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Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Faculdade De Biblioteconomia E Comunicação Departamento De Comunicação Habilitação Jornalismo

Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul Faculdade De Biblioteconomia E Comunicação Departamento De Comunicação Habilitação Jornalismo

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO HABILITAÇÃO JORNALISMO

LAURA BECKER DA LUZ

EM BUSCA DE ESPAÇO: MULHERES NO JORNALISMO ESPORTIVO EM RÁDIO E TELEVISÃO

Porto Alegre 2015

LAURA BECKER DA LUZ

EM BUSCA DE ESPAÇO: MULHERES NO JORNALISMO ESPORTIVO EM RÁDIO E TELEVISÃO

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo.

Orientadora: Prof.ªDr.ª Sandra de Deus

Porto Alegre 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO

AUTORIZAÇÃO

Autorizo o encaminhamento para avaliação e defesa pública do TCC (Trabalho de Conclusão de Cursos) intitulado Em Busca de Espaço: Mulheres no jornalismo esportivo em rádio e televisão, de autoria de Laura Becker da Luz, estudante do curso de Comunicação Social – habilitação Jornalismo, desenvolvida sob minha orientação.

Porto Alegre, 15 de junho de 2015

Assinatura:

Nome completo da orientadora: Sandra de Fátima Batista de Deus

LAURA BECKER DA LUZ

EM BUSCA DE ESPAÇO: MULHERES NO JORNALISMO ESPORTIVO EM RÁDIO E TELEVISÃO

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo.

Orientadora: Prof.ªDr.ª Sandra de Deus

Conceito final: Aprovado em: junho de 2015

BANCA EXAMINADORA:

______Prof.ª Dr.ª Sandra de Deus (orientador) – UFRGS

______Dr. Marcelo Pizarro Noronha – UFRGS

______Ms. João Paulo Fontoura - UFRGS

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, aos meus pais, pelo incentivo e auxílio nos momentos mais difíceis deste estudo. Mesmo quando tudo parecia complicado demais eles estavam lá para me apoiar e ajudar com as suas ideias. Ao meu namorado, Ulisses, pelo companheirismo e compreensão nas horas mais complicadas. Aos amigos e familiares que sempre me incentivaram, em especial a minha colega Laura pela ajuda e incentivo no momento do contato com as fontes para este estudo. Às entrevistadas pela solidariedade e responsabilidade com que trataram o tema. À minha orientadora, Sandra de Deus, pela competência e dedicação.

RESUMO

Este estudo aborda a percepção das mulheres que atuam na televisão e no rádio esportivo em Porto Alegre, resgatando o seu passado, analisando o presente e projetando o futuro deste mercado de trabalho. Foram entrevistadas profissionais que fazem ou fizeram recentemente parte de uma equipe esportiva no rádio e na televisão. O trabalho reconstrói a história do jornalismo esportivo no Brasil por meio de revisão bibliográfica. Para alcançar seus objetivos, o estudo apresenta ainda um capítulo sobre a história do futebol – esporte predominante nas coberturas esportivas – mostrando sua evolução no Brasil do século passado até a atualidade. Também trata das lutas e conquistas das mulheres, revelando uma história marcada pela submissão e dependência, mas que comprova a determinação e persistência do gênero feminino.

Palavras-chave: Jornalismo. Profissão Repórter. Los miedos. Análise de Discurso. (tu precisa fazer!!)

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO...... 8 2.O FUTEBOL...... 10 2.1 O Esporte...... 10 2.2 A Importância do Futebol ...... 11 2.2.1 Origens...... 12 2.2.2 Crescimento no Brasil ...... 13

3. JORNALISMO ESPORTIVO ...... 16 3.1 Surge o Jornalismo Esportivo ...... 17 3.1.1 No Mundo ...... 17 3.1.2 No Brasil ...... 21 3.2 O Papel da Linguagem no jornalismo esportivo...... 30

4.RELAÇÕES DE GÊNERO ...... 36 4.1 O Movimento Feminista...... 37 4.1.1 No Mundo ...... 37 4.1.2 No Brasil ...... 38 4.2 Mercado de Trabalho ...... 43 4.3 As Mulheres no Jornalismo Esportivo ...... 44

5. AS MULHERES NA TELEVISÃO E NO RÁDIO ESPORTIVO...... 47 5.1 O Passado ...... 48 5.2 Presente ...... 50 5.2.1 Quem são elas...... 51 5.2.2 A percepção das mulheres atuantes no jornalismo esportivo em rádio e TV...... 54

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 65

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1.INTRODUÇÃO

As pesquisas são normalmente motivadas por questões pessoais. No meu caso não foi diferente. Trabalhei por cerca de dois anos no jornalismo esportivo em dois veículos de comunicação. Meu objetivo era alcançar algum espaço nos setores ou departamentos que cobrem esporte, principalmente na reportagem. Comecei, então, na produção, mas não fui além disso. Por circunstâncias comerciais, minha carreira no radiojornalismo esportivo foi precocemente encerrada. Não sou a primeira mulher que encontra barreiras no meio. A redação esportiva no rádio ainda é um ambiente pouco habitado por elas. Na televisão isso, aos poucos, está mudando. Mas as mulheres ainda precisam superar obstáculos tanto junto às fontes como no convívio com os colegas. A história do rádio e da TV está permeada por semelhanças com o crescimento do futebol no Brasil. O futebol foi introduzido no país no final do século XIX enquanto que os meios de comunicação vieram na segunda década do século XX. Primeiramente, ambos estavam voltados para a elite. A partir dos anos 30, o rádio começou a se popularizar, muito devido à influência que o futebol passou a exercer na sociedade. De um lado, as coberturas esportivas foram as principais responsáveis pela estruturação e inovação tecnológica no veículo. De outro, o rádio passou a transmitir os jogos a um número cada vez maior de pessoas que adquiriam o aparelho receptor, principalmente depois que as rádios tornaram-se comerciais. Com a televisão não foi diferente. Inicialmente, um equipamento caro identificado com as classes mais altas. Depois, com a popularização, o principal aparelho eletrônico que uma casa poderia ter. Com o poder da imagem e a beleza de lances que os esportes permitem, a televisão tornou-se um dos meios de comunicação para as transmissões, seja da Copa do Mundo seja ainda das Olimpíadas. Na TV fechada, a força do futebol está presente com a série de canais destinados especificamente ao assunto. A relevância do tema é visível em qualquer dia de jogo. Muitas vezes inferiorizado nos cursos de jornalismo, o esporte é uma área tão importante quanto a economia ou a política. No entanto, a bibliografia a respeito do tema é escassa, com alguns trabalhos acadêmicos começando a se destacar a partir do final dos anos 90. Livros para debater o tema, são poucos,

9 sendo o principal de um autor estrangeiro. Antonio Alcoba é leitura necessária para o profissional de jornalismo esportivo. No Brasil, também encontramos referências, mas grande parte delas procura escrever na forma de manuais para quem está começando na carreira. O rádio esportivo sempre foi tradicionalmente um meio masculino. Isso porque o futebol, esporte que domina a programação nas rádios, desperta mais o interesse do sexo masculino. Pelo menos esse é o consenso geral. A realidade, porém, é outra. O futebol feminino está se disseminando e nos estádios podemos perceber cada vez mais a presença feminina nas arquibancadas, provando que mulher também gosta de futebol. Apesar disso, ainda hoje existe certa resistência ao fato de uma mulher trabalhar no jornalismo esportivo, mas principalmente, no rádio esportivo. Este estudo busca mostrar a percepção das mulheres que estão atuando nos veículos eletrônicos tradicionais, como o rádio e a televisão. Como elas encaram o dia a dia da profissão e as dificuldades que enfrentam. Para fundamentar o estudo será apresentada uma breve história do futebol, construída através de obras já publicadas. O jornalismo esportivo e o caminho percorrido pelas mulheres em busca de igualdade também serão tratados em capítulos específicos como forma de contextualizar o tema em discussão. A metodologia aplicada incluiu pesquisa bibliográfica e exploratória, com a finalidade de aprimorar as ideias e descobertas, composta por entrevistas com profissionais da área de jornalismo esportivo do sexo feminino. A técnica de pesquisa utilizada foram entrevistas estruturadas, aplicadas por e-mail. A amostra foi escolhida por acessibilidade, já que essa pesquisa enquadra-se como qualitativa e não-probalística, permitindo ao pesquisador selecionar os indivíduos a que tem acesso. A ênfase no processo de análise será feita com base no que as entrevistadas disserem a respeito do assunto.

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2. O FUTEBOL

2.1 O Esporte

A relação do homem com a prática de esportes é antiga. Estudos apontam que ainda na pré-história foi desenvolvido o primeiro “jogo”. Lançando pedras, os homens pré-históricos já competiam para descobrir quem era o melhor, embora o objetivo principal fosse o aprimoramento na arte da caça. De acordo com Alcoba (2005) a primeira competição era individual, para depois ocorrer a competição com os demais integrantes do grupo. Após o lançamento de pedras outros equipamentos foram desenvolvidos. Surgem o arco e a flecha e as lanças. Para o autor o significado é de que “el juego ha atravesado el umbral de la diversión para colocarse al servicio del hombre en determinadas actividades y prestarle una inestimable ayuda” (ALCOBA, Antonio. 2005, p. 17). O surgimento das civilizações acontece aliado ao estabelecimento de um ser humano jogador. Há registros de povos como os egípcios, sumérios, romanos e gregos que praticavam os mais diferentes esportes da época. O fenômeno esportivo é um meio de socialização; favorece, pela atividade coletiva, o desenvolvimento da consciência comunitária; e, ainda é uma atividade de lazer. Para Carzola Prieto (1979),

o fenômeno esporte é fundamentado essencialmente por duas perspectivas: como fenômeno social universal e como instrumento de equilíbrio social; mas também pelo consumismo esportivo, pelos grandes espetáculos esportivos, pelo resgate de valores que o esporte leva à sociedade; pelo impacto social e de discurso implantado no meio social, pela difusão do esporte através dos meios de comunicação. (PRIETO apud SOARES e MICHEL, 2009, p. 5-6).

A influência dos jogos no crescimento não foi deixada de lado nem pela religião e nem pela política. Neste primeiro, é possível reconhecermos a figura de David, por exemplo, em que na Bíblia aparece enfrentando o gigante Golias e vencendo apenas com sua funda. Isso prova que o pequeno guerreiro tinha grandes habilidades com o equipamento e realizava contínuos treinamentos. Quanto à política, o esporte é encarado como uma válvula de escape. Os habitantes de uma cidade que concentram suas atenções para a sua equipe representativa em competições locais, nacionais e até internacionais, encontram uma fórmula para satisfazer

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suas aspirações de poder e de superação. Eles buscam uma nova maneira de se mostrar superior ou se equiparar às demais comunidades que possuam uma melhor evolução cultural ou sociopolítica. O exemplo mais para essa definição está nos Jogos Olímpicos.

La referencia más clara de esa decisión nos viene de los Juegos Olímpicos, con el envío de campeones desde todos los pueblos a Olimpia, em el deseo de obtener la preciada corona de olivo. Si eso conseguían, el recebimientos de los campeones olímpicos em sus lugares de procedencia no difería de los recibimientos que hoy día se ofrece a los campeones deportivos. (ALCOBA, 2005, p. 21).

Com toda essa importância na evolução humana, o esporte não ficaria de fora para o crescimento da imprensa, mas isso iremos abordar no capítulo seguinte. No entanto, é importante ressaltar, até o presente momento, que ao longo do tempo os interesses esportivos da população foram mudando e isso refletia na atuação da imprensa. No Brasil, por exemplo, as primeiras notícias sobre a prática esportiva datam de 1856, com O Atleta, que segundo Ribeiro (2007) passava receitas para o aprimoramento físico dos habitantes do Rio de Janeiro. No entanto, o esporte que faria não os brasileiros, mas o mundo vibrar, tem um ponto fundamental na história de desenvolvimento da imprensa, principalmente, a esportiva.

2.2 A importância do futebol

O futebol é sem dúvida o esporte que atualmente mais mobiliza pessoas ao redor do mundo. Para traçarmos um parâmetro, na FIFA, a Federación Internacionale de Football Association, são 209 países filiados enquanto que na ONU, Organização das Nações Unidas, o número de membros chega a 192. Além de mexer com o futebol, o esporte movimenta milhões com jogadores, competições e publicidade. No Brasil, o futebol está em todos os lugares. A paixão pelo esporte faz o brasileiro preferir discutir o resultado do jogo do último final de semana, a debater sobre questões políticas ou econômicas do país. Apesar do nível que foi absorvido pela nossa cultura, e muito pela persistência de profissionais da imprensa, o futebol nasceu longe das terras brasileiras, mais precisamente na Europa.

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2.2.1 Origens

É consenso dos pesquisadores que estudam o tema de que o futebol consolidou-se e desenvolveu-se na Inglaterra, mesmo havendo registro de prática do esporte na Antiguidade e até pelos maias na América Central. Em suas origens, o futebol era violento o suficiente para ser proibido pelo rei Eduardo II, em 1314. Nos registros, há dentes arrancados, pernas quebradas e roupas rasgadas. Em Chester, no noroeste da Inglaterra, chegou-se a marca de 500 pessoas disputando uma mesma partida. As ruas da cidade eram o campo e as goleiras eram os dois portões de acesso ao local, ao norte e ao sul. O futebol seguiu novos rumos a partir do século XVIII, quando várias escolas inglesas começaram a adotá-lo como atividade física. Em Londres, já não se jogava mais nas ruas, e sim em terrenos baldios. Com a elitização do esporte, viu-se necessária a padronização. Em 1º de dezembro de 1863 foram instituídas oficialmente as bases do que passou a se chamar Football Association, a FA, e que reje o jogo até hoje. A figura do árbitro, porém, só veio cinco anos mais tarde. Ele ficava fora do campo e comunicava suas decisões aos berros. Somente em 1881 é que eles passaram a atuar dentro das quatro linhas. Já o “banco de reservas” como conhecemos hoje só foi implantado em 1930, no campo do Abeerden. O objetivo, como revela Giulianotti (2010), era dar ao treinador uma visão estratégica do campo. Em 1871, foi disputada a primeira Copa da Inglaterra, torneio mais antigo do mundo e que é realizado até hoje, em que o campeão foi o Wanderers F.C. Ironicamente, na primeira partida internacional da história, que ocorreu em 30 de novembro de 1872, não houve gol e Inglaterra e Escócia empataram em 0 a 0. No início do século XX já existiam associações nacionais de futebol organizadas nos cinco continentes, inclusive na Oceania, onde o esporte até hoje não apresentou grande crescimento. Para congregar todas aquelas associações, em 1904, foi fundada em Paris a Federación Internacionale de Football Association – FIFA. Primeiramente, somente países europeus se filiaram. A África do Sul foi a primeira nação não-européia a se associar em 1909. O Brasil só foi admitido em 1923.

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2.2.2 O crescimento no Brasil

Ainda na década de 1920 um jovem intelectual de 29 anos de idade escreveu sobre o futebol e cravou: “Temos esportes em quantidade. Para que metermos o bedelho em coisas estrangeiras? O foot-ball não pega, tenham certeza”. A frase escrita por Graciliano Ramos poderia ter sido correta se não fosse o esforço de alguns jovens membros da burguesia brasileira e o fascínio que as bolas vindas da Inglaterra causariam na população das grandes cidades. É consenso geral que o futebol foi introduzido no Brasil em 1894, através de Charles Miller, brasileiro, filho de ingleses, que passou dez anos estudando na Inglaterra. Ao retornar ao país, ele trouxe consigo uma bola e as diretrizes do jogo, com o intuito de difundi-lo entre os ingleses e brasileiros ricos residentes em São Paulo. Para isso, Miller começou a organizar treinos entre os funcionários da empresa onde trabalhava, a São Paulo Railway, os da Companhia de Gás e os do London Bank. Como afirma Ribeiro (2007) foi em um desses treinamentos que um surpreso jornalista descobriu o novo esporte. O primeiro clube a adotar o futebol foi o São Paulo Athletic Club, originalmente fundado para a prática do cricket. A primeira partida disputada no Brasil, segundo Celso Unzelte (2009), foi realizada na Várzea do Carmo, em São Paulo, entre os times formados por ingleses e anglo-brasileiros, funcionários da Companhia de Gás e da Estrada de Ferro São Paulo Railway. Como os precursores do futebol faziam parte da alta sociedade, a sua trajetória inicial tinha um caráter elitista. Seis anos após a chegada de Miller a São Paulo, a cidade já contava com cinco equipes organizadas: SPAC, Paulistano, Germânia, Internacional e Mackenzie. No Rio de Janeiro, o esporte também crescia e merece destaque o Bangu Athletic Club por suas tendências proletárias. Fundado por funcionários de altos cargos da Companhia Progresso, localizada em um bairro industrial, o clube passou a aceitar operários na equipe, visto que o número de funcionários não era suficiente. Por isso, pode ser considerado o primeiro time de futebol não elitizado Brasil. A elitização do futebol nesse período era um dos fatores mais preponderantes. André Ribeiro (2007) afirma que nos jornais era comum ver parte da sociedade marginalizada nos campos de futebol.

Em registros fotográficos e artigos escritos na época, pode-se notar a diferença entre a elegância do público nas arquibancadas e a “gente pobre” amontoada pelos morros que cercavam o estádio do Fluminense. Esse cenário

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discrimador não era assunto importante para diversos repórteres escalados para a cobertura dos jogos, pois em seus artigos mostravam indiferença pelo tema, parecendo concordar com a separação de ricos e pobres. (RIBEIRO, 2007, p. 32).

Em julho de 1914 ocorreu aquele que é considerado o primeiro jogo da seleção brasileira. A equipe do Exeter City, da Inglaterra, fez uma excursão ao Rio de Janeiro. Um acordo entre a Associação Paulista de Esportes Atléticos e a Liga Metropolitana de Sports Atléticos do Rio de Janeiro, possibilitou a formação de um combinado exclusivamente de jogadores brasileiros. É importante ressaltar que essa seleção tinha como base somente jogadores do eixo Rio-São Paulo, deixando de lado jogadores de fora do centro do país. O fato até hoje se repete de certa forma, com acréscimo de que no atual momento do nosso futebol a maioria dos jogadores que compõem a seleção não joga no Brasil, e sim em times europeus, são os chamados “estrangeiros”. Aquele jogo foi realizado no estádio das Laranjeiras, de propriedade do Fluminense. Em um combinado de três partidas, o Brasil venceu uma e perdeu as outras duas pelos placares de 3 a 0 e 5 a 3. Na única vitória o grande nome da partida foi de um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro. Arthur Friedenreich começou a brilhar a partir de 1910 e no momento onde os principais jornais discutiam a participação de negros no esporte. Fried, como era chamado, era um “coloreds”, filho de um alemão e de uma mulata brasileira. A vitória contra o time Inglaterra não foi fácil. O jogador saiu de campo sem dois dentes, com ferimentos no joelho e todo ensanguentado. Dois meses mais tarde, a seleção embarcou numa viagem à Argentina, onde disputou seu primeiro torneio internacional: a Copa Roca, sagrando-se campeã. Cinco anos mais tarde, o selecionado brasileiro iria encarar o seu segundo desafio internacional e novamente com vitória. O campeonato sul-americano, realizado no Rio de Janeiro, foi conquistado frente a seleção Uruguaia. O debate sobre a participação dos negros e a profissionalização do esporte tornou-se o centro das discussões, justamente pela crescente popularização do futebol. Os dirigentes e cartolas da época dividiram-se em dois grupos: os progressistas, a favor da implantação da profissionalização, e os conservadores, que queriam a permanência do amadorismo. Nesse último grupo se encontrarva o responsável pela vinda do futebol ao Brasil, Charles Miller, e seu principal divulgador, Mario Cardim. Devido ao impasse, surgiu o que chamavam de

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profissionalismo marrom, ou seja, oficialmente o futebol permanecia amador, mas, nos bastidores, os jogadores recebiam pagamento, caracterizando-se em um semiprofissionalismo. Com esse sistema a vantagem era toda dos clubes, pois as arrecadações dos estádios aumentavam e os jogadores continuavam sem nenhum direito. Somente em 1933 o futebol profissional foi definitivamente implantado no país. Paralelamente ao eixo Rio-São Paulo outros estados começavam a participar da nova mania nacional. O Rio Grande do Sul pode ser considerado um dos estados pioneiros na introdução do futebol. Em 19 de julho de 1900 era fundado o Sport Club Rio Grande, o mais antigo clube em atividade, o primeiro criado para a prática do esporte. Na capital, surgiram o Grêmio FootBall Porto-Alegrense, em 1903, e em 1909, o Sport Club Internacional. Nestes anos iniciais eram realizados somente jogos amistosos ou ainda torneios citadinos. Foi somente em 1919 que ocorreu o primeiro campeonato estadual. O Brasil de Pelotas saiu vencedor, após superar o Grêmio pelo placar de 5 a 1. Assim como no restante do país na época, os clubes gaúchos não aceitavam jogadores negros em sua formação. O primeiro clube a mudar esse panorama foi o Guarany de Bagé, que integrou três jogadores negros a sua equipe. Aos poucos, os demais clubes do Rio Grande do Sul seguiram o exemplo. O mais resistente foi o Grêmio, que só em 1952 contratou Tesourinha para integrar a equipe. O futebol jogado naquela época tinha algumas peculiaridades e estava atrasado taticamente quando comparado à Europa no mesmo período. O esquema tático mais difundido era o super ofensivo 2-3-5, enquanto que na Inglaterra o diretor do Arsenal desenvolvia a formação “WM”: três atacantes e dois médios-volantes que também atacavam eram apoiados por dois médios-volantes defensivos e uma última linha com três zagueiros. Giulianotti (2010) ressalta que Herbert Chapman foi o “Ford” do futebol e seu primeiro dirigente moderno. Aqui no Brasil, ainda jogávamos um futebol onde não existia técnico e quem comandava os treinos da equipe era, geralmente, o capitão. Além disso, vários termos utilizados eram provenientes da língua inglesa, como goalkeeper (goleiro), back (zagueiro), winger (ponteiro) e forward (atacante).

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3. JORNALISMO ESPORTIVO

Assim como está no lançamento de pedras o início da prática esportiva e a origem da competição e dos jogos, a atividade também foi fundamental para o desenvolvimento da informação sobre o tema. Inicialmente, esse era o principal assunto entra as tribos e clãs quando não se estava abordando os temas, como magia e trocas de materiais. A comunicação era puramente oral, já que a escrita viria mais a frente. Alcoba (2005) cita uma segunda fase de evolução da informação esportiva. O momento era de estabelecimento do jogo e, consequentemente, das primeiras competições em grandes civilizações. Sumeria, Egito, Grécia, Roma, China, Índia, Japão, maias, astecas, incas e outros deixaram registrados seus feitos esportivos em cavernas, estátuas, monumentos, papiros, pergaminhos e outros suportes. Além disso, o período é marcado por grandes construções que serviam de arena para os eventos esportivos e acumulavam um extenso número de espectadores. Com o avanço do esporte através do tempo se chega a uma nova etapa, onde a recreação tem seu auge justamente por seu emprego bélico. A preparação física é extremamente exigida em momentos como a Idade Média, e o esporte se adapta a essa demanda. “Contrariamente a lo que muchos piensan, La Edad Media, en lo referente al juego y, por tanto, al deporte, no atravesó una época oscura como sucedió con otros aspectos culturales, sino que propició el auge de nuevos jogos y deportes” (ALCOBA, 2005, p. 33). O estudo do esporte e sua elevação a atividade educativa só ocorreu no início do século XIX. No renascimento, o esporte é beneficiado pela ação de figuras importantes na história como o inglês Thomas Arnold, que introduziu o rúgbi na Universidade de Rugby, e também a Pierre de Fredy, o Barão de Coubertin, responsável pela recuperação dos Jogos Olímpicos e criação do Movimento Olímpico Internacional. Com a chegada do século XX, o mundo é tomado por avanços tecnológicos que permitem a humanidade começar uma era de progresso ao mesmo tempo em que convive com períodos traumáticos devido aos grandes conflitos bélicos. Alheio a isso, as estruturas sociais vão experimentar uma troca radical de conhecimento na evolução das ciências e das artes. É nesse contexto que surge o Jornalismo Esportivo. Um segmento de informação que começa envolvido no desprestígio, com inclusive uma dose de preconceito, além de estar sempre

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limitado e esbarrando nas restrições que o tema carregava em si, e, consequentemente, na resistência dos chefes de redações que relutavam em disponibilizar espaço para o tema.

3.1 Surge o jornalismo esportivo

3.1.1 No mundo

As primeiras notícias se limitavam a relatar casos curiosos, bastante comentados na sociedade e que haviam sido presenciados por quem escrevia nos jornais. Alcoba (2005) relata, por exemplo, um caso de um luta de boxe envolvendo o cozinheiro do Lord Smith com o confeiteiro do Duque de Bridge que rendeu três encontros, onde o último foi realizado em um local de maior espaço por conta do grande número de pessoas que queriam acompanhar o embate. Percebe-se que a Inglaterra é o centro de efervescência da imprensa e por lá que o esporte irá ganhar mais destaque nas páginas dos jornais. O que antes eram apenas notas tornam-se agora artigos descritivos de jogos e esportes mais praticados, os benefícios do esporte para a saúde e confecção de tabelas sobre competições e competidores – tudo isso dentro da moda do sport. A novidade rapidamente se espalhou pela Europa. Em 1828, aparece em Paris, na França, a primeira revista dedicada ao esporte, o Journal des Haras. Já em 1852, na Inglaterra, o mundo conhece o primeiro jornal esportivo diário, o Sportman. A Espanha não fica para trás e em 1856 publica a revista El Cazador. Na sequência, em 1866, na cidade de Valência, teremos a primeira revista bilíngue falando de esporte. No final do século XIX, a Espanha já conta com mais de dez publicações com o tema esportivo. O jornal mais antigo do país, e que circula diariamente até hoje, O Mundo Deportivo, teve o primeiro número saindo em Barcelona em 1906. O jornal é considerado um dos mais antigos que permanecem circulando interruptamente desde a sua fundação. Nos Estados Unidos, o surgimento do jornalismo esportivo passa pela decisão do magnata da imprensa norte-americana, Willian Randolph Hearst, que decidiu colocar, em 1895, informação esportiva no The New York Journal. As primeiras notícias abordaram as corridas de cavalos e o resultado foi tão positivo que outros esportes ganharam destaque.

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Alcoba (2005) ressalta que as tiragens do jornal aumentaram tanto que os outros jornais da União tiveram que inserir conteúdo esportivo nas suas publicações. No entanto, o grande avanço do jornalismo esportivo no país se deu pelo The New York Times. O jornal rompeu com a cultura de manter as informações esportivas no interior da publicação e colocou na capa, em 1926, uma grande fotografia do boxeador Gene Tunney sendo saudado pelos fãs após a vitória sobre Jack Dempsey, na Filadélfia. O texto sobre a luta ocupou cem colunas do jornal. Atualmente o mundo está repleto de jornais diários e revistas que fazem do jornalismo esportivo seu principal conteúdo. Na Espanha, além do Mundo Deportivo, temos os jornais As, Marca e Sport. Na Itália, são famosos La Gazzeta dello Sport e o Corriere dello Sport. Na França, o L’Equipe. Curiosamente, nos Estados Unidos os jornais diários não deram resultado. No entanto, a revista mais influente no ramo esportivo está no país: a Sport Illustrated, que chega a ter tiragens de quatro milhões de exemplares. Em termos de tiragem, o Japão pode ser considerado um país com boas referências. Os três principais jornais diários esportivos superam um milhão em tiragens e estão entre os 25 maiores do setor. Com o sucesso do jornalismo esportivo já sacramentado nos jornais e revistas, nada mais esperado que o mesmo acontecesse com o rádio. O novo veículo trazia para o público uma informação imediata, algo inimaginável com o impresso. No entanto, o início não foi fácil. A técnica rudimentar, com aparelhos complexos e muitos cabos, aliado ao receio dos organizadores dos eventos esportivos complicou, mas não impediu a cobertura dos fatos. Alcoba (2005) relata em seu livro Periodismo Desportivo como os jornalistas faziam para transmitir partidas proibidas pelas entidades organizadoras:

[...] en un campeonato de atletismo en una importante ciudad norteamericana se transmitió en directo, pese a la prohbición de los organizadores para que los periodistas entrasen en el estádio. La solución fue instalar los micrófonos y los enlances en la torre de una iglesia, desde donde los informadores, dotados con prismáticos (binóculos), siguieron la competicion y la difundieron sin que los responsables de la organizácion los pudieran localizar. (ALCOBA, 2005, p. 40).

Tal artimanha também foi utilizada aqui no Brasil, a partir de 1934, quando dirigentes de clubes e federações proibiram as transmissões sobre o argumento de que esta estava

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roubando o público dos estádios. Inconformados, os jornalistas encontram uma solução semelhante. Alugavam casas próximas ao local dos jogos ou se empoleiravam em escadas enormes para visualizar as partidas de futebol. Ribeiro (2007) afirma que o jornalista e cartola Paulo Machado de Carvalho foi ainda mais longe quando decidiu instalar uma torre de madeira bem ao lado do Parque Antártica, em São Paulo. Ainda antes de estourar no Brasil, o rádio já era um sucesso nos Estados Unidos. Em julho de 1921, se calcula que mais de duzentas mil pessoas puderam escutar, em toda América do Norte, a transmissão radiofônica da luta de boxe entre o norte-americano Jack Dempsey e o francês Georges Carpentier, que acabou vencendo por Knockout e sagrando-se campeão mundial dos pesos pesados. A transmissão foi realizada pela KDKA, emissora pioneira do rádio nos Estados Unidos. Outra luta de boxe alcançaria números maiores de audiência, com 15 milhões de ouvintes entre norte-americanos, canadenses, ingleses, sul-africanos e da América Central, e marcaria um salto definitivo para o rádio. O próximo passo era acompanhar os Jogos Olímpicos. O primeiro, em 1928 na cidade de Amsterdã, contou com informações esportivas divulgadas para o todo o país. Ao perceberem o tamanho do lucro financeiro que teriam, emissoras tradicionais como a NBC e a CBS decidiram investir no jornalismo esportivo com mais força e adquiriram exclusividade para a transmissão de determinados eventos. Logo, uma guerra por audiência foi instaurada. Com mais investimento e crescimento do público, as transmissões radiofônicas atingem seu auge nas Olimpíadas de Berlim, em 1936. Nesse momento, as rádios norte-americanas retransmitiam para mais de 40 países as emoções de cada competição. Quem não encontrou as mesmas barreiras para prosperar foi a televisão. Na mesma Olimpíada de 1936, em Berlim, a própria organização do evento instalou uma tenda e transmitiu ao vivo o que acontecia nas competições. Mesmo que em circuito fechado, o resultado foi um sucesso. As cadeias de televisão, em busca da obtenção de lucro, perceberam que o esporte poderia ser um dos atrativos que encantava os telespectadores e não duvidaram em apostar nele. A NBC fez uma demonstração pública de seu canal apresentando a retransmissão de uma partida de beisebol e uma luta de boxe. O esporte, então, passou a ser visto como um gênero jornalístico que se difundiu com a televisão. Ele estava alçado ao nível de espetáculo. Nos Jogos Olímpicos de 1948, em Londres, a estimativa é de que 80 mil

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televisores estivessem ligados no que acontecia, segundo Alcoba (2005). São justamente as transmissões esportivas que ganham destaque nesse meio de comunicação. A programação das grandes televisões mundiais possui em sua grade de horas um espaço destinado ao esporte, inclusive nos telejornais. Ainda existem programas destinados a participação de esportistas, dirigentes e técnicos para serem entrevistados. Em algumas emissoras há espaços desenvolvidos para comentar exclusivamente sobre algum esporte específico e também para debater sobre o dia seguinte a uma grande competição. No entanto, os canais que mais ganham espectadores quando o assunto é esporte estão na televisão a cabo, em canais fechados. O principal destaque mundial está para a Entertainment and Sports Programming Network, ou ESPN. A emissora, dedicada 24 horas ao esporte, foi fundada em sete de setembro de 1979 por Scott Rasmussen e seu pai, Bill Rasmussen. O programa símbolo da emissora, o SportsCenter, estreou junto com a emissora e levou ao ar sua 30.000ª exibição em 11 de fevereiro de 2007. Segundo o site Wikipédia, a ESPN foi criada após a demissão de Scott e Bill Rasmussen da WWLP, uma afiliada da NBC em Springfield, Massachusetts. Em 1977, surge a ideia, um tanto original para a época, de criar uma rede de TV a cabo que tivesse foco em eventos esportivos no estado de Connecticut. Quando Rasmussen soube que comprar um sinal ininterrupto de satélite era bem mais barato do que comprar blocos de algumas horas durante a noite, ele expandiu seu projeto a uma rede nacional 24 horas por dia. A estreia do canal foi justamente com o programa SportCenter e logo após ocorreu a transmissão de um jogo de softbol. Para preencher as 24 horas diárias de transmissão, a ESPN exibiu uma grande variedade de eventos esportivos que as redes abertas não mostravam aos finais de semana, incluindo futebol australiano, Copa Davis de tênis, wrestling, profissional, boxe, além de jogos universitários de futebol americano e basquetebol. A chegada dos esportes profissionais veio na década de 1980 e 1990. Primeiro, o futebol americano com a conquista dos direitos parciais da , a NFL. A liga aceitou o negócio contanto que a ESPN concordasse em transmitir suas partidas em TV aberta nas cidades dos times envolvidos no jogo, uma prática que continua até hoje. O ESPN Sunday Night Football duraria por 19 anos e simbolizaria a ascensão da ESPN como rede menor a uma instiuição da TV dos Estados Unidos. Em 1990, a ESPN adicionou a Major

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League Baseball às suas transmissões. Jogos da MLB estão até hoje na programação da ESPN. Em determinado momento, o canal possuía o controle das quatro principais ligas esportivas dos Estados Unidos – NFL, MLB, NHL e NBA. A ESPN Internacional começou no início da década de 1990 tomando vantagem da crescente estrutura de televisão por assinatura na Ásia, África e América Latina. No Brasil, além do canal ESPN há ainda a ESPN Brasil.

3.1.2 No Brasil

Já dissemos anteriormente que as primeiras notícias esportivas que surgiram na imprensa brasileira eram pequenas notas sobre os esportes mais comentados pela sociedade, como a busca por um biótipo mais atlético ou ainda os destaques do remo, ciclismo e turfe. Hoje predominante nos noticiários, o futebol custou para se tornar notícia. A primeira publicação ocorreu no Rio de Janeiro, em 1901, com uma nota intitulada “Sport” no jornal Correio da Manhã. O mais curioso, no entanto, é o conteúdo do texto feito pelo jornalista.

Apesar da manchete – “Pela primeira vez, no Rio de Janeiro, uma partida de foot-ball” –, a pequena nota mostrava a decepção do repórter com o resultado da partida, que terminou empatada em 1 a 1. Acostumados à cobertura de competições como remo e turfe, que sempre tinham um vencedor, o jeito foi escrever que o “placar esteve indeciso. (RIBEIRO, 2007, p. 23-24).

Para que o futebol virasse notícias nos jornais era necessário um grande acontecimento, mas, acima de tudo, divulgação. Para isso, surge o nome de um dos grandes responsáveis pela especialização em jornalismo esportivo no Brasil. Amigo pessoal de Charles Miller, Mauro Cardim era jogador e também repórter do jornal O Estado de S.Paulo. Para movimentar o esporte, Cardim e seus companheiros de campo combinaram um encontro com um time formado no Rio de Janeiro. Os dois empates foram notícia no Estado de S.Paulo e também nos principais jornais do Rio. O sucesso do primeiro encontro entre cariocas e paulistas e a repercussão da criação da Liga de Futebol de São Paulo deram o impulso que faltava. Pelo menos na capital paulista, o ano de 1902 ficou marcado na imprensa esportiva, pois, a partir daquele momento, o futebol virou notícia importante nas páginas dos jornais. Seis anos mais tarde o futebol teria sua primeira capa em um jornal. Isso porque a seleção da Argentina decidiu realizar uma excursão no Brasil para enfrentar os selecionados

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de Rio e São Paulo. Embora os brasileiros tenham decepcionado, tendo como melhor resultado um empate em 2 a 2 em apenas um dos jogos, os jornais buscaram cobrir o evento da melhor maneira possível. Em São Paulo, Mauro Cardim foi o responsável pela cobertura, e no Rio de Janeiro, o trabalho ficou a cargo de colunistas como Paulo Barreto. Os estádios ficaram lotados, com média de cinco mil pessoas, fora as que não conseguiram acesso aos jogos. No Rio, até mesmo um serviço especial de boletins telefônicos foi instalado pelo jornal Gazeta de Notícias para atender ao enorme número de pessoas que ligaram para saber o resultado dos jogos. Esse mesmo jornal colocara em sua primeira página um artigo de Paulo Barreto que seria profético: “Apesar das derrotas, com organização e disciplina, tornaremo- nos imbatìveis” (RIBEIRO, 2007, p. 36). A dedicação da imprensa esportiva cada vez foi aumentando chegando ponto de os jornais bancarem competições. Foi o que aconteceu em 1913, quando o jornal popular Correio da Manhã decidiu patrocinar a organização de uma competição entre paulistas e cariocas, o que pode ser considerado o embrião do futuro Torneio Rio – São Paulo. Sentimento comum e avassalador, a paixão pelo futebol fez dos jornalistas esportivos das duas cidades defensores fiéis de seus clubes e selecionados. Uma guerra estava instaurada e duraria até hoje. A partir de 1920 foi a vez do rádio, aos poucos, começar a engatinhar. Na onda de febre do futebol, que tomou conta do público, os grandes empresários dos grupos de comunicação viram no veículo um importante aliado do esporte. A primeira irradiação esportiva do Brasil ocorreu na Rádio Difusora do Rio de Janeiro em 1922. Coube a Leopoldo Santana realizar uma série de boletins sobre a partida entre Brasil e Argentina, pelo Sul- Americano. A transmissão ocorreu da seguinte forma: os boletins eram feitos por telefone e retransmitidos por alto-falantes. Na década de 1930, o jornalismo esportivo impresso apresentava já um crescimento assustador. Segundo Ribeiro (2007) uma pesquisa feita por especialistas da época apontava que a imprensa esportiva era a que mais havia crescido desde 1912, quando saltou de cinco para 58 jornais: um aumento de 1.060%. Foi nesse período que nasceu o Jornal dos Sports pelas mãos do jornalista Argemiro Bulcão. O periódico, inicialmente com quatro páginas exclusivas de esporte, tornou-se o primeiro jornal diário do gênero no Brasil e sobreviveria até

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o ano de 2007. O investimento que começou com apenas seis contos de réis, transformou-se no maior sucesso editorial da época e maior acervo do ramo no país. Outro grande nome do jornalismo esportivo também tem sua ascensão nesse período. Mario Filho Rodrigues começou sua carreira justamente no jornal de Bulcão e permaneceu lá enquanto alimentava o sonho de ter o seu próprio periódico. Assim surgiu o Mundo Sportivo e foi graças a esse jornal que Mário se aproximou do, na época, jovem empresário Roberto Marinho. Com 31 anos Marinho foi obrigado a assumir o comando de O Globo, um dos maiores jornais do Brasil. Ele viu em Mário uma figura certa para a editoria de esportes.

Em suas mãos, o jornalismo esportivo ganharia novas dimensões. Na forma quase tudo mudava: título, subtítulo, legendas. O conteúdo abria espaço para a vida dos personagens que faziam o espetáculo. Jogadores passaram a ser endeusados, especialmente os negros. Nos bastidores, Mário criava uma rede de informações poderosa.” (RIBEIRO, 2007, p. 75)

Porém, o período a partir de 1930 é marcado mesmo pelo crescimento e fortalecimento do rádio. Prova disso é que já no começo da década ocorria a primeira transmissão na íntegra de uma partida de futebol. O responsável foi Nicolau Tuma que, em 1931, ficou responsável por transmitir São Paulo e Paraná, pelo Campeonato Brasileiro. A transmissão da Rádio Educadora Paulista ocorreu no meio dos torcedores e, para situar os ouvintes, Tuma pediu que uma caixa de fósforos fosse imaginada como o campo de futebol. A grande vedete de uma partida de futebol, o gol, foi anunciado em tom curto e seco e a definição disso ocorreu meio que por acaso. Na partida de estreia do rádio, nas transmissões na íntegra, Tuma gritou gol dez vezes, já que o placar final terminou 6 a 4 para os paulistas. No entanto, falar muito e sem parar não era um problema para o narrador, que ficou famoso como “speaker metralhadora” e entrou para a história do rádio brasileiro. Até este momento, as transmissões possuíam somente a figura do narrador e do comentarista, que normalmente vinha do jornalismo impresso. Nomes como Thomaz Mazzoni eram constantemente lidos no jornal e ouvidos na rádio. Porém, um elemento importante e peça chave no interesse do ouvinte pela competição em disputa é criado pela Rádio Record. O primeiro plantão esportivo foi desenvolvido por José Augusto Siqueira. Batizado de Futebol nas Antenas, as informações lidas vinham através de ligações que chegavam de repórteres que estavam acompanhando o desenrolar de outros jogos. Contratado pela rádio Record em 1932,

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Tuma seria o responsável por outra inovação que até hoje faz parte do futebol – a publicidade durante os jogos. Com um decreto assinado por Vargas, a entrada da publicidade fica liberada para as rádios. O narrador criava a sua agência e, rapidamente, jingles eram lidos durante as transmissões. As empresas que anunciavam conseguiam boas vendas apenas lembrando que participariam da transmissão do domingo. Mesmo em evolução, as transmissões radiofônicas ainda enfrentavam problemas. O primeiro era a quantidade e o preço dos rádios no Brasil. Segundo Ribeiro (2007), no Rio de Janeiro, em 1933, existiam apenas 50 mil receptores. Outra dificuldade era o tipo de equipamento e os recursos utilizados. As linhas telefônicas eram precárias, obrigando os técnicos a solicitar sua instalação com até uma semana de antecedência ao dia do jogo. Muitas vezes, o jeito encontrado era utilizar os telefones de moradores vizinhos. Os microfones também não ajudavam, pois eram pesados e invariavelmente pifavam durante as transmissões. Mas apesar do aumento dos veículos de comunicação que traziam notícias sobre o futebol, o esporte ainda era fortemente elitizado. Até 1933, os jogos eram disputados quase que exclusivamente por estudantes ricos e pessoas da alta sociedade. Só que os grandes clubes do Brasil, principalmente os cariocas como Bangu, Flamengo e em especial o Vasco passaram a procurar os bons jogadores na periferia e em times pequenos. Para se manterem no comando do clube e em benefício da própria política, os dirigentes eram obrigados a aceitar jogadores vindos dos mais diversos lugares e níveis sociais. Muitas foram também as tentativas para impedir o avanço veloz das agremiações mais pobres e numa clara prova de racismo da época, a Liga Metropolitana do Rio de Janeiro, composta pela elite do futebol, decidiu proibir em seus estatutos a inscrição de “pessoas de cor” por seus clubes filiados. Esta fase que ainda não é considerada como a fase profissional do futebol, era na verdade um profissionalismo não oficializado porque os bons jogadores já recebiam salários dos grandes clubes. Pelos primeiros artigos publicados sobre o futebol nos jornais e revistas, ficava clara a divisão do esporte em dois grupos: de um lado, os filhos de boa família; do outro, os varzeanos humildes. Segundo o jornalista André Ribeiro (2007), a imprensa da época chegava a ridicularizar os jogadores de classe mais baixas chamando-os de brutos, incapazes de seguir as regras de conduta, e até de “canelas negras”. O futebol passou então, aos poucos, a ter também sua imagem ligada à periferia e às camadas pobres da sociedade. Com isso, criou-se

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o preconceito contra o jogador de futebol.

O fato é que esse preconceito nasce justamente do desejo das elites em não ter qualquer identidade com os outros segmentos da sociedade. Aliás, esse fenômeno, antes de ser um fato sociológico, é um fato histórico. Jamais, e em qualquer momento, a classe dominante desejou identidade com as demais classes sociais. (CALDAS apud RANGEL, 2008, p. 32).

Assim, jogar futebol, para a elite brasileira, deixa de ser um esporte nobre. A sociedade não tinha respeito pelo futebolista e este era visto como marginal. O futebol passa por mudanças e se “democratiza”, deixando de ser privilégio das classes mais altas. A imprensa escrita teve sua participação nessa mudança, embora sem nenhum apoio formal. O profissionalismo do futebol, em 1933, contribuiu para que o cidadão rico deixasse de praticá- lo, mas continuasse gostando deste esporte. Noticiar futebol não era mais acaso, mas obrigação. O interesse pelo futebol era tão grande que dez anos mais tarde da profissionalização do esporte uma rádio seria criada com programação esportiva 24 horas. A Rádio Panamericana contratou o narrador Pedro Luiz para ser a sua voz e também para coordenar a equipe. Uma inovação para a época, a rádio possuía até um comentarista de arbitragem. Tudo era transmitido: lutas de boxe, luta livre, golfe, basquete e vôlei. Até mesmo por conta da demanda, foi na Panamericana que se criou a figura do repórter na beira dos gramados. Em determinado momento, a rádio tinha um homem para abrir as transmissões, um outro para a narração principal, dois repórteres de campo e um plantão esportivo. Sem saber, a Panamericana implantava uma estrutura que seria seguida até hoje pelas principais emissoras de rádio do Brasil. Se até a década de 1940 o rádio reinava como o principal veículo de comunicação a tratar de esportes, a década seguinte seria marcada pela chegada de uma nova forma de encarar as competições esportivas. A estreia oficial da televisão ocorreu em 18 de setembro de 1950, em São Paulo, com a TV Tupi-Difusora de Assis Chateaubriand. Um mês após a inauguração já se transmitia a primeira partida de futebol na íntegra. Segundo Soares e Michel (2009), a prática foi adotado na sequência pela TV Record – 3ª emissora a entrar no Brasil – em 1953. Já no ano seguinte, ela criou o primeiro programa esportivo da televisão brasileira, o “Mesa Redonda”. A atração, comandada por Raul Tabajara e Geraldo José de Almeida, se

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tornaria mais tarde uma das maiores audiências do jornalismo esportivo e também marcaria a regularidade das transmissões ao vivo das partidas de futebol e das lutas do Campeonato de Pugilismo. A TV Record foi também a primeira emissora a transmitir, ao vivo, o Grande Prêmio de Turfe do Brasil, em 1956. Com a televisão ainda engatinhando, as maiores estrelas do rádio passaram a dividir suas atividades entre rádio e televisão e, nessa divisão, o poder de sedução da telinha começou a incomodar aos patrões da área esportiva. A prática de atuar em dois veículos iria diminuir ao longo do tempo, mas nunca deixar de existir sendo vista até hoje nos grandes veículos de comunicação. Mesmo assim, a década de 1950 continuou tendo o rádio como grande fonte de informação no país. Segundo Ribeiro (2007), uma pesquisa realizada em 1955 apontou a existência de 477 emissoras, e, aproximadamente, meio milhão de aparelhos receptores. Nesse mesmo ano, os rádios a válvula começaram a ser substituídos pelos transistores que, de quinhentas unidades produzidas no primeiro ano, passaram a quase 100 mil em 1956. Se até esse momento o jornalismo esportivo vinha evoluindo e estava cada vez mais próximo dos bastidores do futebol, em 1957 essa situação chegou ao seu ápice. Com medo de novas derrotas em Copas do Mundo, após o desastre de 1950 e a fraca campanha de 54, o presidente da Confederação Brasileira de Desportos, João Havelange, decidiu entregar o comando político da Seleção Brasileira para o paulista Paulo Machado de Carvalho. O dono das Emissoras Unidas teria carta branca para organizar a seleção e para isso chamou três jornalistas esportivos para ajudar a formatar um projeto que ficou conhecido como “Plano da Vitória”. Chegada a Copa do Mundo, o jornalismo esportivo ganhou ainda mais espaço na imprensa do que durante a primeira Copa no Brasil. Na televisão, Assis Chateaubriand e sua TV Tupi deram a cartada mais rápida e levaram com exclusividade os vídeos da participação do Brasil na Suécia. Nesse mesmo período, mas na Europa, os jogos já teriam transmissão ao vivo das televisões. No Brasil, eles passariam com dias de atraso e ainda editados com meia hora de duração. Nas rádios, o grande sucesso foi uma inovação da Rádio Bandeirantes. Pela primeira vez formava-se no Brasil uma rede de emissoras que receberiam a transmissão da Suécia. A operação acabou batizada de CVA, Cadeia Verde-Amarela, e terminou a Copa com índices de audiência espetaculares. A CVA acabou reeditada recentemente, na Copa do Mundo

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de 2014, disputada aqui no Brasil. No entanto, o resultado em termos de seleção não foi o mesmo, mas os índices de audiência tiveram bons números. Com a vitória, a euforia dos brasileiros atingiu em cheio o bolso das emissoras de rádio e TV e também dos jornais. Os 64 milhões de habitantes queriam a qualquer custo saber o que acontecia com a Seleção campeã do Mundo e veículos para divulgar o que acontecia nas distantes cidades de Gotemburgo e Estocolmo não faltavam. Como afirma Ribeiro (2007) eram 708 estações de rádio, oito de televisão e mais de 252 jornais diários. Passada a Copa, o interesse pelo esporte estava maior do que nunca e, por conta disso, duas emissoras de TV decidiram investir para acompanhar o Campeonato Carioca daquele ano, que teria doze dos 22 campeões em campo. No entanto, assim como aconteceu com o rádio na década de 1930, os clubes barraram a entrada das TVs Tupi e TV Rio. O motivo era o mesmo, a transmissão iria tirar o público dos estádios. A polêmica se estendeu por dois meses, até que no final as tevês ganharam a queda-de-braço. O retorno financeiro foi imediato para as duas emissoras. Porém, as previsões pessimistas dos dirigentes se confirmaram. Por causa do número excessivo de jogos transmitidos pela televisão, o público recorde presente nos estádios no ano anterior caiu pela metade. O problema de falta de público se estende até hoje, com índices cada vez menores de torcedores nos estádios e maior em frente a TV. Já o período do crescimento da televisão era nítido, chegando ao ano de 1960 com mais 621 mil unidades. Com tanta gente aderindo a nova moda, o momento era de aperfeiçoar as transmissões, em especial das partidas de futebol, um dos programas líderes de audiência da época. Surgem então as lentes de zoom especial, para conseguir um ângulo mais aproximado das estrelas da bola; e o videoteipe. Toda essa evolução gera um resultado e pela primeira vez, em 1962, a televisão capta mais verbas publicitárias do que seus concorrentes no rádio e no jornal. Para manter esse quadro positivo, o jeito era ter ideias novas e ampliar o poderio da televisão. Foi assim que surgiu, em 1963, no Rio de Janeiro, um programa que iria inovar as discussões em torno da maior paixão do brasileiro. Uma verdadeira seleção de craques da imprensa esportiva fora convocada para formar a mais famosa mesa-redonda da televisão brasileira. Surgia, então, a Grande Resenha Facit, na TV Rio, que tinha como debatedores Armando Nogueira, João Saldanha, José Maria Scassa, Vitorino Vieira e Nelson Rodrigues. Com o tempo, mais nomes

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foram incorporados e o programa tornou-se obrigatório para o torcedor carioca aos domingos e exemplo para as gerações futuras. Em 1966, o programa mudou de emissora – passou para TV Globo – e também de nome, chamando-se, agora, Grande Revista Esportiva Facit. Mesmo assim o sucesso foi o mesmo e consagrado nas palavras de Nelson Rodrigues. “Se a Mesa Facit existisse no tempo de Euclides da Cunha, este a teria preferido a Canudos – a nossa resenha ensina mais sobre o país do que Os Sertões no princípio do século” (RIBEIRO, 2007, p. 192). A principal emissora de televisão do país começa sua expansão graças a briga entre cartolas e empresários. Afundada em dívidas, a TV Paulista acabou falindo após ser proibida de transmitir os jogos do campeonato local. Assim, o canal foi vendido para Roberto Marinho que, em 1965, fundou a TV Globo em São Paulo. A emissora já havia iniciado suas transmissões no Rio de Janeiro alguns meses antes. Em 1968, foi a vez de Belo Horizonte ter a sua TV Globo. Toda essa expansão e crescimento da TV tinha um homem como comandante. Walter Clark foi contratado ainda no início dos trabalhos, quando a emissora não ia bem no Rio de Janeiro. Acabou sendo o principal responsável pela transmissão da Copa do Mundo de 1970 para o Brasil em cores. A Copa do Mundo do México é a primeira na história em que o mundo pode assistir ao vivo e, em alguns poucos lares, a cores. A negociação para transmissão envolveu não só Clark, mas também Paulo César Ferreira, diretor da Rádio Nacional, e Emílio Azcárraga, diretor da rede mexicana Televisa e dono dos direitos para América do Sul. Após uma intensa negociação, os direitos foram vendidos por módica quantia de 750 mil dólares – um pequeno valor, se compararmos com as negociações atuais. Embora a negociação tenha sido feita por um gestor da TV Globo, os direitos não foram exclusivos. Pela primeira vez, seria formado um pool de emissoras de rádio e televisão, e isso pelo fato de que não havia linhas de transmissão suficientes para todas as emissoras envolvidas. As televisões dividiram as transmissões entre três equipes, cada uma com direito a 22,5 minutos de narração. No rádio, um esquema semelhante foi desenvolvido envolvendo as rádios Bandeirantes, Pan e Nacional. Apesar da força do rádio, o público voltava a atenção para a televisão para acompanhar a Copa de 70. No entanto, nem todos possuíam o aparelho e, muito menos, receptores que recebessem a transmissão colorida. A Embratel, responsável pela

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decodificação dos sinais recebidos do México, reuniu um grupo de empresários e personalidades para acompanhar as partidas. Outro privilegiado foi o presidente Médici que assistiu no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, todos os jogos da seleção. Walter Clark e o dono da TV Globo, Roberto Marinho, também usufruíram da regalia. Ironicamente, o primeiro gol transmitido ao vivo para o Brasil foi narrado daqui. Por problemas na transmissão, com constantes quedas de sinal, Léo Batista, locutor stand-by nos estúdios da TV Globo, foi responsável pelo feito durante a partida entre Peru e Bulgária. Passada a Copa e a conquista do tricampeonato, a TV Globo decidiu investir nos programas esportivos. Assim, em 1973, foi lançado o dominical Esporte Espetacular e cinco anos depois o telejornal diário Globo Esporte, ambos no ar até hoje. Estes foram os “carros chefes” da emissora no esporte, ao longo dos anos 80, quando, não se julgava interessante transmitir futebol, às quartas-feiras e aos domingos, deixando para as concorrentes. As TVs Record e Bandeirantes se aproveitaram disso, percebendo rapidamente este filão de mercado. As duas travaram grandes disputas pela autorização e direitos de transmissão. Pela primeira vez, desde a programação voltada completamente para o esporte na Rádio Panamericana, uma emissora, agora de televisão, ousava dedicar quase um dia inteiro à transmissão de eventos esportivos. Estava criado o Show do Esporte, uma verdadeira maratona esportiva comandada por Luciano do Valle, que a partir daquele instante passou a ser, além de narrador, um grande incentivador de esportes como vôlei, basquete e atletismo. “A Bandeirantes até se intitulou o Canal dos Esportes e transmitiu jogos do Campeonato Brasileiro com exclusividade de 1986 a 1993, além de outros torneios” (COELHO, 2008, p. 64). A partir de 1995, a TV Globo percebeu a movimentação financeira do setor e começou a investir pesado, passando a ter exclusividade nos direitos de transmissão. Dois anos depois ocorreria uma valorização do setor. Os clubes pensaram que iriam aumentar seus dividendos com o dinheiro da TV, mas não criaram um campeonato suficientemente lucrativo para que a televisão dele precisasse. Ao contrário, hoje são os clubes que dependem da televisão. Atualmente, o futebol possui calendário preenchido durante todo o ano – começa em janeiro com os Campeonatos Estaduais, depois Libertadores (quando há brasileiros), e encerra em dezembro com o fim do Campeonato Brasileiro – e todas essas competições, incluindo a maioria dos estaduais, estão reservadas à exclusividade da TV

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Globo. Depois do futebol, na televisão, apenas o automobilismo tem calendário anual contínuo com a Fórmula 1, também da Globo; e a Fórmula Indy, na TV Bandeirantes. A Bandeirantes hoje é a segunda emissora que detém os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, mas precisa seguir às determinações da titular. Em sua grade possui quatro programas de esporte: o Jogo Aberto de notícias e debates, das 11h30 às 13h; os Donos da Bola – produzido localmente - da 13h às 14h; o Band Esporte Clube, aos domingos às 14h; e o Terceiro Tempo, também aos domingos, após a transmissão do jogo; além da Fórmula Indy de abril a outubro. A Rede TV apresenta dois programas esportivos em sua grade: o Bola Dividida às 11h30 e, aos domingos, o Bola na Rede à 1h30. O SBT apresenta apenas um programa esportivo, mas na filial do Rio Grande do Sul. O SBT Esporte vai ao ar ao 12h10. Por fim na TV Record encontramos apenas um programa esportivo chamado Esporte Fantástico, que vai ao ar às 10h15 dos sábados. Depois das redes abertas, os eventos esportivos e o jornalismo esportivo ganham destaque nos canais de TV por assinatura com cem por cento de programação esportiva. São eles: os Canais Sportv, a ESPN Brasil, Band Sports e recentemente ocorreu a chegada dos canais . Todos, no entanto, sempre respeitam a hierarquia de prevalência para o futebol e depois para os demais esportes. Para levantamento das rádios é necessário compreender o setor localmente. No Rio Grande do Sul, quatro rádios possuem programação com espaço para o esporte. A Rádio Grenal tem programação 24 horas esportivas, falando somente de futebol e principalmente de Grêmio e Internacional. Líder em audiência, a rádio Gaúcha apresenta, além das transmissões do futebol, 17 programas com conteúdo esportivo entre as atrações diárias e os programas veiculados aos sábados e domingos. Na Guaíba, são 19 programas com conteúdo esportivo entre os diários e aqueles veiculados entre sábado e o domingo. Por fim, a rádio Bandeirantes conta com 14 programas esportivos distribuídos na programação diariamente e entre os sábados e domingos.

3.2 O papel da linguagem no jornalismo esportivo

A relação entre o jornalismo esportivo e a linguagem aplicada por ele é bastante complexa. Primeiramente, é necessário ressaltar que o conhecimento da linguagem esportiva e

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seu modo de emprego é fundamental para qualquer jornalista e imprescindível para os especialistas em determinados esportes. O constante fluxo de palavras que se incluem nesse idioma particular e suas derivações em outros setores significam que o esporte é uma das atividades mais vivas da sociedade moderna. Por isso, é necessário conhecer sua evolução e saber que as palavras que hoje utilizamos para difundir a prática de um esporte têm ciclos de existência, o que confere a linguagem esportiva, usada pelos jornalistas, uma tradição que poucos idiomas possuem. A linguagem esportiva tem vida própria e é única para a profissão. Somente o jornalismo esportivo pode utilizar de efeitos e métodos que em outros setores, ditos mais sérios da imprensa, isso não é mais possível. O jornalismo esportivo lida com a emoção e ela é a principal formadora da linguagem utilizada. A imprensa esportiva é uma importante multiplicadora do jogo em certa medida, porque nela a informação transcende as suas funções tradicionais de informar e explicar. Essa transcendência ocorre, pois grande parte das páginas esportivas se configura como espaços onde a notícia se apresenta como entretenimento, o que significa dizer que seu objetivo principal é divertir, atingindo os sentidos do público. A atividade antitédio domina o centro da produção midiática.

De fato, a mìdia dedica hoje mais espaço às atividades “não sérias” da cultura, incluindo nela as atividades esportivas, do que às ditas “sérias” ou eruditas. A atividade antitédio ocupa o centro da produção midiática. Mais ainda, a diversão ou entretenimento penetra como dimensão desejada das atividades sérias. (LOVISOLO, 2011, p. 94).

Atualmente, é impossível pensar que não aja uma relação entre esporte espetáculo e jornalismo esportivo. Assim, a consideração de um esporte espetáculo, usado em diversos formatos, apenas pode ser entendida se levarmos em conta a constituição do jornalismo esportivo. Nesse contexto, uma considerável fração da imprensa esportiva oferece um espetáculo de conteúdos dramatizados para entreter os seus leitores, com o objetivo de alimentar suas expectativas e emoções. Assim, agregam-se ao texto jornalístico valores de criação discursiva, onde a narrativa é fundamental à formulação de notícias e relatos veiculados pela imprensa. Sucesso no final do século XVIII, o melodrama deixou herdeiros até hoje, inclusive no jornalismo. Gênero teatral que convoca a emoção tem como objetivo deixar a plateia com os

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nervos à flor da pele. O investimento é no apelo aos sentidos, dando total preferência aos acontecimentos de impacto. A base do melodrama está no folhetim, que com o tempo passou a ser uma técnica mercadológica. “Como bem apontou Marlyse Meyer, o folhetim tinha uma finalidade precisa: era um espaço vazio destinado ao entretenimento” (COSTA, 2010, p. 67). Nesse sentido, o jornalismo esportivo no Brasil seria uma porta aberta para a folhetinização da notícia, processo em que informação e imaginação se unem para cativar a massa leitora. A utilização desse método de construção do texto tem claramente objetivos mercadológicos. Muitas reportagens produzidas pela imprensa, principalmente sobre futebol, têm o excesso como marca forte, assim como o suspense, a polêmica e uma visão de mundo maniqueísta, dividida entre o bem e o mal, o certo e o errado, entre os heróis e os vilões. O espectador já está acostumado a acompanhar reportagens em que há ênfase no caráter dramático dos lances de uma partida, em cenas lacrimosas, em depoimentos cheios de emoção. Isso ocorre com frequência tanto com a conquista como com a derrota de algum clube ou seleção. Um exemplo regional pode ser encontrado na capa do Jornal O Pioneiro do dia seis de abril de 2015. O Caxias, clube local, foi rebaixado para segunda divisão do campeonato estadual. O jornal tinha como manchete “O pior dia da história” junto a um torcedor aos prantos. No entanto, essas características ficam mais exacerbadas nas coberturas de participação da seleção brasileira em Copas do Mundo, e isso não é de hoje. Em muitas coberturas da seleção o excesso na divulgação das notícias foi marca registrada. Na Copa de 1938, os jornais noticiaram que o chefe da estação postal-telegráfica morreu ao receber a manchete do sexto gol do Brasil contra a Polônia, na partida de estreia do Mundial. Na derrota para a Itália, que tirou a seleção da disputa, jornais abriram suas páginas para torcedores inconformados com a derrota. A narração emocionada de Gagliano Neto provocou pedidos de anulação da partida, inclusive por jornais que queriam o retorno da seleção antes mesmo da disputa pelo terceiro lugar. Nada disso aconteceu, mas a manchete do Jornal dos Sports logo após a conquista do terceiro lugar era: “Queira ou não a FIFA, somos campeões do Mundo.” André Ribeiro afirma que já naquela época havia críticos dessa postura da imprensa. O principal nome era o de Thomas Mazzoni que disse: “A imprensa esportiva é quem faz o choro, cria rivalidades e às vezes ódios, mesmo porque o choro não é mais do que um desabafo da paixão bairrista, que quando mais se alimenta, mais cega fica” (RIBEIRO,

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2007, p. 103). A imprensa esportiva, no entanto, não levaria a serio a análise do colega e seria uma das responsáveis por uma das principais derrotas da nossa seleção. Na Copa do Mundo de 1950, a primeira realizada no Brasil, o clima da imprensa esportiva envolvia uma grande pressão. A hipótese de derrota era descartada e remota não só para o torcedor, mas também para os jornalistas que acompanhavam o Mundial. Em uma primeira decisão para continuar na competição, contra a Iugoslávia, os jornais Tribuna de Imprensa e Jornal dos Sports trataram a partida como o dia “D” do futebol brasileiro, em uma clara referência à Segunda Guerra Mundial. Aliás, a utilização de termos e expressões bélicas é outro método comum do jornalismo esportivo. Um leitor leigo no esporte não entenderia a colocação de palavras como canhotaço, bomba e tiro como qualitativo inseridos no esporte. No entanto, todas têm ligação com o momento máximo do futebol: a obtenção do gol. E quem conhece as condições do jogador, compreenderá que o chute ao gol não foi fraco, e sim bastante violento. Na véspera da decisão, contra o Uruguai, o clima de já tomou conta da imprensa. Jornais eram distribuìdos estampando capas com os dizeres: “Brasil, campeão do Mundo”. O diário O Mundo chegou a colocar uma foto gigante dos jogadores brasileiros com os dizeres “Estes são os campeões do Mundo!”. A euforia chegou até os uruguaios, que encararam as reportagens como uma motivação extra. Com a derrota, o clima no estádio Maracanã abalou a todos os brasileiros, com um misto de tristeza e fúria.

Nas arquibancadas, torcedores revoltados ateavam fogo em jornais, especialmente exemplares de O Mundo, que estampava a foto do Brasil campeão do Mundo. No gramado, repórteres também não conseguiram segurar a emoção, aliada à decepção, como Jaime Moreira Filho, que chorou ao ouvir o jogador Danilo em prantos. Sérgio Paiva, comentarista da Rádio Continental, desmaiou e teve de sair carregado da cabine de transmissão. (RIBEIRO, 2007, p. 134).

Nas narrativas da derrota da seleção em Copas é possível notarmos uma constante referência à troca de acusações e uma ânsia pela busca de vilões, ou seja, aqueles jogadores, técnicos, dirigentes, considerados os responsáveis pelo fracasso em campo. No caso da Copa de 50, o goleiro Barbosa foi a principal vítima. Cria-se uma espécie de tribuna para que os possìveis “culpados” pelo revés sejam julgados pela imprensa e, consequentemente, pelo povo. Desenvolvem-se, então, as matérias com um ar investigativo e de denúncia para tentar

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descobrir o motivo da derrota. Além disso, o suspense e a atenção do espectador são mantidos e, frequentemente, tais matérias possuem um caráter inconclusivo, sempre havendo a possibilidade de trazer ao público novos fatos, novos depoimentos que reacendem ou criam outras polêmicas, mas que dificilmente dão fim às mesmas. Esse papel da linguagem em trazer maior emoção ao evento esportivo pode ser percebido com mais evidência no rádio. A linguagem radiofônica é mais viva ao estar se dirigindo para aquele público que não pode ver o que acontece no campo, e interpretado diferente por aquele que assiste ao jogo pela televisão. Assim, se comprova que o locutor esportivo de rádio, às vezes, inventa as situações, erra, comenta situações que não se vê na televisão. O espectador da televisão é mais ativo quanto à transmissão, pois pode ele julgar o que vê e acontece na partida. Porém, as transmissões de rádio garantiam, antes do acréscimo da televisão, uma emoção maior do que o jogo posteriormente visto na imagem. Os jornalistas agiam na direção de constituir a imagem emotiva tanto da vivência quanto da representação do dever ser do esporte em suas várias dimensões, desde o jogo até o campo das relações entre esportistas, torcedores e clubes. Aliado a esse futebol alegre e emocionante que recebemos nas transmissões está o humor. Atualmente, não há jornalismo sem humor, ou sem show. Dificilmente um ouvinte assíduo das transmissões de jogo pelo rádio ficaria satisfeito com uma narração linear e sem emoção. Há muito tempo, essas características como humor e espontaneidade tornaram-se obrigatórias. Como afirma Aquino (2012) o entretenimento passou a ser a essência na cobertura esportiva. A informação não se associa mais aos fatos, mas a um produto híbrido, que ora pertence à publicidade, ora ao entretenimento, ora ao consumo; porém, muitas vezes deixando de cumprir sua missão principal que é de informar. Têm-se, então, assuntos que necessariamente não seriam de interesse público, a chamada “perfumaria” definida por Oselame (2010). Uma das grandes responsáveis por essa mudança é a Rede Globo de Comunicações. Uma reformulação nos programas esportivos determinou que os repórteres podem abrir mão da notícia para enfatizar os aspectos inusitados, curiosos e não necessariamente referentes às modalidades esportivas propriamente ditas.

Aparentemente matéria alguma escapa ao tratamento leve, divertido,

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espetacular ou sensacionalista. (...) A linguagem, aliada a muitos recursos visuais, beira o humor. O relato da notícia, a informação em si, é praticamente deixada em segundo plano. Claro que o esporte pede uma narrativa mais leve, solta, mas sem exageros. (BEZERRA apud AQUINO, 2012, p.4).

O jornalismo esportivo transmitido de forma clara e objetiva ao espectador jamais deixará de ser interessante. Até porque, não é por ser engraçado que algo se torna interessante. O tom leve do esporte deve ser preservado. No entanto, como afirma Aquino (2012), leveza não quer dizer transformar um jogo em um circo. O jornalista esportivo deve sempre lembrar que “jornalismo é jornalismo: seja ele esportivo, polìtico, econômico, social” (BARBEIRO e RANGEL, 2006, p.13).

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4. RELAÇÕES DE GÊNERO

A história das mulheres ao redor do mundo é marcada por lutas, conquistas e preconceitos. Aos poucos, elas foram deixando para trás sua condição passiva e tornam-se protagonistas da história. Essa abertura começou de maneira mais substancial a partir do final da Segunda Guerra Mundial. Essa visibilidade das mulheres estimulou pesquisadores a estudarem estes novos agentes sociais principalmente a partir dos anos 1960. Foi aí que surgiu o estudo de gênero, conceito das Ciências Sociais relativo a construção social do sexo. O objetivo do estudo de gênero é “[...] introduzir na história global a dimensão da relação entre os sexos, com a certeza de que esta relação não é um fato natural, mas uma relação social construìda e incessantemente remodelada” (COLLING, 2004, p.28). A abordagem de gênero incentiva novos questionamentos para os estudos das mulheres, o que deve desnaturalizar os preconceitos. Estas produções também contribuem para a ampliação das visões de conhecimento. Entretanto, em virtude da complexidade e do relativo curto tempo de análises sobre o tema, ainda há um campo inexplorado de estudo e barreiras a serem transpostas. A categoria gênero não constitui numa diferença universal, mas permite a construção e a organização social da diferença social. A história das mulheres e a história de gênero estão interligadas, e o papel de cada uma só se justifica em virtude do papel do outro. Desde que a História existe como disciplina científica os homens foram, por muito tempo, os únicos historiadores e escreveram a história sob o ponto de vista masculino, tido como universal. As mulheres eram, então, ocultadas como sujeito e colocadas à margem do que acontecia no mundo. A partir disso, os sexos passaram a assumir valores diferentes, onde o masculino aparece superior ao feminino. E é exatamente a partir da complexidade de compreensão na relação entre homem e mulher que se pode definir a função do conceito de gênero. As relações de gênero formam em cada cultura um sistema simbólico ou de significações, relacionando o sexo às questões culturais. Essas significações podem mudar de acordo com cada indivíduo e sociedade. No entanto, as relações entre homens e mulheres estão diretamente ligadas ao princípio da hierarquia.

Não é nas diferenças que reside o problema. A questão está no modo como

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elas são hierarquizadas. Fruto desta hierarquia, as mulheres aparecem como algo diferente e inferior aos homens e diferença não deve significar discriminação. É a subordinação que deu à diferença um estatuto discriminatório. Se a igualdade permite que todos os indivíduos possam manifestar-se em sua individualidade, a igualdade não pode ser separada da diferença. (COLLING, 2004, p. 36).

Os movimentos sociais urbanos originados a partir de 1960 contribuem para uma nova inscrição das mulheres na esfera pública, participantes ativas na vida social, política e econômica. Esse avanço estimula os estudos sobre gênero. Ocorre, na verdade, uma mudança de perspectiva, saindo de uma ênfase dada ao determinismo biológico e evoluindo para uma visão relacional entre os sexos, com destaque para o caráter social e cultural das diferenciações presentes na divisão sexual. Whitaker (1993) coloca que homens e mulheres trabalhavam, muitas vezes, no mesmo ambiente, mas há quilômetros de distância quanto da distribuição de tarefas. Tanto o masculino quanto o feminino necessitam um do outro, mas nunca estiveram em condição de igualdade. A participação da mulher está, em termos gerais, com melhores parâmetros, seja no controle da fecundidade, no acesso à educação ou no mercado de trabalho.

Mas só isso não adianta também. Se tivermos tudo e os homens também não estiverem em tudo, o máximo que conseguiremos será ter uma imensa, incomensurável carga de trabalho e de responsabilidades e nada de igualdade. As tarefas humanas deveriam ser pensadas e compartilhadas igualmente por homens e mulheres. (STREY, 2004, p.17).

Em busca dessa valorização e de uma mudança na desigualdade cultural construída historicamente, as mulheres procuram obter, por meio dos conceitos e relações de gênero, reconhecimento social e político que lhes foi negado. O que se quer com estudos e pesquisas sobre as relações entre os sexos é contar como a mulher também é um elemento ativo da sociedade.

4.1 O movimento feminista

4.1.1 No mundo

O feminismo pode ser definido como a consciência adquirida sobre a situação de

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subalternidade da mulher na sociedade, bem como da necessidade de se estabelecer iniciativas políticas para modificar essa situação. A perspectiva feminista sempre esteve presente na humanidade, mas é só com a eclosão da Revolução Francesa, em 1789, que o feminismo surge como movimento social organizado e com objetivos específicos. À época, a exclusão da mulher era legitimada por diferenças biológicas. O movimento não era composto somente por mulheres diferentes com opiniões divergentes, mas de mulheres que buscavam conceitos e práticas discursivas para igualar a individualidade e a masculinidade. A partir daí o feminismo se alastra pelo mundo, ganhando novos contornos conforme os contextos de cada região, mas sempre em busca da construção de uma cidadania feminina. O Dia Internacional da Mulher é uma prova dessa busca. No dia 8 de março de 1857, 129 operárias morreram queimadas numa fábrica têxtil devido à repressão policial, em Nova Iorque. Elas reivindicavam redução da jornada de trabalho de 14 para 10 horas diárias e o direito à licença-maternidade. Narvaz (2002) identifica, a partir da definição do conceito de gêneros e ampliação dos estudos, três gerações de feminismo. A primeira fase nasceu pela luta das mulheres pela igualdade de direitos políticos, civis e educativos, atribuídos até então só aos homens. Entre as décadas de 1960 e 1970 se estabelece, nos Estados Unidos e na França, a segunda etapa. Enquanto as americanas denunciavam o abuso masculino, as francesas lutavam pela valorização das mulheres. Logo depois surgiu a terceira geração do movimento feminista, cujo objetivo principal foi a desarticulação dos estudos até então realizados para os estudos de gênero.

4.1.2 No Brasil

Assim como em quase todo mundo, as mulheres brasileiras também enfrentaram, e ainda enfrentam, grandes desafios na busca por igualdade. Durante o período colonial, muitas famílias que podiam se dar ao luxo enviavam suas filhas a conventos na Bahia ou em Portugal. A decisão ocorria não só pela forte religiosidade da época e tradição familiar, mas principalmente pela dificuldade em encontrar noivos adequados. O matrimônio era um meio de consolidar a riqueza da família e preservar sua posição social dentro da elite. Portanto, a

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escolha do marido era de fundamental importância e aquelas que não encontravam um par permaneciam enclausuradas em conventos. No Brasil, o feminismo chega na primeira metade do século XIX por meio das publicações de Nísia Floresta, a primeira feminista brasileira. Em 1852, começa a circular o Jornal das Senhoras, voltado para a luta pela emancipação feminina. Em 1910 é criado o Partido Republicano Feminino com o objetivo de desenvolver campanhas de pressão na luta sufragista. Porém, somente depois da criação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em 1920, que a luta pelo voto ganha um maior impulso. E a vitória do voto feminino ocorre somente em 1932, mesmo ano em que é instituído o dia das mães. O movimento de classe média buscava por direitos políticos e por uma reforma jurídica. Nunca foi uma tentativa de reformular o papel da mulher na sociedade. Apesar de o sufrágio feminino ter marcado o ingresso formal das mulheres na vida política, o voto não tinha sentido para a maioria das mulheres, visto que o requisito de ser alfabetizado continuava em vigor. Assim, muitas delas permaneceram à margem das decisões do país. Durante o século XIX, o magistério proporcionava uma das únicas fontes de emprego para mulheres instruìdas de “boas” famìlias. A profissão tornou-se respeitada devido à convicção vigente de que a função máxima da mulher depois da maternidade era a de educadora. Em 1879, as instituições de ensino superior permitiram a entrada de mulheres nos cursos. No entanto, o preconceito falava mais alto e poucas conseguiam exercer a profissão. Nas primeiras décadas do século passado, o trabalho feminino era visto como um mal necessário frente às crises econômicas e sociais do país. As mulheres solteiras e viúvas que ganhavam seu próprio sustento, bem como as casadas que suplementavam a renda do marido, contribuíam para aumentar o progresso econômico brasileiro. O que todos concordavam é que o trabalho não poderia alterar a definição de feminilidade nem interferir no cumprimento dos seus deveres domésticos. O emprego feminino era determinado por qualidades como graça, sensibilidade, piedade, espírito maternal, mas nunca para profissões que exigissem posturas mais masculinizadas ou que competissem com os homens. Assim, as mulheres estavam naturalmente qualificadas para ocupar os postos de professoras, assistentes sociais, enfermeiras, caixas de banco, telefonistas, secretárias e recepcionistas. Obviamente, o salário era abaixo da remuneração paga aos homens que exerciam essas mesmas profissões. Isso

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impossibilitava a mulher de ter a sua independência econômica, contribuindo para mantê-las junto dos maridos e da família. Em geral, os cargos femininos não contestavam os estereótipos da natureza feminina, nem as colocavam em competição com os homens ou ainda em cargos de autoridade sobre eles. Além disso, não havia a oferta de progresso social ou de realização intelectual. No passado, a atuação do governo também contribuiu para que as mulheres não conseguissem expandir suas áreas de trabalho. Em 1932, o presidente Getúlio Vargas promulgou um decreto com o objetivo de proteger a condição feminina, proibindo as mulheres de trabalhar em funções que colocassem em perigo à saúde física, prejudicassem sua maternidade ou ainda comprometessem sua moralidade. A lei determinava que as mulheres não poderiam ser empregadas em firmas industriais e comerciais no período da noite e madrugada, também era proibido às mulheres carregar peso excessivo, trabalhar em locais subterrâneos ou na construção civil e ter empregos perigosos e insalubres. O decreto ainda buscava acabar com a desigualdade salarial, estabelecendo que homens e mulheres teriam remuneração igual. Na Constituição de 34, um artigo determinava que o mesmo trabalho devia ser remunerado com pagamento igual. Em ambos os textos, a discriminação não foi realmente combatida, já que as mulheres executavam trabalhos diferentes aos dos homens. Ainda hoje a disparidade salarial persiste no mercado de trabalho com mulheres recebendo valores menores que os homens. E o pior, executando tarefas semelhantes. No esporte, a participação da mulher também era restrita. A entrada das mulheres nos jogos olímpicos foi proibida até o ano de 1928, na segunda edição do evento. O Brasil tem pela primeira vez, em 1932, uma mulher na delegação olímpica. Era a nadadora Maria Lenk, com 17 anos na época, a única a representar o país naquele ano. Mesmo assim, alguns de seus idealizadores protestaram já que para eles a função da mulher seria a de apenas assistir às competições que aconteciam. Pierre Coubertin era um defensor dessa ideia e acreditava que as mulheres iriam vulgarizar o ambiente recheado de honra e conquistas. Para o fundador dos Jogos Olímpicos modernos, elas estariam cometendo um erro se participassem.

Tecnicamente as jogadoras de futebol ou as pugilistas que se tentou exhibir aqui e alli não apresentam interesse algum; serão sempre imitações imperfeitas. Nada se aprende vendo-as agir; e assim os que se reúnem para vê-las obedecem preocupações de outra espécie. E por isso trabalham para a corrupção do esporte, aliás, para o levantamento da moral geral. [...] Talvez

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as mulheres compreenderão logo que esta tentativa não é proveitosa nem para seu encanto nem mesmo para a sua saúde. De outro lado, entretanto, não deixa de ser interessante que a mulher possa tomar parte, em proporção bem grande, nos prazeres esportivos do marido e que a mãe possa dirigir intelligentemente a educação physica dos seus filhos. (COUBERTIN apud GÖELLNER, 2005, p. 144).

Nos anos de 1950, o Brasil viveu tempos de crescimento urbano e de industrialização sem precedentes, o que acabou gerando um aumento das possibilidades educacionais e profissionais para homens e também mulheres. Porém, permaneceram mais nítidas as distinções entre os papéis de ambos. O trabalho da mulher, mesmo havendo se tornado mais comum, continuava cercado de preconceitos e visto como subsidiário ao trabalho do homem, ainda o chefe da casa. A ideia de incompatibilidade entre casamento e vida profissional permanecia forte. O principal argumento era de que a mulher deixaria de lado seus afazeres do lar e seus cuidados com o marido. Ainda, existia o medo de que ocorresse a perda da feminilidade. Logo, os empregos mais ocupados por mulheres eram no setor de serviços, em escritórios e no comércio. Ainda que o Brasil tenha acompanhado as tendências mundiais de emancipação feminina, foi muito influenciado pelas campanhas internacionais que pregavam a volta das mulheres ao lar e aos valores tradicionais da sociedade, após o retorno dos homens das guerras e a desocupação dos empregos que elas haviam conquistado. As revistas femininas ajudaram na manutenção dos valores dominantes da época. Jornal das Moças, Querida, Vida Doméstica, Você e as seções para mulheres de O Cruzeiro traziam o modelo da família, regras de comportamento e opiniões sobre sexualidade, casamento, juventude, trabalho feminino e felicidade conjugal. Nessas publicações, a mensagem transmitida dizia que características como maternidade e vocação para a vida doméstica eram marcas de feminilidade enquanto que iniciativa, participação no mercado de trabalho e espírito de aventura significavam a masculinidade. Assim, desde pequenas as meninas eram educadas para serem boas donas-de- casa. Para cumprir o grande objetivo de vida para as mulheres dessa época, o casamento, as jovens se dedicavam ao aprendizado das prendas domésticas. O movimento feminista iniciou com maior efetividade no Brasil na década de 1960. A maior visibilidade foi conquistada com a resistência das mulheres à ditadura instalada na época. Além da atuação política, o movimento buscava também o direito das mulheres e a luta

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contra as contravenções a que eram submetidas. A articulação das camadas populares e organizações de bairro foram importantes para o crescimento do feminismo no Brasil, que era conhecido como “movimento de mulheres”. Antes disso, porém, em 1962, o Código Civil foi modificado de forma que o marido não mais possuía o controle completo sobre as decisões envolvendo a família. Já em 1968, ações feministas ajudaram a incluir na constituição um artigo que proibia a discriminação contra as mulheres no emprego. Muitas destas ativistas eram membros das classes alta e média urbanas, principalmente profissionais liberais, como advogadas. O ano de 1975 foi eleito pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional da Mulher. No Brasil, vários eventos foram realizados, com destaque para um encontro no Rio de Janeiro, que teve entre seus promotores a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e que originou o Centro da Mulher Brasileira. No mesmo ano surgiu em Londrina o Jornal Brasil Mulher. Editada por Joana Lopes, a publicação foi precursora dos jornais alternativos feministas. A distribuição era nacional e contava com uma tiragem de 10 mil exemplares. O jornal durou até 1980. Se antes as feministas lutavam principalmente por questões trabalhistas e sindicais, em 1980 isso mudou. Nesse momento ocorreu uma revisão da imagem social da feminilidade. Difundiram-se novas proposições que reafirmaram o principio de equidade entre os sexos e foram debatidas modificações na ordem cultural e jurídica. Na Constituição 86/88 a mulher tem destaque. Através da bandeira “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”, o movimento estourou propostas sobre saúde, família, educação, trabalho, discriminação, cultura e propriedade da terra apresentadas sob o título Carta das mulheres brasileiras. A bancada feminina era composta por 26 mulheres num universo de 559 deputados constituintes. No texto constitucional resultante, as mulheres foram o setor organizado que mais acumulou vitórias, conseguindo aprovar em torno de 80% das suas demandas. No meio rural se imaginava ser muito mais difícil mobilizar as mulheres na luta por igualdade, pois se considerava irregular e provisória sua inserção no mercado de trabalho. Ainda prevalecia a convicção de que elas eram as principais reprodutoras dos valores patriarcais dominantes na sociedade rural. No campo, a autoridade do chefe da família extrapola os seus limites domésticos e, muitas vezes, nega a participação da mulher nas

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decisões de cooperativas, associações de produtores e sindicatos. No entanto, o que se vê atualmente é uma intensa participação das mulheres na luta por melhores condições de vida e trabalho no meio rural. No Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST, elas representam uma boa parcela do grupo total de manifestantes. Embora ainda permaneçam significativas desigualdades entre homens e mulheres, a influência do feminismo contemporâneo evidencia transformações nas relações de gênero. As ações propostas pelas lideranças históricas do movimento contribuíram para o avanço da igualdade entre os sexos, um campo difícil de explorar em virtude das complexidades culturais.

4.2 O mercado de trabalho

Uma das mais destacadas contribuições do movimento feminista foi a intensificação da entrada das mulheres no mercado de trabalho, participando social e profissionalmente, e que pode ser considerado um rompimento nos procedimentos culturais da época. As mulheres, agora, exercem a cidadania tão esperada e batalhada. Ainda que não tenha fácil aceitação, a mudança de comportamento da sociedade provocada pelos novos processos profissionais enfrentados pelas mulheres está acontecendo. O estereótipo da “mulher do lar” está cada vez mais sendo deixado de lado a partir da valorização e reconhecimento do trabalho feminino. A demora na aceitação das conquistas das mulheres no mercado de trabalho foi alimentada, principalmente, pela resistência de aceitação masculina. Entretanto, é preciso considerar outros fatores, como o preconceito que própria mulher tinha do trabalho. Durante algum tempo, o emprego por parte delas era vinculado diretamente à liberação sexual. Para Lipovetsky (2000), à medida que a liberação sexual feminina deixou de estar ligada à imoralidade, a atividade profissional se beneficiou já que os julgamentos foram se tornando mais amenos. Mesmo que essa liberação tenha valorizado o trabalho das mulheres, a realidade da hierarquia entre os sexos, com o homem superior à mulher, ainda existia. As mulheres permaneciam distantes das decisões e cargos importantes e não desempenhavam papel na vida política. Após conquistar espaço no mercado de trabalho e buscar diariamente a permanência

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neste ambiente público, ainda assim as mulheres não são vistas com igualdade em relação aos homens. A diferença salarial é um dos agravantes na luta pela paridade entre os sexos. Claramente, o preconceito e a cultura ainda refletem na distribuição de tarefas nos nichos de trabalho. Uma pesquisa da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul revela que essa realidade ainda está presente. O levantamento analisou a taxa de desemprego e a valorização salarial das mulheres em 2014 na região metropolitana de Porto Alegre. O que se pode perceber é que elas ainda ganham menos que os homens, apesar de ter, em média, um nível de escolaridade superior. O rendimento médio das mulheres é 24,6% inferior ao dos homens e a média salarial do trabalhador masculino é de 2.093 reais versus 1.579 reais da mulher trabalhadora. Quanto ao desemprego, houve uma redução, mas, mesmo assim, a taxa de desemprego ainda é maior para as mulheres, com 51,1% contra 48,9% para os homens desempregados. A pesquisa apontou ainda que a presença das mulheres no mercado de trabalho diminuiu em 2014, de 48,9% em 2013 para os atuais 46,7%. É a primeira retração em dez anos na participação da mulher no mercado de trabalho. A distribuição de trabalho entre os sexos está muito ligada à técnica. Enquanto os homens estão voltados para a parte funcional, as mulheres são encaminhadas para os espaços relacionais. A definição e o reconhecimento da qualificação profissional estão relacionados ao exercício de responsabilidades e poder profissional e, portanto, as carreiras mais promissoras são destinadas aos homens. Segundo Richard (2003), mesmo com a mesma qualificação, as mulheres – devido aos níveis hierárquicos – serão menos bem remuneradas do que os homens.

4.3 As mulheres no jornalismo esportivo

Uma das primeiras mulheres de destaque no Jornalismo brasileiro foi a professora mineira Francisca Senhorinha da Motta Diniz, que em 1873 lançou o jornal O Sexo Feminino, na cidade de Campanha, em Minas Gerais. Com tiragem de 800 exemplares, o periódico tinha como objetivo evidenciar a luta pela educação, instrução e emancipação das mulheres. Dois anos mais tarde, Francisca S.Diniz foi para o Rio de Janeiro e lá reimprimiu os dez primeiros

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números do jornal e manteve a produção por mais dois anos. Segundo afirma Buitoni (1990), entre os leitores de O Sexo Feminino estavam D.Pedro II e sua filha, a Princesa Isabel. Entre 1887 e 1896 o jornal voltou a circular com tiragem de 2,4 mil exemplares. Após a Revolução de 1932, surgiu em São Paulo um jornal de mulheres. A Reacção debatia questões sociais e abria espaço para a atuação feminina na grande imprensa. Com a conquista do voto, as lutas feministas passaram por mudanças e adquiriram formas mais conservadoras. Ainda assim, poucas mulheres se aventuravam na profissão e apenas algumas publicações pontuais coordenadas por mulheres surgiam no mercado. Até a década de 1960, o Jornalismo era considerado um campo de trabalho impróprio para elas. As que estavam no mercado atuavam em setores da profissão considerados inferiores, nos bastidores, onde não recebiam destaque. É na década de 70 que a imprensa começa a abrir espaços para as mulheres jornalistas. A principal responsável pela mudança foi a regulamentação da profissão em 1969 e o surgimento de várias faculdades no Brasil voltadas para a formação de jornalistas na sequência. “[...] a entrada de um grande número de mulheres nas redações a partir da década de 1970 não foi um fenômeno específico do meio jornalístico, mas acompanhou uma tendência geral observada em todo o paìs” (ABREU, 2006, p.9). Mesmo com a evolução das mulheres na imprensa brasileira, muitas barreiras ainda precisavam ser superadas. Os jornais dedicados à mulher e feitos por mulheres enfrentavam ainda mais obstáculos. Em 1981, foi fundado o jornal O Mulherio, com o objetivo de unir grupos de mulheres de todo o Brasil e divulgar os trabalhos e pesquisas sobre os assuntos femininos. Apesar do apoio da Fundação Carlos Chagas, entidade que investia em pesquisa e serviços sociais na área de educação, o jornal não conseguiu atingir o público pretendido. De acordo com Buitoni (1990), a maior dificuldade enfrentada pelos jornais femininos era justamente a sobrevivência, devido ao fato de estarem à margem da grande imprensa e, consequentemente, sem patrocínio e apoio de outras entidades. Atualmente, a situação persiste e os temas propostos às mulheres passam longe das lutas feministas. O interesse passa a ser voltado para questões de estética e a criação de estereótipos da publicidade e não mais a luta contra as injustiças na sociedade. A internet, hoje, é um dos poucos meios onde as mulheres ainda podem lutar por mudanças.

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A regulamentação da profissão, que permanecia até pouco tempo, e o consequente aumento na procura por cursos de Jornalismo alterou o quadro da profissão. Hoje, há inclusive mais mulheres que homens nas escolas de comunicação. No entanto, a exigência e a cobrança para as mulheres continuam sendo maior.

No Brasil, entre os jornalistas, quase não há diferença salarial entre homens e mulheres que executam a mesma função. No entanto, são poucas as mulheres que chegam a ocupar cargos de direção dentro das empresas de comunicação. Isso acontece em todas as áreas empresariais. (PACCOLA, 2001, p. 1).

A imagem da mulher-jornalista é a representação da própria imagem feminina na contemporaneidade: assume o papel de mãe, esposa, é responsável pelas atividades domésticas e também busca espaço no mercado de trabalho. No jornalismo esportivo essa luta é ainda mais árdua e complexa.

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5. AS MULHERES NA TELEVISÃO E NO RADIO ESPORTIVO

Nos últimos 50 anos assistimos a muitas descobertas e conquistas no campo da ciência e da tecnologia, num ritmo tão intenso que as coisas tornam-se obsoletas e ultrapassadas muito rápido. Em contrapartida, a desigualdade de renda e oportunidades só fez aumentar a pobreza e a exclusão social. É um período de paradoxos, de contradições. Por um lado temos a fartura de produtos e serviços à venda para suprir nossas necessidades e, pelo outro, pessoas morrendo de fome e frio. Os movimentos sociais se intensificaram, muitos fracassando, mas alguns conseguindo importantes conquistas. É o caso do feminismo. No entanto, ainda há barreiras difíceis de serem superadas pelas mulheres. A relação com o futebol, o principal esporte praticado no Brasil, ainda é distante e repleta de preconceito. Entre os argumentos possíveis de serem aplicados para explicar a pouca visibilidade conferida às mulheres no futebol brasileiro está masculinização da mulher e a naturalização de uma representação de feminilidade que estabelece uma relação linear e imperativa entre mulher, feminilidade e beleza. Ao longo da história as mulheres foram proibidas de participarem de partidas de futebol. Em 1941, o General Newton Cavalcanti apresentou ao Conselho Nacional dos Desportos, subsídios para a elaboração de um documento que oficializou a interdição das mulheres a algumas modalidades. Em 1965, foi a vez do futebol entrar para o rol dos esportes proibidos. A extinção da mulher junto ao esporte também reflete no interesse delas sobre o tema e, consequentemente, na cobertura de eventos esportivos. Prova disso é que, nessa época, segundo registros, nenhuma mulher atuava na imprensa esportiva do Brasil mesmo que nos bastidores. Assim, o que pode ser entendido como civilizador para o homem, como a prática de um esporte, pode não ter a mesma aceitação para as mulheres.

[...] o esporte civiliza os homens mediante a substituição mimética regrada do referente da guerra, do que denominei metaforicamente como a “festa das espadas”. O poder civilizador do esporte se carregaria com outros significados no caso das mulheres: se converteria em um criador de oportunidades para a emergência de níveis de violência superiores àqueles que dominaram durante séculos na representação das mulheres. Neste sentido, a segregação se tornaria protetora diante da ameaça que a prática do esporte, orientada pelas exigências masculinas, implicaria para a civilização das mulheres. A segregação teria por intenção freiar o processo (des) civilizador que o esporte significaria para as mulheres. (LUVISOLO, 2010, p.37).

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Outro ponto que influencia na participação das mulheres no futebol é a beleza. A partir da década de 70 é iniciado o processo de erotização do corpo. Assim, ginásios estádios, academias, parques e praças são identificados como locais sociais a espetacularizar o corpo das mulheres. Isso se reflete ainda hoje através da imprensa que valoriza não só dentro dos veículos de comunicação, mas também em suas reportagens a beleza da mulher que pratica ou acompanha uma partida de futebol. A pesquisadora Silvana Göellner apresenta em seus apontamentos uma reportagem da revista Veja que exemplifica bem o processo de erotização da mulher no futebol. No texto, escrito por Maurício Cardoso, a equipe feminina que participava da Olimpíada de Atlanta, em 1996, é celebrada não só pela sua competência técnica, mas também pelo cuidado com a aparência. “No futebol masculino, a competência dos jogadores é fundamental para transformar o esporte em um empreendimento comercial. Mas no jogo das mulheres, ao contrário do homem, isso não é suficiente. Os clubes estão exigindo que além de saber bater sua bolinha as jogadoras sejam bonitas” (GÖELLNER apud SILVA,COSTA & SALLES, 1998, p.108). Nesse contexto, feminizar as mulheres é, sobretudo, feminizar a aparência e o uso dos seus corpos. É também construir uma narrativa que ressalta a beleza, a graciosidade e a sensualidade como seus maiores atributos, reforçando, uma representação hegemônica da feminilidade. Embora tenhamos evoluído nesse fator dentro das empresas de comunicação, o acesso da mulher ao futebol como integrante das equipes de cobertura ainda é pequeno. Na televisão isso está mais aberto, com mais mulheres participando da ação. No entanto, como vivemos em um mundo de paradoxos, o setor mais tradicional de transmissão do futebol, segue um reduto dos homens. O rádio ainda é um meio de comunicação onde a mulher não conseguiu penetrar.

5.1 O passado

A relação da mulher com o trabalho no rádio é bastante próxima. Durante a trajetória do rádio no Brasil, as mulheres tiveram uma atuação fundamental em dois gêneros que por muito tempo foram sucesso: a radionovela e o radioteatro. Nos anos 40, com a criação da

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novela – onde o enredo desenvolve-se de forma encadeada em vários capítulos, sendo que cada episódio tem começo, meio e fim – que o rádio se transformou em um espetáculo que atraia grande número de ouvintes. No final da mesma década, já não se tratava apenas de reproduzir as peças, mas sim de transmiti-las usando elementos da linguagem radiofônica: a voz, a música, o efeito sonoro e o silêncio. Segundo Coelho (2004), era praticamente impossível ver mulheres no esporte até o início dos anos 70. Mas foi justamente nessa década que a situação começou a mudar. Tudo por conta de uma experiência interessante realizada em São Paulo. Em uma ação quase utópica, Roberto Montoro, dono da rádio Mulher, decidiu criar uma equipe esportiva formada exclusivamente por mulheres. A proposta era inovadora, mas o preconceito por parte dos homens da imprensa era escancarado. Com o slogan “A cada mulher a mais no estádio, um palavrão a menos” a equipe era somente formada por mulheres, que trabalhavam dentro e fora das transmissões. A narração era feita por Zuleide Ranieri Dias; os comentários, por Jurema Iara e Leilá Silveira; nos comentários de arbitragem, Lea Campos – que também era juíza; na reportagem, Germana Garili, Claudete Troiano e Branca Amaral; no plantão, na sede da rádio, ficavam as locutoras Liliam Loy, Siomara Nagi e Terezinha Ribeiro. Até o transporte da equipe era feito por uma mulher, Tereza Leme. O grupo se manteve, mas o preconceito e os baixos índices de audiência falaram mais alto e a equipe foi desfeita em 1974. Quanto ao preconceito vale ressaltar o depoimento de Zileide Ranieri Dias, uma das integrantes do grupo:

Apesar de alguns companheiros terem incentivado o projeto, a maioria ficava atenta aos possíveis erros cometidos durante as transmissões e criticavam o fato de terem que dividir o mesmo local de trabalho conosco. [...] Tínhamos uma relação muito boa com os jogadores, e em alguns casos até tínhamos vantagem. Em um jogo, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, em um ato de cavalheirismo disse: “Dou entrevista, sim, mas às mulheres primeiro.” (RIBEIRO, 2007, p. 221).

Nessa mesma década uma mulher se destaca no rádio esportivo aqui do Rio Grande do Sul. Atuando nos bastidores, Carmem Dial, mais conhecida como Peninha, participou da reestruturação do esporte da rádio Gaúcha, em 1978. Ela entrou na equipe inicialmente para participar do núcleo de pesquisa que tinha sido formado para elaborar textos de apoio para a Copa do Mundo na Argentina. No entanto, Peninha foi além e conseguiu alcançar o posto de

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redatora do programa Show dos Esportes, além de coordenar as jornadas esportivas e cobrir as férias do chefe de reportagem. A jornalista entrava no ar com freqüência, mas percebe-se que não cabia a ela o trabalho de reportagem. Na função, somente em 1991 uma mulher teria destaque. Em São Paulo, Regiane Ritter conquistou o prêmio de melhor jornalista esportiva pelo rádio quando era repórter e comentarista da Rádio Gazeta. Cinco anos depois, ela deixou as transmissões por problemas de saúde. Na televisão, a inserção da mulher no jornalismo esportivo ocorreu mais tarde. Uma das primeiras mulheres a iniciar o processo de ruptura do paradigma foi a jornalista Isabela Scalabrini. Ela ingressou na Rede Globo, em 1980, após um programa de estágios da emissora. Scalabrini, assim como suas colegas pioneiras do rádio, enfrentou o preconceito e a desconfiança dos seus colegas e chefia. Com o tempo outras foram chegando e redefinindo este espaço até com mais facilidade do que no rádio. Nomes como Mylena Ciribelli, Renata Fan e Glenda Koslowiski são alguns exemplos. Essa última relata inclusive quais eram as dificuldades da época.

[...] Todos os repórteres de rádio e televisão entravam no vestiário. Eu tinha que entrar. Entrei várias vezes sozinha. A única mulher no meio de centenas de homens para falar de futebol. Já passei por muito constrangimento, jogadores completamente nus desfilando, e de propósito. É quando você deixa sair o lado masculino. Você tem que dar uma de homem, olhar para a cara e exigir respeito. Eu estava ali para uma entrevista. Você foca nos olhos do entrevistado e não enxerga nada. Você tem que manter o respeito para conseguir manter seu trabalho. (KOSLOWISKI, apud SOARES E MICHEL, 2009, p. 11-12).

Com o passar do tempo, a TV foi garantindo mais espaço e mercado de trabalho para as jornalistas esportivas. Como iremos perceber na sequência deste capítulo, o rádio permanece um ambiente ainda inóspito para as mulheres atuarem.

5.2 Presente

Com o paradigma de que no rádio a mulher não tem espaço como tem na televisão, é preciso analisar a maneira como elas observam esse ambiente. Para isso, o presente trabalho se propôs a entrevistar as mulheres que estão atuando no mercado de trabalho do jornalismo esportivo nos veículos de comunicação rádio e TV. Portanto, o método de análise determinado

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foi o estudo de caso, já que estamos observando diretamente os eventos a serem estudados e entrevistando as pessoas envolvidas no evento. O estudo de caso é uma investigação empírica que analisa um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes. Ou seja, entender um fenômeno da vida real em profundidade (YIN, 2010). O estudo de caso não é apenas uma forma de pesquisa qualitativa, mesmo que possa ser reconhecida entre a variedade de opções de pesquisa qualitativa. O que se usa é uma mistura de evidência quantitativa com qualitativa. Para a posterior análise o que se fará é a utilização dessas múltiplas fontes de evidência, as mulheres, para o desenvolvimento de uma linha de convergência da investigação, o que nada mais é do que a triangulação e corroboração dos dados. No entanto, vale ressaltar que não existe uma fórmula fixa ou receita pronta para a construção do estudo de caso. “Ao contrário, muito depende do próprio estilo de raciocínio empírico rigoroso do investigador, juntamente com a apresentação suficiente da evidência e a consideração cuidadosa das interpretações alternativas” (YIN, 2010, p. 155). Como estratégia para a análise dos dados a escolha foi confrontar o posicionamento de cada umas das entrevistadas com proposições teóricas igualmente relatadas por pensadores.

5.2.1 Quem são elas

Ao todo, sete mulheres compreendem o universo do jornalismo esportivo no rádio e na televisão do Rio Grande do Sul. Elas atuam ou atuaram recentemente em funções importantes da profissão. Uma prévia análise já determina que no rádio a carência de mulheres é maior. O ano de 2015 é marcado pelo fato de que nenhuma mulher entra no ar ao vivo em uma rádio da Capital. Entrevistamos as duas últimas que atuaram no setor. Já na TV, é possível perceber um maior número de mulheres. São quatro atualmente trabalhando em três das cinco principais emissoras de Porto Alegre. Entrevistamos ainda uma profissional que já atuou na TV e agora realiza a coordenação da Rádio Grenal, da Rede Pampa de Comunicação. Ainda, uma das jornalistas que atuam na televisão teve no rádio seu início de carreira. A repórter Christiane Mattos começou sua carreira no jornalismo esportivo em 2006, quando foi convidada para fazer parte da editoria de esportes do Diário Gaúcho, do Grupo

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RBS. De acordo com ela, isso só foi possível porque os editores observavam que ela estava sempre atenta, acompanhando os jogos e as notícias dos clubes. Christiane foi a primeira mulher setorista de jornal em Porto Alegre, onde fazia a cobertura diária de Grêmio ou de Internacional. Em 2013, foi convidada para trabalhar no Grupo Bandeirantes de Comunicação. Atuou como repórter diária e também participante como repórter de campo nas jornadas esportivas. Participou diariamente do programa de debates “Apito Final”, da rádio Bandeirantes AM 640, e ainda fez participações em programas esportivos da emissora. Seu foco de trabalho, no entanto, era o rádio onde ela ainda apresentou alguns programas durante o final de semana. Christiane acabou saindo da emissora recentemente, em março de 2015. Trabalhando atualmente no setor de esportes do jornal Zero Hora, mas na cobertura de outros esportes que não o futebol, a estudante de jornalismo Ohana Constante deu início a sua carreira no rádio na antiga Rádio O Sul, hoje Rádio Grenal da Rede Pampa de Comunicação. Ela permaneceu no local por cerca de um ano e trabalhou depois em outros locais. Seu retorno ao esporte ocorreu em junho de 2013, quando foi convidada pela Rádio Gaúcha para trabalhar na produção do Esporte na cobertura da Copa das Confederações. Ohana permaneceu na emissora no período da Copa do Mundo de 2014 e depois mais algum tempo realizando a produção, com pequenas participações no ar em programas diários. Ela saiu da rádio Gaúcha após o término do seu contrato em outubro de 2014. Quem também começou no rádio, mas hoje é um nome de destaque no jornalismo esportivo na televisão é a jornalista Débora de Oliveira. A profissional iniciou sua carreira em 1998, aos 17 anos, na antiga rádio ABC 1470 AM – hoje 900 AM do grupo Sinos. Ela foi escolhida após passar por uma seleção para trabalhar em um programa feminino semanal de debates sobre os clubes da região. O programa permaneceu três anos no ar, e com o término somente Débora permaneceu. A jornalista trabalhou por sete anos no grupo Sinos. Em 2005, foi para o Grupo Bandeirantes, onde trabalhou no rádio e na televisão. Já em 2007, a jornalista foi contratada pelo Grupo RBS, onde ficou por mais de sete anos. Hoje, Débora trabalha no SBT, onde está há dois anos. No Grupo RBS, encontramos duas mulheres atuando na linha de frente do esporte. Alice Bastos Neves é uma das apresentadoras do Globo Esporte, programa esportivo diário da RBS TV. Formada pela PUCRS em 2006, seu primeiro trabalho como jornalista foi

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justamente na RBS TV. Alice participou de um projeto especial, a retomada do RBS Esporte, programa que vai ao ar aos sábados pela manhã, em função dos Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro em 2007. Ela começou como repórter do programa, fazendo coberturas dos mais variados esportes. Em 2007, foi a vez de participar da cobertura dos Jogos no Rio. No ano seguinte, Alice passou a fazer a cobertura diária da dupla Grenal atuando na reportagem. A partir de 2009 ela começou a apresentar o Globo Esporte como substituta e assumiu a função em 2011, na companhia do narrador Paulo Britto. Hoje, Alice atua sozinha na apresentação e está há três anos à frente do programa. A outra profissional da empresa é Eduarda Strëb. Formada em 1994 na PUCRS, foi convidada no mesmo ano para passar por um período de experiência como diagramadora do jornal Zero Hora. No ano seguinte, fez um teste de vídeo na TVCom e acabou sendo contratada pela RBS TV. Atuou como rádio escuta, produtora, repórter e apresentadora. Em 2009 foi convidada para ingressar no elenco de profissionais do SPORTV, canal dedicado 24h ao esporte da televisão fechada. Eduarda trabalhou como repórter especial do canal campeão e voltou para o Rio Grande do Sul passados três anos. São 20 anos de carreira, onde a jornalista já fez coberturas importantes como Panamericano, Olimpíadas de Pequim, acompanhamento da seleção brasileira na Copa América na Argentina, anúncio das Olimpíadas de 2016 no Brasil, além de Libertadores, Mundial de Clubes e campeonatos nacionais. Na reportagem esportiva da TV Record desde 2012, Caroline Patatt é formada em jornalismo pela Universidade de Cruz Alta e pós graduada em jornalismo esportivo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Fez estágio na UNICRUZ TV, a televisão da Universidade, onde prestava serviços em outras áreas da comunicação, como assessoria, rádio e impresso. No último semestre da faculdade, foi contratada como radialista por uma rádio de Ibirubá para fazer pautas de caráter geral e transmissões esportivas. Já formada, Caroline foi para a RBS TV em Santa Rosa. Depois, foi contratada por um jornal de Santo Ângelo para fazer a cobertura do SER Santo Ângelo na divisão de acesso do Gauchão e da ASAF na série Ouro do futsal. Passadas as competições, Caroline foi, na sequência, novamente chamada pela RBS TV, onde permaneceu por três anos. Uma das primeiras mulheres a trabalhar com jornalismo esportivo na televisão do Rio Grande do Sul, Marjana Vargas é formada pela PUCRS em 1987. Começou no Projeto Caras

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Novas da RBS TV e durante um ano fez estágio na emissora. Ao término do projeto, foi contratada como repórter esportiva e também como apresentadora da TVCom. Após 10 de emissora, Marjana pediu demissão para morar fora do Brasil. Em 2007, já de volta ao seu país, ela foi convidada para trabalhar como Diretora Artística e de Produção da TV Pampa e desde 2012 está a frente da Rádio Grenal. Marjana é uma das poucas, senão a única mulher, que dirige uma rádio exclusiva de futebol. Marjana comanda cerca de 40 funcionários somente na rádio e mais os programas do canal de TV. A Rádio Grenal vem conseguindo bons números de audiência nos últimos tempos e tem apenas três anos de duração.

5.2.2 A percepção das mulheres atuantes no jornalismo esportivo em rádio e TV

A escolha da profissão ocorre muitas vezes pelo contato que temos com o dia-a-dia do trabalho, já outras vezes é por contato com algo que faça parte dessa profissão. Para as jornalistas esportivas de rádio e televisão que atuam em Porto Alegre a segunda opção é a que fica. Das sete entrevistadas, seis delas disseram ter alguma relação com o esporte e isso de alguma forma as influenciou para o crescimento de uma carreira. Eduarda Strëb1 afirma que conseguiu unir duas paixões: o esporte e o jornalismo. “Sempre pratiquei muitas modalidades, do futebol ao futebol de mesa. Quando o jornalismo entrou na minha vida, a opção de viver nas quadras e campos mundo afora veio naturalmente”. Assim como Eduarda, Caroline Patatt2 também gostou de praticar esportes. Ela, no entanto, sempre conviveu com o ambiente esportivo e sofreu alguma influência dos pais. “Gostava de acompanhar tudo na TV. Do tipo que colocava o despertador para ver as Olimpíadas na madrugada e anotava os resultados no diário. Tenho influência para isso: minha mãe joga vôlei até hoje e disputa competições máster. Meu pai tem em casa uma sala de medalhas e troféus de rústicas e maratonas. Então, quando tive a oportunidade de me firmar nesse setor agarrei com as duas mãos”. A convivência com o ambiente esportivo e aproximação dos pais com algum esporte também faz parte da história de Débora de Oliveira3. A jornalista ia, quando criança, acompanhar o pai em suas partidas de futebol e garante: “Eu só fiz jornalismo para trabalhar

1 Duda Strëb - Entrevista concedida no dia 30/03/ 2015 2 Caroline Patatt - Entrevista concedida no dia 27/03/2015 3 Débora de Oliveira - Entrevista concedida no dia 27/04/2015

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com o esporte. Eu nunca fiz jornalismo para ser jornalista. Eu só fiz jornalismo para trabalhar com futebol, esportes, embora, mais o futebol”. Assim as entrevistadas apontam que, como muitos meninos, começaram desde cedo a ter interesse pelos esportes, mas principalmente pelo futebol. A professora e doutora da Universidade de Educação Física da UFRGS, Silvana Göellner4 acredita que isso é um indicativo de que todos podem participar do ambiente esportivo. “As mulheres têm condição de jogar muito bem futebol, de apitar muito bem e de comentar igualmente. Não é uma discussão de gênero. Qualquer pessoa que queira se apropriar de uma prática esportiva tem condição disso.” Com uma rotina desgastante e horários que muitas vezes não permitem muitas relações sociais, a vida diária do jornalismo esportivo é encarada da mesma maneira para homens e mulheres. Um ponto que merece destaque é o tratamento que essas mulheres recebem dos colegas e jogadores. Diferentemente dos homens que atuam no meio, as jornalistas indicaram que sempre sentem a necessidade de provar o motivo de sua presença, seja em uma partida ou coletiva de imprensa. A jornalista e atual diretora da rádio Grenal, Marjana Vargas5, revela que logo que começou a atuar, ainda na década de 90, causou grande estranhamento a ponto de ter problemas com a comissão técnica. “A comissão técnica achou que eu ia distrair os jogadores. Mas com a minha postura séria e profissional fui mostrando que a impressão era infundada. Quanto aos colegas, sempre achei um clima bem competitivo”. Já na atualidade, a pressão sobre a mulher continua. Diferentemente de Marjana, Christiane Mattos6, relata que sempre foi bem tratada por colegas e jogadores. Para ela, no entanto, outro sentimento surge – a desconfiança. “O que existe, em um primeiro momento, é a desconfiança. Quando chega uma mulher no setor a primeira reação é essa. Mas, acredito que com o passar do tempo e na medida em que você vai mostrando o seu trabalho, sua responsabilidade e competência, as pessoas passam a te enxergar de outra maneira.” Na época que atuava como produtora da rádio Gaúcha, Ohana Constante7 também percebeu essa necessidade de ter que sempre provar que sabia. “Sinto que a mulher, por questões culturais, tem que mostrar a todo o momento que é capaz de exercer as mesmas

4 Silvana Göellner - Entrevista concedida no dia 14/04/2015 5 Marjana Vargas - Entrevista concedida no dia 30/03/2015 6 Christiane Mattos - Entrevista concedida no dia 31/03/2015 7 Ohana Constante - Entrevista concedida no dia 07/04/2015

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funções que os homens no jornalismo esportivo. Trabalhamos tendo que provar que entendemos do assunto”. De acordo com Silvana Göellner, essa necessidade de ter que provar que sabe do assunto só acontece por falta de discussão sobre gênero. “As práticas não são generificadas a priori, culturalmente se constituiu isso. Então, as mulheres, para entrar no futebol, elas precisam dominar muito bem o esporte para mostrar que “bom, nós também podemos!”. O jornalismo assim como o esporte é um espaço generificado, ele reproduz e produz essas representações de que os homens podem e as mulheres não.” Outro fator bastante discutido no jornalismo esportivo é a cobrança dos profissionais quanto à busca por novidades e furos de reportagem. Com as mulheres essa pressão é encarada de diferentes formas. Para Christiane Mattos, a cobrança por resultado é maior para as mulheres que atuam no ramo. Para ela, as jornalistas precisam estar sempre provando que realmente entendem do assunto e que tem boas fontes. “As pessoas só te respeitam e respeitam o teu trabalho quando vêem que tu não está (sic) ali por acaso, que batalhou pelo teu espaço, para conquistar tua credibilidade”. Há quem encare uma maior cobrança para si própria. É o caso de Eduarda Strëb. “Esta cobrança começa por mim. Não temos o direito de errar! A mulher tem que provar a cada dia que tem condições de trabalhar em um ambiente tipicamente masculino. Se erramos, é por desconhecimento. Se um homem comete o mesmo erro, é porque se enganou.” A necessidade de provar o conhecimento e a cobrança para que nada saia do planejado também faz parte do pensamento de Caroline Patatt. “Não admito dar brecha para que meu gênero possa vir a ser considerado um problema: “errou porque é mulher”. Sou muito exigente comigo porque sei que, para muitos, ainda mereço ser mais duvidada que os homens.” No entanto, há profissionais que não percebem uma cobrança maior por ser do sexo feminino. É o caso da apresentadora do Globo Esporte, Alice Bastos Neves8. Em sua carreira, ela sempre percebeu que a cobrança vinha de maneira igual tanto para homens quanto para as mulheres. “A cobrança tanto do público, quanto dos gestores dentro da empresa, e até da gente mesmo, tem que ser exatamente igual. E acredito que comigo tem sido. O compromisso com a informação de qualidade, com a prestação de serviço, tem que ser o mesmo independentemente do gênero.”

8 Alice Bastos Neves - Entrevista concedida no dia 12/04/2015

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Para a Silvana Göellner essa cobrança maior para as mulheres existe sim e ocorre justamente por esse processo histórico e cultural de separação entre os sexos quando o assunto é o futebol. De acordo com a professora, ocorre “uma construção que vai colocando as mulheres em um lugar e os homens no outro. Por isso que as mulheres que ascendem no ramo precisam mostrar muito mais que um homem que está no mesmo momento que ela em uma transmissão, por exemplo. Ela precisa mostrar mais competência para ser referendada, senão, culturalmente, ela não é referência nesse espaço”. Um relato contado por Débora de Oliveira retrata bem essa situação. Em seu primeiro jogo participando da jornada pela Rádio Bandeirantes ela discordou do comentarista sobre a postura de um jogador no momento em que ele comemorava o gol, a reação dos ouvintes foi imediata. “Na hora do intervalo, choveu comentário de gente me xingando. Depois, no fim da partida, o jogador confirmou a minha versão da história. Mas isso é natural, a gente vive em um ambiente masculino.” Um dos motivos para essa cobrança maior para as mulheres está na bagagem de conhecimento que a maioria dos homens carrega desde criança. No entanto, isso tudo está ligado a um condicionamento para uma aprendizagem específica que vem desde a infância. A jornalista Caroline Patatt coloca esse ponto como explicação para a melhor memória dos homens quando o assunto é futebol. “Acredito que a maioria deles tem essa melhor memória para jogos e jogadores principalmente porque desde criança são condicionados a gostar, guardar e observar tudo o que se refere a futebol”. Christiane Mattos vai na mesma linha de pensamento. “Os meninos quando crianças brincam de jogar bola, lêem revistas de futebol, jogam videogame, colecionam camisas de futebol, e esse mundo para as mulheres não vem desde a infância. É normal que o homem tenha uma bagagem cultural e de informações muito maior do que a mulher.” A jornalista ressalta ainda que para compensar isso, a mulher precisa estudar mais e estar sempre informada. Todas as entrevistadas não vêem como demérito o fato de que os homens já partem com maior conteúdo que as mulheres, mas reforçam que é necessária a atualização constante. Alice Bastos Neves afirma que o mais importante é qualidade da informação. “Quando preciso de alguma informação, vou atrás, busco, pergunto, e consigo. Se a informação chegar com qualidade ao público é o que importa.” A professora Silvana Göellner reforça a reflexão das entrevistadas ao dizer que o ambiente masculino do futebol se faz presente justamente por esse condicionamento. Assim se

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forma um espaço dos homens, feito para o homem. “Culturalmente se construiu que o homem sabe mais que a mulher, ele domina mais o assunto, ele tem mais força física para jogar futebol. É um espaço dos homens. Então, quando a mulher entra, ela é sempre preterida em relação ao homem. Parece que esse conhecimento é naturalmente do homem e não é isso. O conhecimento é apropriado, tanto homens quanto mulheres podem conhecer muito bem o futebol, comentar muito bem sobre futebol. Não é uma questão biológica, é uma questão cultural”. Justamente por ser ainda um elemento diferente dentro do universo masculino do futebol, a mulher poderia ter alguma vantagem na relação com as fontes. Para a professora Silvana o conceito da beleza ainda é o predominante. “Acredito que essa representação do ser feminino, ser belo, se torna mais importante que a discussão sobre habilidade, capacidade técnica e conhecimento. Isso ocorre porque está colado às mulheres a representação de que a beleza é uma moeda de troca. A beleza não é importante, não deveria ser importante, mas acaba se valorizando dentro dessa lógica da exclusão.” Já as entrevistadas preconizam que outros fatores se sobressaem nessa relação. Para Eduarda Strëb o mais importante é a paciência e o olhar diferenciado. “Acho que a mulher é mais paciente, mais tolerante... Sabe chegar onde quer com habilidade nas palavras, no olhar, ao conduzir uma entrevista ou reportagem. Essa é a nossa vantagem. Já consegui entrevistas importantes – com Ronaldinho Gaúcho, em Barcelona, e com o Pato, no Milan da Itália, por exemplo – por ter esse olhar feminino diferente”. Na visão da coordenadora da Rádio Grenal e TV Pampa, Marjana Vargas, o que importa é a educação. “Com certeza, muitas vezes, o fato de ser mulher possa ter contribuído, mas o que foi decisivo mesmo sempre foi a educação, respeito e confiança no tratamento com as fontes”. Outro fator que é lembrado é a delicadeza. Caroline Pattat afirma que: “as mulheres tem um jeito mais delicado para solicitar determinadas coisas, tem uma melhor tratabilidade.” Ela deixa claro, no entanto, que isso não se reflete apenas no futebol, mas em qualquer área da vida. Na relação com as fontes, Alice Bastos Neves afirma não perceber que há alguma vantagem de ambos os lados, mas ressalta a diferença. “Não acredito que tenha alguma vantagem por ser mulher, apenas creio que conseguimos dar abordagens diferentes a entrevistas, textos, produções. É preciso reconhecer que homens e mulheres são sim

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diferentes. Isso não pode implicar em nenhum tipo de preconceito, diferenciação no tratamento, na relação com os colegas, com o público ou ainda com as fontes, e até na diferença salarial, mas sim somos diferentes e é bonito que todos tenham seu espaço lado a lado.” Na rotina da profissão o ponto mais comum de contato com as fontes e com os colegas é a coletiva de imprensa. Para as mulheres é ainda um ambiente onde precisa se lidar com a indiferença ou com a surpresa. Na década de 90, quando o atualmente sistema imposto pelas assessorias não era aplicado, a jornalista Marjana Vargas lidava diretamente com os atletas, o que, segundo ela, facilitava o trabalho. No entanto, no momento onde todos os profissionais se reúnem para a coletiva, Marjana encontrava dificuldades. “Nos jogos, muitas vezes por ser mais baixa e mais franzina tinha dificuldade de chegar aos jogadores, pois perdia no corpo a corpo”. Também com bastante tempo na área, Eduarda Strëb ressalta um problema atual que as mulheres enfrentam. “O microfone da coletiva sempre demora a chegar na gente. Roda, roda, de mão em mão...até que alguém percebe que a gente também quer perguntar. Que a gente também sabe o que está falando, que a gente também adora esporte, em especial o futebol que domina nossos noticiários”. Já Christiane Mattos lembra um fator que muitas faz parte da rotina das mulheres que trabalham no jornalismo esportivo – a surpresa. “Às vezes, o que se nota é uma surpresa quando fazemos algum tipo de pergunta mais técnica ou até mesmo mais forte. Mas não acredito que a resposta seja diferente por sermos mulher ou homem”. Essa dificuldade, muitas vezes física como no caso de Marjana Vargas, contribuiu ainda mais para ascensão de um discurso que colocava a fragilidade da mulher como condição para a não participação no ambiente do futebol. A professora Silvana Göellner salienta que a medicina era usada como argumento. “Teve um discurso médico que por muito tempo vigorou no campo do futebol e tem repercussões culturais que são bem importantes, não só no espaço do jogo, mas no espaço das mulheres que circulam no entorno do futebol. É como se esse espaço fosse de domínio masculino, de conhecimento dos homens e que as mulheres ou sabem pouco ou não tem condições de atuar na linha de frente. Então, há uma relação histórica de mostrar o esporte”. Em um dos seus primeiros jogos como repórter em Porto Alegre, Caroline Patatt sentiu na pele essa atitude de domínio masculino. Em 2012, no jogo

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do Internacional, ela fez uma pergunta ao jogador Dagoberto. “Depois de uma derrota ele estava visivelmente irritado, não gostou da pergunta sobre posicionamento e me disse “acho que o jogo que você viu foi outro”, como que desmerecendo a minha análise.” No entanto, Caroline ressalta que recebeu apoio não só dos colegas, mas também do público pelas redes sociais. Ainda, o grande questionamento que persiste é o porquê de tão poucas mulheres trabalhando nos meios eletrônicos tradicionais do jornalismo esportivo, como a televisão e, principalmente, o rádio. Na visão das profissionais pesquisadas o maior vilão é mesmo o preconceito. Eduarda Strëb afirma que há um preconceito velado. “Infelizmente, ainda tem um pouco de preconceito com relação às mulheres no futebol. Acredito que seja um preconceito velado, porque afinal nem pega bem hoje em dia, em pleno século XXI falarmos em preconceito. Mas ele existe.” Christiane Mattos também percebe que há o preconceito, no entanto, ela acredita que ele venha mais por quem comanda as grandes empresas de comunicação. “O número pequeno de mulheres se dá, na minha opinião, por falta de oportunidades e por preconceito dos gestores. A desculpa mais comum é de que o público gaúcho é conservador, mas não concordo com essa justificativa. Acredito que o público também é muito receptivo à novidades, principalmente quando as pessoas notam qualidade e competência.” Por outro lado, Marjana Vargas, que atua justamente como gestora, defende que o preconceito vem do público. “Há mesmo pouca oferta de mão de obra e ainda um preconceito velado por parte do público. Acredito que precisaremos mais alguns anos para iniciarmos um equilìbrio nesta área.” O preconceito também está presente entre os colegas, principalmente os mais antigos, como relata Ohana Constante. “Alguns profissionais mais antigos na área possuem preconceito sim. Por vezes, você é “barrada” de produzir certo programa, pois tal apresentador não aceita que mulheres trabalhem diariamente com ele.” A estudante de jornalismo ainda acredita que, além do preconceito, falta confiança na mulher. “Acredito que falta confiança na mulher. Conheço muitas mulheres que são realmente boas, mas não são levadas a sério. No rádio, a voz tem que trazer credibilidade e é ai que muitas vezes mora o perigo. O radiojornalismo esportivo é muito preconceituoso.” Caroline Patatt não vê o preconceito da mesma forma que as outras entrevistadas, para ela a restrição do mercado acontece em um todo. “Se analisarmos o número de profissionais

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em atuação no Rio Grande do Sul, sejam homens e mulheres, tem pouca gente na ativa. E os que têm, muitos estão há tempos no mercado. Não há reciclagem.” A falta de mulheres no radiojornalismo esportivo é o que mais preocupa. É algo que vai na contramão do que vem acontecendo nos outros setores não só do jornalismo esportivo, mas do jornalismo como um todo. Nas mídias alternativas, como a internet, há vários grupos de mulheres que possuem canais onde se comenta o futebol. Para a professora Silvana Göellner é necessária uma mudança de paradigma. “Nos meios tradicionais o paradigma de que os homens é que entendem do assunto ainda é muito forte.” Ela, porém, acredita que isso possa mudar. “Muitas pessoas estão trabalhando para mostrar que pode ser um espaço de equidade, onde homens e mulheres têm as mesmas condições. Só não é assim por conta dessa rede histórica que vai se constituindo de que o futebol é um ambiente masculino. Mas já temos treinadoras, jogadoras, jornalistas que estão mostrando que esse espaço também pode ser nosso, daí essa luta contra séculos de tradição”. Ao que tudo indica, essa luta ainda irá demorar muito tempo para ser equilibrada.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste estudo vimos o desenvolvimento histórico de três assuntos distintos, mas que se relacionam no objetivo desta pesquisa. No capítulo I abordamos a criação do esporte. A relação do homem com a prática de esportes é antiga. Estudos apontam que ainda na pré-história foi desenvolvido o primeiro “jogo”. Ao longo do tempo se estabelece a competição, e vários setores da sociedade percebem que o esporte é um bom meio de controle e captação das massas. Dentre todos os jogos, o que mais cresceu e atraiu a atenção do público no mundo inteiro está o futebol. O interesse é tanto que há mais países registrados na FIFA do que na ONU. Por conta disso, o jornalismo não poderia deixar de se interessar em cobrir o futebol e também, é claro, os demais esportes. Surge então o jornalismo esportivo, assunto tratado no capítulo II. Assim como o esporte, o jornalismo esportivo também vem de um período antigo, mas com outras formas e conteúdo. As primeiras notícias se limitavam a relatar casos curiosos, bastante comentados na sociedade e que haviam sido presenciados por quem escrevia nos jornais. Tanto na Europa quanto na América do Norte o interesse pelo conteúdo esportivo se desenvolveu de forma rápida e hoje, vários jornais e revistas permaneceram destinados ao assunto. No Brasil, a primeira notícia com o futebol sendo o tema foi em 1906 e posteriormente o assunto nunca mais parou de ser abordado. Para o rádio brasileiro, o futebol tornou-se um prato cheio. Inicialmente de forma incipiente, o rádio esportivo começou a se desenvolver a partir de 1931, quando foi realizada a primeira transmissão feita por Nicolau Tuma em São Paulo. O crescimento do rádio nunca parou de ocorrer, mas teve seu ápice entre a década de 30 e 40. A partir de 1950, uma concorrente a altura iria chegar para também realizar transmissões esportivas. A estreia oficial da televisão ocorreu em 18 de setembro de 1950, em São Paulo, com a TV Tupi-Difusora de Assis Chateaubriand. Um mês após a inauguração já se transmitia a primeira partida de futebol na íntegra. Com programas desenvolvidos e as mesas de debate indo parar na telinha, o público foi ficando cada vez mais íntimo da televisão. Em 1965, com a criação da TV Globo e depois com a evolução da Rede, o futebol foi se consolidando como um dos carros chefes da emissora.

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As mulheres traçaram um longo caminho de lutas no decorrer da história, como analisamos no capítulo III. Sempre tiveram que confrontar o preconceito imposto por uma sociedade de tradição patriarcal para alcançar seus objetivos. O rol de conquistas obtidas demonstra a força de vontade das mulheres. Hoje, elas têm os mesmos direitos civis e políticos que os homens, disputam as mesmas vagas no mercado de trabalho, até em funções que anos atrás seriam inimagináveis para o sexo feminino. As mulheres deixaram de ser apenas uma sombra do marido, passando a ser elas mesmas personagens da ação social. Porém como vimos no capítulo IV, o jornalismo esportivo continua um ambiente masculino, principalmente, o rádio. Até a elaboração deste trabalho não há nenhuma mulher trabalhando na linha de frente do radiojornalismo esportivo, a reportagem. Na televisão, o momento é melhor, mas o número de profissionais é restrito. São três repórteres apenas. As demais atuam na apresentação ou direção dos programas. Entre as razões levantadas, o preconceito ainda é o mais citado por elas. No rádio, as profissionais deparam-se, inclusive, com profissionais que barram a participação de mulheres na produção de seus programas. O sentimento também tem dois pontos de vista, para as jornalistas que atuam na linha de frente o preconceito vem dos gestores. Já para os gestores, o público é que é conservador. Grande parte das entrevistadas revelou que o conhecimento do futebol está ligada à influência na infância. Todas elas são conscientes que, por questões culturais e históricas, os homens carregam uma bagagem de conteúdo maior sobre assunto. Isso acontece pois eles são mais estimulados. O interesse feminino pelo futebol normalmente aparece mais na adolescência, mas grande parte das profissionais escolheu o jornalismo esportivo pela influência, seja de suas famílias ou do próprio ambiente esportivo. Elas também não acreditam que conquistem alguma grande vantagem por serem mulheres. No entanto, valorizam o olhar diferente e a educação que possuem. As mulheres também sentem que estão sempre tendo que provar sua competência para permanecer no jornalismo esportivo. Isso também afeta os homens, mas com elas essa pressão parece ser maior. Por conta disso, as profissionais desenvolveram formas para conviver com a desconfiança. Algumas colocam pressão sobre elas, para que o erro seja mínimo, outras ignoram o sentimento, mas seguem na busca para dar o melhor pensando no bem da informação. Fica claro para as mulheres atuantes a percepção de que o jornalismo esportivo

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ainda é um ambiente masculino, feito para ser dos homens e para os homens. A expectativa é de que, no futuro, essa perspectiva mude já que em veículos alternativos, como a internet, o número de sites com fóruns para mulheres vem crescendo. Aos poucos, elas estão encontrando um espaço para, enfim, alcançar o equilíbrio nos meios de comunicação tradicionais.

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