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SÃO PIO X E A CÚRIA ROMANA* St. Pius X and the

Federico Marti **

RESUMO: No centenario da morte do Papa Pio X, analisa-se a história de uma das mais importantes reformas realizada pelo Pontífice em ambito canônistico: aquela da cúria romana. O artigo percorre a origem e as reformas desta instituição, para deter-se sobre a importancia da reforma plena, que assinala uma reviravolta em direção à modernidade de uma instituição secular a serviço da Igreja universal. PALAVRAS CHAVES: cúria romana; dicastério; congregação. 165 ABSTRACT: On the occasion of the centenary of the death of Pope Pius X, the article takes up one of the very important reforms undertaken by the Pontiff em the area of Law: that of the Roman Curia. The genesis and the reform of this important institution are examined. Its importance is emphasized, as the turning point towards the modernity of a secular institution at the service of the universal Church.

KEY WORDS: Roman Curia; dicastery; congregation.

* Conferencia pronunciada dia 11 de janeiro de 2014 por ocasião do Congresso sobre “As reforma s de São Pio X: o direito canônico e a cúria romana” organizado por ocasião das celebrações do centenario da morte de Giuseppe Sarto, e publicado por Ephemerides iuris canonici 54 (2014) 395-413, que gentilmente autorizou a edição em português. ** Federico Marti, leigo, laureado em Jurisprudencia (Perugia), curso de formação doutoral Socrates-Gratianus (Faculté Jean Monnet Université Paris Sud, e Institut Catholique de Paris), graduado no Studium della Congregazione delle Cause dei Santi, Doutor em Direito Canônico (Pontiíicia Universidade da Santa Croce (Roma) membro dla Consociatio Internationalis Studio Iuris Canonici e Advocado da Rota. 1. O que é a cúria romana

È bem conhecido dos canonistas como aqueles que, por motivos diversos, se interessam sobre as instituições centrais de governo da Igreja católica, o ditado curia romana semper reformanda est. Para compreender quão importante e decisiva foi a obra reformadora de São Pio X em relação à cúria romana, é necessario antes de tudo ter bem claro o que se entende por cúria romana1. Na normativa vigente é possível encontrar duas definições que, apesar de identicas na substancia, se contrapõe por uma nuance diversa2 2. Enquanto essa presente no can. 360 do Código Latino de 19833 ressalta a ’unidade e instrumentalidade da cúria romana e a sua partecipação no esercicio do ministero petrino (Curia Romana, qua negotia Ecclesiae universae Summus Pontifex expedire solet et qua nomine et auctoritate ipsius munus explet), aquela contida no art. 1 da «Pastor Bonus»4 ressalta frequentemente o fato que ela conta com uma pluralidade de sujeitos distintos apesar de reunidos (Curia Romana complexus est Dicasteriorum et Institutorum) que prestam ajuda ao Papa no cumprimento do seu serviço (quæ 166 Romano Pontifici adiutricem operam navant em exercitio eius supremi pastoralis muneris). A atual concepção de cúria romana consagrada nas normas vigentes é a conquista de um processo de instituzionalização do serviço de colaboração ao ministério petrino, num papel determinante que teve a obra reformadora de São Pio X. A constituição apostólica «Sapienti Consilio» de 29 de junho de 1908 1 Para uma síntese eficiente sobre a configuração da cúria romana precedente das atuais intervenções do Santo Padre Francisco, cf. J. I. ARRIETA, «Curia Romana», em Diccionario general de direito canônico, ed. J. Otaduy – A. Viana – J. Sedano, Pamplona 2012, 862-871. 2 A sensibilidade diferente que anima o Código oriental de 1990 não só deixou ausente uma norma específica para a cúria romana, mas com que ela seja considerada um instrumento “secundário” para ajudar o Romano Pontífice no exercício do seu ministério universal, onde ao invez dos instrumentos “primários” são os bispos e o Sinodo dos bispos, como se evidencia claramente da leitura do can. 46 § 1: «In eius munere exercendo Romano Pontifici praesto sunt Episcopi, qui eidem cooperatricem operam dare possunt variis rationibus, inter quas est Synodus Episcoporum; auxilio praeterea ei sunt Patres Cardinales, Curia Romana, Legati pontificii necnon aliae personae itemque varia secundum necessitates temporum instituta; quae personae omnes et instituta nomine et auctoritate eiusdem munus sibi commissum explent in bonum omnium Ecclesiarum secundum normas ab ipso Romano Pontifice statutas». 3 Can. 360 do Código de 1983: «Curia Romana, qua negotia Ecclesiae universae Summus Pontifex expedire solet et qua nomine et auctoritate ipsius munus explet em bonum et em servitium Ecclesiarum, constat Secretaria Status seu Papali, Consilio pro públicis Ecclesiae negotiis, Congregationibus, Tribunalibus, aliisque Institutis, quorum omnium constitutio et competentia lege peculiari definiuntur». 4 Art. 1 da constituição apostólica «Pastor Bonus»: «Curia Romana complexus est Dicasteriorum et Institutorum,quæ Romano Pontifici adiutricem operam navant em exercitio eius supremi pastoralis muneris ad Ecclesiæ Universæ Ecclesiarumque particularium bonum ac servitium, quo quidem unitas fidei et communio populi dos roboratur atque missio Ecclesiæ propria in mundo promovetur». representa de fato o ponto de virada para evolução no sentido moderno da cúria romana, evolução que a constituição apostólica Regimini Ecclesiae Universae» de 15 agosto 1967 de Paulo VI com o seu artigo 1 § 1 (Curia Romana, qua Summus Pontifex negotia Ecclesiae universae expedire solet, constat Congregationibus, Tribunalibus, Officiis et Secretariatibus) representa o êxito final, aperfeiçoada depois pelo Código Latino e pela Const. Ap. «Pastor bonus» de 28 de junho de 1988.

2. Origem da cúria romana

Nos séculos sucessivos à pacificação constantiniana, a cúria romana quanto às dimensões e competencias não difere substancialmente das outras cúrias diocesanas. Só com o progressivo discernimento eclesial sobre o papel peculiar do bispo de Roma se começa um processo pelo qual a cúria romana começa a estruturar-se e expandir-se5, e um numero crescente de clérigos (mas também de leigos) é chamado para ajudar o Papa para a expedição das incumbencias sempre mais numerosas. A reforma gregoriana (séc. XI) e o apogeu do papado entre os 167 pontificados de Inocencio III (Lotario dei Conti di Segni, 1198-1216) e Bonifacio VIII (Benedetto Cateani, 1294-1303) dão um passo à frente nas competências e nos poderes de que está revestida a cúria romana que, por consequência, começa sempre mais a estruturar-se, ainda que certamente não seja mesmo possível falar de dicastérios no sentido odierno do termo. Existem funções e tarefas confiadas às pessoas individuais ou a um colegiado de pessoas, em geral: porém não em modo estável e muito menos exclusivo. Frequentemente se trata de questão contingente confiada ad casum. Em consequencia quando o serviço está completo, acaba a função dada àquela pessoa física ou mesmo se extingue o organismo com a relativa tarefa. Como foi bem evidenciato por um famoso estudioso, neste período ainda se está na presença, portanto, de uma cúria de pessoas e não de uma cúria de dicastérios6. O processo de centralização do governo da Igreja no período posterior ao Concilio de Trento se acentua, determinando uma posterior dilatação das estruturas curiais7.

5 De fato «a cúria se desenvolve em relação às diversas exigencias históricas do papado e segundo um processo de conversão dos orgãos da Igreja romana em orgãos centrais da Igreja universal», C. FANTAPPIÈ, Storia dell diritto canonico e delle istituzioni della Chiesa, Bologna 2011,144. 6 A. STICKLER, «Le riforme della curia nella storia della Chiesa», in La curia Romana nella Cost. Ap. «Pastor Bonus», ed. P. A. Bonnet – C. Gullo, Cidade do Vaticano 1990, 1-15 (em especial 5-6). 7 Para uma breve síntese sobre o processo de centralização, cf. P. TORQUEBIAU, «Curie Romaine», in Dictionnaire de Droit Canonique, vol. 4, ed. R. Naz, Paris 1949, coll. 971-1007 (em especial col. 982-986). Não menos, gradualmente começam a se consolidar organismos permanente com funções estáveis sobretudo em relação a questões que tendem a ser fequentes8. Deve-se ressaltar porém que tudo acontece não como resultado de um planejamento teórico elaborado nos gabinetes, mas em força de exigencias conjunturais, especialmente econômicas e disciplinares que requerem e determinam mudanças estruturais na curia. Isto explica o porquê os primeiros dicastérios a se delinearem são os Ofícios e os Tribunais e não as Congregações. De fato, são as próprias matérias jurídicas, disciplinares, econômicas e organizativas que exigem uma dedicação a tempo pleno (Canceleria, Câmara Apostólica , Dataria, Penitenciária, Rota Romana, Assinatura Apostólica ), apesar das questões de fé e moral, as quais são normalmente afrontadas nos concílios gerais, plenários ou provinciais9. A estabilização das funções assinala pois que a transição do lento processo de transformação duma cúria de pessoas para uma cúria de dicastérios, isto é da passagem de uma cúria formada por sujeitos de jurisdição (pessoas físicas 168 individuais ou reunidas em colegiados) para escritórios/agencias de jurisdição10.

3. Reformas da cúria romana

Numerosas no curso do tempo foram as intervenções dos Romanos Pontefíces sobre a estrutura da cúria romana, mas todas muito parciais e de dimensão limitada. Em geral, costuma-se indicar constituição apostólica «Immensa aeterni Dei» de Sisto V de 22 janeiro de 1588 como a primeira verdadeira intervenção reformadora de grande fôlego na cúria romana, que permanece de fato o único até à constituição apostólica «Sapienti Consilio» de São Pio X. A bem da verdade porém se deve dizer que aquela sistina mais que uma ato de reforma foi principalmente uma operação de reordenamento, jamais comparável do ponto de vista jurídico-organizativo àquela feita por São Pio X, definida por

8 O aumento no numero e a estabilização dos organismo faz bem cedo necessario proceder seja uma demarcação o mais possível clara das respectivas competencias, seja a elaboração dos regulamentos que disciplinam o funcionamento de cada um, cf. N. do RE, La curia romana, lineamenti storico-giuridici, Città do Vaticano 19984, edição atualizada e aumentada, 25-26. 9 Isso explica o porquê só com a reforma protestante, ou seja quando as questões de fé e moral se tornam particularmente insidiosas e na ordem do dia, se institui a primeira Congregação estável, ou seja a Congregatio pro Sancta Inquisitione, cujo nascmento se deve à vontade de Paolo III (Alessandro Farnese, 1534-1549) com a constituição Licet ab initio do 1542, cf. A. STICKLER, «Le reforme della curia nella storia della Chiesa», 5. 10 No caso das Congregações o processo de institucionalização procede com velocidade diferenciada, enquanto aos que compete tratar dos assuntos temporais dos Estados Pontificios o processo è mais rapidoem relação àquele concerrnente às questões diretamente religiosas, cf. A. STICKLER,«Le reforma s da cúria na história da Chiesa», 11. alguns como uma verdadeira «révolution administrative»11. Sobretudo porque a intervenção reorganizadora de Sisto V não interessava à cúria romana no seu complexo, enquanto se reorganizavam as Congregações já existentes acrescidas de novas (ao todo 15) masque deixavam inalteradas as outras instituções e organismos curiais que não são contemplados na «Immensa aeterni Dei». Do ponto de vista jurídico-organizativo, além, da titularidade do poder (vicário ou delegado) continua a cargo dos cardeais , a nomeaçao dos empregados e dos funcionários da Congregação é decidida não pelo Papa mas pelos cardeais membros, que, por outro lado, estabelecem livremente a organização interna e as férias do pessoal, a retribuição aos dependentes continua a ser paga, em geral, com as taxas recebidas do dicastério e não do erário da Sede Apostólica 12. Ora estes elementos dão a entender claramente que a estrutura da cúria romana no período sucessivo à «Immensa Aeterni Dei» continua sendo aquela de uma cúria de pessoas, e tal vai permanecer apesar das tantas intervenções e ajustes realizados no correr dos séculos pelos Romanos Pontefíces . Ainda no fim do século XIX “curia romana” é simplismente um termo para 169 indicar um grupo de pessoas que individual ou colegialmente prestam por sua ação um serviço ao Sumo Pontefíce13. O passo seguinte é emblemático pelo que se está dizendo:

Christiane rei públicae tam late tamque operosa administratio omnino postulabat, ut Pontifici Romano viri sapientes et graves perpetuo assiderent, quibuscum et consilia communicare et quotidiano negotiorum molem partiri oportune posset. Hinc ea sunt S.R.E. cardinalium Consilia sapientissime constituta, quae Romanae Congregationes nuncupantur 14.

Mesmo quando se olha à manualistica da pre-reforma plena se percebe a reconfirmação de tudo quanto foi dito sobre o fato que a cúria romana é concebida ainda como cúria de pessoas e não como cúria de dicastérios: por exemplo Wernz

11 Assim no seu monumental estudo F. JANKOWIAK, La curie romaine de Pie IX à Pie X. as gouvernement central de l’Église et a fin des États pontificaux, públications de l’école française de 2007, 520, ao qual se remete para aprofundamentos historiograficos. 12 Cf. A. STICKLER, «Le reforma s da cúria na história da Chiesa», 9. 13 Cf. P. TORQUEBIAU, «Curie Romaine», col. 971. Sobre o estado da curia romana na virada dos pontificados do Beato Pio IX e de São Pio X, cf. F. JANKOWIAK, Le curie romaine de Pie IX à Pie X, 520. 14 LEONE XIII, m.p. «Christianae rei públicae», 31de outubro de 1897, ASS 30 (1897/98) 563-565 (aqui 563). O mesmo Gioacchino Pecci tinha empreendido um trabalho de reformulação da cúria romana, mas sempre com intervenções parciais numa estrutura que ainda era concebida pela ótica de uma cúria de pessoas. Sobre isso cf. F. JANKOWIAK, La curie romaine de Pie IX à Pie X, 441-468e 487-516. define a cúria romana como collectio magistratuum15, como também Bouix que fala de «dicasteria seu prudentum virorum coetus»16, e até Sebastianelli fala de “de S.R.E. cardinalibus” não utilizando nem mesmo espressão “curia romana” escrevendo a proposito dos colaboratores do Sumo Pontefice17. A análise da públicação semi-oficial Anário pontificio é sinal evidente do quanto se diz, ou seja da ideia que no fundo a cúria (e o pessoal que a compõe) é essencialmente uma estruttura de serviço construída ao redor daqueles (os cardeais e os altos prelados) que a título pessoal são chamados a colaborar com o Pontefice18. O título completo desta públicação que aparece até a última edição de 1911 é a hierarquia católica, a família e a capela pontificia, as administrações palacianas, a cúria romana. A mudança determinada pela reforma total da cúria romana aparece visível na nova edição da revista de 1912 onde se vê a retomada do título original Anáurio pontifício. Ora de fato se elimina o subtítulo a hierarquia católica, a cúria romana, a capela e a família pontificia, as secretarias e as administrações palacianas. 170 Recapitulando: na época da reforma total a serviço do Pontefíce estão pois os cardeais e os outros Prelados; os dicastérios não são outra coisa que lugares e instrumentos através dos quais estas pessoas físicas (em forma colegiada, muito raramente individual) desenvolvem concretamente o próprio ministério exercendo a serviço do Santo Padre a potestà recebida.

4. A reforma da cúria romana no contesto das expectativas suscitadas pelo pontificado de São Pio X

A elevação de Giusppe Sarto à sé pontificia criou no catolicismo e na opinião pública mundial grandes expectativas de uma profunda renovação nos diversos campos da vida da Igreja19. Neste contexto veio à luz em 1905 um livreto 15 «sensu stricto vero est ordinada collectio magistratuum, officialium, congregationum, tribunalium, collegiorum ecclesiasticorum quibus Romanus Pontifex presertim ad universalem Ecclesiam regendam ordinarie utitur», F. X. WERNZ, Ius decretalium, tomus II, Ex typographia polyglotta S.C. de Propaganda Fide, 1899, 701, n. 620. 16 D. BOUIX, Istitutiones juris canonici. Tractatus de curia Romana seu..., Parisiis 1880, 293. 17 Cf. G. SEBASTIANELLI, Praelectiones Juris Canonici... De personis, Romae 1905,2 ed., 69-98. 18 A revista nasceu em 1712 e até 1859 foi públicada com o titulo Notizie de Roma per l’anno.Depois mudou o nome para Anário pontificiosalvo o periodo 1872-1911, a partir daí veio a ser editada como La hierarquia Catolica. No ano de 1871 não foi públicada, provavelmente por motivo das confusous por causa da tomada de Rama pelas tropas de Savoia. 19 Já como bispo de Mantova primeiro e patriarca de Veneza depois, Giuseppe Sarto havia dado prova de ser um incansável reformador em particular por ocasião dos sinodos diocesanos de 1884 e de 1898, cf. B. BERTOLI, «Il sinodo del patriarca Sarto (1898) e le riforme di Pio X», in Le radici venete di San Pio X. Atti del Convegno di Castelfranco Veneto, 16-17 maggio 1986, Ed. S. Tramontin, Brescia 1987, 105-124. anônimo intitulato Pio X. Seus atos e sua compreensão (notas de um observador) que alcançou um sucesso notável com milhares de copias publicadas. Corre voz que foi solicitado pela entourage do Papa, e que o próprio Pontefíce tenha revisto os rascunhos20. É um verdadeiro e próprio manifesto por uma profunda «restauração» da Igreja, avança propostas de reforma nos mais diversos ambites entre os quais está também a cúria romana21. Neste sentido os anseios formulados podem ser assim sintetizados: – Incorparação, supressão, redenominação dos dicastérios. Neste último sentido, por exemplo, sugere-se mudar o nome daquelas Congregações que se tornaram mal vistas pela opinião pública catolica e leiga2222; – Evitar que os mesmíssimos Superiores de um dicastério julguem em I° e II° instancia enquanto «não creio de fato que exista tribunal no mundo, onde os mesmos magistrados depoisde ter julgado em primiera instancia tornem a julgar em segundo grau»23; – Necessidade de um Regulamento para cada Congregação «que 171 determinasse com toda clareza e precisão as proprias atribuições, ou seja as matérias com que se ocupar, a maneira de tratá-las e as taxas das Bulas e dos Rescritos»24; – Prever a retribução do pessoal com estipendios a cargo do erário da Sé Apostólica25;

20 Escrito pelo mons. Giovanni Pierantozzi minutante da Secreteria de Estado e traduzido também para o latim e alemão o opusculo Pio X.Suoi atti ed intendimenti (note de um osservatore) não èoutro que uma revisão e atualização do Piano di riforma Escrito pelo card. Giuseppe Antonio Sala (cf. G. A. SALA, Piano di riforma umiliato a Pio VII, Tolentino 1907) durante o exilio de Pio VII a Savona. Pierantozzi faz parte da corrente reformista da cúria cuja cabeça é o card. Antonio Agliardi (1832-1915) que está firmemente convencido da improrrogabilidade de uma “restauração” da Igreja da qual a cúria romana representa um dos elementos mais “problematicos”. A pesar de ter sido indicado como editor o Stab. Tip. Licinio Cappelli Rocca S. Casciano, 1905, na realidade o texto foi publicado pela Tipografia Vaticana. Sobre esta história e seu desenvolvimento cf. o estudo de L. BEDESCHI, Riforma religiosa e curia romana all’inizio del secolo, Milano 1968. Il Pianno di riforma do card. Sala foi publicado sob a direção de G. Cugnoni. 21 Das exigências de se por em ação uma reforma profunda cúria romana se falava já desde os primeiros anos do pontificado de Leão XIII, cf. N. do RE, La cúria romana, lineamenti storico- giuridici,49, e mais difusamente os já recordados passos de F. JANKOWIAK, La curie romaine de Pie IX àPie X, 433-516. 22 Por exemplo, mudar o nome de Santo Oficio ou Inquisição por um mais pertinente como De fidetuendaou De fide et moribus tuendi, cf. Pio X. Suoi atti ed intendimenti (note de um osservatore), 27. 23 Pio X. Suoi atti ed intendimenti (note de um osservatore), 28. 24 Pio X. Suoi atti ed intendimenti (note de um osservatore), 32. 25 Cf. Pio X. Suoi atti ed intendimenti (note de um osservatore), 32-33. Na ocasião, o salário dos empregados de cúria consistia de um percentual das taxas recebidas pelo dicastério ou melhor, – Abolição da figura dos expedicionários e dos agentes, «sendo bem grande o descredito que derivam das Congregações e dos dicastérios eclesiásticos especialmente no tocante ao exterior, onde muitos creem que o expedicionário apostólico seja pouco menos que um alto funcionário da S. Sede»26. – Proibição de acumulo de mais de um emprego ou cargo como também a proibição de os dependentes exercitarem a livre atividade profissional forense diante da Santa Sé27; – Eliminação do laicato das atividades da Sé Apostólica, por se entender em referencia àqueles que papéis importantes na cúria romana rsão eservatdos ao patriciado romano28; – Meritocracia29; – Estabelecer o plano orgânico e a descrição do trabalho do pessoal dependente de cada dicastério30; 172 – Recrutamento por concurso no momento que «hoje em dia quando se vê qualquer um ocupar um posto não se discute sobre os seus meritos, mas, mesmo que o tenha, se pergunta logo – quem o indica? – ou seja – quem o protege? – tanto está incalacrada a persuasão, que sem protetores não se consegue nada» 31. Como é facilmente previsível este livreto susciou imediatamente um vespeiro de polemicas. Numerosas são as reações, que levam à públicação de

era dado diretamente ao empregado pelo trabalho prestado (pagamento privado tipico das cortes do Ancien Régime com o seu sistema de venalidade dos encargos públicos) com tarifas não transparentes e portanto sob o risco de abusos. Por outro lado é difusa a praxis das regalias, não serviam para incentivar a operosidade dos dependente mas que geralmente servia para reservar-se-lhe o favor. 26 Pio X. Suoi atti ed intendimenti (note de um osservatore), 32. À epoca já não ocorre mais a figura dos agentes da Congregação de Propaganda Fide, que responde diretamente aos bispos e os missionarios. 27 Pio X. Suoi atti ed intendimenti (note de um osservatore), 33. 28 28 Pio X. Suoi attis ed intendimenti (note de um osservatore). Não se trata de prejuízo clerical em relação aos leigos, mas de clara distinção entre o que é próprio dos clérigos e o que pertence ao laicato. De fato o opusculo sustenta que, lá onde é restaurado o dominio temporal, o laicato deve assumir o papel principal no governo civil. 29 «Com isso eu estimaria que tanto mais é necessario quanto se entende geralmente entre nós, que alguns que sobem e ocupam certos postos, também fazem falcatruas, tornando- se invulneráveis. Portanto é necessario acabar com estes costumes tão deploráveis de desigualdade: uma vez restabelecida a força da lei, ela deveria ser igual para todos », Pio X. Suoi atos ed intendimenti (note de um osservatore), 33-34. 30 Pio X. Suoi atti ed intendimenti (note de um osservatore), 34. 31 Pio X. Suoi attis ed intendimenti (note de um osservatore), 36. vários livros (anônimos ou não) pró ou contra as posições expressas no Pio X.Suoi atti e suoi intendimenti 32.

5. O esboço de reforma de São Pio X

Em 1951 Giuseppe Ferretto editou o manuscrito de São Pio X que tinha como título Progetto de riordinamento dalle Sacre Congregazioni Romane 33. É assombroso o conhecimento profundo dos problemas especificos dos diversos dicastérios como também a competencia com que ele põe em execução o seu reordenamento, considerando que Giuseppe Sarto não gloria de uma carreira curial nos ambientos romanos 34. Este projeto se torna o ponto de partida para o trabalho da Comissão cardinalícia que encaminhará depois notável constitução apostólica não tanto porque é da lavra do Papa mas sobretudo pela sua objetiva validade juridico-organizativa 35. O pensamento de Giuseppe Sarto, que transparece no texto, é claro e linear a começar pelo fato de que a reforma deve ser feita o mais rapidamente 173 possível de modo que haja um tempo suficiente para experimentação pratica, para que eventualmente o futuro Código canônicopossa fazer aquela integração ou correção sugerida pela praxis. O Santo Padre, ao tratar brevemente aqueles que a seu modo de ver devem ser os pilares da improrrogável reforma , evidencia com sabedoria as dificuldades atuais no plano organizativo e no plano jurídico que possam obstaculizar o caminho36. São Pio X mostra ter as ideias muito mais claras, ao menos seus princípios inspiradores da reforma, em relação aos seus colaboradores a partir do cardeal Gaetano De Lai, que por sua vez tem como preocupações principais: salvaguardar

32 32 Bedeschi o recencia e o reedita ao menos oito vez, cf. L. BEDESCHI, Riforma religiosa e cúria romana all’inizio del secolo, 121-410. 33 33 Cf. G. FERRETTO, «La riforma del B. Pio X», em Romana cúria a beato Pio X sapienti consilioriformata, apud custodiam librariam Pont. Instituti utriusque iuris 1951, 38-52. 34 Na verdade «le fait que Pie X soit demeuré éloigné de a Curie et de ses usages [...] as posait comme l’un des seuls responsables de l’église qui fût capable d’entreprendre et de faire aboutir des réformes d’envergure» F. JANKOWIAK, La curie romaine de Pie IX à Pie X, 520. 35 A reforma da cúria romana que teve ao menos cinco preprojetos foi levada a termo no espaço de um ano apenas, entre o verão de 1907 e junho de 1908. Apesar de o texto promulgado pela «Sapienti Consilio», como foi observado na dotrina, «respeita implantação a seu tempo delineado por Pio X, mas não sem acréscimos significativos e variações relevantes » cf. G. FELICIANI, «Pio X ed il riordinamento del governo central della Chiesa», in L’eredidade giuridica de São Pio X, ed. A. Cattaneo, Venezia 2007, 269-281 (aqui 276), contudo permanecem inalterados o espirito modernizador e as intuições de Giuseppe Sarto. 36 Senso prático, tato positivo e visão oportuna são os caracteres atribuidos a São Pio X por Felice Cappello no seu interessante libelo La cúria romana secondo la sapiente reforma de Pio X Torino 1910, VII. o mais possível a estrutura existente, conservando nomes e competencias, salvo eliminar tudo quanto seja prenúncio de desordem ou abusos; garantir o pessoal atualmente em serviço, em especial pelo que se refere à retribuição;trazer de volta as Congregações à sua natureza de tribunais supremos, instituindo para as causas criminais e disciplinares um tribunal inferiore específico na Rota 37. Vejamos agora esquematicamente quais são as dificuldades no plano organizativo e jurídico que se colocam diante dos olhos de São Pio X 38. Quanto ao plano organizativo Giuseppe Sarto evidencia quais situações a corrigir: – algumas Congregações não tem mais razão de existir pois são obsoletas e não sãomais congruentes com a realidade atual da Igreja, enquanto outras Congregações estão sobrecarregadas de trabalho e se encontram em dificuldade para fazer frente eficazmente e em tempos razoáveis ãs necessidades das incumbencias; 174 – alguns ofícios têm pessoas demais, noutros ao invés há carencia de pessoal; – as taxas requeridas para a realização das praticas são variadas, em geral arbitrárias e nem sempre razoaveis; – as retribuições do pessoal são para alguns trabalhos são muito lucrativos, para outroas nulas ou irrisórias. Quanto ao plano juridico: – o fato que as Congregações operam promiscuamente como organismos administrativos e jurisdicionais, procedendo às vezes como órgãos seja de primeira instancia seja como aquela de apelação; – pela falta de uma eficiente repartição de competências entre os dicastérios, em consequencia do que não raro pode acontecer que o recorrente escolha, entre os possíveis, o dicastério a seu juízo o mais conveniente; – o fato que mais dicastérios por vezes intervenham por vários titulos nas mesmissimas questões, prolongando os tempos e criando confusão. Para Giuseppe Sarto portanto as Congregações devem voltar antes de tudo à sua primitiva natureza de colegiados administrativos, evitando sua jurisdição contenciosa, «com isso serão liberadas de um grave trabalho, que impede e retarda o cuidado de assuntos mais importantes.

37 Cf. Notas do card. Gaetano De Lai, riportate da G. FERRETTO, «La riforma do B. Pio X», 38 Cf. Progetto de riordinamento delle Sacre Congrezioni Romane, 38-39. E, postas acima das recriminações dos litigantes particulares, obtenham aquele prestigio e aquela veneração, que lhe compete» 39. Para atingir este objetivo

será conveniente dar vida ao Tribunal da S. Rota Romana e enviar para comissão todas as causas. Assim além de desafogar a S. Congregação aerá levada também a administrar a justiça de modo mais rápido e consentaneo aos tempos devendo um Tribunal de dignidade inferior emitir as proprias sentenças motivadas pela diferença das Sagradas Congregações que julgam more principis 40.

De igual importancia que se preveja a revisão do sistema de retribuição ao pessoal

em que foram abolidas todas as coisas incertas, os Oficiais de cada dicastério terão um estipendio fixo da mesma Caixa da Santa Sé na qual serão consignadas todas as taxas dos Rescritos, das Dispensas, das Cartas Apostolicas, dos Beneficicios, dos Breves e das Canonizações dos Santos, que serão estabelecidas 175 racionalmente 41.

Por fim ocorre reconstruir nos limites do possível a imagem da cúria enquanto «seria finalmente oportuno mudar a denominação de algumas S. Congregações por outra mais conforme a sua natureza atual e mais correspondente aos nossos costumes» 42.

39 Progetto di riordinamento delle Sacre Congregazioni Romane, 42. 40 Progetto de riordinamento das Sacre Congregações Romane, 42. Aind uma vez a aspiração ideal por uma “pureza funcional” das Congregações foi em São Pio X conciliado com um sadio pragmatismo, pelo que «mas pelas tarefas inerentes às Sagradas Congregações de cuidar da disciplina na Igreja, e por outros motivos de indole delicada restano às Sagradas Congregações as funções de Tribunais criminais especialmente nas causas que se deviam concluir sumariamente», Progettodi riordinamento das Sacre Congregações Romane. Por outro lado evidencia o pontífice que contando menos a função jurídica, por sua natureza tendencalmente pública, poderia ser restaurado plenamente o sigilo pelo que se refere à ação das Congregações. 41 Progetto de riordinamento dele Sacre Congregazioni Romane, 42.

42 Progetto de riordinamento delle Sacre Congregações Romane, 42. Em relação a este ponto emerge ainda uma vez mais a sensibilidade juridica e pratica de Giuseppe Sarto que se apressa em sublinhar como mudanças nos nomes dos dicastérios que só se podem fazer sob condição de que não causem dificuldade «considerando que algumas Congregações possuem estabilidade ou renda pública devidamente reconhecida, e tenham direitos que derivam de Testamentos e de outras pias disposições, antes de fazer mudanças só de nome, é coisa prudente ter certeza da ausencia de perigo de confisco da parte da Autoridade laica ou da reinvidicação por parte de particulares decorrentes da piedade de seus antepassados», Progetto de riordinamento das Sacre Congregações Romane, 42. O domínio da matéria e a experiencia em tratá-la de São Pio X transparece na insistencia do pontífice a que se preste particular attenção e diligencia por escrito do Regolamento de Curia, por ele considerado instrumento indispensável para implementar a reforma de importancia igual a própria «Sapienti Consilio» 43.

6. A cúria de dicastérios: as premissas colacadas pela reforma total

Como se disse na abertura da presente contribuição, a reforma total da cúria romana assinala uma reversão que dà inicio a uma mudança epocal do modo como é concebida a nível teórico e se vem construir a nível pratico a cúria romana. Dá-se de fato inicio à transformação da cúria de pessoas para a cúria de dicastérios através de uma ousada obra de reforma integral que pela radicalidade jamais se havia visto precedentemente, nem mesmo ao tempo da famosa e já recordada «Immensa Aeterni Dei» de Sisto V. Só com a «Sapienti consilio» pela primeira vez na história da cúria romana se pode falar propriamente de um antes e de um depois, desde o momento que diferentemente de todas as reformas 176 precedentes tudo aquilo de existente entre as instituições da cúria que não é acolhido ou não se encontra na «Sapienti consilio» fica supresso44. Mas mais que a radicalidade da reforma , que já de per si daria um motivo particular de merito a São Pio X, o aplauso ao Pontífice deve circunscrever-se à modernidade do seu pensamento , pois que faz da cúria romana uma organização administrativa posta sobre o sulco das adminstrações públicas estatais, e à sua coragem, pois que com o cancelamento das estruturas ligadas ao governo temporal o Pontefice, mesmo que implicitamente, sanciona a definitiva renúncia à cada aspiração de recuperação da legalidade internacional com o fim da ocupação de Roma e dos Estados Pontifícios. Os instrumentos normativos que o projeto reformador de Giuseppe Sarto encontra força são: a constituição apostólica «Sapienti Consilio» do dia 29 junho de 1908 que alcança a Lex propria sacrae romanae rotae et signaturae apostólica e (e o apendice De taxatione expensarum iudicialium) de 29 de junho de 1908, Ordo servandus em sacris congregationibus, tribunalibus, officiis romanae curiae promulgado em duas fases, Pars primeira – Normae generali dia 29 de junho de

43 «Desculpe se recomendo o Regulamento paras Congregazioni, porque se como espero o Motu-Proprio, poderá ser autorizado logo, então conviria que não retardasse a públicação de Regulamento. Desculpe novamente se abuso da sua bondade...», carta de São Pio X ao card. Gaetano De Lai del 4 aprile 1908, citada por G. FERRETTO, «La reforma do B. Pio X»,52-53 44 Por exemplo a Sagrada Congregação Lauretana que além da administração temporal e espiritual do Santuario mantinha jurisdição civil sobre Loreto. Para alguns dados sobre este dicastério, cf. N. do RE, La cúria romana, lineamenti storico-giuridici, 393-396. 1908, Pars altera – Normae peculiari com um apêndice a’instrução sobre o modo de registrar e de expedição dia 29 de settembre de 1908, a constituição apostólica «Promulgandi pontificias Constitutiones» de 29 de setembro de 190845. As inovações decorrentes da reforma total são enormes e para facilitar a individuação parece preferível elencá-las: – fixa-se de modo explicito a indole própria dos varios tipos de dicastérios, segundo a tripartição Congregações, Tribunais e Oficios que se vinha atestando no curso dos séculos; – clara demarcação das competências entre os vários dicastérios para assim evitar sobreposição; – o organograma e a estrutura interna de cada um dos dicastérios são submetidos à decisão dos cardeais membros, que assim perdem a tradicional autonomia organizativa; – dá-se normas gerais e particulares que disciplinam de modo tendencialmente uniforme o funcionamento dos varios dicastérios, as 177 atribuições e os poderes 46; – a nomeação dos dirigentes (os Oficiais Maiores) fica reservada ao Pontífíce, enquanto para funcionários (Oficiais Menores) se prevê a nomeação por concurso; – eliminação das estruturas curiais conectadas com o governo temporal dos Estados Pontifícios ou sua radical mudança de atribuições;

45 Com isso, desde 1909 cessa a públicação dos Acta Sanctae Sedis como instrumento ordinario de promulgação dos atos normativos da Santa Sé, e foram substituídos pelas Acta Apostólicae Sedis. As Acta Sanctae Sedis, nascida como revista autorizada mas privada por iniciativa de Pietro Avanzini a fim de dare esauriente conto da produção normativa da Santa Sede, continuada depois por Giuseppe Pennacchi e Vittorio Piazzesi. Desde 1904 tornou-se órgão oficial da Santa Sé com um reescrito ex audientia de Pio X de 23 de maio de 1904 (cf. AAS 37 [1904-1905] 3-4) ou seja só 9 meses depois da eleição ao pontificadoem agosto de 1903, circustancia esta que pela enésima vez revela a sensibilidade jurídica e a vontade modernizante de São Pio X. Se bem que à primeira vista não pareceria dirigir-se à reforma da cúria romana, mas vai assinalada com força que a constituição apostólica «Promulgandi pontificias constitutiones» está diretamente ligada a ela enquanto representa o cumprimento da modernização dos orgãos de governo central da Igreja catolica acrescentando finalmente à edição de um boletim oficialstricto sensu da Sé Apostólica, atitude que nos estados modernos há muito já se fazia. 46 Antigamente não exista nada disso. Cada dicastério podia ter uma estruturação interna diversificada, um procedimento próprio. Basta apenas acenar à questão das ferias: alguns dicastérios (Secreteria de Estato, Penitenciaria Apostólica, as Congregações de Propaganda Fide, Santo Ofício e Negócios Ecl. Extraordinários) não tinham períodos de férias mas só de festividades, outros tinham férias outonais de 20 de de setembro até 1de novembro,outros ainda as tinham noutros períodos. Normalmente os que eam da Dataria Apostólica não trabalhavam na quinta feira, salvo se tivesse uma festa no meio da semana. – uniformização das tarefas para os serviços juntos aos dicastérios; – retribuição do pessoal de cúria a cargo do erário da Santa Sé como acontece nas modernas burocracias liberais; o precedente sistema com os seus possíveis conflitos de interesse e riscos de corrupção é incompatível com o caráter público da administração eclesiástica; – estandardização do protocolo 47; – abolição do direito de exclusividade dos expedicionários pelos atos da Dataria Apostólica e reconhecimento da plena liberdade para os fiéis e Ordinários de decidirem-se querem se valer ao menos de um agente ou de um procurador para representar os próprios interesses diante da Sede Apostólica o qual, por outro lado, pode ora ser qualquer catolico de fama integra mesmo que estranho ao referido dicastério. – alinhamento aos critérios modernos de datação dos documentos. O ano não se computa mais desde a Encarnação (25 março), mas do calendário 178 de janeiro (1º de janeiro) 48; – aumento das línguas usadas nos recursos. Além do latim, italiano e francês, vêm agora admitidos o inglês, o espanhol, o português e o alemão 49; – a separação entre função administrativa e função judiciária, agora entregues a diferentes dicastérios (respectivamente Congregações e Tribunais) 50.

47 A patronização e, possivelmente, a unificação dos protocolos é uma outra conquista da Modernidade. No tocante à Sede Apostólica se pode falar de uma tentativa ainda não conseguida totalmente. Cada dicastério, todavia, mantem um modo próprio de organizar o protocolo. Desde 2005 existe uma Comisão central para os arquivos criada com o motu proprio de São João Paulo II «La cura vigilantissima» de 21 de março de 2005 (in AAS 97 [2005] 353-376). Atualmente está em curso a informatização dos processos de arquivamento da parte do Centro Elaboração dos Dato (CED) do Governatorado. 48 Ferretto ressalta que a atualização da datação é uma questão totalmente ausentedos debates da Comisão cardinalícia, e que aparece de surpresa só no texto promulgato pela «Sapienti Consilio», cf. G. FERRETTO, «La riforma del B. Pio X», 79. 49 Os Oficiais menores são obrigados a conhecer ao menos uma segunda lingua das citadas. Os Superiores dos dicastérios devem cuidar que estejam representadas todas las lingu. 50 Na doutrina é costume estabelecer na separação entre a via administrativa e a via judicial o ponto qualificante da reforma plena. Na realidade, à luz de tudo quanto foi dito, esta aparece certamente como um aspecto importante masnão que possa merecer um lugar privilegiado em relação aos outros. Também porque em sentido teórico bem se poderia manter,até melhor delineadas e distintas, as duas vie (administrativa e judiciaria) dentro do mesmo dicastério . Diga- se que a separação entre a processo gratuito e aquele contencioso na pratica de fato se perdeu nos tempos de São Pio X. Francisco Roberti atribui isso à causa da unificação da Italia, não tanto porque os tribunais da cúria romana estavam paralisados quanto certamente por motivo da Legge delle Guarentige do 1871 em que o art. 17, na interpretação pro bono pacis dada 7. Início da ministerialização dos dicastérios

A transformação da cúria de pessoas para uma cúria de dicastérios operada por um impulso modernizadora da «Sapienti Consilio» inicia, como disse, um processo de “ministerialização” da cúria romana 51. Este fenômeno vai realizar- se essencialmente por meio de práxis e não através de normas positivas ad hoc. Depois do primeiro conflito mundial a importância da Congregação (compreendida como reunião dos cardeais membros) tira todo o elefantiaco do Prefeito (ou Cardeal secretário ) que se torna verdadeiro “ministro” titular do dicastério. O que é “revolucionario” se se considera que tradicionalmente em referencia aos dicastérios era costume se falar

De collegiis iurisdictionis quibus cúria Romana potissimum constituitur. Cum magistratus ecclesiastici in cúria Romana ex communiter contingentibus habeant formam collegi disputatio de magistratibus practice coincidit cum disputatione de collegiis iurisdictionis 52. 179 A razão é por atribuir-se ao fato que as Congregações (sejam plenárias sejam ordinárias) começam a reunir-se em intervalos de tempo sempre maiores, com o efeito de dilatar o papel do governo cotidiano de Prefeito, Secretario e Subsecretário, os quais sempre mais tendem a se tornar os “administradores” de um poder que começa a ser pensado como atribuído à instituição dicasterial e não mais ao conjunto dos membros como pessoas fisicas que estão no vértice 53. Tal limite à “ministerialização” completa do dicastério e portanto contra o risco de que Prefeito, Secretario e Subsecretário caiam na tentação de considerar o dicastério e a sua função como algo própria, permanece o principio de que os

pelos Tribunais Italianos, consentia em reconhecer eficácia civil às medidas administrativas canônicas excluindo completamente aquelas judiciais, interpretação nascida a partir da ideia de se considerar a Igreja catolica como simples associaciação. Em tal contesto «ad maiora mala vitanda, Ecclesia maluit suas ferre decisiones em forma administrativa; et Status eas toleravit ut actus administrationis» F. ROBERTI, «De cúria romana ante pianam reformationem», in Romana cúria a beato Pio X sapienti consilio reformata, 31. A escolha de uma clara separação portanto mais que frutto de necessidade de ordem jurídico-organizativo, é o desejo de uma aspiração subjacente de reforma total de criar uma cúria moderna de administração pública ao serviço do Governo da Igreja católica a exemplo dos outros E stados. 51 Para os procedimentos e práxis comun consolidadas depois a promulgação da «Sapienti Consilio» cf. R. NAz, «Congrégations romaines», em Dictionnaire de droit canonique, coll. 206-226, especialmente col. 218-225). 52 F. X. WERNZ, Ius decretalium, tomus II, 727, n. 645. 53 Por exemplo, no caso da S. C. De Propaganda Fide seção ritus orientalis enquanto entre a metade dos anos 1800 e primeiros anos de 1900 a plenaria do dicastério se reunia normalmente mais vezes ao ano e as ordinarias eram frequentes, atualmente tudo mudou, basta considerar que a plenária da Congregação das Igrejas Orientais foi realizada em novembre de 2014 depois de quinze anos da última. Superiores não podemcumprir nil grave et extraordinarium sem ter consultado o Papa, como também que as decisões sive gratiae via sive iustitiae, a menos de faculdades especiais, devam ser aprovadas pelo pontífice com a exceção das sentenças da Rota ou da Assinatura 54.

8. Conclusão

A reforma da curia, como de resto a primeira codificação canônica, mostra de maneira incontroversa a modernidade de São Pio X 55. Próprio em quanto profundamente radicado na Tradição, o Pontífice não tem temor algum por prejuízos nas mudanças e nas novidades que antes se consideram como possíveis fatores de progresso no caminho histórico da Igreja. Inteligencia incomum, conhecimento dos problemas reais e coragem suprem plenamente a falta de preparação tecnico-teorica de tipo acadêmico e de experiencia curial romana. Sem exitação alguma o Pontífice muda eficazmente e com determinação resoluta o processo de transformação da cúria romana de corte renascentista 180 para a administração pública moderna, operando a passagem de uma concepção de cúria como conjunto de pessoas que individualmente ou colegialmente colaboram com o Romano Pontefíce no exercício de suas prerrogativas ligadas ao munus petrinum, a uma concepção de cúria como um sistema de instituições, orgãos e funções. Muitas são as analogias, por dificuldades tanto externas quanto internas como para uma visão de longo alcance, com o esforço de reforma da cúria romana promovido pelo papa Francisco. Diametralmente oposto porém é o reverso da reforma . Enquanto São Pio X precisou empenhar-se e lutar para passar de uma cúria ainda de impostação renascentista rumo à modernidade procurando transformá-la em um eficiente e eficaz aparato burocratico sobre a base das administrações públicas civís, papa Francisco por outro lado deve lutar para reposicionar o baricentro da cúria

54 Por este motivo as audiencias da tabela se revestem de importância primária no quadro da curia romana. A proliferação das faculdades especiais e habituais cria dificuldade enquanto acentua notavemente a autorreferencialidade de cada dicastério e sua burocratização. A eleminação do uso das audiencias de tabela, que aconteciam com o pontificado de São João Paulo II, além de determinarem crescimento anormal do papel da Secreteria de Estato, tornou de fato a cúria romana quase um sujeitto autonomo em relação ao Pontífice o qual pode correr o risco de ficar fora das decisões tomadas sobre questões também importantes. Não por acaso entre os primeiríssimos passos tomados pelo papa Francisco foi aquele de restaurar as audiencias de tabela e de receber os nuncios pessoalmente, de modo que a cúria romana volte a ser instrumento para o exercicio do munus petrinum. 55 Sobre codificação do direito canônico realizada por São Pio X se remete ao excelente estudo de C. FANTAPPIÈ, Chiesa romana e modernitá giuridica, Milano 2008. romana, então marcadamente desequilibrado no sentido de um tremendo aparato institucional autorreferencial onde o papa quase nem sequer tem conhecimentodaquilo que acontece, recuperando a dimensões pessoal do ministério de colaboração ao munus próprio do Santo Padre, e portanto uma dimensão humana e por isso verdadeiramente eclesial da cúria romana 56.

Tradução: HR

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56 Tal situação não compartilhada são as avaliações esxressas por T. J. REESE, «Riformare la curia romana. Dalla corte seicentesca ad un moderno apparato amministrativo», Concilium, revista internazional di teologia 49 (2013) 122-134. O autor de fato, confundindo o aparato cerimonial exterior com a substancia juridico-organizativa, atribui a crise da cúria por ela ser “uma corte seiscentesca” necessitada de uma reforma para fazê-la entrar na modernidade contemporânea. Na realidade como se viu ao longo desta reflexão sobre os aparatos curiais de corte tipo ancient regime não existe mais nada. O ponto central é exatamente o contrario, ou seja a cúria romana vai muito mais alémda burocracia institucional de significado moderno, tornando-se mesmo um aparelho autoreferencial onde o que conta parece ser a organização , não a finalidade para aqual ela foi criada. 182