Elaine Freitas

Tributo a LADY GAGA © 2012 by Universo dos Livros Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Diretor editorial Luis Matos

Editora-chefe Marcia Batista

Editora-assistente Carolina Evangelista

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Revisão Amanda Moura

Arte Francine C. Silva Karine Barbosa Capa Konsept

Foto da capa Latinstock © RD / Erik Kabik / Retna Ltd. / Corbis

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

F866t Freitas, Elaine. Tributo a Lady Gaga / Elaine Freitas. – São Paulo : Universo dos Livros, 2012. 152 p.

ISBN 978-85-7930-346-3

1. Lady Gaga (cantora). 2. Biografia. 3. Música pop. I. Título.

CDD 927.8164

Universo dos Livros Editora Ltda. Rua do Bosque, 1589 - Bloco 2 - Conj. 603/606 Barra Funda - São Paulo/SP - CEP 01136-001 Telefone/Fax: (11) 3392-3336 www.universodoslivros.com.br e-mail: [email protected] Siga-nos no Twitter: @univdoslivros Introdução

Era para ser apenas mais uma cantora pop na era da internet, em que as estrelas surgem uma atrás da outra, fazendo sucesso da noite para o dia. Mas Stefani Joanne Angelina Germanotta, que se transformou em Lady Gaga, tornou-se um grande sucesso – um fenômeno que, em pouco tempo de carreira, conquistou dois Grammys, três Brit Awards, vários MTV Video Music Awards, alcançou recordes de vendas de CDs e singles e de downloads de música. E mais: ficou no topo da revista Forbes como a mulher mais poderosa, colocando Oprah Winfrey em segundo lugar. Ela parece já ter nascido para se tornar uma estrela. Quando descobriu que tinha jeito para a coisa, buscou lapidar seu talento. Errou, várias vezes. Quis ser roqueira. Quis ser Norah Jones. Cantava descalça com vestidos longos enquanto tocava piano. Passou a usar roupas estranhas – ou a não usá-las – e se sacudir, ao vivo, ao som de vários estilos musicais. Fez teatro e participou de musicais, e, por isso, foi considerada teatral demais para fazer música pop. Por outro lado, era considerada pop demais para fazer musicais. Embora não soubesse o estilo de música que preferia, Lady Germanotta sempre soube que queria ser famosa e não mediria esforços para que isso acontecesse. Foi por esse motivo que tirou a roupa durante uma apresentação, para chamar a atenção de universitários que não davam a mínima para sua música. Também foi por isso que abandonou uma das melhores faculdades de arte do mundo e o conforto da casa dos pais para viver num apartamento barato em Nova York, onde teria contato com o mundo do rock’n’roll, com o qual sempre sonhara. Lady Gaga jamais se arrependeria de ir atrás de seus sonhos, mesmo que tivesse de abrir mão de muita coisa. Ao contrário de muitas pop stars, a cantora que ficou famosa por não usar calças é inteligente, tem de fato uma voz potente, compõe, toca instrumentos e consegue ter o controle de sua carreira, dizendo “não” a gravadoras e empresários quando algo não a agrada. O ditado que mais se assemelha à sua personalidade é: “falem mal, mas falem de mim”. Lady Gaga não se importa em usar roupas bizarras e tampouco em ter atitudes estranhas, desde que seu nome seja comentado. Para ela, não existem ossos do ofício. Vive sua persona 24 horas por dia, sem reclamar. Se preciso, dormiria de maquiagem e com saltos sobre os quais é quase impossível se equilibrar. Ou então nem dormiria. Como nenhuma outra celebridade, ama seus fãs. Fala sempre deles, não recusa autógrafos e chegou a distribuir lanches a eles enquanto esperavam para assistir a um de seus shows. Chama-os carinhosamente de “pequenos monstros”. Emocionada, diz que tudo o que faz é para eles. Não se importa com dinheiro. É capaz de investir tudo que tem para que seu show ou seu figurino seja ainda mais grandioso. São esses os principais fatores que transformaram a garota sem calças no maior fenômeno musical da primeira década do século XXI. Mas ainda há muito a se conhecer da curiosa vida dessa cantora intrigante, de personalidade forte. Afinal, não basta ser fã de Andy Warhol para conseguir transformar quinze minutos de fama em um sucesso fenomenal. Lady Gaga está aí para provar isso. Prólogo A fã virou ídolo

A menina não se cansava de brincar. Era o início da década de 1990, mas os artistas que marcaram a década anterior ainda faziam os olhos da pequena Stefani Germanotta brilharem. Enquanto as crianças daquela idade brincavam de bonecas ou se divertiam com seus videogames, ela preferia seu minigravador de plástico. Cantava músicas de Michael Jackson, Madonna e Cyndi Lauper. Rodopiava em volta da cama ao som de Immaculate Collection, a coletânea de sucessos de Madonna lançada em 1991, e fazia poses iguais às do clipe da música Vogue. Fechava os olhos bem apertados e se via em um programa de televisão ou em um estádio cheio de gente. Queria ser igual aos seus ídolos. Stefani era uma fã fiel. Colecionava, vibrava, amava seus ídolos. Talvez não tão fiel no sentido mais conhecido da palavra fidelidade: ela amava gente demais. Queria ser Boy George; mais tarde, quis ser Fiona Apple. Foi obcecada por Judy Garland, Bruce Springsteen, David Bowie e Led Zeppelin; vibrava com os garotos do New Kids on the Block; foi criada ouvindo (e amando) Bruce Springsteen, Billy Joel e Beatles, que denominou, posteriormente, como heróis musicais. Mas também havia Queen, David Bowie e Grace Jones que, assim como Madonna, seriam os artistas mais citados por Stefani como influências musicais. Na adolescência, Stefani gritou pelos ídolos teen que mais balançaram sua geração. Tinha uma jaqueta de couro com um desenho de um dos Hanson. E uma camiseta mostrava quem era seu New Kids on the Block favorito: “I Love Donnie”. Em casa, sempre ouvia Frank Sinatra, Andrea Bocelli ou Stevie Wonder durante as animadas (e suculentas) refeições italianas.

“Born this Way é avant-garde technorock. Tem muitas influências rock no álbum, mas também techno. Eu peguei a influência de Bruce Springsteen na vida de meu pai para criar esse álbum.” Google Goes Gaga, 2011.

Stefani morava no Upper West Side, em Nova York, e tinha de aproveitar qualquer oportunidade que tivesse para ver seus ídolos de perto. Louca por , não poderia perder a chance de vê-la quando soube que a musa estaria na cidade para gravar o Total Request Live, programa da MTV. Depois da aula, Stefani e as amigas enfrentaram o metrô superlotado, pegaram o trem até o centro da cidade e saíram correndo pelas ruas, eufóricas para terminarem o percurso até os estúdios da MTV. No rosto, o nome de Britney desenhado com tinta gliter. Os estúdios onde era gravado o TRL têm janelas de vidro, que permitem a visualização do que ocorre lá dentro por quem está na rua. A multidão vibrava e Stefani chorou ao avistar aquela que era o seu ídolo. Mais tarde, declarou em entrevista à revista Maxim que ficou impressionada com o número de fãs de Britney. “Eu queria sentir a respiração ofegante.” Para Stefani, o melhor momento do ano era o MTV Video Music Awards, evento da MTV americana que premia os melhores artistas do ano. A menina brincava, fingindo se apresentar entre os melhores da noite. Até preparava o figurino: enrolava-se em uma manta xadrez que sua avó tinha tricotado. “Corria pelo porão comendo pipoca e gritava entusiasmada, esperando que o show começasse. Adorava os espetáculos pop. Lembro-me de Alicia Keys, que fez uma linda apresentação, e de Michael Jackson com N-Sync”.1 É muito intenso, ela relata: “Você não pode imaginar, é extraordinário ser uma superfã.”2 Nem é preciso dizer que a brincadeira de criança, com figurino e tudo, se tornou realidade. Stefani virou Lady Gaga e parou de correr pelo porão com a manta xadrez para se apresentar no próprio MTV Video Music Awards como a grande atração da noite. A pequena fã se transformou em grande ídolo, provavelmente o maior do final dos anos 2000. Quando imitava os artistas pop, não estava só brincando. Imaginava que isso fosse acontecer; aliás, não só imaginava como sonhava, almejava e batalhou muito para essa conquista. Queria que aquele tempo dos fãs malucos voltasse. “Perdemos o desejo de comer o artista, e isso é algo que quero trazer de volta.”3 1 Phoenix, 2010, p. 15. 2 Phoenix, 2010, p. 97. 3 Phoenix, 2010, p. 98. Capítulo 1 Infância e escola

Eu odiava [as aulas de piano]. Não queria aprender a ler música ou praticar. Minha mãe queria que eu fosse uma jovem refinada. Ela me fazia ficar sentada em frente ao piano.1

“Algumas pessoas simplesmente nascem estrelas. Ou você é ou não é. E eu, definitivamente, nasci uma estrela.” Já famosa, Stefani Joanne Angelina Germanotta fez essa declaração pouco modesta à revista Fabulous, em março de 2009. E completou: “Mesmo quando criança, sempre tive os olhos dos outros sobre mim, como abelhas no mel. Sempre fui ultrajante e muito inteligente”. Primeira filha de Joseph e Cynthia Germanotta, Stefani nasceu no dia 28 de março de 1986, em Yonkers, Nova York, sob o signo de Áries – batalhador e impaciente. A irmã mais nova, Natali, chegou alguns anos depois. Stefani e Natali tinham todo o conforto possível que duas crianças poderiam ter. O pai obteve sucesso com o trabalho por meio da internet e pôde proporcionar o melhor de Nova York a suas filhas. As irmãs não eram mimadas, embora pareça contraditório: apesar de terem tudo que queriam, os pais faziam questão de ensiná-las a terem determinação, respeito e reconhecimento por todo o bem material que tinham. Stefani realmente tinha os olhares sobre si. Desde cedo, ela queria se mostrar diferente de todos. Ainda no jardim de infância, participou de sua primeira peça de teatro, Os três carneirinhos. “Eu era o carneirinho maior. Decidi fazer meus chifres com papel alumínio e um cabide”2, contou. Com certeza uma amostra do que estaria por vir, afinal, Lady Gaga criou sozinha boa parte do figurino maluco que exibiu em sua carreira. Aos poucos a menina foi percebendo que também tinha habilidade para outras coisas. Aproveitou seu dom de criar figurinos para aparecer na escola sempre diferente, apesar de não poder fugir da obrigação de usar uniformes. Queria estar presente em todos os eventos. Em casa, recebia a babá sem roupa. Quando saía com os pais para jantar, batucava nas baguetes suas “composições”. A vida da família Germanotta sempre foi repleta de música, de diversos estilos.

“Eu não faço nenhuma separação entre Stefani e Gaga, são absolutamente a mesma pessoa.” (Google Goes Gaga, 2011)

Ainda pequena, Stefani tinha aulas de piano e observava sua mãe se vestir com as mais chiques grifes da época: Ferragamo, Valentino, Paloma Picasso. “Era uma experiência maravilhosa vê-la se preparar para o dia. Ela sempre se parecia muito mais nova do que todas as outras mães. Tenho muito dela em mim.”3 Cynthia “brincava de boneca” com sua filha, vestindo-a com leggings coloridas que chamavam a atenção de longe. “Eu tinha um chapéu incrível, de vinil verde-cassino com luzes que piscavam. Usei-o uma vez em uma festa de patinação.”4 Ainda sobre a brincadeira de boneca, a mãe gostava de fazer cachinhos nos cabelos de Stefani ao estilo Marilyn Monroe. “Para ser honesta, eu achava que ficava linda. Mas zombavam de mim.”5 A filha mais velha adorava a brincadeira com roupas, mas não tinha o mesmo amor pelas aulas de piano. Cynthia fazia questão de que a menina aprendesse um instrumento, não apenas pela música em si, mas para que tivesse noções de disciplina. Diante da recusa da filha em aprender, comprou um piano, contratou uma professora particular (mais tarde, Gaga diria à imprensa que sua professora de piano trabalhava como stripper) e obrigava a menina a ficar sentada uma hora por dia diante do instrumento. “Não precisa tocar, mas tem de ficar sentada”, ordenava.6 Com apenas quatro anos, a rebeldia vinha em forma de socos no piano. De tanto ficar sentada com os braços cruzados, um dia resolveu tocar. E pegou gosto pela coisa. Logo passou a manusear o instrumento com destreza e a tocá-lo “de ouvido”. Achava mais fácil. Estudou os compositores clássicos enquanto ouvia e brincava de cantar e gravar artistas pop.

“Gosto de ser imprevisível, e acho que é bem imprevisível promover a música pop como um meio intelectual.” (Hurst, 2010, p. 10.) No entanto, Stefani não era como qualquer outra criança que tocava piano. Enquanto as outras se sentavam comportadinhas, ela inventava performances. Uma de suas professoras resolveu fazer uma brincadeira para ver se a menina se comportava: colocou uma pulseirinha da Pantera Cor-de-Rosa sobre os pulsos de Stefani, mas sem amarrar. Ela tinha de tocar ao piano sem deixá-la cair.

***

Quando Stefani tinha sete anos, a família se mudou para um apartamento no Pythian, região nobre de Manhattan, pertinho do Central Park. Os pais optaram por colocar a filha em uma das melhores escolas da região: o Convento do Sagrado Coração (Sacred Heart of Jesus School), a apenas algumas quadras de casa. O Convento do Sagrado Coração foi fundado em 1896 e segue os preceitos da Igreja Católica com rigor. Além da educação formal, dedicada apenas a meninas, a escola busca formar cidadãs exemplares, ensinando as garotas a refletirem a respeito de vários aspectos da sociedade, a resolverem problemas por conta própria, a buscarem uma carreira profissional independente, a terem equilíbrio mental e emocional e a trabalharem em grupo ou individualmente com a mesma presteza e habilidade. Recebiam aulas de economia, política, educação sexual e informática. Eram criadas para serem verdadeiras damas – mas não as damas à moda antiga e sim mulheres independentes e bem resolvidas. E sempre na linha: ao chegar à escola, as crianças tinham de fazer reverência às freiras. As meninas recebiam um anel com um coração assim que entravam no ensino médio. O coração tinha de ser virado para dentro. Quando elas se formavam, viravam o coração para fora, como se estivessem mostrando para o mundo o que tinham aprendido. Stefani tinha onze anos quando ingressou na escola, que tinha um custo anual de aproximadamente 60 mil reais. As meninas da alta sociedade estudavam lá: Caroline Kennedy, filha de John Kennedy, e Paris e Nicky, as irmãs Hilton. “Elas são bonitas e muito certinhas, muito, muito certinhas”, contou Stefani, já como Lady Gaga, a respeito das famosas colegas. “Eu nunca vi a Paris e é engraçado que a imprensa sempre diga que eu frequentei a mesma escola das irmãs Hilton. Na verdade, só fui colega da Nicky. Acho que a Paris foi estudar na Dwight.”7 “Eu não era o tipo de garota que saía com os caras depois da escola, sabe? Eu sempre estava fazendo algo artístico.” (iProng Magazine, 2009.)

“O Sagrado Coração era uma escola de muito prestígio, mas tinha tipos diferentes de garotas”, exclamou Stefani. “Umas eram muito ricas, outras tinham bolsa de estudos e algumas eram de classe média, como minha família. Todo nosso dinheiro era investido na nossa educação e nas coisas da casa.”8 Ela foi uma das poucas alunas do Sagrado Coração a arranjar um emprego depois da escola – foi garçonete, já no ensino médio – e usou seu primeiro salário para comprar uma bolsa Gucci. “Fiquei tão animada porque as meninas do colégio sempre tinham suas bolsas caras e eu sempre usava qualquer bolsa barata. Meus pais não iam me comprar uma bolsa de seiscentos dólares.” O rigor da escola causou em Stefani atitudes opostas. Por um lado, era uma aluna nota dez, dedicada, inteligente. Fazia as lições direitinho e nunca tinha tempo para se divertir, ao menos durante a semana. Frequentava as atividades religiosas sem reclamar. As alunas tinham de ir à missa na capela todas as sextas e a uma reunião de orações às quintas. Stefani participou de retiros em mosteiros. Embora fosse pequena, entendia que seus pais estavam se sacrificando para oferecer a melhor educação possível a ela e a sua irmã e, por isso, dedicava-se ao máximo. Também era travessa, como ela mesma relatou: “Me comportava mal e vestia coisas horríveis para ir à escola.”9 Obrigada a usar saias longas – o uniforme era composto por saias de algodão azul no verão e lã xadrez no inverno, e as freiras usavam réguas para medir o comprimento exato. Stefani enrolava a vestimenta na cintura para parecer mais curta. “As freiras não sabiam o que fazer comigo.” Ao mesmo tempo, era nerd, sensual e esquisita. “Sou uma garota nerd-musical-teatral-artística que tirava boas notas, que parecia um pouco sexy demais e um pouco estranha.”10 Quem vê Lady Gaga nos palcos com suas roupas minúsculas e tratando a sexualidade com a maior naturalidade pode até acreditar que sua adolescência foi cheia de promiscuidade e que a perda de virgindade foi algo precoce. Que nada. Quando estudava no Sagrado Coração, só tinha contato com os garotos nos fins de semana ou quando era convidada para participar de peças de teatro da escola de meninos Regis High School. Assim como as outras garotas de sua escola, Stefani era “intocável”. Não era uma menina fácil. Os garotos mal podiam chegar perto. Sexo não fazia parte da sua vida. E continuaria assim por um bom tempo. Mas a garota emanava algo diferente. “Minhas amigas costumavam me dizer que não importava o que eu estivesse vestindo, mesmo com o zíper da parca fechado até o pescoço eu parecia estar nua.”11 Um dia, as freiras pediram que ela trocasse suas saias, pois estavam curtas demais. Stefani reclamou, apontando para uma amiga: “Mas nós estamos usando a mesma saia!”, contou em entrevista à Elle de dezembro de 2009. Queria ser diferente das outras meninas da escola, e, para isso, não se importava em exagerar. Usava batom vermelho e encaracolava os cabelos, contou ao site About, especializado em música. Embora tivesse muitas amigas e, mesmo com sua insistência em ser diferente, Stefani não era a garota mais popular da escola. Ao contrário. Ela não se cansa de dizer, depois da fama, inclusive durante seus shows ao vivo, que sofreu muito bullying durante sua infância e adolescência. “Algumas garotas eram bem cruéis. Tiravam sarro de mim porque eu me vestia de maneira diferente. Como eram freiras que administravam a minha escola, sufoquei esse meu lado durante muito tempo.”12 Enquanto as freiras ensinavam as crianças a serem fortes e determinadas o tempo todo, a futura Lady Gaga sentia-se frágil cada vez que alguém zombava dela. Preferiu não comentar as agressões com ninguém, nem mesmo com seus pais. “Não queria que meus pais pensassem em mim como um lixo, que eu era como aquelas pessoas me faziam sentir”, comentou em entrevista ao programa televisivo Current Affair. A menina forte que sempre buscou chamar a atenção de todos sentia-se tão triste com esses episódios de bullying que se recusava a ir à escola, trancando-se no banheiro da mãe. “Eu não era forte o suficiente, na minha concepção. Me vestia de um jeito diferente, falava diferente, ouvia música diferente e era criticada por ser quem eu queria ser”, contou. “As pessoas riam de mim, eu me esforçava muito para não chorar. Lembro que uma menina veio até mim e perguntou se eu ia chorar. ‘Você é tão patética’, ela falou.” Outras garotas falavam que Stefani era lésbica e zombavam do seu nariz grande e dos seus dentes encavalados. A resposta veio muitos anos depois, na letra da música “Born this Way”: “Sou bonita do meu jeito”. Só depois de adulta, já famosa, Stefani parou para pensar o que era sofrer bullying na escola. “Nunca tinha percebido o quanto isso me afetou”, disse no programa The View em 2011. “É muita pressão, e você se pergunta o que tem para oferecer. Por muitos anos, achei que não tinha nada a oferecer”, confessa. No entanto, ela relata um lado bom em tudo isso: o sofrimento pode ter tornado-a fraca em um primeiro momento, mas foi um impulso a mais para atingir o objetivo de ser famosa, que era sua meta desde sempre. Para evitar o sofrimento, Stefani tentou visualizar as coisas de forma diferente. “Durante algum tempo, achei que as garotas estavam apenas com inveja, e por isso eram maldosas comigo”, disse à Entertainment Weekly. Talvez, pensou, elas tivessem inveja da audácia, pois Stefani era uma das poucas que provocava as freiras com atitudes diferentes e com roupas irreverentes. “Quando você tem doze anos, faz roupas com flores de plástico coladas e tenta coreografar shows em sua escola que são demasiadamente sensuais, começa a ficar parecida com isso. Certo, esta é a minha estética. Minha estética é, de muitas maneiras, exatamente a mesma de quando eu era mais jovem. Estou apenas mais inteligente.”13

“Minha música nunca vai sair rolando pela cama e dizer que não me ama.” (Fabulous Magazine, 2009)

Durante a turnê Monster Ball, em 2011, Lady Gaga desabafa, em um tom irritado: “Essas meninas pesavam trinta libras [cerca de treze quilos] menos que eu e ficavam me atormentando. Eu me sentia muito mal comigo mesma. Mas estou aqui para dizer que um dia você terá um estádio inteiro para você cantar e dançar na frente de milhares de pessoas, inclusive aquelas que praticaram bullying contra você”. Em entrevista ao Google,14 reclamou: “Essas pessoas pedem ingressos para assistirem aos meus shows”. Gaga continua repetindo, até hoje, essa história de bullying. Para tirar a prova, o New York Entertainment entrevistou algumas colegas de escola. Uma delas, Júlia Lindenthal, a desmentiu, afirmando que Stefani sempre foi popular e que nunca teve nenhum tipo de problema social.

“Na turnê Monster Ball, eu vejo algo especial nos meus fãs. Mas, ao mesmo tempo, eu vejo algo assustador, algo que eu era, algo incerto. Por isso, encorajo as pessoas a olharem para a escuridão, para lugares onde não costumam olhar e encontrar algo especial, pois é aí que se escondem os diamantes.” (Google Goes Gaga, 2011)

***

Embora já demonstrasse talento para o mundo do entretenimento ainda antes da vida escolar, seus anos no Sagrado Coração, mesmo com o excessivo bullying que alegava sofrer, poderiam ter sido definitivos para moldar a personalidade que vemos hoje nos palcos de todo o mundo. Além de fazer aulas de teatro e de vestir roupas diferentes para se destacar em meio a tantas pessoas que se achavam especiais, a futura Lady Gaga gostava de chocar e de se exibir. Não queria passar despercebida. “Sempre fui uma entertainer. Fui exagerada quando pequena e continuo assim.”15 Ela relembra ao New York Entertainment sua experiência de aprender teatro. Começou aos onze anos de idade e as aulas eram aos sábados, o dia todo. “Lembro-me da primeira vez que tomei um copo de café imaginário. Foi a primeira coisa que me ensinaram. Também pude sentir a chuva, sem estar chovendo”, encantou-se. A boa garota do Sagrado Coração tinha uma identidade falsa aos quinze anos. E também tinha um namorado onze anos mais velho. “Esta foi uma das razões para arrumar um emprego após a escola”,16 justificou. “Meu pai não me daria dinheiro para sair nos fins de semana porque ele sabia que eu ia para o centro da cidade para aprontar.” Foi nessa mesma época de rebeldia que ela fez sua primeira tatuagem: uma clave de sol nas costas, que decidiu remodelar quando ficou famosa por achar muito amadora, “um carimbo vagabundo”, nas próprias palavras. “Descobri muito cedo minha paixão pela arte do choque. Sempre quis ser uma estrela. Sempre quis ser algum tipo de veículo comercial que tivesse a atenção do mundo e pudesse dizer e fazer coisas para inspirar as pessoas. Isso foi certamente o que eu quis fazer.”17 O fato de estar em uma escola tão boa e tradicional foi outro elemento que, possivelmente, ajudou Stefani a se transformar em Lady Gaga. A educação foi um grande diferencial. “Sou muito esperta”, orgulha-se. “Não sei até que ponto meus anos de escola foram um alento para ideias malucas e criativas, mas eles me deram disciplina e direção. Eles me ensinaram a pensar. E eu sei realmente como pensar”, disse ao The Guardian. Prova disso é que Lady Gaga, ao contrário de muitas celebridades da música, tem a carreira em suas mãos. Administra e planeja cada passo, compõe as próprias músicas, investe o próprio dinheiro. Disciplina é a palavra que mais marcou a escalada de Stefani para a fama. Determinada a alcançar seu objetivo de ser famosa, ela abriu mão da faculdade, de namorados e até de sexo. Deixou sua quase mansão confortável e segura na Upper West Side para morar no sujo e nojento East Village, região de Nova York onde as pessoas respiravam música. Podia até mesmo fazer noitadas de bebedeira, mas no dia seguinte estava de pé bem cedo para compor, ensaiar, ou qualquer outra coisa que o ajudasse a “chegar lá”. Dormir, para ela, não era importante. Era, sim, perda de tempo. Foi educada, tanto na escola quanto em casa, a ser líder, ambiciosa, a assumir riscos. Acreditava que podia ser qualquer coisa que quisesse, desde que se dedicasse.

“Eu tinha esse sonho e queria realmente ser uma estrela.” (Hurst, 2010, p. 22)

1 Callahan, 2010, p. 34. 2 Herbert, 2010, p. 8. 3 Herbert, 2010, p. 9. 4 Callahan, 2010, p. 46. 5 Callahan, 2010, p. 46. 6 Phoenix, 2010, p. 14. 7 About.com. 8 New York Entertainment. 9 Herbert, 2010, p. 20. 10 Herbert, 2010, p. 13. 11 Herbert, 2010, p. 13. 12 Herbert, 2010, p. 16. 13 Phoenix, 2010, p. 31. 14 Google Goes Gaga, 2011. 15 Herbert, 2010, p. 10. 16 New York Entertainment. 17 Phoenix, 2010, p. 15. Capítulo 2 A adolescente talentosa… e estranha

Quando tinha quinze, dezesseis anos, chamava muito a atenção por minha voz e minhas canções porque eu era muito jovem.1

Repleto de alunas ricas, um jantar no Sagrado Coração não poderia ser diferente: o salão estava elegantemente decorado, com um imenso piano de cauda no centro. Os pais acompanhavam suas filhas, alunas da escola, que estavam vestidas com alta costura, cabelos maravilhosamente penteados e maquiagem impecável. Stefani também estava com roupa de gala, e desceu, elegantemente, a escadaria de mármore do salão. Sentou-se ao piano e tocou uma música clássica. “Tinha vinte garotas em vestidos lindos, sentadas em uma fila, esperando para tocar. Eu realmente fiz um bom trabalho.”2 Naquela noite, Stefani não cantou. Mas os colegas já conheciam sua voz potente, pois ela fazia parte do coral da escola The Madrigals, onde foi escolhida como primeira soprano. Enquanto isso, tocava em uma banda de rock e pop. Também queria ser atriz e encontrou tempo aos finais de semana para ensaiar. Participava de muitas produções teatrais encenadas pela Regis High School, escola católica só para meninos, que precisava de meninas para suas peças. Atuou em Alice More, A Man for All Seasons, Philia, Anna Andreyevna, The Government Inspector, entre outras. Também cantou em algumas produções da escola de rapazes. Em seu anuário do colégio, afirmou ter feito uma participação no musical Sopranos. Participava de testes para caçadores de talentos e tentou ser escalada para participar de musicais da Broadway. Stefani não parava. Fazia tudo isso e ainda mantinha as boas notas na escola. Preocupada, a mãe pediu que a menina diminuísse o ritmo: “Mas eu estava ficando cada vez mais faminta.”3 ***

Certo dia, depois da aula, Stefani resolveu olhar roupas nas lojas no centro de Nova York, uma de suas atividades favoritas. De maneira distraída, começou a cantar enquanto escolhia as peças. “Eu tinha entre doze e treze anos, acho que cantei ‘I Want it that Way’, do ”, disse à revista Blender. Evan, um funcionário da loja – “me lembro do nome até hoje” – ficou encantado com sua voz e resolveu abordá-la. Disse que era sobrinho de Don Lawrence, produtor musical, compositor e preparador vocal famoso, que já tinha trabalhado com Bono, Christina Aguilera, Mick Jagger e outros astros e estrelas da música. Stefani guardou o número de telefone de Don e ligou assim que chegou em casa. “Qualquer pessoa da indústria musical sabe que Don Lawrence é o melhor professor de música do mundo. Ele deu voz a artistas como Bono e Christina”, falou na mesma revista. Foi naquela conversa em uma loja de roupas que começou a primeira grande parceria que levaria a menina para sua escalada ao sucesso. Mais que um preparador vocal, Don se tornou um mentor para Stefani. “Ele me encorajou a compor, por isso comecei a escrever músicas aos treze anos.” Usava o próprio piano e fazia gravações. Sua primeira gravação pop chamava-se “To Love Again”, e era uma balada para piano. “A ideia que temos do amor aos treze anos é hilária”, lembra.4 “Compunha músicas clássicas e pop. Foi aí que percebi que os acordes de Bach eram os mesmos que apareciam no disco de Mariah Carey.”5 Nessa época, as composições melosas, bem diferentes das canções que tornaram Lady Gaga um sucesso, eram inspiradas em artistas como Carole King e Patti Smith. Don Lawrence ficou ao lado de Stefani por muitos anos, até que ela se transformasse em Lady Gaga. No encarte do álbum The Fame, veio o reconhecimento: “Você é o maior e mais talentoso professor que já tive. Obrigada por minha voz, minha ética no trabalho e minha disciplina”, agradeceu.

***

No ensino médio, Stefani se juntou a uma banda cover que tocava canções de Led Zeppelin, Jefferson Airplane e U2. Era uma época em que ela gostava muito de rock. O primeiro CD que comprou com o próprio dinheiro foi o do Green Day. Mas o rock e a vontade de cantar e tocar não eram os únicos incentivos para Stefani: ela já era adolescente e estava de olho nos rapazes mais velhos que tocavam guitarra. Aos poucos, passou a escolher os próprios músicos e montou a Stefani Germanotta Band, mas também se apresentava sozinha, quando tinha apenas catorze anos. Frequentava clubes obscuros e casas noturnas como a The Bitter End by Night acompanhada por ninguém mais ninguém menos que sua própria mãe. Mesmo assim, tinha dificuldade para entrar nesses locais por ser menor de idade. A mãe insistia: “Minha filha é bem nova, mas tem muito talento. Vou ficar sentada aqui vendo-a tocar”.6 Eram bares de jazz, não boates de sexo – acrescenta Stefani ao relembrar o fato depois da fama. Essa insistência da menina, aliada à conivência da mãe, fez com que muita gente prestasse atenção naquela adolescente irreverente que tocava piano quase dançando ao mesmo tempo.

“Ensaio vocais todos os dias. Faço o mesmo aquecimento vocal desde que tinha onze anos de idade. Don Lawrence ainda é meu treinador vocal.” Google Goes Gaga, 2011)

Chegara a hora de se despedir do Sagrado Coração. Stefani terminaria o ensino médio e precisava decidir que faculdade seguir. Era hora de abrir o coração do anel para o mundo e mostrar a todos que estava preparada para o que desse e viesse. Mas ela ainda não sabia o que vinha… Embora tivesse certeza de que queria atuar na área de artes, Stefani tinha dúvidas sobre que faculdade cursar. Mais uma vez pensou em ir para a Juilliard. Chegou a se matricular em um programa pré-universitário, que consistia em algumas aulas aos fins de semana para vivenciar as rotinas da escola e decidir se realmente era aquilo que queria. Mas ficou nervosa no dia de sua audição de ingresso. Optou por algo que poderia ser ainda mais difícil que a aprovação na Juilliard: pensou em estudar em uma das mais renomadas escolas de arte do mundo, a escola Tisch da Universidade de Nova York. Para isso, passaria por uma avaliação artística e por um processo de entrevista mais cansativo que um vestibular dos mais concorridos. Stefani já mostrava que era uma pessoa determinada: ela colocou na cabeça que era aquilo mesmo que queria, concentrou-se e deu o melhor de si. Tinha apenas dezessete anos quando foi aprovada em uma escola de arte que possuía um dos processos de admissão mais difíceis de todo o mundo. E mais: foi uma das vinte jovens a conseguir sua vaga antes da idade prevista. No dia de fazer sua matrícula, Stefani ainda estava cercada pela dúvida. Será que não devia ter insistido com a Juilliard? Será que a Tisch, que teve alunos como Angelina Jolie, Woody Allen, Anne Hathaway e Selma Blair, fora a escolha certa? Era aquilo mesmo que ela queria? Deveria seguir pelo caminho do teatro ou da música? Lá, Stefani teria oportunidade de aprender um pouco de tudo. Mas o que ela desejava de fato? Apesar das dúvidas, a garota começou a frequentar as aulas. Aprendeu teatro musical, teve aulas de História da Arte, descobriu como se desenham cenários, teve noções de direção criativa. Viu como pensar a música como um todo: coreografia, sincronismo de telões, roupas, dançarinos, cores. “Dançava durante cinco horas todas as manhãs, depois tinha aulas de atuação e canto e, à noite, estudava livros de arte. “Este é o tipo de material nerd em que me aprofundo. E, graças a isso, quando estou dirigindo meus vídeos, conheço todo o jargão necessário para poder me impor como uma garota inteligente em vez de uma boba”,7 afirmou sobre as aulas da universidade. Quem pensa que Stefani deixou de se dedicar à sua futura carreira de cantora, se engana. O pai continuava investindo – ele havia pedido a Joe Vulpis, produtor e engenheiro musical que trabalhara com Lindsay Lohan, que fizesse a primeira demo de sua filha. O CD foi usado como parte da admissão de Stefani na Universidade de Nova York. A mãe continuava levando a jovem talentosa para cantar em casas noturnas pela cidade, enquanto, durante o dia, a família tentava agendar testes com executivos da indústria musical. Nessa época de muito estudo e dedicação, tocava em uma banda de glam rock e continuava frequentando a casa noturna The Bitter End, onde muitos talentos foram descobertos, principalmente nas décadas de 1960 e 1970. No YouTube, os fãs podem facilmente encontrar um vídeo de Stefani cantando nesta casa noturna. Nesse dia, ela vestia uma roupa cinza comportada, tocava teclado e cantava uma música chamada “Hollywood”. Na mesma apresentação, que data de 20 de janeiro de 2006, ela também fez um cover de “D’yer Maker”, do Led Zeppelin. Já na universidade, ela aparece bem mais comportada cantando duas músicas ao piano em um show de talentos. São duas baladas, estilo Norah Jones: “Captivated” e “Eletric Kisses”, ambas compostas por ela mesma. Stefani usou um vestido verde tomara que caia e terminou classificada em terceiro lugar. Em outra competição, foi vencedora. “Na universidade, tornei- me quem sou agora”, declarou, algum tempo depois, ao jornal australiano The Age. Ela tinha se libertado de todas as amarras do colégio de freiras. Apesar da falta de tempo para ensaiar e se desenvolver como artista, a futura Lady Gaga estava gostando da Universidade de Nova York. A cada dia aprendia mais. No entanto, por mais estranho que pudesse parecer, Stefani sentia que lhe faltava algo. Na teoria, ela tinha tudo. Mas lhe faltava a prática, a experiência. “Adorava a Universidade de Nova York. Mas achava que, sozinha, poderia aprender mais sobre arte do que a escola poderia me ensinar”, justificou, já famosa, à revista Elle. Mas não seria a universidade que faria Stefani desistir de seu grande sonho de ser uma cantora famosa. Ao contrário. O sonho de ser cantora famosa fez Stefani desistir da universidade. Melhor que enfrentar aulas, acreditava ela, era enfrentar as dificuldades para encontrar o sucesso. Não era nas aulas de arte, que absorvia com facilidade, que as encontraria. “Se você aprende como pensar sobre arte, você pode ensinar a si mesmo”, justificou, mais tarde, ao New York Entertainment. Estava ansiosa demais para esperar a conclusão do curso para que pudesse buscar sua carreira. Como dizia a letra de uma de suas bandas favoritas, o Queen, ela queria tudo, e queria agora (“I want it all and I want it now”). “Sabia que havia alguma coisa a mais estava reservada para mim.”8 Porém, uma coisa ainda a deixava reticente: o que seus pais pensariam se ela abandonasse a Universidade de Nova York em busca de um sonho que talvez nem se realizasse? Eles tinham se sacrificado muito para que ela completasse seus estudos. Seria uma decepção para eles. Temerosa, Stefani resolveu conversar com Joe e Cynthia. Não custava nada tentar. Em vez de falar com jeitinho, foi firme: “Estou saindo de casa. Vou procurar um apartamento, trabalhar em oito empregos e encontrar meu próprio caminho na música.”9 A mãe começou a chorar. Mas, uma vez mais, os pais da adolescente a apoiaram. Não concordaram, mas apoiaram. O pai ainda propôs ajudá-la com as despesas do aluguel, mas ela não quis. Preferia viver a experiência que os grandes astros viveram, se preciso trabalhando como garçonete ou lavando banheiros. Não bastava sair da universidade, tinha de sair do conforto da casa dos pais para vivenciar de perto a luta pela fama. No entanto, Joe deu a ela um prazo: se não conseguisse um contrato no prazo de um ano, voltaria para casa. E para a Universidade de Nova York. ”Não sou aspirante à fama em um programa de talentos da TV. Consegui isso da maneira que você tem de fazer: toquei em todas as casas noturnas de Nova York e me descobri como artista.” (Herbert, 2010, p. 78)

“Saí da Universidade de Nova York, deixei a casa de meus pais, fui para meu próprio espaço e sobrevivi sozinha. Fazia música e elaborei meu caminho começando de baixo. Não conhecia alguém que conhecia alguém que conhecia alguém. Se tenho algum conselho a dar é simplesmente que trilhe seu caminho sozinho, não desperdice tempo tentando obter um favor.”10

Anuário do Colégio: NOME: Stefani Joanne Germanotta. APELIDO: Stef, The Germ. GERALMENTE É VISTA: cantando. IMAGINE-A: com a barriga coberta. SONHO: fazer um show como apresentação principal no Madison Square Garden. EQUIVALENTE MASCULINO: Boy George. SEPARADA NO NASCIMENTO DE: Britney Spears. BEM VALIOSO: meu piano. O QUE NÃO GOSTA: pessoas “comuns”. APOSTO QUE VOCÊ NÃO SABIA: que ela participou de Sopranos. NÃO COMPARECEU À REUNIÃO: tinha um teste. 1 Phoenix, 2010, p. 29. 2 New York Entertainment. 3 Callahan, 2010, p. 28. 4 Callahan, 2010, p. 35. 5 Phoenix, 2010, p. 24. 6 Herbert, 2010, p. 18. 7 Phoenix, 2010, p. 34. 8 Phoenix, 2010, p. 27. 9 Phoenix, 2010, p. 38. 10 Phoenix, 2010, p. 37. Capítulo 3 Os dias de luta em Nova York

Nunca esperei que alguém me desse algo em uma bandeja de prata.1

Ela não precisava passar por aquilo, mas ela queria. Era uma opção. Ou melhor, era o único caminho. Trocou a Universidade de Nova York por uma tentativa de conseguir um contrato com uma gravadora. Largou o luxo da casa dos pais para alugar um apartamento na East Village, região de Nova York onde surgiram muitos dos grandes artistas. Aquela região ajudou bandas britânicas como Pink Floyd e Led Zeppelin a se tornarem famosas nos Estados Unidos. Também foi por ali que nasceu o punk rock, mais especificamente em um bar chamado CBGB. Madonna e Andy Warhol, dois dos artistas pop mais amados de Stefani, também iniciaram suas respectivas lutas pela fama por ali. Ela precisava respirar o ar do local. Escolheu um pequeno apartamento bem diferente do luxo ao qual estava acostumada. Tinha rachaduras, carpete imundo, janelas que trepidavam. Começou a trabalhar como garçonete em uma cafeteria chamada Cornelia Street Café, no Greenwich Village. Nas horas de folga, ensaiava com sua banda, a Stefani Germanotta Band. Seus cabelos já não tinham mais as luzes cacheadas: agora eram pretos e repicados.

“A música pop nunca vai ser simplória, ao menos não no meu palco.” (Herbert, 2010, p. 44)

Até aí, tudo bem. O problema é que Stefani começou a usar drogas. Se os grandes roqueiros experimentavam maconha e cocaína antes (alguns durante) da fama, por que ela, que queria tanto ser uma estrela, não podia experimentar também? A menina bem-comportada, filhinha de família rica (embora se recuse sempre a admitir que é rica), que tirava notas boas e que conseguiu entrar em uma das faculdades mais concorridas do mundo, agora tinha um comportamento autodestrutivo, doentio. Desde quando era estudante na Universidade de Nova York usava drogas mais leves, mas, agora que estava sozinha, ela viajava por caminhos pesados: a cocaína. Passava horas em casa, cheirando. Arrumava o cabelo e fazia a maquiagem. Quando o efeito da droga passava, cheirava mais um pouco, desfazia o penteado e a maquiagem e começava outra vez. “Era uma coisa bem doentia”,2 confessou. Recebia a droga no próprio apartamento e consumia sozinha, enquanto ouvia música. “A trilha sonora da minha cocaína era The Cure. Adorava todas as músicas deles, mas ouvia a canção “Never Enough” no repeat enquanto consumia várias trouxinhas de cocaína.”3 “Na época, achava que não havia nada de errado comigo.”4 “Eu não era uma viciada vadia, fazia fitas demo e as enviava para todos os lados, depois subia em minha bicicleta e fingia ser a agente de Lady Gaga. Ganhava trezentos dólares trabalhando e gastava tudo em xerox para fazer os cartazes.”5 Era apenas o “romantismo” de Andy Warhol e de Mick Jagger, justificava. Ela queria viver a vida dos famosos, entender como eles viram as coisas para chegarem até sua arte. “Nunca consumi drogas pelo barato.” Era sobre “ser uma artista”. As drogas eram para acordar um dia de manhã, ficar muitos dias acordada escrevendo músicas e depois ter um ataque de pânico. “Mas eu não encorajaria as pessoas a fazer isso por essa razão, você pode chegar a todas essas coisas sozinho”, diz, talvez com medo de fazer apologia às drogas ao afirmar que suas criações surgem assim. Lady Gaga acredita que aquele momento foi, de certa forma, importante em sua vida, embora ressalte que tenha sido a fase mais difícil na busca pela carreira. “Foi importante para experimentar, destravou partes do meu cérebro.”6 Como queria viver de perto o submundo do rock’n’roll antes da fama, Stefani esquecia que tinha dinheiro e ensaiava nos lugares mais imundos. Em vez de um apartamento ou um estúdio, como faziam alguns dos roqueiros de Nova York, ela optou por uma sala cujo acesso era por um bueiro aberto na Ludlow Street, no Lower East Side. A banda era a Stefani Germanotta Band. Tempos depois, passaram a se apresentar como Stefani Live. Não era só o nome: a banda era exclusivamente dela, e Stefani não pensava duas vezes em trocar algum integrante se ele estivesse atrapalhando sua ascensão. Para chamar a atenção e se diferenciar das milhares de bandas do cenário underground da cidade, Stefani se apresentava seminua. Já não compunha mais como antigamente: estava tão jogada naquele submundo underground nova-iorquino que até a criatividade parecia se esvair. Fazia shows burlescos e começou a se apresentar como go-go girl. Claro que Joe e Cynthia estavam chateados. A filha havia deixado a melhor universidade de arte dos Estados Unidos, largara o conforto do lar, abrira mão de todo o esforço que eles tinham feito, e agora se apresentava sem roupas naquelas boates sujas para homens mal-intencionados. Joe se afastou um pouco de Stefani. Mas não podia deixar a filha abandonada. Uma vez, foi vê-la em uma apresentação. Sua filha mais velha surgiu no palco com um fio dental de oncinha e um top preto. Joe não conseguia acreditar. Ela só podia estar enlouquecendo.

“Não faço isso por dinheiro. Não quero comprar um carro veloz. Eu só quero colocar tudo que ganho na minha música e arte. Vou ficar cada vez maior.” (Fabulous Magazine, 2009)

A jovem não sabia como, mas o pai descobrira que ela estava usando drogas. Não falou diretamente sobre o assunto com ela, mas a instigou: “Você está estragando tudo, garota”. E completou sutilmente: “Só quero lhe dizer que qualquer pessoa que você conheça enquanto estiver desse modo e qualquer amigo que você faça no futuro enquanto estiver dessa maneira, você irá perder”7. Ela entendeu o recado. “Ele é o meu herói”, disse à revista Fuse em 2009. Mas, para mostrar que desaprovava aquele comportamento obscuro, Joe se afastou da filha. Ficar sem a presença do pai seria muito para Stefani. Ela o amava de uma forma incomum para muitas garotas. Em muitos momentos de sua carreira, Gaga afirma que seu pai é seu grande mentor, seu ídolo, a pessoa decisiva em sua vida. “Apesar do sucesso que as pessoas imaginam que eu consegui, se meu pai me chamasse agora e dissesse: ‘Em que diabos você estava pensando para fazer isso?’, e ficasse furioso com algo, isso partiria meu coração. Se alguém vem até mim e diz: ‘Você é uma puta sem-vergonha, odeio sua música e acho que você não tem talento’, isso não significa nada para mim. Nada. Mas, se meu pai disser isso, significa muito.”8 Além de ter a reprovação do pai, ela caiu na real ao levar um grande susto durante o uso de drogas. “Achei que fosse morrer”, contou. Quando finalmente ficou limpa, voltou a conviver com a família e a tentar a fama. Como odiava ficar sozinha, vivia dormindo no apartamento luxuoso dos pais, embora mantivesse seu espaço no Lower East Side. No início, recusou a ajuda do pai, mas agora queria tanto ser famosa que tudo era bem-vindo. A mãe deu todo o apoio e conforto para que ela continuasse em seu objetivo de uma forma limpa, digna, sem drogas. A biógrafa de Lady Gaga, Maureen Callahan, em entrevista ao site Pop Eater, diz que é complicado saber a relação de Gaga com as drogas. Os amigos da estrela, entrevistados por Callahan, jamais a viram usar drogas, o que pode fazer muita gente acreditar que se trata apenas de algo fabricado pela cantora para chamar a atenção. “Parece que ela é uma dessas usuárias ocasionais, que nunca desenvolvem um vício”, completa Callahan. Até porque, se ela realmente fosse uma viciada, não conseguiria parar da noite para o dia com o simples pedido do pai. Hoje Gaga afirma categoricamente não usar drogas e diz não mentir a respeito disso, mas vez ou outra confirma que usa maconha durante o processo de composição de suas músicas. Talvez prefira ficar quieta a respeito do assunto para não causar polêmica e fazer apologia ao uso, influenciando milhares de fãs. Talvez realmente não use. Mas uma coisa é verdade: ela adora beber até cair. Ficar bêbada mesmo, se divertir, tomar bastante uísque e vinho, suas duas bebidas favoritas. A primeira demo da Stefani Germanota Band foi Words, lançada em janeiro de 2006 e produzida por Joe Vulpis. Detalhe importante: foi o pai de Stefani quem pediu para Vulpis produzir as canções. Ele era produtor e engenheiro, havia trabalhado com Lindsay Lohan e conhecia o pai de Stefani de uma organização ítalo-americana em Manhattan. Ansiosa, Stefani estava cansada de esperar um lançamento comercial de seu trabalho. “Foi simplesmente como as gravações que fazia sozinha”, disse mais tarde ao The Grind. “Era curto. Não estava vinculado a uma gravadora. Era apenas o material que estava fazendo em Nova York. É assim que sou”, completou.

“Minha ambição é apenas continuar fazendo música. Sou muito agradecida por poder fazer música, tenho fãs lindos e posso fazê-los felizes. Pelo resto de suas vidas, eles olharão para trás e dirão, eu a amava, ela não tinha medo, era brava por nós.” (The View, 2011) Words tinha um estilo “garota ao piano” bem diferente do CD The Fame, que consagrou Lady Gaga posteriormente. A banda, formada por Eli Silverman na guitarra, Alex Beckman na bateria e Calvin Pia no baixo, divulgava o material em várias casas noturnas da Lower East Side. Em uma apresentação no The Bitter End, em janeiro de 2006, a demo Words esgotou. Em março de 2006, Stefani Germanotta e sua banda se apresentavam mais uma vez no The Bitter End, desta vez para lançar (e vender, claro) seu primeiro EP (extended play, curto demais para ser considerado um CD completo e longo para um single), o Red and Blue. Na verdade, tratava-se do primeiro “golpe de marketing” da artista que ficou conhecida por suas estratégias nessa área: ela selecionou as mesmas músicas de Words, mudou a ordem, colocou sua foto na capa e vendeu como um EP em vez de demo. Red and Blue não teve grande distribuição e hoje uma cópia original é um item disputado pelos fãs da cantora. O track list era: “Something Crazy”, “Wish You Were Here”, “No Floods”, “Words”, “Red and Blue”. Por meio de uma dessas músicas, No Floods, surgiu uma das baladas que apareceu posteriormente no disco oficial de Lady Gaga, Brown Eyes. A banda se separou ainda em 2006. Mas Red and Blue teria deixado seu rastro. O EP foi ouvido por Bob Lone, diretor nacional de projetos do Songwriters Hall of Fame, que gostou de Stefani e a escolheu para se apresentar no New Songwriters Showcase de 2006, no The Cutting Room de Nova York.

“O que me faz sentir uma artista não é ter minha foto tirada por paparazzi, e sim ter 50 mil fãs gritando.” (Google Goes Gaga, 2011)

***

Duas pessoas que ela conheceria seriam fundamentais para seu próximo passo rumo ao estrelato: Wendy Starland e Rob Fusari. Em 2006, Stefani passou a trabalhar como estagiária para o produtor Irwin Robinson na Famous Music Publishing, subsidiária da companhia gestora da MTV Viacom. Servia cafezinho e atendia telefonemas. Foi lá que encontrou a musicista Wendy Starland e fazia de tudo para chamar sua atenção. O cafezinho de Wendy com certeza era o mais doce e o mais gostoso do escritório. Não era à toa. Stefani sabia que Wendy trabalhava como caça- talentos para Rob Fusari. Rob trabalhara no lançamento de Destiny’s Child, a banda que lançou Beyoncé. Trabalhou também com Gloria Gaynor, Britney Spears, Will Smith e Jessica Simpson. Naquele momento, ele mantinha sua produtora em Nova Jersey, sua cidade natal, onde escrevia músicas para artistas pop, rock, country e hip-hop. Ele dera a Wendy Starland a missão de encontrar uma garota com aproximadamente 25 anos que pudesse ser uma versão feminina de Julian Casablanca, vocalista dos Strokes. Sabe-se lá como, Stefani descobrira isso. E agora se candidatara a vaga, mas sem dizer isso diretamente à Wendy. Simplesmente dera todas as pistas que era a garota certa embora, na verdade, estivesse longe de ser uma versão feminina do vocalista dos Strokes. Quando Wendy Starland chegava ao escritório, Stefani usava toda a sua alegria para cumprimentá-la. E logo contava que era uma compositora talentosa. “Tenho uma música chamada Stolen Love”, dizia Stefani.9 Além de se autoelogiar, a menina dizia amar as canções de Wendy e vivia chamando a cantora para conhecer o seu trabalho. E eis que Starland estava lá, assistindo a um show da Stefani Germanotta Band. Mas não porque Stefani havia convencido a cantora; foi coincidência: as duas se apresentariam no mesmo dia no Cutting Room, na rua 24, em Manhattan, e a jovem fez o possível para que a olheira de Fusari assistisse a sua performance. Para isso, a garota abordou Starland e disse que sua banda iria se apresentar. O convite para assistir parecia mais uma convocação e Wendy acabou se convencendo. Quando Fusari pediu que Wendy encontrasse uma cantora que fosse uma versão feminina do vocalista dos Strokes, disse que ela não precisava ser linda, tampouco ter o maior talento do mundo. O importante era não conseguir tirar os olhos dela. Ao estar diante de Stefani Germanotta naquela noite, Wendy Starland realmente não parou de olhá-la. Ao mesmo tempo, pensava: “a garota é boa, mas a banda é horrível. As músicas precisam ser mais trabalhadas. O jeito que ela se apresenta… uau! Ela toca piano com o corpo inteiro. O visual é fraco… mas ela tem talento.

“Eu só acho que sou muito boa no que eu faço.” (Hurst, 2010, p.13) E coragem. Starland acreditava nisso. Viu em Stefani desde aquele momento uma menina corajosa, uma pedra preciosa a ser lapidada. Havia muito a ser feito, mas Starland estava disposta a ajudar. “Pensei: eu e Rob podemos mudar o nome, a imagem, as músicas, podemos fazer alguma coisa”, disse no documentário The Lady before Gaga. Procurou a jovem após a apresentação. “Agarrei-a pelo pulso e lhe disse: estou prestes a mudar sua vida”.10 Stefani, claro, estava disposta e pronta para isso. Tanto que, quando Starland disse que ela teria de dispensar a banda, incluindo o namorado, ela não pestanejou. “Ela sequer piscou. Acredite: uma semana depois o namorado não estava mais com ela”,11 contou Starland. Na mesma noite da apresentação, Starland ligou para Fusari. Segundo alguns biógrafos de Lady Gaga, Fusari se aborreceu. Ele estava dormindo, ficou irritado por ter sido acordado, acessou o MySpace de Stefani na mesma hora e odiou. “Wendy, isso não vai dar certo, não desperdice meu tempo”, teria dito, segundo a biografia de Maureen Callahan. Starland retrucava, insistindo para vê-la se apresentar ao vivo, enquanto Stefani escutava o bate- boca pelo viva-voz do telefone. Algumas semanas depois, Wendy Starland conseguiu levar Fusari para assistir a um show. Mais uma vez, o produtor ficou irritado. “Você está de gozação com a minha cara?”12 Rob Fusari foi embora sem falar com Stefani. Ela viu o produtor saindo e sabia que aquele era um mau sinal. A garota estava apostando todas as fichas naquele produtor. Mas não estava dando certo. O tempo que seu pai lhe dera para conseguir um contrato com uma gravadora estava acabando. Ela teria de voltar para casa, para a universidade, desistir de seu sonho de ser famosa. Em pânico, Stefani ligava insistentemente para Starland. Era sua última cartada. Não era possível que tudo que fizera teria sido em vão: abandonar o conforto da casa dos pais, usar drogas, trabalhar em cafés, ensaiar nos locais mais imundos, ficar sem dormir para ensaiar e compor… Tanto trabalho precisava de uma recompensa. E ela viria em breve. Duas semanas depois de sair chateado do show, Rob Fusari decidiu receber Stefani.

1 No original: “I never expected anyone offers me something on a silver platter”. The Grind. 2 Herbert, 2010, p. 24. 3 Herbert, 2010, p. 24. 4 Herbert, 2010, p. 24. 5 Phoenix, 2010, p. 48. 6 Herbert, 2010, p. 25. 7 Herbert, 2010, p. 27. 8 Herbert, 2010, p. 28. 9 Callahan, 2010, p. 36. 10 Callahan, 2010, p. 39. 11 Callahan, 2010, p. 38. 12 Callahan, 2010, p. 39. Capítulo 4 O homem que diz ter descoberto Lady Gaga

Só existe uma Lady Gaga, e eu a encontrei, ela entrou pela minha porta. E eu me sinto o homem mais feliz… O produtor mais feliz do mundo. Rob Fusari, no documentário The Lady before Gaga

Aquela menina meio gordinha e baixinha, sentada numa pizzaria em Nova Jersey, não poderia ser ela. Bem, na verdade, só podia ser ela, pensou Rob Fusari, mas ele preferia que não fosse. Ele ainda se lembrava, embora vagamente, da primeira vez que a vira, naquela apresentação de música: a garota estava tocando piano e a primeira impressão que teve foi que ela estava acima do peso. Rob ainda não entendera muito bem o que Wendy Starland vira na tal Stefani Germanotta. Mas ela já estava ali: a garota pegara um ônibus, saíra sozinha de Nova York e o aguardava no local combinado. Rob estava confuso. Ela deveria ser mesmo muito boa. Talvez fosse apenas mais uma jovem em busca de um sonho. Talvez ainda houvesse tempo de mandá-la para casa e desistir dessa brincadeira. Stefani chamava a atenção de longe. Usava legging, uma camiseta recortada e chapéu. A visão desta garota meio “deslocada” (para não usar adjetivo mais apropriado), aliada à lembrança das músicas da Stefani Germanotta Band no MySpace e do “bendito” show a que assistiu, fez Rob Fusari ter vontade de mandá-la de volta no primeiro ônibus à Nova York. Resistiu e cumpriu o combinado, levando a jovem ambiciosa a seu estúdio e colocando-a para tocar.1 Fusari estava tão entediado que nem quis descer do carro para buscá-la. Aproveitou a insistência do amigo que o acompanhava – o músico Tommy Kafafian – que queria muito comer uma fatia de pizza, para pedir que ele buscasse a jovem. Em uma cidade estranha com gente esquisita, Stefani, claro, ficou assustada. Mas acompanhou o desconhecido e, por sorte, ele estava mesmo acompanhado do produtor que ela estava prestes a conhecer. Já no estúdio, Stefani tocou Hollywood. Ainda segundo a biografia2 de Maureen Callahan,3 que narra este dia com mais detalhes, Fusari gostou do trabalho dela, mas continuava confuso, sem saber se contratava ou não aquela garota. Ela não tinha nenhuma semelhança com Julian Casablanca, então aquela história de versão feminina dos Strokes estava descartada. “Eu achava que ela fosse a versão feminina de John Lennon, para dizer a verdade. Ela era o talento mais estranho”, disse Rob, em 2010, ao New York Entertainment. Enquanto ela tocava, o produtor ficou pensando: “Oh, meu Deus, se não contratá-la, ficarei muito desapontado”. A mente voltou-se para o contrato e ele nem conseguia pensar mais em escutar Stefani tocando piano. Sentou-se atrás dela, enviando uma mensagem de texto para a gerência pedindo um contrato. Tanta hesitação acabara rapidamente? A menina desesperada por um contrato finalmente assinaria qualquer coisa que aparecesse em sua frente? Nada disso. Stefani era jovem, estava sozinha, parecia insegura, mas não era nada boba. Ela confiava em seu talento e sabia que Fusari tinha gostado. Ela não sairia dali com um contrato assinado se percebesse que aquele não era o contrato ideal, o que ela esperara durante tanto tempo, que batalhara com unhas e dentes. Embora parecesse desesperada por um contrato e tivesse se afirmado inexperiente – o que não era verdade, porque ela já tinha informações da maioria dos selos musicais – Stefani pediu algo absolutamente absurdo: ela queria receber 80% dos lucros que obtivesse com sua música. Aquele era apenas um contrato de produção, não de gravação. As negociações foram estressantes, como diz Starland. Fusari achou que talvez não valesse a pena tanto esforço. “Embora hoje ele diga aos jornais ‘eu soube nos primeiros cinco segundos’, isso não é verdade”,4 afirma Wendy Starland, que também diz que Stefani estava nervosa, achando que não assinariam o contrato, porém se mantinha irredutível. Jovem demais para tomar uma decisão tão importante sozinha, Stefani chamou o pai. Fusari continuaria com apenas 20%; os outros 80% seriam divididos em partes iguais entre Stefani e Joe Germanotta. A diferença é que agora haveria uma companhia de responsabilidade limitada, chamada Team Love Child, que foi criada em 8 de maio de 2006. Pela Team Love Child, Stefani Germanotta (agora Lady Gaga) e Rob Fusari produziram algumas canções que, mais tarde, fizeram parte de The Fame: Beautiful, Dirty, Rich; Disco Heaven (lado B de Boys, Boys, Boys), entre outras.

***

Mais tarde, quando Gaga já brilhava nos palcos e faturava horrores, Fusari dava sua versão da história. Em entrevista ao documentário The Lady before Gaga,5 admitiu ter conhecido Stefani por meio de Wendy Starland. Disse que quis conhecê-la imediatamente. “Ela cantou e borboletas voaram no meu estômago”, exagerou. “Pensei: encontrei a garota dos meus sonhos, me apaixonei por ela.” E completou: “Foi a artista mais determinada com quem já trabalhei. Eram 24 horas por dia, sete dias na semana”. Para terminar, já sem contato nenhum com Gaga, Fusari lamenta: “Claro que sinto falta dela. Só existe uma Lady Gaga, e eu a encontrei, ela entrou pela minha porta. E eu me sinto o homem mais feliz… o produtor mais feliz do mundo”. É difícil saber qual é a versão verdadeira, mas dá pra sentir um tom de derrota na conversa de Rob Fusari. Claro que a Lady Gaga que conhecemos hoje deve muito a ele. Claro que ele está longe de ser o único responsável por todo o sucesso da artista. Na verdade, o grande padrinho de Gaga foi seu pai, que financiou suas “maluquices” que pareciam sem futuro, acreditou em suas bizarrices, aceitou que ela deixasse a faculdade, entre outros fatores decisivos. Quem colocou Stefani de cara com a fama foi Akon, como veremos mais tarde. E a grande responsável pela própria fama foi, claro, Stefani, que batalhou desde sempre para brilhar e agarrou-se à certeza de que só faltava ser descoberta por alguém cuja existência desconhecia por ora. “Eu quis me tornar a artista que sou hoje e isso me custou anos e anos de trabalho.”6 Fusari foi o primeiro grande nome a surgir na vida de Stefani. Criou não apenas o nome “Lady Gaga”, como também ajudou a moldar a artista que vemos nos palcos, “limpando” o visual “sujo” da cantora, convencendo-a a trocar o rock por algo mais pop, eliminando a banda – cujo talento estava bem longe do dela. Enfim, Rob Fusari profissionalizou um pouco o trabalho de Stefani, agora Gaga. A parceria poderia ter rendido melhores frutos se não tivesse enveredado para outro lado: Rob e Gaga começaram a namorar e o relacionamento artístico ficou tumultuado. Quando ele não gostava de algo – e não precisava ser relacionado à música – pegava tanto no pé que a levava às lágrimas. Ela vivia em uma época nada fashion, usava calças legging com camisola para chamar a atenção. Um dia, chegou ao estúdio com calças de moletom, daquelas que geralmente são utilizadas para fazer cooper. Fusari achou aquilo um absurdo. “Prince não compraria um sorvete vestido como Chris Rock. Você é uma artista agora. Não pode usar uma tecla liga e desliga e voltar a ser uma pessoa normal”,7 foi a lição. Ela ainda estava aprendendo a ser uma estrela e, apesar da mágoa inicial típica de uma briga de namorados, aquela conversa de Rob Fusari pode ter sido decisiva mais tarde, quando ela resolveu que jamais seria vista (e fotografada) como uma pessoa normal. Resolveu comprar livros para descobrir o que os artistas pop faziam nas suas horas de folga e descobriu que poderia usar sua paixão pela moda aliada à sua vontade de chamar a atenção para sair às ruas com saias cada vez mais curtas, até que um dia elas desapareceriam totalmente do seu vestuário, dando lugar a calcinhas. *** Em 2010, Fusari, por meio de sua empresa, a Rob Fusari Productions, entrou em processo judicial contra duas empresas de Lady Gaga, a Team Love Child (da qual era detentor de 20%) e a Mermaid Music. Motivo: Gaga teria quebrado o contrato com Fusari.

“Algumas pessoas dizem que tudo (na música e na moda) já foi feito antes e, até certo ponto, elas estão certas. Acho que o truque é honrar sua visão e referência e juntar coisas que nunca foram colocadas juntas antes.” (Hurst, 2010, p. 10)

O primeiro contrato foi assinado entre eles em maio de 2006, quando Fusari a apresentou para Laurent Besencon, que se tornou seu empresário e providenciou um contrato com a Island Def Jam. A previsão era que Lady Gaga lançasse um CD por essa gravadora em maio de 2007. Mas nada aconteceu: ela foi demitida da gravadora depois de apenas três meses. Isso ocorreu em uma época em que Gaga e Rob Fusari já estavam namorando firme – ela dormia na casa dele, ele almoçava com os pais dela, muitas vezes o aspecto profissional ficava em segundo plano… Mas não para ela, que ficou magoada quando foi demitida da gravadora. Ela brigava com ele, e ele queria que o relacionamento voltasse a ser somente profissional. Foi assim que, em janeiro de 2007, eles terminaram o namoro. A biografia Poker Face: a ascensão de Lady Gaga, de Maureen Callahan, coloca um pouquinho mais de lenha na incandescente fogueira Gaga e Fusari. Pouco tempo depois de começarem a trabalhar, Fusari teria demitido Tommy Kafafian, um de seus guitarristas, assim que soube que Gaga namorava o músico. Depois do fato, mesmo sendo noivo, Fusari resolveu admitir que estava apaixonado por sua nova pupila, dezoito anos mais nova que ele. Músico experiente que era, não pensou nas consequências de se envolver emocionalmente por uma artista e se deixou levar pelo seu sentimento. Ela ficou surpresa, pois até então não tinha percebido nada, e se perguntou o que aconteceria se ela o dispensasse: perderia a chance de ser famosa? Não poderia arriscar. Ainda segundo a biografia, que cita (mas não nomeia) fontes próximas da cantora, ela queria apenas gravar seu disco e resolveu arriscar, mesmo sem gostar dele. Ou seja, para ser famosa, Lady Gaga não se importou em namorar alguém de quem não gostasse. Mais tarde, ela até começou a se envolver emocionalmente e escreveu para ele a canção “Brown Eyes” – mas atualmente, conclui a autora do livro, Lady Gaga retruca: “olhos castanhos de merda”.8 Aos poucos, as coisas começaram a desandar também no lado profissional: Besencon apresentou Gaga a RedOne e Fusari era aos poucos deixado de escanteio quando o assunto eram decisões criativas. Mesmo tendo apresentado Gaga a Vince Herbert, que foi o responsável pela assinatura do contrato dela com a Interscope, ele foi deixado de lado mais uma vez. Gaga e seu pai já não atendiam mais as ligações de Rob Fusari. Para resolver o problema judicialmente, ele pediu 30,5 milhões de dólares mais custas judiciais. Segundo reportagem de 2010 do site da MTV, Fusari reconhece que recebeu cheques no valor de 611 mil dólares por seu trabalho, mas acredita que ainda tenha direito a mais: 20% de royalties, 15% de merchandising e outras verbas de acordos anteriores. A família Germanotta alegou que o contrato assinado era “ilegal”. Para piorar a situação para Fusari, ele foi acusado pelos advogados de Lady Gaga de atuar como agente sem estar legalmente cadastrado para tal. No final de 2010, tanto Fusari quanto Gaga aceitaram retirar suas acusações. A briga não terminou por aí: Wendy Starland queria sua fatia do bolo. Ela chegou a pensar em processar Gaga, que também queria processá-la, mas ambas mudaram de ideia e Wendy mudou o alvo, focando em Rob Fusari. Segundo a revista Forbes, ela entrou na justiça contra o ex-namorado de Lady Gaga usando como base um acordo feito em 2005, em que ele prometia recompensas caso Wendy encontrasse uma cantora “com menos de 25 anos que fosse uma versão feminina do vocalista dos Strokes”. O acordo era que os dois trabalhariam juntos para o sucesso da cantora e dividiriam o resultado em partes iguais, fosse qual fosse. No entanto, Starland foi deixada de fora quando Gaga e Fusari assinaram o primeiro contrato, em maio de 2006. Continuou compondo com a promessa apenas verbal para receber porcentagem caso futuramente a cantora assinasse com uma gravadora. Isso não ocorreu quando Lady Gaga assinou com a Island Def Jam, tampouco com a Interscope. Mas Starland era paciente: estava sempre na casa dos pais da amiga, comendo Doritos e assistindo a Sex and the City. Tentou manter a amizade e resolver a dívida ao mesmo tempo, e Gaga procurou contemporizar, dando a ela de presente uma bolsa Chanel caríssima com correntes de ouro, exatamente do jeito que Starland queria quando era mais nova. “Não tenho muito dinheiro no momento, da próxima vez não lhe darei uma bolsa, lhe darei uma viagem.”9 Wendy se sentiu usada e reclamou, mas a amiga disse que, se ela levasse a história adiante, a amizade acabaria. Starland não a processou, mesmo assim o clima entre as duas jamais foi o mesmo. Lady Gaga reconheceu que a intervenção de Wendy Starland mudara sua vida. “Wendy foi o anjo que me fez cumprir a promessa feita ao meu pai de que eu conseguiria um contrato e seria uma rock star”, disse Gaga, em uma carta para Wendy. “Sem ela, eu não conheceria Rob Fusari. E, talvez, esse álbum cheio de hits que eu fiz [The Fame] não existiria.” No documentário The Lady before Gaga, Wendy orgulha-se da carta. Mas a amizade ficou no passado.

1 Callahan, 2010, p. 42. 2 Vale ressaltar que outras biografias de Lady Gaga tratam a história de forma bem diferente, dizendo que Rob Fusari foi assistir a um show da Stefani Germanotta Band e gostou tanto da cantora que até sentiu “borboletas” no estômago. Alguns textos adotam uma versão que parece ser romantizada: Fusari sabia que aquela jovem era especial nos primeiros cinco segundos que a viu tocar. Para essa biografia, por não sabermos qual é a história real, preferimos citar as duas, dando destaque para aquela que parece mais verdadeira. 3 Callahan, 2010, p. 45. 4 Callahan, 2010, p. 45. 5 Documentário transmitido pela MTV dos EUA. Disponível em: . Acesso em: 23 jan. 2012. 6 New York Entertainment. 7 New York Entertainment. 8 Callahan, 2010, p. 69. 9 Callahan, 2010, p. 116. Capítulo 5 Meu nome é Gaga… Lady Gaga

“Você é tão enlouquecida quanto Freddie Mercury, totalmente dramática!”,1 disse Rob Fusari a Stefani, enquanto ela cantava no estúdio. E começou a cantar uma música do Queen para ela: “Radio Gaga”. No dia seguinte, Rob mandou uma mensagem para o celular de Stefani e escreveu o nome da música. Mas, quando foi digitar “Radio”, a checagem ortográfica do celular mudou para “Lady”. Ele deixou assim. A partir daí, Stefani resolveu mudar seu nome: só atenderia se fosse chamada de Gaga. E pegou. Até sua mãe passou a chamá-la assim.

Essa é a versão oficial, contada por Lady Gaga a Oprah Winfrey e para a revista Rolling Stone. No entanto, o jornal New York Post diz que na verdade o nome surgiu de um encontro de marketing, um brainstorm, como é conhecido na área. Starland confirma essa versão. Um colaborador, segundo o jornal, diz que o nome foi decidido antes de apresentar a nova cantora às gravadoras. Provavelmente a equipe de Fusari achou que não soaria bem tentar vender uma artista com o nome de Stefani Germanotta. E parece mais “romântico” dizer aos fãs que tudo surgiu de uma mensagem de texto.

“Talvez eu seja uma versão feminina de Freddie Mercury. Tem um pouco de androginia nas minhas apresentações. Sou superfeminina e sexy, mas então, de novo, eu meio que me comporto como um cara.” (iProng Magazine, 2009)

O nome “Lady Gaga” é importante porque ele vem de um contexto: embora Gaga remeta a uma canção do Queen, o termo Lady deixa a artista com um visual mais pop, mais fashion, menos roqueiro. E, naquela época, Stefani queria de toda forma ser uma rock star. Ainda de acordo com o New York Post, foi Rob Fusari quem fez o alerta. “Li um artigo sobre como está sendo difícil para as mulheres se destacarem no rock”, disse ele, “até Nelly Furtado passou a tocar músicas dançantes”. Foi aí que se decidiram por um pop influenciado pelo europop, mas ainda faltava o nome. Lady Gaga misturava o glamour pop e o estilo fashion da cantora, mantendo seu jeito rebelde e roqueira de ser. Bingo. Era abril de 2006 e nascia ali Lady Gaga. “Lady Gaga é meu nome”, diria, empolgada, ao New York Entertainment, no auge da fama. “Se você me conhece e me chama de Stefani, você não me conhece de verdade”, completou, desdenhando o nome de batismo. O encantamento que ela teve com seu novo nome não era o mesmo com o estilo musical que teria de seguir. Stefani, ou melhor, Lady Gaga, gostava de pop, mas ela crescera ouvindo Led Zeppelin, Queen e David Bowie; não queria mudar agora. Afinal, usara drogas para quê? Não fora para imitar seus grandes ídolos? Não era uma atitude rock’n’roll? “Gosto do que estou fazendo, não vou mudar”,2 insistiu Gaga. Não que aquilo fosse puramente rock. O som que Lady Gaga estava compondo era bem parecido com o que já mostrava na faculdade, estilo “garota ao piano”, meio Michelle Branch, às vezes (a própria Avril começou roqueira e tornou seu som mais pop). Ela continuava reticente quanto à insistência de Fusari em mudar os rumos do seu som. O engraçado é que ela era fã de New Kids on the Block, Madonna e Britney Spears, mas queria moldar sua carreira de outra forma. Depois de quatro meses compondo músicas rock, ela perdeu a discussão e resolveu buscar a música pop. Stefani estava um pouco, digamos, acima do peso para uma super star da música pop. Cantar e dançar em cima de um palco não daria muito certo. Logo ela começou a sofrer grande pressão para emagrecer. Mais uma vez, o grande paizão entrou em ação, pagando a ela uma das academias mais caras de Manhattan. Com a sua disciplina, perdeu sete quilos rapidamente. “Sei que minha aparência é pouco convencional, e que não tenho uma beleza clássica, então tenho que fazer outras coisas.”3

***

Ela já era Lady Gaga, tinha um produtor famoso, mas ainda estava bem longe de seu objetivo principal, que era a fama. Pelo menos agora não precisaria voltar para a casa de seus pais – ao menos não oficialmente, pois poderia dormir lá sempre que pudesse. O acordo com seu pai dera certo e ela continuava morando sozinha. Arranjou um apartamento de um quarto na Stanton Street, número 176, no Lower East Side. Ela logo tentou ser a rainha do pedaço. Tentava sair em fotografias, nas revistas da região, namorar os bartenders mais comentados. Acabava sendo mal interpretada, pois os vizinhos achavam que havia uma prostituta no prédio: como ela tinha uma vida noturna agitada, não eram raras as vezes em que chegava bêbada e subia as escadas cambaleando, já que o prédio não possuía elevador. Nesta época de criatividade pulsante, bebedeira, vivência do cenário underground de Nova York e momento no qual Lady Gaga conhecia uma pessoa atrás da outra, ela encontrou alguém que fez seu coração bater mais forte. Era bem verdade que o lugar onde Gaga encontrou Lüc Carl não era onde se costuma encontrar um grande amor: um bar escuro, estilo taverna, onde ela se apresentava como go-go girl. Lüc Carl era um músico de heavy metal e eles tinham um relacionamento, digamos, diferente: ela preparava almôndegas para ele no jantar vestida apenas de calcinha e sutiã. Ele a levava ao trabalho em sua picape. Inspirada pelo novo amor, Lady Gaga via seu trabalho fluir de forma mais agradável. Imaginava o que fazer no palco para chamar mais a atenção, para contagiar o público e aproveitou que estava embalada pela música pop para buscar influência em artistas como The Cure, Pet Shop Boys e Scissor Sisters. Em casa, pensando na vida que levava no East Village, se inspirou para escrever Beautiful, Dirty, Rich, música que fez em parceria com Rob Fusari. Gaga estava explodindo em criatividade. No site About.com, especializado em música, Gaga explicou a canção dizendo que falava sobre a fama que qualquer pessoa pode ter (talvez algo inspirado em Andy Warhol e sua teoria de que todos teriam quinze minutos de fama). “No Lower East Side havia muitos jovens ricos que usavam drogas e que diziam que eram artistas pobres. A música é uma censura a isso também. A letra fala: ‘papai, sinto muito, mas simplesmente gostamos de participar das festas’. Costumava ouvir meus amigos falando com seus pais ao telefone, pedindo dinheiro antes de sair para comprar drogas. Essa foi uma época interessante para mim, é engraçado o que surgiu desse disco, ele diz respeito a muitas coisas diferentes4. Mas, finalmente, o que eu queria é dizer para as pessoas que não importa de onde você é nem quem você é, você pode se sentir bonito, sujo e rico”.5 Ainda ao About.com, Gaga contou que na época que escreveu esta canção, ainda estava afundada em muita droga. Agora já não tinha mais a banda – se apresentava sozinha, com seu MacBook e um piano acústico. Passava horas em seu apartamento sozinha, compondo. Continuava como garçonete e go-go girl para se sustentar enquanto a fama não vinha.

“Quando você vê fotos minhas aparentemente bêbada em um pianobar, na verdade eu estou ensaiando.”

Todas as noites, participava de festas, shows, e se tornava cada vez mais conhecida. Um desses shows tinha tudo para ser um desastre. Lady Gaga havia conseguido um espaço no Bitter End, seu velho e conhecido clube, onde imaginou encontrar amigos do East Village. Ao olhar o público, viu apenas universitários bêbados que só estavam ali porque sabiam que naquele local não pediam carteira de identidade às sextas-feiras. Não seria fácil chamar a atenção do público rebelde. E Gaga decidiu apelar: tirou a roupa. Os jovens, que antes só prestavam atenção em si mesmos e nas garrafas de cerveja, agora focavam naquela garota de calcinha, sutiã e sapatos brancos, tocando piano. A música passou a tomar conta dos ouvidos deles também. Mais um ponto para Lady Gaga. “Foi quando tomei uma decisão definitiva sobre o tipo de artista que queria ser”, disse ao Independent. Naquela noite, ela era dona de sua carreira, apesar dos diversos “nãos” que indefinidamente recebia. Ela já estava cansada disso. Ou era teatral demais, ou pop demais, ou simplesmente diferente demais, como se isso não fosse vantagem em um mundo em que todos os artistas eram cópias uns dos outros. Àquela altura, já fizera testes em todos os lugares imagináveis, tocara para os mais diferentes públicos. Quando tirou a roupa naquela performance, pensou que talvez fosse a hora de parar de se adaptar ao gosto daqueles executivos. A partir de agora, faria exatamente o que quisesse de sua carreira. Com Fusari, ela continuava em um ritmo intenso de produção. Aos poucos, mesmo sem um contrato, Gaga construía seu primeiro disco, música a música, com produtores diferentes – no entanto, sempre com a intervenção e presença dela. Tocava mais, compunha mais. Curioso é que “Paparazzi”, uma de suas canções de maior sucesso, que fala justamente de seu relacionamento com a fama e os fotógrafos, surgiu nesta época em que ela não precisava se preocupar nem com fama, muito menos com fotógrafos. Ao site About.com,6 disse que a canção é sobre coisas diferentes. “É sobre minhas lutas – eu quero a fama ou quero o amor? É também sobre cortejar os paparazzi para que eles se apaixonem por mim. É sobre a prostituição da mídia, se você desejar assim, observando as pessoas como produtos, se fazendo de bobas para suas emissoras.” Enquanto não conseguia um contrato como artista, Gaga trocou seu trabalho como garçonete por um estágio não remunerado na Famous Music Publishing, subsidiária da Paramount Pictures. Ali, ela respiraria música o tempo inteiro, além de poder conviver com artistas e produtores. O fato de não ser um escritório que exigia trajes sociais, fez com que a jovem começasse a trabalhar com sutiãs e blusinhas apertadas, bem parecidas com as que a vemos usar nos palcos hoje em dia.

1 Phoenix, 2010, p. 44. 2 Callahan, 2010, p. 49. 3 Callahan, 2010, p. 50. 4 Ela se refere a seu primeiro álbum, The Fame, no qual a música “Beautiful, Dirty, Rich” seria incluída. 5 Phoenix, 2010, p. 43. 6 Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2008. Capítulo 6 O dia em que Lady Gaga quase desistiu

Minha família instilou em mim uma ética de trabalho implacável. Sempre fui uma garota muito corajosa. Não importava quantas vezes fosse derrubada, continuava tentando.1

Era setembro de 2006 e Lady Gaga tinha mais uma entrevista com um executivo de uma grande gravadora. Ela ia mostrar todo seu talento, tudo que vinha fazendo em toda a sua vida em poucos minutos. Desta vez, era a Island Def Jam, uma subsidiária da Universal Music formada em 1999 com a união entre a Island e a Def Jam. Com isso, tornou-se uma das maiores companhias da indústria musical no mundo, com artistas como Bon Jovi, Mariah Carey, Jennifer Lopez, Rihanna, entre outros. Lady Gaga cantou para alguns executivos e saiu do escritório da Oitava Avenida com contrato assinado e data prevista de lançamento de seu primeiro álbum: maio de 2007. O próprio L. A. Reid, presidente da Island Def Jam, apesar de não estar presente à reunião, ouviu a voz da cantora, empolgou-se e pediu que ela assinasse. Alguns blogs de fãs comentam até que L. A. Reid saiu de sua sala e disse: “posso ouvir da minha sala, você é incrível”.2 Gaga saiu de lá eufórica. Finalmente seu esforço seria reconhecido, estava em uma grande gravadora, poderia conquistar milhares de fãs, ser famosa, realizar seu sonho. A ansiedade continuava e ela era vista quase que diariamente na gravadora para tentar uma reunião com L. A. Reid e conversar sobre suas músicas. Jamais conseguiu falar com ele. E pior: foi dispensada três meses depois, sem gravar nem compor nada. A razão verdadeira pela quebra de contrato continua um mistério. Na Gagapedia, enciclopédia sobre a artista criada por fãs na internet, especula-se que os executivos desistiram dela depois de ouvir “Beautiful, Dirty, Rich”.3 Ao jornal australiano The Age, relembrando aquele período sombrio, a cantora não quis falar mal de L. A. Reid: “Não foi culpa deles, não era para ficarmos juntos. Ele é muito talentoso, não quero difamá- lo”. E completou, de forma arrogante: “Ele me contratou, sinal de que tem ouvidos incríveis”. Essa frase não representou seu estado de espírito na época. Ela ficou realmente arrasada. O fim do contrato com a Island Def Jam foi o mais próximo que Lady Gaga esteve de desistir. Estava tão triste que até admitiu se drogar e beber para superar o fracasso.4 Qualquer pessoa com um pouco menos de determinação teria desistido. A letra da música “Paper Gangsta”, lançada mais tarde no álbum The Fame, foi inspirada no fato e retratou bem o que sentira: “Não quero um gângster metido, não vou assinar papéis fajutos, não entro em negócios furados, não estou interessada em gente falsa. Quer que eu assine no seu Range Rover? Eu já ouvi isso antes. Sim, os jantares eram ótimos. Até que suas palavras se transformaram em nada. Você deveria ter seguido o ritmo da minha música, Sr. Califórnia, gângster metido, estou procurando por amor e não uma página vazia. Muita coisa não significou nada, além de que, fui usada”. Garota esperta que é, conseguiu tirar algo de bom daquela relação curta e com final infeliz. Um dos contratados da Island Def Jam se tornaria um de seus grandes parceiros musicais, alavancadores de sua carreira: o cantor e produtor RedOne. Ela já tinha saído da gravadora quando eles foram apresentados pelo empresário dele. No primeiro dia em que trabalharam juntos, produziram uma música chamada Boys Boys Boys – que foi lançada, posteriormente, em The Fame. Nascido no Marrocos e batizado Nadir Khayat, RedOne realmente admirava o talento de Gaga. Eles compunham e agiam como se fossem parceiros de longa data, e ele a tratava de igual para igual, como se tivessem o mesmo nível de sucesso. Produziu músicas para ela sem cobrar nada ou sem fazer nenhum tipo de contrato, confiando apenas no talento da moça. Ele entendia bem o que era batalhar para entrar na indústria musical: chegou a dormir no chão das gravadoras até fazer sucesso com o grupo A-Teens e escrever a música-tema da Copa do Mundo. “RedOne é o coração e a alma do meu universo”, disse Gaga ao About.com.5 “Ele abraçou meu talento, era como se precisássemos trabalhar juntos. Sua influência sobre mim é tremenda. Eu realmente não conseguiria sem ele. Embora ele não seja um compositor, e sim um produtor, ele me ensinou a ser uma compositora melhor porque eu comecei a pensar em melodias de um jeito diferente.” Desta parceria, nasceu também “Just Dance”, o grande hit que lançou a artista às paradas de sucesso. O curioso é que a música ficou pronta em apenas uma hora.

***

Aos vinte anos, Stefani conheceu uma mulher que seria uma grande influência em sua vida. Talvez fosse até uma versão mais velha de si mesma. Lady Starlight era DJ e também dançarina go-go. Nome artístico de Collen Martin, Starlight era onze anos mais velha que Stefani e tinha determinação e performance teatral bem semelhantes às que vemos hoje em Gaga. Stefani teve aulas de balé na Universidade de Nova York, mas não tinha na dança sua principal arte. Lady Starlight a ensinou a dançar algo bem diferente do que aprenderia na Universidade: sobre os palcos dos bares burlescos do centro da cidade. Também aprendeu a lançar chamas com spray de cabelo. “Eu achei Lady Starlight tão fantástica no palco que pensei: tenho que começar a fazer isso.”6 Starlight levou sua nova pupila para fazer um teste para um novo, digamos, trabalho: a casa noturna Slipper Room, espaço com bar e apresentações de dança. Stefani chegou para o teste com cara de prostituta e foi logo admitida. “Nunca fui stripper, sequer fiz topless”, explicou Gaga, já famosa. “Dançava rock-’n’-roll”.7 Não era bem assim que seus amigos diziam. O próprio Fusari afirmava que aquilo era um show de striptease e que incomodava bastante seu pai. Mas Gaga considerava sua “dança performática” apenas mais um degrau, um aprendizado, um “curso” para ser famosa. Até conhecer Starlight, Lady Gaga já conseguira tomar algum direcionamento para sua carreira, mas ainda não definira sua performance no palco. Ela tocava piano com o corpo, já tinha tirado a roupa ao vivo, mas ainda não havia realmente pensado na apresentação em si. “Um dia ela declarou: ‘Não é realmente uma apresentação e não é realmente um show; é a arte da performance. O que você está fazendo não é somente cantar: é arte’. E uma vez que ela me mostrou o que eu já estava fazendo, passei a analisar e a pesquisar mais para tentar levar aquilo a um rumo diferente. E foi isso o que fizemos”,8 contou Lady Gaga. Starlight também estava encantada com a garota. Via em Lady Gaga uma versão mais nova de si mesma. “Sou onze anos mais velha e realmente me vejo como sua mentora”, comentou, quando Gaga já estava famosa. “Sou a Angie Bowie do seu David Bowie. A Angie criou o look dele. Ela é minha heroína”, completou.9 Elas se tornaram amigas inseparáveis. “Era óbvio que Gaga seria famosa. Ela era incrivelmente focada sobre o que queria fazer. Ela falou sobre ter usado várias drogas, mas na época em que nos conhecemos tinha parado com tudo aquilo. Não tinha tempo nem para namorar.”

“Eu, meus peitos, minha bunda e meu cérebro estamos muito felizes de estar aqui esta noite.” (Google Goes Gaga, 2011)

As duas passaram a fazer shows juntas. A apresentação ganhou o nome de Lady Gaga and The Starlight Revue. Apesar do pouco dinheiro, elas faziam de tudo para produzir seu pequeno espetáculo. Assim como a fantasia feita de cabides na pré-escola, as Ladies inventavam roupas com cola e qualquer material que pudesse chamar a atenção. Aviamentos, franjas, strass, botões, coisas brilhantes e penduricalhos eram bem-vindos. “Sou uma pessoa que gosta de experimentar coisas diferentes, por isso comprava montes de couro, montanhas de lantejoulas e começava a fazer coisas. Costumava comprar sutiãs baratos e deixá-los do meu jeito, cobrindo-os com correntes ou decorando-os com franjas.”10 Aprendeu a dançar com saltos altos, disfarçando um pouco sua pequena estatura. Gaga já era conhecida no circuito underground e se destacava de sua colega nos palcos. Certa vez, um jornal de Seattle resenhou um show da dupla: “No começo deste ano uma artista relativamente desconhecida chamada Lady Gaga [Stefani Germanotta] irrompeu no Neighbours sem aviso, enchendo a casa noturna com um set que parecia um mash-up de Billy Idol, Madonna e Peaches tocado por um DJ bêbado. Ela parecia um Ziggy Stardust num salto alto de garota de programa, e eletrizou o público”.11 Por incrível que possa parecer hoje em dia, Lady Gaga se parecia com Amy Winehouse. Ela era morena, tinha cabelos longos e até usava penteado semelhante ao da cantora britânica. As roupas eram bem diferentes, claro, mas houve um dia em que Gaga foi confundida com Amy. Foi nos bastidores do festival Lollapalooza, em 2007, e marcou o primeiro incidente de Lady Gaga com os paparazzi. Ela ainda não era famosa, mas Amy estava no auge da fama, e as duas tocariam no mesmo festival. Os fotógrafos viviam correndo atrás de Gaga gritando por Amy, até que um jornalista conversou com a cantora norte-americana por um bom tempo para depois perceber que era a pessoa errada. Depois desse incidente, ela resolveu pintar os cabelos de loiro. “Amy é uma pessoa poderosa, mas eu quero ser conhecida pelo meu próprio visual”,12 afirmou. A estreia do visual loiro foi em um dos movimentados shows das duas Ladies. Também por influência de Starlight, Gaga optou por tocar músicas estilo Glam Metal, apresentando hits das décadas de 1970 e 1990 em uma festa conhecida como New York Street Revival and Trash Dance. O ecletismo dominava a cena: em alguns dias, a dupla dançava ao som de bandas de heavy metal, como AC/DC e Metallica, enquanto em outros predominava o pop dançante. Tudo ao gosto do freguês. Houve até apresentações em que as duas contrataram dançarinas extras. Starlight comandava as pickups, enquanto Gaga se remexia em trajes mínimos, influenciados pelo burlesco. Nada daquilo tinha a ver com Stefani Germanotta, a menina que se sentava ao piano descalça com vestidos que mostravam os ombros, tocando músicas ao estilo Norah Jones.

“Não gasto dinheiro com carros e casas, mas gasto dinheiro com segurança. E digo: é possível fugir dos paparazzi.” (Google Goes Gaga, 2011.)

Essa mistura maluca das duas Ladies muitas vezes surgia na cozinha de Lady Gaga: quando não tinham dinheiro para alugar o estúdio para o ensaio, montavam as pickups ali mesmo, conectavam o piano e os microfones a um amplificador e iniciavam uma verdadeira revolução na vizinhança da futura maior estrela pop do mundo. Lady Starlight parecia prever o que estava por vir. Ela assistia à amiga em seu ensaio e sabia que não era apenas o ensaio de uma jovem fadada a desistir de lutar ou a ficar para sempre no cenário underground, talvez como a própria Starlight… Talvez nem Rob Fusari nem Wendy Starland tenham visto em Gaga aquilo que Lady Starlight via: uma artista completa, com voz, presença de palco, criatividade, que compunha as próprias músicas e não tinha medo de ousar. A amiga sabia que presenciava um momento importante. “Isso, na verdade não é um concerto, nem de fato um show, é performance. O que você está fazendo não é simplesmente cantar… é arte”,13 disse Starlight, parando suas pickups e olhando fixamente para Gaga. Lady Gaga mandou prensar as próprias músicas em vinil para Starlight discotecar no palco, enquanto tocava sintetizador de forma sensual, mostrando os seios. Elas sincronizavam as coreografias e brincavam com disco balls grandes. Aos poucos, passaram a flertar com a dance music, provocando certa revolução no meio underground, já que ninguém gostava do estilo no cenário. “Era a coisa mais provocativa que eu podia fazer no cenário underground. Não há nada mais provocativo do que pegar um gênero de música que todos odeiam e transformá-lo em uma coisa legal.”14 Para ela, se não fosse diferente, não havia a menor graça. A Lady Gaga que conhecemos estava se formando, uma montagem feita sob influência, além da própria história de vida, de três pessoas bem diferentes: RedOne, Rob Fusari e Lady Starlight. A quarta – e definitiva – ainda estaria por vir: Akon.

***

O Lollapalooza foi a primeira experiência de Lady Gaga em festivais. O evento marcou muito, mas de maneira negativa. Gaga não gosta de falar sobre ele. É um festival tradicional de rock, lançado em 1991 por bandas como o Jane’s Addiction e foi pontapé inicial para o sucesso de gente como os Red Hot Chili Peppers e os Smashing Pumpkins. Mas por que Lady Gaga ficara tão chateada com um evento que tinha tudo para lhe dar a tão desejada projeção? Simples: os exageros no vestuário que lhe dariam sucesso e visibilidade lhe valeram uma noite na cadeia. Isso mesmo: ela foi presa por “prática de ato obsceno”. “Você precisa colocar esse traseiro atrás das grades”, teria dito o policial. “Há crianças aqui.”15 Era uma tarde de agosto de 2007. A apresentação foi no Grant Park, em Chicago, nos Estados Unidos. Já do lado de fora, ela foi abordada por um policial, que reclamou do tamanho dos shorts que usava. “Na verdade não era um shortinho, mas ele ficou contrariado e recebi uma intimação. Tudo o que as pessoas viram foi essa garota seminua na rua gritando ‘é a moda! Sou uma artista!’”16 Em outra ocasião, ela completou o desabafo: “Era um festival de música, todo mundo estava usando drogas. Acho que até minha amiga tinha alguma droga no bolso. E eles me prenderam por usar um shortinho? É ridículo”.17 Bem, na verdade Gaga entrou no palco de vestido azul, mas não ficou muito tempo com ele nem fez questão de vesti-lo de novo quando o show acabou. Dançou freneticamente em cima de saltos de 13 centímetros. Apesar dos vários problemas técnicos, a dupla conseguiu chamar a atenção dos milhares de hippies e roqueiros presentes justamente por conseguir fazer algo diferente das guitarras empunhadas por cabeludos que a maioria das bandas traziam. Em 2010, Lady Gaga voltou ao palco do Lollapalooza de uma forma bem diferente: agora, ela era a artista principal da noite. Adaptou a turnê Monster Ball, que realizava na época, e ganhou um palco especial da organização do evento. Para relembrar sua primeira experiência no festival, Gaga vestiu roupa semelhante – uma calcinha preta do mesmo tamanho da que a levou à cadeia e um sutiã tomara que caia imitando uma disco ball – e chamou Lady Starlight ao palco antes de tocar “You and I”. Aproveitou para voltar às raízes underground e pulou na plateia, seminua. Aquele era um festival de rock, mas Gaga, artista pop, dominou o espetáculo. Ironicamente, outro palco apresentava, ao mesmo tempo, um show dos Strokes. Lembra que Rob Fusari procurava uma versão feminina do vocalista dos Strokes quando Wendy Starland encontrou Lady Gaga? Pois é…

“Eu nunca dublo nos meus shows, nunca dublei e não vou dublar. Se você está pagando pra ver meu show, não vou desperdiçar a porra do seu tempo dublando.” (Turnê Monster Ball.)

1 Daily Mail. Disponível em: . Acesso em: 9 jan. 2009. 2 Disponível em: . Acesso em: 23 jan. 2012. 3 Disponível em: . Acesso em: 23 jan. 2012. 4 Callahan, 2010, p. 106. 5 Disponível em: . Acesso em: 23 jan. 2012. 6 Phoenix, 2010, p. 67. 7 Callahan, 2010, p. 63. 8 Herbert, 2010, p. 33. 9 Herbert, 2010, p. 34. 10 Phoenix, 2010, p. 67. 11 Herbert, 2010, p. 44. 12 The Sun, 15 jun. 2009. Disponível em: . Acesso em: 27 jan. 2012. 13 Phoenix, 2010, p. 69. 14 Phoenix, 2010, p. 69. 15 Phoenix, 2010, p. 75. 16 Herbert, 2010, p. 47. 17 Herbert, 2010, p. 47. Capítulo 7 Enfim, o contrato

Quando a gravadora me conheceu, eu estava no palco de um bar com um fio dental, colocando fogo em um spray, cantando músicas sobre sexo oral.1

Mais uma vez foi por meio de seu produtor Rob Fusari que Lady Gaga conseguiu o contrato com uma gravadora. O intermediário foi um velho amigo do produtor, Vincent Herbert, com quem Rob trabalhou na época em que morava em Los Angeles. Juntos, escreveram canções pop para alguns artistas, como Destiny’s Child. Depois do fracasso com a Island Def Jam, Fusari resolveu ligar para Vincent Herbert, que mantinha um selo musical em Los Angeles. Mandou a ele algumas músicas que produzira junto com Lady Gaga e Vincent resolveu ir a Nova York conhecê-la pessoalmente. Assistiu ao show Lady Gaga and the Starlight Revue, e ficou encantado: correu para contratá-la para seu selo, o Streamline, que faz parte da Interscope Records. Ao contrário de L. A. Reid, da Def Jam Records, que no primeiro momento a recebeu com pompas, mas que depois fechou as portas, Vincent Herbert dava toda a atenção a sua música e a seu talento. No entanto, um contrato com uma gravadora ainda não significava a plena realização de seus objetivos. Lady Gaga teria de suar muito a camisa. Naquele momento, ela assinava um contrato para compor músicas. Mas Vincent era alguém especial. Com tanta gente reivindicando o lugar de “descobridor de Gaga”, ela escolhera justamente o dono do selo Streamline como seu principal padrinho. O principal parceiro de composição continuava sendo RedOne, mas eles não conseguiam mais bater as agendas. Ele vivia em viagem, e ela não parava de fazer shows. Mas não desistiria do talento dela tão facilmente e decidiu “dividi-la” com seu amigo e sócio, Akon, com quem compartilhava uma produtora musical, a RedOneKonvict. Akon nasceu em Senegal, na África, e passou por muitas dificuldades antes de se tornar um grande astro da música. Ex-presidiário, o artista tem vários projetos de reintegração de presos à sociedade. É um grande talento, especialmente quando se trata de composição. E Gaga sabia disso. Ficou nervosa quando se reuniu com ele pela primeira vez. Como raramente acontece com nossa biografada, duvidou de si mesma. Achou que aquilo era demais para ela. No entanto, bastaram algumas horas de trabalho para Akon perceber que a jovem cantora tinha talento, não apenas na composição, como também na voz. Insistiu com a Streamline para que Lady Gaga pudesse compor algumas músicas com a sua produtora. Não houve problema, pois ambos os selos eram subordinados à Interscope. Outra coisa que agradava o produtor era que sua nova parceira seguia seu ritmo de trabalho, ficando sem dormir, se preciso. Para ela não era nada dormir poucas horas por noite, mas se impressionou com Akon: “Ficava no estúdio com ele até seis ou sete da manhã, então seu agente entrava e dizia para ele que tinha uma apresentação na TV às oito horas. Ele respondia: ‘Ok, então ainda tenho trinta minutos’. Saía para fazer a apresentação, voltava para o estúdio e trabalhava o dia todo. Ele não para. Eu costumava me preocupar com o sono, mas agora não me preocupo mais”.2 A relação entre os dois – profissional, apenas, é bom ressaltar – tornava-se cada vez mais estreita. Akon podia contar com Gaga quando sofria dificuldades para criar: ela parecia colocá-lo de volta à realidade sempre que a inspiração fugia. Ela, por outro lado, aproveitava a experiência dele para crescer como compositora. Ficava impressionada com a simplicidade com que o novo companheiro fazia surgir canções pop e achava isso empolgante. “As melodias dele são insanas. Penso muito nele na hora de compor minhas músicas porque ele é muito simples e fantástico. Ele me mantém sobre meus pés, muito assentada, mas também me coloca em uma bandeja de prata. Por isso tem sido uma influência incrível. Toda vez que se trabalha com alguém que é melhor do que você, você se torna melhor”.3

“Acham que quando as luzes e as câmeras são desligadas eu me transformo em abóbora. Isso simplesmente não é verdade. Eu faço música, arte e design o dia todo. Sim, eu me lavo e vou dormir, mas quando estou acordada sou sempre Lady Gaga.” (Phoenix, 2010, p. 194) “E o que ela vai vestir hoje?”,4 perguntou a RedOne, brincando. Akon estava impressionado com as roupas diferentes que Gaga usava e não conseguia imaginá-la usando calças jeans, como uma pessoa normal. Só que ele percebia nela algo autêntico, um quê a mais que facilitaria sua entrada ao estrelato. Aquela era uma estrela pronta, diferente de muitas cantoras que chegavam aos produtores com vozes boas, mas sem um pingo de personalidade, ou com personalidade e vozes fracas, ou sem nada disso e apenas um corpinho bonito. Era preciso fazer algo com ela. Lançá-la ao firmamento e deixá-la brilhar.

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Lady Gaga trabalhou com Akon na composição do próximo álbum das Pussycat Dolls, Doll Domination, e também fez parcerias com outros compositores experientes, como Fernando Garibay e Rodney Jerkins. Tinha facilidade para compor música para outros artistas, um processo que descreve como bastante diferente quando escreve para si própria. “Quando faço algo para mim mesma sou um pouco mais ousada.”5 E completa: “O ato de compor não é algo que dá para explicar. A música surge e você simplesmente sabe que é um hit”. Para ela, as melhores músicas parecem surgir sozinhas. “Você começa com a melodia e de repente a letra aparece. Se demora mais do que trinta minutos, provavelmente não é uma boa música.” Talvez realmente não dê mesmo para explicar pelo simples fato que ela não deve se lembrar do que acontece durante a composição: no programa 60 Minutes,6 em 2001, ela confessou que bebe muito uísque e, pior, fuma muita maconha enquanto compõe suas músicas. Quando percebeu, Gaga estava escrevendo canções para seus ídolos. Britney Spears. Meu Deus, Britney Spears, aquela cantora pela qual atravessou a cidade aos berros com o nome dela escrito na testa e quase enlouqueceu quando viu um vulto dela bem de longe… Tudo bem que agora Britney era aquela mulher careca que aparecia na TV dando guarda-chuvadas em paparazzi e perdendo a guarda dos filhos, mas continuava sendo uma das grandes inspirações de Gaga e agora precisava, a todo custo, de boas canções que a levassem de novo ao topo do mundo pop. A canção era “Quicksand”, composta originalmente para as Dolls, mas que ficou com um estilo bem diferente do que as meninas estavam acostumadas a cantar, então Gaga pediu para interpretar a música. Quando o agente de Britney, Larry Rudolph, passou pelos estúdios, a canção estava sendo tocada. Ele ficou interessado e quis mostrar para ela. A decisão ficaria a cargo da própria Britney, e quando Gaga ficou sabendo que seu ídolo teen tinha se apaixonado pela música, em vez de ciúme, ela sentiu emoção. Isso a fez se sentir mais próxima, a um passo apenas do mundo do entretenimento. Ela se recordou daquele dia em frente aos estúdios da MTV e pensou no quanto queria ser artista, causar comoção, emocionar plateias, influenciar pessoas. Agora tudo estava ao alcance de suas mãos.

1 Herbert, 2010, p. 83. 2 Phoenix, 2010, p. 82. 3 About.com. 4 Phoenix, 2010, p. 80. 5 l-prong Magazine, 27 jan. 2009. 6 60 Minutes, 15 fev. 2011. Disponível em: . Acesso em: 27 jan. 2012. Capítulo 8 The Fame

Eu ainda não me sinto uma super star. Ainda espero pelo dia em que vou acordar e me sentir assim. Embora meu primeiro álbum se chame The Fame, não acho que esse seja o principal objetivo de tudo isso.1

Escrever canções para Britney Spears e New Kids on the Block, entrar no estúdio para compor e gravar com Akon e outros grandes compositores e produtores. Lady Gaga já sentia o cheiro da fama bem de perto, mas ela precisava saber esperar. Depois de assinar o contrato com a gravadora, aguardava pacientemente o dia em que gravaria seu primeiro disco. Já não fazia mais shows como antes, pois passava boa parte do tempo entre composições e gravações e, embora escrevesse mais canções para os outros que para si mesma, tinha certeza de que a hora dela ia chegar. Passara por tanta coisa… Não era hora de desespero. Final de 2007, Vincent Herbert estava de olho nas composições que sua pupila vinha fazendo e queria que ela pensasse nas próprias canções. Gaga era meio estranha em sua presença de palco, talvez fosse essa a razão para ter ficado um tempo na “geladeira”, compondo, aguardando sua vez de brilhar. Ao compor boas canções e mostrar dedicação no estúdio, mostrou que poderia sair do limbo e ir para a linha de frente dos artistas do selo. Era uma excelente notícia que vinha acompanhada de outra nada agradável: a cantora teria de deixar sua cidade natal, abandonar as loucuras vividas na Lower East Side e se mudar para Los Angeles, na Califórnia. Era mais um sacrifício que faria em nome da fama. The Fame [A Fama] nasceria lá. Óbvio que ela não recusaria, iria para qualquer parte do mundo se fosse preciso. “Estou indo para Los Angeles. Vou mudar meu nariz, vou ser grande.”2 Ela se referia à cirurgia plástica que fez para reduzir um pouco do seu proeminente nariz. Estava incomodada, achando às vezes que não tivera oportunidade de ser uma performer por estar acima do peso (o que resolveu com muita ginástica, dança e dieta) e por ter um nariz grande. Permitiu-se ficar triste por apenas alguns instantes e foi logo festejar: organizou um bota-fora em um bar na Rivington Street com toda a turma de amigas e amigos do Lower East Side. Farreou até altas horas, bebeu, não dormiu e, prevenida, levou sua bagagem para o bar. Não queria correr o risco de perder o voo para Los Angeles, bem de manhã. Sem blusa quase a noite toda, se vestiu às pressas quando o carro chegou, esqueceu as chaves do seu velho apartamento e o celular e sofreu uma brava ressaca durante toda a viagem. Quem não conhece Gaga pode imaginar que ela chegaria a seu novo apartamento em Los Angeles, correria para uma ducha fria e iria para a cama, sob os paparicos de novos empregados, curtir uma ressaca. Mas se você leu este livro até aqui não se surpreenderá ao saber que ela nem passou pela casa nova: foi direto trabalhar. “Escrevi ‘Just Dance’ com minha blusa pelo avesso. Sem chaves nem telefone.” Será que é por isso que na letra da música ela pergunta onde estão as suas chaves e reclama que perdeu o telefone? RedOne aguardava por ela nos grandes estúdios de Los Angeles. Ele percebeu a ressaca de sua nova amiga e ela começou a cantarolar: “I had a little bit too much…” (“Exagerei um pouco…”). Nascia, assim, rapidamente e inspirado no seu estado de espírito, o primeiro single, lançado em 8 de abril de 2008. “Just Dance” tinha vocais de Akon e de Colby O’Dennis, um cantor do mesmo selo de Lady Gaga. Ter Akon em um single de estreia era uma boa vantagem para uma cantora. Seu novo agente, Troy Carter, acompanhou o processo de criação, fato que a deixou um pouco nervosa, mas ele ficou encantado porque achava que a música seria um sucesso e não podia acreditar que teria sido composta em menos de meia hora. A todo momento, chegava alguém perguntado se ela precisava de algo, um cafezinho, um lanche, água, suco… Até que chegou Vincent Herbert para ver como andava o trabalho da nova pupila. Era pressão e “paparico” ao mesmo tempo. Ela não estava acostumada com aquilo. Mas, quer saber? Apesar da ressaca, estava amando. Para a IProng Magazine, revista do IPhone e Ipod, Gaga afirmou, em 2009, que “Just Dance” fala sobre Nova York, sobre sair à noite, ir a boates, embriagar-se. “Você deveria ir para casa, mas em vez disso fica na rua, passa a noite toda. Essa é a letra da música, mas eu penso em um nível mais profundo: em ultrapassar barreiras. Nesta época, eu buscava incansavelmente meu primeiro single, meu primeiro hit, e ‘Just Dance’ representa isso para mim”,3 justificou. “Just Dance” também era o seu primeiro videoclipe e teria participação de Akon, Space Cowboy e Colby O’Donis. Teve direção de Melina Matsoukas e muitos pitacos da própria Gaga, que adora interferir – de forma produtiva, diga-se de passagem – na produção de seus clipes. “Foram tantos orçamentos baixos durante tanto tempo que fazer esse vídeo incrível foi muito gratificante, realmente divertido. Mas se você vier qualquer dia até uma gravação de um videoclipe meu, vai ver que sou bem reservada sobre essas coisas, não me comunico com todo mundo. Não me comporto como uma garota que circula em uma festa; devo mesmo parecer uma diva. Fico meio na minha, no espaço de trabalho da minha cabeça, me preocupando com o figurino, se está tudo certo com os figurantes, o lugar. Mas não me exponho, entende?”4 “Just Dance” foi gravado em 31 de março de 2008 e em agosto daquele ano teria mais de 119 milhões de visualizações no YouTube, mais um marco conquistado por uma artista iniciante. Visualmente, Gaga estava comportada no primeiro videoclipe. Nada de cabelos exagerados, sapatos impossíveis de andar, máscaras estranhas ou distorções visuais no rosto, características que hoje são facilmente reconhecidas na estrela. Mas ela mostrava um pouco do estilo próprio que ainda estava por vir, com ternos bem cortados e ombreiras gigantes, calças apertadíssimas, estampas de oncinhas e zebrinhas, óculos escuros em locais fechados e brilhando como se fossem disco balls, um raio enorme desenhado no rosto, ausência de calças em alguns momentos e festa, muita festa, como se não houvesse amanhã. O sutiã cheio de espelhos que usou na Lollapalooza aparecera novamente. Toda essa novidade não conquistou, no primeiro momento, novos fãs. Gaga parece ter impressionado apenas quem conhecia seu estilo, quem já convivera com ela no meio underground de Nova York. Os clubbers também adoraram. Ela não era tão pop quanto parecia. Apenas um tempo depois ela foi descoberta pelo mundo pop. Na Billboard, “Just Dance” só alcançou o topo da parada em janeiro de 2009, meses depois de seu lançamento, vendendo 3 milhões de cópias apenas nos Estados Unidos.

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O álbum The Fame foi lançado em dia 19 de agosto de 2008. Do mesmo jeito que trabalhou incansavelmente para conseguir o contrato e gravar o melhor CD possível, ela participou pessoalmente da divulgação de The Fame. “Toquei em todos os clubes nos Estados Unidos, apertei as mãos e agradeci a cada DJ por tocar bastante a minha música enquanto eles ficavam bêbados”,5 brincou. Quase não dormia: viajava, tocava em boates, ia a estações de rádio… Tocava até em parques de diversões. As coisas ainda estavam devagar demais para a ansiosa ariana, e em março de 2009 ela continuava desconhecida no país onde nascera. Tudo bem que tinha aberto alguns shows para o New Kids on the Block, gravado um vídeo, conquistado alguns fãs no MySpace, mas não passava disso. Já havia feito tanto, e as coisas ainda demoravam a acontecer. Sempre esforçada, ela fazia o que podia e não desistiria. Mas Lady Gaga tinha sinais de desânimo. Los Angeles não era aquilo que imaginava. Certa vez, ela confessou ao presidente da Interscope, Martin Kierszenbaum, que odiava a cidade. “As pessoas são terríveis, todos querem ser famosos, mas ninguém quer jogar o jogo corretamente. Eu sou de Nova York, eu vou matar para conseguir o que quero.”6 A internet ajudou a cantora a divulgar seu trabalho. Seu Facebook e sua página oficial no MySpace ganharam cada vez mais visitantes e, como um trabalho viral, muita gente estava ouvindo The Fame e a fama veio mais rápido do que ela poderia esperar, literalmente da noite para o dia. Mal dava para criar uma estratégia de marketing. Aliás, não dava tempo para fazer mais nada, o nome Lady Gaga estava na “boca do povo”. Tudo que ela esperou em tantos anos ocorreu em questão de horas. “A razão pela qual estou no Google nesta noite”, disse, em entrevista ao Google,7 após o lançamento de Born This Way, “é que a origem da minha campanha de mídia foi justamente on- line”. Seu maior ajudante on-line foi o blogueiro Perez Hilton, que se tornou amigo e fã logo de cara. Ela mandava notícias exclusivas para ele e até hoje o site de Perez é cheio de elogios a Gaga. Aos poucos ela se tornou a rainha do Twitter, atingindo 10 milhões de usuários em maio de 2011, ultrapassando, de longe, quem antes ocupava a primeira posição: seu ídolo Britney Spears. Em outubro de 2011, Gaga totaliza 14,5 milhões de seguidores. Uma artista que não era famosa lança um disco que fala sobre a fama? Lady Gaga explica: “Qualquer um pode se sentir famoso. É uma fama compartilhável. Quero convidar todos para a festa. Quero que as pessoas se sintam parte deste estilo de vida”.8 Ela utilizou sua experiência em nova York como inspiração para o álbum. Lembrou dos dias como garçonete e go-go girl, apresentando-se e ensaiando em locais sujos e cheios de ratos. “Este álbum é quem eu sou. É cultura, família, minha herança, minha percepção da moda”,9 descreveu. Para Lady Gaga, The Fame é uma mistura de seu amor pelo “glamour dos anos 1970, pelos sons sintetizados dos anos 1980, pela febre dos clubes de dança, discotecas”.10 Ela não poderia trabalhar sozinha, por isso reuniu um grupo de artistas que pensaria em suas roupas, ações de marketing, shows, palco, entre outros detalhes artísticos, e o chamou de Haus of Gaga. A principal inspiração era Andy Warhol, que tinha uma turma semelhante, chamada Factory. “Tenho uma fascinação por Andy Warhol e o modo como ele queria que a arte comercial fosse considerada tão séria quanto as belas-artes.”11 E foi para descobrir como transformar o pop em arte instigante que ela reuniu esses profissionais. “Decidimos o que é bom, e se as ideias são boas o suficiente, podemos convencer o mundo de que elas são ótimas.”12

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“A primeira vez que ouvi minha música no rádio eu estava no Canadá, nunca vou me esquecer”, contou ao Google. “Ia entrar no palco. Estava muito cansada, comecei a chorar. Meu diretor de palco me perguntou qual era a sensação. Respondi: ‘já passava da hora!’”13 As rádios não queriam tocar “Just Dance” simplesmente porque a música não tinha nada a ver com o estilo que estava bombando naquela época. Quando a rádio Z100 de Nova York resolveu tocar, aos poucos todas as outras emissoras a seguiram. A primeira apresentação de Lady Gaga na televisão não colaborou muito para mostrar a imagem que ela viria construir mais tarde sobre si mesma. Era em uma premiação do canal NewNowNext, em maio de 2008. Com uma roupa toda preta, um capuz ocultando os cabelos loiros e parte do rosto, e ombreiras enormes, aquela garota não parecia alguém prestes a fazer sucesso. O clima obscuro da apresentação não combinava com a alegria da música. The Fame demorou para alcançar o sucesso esperado, mas atingiu o número um no Reino Unido, Canadá, Áustria, Alemanha e Irlanda. Nos Estados Unidos, onde tudo começou, alcançou apenas o número dois na parada da Billboard e o número um na lista de álbuns Dance/Eletronic. Segundo o site da RIAA,14 The Fame é certificado como platina tripla, ou seja, já vendeu mais de 3 milhões de cópias apenas nos Estados Unidos, totalizando cerca de 8 milhões em todo o mundo.

“Você pode ser quem você escolher se tornar no futuro, apenas faça isso. Apenas veja e visualize isso todos os dias de sua vida, projete essa imagem em você mesmo.” (Hurst, 2010, p.18)

Será que foi nesse momento que Lady Gaga se olhava no espelho e via uma superestrela? Ela diz que não. Embora tenha trabalhado duro para isso a vida inteira, não se considera uma celebridade mesmo tendo seu nome incluso na lista da Time de 2010 como uma das cem pessoas mais influentes do mundo. Ou sendo a quarta das 100 mais poderosas do mundo, segundo a Forbes. Em março de 2010, tornou-se a primeira artista a gerar um bilhão de acessos a seus vídeos no YouTube. Somente “Bad Romance” teve mais de 360 milhões de visualizações até março de 2011. Foi a mais procurada no Google em 2009 e 2010. Também é a artista com mais downloads na história: 20 milhões. O fato de não se reconhecer como uma estrela (ou de dizer que não se reconhece) não significava que ela era a mesma Gaga de antes. Trocou o número de seu celular e impediu muitos velhos amigos de terem acesso a ela. Se antes costumava ligar para todo mundo convidando para os shows em Nova York, agora, que todos queriam vê-la cantando, já não ligava para mais ninguém. Sullivan, um amigo da época, conta ao New York Entertainment: “depois que ela ficou famosa e que todos queriam um pedaço dela, paramos de chamá-la de Gaga. Voltamos a chamá-la de Stefani”. Agora ela já era capa da revista Rolling Stone. Nunca era suficiente, ela reclamava porque ainda não saíra na Cosmopolitan. Aí, foi capa da Time. Seus shows, antes pequenos, começavam a ficar lotados. Não recusava eventos: tocou por 500 dólares porque já havia combinado o show antes de ficar famosa; se apresentou na parada do Orgulho Gay de São Francisco e no Concurso de Miss Universo realizado no Vietnã. Explodiu nos Estados Unidos após se apresentar no American Idol, em abril de 2009. Foram 4 milhões de álbuns no período de seis meses. A artista sem calças finalmente tinha chegado lá.

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Enquanto “Just Dance” só falava de bebedeira e festa, o single seguinte era um pouco mais polêmico, embora muita gente talvez não entendesse: “Obviamente, é a cara de pôquer da minha vagina!”,15 disse Lady Gaga em várias ocasiões a respeito da letra de “Poker Face”, sua segunda música de sucesso, escrita também em parceria com RedOne. Como assim, Gaga? Seria um jogo, explica ela. Era estar com seu namorado, fantasiando transar com uma mulher. Era, no sexo, fazer cara de quem jogava pôquer, disfarçando para que o namorado nunca percebesse o que ela realmente estava pensando e querendo. “Tenho encontrado rapazes que são, na verdade, sexo, bebida e jogo, e por isso queria escrever uma música que meus namorados gostassem”,16 disse ela, que não nega sua bissexualidade e jamais recusou um relacionamento mais “íntimo” com sua amiga Lady Starlight. “Bluffin with my muffin”, trecho da letra de “Poker Face”, veio de uma letra antiga, da música “Blueberry Kisses,” e significa, mais ou menos, “estou blefando com minha vagina”, como ela mesma disse em uma entrevista a Rolling Stone. Nos blogs os fãs comentam que, ao começar qualquer entrevista, a assessoria de imprensa de Gaga passa ao jornalista uma lista de perguntas que não podem ser feitas, entre elas estaria “Qual é o significado da letra de ‘Poker Face’”. Polêmicas à parte, “Poker Face” bombou. O single alcançou primeiro lugar em vinte países, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Canadá. Foi o número um no Hot 100 da Billboard – assim, Lady Gaga foi a primeira artista a ter alcançado o primeiro lugar com seus dois primeiros singles desde Christina Aguilera, em 1999 e 2000, com “Genie in a Bottle” e “What a Girl Wants”. Na era do download ilegal, foi a música mais baixada legalmente na parada britânica e é um dos singles mais vendidos de todos os tempos, com 9,8 milhões de cópias. Agora sim, Lady Gaga era famosa. O videoclipe foi o toque final da revolução que Gaga causaria na música pop naquele momento. Lançado em 22 de outubro de 2008, mostra a nova musa emergindo de piscina com uma máscara feita de pedaços de espelho, mais uma vez imitando uma disco ball. Dirigido por Ray Kay, o clipe traz algumas das características que marcariam Lady Gaga dali para frente: os óculos que exibem vídeos, a ausência de calças, os laços feitos com cabelo, ombreiras malucas, pulseiras gigantes, roupas que parecem não poder encostar em nada. “Poker Face” era robótico, era pop, era dançante, era moderno, era futurista. E, melhor: era diferente de tudo que estava ocorrendo no cenário musical naquele momento. “Eu queria um videoclipe sexy, então pensei em não usar calças porque é sexy; e sabia que queria que fosse futurista, então pensei nas ombreiras porque é coisa minha”,17 explicou.

“O fato de gostar de mulher faz meus namorados ficarem intimidados, desconfortáveis. Eles dizem: ‘eu não preciso de namoro a três, estou feliz apenas com você’.” Rolling Stone Magazine. O terceiro single foi “LoveGame” e trouxe mais uma polêmica implícita: a frase “I wanna take a ride on your disco stick”, que significa algo como “quero dar uma volta no seu ‘bastão’”. “Eu estava em um clube noturno e tive uma colisão muito sexual com alguém, então lhe disse, ‘I wanna take a ride on your disco stick’. No dia seguinte, estava no estúdio e escrevi a canção em cerca de cinco minutos”.18 Para ela, todas as músicas do mundo são inspiradas em sexo. “O amor e o sexo são a única razão para se fazer arte.” O videoclipe de “LoveGame” traz referências a Madonna, Britney Spears, Michael Jackson e foi o primeiro vídeo de Lady Gaga a ser censurado em alguns países, enquanto a MTV e a VH1 norte-americanas só resolveram apresentar trechos. Igualzinha a Britney Spears no clipe de “Toxic”, ela aparenta estar nua, coberta apenas com pedras de brilhante. Depois se veste igual a Madonna no clipe de “Sorry”, com colante e jaqueta, para dançar num metrô, como Michael Jackson em Bad. Dentro de uma cabine, beija um policial que se transforma em mulher. “Enquanto meu vídeo é censurado, existe tanta coisa mais sensual sendo transmitida”, reclamou ao Daily Mirror. “A letra de “LoveGame” é bem clara. Acho que as pessoas estão sendo duras comigo.” Para ela, tem coisa bem pior circulando por aí, direcionada ao público jovem. “Me jogue no chão, tire minhas roupas, dê para mim, baby, vamos nos esfregar”, citou, provavelmente falando das letras de rap que fazem corar qualquer feminista. “Todas essas gravações são provocativas, mas é o contexto do que estou fazendo que deixa as pessoas transtornadas.”19

“Muitas vezes meu empresário me disse que as emissoras ligaram pedindo para eu cortar partes de algum vídeo. Eu sempre respondo que não vou fazer isso, que se eles não quiseram mostrar o vídeo não precisam mostrar e pronto.” (Google Goes Gaga, 2011)

Lançado em 24 de março de 2009, “LoveGame” não foi sucesso imediato, mas chegou ao número um na parada dance da Billboard, tornando-se o terceiro single de Lady Gaga a alcançar esta posição. A música favorita de Lady Gaga em The Fame é “Paparazzi”, seu quarto single na maioria dos países (em alguns lugares, foi lançado também “Eh, Eh, Nothing Else I Can Say”), o primeiro sucesso escrito por Rob Fusari. Com “Paparazzi”, ela conseguiu colocar mais singles no número um da Billboard que qualquer outro artista estreante, somando com “Just Dance”, “Poker Face” e “LoveGame”. “Paparazzi” foi o primeiro grande videoclipe de Lady Gaga, típico de uma superestrela, com direção de um gênio nessa área, Jonas Akerlund, que também dirigiu o premiadíssimo “Ray of Light”, de Madonna, além de vídeos de U2, Moby, entre outros. No clipe, Lady Gaga é uma milionária famosa que aparece em cenas quentes com seu namorado (interpretado pelo ator sueco Alexander Skarsgard, da série Crepúsculo) no quarto de uma mansão belíssima. Ele a carrega para a varanda, colocando-a sob o foco dos paparazzi, e a empurra. Os fotógrafos aproveitam a cena e noticiam: Lady Gaga acabou. Mas ela ressurge de cadeira de rodas e pescoço imobilizado, dança de muletas e canta uma relação de amor e ódio com os paparazzi. No final, vinga-se do namorado, envenenando o chá dele, com uma roupa amarela colada e cabelos no estilo Minnie Mouse. Volta às manchetes ao ser presa. O vídeo ganhou o Video Music Awards como melhor direção de arte e melhores efeitos especiais, e a cantora faturou como Artista Revelação do ano. E foi justamente nesse Video Music Awards que ela causou mais polêmica ao simular a própria morte no palco. Ela termina a apresentação de “Paparazzi” sangrando, pendurada em uma corda. Tanto o vídeo quanto a apresentação ao vivo fazem uma referência à morte da princesa Diana, que fugia dos paparazzi em alta velocidade e bateu o carro em um túnel em Paris. A diferença é que Lady Gaga ama ser fotografada e adora ser seguida pelos fotógrafos de tabloides, desde que esteja bonita, maquiada, e não vestida como um ser humano normal.

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Em 23 de novembro de 2009, lançou The Fame Monster, considerado por alguns como segundo álbum de sua carreira. Na verdade, trata-se de uma versão estendida de The Fame, pois trazia todas as músicas deste e oito canções a mais, entre estas o grande sucesso “Bad Romance”, que foi o primeiro single e chegou rapidamente ao topo das paradas em dezoito países. “Poderia colocar mais músicas, mas achei melhor não, pois as canções ficam lindas juntas.”20 “Em The Fame Monster escrevi sobre tudo o que não escrevi em The Fame”, descreveu no press release divulgado pela gravadora.21 “Enquanto viajei pelo mundo durante dois anos, encontrei vários monstros, cada um representado por uma música diferente no novo disco.” Lady Gaga estava fascinada por gótico, melancólica, visual dark, filmes de monstros e, claro, com o fato de ser celebridade. “Escrevi todas as canções em trânsito, e nenhuma delas trata exclusivamente de dinheiro ou fama”, concluiu. O conceito, agora, é envolto por monstros. “Acredito que todos nós nascemos com monstros dentro de nós – no Cristianismo, creio eu, isso é chamado de Pecado Original – a perspectiva de que vamos pecar, que vamos ter de enfrentar nossos demônios, tudo isso já nasce com a gente”, explicou à revista Rolling Stone de outubro de 2009. No álbum, ela procurou falar sobre o fato de nascermos de uma forma e evoluirmos para outra, enfrentando nossos monstros. A música preferida da estrela no seu novo disco foi “Speechless”. “Acho que é a melhor canção que já escrevi,”22 elogiou. “É sobre meu pai, é uma linda balada feita ao piano, sem nenhuma batida.” A produção foi de Ron Fair. Se alguém no planeta ainda não tinha ouvido falar de Lady Gaga, as coisas mudaram após o lançamento de The Fame Monster. O álbum estreou direto na quinta posição da Billboard e ficou em primeiro lugar em oito países. “Bad Romance” foi uma loucura. A crítica foi extremamente generosa, dizendo que, agora sim, Gaga era uma artista consolidada no cenário pop. Em vez de ser acusada de imitadora, ela passou a ser imitada por várias artistas que chegavam ao cenário, principalmente por Ke$ha. Havia até quem dissesse que Christina Aguilera copiava Lady Gaga descaradamente, o que causou um certo mal-estar entre os fãs das duas cantoras, não correspondido por Gaga – ela sempre se recusa a falar mal de quem quer que seja. O clipe de “Bad Romance” conseguiu ainda maior repercussão que “Paparazzi” – era uma pequena peça de arte. “Estou realmente impressionada com o vídeo, até comigo mesma – é incrível”, disse, sem modéstia, à Rolling Stone de outubro de 2009. Dirigido por Francis Lawrence, que também é cineasta (do filme Eu sou a lenda), o clipe traz muitos monstros, mostra Gaga num olhar distorcido, com olhos grandes, e sapatos “alienígenas” dentro dos quais é quase impossível andar. Lembram uma sapatilha de ponta de bailarinas, com saltos de 25 centímetros e roupa assinada por Alexander McQueen. Ela usa até mesmo um sutiã que solta faíscas, enquanto deita em uma cama incendiada ao lado de um esqueleto. Embora com temática sombria, a fotografia do clipe era belíssima, a coreografia era empolgante e Lady Gaga estava linda como nunca. “Bad Romance” era digno de uma grande estrela. A carreira da cantora ainda era curta, mas já podia ser marcada com antes e depois de “Bad Romance”. A partir dali, ela estava num patamar diferente das outras cantoras pop, mais próxima a divas como Madonna. Ela tinha uma marca, uma característica própria; por mais que fosse acusada de copiar alguém aqui ou ali, era simplesmente Lady Gaga. Em dezembro, o álbum recebeu seis nomeações ao Grammy. O segundo single, “Telephone”, foi seu quarto número um no Reino Unido. O clipe de “Telephone” não chegou a ser tão belo quanto “Bad Romance”, mas foi bem mais comentado e parodiado, talvez pela participação de Beyoncé. Para dirigi-lo, chamou mais uma vez o premiado Jonas Akerlund e inspirou-se em filmes de Quentin Tarantino. Gaga participou da concepção do clipe: “Ela não se importa com a parte técnica, mas está envolvida com cada aspecto criativo”,23 diz Akerlund.

“Guy Ritchie? Deus, não! Eu fico longe do ex-marido da Rainha (Madonna). Eu amo Madonna e isso seria muito perigoso.” (Fabulous Magazine, 2009)

Aproveitou que tinha sido presa no final do clipe de “Paparazzi” para bolar uma espécie de continuação: da cadeia, recebe um telefonema de Beyoncé, que vai buscá-la na prisão. “Você foi uma garota má, Gaga. Muito, muito, muito má.” A frase dita por Beyoncé virou quase um bordão pop; foi copiada e parodiada em centenas de vídeos no YouTube em um boom nunca visto na internet. Foram 17 milhões de acessos apenas nos primeiros quatro dias. “Telephone” é sobre a ideia de que a América está cheia de jovens que são inundados com informações e tecnologia. É uma alegoria ao tipo de país em que vivemos.”24 Não era a primeira vez que Lady Gaga e Beyoncé trabalharam juntas. Antes de “Telephone”, surgiu “Videophone”, um clipe sem graça de uma música idem que, mesmo com duas divas, mal fez sucesso. “Eu tinha perdido um pouco a fé em conhecer artistas na indústria e então encontrei Beyoncé”, comentou Gaga durante o MTV European Music Awards em 2009. “Nunca ri tanto na minha vida em um set de um videoclipe. Nos divertimos muito fazendo ‘Videophone’ ”.25 O primeiro contato entre as duas divas foi no Video Music Awards em que Lady Gaga fez a polêmica apresentação em que simulou a morte no palco. Após a entrega dos prêmios, combinaram que cada uma participaria em uma faixa no CD da outra. A gravadora queria lançar “Dance in The Dark” como terceiro single de The Fame Monster, mas a cantora brigou e impôs sua vontade: ela queria “Alejandro”. A música, produzida em parceria com RedOne, tinha uma inspiração espanhola e parece não ter agradado ao público. Segundo a Contact Music,26 a canção ficou na posição 78 no Canadá e 49 na Austrália – por isso a gravadora nem queria saber de lançá-la oficialmente. Quando enfim venceu a gravadora, comemorou no Twitter. “ ‘Alejandro’ está no rádio. Foda-se, soa tão bem, nós conseguimos, little monsters.” O single não acompanhou o ritmo das outras canções de Gaga, pois não chegou ao número um, limitando-se ao top 10 em muitos países. A música é influenciada claramente por Ace of Base, e o videoclipe recebeu muitas críticas por ser “inspirado” em outros videoclipes de Madonna. Foi dirigido por Steven Klein, parceiro e fotógrafo da rainha do pop. As referências à Igreja Católica renderam acusações de blasfêmia. No entanto, o tema que ela queria abordar mesmo era a homossexualidade, como explicou ao The Times27: “É sobre a pureza da amizade com meus amigos gays, e como está difícil encontrar isso em um homem hétero na minha vida. No vídeo, confesso minha inveja da coragem que eles têm para ficarem juntos”.

1 Google Goes Gaga, março de 2011 2 New York Post. Disponível em: . Acesso em: 3 out. 2011. 15 Phoenix, 2010, p. 94. 16 Phoenix, 2010, p. 94. 17 Transmission Gagavision. Série de vídeos produzidos pela Haus of Gaga sobre ela para seu site oficial. 18 Phoenix, 2010, p. 99. 19 Daily Mail. Disponível em: . Acesso em: 1o fev. 2012. 20 Rolling Stone, 21 out. 2009. 21 Disponível em: . Acesso em: 2 fev. 2012. 22 Rolling Stone, 21 out. 2009. 23 New York Entertainment. 24 Callahan, 2010, p. 209. 25 Phoenix, 2010, p. 221. 26 Disponível em: . Acesso em: 2 fev. 2012. 27 Disponível em: . Capítulo 9 Turnês

No palco, olhava para todo mundo e dizia: “Alguns de vocês conhecem essa música e me conhecem, e alguns não, mas vocês com certeza vão saber quem diabos eu sou antes que eu deixe este palco esta noite”1

Entre o lançamento de seu primeiro single, “Just Dance”, e do álbum The Fame, Lady Gaga começou a fazer os primeiros shows como artista profissional. Como havia escrito músicas para o New Kids on the Block, ela entrou em negociação com seus ídolos para abrir os shows que marcariam o retorno deles ao mundo pop. Eles gostaram tanto da nova estrela que a convidaram para participar da música “Big Girl Now”. Era outubro de 2008, e Gaga estava num ritmo frenético de divulgação de seu disco. Jamais recusaria uma oportunidade daquelas. Queria ser famosa, mas não tinha pretensões ambiciosas de sair logo de cara em uma turnê enorme que levasse seu nome, como grandes artistas fizeram. Do mesmo jeito que não se importou de tocar em parques de diversão ou em paradas gay, não se importaria – e acharia o máximo, até – mostrar seu trabalho para o público de uma banda como o New Kids on the Block. Ela queria fazer algo grandioso, embora não tivesse nem orçamento nem muita liberdade para isso. Criou algo que chamou de The Crevette Films (camarão, em francês), com telas de LED que exibiam curta-metragens em que ela mesma se mostrava como Cindy Warhol, uma versão feminina de Andy Warhol, antes do show e nos intervalos. Os três curta-metragens foram dirigidos pela amiga Lady Starlight. Além de investir o orçamento da Interscope para a turnê de abertura dos New Kids – que acabava sendo mais do que fora projetado para uma cantora iniciante – ela investia dinheiro do próprio bolso no show. Todo o adiantamento que recebera e o capital que acumulara dos shows ia para incrementar as roupas e o cenário da apresentação. A verdade é que tanto a Interscope quanto Lady Gaga investiram tudo que puderam para alcançar o sucesso. Sem isso, nada teria ocorrido. “Ela é uma dessas sensações da noite para o dia que na verdade não aconteceram da noite para o dia. Foram necessárias muitas horas de trabalho duro”, disse uma fonte anônima da Interscope.2 Estava claro que ela queria fazer um show grandioso, maior até que o da banda principal da noite, o New Kids on the Block. Por isso, surgiram algumas polêmicas de que os New Kids não gostaram da ideia de ter um show cuja abertura seria tão grandiosa. “Desculpem, esse é o nosso show. Isso é demais”, disse uma fonte.3 Gaga não se importava de não ter o próprio show, mas não aceitava as restrições de tempo, palco e estrutura que lhe impunham. Donnie era o único integrante dos New Kids que conversava com Lady Gaga, e ela continuava enfrentando a produção. E seguiu com eles até o fim: a turnê acabou em janeiro de 2009. Seu trabalho como compositora rendeu outro convite de abertura de turnê: as Pussycat Dolls queriam Lady Gaga para a Doll Domination, de 2009. Ela estava cansada, doente até, mas não hesitou em emendar uma turnê na outra. As histórias sobre a Doll Domination são contraditórias. Enquanto há quem diga que as Dolls estavam encantadas com a cantora e queriam que Gaga se unisse ao grupo,4 outras fontes diziam que a ideia de colocar a novata como abertura era imposição da gravadora, e as estrelas da noite não estavam nem um pouco satisfeitas com isso.5 O fato é que ela realmente abriu vários shows para as Pussycat Dolls, mas, enquanto isso, estava de olho na própria produção: Lady Gaga sentia-se cansada de brigar para ter espaço maior e queria ter um palco só para ela.

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A primeira turnê solo de Lady Gaga foi do tamanho que algo que envolve o nome da artista poderia ter: um “pequeno” gigantesco, de enormes proporções para quem estava apenas começando. De forma ousada, criou três versões do show para que não houvesse problemas de adaptação ao tamanho dos locais onde fosse se apresentar. A turnê de 23 shows pela América do Norte teve início em março de 2009 e recebeu o nome de The Fame Ball. Ensaios, elaboração, montagem de palco, foi tudo muito rápido, ainda mais se lembrarmos de que ela estava em turnê com as Pussycat Dolls enquanto concebia seu show. O ritmo maluco que ela imprimia a si mesma enquanto buscava a fama continuava frenético, agora que ela queria divulgar o seu disco The Fame, embora o CD já estivesse bombando nas paradas de sucesso. O trabalho nunca estava completo. Não haveria férias ou fim de semana. A workaholic estava sempre em ação. Afinal, nos Estados Unidos ela ainda era apenas mais uma das dezenas de cantoras surgidas no rastro de Madonna desde 1983, sem

nada de diferente, sem nenhum destaque. Teria de trabalhar duro para que seus conterrâneos a vissem como algo incrível. Mais uma vez a inspiração em Andy Warhol e o papo de modernidade, multimídia, moda, tecnologia e outras coisas que já faziam parte do repertório de Gaga vieram à tona. “Não é uma turnê”, disse à MTV, “é uma festa itinerante”.6 “É tão importante para mim. Quero muito fazer valer cada centavo gasto no show nessa época de crise. E eu estou pagando muito para isso – parte do meu próprio bolso. Mas tudo bem. Não me importo com dinheiro”, completou na mesma entrevista. Dinheiro, aliás, era o único limite que Lady Gaga não tinha. Como era a artista principal, agora, podia fazer o que quisesse. A turnê foi crescendo e novas datas foram adicionadas nas cidades onde já havia shows previstos, e também na Europa.

“Não é meu trabalho, é minha vida. Me divirto fazendo isso. Às vezes encontro artistas que dizem: ‘Oh, meu Deus, mal posso esperar para sair de férias’. Penso com meus botões: não estou na estrada esperando para ir para casa e viver a minha vida; minha vida é a estrada… Estou na estrada vivendo a minha vida, fazendo arte, me inspirando. Estou mergulhada até o pescoço de trabalho. Eu adoro.” (Hebert, 2010, p. 158)

Um novo amigo de Lady Gaga estava louco para entrar em turnê com ela: Kanye West. Gaga já estava no ritmo de três turnês, mas não parecia querer parar, e anunciou que iria entrar no palco com Kanye no dia 15 de setembro de 2009, na turnê The Fame Kills. A intenção não era fazer dois shows separados, mas sim uma real parceria, algo que ainda não havia sido completamente formatado quinze dias depois, quando a turnê foi cancelada. A parceria entre os dois começou porque Kanye West escreveu uma música chamada “Make Her Say”, na qual ele usava o termo “poker face”. Sobre isso, Gaga afirmou: “engraçado, porque muitos dos meus fãs diziam que Kanye tinha feito uma versão da minha música, mas falando sobre sexo sacana, e não sobre jogo. E eu disse a eles: ‘vocês estão errados, Kanye está certo. É exatamente sobre isso que fala a música’. É fantástico que ele tenha tido o insight do real significado da canção. Ele é um cara esperto”.7 Não tão esperto assim… Para Lady Gaga, talvez tenha sido melhor mesmo não vincular seu nome a Kanye West: a imagem dele ficou extremamente desgastada no mundo pop depois de subir ao palco do Video Music Awards, tomar o microfone de Taylor Swift, que acabara de ganhar o prêmio de melhor vídeo feminino, e dizer que Beyoncé fizera um vídeo muito melhor. A dupla não divulgou o real motivo do cancelamento, mas aquele show não era para acontecer. “Tivemos nossas próprias razões”, desconversou à Rolling Stone. “Somos amigos de verdade, queremos fazer a turnê e realmente não era a hora certa. Mas quem pode dizer o que acontecerá no futuro?” O escândalo do Video Music Awards fez a carreira de Kanye declinar, e foi ótimo para os fãs de Gaga, que puderam vê-la mais uma vez sozinha em uma grande turnê, desta vez a Monster Ball, que veio para substituir a ideia da fracassada The Fame Kills. Incrivelmente, apenas duas semanas depois de cancelar o show com Kanye West, ela anunciou o novo show. A turnê de divulgação de The Fame Monster deveria ter início apenas em 2010, mas ela adiantou tudo. O ritmo de Lady Gaga era frenético e os fãs faziam de tudo para acompanhá-la: “Uma mensagem para todos meus pequenos monstros: The Fame Monster será lançado quatro dias antes do primeiro show ao vivo. Vocês têm exatamente 96 horas para aprender todas as letras e cantar junto comigo. Vistam-se a caráter”.8 E assim foi: o primeiro show se deu em 27 de novembro, em Montreal, no Canadá, exatos quatro dias após o lançamento de The Fame Monster. Com tanta coisa feita às pressas, a noite de estreia não poderia ser diferente: um verdadeiro caos, com adereços, figurinos e pedaços do cenário faltando. Os ingressos estavam esgotados e Lady Gaga não podia cancelar o show. Ele ocorreu com 45 minutos de atraso, de forma incompleta, com os últimos detalhes sendo finalizados minutos antes de os portões serem abertos. “Eu queria um show que pudesse ser lindo, bom de se ver, delicioso, mas que meus fãs não precisassem pagar uma tonelada de dinheiro para assistir”,9 disse à Rolling Stone. Em dezembro, mudou a turnê, acrescentando cenários, alterando o setlist, aumentando o tamanho do palco, e foi chamada de “louca” pelos integrantes da Haus of Gaga. The Monster Ball foi uma turnê longa: mais de um ano, parando somente em maio de 2011. Canadá, Estados Unidos, México, Japão, Europa… nada de Brasil. De acordo com a Billboard, a Monster Ball foi a quarta maior turnê de 2010, com 122 shows, sendo 101 deles com lotação esgotada. O faturamento total foi de mais de 227 milhões de dólares. A HBO transmitiu, em maio de 2011, um documentário com o show gravado em 21 de fevereiro do mesmo ano no Madison Square Garden. O especial recebeu o nome de Lady Gaga Presents The Monster Ball at Madison Square Garden e trazia cenas de bastidores em preto e branco, igualzinho ao especial feito por Madonna em 1990, o Truth or Dare. A cena mais comentada do filme parece ter sido ensaiada. No camarim, antes do show, ela chora. “Às vezes ainda me sinto uma fracassada. É estranho, nós estamos no [Madison Square] Garden, mas me sinto como uma fracassada no ensino médio”. Sem borrar a maquiagem, que retira com um lenço, continua: “tenho que dizer a mim mesma, todas as manhãs, que sou uma superestrela para que possa ser o que meus fãs precisam que eu seja. Mas continuo sentindo que as pessoas querem me destruir”. Estranho, porque a conversa dá a entender que o vídeo foi gravado antes do show. Mas por que ela tira a maquiagem? E por que as perguntas de quem está com ela parecem tão ensaiadas? Os comentários e as críticas na internet foram muitos.

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Certamente um dos fatores que levou Lady Gaga ao estrelato de forma rápida foi o investimento financeiro feito, no primeiro momento, pelo próprio pai, e depois por si mesma. Ao contrário de outros artistas, ela não esperou dinheiro de gravadora. Mas o que mais a diferencia das outras estrelas pop é que Gaga não quer comprar carrões, mansões, não faz questão de ostentar nem precisa dar casa nova de presente para os pais – porque eles já têm. Certo dia, na Monster Ball, Lady Gaga disse que odeia dinheiro. E que só tem uma coisa que odeia mais do que dinheiro: a verdade.10 Não precisa exagerar, não é, Gaga? Afinal, se não fosse ele, o dinheiro, nada de shows grandiosos, figurinos exagerados, fama – um círculo vicioso que alimentou o sucesso. “Um ano atrás eu estava colando lantejoulas em sutiãs de 4 dólares. Isso mostra o quanto fui longe”, contou à MTV,11 quando foi indicada ao Grammy. “Durante todo o primeiro ano de minha carreira, fiz sempre dois shows por noite, e usava o dinheiro do segundo show para pagar a tecnologia e os cenários do primeiro”, contou à rádio Nova 96,9.12 Ou seja, literalmente, Lady Gaga vendia o almoço para pagar o jantar. Depois que começou a ganhar dinheiro, em vez de comprar uma casa nova e um carro zero, preferiu investir na carreira. “Eu adoro o que faço. Sempre digo que não espero ganhar uma quantidade enorme de dinheiro e de fama para poder comprar minha casa na praia. Nesse exato momento, estou vivendo o meu sonho.”13 O fato de torrar toda a grana com shows deixa a conta bancária de Gaga zerada e seu empresário sempre prestes a ter uma síncope.

1 Herbert, 2010, p. 82. 2 Callahan, 2010, p. 155. 3 Callahan, 2010, p. 158. 4 Phoenix, 2010, p. 103. 5 Callahan, 2010, p. 163. 6 Disponível em: . Acesso em: 2 fev. 2012. 7 Herbert, 2010, p. 67. 8 Herbert, 2010, p. 213. 9 Rolling Stone, 21 out. 2009. 10 Herbert, 2010, p. 215. 11 Disponível em: . Acesso em: 2 fev. 2012. 12 Phoenix, 2010, p. 196. 13 Phoenix, 2010, p. 173. Capítulo 10 Born This Way

Born This Way será o grande álbum desta década. Eu prometo a vocês.1

Depois de ser quase todo conhecido pelos fãs devido a tanta divulgação na internet, videoclipes e pela própria Gaga cantando as músicas durante a Monster Ball, Born This Way foi lançado em 23 de maio de 2011. Na manhã do lançamento, segundo o programa The View, o álbum já era primeiro lugar no ITunes em 22 países. Ao todo, até outubro de 2011, foram cerca de 6 milhões de cópias vendidas. “Born This Way foi criado para ser um álbum inspirado nos fãs, suas mensagens de celebração, amor próprio…”, disse em entrevista ao The View, no dia do lançamento. Na capa do álbum, é metade mulher, metade moto. “Quis criar essa ideia de misturar brilho com metal. Eu também sou o veículo, não apenas para mim, mas para meus fãs”. Para o E! News, ela disse que a moto transmite a ideia dela em uma viagem sem fim, e que não está correndo de nada ou atrás de nada. Na maioria dos jornais e revistas, a crítica à capa de Born This Way foi acirrada, acusando a estrela do pop de fazer um photoshop barato para aquele que seria “o álbum do ano”. Mesmo os fãs fiéis de Gaga bombardearam a capa metade-moto-metade-gente em blogs e redes sociais – talvez por isso a edição especial do álbum trouxe apenas um close do rosto da cantora.

“Há um espaço enorme para ser preenchido por uma mulher com colhões. Estou aqui para fazer uma boa música e inspirar as pessoas.”(Hebert, 2010, p. 61)

As músicas de Born This Way eram bem diferentes dos trabalhos apresentados por Lady Gaga em The Fame e The Fame Monster. Também há que se destacar a diferença das músicas entre si: um ecletismo não existente nos álbuns anteriores, que eram mais uniformes. Ela mesma reconheceu isso, e acredita que a música que dá nome ao disco é a mais “normal” de todas, denominando o resto do álbum de “obscuro”. “Born

This Way é a maconha das heroínas do disco”,2 compara. Mas isso é o de menos para ela: “Born This Way” é uma espécie de libertação para Lady Gaga. À revista Billboard, ela disse que queria escrever um hino do tipo “esta sou eu”, sem se esconder atrás de metáforas ou poesias. “Esse é o tipo de disco que precisava fazer. É o CD que vai chacoalhar a indústria.”3 O governo libanês baniu o álbum devido às letras de “Judas” e da música- título (que diz que Deus não erra). As polêmicas não foram suficientes para barrar o sucesso do álbum, que estreou no topo da parada da Billboard, chegando a 1 milhão de cópias logo na primeira semana – sendo que 430 mil delas tiveram o empurrãozinho da Amazon.com, que vendeu o CD a apenas 99 centavos durante dois dias. A música que leva o nome do disco foi o primeiro single, lançado em 11 de fevereiro de 2011. Desta vez, a produção foi com Fernando Garibay e o DJ White Shadow – RedOne só assinou as músicas “Hair”, “Judas”, “Scheiße” e “Highway Unicorn”. A metáfora de nascimento surgiu dois dias depois do lançamento do single: Lady Gaga saiu, literalmente, de um ovo no Grammy Awards para cantar “Born This Way”, vestida com uma roupa que mais parecia uma gema de ovo e com algo nos ombros que pareciam dois implantes subcutâneos. O rosto estava mais fino, cadavérico, sem sobrancelhas e com algum tipo de implante ou maquiagem que a deixava com aparência monstruosa. A Gaga brincalhona dos óculos de telas de LCD estava mais séria, menos divertida e menos colorida. “Meus ossos mudaram no meu rosto e ombros. Posso revelar ao mundo que quando eu usava aquelas jaquetas, que pareciam ombreiras, na verdade eram meus próprios ombros.”4 Essa afirmação pareceu uma brincadeira, mas não era; foi a forma que ela encontrou de dizer que a moda faz parte dela mesma, que “nasceu assim”. Aliás, a expressão “eu nasci assim” (“I was born this way”) se tornou a mais repetida por Gaga. Born This Way foi o terceiro single de Lady Gaga a alcançar o número um nos Estados Unidos. Chegou no top 5 em mais de 23 países, sendo o primeiro em vinte deles, e bateu o recorde de single com venda mais rápida na loja do iTunes, com um milhão de downloads. Coincidentemente, também foi o milésimo single número um no Hot 100 da Billboard. A aparência assustadora do Grammy Awards ressurgiu no videoclipe da primeira música de trabalho: por mais que Gaga aparecesse com um corpo escultural em um biquíni minúsculo, era impossível não focar apenas no rosto estranho e nos ombros pontudos. A bizarrice da cantora havia chegado a seu limite. Por sorte, Lady Gaga não fica muito tempo com o mesmo visual, e o monstro desapareceu no single seguinte, Judas, para dar lugar a uma Maria Madalena inspirada na figura bíblica com influência roqueira, burlesca e quase sem roupa.

“Adoro o corpo humano nu e tenho uma grande confiança corporal.” (Hurst, 2010, p. 26)

O ator Norman Reedus representa Judas, e o clipe de 10 milhões de dólares tem os doze apóstolos andando de moto com jaquetas de metaleiros, Jesus com coroas de espinhos, a cena da traição e Maria Madalena apaixonada por Judas. Claro que a história não é igual à da Bíblia… Entre outras distorções, uma de grande destaque é o fato de que Maria Madalena realmente é apedrejada no fim. Madonna beijou um santo negro e queimou cruzes no clipe de Like a Prayer na década de 1990, causando polêmicas e fazendo a Pepsi romper com ela um contrato publicitário de milhões de dólares. Grupos católicos falaram, reclamaram e ficaram chocados, mas “Judas” não causou nada mais do que um falatório. A Liga Católica, que já tinha se manifestado contra o tema da música antes do lançamento do clipe, não achou nada de mais no vídeo, chamando-o inclusive de “irrelevante”. Talvez o único impacto tenha sido nas vendas – o single foi bem-sucedido, mas nem tanto quanto as outras canções de Gaga (foi o único a não ter mais de 1 milhão de downloads), além de não ganhar nenhuma das duas indicações ao Video Music Awards. Para o MSN, ela explicou: “ ‘Judas é uma metáfora e uma analogia sobre o perdão e a traição. Fala das coisas que te machucam e como eu acredito que é a escuridão da sua vida que brilha e traz a luz que você tem em seu caminho”.5 Ela completa dizendo que a canção é sobre “lavar os pés” da bondade e da maldade para entender e perdoar os demônios do seu passado, para assim se mover rumo à grandeza do futuro. “Gosto de metáforas agressivas, acho que esse vídeo é uma metáfora agressiva, mas é, sobretudo, uma metáfora.” O vídeo sugere, ela diz, que perdão e traição andam juntos. A música pop descompromissada, só para dançar, sem polêmica, voltou na terceira canção escolhida para divulgar o álbum Born This Way: era “The Edge of Glory”, lançada no dia 9 de maio, que se tornou single devido à boa venda no iTunes. Com uma peruca preta e branca ao estilo Cruela DeVil (101 Dálmatas), e uma roupa cheia de rebites e anéis desenhada por Gianni Versace, o clipe é simples e mostra Lady Gaga dançando.

“A música Judas fala em aprender a perdoar a si mesmo e seguir em frente.” (Google Goes Gaga, 2011)

“Yoü and I” é o quarto single de Born This Way e foi lançado em 5 de agosto de 2011. Trazia na capa uma foto de Lady Gaga vestida de homem. Ela chegou a criar um personagem para isso, seu alter ego Jo Calderone. Vestida como homem, ela até engana. Com costeletas, topete, cigarro na mão e cara de mau, só lhe falta mesmo a estatura. No Video Music Awards de 2011, um ano depois de surgir vestida com uma roupa feita de carne, ela deixou a polêmica em casa e mandou apenas seu alter ego para a premiação. Cantou “Yoü and I” de forma apaixonada – e masculina, ressalte-se – com a participação especial do lendário guitarrista Jimmy Page, do Led Zeppelin. Enquanto este livro era escrito, Gaga aparecia na internet em fotos com seu novo chapéu utilizado no clipe de “Marry the Night”, segundo ela, uma de suas músicas favoritas do álbum e que deveria ser o primeiro single, mas provavelmente será o último, pois a diva já fala em gravar o próximo CD. Essa música, junto com outras do álbum, teve uma estratégia de divulgação inédita: o jogo FarmVille, do Facebook, lançou várias músicas do álbum e criou uma “fazenda” exclusiva para Lady Gaga. 1 Disponível em: 2 Billboard, 18 fev. 2011. 3 Billboard, 18 fev. 2011. 4 Billboard, 18 fev. 2011. 5 MSN, 26 abr. 2011. Capítulo 11 O grande amor de Gaga

Um dia, quando não estivermos mais juntos, você não conseguirá sequer pedir uma xícara de café em uma delicatéssen sem me ouvir ou ver.1 Lady Gaga para o ex-namorado Lüc em 2008

Foi naquele tempo de Lower East Side, quando Lady Gaga conhecia todo o circuito underground de Nova York e namorava todos os rapazes possíveis, que o improvável aconteceu: ela encontrou o amor de sua vida. Lüc Carl, o bartender roqueiro, aquele tipo de genro que as mamães não querem ver nem de longe, ficou (e ainda está) no coração de nossa estrela. Seu relacionamento com Rob Fusari não ia lá essas coisas e ela resolveu experimentar o que o gato tinha para lhe mostrar de diferente. Gaga costuma dizer que gosta de homens com visual meio afeminado, estilo Nikki Sixx, do Motley Crue, com cabelos longos. Lüc era assim: alto, cabelos pretos, tatuado, com aquela expressão facial de “não tô nem aí” e com dezenas de mulheres loucas para sair com ele. Embora tenha escolhido Lady Gaga como namorada oficial, não dispensava as gatas, que não saíam de seu pé. Além de não ser fiel, o novo amor da cantora era pouco carinhoso, não respeitava a música que ela fazia ou ouvia, carregava a namorada como um troféu em shows de heavy metal e era grosseiro o tempo todo. Para Lüc, a batalha de Lady Gaga para alcançar a fama não tinha o menor sentido. Ela queria conquistá-lo e não queria desistir de sua arte, por isso utilizava a música para impressionar o namorado. Tentava fazer um pop mais voltado para o metal, como fez com Boys, Boys, Boys (segundo ela, uma versão pop de Girls, Girls, Girls, do Mötley Crue), só para agradar Lüc, mas sabia que não conseguiria conquistar seu público e o namorado ao mesmo tempo. Brigavam e voltavam, embebedavam-se na hora da raiva, acabavam na cama, nunca se acertavam de forma definitiva. Após mais uma dessas brigas, ela assinou um contrato com a Streamline para compor música para outros artistas. Isso significaria menos tempo para ficar com Lüc e, ao menos nesse aspecto, ela estava chateada. Ele mais ainda: tinha juntado dinheiro para viajar com ela e ficou enciumado com o fato de ela “trocá-lo” por um contrato “tão besta”. Lüc não entendia por que uma garota rica como ela fazia tanta questão de morar em um apartamento no Lower East Side para ficar famosa, se podia ficar na casa dos pais sem precisar trabalhar duro. Com isso, surgiu mais uma música, Money Honey, queixando-se ao namorado de que não queria dinheiro, e sim amor. O dia em que gravou o clipe para “Just Dance” foi quando terminou definitivamente o namoro com Lüc Carl. O namorado bartender com certeza é a razão de Lady Gaga afirmar sempre que não se preocupa mais com homens, que não quer saber de namoros e, de forma irônica, fala que sua carreira jamais vai acordar de manhã e abandoná- la dizendo estar cansada de tudo. “Você não pode ter amor e sucesso, mas isso não me preocupa: não quero amor.”2 Em outra entrevista, mostra-se totalmente insatisfeita e desiludida com os homens. “Se um cara fica intimidado por minha causa, então é melhor que ele vá se foder. Não quero perder meu tempo com um homem que não gosta de mulheres inteligentes. O homem dos meus sonhos teria de ser mais esperto do que eu. Infelizmente, acho que há dois ou três homens por aí que se qualificam.”3 Lady Gaga parece confusa. “Não preciso de um homem. Às vezes posso querer um, mas não preciso de um”,4 diz. Então, no momento seguinte, reclama que é sexy e incrível, embora não deva ter sido feita para o amor e o casamento.5 Ao mesmo tempo sonha com o dia em que terá uma família “normal”. “Daqui a uns dez anos, quero ter bebês para meu pai segurar. E também quero ter um marido que me ame e me compreenda, como qualquer outra pessoa deseja.”6 A diva está chateada com os homens de uma forma geral, é verdade… Mas que ela arrasta um caminhão pelo tal Lüc até hoje, ah, isso arrasta. O curioso é que quando uma pessoa deixa uma vida underground como a que ela vivia em Nova York e passa a vivenciar luxo e fama, dificilmente quer os mesmos namorados e amigos do passado. Mas ela manteve seu coração com ele por anos, não importando quantos novos amigos fizesse ou quanto dinheiro tivesse na conta bancária. “De fato eu só estive apaixonada uma única vez. Ele não queria que eu trabalhasse nessa área. Queria que eu ficasse em casa e resolvi abandoná-lo. Isso acabou comigo, mas me fez entender que a música é o meu amor.”7 Enquanto este livro era produzido, Lady Gaga reatou e terminou com ele pelo menos umas duas vezes. Vez ou outra, para matar as saudades, ela resolve chamá-lo para um programa. Claro que Gaga tem outros namorados, mas Lüc é claramente o amor de sua vida. Toda vez que ela ia a Nova York, dava um jeito de encontrá-lo, sem se importar com quem fosse o namorado do momento.

“Só me apaixonei de verdade uma vez.” (Fabulous Magazine, 2009)

Uma das músicas mais emocionantes do disco Born This Way foi descaradamente escrita para ele: “Yoü and I” tem até o trema em cima do u, assim como o nome de seu amado. Na letra, declara: “Nebraska, I love you”, ou “My cool Nebraska guy” – e não é coincidência dizer que foi lá onde ele nasceu. Para o site musical PopCrush,8 diz que escreveu a música para alguém que foi “meu camarada” e “melhor amigo” desde os dezenove anos. “Eu amo tanto Nebraska…”, completou. No videoclipe, ela andou de Nova York até Nebraska para levar seu “amigo” de volta. E acaba encontrando com ele no meio de uma plantação de milho – Lüc é representado por ela mesma, vestida como seu alter ego masculino Jo Calderone. “Quando você está longe de alguém que ama, é uma tortura”, contou ela, justificando as chocantes cenas do início do vídeo, quando anda com sapatos altíssimos e pés sangrando. Se escrever uma música assim e criar um videoclipe com essa mensagem não for amor, o que seria?

1 Callahan, 2010, p. 108. 2 Herbert, 2010, p. 76. 3 Herbert, 2010, p. 88. 4 Phoenix, 2010, p. 217. 5 Phoenix, 2010, p. 215. 6 Elle Magazine, 2 dez. 2009. 7 Herbert, 2010, p. 133. 8 Disponível em: . Acesso em: 2 fev. 2012. Capítulo 12 O xodó do papai

Não tenho namorado no momento, mas não tem problema, sou casada com meu pai.1

Lady Gaga sempre afirmou amar seu pai e sua mãe da mesma maneira. Mas as declarações à imprensa a respeito do pai, Joe Germanotta, mostram sua clara preferência por ele. E as atitudes de Joe mostram que ela é a filhinha querida, seu xodó. Antes de ver a filha famosa, Joe já se dedicava exclusivamente a ela. Foi seu primeiro parceiro musical, se levarmos em conta que adorava cantar com sua garotinha em casa. Quando Stefani começou a cantar em bandas, era praticamente seu produtor musical, roadie (carregava os instrumentos), secretário, empresário e tudo o mais. Criou com ela a Mermaid Music, pequena produtora em que eram sócios igualitários. Chegou a deixar sua empresa para cuidar dos negócios da filha. Mas o relacionamento dos dois nem sempre era perfeito, e a biografia A ascensão de Lady Gaga, de Maureen Callahan, relata alguns dos tensos momentos vividos por eles. De acordo com o livro, ela não obedece ao pai tanto assim. E chega a ser agressiva quando discorda das atitudes dele. Como pai e filha eram sócios, ela resolveu ridicularizá-lo ao perceber que o pai fazia pouca coisa pela empresa. “Que merda você tem feito?”,2 disse-lhe, segundo testemunhou um amigo. Certo dia, ele a chamou de “maldita prostituta” depois de encontrá-la em uma reunião na Sony sem calças – usando apenas meia-calça e calcinha por cima. As coisas pareceram melhorar quando Gaga começou a ganhar dinheiro. Mas algo não deve ser negado: a Lady Gaga que conhecemos hoje foi completamente incentivada pelos Germanotta. “Meus pais sempre souberam que eu seria uma performer e queriam me ajudar a realizar meu sonho. Eles nunca barraram minha criatividade.”3 Além de estimular a carreira, a mãe de Stefani também acreditava que ela tinha de tentar, tocar nas mais variadas casas noturnas, fracassar, receber aplausos de pé e sair do palco sob vaias. Joe e Cynthia viam que ela tinha muita energia e ambição, e acreditavam na sua garotinha. A mãe a acompanhava a shows nas casas noturnas quando ela era adolescente e hoje está sempre ao lado dela em entrevistas e nos shows. “Meu pai vinha ver os shows quando eu me apresentava com tanguinhas de couro e não entendia. Não conseguiu olhar para mim durante alguns meses. Mas, quando viu que eu estava melhorando, percebeu que minhas ideias estavam ficando mais fortes.”4 Depois, se tornou o fã número um de Lady Gaga, sempre dizendo sim a suas bizarrices. Ao mesmo tempo que queria preservá-la, não queria lhe dizer não. Um exemplo foi quando Stefani, ainda muito jovem, quis fazer tatuagem. Joe não a impediu, mas pediu que tatuasse apenas o lado esquerdo do corpo. “Ele pediu que mantivesse um lado do corpo normal”, comentou e riu em seguida, em uma entrevista ao Google. O pai não sabia dizer não, e ela também não sabia contrariar o pai. A opinião dele era definitiva para tomar as grandes decisões e promover mudanças em seu comportamento. Pode até não seguir as ordens quando não concorda. Mas pensa melhor e vê quando o pai tem razão.

“Eu era quase um monstro no sentido de ser destemida com as minhas ambições.” (Hurst, 2010, p. 22)

A família de Stefani Germanotta contribuiu para sua carreira não apenas por encher a casa de música desde sempre ou por obrigar a filha a ter aulas de piano com cinco anos de idade. Os Germanotta apoiaram sem ser permissivos demais, ensinaram a menina a batalhar pelo que queria sem esquecer de ensiná-la sobre a possibilidade de fracasso, estiveram ao lado dela nos momentos mais difíceis, deram-lhe a melhor educação possível e mostraram que, batalhando, ela poderia conseguir o que quisesse. Joe e Cynthia tinham dinheiro, mas tudo foi conquistado sem tirar nada de ninguém. Foi isso que quiseram transmitir às filhas. Lady Gaga aprendeu bem a lição.

“O verdadeiro ‘eu’ é aquele que continua muito perto da minha mãe, do meu pai e da minha irmã.” (Fabulous Magazine, 2009) 1 Lady Gaga à revista Elle, em janeiro de 2010 2 Callahan, 2010, p. 48. 3 Phoenix, 2010, p. 28. 4 Phoenix, 2010, p. 172. Capítulo 13 Ela faz a moda

A moda salvou a minha vida. Quando era nova, riam de mim na escola porque eu me vestia de maneira dramática.1 Não acho que alguém possa se vestir como eu. Não quero.2

Na música pop, em termos de vestimenta, é possível falar em uma era antes e outra após Lady Gaga. Depois de nossa estrela, outras artistas pop passaram a aparecer em videoclipes ou premiações com chapéus bizarros, cabelos coloridos, roupas estranhas e sem calças. Quer exemplos? Rihanna, que tinha longos cabelos e era comportada, passou a pintar o cabelo de vermelho e a usar roupas estranhas. Kate Perry surgiu em uma premiação da MTV com um chapéu em formato de cubo, algo impensável antes da fama de nossa estrela. Até Beyoncé, que sempre teve um visual mais “diva”, com muito glamour e sensualidade, ousou um pouco, e não apenas no clipe de Telephone, mas também em outras aparições. Quando Stefani interpretou o grande bode na pré-escola em uma peça teatral e inventou a própria fantasia com chifres de bode de papel-alumínio e cabides de arame, já mostrava que tinha capacidade pra fazer diferente quando o assunto era roupa. Embora Gaga insista em suas entrevistas que tinha o costume de modificar as roupas sisudas da escola, as amigas diziam que ela era bem-comportada3 e usava as saias no joelho como qualquer outra aluna. Ela costumava extravasar nos shows, quando tinha sua banda. Na adolescência, não era muito diferente das outras meninas: usava jeans lavados com ácido, blusinhas, batom vermelho. Os cabelos eram castanhos, longos e cacheados. “Quando eu tinha quinze anos, usava jeans lavados na pedra com camisetas de alças apertadas e mostrando a barriga”, recordou em uma entrevista à Maxim. Ela conta que tinha seios enormes porque pesava dez quilos a mais. Ao gravar o primeiro disco, a primeira característica que chamou a atenção de quem a via na MTV ou no YouTube foi a ausência de calças. Aos poucos outras coisas passaram a marcar: as perucas, os óculos cada vez mais diferentes (feitos com espelhos, cigarros, monitores de LED ou lâminas de barbear) e os saltos altíssimos. Gaga e sua Haus estavam sempre de olho nas novidades do mundo da moda. Quanto mais diferente, melhor. “Depois de ‘Paparazzi’”, conta um membro da Haus of Gaga, “ela não precisou mais ir atrás de novidades sobre moda. Aconteceu em um piscar de olhos: todos os estilistas do mundo passaram a mandar fotos para ela por e- mail”.4 Aos poucos, conquistou gente como Jean Paul Gaultier, Alexander McQueen; posou para capas de revistas de moda como Elle, Vogue e Women’s Wear Daily. Foi responsável por um aumento na venda de lingeries mais sofisticadas, no uso de penteados elaborados, na presença de metais e rebites em roupas e acessórios. Talvez por falta de tempo, não criou (ainda) a própria linha de roupas. Seu parceiro em loucuras relacionadas à moda é Matthew Williams, também conhecido como Matty Dada, diretor criativo da Haus of Gaga. “Ele foi a inspiração que fez a conexão para mim entre o mundo da arte e o mundo da moda. Me dizia coisas como: ‘Se você quer fazer uma ombreira, não faça pesquisa com jaquetas, faça pesquisas com esculturas, pedras, pinturas’.”5 Quando Lady Gaga fez sua primeira turnê, The Fame Ball, vivia em um ritmo frenético. Tão frenético que mal dava tempo de vestir suas roupas malucas entre um voo e outro. De uma forma que hoje é impossível imaginar, ela voava de calças jeans e camiseta, como uma pessoa comum. Passava despercebida até que alguns paparazzi de tabloides londrinos descobriram quem era ela. Gaga não podia admitir aparecer em jornais sem maquiagem e com roupas de gente normal. Passou a aparecer em público apenas com suas roupas malucas, saltos altíssimos, maquiagens exóticas e cabelos armados, fazendo todos se perguntarem como é o rosto dela de forma normal e se ela dorme assim também. “Prefiro morrer a aparecer na frente dos meus fãs sem saltos altos”,6 exagera. E afirma não usar camiseta e jeans nem no sofá. Agora imagine nossa diva assistindo a um filme e comendo pipoca, com sapatos alien e chapéus enormes… Ela é tão excêntrica que a primeira coisa que imaginamos é que ela vestiria qualquer coisa. Mas ela explica que não é bem assim: tudo precisa ter um sentido, precisa ser fashion. “Não me visto para ter uma coisa superdramática ou exuberante. Existem coisas específicas que eu gosto. Às vezes me trazem coisas realmente muito malucas. Se eu não acho fashion, não visto.”7 Lady Gaga se diz ligada à moda, e pensa no que vai vestir inclusive ao compor uma música. Diz se inspirar na androginia de Marilyn Manson, na maquiagem assustadora de Alice Cooper, no jeito extravagante de Grace Jones, em Donatella Versace, em David Bowie… “Ninguém quer ver David Bowie cantando “Ziggy Stardust” em um conjunto de moleton”,8 disse ao Women’s Wear Daily.9

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Sapatos com pênis no lugar de saltos, um vestido todo feito com bonecas Hello Kitty, peruca em formato de botão, chapéus com chifres… É impossível descrever neste livro tudo que Lady Gaga utiliza de diferente. Ela brinca com tudo: sobrancelhas, cabelos, olhos, orelhas, ombros, nada passa batido. O corpo é o objeto de sua expressão. A musa nunca aparece do mesmo jeito. Entre as centenas de visuais marcantes, alguns serão sempre lembrados. Muita gente acha que ela foi a primeira pessoa a ter coragem de usar um chapéu com formato de lagosta, mas isso foi mais uma inspiração. A musa da moda Isabella Blow, que se suicidou em 2007, podia até ser menos conhecida no mundo pop, mas certamente inspirou muitos dos adereços que Lady Gaga usou na cabeça. Outra “inspiração” foi um chapéu escrito “Gaga” no programa de Jimmy Kimmel, idêntico a um feito de pena usado por Isabella Blow com seu segundo nome. Outra vestimenta que sempre será lembrada é o “ovo”, que ela gosta de chamar de “reservatório”, utilizado no Grammy em 13 de fevereiro de 2011. Foi criado por Hussein Chalayan e sua confecção demorou meses. Trata-se de um ovo mesmo: foi de onde ela saiu para cantar “Born This Way”. Quando começou a ficar famosa, inventou uma simples estratégia de marketing: resolveu carregar uma xícara de chá para onde fosse. Até que, em fevereiro de 2009, apresentou-se no Brit Awards vestida como uma xícara de chá. Criou, então, mais uma vestimenta inesquecível e a xícara mais famosa do mundo. Na capa da Rolling Stone e em seu show, Gaga apareceu com um vestido feito de bolhas. Mais uma vez, não foi invenção, e sim uma imitação de um vestido feito pelo estilista Hussein Chalayan, só que sem os devidos créditos. A explicação dela para o fato se assemelha à de uma criança que tenta descrever um desenho: “vou ficar no meu vestido de bolha, sentada num piano feito de bolhas, cantando sobre amor, arte e futuro”.10 Ela filosofa: “Daqui a um ano, se eu for embora, alguém vai perguntar: ‘meu Deus, o que aconteceu com aquela garota que nunca usava calças?’ Mas ia ser o máximo se lembrarem de mim daqui a trinta anos dizendo: ‘Você se lembra de Gaga com suas bolhas?’ As pessoas vão esquecer, por um minuto, cada coisa triste e assustadora em suas vidas para viver em meu mundo de bolhas”. Deu para perceber como existe algo por trás de cada roupa esquisita vestida por Lady Gaga?

Longe do bizarro e mais próximo da obra de arte está o “vestido vivo” usado por Gaga em sua turnê seguinte, The Fame Monster. Também foi inspirado em Hussein Chalayan, desta vez com os devidos créditos. O vestido se mexe sozinho enquanto ela canta, produzindo um efeito incrível.

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Lady Gaga afirma ter passado por períodos de alta sexualidade, quando a transmitia principalmente por intermédio das roupas, mesmo na adolescência. “Houve períodos em que eu era muito sexy. Depois me tornei uma hippie com jeans rasgados. E então passei para uma fase meia-calça de oncinha na qual ainda estou”. Oncinha não é o único bicho que passa pelo guarda-roupa de Lady Gaga. Estampas de zebra, orelhas de rato, imitações de cobra, tudo muito certinho, até que, em julho de 2010, ela apareceu em entrevista para uma emissora de TV alemã com uma roupa confeccionada inteirinha com sapos de pelúcia – o Caco, do Muppet Show. Mas isso não era nada perto do que ainda estava por vir. No dia 12 de setembro daquele mesmo ano, Gaga era a artista mais comentada, mais ouvida e, não poderia ser diferente, mais aguardada do Video Music Awards da MTV, que aconteceria naquela noite. No ano anterior, ela tinha simulado suicídio no palco e saíra de lá com a barriga “sangrando”. Mesmo assim, nem o fã mais ousado imaginaria que a cantora apareceria com um vestido feito de carne bovina. Até os sapatos eram modelados com carne e o chapéu nada mais era que um belo bife. Uma moça elegante como Lady Gaga não poderia deixar de lado os acessórios, por isso carregou uma bolsinha. Também com carne bovina. A polêmica foi tanta que ninguém se lembrou que ela ganhou oito prêmios naquela noite. Nem mesmo se comentaram os demais figurinos usados em outros momentos da premiação. Alguns sites especializados em música e moda começaram a especular: era mesmo carne? Segundo o Daily Mail, sim. Para o TMZ, não. Para esse último, ninguém suportaria ficar próximo a Lady Gaga poucos minutos depois de tirar a roupa do freezer. A não ser, claro, que ela ficasse refrigerada também. Mas Lady Gaga não é boba… Ela não criaria tanta polêmica para uma peça de roupa que apenas imitasse carne. Lógico que era tudo de verdade. O vestido foi criado pelos designers Franc Fernandez e Nicola Formichetti, e não foi para a panela logo após a apresentação. Muito pelo contrário: como tudo que Lady Gaga toca, transformou-se em ouro. Todo mundo quis saber mais sobre a peça e, depois de passar por um processo de taxidermia – semelhante ao feito a animais depois de mortos – deve virar atração no Rock and Roll Hall of Fame, em Cleveland, Ohio, segundo informações do site Terra e do G1. Se Gaga estava fedendo, ninguém comentou. Mas a associação Peta, que luta contra maus-tratos de animais, achou que a história fedia bem mais que o mostrado na TV. “Ela passa por maus momentos tentando chamar a atenção”, divulgou o Peta, segundo notícia publicada pelo site Terra na época. “O bife é a carne em decomposição de um animal maltratado, que não queria morrer, e, depois de um tempo sob os holofotes, deve ter cheirado a carne em decomposição e ficado cheio de vermes.”

“Você nunca me verá fazendo um programa de televisão do estilo reality, nem me peça, isso nunca ocorrerá.” (Google Goes Gaga, 2011)

Após o VMA, Gaga foi diretamente para a gravação do programa de Ellen DeGeneres – com a mesma roupa, por incrível que pareça – e explicou a situação. Disse que não ia se apresentar no Video Music Awards e não queria surgir para os fãs como “apenas outra vadia num vestido em um show de premiação”. A intenção era usar as roupas mais bizarras possíveis. A respeito da roupa de carne, Gaga disse a Ellen que não queria desrespeitar nenhum vegano11 ou vegetariano. “Eu sou o ser humano mais livre de julgamento no mundo, você sabe, Ellen”, disse. “Existem muitas interpretações, mas, para mim, se não lutarmos pelo que acreditamos, pelos nossos direitos, muito rapidamente nós teremos o mesmo tanto de direitos quanto carne em nossos próprios ossos. E eu não sou um pedaço de carne”, completou. Explicou? Talvez não. Mas Gaga queria mesmo, segundo ela, era chamar atenção para o fato de que desejava entrar no tapete vermelho (que, no caso, era branco) com alguns militantes homossexuais – uma forma de dar voz a eles. Curioso ninguém ter percebido… Ellen DeGeneres, que é vegana, levou o assunto na brincadeira e mostrou uma nova versão para o vestido: feito com folhas e vegetais. Apesar da polêmica, a revista Time elegeu o vestido como a Melhor Declaração de Moda de 2010.

1 Herbert, 2010, p. 9. 2 Friday Night with Jonathan Ross, 5 de março de 2010. 3 Phoenix, 2010, p. 21. 4 New York Entertainment. 5 Herbert, 2010, p. 136. 6 Friday Night with Jonathan Ross, 5 mar. 2010. 7 Friday Night with Jonathan Ross, 5 mar. 2010. 8 Phoenix, 2010, p. 68. 9 Phoenix, 2010, p. 67. 10 New York Entertainment. 11 Além de não comer carne, os veganos rejeitam qualquer produto que tenha sido testado em animais ou que tenha sido resultado de testes que tenham causado maus-tratos nestes. Capítulo 14 Polêmicas

Alguns dizem que Lady Gaga é uma mentira, e eles estão certos. Sou uma mentira e todo dia luto para tornar isso verdade.

Todas as celebridades se envolvem em polêmicas. A partir do momento que Lady Gaga se tornou grande, as controvérsias com seu nome ganharam proporções gigantescas. Algumas foram provocadas pelas próprias declarações, mas outras surgiram de forma difícil de entender. A maior das polêmicas foi uma daquelas que só surge mesmo em era de internet, e parece difícil de acreditar como algo assim tenha sido questionado: a cantora sem calças na verdade não era uma cantora, e sim um travesti. Ou, na melhor (ou pior) das hipóteses, um hermafrodita. Sim, Lady Gaga tem um pênis. Basta digitar no Google “Lady Gaga is…” para aparecer o restante: “a man” ou “hermafrodite”. Uma história mais bizarra que qualquer roupa que a cantora teria imaginado vestir…

“Preciso ter um orgasmo antes de ir para o palco.” (Rádio B96, de Chicago)

Tudo começou com uma filmagem feita por um fã em um show em Glastonbury, que mostrava um volume estranho embaixo de sua saia. A gravação foi divulgada junto a uma frase que foi atribuída à estrela: “Não é nada do que deva me envergonhar. Apenas não é algo que saio contando por aí”.1 A polêmica com Christina Aguilera (leia na página 92), que disse ter dúvidas se Gaga era homem ou mulher, alimentou ainda mais a controvérsia. “Sim, eu tenho um pinto enorme, de jumento”, disse a Jonathan Ross, a respeito da polêmica de ser hermafrodita. Continuou a piada em um show: “Recentemente, alguém me perguntou se eu tinha um pênis. Eu disse: ‘sim, tenho, e é muito maior que o seu’.”2 Na capa da revista Q, também aparece com um membro sobre a calça.

Ela só começou a ficar nervosa mais tarde, quando o VMA se aproximava e, em vez de discutir seu videoclipe e imaginar a apresentação que faria ao vivo, as pessoas só falavam do seu pênis. “Minha vagina está ofendida. Eu não estou. Ela está! Acho que essa é a reação da sociedade a uma mulher forte. A ideia de que nos igualamos em força aos homens e, como se sabe, o pênis é o símbolo da força masculina. É assim mesmo”.3 No Grammy Awards de 2010, talvez para calar a boca de todos, Lady Gaga usou uma roupa tão justa que não havia como ninguém suspeitar de que tivesse um pênis escondido. No início do clipe de Telephone, duas policiais a colocam numa cela, arrancam suas roupas e depois comentam: “te falei que ela não tinha pinto…” Se alguém ainda duvidava da feminilidade de nossa estrela, bastou assistir ao Brit Awards de 2011, quando sua vagina ficou totalmente à mostra.

“Eu não costumava ser forte. Na verdade não era nem um pouco forte. Mas vocês me fizeram forte, pequenos monstros.” (Turnê Monster Ball, em 2011)

Em muitos de seus clipes, ela beija uma mulher na boca. Quando começou a carreira, declarou ser bissexual: “Sou gay. Minha música é gay, meu show é gay e adoro que seja gay”, disse a Kanye West, quando planejavam uma turnê juntos.4 “Também sou louca por garotas”, afirmou em uma entrevista a uma revista gay. “Adoro homens, adoro mulheres e adoro sexo”, polemizou. “Não acho que exista uma orientação sexual única. As pessoas nascem como elas são.”5 Mais tarde, preferiu não falar mais sobre esse assunto. “Estou um pouco desapontada com tudo isso”, justificou. “Não gosto de ser vista como alguém que está usando a comunidade gay para parecer cool. Sou uma mulher de sexualidade livre e tenho as minhas preferências. Não quero que as pessoas batam muito nessa tecla porque pode parecer que estou dizendo essas coisas para soar cool ou underground.”6

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Ela é definitivamente uma estrela, sabe lidar com a fama, tem as melhores estratégias de marketing e parece ter sido treinada a vida inteira para falar com a imprensa. Seu relacionamento com as outras divas da música é o mais tranquilo possível: ela procura ser amiga de quem gosta dela, mas não faz amizades íntimas e evita frequentar aquelas festinhas típicas de celebridades. “Eu não tenho amigos no ramo da música, me sinto completamente isolada do mundo das celebridades”, confessou a Jonathan Ross.7 É parceira de Beyoncé, se dá bem com seu ídolo Britney Spears, é madrinha do filho de Elton John, já apareceu em público com Madonna e Cindy Lauper, mas tem uma desavença pública: Christina Aguilera. Na verdade, a desavença só existe da parte de Aguilera. Gaga evita qualquer bate-boca. “Não sei se alguém sabe disso, mas eu nunca falei mal de ninguém na imprensa. Nunca. E nunca falarei. Isso porque acredito no bom carma artístico: estamos todos aqui para apoiar uns aos outros, e falar mal um do outro não beneficia ninguém.”8 Mas os fãs das duas divas não perdoam, e acusaram Christina Aguilera de copiar Lady Gaga, principalmente durante o Video Music Awards de 2008. Os fãs da intérprete de “Poker Face” tomaram as dores e alimentaram a polêmica. As duas realmente tinham muita coisa em comum: ambas têm vozes maravilhosas, em alguns momentos usaram cortes de cabelos semelhantes e uma simples busca no Google Imagens mostra roupas e poses parecidíssimas. Christina chegou primeiro, e provavelmente foi a pioneira em algumas ideias. No entanto, a cantora de “Gennie in a Bottle” estava em uma fase muito ruim – seu álbum Bionic, daquela época, só vendeu 1 milhão de cópias – e podia ter administrado a polêmica de forma melhor. Mas não: quando lhe perguntaram o que acontecera, ela foi grossa: “Sabe, é engraçado que você mencione isso. Essa pessoa chamou a minha atenção não faz muito tempo. Não tenho certeza de quem ela é, para ser honesta. Não sei se é um homem ou uma mulher. Não passo meu tempo na internet, então acho que estou pouco inteirada a esse respeito. Estou nesse negócio há tanto tempo, sempre há comparações”.9 Elas nunca conversaram, mas pelos relatos da imprensa parece que Christina relacionou o sucesso de Lady Gaga ao próprio fracasso na música pop, como se não houvesse espaço para as duas. Segundo a revista Enquirer,10 uma fonte próxima a Christina disse que ela iria se “vingar” de Gaga por ter roubado seus figurinos, seus fãs e seus shows, e prometia um álbum “bombástico” para 2012, que foi lançado recentemente. Enquanto Aguilera fez o papel da menina emburrada, Lady Gaga foi esperta. “Confesso que me senti lisonjeada quando aconteceu”, disse. “Ela é uma estrela tão importante que na verdade sou eu quem deveria lhe enviar flores, porque muitas pessoas na América nem sequer sabiam quem eu era até que tudo isso aconteceu”, completou, aparentando ser sincera, principalmente para quem conhece o hábito de Gaga de idolatrar astros e estrelas pop. “Fui colocada no mapa, embora com certeza eu não queira ser lembrada pelo ‘escândalo Christina Aguilera’. Isso me mostrou que, mesmo que eu esteja no mercado comercial há apenas sete ou oito meses, eu realmente deixei registradas imagens gráficas do meu visual na íris dos meus fãs. Eles viram uma grande estrela, vencedora do Grammy, que está no mercado há anos, e reconheceram nela a Lady Gaga. Para mim, isso é uma proeza”.11 Melhor que isso, impossível. Lady Gaga aprendera a principal lição para ser uma estrela: diplomacia. Em maio de 2010, depois de ver tanta poeira sendo levantada sem motivo, Aguilera resolveu acabar com a polêmica e divulgou uma nota oficial em seu site, explicando que suas declarações sobre a cantora de Poker Face foram publicadas fora de contexto. “Eu não tenho absolutamente nada contra Lady Gaga ou qualquer outra artista neste meio. Ela é excelente e aprecio qualquer mulher corajosa o suficiente para se opor ao padrão.” Aguilera disse, ainda, que não foi a primeira vez que foi “injustamente colocada contra outra artista”. “Há espaço para todas nós nos iPods de todo o mundo”,12 completou. E prometeu não comentar mais o assunto. Ótimo para Gaga, que ganhou mais um pouco de ibope. Reflexo do escândalo: o número de fãs de Lady Gaga no MySpace praticamente dobrou. E, desculpem os fãs, mas ninguém se lembra de Christina Aguilera, que luta contra a balança e distribui falta de educação à vontade aos jornalistas.

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Assim como qualquer cantora pop que surgiu depois de 1983, Lady Gaga foi comparada com Madonna e acusada de copiá-la em vários momentos. Ao contrário de Christina Aguilera, Gaga agiu com humildade e sempre manteve um relacionamento amistoso com a Rainha do Pop. Na primeira vez que teve um contato com Madonna, ficou encantada: seu ídolo tinha levado a filha Lourdes e o namorado Jesus Luz a um show da turnê The Fame Ball. “Madonna veio ao meu show, não precisava ter vindo. Ela sabe que, quando prestigia alguém com sua presença, influencia positivamente a percepção das pessoas, no caso, em relação a mim”.13 Em outubro de 2009, as duas apareceram juntas publicamente pela primeira vez, simulando uma briga em um quadro do programa humorístico Saturday Night Live. Daí em diante, as divas pop se encontraram casualmente em um ou outro evento da música, sem uma grande amizade ou nada do tipo. A novata continuou tendo Madonna como ídolo e a Rainha do Pop sempre respeitou o trabalho de Gaga. “Me vejo na Lady Gaga. Quando a conheci, ela não tinha muito dinheiro para produção. Tinha buraco nas meias-calças e havia erros para todos os lados, uma bagunça generalizada. Mas consigo ver que ela tem aquele quê a mais. É ótimo ver isso em estado bruto”,14 comentou. No entanto, quem via Lady Gaga no palco ou nos videoclipes encontrava cada vez mais referências a Madonna. A turnê Monster Ball é um exemplo: Lady Gaga veste um colante púrpura com uma jaqueta de couro, igualzinho à Rainha do Pop em sua turnê de 2006. Utiliza telões circulares, faz referências a símbolos católicos e reproduz um vagão de metrô no palco, assim como Madonna fez na turnê Sticky and Sweet, de 2008. A maior semelhança está na transmissão do show de Gaga, na HBO, com cenas de bastidores em preto e branco, algo que Madonna faz com frequência desde 1990. Aí veio o clipe de “Alejandro” e no YouTube se multiplicaram os vídeos que acusavam Lady Gaga de copiar vários clipes de Madonna: “Vogue”, “Express Yourself”, “Like a Prayer”, e até mesmo uma exposição de arte feita pela Rainha do Pop com Steven Klein, o mesmo que dirigiu “Alejandro”, chamada X-Static Process. Não havia como negar a semelhança, mas Madonna parecia não se incomodar, enquanto Gaga ficava calada. Segundo comentários de fãs no Twitter, Madonna disse apenas que “Alejandro” era o clipe em que “Gaga acha que sou eu”. No entanto, a grande polêmica veio apenas com o lançamento da música “Born This Way”, em fevereiro de 2011. Bastou a faixa ser lançada para muita gente dizer que não passava de uma “versão”, “adaptação” ou “cópia” de “Express Yourself”, hit de Madonna de 1989. Fãs também bombardearam o YouTube com mash-ups e sobreposições das duas canções. Mas isso não significava muita coisa: para os fãs de Madonna, as canções eram idênticas, e Gaga tinha de ser processada. Para os fãs de Gaga, não tinha nada a ver. “Eu recebi um e-mail do pessoal da Madonna apoiando minha música, e, se a Rainha diz que deve ser, então deve ser!”, contou Lady Gaga em entrevista a Jay Leno. E completou: “Não tem ninguém que seja mais fã de Madonna do que eu. Sou sua grande fã pessoal e profissionalmente”. Mas poucos dias depois a assessora de imprensa de Madonna, Liz Rosemberg, publicou comunicado oficial dizendo que nenhum e-mail foi enviado, e a polêmica foi alimentada. Pela primeira vez Gaga ficou nervosa, e demonstrou isso em entrevista ao semanário New Musical Express, ao se defender das acusações de plágio. Chamou de retardados a todos que a acusavam de copiar “Express Yourself”.15 “Já escrevi muitas músicas, por que lançaria uma canção e acharia que enganaria a todos? Se você colocar uma música ao lado da outra, a única semelhança é a progressão, que é a mesma que existe na disco music há cinquenta anos. Só porque sou a primeira em 25 anos a colocar o ritmo de volta ao top 40 das rádios não significa que sou plagiadora.” A cantora disse ainda que não é “burra o suficiente” para lançar um disco com uma cópia. E foi duramente criticada por entidades que cuidam de pessoas com problemas mentais por ter usado a palavra “retardado” de forma pejorativa. A revista Rolling Stone saiu em defesa de Lady Gaga em um artigo de 11 de fevereiro de 2011, ou seja, antes ainda de a música ser lançada e de a polêmica começar. Segundo o site de pop music Suite 101,16 a Rolling Stone teve acesso à música antes de qualquer outra revista ou site especializado e, em troca, decidiu dar a Gaga o título de Rainha do Pop. “‘Born this Way’ é bem melhor que ‘Express Yourself’”, dizia a reportagem da Rolling Stone. “Depois da maior campanha de marketing para um álbum pop em todos os tempos, Born this Way não superou as expectativas. Assim que as primeiras críticas negativas saíram, o álbum pôde ser comprado por 99 centavos. Vendeu muito bem na primeira semana, mas caiu significativamente assim que foi colocado no preço regular”, acusou o site. Ainda segundo o Suite 101, Lady Gaga teria embolsado dinheiro de caridade vindo dos fãs. As doações iriam para as vítimas do tsunami e do terremoto no Japão. “Quase instantaneamente após o escândalo, a Rolling Stone declarou Lady Gaga como a Rainha do Pop”. O site acusa a revista de ter recebido dinheiro para fazer a tal declaração e diz que muitos profissionais da indústria da música estão desconfiados. “Empresas como a VH1, sites e estações de rádio têm debatido o mérito da declaração da Rolling Stone, mesmo que a revista tenha dito que vale apenas para os anos de 2009-2011.” A credibilidade da Rolling Stone foi questionada no meio. E a imagem de Lady Gaga também se desgastou. Para esquecer a polêmica, a revista publicou uma enquete – desta vez, perguntou aos leitores – para descobrir quem era a Rainha do Pop. A resposta: Madonna.

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Ela não precisa de títulos como Rainha do Pop, nem de prêmios como Grammy ou VMA para mostrar que é talentosa. Não é a comparação com as outras estrelas que a levou onde está hoje: o que transformou Lady Gaga em uma diva pop foi sua própria competência, seu talento, sua facilidade para compor canções que se fixam na mente das pessoas, sua coragem de polemizar e sua persistência. Rainha, estrela, diva, princesa – nada disso importa. Ela é Lady Gaga. E ponto final.

1 Callahan, 2010, p. 188. 2 Phoenix, 2010, p. 225. 3 Herbert, 2010, p. 178. 4 Herbert, 2010, p. 180. 5 Phoenix, 2010, p. 120. 6 Herbert, 2010, p. 150. 7 Friday Night with Jonathan Ross, 5 mar. 2010. 8 Phoenix, 2010, p. 195. 9 Herbert, 2010, p. 68. 10 Disponível em: . Acesso em: 2 fev. 2012. 11 Herbert, 2010, p. 68. 12 Disponível em: . Acesso em: 2 fev. 2012. 13 Phoenix, 2010, p. 190. 14 Herbert, 2010, p. 214. 15 Disponível em: . Acesso em: 2 fev. 2012. 16 Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2012. Referências

Livros CALLAHAN, Maureen. Poker Face – A ascensão de Lady Gaga. São Paulo: Larousse do Brasil, 2010. COLEÇÃO Atrevida Lady Gaga: A nova diva do pop. São Paulo: Escala, 2010. HERBERT, Emily. Lady Gaga: a revolução do pop. São Paulo: Globo, 2010. HURST, Brandon. Lady Gaga. São Paulo: Madras, 2010. PHOENIX, Helia. Lady Gaga – Biografia. São Paulo: Lua de Papel, 2010. HURST, Brandon. Lady Gaga. São Paulo: Madras, 2010, p. 10. Jornais

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