AUTOMAÇÃO DE PROCESSO DE DIGITALIZAÇÃO FOTOGRAMÉTRICA PARA MEDIÇÃO MECÂNICA NÃO-DESTRUTIVA DE AMOSTRAS PEQUENAS
Guillaume Pascal William Lauras
Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para à obtenção do título de Engenheiro.
Orientador: Flávio de Marco Filho
Rio de Janeiro Agosto de 2020
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Departamento de Engenharia Mecânica DEM/POLI/UFRJ
AUTOMAÇÃO DE PROCESSO DE DIGITALIZAÇÃO FOTOGRAMÉTRICA PARA MEDIÇÃO MECÂNICA NÃO-DESTRUTIVA DE AMOSTRAS PEQUENAS
Guillaume Pascal William Lauras
PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDO AO CORPO DOSCENTE DO CURSO DE ENGENHARIA MECÂNICA DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO MECÂNICO.
Aprovado por:
______Prof. Flávio de Marco Filho, DSc
______Prof. Geraldo Cernicchiaro, PhD
______Prof. João Alves de Oliveira, PhD
______Prof. Sylvio José Ribeiro de Oliveira, Dr.Ing.
______Prof. Vitor Ferreira Romano, Dott.Ric
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL AGOSTO DE 2020
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Lauras, Guillaume Pascal William Automação de Processo de Medição Mecânica Não- Destrutiva por Digitalização Fotogramétrica de Amostras Pequenas/ Guillaume Pascal William Lauras. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola Politécnica, 2020. XIII, 73 p.: il.; 29,7 cm. Orientador: Flávio de Marco Filho Projeto de Graduação – UFRJ/ Escola Politécnica/ Curso de Engenharia Mecânica, 2020. Referências Bibliográficas: p. 69-71. 1. Metrologia. 2. Estereofotogrametria. 3. Focus-stacking. I. de Marco Filho, Flávio. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola Politécnica, Curso de Engenharia Mecânica. III. Automação de Processo de Medição Mecânica Não- Destrutiva por Digitalização Fotogramétrica de Amostras Pequenas.
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Agradecimentos
A meus pais que sempre me apoiaram ao longo do meu intercambio do outro lado do mundo e qualquer outra aventura para o qual o meu coração me levou.
A meu tutor de estágio e mentor de projeto, Prof. Geraldo Cernicchiaro, pelos inúmeros ensinos que me transmitiu, e para o tempo e a inteligência que investiu nesse trabalho.
A meu responsável de estágio, Prof. João Alves de Oliveira por me ter disponibilizado todas as ajudas que ele podia me oferecer e sempre torcer pelo meu sucesso.
Aos meu orientador, Prof. Flávio de Marco Filho, pela oportunidade de desenvolver esse projeto para a conclusão dos meus estudos e por ser sempre paciente e solícito.
À instituição UFRJ e a seus docentes, por me proporcionarem uma formação de excelência durante esse duplo diploma.
Ao Museu Nacional e seus pesquisadores, por me ter oferecido essa oportunidade de estágio e assunto de trabalho de conclusão de curso tão interessante.
Ao CBPF por me ter acolhido no seu estabelecimento de excelência a fim de desempenhar o projeto até o fim.
A todos meus amigos e os que fiz ao longo dessa jornada, que me acompanharam e ajudaram nos momentos bons e ruins, e dos quais me orgulho pelas pessoas que estão se tornando.
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Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro Mecânico.
AUTOMAÇÃO DE PROCESSO DE DIGITALIZAÇÃO FOTOGRAMÉTRICA PARA MEDIÇÃO MECÂNICA NÃO-DESTRUTIVA DE AMOSTRAS PEQUENAS
Guillaume Pascal William Lauras
Agosto/2020
Orientador: Flávio de Marco Filho
Curso: Engenharia Mecânica
O presente trabalho apresenta a automação de um processo de aquisição de dados, necessários para digitalização estereofotogramétrica, com o objetivo de efetuar medições mecânicas não-destrutivas de amostras pequenas e frágeis. Essas medições são efetuadas no modelo 3D da amostra, reconstruído a partir de fotos adquiridas com a técnica do focus- stacking.
Para sua realização, esse projeto foi dividido em três etapas. Na primeira, um protótipo foi desenvolvido a fim de testar o processo com três amostras diferentes. Em um segundo momento, estudou-se os fatores que influenciam a digitalização estereofotogramétrica. Por fim, a calibração das medições 2D e 3D permitiram a caracterização do erro padrão.
Palavras-chave: Metrologia, Estereofotogrametria, Focus-stacking.
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Undergraduate Project Abstract presented to DEM/UFRJ as a partial fulfilment of the requirements to obtain the degree of Mechanical Engineer.
AUTOMATISATION OF PHOTOGRAMETRIC DIGITALISATION PROCESS FOR NON-DESTRUCTIVE MEASURING OF SMALL SAMPLES
Guillaume Pascal William Lauras
August/2020
Advisor: Flávio de Marco Filho
Course: Mechanical Engineering
This work presents the automation of a data acquisition process, necessary for stereophotogrammetric digitalization, with the purpose of making non-destructive mechanical measurements of small and fragile samples. These measurements are made in the 3D model of the sample, reconstructed from photos acquired with the focus-stacking technique.
For its realization, this project was divided into three stages. First, a prototype was developed in order to test the process with three different samples. In a second step, the factors that influence the stereophotogrammetric digitalization were studied. Finally, the calibration of 2D and 3D measurements enabled the characterization of the standard error.
Keywords: Metrology, Stereophotogrammetry, Focus-stacking.
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Sumário
Agradecimentos ...... iv Lista de Figuras ...... viii Lista de Tabelas ...... xi Lista de Abreviações e Siglas ...... xiii Introdução ...... 1 1.1 Motivação ...... 1 1.2 Objetivos ...... 3 1.3 Apresentação ...... 4 Fundamentação Teórica ...... 6 2.1 Metrologia ...... 6 2.2 Estereofotogrametria ...... 7 2.3 Técnica do Focus-stacking ...... 11 Revisão Bibliográfica ...... 14 Materiais e Métodos ...... 19 4.1 Concepção do Protótipo de aquisição de dados ...... 19 4.2 Digitalização estereofotogramétrica ...... 36 4.3 Protocolo de Calibração do Protótipo ...... 42 Resultados e Discussões ...... 49 5.1 Análise da Automatização do Processo de Aquisição de Dados ...... 49 5.2 Análise dos Elementos Influenciando a Digitalização ...... 57 5.3 Análise da Calibração do Protótipo ...... 60 Conclusões ...... 67 Bibliografia ...... 69 Anexos ...... 72
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Lista de Figuras
Figura 1: Na esquerda, a montagem para digitalização 3D no Museu Nacional – UFRJ (MN) utilizada antes do projeto, e na direita a nuvem de pontos densa obtida (LOBO, GELFO, et al., 2019)...... 2 Figura 2: Diagrama SADT (structured analysis and design technique) do processo de medição mecânica não-destrutiva por digitalização estereofotogramétrica. Os quadrados representam as diferentes funções do processo. As setas entrando e saindo horizontalmente representam respetivamente as entradas e saídas. As setas verticais entrando por cima representam as coerções de controle. As setas verticais entrando por baixo representam os mecanismos de controle...... 3 Figura 3: Medição de um prédio com fotogrametria (Aimé Laussedat: La Métrophotographie, 1899, Hrsg. Gauthier-Villars, Paris) ...... 8 Figura 4: Figura de base da geometria estereoscópica ...... 9 Figura 5: As etapas da digitalização no software Agisoft Photoscan. 1)Foto do objeto; 2)Alinhamento das fotos; 3)Nuvem leve; 4)Nuvem densa; 5)Malha; 6)Textura e cores ...... 10 Figura 6: Uso do focus-stacking em uma mosca Tachinidae: as duas primeiras fotos não capturam a mosca inteiramente nítida nas imagens, enquanto a terceira obtida com o FS de seis imagens com seis focos diferentes consegue capturar o inseto totalmente nítido. (crédito: Muhammad Mahdi Karim, © CC BY-SA 3.0) ...... 12 Figura 7: Estimação do tempo de processamento e do número de pontos obtidos pelos diferentes softwares para cada amostra. (REMONDINO, SPERA, et al., 2014) ...... 15 Figura 8: Comparação subjetiva do nível de ruído entre FS, BF e o modelo de referência (fonte: Enhancing Close-up Image Based 3D Digitalization with Focus Stacking) ...... 16 Figura 9: Análise subjetiva da qualidade da textura dos modelos 3D da amostra obtidos com os diferentes softwares (fonte: 3D Documentation of Frail Archeological Finds Using Low-cost Instrumentation) ...... 17 Figura 10: 1) Focus-stacking; 2) abertura f/2,8; 3) abertura f/11; 4) abertura f/32 (fonte: Focus- Stacking Technique in Macro-Photography) ...... 18 Figura 11: Esquema da estrutura responsável por movimentar o objeto a ser fotografado. .... 19 Figura 12: Área de trabalho de OpenSCAD, o software usado para realizar as peças do mecanismo...... 20 Figura 13: Estrutura do mecanismo concebido no OpenSCAD...... 20 Figura 14: Haste suporte realizada com OpenSCAD (esquerda) e produzida com impressora 3D (direita)...... 21 Figura 15: Plano do motor Nema 23 SM1.8-D12-MN de Action Tecnhology, usado pelo projeto. (Fonte: Documentação de Action Technology em anexo na Figura 57.) ...... 22 Figura 16: Ambiente de desenvolvimento Spyder da plataforma Anaconda, na qual foi escrita o progrma de controle na linguagem Python...... 23
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Figura 17: Interface gráfica do usuário que permite de preencher as informações necessárias para inicializar o processo de aquisição de dados ...... 24 Figura 18: Placa Arduino com o driver Adafruit usados para dirigir os motores de passo. .... 25 Figura 19: Diagrama do processo de automação ...... 26 Figura 20: Foco manual na Olympus E-M5 Mark II ...... 28 Figura 21: As oito fotos realizadas pela câmera Olympus E-M5 Mark II usando a opção focus- stacking com um diferencial de 10...... 29 Figura 22: Primeiras montagens experimentais para testes de digitalização 3D...... 29 Figura 23: Esquema do arranjo experimental com a relação entre os diferentes componentes e a localização da câmera em relação à amostra...... 30 Figura 24: Na esquerda, o revestimento de mesa com 2 escalas e 3 alvos de posicionamento. Na direita, o revestimento de mesa com três alvos de posicionamento, 4 escalas e padrões geométricos em cada quarto. O alvo central serve para posicionar a amostra...... 31 Figura 25: Tripé usado como suporte de câmera para aquisição. Ele está equipado de um transferidor para medir a inclinação da câmera em relação ao plano da mesa...... 32 Figura 26: Painéis de luz usados para a iluminação do arranjo experimental...... 32 Figura 27: Fotografia da amostra 1-Dado usada para calibração do protótipo...... 34 Figura 28: Fotografia da amostra 2-Peça Metálica usada para calibração do protótipo...... 34 Figura 29: Amostra 3-Crânio de Camundongo (Mus musculus) disponibilizado pelo setor de Mastozoologia do MN. Ele foi fotografado com o protótipo e digitalizado...... 35 Figura 30 : Área de trabalho de Agisoft Photoscan (esquerda) e Visual SFM (direita)...... 38 Figura 31: Na esquerda as dez fotos importadas no software Visual SFM, e na direita dois exemplos de correspondências de pontos homólogos entre pares de fotos...... 39 Figura 32: Matriz de correspondência em um processo de digitalização de dez fotos com o software Visual SFM. O quadrado sublinhado de azul indica a quantidade de pontos homólogos entre as duas fotos sublinhadas de verde e de rosa...... 40 Figura 33: Medição da amostra 1-Dado com o paquímetro...... 44 Figura 34: Medição da amostra 2-Peça Metálica com paquímetro. Em verde as três medições do diâmetro externo, em azul as três medições do comprimento e em vermelho as duas medições do diâmetro interior...... 44 Figura 35: Medição da distância entres as faces da amostra 1-Dado com Tracker usando a ferramenta numérica "fita métrica"...... 45 Figura 36: Medição da distância entre os pontos da amostra 1-Dado com Tracker usando a ferramenta numérica "círculo de tendência"...... 46 Figura 37: Medição do modelo 3D da amostra 1-Dado no Agisoft Photoscan usando os marcadores...... 47 Figura 38: Medição do modela da peça cilíndrica no Agisoft Photoscan usando os marcadores...... 48
ix
Figura 39: As 60 fotos da amostra 1-Dado efetuadas durante o processo automatizado de aquisição de dados do protótipo. As inclinações da câmera em relação à mesa são de 30º e 50º...... 49 Figura 40: Fotos da amostra 1-Dado posicionadas espacialmente pelo software Agisoft Photoscan com a função "Align Photos"...... 50 Figura 41: As 60 fotos da amostra 2-Peça Metálica efetuadas durante o processo automatizado de aquisição de dados do protótipo. As inclinações da câmera em relação à mesa são de 30º e 50º...... 51 Figura 42: Fotos da amostra 2-Peça Metálica posicionadas espacialmente pelo software Agisoft Photoscan com a função "Align Photos"...... 51 Figura 43: Imagens das amostras e do modelo 3D delas. 1) Foto; 2) Nuvem de pontos densa; 3) Estrutura da malha; 4) Malha sólida; 5) Malha com cores e sombras; 6) Malha com textura. 52 Figura 44: Os defeitos na superfície do modelo 3D da amostra 1-Dado são presente particularmente nas arestas e nos vértices...... 52 Figura 45: As 60 fotos da amostra 3-Crânio de Camundongo efetuadas durante o processo automatizado de aquisição de dados do protótipo com a câmera inclinada em relação à mesa em um ângulo de 25º e 50º...... 53 Figura 46: Fotos da amostra 3-Crânio de Camundongo posicionadas espacialmente pelo software Agisoft Photoscan com a função "Align Photos"...... 53 Figura 47: Imagens da amostra 3-Crânio de Camundongo e do seu modelo 3D: 1) Foto; 2) Nuvem de pontos densa; 3) Estrutura da malha; 4) Malha sólida; 5) Malha com cores e sombras; 6) Malha com textura...... 54 Figura 48: Comparação entre as fotos da amostra 3-Crânio de Camundongo e seu modelo 3D produzido pelo Agisoft Photoscan...... 55 Figura 49: As amostras pequenas são sensíveis as sujeiras, foi possível visualizar os grãos de poeiras nas fotos da amostra 3-Crânio de Camundongo...... 55 Figura 50: Objeto realizado com OpenSCAD a fim de testar a capacidade dos algoritmos de digitalização para alinhar imagens de objetos simples e sem textura...... 57 Figura 51 : Efeito do número de foto na matriz de correspondência do VSFM. A matriz de esquerda representa o número de pontos homólogos entre 15 fotos, e na esquerda entre 30 fotos...... 59 Figura 52: Número de pontos e projeções em função da inclinação da câmera em relação à mesa...... 59 Figura 53: Diagrama de calibração representando o erro de medição em porcentagem em função do comprimento da medida usando como referência as do Tracker, e a curva de tendência relativa às medidas 2D...... 61 Figura 54: Regressão linear das medidas 2D feitas com Agisoft em função das feitas com Tracker ...... 62 Figura 55: Diagrama de calibração representando o erro de medição em porcentagem em função do comprimento da medida usando como referência as do Tracker, e a curva de tendência. . 63 Figura 56: Regressão linear das medidas 3D feitas com Agisoft em função das feitas com paquímetro ...... 64
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Lista de Tabelas
Tabela 1: Conjuntos da estrutura e as respectivas peças que os compõem com as cores correspondentes entre parêntesis...... 21 Tabela 2: Custo detalhado do protótipo ...... 33 Tabela 3: Softwares de reconstrução 3D e edição de modelos. Os softwares em negrito são aqueles que foram usados para o projeto...... 37 Tabela 4: Influência das marcas na mesa sobre a quantidade de informações recolhidas pelo algoritmo para duas inclinações diferentes...... 58 Tabela 5: Influência da inclinação da mesa na matriz de correspondência ...... 59 Tabela 6: Valor médio do erro das medidas de calibrações com referência Tracker e erro padrão da média ...... 61 Tabela 7: Estatísticas de regressão linear das medidas 2D feitas com Agisoft em função das feitas com Tracker ...... 62 Tabela 8: Valor médio do erro das medidas de calibrações com referência o paquímetro e erro padrão da média ...... 64 Tabela 9: Estatísticas da regressão linear da comparação das medidas 3D feitas no modelo e com o paquímetro ...... 65 Tabela 10: Equações das curvas de calibração para medições 2D e 3D ...... 65
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Lista dos anexos
ANEXO I ...... 72 ANEXO II ...... 73
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Lista de Abreviações e Siglas
AP Agisoft Photoscan
CBPF Centro Brasileiro de Pesquisa de Física
DoF Profundidade de campo (Deep of Field)
FS Focus-stacking
GUI Interface gráfica do utilizador (Graphical User Interface)
MN Museu Nacional
OS Projeto de código aberto (Open Source project)
VIM Vocabulário Internacional de Metrologia
VSFM Visual SFM
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Introdução
Ferramentas de medição sempre foram desenvolvidas ao longo da história para medir coisas sempre mais diversas graças a vários objetos diferentes, desde partes do corpo até o paquímetro, passando pela corda e a régua. Essas ferramentas necessitam de um contato físico com a amostra e são, por isso, destrutivos. Novos métodos de medição não destrutivos foram elaborados para amostras frágeis, mas podem ser relativamente caros ou complicados de usar quando a amostra apresenta dimensões extremas e formas complexas.
Com o desenvolvimento do potencial da área da tecnologia numérica, a digitalização 3D é uma opção interativa cada vez mais usada, pois as tecnologias necessárias evoluíram muito recentemente. Ela encontra aplicações tanto na indústria para controlar a qualidade da produção, na área da construção para digitalizar prédios, quanto e nos museus para escanear as peças de coleção com o objetivo de preservar o patrimônio científico e cultural (GRAYBURN, LISCHER-KATZ, et al., 2019).
Tem uma grande vontade da parte das instituições culturais para documentar o patrimônio cultural e histórico, e a digitalização tridimensional está muito solicitada porque aumenta a resolução dos dados armazenados (BOEHLER, W, MARBS, 2004). Para alguns museus se torna um assunto central quando as coleções são ameaçadas, como o Museu Nacional do Rio de Janeiro que sofreu um grande incêndio em 2018, e perdeu mais de 20 milhões de itens, tornando-se um dos maiores desastres culturais do Brasil (SICHEN, 2019).
Além do imperativo de armazenar itens numericamente, a análise e a medição não destrutivas são necessárias em muitas áreas, sejam culturais, científicas ou industriais. Com o avanço das capacidades dos escâneres 3D permitindo até a obtenção de textura fiel nos modelos tridimensionais, os programas de digitalização nunca foram tão uma pauta nos trabalhos de metrologia ao redor do mundo como nos dias atuais.
1.1 Motivação
Esse trabalho resulta de um projeto entre o setor de Mastozoologia do Museu Nacional - UFRJ (MN) e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Como muitos museus no mundo, o MN está em um processo de digitalização tridimensional da sua coleção a fim de obter dados com alta resolução, salvaguardar nos próprios servidores, mostrar ao público 1 objetos frágeis ou preciosos demais para serem expostos, ou para compartilhar com outros pesquisadores do mundo sem a retirada ou a manipulação das peças da coleção.
Como o único escâner tridimensional foi queimado no incêndio do MN com uma parte da coleção, o projeto de máquina de digitalização de baixo custo para objetos pequenos nasceu através de uma demanda no setor de Mastozoologia. Esse, trabalha principalmente com esqueletos de pequenos mamíferos (ex.: roedores e morcegos), os quais são muito pequenos (até um ou dois centímetros) e apresentam muitos detalhes. Assim, os pesquisadores enfrentam dificuldades em digitalizar essas peças, pois as máquinas disponíveis no mercado não oferecem essa possibilidade.
A equipe do setor fez uma montagem utilizando uma mesa estativa, onde a câmera era fixada em um braço horizontal tipo tripé e os objetos a serem digitalizados eram posicionados ao centro da mesa, apoiado em um aparato giratório (Figura 1). O pesquisador precisava tirar diversas fotos, girando o aparato entre as fotos para obter fotografias em diferentes ângulos; e editar o modelo numérico manualmente. Por fim, era realizado o upload das fotos em um software de reconstrução 3D a fim de criar o modelo digital. Contudo, esse processo era problemático, uma vez que o pesquisador responsável, com uma carga de trabalho excessiva, não poderia atender as demandas de uma tarefa que exigia tempo e repetição. O processo usado no MN precisava atenção permanente e exigia a dominação dos softwares de digitalização. Sendo assim, esse processo necessitava de uma automação tanto do mecanismo, quanto no processo de reconstrução 3D.
Figura 1: Na esquerda, a montagem para digitalização 3D no Museu Nacional – UFRJ (MN) utilizada antes do projeto, e na direita a nuvem de pontos densa obtida (LOBO, GELFO, et al., 2019).
Além disso, os zoólogos passam horas tomando medidas em grande quantidade ao estudar os esqueletos para obterem robustez em suas análises estatísticas. Percebe-se, então, uma segunda oportunidade de melhoria: o processamento de dados a fim de obter medidas
2 automáticas de distâncias padrões. Como, por exemplo, o comprimento, a largura e a altura de crânios.
1.2 Objetivos
Esse trabalho tem como objetivo o desenvolvimento de um processo de aquisição automatizado de dados para digitalização 3D por estereofotogrametria que permitirá a medição mecânica de amostras frágeis, como descreve o diagrama SADT apresentado na Figura 2. O processo de medição é dividido em três etapas: a aquisição de dados, a reconstrução tridimensional estereofotogramétrica e a medição do modelo 3D. O projeto tem o objetivo de automatizar a primeira etapa.
Figura 2: Diagrama SADT (structured analysis and design technique) do processo de medição mecânica não- destrutiva por digitalização estereofotogramétrica. Os quadrados representam as diferentes funções do processo. As setas entrando e saindo horizontalmente representam respetivamente as entradas e saídas. As setas verticais entrando por cima representam as coerções de controle. As setas verticais entrando por baixo representam os mecanismos de controle.
O objetivo final desse trabalho é de realizar um protótipo e quantificar sua precisão. Por atingir ele, foram identificados três objetivos específicos:
3
Conceber uma montagem experimental que permite a aquisição automática de dados necessários para digitalização estereofotogramétrica. Otimizar os parâmetros de aquisição para que a reconstrução do modelo 3D por estereofotogrametria seja o mais fiel possível à amostra. Estabelecer o protocolo de calibração do protótipo para quantificar a precisão.
1.3 Apresentação
A primeira parte do trabalho apresenta o fundamentação teórica necessária para entender o assunto tratado, começando com os principais conceitos de metrologia; seguidos pelos conceitos de estereofotogrametria, uma ciência fundamental na reconstrução do modelo 3D para nosso processo; e o princípio da tecnologia do focus-stacking, que permite fotografar objetos pequenos nas condições adequadas para serem processados.
Uma revisão dos trabalhos científicos é realizada no capítulo 3, a fim de mostrar quais são os avanços no mundo da pesquisa na área do estudo de objetos por digitalização fotogramétrica.
Depois o projeto é apresentado em três fases, a primeira fase discute a concepção do protótipo, a fim de entender como foi idealizada a parte mecatrônica do projeto, como a câmera foi integrada no processo de automação e calibrada para fotografar objetos pequenos em boas condições e como o arranjo experimental foi montado. A terceira fase aborda o tratamento de dados pós-aquisição com finalidade da reconstrução do modelo 3D por estereofotogrametria. Na quarta parte é explicado o protocolo experimental de calibração servindo para caracterizar o erro padrão e quantificar a precisão do processo.
Em seguida, os resultados das medidas são apresentados e discutidos. E finalmente são expostas as conclusões acerca do trabalho realizado e dos resultados obtidos. Por fim, estudos complementares também são recomendados para abrir portas para trabalhos futuros.
Esse trabalho é composto por 6 capítulos, estruturados da seguinte forma (Quadro 1):
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Motivação
Capítulo 1- Objetivos Introdução
Apresentação
Metrologia Capítulo 2 - Fundamentação Teórica Estereofotogrametria
Técnica do Focus-Stacking Capítulo 3 - Revisão Bibliográfica Estrutura do Trabalho Concepção do Protótipo
Digitalização Capítulo 4 - Estereofogramétrica Materiais e Métodos Protocolo de Calibração do Protótipo
Análise da Automação do Processo de Aquisição de Dados Capítulo 5 - Resultados e Discussões Análise dos Elementos Influenciando a Digitalização
Capítulo 6 - Análise da Calibração do Protótipo Conclusões
Quadro 1: Estrutura do trabalho
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Fundamentação Teórica
2.1 Metrologia
A metrologia -do grego “metron” (medida) e “logos” (estudo)- é a ciência que estuda as medidas e as aplicações dela. Ela inclui todos os aspectos teóricos e práticos da medição, com qualquer nível de incerteza e para todo campo de aplicação.
A metrologia é dividida em três áreas de atuação: a metrologia científica, industrial e legal. A primeira, estuda os padrões de medição internacionais, os instrumentos de laboratório e as metodologias e pesquisas científicas sobre o nível de qualidade metrológica. A metrologia industrial está relacionada às ferramentas de controle de qualidade da produção. E a metrologia legal trata das exigências obrigatórias, em termo de medidas, feitas por organismos competentes. Sendo assim, esse projeto está relacionado à metrologia científica.
Para entender o trabalho realizado é necessário introduzir um vocabulário específico à metrologia. Baseando-se nas definições do VIM1 (INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, 2012) é necessário definir as seguintes noções:
Medição: Processo de obtenção experimental de um ou mais valores que podem ser, razoavelmente, atribuídos a uma grandeza. Mensurando: Grandeza que se pretende medir. Calibração: Operação que estabelece, sob condições especificadas, em uma primeira etapa, uma relação entre os valores e as incertezas de medição fornecidos por padrões e as indicações correspondentes com as incertezas associadas; em uma segunda etapa, utiliza esta informação para estabelecer uma relação visando a obtenção de um resultado de medição a partir de uma indicação.
A calibração permite obter uma curva ou um diagrama de calibração, que serve para corrigir o erro sistemático de um aparelho de medição. De fato, cada instrumento é submetido à seus próprios erros de exatidão ou de precisão.
As palavras precisão e exatidão são frequentemente mal interpretadas e utilizadas, pois possuem vários significados na linguagem informal. Em metrologia, para falar de qualidade de
1 Vocabulário Internacional de Metrologia 6 um instrumento de medição, esses termos são definidos, sempre segundo o VIM (INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, 2012), desta forma:
Precisão de medição ou fidelidade de medição: Grau de concordância entre indicações ou valores medidos, obtidos por medições repetidas, no mesmo objeto ou em objetos similares, sob condições especificadas. Exatidão de medição: Grau de concordância entre um valor medido e um valor verdadeiro de um mensurando.
Para quantificar esses conceitos, se pode basear na citação abaixo do texto Precisão, Exatidão, e a Terminologia das Medições de J. Humberto Dias da Silva:
A precisão é usualmente quantificada como o desvio padrão de uma série de medidas. [...] Geralmente [a exatidão de uma medida] é expressa como um desvio ou desvio percentual de um valor conhecido. A precisão geralmente é associada com erros aleatórios do processo de medição, enquanto a exatidão está associada a fontes sistemáticas. (SILVA, 2006).
Todos os instrumentos de medição são limitados por um outro fator que impede de fazer medidas abaixo de um certo valor. Isso é devido à resolução que o Prof. J. Humberto define, na mesma obra, assim:
A resolução de um instrumento de medida, algumas vezes chamada de “capacidade de leitura”, é uma medida da “fineza do detalhe revelado” pelo instrumento de medida. Ou seja, é basicamente uma medida do menor incremento mensurável.
2.2 Estereofotogrametria
2.2.1 Princípio
A estereofotogrametria -do grego antigo composto de (stereos) “sólido”, (phôs) “luz”, (graphè) “desenho e (metron) “medida”- é uma técnica que junta as ciências da fotogrametria e da stereometria. A stereometria trata de medição dos sólidos, e a fotogrametria da obtenção de informações (formas, cores, perspectivas) dos objetos e lugares físicos usando a gravação e o processamento de imagens fotográficas.
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A fotogrametria tem uma história quase tão comprida quanto a da fotografia, ela foi inventada em 1849 por o oficial militar Aimé Laussedat na França quando começou fazer medições do Hotel des Invalides com perspectivas e outros prédios (Figura 3). Depois, ela foi principalmente usada em topografia para cartografar, uma vez combinada com as fotografias aéreas, tanto na área civil, quanto militar (LUHMANN, ROBSON, et al., 2014).
Figura 3: Medição de um prédio com fotogrametria (Aimé Laussedat: La Métrophotographie, 1899, Hrsg. Gauthier-Villars, Paris)
A estereofotogrametria estima a posição espacial de pontos de um objeto usando fotos feitas com diferentes pontos de vista. Uma vez tiradas fotos de todos os lados do objeto em uma quantidade suficiente, algoritmos matemáticos, usando a paralaxe (ângulo entre dois eixos) entre os pontos de vista, determinam as coordenadas nas três dimensões a fim de localizar esses pontos no espaço. Uma vez adquiridos os pontos em uma quantidade suficiente, um modelo pode ser realizado e medidas efetuadas.
Durante muito tempo, os pontos homólogos foram identificados graças à intervenção humana, o que representava uma fase do trabalho caro. Hoje em dia, esses pontos são determinados automaticamente, com cada vez mais facilidade, devido aos algoritmos.
Duas equações da geometria estereoscópica são principalmente usadas em fotogrametria, tendo por objetivo determinar a orientação dos pontos identificados como homólogos em duas imagens. A primeira é a "equação de colinearidade" que usa o fato de que os pontos físicos, o foco e os pontos das imagens são colineares. Na Figura 4, é o ponto físico,