M, ´e a dimens˜ao da imagem de f (p).) ∈ 0 Proposi¸c˜ao 3. Seja f : M N uma submers˜ao sobrejetiva de → classe Ck. Uma aplica¸c˜ao g : N P ´e de classe Ck se, e somente → se, g f : M P ´e de classe Ck. ◦ → Demonstra¸c˜ao: Suponhamos que g f : M P seja de classe ◦ → Ck. Dado c N, arbitr´ario, existe a M tal que c = f(a). ∈ ∈ Sejam x: U Rn Rm n, a U, um difeomorfismo de classe Ck → × − ∈ (U M aberto) e y : V Rn, c V , um sistema de coordenadas ⊂ → ∈ em N tais que f(U) V e f = y f x 1 : (w, z) w. Ent˜ao ⊂ xy ◦ ◦ − 7→ g f x 1 = g y 1 f : (w, z) gy 1(w). Por hip´otese, g f ◦ ◦ − ◦ − ◦ xy 7→ − ◦ ◦ x 1 : x(U) P ´e de classe Ck. Por conseguinte g y 1 : y(V ) P − → ◦ − → ´e de classe Ck, logo g Ck. A rec´ıproca ´e ob´ via. ∈ Corol´ario. Sejam M uma variedade de classe Ck, N um conjunto e f : M N uma aplica¸c˜ao sobrejetiva. Ent˜ao existe no m´aximo → uma estrutura de variedade de classe Ck em N que torna f uma submers˜ao de classe Ck. k Demonstra¸c˜ao: Sejam N1 e N2 estruturas de variedade C em N tais que f = f : M N e f = f : M N s˜ao am- 1 → 1 2 → 2 bas submers˜oes de classe Ck. Consideremos a aplica¸c˜ao identi- dade i: N N . Como i f = f ´e de classe Ck segue-se 1 → 2 ◦ 1 2 da proposi¸c˜ao que i: N N ´e de classe Ck. Analogamente, 1 → 2 j : N N ´e de classe Ck. Por conseguinte, N = N . 2 → 1 1 2 “MAIN2” 2007/5/23 page 172

172 [CAP. VII: SUBMERSOES,˜ TRANSVERSALIDADE

Exemplo O espa¸co projetivo P n tem a unica´ estrutura diferenci´avel que torna π : Sn P n uma submers˜ao de classe C . → ∞

Observa¸c˜ao. O leitor n˜ao deixar´a de perceber a assimetria exis- tente entre a Proposi¸c˜ao 2 do Cap´ıtulo VI e a Proposi¸c˜ao 3 do Cap´ıtulo VII, bem como entre seus corol´arios. Esta assimetria resulta do fato seguinte: se f : M N ´e uma → submers˜ao sobrejetiva de classe C1, ent˜ao a topologia de N fica perfeitamente determinada por f e M, pois f ´e uma aplica¸c˜ao cont´ınua e aberta. Segue-se da´ı que N tem a topologia co-induzida por f. Por outro lado, para uma imers˜ao injetiva f : M N, a to- → pologia de N n˜ao determina a de M. As figuras abaixo ilustram v´arias topologias em M R2 para as quais i: M R2 ´e uma ⊂ → imers˜ao C∞:

Figura 7.3.

2 Rela¸c˜oes de simetria

2.1 - Aplica¸c˜oes do c´ırculo S1

A aplica¸c˜ao exponencial ξ : R S1, dada por ξ(t) = eit, ´e uma → 1 submers˜ao de classe C∞ de R sobre S . “MAIN2” 2007/5/23 page 173

[SEC. 2: RELAC¸OES˜ DE SIMETRIA 173

Pela Proposi¸c˜ao 3, um aplica¸c˜ao f : S1 M, do c´ırculo S1 → numa variedade diferenci´avel M, ´e de classe Ck se, e somente se, g = f ξ : R M ´e um caminho de classe Ck em M. ◦ →

R

g=f ξ ξ ◦ ? R f - S1 M

Na realidade, as aplica¸c˜oes g : R M do tipo g = f ξ s˜ao → ◦ precisamente os caminhos em M tais que g(t + 2π) = g(t) para todo t R. Mais geralmente, os caminhos peri´odicos de classe ∈ Ck, g : R M (de per´ıodo p R), induzem, por passagem ao → ∈ quociente, as aplica¸c˜oes de classe Ck, g¯: S1 M. →

R

g 2πit ξp ξp(t) = e p ? R g -   S1 M

A aplica¸c˜ao exponencial ξ : R S1 ´e tamb´em uma imers˜ao → de classe C∞. Pela Proposi¸c˜ao 2 do Cap´ıtulo VI, uma aplica¸c˜ao g : M R ´e de classe Ck se, e somente se, ξ g : M S1 ´e de → ◦ → classe Ck. O c´ırculo S1 pode tamb´em ser considerado como o grupo quo- ciente R/Z do grupo aditivo dos numeros´ reais pelo subgrupo Z dos numeros´ inteiros. Com efeito, o homomorfismo ξ : R S1 → “MAIN2” 2007/5/23 page 174

174 [CAP. VII: SUBMERSOES,˜ TRANSVERSALIDADE induz, por passagem ao quociente, um isomorfismo ξ : R/Z S1, ≈ o qual ´e um homeomorfismo pois R/Z ´e compacto e S1 ´e de Haus- 1 dorff. A estrutura de variedade C∞ em R/Z, transportada de S pelo homeomorfismo ϕ, ´e a unica´ que faz da proje¸c˜ao canˆonica π : R R/Z uma submers˜ao. → Considera¸c˜oes an´alogas podem ser feitas a respeito da iden- tifica¸c˜ao do grupo quociente Rn/Zn com o toro n-dimensional T n = S1 S1. (Vide Se¸c˜ao 7, Cap. III, para o caso n = 2.) × · · · × 2.2 - Aplica¸c˜oes do espa¸co projetivo P n E´ f´acil de ver que a proje¸c˜ao canˆonica π : Sn P n ´e uma → submers˜ao de classe C . Por conseguinte, uma aplica¸c˜ao g : P n ∞ → M ´e de clase Ck se, e somente se, g π : Sn M ´e de classe Ck. ◦ → Em outras palavras, as aplica¸c˜oes de classe Ck definidas em P n s˜ao obtidas, por passagem ao quociente, das aplica¸c˜oes f : Sn M → de classe Ck tais que f(p) = f( p) para todo p Sn. − ∈

Sn

f π g(π(p)) = f(p) ? R g P n - M

Por dualidade, uma aplica¸c˜ao f : M Sn ´e da classe Ck se, → e s´o se, π f : M P n ´e de classe Ck, pois π ´e tamb´em uma ◦ → imers˜ao. 2.3 - Um difeomorfsmo entre P 1 e S1 Consideremos a aplica¸c˜ao de classe C , f : S1 S1, definida ∞ → por f(z) = z2. E´ claro que f ´e sobrejetiva e f(z) = f(w) ⇔ “MAIN2” 2007/5/23 page 175

[SEC. 3: GRUPOS DE LIE 175 z = w. f induz uma bije¸c˜ao cont´ınua (logo um homeomorfismo,  pois P 1 ´e compacto) de classe C , g : P 1 S1, caracterizada por ∞ → g π = f. ◦

f - S1 S1  π g ? P 1

Pela regra da cadeia, para provar que g : P 1 S1 ´e um di- → feomorfismo local, basta mostrar que f ´e uma imers˜ao. Isto ´e claro, pois f (z): T (S1) T (S1) ´e dada por f (z) h = 2z h 0 z → z2 0 · · (multiplica¸c˜ao de numeros´ complexos). Logo g : P 1 S1 ´e um → difeomorfismo de classe C∞.

Nota: Este fato ´e v´alido apenas para n = 1.

3 Grupos de Lie

Um grupo de Lie ´e uma variedade G, de classe C∞, dotada de uma estrutura de grupo cuja multiplica¸c˜ao m: G G G, × → m(x, y) = xy, ´e uma aplica¸c˜ao de classe C∞. Provemos que, para cada x G, as aplica¸c˜oes ∈ ` : G G, ` (y) = xy (transla¸c˜ao a` esquerda por x), x → x r : G G, r (y) = yx (transla¸c˜ao a` direita por x), x → x ξ : G G, ξ(x) = x 1 (invers˜ao) → − s˜ao difeomorfismos de classe C∞. “MAIN2” 2007/5/23 page 176

176 [CAP. VII: SUBMERSOES,˜ TRANSVERSALIDADE

Da teoria dos grupos sabemos que `x , rx e ξ s˜ao bije¸c˜oes. A rigor,

1 (`x)− = `x−1 1 (rx)− = rx−1 1 (ξ)− = ξ.

Basta mostrarmos, ent˜ao, que as aplica¸c˜oes acima s˜ao de classe C∞. Consideremos em G G a estrutura de variedade produto. × Ent˜ao j : G G G definida por j (y) = (x, y) ´e um mergulho x → × x de classe C . Como ` = m j segue-se que ` C . Analo- ∞ x ◦ x x ∈ ∞ gamente, i : G G G, i (y) = (y, x) ´e um mergulho de classe x → × x C e r = m i C . ∞ x ◦ x ∈ ∞ Para provar que ξ C faremos uso do Teorema das Fun¸c˜oes ∈ ∞ Impl´ıcitas. A multiplica¸c˜ao m: G G G num grupo de Lie ´e × → uma submers˜ao, pois

∂ m(x, y) = (m j )0(y) = `0 (y): T G T G 2 ◦ x x y → xy

´e um isomorfismo. Por conseguinte, a equa¸c˜ao m(x, y) = e (e G ´e o elemento ∈ neutro de G) define, na vizinhan¸ca de cada x G, uma aplica¸c˜ao ∈ η C tal que m(x, η(x)) = x η(x) = e. Ent˜ao η(x) = x 1, ou ∈ ∞ · − seja η(x) = ξ(x). Assim, temos ξ C . ∈ ∞ A teoria dos grupos de Lie ´e um ramo importante da Ma- tem´atica que se origina das Variedades Diferenci´aveis e tem aplica- c˜¸oes importantes a` Geometria, as` Equa¸c˜oes Diferenciais e a` F´ısica. Os grupos de Lie de matrizes foram discutidos no fim do Cap´ıtulo II. “MAIN2” 2007/5/23 page 177

[SEC. 4: TRANSVERSALIDADE 177

4 Transversalidade

Sejam f : M N uma aplica¸c˜ao de classe Ck e S N → ⊂ uma subvariedade Ck de N. Em que condi¸c˜oes a imagem inversa 1 k f − (S) ´e uma subvariedade de classe C de M? Uma resposta a esta quest˜ao ´e dada por meio da no¸c˜ao de transversalidade. Trata- se de uma generaliza¸c˜ao natural do conceito de valor regular. Por meio desta no¸c˜ao pode-se dar um significado preciso ao fato de duas figuras se intersectarem em “posi¸c˜ao geral”. Sejam f : M m N n uma aplica¸c˜ao de classe Ck e Ss N n → ⊂ uma subvariedade de classe Ck. Diz-se que f ´e transversal a S no ponto p f 1(S) quando ∈ − f (p) T M +T S = T N , ou seja, quando a imagem de f (p) 0 · p f(p) f(p) 0 junto com o espa¸co tangente a S em f(p) geram T Nf(p) . Diz-se que f ´e transversal a S se, para todo ponto p f 1(S), f ´e transversal a S em p. ∈ − M

f(M) f N S

Figura 7.4.

Exemplos 1) S = c . { } Ent˜ao f ´e transversal a c se, e somente se, c ´e valor regular de f. 2) f(M) S = . ∩ ∅ “MAIN2” 2007/5/23 page 178

178 [CAP. VII: SUBMERSOES,˜ TRANSVERSALIDADE

Ent˜ao f ´e automaticamente transversal a S. 3) Se f ´e uma submers˜ao ent˜ao f ´e transversal a S, qualquer que seja a subvariedade S N. ⊂ Observa¸c˜ao: Se f(M) S = e f ´e transverssal a S ent˜ao ∩ 6 ∅ dim M + dim N dim S. Em outras palavras, quando dim M + ≥ dim S < dim N, dizer que f : M N ´e transversal a S significa → que f(M) S = . ∩ ∅ Recordemos que, dada uma subvariedade Ss N n de classe ⊂ Ck, existe, para cada q S, um difeomorfismo de classe Ck, ∈ y : V Rs Rn s (q V N aberto), tal que y(V S) Rs 0 → × − ∈ ⊂ ∩ ⊂ × (Proposi¸c˜ao 4, Se¸c˜ao 3, Cap. VI). Seja U M tal que f(U) V ⊂ ⊂ e consideremos a segunda proje¸c˜ao π : Rs Rn s Rn s. × − → −

V U M f p N − f 1(S) S y Rn−1 π Rs 0 0 ×

Figura 7.5.

A condi¸c˜ao de transversalidade pode ser reduzida a` de valor regular:

Lema. A aplica¸c˜ao f : M N ´e transversal a S nos pontos → de U f 1(S) se, e somente se, 0 Rn s ´e valor regular de ∩ − ∈ − π y (f U): U Rn s. ◦ ◦ | → − “MAIN2” 2007/5/23 page 179

[SEC. 4: TRANSVERSALIDADE 179

Demonstra¸c˜ao: Seja p U f 1(S) = [π y (f U)] 1(0). ∈ ∩ − ◦ ◦ | − Ponhamos f(p) = q. Ent˜ao (y f) (p) T M = y (q) f (p) T M = ◦ 0 · p 0 · 0 · p E e y (q) T S = Rs 0 . Como y (q): T N Rs Rn s ´e um 0 · q × { } 0 q → × − isomorfismo, as condi¸c˜oes

(i) f (p) T M + T S = T N 0 · p q q (ii) E + Rs 0 = Rs Rn s × { } × − n s (iii) π(E) = R −

(iv) [π y (f U)] (p) T M = Rn s ◦ ◦ | 0 · p −

M 0 N f (p) T Mp · f 0(p) p T Sq q S T Mp

y0(q) Rn−s E π Rs 0 0

Figura 7.6. s˜ao todas equivalentes, o que conclui a demonstra¸c˜ao. Dada uma subvariedade Ss N n, o numero´ n s chama-se a ⊂ − codimens˜ao de S em N. Proposi¸c˜ao 4. Seja f : M N uma aplica¸c˜ao de classe Ck, → transversal a uma subvariedade S N, de classe Ck. Ent˜ao ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 180

180 [CAP. VII: SUBMERSOES,˜ TRANSVERSALIDADE

(i) Ou bem f 1(S) = ou bem f 1(S) ´e uma subvariedade de − ∅ − classe Ck de M, cuja codimens˜ao em M ´e igual a` codimens˜ao de S em N.

1 1 (ii) Neste caso, T (f − (S))p = f 0(p)− [T Sf(p)] para todo p f 1(S). ∈ −

Demonstra¸c˜ao: Para cada p f 1(S), seja q = f(p) V . ∈ − ∈ Considere um difeomorfismo y : V Rs Rn s de classe Ck como → × − o do lema. Seja U p um aberto de M tal que f(U) V . Pela 3 ⊂ hip´otese de transversalidade, pelo lema e pela Proposi¸c˜ao 1, vˆe-se que f 1(S) U = [π y (f U)] 1(0) ´e uma subvariedade de M, de − ∩ ◦ ◦ | − dimens˜ao m (n s) e classe Ck. O espa¸co tangente a f 1(S) U − − − ∩ em p ´e o nucleo´ de (π y f)0(p), que ´e evidentemente a imagem 1 ◦ ◦ inversa de [f 0(p)]− T Sq . A proposi¸c˜ao fica provada lembrando o corol´ario da Proposi¸c˜ao 4, Se¸c˜ao 3, Cap. VI.

Corol´ario 1. Se f : M N ´e uma submers˜ao de classe Ck ent˜ao, → para toda subvariedade S N de classe Ck, f 1(S) ´e o conjunto ⊂ − vazio ou uma subvariedade de M de classe Ck.

Corol´ario 2. Sejam N n, Ss M m subvariedades de classe Ck. ⊂ Se N S = e se em cada ponto p N S, T N + T S = T M , ∩ 6 ∅ ∈ ∩ p p p ent˜ao N S ´e uma subvariedade de M cuja dimens˜ao ´e n+s m. ∩ − Al´em disso T (N S) = T N T S . ∩ p p ∩ p Em particular, se M 2, N 2 R3 s˜ao de classe Ck tais que, ⊂ em cada ponto p M N, os planos tangentes T M e T N s˜ao ∈ ∩ p p distintos, ent˜ao M N ´e uma curva de classe Ck em R3. ∩ Outro caso especial ocorre quando M n, Sm n M m s˜ao tais − ⊂ que T N T S = T M em todo p N S. Ent˜ao N S ´e uma p ⊕ p p ∈ ∩ ∩ variedade de dimens˜ao 0, isto ´e, um conjunto discreto de pontos em M. “MAIN2” 2007/5/23 page 181

[SEC. 5: TRANSVERSALIDADE DE FUNC¸OES˜ 181

S

N

Figura 7.7. Se duas subvariedades N, S M s˜ao tais que T N + T S = ⊂ p p T M em todo ponto p N S, dizemos que N e S est˜ao em p ∈ ∩ posi¸c˜ao geral, ou que se cortam transversalmente.

5 Transversalidade de fun¸c˜oes

Diz-se que duas aplica¸c˜oes diferenci´aveis f : M P , g : N → → P s˜ao transversais nos pontos p M, q N, se f(p) = g(q) = ∈ ∈ r P e T P = f (p) T M + g (q) T N . ∈ r 0 · p 0 · q Seja f g : M N P P definida por (f g)(p, q) = × × → × × (f(p), g(q)). A diagonal ∆ = (p, p); p P P P ´e uma { ∈ } ⊂ × subvariedade de P P difeomorfa a P atrav´es da aplica¸c˜ao δ: × P P × P

δ : P P P ∆ → × δ(p) = (p, p)

P

Proposi¸c˜ao 5. Duas aplica¸c˜oes diferenci´aveis f : M P , g : N → → P s˜ao transversais nos pontos p M, q N (f(p) = g(q) = r) ∈ ∈ se, e somente se, f g : M N P P ´e transversal a ∆ P P × × → × ⊂ × em (p, q). “MAIN2” 2007/5/23 page 182

182 [CAP. VII: SUBMERSOES,˜ TRANSVERSALIDADE

Demonstra¸c˜ao: Da Algebra´ Linear sabemos que, dados dois su- bespa¸cos A, B E de um espa¸co vetorial E, temos A + B = E, ⊂ se, e somente se, (A B) + D = E E, onde D ´e a diagonal de × × E E. O resultado segue-se da´ı, tomando ×

A = f 0(p) T M , B = g0(q) T N , E = T P · p · q r A B = (f g)0(p, q) T (M N) = f 0(p) g0(q) T M T N × × · × (p,q) × · p × q D = T ∆r,r) .

Quando f : M P , g : N P s˜ao transversais em todos os → → pares p M, q N com f(p) = g(q) dizemos simplesmente que f ∈ ∈ e g s˜ao transversais. Por exemplo, se uma das aplica¸c˜oes f, g for uma submers˜ao, ent˜ao f e g ser˜ao transversais.

Proposi¸c˜ao 6. Se duas aplica¸c˜oes f : M P , g : N P , de → → classe Ck (k 1), s˜ao transversais ent˜ao o conjunto Q = (p, q) ≥ { ∈ M N; f(p) = g(q) ´e uma subvariedade de M N, de classe Ck × } × e dim Q = dim M + dim N dim P . − Demonstra¸c˜ao: Basta observar que Q = (f g) 1(∆) e aplicar × − as Proposi¸c˜ao 4 e 5.

Exemplos Qualquer aplica¸c˜ao f : M N de classe Ck ´e transversal a → i: N N, pois a ultima´ ´e uma submers˜ao. Por conseguinte, → Q = (p, q) M N; q = f(p) ´e uma subvariedade de classe Ck { ∈ × } de M N, e dim Q = dim M. Obviamente, Q ´e o gr´afico de f. × Isto podia ser visto de outro modo, pois Q ´e a imagem de M pelo mergulho f˜: M M N, f˜(p) = (p, f(p)). → × Sejam f : M m N n uma submers˜ao de classe Ck e Γ = → (p, q) M M; f(p) = f(q) o gr´afico da equivalˆencia indu- { ∈ × } zida por f. Ent˜ao Γ ´e uma subvariedade de N, de classe Ck e dimens˜ao 2m n. − “MAIN2” 2007/5/23 page 183

[SEC. 6: APLICAC¸OES˜ DE POSTO CONSTANTE 183

6 Aplica¸c˜oes de posto constante

Lembremos que o posto de uma aplica¸c˜ao diferenci´avel f : M m N n no ponto p M ´e a dimens˜ao da imagem da sua → ∈ derivada f (p): T M T N . 0 p → f(p) Se f : M m N n ´e de classe Ck, onde k 1, ent˜ao o posto → ≥ de f num ponto p M ´e uma fun¸c˜ao semi-cont´ınua inferiormente ∈ do ponto p. Isto significa que cada ponto p M possui uma ∈ vizinhan¸ca V tal que o posto de f em todos os pontos de V ´e maior do que ou igual ao posto de f no ponto p. E´ claro o que significa dizer que f : M m N n tem posto → constante. Por exemplo, imers˜oes e submers˜oes s˜ao aplica¸c˜oes de posto constante. Sejam G, H grupos de Lie e f : G H um homomorfismo → diferenci´avel. Ent˜ao f tem posto constante. Com efeito, sendo f um homomorfismo, dados a, p G arbitr´arios, temos f(a p) = ∈ · f(a) f(p), o que se pode escrever como f ` = ` f : G H, · ◦ a f(a) ◦ → usando as transla¸c˜oes a` esquerda ` : G G e ` : H H. a → f(a) → Tomando p, q G quaisquer e pondo a = gp 1, temos ent˜ao os ∈ − diagramas comutativos:

0 `a `a G G T Gp T Gq −−−−→ −−−−→ f f f 0(p) f 0(q)     H H T Hf(p) 0 T Hf(q) ` y −−f−(−a→) y y −−`f−(−a→) y

onde as derivadas `a0 e `f0 (a) s˜ao tomadas nos pontos p e f(p) respec- tivamente. Como estas transforma¸c˜oes lineares s˜ao isomorfismos, concluimos que f 0(p) e f 0(q) tˆem o mesmo posto. “MAIN2” 2007/5/23 page 184

184 [CAP. VII: SUBMERSOES,˜ TRANSVERSALIDADE

Proposi¸c˜ao 7. (Teorema do posto para variedades.) Seja f : M m N n uma aplica¸c˜ao de classe Ck (k 1) de posto constante → ≥ r, entre variedades de classe Ck. Para todo ponto p M exis- ∈ tem sistemas de coordenadas x: U Rm em M, com p U, e → ∈ y : V Rn em N, com q = f(p) V , tais que y f x 1 : (x1, . . . , → ∈ ◦ ◦ − xr, xr+1, . . . , xm) (x1, . . . , xr, 0, . . . , 0). 7→ Demonstra¸c˜ao: Consequ¨ˆencia imediata do teorema do posto em espa¸cos euclidianos. (Vide Se¸c˜ao 10, Cap. I.)

Proposi¸c˜ao 8. Seja f : M m N n de classe Ck (k 1) e posto → ≥ constante r. Para cada q N, se f 1(q) = ent˜ao f 1(q) ´e uma ∈ − 6 ∅ − subvariedade de classe Ck e dimens˜ao m r em M. − Demonstra¸c˜ao: Dado p f 1(q), tomemos coordenadas x, y ∈ − como na Proposi¸c˜ao 7. Sejam x(U) = U U Rr Rm r e 1 × 2 ⊂ × − y(q) = (a, 0) Rr Rn r. Ent˜ao x(U f 1(q)) = a U , o que ∈ × − ∩ − × 2 permite considerar x (U f 1(q)) como um sistema de coordena- | ∩ − das locais em f 1(q), tomando valores no aberto U Rm r. − 2 ⊂ − Como aplica¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 8, concluimos que, se f : G H → ´e um homomorfsimo C∞ entre grupos de Lie, seu nucleo´ K = 1 f − (e) ´e um subgrupo normal fechado, o qual ´e uma subvariedade de G e portanto um grupo de Lie. A Proposi¸c˜ao 8 permite ainda estender para variedades os re- sultados finais da Se¸c˜ao 10, Cap I. Enunciaremos tais fatos sem demonstra¸c˜ao. O leitor poder´a supri-las.

Proposi¸c˜ao 9. Seja f : M m N n uma aplica¸c˜ao de classe Ck → (k 1). Para cada r = 0, 1, . . . , s (s = min m, n ) seja A o ≥ { } r interior do conjunto dos pontos p M nos quais f tem posto r. ∈ Ent˜ao A = A A ´e (aberto e) denso em M. 0 ∪ · · · ∪ s Corol´ario 1. O posto de f ´e constante em cada componente co- nexa de um subconjunto aberto e denso A M. ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 185

[SEC. 6: APLICAC¸OES˜ DE POSTO CONSTANTE 185

Corol´ario 2. Se f ´e injetora, ent˜ao m n e o conjunto dos ≤ pontos p M onde f tem posto m ´e aberto e denso em M. ∈ Corol´ario 3. Se f ´e aberta, ent˜ao m n e o conjunto dos pontos ≥ p M nos quais f tem posto n ´e aberto e denso em M. ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 186

Cap´ıtulo VIII

Parti¸c˜oes da Unidade e suas Aplica¸c˜oes

1 Fun¸c˜oes auxiliares

Indicaremos com B(r) = x Rm; x < r a bola aberta de { ∈ | | } centro em 0 Rm e raio r. Quando houver necessidade, escreve- ∈ remos Rm(r) em vez de B(r). Seja M m uma variedade de classe Ck. Dados um ponto p M ∈ e um aberto p A M existem sempre um aberto U, com ∈ ⊂ p U A, e um sistema de coordenadas x: U Rm tal que ∈ ⊂ → x(U) = B(3). [Tomamos um qualquer sistema de coordenadas y em torno de p; por transla¸c˜ao, podemos supor que y(p) = 0. Existe r > 0 tal que y 1(B(r)) A. Pomos U = y 1((r)) e x = h y onde − ⊂ − ◦ h: Rm Rm ´e a homotetia h(v) = 3v/r.] → Quando tivermos um tal sistema de coordenadas usaremos le- 1 tras U, V , W para representar os conjuntos U = x− (B(3)), 1 1 V = x− (B(2)), W = x− (B(1)). “MAIN2” 2007/5/23 page 187

[SEC. 1: FUNC¸OES˜ AUXILIARES 187

U V M W

x B(3) B(2) B(1) 3 2 1 0

Figura 8.1.

A estes sistemas de coordenadas x: U B(3) associaremos → fun¸c˜oes ϕ : M R, de classe Ck, tais que: x → a) 0 ϕ (q) 1 para todo q M; ≤ x ≤ ∈ b) ϕ (W ) = 1, ϕ (M V ) = 0. x x −

Uma fun¸c˜ao ϕx com as propriedades acima ser´a chamada uma fun¸c˜ao auxiliar do sistema de coordenadas x. Para se provar a existˆencia de fun¸c˜oes auxiliares basta exibir uma fun¸c˜ao ϕ: Rm R, de classe C , tal que → ∞ a’) 0 ϕ(y) 1 para todo y Rm; ≤ ≤ ∈ b’) ϕ(y) = 1 para y 1, ϕ(y) = 0 para y 2. | | ≤ | | ≥ De fato, a fun¸c˜ao ϕ : M R, definida por x → ϕ(x(q)), se q U, ϕx(q) = ∈ (0, se q M V ∈ − “MAIN2” 2007/5/23 page 188

188 [CAP. VIII: PARTIC¸OES˜ DA UNIDADE E SUAS APLICAC¸OES˜ ser´a evidentemente uma fun¸c˜ao auxiliar. Comecemos com a fun¸c˜ao α: R R, definida por α(t) = → exp( 1/t) para t > 0, e α(t) = 0 para t 0. − ≤

− 1 α(t) = e t

0 t

Figura 8.2.

Como α ´e claramente C em R 0 e todas as suas derivadas ∞ −{ } tendem para 0 quando t 0, resulta que α ´e uma fun¸c˜ao de classe → C∞ em R. Consideremos agora a fun¸c˜ao β : R R, de classe C , definida → ∞ por β(t) = α(t + 2) α( t 1). Ent˜ao β(t) = exp[(t + 2)(t + 1)] 1 · − − − para 2 < t < 1 e β(t) = 0 para os demais valores de t. − −

1 β(t) = e (t+1)(t+2) −2 < t < −1

2 1 t − −

Figura 8.3. “MAIN2” 2007/5/23 page 189

[SEC. 1: FUNC¸OES˜ AUXILIARES 189

+ 1 Seja b = ∞ β(s) ds = − β(s) ds. A integral indefinida 2 Z−∞ Z− 1 + γ(t) = ∞ β(s) ds b Z−∞ ´e uma fun¸c˜ao de classe C tal que 0 γ(t) 1 e γ(t) = 1 para ∞ ≤ ≤ t 1. Al´em disso, γ cresce de 0 para 1 quando t varia de 2 a ≥ − − 1. −

γ(t) 1

−2 −1 t

Figura 8.4.

Definamos finalmente ϕ: Rm R por ϕ(x) = γ( x ) → −| |

ϕ(t) 1

−2 −1 1 2 t

Figura 8.5. “MAIN2” 2007/5/23 page 190

190 [CAP. VIII: PARTIC¸OES˜ DA UNIDADE E SUAS APLICAC¸OES˜

A norma x em Rm considerada acima deve provir de um pro- | | duto interno, x = x, x 1/2, | | h i a fim de que x x seja uma fun¸c˜ao de classe C em Rm 0 . 7→ | | ∞ − { } Como γ ´e constante perto de x = 0, resulta que ϕ C . ∈ ∞ Mais geralmente, para cada numero´ real ε > 0, existe uma fun¸c˜ao ϕ : Rm R, de classe C , tal que 0 ϕ (x) 1 para ε → ∞ ≤ ε ≤ todo x, ϕ (x) = 0 para x 2ε. Basta tomar ϕ (x) = ϕ(x/ε). ε | | ≥ ε

2 Algumas no¸c˜oes topol´ogicas

Seja M uma variedade de classe Ck. As fun¸c˜oes auxiliares ser˜ao usadas na Se¸c˜ao 3 para obter “parti¸c˜oes da unidade” em M. Recordemos primeiramente, nesta se¸c˜ao, alguns conceitos da Topologia Geral. (I) Dados um espa¸co topol´ogico X e uma aplica¸c˜ao f : X → Rm, o suporte de f ´e, por defini¸c˜ao, o fecho do conjunto

x X; f(x) = 0 . { ∈ 6 } Usaremos a nota¸c˜ao supp(f) para indicar o suporte de f. Dado x X, dizer que x / supp(f) significa que f se anula em todos os ∈ ∈ pontos de uma vizinhan¸ca de x. Exemplo. Usando as nota¸c˜oes da Se¸c˜ao 1, vˆe-se que as fun¸c˜oes auxiliares ϕ : M R tˆem como suporte os conjuntos x → 1 1 V = x− (B(2)) = x− (B(2)).

Observemos que existem fun¸c˜oes auxiliares definidas em M com suportes arbitrariamente pequenos. Basta notar que dado “MAIN2” 2007/5/23 page 191

[SEC. 2: ALGUMAS NOC¸OES˜ TOPOLOGICAS´ 191 um sistema de coordenadas y em torno de um ponto p M, com 1 ∈ y(p) = 0, as imagens inversas y− (B(r)) constituem uma base de vizinhan¸cas de p, quando r percorre um intervalo (0, α). (II) Uma fam´ılia = (C ) de subconjuntos de um espa¸co C α α A topol´ogico X chama-se localmente∈ finita quando todo ponto x X ∈ possui uma vizinhan¸ca que intersecta apenas um numero´ finito de Cα’s. Mais precisamente, ´e localmente finita se, e somente se, para C cada x X existem uma vizinhan¸ca V x e um subconjunto ∈ 3 finito α , . . . , α A tais que { 1 r} ⊂ V C = α α , . . . , α . ∩ α 6 ∅ ⇒ ∈ { 1 r} Exemplos 1) A fam´ılia que consiste de todos os intervalos de reta (n, + ) C ∞ ⊂ R, n = 0, 1, 2, . . . ´e localmente finita. 2) Toda fam´ılia finita ´e localmente finita. Uma fam´ılia = (C ) C α α A de subconjuntos de X diz-se pontualmente finita quando todo∈ ponto x X pertence somente a um numero´ finito de C ’s. Toda ∈ α fam´ılia localmente finita ´e pontualmente finita. A rec´ıproca ´e falsa: cada ponto p R pertence no m´aximo a um numero´ finito de in- ∈ tervalos (1/n, 2/n), n = 1, 2, 3, . . . mas toda vizinhan¸ca de 0 R ∈ intersecta uma infinidade de tais intervalos. Dada uma fam´ılia localmente finita = (C ) de subconjun- C α tos de X, segue-se da defini¸c˜ao de compacidade por cobertura abertas que um conjunto compacto K X s´o poder´a intersectar ⊂ um numero´ finito de conjuntos C . Ou seja, dado K X com- α ⊂ pacto, existe um subconjunto finito A = α , . . . , α A tal 0 { 1 r} ⊂ que K C = = α A . A demonstra¸c˜ao ´e f´acil e ´e deixada ∩ α 6 ∅ ∈ 0 para o leitor. Em particular, dada uma fam´ılia localmente finita = (C ) num espa¸co compacto X, tem-se C = salvo para um C α α ∅ numero´ finito de ´ındices α. “MAIN2” 2007/5/23 page 192

192 [CAP. VIII: PARTIC¸OES˜ DA UNIDADE E SUAS APLICAC¸OES˜

Quando (Cα)α A ´e uma fam´ılia localmente finita de subcon- ∈ juntos de um espa¸co topol´ogico X, tem-se Cα = Cα . Toda variedade diferenc´ael ´e um espa¸coSlocalmenSte compacto. Uma fam´ılia = (C ) de subconjuntos de um espa¸co localmente C α compacto X ´e localmente finita se, e somente se, cada conjunto compacto K X intersecta apenas um numero´ finito de C ’s. ⊂ α Mais exatamente, dado K, deve existir A = α , . . . , α A tal 0 { 1 s} ⊂ que C K = implica α A . α ∩ 6 ∅ ∈ 0 (III) Um espa¸co topol´ogico com base enumer´avel goza da pro- priedade de Lindel¨of: Toda cobertura aberta de X admite uma subcobertura enumer´avel. Da´ı se conclui sem dificuldade que se X ´e um espa¸co topol´ogico com base enumer´avel e = (C ) ´e uma C α fam´ılia localmente finita de subconjuntos de X, ent˜ao C = ex- α ∅ ceto para um subconjunto enumer´avel de α’s. Esta ´e a situa¸c˜ao que encontraremos nas variedades diferenci´aveis.

(IV) Seja X um espa¸co topol´ogico. Dada uma cole¸c˜ao (ϕα)α A de fun¸c˜oes ϕ : X R, tais que a fam´ılia (supp(ϕ )) dos seus∈ α → α α A suportes ´e pontulamente finita, ent˜ao a soma ∈

ϕ = ϕα α A X∈ tem sentido. De fato, para cada x X existe um conjunto finito ∈ de ´ındices A = α , . . . , α A tal que ϕ (x) = 0 se α / A . 0 { 1 r} ⊂ α ∈ 0 Definimos ent˜ao ϕ(x) = ϕ (x) + + ϕ (x). α1 · · · αr Se (supp(ϕα))α A ´e localmente finita e as ϕα s˜ao cont´ınuas ent˜ao ϕ ´e cont´ınua.∈ Com efeito, para cada x X existem uma 0 ∈ vizinhan¸ca V x e ´ındices α , . . . , α em A tais que ϕ(x) = 3 0 1 r ϕ (x) + + ϕ (x) para todo x V . α1 · · · αr ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 193

[SEC. 3: PARTIC¸OES˜ DA UNIDADE 193

3 Parti¸c˜oes da unidade

r Sejam M uma variedade de classe C e ϕ = ϕα a soma de α A k ∈ uma fam´ılia (ϕα)α A de fun¸c˜oes de classe C em MP cujos suportes formam uma fam´ılia∈ localmente finita. Cada p M possui uma ∈ vizinhan¸ca V tal que ϕ(q) = ϕ (q) + + ϕ (q), para todo q p α1 · · · αr ∈ Vp . [Os ´ındices α1, . . . , αs s˜ao os mesmos para todos os pontos q k ∈ Vp .] Isto mostra que ϕ = ϕα ´e de classe C , por ser localmente α A ∈ uma soma finita de fun¸c˜oesPde classe Ck. Al´em disso, sendo M um espa¸co topol´ogico com base enumer´avel, necessariamente ϕ 0 α ≡ salvo para uma quantidade enumer´avel de ´ındices α. Defini¸c˜ao. Seja M uma variedade de classe Cr. Uma parti¸c˜ao da unidade de classe Ck (k r) em M ´e uma fam´ılia de fun¸c˜oes k ≤ (ϕα)α A , de classe C , tais que ∈ 1) Para todos os p M e α A, ϕ (p) 0; ∈ ∈ α ≥ 2) A fam´ılia = (supp(ϕα))α A ´e localmente finita em M; C ∈ 3) Para todo p M tem-se ϕα(p) = 1. ∈ α A P∈ Em vista de 2), a soma em 3) ´e finita em cada ponto p M. ∈ Tem-se tamb´em 0 ϕ (p) 1 por causa de 3) e de 1). ≤ α ≤ A defini¸c˜ao acima inclui o caso de parti¸c˜oes da unidade finitas, ϕ + + ϕ = 1. E´ suficiente tomar ϕ 0 salvo para um 1 · · · n α ≡ numero´ finito de ´ındices α. E´ claro que toda parti¸c˜ao da unidade em uma variedade compacta ´e finita (ver Se¸c˜ao 2, Observa¸c˜ao 2).

Seja = (Cα)α A uma cobertura de M. Dizemos que uma C ∈ parti¸c˜ao da unidade ϕβ = 1 est´a subordinada a` cobertura β B C ∈ se, para todo β B, existeP α A tal que supp(ϕ ) C . ∈ ∈ β ⊂ α Intuitivamente, a cobertura ´e uma medida do tamanho dos C suportes das fun¸c˜oes ϕβ , no seguinte sentido: “MAIN2” 2007/5/23 page 194

194 [CAP. VIII: PARTIC¸OES˜ DA UNIDADE E SUAS APLICAC¸OES˜

Dadas duas coberturas , de um conjunto X, dizemos que C C0 ´e mais fina que , ou refina , ou ´e um refinamento de C C0 C C0 C C0 quando, para todo C , existe algum C tal que C C . ∈ C 0 ∈ C0 ⊂ 0 Por exemplo, uma parti¸c˜ao da unidade Σ ϕβ = 1 est´a subordi- nada a` uma cobertura = (C ) se, e somente se, os suportes das C α fun¸c˜oes ϕ formam uma cobertura que refina . β C A rela¸c˜ao “ ´e mais fina que ” ´e reflexiva e transitiva mas C C0 n˜ao ´e anti-sim´etrica.

Dizemos que uma parti¸c˜ao da unidade ϕα = 1 ´e estri- α A ∈ tamente subordinada a uma cobertura quandoP = (Cα)α A C C ∈ tem ´ındices no mesmo conjunto que as fun¸c˜oes ϕα e, al´em disso, supp(ϕ ) C para todo α A. α ⊂ α ∈ Proposi¸c˜ao 1. Sejam M uma variedade diferenci´avel e uma C cobertura aberta de M. Ent˜ao possui uma refinamento = C U U1, U2, . . . localmente finito, formado por dom´ınios de sistemas { } m de coordenadas xi : Ui R tais que xi(Ui) = B(3) para todo i. → 1 1 Al´em disso, pondo Vi = xi− (B(2)) e Wi = xi− (B(1)), os Wi’s ainda constituem uma cobertura (localmente finita) de M.

Demonstra¸c˜ao: Sendo um espa¸co de Hausdorff localmente com- pacto, com base enumer´avel, M pode ser escrito como reuni˜ao enumer´avel M = K de compactos tais que K int K para i i ⊂ i+1 i = 1, 2, . . . S O compacto K2 pode ser coberto com um numero´ finito de conjuntos aberto do tipo W cujos U’s correspondentes est˜ao conti- dos no interior de K e em algum aberto da cobertura . Analoga- 3 C mente, a “faixa” compacta K int K pode ser coberta por um 3 − 2 numero´ finito de conjuntos do tipo W tais que cada um dos U’s correspondentes est´a contido em K K e em algum conjunto 4 − 1 aberto C . ∈ C “MAIN2” 2007/5/23 page 195

[SEC. 3: PARTIC¸OES˜ DA UNIDADE 195

K4

K3 intK2 K3 U − K p 1 K2

Figura 8.6. Fazendo o mesmo racioc´ınio para K int K , K = int K , 4 − 3 r 4 etc., obtemos uma cobertura enumer´avel W , W , . . . de M e, { 1 2 } correspondentemente, uma cobertura = U , . . . , U , . . . . U { 1 n } A cobertura refina , por constru¸c˜ao, e ´e localmente finita U C de uma maneira especial pois cada Ui , estando contido em algum Kj , intersecta apenas um numero´ finito dos outros U’s. Observa¸c˜ao: Quando M ´e compacta, a Proposi¸c˜ao 1 ´e trivial. A cobertura = U , . . . , U ´e finita, obtida imediatamente da U { 1 n} defini¸c˜ao de compacidade por cobertura de abertos.

Corol´ario. Dada uma cobertura aberta =(Cα)α A de uma va- k C ∈ riedade M C , existe uma parti¸c˜ao da unidade ψi = 1, ∈ i N ∈ de classe Ck, subordinada a` cobertura . P C Demonstra¸c˜ao: Seja = U , U , . . . a cobertura de M ob- U { 1 2 } tida na demonstra¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 1. Consideremos a fam´ılia R k de fun¸c˜oes auxiliares ϕxi : M , de classe C , associadas aos → Rm sistemas de cordenadas xi : Ui . A soma ϕ = ϕxi ser´a → i bem definida pois ´e localmente finita. Pondo ψi = ϕPx /ϕ ent˜ao U i Σ ψi = 1 e obtemos a desejada parti¸c˜ao da unidade.

Teorema 1. Dada uma cobertura aberta = (Cα)α A de uma va- k C ∈ riedade M de classe C , existe uma parti¸c˜ao da unidade ϕα = α A P∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 196

196 [CAP. VIII: PARTIC¸OES˜ DA UNIDADE E SUAS APLICAC¸OES˜

1, de classe Ck, estritamente subordinada a` cobertura . C Demonstra¸c˜ao: Seja ψi = 1 parti¸c˜ao da unidade subordinada i N a , obtida pelo corol´arioP∈ anterior. Assim, para cada i N, existe C ∈ α A tal que U C . Tomemos uma “fun¸c˜ao de escolha” ∈ i ⊂ α f : N A, isto ´e, U C para todo i N. → i ⊂ f(i) ∈ Ponhamos ψα = ψi . Como ´e localmente finita, tem-se f(i)=α U P

Vi = V i . f([i)=α f([i)=α

Logo supp(ψα) = V i . f(i)=α S Afirmamos que (supp(ψα))α A ´e uma fam´ılia localmente finita. De fato, como ´e localmente ∈finita, dado p M existem V p e U ∈ 3 J = i , . . . , i N tais que { 1 r} ⊂ U V = i J. i ∩ 6 ∅ ⇒ ∈ Seja A = f(J). Se supp(ψ ) V = ent˜ao U V = para 0 α ∩ 6 ∅ i ∩ 6 ∅ algum i tal que f(i) = α. Ent˜ao U V = . Segue-se que i J, i ∩ 6 ∅ ∈ e portanto α = f(i) A . Em suma, supp(ψ ) V = ∈ 0 α ∩ 6 ∅ ⇒ α A . Consequen¨ temente (supp(ψ )) ´e localmente finita. A ∈ 0 α demonstra¸c˜ao fica conclu´ıda pondo

ψ = ψα e ϕα = ψα/ψ. α A X∈ Ent˜ao Σ ϕ = 1 e supp(ϕ ) C . α α ⊂ α 4 O lema de Urysohn diferenci´avel

Seja M uma variedade diferenci´avel, de classe Ck. Uma parti¸c˜ao da unidade de classe Ck subtordinada a uma cobertura M = U V , ∪ “MAIN2” 2007/5/23 page 197

[SEC. 4: O LEMA DE URYSOHN DIFERENCIAVEL´ 197 formada por dois abertos, consiste de duas fun¸c˜oes de classe C k, ϕ, ψ : M R, tais que ϕ, ψ 0, ϕ + ψ = 1, supp(ϕ) U e → ≥ ⊂ supp(ψ) V . Isto nos leva a` ⊂ Aplica¸c˜ao 1 (Lema de Urysohn diferenci´avel). Sejam F , G dois subconjuntos n˜ao vazios, fechados e disjuntos, de uma variedade M Ck. Existe uma fun¸c˜ao f : M R de classe Ck, tal que ∈ → 0 f 1, f(F ) = 0 e f(G) = 1. ≤ ≤ Demonstra¸c˜ao: Como F G = , temos uma cobertura aberta ∩ ∅ M = (M f) (M G). Seja f + g = 1 uma parti¸c˜ao da unidade − ∪ − de classe Ck tal que supp(f) M F e supp(g) M g. A ⊂ − ⊂ − fun¸c˜ao f : M R cumpre as condi¸c˜oes requeridas. → Como aplica¸c˜ao do lema de Urysohn diferenci´avel, mostre- mos que, dado um subconjunto fechado F de uma variedade dife- renci´avel M Ck, existe uma fun¸c˜ao f : M R de classe Ck que ∈ → se anula precisamente nos pontos de F . Aplica¸c˜ao 2. Seja F um subconjunto fechado de uma variedade M de classe Ck. Ent˜ao existe uma fun¸c˜ao f : M R, de classe k 1 → C , tal que F = f − (0). Demonstra¸c˜ao: Primeiro caso: F = K ´e compacto e M = Rm. 1 Para cada i N seja V = x Rm; d(x, K) < . ∈ i ∈ i Ent˜ao todos os V ’s s˜ao abertos, V V . . . e K = V . i  1 ⊃ 2 ⊃ i Pela Aplica¸c˜ao 1 existe, para cada i, uma fun¸c˜ao de classe C , T ∞ f : Rm R, tal que 0 f 1, f (K) = 0 e f (Rm V ) = 1. i → ≤ i ≤ i i − i As fun¸c˜oes fi podem anular-se em pontos de Vi que n˜ao est˜ao ∞ em K. Mas se encontrarmos constantes αi > 0 tais que f = cifi i=1 seja uma fun¸c˜ao de classe C∞, ent˜ao f vai anular-se somenPte nos pontos de K. Realmente, x / K implica x Rm V para algum ∈ ∈ − i i, logo f (x) = 1, donde f(x) = 0. i 6 Encontremos agora tais constantes ci > 0. “MAIN2” 2007/5/23 page 198

198 [CAP. VIII: PARTIC¸OES˜ DA UNIDADE E SUAS APLICAC¸OES˜

Para cada i N, fi ´e constante fora do compacto V i . Sendo as- ∈ (j) sim, todas as derivadas fi , j = 1, 2, 3, . . . , s˜ao fun¸c˜oes cont´ınuas com suporte compacto e, por conseguinte, s˜ao limitadas. Ou seja, para cada i = 1, 2, . . . e para cada j = 0, 1, 2, . . . , e para cada j = 0, 1, 2, . . . existe uma constante M > 0 tal que f (j)(x) < M ij | i | ij Rm (0) para todo x . [Aqui fi = fi e Mi0 = 1 para todo i]. ∈ 1 Escolhamos numeros´ reais αij tais que 0 < αij i e ≤ 2 Mij αi,j+1 αij para todo i = 1, 2, . . . e j = 0, 1, 2, . . . Isto pode ser ≤ 1 feito tomando α = e, ap´os escolhermos α , α , . . . , i0 2i 1j 2j 1 αi,j, . . . , pondo αi,j+1 = min αi,j , i . 2 Mi,j+1  ∞ (j) Ent˜ao, para cada j 0 fixo, a s´erie αkjfi ´e dominada por ≥ i=1 ∞ 1 P Rm i , e portanto converge absoluta e uniformemente em . i=1 2 P Consideremos a “diagonal” αi = αii , i = 1, 2, . . . . Nota-se que i > j = ci αij . Logo cifi , bem como todas as s´eries ≤ i (j) P Rm cifi , convergem uniformemente no . i (∗) P Resulta da´ı que f = Σ cifi ´e uma fun¸c˜ao de classe C∞, com (j) (j) f = Σ cifi . Isto conclui a demonstra¸c˜ao do primeiro caso. Observa¸c˜ao: A fun¸c˜ao que acabamos de construir ´e constante (igual a Σ c ) fora da vizinhan¸ca V K. i 1 ⊃ Tomando f/Σ ci ao inv´es de f, podemos sempre supor que f = 1 fora de uma dada vizinhan¸ca de K.

Segundo caso (geral): Seja = ( ) uma cobertura localmente U Ui finita de M, formada por dom´ınios de sistemas de coordenadas 1 1 1 Ui = xi− (B(3)). Ponhamos Vi = xi− (B(2)) e Wi = xi− (B(1)).

(*) Vide AERn, Cap´ıtulo VI, Prop.7. “MAIN2” 2007/5/23 page 199

[SEC. 5: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ EM SUBCONJUNTOS ARBITRARIOS´ 199

Para cada i N, seja K = W F . Ent˜ao K ´e um subcon- ∈ i i ∩ i junto compacto de Vi e F = Ki . Usando o difeomorfismo xi : Ui B(3) obtemos, pelo primeiro caso, uma fun¸c˜ao de classe k → S 1 C f : M R tal que f (M v ) = 1 e f − (0) = K . i → i − i i i M Ui xi(Ki) Ki Vi 3 F 2 xi 1 Wi

Figura 8.7. Definimos f : M R pondo f(p) = f (p) f (p) f (p) . . . . → 1 · 2 · 3 Cada ponto p M possui uma vizinhan¸ca V que interesecta ∈ apenas um numero´ finito de conjuntos Ui1 , . . . , Uis . Ent˜ao f = f f f em V pois nesta vizinhan¸ca as outras f ’s s˜ao iden- i1 · i2 · · · is i ticamente 1. Al´em disso, f(p) = 0 f (p) = 0 para algum ⇔ i i p K para algum i p F . Isto conclui a demonstra¸c˜ao. ⇔ ∈ i ⇔ ∈ 5 Aplica¸c˜oes diferenci´aveis em subconjun- tos arbitr´arios de variedades

Sejam M, N variedades de classe Ck, pelo menos, e X M um ⊂ subconjunto arbitr´ario. Uma aplica¸c˜ao f : X N diz-se de classe → Ck se, para cada ponto p X, existe uma aplica¸c˜ao f : V N, ∈ p p → de classe Ck, definida numa vizinhan¸ca aberta V M de p, tal p ⊂ que f = f em V X. p o ∩ Exemplos 1) Se V M ´e um subconjunto aberto e f : V N ´e uma ⊂ → aplica¸c˜ao de classe Ck, ent˜ao f X : X N ´e de classe Ck para | → “MAIN2” 2007/5/23 page 200

200 [CAP. VIII: PARTIC¸OES˜ DA UNIDADE E SUAS APLICAC¸OES˜ todo subconjunto X V . Em particular, a aplica¸c˜ao de inclus˜ao ⊂ i: X M ´e de classe Ck. → 2) No caso em que X M ´e uma subvariedade de classe Ck, tem- ⊂ se duas defini¸c˜oes para o conceito “f : X N ´e de classe C k”. A → primeira ´e a da Se¸c˜ao 1, Cap. V, considerando-se X como uma variedade diferenci´avel. Na segunda defini¸c˜ao, olhamos para X simplesmente como um subconjunto de M. Devemos mostrar que estas defini¸c˜oes s˜ao equivalentes. Pela Proposi¸c˜ao 4, Se¸c˜ao 3, Cap. VI, para cada ponto p X ∈ existe uma vizinhan¸ca p V M e um difeomorfismo ∈ p ⊂ s m s x: V U W R R − p → × ⊂ × (m = dim M, s = dim X) de classe Ck tal que x(V X) = u 0 . p ∩ ×{ }

M p X Vp f N

W π 0 U 0 π × U

Figura 8.8.

Se f : X N ´e de classe Ck no sentido da Se¸c˜ao 1, Cap. V → ent˜ao definimos f : V N por f = f x 1 π x, onde π : U p p → p ◦ − ◦ ◦ × W U 0 ´e a primeira proje¸c˜ao. Como π(x(q)) = x(q) para → × todo q X V , temos f (X V ) = f (X V ) e ´e claro que ∈ ∩ p p| ∩ p | ∩ 0 f ´e de classe Ck na vizinhan¸ca aberta V M. Logo f Ck no p p ⊂ ∈ sentido da defini¸c˜ao recente. “MAIN2” 2007/5/23 page 201

[SEC. 5: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ EM SUBCONJUNTOS ARBITRARIOS´ 201

Reciprocamente, suponhamos que, para cada p X, exista ∈ uma aplica¸c˜ao de classe Ck, f : V N, definida na vizinhan¸ca V p p → p de p e coincidindo com f em V X. Como a inclus˜ao i: X V p ∩ ∩ p → V ´e de classe Ck, vˆe-se que f = f i: X V N ´e de classe p p ◦ ∩ p → Ck. Logo f Ck como aplica¸c˜ao entre variedades. ∈

Mostraremos agora que toda aplica¸c˜ao f : X Rn, de classe → Ck num subconjunto X M, ´e a restri¸c˜ao de uma aplica¸c˜ao ⊂ g : V Rn, de classe Ck, definida numa vizinhan¸ca aberta V → do subconjunto X. Mais tarde iremos generalizar este resultado, considerando aplica¸c˜oes f : X N, onde N ´e uma variedade → diferenci´avel. Em outras palavras, o Exemplo 1 ´e o mais geral poss´ıvel. Antes, por´em, demonstremos o

Lema. Seja U um subconjunto aberto de uma variedade dife- renci´avel M Cr. Sejam f : U Rn uma aplica¸c˜ao de classe ∈ → Ck (k r) e ϕ: M R uma fun¸c˜ao de classe Ck cujo suporte ≤ → est´a contido em U. Ent˜ao a aplica¸c˜ao λ: M Rn, definida por → λ(p) = ϕ(p)f(p) se p U e f(p) = 0 se p M U, ´e de classe Ck. ∈ ∈ − Demonstra¸c˜ao: E´ evidente que λ ´e de classe Ck em U. Al´em disso λ ´e de classe Ck em M supp(ϕ), visto que ´e identicamente − zero neste conjunto. Ora, uma aplica¸c˜ao diferenci´avel em dois abertos ´e diferenci´avel na reuni˜ao destes. Logo λ C k em M = ∈ U (M supp(ϕ)). ∪ − Por abuso de nota¸c˜ao, escrevemos ϕ(p) f(p) em vez de λ(p), · mesmo quando p / U. ∈ Este lema justifica a defini¸c˜ao de suporte como sendo o fecho e n˜ao apenas o conjunto dos pontos onde a fun¸c˜ao n˜ao se anula. “MAIN2” 2007/5/23 page 202

202 [CAP. VIII: PARTIC¸OES˜ DA UNIDADE E SUAS APLICAC¸OES˜

Aplica¸c˜ao 3. Seja M uma variedade de classe Cr. Dada uma aplica¸c˜ao f : X Rn, de classe Ck (k r) definida num subcon- → ≤ junto X M, existe uma aplica¸c˜ao g : V Rn, definida numa ⊂ → vizinhan¸ca aberta V M de X, tal que g X = f. ⊂ |

Demonstra¸c˜ao: Seja uma cobertura de X por abertos de M U tais que, para cada U , existe uma aplica¸c˜ao f : U Rn, de ∈ U U → classe Ck, que coincide com f em U X. A reuni˜ao dos conjuntos ∩ U ´e uma sub-variedade aberta V M. Seja ϕU = 1 ∈ U ⊂ U ∈U uma parti¸c˜ao da unidade de classe Ck, estritamente subPordinada a` cobertura . Para cada U , a aplica¸c˜ao λU = ϕU fU ´e de classe k U ∈ U C (vide lema anterior) e a fam´ılia (supp λU )U ´e localmente k ∈U finita. Logo, g = λU ´e de classe C em V . Quando p X, U ∈ ∈U g(p) = ϕU (p)fU (Pp) = ϕU (p)f(p) = f(p), pois podemos, na U U soma, desprezarP as parcelasP ϕU (p) fU (p) com p / U. Isto conclui · ∈ a demonstra¸c˜ao.

Quando X M ´e um subconjunto fechado, a Aplica¸c˜ao 3 pode ⊂ ser consideravelmente melhorada, como se segue:

Aplica¸c˜ao 4 (Teorema de Tietze diferenci´avel). Seja X um sub- conjunto fechado de uma variedade M Cr. Toda aplica¸c˜ao ∈ f : X Rn, de classe Ck (k r), pode ser estendida a uma → ≤ aplica¸c˜ao h: M Rn, de classe Ck, definida em toda a varie- → dade.

Demonstra¸c˜ao: Pela Aplica¸c˜ao 3, existe uma aplica¸c˜ao g:V → Rn, de classe Ck, que estende f a uma vizinhan¸ca V do subcon- junto fechado X. “MAIN2” 2007/5/23 page 203

[SEC. 5: APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ EM SUBCONJUNTOS ARBITRARIOS´ 203

V M

U

X

Figura 8.9.

Consideremos um conjunto aberto U tal que X U U V . ⊂ ⊂ ⊂( ) Isto pode ser feito pois M ´e um espa¸co topol´ogico normal ∗ . Seja λ: M R uma fun¸c˜ao de classe Ck tal que λ(X) = 1, → λ(M U) = 0 (cf. Aplica¸c˜ao 1). Ent˜ao h: M Rn, definida por − → h(p) = λ(p) g(p) se p V e h(p) = 0 se p M V , ´e de classe · ∈ ∈ − Ck e coincide com f em X.

Observa¸c˜oes finais 1) A Aplica¸c˜ao 3 continua verdadeira se substituimos Rn por qual- quer variedade N Ck. (Este resultado mais forte ser´a provado ∈ no Cap´ıtulo , quando faremos uso dos instrumentos adequados: mergulho em Rn e vizinhan¸ca tubular). 2) Por outro lado, a Aplica¸c˜ao 4 n˜ao ´e v´alida para aplica¸c˜oes que tomam valores numa variedade arbitr´aria. Por exemplo, a identidade i: S1 S1 n˜ao pode ser estendida a uma aplica¸c˜ao → F : R2 S1, de classe C2. Com efeito, suponhamos por absurdo → que isto pudesse ocorrer. Escrevamos F (x, y) = (f(x, y), g(x, y)). Como F S1 = id, tem- | se f(cos t, sen t) = cos t, g(cos t, sen t) = sen t,

(*) Vide ETG, pag. 235. “MAIN2” 2007/5/23 page 204

204 [CAP. VIII: PARTIC¸OES˜ DA UNIDADE E SUAS APLICAC¸OES˜ para todo t R. Portanto, se escrevermos ∈ ∂f ∂f ∂g ∂g df = dx + dy e dg = dx + dy, ∂x ∂y ∂x ∂y a integral curvil´ınea abaixo ´e calculada imediatamente:

I = f dg g df = cos t (sen t) sen t d(cos t) S1 − S1 · − · Z 2π Z = (cos2 t + sen2 t) dt = 2π. Z0 Por outro lado, como S1 ´e o bordo do disco D2, o Teorema de Green fornece: ∂g ∂f ∂g ∂f I = f g dx + f g dy I ∂x − ∂x ∂y − ∂y ZS     ∂f ∂g ∂f ∂g = 2 dxdy. 2 ∂x ∂y − ∂y ∂x ZZD   Ora, a express˜ao dentro dos colchetes na integral dupla acima ´e identicamente nula, pois ´e o determinante cujas colunas s˜ao os ∂F ∂F vetores = F (x, y) e e = F (x, y) e , os quais s˜ao coli- ∂x 0 · 1 ∂y 0 · 2 neares por serem tangentes a S1 no mesmo ponto F (x, y). Assim I = 0, uma contradi¸c˜ao. “MAIN2” 2007/5/23 page 205

Cap´ıtulo IX

M´etricas Riemannianas

1 Variedades riemannianas

Uma m´etrica riemanniana numa variedade diferenci´avel M ´e uma correspondˆencia que associa a cada ponto p M um produto ∈ interno no espa¸co tangente T Mp . Seja g uma m´etrica riemanniana em M. Indicamos com gp(u, v) ou g(p; u, v) o produto interno dos vetores u, v T M . Quando ∈ p n˜ao h´a perigo de confus˜ao usamos a nota¸c˜ao u, v ou simples- h ip mente u, v . h i O comprimento ou norma do vetor tangente u T M ´e defi- ∈ p nido da maneira ob´ via por

u = u = g(p; u, u). | | | |p Uma variedade diferenci´ael ondep est´a definida uma m´etrica riemanniana chama-se uma variedade riemanniana. Em termos mais precisos, trata-se de um par (M, g) onde g ´e uma m´etrica riemanniana na variedade M. Uma m´etrica riemanniana em que os produtos internos nos diversos espa¸cos tangentes n˜ao est˜ao relacionados entre si n˜ao tem “MAIN2” 2007/5/23 page 206

206 [CAP. IX: METRICAS´ RIEMANNIANAS interesse. E´ desej´avel que o produto interno dependa pelo menos continuamente do ponto p M, num sentido que faremos preciso ∈ a seguir. A cada sistema de coordenadas em M, x: U Rm associamos → a fun¸c˜ao gx : x(U) Rm Rm R, × × → definida por gx(x(p); a, b) = x (p) 1 a, x (p) 1 b . Notemos h 0 − · 0 − · ip que, para cada p U, tem-se um produto interno em Rm, dado ∈ por (a, b) gx(x(p); a, b). 7→ Consideremos tamb´em as fun¸c˜oes

gx : U R, 1 i, j m, ij → ≤ ≤ ∂ ∂ definidas por gx (p) = gx(x(p); e , e ) = (p), (p) . ij i j h∂xi ∂xj ip Se a = (α1, . . . , αm) e b = (β1, . . . , βm) s˜ao vetores em Rm, 1 i ∂ 1 j ∂ ent˜ao u = x0(p)− a = α i (p) e v = (x0(p)− b = β j (p), · i ∂x · j ∂x x x i j logo g (x(p); a, b) = g(Pp; u, v) = gij(p)α β . P i,j P Defini¸c˜ao. Diz-se que a m´etrica riemanniana g em M ´e de classe Ck se, para cada sistema de coordenadas x em M, a fun¸c˜ao gx : x(U) Rm Rm R ´e de classe Cr ou, equivalentemente, se × × → as fun¸c˜oes gx : U R s˜ao de classe Cr. ij → “MAIN2” 2007/5/23 page 207

[SEC. 1: VARIEDADES RIEMANNIANAS 207

Exemplos 1) A m´etrica euclidiana. Sejam M = Rm e g(p, u, v) = u, v = i i m m h i u v para u, v T (R )p R . i ∈ ≡ 2)P Toda superf´ıcie M m Rn de classe Ck possui uma m´etrica ⊂ k 1 riemanniana natural, de classe C − . Basta considerar, em cada espa¸co tangente T M Rn, o produto interno induzido de Rn. p ⊂ Com efeito, dado um sistema de coordenadas x: U Rm em M, → sua inversa ϕ = x 1 : x(U) U Rn ´e uma parametriza¸c˜ao de − → ⊂ classe Ck. Consequen¨ temente, a fun¸c˜ao gx : x(U) Rm Rm R, × × → dada por gx(x(p); u, v) = ϕ (x(p)) u, ϕ (x(p)) v , ´e de classe Ck 1. h 0 · 0 · i − Observemos que

∂ϕ ∂ϕ gx (p) = (x(p)), (x(p)) . ij ∂xi ∂xj   3) Seja f : M N uma imers˜ao de classe Ck. Dada uma m´etrica → riemanniana h Cr em N, definimos uma m´etrica riemanniana g ∈ em M pondo

g(p; u, v) = h(f(p); f 0(p) u, f 0(p) v) · · ou seja, u, v = f (p) u, f (p) v . h ip h 0 · 0 · if(p) Diz-se que a m´etrica riemanniana g ´e induzida pela imers˜ao f. E´ f´acil de ver que u, v ´e de fato um produto interno em T M e h ip p que, al´em disso, h Cr implica g Cs, s = min k 1, r . ∈ ∈ { − } No exemplo anterior, a m´etrica riemanniana natural em uma superf´ıcie M m Rn ´e induzida pela aplica¸c˜ao de inclus˜ao ⊂ i: M Rn. → A defini¸c˜ao de m´etrica riemanniana de classe Cr pode ser for- mulada mais elegantemente, em termos de m´etricas induzidas. Se g ´e uma m´etrica riemanniana numa variedade M e x: U Rm ´e → um sistema de coordenadas em M, ent˜ao gx ´e a m´etrica induzida “MAIN2” 2007/5/23 page 208

208 [CAP. IX: METRICAS´ RIEMANNIANAS em x(U) pela imers˜ao x 1 : x(U) M. Dizemos que g Cr se − → ∈ gx : x(U) Rm Rm R ´e de classe Cr para todo sistema de × × → coordenadas x: U Rm. Sejam x: U Rm e y : V Rm sis- → → → temas de coordenadas numa variedade M, de classe Ck, munida de uma m´etrica riemanniana g. Suponhamos U V = . Nas ∩ 6 ∅ exposi¸c˜oes cl´assicas de An´alise Tensorial desempenham um papel proeminente as f´ormulas que relacionam as fun¸c˜oes gx : U V R ij ∩ → com as fun¸c˜oes gy : U V R. Vamos apresent´a-las, como uma ij ∩ → homenagem a` tradi¸c˜ao. Para cada ponto q U V , seja (∂xα/∂yi) a matriz jacobiana 1 ∈ ∩ de x y− no ponto y(q). ◦ ∂ m ∂xα ∂ Ent˜ao i (q) = i α (q). Segue-se que: ∂y α=1 ∂y · ∂x P α β x ∂ ∂ ∂x ∂x ∂ ∂ gij(q) = i , j = i j α , β ∂y ∂y q ∂y ∂y ∂x ∂x q   Xα,β   ∂xα ∂xβ = gx (q). ∂yi ∂yj αβ Xα,β y k 1 Note-se que isto exibe gij como fun¸c˜ao de classe C − das x gαβ ; assim n˜ao se pode esperar obter uma m´etrica riemanniana de classe Ck numa variedade de classe Ck. Estudaremos agora as m´etricas riemannianas que se podem definir num subconjunto aberto U Rm. Lembremos que uma ⊂ transforma¸c˜ao linear G (Rm) chama-se positiva definida quando ∈ L ´e sim´etrica (isto ´e G u, v = u, G v para quaisquer u, v Rm) h · i h · i ∈ e, al´em disso G u, u > 0 para todo u = 0 em Rm. h · i 6 Seja G: U (Rm) uma aplica¸c˜ao de classe Ck, tal que G(p) → L ´e positiva definida, para todo p U. Definiremos uma m´etrica ∈ riemanniana g, de classe Ck em U, pondo

(*) g(p; u, v) = G(p) u, v , p U, u, v Rm. h · i ∈ ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 209

[SEC. 1: VARIEDADES RIEMANNIANAS 209

Reciprocamente, dada a m´etrica g Ck em U, reobtemos G ∈ do seguinte modo. Para p U fixo, cada vetor u Rm define ∈ ∈ um funcional linear v g(p; u, v) em Rm. A este funcional cor- 7→ responde um unico´ vetor G(p) u tal que a equa¸c˜ao (*) acima se · verifica. Evidentemente u G(p) u ´e linear e a matriz de G(p) 7→ m· em rela¸c˜ao a` base canˆonica de R ´e (gij(p)) = (g(p; ei, ej)), de modo que G: U (Rm) assim definida, ´e de classe Ck. → L Quando n˜ao houver perigo de confus˜ao, escreveremos u, v h ip e u , em vez de g(p; u, v) e g(p; u, u), respectivamente, para | |p indicar o produto interno e a norma de vetores u, v (T U) , p ∈ p relativamente a` m´etrica riemanniana g. Note-se que T Up difere de Rm apenas porque o produto interno pode ser diferente. As nota¸c˜oes u, v e u indicar˜ao o produto interno e a norma usuais h i | | do espa¸co euclidiano Rm. Lema. Sejam = (Rm) o subespa¸co vetorial de (Rm) for- S S L mado pelas transforma¸c˜oes lineares sim´etricas e = (Rm) o P P subconjunto de formado pelas transforma¸c˜oes positivas defini- S das. Ent˜ao ´e um subconjunto aberto convexo de e a aplica¸c˜ao P S f : , definida por f(P ) = P 2, ´e um difeomorfismo C de P → S ∞ sobre si mesmo. P Demonstra¸c˜ao: Sabe-se da Algebra´ Linear que todo operador positivo definido tem uma unica´ raiz quadrada positiva; logo f ´e uma bije¸c˜ao de sobre si mesmo. Deixamos para o leitor o P trabalho de provar que ´e aberto em e convexo. Resta ent˜ao P S mostrar que, para cada P , a derivada f (P ): , dada por ∈ P 0 S → S f (P ) H = P H + HP , ´e injetiva (e portanto um isomorfismo). 0 · Sabemos que os autovalores de P s˜ao todos positivos e que Rm possui uma base ortonormal formada por autovetores de P . Ent˜ao, se P H + HP = 0, para cada um desses autovetores u Rm, com ∈ P u = λ u, λ > 0, teremos P (H u) = H(P u) = H(λ u) = · · · − − · λ(H u). Como P n˜ao pode admitir o autovalor negativo λ, − · − “MAIN2” 2007/5/23 page 210

210 [CAP. IX: METRICAS´ RIEMANNIANAS devemos ter H u = 0 para todos os elementos de uma base de · Rm, donde H = 0. O lema est´a demonstrado. Dado P , escreveremos √P = f 1(P ) . ∈ P − ∈ P Proposi¸c˜ao 1. Seja g : U Rm Rm R uma m´etrica rieman- × × → niana de classe Ck num aberto U Rm. Existe uma aplica¸c˜ao ⊂ Γ: U (Rm), de classe Ck, tal que, para cada p U, o opera- → L ∈ dor Γ(p) ´e positivo e v = Γ(p) v , v Rm. Em outras palavras, | |p | · | ∈ a norma de v T U , dada pela m´etrica riemanniana g ´e igual a` ∈ p norma euclidiana usual do vetor Γ(p) v. · Demonstra¸c˜ao: Seja G: U (Rm) definida por g(p; u, v) = → L G(p) u, v . Usando o Lema, seja Γ(p) = G(p). Ent˜ao, para h · i quaisquer v Rm e p U, temos: ∈ ∈ p v = Γ(p)2 v, v 1/2 = Γ(p) v, Γ(p) v 1/2 = Γ(p) v . | |p h · i h · · i | · | Isto conclui nosso estudo local das m´etricas riemannianas. Em se- guida, provaremos a existˆencia global de uma m´etrica riemanniana em qualquer variedade. Proposi¸c˜ao 2. E´ poss´ıvel definir uma m´etrica riemanniana de clase Ck 1 em qualquer variedade M Ck. − ∈ Demonstra¸c˜ao: Seja = (U ) uma cobertura localmente finita U i de M por dom´ınios de sistemas de coordenads x : U Rm com i i → xi(Ui) = B(3), para cada i = 1, 2, 3, . . . . Seja ϕi : M R uma k → fun¸c˜ao auxiliar de classe C , associada ao sistema xi . (Vide Se¸c˜ao 1, Cap. VIII.) Em cada vizinhan¸ca coordenada U M uma i ⊂ m´etrica riemanniana g Ck 1 ´e induzida do Rm pondo i ∈ − g (p; u, v) = x0 (p) u, x0 (p) v . i h i · i · i Obtemos uma m´etrica riemanniana g em M pondo

∞ g(p; u, v) = ϕ (p) g (p; u, v). i · i Xi=1 “MAIN2” 2007/5/23 page 211

[SEC. 2: A NORMA DA DERIVADA 211

[Como sempre, entendemos que ϕ (p) g (p; u, v) = 0 se p / U ]. Os i · i ∈ i detalhes podem ser verificados facilmente. Por exemplo, se u = 0 6 ´e um elemento de T Mp , ent˜ao

g(p; u, u) = ϕ (p) g (p; u, u) > 0, i · i Xi pois ϕ (p) > 0 e g (p; u, u) > 0 para todo i tal que p V . i i ∈ i

2 A norma da derivada

Inicialmente recordaremos alguns fatos sobre normas em espa- cos¸ de aplica¸c˜oes lineares. Sejam E, F espa¸cos vetoriais de dimens˜ao finita, dotados de produtos internos, os quais indicaremos com o mesmo s´ımbolo u, v , enquanto u representar´a uma das normas induzidas por h i | | eles. Quando definimos a norma de uma transforma¸c˜ao linear T : E F como T = sup T u ; u E, u = 1 , tornamos → | | {| · | ∈ | | } (E; F ) um espa¸co vetorial normado. Esta defini¸c˜ao ´e conve- L niente por v´arias raz˜oes, uma das quais sendo que faz sentido em dimens˜ao infinita. Uma desvantagem s´eria por´em ´e que T T 7→ | | n˜ao ´e uma fun¸c˜ao diferenci´avel em (E; F ). L Exemplo. Seja R2 com o produto interno usual. Dados x, y ∈ R, consideremos a transforma¸c˜ao linear T : R2 R2, cuja ma- x 0 → triz relativa a` base canˆonica ´e 0 y . Para cada vetor unit´ario u = (cos θ, sen θ), temos T u = x2 cos2 θ + y2 sen2 θ. Por | · |  conseguinte, T = √M, onde M ´e o m´aximo da fun¸c˜ao θ | | p 7→ x2 cos2 θ + y2 sen2 θ. Um simples exerc´ıcio de c´alculo nos mos- · · tra que T = max x , y . Da´ı resulta que a fun¸c˜ao T T | | {| | | |} 7→ | | n˜ao ´e diferenci´avel, pois compondo-a com a aplica¸c˜ao diferenci´avel “MAIN2” 2007/5/23 page 212

212 [CAP. IX: METRICAS´ RIEMANNIANAS

(x, y) x 0 obtemos (x, y) max x , y , a qual n˜ao ´e dife- 7→ 0 y 7→ {| | | |} renci´avel nas diagonais do plano.  A fim de eliminar esta dificuldade, introduziremos agora um produto interno em (E; F ). L A cada A (E; F ) corresponde sua adjunta A (F ; E), ∈ L ∗ ∈ L caracterizada pela igualdade

A v, w = v, A∗ w , v E, w F. h · i h · i ∈ ∈ O produto interno de duas transforma¸c˜oes lineares A, B ∈ (E; F ) ser´a definido por L

A, B = tr(A∗B), h i onde tr significa o tra¸co. Note-se que A B (E), de modo que ∗ ∈ L seu tra¸co tem sentido. Se tomarmos bases ortonormais em E e F e supusermos que as matrizes de A e B, relativas a essas bases, s˜ao respectivamente (aij) e (bij) ent˜ao as matrizes de A∗ e B∗, relativas as` mesmas bases, s˜ao as transpostas (aji) e (bji). Portanto

A, B = tr(A∗B) = a b . h i ij ij X,j Vemos pois que, se E = Rm e F = Rn, o produto interno A, B coincide com o produto interno euclidiano usual em Rnm, h i quando fazemos as identifica¸c˜oes

(Rm; Rn) M(n m; R) Rnm. L ≈ × ≈

Vemos ainda que tr(A∗B) = tr(BA∗) = tr(AB∗) = tr(B∗A). Os axiomas do produto interno s˜ao facilmente verificados. Ob- temos uma nova defini¸c˜ao de norma de uma transforma¸c˜ao linear “MAIN2” 2007/5/23 page 213

[SEC. 2: A NORMA DA DERIVADA 213

A (E; F ), no caso em que E e F tˆem produtos internos, a ∈ L saber A = A, A = tr(A A). || || h i ∗ A fun¸c˜ao A A 2 p´e agora depclasse C em (E; F ), en- 7→ || || ∞ L quanto que A A ´e C exceto no ponto 0 (E; F ). 7→ || || ∞ ∈ L Para todo v E, vale a desigualdade ∈ A v A v . | · | ≤ || || · | | Com efeito, ela ´e equivalente a A v, A v A 2 v, v , ou h · · i ≤ || || · h i seja, a A A v, v tr(A A) v, v . h ∗ · i ≤ ∗ · h i Para provar esta ultima,´ observemos que o operador A A ∗ ∈ (E) ´e sim´etrico e n˜ao-negativo, logo existe uma base ortonormal L u1, . . . , um E tal que A∗A ui = λi ui , com λi 0. Seja { i } ⊂ · · ≥ v = Σ α vi . A desigualdade que queremos provar torna-se

Σ λ (αi)2 (Σ λ ) (Σ(αj)2), i ≤ i · o que ´e evidente, pois os λ s˜ao 0. i ≥ Seja agora f : M N uma aplica¸c˜ao diferenci´avel entre varie- → dades riemannianas. Em cada ponto p M, a derivada de f ´e uma ∈ transforma¸c˜ao linear f (p): T M T N , entre espa¸cos veto- 0 p → f(p) riais com produtos internos, de modo que tem sentido considerar as normas f (p) e f (p) discutidas acima. | 0 | || 0 || Proposi¸c˜ao 3. Seja f : M m N n uma aplica¸c˜ao de classe Ck+1, → entre variedades que possuem m´etricas riemannianas de classe C k. A fun¸c˜ao λ: M R, definida por λ(p) = f (p) 2, ´e de classe Ck. → || 0 || Demonstra¸c˜ao: Como se trata de um problema local, admitimos que f : U V ´e uma aplica¸c˜ao de classe Ck+1 de um aberto → U Rn, e s˜ao dadas m´etricas riemannianas g em U, e h em V , ⊂ ambas de classe Ck. “MAIN2” 2007/5/23 page 214

214 [CAP. IX: METRICAS´ RIEMANNIANAS

Para cada p U, indiquemos com E = T U o espa¸co eucli- ∈ p p diano Rm com o produto interno g = , e, para q V , seja p h ip ∈ F = T V o espa¸co Rn com o produto interno h = , . Sejam q q q h iq G: U (Rm) e H : V (Rn) as aplica¸c˜oes de classe Ck tais → L → L que, para quaisquer p U, q V , tem-se u, v = G(p) u, v , ∈ ∈ h ip h · i u, v Rm e w, z = w, H(q) z , onde w, z Rn. Indi- ∈ h iq h · i ∈ quemos com f (p)# : F E , q = f(p) a adjunta da deri- 0 q → p vada f (p): E F . Quando considerarmos f (p) como trans- 0 p → q 0 forma¸c˜ao linear de Rm em Rn, sua adjunta ser´a indicada, como de costume, por f (p) . Para todos v Rm, w Rn, p U e q V , 0 ∗ ∈ ∈ ∈ ∈ temos

# # v, G(p)f 0(p) w = G(p) v, f 0(p) w) h · i h · · i # = v, f 0(p) w = f 0(p) v, w h · ip h · iq = f 0(p) v, H(q) w = v, f 0(p)∗ H(q) w . h · · i h · i

# # 1 Portanto G(p)f 0(p) = f 0(p)∗ H(q), ou seja, f 0(p) = G(p)− f 0(p)∗ H(f(p)). Concluimos, finalmente, que

2 # 1 f 0(p) = tr(f 0(p) f 0(p)) = tr[G(p)− f 0(p)∗ H(f(p))], || || o que mostra ser λ: U R, definida por λ(p) = f (p) 2, uma → || 0 || fun¸c˜ao de classe Ck. A proposi¸c˜ao est´a demonstrada. Se desejarmos usar a norma

f 0(p) = sup f 0(p) u ; u T M , u = 1, q = f(p) , | | {| · |q ∈ p | |p } ent˜ao podemos apenas afirmar o seguinte:

Proposi¸c˜ao 4. Seja f : M m N n uma aplica¸c˜ao de classe Ck+1, → entre variedades dotadas de m´etricas riemannianas de classe C k. A fun¸c˜ao µ: M R, definida por µ(p) = f (p) , ´e cont´ınua. → | 0 | “MAIN2” 2007/5/23 page 215

[SEC. 3: A DISTANCIAˆ INTR´INSECA 215

Demonstra¸c˜ao: Podemos admitir que f : U V ´e de classe → Ck+1 entre abertos U Rm, V Rn, munidos de m´etricas rie- ⊂ ⊂ mannianas, g em U, h em V , ambas de classe Ck. Pela Proposi¸c˜ao 1, existem aplica¸c˜oes cont´ınuas Γ: U (Rm) e ∆: V (Rn) → L → L tais que v = Γ(p) v e w = ∆(q) w para quaisquer v Rm | |p | · | | |q | · | ∈ e w Rn. Ent˜ao ∈ m µ(p) = sup f 0(p) v ; v R , v = 1 {| · |f(p) ∈ | |p } m = sup ∆(f(p)) f 0(p) v ; v R , Γ(p) v = 1 {| · · | ∈ | · | } 1 m = sup ∆(f(p)) f 0(p) Γ(p)− u ; u R ; u = 1 {| · · · | ∈ | | } 1 = ∆(f(p)) f 0(p) Γ(p)− , | · · | onde a ultima´ norma ´e a do sup em (Rm; Rn). Como L : (Rm, Rn) R ´e cont´ınua, a proposi¸c´ao est´a demonstrada. | | L →

3 A distˆancia intr´ınseca

Numa variedade riemanniana M, faz sentido falar em muitos conceitos geom´etricos. Por exemplo, podemos definir o compri- mento de um caminho α: [a, b] M, de classe C1, imitando o → b 3 que se faz em R , isto ´e, pondo `(α) = α0(t) dt. Nesta ex- | | Za press˜ao, α (t) = α (t), α (t) ´e a norma do vetor tangente | 0 | h 0 0 iα(t) α (t) T M , segundo o produto interno definido pela m´etrica 0 ∈ α(t) p de M. Podemos tamb´em considerar α (t) como a norma da de- | 0 | rivada α (t): R T M . Pela Proposi¸c˜ao 4, segue-se que o in- 0 → α(t) tegrando α (t) ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua de t e portanto a integral | 0 | que define `(α) tem sentido. Um caminho α: [a, b] M diz-se seccionalmente de classe C1 → se α ´e cont´ınuo e existe uma parti¸c˜ao a = t < t < < t = b 0 1 · · · m tal que α = α [t , t ] ´e de classe C1 para todo i = 0, 1, . . . , n 1. i | i i+1 − “MAIN2” 2007/5/23 page 216

216 [CAP. IX: METRICAS´ RIEMANNIANAS

Usaremos a nota¸c˜ao α = α0, . . . , αn 1 para indicar um caminho { − } seccionalmente C1. Ainda neste caso podemos definir o compri- mento de α por

`(α) = `(α ) + + `(α ). 1 · · · n A aditividade da integral mostra que `(α) n˜ao depende da escolha da parti¸c˜ao. No que se segue, M ser´a uma variedade riemanniana conexa, de classe Ck. Dados dois pontos arbitr´arios p, q M, existe um caminho ∈ α: [0, 1] M seccionalmente de classe Ck, tal que α(0) = p e → α(1) = q. Com efeito, consideremos um qualquer caminho cont´ınuo β : [0, 1] M ligando p a q e tomemos uma parti¸c˜ao 0 = t < → 0 t < < t = 1 tal que β([t , t ]) U para cada i = 1 · · · n i i+1 ⊂ i 0, . . . , n 1, onde Ui ´e o dom´ınio de um sistema de coordenadas − m xi : Ui R cuja imagem ´e convexa. Para cada i = 0, . . . , n 1 → 1 − seja αi : [ti, ti+1] M a imagem por xi− do segmento de reta m → 1 em R que liga x (β(t )) a x (β(t )), ou seja, α (t) = x− [(1 i i i i+1 i i − t)xi(β(ti))+txi(β(ti+1))], ti t ti+1 . Ent˜ao α = α0, . . . , αn 1 ≤ ≤ { − } ´e um caminho seccionalmente de classe C1 ligando p a q. Podemos ent˜ao definir a distˆancia intr´ınseca d(p, q) entre dois pontos p, q de uma variedade riemanniana conexa como d(p, q) = inf `(α); α seccionalmente C1 em M, ligando p a q . { } Proposi¸c˜ao 5. Seja M uma variedade diferenci´avel, com uma m´etrica riemanniana de classe C0. A distˆancia intr´ınseca acima definida satisfaz os axiomas que definem um espa¸co m´etrico. Demonstra¸c˜ao: Sem duvida,´ d(p, q) = 0, d(p, q) 0, d(p, q) = ≥ d(q, p) e d(p, r) d(p, q) + d(q, r). Resta verificar que p = q ≤ 6 ⇒ d(p, q) > 0. Segue-se do axioma de Hausdorff que existe uma “MAIN2” 2007/5/23 page 217

[SEC. 3: A DISTANCIAˆ INTR´INSECA 217 vizinhan¸ca U do ponto p tal que q / U. Podemos supor que U est´a ∈ contido no dom´ınio de um sistema de coordenadas x em M tal que x(U) = B(1) e x(p) = 0. Ent˜ao U ´e compacto. pela Proposi¸c˜ao 4, vemos que 0 < δ = sup x (r) ; r U < . Como q est´a no {| 0 | ∈ } ∞ exterior de U, para cada caminho α: [a, b] M, seccionalmente → C1, ligando p a q, existe α [a, b] tal que α(c) est´a na fronteira ∈ de U, ou seja, x(α(c)) = 1. Resulta da´ı que | | c c 1 (x α)0(t) dt δ α0(t) dt δ `(α). ≤ | ◦ | ≤ | | ≤ Za Za 1 Portanto, `(α) para todo caminho seccionalmente C1 ligando ≥ δ p a q, donde d(p, q) > 0. M

U q p α(0) α

x

x(α(c))

0 = x(p)

Figura 9.1.

Empregaremos o adjetivo “intr´ınseco” para qualificar todos os conceitos de espa¸co m´etrico relativos a` distˆancia intr´ınseca d. Proposi¸c˜ao 6. A topologia de M definida pela distˆancia intr´ınseca coincide com a topologia original de M. Demonstra¸c˜ao: Seja p M. ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 218

218 [CAP. IX: METRICAS´ RIEMANNIANAS

(i) Toda vizinhan¸ca p V M cont´em uma bola intr´ınseca ∈ ⊂ de centro em p. Com efeito, seja x: V Rm um sistema de 1 → coordenadas em torno de p tal que p U U V V , com ∈ ⊂ ⊂ 1 ⊂ x(p) = 0 x(U) = B(1). Pelo argumento da Proposi¸c˜ao 5, tem-se ∈

1 q M V q M U d(p, q) ∈ − ⇒ ∈ − ⇒ ≥ δ ·

1 1 Em outras palavras, d(p, q) < q V , isto ´e, B p; V . δ ⇒ ∈ δ ⊂ (ii) Toda bola intr´ınseca de centro p e raio ε > 0 cont´em uma vizinhan¸ca coordenada do ponto p. Seja x: V Rm um qualquer sistema de coordenadas em → torno de p. Podemos supor que x(p)=0 e que δ= sup x (r) 1 ; r {| 0 − | ∈ V < . Seja B uma bola aberta no espa¸co euclidiano, contida } ∞ em x(V ), com centro na origem e raio menor que ε/δ. Escrevamos 1 U = x− (B). Afirmamos que U est´a contido na bola intr´ınseca B(p; ε), de centro p e raio ε. De fato, dado q U podemos ligar ∈ q e p pelo caminho α: [0, 1] M dado por α(t) = x 1(t x(q)). → − · Como x(q) < ε/δ temos | |

1 `(α) = α0(t) dt = 0 | | Z 1 1 1 = [x0(x− (tx(q)))]− x(q) dt · ≤ Z0 1 ε δ x(q) dt < δ = ε. ≤ | | · δ Z0

Isto mostra que d(p, q) < ε, ou seja U B(p; ε), o que conclui a ⊂ demonstra¸c˜ao. “MAIN2” 2007/5/23 page 219

[SEC. 4: A TOPOLOGIA GERAL DE UMA VARIEDADE 219

4 A topologia geral de uma variedade

4.1 - Propriedade de Hausdorff Consideremos novamente o Exemplo 1, Se¸c˜ao 5, Cap. IV, onde uma variedade n˜ao-Hausdorff M foi definida pelo atlas A = [x, y], com x: A C R, y : B C R, (A C) ∪ → ∪ → ∪ ∩ (B C) = C e x C = y C. ∪ | | Existe uma unica´ m´etrica riemanniana em M em rela¸c˜ao a qual x e y s˜ao isometrias. Esta m´etrica ´e induzida por x em A C ∪ e por y em B C. ∪ A variedade riemanniana M ´e conexa: para ligar os pontos a e b por um caminho cont´ınuo, devemos partir de a, seguir ao longo de C at´e certo ponto, retornar pelo mesmo caminho e chegarmos assim em b. a A

C B b

Figura 9.2. Vemos que existem caminhos de comprimentos arbitrariamente pequenos ligando a e b, logo d(a, b) = 0 muito embora a = b. 6 Portanto a implica¸c˜ao p = q d(p, q) > 0 (ponto crucial da 6 ⇒ Proposi¸c˜ao 4) pode n˜ao ser verdadeira em uma variedade n˜ao- Hausdorff M. A distˆancia intr´ınseca define apenas uma pseudo- m´etrica em M. Outro fato ainda mais desagrad´avel ´e que a topologia (n˜ao- Hausdorff) de M definida pela pseudo-m´etrica intr´ınseca jamais ir´a coincidir com a topologia original de M. Realmente, a topo- logia original de M sempre ´e localmente de Hausdorff, enquanto “MAIN2” 2007/5/23 page 220

220 [CAP. IX: METRICAS´ RIEMANNIANAS que a topologia definida por uma pseudo-m´etrica autˆentica nunca ´e localmente de Hausdorff. No exemplo acima, o ponto b pertence a toda pseudo-bola cen- trada em a mas n˜ao est´a em nenhuma vizinhan¸ca coordenada do ponto a.

4.2 - O axioma da base enumer´avel

Aos objetos que forem quase variedades diferenci´aveis, faltando ser cumprida apenas a exigˆencia da base enumer´avel, chamaremos, a` falta de nome melhor, de multiplicidades diferenci´aveis. De qualquer maneira, uma multiplicidade diferenci´avel tem base enumer´avel localmente, isto ´e, cada ponto p M posui uma ∈ vizinhan¸ca (de coordenadas) que tem base enumer´avel. Por conseguinte, uma multiplicidade ´e um espa¸co E1, embora n˜ao necessariamente E2. E´ realmente f´acil dar exemplos de multiplicidades diferenc´aveis que n˜ao possuem base enumer´avel de abertos. Basta considerar a soma topol´ogica de uma quantidade n˜ao enumer´avel de c´opias de uma variedade diferenci´avel n˜ao vazia M0 . Ou equivalentemente, seja M = M A o produto cartesiano de uma variedade dife- 0 × renci´avel M0 com um espa¸co discreto e n˜ao-enumer´avel A. Estes exemplos s˜ao triviais porque fornecem uma multiplicidade M n˜ao- conexa. Por outro lado, n˜ao ´e t˜ao f´acil obter exemplos de multipli- cidades conexas sem base enumer´avel, embora tais objetos existam (ver R. Nevanlinna, “Uniformisierung”, pag. 51, para um exemplo bi-dimensional e Milnor “Der Ring der Vektorraumbundel”,¨ pag. 39, para um caso unidimensional). Todos os resultados dos Cap´ıtulos IV e VII, bem como as Pro- posi¸c˜oes 5 e 6 deste cap´ıtulo, se aplicam as` multiplicidades dife- renci´aveis. “MAIN2” 2007/5/23 page 221

[SEC. 4: A TOPOLOGIA GERAL DE UMA VARIEDADE 221

Proposi¸c˜ao 7. Seja M uma multiplicidade conexa de classe Ck. As seguintes condi¸c˜oes s˜ao equivalentes:

(i) M possui base enumer´avel (i.e., M ´e uma variedade). (ii) M admite parti¸c˜oes da unidade (i.e., toda cobertura aberta de M admite uma parti¸c˜ao da unidade de classe Ck a ela subordinada). k 1 (iii) Existe uma m´etrica riemanniana de classe C − em M.

Demonstra¸c˜ao: (i) (iii) Corol´ario 1 da Proposi¸c˜ao 1, Cap´ıtulo VIII. ⇒ (ii) (iii) Proposi¸c˜ao 1, Cap´ıtulo IX. ⇒ (ii) (i) Pela Proposi¸c˜ao 4, M ´e um espa¸co metriz´avel. ⇒ Como, al´em disso, M ´e conexo e localmente compacto, segue-se que M tem base enumer´avel. (Vide ETG, Corol´ario, pag. 225). Corol´ario. Seja M uma multiplicidade diferenci´avel conexa e N uma variedade de classe C1. Se existe uma imers˜ao f : M N → de classe C1 ent˜ao M ´e uma variedade. Com efeito, tomando uma m´etrica riemanniana de classe C 0 em N, a imers˜ao f induz em M uma m´etrica riemanniana de classe C0. Pela Proposi¸c˜ao 7, M possui base enumer´avel, ou seja, ´e uma variedade. Observa¸c˜ao: O corol´ario acima n˜ao ´e trivial, mesmo se f for injetiva, pois a topologia de M pode ser consideravelmente mais fina do que a induzida por f. Obviamente, o resultado ´e imediato quando f for um mergulho. Exemplo. No espa¸co euclidiano Rn, sua m´etrica usual coin- cide com a m´etrica intr´ınseca. Por outro lado, numa superf´ıcie M m Rn, a distˆancia usual em Rn n˜ao induz em M sua m´etrica ⊂ intr´ınseca, nem mesmo quando M ´e um subconjunto aberto de “MAIN2” 2007/5/23 page 222

222 [CAP. IX: METRICAS´ RIEMANNIANAS

Rn (ou seja, m = n), salvo se esse aberto ´e convexo. Por exem- plo, se omitirmos do plano R2 o segmento [ 1, +1] do eixo dos − y, obteremos um aberto no qual a distˆancia intr´ınseca entre os pontos ( 1, 0) e (1, 0) ´e 2√2, em vez de 2. Na esfera Sn Rn+1, − ⊂ a distˆancia intr´ınseca entre dois pontos p, q ´e o comprimento do menor dos arcos de c´ırculo m´aximo que ligam p a q. (Se p = q, 6 − h´a apenas 2 desses arcos. Se p = q, h´a uma infinidade, todos de − mesmo comprimento, π.) E´ claro que se S M ´e uma subvarie- ⊂ dade e dS, dM indicam as distˆancias intr´ınsecas respectivas, ent˜ao d (p, q) d (p, q) para quaisquer p, q S. M ≤ S ∈ 5 Isometrias

Em toda esta se¸c˜ao, M m e N n designar˜ao variedades de classe Ck+1 dotadas de m´etricas riemannianas de classe Ck. Seja f : M N diferenci´avel. Diremos que sua derivada → f (p): T M T N , q = f(p), preserva o produto interno quando 0 p → q f (p) u, f (p) v = u, v para quaisquer u, v T N . Como se h 0 · 0 · iq h ip ∈ p sabe, isto ocorre se, e somente se, f 0(p) preserva a norma, ou seja, f (p) u = u para todo u T M . | 0 · |q | |p ∈ p Quando uma aplica¸c˜ao diferenci´avel f : M N preserva o → produto interno em todos os pontos p M, dizemos que f ´e uma ∈ imers˜ao isom´etrica de M em N. Isto implica, em particular, que dim M dim N e que f ´e localmente injetiva. Se, al´em disso, f ≤ for um homeomorfismo de M sobre f(M), diremos que f ´e um mergulho isom´etrico de M em N. Uma imers˜ao isom´etrica de uma variedade riemanniana em outra de mesma dimens˜ao chama- se uma isometria local. Uma isometria f : M N ´e uma bije¸c˜ao → diferenci´avel cuja derivada, em todos os pontos, preserva o produto interno. Toda isometria ´e um difeomorfismo. Exemplos. 1) Seja J R um intervalo aberto. Para que um ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 223

[SEC. 5: ISOMETRIAS 223 caminho f : J M, de classe C1, seja uma imers˜ao isom´etrica, → ´e necess´ario e suficiente que em todos os pontos t J, seu vetor ∈ velocidade f 0(t) tenha comprimento 1. Quando isto ocorre, ent˜ao, para cada intervalo fechado [a, b] J, o caminho f [a, b] tem com- ⊂b b| primento b a, pois `(f [a, b]) = f 0(t) dt = dt = b a. Re- − | a | | a − ciprocamente, se o comprimentoZde cada caminhoZ restrito f [a, b] | ´e b a ent˜ao, para cada t J devemos ter f 0(t) = 1. Com efeito, − ∈ | | b fixando a em J, obtemos t a `(f [a, t]) = f 0(s) ds para − ≤ | a | | qualquer t > a em J. Derivando em rela¸c˜ao a tZ, vem 1 = f (t) , | 0 | como quer´ıamos. Em virtude deste fato, um caminho cujo vetor velocidade tem comprimento 1 em todos os pontos diz-se parame- trizado pelo comprimento de arco. E´ interessante observar que para todo caminho f : J M, de → classe Cr (r 1), tal que f (t) = 0 para todo t J, existe uma ≥ 0 6 ∈ reparametriza¸c˜ao, isto ´e, um difeomorfismo ϕ: I J, de classe → Cr, tal que f ϕ: I M ´e parametrizado pelo comprimento ◦ → de arco. Com efeito, escolhamos um ponto a J e definamos t ∈ λ: J R pondo λ(t) = f 0(s) ds. (Aqui λ(t) < 0 se t < a.) → a | | Evidentemente, λ Cr eZ λ (t) = f (t) > 0. Segue-se que λ ´e ∈ 0 | 0 | crescente e ´e um difeomorfismo de J sobre um intervalo aberto I R. Seja ϕ = λ 1 : I J. Ent˜ao o caminho reparametrizado ⊂ − → f ϕ: I M ´e tal que, para cada 0 = λ(t) I, temos ◦ → ∈

1 f 0(t) (f ϕ)0(s) = f 0(ϕ(s)) ϕ0(s) = f 0(t) = | | = 1. | ◦ | | · | | · λ0(t)| λ0(t)

Por conseguinte, f ϕ ´e parametrizado pelo comprimento de arco. ◦ Um caso particular: f : R R2, definida por f(t) = (cos t, sen t), → ´e uma imers˜ao isom´etrica da reta no plano, cuja imagem ´e o c´ırculo unit´ario S1. “MAIN2” 2007/5/23 page 224

224 [CAP. IX: METRICAS´ RIEMANNIANAS

2) Seja λ: J R2 um caminho de classe Cr (r 1), parame- → ≥ trizado pelo comprimento de arco. Aplicaremos a faixa aberta U = J R R2 em R3, pondo f(x, y) = (λ(x), y) R2 R. × ⊂ ∈ × Ent˜ao f : U R3 ´e uma imers˜ao isom´etrica. Se λ for um homeo- → morfismo sobre λ(J), ent˜ao f ser´a um mergulho isom´etrico e, por conseguinte, uma isometria de U sobre a superf´ıcie f(U), que ´e chamada o cilindro reto de base λ(J). 3) Seja f : R2 R4 definida por f(x, y) = (cos x, sen x, cos y, → sen y). Ent˜ao f ´e uma imers˜ao isom´etrica, cuja imagem f(R2) ´e um toro (de dimens˜ao 2) em R4. Com efeito, a rela¸c˜ao de equi- valˆencia induzida por f tem como classes de equivalˆencia as classes laterais do subgrupo Z Z R2 e portanto existe uma decom- × ⊂ posi¸c˜ao:

f R2 - R4  π ? f R2/Z Z ×

No diagrama acima, π ´e o difeomorfismo local canˆonico de R2 sobre o toro T 2 = R2/(Z Z). (Vide Cap´ıtulo VI, Se¸c˜ao 7). Como × f¯ π = f C , segue-se da Proposi¸c˜ao que f¯ C . Como f¯ ◦ ∈ ∞ ∈ ∞ ´e claramente uma imers˜ao biun´ıvoca e T 2 ´e compacto, concluimos que f¯ ´e um mergulho do toro T 2 em R2, cuja imagem coincide com f(R2). Mais geralmente, de modo an´alogo, podemos definir, para cada inteiro m, uma imers˜ao isom´etrica f : Rm R2m, de classe C , → ∞ cuja imagem ´e um toro de dimens˜ao m. Em outras palavras, em “MAIN2” 2007/5/23 page 225

[SEC. 5: ISOMETRIAS 225 cada toro pode-se introduzir uma m´etrica riemanniana que o torna localmente isom´etrico ao espa¸co euclidiano. Note-se que n˜ao pode existir uma imers˜ao isom´etrica f : R2 R3 cuja imagem seja o toro. Mais geralmente, n˜ao existe → uma superf´ıcie compacta M 2 R3 que seja localmente isom´etrica ⊂ ao plano R2. Isto resulta de fatos conhecidos de Geometria Di- ferencial pois uma superf´ıcie localmente isom´etrica ao plano tem curvatura gaussiana identicamente nula, enquanto que toda su- perf´ıcie compacta M 2 R2 deve possuir pelo menos um ponto ⊂ cuja curvatura gaussiana ´e positiva. (Vide M.P. do Carmo “Ele- mentos de Geometria Diferencial”, p´ag. 106, Exerc. 14.) 4) Seja T : Rn Rn um operador ortogonal. Munido do seu pro- → duto interno natural, Rn ´e uma variedade riemanniana e T ´e uma isometria. Consequen¨ temente, se M m Rn ´e uma superf´ıcie tal ⊂ que T (M) = M, ent˜ao f = T M ´e uma isometria de M. (Bem | entendido, estamos considerando em M a m´etrica riemanniana n n 1 n 1 induzida de R .) Em particular, como T (S − ) = S − para toda transforma¸c˜ao T O(Rn), obtemos uma infinidade de iso- ∈ metrias f : Sn 1 Sn 1 considerando as restri¸c˜oes a` esfera Sn 1 − → − − de operadores ortogonais em Rn. Assim temos a aplica¸c˜ao ant´ıpoda α: p p, as reflex˜oes (x1, . . . , xn) (x1, . . . , xi . . . , xn), etc. 7→ − 7→ − Outras superf´ıcies podem ser transformadas sobre si mesmas por meio de certos operadores ortogonais. (Diz-se ent˜ao que a su- perf´ıcie exibe um certo tipo de simetria.) Por exemplo, o toro de revolu¸c˜ao, obtido como por rota¸c˜ao de um c´ırculo vertical em torno do eixo x = y = 0, admite as isometrias (x, y, z) (x, y, z), 7→ − (x, y, z) (x, y, z), p p, etc. 7→ − 7→ − 5) Sabemos que, dadas uma imers˜ao f : M m N m, de classe → Ck+1, e uma m´etrica riemanniana h em N, de classe Ck, existe uma m´etrica riemanniana g em M, de classe Ck, que torna f uma isometria local. Basta tomar g = m´etrica induzida por f. (Vide “MAIN2” 2007/5/23 page 226

226 [CAP. IX: METRICAS´ RIEMANNIANAS

Se¸c˜ao 1, Cap. IX.) Consideremos agora a situa¸c˜ao oposta. Dada a imers˜ao f, entre variedades de mesma dimens˜ao, supomos que M possui uma m´etrica riemanniana e queremos saber se existe uma m´etrica em N que torna f uma isometria local. Condi¸c˜ao necess´aria e suficiente para que isto ocorra ´e a seguinte: Se p, q ∈ M s˜ao tais que f(p) = f(q), ent˜ao a transforma¸c˜ao linear f (q) 1 0 − ◦ f (p): T M T N ´e uma isometria linear. 0 p → q Com efeito, em cada ponto p M, a derivada f (p): T M ∈ 0 p → T Nf(p) ´e um isomorfismo linear. Logo existe um unico´ produto interno em T N que a torna uma isometria. Se q M ´e outro f(p) ∈ ponto tal que f(p) = f(q), o produto interno induzido por f 0(q) em T N coincide com o anterior, pois f (p) = f (q) L, onde f(q) 0 0 ◦ L: T M T M ´e a isometria f (q) 1 f (p). Assim, existe uma p → q 0 − ◦ 0 m´etrica riemanniana em N que torna f uma isometria local. Sendo f Ck+1, isto faz com que tal m´etrica (induzida localmente por ∈1 k f − ) seja de classe C . A rec´ıproca ´e ob´ via. Como exemplo de tal situa¸c˜ao, sejam M m uma variedade com uma m´etrica riemanniana de classe Ck e f: M m N m um difeomorfismo local de classe Ck+1 → com a seguinte propriedade: dados p, q M com f(p) = f(q), ∈ existe uma isometria ϕ: M M, de classe Ck+1, tal que f ϕ = → ◦ f e ϕ(p) = q. Ent˜ao existe uma m´etrica riemanniana de classe Ck em N que torna f uma isometria local. Com efeito, temos f (ϕ(p)) ϕ (p) = f (p), ou seja ϕ (p) = f (p) 1 f (p), sempre que 0 ◦ 0 0 0 0 − ◦ 0 f(p) = f(q). Como ϕ (p): T M T M ´e uma isometria linear, 0 p → q o resultado segue-se. Aplica¸c˜oes: existem m´etricas riemannianas no espa¸co projetivo P m e no toro T m = Rm/(Z Z) que × · · · × tornam as aplica¸c˜oes canˆonicas π : Sm P m e π : Rm T m → 0 → isometrias locais. Com efeito, a aplica¸c˜ao ant´ıpoda ϕ: Sm Sm → ´e uma isometria tal que π(p) = π(q) q = ϕ(p). Al´em disso, ⇔ π (p) = π (q) a = q p Zm. A transla¸c˜ao ϕ: x x + a ´e 0 0 ⇔ − ∈ 7→ uma isometria de Rm tal que π ϕ = π e ϕ(p) = q. A m´etrica de ◦ 0 “MAIN2” 2007/5/23 page 227

[SEC. 5: ISOMETRIAS 227

P n que torna π : Sm P m uma isometria local chama-se m´etrica → el´ıptica. A m´etrica de T m que torna π : Rm T m uma isometria 0 → local ´e chamada m´etrica achatada. 6) Seja G um grupo de Lie. Uma m´etrica riemanniana em G diz-se invariante a` esquerda quando, para todo g G, a transla¸c˜ao a` es- ∈ querda ` : h gh ´e uma isometria de G. Analogamente se define g 7→ m´etrica invariante a` direita de m´etrica bi-invariante. Em todo grupo de Lie, existe uma m´etrica invariante a` esquerda. Basta considerar um produto interno na algebra´ de Lie T Ge e estendˆe-lo por transla¸c˜ao a` esquerda, isto ´e, impondo que, para cada g G, a ∈ derivada ` (e): T G T G seja uma isometria. Isto ´e suficiente g0 e → g para que cada derivada ` (h): T G T G preserve o produto g0 h → gh interno. De maneira an´aloga se mostra que todo grupo de Lie pode ser munido de uma m´etrica invariante a` direita. 7) Mostraremos agora que o grupo ortogonal O(Rm), conside- 2 rado como superf´ıcie em (Rm) = Rm , herda deste espa¸co eucli- L diano uma m´etrica bi-invariante. Com efeito, associemos a cada A (Rm) a aplica¸c˜ao linear ` : (Rm) (Rm) que consiste ∈ L A L → L na multiplica¸c˜ao a` esquerda por A, ou seja, ` (X) = A X. Consi- A · deremos em (Rm) o produto interno X, Y = tr(X Y ). Ent˜ao, L h i ∗ se A: Rm Rm for ortogonal, ` : (Rm) (Rm) tamb´em ser´a → A L → L ortogonal, pois ` (X), ` (Y ) = AX, AY = tr(X A AY ) = h A A i h i ∗ ∗ tr(X Y ) = X, Y . A rec´ıproca tamb´em vale: se ` for ortogo- ∗ h i A nal, A o ser´a. A demonstra¸c˜ao ´e deixada a cargo do leitor. De qualquer modo, concluimos que, para cada A 0(Rm), ` ´e uma ∈ A isometria de (Rm). Por conseguinte, se G (Rm) ´e um grupo L ⊂ L de Lie que cont´em a transforma¸c˜ao ortogonal A, ent˜ao `A(G) = G e, por conseguinte, a restri¸c˜ao ` G ´e uma isometria de G, quando A| tomamos neste grupo sua m´etrica riemaniana natural, induzida de (Rm). Por exemplo, o grupo unimodular SL(Rm) cont´em o L grupo ortogonal. Logo, para cada A O(Rm), a transla¸c˜ao a` es- ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 228

228 [CAP. IX: METRICAS´ RIEMANNIANAS

m querda `A ´e uma isometria de SL(R ). Evidentemente, para cada m m A O(R ), `A ´e uma isometria de O(R ), ou seja, a m´etrica ∈ 2 natural do grupo ortogonal (induzida pelo espa¸co euclidiano Rm ) ´e invariante a` esquerda. (Mas a m´etrica natural de SL(Rm) n˜ao ´e invariante a` esquerda.) Tudo o que foi dito acima se aplica para a transla¸c˜ao a` direita r : X X A. Basta notar que A 7→ · tr(XY ) = tr(Y X). Segue-se que a m´etrica riemanniana natural de O(Rm) ´e bi-invariante. 8) Seja f : M N uma imers˜ao isom´etrica. Ent˜ao f preserva → o comprimento de arco, isto ´e, se λ: [a, b] M ´e um caminho → de classe C1, ent˜ao `(f λ) = `(λ). Com efeito, para cada t ◦ ∈ [a, b], temos (f λ) (t) = f (λ(t)) λ (t) . O resultado segue-se | ◦ 0 | | 0 ◦ 0 | por integra¸c˜ao. Reciprocamente, se f : M N ´e de classe C 1 e → preserva comprimento de arco, ent˜ao, para cada p M e para cada ∈ u T M com u = 1, podemos obter um caminho λ: ( ε, +ε) ∈ p | | − → M, de classe C1, parametrizado pelo comprimento de arco (vide Exemplo 1), tal que λ(0) = p e λ (0) = u. Ent˜ao f λ tamb´em ser´a 0 ◦ parametrizado pelo comprimento de arco. Por conseguinte f (p) | 0 · u = f (λ(0)) λ (0) = (f λ) (0) = 1. Assim, a transforma¸c˜ao | | 0 · 0 | | ◦ 0 | linear f (p): T M T N leva vetores de comprimento 1 em 0 p → f(p) vetores de comprimento 1. Logo f 0(p) preserva normas e f ´e uma imers˜ao isom´etrica. Se considerarmos as variedades riemannianas M e N como espa¸cos m´etricos, munidos das distˆancias intr´ınsecas, uma imers˜ao isom´etrica f : M N satisfaz a condi¸c˜ao d(f(p),f(q)) d(p, q). → ≤ Com efeito, para todo caminho λ: [a, b] M, seccionalmente C 1, → com λ(a) = p e λ(b) = q, o caminho f λ liga f(p) a f(q) e tem o ◦ mesmo comprimento que λ. Podem eventualmente existir camin- hos em N, ligando f(p) a f(q), que n˜ao s˜ao da forma f λ, onde ◦ λ liga p a q em M. Por isso pode acontecer que d(f(p), f(q)) < d(p, q). (Vide f : R R2, f(t) = (cos t, sen t).) Mas quando f ´e → “MAIN2” 2007/5/23 page 229

[SEC. 5: ISOMETRIAS 229 uma isometria (difeomorfismo cuja derivada, em cada ponto, pre- serva o produto interno) ent˜ao d(f(p), f(q)) = d(p, q) para quais- quer p, q M e portanto f : M N ´e tamb´em uma isometria no ∈ → sentido de espa¸cos m´etricos. “MAIN2” 2007/5/23 page 230

Cap´ıtulo X

Espa¸cos de Fun¸c˜oes

1 Fun¸c˜oes semicont´ınuas em uma variedade

Seja X um espa¸co topol´ogico. Uma fun¸c˜ao real f : X R → diz-se semicont´ınua inferiormente no ponto a X quando, para ∈ cada ε > 0, existe uma vizinhan¸ca V de a tal que x V implica ∈ f(a) ε < f(x). De modo an´alogo se define semi-continuidade − superior. Exemplos 1) Uma fun¸c˜ao ´e cont´ınua se, e somente se, ´e semicont´ınua inferior e superiormente. 2) Um subconjunto A X ´e aberto se, e somente se, sua fun¸c˜ao ca- ⊂ racter´ıstica f : X R (definida por f(A)=1, f(X A)=0) ´e semi- → − cont´ınua inferiormente. Analogamente, um subconjunto fechado ´e caracterizado pela semi-continuidade superior de sua fun¸c˜ao ca- racter´ıstica.

3) Se f1, . . . , fs s˜ao fun¸c˜oes semicont´ınuas inferiormente (resp. su- periormente) ent˜ao o mesmo se d´a para f = inf f , . . . , f (resp. { 1 s} g = sup f , . . . , f ). { 1 s} “MAIN2” 2007/5/23 page 231

[SEC. 1: FUNC¸OES˜ SEMICONT´INUAS EM UMA VARIEDADE 231

4) Seja ([a, b]; Rn) o conjunto de todos os caminhos cont´ınuos e R retific´aveis α: [a, b] Rn com a m´etrica d(α, β) = sup α(t) → a t b | − β(t) . Ent˜ao a fun¸c˜ao comprimento de arco, ≤ ≤ | `: ([a, b]; Rn) R R → ´e semicont´ınua inferiormente, como se sabe da An´alise. Proposi¸c˜ao 1. Sejam g, h: M R, respectivamente, fun¸c˜oes → semicont´ınuas inferior e superiormente numa variedade M C k, ∈ tais que h(p) < g(p) para cada p M. Ent˜ao existe uma fun¸c˜ao ∈ f : M R, de classe Ck, tal que h(p) < f(p) < g(p) para todo → p M. ∈ Demonstra¸c˜ao: Para cada p M escrevamos a = 1 [g(p) + ∈ p 2 h(p)]. Ent˜ao h(p) < ap < g(p), logo existe uma vizinhan¸ca Vp de p em M tal que h(q) < a < g(q) para todo q V . Em p ∈ p outras palavras, existe uma cobertura aberta = (Vp)p M de M V ∈ e uma fam´ılia de numeros´ reais (ap)p M tais que q Vp h(p) < ∈ ∈ ⇒ ap < g(q). Consideremos uma parti¸c˜ao da unidade ϕp = p M 1 estritamente subordinada a` cobertura . A fun¸c˜ao Pf∈ : M V → R, de classe Ck, que estamos procurando, ´e obtida pela “m´edia ponderada” f = apϕp . Com efeito, dado q M, temos p M ∈ ∈ h(q) < a < g(q) sePq V e ϕ (q) = 0 se q / V . Logo h(q) = p ∈ p p ∈ p ϕp(q) h(q) < apϕp(q) = f(q) < ϕp(q)g(q) = g(q). p · p p CorolP ´ario 1. SejaP = (C ) umaPcobertura localmente finita C α α A de uma variedade M Ck. Seja∈ (a ) uma fam´ılia de numer´ os ∈ α α A reais positivos, com ´ındices no mesmo∈ conjunto A. Ent˜ao existe uma fun¸c˜ao f : M R, de classe Ck, tal que p C 0 < → ∈ α ⇒ f(p) < aα .

Demonstra¸c˜ao: Podemos supor que os conjuntos Cα s˜ao fecha- dos, pois a fam´ılia (Cα)α A tamb´em ´e localmente finita. Defina- ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 232

232 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜ mos g : M R pondo g(p) = inf a ; p C . Se provarmos que → { α ∈ α} g ´e semicont´ınua inferiormente ent˜ao existir´a, pela Proposi¸c˜ao 1, uma fun¸c˜ao f : M R tal que 0 < f(p) < g(p) a para todo → ≤ α p M. Em verdade, a fun¸c˜ao g ´e semicont´ınua inferiormente de ∈ um modo bastante curioso: cada ponto p M possui uma vizin- ∈ han¸ca V tal que q V g(q) g(p) (todo ponto ´e m´ınimo p ∈ p ⇒ ≥ local). Com efeito, cada ponto p M possui uma vizinhan¸ca V ∈ p que intersecta apenas um numero´ finito de conjuntos Cα1 , . . . , Cαs . Como estes conjuntos s˜ao fechados, restringindo as vizinhan¸cas Vp , se necess´ario, podemos supor que cada Vp s´o intersecta os Cαi que contˆem p. V p Cα

V 0p

p

Cα0

Figura 10.1. Em outras palavras, dado q V , se q C ent˜ao p C . Logo ∈ p ∈ α ∈ α g(q) = inf a ; q C inf a ; p C = g(p). { α ∈ α} ≥ { α ∈ α} Corol´ario 2. Seja g : M Rn uma aplica¸c˜ao cont´ınua numa → variedade M de classe Ck. Dada uma fun¸c˜ao cont´ınua ε: M R → com ε(p) > 0 para todo p M, existe uma aplica¸c˜ao f : M Rn, ∈ → de classe Ck, tal que g(p) f(p) < ε(p) para todo p M. | − | ∈ Demonstra¸c˜ao: Consideremos primeiro o caso n = 1. Como ε(p) > 0 tem-se, para todo p M, g(p) ε(p) < g(p) + ε(p). Pela ∈ − “MAIN2” 2007/5/23 page 233

[SEC. 2: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜ 233

Proposi¸c˜ao 1, existe uma aplica¸c˜ao f : M R, de classe C k, tal → que g(p) ε(p) < f(p) < g(p)+ε(p) para todo p M. O caso geral − ∈ resulta da´ı, considerando cada coordenada de g separadamente.

2 Espa¸cos de fun¸c˜oes

Sejam X um espa¸co topol´ogico e Y um espa¸co m´etrico. Denotemos por W 0(X; Y ) o conjunto das aplica¸c˜oes cont´ınuas f : X Y , dotado da topologia na qual as vizinhan¸cas b´asicas → de uma aplica¸c˜ao f W 0(X; Y ) s˜ao os conjuntos W 0(f; ε), onde ∈ ε: X R+ ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua e W 0(f; ε) = g W 0(X; Y ); → { ∈ d(f(x), g(x)) < ε(x) x X . ∀ ∈ } Quando ε descreve as fun¸c˜oes cont´ınuas > 0 em X, W 0(f; ε) descreve um sistema fundamental de vizinhan¸cas de f. Esta topologia ´e denominada a topologia de Whitney de classe C0. Se X n˜ao for compacto, W 0(X; Y ) n˜ao ser´a metriz´avel, pois nenhum dos seus pontos ter´a sistema fundamental enumer´avel de vizinhan¸cas; no entanto, usaremos a nota¸c˜ao d(f, g) < ε signifi- cando que d(f(x), g(x)) < ε(x) para todo x X. ∈ Um outro modo de obter um sistema fundamental de vizi- nhan¸cas de f W 0(X; Y ) ´e considerar os conjuntos W (f; U), onde ∈ U ´e um aberto contendo o gr´afico G(f) em X Y e W (f; U) = × g W 0(X; Y ); G(g) U . { ∈ ⊂ } Para verificar a equivalˆencia entre as duas defini¸c˜oes, basta no- tar que, dada ε: X R cont´ınua e positiva, ent˜ao o conjunto U = → (x, y) X Y ; d(y, f(x)) < ε(x) ´e um aberto que cont´em G(f) e { ∈ × } W (f; U) W 0(f; ε). Reciprocamente, dado o aberto U X Y ⊂ ⊂ × contendo G(f), definimos a fun¸c˜ao cont´ınua positiva ε: X R → pondo, para cada x X, ε(x) = dist[(x, f(x)), X Y U]. Ent˜ao ∈ × − W 0(f; ε) W (f; Y ). ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 234

234 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

Y

U G(f) G(g)

X

Figura 10.2. Pelo Corol´ario 2, quando M ´e uma variedade de classe C k, as aplica¸c˜oes f : M Rn de classe Ck formam um subconjunto → denso de W 0(M; Rn). Mais adiante mostraremos que este fato ´e verdadeiro se Y = N ´e qualquer variedade diferenci´avel. (Vide Corol´ario da Proposi¸c˜ao 9.) Outra topologia que as` vezes se considera no conjunto das aplica¸c˜oes cont´ınuas f : X Y , de um espa¸co topol´ogico X num → espa¸co m´etrico Y , ´e a topologia da convergˆencia uniforme nos compactos. O espa¸co topol´ogico correspondente ser´a denotado por C0(X; Y ). As vizinhan¸cas b´asicas de uma aplica¸c˜ao cont´ınua f : X Y s˜ao descritas nesta topologia por dois “parˆametros”: → uma parte compacta K X e um numero´ real δ > 0. Estas ⊂ vizinhan¸cas s˜ao os conjuntos

V (f; K, δ) = g C0(X; Y ); d(f(x), g(x)) < δ, x K . { ∈ ∀ ∈ } E´ claro que a aplica¸c˜ao identidade

i: W 0(X; Y ) C0(X; Y ) → ´e cont´ınua, isto ´e, a topologia de Whitney ´e mais fina que a da convergˆencia uniforme nas partes compactas. Se M ´e uma variedade diferenci´avel, o espa¸co C0(M; Y ) ´e me- triz´avel. Se, al´em disso, o espa¸co m´etrico Y tiver base enumer´avel, o mesmo ocorrer´a com C0(M; Y ). (Vide ETG, pags. 362, 363.) “MAIN2” 2007/5/23 page 235

[SEC. 2: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜ 235

Quando X ´e compacto, toda fun¸c˜ao cont´ınua ε: X R atinge → o seu m´ınimo, e portanto a outra aplica¸c˜ao identidade

j : C0(X; Y ) W 0(X; Y ) → tamb´em ´e cont´ınua. Neste caso W 0(X; Y ) = C0(X; Y ) ´e me- triz´avel por d(f, g) = sup d(f(x), g(x)).x X . { ∈ } E´ evidente que quando M ´e uma variedade de classe Ck, as aplica¸c˜oes f : M Rn de classe Ck tamb´em formam um subcon- → junto denso de C0(M; Rn), pois a topologia de Whitney ´e mais fina. Para o estudo das variedades diferenci´aveis ´e mais interessante considerar a topologia de Whitney de classe Ck, que definiremos agora. Sejam M e N variedades diferenci´aveis de classe Ck (k 1). ≥ Admitamos que exista um mergulho ϕ: N Rn de classe Ck. → (Para simplificar a nota¸c˜ao vamos supor que N Rn ´e uma su- ⊂ perf´ıcie de classe Ck.) Mostraremos no pr´oximo cap´ıtulo que esta hip´otese adicional n˜ao ´e uma restri¸c˜ao; isto ´e, toda variedade pode ser mergulhada em algum espa¸co euclidiano. k 1 Escolhamos uma m´etrica riemaniana em M, de classe C − (isto ´e, pelo menos de classe C0). Indiquemos com W 1(M; N) o conjunto das aplica¸c˜oes f: M → N de classe C1, dotado da topologia na qual as vizinhan¸cas b´asicas de uma aplica¸c˜ao f W 1(M; N) s˜ao os conjuntos ∈ W 1(f; ε) = g W 1(M, N); f(p) g(p) < ε(p) e { ∈ | − | f 0(p) g0(p) < ε(p) . | − | } Na express˜ao acima, ε: M R ´e uma fun¸c˜ao cont´ınua e → positiva e f (p) g (p) ´e a norma da aplica¸c˜ao linear f (p) | 0 − 0 | 0 − g (p): T M Rn (tomada em qualquer dos sentidos da Se¸c˜ao 3, 0 p → “MAIN2” 2007/5/23 page 236

236 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

Cap. IX). Observemos que T Nf(p) e T Ng(p) s˜ao subespa¸cos do n R , logo podemos considerar f 0(p) e g0(p) como transforma¸c˜oes n lineares de T Mp em R . O leitor verificar´a que W 1(M; N) ´e um espa¸co de Hausdorff. Doravante, sempre que empregamos a nota¸c˜ao W 1(M; N), es- taremos admitindo tacitamente que M ´e uma variedade de classe Ck, munida de uma m´etrica riemaniana de classe Ck 1, (k 1) e − ≥ que N ´e uma superf´ıcie de classe Ck em algum espa¸co euclidiano. Mostraremos na Se¸c˜ao 3 que a topologia de W 1(M; N) inde- pende da m´etrica riemaniana escolhida em M e do mergulho de N em algum espa¸co euclidiano. Em geral, W 1(M; N) n˜ao ´e metriz´avel. No entanto, escrevere- mos frequen¨ temente f g < ε significando que f(p) g(p) < | − |1 | − | ε(p) e f (p) g (p) < ε(p) para todo p M. | 0 − 0 | ∈ Uma outra topologia no conjunto de todas as aplica¸c˜oes f : M N de classe C1 ´e a topologia da convergˆencia uniforme → de classe C1 nos subconjuntos compactos de M. Este espa¸co to- pol´ogico ser´a denotado por C1(M; N). As vizinhan¸cas b´asicas de uma aplica¸c˜ao f C1(M; N) s˜ao os conjuntos V 1(f; K, δ), onde ∈ K M ´e um subconjunto compacto, δ um numero´ real positivo e ⊂ V 1(f; K, δ) = g C1(M; N); f(p) g(p) < δ e f (p) g (p < δ { ∈ | − | | 0 − 0 | para todo p K . ∈ } A aplica¸c˜ao identidade

i: W 1(M; N) C1(M; N) → ´e cont´ınua, isto ´e, a topologia de Whitney de classe C 1 ´e mais fina que a topologia C1 da convergˆencia compacta. Obviamente, quando M ´e compacto, tem-se W 1(M; N) = C1(M; N). O espa¸co C1(M; N) ´e metriz´avel, com base enumer´avel. “MAIN2” 2007/5/23 page 237

[SEC. 3: INVARIANCIAˆ DA TOPOLOGIA DE W 1(M; N) 237

3 Invariˆancia da topologia de W 1(M; N)

Mostraremos nesta se¸c˜ao que a topologia de W 1(M; N) n˜ao depende da m´etrica riemaniana escolhida em M nem da maneira como N est´a mergulhada no espa¸co euclidiano. Para isto, exami- naremos o comportamento de W 1(M; N) como functor das “vari´a- veis” M e N.

Sejam M, M1 , M2 variedades riemanianas e N, N1 , N2 su- perf´ıcies no espa¸co euclidiano. Uma aplica¸c˜ao ϕ: M M , de 1 → 2 classe C1, induz uma aplica¸c˜ao

1 1 ϕ∗ : W (M ; N) W (M ; N), 2 → 1 definida por ϕ (f) = f ϕ. ∗ ◦ Por outro lado, uma aplica¸c˜ao de classe C1, ϕ: N N , 1 → 2 induz 1 1 ϕ : W (M; N1) W (M; N2), ∗ → definida por ϕ (f) = ϕ f. ∗ ◦ Tem-se (ϕ ψ)∗ = ψ∗ ϕ∗ e (ϕ ψ) = ϕ ψ . Al´em disso, ◦ ◦ ◦ ∗ ∗ ◦ ∗ (id)∗ = id e (id) = id, de modo que se ϕ ´e um difeomorfismo ∗ 1 1 ent˜ao ϕ∗ ´e uma bije¸c˜ao, com (ϕ∗)− = (ϕ− )∗. Analogamente, 1 1 (ϕ )− = (ϕ− ) . ∗ ∗ 1 Ocorre o seguinte: quando ϕ: N1 N2 ´e de classe C , a 1 → 1 aplica¸c˜ao induzida ϕ : W (M.N1) W (M; N2) ´e cont´ınua e ∗ → portanto, quando ϕ ´e um difeomorfismo, ϕ ´e um homeomorfismo. ∗ Isto ser´a demonstrado logo mais. Infelizmente, por´em, nem todas as aplica¸c˜oes ϕ: M M de 1 → 2 classe C1 induzem aplica¸c˜oes ϕ : W 1(M ; N) W 1(M ; N) que ∗ 2 → 1 s˜ao cont´ınuas. Mesmo assim, quando ϕ ´e um difeomorfismo, ϕ∗ ´e um homeomorfismo.

Examinemos primeiro ϕ∗. “MAIN2” 2007/5/23 page 238

238 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

Se a variedade M n˜ao ´e compacta, existe uma fun¸c˜ao cont´ınua positiva ε: M R tal que inf ε(p); p M = 0. Ent˜ao, para → { ∈ } qualquer f W 1(M; N), a vizinhan¸ca b´asica W 1(f; ε) n˜ao contˆem ∈ aplica¸c˜oes constantes (exceto, possivelmente, f). Em outras pala- vras, quando M n˜ao ´e compacta, as alica¸c˜oes constantes formam um subconjunto discreto do espa¸co W 1(M; N). Segue-se da´ı que a inclus˜ao natural c: N W 1(M; N), a qual → associa a cada ponto q N a aplica¸c˜ao constante c : M N ∈ q → (com c (p) = q para todo p M), ´e descont´ınua se M n˜ao for q ∈ compacta e se dim N > 0. Por outro lado, se tomarmos uma variedade reduzida a um ponto a, ent˜ao W 1(a; N) ´e homeomorfa a N pela aplica¸c˜ao W 1(a; N) N que leva cada f W 1(a; N) em sua imagem → ∈ f(a) N. Assim, se M ´e uma variedade n˜ao-compacta e se ∈ dim N > 0, ent˜ao a aplica¸c˜ao ϕ: M a, de classe C1, induz → uma aplica¸c˜ao ϕ : W 1(a; N) W 1(M; N), a qual ´e descont´ınua ∗ → pois equivale a c: N W 1(M; N) atrav´es do homeomorfismo → natural W 1(a; N) N. ≈ A proposi¸c˜ao abaixo ser´a util´ mais adiante. Proposi¸c˜ao 2. Seja ϕ: M M uma aplica¸c˜ao de classe C1. 1 → 2 Dados um compacto K M e um numer´ o η > 0, existe um ⊂ 1 numer´ o δ > 0 tal que f, g W 1(M ; N), f g < δ em ϕ(K) ∈ 2 | − |1 implicam fϕ gϕ < η em ϕ(K). | − |1 Demonstra¸c˜ao: Tomemos um numero´ real A sup ϕ (p) ; ≥ {| 0 | p K e ainda com A 1. Ponhamos δ = η/A. Ent˜ao, ∈ } ≥ se f, g W 1(M ; N) s˜ao tais que f(q) g(q) < δ para todo ∈ 2 | − | q ϕ(K), segue-se que f(ϕ(p)) g(ϕ(p)) < δ η e ∈ | − | ≤ (fϕ)0(p) (gϕ)0(p) = f 0(ϕ(p)) ϕ0(p) g0(ϕ(p)) ϕ0(p) | − | | · − · | f 0(ϕ(p)) g0(ϕ(p)) ϕ0(p) < δ A η ≤ | − | · | | · ≤ para todo p K, como quer´ıamos demonstrar. ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 239

[SEC. 3: INVARIANCIAˆ DA TOPOLOGIA DE W 1(M; N) 239

Corol´ario. Se M for compacta, ent˜ao toda ϕ: M M de 1 1 → 2 classe C1 induz ϕ : W 1(M ; N) W 1(M ; N) cont´ınua. ∗ 2 → 1 Com efeito, dada uma fun¸c˜ao cont´ınua positiva ε: M R, 1 → temos η = inf ε(p); p M > 0. Pela proposi¸c˜ao, existe uma { ∈ 1} fun¸c˜ao cont´ınua positiva (constante) δ : M R tal que g 2 → ∈ W 1(f; δ) gϕ W 1(fϕ; η) W 1(fϕ; ε), o que prova a continui- ⇒ ∈ ⊂ dade de ϕ∗. Refinaremos agora o argumento acima e concluiremos que ϕ∗ ´e cont´ınua quando ϕ ´e pr´opria. Proposi¸c˜ao 3. Seja ϕ: M M uma aplica¸c˜ao pr´opria de 1 → 2 classe C1. Ent˜ao ϕ : W 1(M ; N) W 1(M ; N) ´e cont´ınua. ∗ 2 → 1 Demonstra¸c˜ao: Dada ε: M R cont´ınua e positiva, defini- 1 → remos η : M R pondo η(p) = ε(p)/(1 + ϕ (p) ), para todo 1 → | 0 | p M . Obteremos em seguida uma fun¸c˜ao cont´ınua δ : M R ∈ 1 2 → tal que 0 < δ(ϕ(p)) < η(p) para todo p M . Para isso, considere- ∈ 1 mos uma cobertura localmente finita M2 = Kα por conjuntos a A ∈ compactos Kα . Como ϕ ´e pr´opria, para cadaS α A a imagem ∈ inversa ϕ 1(K ) ´e compacta, logo a = inf η(p); p ϕ 1(K ) ´e − α α { ∈ − α } > 0, salvo se ϕ 1(K ) = , em cujo caso poremos a = 1. Pelo − α ∅ α Corol´ario 1 da Proposi¸c˜ao 1, existe δ : M R cont´ınua tal que 2 → 0 < δ(q) < a para todo q K . Dado qualquer p M , tem-se α ∈ α ∈ 1 ϕ(p) K para algum α. Segue-se que δ(ϕ(p)) < a η(p), como ∈ α α ≤ quer´ıamos. Afirmamos que, dadas g, f W 1(M ; N), se g W 1(f; δ) ∈ 2 ∈ ent˜ao gϕ W 1(fϕ; ε). Com efeito, de g f < δ em M , segue- ∈ | − | 2 se trivialmente que gϕ fϕ < δϕ < ε em M . Al´em disso, de | − | 1 g f < δ em M concluimos que, em M vale: | 0 − 0| 2 1

(gϕ)0 (fϕ)0 = g0ϕ ϕ0 f 0ϕ ϕ0 g0ϕ f 0ϕ ϕ0 < | − | | · − · | ≤ | − | · | | < g0ϕ f 0ϕ (1 + ϕ0 ) < δ (1 + ϕ0 ) < ε. | − | · | | · | | “MAIN2” 2007/5/23 page 240

240 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

A Proposi¸c˜ao 3 est´a demonstrada. Corol´ario 1. Se a aplica¸c˜ao ϕ: M M , de classe C1, for 1 → 2 um homeomorfismo sobre um subconjunto fechado de M2 , ent˜ao ϕ : (M ; N) W 1(M ; N) ser´a cont´ınua. ∗ 2 → 1 Com efeito, neste caso ϕ ´e pr´opria. Corol´ario 2. A topologia de W 1(M; N) n˜ao depende da m´etrica riemaniana tomada em M. Com efeito, se g, h s˜ao m´etricas riemanianas de classe C 0 em M, ponhamos M1 = (M, g) e M2 = (M, h). A aplica¸c˜ao identidade i: M1 M2 ´e um difeomorfismo, o qual induz, pela → 1 1 Proposi¸c˜ao 1, um homeomorfismo i∗ : W (M2; N) W (M1; N). → 1 Como i∗ = identidade, vemos que as topologias de W (M1; M) e 1 W (M2; M) s˜ao a mesma. Observa¸c˜oes: 1) Segue-se da Proposi¸c˜ao 2 que ϕ : C1(M ; N) C1(M ; N) ´e ∗ 2 → 1 cont´ınua, seja qual for ϕ: M M de classe C1. 1 → 2 2) O leitor atento observar´a que W 1(M; N) possui uma estru- tura uniforme natural, definida pelos conjuntos W 1(ε) = (f, g) { ∈ W 1(M; N) W 1(M; N); f g < ε . (Vide ETG, pag. 145.) Em × | − |1 } rela¸c˜ao a esta estrutura uniforme, a aplica¸c˜ao ϕ∗ da Proposi¸c˜ao 3 ´e uniformemente cont´ınua. Proposi¸c˜ao 4. Uma aplica¸c˜ao ϕ: N N , de classe C1, in- 1 → 2 duz, atrav´es da regra ϕ (f) = ϕ f, uma aplica¸c˜ao cont´ınua 1 1 ∗ ◦ ϕ : W (M; N1) W (M; N2). ∗ → Antes, um resultado auxiliar:

Lema 1. Fixemos uma cobertrua localmente finita =(Kα)α A C ∈ da variedade M, por meio de conjuntos compactos Kα . Uma base de vizinhan¸cas para f W 1(M; N) pode ser obtida considerando- ∈ se todas as fam´ılias a˜ = (aα)α A de numer´ o reais aα > 0, com ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 241

[SEC. 3: INVARIANCIAˆ DA TOPOLOGIA DE W 1(M; N) 241

´ındices em A, e pondo, para cada fam´ılia a˜,

W 1(f; a˜)= g W 1(M; N); g f 0 para todo α A. α α ∈ Al´em disso, W 1(f; a˜) W 1(f; ε). Reciprocamente, dada a fam´ılia ⊂ a˜, pelo Corol´ario 1 da Proposi¸c˜ao 1, existe uma fun¸c˜ao cont´ınua ε: M R tal que p K = 0 < ε(p) < a . Logo W 1(f; ε) → ∈ α α ⊂ W 1(f; a˜). Demonstra¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 4: Seja f W 1(M; N ). Fixe- ∈ 1 ∞ mos uma cobertura localmente finita M = Ki por compactos. i=1 Para provar a continuidade de ϕ no ponto fS, dada uma sequ¨ˆencia ∗ ˜b = (bi) de numeros´ reais positivos, devemos achar uma sequ¨ˆencia a˜ = (a ), a > 0, tal que g f < a em K ϕ g ϕ f < b , i i | − |1 i i ⇒ | ◦ − ◦ |1 i i = 1, 2, 3, . . . . Isto ser´a feito em duas etapas. a 1¯ etapa - Para cada i = 1, 2, 3, . . . seja Li uma vizinhan¸ca com- pacta de f(K ). Ent˜ao a = dist[f(K ), N L ] ´e um numero´ i i i 1 − i positivo tal que f g < a em K g(K ) L . | − | i i ⇒ i ⊂ i Como ϕ ´e uniformemente cont´ınua em Li , podemos diminuir, se necess´ario, os numeros´ positivos a , de modo que x, y L , i ∈ i x y < a ϕ(x) ϕ(y) < b . | − | i ⇒ | − | i Resulta da´ı que g f < a em K implica ϕg ϕf < b em | − | i i | − | i Ki . a 2¯ etapa - Analisemos agora a express˜ao (ϕg) (ϕf) . Sejam | 0 − 0| N Rr e N Rs. Usando a Aplica¸c˜ao 3, Cap´ıtulo VIII, pode- 1 ⊂ 2 ⊂ mos supor que ϕ ´e a restri¸c˜ao de uma aplica¸c˜ao Φ: V Rs, 1 → r de classe C onde V ´e uma vizinhan¸ca aberta de N1 em R . “MAIN2” 2007/5/23 page 242

242 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

[A raz˜ao para introduzirmos Φ ´e que, para p, q N , p = q, ∈ 1 6 Φ (p) Φ (q): Rr Rs faz sentido, enquanto que ϕ (p) ϕ (q) 0 − 0 → 0 − 0 nada significa.] Se g W 1(M; N ) temos ∈ 1

(ϕf)0 (ϕg)0 = (Φf)0 (Φg)0 = Φ0f f 0 Φ0g g0 | − | | − | | · − · | = Φ0f f 0 Φ0g f 0 + Φ0g f 0 Φ0g g0 | · − · · − · | Φ0f Φ0g f 0 + Φ0g f 0 g0 . ≤ | − | · | | | | · | − |

Vamos impor, agora, as restri¸c˜oes finais aos ai . Como Φ : L (Rr, Rs) ´e uniformemente cont´ınua, podemos 0 i → L bi supor que x, y Li , x y < ai Φ0(x) Φ0(y) sup f 0 < ∈ | − | ⇒ | − | · | Ki | | 2 · bi Podemos supor tamb´em que ai sup Φ0 < · Li | | 2 · Ent˜ao, se g W 1(M; N ) ´e tal que g f < a em K , tem-se ∈ 1 | − |i i i

(Φg)0 (Φf)0 Φ0g g0 f 0 + Φ0g Φ0f f 0 | − | ≤ | | · | − | | − | · | | b b < i + i = b . 2 2 i

Corol´ario. A topologia de W 1(M; N) n˜ao depende da maneira como N se acha mergulhada no espa¸co euclidiano.

r s Sejam ϕ1 : N R e ϕ2 : N R dois mergulhos de classe 1 → → C de N em espa¸cos euclidianos. Ponhamos N1 = ϕ1(N), N2 = 1 ϕ2(N). A aplica¸c˜ao ϕ = ϕ2 ϕ1− : N1 N2 ´e um difeomorfismo 1 1 ◦ →1 de classe C , logo ϕ : W (M; N1) W (M; N2) ´e cont´ınua e, na ∗ → 1 1 realidade, ´e um homeomorfismo pois (ϕ )− = (ϕ− )∗. ∗ “MAIN2” 2007/5/23 page 243

[SEC. 4: ESTABILIDADE DE CERTAS APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ 243

4 Estabilidade de certas aplica¸c˜oes diferenci´aveis

A topologia de Whitney de classe C1 ´e suficientemente fina para permitir a estabilidade de certas propriedades geom´etrico- diferenciais e suficentemente grossa para admitir que aplica¸c˜oes com propriedades desej´aveis formem um conjunto denso. Por exemplo, mostraremos adiante que se uma aplica¸c˜ao de classe C 1 ´e uma imers˜ao, uma submers˜ao, um mergulho, um difeomorfismo ou transversal a uma subvariedade fechada, ela manter´a a mesma pro- priedade ap´os sofrer uma pequena perturba¸c˜ao no sentido desta to- pologia. Na se¸c˜ao seguinte, mostraremos que se M, N C k ent˜ao ∈ as aplica¸c˜oes Ck formam um subconjunto denso em W 1(M; N). Proposi¸c˜ao 5. As imers˜oes de classe C1 formam um subconjunto aberto Im1(M; N) W 1(M; N). Tamb´em as submers˜oes formam ⊂ um aberto Sub1(M; N) W 1(M; N). ⊂ Demonstra¸c˜ao: Mostremos primeiro um resultado preliminar: sejam U Rm aberto e K U compacto. Seja f : U Rn ⊂ ⊂ → uma aplica¸c˜ao de classe C1 tal que f K ´e uma imers˜ao (isto ´e, | f (x): Rm Rn ´e injetora para todo x K). Ent˜ao existe 0 → ∈ η > 0 tal que g C1(U, Rn), g f < η em K g K ´e uma ∈ | − |1 ⇒ | imers˜ao. Com efeito, indiquemos com (Rm; Rn) o subcon- O ⊂ L junto aberto formado por todas as transforma¸c˜oes lineares injeti- vas de Rm em Rn. Sabemos que f : U (Rm; Rn) ´e cont´ınua 0 → L e f (K) . Como f (K) ´e compacto e ´e aberto, tem-se 0 ⊂ O 0 O η = dist[f (K), (Rm; Rn) ] > 0. Assim, se g C1(U, Rn) 0 L − O ∈ e g f < η em K ent˜ao g (K) , o que prova o resultado | − |1 0 ⊂ O preliminar. Da´ı, e da Proposi¸c˜ao 2, segue-se que se x: U Rm → ´e um sistema de coordenadas em M, se K U ´e compacto e ⊂ se f : M N Rn, de classe C1, ´e uma imers˜ao em K, ent˜ao → ⊂ existe δ > 0 tal que toda aplica¸c˜ao g : M N, de classe C 1, com → “MAIN2” 2007/5/23 page 244

244 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

g f < δ em K, ´e uma imers˜ao em K. (Basta tomar ϕ = x 1 | − |1 − na Proposi¸c˜ao 2.) Completemos agora a demonstra¸c˜ao. Seja M = Ui uma co- bertura localmente finita de M como na Proposi¸c˜ao 1 do Cap´ıtulo S VIII. Fixemos a cobertura localmente finita M = V i para definir a topologia de W 1(M; N) (ver Lema 1). Pelo que vimos, para cada S ´ındice i existe um a > 0 tal que g W 1(M; N) com g f < a i ∈ | − |1 i em V implica ser g V uma imers˜ao. Ponhamos a˜ = (a ). Ent˜ao i | i i a vizinhan¸ca W 1(f, a˜) de f em W 1(M; N) consiste apenas em imers˜oes. A afirma¸c˜ao relativa a submers˜oes se demonstra exata- mente da mesma maneira. Observa¸c˜oes: 1) A menos que M seja compacta, as imers˜oes f : M N n˜ao → formam um subconjunto aberto de C1(M; N). (A topologia da convergˆencia compacta C1 n˜ao ´e suficientemente fina para detec- tar a estabilidade das imers˜oes.) Por exemplo, sejam f = id ∈ C1(R; R), K um subconjunto compacto de R e ε > 0. Existe sempre uma aplica¸c˜ao g V 1(f; K, ε) que n˜ao ´e uma imers˜ao. ∈

g C1 K ∈ [a, b] x ⊂[a, b] g(x) = x ∈ ⇒

[ ] a b

Figura 10.3. 2) O conjunto das imers˜oes f : M N pode muito bem ser vazio. → Este ´e o caso quando dim M > dim N, por exemplo. “MAIN2” 2007/5/23 page 245

[SEC. 4: ESTABILIDADE DE CERTAS APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ 245

Proposi¸c˜ao 6. Os mergulhos de classe C1, f : M N, formam → um aberto Merg1(M; N) W 1(M; N). ⊂ Demonstra¸c˜ao: Inicialmente, um resultado preliminar: sejam U Rm aberto, K U compacto e convexo, e f : U Rn uma ⊂ ⊂ → aplica¸c˜ao de classe C1 tal que f K ´e um mergulho. Ent˜ao existe | η > 0 tal que toda g : U Rn de classe C1 com g f < η em → | − |1 K ´e um mergulho de K. Com efeito, pelo resultado preliminar da Proposi¸c˜ao 5, existe η > 0 tal que g f < η em K g K uma imers˜ao. Mostra- 0 | − |1 0 ⇒ | remos agora que, diminuindo η se necess´ario, g K ser´a injetiva. 0 | Pela Proposi¸c˜ao da Se¸c˜ao 5, Cap´ıtulo I, existem numeros´ c > 0 e δ > 0 tais que f(x) f(y) c x y para quaisquer x K, | − | ≥ | − | ∈ y U, com x y < δ. No conjunto compacto A = (x, y) ∈ | − | { ∈ K K; x y δ , a fun¸c˜ao cont´ınua (x, y) f(x) f(y) s´o × | − | ≥ } 7→ | − | assume valores positivos. Logo existe um numero´ d > 0 tal que c d f(x) f(y) d para todo (x, y) A. Seja η = min η , , . | − | ≥ ∈ 0 2 3 Afirmamos que se g : U Rn ´e de classe C1 e g f < η em → | − |1 K, ent˜ao g K ´e injetiva. Com efeito, sejam x, y K, x = y. Es- | ∈ 6 crevamos h = g f. Temos h(z) < η e h (z) < η para todo − | | | 0 | z K. Como K ´e convexo, podemos aplicar a desigualdade do ∈ valor m´edio e obter h(x) h(y) η x y , para quaisquer | − | ≤ · | − | x, y K. Para mostrar que g(x) = g(y), notemos que ∈ 6 f(x) f(y) g(x) g(y) + g(y) f(y) (g(x) f(x)) . | − | ≤ | − | | − − − | Da´ı se seguem: (1) g(x) g(y) f(x) f(y) h(x) h(y) ; | − | ≥ | − | − | − | (2) g(x) g(y) f(x) f(y) h(x) h(y) . | − | ≥ | − | − | | − | | Consideraremos dois casos Primeiro: 0 < x y < δ. Ent˜ao, usando (1), obtemos | − | c c g(x) g(y) c x y x y = x y > 0. | − | ≥ | − | − 2 | − | 2 | − | “MAIN2” 2007/5/23 page 246

246 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

Segundo: x y δ. Ent˜ao (x, y) A. Usando (2), obtemos | − | ≥ ∈ d d d g(x) g(y) d = > 0. | − | ≥ − 3 − 3 3

Em qualquer hip´otese, temos g(x) = g(y). 6 Completemos agora a demonstra¸c˜ao. Seja f : M N Rn → ⊂ um mergulho. Tomamos M = Ui , uma cobertura localmente finita de M, como na Proposi¸c˜ao 1 do Cap´ıtulo VIII, e fixamos S a cobertura localmente finita M = V i para definir a topologia de W 1(M; N). (Vide Lema 1.) Do que acabamos de provar e S da Proposi¸c˜ao 2, resulta que, para cada i, existe ai > 0 tal que g W 1(M; N), g f < a em V = g V ´e um mergulho. ∈ | − |1 i i | i Como f ´e um homeomorfismo de M sobre f(M), temos di = dist(f(W ), f(M V )) > 0 i − i

M

f f(M − Vi)

Wi Vi f(Wi) Ui

Figura 10.4.

Escolhamos os ai’s de tal modo que ai < di/3 e lim ai = 0. i →∞ Afirmamos que W 1(f; a˜) Merg1(M; N). E´ claro que W 1(f; a˜) ⊂ ⊂ Im1(M; N). Mostremos ainda que se g W 1(f; a˜) ent˜ao g ´e inje- ∈ tiva. Sejam p, q M com p = q. Ora, p W para algum i. Se ∈ 6 ∈ i q V , ent˜ao g(p) = g(q). Se q M V ent˜ao f(p) f(q) d . ∈ i 6 ∈ − i | − | ≥ i “MAIN2” 2007/5/23 page 247

[SEC. 4: ESTABILIDADE DE CERTAS APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ 247

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g(p) g(q) f(p) f(q) f(p) g(p) f(q) g(q) | − | ≥ | − | − | − | − | − | d d /3 d /3 > 0. ≥ i − i − i Resta mostrar que toda aplica¸c˜ao g W 1(f; a˜) ´e um homeo- ∈ morfismo de M sobre g(M). Em outras palavras, se (pn) ´e uma sequ¨ˆencia em M com g(p ) g(p), p M ent˜ao necessariamente n → ∈ p p. n → a 1¯ hip´otese - Existe um conjunto compacto K M contendo ⊂ todos os pontos pn . Neste caso, a afirma¸c˜ao ´e imediata, pois uma aplica¸c˜ao cont´ınua e injetiva de um compacto ´e um homeomor- fismo sobre sua imagem. a 2¯ hip´otese - N˜ao existe um conjunto compacto K M contendo ⊂ todos os pontos pn . Neste caso podemos encontrar uma sub- sequ¨ˆencia p tal que para cada compacto K M existe apenas n0 ⊂ um numero´ finito de valores de n com p K. Ponhamos i(n) = n0 ∈ inf i; p0 V i . Segue-se que lim i(n) = , logo lim ai(n) = 0. n n n { ∈ } →∞ ∞ →∞ Como f g < ai em V i , tem-se lim f(p0 ) g(p0 ) = 0, portanto n n n | − | →∞ | − | lim f(p0 ) = g(p). Seja i tal que p Wi . Ent˜ao, para todo n su- n n ∈ ficien→∞ temente grande, p M V portanto f(p) f(p ) d . n0 ∈ − i | − n0 | ≥ i Segue-se que

di lim f(p) f(p0 ) = f(p) g(p) . n n ≤ →∞ | − | | − |

Isto ´e uma contradi¸c˜ao, pois f g < di/3 em V i . A conclus˜ao ´e a | − | que a 2¯ hip´otese n˜ao pode ocorrer e a demonstra¸c˜ao est´a termi- nada. Esc´olio da Proposi¸c˜ao 6 - Seja K M compacto. Se f ⊂ ∈ W 1(M; N) ´e tal que f K ´e um mergulho, ent˜ao existe um numer´ o | “MAIN2” 2007/5/23 page 248

248 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜ real δ > 0 tal que g W 1(M; N), g f < δ em K = g K ´e um ∈ | − |1 | mergulho. Demonstra¸c˜ao: Tomemos uma cobertura finita K W ⊂ 1 ∪ · · · ∪ W , onde W V U , como na demonstra¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 6. r i ⊂ i ⊂ i Em cada U , f ´e um mergulho e existe a > 0 tal que g f < a i i | − |1 i em V = g V ´e um mergulho. Para cada i = 1, . . . , r, b = i | i i dist[f(W K), K V ] > 0 pois f K ´e um homeomorfismo. Seja i ∩ − i | δ > 0 um numero´ menor do que todos os a e os b /3. Se g f < δ i i | − |1 em K ent˜ao g K ´e um mergulho. (Isto se mostra exatamente como | na demonstra¸c˜ao da Proposi¸c˜ao 6.) Proposi¸c˜ao 7. O conjunto de todos os difeomorfismos f:M m → N n (sobre N!) ´e um aberto Dif1(M; N) W 1(M; N). ⊂ Demonstra¸c˜ao: Suponhamos inicialmente que M e N s˜ao co- nexas. Seja M = Ui cobertura localmente finita de M como na Proposi¸c˜ao 1, Cap´ıtulo VIII. Dado um difeomorfismo f S ∈ Dif1(M; N), este possui uma vizinhan¸ca W 1(f; a˜) que consiste apenas em mergulhos de M em N. Afirma¸c˜ao: se tomamos os 1 ai de modo que lim ai = 0 ent˜ao toda aplica¸c˜ao g W (f; a˜) ´e i ∈ sobre N. Como N→∞´e conexa e g ´e uma aplica¸c˜ao aberta, ´e sufi- ciente mostrar que g(M) ´e fechado em N. Consideremos pois uma sequ¨ˆencia g(p ) q N. Queremos mostrar que existe p M n → ∈ ∈ tal que g(p) = q. Em princ´ıpio, h´a duas possibilidades.

Primeira: A sequ¨ˆencia (pn) tem uma subsequ¨ˆencia convergente p0 p M. Neste caso, lim g(p0 ) = g(p) logo q = g(p) g(M). n n n → ∈ →∞ ∈ Segunda: A sequ¨ˆencia (pn) n˜ao tem nenhuma subsequ¨ˆencia con- vergente. Vamos provar que esta hip´otese n˜ao pode ocorrer. Nenhum subconjunto compacto de M pode conter uma infi- nidade de termos p . Assim se i(n) = inf i; p V , tem- n { n ∈ i} se lim i(n) = , logo lim ai(n) = 0. Isto implica que 0 n n ∞ →∞ ≤ “MAIN2” 2007/5/23 page 249

[SEC. 4: ESTABILIDADE DE CERTAS APLICAC¸OES˜ DIFERENCIAVEIS´ 249

lim f(pn) g(pn) lim ai(n) = 0. Portanto lim f(pn) = q. n | − | ≤ n n Como→∞ f ´e sobre N, q =→∞f(p) para algum p M.→∞Ora, f ´e um ∈ homeomorfismo, logo f(p ) f(p) acarreta p p, contradi¸c˜ao. n → n → Passemos agora ao caso geral. Dado um difeomorfismo f : M → N, seja M = Ms a decomposi¸c˜ao de M em componentes co- nexas. A decomposi¸c˜ao de N pode ser escrita como N = N , S s onde f(M ) = N 0 . Para cada s, escolhamos um ponto p N ; s s s S∈ s seja q = f(p ) N 0 . Como cada N 0 ´e aberto em N, tem-se s s ∈ s s dist[q ; N N 0 ] = c > 0. Portanto, dado g W 1(M; N), se s − s s ∈ g f < c em M , devemos ter g(M ) N 0 . Usando uma | − | s s s ⊂ s cobertura M = Ki por conjuntos compactos e conexos para de- finir a topologia de W 1(M; N), cada K estar´a contido em alguma S i componente Ms . Assim, se exigimos que a sequ¨ˆencia a˜ = (ai) seja tal que a < c sempre que K M , as aplica¸c˜oes g W 1(f; a˜) i s i ⊂ s ∈ v˜ao atender a` condi¸c˜ao g(M ) N 0 . A proposi¸c˜ao segue-se por- s ⊂ s tanto do primeiro caso.

Observa¸c˜ao: O an´alogo da Proposi¸c˜ao 6 n˜ao vale para C1(M; N). Por exemplo, a aplica¸c˜ao id: B2(1) B2(1) n˜ao ´e → ponto interior do subconjunto de C1(B(s); B(s)) formado pelos difeomorfismos. A diferen¸ca ´e que na topologia de Whitney temos liberdade de considerar fun¸c˜oes ε: B(1) R tais que ε(x) 0 → → quando x tende a um ponto do bordo. Assim, uma pequena per- turba¸c˜ao (no sentido W 1(M; N)) de um difeomorfismo de M sobre N ´e obrigada a continuar sobre N. Examinaremos agora a estabilidade das aplica¸c˜oes que s˜ao trans- versais a uma subvariedade fechada. Primeiro provaremos um lema.

Lema. Seja K um subconjunto compacto da variedade riemaniana M. Dada uma aplica¸c˜ao λ: M Rs, de classe C1, da qual 0 s → ∈ R ´e um valor regular, existe um numero real δK > 0 tal que se “MAIN2” 2007/5/23 page 250

250 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

µ: M Rs ´e de classe C1 com µ λ < δ em K, ent˜ao 0 ´e → | − |1 K valor regular de µ K. | Demonstra¸c˜ao: O conjunto U dos pontos p M tais que ∈ λ (p): T M Rs tem posto s ´e um aberto contendo λ 1(0), 0 p → − restrito ao qual λ ´e uma submers˜ao. Logo, podemos obter um aberto A, contendo K λ 1(0), tal que A ´e um compacto contido ∩ − em U e portanto λ A ´e uma submers˜ao. Al´em disso, λ(K A) | − ´e um subconjunto compacto de Rs, que n˜ao cont´em 0; da´ı a = dist[λ(K a), 0] > 0. Al´em disso, existe δ > 0 tal que se µ: M − → Rs ´e de classe C1 com µ λ < δ em A, ent˜ao µ A ´e uma sub- | − |1 | mers˜ao. (Vide Proposi¸c˜ao 5.) Ou seja, neste caso, todo y Rs ´e ∈ valor regular de µ A. Por outro lado, µ λ < a em K implica | | − |1 O / µ(K A). Assim, se pusermos δ = min δ, a , veremos que ∈ − K { } µ λ < δ em K implica que 0 ´e valor regular de µ K. | − |1 K | Proposi¸c˜ao 8. Seja S uma subvariedade fechada de N. Ent˜ao o conjunto das aplica¸c˜oes f : M N que s˜ao transversais a S ´e → aberto em W 1(M; N). Demonstra¸c˜ao: Seja uma cobertura de S por dom´ınios de Z sistemas de coordenadas y : Z Rn tais que y(Z S) π 1(0), → ∩ ⊂ − onde π : Rn Rs projeta nas ultimas´ s coordenadas (s = codi- → mens˜ao de S em N). Como S ´e fechada, podemos recobrir M por abertos U tais que f(U) S = ou f(U) Z para algum Z . ∩ ∅ ⊂ ∈ Z Refinando esta cobertura, podemos admitir que M = Ui ´e local- mente finita, com sistemas de coordenadas x : U Rm, tais que i i → S x (U ) = B(3), mantendo-se ainda que x (U ) N S, ou ent˜ao i i i i ⊂ − x (U ) Z para algum Z . Usaremos a cobertura M = V i i ⊂ ∈ Z i (V = x 1(B(2))) para definir a topologia de W 1(M; N). Dado i, i i− S se f(U ) S = , ent˜ao escolhemos a > 0 tal que f g < a em i ∩ ∅ i | − |1 i V implique g(V ) S = . Isto ´e sempre poss´ıvel porque ent˜ao i i ∩ ∅ f(V i) ser´a um compacto, disjunto do fechado S em N. Logo g ´e “MAIN2” 2007/5/23 page 251

[SEC. 5: APROXIMAC¸OES˜ EM CLASSE C1 251

(trivialmente) transversal a S em V . Se, por´em, f(U ) S = , i i ∩ 6 ∅ ent˜ao f(U ) Z para algum Z . Assim como f ´e transversal i ⊂ ∈ Z a S, (vide Lema, Se¸c˜ao 4, Cap´ıtulo VII) considerando o sistema de coordenadas y : Z Rn e a proje¸c˜ao π : Rn Rs, vemos que → → 0 Rs ´e um valor regular da aplica¸c˜ao λ = π y f : U Rs. Em ∈ ◦ ◦ i → virtude do Lema...., existe δ > 0 tal que π y f π y g < δ i | ◦ ◦ − ◦ ◦ |1 i em V implica que 0 Rs ´e um valor regular de π y g. Mas, em i ∈ ◦ ◦ virtude da Proposi¸c˜ao 4, podemos achar a > 0 tal que g f < a i | − |1 i em V implica π y f π y g < δ em V e portanto que i | ◦ ◦ − ◦ ◦ |1 i i g ´e transversal a S em V i . A sequ¨ˆencia a˜ = (ai) define portanto uma vizinhan¸ca W 1(f; a˜) de f constituida apenas por aplica¸c˜oes g : M N que s˜ao transversais a S. → Observa¸c˜ao: Se S n˜ao for fechada em N, as aplica¸c˜oes f : M → N que s˜ao transversais a S podem n˜ao constituir um conjunto aberto. Por exemplo, sejam M = R, N = R2 e S = (x, x2); x > { 0 . O leitor pode verificar que, arbitrariamente pr´oximo da aplica- } c˜¸ao f : R R2 dada por f(x) = (x, 0), existem aplica¸c˜oes g : R → → R2 que n˜ao s˜ao transversais a S, embora f o seja (trivialmente, pois f(R) S = ). ∩ ∅

5 Aproxima¸c˜oes em classe C1

O Corol´ario 2 da Proposi¸c˜ao 1 ´e um teorema de aproxima¸c˜ao em classe C0. Dadas uma aplica¸c˜ao f : M Rn, de classe C0 → numa variedade de classe Ck, e uma fun¸c˜ao cont´ınua positiva ε: M R, encontramos uma cobertura aberta localmente finita → M = V e, para cada i, um ponto p V tal que f(p) i i ∈ i | − f(p ) < ε(p) para todo p V . Logo, a constante f(p ) ´e uma i | S ∈ i i ε-aproxima¸c˜ao de f(p) em Vi . Tomando uma parti¸c˜ao da uni- dade ϕ = 1, de classe Ck, com supp(ϕ ) V , formamos a i i ⊂ i P “MAIN2” 2007/5/23 page 252

252 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

∞ m´edia ponderada g(p) = ϕi(p)f(pi) dos valores f(pi) e isto i=1 nos proporcionou uma aplica¸Pc˜ao g : M Rn, de classe Ck, com → g(p) f(p) < ε(p) para todo p M. | − | ∈

Nesta se¸c˜ao obteremos um teorema de aproxima¸c˜ao em classe C1 segundo o qual, se M ´e uma variedade de classe Ck, ent˜ao, dadas uma aplica¸c˜ao f : M Rn de classe C1 e uma fun¸c˜ao → cont´ınua positiva ε: M R, existe uma aplica¸c˜ao de classe C k, → g : M Rn, com g(p) f(p) < ε(p) e g (p) f (p) < ε(p) para → | − | | 0 − 0 | todo p M. ∈ Com este objetivo, vamos introduzir um processo mais refinado de calcular m´edias ponderadas, que usa integrais em vez de somas. Tal processo chama-se regulariza¸c˜ao de uma fun¸c˜ao.

Dados um conjunto K Rm e um numero´ η > 0, indiquemos ⊂ com Vη(K) = B(x; η) a uni˜ao de todas as bolas abertas com x K centro em um pS∈onto de K e raio η. Se K est´a contido em um conjunto aberto U Rm, dadas as ⊂ aplica¸c˜oes de classe Cr f, g : U Rn e um numero´ δ > 0, escre- → vemos “ f g < δ em K ” significando que f (j)(x) g(j)(x) < δ | − |r | − | para todo x K e j = 0, 1, . . . , r. Como sempre, a 0-´esima deri- ∈ vada de uma fun¸c˜ao ´e a pr´opria fun¸c˜ao.

Proposi¸c˜ao 8. Sejam U Rm aberto e K U compacto. Dados ⊂ ⊂ um numer´ o δ > 0 e uma aplica¸c˜ao f : U Rn, de classe Cr, existe → uma aplica¸c˜ao g : Rm Rn, de classe C , tal que g f < δ → ∞ | − |r em K (0 r < ). ≤ ∞ Demonstra¸c˜ao: Seja η > 0 tal que V (K) U. η ⊂ “MAIN2” 2007/5/23 page 253

[SEC. 5: APROXIMAC¸OES˜ EM CLASSE C1 253

U

Vη(K)

K

Figura 10.5.

Pela Aplica¸c˜ao 4, Capitulo VIII, existe h: Rm Rn, de classe Cr, → tal que h = f em Vη(K). Se η for tomado suficientemente pequeno ent˜ao, para j = 0, 1, . . . , r,

sup h(j)(x + y) hj(x) ; x K, y η < δ. {| − | ∈ | | ≤ } Seja ϕ : Rm R uma fun¸c˜ao n˜ao-negativa, de classe C , tal η → ∞ que ϕ (y) = 0 quando y η e tal que ϕ = 1. Definamos η | | ≥ η g : Rm Rn pondo Z → g(x) = ϕ (y)h(x + y) dy = ϕ (z x)h(z) dz. η η − Z Z A igualdade destas integrais resulta da mudan¸ca de vari´aveis ob´ via z = x + y. Pela regra de Leibniz (ver AERn, pag. 66) temos

(j) (j) g (x) = ϕη(y)h (x + y) dy, j = 0, 1, . . . , r e Z g(j)(x) = ( 1)j ϕ(j)(z x)h(z) dz, para todo j. − η − Z Como ϕ C vemos, pela segunda rela¸c˜ao, que g C . η ∈ ∞ ∈ ∞ Al´em disso, como ϕ = 1, para cada x K e para j = 0, 1, . . . , r η ∈ Z “MAIN2” 2007/5/23 page 254

254 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜ tem-se

g(j)(x) f (j)(x) = g(j)(x) h(j)(x) | − | | − | = ϕ (y)[h(j)(x + y) h(j)(x)]dy η − Z (j) (j) sup h (x + y) h (x) ϕη( y) dy < δ. ≤ y η | − | · | |≤ Z A demonstra¸c˜ao do nosso “teorema de aproxima¸c˜ao em classe C1 ” se baseia no seguinte lema, onde B(r) denota a bola aberta de centro 0 e raio r no Rr. Lema. Seja f : B(3) Rn uma aplica¸c˜ao de classe C1. Dado um → numer´ o real δ > 0, existe uma aplica¸c˜ao h: B(3) Rn de classe → C1, tal que

(1) h = f em B(3) B(2); − (2) h f < δ em B(3); | − |1 (3) h C em B(1). ∈ ∞ Al´em disso, em parte alguma de B(3) h ´e menos diferenci´avel do que f. Demonstra¸c˜ao: Seja ϕ: Rm R uma fun¸c˜ao auxiliar de classe → C , com 0 ϕ 1, ϕ(B(1)) = 1 e ϕ[B(3) B(2)] = 0. Seja ∞ ≤ ≤ − g : Rm Rn uma aplica¸c˜ao de classe C tal que → ∞ g f < δ/2A em B(2), onde A 1 + ϕ (isto ´e, | − |1 ≥ | |1 1 + ϕ(x) A e 1 + ϕ (x) A para todo x Rn). | | ≤ | 0 | ≤ ∈ Definamos h = f + ϕ (g f): B(3) Rn, isto ´e, h(x) = · − → f(x) + ϕ(x) (g(x) f(x)) para todo x B(3). Temos: · − ∈ (1) Em B(3) B(2), h = f. − (2) h f = ϕ g f g f < δ/2A < δ | − | | | | − | ≤ | − | (h f) = ϕ (g f) + ϕ(g f ) | − 0| | 0 − 0 − 0 | ϕ g f + ϕ g f < δ. ≤ | 0| | − | | | | 0 − 0| “MAIN2” 2007/5/23 page 255

[SEC. 5: APROXIMAC¸OES˜ EM CLASSE C1 255

(3) Em B(1), h(x) = g(x), logo h C em B(1). ∈ ∞ Al´em disso, como h = f + ϕ (g f) vemos que h ´e n˜ao menos · − diferenci´avel do que f.

Proposi¸c˜ao 9. Sejam M uma variedade e N Rn uma su- ⊂ perf´ıcie, ambas de classe Ck. As aplica¸c˜oes de classe Ck formam um subconjunto denso em W 1(M; N). Demonstra¸c˜ao: Dadas uma aplica¸c˜ao f : M N, de classe C 1, e → uma fun¸c˜ao cont´ınua ε: M (0, ), devemos encontrar g : M → ∞ → N, de classe Ck, com g f < ε em M. | − |1 Fixemos uma cobertura de N por dom´ınios de sistemas de co- ordenadas y : Z Rn. Podemos recobrir M por conjuntos abertos → U, com fecho compacto, tais que f(U) est´a contido em algum Z. Pela Proposi¸c˜ao 1 do Cap´ıtulo VIII, esta cobertura aberta de M pode ser refinada por outra, enumer´avel, localmente finita e for- mada por dom´ınios de sistemas de coordenadas x : U Rm tais i i → que xi(Ui) = B(3). Para cada i, existe portanto um sistema de m coordenadas yi : Zi R tal que o conjunto compacto f(U i) est´a → 1 1 contido em Zi . Como sempre, Vi = xi− (B(2)), Wi = xi− (B(1)) e os Wi cobrem M. Podemos supor que cada xi estende-se conti- nuamente ao fecho U i . Construiremos agora, por indu¸c˜ao, uma sequ¨ˆencia de aplica¸c˜oes f0, . . . , fi, . . . de M em N nas seguintes condi¸c˜oes:

(1) f0 = f;

(2) fi = fi 1 em M Vi ; − − k (3) fi ´e de classe C em W1 Wi ; c ∪ · · · ∪ (4) fi fi 1 < em M; | − − |1 2i (5) f (U ) Z para todo j. i j ⊂ j Seja f0 = f. Suponhamos definidas f0, f1, . . . , fi 1 , com aque- − las propriedades. “MAIN2” 2007/5/23 page 256

256 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

M N

Ui Zi Wi Vi fi−1

xi yi B(3) B(2)

B(1) λ yi(Zi)

Figura 10.6.

A fim de obter fi , consideremos os sistemas de coordenadas m n xi : Ui R , yi : Zi R (xi(Ui) = B3 , fi 1(U i) Zi). → → − ⊂ Pelas Proposi¸c˜oes 2 e 4, existe δ > 0 tal que, se λ, µ: B(3) 1 → yi(Zi) s˜ao aplica¸c˜oes de classe C com λ µ 1 < δ em B(2), ent˜ao 1 1 i | − | yi− λ xi yi− µ xi 1 < ε/2 em V i . | ◦ ◦ − ◦ ◦ | 1 n Ponhamos λ = yi fi 1 (xi)− : B(3) yi(Zi) R . ◦ − ◦ → ⊂ Pelo lema precedente, existe µ: B(3) Rn de classe C1, com → µ = 1 em B(3) B(2), µ Ck sempre que λ Ck, µ C em − ∈ ∈ ∈ ∞ B(1) e µ λ < δ em B(3). | − |1 Definimos fi : M N pondo fi = fi 1 em M Vi e fi = 1 → − − y− µ x em U . As condi¸c˜oes 1) a 4) s˜ao imediatamente ve- i ◦ ◦ i i rificadas para fi . Quando a` condi¸c˜ao 5), observemos que apenas um numero´ finito de conjuntos U j intersetam U i pois U i ´e com- pacto e a cobertura (U 1, U 2, . . . ) ´e localmente finita. Para cada um desses U , o compacto K = λ(x (U U )) est´a contido no j j i j ∩ i “MAIN2” 2007/5/23 page 257

[SEC. 5: APROXIMAC¸OES˜ EM CLASSE C1 257 aberto A = y (Z Z ). Logo ρ = dist(K , Rn A ) > 0. Se j i j ∩ i j j − j tomarmos o cuidado de exigir que δ < ρj para todos os ´ındices j tais que U U = , ent˜ao teremos a condi¸c˜ao f (U ) Z satis- j ∩ i 6 ∅ i j ⊂ j feita para todos os valores j = 1, 2, 3 . . . . A defini¸c˜ao indutiva da sequ¨ˆencia f0, f1, . . . , fi, . . . est´a portanto completa. Todo ponto p M possui uma vizinhan¸ca aberta W que ∈ s interseta apenas um numero´ finito dos conjuntos Vj . Seja i o mais alto ´ındice tal que W V = . Ent˜ao i s, donde s ∩ i 6 ∅ ≥ f Ck em W . Tamb´em j > i = W M V , e por- i ∈ j s ⊂ − j tanto fi = fi+1 = fi+2 = . . . em todos os pontos do aberto Ws . Logo tem sentido definir g : M N pondo g(p) = lim fi(p) → i para cada p M. Al´em disso, g Ck pois todo p →∞M pos- ∈ ∈ ∈ sui uma vizinhan¸ca Vs na qual g coincide com uma aplica¸c˜ao f Ck. Finalmente, em W temos i ∈ s

g f i = fi f0 < fi fi 1 + fi 1 fi 2 + + | − | | − |1 | − − |1 | − − − |1 · · · i ε + f f < < ε, | 1 − 0|1 2r r=1 X o que completa a demonstra¸c˜ao. Corol´ario. As aplica¸c˜oes f : M N de classe Ck formam um → subconjunto denso de W 0(M; N). Proposi¸c˜ao 10. Seja M uma variedade de classe Ck (k 1). ≥ Suponha que f W 1(M; Rs) ´e um mergulho. Ent˜ao em toda ∈ vizinhan¸ca de f existem mergulhos g : M Rs tais que → (i) Em parte alguma de M, g ´e menos diferenci´avel do que f. s (ii) g(M) ´e uma superf´ıcie de classe C∞ em R .

Demonstra¸c˜ao: Vamos tomar como modelo a prova da propo- si¸c˜ao anterior. Seja = (U , U , . . . ) uma cobertura localmente U 1 2 “MAIN2” 2007/5/23 page 258

258 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

finita de M por dom´ınios de sistemas de coordenadas xi : Ui m 1 1 → B (3) tais que, pondo Vi = xi− (B(2)), Wi = xi− (B(1)) os Wi’s cobrem M. Dada uma fun¸c˜ao cont´ınua ε: M (0, ) podemos → ∞ admitir, pela Proposi¸c˜ao 6, que W 1(f; ε) ´e uma vizinhan¸ca de f em W 1(M; Rs) consistindo apenas em mergulhos. Para obter uma aplica¸c˜ao g W 1(f; ε) satisfazendo (i) e ∈ (ii) construiremos, por indu¸c˜ao, uma sequ¨ˆencia de aplica¸c˜oes s f0, . . . , fi, . . . de M em R nas seguintes condi¸c˜oes:

(1) f0 = f;

(2) fi = fi 1 em M Vi ; − − (3) f (W W ) ´e uma superf´ıcie de classe C em Rs; i 1 ∪ · · · ∪ i ∞ i (4) fi fi 1 < ε/2 em M. | − − |1 (5) em parte alguma de m, fi ´e menos diferenci´avel do que fi 1 . −

Seja f0 = f. Suponhamos definidas f0, . . . , fi 1 com aquelas − propriedades. A fim de obter f ponhamos a = inf ε(p)/2i; p V . Existe i { ∈ i} b > 0 tal que λ x µ x < a em V se λ, µ: B(3) Rs s˜ao | ◦ i − ◦ i|1 i → aplica¸c˜oes de classe C1 com λ µ < b em B(2) | − |1 [cf. Proposi¸c˜ao 2]. 1 s Seja λ = fi 1 (xi)− : B(3) R . Pelo lema que precede a − ◦ → Proposi¸c˜ao 8, existe uma aplica¸c˜ao µ: B(3) Rs tal que µ = λ → em B(3) B(2), µ C em B(1), µ λ < b em B(3) e µ n˜ao − ∈ ∞ | − |1 ´e menos diferenci´avel do que λ. Seja fi = µ xi em Ui e fi = fi 1 ◦ − em M V . − i E´ f´acil de verificar que as condi¸c˜oes (1) a (5) s˜ao satisfeitas. Para completar a demonstra¸c˜ao basta definir g = lim fi . i →∞ Observa¸c˜ao: Mostraremos no cap´ıtulo seguinte que, para toda variedade M de classe C1, existe um mergulho f : M Rs, de M → em algum espa¸co euclidiano Rs. Pela Proposi¸c˜ao 9, esse mergulho “MAIN2” 2007/5/23 page 259

[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE CR 259 pode ser tomado de modo que f(M) seja uma superf´ıcie de classe C . Ent˜ao considerando as parametriza¸c˜oes locais ϕ C em ∞ ∈ ∞ f(M), as aplica¸c˜oes ϕ 1 f constituir˜ao um atlas (m´aximo) C − ◦ ∞ em M, contido no atlas original de M, o qual era apenas de classe C1.

r ( ) 6 Topologias de classe C ∗

Sejam M, N variedades de classe Ck e r um inteiro, 0 r k. ≤ ≤ No conjunto das aplica¸c˜oes f : M N, de classe Ck, introduzire- → mos agora uma topologia segundo a qual uma vizinhan¸ca de f ´e constituida pelas aplica¸c˜oes cujos valores, juntamente com os va- lores de suas derivadas sucessivas at´e a ordem r, est˜ao pr´oximos dos valores correspondentes de f. Isto ´e o que se chama uma “ topologia de classe Cr.” Nas se¸c˜oes anteriores, estudamos a topologia de Whitney de classe C1, que origina os espa¸cos W 1(M; N). Para quest˜oes de estabilidade (isto ´e, para mostrar que certos conjuntos s˜ao aber- tos), W 1 ´e bastante util´ pois um grande numero´ de conceitos di- ferenciais dependem apenas da derivada primeira e, al´em disso, como a aplica¸c˜ao identidade W r W 1 ´e cont´ınua, todo aberto → em W 1(M; N) ´e tamb´em aberto em W r(M; N). Por outro lado, para quest˜oes de aproxima¸c˜ao, (ou seja, para provar que certos conjuntos s˜ao densos) n˜ao basta provar isto em classe C 1. Apresentaremos a seguir a topologia de Whitney de classe C r. Inicialmente, estabeleceremos alguns fatos no espa¸co euclidiano. Seja f : U R2 uma aplica¸c˜ao de classe Cr, definida num → aberto U Rm. Dado um compacto K U, a norma de classe ⊂ ⊂ ∗ ( ) A leitura desta se¸c˜ao pode ser adiada sem preju´ızo para a continuidade do entendimento. “MAIN2” 2007/5/23 page 260

260 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

Cr de f em K ´e o numero´ f , definido como o maior dos r + 1 | |K,r numeros´ reais abaixo:

(r) sup f(x) , sup f 0(x) , . . . , sup f (x) . x K | | x K | | x K | | ∈ ∈ ∈ As` vezes escreveremos “ f < ε em K ” para significar | |r f < ε. | |K,r Lema 1. Sejam U Rm, V Rn abertos, ϕ: U V de classe ⊂ ⊂ → Cr e K U compacto. Existe um numer´ o real A > 0 tal que, ⊂ para toda f : V Rs de classe Cr, tem-se fϕ A f . → | |K,r ≤ · | |ϕ(K),r Demonstra¸c˜ao: Para cada i = 1, 2, . . . , r, a i-´esima derivada da aplica¸c˜ao composta f ϕ tem a express˜ao abaixo. (Vide Cap´ıtulo ◦ I, se¸c˜ao 4.)

(f ϕ)(i) = n(i , . . . , i )f (k)ϕ ϕ(i1), . . . , ϕ(ik) . ◦ 1 k · 1 k i i1+≤X+≤i =i  ··· k Segue-se que, em cada ponto x K, a aplica¸c˜ao i-linear ∈ (f ϕ)(i) tem sua norma sujeita a` desigualdade: ◦ (fϕ)(i) N f ϕ i, | | ≤ i · | |ϕ(K),i · | |K,i onde Ni = n(i1, . . . , ik), i1 + +ik = i. Portan to, se tomarmos i · · · A max Ni ϕ K,i e A sup ϕ(x) , teremos fϕ K,r A ≥ 1 i r P · | | ≥ | | | | ≤ · ≤ ≤ x K f .  ∈ | |ϕ(K),r Lema 2. Sejam U Rm, V Rn abertos, K U compacto e ⊂ ⊂ ⊂ f : U V , ϕ: V Rs aplica¸c˜oes de classe Cr. Dado um numer´ o → → real ε > 0, existe δ > 0 tal que se g : W V for de classe Cr, → definida num aberto W , com K W U, e g f < δ ent˜ao ⊂ ⊂ | − |K,r ϕg ϕf < ε. | − |K,r Demonstra¸c˜ao: A fim de simplificar a nota¸c˜ao, consideraremos r = 2. O caso geral se prova analogamente. Seja L uma vizinhan¸ca “MAIN2” 2007/5/23 page 261

[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE CR 261 compacta de f(K) contida no aberto V . Ent˜ao d = dist[f(K), Rs − L] > 0. Na escolha de δ que faremos a seguir, suporemos que 0 < δ < d. Assim sendo, g(x) f(x) < δ em K implica g(K) L. | − | ⊂ Sabemos que

(ϕg ϕf)00 = ϕ00g (g0, g0) + ϕ0g g00 ϕ00f (f 0, f 0) ϕ0f f 00 − · · − · − · = (ϕ00g ϕ00f) (g0, g0) + ϕ00f (g0, g0 f 0) − · · − + ϕ00f (g0 f 0, f 0) + (ϕ0g ϕ0f) g00 · − − · + ϕ0f (g00 f 00). · − Segue-se que, em cada ponto x K, a norma da aplica¸c˜ao ∈ bilinear (ϕg ϕf) est´a sujeita a` desigualdade: − 00 2 (*) (ϕg ϕf)00 ϕ00g ϕ00f g0 + ϕ00f g0 f 0 | − | ≤ | − | · | | | | · | − |· ( f 0 + g0 ) + ϕ0g ϕ0f g00 + ϕ0f g00 f 00 . · | | | | | − | · | | | | · | − | Seja A = f + 1. A segunda exigˆencia que faremos relativa- | |K,2 mente a δ ´e que seja 0 < δ < 1. Ent˜ao g f < δ implicar´a | − |K,2 g < A e g < A em K. (Evidentemente, j´a temos f < A e | 0| | 00| | 0| f < A em K.) Notemos que existe um numero´ real B > 0 tal | 00| que ϕ < B e ϕ < B em L. Al´em disso, ϕ, ϕ e ϕ s˜ao unifor- | 0| | 00| 0 00 memente cont´ınuas em L, de modo que podemos impor a δ que, ε para x, y L, x y < δ ϕ(x) ϕ(y) < ε, ϕ (x) ϕ (y) < 0 0 4A ∈ | − | ε ⇒ | − | | − | ε e ϕ (x) ϕ (y) < Finalmente, suporemos que δ < (e 00 00 4A2 8AB | − ε| · portanto δ < ). Ent˜ao a desigualdade (*) mostra que 4B

g f < δ (ϕg ϕf)00 < ε em K. | − |K,2 ⇒ | − | Nas mesmas condi¸c˜oes, temos ainda ϕg ϕf < ε em K. | − | Finalmente, como

(ϕg ϕf)0 ϕ0g ϕ0f g0 + ϕ0f g0 f 0 , | − | ≤ | − | · | | | | · | − | “MAIN2” 2007/5/23 page 262

262 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜ vemos que g f < δ (ϕg ϕf) < ε em K. | − |K,2 ⇒ | − 0| Em conclus˜ao, se g f < δ ent˜ao ϕg ϕf < ε. | − |K,2 | − |K,2 Passaremos agora a` defini¸c˜ao da topologia de Whitney de classe Cr. Consideremos uma variedade M e uma superf´ıcie N Rs, am- ⊂ bas de classe Ck. Para 0 r k, indicaremos com W r(M; N) o ≤ ≤ conjunto das aplica¸c˜oes f : M N, de classe Cr, munido da topo- → logia de Whitney de classe Cr. Um sistema fundamental de vizin- han¸cas de f : M N nessa topologia ´e descrito do seguinte modo. → Fixamos um atlas A (contido no atlas m´aximo de M), formado por sistemas de coordenadas x: U Rm cujos dom´ınios constituem → uma cobertura localmente finita de M, com x(U) = B(3) para 1 todo x A. Como de costume, escreveremos V = x− (B(2)), ∈1 W = x− (B(1)) e, sempre que for necess´ario, suporemos que os W ’s cobrem M. Fixando o atlas A, consideraremos as fam´ılias a˜ = (ax)x A , de numeros´ reais ax > 0, com ´ındices no conjunto A. Para cada∈ uma dessas fam´ılias poremos

r r 1 1 W (f; a˜) = g W (M; N); gx− fx− < a em B(2), { ∈ | − |r x x A . ∀ ∈ } Quando o atlas A ´e mantido fixo e a˜ percorre todas as fam´ılias de numeros´ reais a > 0, x A, os conjuntos W r(f; a˜) constituem x ∈ um sistema fundamental de vizinhan¸cas de f no espa¸co topol´ogico W r(M; N) que fica assim definido. Devemos mostrar que, se tomarmos outro atlas B em M, com propriedaes an´alogas as` de A, obteremos um sistema fundamental de vizinhan¸cas equivalente ao anterior, ou seja, cada vizinhan¸ca de f num sistema cont´em uma vizinhan¸ca de f no outro sistema. Para evitar duvidas,´ escreveremos Ux par indicar o dom´ınio do sistema de coordenadas x. Do mesmo modo, escreveremos Vx , Wx , etc. Temos que provar o seguinte “MAIN2” 2007/5/23 page 263

[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE CR 263

Lema 3. Sejam A, B atlas localmente finitos (contidos no atlas m´aximo) de M cujos elementos tˆem imagem B(3). Dada uma fam´ılia de numer´ os reais b >, y B, existe uma fam´ılia de y ∈ numer´ os reais a > 0, x A, tais que f x 1 < a em B(2) x ∈ | ◦ − |r x para todo x A implica f y 1 < b em B(2) para todo y B. ∈ | ◦ − |r y ∈ Demonstra¸c˜ao: Dado x A, existe um numero´ finito de sistemas ∈ y B tais que V V = . Pelo Lema 1, para cada um desses ∈ y ∩ x 6 ∅ y, existe Axy > 0 tal que

1 1 1 1 f y− = (f x− ) (x y− ) A f x− em y(V V ). | ◦ |r | ◦ ◦ ◦ |r ≤ xy ◦| ◦ |r x ∩ y Escolhamos a > 0 tal que A a < b para todos os y B (em x xy · x y ∈ numero´ finito) tais que V V = . Ent˜ao f x 1 < a em y ∩ x 6 ∅ | ◦ − |r x x(V ) f y 1 < y(V V ). Escolhidos todos os a , x A, x ⇒ | ◦ − |r x ∩ y x ∈ suponhamos que f : M N seja tal que f x 1 < a em x(V ) → | ◦ − |r x x para cada x A. Ent˜ao para qualquer y B, temos f y 1 < b ∈ ∈ | ◦ − |r y em cada y(V x V y) e portanto em B(2) y(V x V y). ∩ − x ∩ Definido o espa¸co topol´ogico W r(M; N),Sobservamos que, para r s, a aplica¸c˜ao identidade i: W r(M; N) W s(M; N) ´e cont´ı- ≥ → nua. Concluimos portanto que todo conjunto aberto em W 1(M; N) ´e aberto em W r(M; N) para todo r 1. Em particular, as ≥ imers˜oes, as submers˜oes, os mergulhos e os difeomorfismos for- mam conjuntos abertos em W r(M; N) para todo r 1. (Vide ≥ Proposi¸c˜oes 5, 6 e 7 na Se¸c˜ao 4, deste cap´ıtulo.) N˜ao ´e, por´em, uma consequ¨ˆencia da Proposi¸c˜ao 9 que, quando M e N s˜ao de classe Ck, as aplica¸c˜oes f : M N de classe Ck formem um sub- → conjunto denso de W r(M; N). De qualquer maneira, este fato ´e verdadeiro e se demonstra da maneira an´aloga a` da Proposi¸c˜ao 9, tendo em vista os Lemas 1 e 2 desta se¸c˜ao e o fato de que a regu- lariza¸c˜ao nos fornece uma aproxima¸c˜ao local em classe C r (vide Proposi¸c˜ao 8, na Se¸c˜ao 5 deste cap´ıtulo). “MAIN2” 2007/5/23 page 264

264 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜

Podemos, ent˜ao, enunciar que se M e N s˜ao de classe C k, o conjunto das aplica¸c˜oes f : M N de classe Ck ´e denso em → W r(M; N) para todo r, com 0 r k. ≤ ≤ Um atlas localmente finito A (contido no atlas m´aximo de M), formado por sistemas de coordenadas x: U Rm, com x(U ) = x → x B(3), ser´a chamada canˆonico.

Proposi¸c˜ao 11. Seja ϕ: M M uma aplica¸c˜ao pr´opria de 1 → 2 classe Cr. Ent˜ao ϕ : W r(M ; N) W r(M ; N), definida por ∗ 2 → 1 ϕ (f) = f ϕ, ´e cont´ınua. ∗ ◦ Demonstra¸c˜ao: Seja A um atlas canˆonico em M2 . Como ϕ ´e pr´opria, os abertos ϕ 1(V ), x A, que cobrem M , s˜ao relati- − x ∈ 1 vamente compactos. Seja B um atlas canˆonico de M1 , tal que os dom´ınios dos seus sistemas de coordenadas formam um refina- 1 mento (localmente finito) da cobertura (ϕ− (Vx))x A . Podemos ent˜ao definir uma “fun¸c˜ao de escolha” λ: B A∈tal que, para → cada y B, V ϕ 1(V ), ou seja, ϕ(V ) V . Como ∈ y ⊂ − λ(y) y ⊂ λ(y) B ´e localmente finito e (em virtude de ϕ ser pr´opria) os abertos 1 ϕ− (V x) s˜ao relativamente compactos, segue-se que, para cada x A, existe no m´aximo um numero´ finito de sistemas y B ∈ ∈ tais que λ(y) = x. Usemos os atlas A e B para definir as vizin- r r han¸cas b´asicas nos espa¸cos W (M2; N) e W (M1; N) respectiva- mente. Consideremos f W r(M ; N) e uma fam´ılia de numeros´ ∈ 1 reais b > 0, y B. Para cada x A, com x = λ(y), temos y ∈ ∈ fϕy 1 = fx 1 xϕy 1 numa vizinhan¸ca de B(2) = y(V ). Pelo − − ◦ − y Lema 1, existe, par cada y λ 1(x), um numero´ real A > 0, tal ∈ − y que 1 1 fϕy− A fx− em B(2). | |r ≤ y · | |r Escolhamos, para cada x A, um numero´ real a > 0, do seguinte ∈ x modo: se n˜ao existir y B tal que λ(y) = x, tomemos a = 1. ∈ x Caso contr´ario, escolhamos a de tal modo que A a < b para x y · x y “MAIN2” 2007/5/23 page 265

[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE CR 265 todo y λ 1(x). Como λ 1(x) ´e finito, isto pode ser feito. Desta ∈ − − maneira, se f, g W r(M ; N) s˜ao tais que fx 1 gx 1 < a em ∈ 2 | − − − |r x B(2) para todo x A, ent˜ao fϕy 1 gϕy 1 < b em B(2) para ∈ | − − − | y todo y B, o que prova ser ϕ (f) = fϕ uma aplica¸c˜ao cont´ınua. ∈ ∗ n s Proposi¸c˜ao 12. Sejam M uma variedade, N1 R , N2 R k ⊂ r⊂ superf´ıcies, todas de classe C , e ϕ: N1 N2 de classe C , 0 r →r ≤ r k. A aplica¸c˜ao ϕ : W (M; N1) W (M; N2), definida por ≤ ∗ → ϕ (f) = ϕ f, ´e cont´ınua. ∗ ◦ Demonstra¸c˜ao: Em virtude da Aplica¸c˜ao 3, Cap´ıtulo VIII, pode- n mos estender ϕ a uma vizinhan¸ca V de N1 no espa¸co euclidiano R . Usaremos a mesma nota¸c˜ao para indicar a extens˜ao ϕ: V N , → 2 de classe Cr. Dada f W r(M; N ), sejam A um atlas canˆonico ∈ 1 de M e ˜b uma fam´ılia de numeros´ reais b > 0, x A. Para cada x ∈ x A existe, em virtude do Lema 2, um numero´ real ax > 0 tal ∈ r 1 1 que, se g W (M; N1) e gx− fx− r < ax em B(2), ent˜ao 1 ∈ 1 | − | ϕgx− ϕfx− r < bx em B(2). Logo, ϕ ´e cont´ınua. | − | ∗ Segue-se da Proposi¸c˜ao 12 que a topologia de W r(M; N) n˜ao depende do mergulho de N no espa¸co euclidiano. Isto tamb´em re- sulta da proposi¸c˜ao seguinte, a qual fornece uma alternativa para definir a topologia de W r(M; N) sem mencionar m´etrica riema- niana em M nem supor N mergulhada no espa¸co euclidiano. Sejam M, N variedades de classe Ck e f : M N uma → aplica¸c˜ao de classe Cr, 0 r k. Utilizando a Proposi¸c˜ao 1 ≤ ≤ da Se¸c˜ao 3, Cap´ıtulo VIII, obtemos um atlas localmente finito A, contido no atlas m´aximo de M, formado por sistemas de coor- denadas x: U Rm com x(U) = B(3) e f(U) Z, onde Z ´e → ⊂ dom´ınio de um sistema de coordenadas y : Z Rn em N. → Para cada x A, escolhamos, de uma vez por todas, um sis- ∈ tema de coordenadas y = y(x): Z Rn em N, com f(U ) Z . x → x ⊂ x Dada uma fam´ılia de numeros´ reais a > 0, x A, introduzire- x ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 266

266 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜ mos o conjunto Γr(f; a˜), formado pelas aplica¸c˜oes g : M N, de → classe Cr, tais que g(V ) Z para todo x A e, al´em disso, x ⊂ x ∈ 1 1 ygx− yfx− < a em B(2), para todo x A. | − |r x ∈ Note-se que, sendo V compacto, g(V ) Z implica a exis- x x ⊂ x tˆencia de um aberto Ax , com V x Ax Ux , tal que g(Ax) Zx . 1 1 ⊂ ⊂ ⊂ As aplica¸c˜oes ygx− e yfx− s˜ao definidas na vizinhan¸ca aberta m x(Ax) do compacto B(2) em R . Na proposi¸c˜ao seguinte, a fim de poder considerar a topologia de W r(M; N), suporemos que N Rs ´e uma superf´ıcie. ⊂ Proposi¸c˜ao 13. Mantendo fixo o atlas A e fazendo variar a fam´ılia a˜, os conjuntos Γr(f; a˜) constituem um sistema fundamen- tal de vizinhan¸cas de f em W r(M; N). Demonstra¸c˜ao: Dado Γr(f; a˜), definiremos uma fam´ılia ˜b de numeros´ reais b > 0, x A, tal que W r(f; ˜b) Γr(f; a˜). x ∈ ⊂ Primeiro, uma precau¸c˜ao. Para cada x A, temos d = ∈ x dist[fx 1(B(2)), Rn y(Z )] > 0. Imporemos que seja 0 < b < d − − x x x para cada x A. Isto nos assegurar´a que toda g : M N com ∈ → gx 1 fx 1 < b em B(2) cumpre a condi¸c˜ao g(V ) Z . | − − − | x x ⊂ x Agora, usaremos o Lema 2. Segundo ele, para cada x A, ∈ o numero´ b > 0 pode ser tomado de tal forma que ygx 1 x | − − yfx 1 < b em B(2) implica gx 1 fx 1 < a em B(2). (Es- − |r x | − − − | x tamos tomando ϕ y 1 no lema.) Isto significa que W r(f; ˜b) − − ⊂ Γr(f; a˜). De maneira an´aloga mostra-se que, reciprocamente, dada ˜b = (b ), existe a˜ = (a ) tal que Γr(f; a˜) W r(f; ˜b). x x ⊂ Para finalizar, diremos uma palavra sobre a topologia da con- vergˆencia uniforme de classe Cr nas partes compactas. No conjunto das aplica¸c˜oes f : M N de classe Cr, introduzimos a topolo- → gia segundo a qual um sistema fundamental de vizinhan¸cas de f : M N ´e definido considerando-se uma cobertura localmente → “MAIN2” 2007/5/23 page 267

[SEC. 6: TOPOLOGIAS DE CLASSE CR 267

finita M = U por dom´ınios de sistemas de coordenadas x : U i i i → Rm tais que x (U ) = B(3) (i = 1, 2, 3, . . . ). Para cada numero´ S i i real c > 0 e cada inteiro j, pomos

r r 1 1 V = g : M N, g C , gx− fx− < ε em B(2); { → ∈ | i − i |r i = 1, . . . , j . } Acima, estamos admitindo que N Rs ´e uma superf´ıcie no espa¸co ⊂ euclidiano. Os conjuntos V r(f; j, ε), quando j percorre os inteiros positivos e ε > 0 ´e um numero´ real, formam um sistema funda- mental de vizinhan¸cas de um espa¸co topol´ogico que indicaremos com Cr(M; N). Do mesmo modo como em W r, obtemos ainda um sistema fundamental de vizinhan¸cas de f : M N em Cr(M; N) se im- → pusermos a` cobertura M = Ui que, para cada i, exista um sistema de coordenadas y : Z Rn em N, tal que f(U ) Z . i iS→ i ⊂ i Em seguida, para cada inteiro j e cada real c > 0, pomos

∆r(f; j, ε) = g : M N; g Cr, g(V ) Z e { → ∈ i ⊂ i 1 1 y gx− y fx− < ε em B(2), para cada i = 1, 2, . . . , j . | i i − i i |r } Quando j > 0 varia entre os inteiros e ε > 0 entre os reais, os conjuntos ∆r(f; j, ε) constituem um sistema fundamental de vizin- han¸cas equivalente aquele` formado pelos V r(f; j, ε), portanto de- finindo ainda em Cr(M; N) a topologia da convergˆencia uniforme de classe Cr nas partes compactas. Note-se que as vizinhan¸cas ∆r podem ser definidas sem que N esteja mergulhada no espa¸co euclidiano. A aplica¸c˜ao identidade W r(M; N) Cr(M; N) ´e cont´ınua. → Segue-se que as aplica¸c˜oes f : M N, de classe Ck, (onde M e → N s˜ao de classe Ck) formam um subconjunto denso de Cr(M; N). N˜ao ´e verdade, entretanto, que as imers˜oes, submers˜oes, mergu- “MAIN2” 2007/5/23 page 268

268 [CAP. X: ESPAC¸OS DE FUNC¸OES˜ lhos e difeomorfismos constituam abertos em Cr(M; N) salvo, evi- dentemente, quando M ´e compacta, caso em que Cr(M; N) = W r(M; N). “MAIN2” 2007/5/23 page 269

Cap´ıtulo XI

Os Teoremas de Imers˜ao e Mergulho de Whitney

Os resultados principais deste cap´ıtulo s˜ao os teoremas de Whitney, segundo os quais se pode aproximar arbitrariamente qualquer aplica¸c˜ao de classe Ck f : M m R2m por uma imers˜ao e → qualquer f : M m R2m+1 (ainda de classe Ck) por uma imers˜ao → biun´ıvoca. Al´em disso, qualquer variedade M m pode ser mer- gulhada como um subconjunto fechado em R2m+1. Como conse- qu¨ˆencia da discuss˜ao, resultar´a que todo atlas m´aximo de classe 1 C numa variedade cont´em um atlas C∞. Inicialmente exporemos as no¸c˜oes b´asicas sobre conjuntos de medida nula numa variedade. “MAIN2” 2007/5/23 page 270

270 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO˜ E MERGULHO DE WHITNEY

1 Conjuntos de medida nula em uma varie- dade

Um cubo C Rm ´e um produto cartesiano C=[a ,a +r] ⊂ 1 1 × · · · × [am, am + r] de m intervalos fechados de mesmo comprimento r. O numero´ r ´e chamado a aresta do cubo C. O volume de C ´e definido por vol(C) = rm. Quando a m´etrica de Rm ´e dada pelo produto interno x, y = xiyi, o diˆametro de C ´e n√m. h i Dizemos que um conjunto X Rm tem medida nula em Rm P ⊂ quando, para todo ε > 0, ´e poss´ıvel achar uma cobertura enu- ∞ mer´avel de X por cubos, X Ci , tal que vol(Ci) < ε. ⊂ i=1 i Nota¸c˜ao: med(X) = 0 em Rm. S P Se X Y Rm ent˜ao med(Y ) = 0 em Rm implica med(X) = ⊂ ⊂ 0 em Rm.

Proposi¸c˜ao 1. Se X1, X2, . . . , Xi, . . . s˜ao conjuntos de medida m ∞ m nula em R , ent˜ao X = Xi tem medida nula em R . i=1 Demonstra¸c˜ao: Seja dadoS ε > 0. Podemos achar, para cada i, uma cobertura enumer´avel Xi Cij por cubos tais que ⊂ j i vol(Cij) < ε/2 . Resulta da´ı que XS Cij ´e uma cobertura j ⊂ i,j i Penumer´avel de X por cubos Cij tal que Svol(Ci,j) < ε/2 = ε. i,j i Logo med(X) = 0 em Rm. P P

Corol´ario 1. Todo subconjunto enumer´avel de Rm tem medida nula.

Corol´ario 2. Um subconjunto X Rm tem medida nula se, e ⊂ somente se, cada ponto p X possui uma vizinhan¸ca V tal que ∈ p med(X V ) = 0 em Rm. ∩ p “MAIN2” 2007/5/23 page 271

[SEC. 1: CONJUNTOS DE MEDIDA NULA EM UMA VARIEDADE 271

Demonstra¸c˜ao: A parte do “somente se”´e evidente. Por outro lado, da cobertura X Vp com med(Vp X) = 0 obtemos, pelo ⊂ p X ∩ ∈ S ∞ teorema de Lindel¨of, uma subcobertura enumer´avel X Vpi . ⊂ i=1 Rm Pela proposi¸c˜ao, X = (Vpi X) tem medida nula em S. i ∩ S Exemplo 1. Seja C = I I um cubo. Para qualquer 1 × · · · × m s > 0, C 0 tem medida nula em Rm Rs = Rn+s, como pode × × facilmente ser verificado. Os conjuntos de medida nula s˜ao uteis´ no estudo das variedades diferenci´aveis por dois motivos: primeiro porque tˆem interior va- zio, e segundo porque suas imagens mediante aplica¸c˜oes de classe C1 possuem tamb´em medida zero. Estes fatos ser˜ao provados logo em seguida.

Sejam X e Y espa¸cos m´etricos. Uma aplica¸c˜ao f : X Y → diz-se lipschitziana quando existe uma constante k > 0 tal que d(f(x), f(y)) k d(x, y) para todos x, y X. Dizemos que f ´e lo- ≤ ∈ calmente lipschitziana se todo ponto p X possui uma vizinhan¸ca ∈ V tal que f V ´e lipschitziana. p | p Uma aplica¸c˜ao lipschitziana ´e uniformemente cont´ınua, logo uma aplica¸c˜ao localmente lipschitziana ´e cont´ınua. Se X Rm, ⊂ toda aplica¸c˜ao f : X Rn, de classe C1, ´e localmente lipschit- → ziana, pela desigualdade do valor m´edio.

Proposi¸c˜ao 2. Se X Rm tem medida nula e f : X Rm ´e ⊂ → localmente lipschitziana, ent˜ao f(X) tem medida nula em Rm. Demonstra¸c˜ao: Todo ponto p X possui uma vizinhan¸ca V ∈ p na qual f ´e lipschitziana, com constante kp . A cobertura X = n

Vp possui uma subcobertura enumer´avel X = Vpi . Portanto, p i=1 pSela Proposi¸c˜ao 1, podemos supor que f ´e lipschitziana:S f(x) | − “MAIN2” 2007/5/23 page 272

272 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO˜ E MERGULHO DE WHITNEY f(y) k x y para todos x, y X. Dado ε > 0, existe uma | ≤ | − | ∈ cobertura enumer´avel X Ci por cubos Ci , com vol(Ci) < ⊂ i m ε(2k√m)− . Seja ri a arestaSde Ci . Como para todo iP, o diˆametro de C ´e r √m, o diˆametro de f(X C ) ´e k r √m. Resulta da´ı i i ∩ i ≤ i que f(X Ci) Ki , onde Ki ´e um cubo de aresta 2kri√m. ∩ ⊂ m m Ora, vol(Ki) = (2kri√m) = (2k√m) vol(Ci) logo vol(Ki) = m (2k√m) vol(Ci) < ε. Como f(X) = f(X Ci) Ki , i ∩ P ⊂ i f(X) tem Pmedida nula em Rm. S S Diz-se que um subconjunto X de uma variedade diferenci´avel M tem medida nula em M se, para todo p X, existe um sistema ∈ de coordenadas locais x: U Rm, com p U, tal que x(U X) → ∈ ∩ tem medida nula em Rm. Se med(X) = 0 em M ent˜ao, para qualquer sistema de coorde- nada y : V Rm em M, tem-se med(y(V X)) = 0 em Rm. Isto → ∩ resulta imediatamente da proposi¸c˜ao anterior. Outra consequ¨ˆencia da Proposi¸c˜ao 2 ´e que a imagem de um conjunto X M m de me- ⊂ dida nula por uma aplica¸c˜ao de classe C1, f : M m N m, ´e ainda ⊂ um conjunto de medida nula (note que dim M = dim N). Os seguintes s˜ao corol´arios da Proposi¸c˜ao 2:

Corol´ario 1. Seja M m N n uma subvariedade de classe C1 ⊂ (pelo menos). Se m < n, ent˜ao M tem medida nula em N. Demonstra¸c˜ao: Em torno de cada ponto p M existe um ∈ sistema de coordenadas locais x: U Rm Rn m em N, com → × − x(U) = V W , W Rn m aberto, e x(U M) = V 0. Pode- × ⊂ − ∩ × mos supor que V Rm ´e o interior de um cubo. Pelo Exemplo 1, ⊂ x(U M) tem medida nula em Rn. Isto demonstra a proposi¸c˜ao. ∩ Corol´ario 2. Seja f : M N uma aplica¸c˜ao de classe C1. Se → dim M < dim N, ent˜ao f(M) tem medida nula em N. Demonstra¸c˜ao: Ponhamos s = dim N dim M. Consideremos − “MAIN2” 2007/5/23 page 273

[SEC. 1: CONJUNTOS DE MEDIDA NULA EM UMA VARIEDADE 273 a aplica¸c˜ao g : M Rs N, de classe C1, definida por g(p, y) = × → f(p). Ora, dim(M Rs) = dim N e, pela proposi¸c˜ao acima, M × × 0 tem medida nula em M Rs. Resulta da´ı que g(M 0 ) = { } × × { } f(M) tem medida nula em N. Proposi¸c˜ao 3. Numa variedade diferenci´avel, todo conjunto de medida nula tem interior vazio. Demonstra¸c˜ao: Basta provar para Rm e, nesse caso, ´e suficiente mostrar que um cubo n˜ao tem medida nula. Para isso, usaremos o fato, conhecido de C´alculo, de que o volume de um cubo C ´e a ∞ ∞ integral de sua fun¸c˜ao caracter´ıstica χC . Se C Ci ent˜ao, por ⊂ i=1 k k S compacidade, C C . Segue-se que χ χ e portanto: i C Ci ⊂ i=1 ≤ i=1 S P k k vol(C) = χ χ = χ C ≤ Ci Ci Z Z Xi=1 Xi=1 Z k ∞ = vol(C ) vol(C ). i ≤ i Xi=1 Xi=1 Assim, para 0 < ε < vol(C), n˜ao ´e poss´ıvel achar cobertura enu- ∞ ∞ mer´avel C Ci com vol(Ci) < ε. ⊂ i=1 i=1 Exemplo 2. SAs esferas s˜Pao simplesmente conexas. Vejamos: Sejam X, Y espa¸cos topol´ogicos. Dizemos que duas aplica¸c˜oes cont´ınuas f, g : X Y s˜ao homot´opicas, e escrevemos f g, → ∼ quando existe uma aplica¸c˜ao cont´ınua H : X [0, 1] Y tal que × → H(x, 0) = f(x) e H(x, 1) = g(x) para todo x X. A rela¸c˜ao “ f ∈ e g s˜ao homot´opicas ”´e uma rela¸c˜ao de equivalˆencia. Duas aplica¸c˜oes cont´ınuas f, g : X Rn s˜ao sempre homot´o- → picas. Para ver isto basta considerar H : X [0, 1] Rn dada por × → H(x, t) = (1 t)f(x) + t g(x). − “MAIN2” 2007/5/23 page 274

274 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO˜ E MERGULHO DE WHITNEY

Se f, g : X Sn s˜ao aplica¸c˜oes cont´ınuas tais que f(x) = → 6 g(x) para todo x X, ent˜ao f e g s˜ao homot´opicas. Basta − ∈ tomar H : X [0, 1] Sn definida por × → (1 t)f(x) + tg(x) H(x, t) = − (1 t)f(x) + tg(x) · | − | Se uma aplica¸c˜ao cont´ınua f : X Sn n˜ao ´e sobrejetiva, ent˜ao → f ´e homot´opica a uma constante. Com efeito, existe um ponto p Sn tal que f(X) Sn p . Como a proje¸c˜ao estereogr´afica ∈ ⊂ − { } ´e um homeomorfismo ϕ: Sn p Rn, (vide ETG, pag. 44) − { } → podemos pensar em f como uma aplica¸c˜ao de X em Rn e, como tal, ela ´e homot´opica a uma constante. Um espa¸co topol´ogico diz-se simplesmente conexo quando toda aplica¸c˜ao cont´ınua f : S1 X ´e homot´opica a uma constante. → Afirmamos que, para n > 1, a esfera Sn ´e simplesmente conexa. Realmente, dada uma aplica¸c˜ao cont´ınua f : S1 Sn, existe uma → aplica¸c˜ao de classe C1, g : S1 Sn, tal que g(x) f(x) < 2 para → | − | todo x S1 (ver Corol´ario 2 da Proposi¸c˜ao 1, Se¸c˜ao 1, Cap. X). ∈ Por conseguinte, f(x) = g(x) para todo x S1, logo f g, como 6 − ∈ ∼ sabemos, pelo Corol´ario 2 da Proposi¸c˜ao 2, g(S1) tem medida nula em Sn. Em particular g n˜ao ´e sobrejetiva, logo g ´e homot´opica a uma constante. Por transitividade, f tamb´em o ´e.

2 Imers˜oes

Dados um conjunto Y e um vetor v no espa¸co euclidiano Rs, indicaremos com Y + v a imagem de Y pela transla¸c˜ao x x + v, 7→ ou seja Y + v = y + v Rs; y Y . Mostraremos abaixo como { ∈ ∈ } separar dois conjuntos em Rs mediante transla¸c˜ao de um deles.

m s 1 ∞ Lema 1. Dada f : M R de classe C , seja X = Ni uma → i=1 reuni˜ao enumer´avel de superf´ıcies de codimens˜oes maiorSes do que “MAIN2” 2007/5/23 page 275

[SEC. 2: IMERSOES˜ 275 m em Rs. Salvo um conjunto de medida nula, para todo vetor v Rs tem-se [f(M) + v] X = . ∈ ∩ ∅ Demonstra¸c˜ao: Dizer que [f(M) + v] X = significa afirmar ∩ 6 ∅ que existem p M e, para algum i, q N tais que f(p)+v = q, ou ∈ ∈ i seja v = q f(p). Isto equivale a dizer que v pertence a` reuni˜ao das − imagens das aplica¸c˜oes ϕ : M N Rs, onde ϕ (p, q) = q f(p). i × i → i − Ora, como dim M +dim Ni < s para cada i, segue-se que a imagem s de cada ϕi tem medida nula em R . A reuni˜ao tamb´em tem medida nula e o lema fica demonstrado. Os lemas abaixo referem-se a` seguinte situa¸c˜ao: B(3) ´e a bola aberta de raio 3 e centro 0 em Rm, f : B(3) Rs ´e → uma aplica¸c˜ao de classe Cr (r 1) e s 2m. ≥ ≥ Lema 2. Dado ε > 0, existe uma imers˜ao g : B(3) Rs, de → classe C , com g f < ε em B(3). ∞ | − |1 Demonstra¸c˜ao: Em virtude da Proposi¸c˜ao 9, Cap´ıtulo X, po- demos supor f C . Tentemos obter g : G(3) Rs da forma ∈ ∞ → g(x) = f(x) + A x, onde A ´e uma matriz s m. Ent˜ao teremos · × g0(x) = f 0(x) + A; o problema ´e obter A bem pequena e de tal modo que f 0(x) + A n˜ao tenha posto inferior a m para ponto al- gum x B(3). Ora, as matrizes s m de posto i < m constituem ∈ × uma superf´ıcie N Rsm cuja codimens˜ao ´e (m i)(s i). (Vide i ⊂ − − Se¸c˜ao 6, Cap´ıtulo II, Exemplo 3.) Como s 2m, e i m 1, ≥ ≤ − temos (m i)(s i) 1 [2m (m 1)] = M + 1. Logo, − − ≥ · − − sm cada superf´ıcie Ni tem codimens˜ao > m em R . A aplica¸c˜ao f : B(3) (Rm, Rs) = Rsm ´e de classe C . Pelo Lema 1, para 0 → L ∞ qualquer matriz A fora de um conjunto de medida nula em Rsm, f (x) + A tem posto m, qualquer que seja x B(3). Isto quer 0 ∈ dizer que g(x) = f(x) + A x ´e uma imers˜ao. Como um conjunto · de medida nula n˜ao pode conter uma vizinhan¸ca de 0 Rs, pode- ∈ mos escolher A t˜ao pequena quanto desejemos, o que far´a g f | − |1 “MAIN2” 2007/5/23 page 276

276 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO˜ E MERGULHO DE WHITNEY arbitrariamente pequeno em B(3).

Lema 3. Dado ε > 0, existe h: B(3) Rs, de classe Cr, tal que → h f < ε em B(3), h = f em B(3) B(2) e h B(1) ´e uma | − |1 − | imers˜ao C∞.

Demonstra¸c˜ao: Seja ϕ: B(3) [0, 1] uma fun¸c˜ao auxiliar, com → ϕ C , ϕ(B(1)) = 1 e ϕ(B(3) B(2)) = 0. Seja a > 0 uma ∈ ∞ − constante tal que 1 + ϕ(x) + ϕ (x) < a para todo x B(3). | | | 0 | ∈ Usando o Lema 2, obtemos uma imers˜ao g : B(3) Rs, de classe → C , tal que g f < ε/a em B(3). Definimos, em seguida, ∞ | − |1 h: B(3) Rs pondo →

h(x) = f(x) + ϕ(x) (g(x) f(x)). · −

Para x B(3) B(2), temos ϕ(x) = 0, donde h(x) = f(x). Para ∈ − x B(1) temos ϕ(x) = 1 e portanto h(x) = g(x). Al´em disso, ∈ h f g f < ε e h f ϕ g f + ϕ g f < ε | − | ≤ | − | | 0 − 0| ≤ | 0| · | − | | | · | 0 − 0| em B(3). O lema abaixo ´e uma vers˜ao mais refinada do que acabamos de demonstrar.

Lema 4. Seja F B(3) um subconjunto fechado tal que f F ´e ⊂ | uma imers˜ao. Dado ε > 0, existe h: B(3) Rs de classe Cr tal → que h f < ε em B(3), h B(1) F ´e uma imers˜ao e h = f em | − |1 | ∪ F [B(3) B(2)]. ∪ − Demonstra¸c˜ao: Observemos que K = F B(2) ´e compacto e ∩ que basta obter h tal que h f < ε em B(3), h B(1) K ´e | − |1 | ∪ imers˜ao e h = f em K [B(3) B(2)]. ∪ − “MAIN2” 2007/5/23 page 277

[SEC. 2: IMERSOES˜ 277

V

K

F

Figura 11.1.

Seja V uma vizinhan¸ca aberta de K tal que V ´e compacto e contido em B(3). Podemos supor que ε ´e t˜ao pequeno que h f < ε | − |1 implique h V ser uma imers˜ao. Seja ξ : B(3) [0, 1] de classe C | → ∞ tal que ξ = 0 em K [B(3) B(2)] e ξ = 1 em B(1) V . Ponhamos ∪ − − h = f + ξ (g f) onde g, obtida pelo Lema 2, ´e uma imers˜ao · − C de B(3) em Rs tal que g f < ε/a em B(3), a constante ∞ | − |1 a satisfazendo a > ξ(x) + ξ (x) + 1 para todo x B(3). Tem- | | | 0 | ∈ se h f < ε. Em particular, h V ´e imers˜ao. Como h = g | − |1 | em B(1) V , segue-se que h B(1) V , ´e imers˜ao. Do mesmo − | − modo, h K ´e imers˜ao pois h = f em K. Por conseguinte, h ´e uma | imers˜ao em B(1) K, pois B(1) K (B(1) V ) K. As demais ∪ ∪ ⊂ − ∪ afirma¸c˜oes do lema s˜ao imediatas. Proposi¸c˜ao 4. Seja M m uma variedade de classe Ck e dimens˜ao m. Se s 2m, as imers˜oes g : M m Rs, de classe C1, consti- ≥ → tuem um conjunto aberto e denso em W 1(M m; Rs). Demonstra¸c˜ao: Basta provar a densidade. (Vide Proposi¸c˜ao 5, Cap´ıtulo X.) Dadas ε: M R cont´ınua, positiva e f : M Rs → → de classe C1, devemos obter uma imers˜ao g : M Rs, de classe → C1, tal que g f < ε em M. Para isso consideraremos uma | − |1 “MAIN2” 2007/5/23 page 278

278 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO˜ E MERGULHO DE WHITNEY

∞ cobertura enumer´avel, localmente finita M = Ui , por dom´ınios i=1 m de sistemas de coordenadas xi : Ui R taisSque xi(Ui) = B(3) 1 →1 e, pondo Vi = x1− (B(2)), Wi = xi− (B(1)), temos ainda M = Wi . Definiremos indutivamente uma sequ¨ˆencia de aplica¸c˜oes f , f , . . . , f , . . . se M em Rs, todas de clase C1, tais que S0 1 i (i) f0 = f e fi = fi 1 em M Vi ; ε− − (ii) fi fi 1 < em M; | − − |1 2i (iii) f ´e uma imers˜ao em W W . i 1 ∪ · · · ∪ i Come¸camos pondo f0 = f e, supondo j´a definidas f1, . . . , fi 1 − com as propriedades acima, passamos a definir fi . Seja λ = fi 1 1 s − ◦ x− : B(3) R . Pela Proposi¸c˜ao 2, Cap´ıtulo X, existe a > 0 tal i → que se µ: B(3) Rs, de classe C1, satisfaz µ λ < a em B(2), → ε | − |1 ent˜ao µ x λ x < em V . Seja F = x [(W | ◦ i − ◦ i|1 2i i i 1 ∪ · · · ∪ s 1 W i 1) Ui]. Pelo Lema 4, existe µ: B(3) R , de classe C tal − ∩ → que µ λ < ε em B(3), µ = 1 em [B(3) B(2)] F e µ ´e uma | − |1 − ∪ imers˜ao em B(1) F . ∪ s Definamos fi : M R pondo fi = fi 1 em M Vi e fi = µ xi → − − ◦ em Ui . Vˆe-se que fi cumpre as condi¸c˜oes (i), (ii) e (iii) acima. Para s finalizar, definimos f : M R como o limite f(p) = lim fi(p). → i →∞ Observa¸c˜oes: 1) Se k > 1, as imers˜oes f : M m Rs (s 2m) de classe Ck → ≥ formam um subconjunto denso de W 1(M; Rs), pela Proposi¸c˜ao 9, Cap´ıtulo X. Tal conjunto, evidentemente, n˜ao ´e aberto em W 1(M; Rs). Entretanto, a mesma demonstra¸c˜ao acima se aplica para a topologia W r. (Vide Se¸c˜ao 6, Cap´ıtulo X.) Podemos ent˜ao concluir que, se M Ck (k r) e 2m s, ent˜ao as imers˜oes ∈ ≥ ≤ f : M m Rs, de classe Cr, formam um subconjunto aberto denso → de W r(M; Rs). 2) Se existe um subconjunto fechado X M m tal que f X ´e uma ⊂ | “MAIN2” 2007/5/23 page 279

[SEC. 3: IMERSOES˜ INJETIVAS E MERGULHOS 279 imers˜ao, onde f : M m Rs ´e de classe Cr, ent˜ao, dada qualquer → ε: M R cont´ınua e positiva, existe uma imers˜ao g : M Rs, → → de classe Cr, tal que g f < ε em M e g = f em X. Para | − |r obter isto basta, na demonstra¸c˜ao da proposi¸c˜ao acima, tomar F = xi[(X W 1 Wi 1) Ui]. ∪ ∪ · · · ∪ − ∩ 3) Dadas duas variedades arbitr´arias M m, N s, de classe Cr, com s 2m, o conjunto das imers˜oes f : M m N s, de classe Cr, ´e ≥ → aberto e denso em W r(M; N). A demonstra¸c˜ao se faz de modo inteiramente an´alogo ao do caso N = Rs, tomando-se apenas o cuidado de exigir que, para cada i, se tenha f(U ) Z , onde i ⊂ i Z N ´e dom´ınio de um sistema de coordenadas y : Z Rs. i ⊂ i i → 4) E´ poss´ıvel demonstrar que toda variedade de dimens˜ao n ad- 2m 1 mite uma imers˜ao em R − . Entretanto as imers˜oes em geral n˜ao constituem um subconjunto denso de W 1(M m; R2m 1). Por exemplo, para m = 1, temos 2m 1 = 1. En- − − tretanto, as imers˜oes n˜ao s˜ao densas em W 1(R; R) pois a fun¸c˜ao x x2 n˜ao pode ser aproximada por imers˜oes. Com efeito, qual- 7→ quer fun¸c˜ao C1-pr´oxima de y = x2 deve ter pontos onde a derivada ´e positiva e pontos de derivada negativa. Logo, deve ter pontos onde a derivada ´e nula. Consequen¨ temente, n˜ao ´e uma imers˜ao.

3 Imers˜oes injetivas e mergulhos

Mostraremos aqui que toda variedade de dimens˜ao m pode ser mergulhada no espa¸co euclidiano R2m+1. Isto ser´a consequ¨ˆencia de resultados mais precisos que estabeleceremos. Incialmente, ve- jamos um fato de Topologia Geral.

Lema 1. Sejam = (C ) e = (D ) coberturas local- C α α A D α α A mente finitas do espa¸co topol´∈ogico X, tais que∈D C para todo α ⊂ α α A. Existe uma cobertura aberta de X tal que se U, V e ∈ U ∈ U “MAIN2” 2007/5/23 page 280

280 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO˜ E MERGULHO DE WHITNEY

U V = ent˜ao U V est´a contido em algum C . ∩ 6 ∅ ∪ α Demonstra¸c˜ao: Para cada x X escolhamos um ´ındice α(x) ∈ ∈ A tal que x D . Como a fam´ılia (D ) ´e ainda localmente ∈ α(x) α α A finita, podemos, para cada x X, tomar uma∈ vizinhan¸ca aberta ∈ Ux , contida em Dα(x) e disjunta dos Dα que n˜ao contˆem x. Ou seja, U D = x D . Diminuindo U se necess´ario, x ∩ α 6 ∅ ⇒ ∈ α x podemos ainda fazer com que x D U C . Obtemos ∈ α ⇒ x ⊂ α assim uma cobertura aberta = (U ) tal que U D e U x x X x ⊂ α(x) U D = U C , quaisquer que∈ sejam x X e α A. x ∩ α 6 ∅ ⇒ x ⊂ α ∈ ∈ Nestas condi¸c˜oes, U U = U D = U C x ∩ y 6 ∅ ⇒ x ∩ α(y) 6 ∅ ⇒ x ⊂ α(y) ⇒ U U C a ultima´ implica¸c˜ao valendo porque U C . x ∪ y ⊂ α(y) y ⊂ α(y) O lema est´a demonstrado.

Proposi¸c˜ao 5. Seja M m uma variedade de dimens˜ao m e classe Ck. Se s 2m + 1, as imers˜oes injetivas g : M Rs, de classe ≥ → Ck, constituem um subconjunto denso de W 1(M; Rs). Demonstra¸c˜ao: Dadas f W 1(M; Rs) e ε: M R cont´ınua po- ∈ → sitiva, devemos obter uma imers˜ao de classe Ck e injetiva, g : M → Rs, tal que g f < ε em M. Pela Proposi¸c˜ao 9, Cap´ıtulo X, | − |1 podemos supor f Ck. Em virtude da Proposi¸c˜ao 4, podemos ∈ supor que f ´e uma imers˜ao e que g f < ε g imers˜ao. Como | − |1 ⇒ toda imers˜ao ´e localmente um mergulho, a Proposi¸c˜ao 1, Cap´ıtulo VIII e o Lema 1 acima garantem a existˆencia de uma cobertura ∞ localmente finita M = Ui por dom´ınios de sistemas de coorde- i=1 m nadas xi : Ui R taisSque xi(Ui) = B(3) e, se Ui Uj = , ent˜ao → ∩ 6 1 ∅ f (Ui Uj) ´e injetiva. Como de h´abito, poremos Vi = xi− (B(2)) e | ∪ 1 suporemos que os Wi = xi− (B(1)) cobrem M. Definiremos indu- tivamente uma sequ¨ˆencia de imers˜oes f1, f2, . . . , fi, . . . de M em Rs com as seguintes propriedades:

(i) f1 = f e fi = fi 1 em M Vi ; − − “MAIN2” 2007/5/23 page 281

[SEC. 3: IMERSOES˜ INJETIVAS E MERGULHOS 281

ε (ii) fi fi 1 < em M (e portanto fi ´e uma imers˜ao); | − − |1 2i (iii) Se W W = ent˜ao f (W W ) ´e injetiva (e portanto r ∩ s 6 ∅ i| r ∪ x um mergulho); (iv) f ´e injetiva em W W . i 1 ∪ · · · ∪ i

Pomos f0 = f e, supondo f0, . . . , fi 1 definidas e gozando dessas − propriedades, passamos a` defini¸c˜ao de f . Seja ϕ : M [0, 1] i i → uma fun¸c˜ao de classe Ck tal que ϕ (W ) = 1, ϕ (M V ) = 0 i i i − i e, al´em disso ϕi(W j) = 0 para todo j < i com W j W i = . s ∩ ∅ Poremos fi(p) = fi 1(p) + ϕi(p) v, onde v R ´e um vetor que − · ∈ obteremos de modo a fazer cumprir as propriedades (i) a (iv). A propriedade (i) ´e satisfeita para todo v e (ii) valer´a para qualquer v cuja norma v seja suficientemente pequena. Para cumprir (iii), | | basta considerar os W r e W s que intersetam V i . H´a um numero´ finito destes. Pelo Esc´olio que se segue a` Proposi¸c˜ao 6 do Cap´ıtulo X, (iii) valer´a para qualqur v Rs suficientemente pequeno. Ainda ∈ por esse Esc´olio, fi ser´a um mergulho em W 1 W i 1 para todo ∪· · ·∪ − v suficientemente pequeno. Para satisfazer (iv), escolhamos v, conforme o Lema 1 da se¸c˜ao anterior, de tal modo que [fi 1(Ui) + − v] fi 1(Uj) = para todo j < i com W i W j = . Se p W i ∩ − ∅ ∩ ∅ ∈ e q W j (com j < i e W i W j = ) ent˜ao fi(p) = fi 1(p) + v e ∈ ∩ ∅ − fi(q) = fi 1(q). Portanto fi(p) = fi(q). Segue-se que fi ´e injetiva − 6 em W W , o que conclui a constru¸c˜ao da sequ¨ˆencia (f ). 1 ∪ · · · ∪ i i Para finalizar, pomos g = lim fi .

Corol´ario. Seja M m uma variedade compacta de dimens˜ao m e classe Ck. Se s 2m + 1 os mergulhos f : M Rs, de classe Ck, ≥ → constituem um subconjunto denso de W 1(M; Rs) e os mergulhos de classe C1 formam um aberto denso em W 1(M; Rs). Com efeito, sendo M compacta, um mergulho de M ´e simples- mente uma imers˜ao injetiva. “MAIN2” 2007/5/23 page 282

282 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO˜ E MERGULHO DE WHITNEY

Observa¸c˜oes: 1) Segue-se das demonstra¸c˜oes acima que os mergulhos de classe Cr da variedade compacta M m, de classe Cr, no espa¸co euclidiano Rs (s 2m + 1) formam um aberto denso em W r(M.Rs). ≥ 2) Dadas duas variedades arbitr´arias M m, N s, de classe Cr, com s 2m + 1, as imers˜oes injetivas f : M m N s, de classe Cr, for- ≥ → mam um subconjunto denso de W r(M m; N s). Se M for compacta, os mergulhos de classe Cr de M em N formam um subconjunto aberto e denso de W r(M m; N s). [Vide Observa¸c˜ao 3 na se¸c˜ao anterior.] 3) As imers˜oes injetivas f : M m R2m+1 n˜ao formam um sub- → conjunto aberto de W 1(M; R2m+1). Com efeito, a imers˜ao injetiva f : R R2, cuja imagem tem a forma do algarismo 6, pode ser → arbitrariamente aproximada em classe C1 por imers˜oes que n˜ao s˜ao injetivas

Figura 11.2.

4) A imers˜ao f : S1 R2, cuja imagem tem a forma do algarismo → 8, n˜ao pode ser aproximada (sequer em classe C0) por uma imers˜ao biun´ıvoca. Isto mostra que 2m + 1 ´e a dimens˜ao m´ınima para a validez da proposi¸c˜ao anterior. Pode-se, entretanto, demonstrar (com m´etodos bem mais avan¸cados) que o conjunto das imers˜oes biun´ıvocas, e mesmo dos mergulhos, de M m em R2m ´e n˜ao-vazio, para toda M m. “MAIN2” 2007/5/23 page 283

[SEC. 3: IMERSOES˜ INJETIVAS E MERGULHOS 283

5) Os mergulhos de uma variedade n˜ao-compacta M m em R2m+1 n˜ao formam um subconjunto denso de W 1(M; R2m+1). Isto se deve a uma raz˜ao meramente topol´ogica. Sejam X, Y espa¸cos m´etricos e f, g : X Y aplica¸c˜oes cont´ınuas. Lembremos que o → conjunto limite L(f) ´e formado pelos pontos y = lim f(xn), onde x em X. E´ f´acil verificar que se existe um c > 0 tal que n → ∞ d(f(x), g(x)) < c ent˜ao L(f) = L(g). Suponhamos agora que L(f) cont´em uma bola B(f(a); ε), a X. Neste caso f : X Y , ∈ → mesmo que seja injetiva, n˜ao ser´a um homeomorfismo sobre f(X), pois a aplica¸c˜ao cont´ınua injetiva f ´e um homeomorfismo sobre sua imagem se, e somente se, L(f) f(X) = . Mais ainda se ∩ ∅ d(g(x), f(x)) < ε para todo x X ent˜ao g : X Y tampouco ∈ → poder´a ser um homeomorfismo sobre f(X). Com efeito, teremos g(a) B(f(a), ε) L(f) = L(g) e portanto L(g) g(X) = . ∈ ⊂ ∩ 6 ∅ Construiremos agora uma imers˜ao injetiva f : R R3, de classe → C∞, tal que L(f) cont´em um cubo ao qual pertencem v´arios pon- tos de f(R). Resultar´a que nenhuma g : R R3 suficientemente → pr´oxima de f poder´a ser um mergulho. Para definir f, tomamos o cubo unit´ario

An

Bn

An+1

Figura 11.3.

C = [0, 1] ]0, 1] [0, 1] R3. Por cada ponto (r, s, 0) de co- × × ⊂ ordenadas racionais r, s na base de C fazemos passar um seg- mento vertical J = (r, s) [0, 1]. Enumeramos esses segmentos na × “MAIN2” 2007/5/23 page 284

284 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO˜ E MERGULHO DE WHITNEY forma J , n Z. Exprimimos a reta como reuni˜ao de intervalos n ∈ unit´arios justapostos A , B , n Z, onde A = [2n, 2n + 1] e n n ∈ n Bn = (2n + 1, 2n + 2). Fazemos com que f aplique An sobre Jn isometricamente e usamos o intervalo Bn para ligar suavemente A com A . E´ imediato que L(f) C. n n+1 ⊃ Mostraremos agora que existem de fato mergulhos de M m em Rn+1. Proposi¸c˜ao 6. Seja M m de classe Ck e dimens˜ao m. Se s 2m+ ≥ 1, os mergulhos pr´oprios g : M m Rs, de classe C1, constituem → um aberto n˜ao-vazio em W 1(M; Rs).

Demonstra¸c˜ao: Seja Σϕi = 1 uma parti¸c˜ao da unidade de classe Ck em M. A fun¸c˜ao real λ: M R, definida por λ(p) = Σi ϕ (p), → · i ´e pr´opria. Tomando-se um vetor v = 0 em Rs e pondo-se f(p) = 6 λ(p) v, obt´em-se uma aplica¸c˜ao pr´opria f : M Rs, de classe Ck. · → Pela proposi¸c˜ao anterior, existe uma imers˜ao injetiva g : M → Rs, de classe Ck, tal que f(p) g(p) < 1 para todo p M. | − | ∈ Isto implica L(g) = L(f) = , donde g ´e pr´opria e portanto um ∅ mergulho. Assim n˜ao ´e vazio o conjunto dos mergulhos pr´oprios de M em Rs. Este conjunto ´e a interse¸c˜ao de dois abertos, (as aplica¸c˜oes pr´oprias e os mergulhos) logo ´e aberto. Corol´ario. Seja M m uma variedade de classe Ck, k 1. Existe ≥ um mergulho f : M m R2m+1, de classe Ck, tal que a imagem → f(M) ´e uma superf´ıcie de classe C∞. Com efeito, basta usar a Proposi¸c˜ao 10 do Cap´ıtulo X. Proposi¸c˜ao 7. Todo atlas m´aximo de classe Ck (k 1) numa m ≥ variedade M cont´em um atlas (m´aximo) de classe C∞. Demonstra¸c˜ao: Vide Observa¸c˜ao seguinte a` Proposi¸c˜ao 10, Ca- p´ıtulo X. Proposi¸c˜ao 8. Toda variedade M m de classe Ck possui uma k 1 m´etrica riemaniana completa de classe C − . “MAIN2” 2007/5/23 page 285

[SEC. 3: IMERSOES˜ INJETIVAS E MERGULHOS 285

Demonstra¸c˜ao: Devemos obter em M uma m´etrica riemaniana cuja distˆancia intr´ınseca correspondente torne M um espa¸co m´e- trico completo. Consideremos um mergulho pr´oprio f : M Rs, → de classe Ck e tomemos em M a m´etrica riemaniana induzida por f da m´etrica usual em Rs. Ela faz de f uma isometria, de modo que, por simplicidade, podemos identificar M com f(M), tomando assim M como uma superf´ıcie em Rs. Como f ´e pr´opria, s a superf´ıcie M ser´a um subconjunto fechado de R . Seja (pn) uma sequ¨ˆencia de Cauchy em M, relativamente a` distˆancia intr´ınseca d. Como p q d(p, q), segue-se que (p ) ´e de Cauchy relativamente | − | ≤ n a` norma de Rs. Sendo este espa¸co completo, existe p Rs tal que ∈ lim p p = 0. Como M ´e fechada em Rs, temos p M. Como a | − n| ∈ distˆancia intr´ınseca e a norma definem em M a mesma topologia, temos lim d(pn, p) = 0. Assim, M ´e completo relativamente a` distˆancia intr´ınseca. Observa¸c˜oes: 1) Os mergulhos pr´oprios de classe Ck formam um subconjunto n˜ao-vazio de W 1(M; Rs), o qual s´o ´e aberto se k = 1. Se, por´em, tomarmos a topologia de Whitney de classe Ck, os mergulhos de classe Ck formam um aberto em W k(M m; Rs), s 2m + 1. ≥ 2) Vimos que se f : M Rs mergulha M sobre um subconjunto fe- → chado de Rs ent˜ao a m´etrica euclidiana de Rs induz em M, atrav´es de f, uma m´etrrica riemaniana completa. Deve-se observar que a rec´ıproca ´e falsa: dado um mergulho isom´etrico f : M Rs, onde → M ´e uma variedade riemaniana completa, f(M) pode deixar de ser um subconjunto fechado de M. Exemplo: tome o mergulho f : R R2, definido por f(t) = (1 + et)eit. (Geometricamente, → f(R) espirala em torno do c´ırculo S1 quando t .) Repara- → −∞ metrizando f pelo comprimento de arco, obteremos um mergulho isom´etrico g : R R2. Entretanto, g(R) = f(R) n˜ao ´e um sub- → conjunto fechado de R2. Em outras palavras: considerando uma “MAIN2” 2007/5/23 page 286

286 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO˜ E MERGULHO DE WHITNEY superf´ıcie M Rs com a m´etrica riemaniana induzida por Rs, a ⊂ distˆancia intr´ınseca pode fazer de M um espa¸co m´etrico completo, sem que M seja um subconjunto fechado de Rs. 3) Dadas arbitrariamente duas variedades M m, N s, de classe Ck, com s 2m + 1, os mergulhos de classe Ck de M m em N s consti- ≥ tuem um subconjunto aberto n˜ao-vazio de W k(M; N). Para ver isto, basta considerar em N um sistema de coordenadas y : V Rs → tal que y(V ) = Rs. Obtido um mergulho g : M Rs, a composta → y 1 g : M N ser´a tamb´em um mergulho. − ◦ →

4 Espa¸cos de Baire

Nesta se¸c˜ao, melhoraremos a Proposi¸c˜ao 5, mostrando que, para s 2m, as imers˜oes injetivas de M m em Rs formam um ≥ conjunto de Baire em W 1(M; Rs). Isto ´e mais do que dizer que elas formam um subconjunto denso. Com efeito, a interse¸c˜ao de dois subconjuntos densos de um espa¸co X pode ser vazia (por exemplo: [racionais] [irracionais] = ) mas a interse¸c˜ao de uma ∩ ∅ fam´ılia enumer´avel de conjuntos de Baire, num espa¸co de Baire X, ´e ainda um conjunto de Baire, e portanto denso em X. Os conjun- tos de Baire s˜ao os an´alogos topol´ogicos dos complementares de conjuntos de medida nula em Rn. Essa analogia, entretanto, n˜ao funciona em qualquer espa¸co topol´ogico, mas apenas nos espa¸cos de Baire. Passemos as` defini¸c˜oes formais. O an´alogo topol´ogico de um conjunto de medida nula ´e um conjunto magro. Um subconjunto S de um espa¸co topol´ogico diz- ∞ se magro em X quando S = Si ´e reuni˜ao enumer´avel de conjun- i=1 tos S X tais que int(S ) S= . Assim um conjunto S ´e magro i ⊂ i ∅ ∞ em X se, e somente se, S Fi onde cada Fi ´e um subconjunto ⊂ i=1 S “MAIN2” 2007/5/23 page 287

[SEC. 4: ESPAC¸OS DE BAIRE 287 fechado de X com int F = . i ∅ O complementar de um subconjunto magro ´e chamado um conjunto de Baire. Portanto, um subconjunto B de um espa¸co topol´ogico x ´e um conjunto de Baire em X se, e somente se, ∞ B = Ai ´e a interse¸c˜ao enumer´avel de subconjuntos Ai X i=1 ⊂ tais queT int Ai ´e denso em X. Para que B X seja um subcon- ⊂ junto de Baire em X ´e necess´ario e suficiente que A contenha uma interse¸c˜ao enumer´avel de subconjuntos abertos e densos em X. Uma reuni˜ao enumer´avel de subconjuntos magros de X ´e ma- gra em X. Por dualidade, uma interse¸c˜ao enumer´avel de subcon- juntos de Baire de X ´e tamb´em um subconjunto de Baire de X. Um espa¸co topol´ogico X diz-se um espa¸co de Baire quando todo subconjunto de Baire B X ´e denso em X. Equivalente- ⊂ mente, X ´e um espa¸co de Baire se todo subconjunto magro de X tem interior vazio. O conhecido “Teorema da Categoria de Baire”afirma que to- dos os espa¸cos m´etricos completos, bem como todos os espa¸cos to- pol´ogicos localmente compactos de Hausdorff s˜ao espa¸cos de Baire. Imitaremos agora a demonstra¸c˜ao deste resultado cl´assico, ob- tendo a

Proposi¸c˜ao 9. Qualquer que seja a variedade diferenci´avel M, W 1(M; Rs) ´e um espa¸co de Baire.

Demonstra¸c˜ao: Seja B = Ai a interse¸c˜ao de uma sequ¨ˆencia enumer´avel A , A , . . . , A , . . . de subconjuntos abertos densos de 1 2 i T W 1(M; Rs). Queremos mostrar que B ´e denso em W 1(M; Rs). Seja U um qualquer subconjunto aberto e n˜ao-vazio neste espa¸co. Provaremos a existˆencia de um elemento f U B. Dada uma ∈ ∩ fun¸c˜ao cont´ınua e positiva ε: M R indicaremos com W 1[g; ε]= → h W 1(M; Rs); h g ε a “bola fechada”com centro g { ∈ | − |1 ≤ } ∈ W 1(M; Rs). Como A ´e aberto e denso, existem f W 1(M; Rs) 1 1 ∈ “MAIN2” 2007/5/23 page 288

288 [CAP. XI: OS TEOREMAS DE IMERSAO˜ E MERGULHO DE WHITNEY e ε : M (0, ) tais que W 1[f ; ε ] A U. Como A ´e aberto 1 → ∞ 1 1 ⊂ 1 ∩ 2 e denso, podemos encontrar f W 1(M; Rs) e ε : M (0, ) 2 ∈ 2 → ∞ tais que W 1[f ; ε ] A W 1[f ε ] A A U. Por indu¸c˜ao, 2 2 ⊂ 2 ∩ 1 · 1 ⊂ 1 ∩ 2 ∩ encontramos uma sequ¨ˆencia de aplica¸c˜oes f1, f2, . . . , fi, . . . em 1 s W (M; R ) e uma sequ¨ˆencia de fun¸c˜oes cont´ınuas ε1, ε2, ...:M 1 → (0, ) tais que W [fi; εi] Ai [fi 1; ei 1] A1 Ai U. ∞ ⊂ ∩ − − ⊂ ∩ · · · ∩ ∩ Podemos supor ε ε ε . . . e que ε (p) < 1/i para 1 ≥ 2 ≥ · · · ≥ i ≥ i todo p M. ∈ Notemos que para todo p M e para todo par de naturais i, ∈ r tem-se

(*) f (p) f (p) ε (p) e f 0(p) f 0 (p) ε (p) | i − i+r | ≤ i | i − i+r | ≤ i 1 pois fi+r W [fi; εi]. Por conseguinte (fi(p)) e (fi0(p)) s˜ao se- ∈ s s qu¨ˆencias de Cauchy em R e (T Mp; R ) respectivamente. Logo L s existem, para cada p M, os limites f(p) = lim fi(p) R e ∈ i ∈ ˆ Rs →∞ f(p) = lim fi0(p) (T Mp; ). Fazendo r nas desigual- i ∈ L → ∞ dades (*)→∞obtemos

(**) f (p) f(p) ε (p)<1/i e f 0(p) fˆ(p) ε (p)<1/i | i − |≤ i | i − |≤ i para todo inteiro i e para todo p M. ∈ Queremos mostrar que f C1 e que f (p) = fˆ(p) para todo ∈ 0 p M. Basta mostrar isto localmente. Em torno de cada ponto ∈ de M, consideraremos um sistema de coordenadas x: U Rm e, 1 → por simplicidade, poremos ϕ = x− . Podemos sempre supor que ϕ ´e limitada em x(U). Ent˜ao, as desigualdades (**) implicam | 0| que a sequ¨ˆencia de aplica¸c˜oes f ϕ: x(U) Rs e f ϕ ϕ : x(U) i → i · 0 → (Rm; Rs) convergem uniformemente em x(U) para fϕ e fˆϕ ϕ , L · 0 respectivamente. Por um teorema conhecido de An´alise (vide AERn, Prop. 7 do Cap. 6), segue-se que fϕ C1 e (fϕ) = fˆϕ ϕ . ∈ 0 · 0 Isto significa que f C1 em U e, como (fϕ) = f ϕ ϕ , temos ∈ 0 0 · 0 “MAIN2” 2007/5/23 page 289

[SEC. 4: ESPAC¸OS DE BAIRE 289 f 0 = fˆ em U. Como os abertos U cobrem M, concluimos que f W 1(M; Rs) e fˆ(p) = f (p) para todo p M. As desigual- ∈ 0 ∈ dades (**) significam que

∞ f W 1[f; ε ] (A A A . . . ) U ∈ i ⊂ 1 ∩ 2 ∩ · · · ∩ i ∩ ∩ i\=1 como quer´ıamos demonstrar. Observa¸c˜oes: 1) N˜ao se pode concluir, na demonstra¸c˜ao acima que f f no i → sentido do espa¸co W 1(M; Rs). 2) Para todo r 0, W r(M; Rs) ´e um espa¸co de Baire. A demons- ≥ tra¸c˜ao se faz nas mesmas linhas da anterior. 3) Para M m e N s quaisquer, W r(M m; N s) ´e um espa¸co de Baire. (Usar o mesmo princ´ıpio da demonstra¸c˜ao acima, tomando coor- denadas locais em N, com imagem Rs.) O resultado abaixo refina a Proposi¸c˜ao 5. Proposi¸c˜ao 10. Seja M m uma variedade de dimens˜ao m e classe Ck. Se s 2m + 1, as imers˜oes injetivas g : M Rs, de classe ≥ → C1, formam um conjunto de Baire em W 1(M.Rs). Demonstra¸c˜ao: Seja X o conjunto das imers˜oes injetivas de 1 s classe C de M em R . Escrevendo M = Xi como reuni˜ao enumer´avel de compactos, com K K , vemos que X = i ⊂ i+1S Xi onde, para cada i = 1, 2, . . . , Xi ´e o conjunto das aplica¸c˜oes s 1 f : M R , de classe C , tais que f Ki ´e um mergulho. Basta T → | 1 s ent˜ao demonstrar que cada Xi ´e aberto e denso em W (M; R ). Que Xi ´e aberto segue-se do Esc´olio seguinte a` Proposi¸c˜ao 6, Cap´ıtulo X. Que ´e denso, demonstra-se do mesmo modo que na Proposi¸c˜ao 5. “MAIN2” 2007/5/23 page 290

ACRESCIMOS´ E ESCLARECIMENTOS

As abreviaturas AERn e ETG referem-se aos livros:

“ An´alise no Espa¸co Rn - por Elon Lages Lima. Cole¸c˜ao Matem´atica Universit´aria, IMPA, 2004.

“Elementos de Topologia Geral- por Elon Lages Lima. Editora Ao Livro T´ecnico, 1970.