Sexta-feira 15 Janeiro 2010 www.ipsilon.pt

A banda sonora de 2010 Adam Green Beach House Gil Scott-Heron LCD Soundsystem Liars NTE NT

AME Massive Attack D ADAME ADAM ADA R

EPAR E M.I.A. SEPAR SEPA SEP SE S O I DIDO DID D N

EN Owen Pallett VEN R VEN RVEN RVE RV E SE e ainda... DE SE S O PO O ÃO PO P Ã P N N E N E N , E N O BLICO PÚ DO P D 5 25 225 7225 O Nº Ã Ç EDI E DA E DA ANT RAN RA R GRA GR G E TE T INTE INTE INT IN INTE E T RT R ART AR A PARTEPARTPARPA P Z AZ FA FA MENTO MEN L SUPLE ESTEEST ES E

K CK C EC E BEC B EX LEX LEX LE ALEX ALEX AL A

Brillante Mendoza Sam Peckinpah André Romão Dave Eggers Viggo Mortensen existente.

sŽrie ’psilon II Filmes premiados para os amantes da sŽtima arte. No ano do seu 20¼ anivers‡rio, o Pœblico leva aos seus leitores 20 dos melhores e mais premiados filmes do cinema internacional. Sexta-feira, dia 22 de Janeiro, o DVD ÒControlÓ, de Anton Corbijn. In’cio da Colec‹o: 15/01/2010 á Fim da Colec‹o: 28/05/2010 á Preo total da colec‹o: Û39 Promo‹o limitada ao stock In’cio da Colec‹o: 15/01/2010 á Fim 28/05/2010 Festival de Cannes 2007 Vencedor C‰mara de Ouro Sam Mendes tem as mãos em cima da 23ª aventura de James Bond

Sam Mendes em negociações Yoko Ono com OO7... A notícia corre já nos meios ditos recupera bem informados sobre os bastidores da indústria cinematográfica Plastic Ono americana: o britânico Sam Mendes (Oscar logo ao primeiro filme, “Beleza Americana”, 1999) poderá Band e anuncia vir a ser o realizador da próxima aventura do Agente 007, que autobiografi a continuará a ser protagonizado por Daniel Craig. O site IMDb inclui o Quarenta anos após o 23º capítulo da saga James Bond concerto Live Peace in Flash nos projectos de Sam Mendes em Toronto, que juntou John pré-produção, e anuncia até a data Lennon e a Plastic Ono de estreia do filme, ainda sem título (18 de Novembro de 2011); o “The Band - com Eric Clapton na Hollywood Reporter” avança que a guitarra, Klaus Voorman no rodagem poderá começar no baixo e Alan White, que próximo mês de Junho. depois integraria os Yes, na Sumário A agente britânica do realizador, bateria -, a banda de Yoko Sara Keene, confirmou ao “The 2010 6 Guardian” que Mendes tem estado Ono vai voltar ao palco, no Já nos dá música em conversações com os próximo dia 16 de Fevereiro, produtores de 007, mas não muito para um espectáculo único Brillante Mendoza 14 mais do que isso. “Posso confirmar na Academia de Música de a reunião, mas Sam tem sempre Brooklin, em Nova Iorque. O mundo da cinefi lia corre muitos projectos em cima da mesa, atrás deste fi lipino, e ele vem que poderão vir a tornar-se no seu Além de Ono, Clapton e em direcção a nós próximo filme. O seu método de Voorman, que integraram a trabalho é ter o maior número de formação original – se a Viggo Mortensen 18 projectos possível, até decidir qual expressão faz sentido deles vai fazer”. aplicada a um grupo que Conta-nos o seu “Método” O que poderá baralhar um pouco para “A Estrada” este cenário é a crise que nunca teve um elenco fixo –, actualmente atravessa o estúdio o concerto incluirá ainda Sam Peckinpah 20 MGM, que detém os direitos da saga uma série de ilustres fracasso comercial, mas são envolvido em polémicas O último dos românticos na da personagem criada por Ian músicos convidados, como Fleming. Mas isso não impede que, muitos os que hoje com Paul McCartney a Cinemateca Paul Simon, Thurston associada à próxima produção de Moore, Kim Gordon, Martha reconhecem que teve uma propósito da autoria de 007, surja também ligado outro grande influência em algumas das canções dos O Sítio das Coisas nome novo: o argumentista Peter Wainwright, e ainda os Selvagens 24 Morgan, autor de “O Último Rei da japoneses Yuka Honda, músicos posteriores. Fab Four, nunca pareceu Entramos no mundo de Escócia”, “A Rainha” e “Frost/ Cornelius e Haruomi A viúva de John Lennon, querer entrar em colisão Maurice Sendak Nixon”. Hosono, da Yellow Magic assassinado por um fã em assumida com os Orchestra. Está também 1980, voltou também sobreviventes da banda. recentemente às páginas Nem se mostrou nunca André Romão 30 ... e James Cameron prevista a participação de O inverno do (seu) Sean Lennon, filho de Yoko dos jornais por outro disposta a divulgar a sua descontentamento a caminho e John. motivo: a declaração de que versão dos acontecimentos de Hiroxima O concerto de 1969 deu pretende escrever e que levaram ao fim dos Angola 32 origem a um disco gravado publicar a sua Beatles. Ainda estão as calculadoras da “box autobiografia, Em 2007, numa entrevista à Caminhos cruzados com office” internacional a ver quando é ao vivo, creditado a The Portugal num livro sobre 500 que “Avatar” ultrapassa “Titanic” Plastic Ono Band, que teve previsivelmente em 2015. Reuters, explicou mesmo anos de História no topo dos mais rentáveis filmes algum êxito nos Estados Segundo a “Rolling Stone”, que não o faria por ter de sempre, e James Cameron já Unidos,, chegando ao 10º o futuro livro tratará, receio de que o que pudesse anda a tratar doo seu prpróximoóximo lugar das tabelas. O designadamente, da sua dizer magoasse “os filhos projecto. Segundanda a revista “intensa relação” com deles”. É provável que Ficha Técnica “Variety”, o realizadoralizador mmesmoesm não aconteceu canadiano comprouprou os ccomom o álbum Lennon e dos “mitos sobre estivesse a pensar, Director Bárbara Reis direitos para a aadaptaçãodaptação do vvanguardistaangu “Yoko o papel que teria tido na sobretudo, em Julian Editor Vasco Câmara, Inês Nadais livro de Charles PelePelegrino,grino, OOno/Plasticno/P Ono separação dos Beatles”. Lennon, o filho de John e (adjunta) “The Last Trainn ttoo BBand”,and” de 1970, no O anúncio está a gerar Cynthia. Agora, ao que Conselho editorial Isabel Hiroshima: The natural curiosidade, já que, parece, mudou de ideias e Coutinho, Óscar Faria, Cristina Survivors Look qqualu a cantora Fernandes, Vítor Belanciano Back”, que sairáá rrecorre a técnicas ao contrário da anterior quer deixar o seu Design Mark Porter, Simon para os vvocais da música mulher de John Lennon, testemunho de uma história Esterson, Kuchar Swara escaparates ttradicional Cynthia, que já publicou que, apesar de muito que Directora de arte Sónia Matos norte- dois livros de memórias – sobre ela já se escreveu, Depois do escapismo jjaponesa. Designers Ana Carvalho, Carla americanos já “A Twist of Lennon” (1978) nunca terá sido cabalmente Noronha, Mariana Soares no próximo de “Avatar”, James Cameron DDemolido pela Editor de fotografi a Miguel dia 19. O livro atira-se à saga real do único crítica, foi e “John” (2005) –, Yoko contada. Madeira relata a sobrevivente de Hiroxima também um Ono, embora se tenha Luís Miguel Queirós E-mail: [email protected] aventura e Nagasáqui

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 3 Flash

FV

de Tsutomu Yamaguchi, um (“Absolute beginners”), Duran um director, Tim Abbott, que japonês que morreu esta semana, Duran (“Boys keep swinging”), semanas antes, numa “trip” de aos 93 anos, e que foi oficialmente Soulwax (“TBA”), A Place to Bury ecstasy e champanhe, tinha escrito declarado como o único Strangers (“Sufragette City”), no tecto da recepção, as palavras sobrevivente dos ataques atómicos Warpaint (“Ashes to ashes”), “Northern Ignorance” (à letra, a Hiroxima e Nagasáqui, em Agosto Chairlift (“Always crashing in the ignorância nortenha). Gallagher de 1945, que determinaram o final same car”), entre outros, reuniram- vinha do Norte e sentiu-se em casa. da 2ª Guerra Mundial. se para gravar alguns dos clássicos A Creation Records era assim tão Yamaguchi estava em Hiroxima no do músico britânico. Para algo de disfuncional. dia 6 daquele mês, e sobreviveu ao completamente diferente, os Esses e outros altos (e baixos) da ataque americano com graves Megapuss, a banda de Devendra editora independente que deu ao queimaduras no corpo, que foi Banhart, e o ex-Red Hot Chili Os Primal Scream mundo, além dos Oasis, os Primal tentar tratar em... Nagasáqui! Mas Peppers John Frusciante, em “joint- do também bastante Scream, os Ride e os My Bloody também aí conseguiu sobreviver. E venture” com os Swahili Blonde, disfuncional Bobby Valentine, estão em vias de dar um dedicou o resto da sua vida a contar optaram por versões em castelhano Gillespie foram filme, “Upside Down”, com estreia a experiência por que passou, dos temas “Sound + Vision” e “Red um dos grandes trunfos marcada para esta Primavera - os tornando-se num dos mais activos money”, respectivamente. do catálogo produtores garantem que vai ser “o militantes da causa do Os MGMT, anteriormente da Creation Records filme mais revelador do rock’n’roll desarmamento nuclear. anunciados como parte do desde ‘24 Hour Party People’”, que Segundo noticia o “The Guardian”, projecto, já não constam na lista foi uma espécie de toda a verdade James Cameron encontrou-se com de participações do álbum, ainda sobre a cena de Manchester e, em Yamaguchi no passado dia 22 de sem nome, cuja receita reverte particular, a Factory de Tony Dezembro, quando se deslocou ao inteiramente para a instituição de Wilson. Menos polémico não será, Japão numa viagem promocional de caridade Warchild. Entretanto, já com toda a certeza: “Avatar”. Terá trazido desse no dia 25 de Janeiro, o camaleão “Embebedávamos e drogávamos as encontro a motivação para passar do rock lança o trabalho ao vivo “A bandas frequentemente até elas se ao cinema a tragédia vivida pelos reality Tour”, gravado em 2003, submeterem”, revela Abbott. Uma habitantes das duas cidades também com edição em DVD. década depois do encerramento da mártires japonesas. O projecto Creation Records, e 25 anos depois promete, a duas ou a três do lançamento do seu primeiro dimensões. Os altos e baixos da single, o filme de Danny O’Connor Creation Records documenta a vida de uma editora permanentemente na corda bamba, Todos por David vão dar um filme mesmo depois da galinha dos ovos de ouro que foi o Prémio Mercury Bowie Em 1993, quando Noel Gallagher se dos Primal Scream, em 1992. É, meteu num comboio para conhecer assumidamente, o olhar de um fã: Sem perspectivas de lançamento de os patrões da Creation Records, que “Nenhuma editora foi tão excessiva um novo álbum de estúdio em viria a ser a editora dos Oasis, como a Creation, nenhuma editora 2010, David Bowie está mesmo encontrou um escritório numa rua faz discos tão bons como a Creation. assim nas notícias: em Março, vai pouco recomendável do Leste de A Creation era indie, mas não usava ser homenageado por 28 bandas Londres, cercada por “inadaptados, casaco de malha, não pedia num álbum tributo. Carla Bruni toxicodependentes e sociopatas”, e desculpas”. “Cinco escolas/Cinco Áfricas” na Ordem dos Arquitectos Cinco equipas de arquitectos, cinco países africanos, cinco escolas. O projecto da representação oficial portuguesa na 8ª Bienal Internacional de Arquitectura de São Paulo (que decorreu no final de 2009), comissariado por Manuel Graça Dias, pode ser visto, a partir de amanhã e até 25 de Janeiro, na sede da Ordem dos Arquitectos, em Lisboa. “Cinco Áfricas/Cinco Escolas” quis ser mais do que a mera apresentação de projectos já desenhados por um determinado arquitecto ou atelier. O projecto da dupla Pedro Ravara e Nuno Vidigal para Moçambique A ideia de Graça Dias, respondendo Ravara+Nuno Vidigal (Moçambique). As situações que encontraram ao pedido que lhe fora feito pela Seguiram-se as viagens, para foram diferentes, e os projectos são Direcção-Geral das Artes, foi criar conhecer os territórios e as naturalmente diversos, mas em Carla Bruni, algo que tivesse uma continuidade: condições em que iam trabalhar, comum houve a preocupação de Duran Duran, escolas imaginárias que, sendo que nos cinco países a usar materiais e técnicas locais, que Devendra eventualmente, pudessem Natureza é uma presença permitissem uma construção Banhart transformar-se em obras concretas. dominante e todos os projectos simples (eventualmente até pelos e Soulwax, A cada um dos arquitectos foram pensados tendo em conta o próprios habitantes), e de recorrer a entre outros, convidados coube um país: Inês clima, o sol, o vento, a presença das energias renováveis. O objectivo vão estar Lobo (Cabo Verde), Pedro Maurício árvores – e também a arquitectura já agora é encontrar as condições para no álbum Borges (Guiné-Bissau), Pedro Reis existente nos territórios, que as cinco escolas possam ser de tributo (São Tomé e Príncipe), Jorge nomeadamente a de arquitectos construídas nos cinco países a Bowie Figueira (Angola) e a dupla Pedro portugueses. africanos de expressão portuguesa.

4 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon APRESENTAÇÃO AO VIVO LANÇAMENTO EXPOSIÇÃO AGENDA CULTURAL FNAC entrada livre

APRESENTAÇÃO O LAÇO BRANCO Filme de Michael Haneke A Fnac convida João Lopes, crítico de cinema, Fernanda Câncio, jornalista, e Nuno Artur Silva, ficcionista e director das Produções Fictícias, para uma conversa em torno do filme que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2009.

18.01. 18H30 FNAC CHIADO

APRESENTAÇÃO POVO QUE CANTA Filme de Ivan Dias e Manuel Rocha Quase quarenta anos depois da aventura de Michel Giacometti e Alfredo Tropa, Povo Que Canta procura um país que foi deixado para trás na modernização inexorável dos tempos.

22.01. 21H00 FNAC COIMBRA

AO VIVO A JIGSAW Like The Wolf Os A Jigsaw apresentam, nos Fóruns Fnac, um álbum com sonoridade folk, country e blues.

17.01. 17H00 FNAC NORTESHOPPING 22.01. 18H30 FNAC CHIADO 22.01. 22H00 FNAC COLOMBO

LANÇAMENTO NOVO TALENTO FNAC FOTOGRAFIA 2009 Inauguração da exposição vencedora Apresentação do vencedor e das menções honrosas da edição de 2009.

22.01. 18H00 FNAC COLOMBO

EXPOSIÇÃO UMA FOTO DE CADA VEZ Fotografias de Gonçalo Cadilhe O mais determinado viajante português da actualidade vem ao Fórum Fnac para apresentar as fotografias que tirou aquando das viagens que acompanharam as histórias dos seus livros.

19.01. 19H00 FNAC CHIADO

Consulte a agenda cultural Fnac em

Apoio: 2010 já nos dá música Os novos discos de Owen Pallett, Adam Green e Beach House são só a ponta do icebergue: nos próximos meses, vai haver novidades em várias frentes, dos Gorillaz a M.I.A., de Charlotte Gainsbourg a Gil Scott-Heron. Para 2010, então, rapidamente e em força.

6 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon Owen Pallett A última

Charlotte Gainsbourg Editado no fi nal do ano passado em França, “IRM” chega agora aos restantes mercados. O fantasia novo álbum da fi lha de Serge Gains- bourg e Jane Birkin, que sucede a “5:55”, de 2006, conta com a ajuda preciosa de Beck na produção e nalgumas vocalizaçõesç (no anterior colaboraram os Air e Jarvis Cocker). É um disco que fi ca entre a elegância sonora e a suavidade interpretativa, talvez como reacção em Lisboa ao papel intenso no último fi lme de Lars Von Trier, “Anti-Christ”. V.B. The Knife O violino do canadiano outrora conhecido como Final Andersson (Fee- Fantasy está cada vez mais polifónico. Em “Heartland”, ver Ray) e , os irmãos

o terceiro álbum que começou a escrever em Lisboa, da dupla dinaa- a

marquesa Thee p

alia sensibilidade pop, formação clássica e métodos Knife, com- a

Owen Pallett puseram, no Capa C foi obrigado a electrónicos. Vítor Belanciano ano pas- abdicar do sado, música nome Final para uma ópera Fantasy: “Já Para a maior parte dos músicos o se- tisfeitos com a visibilidade que, ao maior parte dos meus preferidos se- experimental, não há fuga gundo álbum é o mais difícil, mas pa- longo dos anos, o músico foi granje- jam apenas um conjunto de canções. baseada na obra “A Origem das Espécies”, possível. ra Owen Pallett difícil foi o terceiro. ando. Teve de ser: “Não me apetecia Nas entrevistas sobre o último perdi de Charles Darwin. O álbum que será lan- Agora sou eu “Houve alturas em que pensei em de- nada mudar. Final Fantasy era uma imenso tempo a explicar o conceito. çado, “Tomorrow, In a Year”, que conta com a mesmo” sistir”, ri-se ele, a partir de Toronto, boa tradução da música, um nome Desta vez gostava que as pessoas se participação de Mt. Sims ou Planningtorock, Canadá, a sua cidade natal. “Hear- indicativo, sem ser muito sério. Era concentrassem apenas nas can- promete bastante. Pelo menos o épico de 11 tland”, assim se chama o “difícil ter- um trabalho, não era eu. Por outro ções.” minutos já conhecido, “Colouring of pigeons”, ceiro álbum”, sucede a “Has A Good lado, adoptar o meu nome próprio prova que não existe ninguém na actualidade Home“ (2005) e “He Poos Clous” vai obrigar-me a compor canções a Lisboa-Reiquejavique-Praga a fazer algo comparável. V.B. (2006), ambos registados com o no- partir de um ponto de vista mais pes- É difícil fazê-lo, quando Owen revela me Final Fantasy. soal, o que pode vir a transformar-se que foram escritas em Lisboa. “É ver- M.I.A. “Queria compor canções mais com- num desafio muito estimulante.” dade. Passei umas semanas em Lis- O sucessor de “Kala”, terceiro álbum, ainda plexas em termos de arranjos e tam- Nos discos de Owen Pallett há sem- boa, em Março de 2008, a escrever sem nome, de M.I.A., é descrito pela própria bém em termos vocais. Queria alcan- pre um ponto de partida, uma narra- as canções. É a minha cidade favorita como um disco mais “musical” e “mais es- çar um som mais ambicioso, até do tiva, um conceito. Compõe com uma da Europa. Tem um encanto muito tranho” do que os anteriores. O processo de ponto de vista da qualidade auditiva ideia específica em mente. O último especial, a paisagem e as pessoas,as, gravaçãog foi acompanhado, ao e, por várias vezes, senti-me perdido álbum, por exemplo, foi concebido à qualquer coisa que tem a ver comm o longo de cinco meses, pelo DJ pensando para mim próprio: ‘Porque volta do jogo “Masmorras e Dragões”. espaço e o tempo que não sei precisarsar Blaqstarr e pelos já habituais é que te estás a preocupar, se a maior O novo é composto por canções de muito bem. Sinto-me em casa quandondo colaboradores Diplo e Switch. parte das pessoas vai ouvir isto em amor que têm no centro um agricul- estou aí e isso é um sentimento fan-an- O álbum vai estar pronto na ficheiros digitais de péssima qualida- tor heterossexual, Lewis, que habita tástico. Em Toronto sinto o mesmo,mo, Primavera, mas só começou de’?”, conta ao Ípsilon. um planeta ficcional chamado Spec- mas aqui conhecem-me. Lisboa acabaaba a dar notícias no início desta Talvez tenha razão, mas o esforço trum, e que estabelece uma relação por ser o refúgio ideal.” A 10 de Mar-ar- semana: tudo o que se sabe é não foi em vão. Sem perder o contac- com o próprio Owen Pallett. ço, regressará a Lisboa, ou seja a casa,sa, quue M.I.A. está consciente da to com as características essenciais “‘Heartland’ é sobre o princípio,o, o parap um concerto no Teatro Mariaria prova de fogo do terceiro álbum dos registos anteriores, e aliando meio e o fim de uma relação. É ppurouro Matos.Matos. “Estou ansioso por voltar. Sin-in- e que optou por apostar em algo sensibilidade pop e composição romance. Mas desta vez não mmee ape-p to qque tenho ccomo essa cidade umaa que não siga apenas a tendência, clássica, o novo álbum vai mais lon- tecece muito explorar essa ideiaeia da nar- mas que a defi na enquanto artista. ge. São 12 canções ainda assentes rativa.tiva. Nos álbuns anterioreanterioresres havihaviaa Andréré Vieira na tradição pop, baseadas mais umama narrativa imimaginária,aginánária, uma vez numa narrativa concep- queue atribuía unidadede àsàs Gil Scott-Heron tual, mas que parecem, e por ve- canções,nções, mas destaa vvezez Será o primeiro álbum de originais, zes são, tocadas por uma orques- essasa realidade eestáesstá desdde dee 1994, do veterano poeta, tra. Poderia daqui resultar um maisais dissolvida.dissolvidada. É cantnttotor e activista negro, e pelo pastel barroco. Mas não. Pelo apenaspenas uma eespé-spé- ququeue jjá se conhece pode ser uma contrário. São canções que ex- ciee dede sombrassom m br a “Passei umas semanas em Lisboa, grananded surpresa, principal- põem vulnerabilidade: “Quando queue atraatravessavvesssa as mentntee see tivermos em as pessoas pensam em arranjos canções,nções, nadanan ad a em Março de 2008, a escrever as canções. ata enenção que há orquestrais, imaginam logo qual- mais.ais. GostoGosto umm par de anos quer coisa de grandioso, mas dee áálbunslbuun s É a minha cidade favorita da Europa. GilGil Scott-Heron não me apetece nada ir por aí. comom con-coon- parepa ecia à beira Quero, pelo menos, complexifi- ceito,ito, em-emmm- Sinto-me em casa quando estou aí. do abbismo, tento car um pouco essa ideia”, afir- boraora a Lisboa está no centro deste álbum, mesmom estado preso. ma. “II’m’m New Here” foi gra- Há uma modificação percep- não diria que foi uma influência vavadod em Novva Iorque, as tível no percurso de Owen leettrast falam da experiência Pallett. A designação Final directa, mas foi o início de tudo” da prisão e o som é minimal Fantasy foi abandonada. e descarnado,d exxistindo até Não por opção, mas por contin- uma versão de “Me and the gência. Os advogados da empresa devil blues”, de Robert que produz o jogo de vídeo com Johnson. V.B. o mesmo nome não estavam sa-

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 7 Adam Gre

“Minor Love” é um fi gadais. Tem um o essencial: “Minor

relação profunda que me permite de carne e osso é que era. Este é o Adam Green está ao telefone em dizer isto. Quero regressar aos sítios meu disco mais orquestral, mas ao Nova Iorque a confessar-nos que só que já conheço e descobrir outros.” mesmo tempo é também o mais elec- escreve canções sobre falhanços”. “É Para todos os efeitos, portanto, a trónico. Estou bem assim. Acho.” aquilo com que me tenho confronta- operação “Heartland” começou no Na composição do novo álbum, re- do desde os meus 12 anos”. A idade Bairro Alto. “Estava alojado no Bair- conhece a influência de formações referida não é inocente: foi precisa- ro Alto, deambulava pela cidade, ia históricas, como os Kraftwerk e os mente com 12 anos que, levado pela aos concertos à ZDB – adoro a ZDB e Silver Apples, ou de outras bem mais mãe, começou a tocar em clubes folk. a vida cultural da cidade, com tantos antigas, de Bartók à música militar do A conversa continua focada na ado- concertos – e jantava no Toma Lá Dá séc. XIX, mas diz-se um conhecedor lescência: “Tenho a sensação de que Cá, na Bica. Às vezes ia a Sintra. Co- da realidade actual, enaltecendo os escrevi todas as minhas letras antes nheci aí os Silver Apples e só eu sei Dirty Projectors, as Telephate, os Gri- dos 15. E venho descobrindo que as o quanto eles me influenciaram nes- zzly Bear e os Sunn O))). Não surpre- melodias das minhas canções são as te disco. Sim, Lisboa está no centro ende que possua um conhecimento que tocava na tuba quando era miú- deste álbum, não diria que foi uma alargado sobre a música do presente. MaMasss iivve AAttttaackk do, na banda da escola”. Começámos influência directa, mas foi o início de Afinal, enquanto orquestrador ou vio- A exxppeectc attivi a é ele evvadadaa. Conseguirá o pro- aqui por ser curioso ouvir isto a quem, tudo.” linista, tem colaborado com imensa jectto dde Brir sts ol mannteer a fasquia alta depois num álbum como “Jacket Full Of Dan- Inicialmente, o produtor do disco gente (Pet Shop Boys, Beirut, Nico dede seieis annos sem álbbunu s de originais no ger” (2006), criou um manifesto pela era para ser Chris Taylor, dos Grizzly Muhly, Grizzly Bear, Mountain Goats, memercrcaaddo? Os conterrâneos Portishead regres- “micro-canção” enquanto obra de Bear, mas incompatibilidades de Last Shadow Puppets, The Hidden ssaararamm, há dois anoos, em grande forma. Agora, arte – nele, poucas canções ultrapas- agenda fizeram abortar a ideia. De- Cameras), embora seja com os com- nana coommppanhia do inevitável Horace Andy, savam os dois minutos e o single “Nat pois de Lisboa, Pallett voou para Rei- patriotas Arcade Fire que tem esta- e dede Hopo e Sandoval (Mazzy Star), Martina King Cole” ficava-se por um minuto quejavique, na Islândia, na compa- belecido uma relação mais próxima. TToopplleyey-BBiri d ouou Tunde Adebimpe (TV On The e 20 segundos. Mas eram composi- nhia do amigo Jeremy Gara, dos Ar- Foi ele que criou os arranjos para os RRaaddiio)o), osos Masasssive Attack tratarão de mostrar ções rigorosas, detalhadas e de ins- cade Fire, para registar o disco nos álbuns do colectivo, “Funeral” e “Ne- emem “HHeelliigogollandnd””, com saída a 8 de Fevereiro, trumentação opulenta. estúdios Greenhouse, onde Bjork ou on Bible”, e o mesmo para o novo quque aiindnda sãão relevantes. V.B. Pode soar a contradição a ideia do Bonnie Prince Billy já gravaram. disco, a editar este ano. “Desde o pri- compositor regressivo, mas a contra- Depois de ter registado o esqueleto meiro momento que era perceptível GGorillaz dição é pedra basilar no edifício Adam de 16 canções, voou para Praga, onde que iriam ser enormes”, afirma, “são O tterrceiro álbbum do projecto da bonecada, Green. Nunca terá sido tão óbvio viria a trabalhar com uma orquestra. pessoas muito especiais.” lil ded rar do poror Daamon AAllbarn (Blur), está a quanto em “Minor Love”, o sexto ál- Foi a parte mais difícil de toda a ope- Durante muitos anos, a figura do camim nho. Terá pop, rock e refer- bum que acaba de editar, que apre- ração. “Sentia-me exausto, não con- produtor foi ganhando um protago- encias exóticas, nomeadamente sentará dia 4 de Março no Santiago seguia discernir o que interessava do nismo quase similar ao do músico orquestrações provindas Alquimista. que era acessório. Foram tempos com quem colaborava. Hoje em dia da Síria. E, claro, muitos No MySpace, descreve-o como ten- complicados”, ri-se agora Owen. são orquestradores, como ele ou Nico convidados, como Snoop “Queria desafiar-me, mas sentia que Muhly, que estão em evidência. “Sim, Dogg, Lou Reed, Mos toda aquela história da orquestra es- é verdade” concorda, “talvez tenha a Def, Barry Gibb, The tava a ir longe de mais. De repente, ver com o facto de o som orquestral Horrors, De La Soul ou percebi que não podia ser o produtor conter muitas possibilidades expres- Bobby Womack. Segundo executivo, o compositor, o cantor, o sivas, ser rico e diverso, e pouco ex- Albarn, “Plastic Beach” orquestrador e sei lá o que mais, em plorado em campos musicais como será o disco mais pop de simultâneo. Mas, depois, tudo se re- o rock.” seempre onde já alguma compôs.” A música de Owen Pallett é circular, vez esteve envolvido, tem qualquer coisa de encantatório, o quq e não quer dizer O verdadeiro Owen Pallett estimulando a intimidade ou condu- quase nada. No Em palco também existem mudan- zindo-nos para panoramas expressi- caso dos Gorillaz, o ças. Até agora, Owen Pallett era co- vos, quase teatralizados. Há naquilo segredo faz parte da nhecido por enfrentar multidões que ele faz uma aura clássica e um estratégia.e V.B. munido apenas de violino, sampler forte apelo lúdico, como se quisesse e pedal de efeitos. Agora tem um habitar um mundo de fantasia que, LCD Soundsystem cúmplice, o guitarrista e percussio- afinal, em vez de distanciar, nos apro- Em Outubro, a edição de “Bye bye Bayou”, nista Thomas Gill. “Conhecemo-nos xima dele. Final Fantasy foi-se. Agora versão do ex-Suicide Alan Vega, serviu como no Verão passado e estabeleceu-se temos Owen Pallett, o próprio. “Já aperitivo para atenuar a espera. Electro-funk uma boa relação entre nós. É bom não há fuga possível. Sou eu mes- imparável, as vozes nas alturas do falsete, estar acompanhado por alguém em mo.” repletas de eco, e o toque de génio habitual. palco. É mais confortável. Pelo me- Os LCD Soundsystem ofereceram-nos uma nos quando dou barraca posso parpar- Ver crítica de discos págs. 49 e segs. versão, masma o mundoundo quer o álbum tilhartilhar o embaraço.”embaraço.” com- pleto. Num post recente Não é um ddiscoisco mais ou menos ddi-i- no site ofi cial, anun- fícilfícil de transportranspor pparaara ppalco.alco. “Estou ciaram que o suces- sempresempre insatisfeito” cconfes-onfes- sor de “Sound Of sa.sa. “Às vezes parece-meparec e -me “Às vezes parece-me que devia Silver” sairá muito queque deviadevia ter mais papara-ra- provavelmente em fernáliafernália electrónica eem m ter mais parafernália electrónica Abril. Terá sido gravado palco,palco, outras vezes em Los Angeles e nele en- pensopenso que terter um em palco, outras vezes penso contraremos títulos como montemonte de músicmúsicosos que ter um monte de músicos “Why do you hate music” ou “Love In LA”. M.L. de carne e osso é que era. Este é o meu disco mais orquestral, mas é também o mais electrónico”

8 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon reen Um fatalista renitente álbum especial na carreira de Adam Green, um músico qgque gera amoresmores assolapadosp e óódiosd lado “clownesco” e um gosto patológico pela “boutade”,ade”, mas ississosso não aapagapagapag Love” é um grande álbum. Sobre “fatalismo”. Mário Lopesopes

do sido inspirado por uma sensação silusão. “Minor Love” é realmente Claroaro que nada distoddiisto de “fatalismo”, o que confere com as sobre “fatalismo”. é permanente.e. En- canções em queda. Depois refere con- quantoanto figuraa pú- versas imaginárias com Leonard Co- Uma personagem blica,ca, Adam GrGGre-e- “Tenho a sensação de que escrevi hen, termina com uma declaração Os últimos dois anos foram os melho- en é tão ddes-es- cómico-bombástica, “as pessoas po- res dos anos, foram os piores dos concertantencertannte todas as minhas letras antes dem sentir-se chocadas com o quão anos. Em 2008, Adam Green editou quantoanto ass le- talentoso é Adam Green”, e, se não um disco falhado, “Sixes & Sevens”, trasas qququeue dos 15. E venho descobrindo que o conhecêssemos desde que em 2003 megalomania ébria repleta de orques- canta.nta. EEn-n- editou “Friends of Mine”, obra-prima trações barrocas e coros femininos trevis-eviss- as melodias das minhas canções da arte de sabotagem lírica da canção de gosto duvidoso. Pela primeira vez, tadodo popular, ficaríamos na dúvida. a sua música transbordou para a ca- são as que tocava na tuba “Minor Love” é um álbum especial ricatura. Nesse mesmo ano, os quando era miúdo, na banda na carreira de Green, mas Green é o Moldy Peaches transformaram-se mesmo tipo, capaz de gerar amores num micro-fenómeno: “Anyone da escola” assolapados e ódios figadais, que se else but you” era canção central de pelopelo Ípsi- mostrou pela primeira vez, adoles- “Juno”, o filme, e num ápice Green e lonlon por altura cente, nos tão adoráveis quanto pa- Kymia voltavam a cantar juntos e de “Ja““JacketJacket Full Of tetas Moldy Peaches, duo partilhado eram convidados em tardes televisi- Danger”nger”r” (2(2006),006), apre- com Kymia Dawson. “Não pretendo vas das “Fátima Lopes” americanas. sentou-sentou-se fafalfalandolando do te- apresentar-me como um cantor folk Músico de culto cujas canções, pe- lediscodisco queque gravavagravava parap Adam Green autêntico ou como um cantor rock lo humor inesperado, pela crueza “Nat King Cole” e de como não fazia compôs autêntico. Sou uma pessoa que gosta com que expõem as personagens, a mínima ideia do queue dali sairia – o antes de emigrar para a América,Amé fora “Minor Love” de cantar e que sempre fez isto”, nunca terão direito a “prime time” no realizador servira chá dee ópópioio a todos amante de Kafka, tentendodo ssido por ele fechado na apresenta-se ao Ípsilon. A sinceridade mainstream, lá o vemos estranhamen- e ninguém sabia o que se passarasara re- imortalizada em váváriasr persona- “casa de um está na sua música, essa que em “Mi- te a assomar como celebridade nos almente durante as gravações. Aquilo gens.gens. gajo em Los nor Love” se torna matéria eléctrica locais mais inesperados. Nos EUA, que nos contou, e o tom com que o O lladodo “clow“clownesco”,nes o gosto pela Angeles”, sem com a sensibilidade melódica de sem- tornou-se uma estrela quando “Jessi- contou, não difere daquilo que mos- “boutade” e o cocompleto alheamento sair para não pre, mas mais descarnada do que an- ca” foi adoptada como banda sonora tra quando, por exemplo, surge como das regras de respeitabilidade en- ter de ver “a teriormente – e, nela, Adam Green é de um “reality-show” protagonizado convidado em programas televisivos quanto figura pública são uma faca quantidade de seriíssimo. Quanto ao resto, é toda por Jessica Simpson. Na Inglaterra, a na Alemanha, o país onde o seu su- de dois gumes. Aos olhos de uns, tipos de uma outra história. Para memória fu- amizade com ex-Libertines como Pe- cesso é mais notório e que o levou a Adam Green será uma personalidade donuts tura, fica isto. “Minor Love” é um te Doherty ou, principalmente, Carl uma inesperada viagem às raízes fa- única, desdenhosa do jogo do estre- disponíveis” grande álbum depois uma grande de- Barat, garante-lhe óbvia visibilidade. miliares: descobriu que a bisavó, lato. Aos de outros, uma fraude irri- tante com a mania que é iconoclasta. E aqui regressamos ao início desta conversa. O melhor dos anos, o pior dos anos. Em 2008, Adam Green casou-se. Meses depois, divorciou-se. Aban- donou a casa emprestada de Lon- dres e voltou a Nova Iorque. Viajou para a costa Oeste, instalou-se “na casa de um gajo em Los Angeles”, disse-lhe que “queria um órgão Casio dos anos 1980” e gravou este álbum sobre falhanços com duas camadas de leitura. As letras reflectem aquilo que nos disse: “Só escrevo canções sobre falhanços – mas nunca o tinha conseguido fazer como aqui”. A mú- a sawsxsasawswsx sica, por sua vez, é “uma narrativa paralela”. Enfiado numa casa em Los Angeles, este nova-iorquino sem car- ro e sem vontade de passear pela cidade - repugnam-lhe “os maneiris- mos das pessoas, a sua linguagem corporal, toda a tralha de espiritua- lidade e a quantidade de tipos de donuts disponíveis” -, convocou No- ah Georgeson, músico que acompa- nha há muito Devendra Banhart, e criou a tal narrativa paralela: “Ele desafiava-me a fazer coisas engraça- das, ridículas. ‘Nada de bombos de bateria, os bombos estão presos nos anos 80’”. Esse contraste entre o sério e o ab- surdo, entre o negrume das letras e o brilho da música, é o espelho dos con- trastes de Adam Green. E é precisa- mente isso que transforma “Minor Love” num dos seus grandes álbuns. Uma colecção de canções perfeita pa- ra encarar futuros nebulosos com uma sorriso de esperança – no sorri- so, não no futuro.

Ver crítica de discos págs. 49 e segs.

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 9 Beach House A vida toda n Pensávamos que os Beach House eram um rapaz e uma rapariga tímidos e i “Teen Dream”, eles dizem-nos que são boémios, hedonistas e que querem pôr a vida t que só usem dois instrumentos. J

Alex Scally e Ninguém pergunta a um realizador travo a cravo incluem invariavelmen- Mas depois do concerto, quanquandouando Victoria de filmes de acção se ele tem vontade te denominações como “nostálgicos”, os pagantes se sumiram reconforta-recononforta- Legrand: um de matar gente em catadupa; nin- “oníricos” ou “misteriosos”. As des- dos na confirmação dos adjadjecti-djeecti- parzinho guém perguntava às actrizes de Berg- crições da voz de miss Legrand, vo- vos que tinham lido em revis-revevis- acabrunhado, man se fora dos filmes do sueco elas calista, usam termos como “veludo” tas da especialidade,especialidade,, os de ar tímido, queriam cortar os pulsos (ou o que e definem-na como “coquette” e “a Beach House – Alex ScaScallycally com jeito para mais cortassem nas fitas). Mas por última das românticas”. e Victoria Legrand – cco-oo- canções belas, alguma estranha razão, enclausurada Se recuarmos uns meses, ao con- meçaram a beber,beberer, ac-- “Não somos tão bons como que bebe no inconsciente colectivo de quem certo que a dupla deu no Maxime, em tividade que, pepelolo à os Beach Boys, mas como se não compra música, espera-se dos músi- Lisboa, as palavras parecem fazer sen- vontade comm qququee se houvesse cos que sejam fora do palco o que são tido: entre os sofás vermelhos, as lu- dedicaramm à inges- do ‘Surfi n’ Safari’ para o ‘Pet Sounds’ amanhã nas canções e nos concertos. zes a meia altura e a bola de espelhos tão de álcool,álcolcool, não Pode haver uma linha a unir vida e do ex-cabaret, as canções lentas dos pareceupareceeu ser-lhes as canções deles fi cam muito maiores. canção, mas é certamente mais sinu- Beach House (servidas pela voz “co- desconhecida.descoconhecida. osa do que uma linha recta. Os artistas quette”, de “veludo”, de miss Le- Tornou-seToo rnou-se Nós queremos fazer o mesmo, hedonistas são muitas vezes ex-repri- grand, por uma guitarra em slide e claroclaro que midos, os misteriosos são frequente- por um órgão esquecido num palace- nãonão sãsãoo só que com muito pouco. mente seres inseguros, e há alturas te em ruínas) eram “nostálgicas”,, Tentamos transformar dois em que se descobre que as Grace “oníricas” e a donzela parecia, noo Kellys são ninfomaníacas que encon- meio daquelas canções de amoreses instrumentos numa tram um papá em cada homem que perdidos, “a última das românticas”. lhes surge à frente. As canções de “Devotion”, o disco que apenasapenas um par-par- orquestra” Tomemos o caso dos Beach House. então promoviam, evocavam amores zinhoho acabrunha- Os adjectivos usados para descrever de inverno, raparigas lacrimejando do, de aarr títtímido,mido, com esta dupla cuja música se resume a em salões com lustres, tragédias sur- jeito para ccancançõesanções belas. uma guitarra a envolver em névoa das envolvendo o namorado da me- São um parzinhonho acabrunha- doirada os rococós de um órgão com lhor amiga, chá e vestidos de folhos. do, de ar tímido, cocomm jjeito ppara

10 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon na garganta e insondavelmente românticos. Ao terceiro disco, a toda nas canções. Que as canções sejam enormes. Mesmo . João Bonifácio

canções belas, que bebe como se não HoHot ChChipip houvesse amanhã. OsOs briritâtânniiccoos Hot ChChiipp laannçaçarrãão ““Onnee Liife SSttaannd,d, o quarrto áállbubum ddaa suuaa caarreirraa,, a 1 de Gente da sua idade FFeeveverreiri o dde 201010,0, e pelo siinnglele homónniimo, Meia dúzia de meses depois, a dupla jájá diisspop níívevel,l o eleectropop ganha prropo rriiee- esteve à conversa com o Ípsilon a pro- daded s discco e a capaacic dad de de leviitatar.r Chaharlleses pósito de um concerto em Portugal, HaH ywy arrd,d batererisi ta dos This HeHeatat, asa ses guguraa e aproveitando para antecipar “Teen a pep rcuusssãsão emem “SSlussh”h” e, qquuanto ao resto,o em Dream”, terceiro tomo da discografia enenttrevevisstat receceente à “PiPitctchhfforrkk””, AAlexxisi Tayylloor da dupla - um disco que, dizem, fun- rreevveelala que há ppor láá um reefrrããoo insnspipiraradodo em ciona como um “battle cry” aos ado- ções tão lentas e que escreve canções “L“La isislla bono itta”a , dee Madadononnana, e uummasas pititadadaas lescentes. Foi no lobby de um hotel que podiam ser mini-peças de Ibsen ddee Fleleeetwow odd Maac. VeVerer momos ququalal delelasas seerrá a lisboeta, em dia de festival de música, escrevessem com meticulosa ciência susucesssorra dee “OOvere anndd ovveer”r ou ““RReadyy foor com estrelas dos Strokes e de mais o sucessor do seu enorme êxito. No tthhe fl ooor”r”. M.M L. um punhado de bandas a passear por entanto nem “Teen Dream” foi um ali. Tínhamos acabado ouvido “Teen disco de laboriosos geómetras, nem Liars Dream” pela primeira vez no dia an- a dupla acha que “Devotion” tenha SeS tommara moos pop r cceertrto qquue o úúllttiimomo álblbumum terior, e só agora é que ele sai para as sido sucesso algum. dos Liars, homomónó immoo,, fooii um rreeccoomeeççoo, enentãtão lojas. Estávamos há mais de uma ho- Victoria, que escreve todas as pala- “Sisi terworld”,, o disscoco quue se annunnciia paarara ra à conversa, devorando bebidas vras que canta, resume o processo de 9 dee Março, reeprp ese enntaarrá a maturraççãoão da (água lisa, para sermos precisos) uma forma que revela o seu jeito para seguunndda vidaa da babandnda.. A julu gag r poor “S“Sccis- quando Alex Scally, o homem das gui- imagens: “[“Devotion”] não foi uma sorss””,, a primmeira canççãão disspoponníveel,l fooii uma tarras, atira: “Nós levamos vidas de- explosão. Foi um fogo lento”. Bastas lânguidos e preguiçosos que passam mam tuurração e tanto: começacomeça ccom Anngugus YoYounu g sequilibradas. Somos boémios. Dei- vezes, na sequência de uma pergunta, tardes a beber chá – trabalharam in- em neggrar “lullabbyy”, ror - xamo-nos levar por este estilo de vi- eles falam entre si como se estivessem cessantemente no armazém. Tinham deado pop r coorddasas e coorrooss da”. em casa e nós não existíssemos. Nes- escassas regras - “fugir das guitarras beatífifi coso , e exxplp odde E ali estava: o romantismo melan- te caso, Scally responde directamen- slide porque estava a ficar muito usa- em fananfafarra neneuurótótiicca,a cólico de uma dupla que, à partida, te a Legrand: “Era um disco que pre- do, começava a soar a truque” e fazer “CCaavveaeanana””. O állbum serrá diríamos passar as noites à lareira, cisava de tempo para crescer, não “um disco sobre subir e descer, mes- uuma ediççãoo duupla, dava lugar a uma simples verdade. Os era?” Depois vira-se para nós: “Este mo emocionalmente” - e grandes ob- coom umm seegundo Beach House são gente da sua idade também não oferece gratificação ins- jectivos. Objectivo número um: “Que- CCDD, dde reemisturaas,s e gostam de viver entre festas, gente tantânea”. Victoria acrescenta, virada ríamos que as canções fossem enor- ennttregue a nomo ese bonita, os copos e os corpos. Roman- para o parceiro de “casamento”: mes”. Conclusão, segundo Legrand: como Thoom YoYorrke, tismo, melancolia, onirismo, o raio: “Eram canções que pareciam uma “ É um disco mais próximo. Não há Tune Adebiimpmpe eles gostam de hedonismo e do du- garota a seduzir, a flirtar. Leva o seu um véu fumado”. (TTV Onn The Raadio), ro. tempo até chegar ao que interessa”. A conclusão número dois diz res- Melviins ou Blonde Passamos uns minutos à volta disto. Em “Teen Dream”, “ainda há mais peito à questão Mulher vs Menina que ReR dhead. M.L. Alex Scally é particularmente conver- mistério” do que em “Devotion”, mas vem muitas vezes à baila a propósito sador, enquanto Victoria Legrand, Scally acha que o novo álbum “tem de Legrand. “A voz dela está cada vez Yeasayer enfiada numas olheiras descomunais, tanto corpo como alma”. “Nos ou- melhor. Estou impressionado. Já não É mais uma banda de Brooklyn, mas não pontua aqui e ali as afirmações do co- tros”, prossegue Victoria, “o corpo é a voz de uma rapariguinha, é a voz propriamente. Sê-lo-á pela música em forma lega de banda: “Eu nem sequer cozi- estava mais vestido. E agora há um de uma mulher. Agora a voz dela ex- dd“e “me ltltiing pot”, mas menos pe las ten taç ões nho”. Scally continua: “Eu sinto-me ombro muito sexy à mostra”. Ponto pressa um mundo. Como a Aretha grandiloquentes que as canções revelam. alienado do meu apartamento. Mu- final parágrafo. Franklin ou a Ann Peebles. É fantás- “All Hour Cymbals”, o álbum de estreia, ia de dei-me para lá, mas nunca vivi lá. É tico. Comparam-na com a Nico, mas Marrocos aos Pink Floyd, passando por uma um armário caro”. Victoria sobe a pa- Sem vidros fumados a diferença é que a Nico é só um sen- trip com Peter Gabriel. “Odd Blood”, a editar rada: “Eu nem sequer tenho aparta- “Teen Dream” foi escrito no interva- timento, não é a vida inteira”. a 9 de Fevereiro, a julgar por “Ambling Alp”, mento”. O diálogo continua nestes lo das digressões nos últimos meses, Por trás de tudo isto revela-se um primeiro single (disponível para download termos – o que, na prática, significa quando eles deviam estar a descansar. pequeno segredo: os Beach House em amblingalp.com),p.co ), que eles parecem, por vezes, uma Legrand diz que “não houve transi- não são humildes. Scally – que se au- será o momento em dupla de humor. Era a última coisa ção, tempo para relaxar” e Scally jus- to-define como um obsessivo – diz que os Yeasayer que esperaríamos deles, mas têm-no tifica: “Sentimos que não temos tem- que, no estado em que estão actual- se apresentam em barda. po a perder. Estávamos reprimidos mente, podiam “escrever as canções como terceira A propósito, o estatuto da relação por andar em digressão e atirámo-nos do primeiro disco num dia”. E atira a via perante os entre eles é alvo de alguma curiosida- de cabeça”. Em digressão, explica, mais inusitada das comparações. Animal Col- de entre os media: são ou não namo- ficam fartos de tocar sempre as mes- “Não somos tão bons como os Beach lective e os rados?; ele é gay?; ela é promíscua? mas canções, que acabam por apa- Boys, mas do “Surfin’ Safari” para o MGMT. M.L. Lemos coisas assim nas páginasas de gar da cabeça as ideias que vão “Pet Sounds” as canções deles ficam publicações americanas. Scally,y, ddiz,iz, surgindo entretanto. “Aprovei- muito maiores. E nós queremos fazer Orelha Negra com humor, que são casados mmasas é tar as primeiras semanas de o mesmo, só que queremos fazer mui- Já ouvimos falar deles desde meados de 2008 mentira: não há suficiente amargurargura descanso para tocar piano e to com muito pouco. Tentamos trans- e a expectativa quanto ao álbum que se anun- e ressentimento no número de humorumor guitarra é uma bênção e surge formar dois instrumentos numa or- cia para 2010 só pode ser grande. Porque os da dupla para haver ali casamento.nto. tudo aí”. questra”. Orelha Negra são superbanda formada por O assunto “morada actual” é ffina-ina- Por isso, em vez de faze- Eles querem ter a vida toda enfiada músicos de quem só podemos esperar coisas lizado com uma simples afirmaçãoação rem o que está de acor- na garganta. Querem ser tão bons interessantes (Sam The Kid, DJ Cruzfader, de Scally: “Temos um armazém ccomom do com a imagem deles quanto os Beach Boys. Caso não o Francisco Rebelo, João Gomes e Fred Fer- os nossos instrumentos [em Balti-alti- – serem românticos consigam, não há problema: Victoria reira), e porque aquilo more, EUA]. É lá que vivemoss a Legrand ficará sempre muito melhor que o MySpace reve- maior parte do tempo que estamosmos nas fotografias do que Brian Wilson. la, “Lord” e “Blessed”, em casa”. Passaram o último anono não deixa dúvidas. e meio em estrada, na sequênciaa da Ver crítica de discos págs. 49 e segs. Colisão de história, explosão de “Devotion”, o discoo anan-- entre funk Stax e soul terior (de 2008, mas que só chegouegou Motown, com beat de cá no ano passado). Depois de tama-ama- sabor vintage e sam- nho sucesso podia esperar-se uumama ples de voz e cordas longa espera até à chegada de “Te-Te- a caírem no momento en Dream”, o novo disco. Podiadia certo. M.L. esperar-se que gente que faz can-n-

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 11 Com Schubert noutra dimensão Música

Com a voz de Rufus Müller e o piano de Maria João Pires, ou na versão contemporânea de Hans Zender com Christoph Prégardien e o Remix Ensemble, a “Viagem de Inverno” de Schubert conduz-nos esta semana às profundezas da alma humana. Por dois caminhos diferentes. Cristina Fernandes

Composta em 1827, um ano antes da Rufus Müller e Christoph ph Prégardien interpreta com o Re- de Bach, ilustres intérpretes no campo Rufus Müller já cantou a “Viagem de morte de Schubert, a “Winterreise” Prégardien, os tenores que mix Ensemble (dirigido por Peter da oratória e das óperas de Mozart, e Inverno” com Maria João Pires uma (ou “Viagem de Inverno”) é um dos acompanham Maria João Pires Rundel), a imaginativa releitura de colaboradores de importantes maes- dezena de vezes e, tal como noutros mais extraordinários ciclos de can- e o Remix Ensemble, Hans Zender (n. 1936), que realizou tros do universo da música antiga. A repertórios, o entendimento artístico ções de toda a história da música. As respectivamente, na mais negra em 1993 uma instrumentação do ciclo discografia solo de Prégardien é, con- e emocional foi imediato. “Quando interpretações de referência em disco viagem de Schubert de Schubert destinada a orquestra de tudo, bastante mais extensa, já que encontrei a Maria João pela primeira e em concerto são numerosas, mas, câmara. O próprio Prégardien gravou Müller prefere as actuações ao vivo. vez, pensei que íamos conversar mui- como sucede com todas as obras-pri- esta versão contemporânea em 1999 Não foi possível falar com Chrstoph to sobre as obras, mas não é assim. A mas, as releituras que os 24 poemas com o Klangforum Wien, sob a direc- Prégardien, mas Rufus Müller parti- nossa perceção da música é tão pare- de Wilhelm Müller postos em música ção de Sylvain Cambreling (etiqueta lhou com o Ípsilon algumas das suas cida que falamos muito pouco. Detes- por Schubert têm suscitado ao longo Kairos). Os timbres instrumentais, as impressões sobre a “Viagem de Inver- to ter de dizer que não precisamos de dos tempos são inesgotáveis. A temá- texturas e as ousadias harmónicas no”, uma obra que representa a “ex- ensaiar muito mas é a verdade! O que tica eminentemente romântica do criadas pelo maestro alemão tornam pressão da mais profunda melancolia, acontece é o encontro de algo que já viajante que discorre sobre o amor ainda mais sugestivo e acutilante o do desespero e da morte”. O tenor temos em comum, e não o trabalho perdido e as condições difíceis da sua “‘Viagem de Inverno’ universo desolador que percorre a acha que Schubert projectou os seus sobre uma matéria que temos de de- jornada incerta, encontrando nas at- obra. Sendo um cantor bastante ver- próprios sentimentos nesta peça e vai senvolver.” Ambos gostariam de gra- mosferas sombrias e geladas da Natu- é a destilação de tudo sátil, Christoph Prégardien também muito mais longe do que na “Bela Mo- var este ciclo de Schubert mas o pro- reza o eco para os seus estados de já registou a “Viagem de Inverno”, leira”. “Aqui temos a angústia pura, jecto tem sido adiado, quer pela falta alma, continua a cativar-nos com uma o que há de mais com Andreas Staier ao pianoforte, e não há lugar para canções felizes. de interesse da Deutsche Grammo- força dramática impressionante. Co- múltiplos discos de Lieder, vários de- Sempre pensei muito em Schubert, phon, quer pelo facto de Maria João mo diz o tenor Rufus Müller ao Ípsi- intenso em Schubert. les com o pianista Michael Gees. no seu círculo de amigos e na sua vi- Pires e Rufus Müller viajarem cons- lon, numa breve conversa telefónica, da. Ele não era um homem feliz, ex- tantemente pelo mundo no âmbito “as poucas memórias felizes que Cada vez que chego ao Sobreviver para cantar cepto quando cantava e tocava. Sinto das suas carreiras individuais. emergem desta obra são ensombra- fim, fico espantado Pelo seu carácter sombrio, a “Viagem isso na sua música.” Os dois músicos têm interpretado vá- das pela escuridão do presente.” de Inverno” tem uma importante tra- O grande desafio da “Viagem de In- rias canções de Schubert e Beethoven Por uma feliz coincidência, será pos- com o que aconteceu e dição interpretativa no âmbito das vo- verno” é, por isso mesmo, “o cantor em múltiplos recitais, mas se o tenor sível ouvir no espaço de poucos dias, zes graves (Hans Hotter, Dietrich Fis- chegar vivo ao final!” “O ciclo começa fosse obrigado a escolher uma só obra em Lisboa e no Porto, duas versões não tenho a completa cher-Dieskau, Matthias Goerne, entre com a angústia e evolui para o deses- para levar para uma ilha deserta seria da “Viagem de Inverno” na voz de outras), mas existem também várias pero e o suicídio, é uma das obras mesmo a “Viagem de Inverno”. “É a dois tenores de rara sensibilidade. No consciência de estar versões dignas de nota com tenores, mais escuras que eu cantei”, conta destilação de tudo o que há de mais sábado, no Centro Cultural de Belém, como a de Peter Pears com Benjamin Rufus Müller. “Há alguns pensamen- intenso em Schubert. Cada vez que o anglo-germânico Rufus Müller apre- ali. Sinto-me tão Britten ao piano. O barítono Matthias tos mais solares que emergem, por chego ao fim da ‘Viagem de Inverno’, senta a versão original com Maria João envolvido que tenho Goerne virá em Maio à Gulbenkian fa- exemplo em canções como ‘A Tília’, fico espantado com o que aconteceu Pires ao piano, dando continuidade zer os três ciclos de Schubert, mas pa- mas são muito longínquos. Quando e não tenho a completa consciência a uma parceria com a pianista portu- a sensação de ter ra já teremos a oportunidade de con- era mais novo era mais optimista, de estar ali. Isto só me acontece com guesa que tem proporcionado algu- frontar dois tenores com percursos que mas, à medida que o tempo passa e a ‘Viagem de Inverno” e com as Pai- mas prestações memoráveis (o con- estado noutra têm vários pontos em comum. Para tenho mais experiência de vida, con- xões de Bach. Sinto-me tão envolvido certo repete-se um dia depois, no além das suas afinidades com a canção sigo perceber como é possível sentir- que tenho a sensação de ter estado Teatro Municipal de Portimão). Do- dimensão” de câmara germânica, tanto Rufus Mül- mo-nos completamente desespera- noutra dimensão.” mingo, na Gulbenkian, e terça-feira, ler como Christoph Prégardien são dos. Acho que isso se reflecte na mi- na Casa da Música, o alemão Christo- Rufus Müller conceituados Evangelistas nas Paixões nha interpretação.” Ver agenda de concertos pág. 51 e segs.

12 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon SÃO LUIZ JAN ~ 1O WWW.TEATROSAOLUIZ.PT

16 JAN 23 JAN 3O JAN ENCONTRO O RENDER CORPO DE AMIGOS DOS HERÓIS DELITO NA silva!designers Com Clara Ferreira 50º Aniversário da SALA DOS Alves, António Lobo publicação de O render ESPELHOS Antunes e Júlio Pomar, dos heróis, com leituras 30º Aniversário da entre outros. de Cármen Dolores publicação de Corpo e Ruy de Carvalho, Delito na Sala dos Espelhos, actores que estrearam com leituras de Lia Gama, esta peça em 1965. Mário Jacques, Rui Mendes ENTRADA LIVRE e António Montez. ORGANIZAÇÃO: PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA [email protected] / T: 213 257 640

teatro António Jorge Gonçalves António Jorge Primeirosilustração Sintomas Maria Mata-os

12 a 20 Janeiro 21h30 12€ M/16 (excepto dia 17)

menores 30 anos 5€

www.teatromariamatos.pt FOTOGRAFO Cinema

O cinema de Brillante Mendoza continua a caminhar

A partir do dia 20, a Zero em Comportamento mostra na Culturgest, em Lisboa, a obra do cineasta fi lipino. Uma retrospectiva no momento certo em que o mundo da cinefi lia corre em direcção a Brillante Mendoza. Brutal e lírico. Vasco Câmara

Dizer que um filme foi “o pior” de fica na mesma depois daquela noite jeição em Cannes. Mas veio também um festival não dá a medida de qual- em que uma prostituta, Madonna, “As pessoas não têm o prémio de realização a Brillante quer abalo. Mas quando se traz à começou a ser violentada no interior Mendoza. Que, dessa forma, atingia o memória o ano de 2003, e um filme do carro e acabou desmembrada, por escolha na sociedade cume da sua fama infame de manipu- chamado “The Brown Bunny”, de fases, numa casa na estrada. Para es- filipina. Porque, lador do “exploitation”, a querer ir Vincent Gallo, para comparar e afir- te jovem candidato às forças da lei que sempre até ao fim das coisas, mostran- mar “isto é pior do que ‘The Brown se desenrasca cruzando o submundo vivendo no mais baixo do tudo (um ano antes, “Seviços” e a Bunny’”... fica marcada a fasquia da (íamos escrever: para este “não tão sua hora de ponta num cinema dela- – suposta – infâmia por quem se sen- inocente” candidato a polícia... mas escalão da dignidade, pidado tornado cenário para corpos tiu ultrajado. a inocência, ou a perda dela, não é e mercadoria, já fizera ranger den- Foi assim: 2009, competição de para aqui chamada) a manhã é mes- são obrigadas tes...). E, simultaneamente, subia até Cannes, o filme “Kinatay”, de Brillan- mo outro dia. um patamar visível de reconhecimen- te Mendoza. Meia hora depois do ge- Mas por esta altura – e voltamos à a resolverem to como “autor” – recebeu uma carta nérico está o espectador às aranhas memória daquele dia em Cannes – já os problemas de Quentin Tarantino, rival na com- na noite escura. Nem deu por isso, a indignação era irreversível entre os petição, a dizer-lhe que percebia bem mas torna-se irreversível. Depois de que viam “Kinatay”. Por causa do es- à sua maneira o que ele queria fazer. (Quanto a Vin- sequências diurnas, frenesim dos curo, por estarmos tanto tempo den- cent Gallo, o “escândalo” de Cannes mercados de Manila, rituais de um tro de um carro sem ver nada, e, afi- e a continuarem fez a coisa sumir-se num sussurro) casamento, o filme fecha-se num car- nal, por vermos, por sermos cúmpli- O que deve ter irritado ainda mais ro. Numa pestilenta letargia, gritos de ces de um crime, ficando a assistir, com a sua vida” os críticos de Mendoza: não era pos- tortura no som. passivamente, como o candidato a sível, a partir de então, ignorar a irre- Vai ser noite até ao fim, quando o polícia. Apareceu o veredicto, a tal sistível ascensão de Brillante, filipino, dia volta a nascer. Mas para a perso- coisa do “pior” do festival (o que diz nove filmes em quatro anos, um rea- nagem principal de “Kinatay”, que mais sobre quem adjectiva...), e a evo- lizador que começou relativamente investe no futuro preparando a ad- cação dos dias do outro “road movie”, tarde, aos 45 - em 2005, data da sua missão à polícia, acabadinho de casar aquele do sexo oral entre Vincent primeira longa, “Massagista” -, mas e tudo, nada vai ser igual. Pior: tudo Gallo e Chloe Sevigny, e de outra re- que não tem perdido tempo.

14 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon F Lola, 2008

A odisseia de uma avó em direcção à morgue para F Kinatay, 2009 reconhecer o corpo do neto Viagem até ao assassinado; fim da noite: um e a odisseia jovem candidato de outra avó em a polícia, direcção à prisão recém-casado para encontrar é testemunha o neto acusado do massacre de de assassínio uma prostituta

“Não quero chocar as pessoas. Que- veio a seguir, quer essa estreia quer a sonagens vivem. A forma como elas ro mostrar o que acontece realmente saga familiar “Kaleldo” são ainda algo “Quero mostrar interagem também com os lugares. E no meu país. Não me quero censurar. afectados, a quererem ser tomados é uma forma de mostrar que as pes- Estaria a fazer isso se escolhesse o que por outra coisa, para além do filme o meio em que as soas nas Filipinas estão enjauladas”. mostrar e o que não mostrar”, diz-nos erótico e da telenovela – sem verda- personagens vivem. Veja-se o final de “Lola”, depois de Mendoza, ao telefone de Manila, co- deiramente o serem. as duas avós terem chegado a um mentando a sua fama de infame. “O É com “Manoro”/ “The Teacher” A forma como elas acordo, com troca de dinheiro, depois que me preocupa é saber como ence- que Mendoza, “self-made” cineasta de a queixa ser retirada, de o crime nar as sequências. Não quero dar li- sem escola de cinema (o curso é de interagem também deixar de ser punido, e de ficar um ções de moral a ninguém, isso é com publicidade), afirma o seu território morto (e a moral nem sequer ser lem- as pessoas”. na diluição de fronteiras entre ficção com os lugares. brada): personagens à saída do tribu- Mendoza chega a Portugal - ele e os e documentário – para o que terá con- E é uma forma nal, a câmara faz uma panorâmica e seus filmes – num momento em que tribuido a descoberta, por exemplo, um cortejo oficial, de dignitários po- Em 2008, o mundo da cinefilia corre em direc- do neo-realismo italiano. E é com de mostrar que as líticos, atravessa o plano em carros em Cannes, ção à sua obra – aliás, corre em direc- “Manoro” que o cinema de Mendoza negros – não sabemos dizer se é um “Kinatay” ção ao novo cinema filipino. Retros- começa a caminhar – literalmente: as pessoas nas Filipinas “statement” ou se é de uma subtileza enfurece, é pectiva, organizada pela Zero em personagens não páram de andar por infinita. considerado o Comportamento, na Culturgest, em aqui. estão enjauladas” “Não tenho problemas com os ‘sta- “pior” filme do Lisboa, entre 20 e 23: “Lola”, 2009 “A minha estética é a do tempo re- tements’. Há cenas assim nos meus festival – mas (dia 20, 21h30), “Massagista”, 2005 al, na fronteira com o documentário filmes, que mostram como as perso- leva o prémio (21, 18h30), “Manoro”/ “The Tea- neo-realista. Misturo o documentário nagens andam às voltas e não chegam de realização; cher”, 2006 (21, 21h30), “Kaleldo”, e a ficção. Mas é ficção. Embora parta a lado nenhum. A cena final, no táxi, quatro meses 2006 (22, 18h30), “John John”, 2007 sempre de histórias reais, há uma nar- em ‘Kinatay’. Essa de ‘Lola’... As pes- depois, em (22, 21h30), “Tirador”, 2007 (23, 16h), rativa. Quero captar a realidade. Mas soas não têm escolha na sociedade Veneza, “Lola” “Serviços”, 2008 (23, 18h30) – este a verdade do cinema também”. filipina, é isso que quero dizer. Por- deslumbra, é disponível em Portugal em DVD – e O resultado ainda decorre, porque que, vivendo no mais baixo escalão considerado o “Kinatay”, 2009 (23, 21h30). Quase esta é uma obra que se vê, e se sente, da dignidade, são obrigadas a resol- “melhor” integral porque há um filme, um eró- como estando em expansão e a ga- verem os problemas à sua maneira e filme do tico “gay”, “Pantasia” (2007), que nhar terreno. Mas já tem os seus mo- a continuarem com a sua vida. Há festival Mendoza não disponibiliza, não se numentos: “John John”, nos mean- reconhece nele (assinou como “Dan- dros do mercado da adopção nas Fi- te Mendoza”). E haverá uma “master- lipinas e das dependências emocionais class”, 6ª, 22, às 15h (entrada gratui- e económicas que engendra; “Kina- ta). tay”; “Lola”, trajectória de cruzamen- to entre duas avós (“lola” em filipino), Em construção uma para reconhecer o cadáver do Vendo os filmes todos de Mendoza neto morto num roubo, outra para ir não se pode deixar de experimentar ao encontro do neto, preso por ser um efeito de agigantamento: há um suspeito do assassínio. (grande) cineasta em construção. São pedaços em bruto da vida quo- Veio da publicidade, onde era “pro- tidiana de um país, com fio de melo- duction designer”. Onde, diz, ganha- drama dentro, e gente em condição va bem e era feliz. Um desafio puxou- precária. E sempre em movimento. o para o cinema: “Massagista” come- Mas sem sair do mesmo lugar, quer çou como encomenda para um filme seja o interior de um antigo cinema para o circuito “gay” de vídeo; o sú- transformado em “bas-fond” da por- bito realizador fez uma contrapropos- nografia (“Serviços”), quer sejam os ta, pesquisou nas saunas, e teve o exteriores dos bairros pobres de Ma- Leopardo de Ouro em Locarno. É a nila. Uma obra em expansão: traça história de um rapaz (Coco Martin, uma odisseia por um espaço; as pes- que a partir daqui habitaria a obra do soas caminham, caminham no cine- realizador) dividido entre o apelo fa- ma de Mendoza... miliar e o trabalho como massagista “É consciente. É para ser assim. e prostituto numa sauna. Vendo o que Quero mostrar o meio em que as per-

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 15 Massagista (2005) John John 2007

Um rapaz dividido entre o apelo familiar e o trabalho como massagista Os meandros do mercado da adopção nas Filipinas e das dependências e prostituto numa sauna. emocionais e económicas que engendra

um governo. Mas não toma conta Chuva de cinema, de ficção, ou chu- das pessoas. E a questão é que a maior va real, de documentário? “As duas”, parte dos filipinos aceita isso. Já não diz-nos Mendoza, e suspeitávamos se queixa. Só se preocupa com a sua disso. “Filmámos numa parte de Ma- vida, independentemente dos ou- nila, as cenas iniciais, na igreja, que tros”. era bastante sombria, porque estáva- “Lola”, então: é uma das emoções mos na época das chuvas. Para outras cinematográficas da década que ter- cenas tivemos que fabricar nós a chu- mina. Apenas quatro meses após a va”. E há essa avó, uma veterana ac- gélida recepção a “Kinatay” em Can- triz que Mendoza transforma em fi- nes, Mendoza apresentava novo filme gura que o cinema apanhou por ali. no Festival de Veneza. Foi, para al- “Faço sempre uma mistura [entre guns, uma iluminação: afinal, o ho- actores profissionais e não profissio- mem com a reputação de “Kinatay”... nais] e tento dirigi-los de forma dife- E foi, para alguns, “o melhor” desse rente. Não tenho um argumento. Fa- festival. lo com eles sobre as personagens, dou Essa diluição do ficcional no docu- a cada um apenas a sinopse. Nunca a Brillante mentário, essa verdade das coisas que história toda. Tudo se torna assim Mendoza se quer confirmar na verdade do ci- mais espontâneo. Eu não ensino arte veio da nema, contrói momentos de paroxis- dramática. Nem sei se isso é coisa que publicidade mo lírico: a odisseia por uma Manila se possa ensinar. Digo aos meus acto- e chegou ao transformada em Veneza da Ásia pe- res que têm de ir do ponto A ao pon- cinema aos las chuvas, as sequências iniciais em to B. Não ensaio. Nem lhes digo onde Serviços, 2008 45 anos; não que uma avó se debate com o vento, está a câmara. Dou-lhes liberdade. Se tem parado a chuva, o guarda-chuva e a chama de algo cai no chão enquanto eles se di- Uma família dirige um antigo cinema transformado em “mercado” para de recuperar uma vela (delírio nosso, pode ser, mas rigem de um ponto a outro, eles têm vários “serviços” tempo o fantasma de Lilian Gish e de “O Ven- de apanhar; não digo ‘corta’. Às vezes perdido: vê-se to”, de Victor Sjöström, de 1928, pai- surpreendo-os: eles não sabem coisas a sua obra ra por aqui) que vão acontecer na cena”. e não se pode imprensa local, a felicitar Mendoza. do mercado cinematográfico no seu deixar de Filmar todos os dias Que tem reafirmado que não é um país: uma indústria em decadência experimentar Mas as Filipinas fazem-se difíceis para embaixador da boa-vontade e que vai “desde os anos 50”, o cinema dito um efeito Brillante. O prémio em Cannes a “Ki- continuar a filmar o que filma e a di- “mainstream” reduzido a “dez filmes de agiganta- natay” levou a presidente Gloria Ar- zer o que acha sobre a sociedade em por ano”; em contrapartida florescem mento: há um royo, ao que se diz pressionada pela que vive. Mas o apreço do país tem as produções independentes: “50 por (grande) sido difícil de conquistar. Nem a pro- ano, mas poucas pessoas vão ver es- cineasta em jecção internacional tem servido (isto ses filmes”. construção não acontece apenas nas Filipinas). “A tecnologia digital torna as coisas “Tenho reconhecimento interna- mais baratas, podemos filmar com os cional, mas no meu país as pessoas nossos amigos, todos ajudam, tudo não vão ver os meus filmes. Nas Fili- se torna mais apaixonante” – e o ci- pinas o público gosta sobretudo do nema filipino começa a apaixonar, ou cinema ‘mainstream’”. E faz o retrato volta a apaixonar, recorda-se uma fi- gura como Lino Brocka (1939–1991), e a mistura explosiva de melodrama e política desse cinema, com quem Mendoza começa a ser comparado (“Talvez por termos sido cineastas filipinos a ir a Cannes, mas os meus filmes não são como os dele; os filmes dele eram melodramáticos, os meus são mais realistas, pese embora o fac- to de ambos mostrarmos como as pessoas vivem”) “Não estou com pressa”, ri-se – per- guntámos-lhe se está a tentar com- pensar o tempo perdido. “E gozo ca- da momento do que faço. Ou então provavelmente gosto da pressa. Gos- to de estar a filmar todos os dias. A minha experiência na indústria é a minha escola. Não precisei de estudar. O meu cinema é a compilação de toda a minha experiência. Tenho histórias para contar. Tento apenas encontrar o melhor momento para as contar. Todas essas histórias estão comigo há anos. Na minha ‘caixa’”. Em construção, em movimento... SÁBADO 16 JANEIRO BUIKA .³4*$"qIq. CONSIDERADA PELA CRÍTICA COMO “UMA COMBINAÇÃO DE TINA TURNER, LOLA FLORES E SARAH VAUGHAN”, BUIKA É UMA DAS MAIS SURPREENDENTES VOZES DOS

ÚLTIMOS TEMPOS. 2010 ATELIER MARTINO&JAÑA

4š#"%0+"/&*30 TOM ZÉ .³4*$"qIq. UMA DAS FIGURAS MAIS MISTERIOSAS E RADICAIS DO MOVIMENTO TROPICALISTA BRASILEIRO, TOM ZÉ É INDISCUTIVELMENTE UM DOS MAIS GENIAIS COMPOSITORES BRASILEIROS. “Mesmo que precisasse de comida para me dar energia, há um certo grau

O realizador australiano John Hillcoat de auto-sugestão ao Mortensen refere ainda a sua in- gosta de “filmes de género”. A sua fim de algum tempo. fância como influência. “O meu pai abordagem, no entanto, é diferente foi criado na Dinamarca, numa quin- da de outros cineastas. Quer esteja a Pode acabar por ta. Era um prodígio na pesca e no fazer um drama de prisão (“Ghosts... campismo e levava-nos com ele. De- of the Civil Dead”), um “western” se tornar um modo pois de eu fazer 11 anos, estive na Ar- (“Escolha Mortal”) ou o seu mais re- gentina, onde era Verão no Natal e cente filme – o drama pós-apocalípti- emocional de ver metíamo-nos no carro e íamos para co, “A Estrada”, baseado no romance o Sul. Foi provavelmente de onde me de Cormac McCarthy –, luta pela au- o mundo. Essas coisas veio o gosto por explorar o mundo e, tenticidade. estão para além quando se é miúdo, é fácil deixar-mo- “A única coisa de que gosto como nos levar pela imaginação. É o que espectador é ir ver um filme e perder- fazemos como actores.”

Cinema da maquilhagem” me naquele mundo”, diz Hillcoat, 48 anos. “Se tomo consciência do que se Viggo Mortensen O homem e a mulher está a passar, é porque a coisa não está No livro de Cormac McCarthy, o pla- a resultar. Daí que, em ‘A Estrada’, que neta devastado onde só subsistem para mim é um filme de época situado tipos embrutecidos e tornados cani- no futuro, se as personagens tivessem bais é o cenário para a história de um estes modernos dentes clinicamente emoção verdadeira e provação. O Vi- pai e dos extremos que suporta para branqueados, seria chocante.” ggo não andava a comer três refeições salvar o filho. No filme, seguimos um Em “Escolha Mortal”, ele sujou o por dia.” pai sem nome e um filho que viajam menino bonito Guy Pearce, e em “A “Quando não se come muito, pen- através da paisagem coberta de cin- Estrada” (numa breve aparição) ele sa-se de outra maneira”, admite o zas em direcção à costa Leste ame- torna-o quase irreconhecível. Embo- actor, que ainda parece um jovem, ricana levando apenas um carrinho ra isto não seja nada de invulgar para aos 51 anos. “Mesmo que precisasse de supermercado com os seus per- Viggo Mortensen, que gosta de seguir de comida para me dar energia, há tences. “o Método” nos seus desempenhos e um certo grau de auto-sugestão ao Encontram um ladrão negro (Mi- que vive na região do Norte gelado do fim de algum tempo. Pode acabar por chael K. Williams) e um velho (Robert bies. Sabemos que o homem e o filho Idaho, Hillcoat teve de ter cuidado se tornar um modo emocional de ver Duvall), que o pai naturalmente as- não têm abrigo nem comida e que para manter a energia do actor. o mundo. Essas coisas estão para sume que são uma ameaça, enquan- existem bandos de gente com vonta- “Descobrimos maneiras expeditas além da maquilhagem. Aqui, tive de to o seu filho de onze anos (o austra- de de os apanhar e matar porque eles de fazer a coisa parecer real”, explica. me concentrar em ser magro. ‘Já che- liano Kodi Smit-McPhee) quer dar- são a única carne que podem conse- “De qualquer modo, também o facto ga’, disse o John e, embora andasse lhes o benefício da dúvida. guir. de filmarmos no exterior traz essa constantemente a comer, continuei Inicialmente, o que mantém a as- “Quando li o argumento e o livro, rudeza ao de cima nas pessoas. Não a perder peso. Se calhar foi também sistência interessada é a perseguição fiquei profundamente impressiona- era tudo maquilhagem. Aquilo era influência da história.” e não é diferente de um filme de zom- do”, recorda Mortensen. “Reconhe-

O método de Viggo Mortensen estrada fora Não comia, despejava baldes de água fria sobre si próprio, concentrava-se “em ser magro”. É o pai E o realizador John Hillcoat explica as suas difi culdades: adaptar ao cinema o livro

18 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon Para John Hillcoat a difculdade na adaptação foi interpretar o mundo poético de McCarthy e, ainda assim, permanecer-lhe fiel

vemos mais sobre ela (Charlize The- ron). “Compreende-se a escolha dela de não continuar”, diz Mortensen. “Ain- da que a minha personagem não con- corde com isso, ela não quer ser mor- ta de forma brutal. Compreende-se o seu ponto de vista, ao passo que, ao ler o livro, a sua posição era erra- da ou de cobardia.” Quando o filme teve a sua estreia no festival de Veneza, os fãs do livro de McCarthy não gostaram das cenas com a mãe que foram acrescenta- das. “A Charlize é uma actriz séria. Penso que não entraria no filme apenas para o ajudar a vender ou para ser deleite para os olhos”, refere Hillcoat. “A ideia de o homem perder a mulher, o amor da sua vida, e de o rapaz perder a mãe, para mim não estava suficientemente desenvolvida no livro. Para além de lidar com o filho, o homem é assom- brado por ela. Ela é quase um fantas- ma. Queríamos lembrar constante- mente o que eles tinham perdido.”

ci porque é que foi esse livro que fez é apenas um cenário que funciona Viggo e Kodi todo o mundo sentir-se atraído por como dispositivo para exagerar esta Mesmo que não seja por mais nada, Cormac McCarthy. O que vai aconte- preocupação universal. Como é que vale a pena ver o filme pelo desem- cer àquela criança quando o adulto estas pessoas lidam com a situação? penho do intrépido Mortensen, que desaparecer? Por muito que pudesse Que decisões morais têm de tomar frequentemente permaneceu à mer- fazer-nos pensar sobre o modo como ao longo do caminho. É complicado, cê dos elementos por mais tempo do estamos a maltratar o ambiente com não é claro em todos os casos. É in- que era preciso e que até despejava a guerra e a poluição, não é verda- teressante.” baldes de água fria sobre si próprio. deiramente um livro sobre isso. Esse “Para mim, a maior dádiva foi ob- O jovem Kodi, por vezes, mostrava-se ter o material antes mesmo de o livro um pouco hesitante. ser publicado”, salienta Hillcoat. “Se “O Viggo tinha a atitude física de um já tivesse sido publicado e se o Cor- grande urso e, sendo adepto de ‘o Mé- mac já tivesse ganho o Pulitzer, não todo’, ele simplesmente vivia e fazia haveria maneira de ter sido envolvido a coisa”, recorda Hillcoat. “No riacho, nisso.” Mesmo assim, adaptá-lo foi quando estava a lavar a cabeça ao fi- tremendo. lho, e era um riacho verdadeiro e es- EscoladeMulheres “No livro está tudo dentro da ca- tava-se em pleno Inverno, o Kodi ficou oficinadeteatro beça do pai. É tão poético, e a utili- enregelado e não se queixou, apenas zação da língua pelo Cormac é es- começou a chorar. Soube mais tarde pantosa, por isso a questão era ten- que detesta o frio e que este era o tipo tar encontrar modos de interpretar errado de filme para ele fazer. Eu ia a tudo isso e, ainda assim, permanecer gritar ‘corta’, mas, nessa altura, ele fiel ao espírito daquilo que está im- começou a dizer a sua fala. Estava a plícito. Eu nunca tinha compreendi- desempenhar a cena, portanto eu não do inteiramente a que ponto os fil- podia interferir. É um dos momentos mes são físicos. Está-se a assistir a de que mais gosto e é muito terno, co- tudo. E isso altera os dados. Em úl- mo uma cena da Madonna com o Me- tima análise, tive sorte por o Cormac nino, com o Viggo a segurar o Kodi, ser tão prestável. Ele compreende o que continua a chorar. O pai do Kodi que é um filme e percebe igualmen- avançou, mas depois decidiu não os te como é diferente. Ajudou a aliviar perturbar e recuou de novo, o que foi a minha ansiedade, portanto eu não notável. Foi capaz de ver que o Viggo podia ficar intimidado.” estava a acalmá-lo. Isto passou-se cedo Uma das decisões morais chocan- nas filmagens e reparei que a partir tes no livro é a da mulher do homem: desse dia a dinâmica se alterou. O Vi- opta por morrer rapidamente em ggo quase se tornou uma mãe para o vez de deambular através de um Kodi, apesar de ter o papel de pai.” mundo onde parece inevitável que seja torturada e violada. No filme Tradução de Rita Veiga – Dito e Certo

i do apocalíptico “A Estrada”. Fala-nos do seu “Método”. o de Cormac McCarthy. Helen Barlow

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 19 A Quadrilha Selvagem 6ª, 15, 21h30, 3ª, 19, 19h30

1 de Maio, 1969, Royal Theater de Kansas City, mil espectadores lá dentro. Logo ao primeiro assalto da quadrilha, depois da personagem de William Holden dar a ordem “if they move, kill’em!”/ “se eles se mexerem, matem-nos”, já “30 pessoas abandonavam as coxias, algumas a vomitar. Mas a maioria fi cou presa às cadeiras, horrorizada e paralizada: ‘Vi o fi lme às vezes começa “If they MoveMoove Kill’Em!”,Kill’Em!”, com um olho apenas, tapado pelos biografi a de Davidid Weddle. “Eles braços e dedos’, recordou Phyllis querem abandonarnar o fi lme mas Jiles, mulher na casa dos vinte não conseguem. NãNãoão conseguem anos. ‘Mas admito, estava excitada, desviar o olhar e é iissosso que os senti repugnância e ao mesmo enfurece”, disse Peckinpah.Peeckinpah. Era tempo senti-me atraída pelo isso “The Wild Bunch”.unnch”. Era iissosso o que se passava no ecrã’”. Assim cinema de Peckinpah.nppah. O último romântico Violento, misógino, fascista? O último doss românticos, “maior do que John Ford”, diz Davidavid Weddle, o biógrafo de Sam Peckinpah. A partirir ddee hoje na Cinemateca, Lisboa. Vasco Câmaraa

vai viver para a CoCornualhaornuallhah com a mulher, inglesa;a; ooss dodoisis ssãoão provocados por vândalosvâândalos locais,locais, ela é violada e elee rrespondeesponde com uma escalada dee violência.violência. “Na altura disse-se queue elelee sesentiantia desprezo pelas personagens,personagens, mas acho o contrário”,rárrio”, ddiz-nosiz-nos David Weddle. “EleEle iidealizou-dealizou- se como sendo aquelequuele pequeno homemm [Hoff man] entre gigantes”, com ass suassuas contradições, entretre as quais o apelo daa Cães de Palha violência. É um 3ª, 26; 5ª, 28 fi lme frio, parecee Michael Haneke.. É menos relevantete A sequência da violação em o tiroteio do que “Cães de Palha” foi “lida” como o casal – veja-se testemunho da “misoginia” de a sequência em Peckinpah. A violência como que ela modifi ca prova do seu “fascismo” – Dustin a fórmula sobre a Hoff man, astrofísico americano, qual ele trabalha.a.

20 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon pelo meu pai. Os dois sófalaramde pelo meupai.Osdois Weekend”] euestava acompanhado dagem Osterman dessefilme[“The com oÍpsilon.“Por exemplo, naro- Weddle, numa conversa telefónica as, sófalava defutebol”, continua e interiorizou. dele aposede“cowboy”. Queforçou da nova exigisse fronteira americana, familiar, aorigem deconquistadores bretudo Williams, emboraopassado por Tchekov, Brecht, eWilliams, so- ckinpah éumapaixonado porteatro, deWeddle,biografia ojovem Pe- recia umprofessor deinglês”–na de Tenessee Williams, Fitzgerald. Pa- ‘Osterman Weekend’ [1983],falámos narodagem oconheci, Quando de fundamente. Citava Truman Capote. docineasta. biografia título dasua mexerem, matem-nos!”, efezdeleo “if theymove, kill’em!”, “se elesse Wild Bunch”Holden em“The [1969], deWilliam 1994 pegou naincitação Davidargumentista Weddle, que em sonagem contraditória”, diz-noso Peckinpah [1925-1984] eraumaper- prever. da que aquela que oseumitodeixaria Peckinpah, delica- umasilhueta mais ra encontrar? John Wayne. Não, éSam no“set”, equemfacas éque seespe- doque isso, oandaraatirar arriscado tiros no“plateau”, oálcoole,mais espelhados, os“jeans”,oandaraos ar napradaria? osóculos Juntem-se “Peckinpah!”: nãosoaadisparo aeco- que osouvimos dizer, o abraçando dos outros, delesequase háosorriso de William e Holden, ErnstBorgnine sobrequase-“paralíticos” osrostos de Depois migas noplanoinicial. como oescorpiãodevorado pelasfor- gringos otravez” –seatiraparaofogo, selvagem dita uma quadrilha –“los algures noMéxico,dança, emque Wild Bunch” eaquele Oesteemmu- ckinpah. jádastripasdePe-– tudoisso em perda eatraição) (eocasamento de umamasculinidadeeummundo Eaconsciência eatraição. amizade ea norte-americanas, nas cidades de Bobby Kennedy, os“riots”raciais tripas”. dassuas tiraraAmérica atentar está edeumhomemque pas daAmérica Paul Schrader–“porque vem dastri- poderoso” –escreveu orealizador City. Wild Bunch’ “‘The éumfilme 1 deMaio, 1969, Royal Theater, Kansas Wild Bunch”, àsessãode“The seguir dereacções a noseucartão tador escreveu umespec- sted insanity!”, It’snot art” notcinema” It’s pure wa- “It’s e“fascista”. mado de“misógino” seria “macho” foicha- mastambém deumhomemque com abiografia –, emLisboa de hojenaCinemateca, da obra–osfilmesdesfilamapartir próximo daanálise damonografia, algoque, estruturaescolhida,mistura de500horasentrevistas de mais que escreveu,biografia oresultado tudonosfilmes.” pôsisso isso elenãopodiaresolver,des. Eisso por dentro dele,umasériedefragilida- pai. Havia todaumavidaescondida geração –que eraageração domeu doshomensdasua típica máscara futebol. Esseladodemachoerauma “Peckinpah poesiapro- conhecia “Como aspessoasdoseutempo, Isto é, já que falamos nele, “The Isto é,jáque falamosnele,“The Isto era:oVietname, oassassinato “Mas napresença deváriaspesso- David Weddle na isso pôstambém filmes” DavidWeddle por issopôstudonos não podiaresolver, fragilidades. Issoele dele, umasériede escondida dentro toda umavida sua geração .Havia típica doshomensda era uma máscara “Esse ladodemacho turbilhão dopessoalecolectivo só Masesse Snatchers”, 1956). the Body Siegel, entre outros, em“Invasion of Peckinpah trabalhoucom Eastwood; araiva paraosfilmes:Clint canalizou vem, jáque fezomesmoaoutro que que gostava jo- demoldarotalento tempos conheceuDonSiegel, homem um viveiro parao“western”. (Nesses ra televisão, que nosanos1950/60 foi nosseusprimeirosestá trabalhospa- o seutempo”, sublinhaWeddle. Já que separecem com comoseupaís, dentro dele.Mashátraçosdecoisas que vêm coisas visceral, de erupção ciclo, hoje. xeram-se. do Éofilmedeabertura destino: “ifwe move, shoot us”.Me- sinais já estavam sinais evidentes.‘Riots’ 1965 [oanode‘MajorDundee’] esses aliás, éque owestern morreu. Eem estava atornar-se urbano, porisso, temente rural.Nosanos60opaís que tinhasidopredominan-América uma aessaAmérica, um ‘valentine’ era sassinado. ‘RidetheHighCountry’ estava àbeiradeseras- neddy [JFK] Começava oVietname,América. Ke- deumacerta dopaieamorte morte estava amudar. Eleestava afilmar de Joel McCrea]. Em1962aAmérica valores [retratados napersonagem sobre opaieosseus mítica históra fazeruma eSamdecidiu to acabou, o paimorreu, oseupróprio casamen- Primeiro [“Ride theHighCountry”]. configuraram dessaformaessefilme que seaguente. seguir quem nesteciclo. Edepois con- brutal àoutraéque éumasacudidela coisa filho bastardo, deJohn. Passardeuma Peckinpah, afinal,aserfilhoseriaum E “MajorDundee”confirmava que jáestava onegrume instalado. lência, valaria, territóriofordiano porexce- que Ford). emfundo. Fordtanhas mais (Équase common- deumaAmérica, a morte “western” assimacontemplarofim, luz,enãodeve havertanta outro houve mais Nunca etraição. amizade com umaquantiadeouro entre eles, que amigosScott, interpretam dois “western”, Joel McCrea eRandolph puro, velhas comduas glóriasdo foiassimtão mais nunca lhar porisso Peckinpah estava acomeçar, eseca- Valance”.Homem que MatouLiberty pedir do“western”, em1962,com“O em que John Ford secomeçava ades- realizado nomesmoano Country”, como“RidetheHigh um filmeinicial se desenvolve Desde noseucinema. “Em todos os filmes há um lado de “Em todososfilmesháumladode “Houve umasériederazõesque umfilmedeca- Na obraseguinte, selvagem quadrilha do chefeda a personagem ao interpretar do realizador maneirismo copiaria os Holden Bunch”: Wild“The rodagem de Holden na William Peckinpah e g Cinema nas cidades, atrocidades dos solda- Uma montanha dos no Vietname, a corrupção nas Convi- Major Dundee instituições tão malévola como o mal 5ª, 21, 21h30 e 6ª 22, 22h que a democracia combate...”. dado chamada Peckinpah Quando a América se perdia no Vie- tname e no edifício Watergate, foi as- sim nos “westerns”, em “Pat Garrett Manuel oi no Verão de 1973, numa matinée entre dois Foi o “Apocalypse Now” de and Billy the Kid” (1973), em que nin- Mozos* gelados do Santini, que vi no antigo Cinema São Peckinpah, a sua primeira, e guém se atira para a morte mas con- José, Cascais, “Júnior Bonner – O Último Brigão”. Eu a mais mítica, batalha contra templa a sua chegada (por isso a con- Ftinha 14 anos e era o primeiro filme que via de Sam os estúdios, que lhe cortaram vulsão de “The Wild Bunch” deu lugar Peckinpah. Gostei do filme, sobre o mundo dos o orçamento e amputaram a um “rigor mortis” pronunciado nes- rodeos e o regresso melancólico e nostálgico de um veterano “Major Dundee” na montagem. te filme problemático, o mais duro a essas exibições. Fixei o nome do realizador por achá-lo Charlton Heston comparou braço de ferro do realizador com os estranho e engraçado. Só mais tarde soube que Peckinpah era Peckinpah a Orson Welles, estúdios depois de “Major Dundee”), de ascendência índia e que havia uma montanha homónima pela “patológica antipatia” que foi assim em “Bring me the Head of nos Estados Unidos. alimentavam “contra quem Alfredo Garcia” (1974). E por isso a Ao longo das décadas de 70 e 80 vi todos os outros quer que tivesse um escritório Peckinpah coube, na história, o papel fi lmes de Sam Peckinpah, nas suas estreias em Portugal, no andar de cima”. Mas será do homem que deu o golpe de mise- em reprises ou nalgumas sessões especiais, em ciclos, na que eles não perceberam que da Confederação; perseguem ricórdia num género, que dançou com Cinemateca ou cineclubes. Mas vi ou revi quase todos em isto é o Moby Dick?, bradava Apaches. A cavalaria é território o seu cadáver uma dança ébria. Não grandes salas que hoje já não existem: Império, Royal, Peckinpah? Final da guerra de Ford, John. Mas tornado por é esta a “tese” de David Weddle. Para Éden, Condes, Tivoli, Quarteto, Monumental, etc. Não civil: Amos Dundee/Heston Peckinpah palco de ambição o biógrafo, Sam foi o último dos ro- querendo ser inteiramente irónico, isso até faz sentido: o comanda tropas da União e humana, desejo de glória e de mânticos. cinema de Peckinpah só poderia ser visto em ecrãs grandes prisioneiros de guerra, soldados guerra. “Dizia-se que ele era um niilista por e magnífi cos, mesmo se as cópias se partissem, tivessem causa da violência. No seu tempo só riscos, faltassem fotogramas e planos ou até cenas inteiras se via isso. Mas hoje a violência já não e essas salas já as considerassem obsoletas, com muitos é tão chocante como era antes, por lugares vazios e em vertiginosa decadência, denunciando a isso o que fica é o romantismo. A pro- passagem do tempo e prenunciando o seu fi m com a chegada fundidade, a complexidade... Ele foi de outro tempo. Assim são também os fi lmes de Peckinpah, um realizador profundamente ro- as histórias dos seus personagens, heróis anti-heróis mântico. A percepção só pode mu- crepusculares, resistindo estoica e romanticamente ao seu dar: ‘Straw Dogs’ [1971, um dos “ca- próprio apagamento e à aniquilação dos seus mundos. Posso entender que Sam Peckinpah não seja um realizador “agradável”, consensual, daqueles que fazem parte das “Ele não matou o famosas listas dos melhores realizadores do mundo. Percebo que se lhe apontem inúmeros defeitos, algum western. Ele fez a gosto duvidoso, por vezes abusar de maneirismos, ser excessivo, controverso, truculento, confl ituoso, intransigente, crónica dessa morte. ser arrebatado por certos vícios. Mas isso é também como ele é. Não se é bom, nem Os seus filmes são se é mau, nem melhor, nem pior. Apenas se é. E o que muito complexos, importa é saber isso, essa procura constante de perceber os homens, conhecer os outros e conhecer-se a si mesmo. Pat Garrett and Billy the Kid cheios de camadas. E é isso, sobretudo, que encontro nos fi lmes deste tão 3ª, 2, 21h30; 4ª, 4, 19h30 grande realizador: a integridade e constância na procura Tão complexos como da verdade sobre o Homem, com os seus defeitos e as suas qualidades, as suas grandezas e as suas misérias, tão a experiência violento e cruel como apaixonado e nobre. Peckinpah não sabia quem era Gosto das 14 longas-metragens que realizou. Claro que há Bob Dylan. Foi outro baladeiro, americana” David umas que gosto muito, como “The Ballad of Cable Hogue”, Kris Kristoff erson (o Kid do Weddle “Straw Dogs”, “The Getaway”, “Bring me the Head of Alfredo fi lme), que lhe apresentou o Garcia”, “Cross of Iron”. E há os que gosto ainda mais: “The compositor contratado para Wild Bunch”, “Pat Garrett and Billy the Kid” e “Ride the escrever o tema-título. Que sos” mais polémicos, em termos de High Country/Guns in the Afternoon”. Mas com todas elas acabou por escrever um álbum recepção pública, da obra do reali- fui sempre aprendendo qualquer coisa mais. E aquilo que - e “Knockin’ on Heaven’s zador – ver caixa nestas páginas] não mais destaco na obra de Peckinpah são os temas, a amizade, Door” – e participar como actor, é hoje um filme tão chocante pelo a traição, as amizades traídas, interpretando Alias. A presença que acontece no ecrã. É chocante por O cinema de Peckinpah a cumplicidade, a integridade, do “cronista” Dylan (errática, causa das personagens. É como uma a honra, a perseverança, a como esta contemplativa peça de xadrez, como ‘A Faca na só poderia ser visto em nobreza, o pendor sacrifi cial, o tragédia) ajuda a carregar como o Pat Garrett de James Água’ de Polanski”. não haver limites, o romantismo o fi lme de uma melancólica Coburn: contraditório, traindo Dizia-se também que o cinema der ecrãs grandes, mesmo e o hiper-realismo, no lado meditação sobre o tempo e o para sobreviver ao seu tempo – e Peckinpah procedia a uma desmisti- se as cópias se formal o grande trabalho mito. Mas nem Dylan nem o Kid sendo devorado por ele. Puro fação – do “western”. Mas Sam, afi- de montagem, o saber do interessaram tanto a Peckinpah Peckinpah. nal, substitui um mito por outro(s): partissem, tivessem uso de diferentes objectivas, algo de brutal e melancólico, porque a utilização de “zooms”, só assim podiam existir em simultâ- riscos, faltassem diferentes velocidades de neo a fantasia de uma criança com a fotogramas e planos câmara, o “slow motion”, a brutalidade que essa criança, quando dinâmica entre escalas de homem, descobriu nas fundações da planos, os diálogos, os personagens na sua eloquente justeza e América. “O que ele nos dá são deta- dignidade, na sua tristeza, melancolia e nostalgia, os brilhantes lhes de um mundo, como um pintor: castings, os fabulosos actores principais e os maravilhosos e dá-nos o sabor de um mundo. E assim competentíssimos actores secundários, ver em fi m de carreira torna esse mundo real. Mas esse tão enormes actores como William Holden, Robert Ryan, mundo não é real, é mítico”. Joel McCrea, Maureen O’Hara, Ben Johnson, Randolph Scott, Filho bastardo de John Ford, dizia- Ida Lupino, Jason Robards, Ed O’Brien, James Mason, Burt se. David Weddle diz: “Maior do que Lancaster, ou o trabalho de outros como Warren Oates, Steve John Ford”. “Peckinpah levou o ‘wes- McQueen, James Coburn, Kris Kristoff erson, Charlton Heston, tern’ até um apogeu no momento em Richard Harris, David Warner, Emílio Fernandez, Ally McGraw, que o género estava a morrer. Ele não Ernest Borgnine, John Hurt, Rutger Hauer, Dennis Hopper, matou o género. Ele fez a crónica des- L.Q. Jones, Slim Pickens, Harry Dean Stanton, Dustin Hoff man, sa morte. Os seus filmes são muito Bo Hopkins. Ou mesmo ver Bob Dylan, algo canastrão, em Pat complexos, cheios de camadas. Tão Garrett... para o qual compôs a banda sonora, onde se inclui complexosmplexos como a experiência ameame- um dos seus mais belos temas: “Knockin’on Heaven’s door...” ricana”.ana”. Pe-Pe- Fico contente que a Cinemateca Portuguesa fi nalmente ckinpah!npah! dedique um ciclo a Sam Peckinpah, pois até aqui só alguns dos seus fi lmes haviam passado, mas integrados em ciclos temáticos – ou de homenagens a actores ( Joel McCrea, Charlton Heston) ou pela escolha dos espectadores da casa, na rubrica regular “O que quero ver” (“Straw Dogs”, 2001); Joel McCrea e Randolph Scotttt ou a escolha de Miguel Esteves Cardoso (para as 3.ªs-feiras em “Ride the High Country”: clássicas, 1995, “The Wild Bunch”), o que me surpreendeu e um “western” a contemplar o muito me agradou. fim, a morte de uma América,a, *Cineasta com montanhas em fundo

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Pedro Lourenço desenhou sobre fotografi a de Shamila Mussà Os nossos monstros Max fecha os olhos e navega até chegar a uma ilha habitada por “coisas Olhando para o trabalho deles – um gosto pela selvagens”

antropomorfi a e a presença dominante da natureza a sawsxssaawwssx no seu universo gráfi co – é fácil presumir que alguma vez olharam para as ilustrações de Maurice Sendak, o autor de “Where the Wild Things Are”, que Spike Jonze adaptou ao cinema. Três ilustradores portugueses ajudam-nos a enfrentar os monstros. Kathleen Gomes

24 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon José Feitor Nuno Ferreira Santos desenhou sobre fotografou, fotografi a de Tiago Albuquerque Rui Gaudêncio desenhou

O novo filme de Spike Jonze, “O Sítio com ou sem ligações ao universo in- “Where the Wild Things Are” foi vam um completo desconhecimento das Coisas Selvagens”, não é só uma “Where the Wild fantil. uma pedrada no charco: à altura, sobre a natureza das crianças”, dis- adaptação de um clássico da literatu- Na América, tem sido equiparado apesar do arrojo gráfico e do con- se Sendak. ra infantil. É uma adaptação de um Things Are”, a uma revolução cultural: recente- ceptualismo investido nalguns títu- clássico da literatura americana “tout de Sendak, foi uma mente, o “Los Angeles Times” notava los, os livros ilustrados infantis ti- Contornos freudianos court”, nos mesmos termos com que que o livro de Maurice Sendak foi lan- nham uma visão romântica e delico- Publicado em 1963, “Where the Wild nos referimos a “Huckleberry Finn” pedrada no charco: çado um ano antes de os Beatles ar- doce das crianças, retratadas como Things Are” apresenta um rapazinho de Mark Twain: uma encarnação da rasarem as tabelas da pop nos EUA, seres obedientes que iam para a ca- chamado Max, entre os quatro e os infância cujo alcance e fascínio está à altura, os livros concluindo que “as mesmas forças ma a horas e que aprendiam uma cinco anos, vestido num fato de lobo muito para lá da especificidade de um que remodelaram a cultura america- qualquer lição moral quando o livro e mal-comportado, que é mandado género. ilustrados infantis na no pós-guerra estavam a redese- chegava ao fim. “Por outras palavras, para o quarto sem jantar. Max fecha Dizer que “Where the Wild Things tinham uma visão nhar os livros para crianças”. eram livros aborrecidos. E revela- os olhos e uma floresta começa a Are” pertence ao cânone da literatu- ra americana do século XX é mais delicodoce das temerário do que parece: não esta- mos a falar apenas de um livro pre- crianças, retratadas tensamente para crianças, mas de um livro ilustrado, onde as imagens che- como seres obedientes gam a ocupar o lugar do texto. Mas como acontece com a melhor litera- que aprendiam uma tura, é um livro que, nos 46 anos des- lição moral quando de a sua publicação, não tem deixado de irradiar interpretações várias, o livro chegava ao fim mantendo a sua contemporaneidade intacta. Como não deixa de ser curio- so que da esfera da literatura infantil tenha emergido um livro tão comple- xo, tão aberto, que continua a exercer influência sobre ilustradores actuais,

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 25 Spike Jonze: o puto indie e a sua banda sonora A banda sonora de “O Sítio das Coisas Selvagens” é uma súmula da música indie dos últimos anos: cantar como se se tivesse cinco anos e o papá não estivesse ali para aconchegar a manta ou berrar como se se tivesse 16 e o papá estivesse ali a chegar a roupa ao pêlo. João Bonifácio

Há um velho ditado que enuncia crescer no seu quarto e ele navega que se soubermos com quem “durante quase um ano inteiro” até um sujeito anda sabemos que chegar a uma ilha habitada por “coi- ele é. É certo que a sageza sas selvagens” (as “wild things”): popular criou para cada dito monstros de formas exageradas, pe- um seu exacto oposto, mas no ludos e de dentes afiados. Max torna- caso de Spike Jonze faz sentido: se rei dos monstros mas, eventual- sem nos atermos a mais que a mente, sente saudades de casa. Acaba sua carreira cinematográfi ca, por regressar, encontrando o jantar é impossível esquecer que o à sua espera, no quarto. principal colaborador de Jonze É só isto, e isto são 10 frases, 37 pá- foi Charlie Kaufman, tanto em ginas, 338 palavras — uma obra-prima “Queres ser John Malkovich?” de condensação. A primeira perple- como em “Inadaptado”. xidade, quando se soube que Spike Kaufman é possivelmente a O fantástico Jonze, o realizador de “Queres Ser epítome do sujeito regressivo, que irrompe John Malkovich?” (1999) e “Inadapta- incapaz de crescer e assumir pelo banal do” (2002), iria adaptar o livro de as responsabilidades inerentes adentro é uma Sendak ao cinema, foi: como é que à idade. A sua escrita é hiper- das marcas ele vai transformar uma obra tão cur- auto-consciente, repleta de de Jonze ta numa longa-metragem? espelhos e labirintos lógicos, Jonze escreveu o argumento com o em constante procura de escritor Dave Eggers, expandindo a demonstração de inteligência. história original e oferecendo a sua As dúvidas das personagens versão dos acontecimentos. Em “O servem de escudo, de muro Sítio das Coisas Selvagens”, a história protector, contra a idade adulta, familiar de Max ganha contornos freu- os “twists” e truques narrativos dianos: o seu mau-comportamento é soam à mirabolante imaginação “justificado” pelo abandono — a irmã das crianças. ignora-o, a mãe divorciada recebe a Mas há vida no cinema de visita do namorado (no livro, o pai Jonze para lá de Kaufman. O nunca é nomeado e a mãe está fora fantástico que irrompe pelo de campo, mas não existe a mais pe- banal adentro é uma das quena tentação de fazer psicologia). marcas de Jonze e em “O Sítio Max foge e chega à ilha onde os mons- das Coisas Selvagens”, talvez tros estão a destruir casas (da mesma por ter atingido aquela idade Há gritos, berros, música regressiva. Isto não Não é a primeira vez que maneira que o iglô de Max é destruído em que não se pode mais adiar é bom nem mau: tal como se exploram características na primeira parte do filme). Os mons- os problemas de adulto (e em vozes de birra, Jonze é hoje um dos heróis da infantis na música: há uma tros têm nomes e diálogos que não que se começa a ter fi lhos e juventude que gosta de cinema quantidade brutal de lixo existem no livro – a segunda parte do através deles a relembrar a palmas ao lado do mas não faz ideia do que o folk dos anos 60 em que isso filme é, quase toda ela, invenção dos infância), larga os adultos cinema foi ou pode ser, esta acontece; a pop francesa de argumentistas, respeitando apenas o que não crescem e resolve ir tempo. As guitarras música representa uma súmula Sylvie Vartan e afi ns trilhou esquema original do livro, em que a directamente à fonte: um miúdo do que tem sido a música indie esse caminho, mas à procura acção na ilha é um espelho invertido com problemas a crescer. parecerem mal – e Jonze é puto indie, como de uma perversão sexual que da primeira parte. Jonze preferiu uma Ao escolher fazer um fi lme tocadas: música comprova o seu currículo de deixaria Nabokov entumescido; abordagem tradicional, respeitando todo dentro da cabeça do miúdo videasta – dos últimos anos. os Yo La Tengo fi zeram hinos à o espírito original de Sendak, em de- acabamos por ter uma sucessão regressiva Cada guitarra “desalinhada” adolescência perdida, Björk foi trimento da animação digital: os de quadros em que a violência (isto é: incapaz de manter a mais irritante criança grande monstros são fantoches gigantes, cria- (predominante na mente o tempo e sem defi nição de que Deus ao mundo pôs. dos pela equipa de Jim Henson (cria- psicopata dos putos) dá lugar ataque às cordas) lembra Mas há, nesta geração, uma dor dos Marretas) e manuseados no à ternura ansiada, e o sentido “Feels” dos Animal Collective quase obsessão com essa interior por actores. Só as expressões de pertença é reequacionado – chapado. Cada cantilena ciclotimia infantilóide, de faciais foram animadas por computa- como em todas as boas fábulas infantil idem. As explosões dos cantar como se se tivesse cinco dor — as vozes de actores conhecidos o real acaba por ser preferível coros saem do universo dos anos e o papá não estivesse ali (James Gandolfini, Forest Whitaker, ao “lugar mental” onde a Arcade Fire, naquele registo de para aconchegar a manta ou Chris Cooper, Catherine O’Hara) fo- criança se socorre. angústia reprimida que sabe então berrar como se se tivesse ram gravadas em estúdio, antes da No entanto, não deixa de oh tão bem sair aos berros. (Não 16 anos e papá estivesse ali a equipa partir para a Austrália, onde o ser cinema regressivo e a por acaso um dos primeiros chegar a roupa ao pêlo. É uma segmento da ilha foi filmado. acompanhá-lo há uma BSO trailers do fi lme usava “Wake característica de uma boa regresssiva: escrita por Karen Up”, dos canadianos.) parte desta geração de músicos O lado gráfi co O dos Yeah Yeah Yeahs, na Podíamos fazer comparações indie: um infantilismo latente, O livro “Where the Wild Things Are” companhia dos restantes até à exaustão: as faixas mais com ou sem vanguardas a foi editado, finalmente, em Portugal membros da banda e ainda aceleradas vivem no mesmo legitimar. pela Kalandraka no final do ano pas- gente dos Deerhunter e mundo de bandas como Los A pop diz-nos muitas vezes – e sado, sob o título “Onde Vivem os dos Liars, é um tratado de Campesinos, Architechture esta pop em particular diz-nos Monstros” (boa tradução, mas opta ciclotimia inacabada, isto é: In Helsinki ou Broken Social a torto e a direito – que os totós por explicitar as “wild things” como vive a oscilar entre uma doçura Scene, trupes comunitárias de ontem, os recalcados da “monstros”, termo que nunca é usa- menineira (portanto “ideal”) e a que deixaram a ideia de infância, os traumatizados, do no original). Antes disso, já tinha explosão infantilóide (portanto crescimento para trás em os que não andaram à bulha, conseguido chegar a ilustradores por- supostamente “real”). favor da perpetuação de uma serão os vencedores de amanhã tugueses como Pedro Lourenço, José adolescência que decerto e devem ter orgulho na sua Feitor e Tiago Albuquerque. Olhando Puto(s) indie não tiveram. Os momentos de recusa em crescer, no seu para o trabalho deles — um gosto pe- Em quase todas as canções Karen O, guitarra dedilhada, voz ciciada infantilismo. Mas é mentira: la antropomorfia e a presença domi- oscila-se entre esses dois dos Yeah Yeah e melancolia de algodão na na maior parte dos casos nante da natureza no seu universo registos: há gritos, berros, vozes Yeahs, criou ferida lembram os Grizzly serão apenas os consumidores gráfico —, é fácil presumir que alguma de birra, coros desalinhados, uma banda Bear. Gente como o Devendra de Prozac de amanhã, com vez terão olhado para as ilustrações palmas ao lado do tempo. sonora que dos primeiros discos ou os uma agenda social vazia e e desenhos de Maurice Sendak. As guitarras são cruas, não oscila entre Yearsayer podia igualmente problemas de vaginismo. Pedro Lourenço, que em 2008 pu- no sentido de violentas, a doçura ser citada, ou mesmo aqueles Os maiores vencem sempre. blicou “Blues Control #1” (edição Im- antes no de parecerem menineira meninos que desconhecem o Excepto nas canções. Ou nos prensa Canalha), tem trabalhado em propositadamente mal e a explosão sal, os Vampire Weekend. Tudo fi lmes de Spike Jonze. Mas esse publicidade, mas também no mate- tocadas. Numa expressão: infantilóide malta que recusa a idade no BI. sabe pouco de cinema. rial editorial e auto-promocional do Lux-Frágil, da loja de discos Flur, e Teatro Praga. “Where the Wild Thin-

26 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon Os monstros são fantoches gigantes, criados pela equipa de Jim Henson e manuseados no interior por actores. Só as expressões faciais foram animadas por computadador

gs Are” não fez parte das suas leituras O LA Times notava ginários e foi chamando a todos os cias graves. Mas aqui as consequên- de Sendak, complementa: “É um li- em criança (a sua dieta foi europeia, ficheiros “wherethewildthingsare”... cias são boas. Ele praticamente diz: vro que não está com muitas preocu- à excepção da Hanna-Barbera e da que o livro de Sendak Mais tarde, abandonou a ideia. ‘Sejam selvagens.’ O autor põe-se no pações morais e mostra o egoísmo Disney), mas descobriu-o mais tarde, Outro exemplo de como Sendak papel da criança.” das crianças. Não acho que haja re- pelos 20 anos, juntamente com foi lançado um ano exerce fascínio sobre adultos: José Pedro Moura, crítico e professor denção, não acho que haja aprendi- Edward Gorey e Winsor Mackay (au- Feitor, ilustrador e editor da Impren- de BD e ilustração, autor do blogue zagem. A mãe [de Max] é que se ar- tor do “Pequeno Nemo”). Um pacote antes de os Beatles sa Canalha (que tem feito trabalho Ler BD, onde escreveu sobre o livro rependeu e dá-lhe comida. É por “com aparentes ligações ao universo sistemático de edição de livros de infantil”, mas “com um lado ne- arrasarem nos EUA, ilustradores num espírito “do-it- gro”. concluindo que “as yourself”, quase sempre em forma- “O Sendak poderá ser aquele que, to de fanzine), deparou-se com à primeira vista, mais se aproxima mesmas forças que “Where the Wild Things Are” há qua- desse universo infantil. O desenho e tro anos, quando a filha Matilde nas- a história remetem-nos para aí. Mas remodelaram a ceu. Para além do aspecto gráfico uma leitura mais atenta acabará por — o desenho “tradicionalista” de revelar uma obra mais ajustada a um cultura americana no Sendak, com a sua trama de traços público de outras idades ou com ou- finos, denuncia uma aproximação à tro entendimento.” pós-guerra estavam gravura, para além dos “efeitos in- Mas foi “o lado gráfico” — o traço a redesenhar os livros teressantes” que consegue com o seu minucioso de Sendak — que mais o recurso a cores pálidas, baças — en- atraiu, ao ponto de ponderar experi- para crianças” contra afinidades em termos de ima- mentar a ilustração infantil. Começou ginário — “esta ideia de exploração a desenhar um bestiário de seres ima- de coisas humanas em coisas que não existem, ou em animais”, resu- me, “uma brincadeira entre a huma- nização e a animalização”. Os mons- tros de Sendak são compósitos, jun- tando partes de animais diferentes A história familiar e, por vezes, elementos humanos. de Max ganha São tão grotescos quanto cómicos. no fi lme contornos Os animais têm sido recorrentes no freudianos trabalho mais recente de Feitor, que diz que se pode ver na figura animal “muito daquilo que nós somos”. “As pessoas dizem que passo a vida a desenhar animais, e eu digo que não. Desenho pessoas.” Tiago Albuquerque, quem tem fei- to ilustração editorial para os jornais “i” e “Diário Económico”, além de ocasionais incursões na ilustração infantil (“O Meu Livro de Economia”, com texto de João César de Neves, e “O Meu Livro de Política”, com texto de Jorge Sampaio, ambos editados pela Texto Editora), folheia o livro de Sendak pela primeira vez. Descobriu- o há um ano, através de um amigo, num ficheiro pdf. “Gosto muito dos monstros. Fazem-me lembrar esta- tuetas africanas — as geometrias são exageradas, em contraste com a criança. E depois, os outros livros [infantis] quase todos dizem: ‘Não deves fazer isto.’ Ou a criança faz qualquer coisa e isso tem consequên-

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 27 Dave Eggers, o rapaz que parte corações

É um dos “meninos de ouro” da literatura americana, transformou uma história de 300 palavras de Maurice Sendak num fi lme e num romance de quase 300 páginas, “O Sítio das Coisas Selvagens”. José Riço Direitinho

isso que acho que o livro é bastan- Quando nas tardes dos anos fresco, “cada marca pode fi car lá te inteligente em relação ao que as 70, na casa em que o pequeno para sempre”. crianças pensam. Dizer que é sobre Dave morava com os pais e Mas a sua preocupação com as evolução, aprendizagem, passagem dois irmãos mais velhos num marcas deixadas na infância de ritos... isso são esquemas adultos.” subúrbio de Chicago, passava na não é assunto recente. Por Segundo Pedro Moura, nem sequer TV “O Feiticeiro de Oz”, ele via-o Eggers entender que a escola não sabemos se os acontecimentos de escondido atrás do sofá. Por compara promove o acto de escrever, “Where the Wild Things Are” são fan- isso, quando ouviu a história e a infância ajudou a criar em 2002, em São tasia ou realidade. “O livro não pro- folheou o livro “Where the Wild a cimento Francisco, uma organização cura uma resposta, não tem aqueles Things Are” (“Onde Vivem os fresco: cada sem fi ns lucrativos, a “826 estratagemas parolos de mostrar que Monstros”), de Maurice Sendak, marca fi ca Valencia”, que ensina crianças e é um sonho”, da mesma maneira que não se deve ter admirado muito para sempre jovens entre os seis e os 18 anos as crianças, “quando brincam e fin- do sentimento de terror que o a escrever fi cção. O que nasceu gem qualquer coisa, estão de facto a invadiu. E segundo revelou ao em São Francisco como projecto experienciar”. jornal inglês “The Telegraph”, local estendeu-se a outras À época da sua publicação, “Whe- não foram apenas as imagens cidades como LA, Nova Iorque, re the Wild Things Are” foi um livro que o perturbaram em criança, Chicago, Boston. Ainda nesta polémico, condenado por guardiões foi também a “ambiguidade área da promoção da escrita, e da educação, que temiam que fosse moral da história” contada. também desde 2002, Eggers é o demasiado assustador para crianças Nessa altura, o pequeno Dave editor de uma antologia anual pequenas ou que o mau comporta- Eggers (n. 1970) estaria longe de intitulada “The Best American mento do protagonista as levasse a imaginar que daí a três décadas Nonrequired Readings”, que imitá-lo. seria co-autor do argumento de publica os melhores trabalhos Max, um rapaz zangado e solitário um fi lme baseado nessa história de um grupo de alunos do ensino que desafia a autoridade do mundo que o aterrorizou – feita com secundário que semanalmente adulto, pode ser comparado a um des- pouco mais palavras (no original se reúne com ele nos escritórios ses “rebeldes sem causa” que tinham em inglês) das que as que tem da “McSweeney’s”. começado a povoar o cinema ameri- este parágrafo – e também que e a namorada para Berkeley, Este lado mais ou menos cano nos anos 50, e o livro de Sendak um dia, esse mesmo senhor Califórnia, e no princípio As contradições fi lantropo de Eggers, que inaugurou um estilo todo seu. A rela- Maurice Sendak que a inventou sobrevivem com o dinheiro parece querer fazer carreira ção entre palavras e imagens é inova- e fez os desenhos que a ilustram, deixado pelos pais. de Eggers, e a força como “escritor com causas”, dora: as imagens não são decorativas, lhe telefonaria para o convencer Esta dolorosa experiência criativa que delas tem também forte expressão nem ilustram o texto; elas preenchem a escrever um romance (“O Sítio leva-o a escrever o primeiro literária. Um dia, conheceu o que as palavras não podem dizer e, das Coisas Selvagens”, Quetzal, livro, “A Heartbreaking Work of advém, ajudaram Valentino Achak Deng, como nota Pedro Moura, quando dei- 2009) que recriasse a história do Staggering Genius” (2000), livro refugiado sudanês estabelecido xa de haver texto, sensivelmente a irrequieto Max e dos monstros de memórias sobre os trágicos a capturar no papel em Atlanta. Durante meses meio do livro, é o momento em que que ele encontra. Mas foi isso acontecimentos, à mistura com ouviu as suas histórias de imaginamos que há mais barulho que aconteceu. Várias tragédias um pouco de fi cção. A recepção as emoções de Max menino perdido na guerra (quando Max e os monstros organi- depois. por parte de leitores (um milhão e as angústias sem civil do Sudão, nos campos de zam uma grande algazarra). As ima- de exemplares nos EUA) e dos refugiados por onde passou, gens aumentam à medida que viramos A matéria para Max críticos atiram o seu nome para nome da infância como chegou aos EUA, e tomou as páginas, e o livro termina com meia Em 1991, com 21 anos, Dave o restrito grupo dos “meninos de muitas notas de tudo. Depois frase e nenhuma imagem — alguém Eggers perdeu os pais com ouro” da literatura americana. pôs mãos à obra e escreveu um comparou o trabalho de composição poucas semanas de intervalo, A revista “McSweeney’s”, que romance brilhante, “What Is de Sendak ao tipo de montagem que mortes causadas por cancro. ele criara em 1998, torna-se What” (“O Que é o Quê”, Casa das os realizadores da nouvelle vague Os dois irmãos mais velhos numa publicação de culto. Letras, 2009), “autobiografi a” francesa adoptaram. estavam a iniciar carreiras Confi rmando as expectativas ausências de casa. Dave sentia- fi ccionada que se tornou num Spike Jonze disse que queria criar fora de Chicago, e coube a Dave no seu potencial literário, se responsável pela felicidade “bestseller”. Com o dinheiro com o seu filme, algo que fosse “tão acompanhar e educar o irmão Eggers publica em 2002 o da mãe e, então, à semelhança obtido com os direitos do livro, perigoso quanto o livro foi na sua épo- mais novo, Cristopher, sete primeiro romance, “You Shall do Max do romance “O Sítio das que foi entregue a Valentino ca”. Quem dera. anos. Muda-se com o irmão Know Our Velocity”, que ganha Coisas Selvagens”, também Achak Deng, este criou uma o “The Independent Book ele imitava diante dela os fundação com o seu nome que Award”. Mas por essa época, movimentos de um robô com se propõe construir escolas outra tragédia acontece na sua a intenção de a fazer feliz secundárias no sul do Sudão; vida. A irmã, face ao sucesso provocando-lhe o riso. Em a primeira foi inaugurada em obtido por “A Heartbreaking várias entrevistas menciona o Maio. Work of Staggering Genius”, facto de ter tido uma infância Mais recentemente, já em reclama para si a parte da enclausurada, com horários 2009, foi a vez da publicação responsabilidade na educação pré-defi nidos para tudo, mas de “Zeitoun”, a história de do irmão mais novo acusando mais “selvagem” que a de Max: uma família muçulmana, Eggers de mentir no livro. Pouco costumava jogar futebol com sírio-americana, que viu ser tempo depois, arrepende-se bolas de ténis em chamas, preso Abdulrahman Zeitoun, e deixa um “post” no sítio da banhadas em querosene. um habitante de Nova Orleães net da “McSweeney’s” em que No entanto, ressalva que que se deixou fi car na cidade confessa que o que fez foi “a era bom aluno e dócil. Estas durante o furacão Katrina really terrible La Toya Jackson contradições, e a força criativa para ajudar no salvamento moment”. E suicida-se. Dave que delas advém, ajudaram a dos necessitados que o Estado quase nunca se referiu à morte capturar no papel as emoções abandonara à sua sorte, e que da irmã. de Max e as angústias sem nome depois foi acusado de terrorismo As histórias narradas nesse da infância, que constituem a pela administração Bush. primeiro livro serviram de matéria-prima da personagem. Também o dinheiro obtido inspiração a Eggers para criar com os direitos deste livro (a o rapaz Max, o do fi lme e o do Cimento fresco publicar este ano em Portugal romance. Mas não apenas as Ao “The Telegraph”, confessou pela Quetzal) reverte a favor da recordações relacionadas com o ter aceitado a proposta de Fundação Zeitoun, que se dedica irmão foram utilizadas, também Maurice Sendak para escrever à defesa dos direitos humanos. as suas próprias memórias. Por o romance porque essa seria Há quem diga que agora o detrás da fachada de família uma oportunidade de explorar que falta a Dave Eggers é já feliz que aparentavam ser, as suas ideias sobre a infância, só escrever um verdadeiro Eggers referiu-se várias vezes o que lhe interessava, pois fora romance. aos problemas do pai com o pai havia pouco tempo. Compara álcool e às suas prolongadas a idade da infância a cimento Ver crítica de livros págs. 46 e segs.

28 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon SÃO LUIZ JAN / FEV ~1O

O mais célebre ciclo para canto e piano de Schubert é revisitado na visão contemporânea de Hans Zender, com a interpretação de excelência de Pregardien, figura assídua nas maiores salas de concerto mundiais, senhor de uma longa discografia e coleccionador de prémios da crítica especializada. Reconhecido pela beleza da sua voz e qualidades de declamação, o tenor WWW.TEATROSAOLUIZ.PT alemão estreia-se com o Remix Ensemble e na

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Exposições humano na história e na arte Para André Romão, vencedor em 2007 do Prémio EDP Novos Artistas, a arte é uma área de pensamento que não enjeita convocar a palavra, a cultura de massas, a história e a literatura. E que liberta tensões. Como as que atravessam “O Inverno do (nosso) descontentamento”. José Marmeleira

Um cartaz que reproduz a capa de um dios da história da literatura e da cul- necem. Porque se calhar são não “Não me interessam mething political can become poetic’. livro. Uma estátua que tombou. A tura. Para pensar a memória, o visí- históricas, são humanas”. Creio muito neste entendimento da imagem de um músico punk projec- vel, o acontecimento ou a activação trabalhos política, como algo abrangente, no tada na parede. Um plinto vazio. Da da escultura, sempre numa dialéctica Poético e político seu sentido mais primário; de como mais recente exposição no Kunsthal- entre a ética e estética. “O Inverno do É com este entendimento que se con- clarividentes. se regem as coisas na polis, na cidade, le Lissabon não sobram grandes efei- (nosso) descontentamento” surge no textualiza o estudo que André dedica de como nos relacionamos com o tos ou objectos “autoritários”. As coi- seguimento de projectos apresenta- às literaturas clássica e moderna ou A arte é uma área mundo, os outros; não como acção sas estão lá, simplesmente, como a dos em 2009 (“Nada dura para sem- à história da cultura, de Ésquilo a Ber- de pensamento, política.”. leitura de um texto que vai acontecer pre”, na Galeria Pedro Cera, Lisboa, told Brecht (autores evocados em Voltemos à exposição no Kunstha- todos os sábados, às 16 horas no dito e “Tudo dura para sempre”, no Pavi- “Tudo dura para sempre”), passando de especulação, le Lissabon. Na escultura tombada – espaço. Uma atenção mais descansa- lhão Branco, Museu da Cidade, Lis- pelo poeta alemão Hölderlin. Toda- da autoria de Leopoldo de Almeida da, porém, permite descobrir ideias, boa) e prossegue (encerra?) um “ci- via, a busca do humano na intempo- de alargamento (1948) e que representa o navegador energias, histórias que se acumulam, clo” sobre a natureza trans-histórica ralidade dos conceitos que o deter- Nicolau Coelho – coincidem o mo- se confundem, se sobrepõem; ou fra- e trans-temporal do humano; uma minam (a memória, a utopia, a pala- de significados mento real e o momento simbólico ses que regressam como o próprio natureza onde cabem, por exemplo, vra) aproximam a obra de André do derrube de uma estátua. No título título, “O Inverno do (nosso) descon- o teatro do dramaturgo polaco Jerzy Romão de uma categoria relativa- e sensibilidades” sobrepõem-se a narrativa com a his- tentamento”. Grotowski, o punk dos Crass, a escri- mente incómoda: o “político”. toriografia, a ficção com a realidade, André Romão (Lisboa, 1984) é ta de Shakespare ou um plinto cober- Leitura exagerada, injusta? movimento acentuado com presença quem coloca tais relações em “pal- to de linho. “Não tenho nenhum pro- quase espectral de Steve Ignorant, co”, num convocar de referências “Interessa-me pensar a história blema em perceber o meu vocalista dos Crass – lembramos que que procedem não apenas da histó- não como uma sucessão de aconte- trabalho como político, esta contestatária banda punk inglesa ria da arte, mas da história da cultu- cimentos, mas como um momento mas é uma palavra que foi um produto dos difíceis anos 70 ra na sua acepção mais ampla. Vol- vertical em que tudo pode coincidir adquiriu e continua a ad- da Inglaterra. Existem, portanto, nar- temos ao título da primeira indivi- no mesmo espaço; não há passado quirir conotações que me rativas silenciosas por trás das obras. dual deste artista: nele está inscrito apenas presente”, diz o artista. “Co- incomodam”. Então, em Para André, no entanto, a compreen- ao mesmo tempo uma citação de mo se fosse um nivelamento vertical vez de subscrever “ideolo- são do objecto artístico não fica de- “Ricardo III”, de Shakespeare (“ò do friso cronológico, como se tudo gias” ou programas, sugere pendente do conhecimento absoluto inverno do nosso descontentamen- pudesse ser colocado no mesmo pa- outra citação, agora do desses textos: como escreve na entre- to, convertido agora em glorioso ve- râmetro, e num espaço expositivo artista belga Fran- vista a João Mourão e Luís Silva, dis- rão…”) e uma expressão “inventada” diversas referências e tempos fossem cis Alys “‘So- ponível na folha de sala da exposição: a partir dessa citação para descrever niveladas com a mesma validade”. metimes Desde 2007 “(…) uma estátua derrubada contém o período de conturbação social que E pode esse gesto estender-se à his- doing some- (Prémio EDP Novos em si o acto de a derrubar, uma ima- a Inglaterra viveu nos anos 70 do sé- tória da arte? “Sim”, responde. “Bas- thing poetic Artistas) que Romão gem fixa estabelece a espera de um culo passado. ta pensarmos no Classicismo, no can become justapõe momentos acontecimento, um plinto vazio, a Desde 2007 (quando venceu o Pré- Românico, no Renascimento, nas political and e episódios da história ausência de visibilidade”. Assim, an- mio EDP Novos Artistas) que André suas recorrências e reinterpretações, sometimes da literatura tes de representar uma figura, a está- Romão justapõe momentos e episó- as coisas nunca se perdem, perma- doing so- e da cultura tua representa uma escultura enquan-

30 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon to o plinto vazio representa uma me- táfora possível da invisibilidade e a leitura do texto (um excerto de “Para um Teatro Pobre, de Jerzy Grotowski), anunciada no cartaz e para lá do seu RAQUEL ESPERANCA RAQUEL conteúdo específico, pode tão-somen- te revelar a presença escultórica da palavra. Proximidades Esta dimensão demonstrativa, quase literal, da prática de André Romão que “activa” a escultura com perfor- mances ou acontecimentos, remonta a trabalhos como “Reunião” ou “Cam- po de’Fiori (Parte II – Monumento à Unificação)”, ambos de 2007, e har- moniza-se com uma das característi- cas mais perceptíveis na sua obra: a secura. Há um pudor em ser visual, uma resistência ao artifício, “ilustra- da” aliás no uso do linho sobre o plin- to e na menção ao Teatro Pobre de Grotowski (que centrava o seu pro- grama relação entre o corpo do actor e a plateia). Tempo então para uma pequena provocação: podemos com- parar semelhante sensibilidade com a de alguns artistas dos anos 80 por- tugueses, como Rui Chafes e Pedro Cabrita Reis? “Talvez, mas há uma diferença substancial. A minha prática é mais relacional, tem a ver com projectos de pesquisa. Não há uma tirania do gesto artístico. Não que este tenha de- saparecido, mas há uma maior con- tenção das liberdade poéticas. Uma maior ligação ao chão, à realidade, um maior enraizamento no mundo, numa atitude mais relacional do que intros- pectiva”. E proximidades? “Existem, sem dúvidas, em termos de uma de- puração, de um certo silencio”. Fundadoras são as influências de Bruce Nauman e Joseph Beuys – “em particular, o seu trabalho com a per- cepção e a ficção da História” – e a respiração, talvez menos óbvia, da cultura punk. “Foi de certa forma a primeira arte conceptual com que me deparei, sobretudo o punk inglês. A minha simplicidade de meios pode vir daí. Os Crass ou Subhumans não eram grandes músicos, não tinham instrumentos fantásticos. Encaravam o fazer de forma casta, precária, com os meios que tinham à disposição – foi assim que comecei a trabalhar – e isso aproxima-os de certas correntes de arte conceptual”. Terá sido esta vontade de fazer com recursos pequenos que motivou André Romão, ainda estudante do Curso de Design de Comunicação na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, a organizar exposições colectivas com um grupo de colegas onde se incluíam Ana Baliza, Ana Manso, Gonçalo Sena, Joana Escoval, Marga- rida Mendes, Mariana Silva, Nuno da Luz e Pedro Neves Marques. Trata-se aliás de uma colaboração que não encerrou e que teve no ano passado, no âmbito de um trabalho colectivo de comissariado, o seu momento mais alto com a organização do ciclo de exposições “Estados-Gerais” na Galeria Arte Contempo. Quanto ao percurso individual de André Romão, para este ano estão previstas, por ordem cronológica, exposições na Arco, em Madrid, na Kunstlerhaus Bethanien, em Berlim, onde é bolseiro, na Fundação EDP (com Pedro Neves Marques) e na Ga- leria Banginski. A obra vai, certamen- te, permanecer inquiridora, inquieta entre suportes (escultura, vídeo, de- senho, instalação) e referências (alta ou baixa cultura): “O meu trabalho vive de tensões. Não me interessam trabalhos clarividentes. A arte é uma área de pensamento, de especulação, de alargamento de significados e sen- sibilidades. Uma forma de expansão intelectual e emocional”.

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 31 AFP O “império da imoralidade” não foi mais imoral do que os outros Mergulho no destino comum de Angola e Portugal até à independência, a “História de Angola” de Douglas Wheeler e René Pélissier mostra como a colonização foi moldada pela fragilidade económica e pela instabilidade política da metrópole. Ana Dias Cordeiro

Quando a primeira edição de “Ango- Diogo Cão, em 1482. E termina num Ibéria, elevar-se acima do seu peso la”, de Douglas Wheeler e René Pélis- retrato breve da transição iniciada “Os capitalistas da no plano internacional”. Lisboa vivia sier, saiu nos Estados Unidos e na Grã- com o fim da guerra civil angolana em o medo de que o fim do império em Bretanha, em 1971, o acontecimento 2002. Centra-se no contexto histórico metrópole estavam África levasse ao fim da independên- quase passou despercebido em Por- de Angola e de Portugal e mostra co- pouco interessados cia de Portugal face ao país vizinho tugal, onde o livro foi proibido pela mo os percursos dos dois países esti- mais poderoso que era Espanha. censura do Estado Novo. Era um re- veram de tal forma interligados, até em investir e o Luanda, por seu lado, sofreu com trato único de um território à procu- 1975, que nunca houve a distância de- as crises e as fragilidades da metrópo- ra da independência, assente na in- vida para que colonizador e coloniza- pequeno colono le e perdeu com a falta de um nacio- vestigação de dois académicos e his- do pudessem olhar um para o outro nalismo unido, primeiro entre indí- toriadores, um americano e o outro e ser capazes de evitar mal-entendi- decidido a enriquecer genas e assimilados (que conviviam francês, que se tinham conhecido em dos. “Muitas vezes, tanto os portu- explorando o mais com os portugueses mas aspiravam à Luanda em 1966 e quiseram dar con- gueses como os seus amigos e inimi- independência) e, anos mais tarde, ta da guerra que começara em 1961 e gos africanos interpretaram de modo fraco, mas os entre os três movimentos de liberta- da qual pouco se sabia. errado as aspirações e as capacidades ção que fizeram a guerra civil. O conhecimento que se tinha da do outro, não conseguindo beneficiar portugueses não realidade no terreno era incompleto da consciência da sua humanidade Ser ou não ser controverso e quase exclusivamente moldado pe- comum”, resume Douglas Wheeler foram moralmente Não houve intenção, nem em 1971 la propaganda. De um lado, dizia-se num dos capítulos finais. com “Angola” nem agora com “His- que “o único objectivo do regime de “História de Angola” mostra o que piores do que os tória de Angola”, de lançar a contro- Lisboa” era “a exploração”. Do outro, condicionou o desenrolar, por vezes outros colonizadores” vérsia. Quando a primeira edição do considerava-se que os angolanos eram trágico, dos acontecimentos e admite livro foi publicada, porém, o momen- “incapazes de se auto-governar”. os erros de que foi feita a história do René Pélissier to era controverso. Lisboa não abria Numa altura em que as atenções se colonizador, sem porém esquecer a mão das colónias anos depois de to- centravam na guerra do Vietname, os perspectiva das realidades políticas e das as ex-colónias da Grã-Bretanha e esforços de um pequeno Estado dita- das fragilidades de cada um enquan- de França terem conquistado as suas torial como Portugal para manter o to nação. Para alguns académicos, foram transformados pelas expedi- independências. Portugal estava or- último império colonial em África co- peca por não incorporar informação ções militares e pela presença portu- gulhosamente só: era um caso isolado meçava a suscitar o interesse de aca- nova, entretanto disponível pela aber- guesa. Nalguns casos, como nas regi- e mal aceite no mundo. démicos e investigadores norte-ame- tura dos arquivos em Portugal, na ex- ões de reis ovimbundo, os monarcas Na nota prévia do livro, tanto Whe- ricanos. Mas Wheeler e Pélissier não União Soviética, nos Estados Unidos, podiam ser considerados divinos ou eler como René Pélissier dizem estar se debruçaram apenas sobre a guerra: ou mesmo em Angola, embora aqui herdar o trono de um familiar; nou- conscientes de que poderão vir a ser recuaram vários séculos e escreveram a consulta se faça com maior dificul- tros, “havia um considerável exercício acusados de parcialidade ou desones- uma história de Angola até 1975, então dade. Os autores apresentam-no sim- de democracia popular”. tidade, uma inevitabilidade sempre publicada na colecção Pall Mall Libra- plesmente como uma história sucin- Do lado de Lisboa, a expansão im- que os historiadores comentam acon- ry of African Affairs, na Grã-Bretanha, ta de Angola, escrita para o público perial servia os objectivos da renova- tecimentos próximos no tempo e “tão e pela Praeger, nos EUA. em geral. ção e da redenção de Portugal em dolorosos quanto aqueles que os por- Esse livro, revisto e actualizado à momentos de crise, como uma opor- tugueses e os africanos viveram entre luz dos acontecimentos que se segui- O trauma espanhol tunidade para “reviver glórias passa- 1960 e o presente”. ram, foi agora lançado em Portugal Para compreender a realidade ango- das”. Diz Wheeler em entrevista: uma Será então este um livro inevitavel- pelas edições Tinta da China com o lana, o livro retrata o mundo que exis- das coisas que distinguiu a coloniza- mente controverso? “História de An- título “História de Angola”. Parte da tia antes da difícil conquista do terri- ção portuguesa das restantes coloni- gola” conta como, no século XIX, se descoberta do Reino do Congo, o tório pelos portugueses. Descreve zações europeias foi “a crença de que discutia o “império da imoralidade” maior reino bantu da África Central como a lógica dos reinos tradicionais os recursos imperiais em África per- e a “crise moral” de uma metrópole Ocidental, pelo navegador português e o modo de vida dos povos da região mitiam a Portugal, embora fraco na que teve de travar várias guerras para

32 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon Agostinho Neto, a figura tutelar do MPLA, morreu muitos anos antes do fim da sangrenta guerra civil que opôs os vários movimentos de libertação angolanos logo a seguir à independência fixada pelo Acordo de Alvor, e que envolveu milhares de crianças- soldado AFP

A luta fratricida entre a Unita de Jonas Savimbi, a FNLA de Holden Roberto e o MPLA de Agostinho Neto (da esquerda para a direita, em baixo) rebentou mal Portugal consolidar a sua presença em Angola. tão. “Cada região se defronta com um entregou a Mostra como o relacionamento entre problema diferente. E, no caso de soberania, portugueses e africanos começou por Portugal, era muito difícil enfrentar como assentar na exploração – com a escra- uma revolução no país e ao mesmo demonstra vatura primeiro, depois com o tráfico tempo gerir um processo de desco- esta parada da de escravos e o trabalho forçado. E lonização.” Unita quatro defende que a imoralidade do colo- “História de Angola” não pretende dias depois da nialismo, especialmente exposta sob apontar responsabilidades, mas, ao independên- o regime de Salazar, vinha de longe. analisar a história simultânea dos dois cia de Angola Lembra como a revolta independen- países, põe em evidência as falhas de tista de 1961 desencadeou um con- uns e outros. fronto brutal de ódio racial em que ambos os lados sofreram, depois dos Inferno e Paraíso massacres levados a cabo pela UPA A potência colonial mais antiga da (ex-FNLA) no Norte, e como Angola Europa era, ao mesmo tempo, a que mergulhou em 1975 na guerra civil, apresentava maiores debilidades. “A com as forças angolanas divididas pe- exploração durou mais tempo do que rante a impotência de Portugal em noutras colónias europeias porque fazer cumprir o Acordo de Alvor (ver a metrópole era pobre, o Estado fra- texto nestas páginas). co e mal representado, os poucos “Quando olhamos para a História capitalistas da metrópole estavam mundial, encontramos muitos exem- pouco interessados em investir e o plos de processos controversos de pequeno colono decidido a enrique- descolonização”, diz ao Ípsilon, por cer explorando o mais fraco que ele”, telefone, Douglas Wheeler, que tam- diz René Pélissier numa entrevista bém escreveu vários livros sobre a por email. “Mas isso não significa que História de Portugal. Dá o exemplo os portugueses fossem moralmente do doloroso processo da independên- piores do que os outros colonizado-

cia da Índia e da separação do Paquis- res”, sublinha. Livros

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 33 A história completa do Acordo de A festa da independên- Alvor ainda está por contar cia de Angola, celebrada a 11 A visão de que Portugal agiu de boa fé ainda é predominante. Mas há outras. Também já se de Novembro de 1975, durou disse que Alvor deu tempo ao MPLA para preparar a conquista de Luanda. muito pouco As esperanças depositadas uma fachada”, argumenta. imenso drama pessoal. O mundo AFP no Acordo de Alvor ao longo A complicar o xadrez, havia caiu aos seus pés e isso marcou- de 35 anos, tendo em vista a ainda as aspirações e os apoios os profundamente e, nalguns transferência de soberania militares dos EUA e da União casos, destruiu-os”, considera de Portugal para uma Angola Soviética, numa primeira fase, António José Telo. independente, rapidamente e depois da África do Sul e de Fernando Tavares Pimenta, se desvaneceram. Pouco Cuba, num contexto de Guerra historiador e investigador da tempo depois da assinatura, Fria em que as várias potências Universidade de Coimbra e do há exactamente 35 anos, jogavam a sua infl uência Instituto Universitário Europeu do texto que agendava a junto de cada uma das partes de Florença, nota porém que, independência para 11 de na guerra angolana. No meio nalguns testemunhos, como Novembro desse ano, os três disso, sublinha o historiador, o do general Pezarat Correia, movimentos nacionalistas “Portugal era muitas coisas, houve uma tentativa de dar angolanos entravam em guerra estava num processo de um contributo histórico. Em e muitos portugueses deixavam divisão”. Havia portugueses “A Descolonização de Angola precipitadamente o país. envolvidos no MPLA, na FNLA, – A Jóia da Coroa do Império MPLA, UNITA e FNLA junto da UNITA e da África do Colonial Português” (Editorial digladiaram-se numa disputa Sul, que preparava a invasão de Inquérito, 1991), o general, que pelo poder que fez esquecer Angola pelo Sul. fez parte da delegação que a luta de libertação e tornou Alguns livros defendem a tese negociou Alvor, chefi ada pelo desajustada a celebração de que uma afi nidade ideológica coronel Melo Antunes, contesta do acordo como momento entre o MFA, em Portugal, a ideia de um favorecimento do fundador de uma nova nação. A e o MPLA, em Angola, terá MPLA. independência foi consumada resultado num favorecimento a Fora dos testemunhos na data prevista, mas já num este último movimento através, pessoais, o exame do americano clima de guerra civil que viria a por exemplo, da atribuição Witney Schneidman, “Confronto Chegada dos intensifi car-se depois da saída de pastas ministeriais com em África – Washington e a primeiros de Portugal. maior infl uência no Governo Queda do Império Colonial retornados a O momento tinha sido muito de transição que deveria ter Português” (Tribuna da Lisboa: aguardado, mas o Acordo de sido formado, se o acordo História, 2005) destaca-se Portugal Alvor desiludiu e foi vivido tivesse avançado. Mas, nota a como um dos primeiros a ignorou a de forma atormentada pelos antropóloga da Universidade fazer “uma análise mais ou CARLOS LOPES/ARQUIVO CARLOS questão dos protagonistas dos dois lados. de Coimbra Catarina Antunes menos detalhada”, concluindo colonos no Não será pois de surpreender Gomes, “é muito plausível que o que o acordo “nunca poderia Acordo de que sejam múltiplos e reconhecimento do MPLA tenha ter funcionado”. Também Alvor divergentes os olhares que mais a ver com negociações Fernando Tavares Pimenta sobre ele se encontram nos geopolíticas” constata, na sua tese de livros sobre a descolonização de doutoramento, “Angola, os Angola. Drama pessoal Brancos e a Independência” Na vasta bibliografi a sobre o A história completa do Acordo (Edições Afrontamento, 2008), tema, uma visão domina – de Alvor continua por contar, que a situação dos colonos a de que, sob intensa pressão dizem os investigadores portugueses foi totalmente internacional, Portugal agiu entrevistados pelo Ípsilon. Os ignorada no Acordo de Alvor. de boa-fé enquanto os três testemunhos são quase todos “Faltou coragem política para “Portugal acreditava movimentos nacionalistas, apaixonados, e refl ectem uma abordar certos assuntos”, diz o que os recursos pelo contrário, mantinham a visão tão comprometida que historiador. E continua a faltar desconfi ança e a hostilidade, difi cilmente dão um quadro coragem aos historiadores para imperiais em África sem qualquer intenção real de completo do acontecimento. “A questionarem a ideia dominante cumprir o acordo. maior parte dos protagonistas de que “Portugal estava perante lhe permitiam Mas há outras versões. As vive os acontecimentos como um a inevitabilidade do fracasso”. “Memórias” (Nzila, 2005) de Iko Essa visão, sublinha, passa elevar-se acima Carreira, general angolano e nos testemunhos dos militares do seu peso no plano fi gura cimeira do MPLA, levam envolvidos, como os do general o leitor a concluir claramente “Os protagonistas Silva Cardoso em “Angola. internacional” que o acordo nunca foi feito Anatomia de uma Tragédia” para ser cumprido. “É um dos ainda vivem os (Ofi cina do Livro, 2000) e do Douglas Wheeler livros mais determinantes general Gonçalves Ribeiro em para compreender Alvor”, diz acontecimentos como “A Vertigem da Descolonização António José Telo, director do – da agonia do êxodo à cidadania Instituto de Defesa Nacional um drama pessoal. O plena” (Editorial Inquérito, Admite que podia haver “ódio” re- e autor, entre outros livros, 2002). Livros que são também lativamente a certos colonos e à ad- de “História Contemporânea mundo caiu aos seus exemplos de outra dimensão das ministração, e que será “provável que de Portugal – Do 25 de Abril à pés e isso marcou-os memórias da descolonização – a A foto de persista um ressentimento nas gera- actualidade” (Presença, 2007). de que os portugueses estavam família de um ções que conheceram a colonização”. Iko Carreira conta episódios profundamente” profundamente divididos acordo “feito O historiador, que estudou a coloni- concretos da preparação da e se sentiram traídos pelos para não ser zação contemporânea e a descoloni- guerra por algumas facções António José Telo companheiros. A.D.C. cumprido” zação de Portugal e é autor de vários angolanas a partir do fi nal de livros sobre Angola, Moçambique, 1974. O MPLA e a FNLA estavam Guiné-Bissau, Timor-Leste e a desco- a rearmar-se para a conquista lonização espanhola, faz contudo violenta de Luanda muito uma ressalva: “Quando se passou pe- antes de Alvor. “A única parte los horrores de 27 anos de guerra ci- que acreditava no acordo era vil, com todas as suas atrocidades, Portugal, e tanto o MPLA como a podemos admitir que um ódio recen- FNLA, pelo menos, o encaravam te afasta o outro, mais antigo, e que, como forma de ganhar tempo”, para a grande maioria que sobrevive explica António José Telo ao na miséria, a época colonial aparece Ípsilon. “Pela situação política como um período difícil mas em que que vivia, Portugal não tinha não se passava fome. Trata-se de sa- condições para evitar a guerra ber onde se situa o Paraíso. Não está e o importante era acelerar a à mesma distância para aqueles que saída de Angola. O Acordo de tiram partido da independência e pa- Alvor não era para cumprir. Foi ra os outros que esperavam as mara- vilhas que ainda procuram.”

34 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon projecto co-financiado pela União Europeia www.artemrede.pt

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Produção: Estrutura financiada por: Apoio:

© fotografia Margarida Dias PEDRO CUNHA PEDRO A grande Livros família espanhola

David Trueba reparte-se. É jornalista, guionista, realizador, romancista e, desde o início de 2010, crítico de televisão do “El País”. Mas mesmo muito ocupado, nunca se distrai. Prova-o com o retrato de família que faz da Madrid actual em “Saber Perder”. Rui Lagartinho

Há uma urgência que se anuncia logo que Sylvia cumpre 16 anos e organiza distorce a realidade.” E transforma tica espanhola no ano passado, pas- nas primeiras linhas de “Saber Per- uma festa só para um convidado. Por uma cidade que Leandro, o velho pro- “A crise, em Espanha saram-se oito anos: “Escrevo sem der” (Objectiva): “O desejo funciona esses dias, Lorenzo, o seu pai, que já fessor de música reformado, às vezes pressa. Neste livro isso foi importan- como o vento. Sem esforço aparente. tinha perdido a mulher, fica desem- já não reconhece nalguns prédios de pelo menos, apanhou te, porque me cabe a mim organizar Se encontrar as velas espraiadas ar- pregado, e o avô Leandro, impotente opulento passado, hoje ruínas ainda muita gente com alguma calma o aparente caos rastar-nos-á a uma velocidade verti- face ao cancro que mina a sua mulher, de pé, como ele próprio: “Gosto da em que mergulhei as minhas perso- ginosa. Se as portas e as portadas es- mergulha nos prazeres do sexo global, ideia de que as cidades se reinventam, de surpresa. nagens.” tiverem fechadas, baterá durante al- mas pago, com uma não-cidadã nige- se reconstroem a toda a hora, trans- Esses pormenores saltam aos gum tempo em busca de gretas ou de riana. E ainda há Ariel, um imigrante formadas por gente que vem de fora. Esperemos que dela olhos do leitor em momentos ines- ranhuras que lhe permitam infiltrar- legal, argentino, jogador de futebol, Isso sempre aconteceu. Com a dife- perados, como naquela manhã em se. O desejo associado a um outro que não se habituou ainda a viver rença de que hoje tudo é mais rápi- possa emergir um que Ariel, jogador de futebol chega objecto de desejo condena-nos a ele. num não-lugar dominado por um gi- do.” mundo mais curioso, cedo ao treino: “Deitou-se na relva Mas existe outra forma de desejo, abs- gantesco estádio. Todos têm pressa. para fazer os alongamentos iniciais tracta, desconcertante que nos envol- Passamos o tempo a seguir as perso- Crise da meia idade ávido de cultura, mais e agradou-lhe sentir a humidade, o ve como um estado de alma. Anuncia nagens nas suas encruzilhadas: “Às Nesta família de três gerações, sofre cheiro da relva recém–cortada. Isso que estamos prontos para o desejo e, vezes a cidade deparava-se como es- mais quem está a meio do caminho: solidário. A grande era igual em todos os campos. Aca- depois de desdobradas as velas, só ses duelos de carro para carro. A mu- se Leandro já quase não tem futuro, riciar o verde, sentir as folhas afun- nos resta esperar que sopre o vento. lher que estava atrás voltou a apitar. e a Sylvia lhe resta bastante para ne- família espanhola darem-se como uma mordidela ca- É o desejo de desejar.” Lorenzo levantou o dedo anelar e le dar cabeçadas, é Lorenzo, na casa rinhosa.” (p. 83) “Saber Perder” é um romance vas- mostrou-lho pelo retrovisor. ‘Vai para dos 40, o mais atordoado. Aquele a está sempre a discutir Ariel é argentino, não pertence à to (500 páginas), intenso, montado o caraças, imbecil’”. Noutra esquina quem o chão foge, aquele a quem e isso tem de mudar. grande família espanhola, mas vive como um filme do qual não pensamos da cidade, há uma família filipina que custa mais aprender a saber perder: no meio dos espanhóis à procura do nunca sair a meio apesar da angústia atravessa a rua e um carro estaciona- “Na vida aprendemos a jogar saben- E é na meia idade sonho. E a multiplicação dos imigran- e do sufoco que nos invade: a violên- do em cima do passeio, o que obriga do que podemos perder. A socieda- tes na história recente da vetusta Es- cia acentua-se entre o capítulo que Leandro “a manobrar penosamente” de, trituradora cruel de sonhos, não que essa revolução panha obrigou Trueba a convocá-los trata o desejo, aquele que tenta per- a cadeira de rodas da mulher (p. se consegue mudar. Muito menos para a sua selecção: “À sua maneira, ceber o que é o amor e o último, que 98). hoje que tudo está contaminado pe- tem de começar” há também uma crise que se anuncia questiona o fim da jornada. A impo- lo resultado desportivo que se aplica nestas vidas alicerçadas em dinheiro tência do leitor passivo também. É o Madrid vista da rua actualmente às regras da vida. A cri- David Trueba e fama, duas coisas muito pouco só- que acontece quando o desejo é ala- Quando já quase nos convencemos se, em Espanha pelo menos, apa- lidas. E depois há esta estranheza de vanca: o amor-combustão. de que este corte longitudinal da Ma- nhou muita gente de surpresa. O habitarem em permanência um não- Encontrámos David Trueba numa drid é uma metáfora da crise, David dinheiro e o luxo. percebemos agora lugar, o nunca serem parte integran- tarde de final de Outono bem lisboe- Trueba explica-nos porque frisou a que estão sobrevalorizados. Espere- te da cidade onde vivem.” ta, solarenga. Ainda não prevíamos paisagem: “Tinha vontade de contar mos que desta crise possa emergir A conversa com David Trueba con- um Inverno rigoroso. A borrasca que uma história, várias histórias, centra- um mundo mais curioso, ávido de firmou o que intuíramos: transparece nos ocupou é só do livro. das nas pessoas com que te cruzas na cultura, mais solidário. A grande fa- deste homem de meia idade, de bem “O desejo é um motor. Procuro que rua sem prestar atenção. Montar um mília espanhola está sempre a dis- com a vida, uma honestidade que o as minhas personagens se movam por livro com essas histórias, e entregá-las cutir e isso tem de mudar. E é na obriga a não tirar conclusões precipi- ele. É inconformista, perigoso, trans- ao leitor.” meia idade que essa revolução tem tadas, a não ter certezas, a não ser formador. É ele que une o destino das Quem faz essa montagem é tam- de começar, porque são as pessoas drástico e muito menos moralista. É três gerações duma mesma família em bém jornalista, realizador. Sabe usar que lá chegaram que estão no tempo por isso que em “Saber Perder” Ma- ‘Saber Perder’. Isso e uma inteligência a realidade do mundo para agarrar o certo para influenciar a mudança drid acaba por não implodir: “A vida intuitiva que lhes permite sobreviver. leitor: “Não me vejo a escrever um com as suas decisões. Custa a crer, é um largo rio tranquilo e apercebes- Não há tempo para muitas confissões, romance sobre uma época longínqua, visto que são as mais atingidas pela te de que há sempre um novo capítu- porque também não há quem nos ou- sobre um espaço para mim distante. crise actual. Mas temos de acreditar lo. O livro não podia por isso ter um ça. É por isso que a solidão acaba por Para mim o trabalho do escritor é dei- nessa possibilidade.” final contundente. Aliás porque no vencer todos os ‘rounds’ deste deba- xar um testemunho do mundo que Entre o segundo romance, “Quatro fim ele já não é meu”. te”, explica-nos. lhe coube viver, desafiando o tempo Amigos” (Presença, 2001), e este “Sa- A leitura de “Saber perder” é uma O desejo ataca Madrid no dia em que avança, e avança. A velocidade ber Perder”, prémio nacional da crí- experiência inesquecível.

36 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon

“Aristófanes denuncia problemas de hoje: a A existir, a cidade ideal seria aqui - ou, responsabilização dos cidadãos, a corrupção, o poder, a Além dos actores com quem traba- pelo menos, a cidade ideal tal como o riqueza acumulada por uns em detri- lha habitualmente – Rita Loureiro, dramaturgo grego Aristófanes (447 mento dos outros”, sublinha o ence- desresponsabilização Rita Durão, Luís Lima Barreto ou Már- a.C.–385 a.C.) a pensou há 2500 anos nador Luís Miguel Cintra. “A Atenas cia Breia, entre outros –, Luís Miguel atrás. Isso não significa apenas que em que imaginamos como a cidade ideal dos cidadãos, Cintra foi buscar nomes conhecidos “A Cidade”, a nova produção que o de Péricles e da invenção da demo- do entretenimento e dos palcos fora Teatro da Cornucópia ontem estreou cracia foi afinal um período curtíssi- a riqueza acumulada da Cornucópia como Bruno Noguei- em Lisboa, no São Luiz, podemos ca- mo. A democracia perfeita começou por uns em ra, Maria Rueff, Nuno Lopes, Dinarte minhar para essa urbe imaginária on- logo a sofrer enormes vícios.” Branco ou Gonçalo Waddington. de não há sentido de posse, guerra, É esse confronto entre o ideal e o detrimento dos “Pensei que era possível cada um tra- inveja, poder, ou mesmo idade. Aqui, seu contrário que surge nas comédias zer contributos diferentes e fazer um

Teatro a busca desse ideal é levada ao limite de Aristófanes, um dos pais fundado- outros. A Atenas que espectáculo coral, um grande coro do absurdo para nos fazer rir... e re- res da comédia e porta-voz privile- de primeiras figuras”. O objectivo era flectir. Podem parecer duas acções giado da vida do século V a.C. em imaginamos como “juntar actores de muitos géneros incompatíveis, mas o tema comum a Atenas, porque dele se conservam como forma de agregar ao espectá- todas as cenas de peças de Aristófanes peças completas. a cidade ideal de culo mais público, como forma de que entram no mosaico comnposto Sendo “A Cidade” uma coprodução Péricles e da invenção democratizar o espectáculo”. por Luís Miguel Cintra é o governo da do Teatro da Cornucópia e do Teatro cidade, a vida política, a organização Municipal São Luiz, onde está em ce- da democracia Paraíso perdido social. E dentro desse mosaico estão na até 14 de Fevereiro, foi possível ir “A Cidade” aqui proposta é um diver- actores com que Portugal se habitou buscar um vasto e variado elenco de foi afinal um período timento, com o humor próprio dos a rir: a equipa Maria Rueff-Dinarte actores. E porque as cenas foram se- textos de Aristófanes em contrapon- Branco-Bruno Nogueira-Nuno Lopes- leccionadas a partir de 11 peças escri- curtíssimo. A to ao humor mais premente dos dias Gonçalo Waddington, o “dream team” ta ao longo da vida de Aristófanes, de hoje. É uma escrita mais distendi- de “Os Contemporâneos” encontram-se, dentro de “A Cidade”, democracia perfeita da em que a graça demora, faz-se Nos vários textos aqui compilados, registos muito diferentes. “Dentro do começou logo a sofrer desejar, e só chega no fim. “Ao con- vícios universais e intemporais como espectáculo há cenas que lembram trário do humor que se faz actual- a ganância, a inveja, a corrupção ou os quadros de rua da revista, outras enormes vícios” mente, que é muito mais imediato o abuso de poder cruzam-se no ca- o [teatro de] boulevard, outras ainda nos resultados e acaba por ser um minho da virtude. “Aristófanes de- fazem pensar nas comédias mais so- Luís Miguel Cintra somatório de piadas rápidas, o Aris- nuncia problemas que são os mesmos fisticadas de outras épocas”, explica tófanes propõe-nos a situação em si de hoje: a corrupção, o poder, a des- o encenador. e é ela que é cómica, pelo absurdo” realça o actor Dinarte Branco. Luís Miguel Cintra deu e recomen- dou aos actores que dessem “uma grande importância ao texto, à con- tracena, à escuta e ao jogo baseado A utopia começa no outro actor”. Para o divertimento, contribuem também a mistura de figuras com trajes da Grécia Antiga e de actores com vestuário e acessórios modernos (como o jovem que saltita ao som de um leitor de mp3 enquanto o Racio- cínio Justo e o Raciocínio Injusto es- grimem argumentos sobre a melhor educação que ele deve receber), uma banda que entra e sai do palco e a aqui pose de algumas figuras mais excên- tricas. Aqui não há a máscara usada nos Em “A Cidade”, Luís Miguel Cintra cola vários textos de peças grandes anfiteatros do teatro clássico, mas o actor representa tendo a más- de Aristófanes e junta actores de mundos muito diferentes no cara em mente, e recorrendo menos à expressão facial, no oposto daquilo palco do São Luiz. Uma comédia que traça um retrato universal que é o teatro psicológico, explica Dinarte Branco. “Este texto pede que e mordaz da sociedade. Ana Dias Cordeiro haja uma exacerbação do gesto e das intenções, do drama de cada uma das personagens ou dos seus objectivos.” As personagens mais próximas do real das últimas peças de Aristófanes também se cruzam com as figuras MIGUEL MADEIRA MIGUEL alegóricas dos primeiros textos do dramaturgo: a Paz, por exemplo, é desenterrada depois de as mulheres convocarem uma greve de sexo para obrigar os homens a deixar a guerra, em “Lisístrata”, interpretada por Ri- ta Loureiro. Mas apesar de todo o humor desta cidade, também há aqui a melancolia de não atingir um ideal que se eleva no ar, como um pássaro, numa cena de “As Aves”. “Nesta peça falamos de política, de democracia, de quem quer o poder e de quem nunca o tem, e fazemo-lo de uma forma muito lú- dica e ao mesmo tempo pesada”, diz a actriz Luísa Castro. E conclui: “Há um momento do espectáculo em que tudo se torna absurdo, sinistramente absurdo, até que na última parte há Para o cómico um desanuviar quase para uma terra de situação de ninguém, em que o próprio actor contribuem e os espectadores são libertados da- também a quele peso. Como se houvesse uma mistura de utopia que se percebe mas não se figuras da consegue alcançar, uma espécie de Grécia Antiga paraíso perdido, ou ainda não encon- e de actores trado.” com vestuário e acessórios Ver agenda teatro na pág. 41 modernos

38 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon Pode uma história de pedofi lia ser uma história de amor? Ele abusou, ela foi abusada. Podia ser uma história simples, mas “Blackbird”, a peça de David Harrower que Tiago Guedes encenou, é sobre “tudo o que não pode ser dito”. Alexandra Prado Coelho

o que querias. Não eras como as ou- Una (Isabel tras crianças”. Abreu) tinha No fundo, diz Isabel Abreu, “ela 12 anos vem à procura do ‘diz-me que aquele quando se MARGARIDA DIAS MARGARIDA amor existiu, que eu não enlouqueci, apaixonou (ou diz-me que não te esqueceste de quando foi mim’, embora as palavras que lhe sa- abusada, é em sejam diferentes”. Nessa altura já aqui que esta nós acreditamos naquela história de peça se divide amor. Mas Harrower há-de puxar-nos ao meio) por o tapete, desta vez violentamente, e Ray (Miguel nós havemos de ficar sem saber o que Guilherme) pensar. A peça “não desculpa os pedófilos”, frisa Tiago Guedes, mas leva-nos a “pôr em causa todos os nossos pre- conceitos enquanto sociedade e a forma como olhamos para certo tipo de relações e como as padronizamos”. A sociedade não se sai muito bem. Isabel fez uma pesquisa sobre o tema para perceber a marca que a reacção da sociedade deixou na Una. “O que é terrível é que, em muitos casos, as crianças não se sentem abusadas por- que amam e compactuam, embora sempre com a noção de que aquilo é proibido. Temos a justiça a entrar por um lado e por outro a vítima a dizer ‘mas eu amo’”. Para além do abuso Foi o olhar da sociedade sobre eles depois do fim abrupto da fuga e da Até àquela frase podia ser apenas uma tras palavras, é pedófilo. Mas depois “Este homem é condenação de Ray (ela revela-lhe que história de amor que correra mal. A não há espaço para outra coisa para sempre o protegeu, que mentiu ga- rapariga que volta, passados anos, além dessa palavra. Eu acho que é pedófilo, não há rantindo a todos que ele nunca lhe para confrontar o homem com um esse espaço que [o autor] quer pre- tocara) que leva Una a olhar para essa passado que ele quer esquecer. Que encher. O espaço que não existe para outras palavras. Mas criança de 12 anos e esquecer a rapa- lhe atira à cara acusações. “Tu fizeste lá da palavra pedofilia, e que é um riga “forte e determinada” que está de mim um fantasma. As pessoas fa- espaço enorme”. depois não há espaço na memória dele. lavam de mim como se eu não esti- Por enquanto, ainda estamos pre- Todos lhe disseram que ela era “um vesse presente”. E de quem ele se sos naquela sala dos fundos de um para outra coisa. corpo imaculado” e ela quis acreditar defende fugindo. “Tu não tens direito escritório qualquer, cheia de lixo es- É esse espaço para lá nisso. Para um dia – este dia – lhe po- à minha humilhação”. palhado no chão, restos de comida, der dizer que o odeia por ele ter abu- Teatro Mas depois surge aquela frase. “Com copos, latas. E ainda estamos presos da palavra pedofilia sado dela. E para o obrigar a repetir quantas raparigas de 12 anos é que na palavra “pedofilia”. Até que surge essa palavra – “abuso”. Ele repete, fodeste mais?”. E já não há escapató- aquela outra frase. “Eu era muito no- que o autor quer porque também não quer falar de ria. As palavras estão lá, “brutais co- va, estava muito apaixonada”. E o amor. Mas tropeça nas palavras. “Eu mo as palavras podem ser”, diz Mi- tapete debaixo dos nossos pés deslo- preencher” nunca amei... nunca desejei mais nin- guel Guilherme, o Ray Peter de “Bla- ca-se ligeiramente. guém com aquela idade”. E ela acaba ckbird”, peça do britânico David “O que me interessou na peça foi a Miguel Guilherme por lhe dizer aquilo que a levou ali, Harrower encenada pelo cineasta Tia- complexidade disto tudo”, explica 15 anos depois daquela noite: “Tu go Guedes que está na Sala Estúdio Tiago Guedes. “[David Harrower] outro, desde esse primeiro dia, “o dia deixaste-me sozinha a sangrar... dei- do Teatro Nacional D. Maria II, em lança-nos um tema tabu, uma trans- do churrasco”, até aos bilhetes que xaste-me apaixonada”. Lisboa, até 21 de Fevereiro. gressão, depois começa a desmistifi- ela lhe deixava, os pretextos para se Miguel Guilherme compreende Ray. E de repente esta é uma história de cá-lo, e damos por nós a acreditar verem, os encontros no parque, no Mas lembra novamente que, quando pedofilia. E Una (Isabel Abreu) já não numa história de amor. E temos um meio dos arbustos, e finalmente a fu- estamos perante a pedofilia, “não há é uma mulher abandonada, é uma conflito interno, por estarmos a acre- ga, aquela noite terrível em que pen- espaço para excepções”. “Ele diz que criança abusada, uma vítima daquele ditar que aquele amor é possível e ao saram que iam ficar juntos e se sepa- cometeu um erro, mas para nós ele homem, preso durante três anos por mesmo tempo não querermos acre- raram para sempre. cometeu um crime. Não há uma pala- aquilo a que ele chama um “erro”. Ela ditar que aquilo seja possível, por to- Agora ela volta, 15 anos depois, pa- vra para inventar este amor. Ela com esteve presa muito mais (“cumpri a das as razões”. Interessou-lhe tam- ra encontrar um homem que mudou 12 anos será sempre um objecto, nun- tua sentença durante 15 anos, revivo bém “a forma como o texto é cons- de nome e de vida e dizer-lhe “eu era ca um sujeito. Nós, a sociedade, não o que se passou todos os dias”). “Tu truído, como uma pauta musical, uma menina, uma virgem, um corpo conseguimos imaginar que ela possa sabes que eu não era um desses”, diz- onde quase se ouve como ele quer imaculado”. E para o ouvir dizer que fazer a sua própria escolha. Ela é o lhe Ray. “Ele nem o nome consegue que eles falem”. não. “Não te lembras de ti, de como objecto do abuso e ele será sempre o pronunciar. Nunca se considera um tu eras. Forte, determinada, sabias o sujeito do abuso. A peça é tudo o que pedófilo”, sublinha Miguel Guilher- Um corpo de 12 anos que querias. Tu sabias mais sobre o não pode ser dito para além disso”. me. “Há coisas que são muito concre- A história continua, as memórias de amor do que ela [a namorada dele na tas: este homem abusou, não há ou- um a serem completadas com as do altura] sabia, do que eu sabia, sabias Ver agenda de teatro na pág. 41

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 39 Revista à portuguesa,

JOSÉ FRADE JOSÉ porque não? Teatro

O teatro de revista é tabu, e portanto em vez de não lhe tocarem os Primeiros Sintomas fazem-se a ele. É “Maria Mata-os”, em cena até dia 20 no Teatro Municipal Maria Matos. Cláudia Silva

Como mexer num ninho de vespas e Fátima Lopes tem muito a estrutura aqui no Parque Maria Matos porque uma revista? Num primeiro momen- sobreviver sem ser picado - ou sem de revista. Tem humor, tem atracção o Santana perdeu as eleições”. Ou “Sabemos que o to, não souberam responder. Após sequer ter de lidar com as vespas? É musical e tem um momento sério, em ainda: “E então agora temos o Costa/ alguns minutos, esboçaram algumas neste território que Bruno Bravo e que se chora um bocado”, observa Não o do castelo, mas o do PS/Lá vem teatro de revista é um respostas. Primeiro, esta revista não Gonçalo Amorim, da companhia Pri- Gonçalo Amorim. Mesmo assim, este o António Costa que a gente vota-lhe/ género. Porque não é feita com actores de revista. Segun- meiros Sintomas, se encontram em “Maria Mata-os” tem crítica social e que ele também montou uma barra- do: “Já não somos do tempo em que “Maria Mata-os”, a revista à portu- política de cariz cómico, característi- quinha no Parque Mayer/ Montam fazer? Ainda por cima a revista era um substantivo. A revis- guesa que está desde terça-feira e até cas que definem o teatro de revista. todos”. ta [agora] é um adjectivo: isto é revis- dia 20 no Teatro Municipal Maria E não é necessariamente uma revista Tal como o político, daqui também é um tabu, é onde teiro. Não conhecemos a revista subs- Matos, Lisboa. Neste século XXI em de 2009, porque há acontecimentos não saem ilesos o turista, a vedeta, a tantivo, por isso não sabemos exac- que “tudo o que é sólido se desman- de 2008 aqui misturados, como a gre- identidade do português e até o pró- nos sentimos bem. tamente o que é e o que não é revista cha no ar”, pegar num género de ve de camionistas que deixou as pra- prio teatro. É esta descontinuidade neste espectáculo”, diz Gonçalo. Mas teatro que passou da glória à deca- teleiras dos supermercados portugue- narrativa que permite falar sobre tudo Estamos a abrir para todos os efeitos, concluem, “Ma- dência, do conceito ao preconceito, ses praticamente vazias. Os temas, na mesma peça que interessou aos uma fenda, a nós ria Mata-os” é uma revista. “Passamos é ousadia, para não dizer uma afron- explicam, são os do “senso comum”: jovens criadores da Primeiros Sinto- em revista o nosso próprio trabalho ta. Tipo mexer num ninho de vespas “À volta do sexo, da xenofobia, do fu- mas, companhia que em 2011 com- agita-nos” como actores. Falamos de direitos do e fugir dali a sete pés, para ver o que tebol, e com alguma superficialida- pleta dez anos. Fazer uma revista, autor. É a revista dos Primeiros Sin- acontece a seguir? Sim e não. Em ter- de”, diz Bruno Bravo. Miguel Castro dizem Gonçalo Amorim e Bruno Bra- Gonçalo Amorim tomas”. E tem muitos sintomas dessa ra de vespas, tudo é dialéctico, per- Caldas, o autor do texto, “tentou um vo, tem o bom sabor do teatro popu- geração que veio a seguir à revista: cebemos em conversa com os ence- refrescamento dos conteúdos sem lar, dessa comunicação “muito direc- uma geração de jovens criadores mar- nadores num dos camarins do Maria rejeitar a tradição, brincando com o ta com o espectador”. cada pela tradição do teatro indepen- Matos, cinco dias antes da estreia. A senso comum, nunca falhando o dente do pós-255de de Abril b e queque única verdade absoluta, e não dia- tom”, completa. A revista em revista se habituou a oolharlhar para a léctica, é que estes jovens encenado- O teatro de revista surgiu em Paris, frente. Mesmoo quando, res não quiseram reproduzir uma Broadway à portuguesa no final do século XVIII, descenden- De momento, só praticamente o Te- como agora, parece revista à moda antiga. Mas chamam A ideia de trazer à tona o Parque do da tradição do “vaudeville”, mas atro Maria Vitória, no Parque Mayer, estar a fazer eexacta-xacta- a “Maria Mata-os” uma revista por- Mayer veio depois, porque os jovens foi em meados do século XX que al- o mantém vivo. mente o contrário.ário. que acreditam que isto pode ser tudo criadores chegaram à conclusão de cançou popularidade na Europa. É Por causa do tabu que se criou em o que se quiser. E é possível fazer re- que não fazia sentido não falar da- sobretudo um género de gosto po- torno deste género, a grande pergun- Ver agenda dee tea-tea- vista, nos dias de hoje, sem falar no quele que foi o centro da revista à pular, conhecido por crítica social ta é se “Maria Mata-os” é mesmo uma tro na pág. 41 Parque Mayer? Nem por isso. portuguesa; durante 80 anos, o Par- ácida, sátira política e números mu- revista. “Todos os jornalistas que nos “Quando começamos a pensar em que Mayer foi um fenómeno na Eu- sicais com uma certa dose de sensu- entrevistaram perguntaram-nos se fazer uma revista, há dois anos”, vão- ropa, uma “Broadway à portuguesa”. alidade e comédia. Durante o Estado isto é uma revista”, conta Gonçalo nos contando Gonçalo Amorim e Bru- “Não tivemos nenhuma intenção de Novo, em Portugal, foi um especta- Amorim. A resposta: “Sabemos que Fazer revista no Bravo, “foi mais pela ideia de pas- reabilitar o Parque Mayer, apesar de cular sucesso de audiências, porque o teatro de revista é um género. Por- tem o bom sar o ano em revista, como costuma- ele lá estar”, sublinham - e de facto se falava ali, em cima do palco, do que não fazer? Ainda por cima é um sabor da vam fazer as grandes revistas no está com uma veemência inquestio- que não se podia falar cá fora. Mas tabu, é onde nos sentimos bem. Esta- comunicação passado”. Depois perceberam que os nável, como constatámos na fala do nos dias de hoje, em que é permitido mos a abrir uma fenda, a nós agita- “muito jornais já fazem isso. E a televisão Compère: “O Santana ia reabilitar a falar de tudo em qualquer lugar, o nos”. O Ípsilon fez-lhes a pergunta ao directa” com o também: “O programa da manhã da revista/ O Parque Mayer/Nós estamos género está quase no esquecimento. contrário: o que há aqui que não é espectador

40 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

“Com o Bebé Somos Sete”, até ao fi m do mês no Clube Estefânia

palco propriamente dito vai uma Aldara certa distância, descobriu Aldara Agenda Bizarro a meio do caminho: “Os momentos certos nunca são muito Teatro Guilherme, Isabel Abreu, Constança Bizarro certos, ou então não há de todo Rosado, Filipa Rebelo, Margarida momentos certos. Há dificuldades Estreiam Lopes. tem o seu que obviamente aparecem quando Lisboa. Teatro Nacional D. Maria II - Sala Estúdio. Pç. D. Pedro IV. Até 21/02. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. não se dança há dez anos. Como no La Musica - Dois Actores e Um às 16h15. 6€ a 12€. momento tiro ao arco japonês, foi preciso Piano Ver texto na pág. 39. criar as condições para o regresso. De Marguerite Duras. Encenação de Trabalhar o corpo não foi nada Solveig Nordlund. Com Carla Maciel, Maria Mata-os Dez anos depois da última fácil, já me tinha esquecido que Manuel Wiborg. De Miguel Castro Caldas. Pelos Lisboa. CCB - Pequeno Auditório. Praça do Império. Primeiros Sintomas. Encenação de vez, Aldara Bizarro teve para fazer o que quer que seja em De 21/01 a 25/01. 2ª, 5ª, 6ª e Sáb. às 21h. Dom. às Bruno Bravo e Gonçalo Amorim. vontade de voltar a dançar. palco é preciso ter um domínio 16h. Tel.: 213612400. 12,5€ a 15€. técnico absoluto”. Depois desse Com Anabela Brígida, Bruno Bravo, Mas a vontade, descobriu Continuam Bruno Simões, Catarina trabalho, feito à base de muitas Mascarenhas, David Almeida, entre em “Hanare”, que está hoje e horas de ioga e de muitas sessões de A Cidade outros. amanhã na Culturgest, não é ensaio com Francisco Camacho, De Aristófanes. Pelo Teatro da Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei parceiro de Aldara Bizarro nesta Miguel Contreiras, 52. Até 20/01. 2ª a Sáb. às 21h30. Cornucópia. Encenação de Luis Tel.: 218438801. 5€ a 12€. tudo na vida. Inês Nadais empreitada (juntamente com o Miguel Cintra. Com Márcia Breia, músico Nuno Rebelo), foi preciso Nuno Lopes, entre outros. Ver texto na pág. ao lado. “reaprender a comunicar com o Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria Hanare Cardoso, 38-58. Até 14/02. 4ª a Sáb. às 21h. Dom. às Dança público”, assunto em que, na sua Com o Bebé Somos Sete De Aldara Bizarro e Francisco 16h. Tel.: 213257650. 12€ a 25€. primeira encarnação como De Paula Vogel. Encenação de Marta Camacho. Com Aldara Bizarro. Ver texto na pág. 38. bailarina, “não pensava muito Lapa. Com Cristina Carvalhal, Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. R. Arco do Margarida Gonçalves, Sérgio Praia. Cego, Ed. CGD. De 15/01 a 16/01. 6ª e Sáb. às 21h30. porque fazia intuitivamente”. Blackbird Lisboa. Clube Estefânia. R. Alexandre Braga, 24-A. Tel.: 217905155. 5€ a 15€. Por força das circunstâncias, o De David Harrower. Encenação de Até 31/01. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.: poder e os limites da vontade Tiago Guedes. Com Miguel 213542249. 7,5€ a 10€. Aldara Bizarro lembra-se da transformaram-se no centro da quantidade de vezes que ouviu peça: “A vontade é um tema perguntar “Ó Aldara, quando é que vastíssimo, que explorámos com o voltas a dançar?” e lembra-se da acompanhamento de uma filósofa. altura em que isso “começou a fazer Pusemos um grande papel na sentido”: “De repente passou a ser parede onde escrevemos tudo o que necessário para mim passar outra se relacionasse com a vontade: força vez pelo processo de ir para o palco de vontade, vontade de ferro, estar à para me sentir completa enquanto vontade. E acabámos por focar-nos artista e enquanto pessoa. Dançar eu na vontade de poder e no momento sempre dancei, mas uma coisa é da autodeterminação, que o dançar como coreógrafa e outra é Francisco queria muito trabalhar”, dançar em cima do palco”, explica continua Aldara Bizarro. Dos ao Ípsilon a propósito de “Hanare”, exercícios feitos nessa zona resultou o seu “comeback”, que teve estreia “uma figura que vai passando por em Guimarães em Dezembro e agora várias vontades, sempre à procura, e se apresenta em Lisboa, na que acaba por não concretizar Culturgest. O título é já todo um grande coisa”. Essa figura, supomos, programa: no tiro ao arco japonês, não é propriamente uma projecção “hanare” significa “o momento da rapariga que decidiu que já era Aldara Bizarro faz tiro ao palco certo” para disparar. altura, dez anos depois, de voltar a em “Hanare”, hoje e amanhã Mesmo sendo este “o momento fazer tiro ao arco. Essa, ao que tudo na Culturgest certo”, da vontade de palco ao indica, acertou no alvo.

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 41 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Número dos “Cahiers a década revelou; du Cinéma” a não e ainda o “top” doss perder: os fi lmes da anos 2000 por gentente Década década. E o fi lme é? como Tarantino, PPedroedro “Mulholland Drive”. Costa, Nanni Morettietti João Pedro Rodrigues ou Asia Argento. e Miguel Gomes A seguir nos integram o grupo próximos topos... dos 15 cineastas que, segundo a revista,

É da culpa do nazismo que persegue a memória alemã e austríaca que Haneke fala? como não surpreenderá ninguém que este seja, muito provavelmente, o seu melhor filme de sempre.

Fellini para americano ver

Nove Nine De Rob Marshall, com Daniel Day-Lewis, Marion Cotillard, Penélope Cruz, Nicole Kidman, Judi Dench, Kate Hudson, Sophia Loren, Stacy Ferguson. M/12 MMnnn

Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h20, 18h50, 21h40 6ª 16h20, 18h50, 21h40, 00h20 Sábado 13h30, 16h20, 18h50, 21h40, 00h20 Domingo 13h30, 16h20, 18h50, 21h40; Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h30, 18h40, 21h40, 00h10; CinemaCity Alegro mesmos temas com os mesmos tema da culpa, que Haneke explora Alfragide: Cinemax: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h10, Estreiam 18h30, 21h40, 24h Sábado Domingo 11h30, 13h50, métodos clínicos e austeros, embora elegantemente através da sua elisão. 16h10, 18h30, 21h40, 24h; CinemaCity Campo aqui com uma diferença de base por Numa comunidade temente a Deus e Pequeno Praça de Touros: Sala 2: 5ª 6ª Sábado comparação com os filmes às leis divinas, a culpa é impensável Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h15, 18h40, 21h30, Em nome 24h; Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª Sábado

Cinema anteriores. Trata-se de um filme de porque isso implicaria que ninguém Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h, época, ambientado na Alemanha é quem diz ser e que todos têm algo 00h15; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 6ª dos fi lhos rural nos meses anteriores ao eclodir a esconder — e, contudo, a própria Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h15, 21h45, 00h20 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h15, 21h45, da I Guerra, e essa transposição para paz de Eichwald depende de 00h20; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 2: 5ª 6ª Sábado A Palma de Ouro em Cannes o passado parece permitir ao ninguém ter nada a esconder. Tal Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h10, 18h45, 21h20, espectador um outro como as video-cassetes de “Nada a 24h; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado é uma alegoria rigorosa, Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 19h, 21h50, distanciamento. E tal como em Esconder” serviam como impulso 00h30; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado ascética, que fala da culpa “Nada a Esconder” (2004), há um revelador, os misteriosos incidentes Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h40, 21h20, semblante de género: o fio condutor de Eichwald trazem à superfície uma 00h10; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª com um virtuosismo formal Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13hh10, 15h50, 18h40, quase ofensivo. Jorge da história é um mistério policial, à verdade que todos reprimem ou 21h20, 24h; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª volta de uma série de incidentes escondem mas que ninguém Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50, Mourinha estranhos que perturbam uma confessa ou assume. 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h35, 18h45, aldeia alemã. É da culpa do nazismo que 21h35, 00h15; ZON Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h55, 18h40, O Laço Branco Ou seja: e se “O Laço Branco”, que persegue a memória alemã e começou vida como uma ideia para austríaca que Haneke fala? 21h50, 00h30; Castello Lopes - Fórum Barreiro: Sala Das weisse Band 4: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h50, 18h40, 21h30 6ª 15h50, De Michael Haneke, uma mini-série televisiva, Provavelmente – mas isso é fixar 18h40, 21h30, 00h20 Sábado 13h10, 15h50, 18h40, 21h30, 00h20 Domingo 13h10, 15h50, 18h40, com Christian Friedel, Ernst Jacobi, confirmasse Haneke como um uma interpretação que o realizador cineasta rigoroso e inteligente, cujos dificilmente aceitaria como única. O 21h30; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª Leonie Benesch. M/16 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 18h30, 21h30, 24h Sábado evidentes talentos de contador e que é certo é que é de pais e filhos Domingo 13h, 15h30, 18h30, 21h30, 24h; UCI MMMMn organizador tivessem sido que ele fala, do modo como os Freeport: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 16h, 19h15, 21h55 6ª obscurecidos pelas estratégias pecados ou as graças dos pais 16h, 19h15, 21h55, 00h30 Sábado 13h30, 16h, 19h15, 21h55, 00h30 Domingo 13h30, 16h, 19h15, Lisboa: Medeia Fonte Nova: Sala 2: 5ª 6ª Sábado narrativas provocadoras dos seus marcam os homens e mulheres que 21h55; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h, 18h, 21h30; Medeia filmes? Sobretudo num filme onde a os seus filhos e filhas virão a ser. E Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 18h20, King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª 13h20, 16h, 18h50, 21h05, 23h55; 21h30 6ª Sábado 2ª 13h20, 16h, 18h50, 21h30, destilação precisa e segura, quase pelo meio das inferências, elipses, 00h15; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: virtuosa, das suas “marcas sugestões e possibilidades que o Porto: Arrábida 20: Sala 15: 5ª 6ª Sábado 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15, registadas” dentro de um universo filme lança, a única certeza é que o 19h, 21h45, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h15, mais acessível impõe aqui um outro “ontem” de Haneke tem muito a ver 18h15, 21h30, 00h25 Domingo 11h30, 15h15, 18h15, respeito, força uma outra atenção? com o “hoje” em que vivemos. À 21h30, 00h25; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª É, no entanto, não contar com a medida que os mistérios de Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h35, 17h, 21h10, 00h15; perversidade Hanekiana. Apesar das Eichwald se vão adensando, que a Porto: Arrábida 20: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo inclemências das duas “Brincadeiras crueldade dos adultos e das crianças 2ª 3ª 4ª 15h10, 18h10, 21h20, 00h25; Medeia Perigosas” (1997 e 2007) ou da se vai revelando, o austríaco Cidade do Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª “Pianista” (2001), nunca o seu sublinha por empatia as 3ª 4ª 14h30, 18h15, 21h45; cinema foi tão teatro da crueldade semelhanças desta Se há um cineasta europeu como em “O Laço Branco” – e a comunidadezinha com o mundo em contemporâneo que temos tido a expressão “teatro” é adequada a um que vivemos, o modo como a série ípsilon II oportunidade (rara hoje em dia) de filme que denuncia o teatro social de história e o contexto tecem laços e acompanhar continuamente, esse uma comunidade onde os códigos teias de causalidade no que pode cineasta é o austríaco Michael feudais patriarcais ainda resistem e não passar de coincidência. Fá-lo Haneke – desde as “Brincadeiras onde a liberdade pessoal de nada num rigoroso preto e branco de um Sexta-feira, Perigosas” originais (1997) que o conta face à lei do pai ou de Deus (no ascetismo quase calvinista, dia 22 de Janeiro, revelaram internacionalmente, toda caso, vai dar ao mesmo, porque aqui subvertendo continuamente os o DVD “Control”, a sua obra chegou às nossas salas, o o pai é Deus, como explica a códigos e as regras do género que de Anton Corbijn. que é tanto mais peculiar quanto se personagem do pastor). respeita à superfície. trata de um dos autores menos Toda a gente neste filme “O Laço Branco” é um filme que, Todas as sextas, unânimes da actualidade. “O Laço representa um papel dentro de uma tal como as suas personagens, não é Branco”, Palma de Ouro em Cannes estrutura rígida onde até os pecados bem aquilo que parece ser. Mas isso, “Nove”: valeu a pena tanto por €1,95. 2009, não é excepção à regra – dos pais parecem estar vindo de Michael Haneke, já não esforço e tanta estrela para 20anos Haneke continua a perseguir os predestinados – e isso leva-nos ao devia surpreender ninguém – tal resultado tão limitado?

42 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon Jorge Luís M. Mário Vasco As estrelas do público Mourinha Oliveira J. Torres Câmara Avatar mmmnn mnnnn mmnnn mmnnn Cinzas e Sangue mnnnn nnnnn mnnnn nnnnn Estrela Cintilante mmmmn nnnnn nnnnn mmmnn A Estrada mmmmn nnnnn nnnnn mnnnn O Laço Branco mmmmn nnnnn nnnnn mMnnn Nove mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn $9.99 mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn Sherlock Holmes mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn O Sítio das Coisas Selvagens mmmnn mmnnn nnnnn mmnnn Um Profeta mmmmn mmmmn mmmmn mmmmn

Domingo 2ª 13h50, 16h35, 19h15, 21h55, 00h40 3ª Marshall depende do elenco para Continuam Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado ser determinado, e subtilíssimo, a 4ª 16h35, 19h15, 21h55, 00h40; Medeia Cidade do prender o espectador a um Domingo 2ª 3ª 4ª 18h10, 20h55, 23h45; desprendê-lo e a criar o seu mundo Porto: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª Porto: Arrábida 20: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 14h20, 16h40, 19h30, 22h; ZON Lusomundo Dolce espectáculo algumas vezes histérico próprio. Vasco Câmara. 2ª 14h05, 16h45, 19h25, 22h10, 00h55 3ª 4ª 16h45, Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª e levado aos limites do irrisório. E se 19h25, 22h10, 00h55; Medeia Cidade do Porto: Sala 13h20, 16h, 18h50, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo Estrela Cintilante Sophia Loren consegue conferir 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 17h, Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª Bright Star O Sítio das Coisas Selvagens 21h30; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª 13h10, 15h50, 18h40, 21h30, 00h20; ZON algum sopro de vida à figura da mãe, De Jane Campion, Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 21h30, 00h20; Where the Wild Things Are Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado a Cláudia de Nicole Kidman (uma com Paul Schneider, Thomas Sangster, De Spike Jonze, Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h40, 18h40, 21h40, caricatura patética de Anita Ekberg) Um amor bordado em reserva e 00h30; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Abbie Cornish, Kerry Fox. M/12 com Catherine Keener, Max Records, Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h50, 18h40, não escapa a uma aura de ridículo retenção. E às vezes pica, e às vezes Mark Ruffalo. M/12 21h30, 00h15; ZON Lusomundo Glicínias: 5ª 6ª que quase destrói todas as MMMnn os planos são agrestes, como nos Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h40, 17h35, 21h10, sequências em que entra. melhores momentos de Jane 00h20; MMMnn Quer isto dizer que é um Lisboa: Castello Lopes - Londres: Sala 2: 5ª Campion. É um filme sobre a teia que O musical como género maior está irremediável desastre? Nem tanto, Domingo 2ª 3ª 4ª 14h15, 16h45, 19h15, 21h45 6ª o poeta John Keats e Fanny Brawne, Lisboa: CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 6: 5ª 6ª Sábado 14h15, 16h45, 19h15, 21h45, morto e quase todas as tentativas na medida em que encena, com recatada vizinha, mas obcecada pela 2ª 3ª 4ª 13h30, 18h35, 21h55, 00h10 Sábado 00h15; CinemaCity Campo Pequeno Praça de Domingo 11h35, 13h30, 18h35, 21h55, 00h10; Medeia para o ressuscitar acabam por alguma elegância, um mundo de Saldanha Residence: Sala 8: 5ª 6ª Sábado funcionar como evidências de uma decadência, uma espécie de Itália do Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h, 18h, 20h, 22h, adiada certidão de óbito. Rob pós-neorealismo estereotipada, para 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 8: 5ª 6ª Seja responsável. Beba com moderação. Sábado 2ª 3ª 4ª 14h30, 16h45, 19h15, 21h30, 23h50 Marshall tentara, em vão, apesar da consumo americano. Mas Domingo 11h30, 14h30, 16h45, 19h15, 21h30, chuva de Óscares, com “Chicago” funcionará esta farsa tresloucada 23h50; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado (2002) emular Bob Fosse, já de si um para quem não possua os referentes Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h10, 18h10; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª produto serôdio e contraditório. mínimos? Não parece. O que mais 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h, 21h40, 00h20 ; ZON Agora, com “Nove”, vem pode irritar um espectador europeu Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado instrumentalizar o universo de familiarizado com Fellini acaba por Domingo 2ª 3ª 4ª 21h05, 23h30; ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª Fellini, repegando nas imagens transformar-se no trunfo maior do 13h15, 16h, 18h35, 21h15, 23h50; ZON Lusomundo icónicas de “Oito e Meio”, cruzado “pastiche”. Não é um número como Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª com memórias de “A Doce Vida”, e o das “Folies Bergere” que resgata 13h, 15h25, 17h50, 21h50; acrescentando-lhe uma banda “Nove” da inanidade, mas a Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h20, 16h35, 19h, 21h25, 00h05 3ª 4ª 16h35, sonora cacofónica, a fazer pastiches presença do realizador menino, na 19h, 21h25, 00h05; ZON Lusomundo Dolce Vita de Kurt Weill, Sondheim ou Jerry praia com a prostituta, ou a Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, Herman, sem uma linha condutora sequência do tentado suicídio de 16h20, 19h, 21h50, 00h15; única que faça sentido. Penélope Cruz, pelo excesso da Embora a sua inspiração nominal Na figura de Guido Contini, visão. Ou ainda, o interesse que seja uma das mais aclamadas obras realizador num impasse criativo, revelamos em saber se Nicole da literatura infantil americana, Daniel Day-Lewis fornece a caução Kidman vai ou não entrar na fonte, muito dificilmente podemos chamar estelar necessária, cantando e em explícita citação de “A Doce ao novo filme de Spike Jonze “para encenando um espectáculo Vida”. miúdos”. Porque o que interessa ao autoreflexivo e violentamente Quer dizer, se como musical o realizador é o modo como tudo o biográfico. Para quem viu Fellini filme se fica pela mediania bem que vivemos na infância funciona com olhos de ver, tudo soa a um intencionada, não deixa de Para quem leva o riso bem a sério e se aplica na boa disposição, por reflexo, complementaridade, aproveitamento oportunista. De constituir um curioso exercício de a Jameson preparou um conjunto de festas verdadeiramente divertidas. oposição ao mundo adulto. E, nesse qualquer modo, a estranheza da vampirismo cinematográfico que os Entre num caso sério de gosto pela vida. Há poucas oportunidades assim. aspecto, é muito mais um filme precipitada colagem resulta bem à “fellinianos” (ou não) observam com sobre o equilíbrio precário de se ser personagem da amante, Carla, complacência. miúdo num mundo que já não tem a interpretada por Penélope Cruz, a Questão final e decisiva: valeu a www.jameson.pt paciência nem a capacidade de provar os seus dotes de matrona pena tanto esforço e tanta estrela invenção da infância, e uma italiana que Almodóvar explorara para resultado tão limitado? A tentativa de a recuperar “a em “Volver”, e a dar vida ao melhorlhor respostaresposta nnãoão ppodeode resumresumir-seir-se a um posteriori” – de, como diz uma das número musical do filme, em simplessimples sim ou não. O qqueue personagens às tantas, “manter a arrojados vermelhos vivos. Tambémbém apeteceapetece ddizerizer é qque,ue, sem tristeza lá fora”. “O Sítio das Coisas Marion Cotillard constrói uma fazerfazer justiça a Fellini, TourToTTouros:os: Sala 6: 5ª 6ª Sábado DominDomingog 2ª 3ª costura, teceram para si próprios. Selvagens” transforma-se assim 44ª 113h55,3h55, 18h30,18h30, 21h20,21h20, 23h50;23h50; MedeiaMede imitação credível de Giulietta podepode servir dede SSaldanhaaldanha Residence: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Uma teia só suavemente ancorada a numa elegia libertária que resiste até Masina, rebaptizada aqui de Luísasa pretextopretexto pparaara o Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h30, 118h50, este mundo e que a morte precoce de onde for possível à entrada na idade Contini. reverrever no original. 221h30,1h30, 00h15;00h15; UCI Cinemas - El CCorte Keats, aos 25 anos, em 1821, vítima de adulta, mas a que falta um pouco InglInglés:és: SalaSala 1: 5ª 6ª SáSábadobado 22ª 3ª 4ª Pelo já dito, torna-se claro comomo AssimAssim funcionafunciona a 14h0114h05,5, 1616h40,h40, 1919h15,h15, 2121h45,h45, 00h15 tuberculose, desprendeu mais de maravilhamento e de indústria,indústria, assim se DomiDDomingongo 11h30,11h30, 14h05,14h05, 116h40,6 completamente. O sortilégio deste embalo, um pouco menos de revelamrevelam os meandrosmeandros 19h1119h15,5, 2121h45,h45, 0000h15;h15; ZZONO filme é, também, ancorar confusão e neurose para fazer a LusomundoLusomundo Amoreiras:Amoreiras 5ª 6ª dada “adaptação”.“adaptação”. SábadoSSábado DominDomingogo 2ª 33ª 4ª 13h, suavemente o filme às convenções do ponte com o espectador. É um filme Esperemos,Esperemos, no 15h40,15h40, 18h2018h20,, 21h1021h10,, 223h50;3 ZON filme de época (é filme difícil porque superiormente inteligente que se LusomundoLusomundo Oeiras PaParque:r 5ª entanto, qqueue nnãoão se 6ª Sábado Domingo 22ª 3ª 4ª facilmente alguém o despacha para a admira à distância mais do que nos lembrem de nos 1818h40,h40, 2121h30,h30, 0000h20;h20; ZON categoria “prestígio, tipo BBC”) mas emociona. J. M. ofereceroferecer versões musicaismusicais dede “O Leopardo”Leopardo” ouou de “O Eclipse”.Eclipse”. MárioMário JorgeJorge TorresTorres

“Estrela Cintilante”: o sortilégio deste fi lme é estar ancorado às convenções do “fi lme de época” e ser determinado a criar o seu mundo próprio “O Sítio das Coisas Selvagens”: um fi lme que se admira à distância mais do que nos emociona

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 43 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Filme da Kinji Fukasaku. Seguem- “Lost in Translation”, década para se “Anything Else”, Sofi a Coppola; “Shaun of Quentin Woody Allen, “Audition”, the Dead”, Edgar Wright; Cinema Décadaada Tarantino, Takashi Miike; “Before “Team America”, Trey nos “Cahiers Sunset”, Richard Parker; “There will be du Cinéma”: Linklater; “Cabin Fever”, Blood”, Paul Thomas “Battle Eli Roth; “O Protegido”, Anderson Royale”, M. Night Shyamalan;

Cinzas e Sangueue EuropaEuro de Leste precipitada pelo Cendres et sangg regrregressoe à terra natal de uma viúva e Cinemateca Portuguesa R. Barata Salgueiro, 39 Lisboa. Tel. 213596200 De Fanny Ardant,t, dos sseus três filhos, ambiciona ser com Ronit Elkabetz,etz, AAbrahambraham BeBelaga,laga, uumm grandeg melodrama operático. Sexta, 15 De Clyde Geronimi 19h30 - Sala Luís de Pina Marc Ruchmann. MM/12/12 MasMas nnunca se consegue decidir entre a poesiapoe telúrica, a tragédia grega e o Mãos Perigosas Mnnnn melmelodramao clássico, falha o tom, Pick-Up on South Street Terça 19 intrintroduzo personagens e arcos De Samuel Fuller Lisboa: Medeia King: Salala 1: 5ª 6ª narrnarrativosa que ficam pelo caminho. 15h30 - Sala Félix Ribeiro Nova Iorque Fora de Horas Sábado Domingo 2ª 3ªª 4ª 13h45, After Hours E, sobretudo,so tem um erro de A Quadrilha Selvagem 15h45, 17h45, 19h45, 21h45;h45; De Martin Scorsese ““casting”cast clamoroso em Ronit The Wild Bunch Porto: Medeia Cidade doo 19h - Sala Félix Ribeiro De Sam Peckinpah. 21h30 - Sala Félix Ribeiro Porto: Sala 3: 5ª 6ª Sábadobado EElkabetz,lkab que se esforça Os Pistoleiros da Noite Domingo 2ª 3ª 4ª 19h10;10; hheroicamenteero mas nunca consegue Os Salteadores da Arca Perdida Ride the High Country convencerconv como a viúva fogosa que Raiders of the Lost Ark De Sam Peckinpah Não sabemos bemm quisquis fugir às leis do sangue – ainda De Steven Spielberg 21h30 - Sala Félix Ribeiro o que achar da porpor cima quando tudo na sua 19h - Sala Félix Ribeiro estreia na “A Estrada”: e se um cineasta não se deixasse interpretaçãoint remete Surrender An American Romance realização da intimidar e corresse o risco de ser infi el inevitavelmenteine para um papel à Com Vera Ralston De King Vidor actriz Fanny a McCarthy para lhe ser fi el de outra maneira? medidame da própria realizadora. J.M. 15h30 - Sala Félix Ribeiro 22h - Sala Luís de Pina Ardant — ou A Quadrilha Selvagem antes, Heróis de Mentira The Wild Bunch A EstradaEs Hail the Conquering Hero percebemos que De Sam Peckinpah TheThe Road De Preston Sturges há aqui talento dee DeDe JohnJo Hillcoat, 19h30 - Sala Luís de Pina cineasta, uma sinceridadenceridade 19h30 - Sala Luís de Pina comcom Viggo Mortensen, Kodi Smit- O Grande Momento enorme e um desejosejo de cinema McPhee,McM Robert Duvall. M/16 Sábado 16 The Great Moment inegáveis, mas aosos quais faltafalta De Preston Sturges mão e tacto para ggerirerir dada melhormelhor MnnnnM A Semente do Diabo 22h - Sala Luís de Pina maneira. Históriaa ddee uma Rosemary’s Baby tragédia de sangueue nos confins da Lisboa:Lisbo Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª De Roman Polanski 6ª 22ª 3ª 4ª 16h, 18h30, 21h Sábado Domingo Sala Félix Ribeiro Terça 19 13h20, 16h, 18h30, 21h; Castello Lopes - Loures Shopping: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h20, Primavera Tardia A Paixão dos Fortes 18h10, 21h, 23h30 Sábado Domingo 18h10, 21h, Soshun My Darling Clementine 23h30; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 9: 5ª 6ª De Yasujiro Ozu De John Ford 2ª 3ª 4ª 14h, 16h15, 18h40, 21h35, 00h05 Sábado 15h30 - Sala Félix Ribeiro Domingo 11h50, 14h, 16h15, 18h40, 21h35, Sala Félix Ribeiro 00h05; CinemaCity Campo Pequeno Praça de A Ópera dos Três Vinténs O Processo Touros: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h30, The Trial/Le Procès 19h10, 21h55, 00h10 Sábado Domingo 11h45, 14h05, Die 3groschenoper 16h30, 19h10, 21h55, 00h10; Medeia De G. W. Pabst De Orson Welles Monumental: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª Sala Félix Ribeiro 19h - Sala Félix Ribeiro 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h10, 21h30, 24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª O Homem sem Braços Os Piores Anos da Sua Vida 14h10, 16h40, 19h05, 21h55, 00h25 Domingo 11h30, The Unknown The Sin of Harold Diddlebock 14h10, 16h40, 19h05, 21h55, 00h25; ZON De Preston Sturges Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª De Tod Browning 21h30 - Sala Félix Ribeiro 3ª 4ª 13h50, 16h25, 19h10, 21h50, 00h20; ZON 19h30 - Sala Luís de Pina Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Os Pistoleiros da Noite Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, 18h50, 21h40, O Expresso de Roma 00h10; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado Rome Express Ride the High Country Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h25, 18h, 21h15; Castello De Walter Forde De Sam Peckinpah Lopes - Rio Sul Shopping: Sala 6: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 22h - Sala Luís de Pina 19h30 - Sala Luís de Pina 15h20, 18h50, 22h, 00h40 Sábado Domingo 12h40, 15h20, 18h50, 22h, 00h40; ZON Lusomundo Tiro de Escape Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª Segunda 18 The Getaway 12h40, 15h15, 18h, 21h45, 00h25; De Sam Peckinpah Porto: Arrábida 20: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo Tiro de Escape 22h - Sala Luís de Pina 2ª 14h10, 16h50, 19h25, 22h10, 00h45 3ª 4ª 16h50, The Getaway 19h25, 22h10, 00h45; ZON Lusomundo Dolce Vita De Sam Peckinpah Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 15h50, 19h - Sala Félix Ribeiro 18h10, 21h10, 00h25; ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h30, 19h10, 21h40 6ª O Fantasma da Rua Morgue Sábado 13h50, 16h30, 19h10, 21h40, 00h25; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo Phantom of the Rue Morgue 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h20, 19h10, 22h, 00h40; ZON De Roy Del Ruth Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado 15h30 - Sala Félix Ribeiro Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h20, 19h30, 22h10, 00h45; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª Domingo O Grande Momento 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h35, 19h20, 22h 6ª Sábado 13h50, The Great Moment 16h35, 19h20, 22h, 00h40; De Preston Sturges 21h30 - Sala Félix Ribeiro “Problemática” estrada escolhida por John Hillcoat ao visualizar a Ma Femme Chamada Bicho deambulação pós-apocalíptica de De José Álvaro Morais 22h - Sala Luís de Pina Cormac McCarthy. O problema é esse: “visualizar”. Hillcoat passa o Alice no País das Fadas filme a forçar pontes de Alice in Wonderland Sam Peckinpah na Cinemateca reconhecimento com o espectador, para não o deixar a sós, sem “narrativa”, com um homem, um medo do vazio: a música, que é também, para o leitor de McCarthy: filho e o canibalismo. Por exemplo: minimal e repetitiva e quase sempre ser invadido por imagens que o a forma como intercala excessiva a decorar (repetitivos cinema tornou prontas a consumir). “flashbacks”, os sonhos de Nick Cave e Warren Ellis). E sobra E se um cineasta não se deixasse Mortensen, em que aparece a mãe pouco para Hillcoat dar intimidar e corresse o risco de ser que abandonou esta família: consistência autónoma a uma visão infiel a McCarthy para lhe ser fiel de interpretada por Charlize Theron, pós-apocalíptica autónoma, isto é, outra maneira? Alguém a quem o esta mãe vem de outro filme. que não pareça já mil vezes vista cinema estivesse no sangue. Por Depois, outra forma de afastar o (mas isto pode ser um problema, exemplo, John Carpenter...? V.C.

44 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

“Os Amores de Astrea e de no Cinema King, em Home- Celadon”, de Eric Rohmer, Lisboa, até 20 de Janeiro, nagem desaparecido esta diariamente às 19h50. semana, vai ser exibido Uma homenagem. DVD

“Conto de Primavera”: “Conto de Verão”: “Conto de Outono”: “Conto de Inverno”: as mulheres são sempre o elo não há amor, apenas tiradas um sabor amargo em cenário o acaso comanda a imitação mais forte sobre a sua existência fugaz de vinhas de vida

Duque” (2001), deixa esta DVD, dos dois últimos ciclos na série um sabor amargo à perda das Os caprichos surpreendente tirada: “De facto, é referidos, bem como da morte do relações, num cenário telúrico de como se se tratasse de um cineasta realizador aos 89 anos, no início vinhas, entre as costumeiras festas e do século XVIII que nos viesse desta semana. Comecemos pelos os longos monólogos sobre a vida e a do destino visitar”. Para quem não conhecer, “Contos das Quatro Estações” que a arte (de viver). A magnificência das com alguma profundidade, a obra Midas reuniu em quádruplo cofre, cores pastel cola-se às personagens O mundo “frívolo” de do realizador francês, isto pode soar com excelentes cópias, embora sem como numa tela impressionista. As Rohmer faz lembrar a a trocadilho cultural digno da crítica extras. mulheres manipulam os jogos de provocatória dos “Cahiers du “Conto de Primavera” (1990) sedução e parecem vitimadas por frase de Oscar Wilde: só a Cinéma” nos seus anos áureos, de aparece centrado em duas figuras eles, presas a uma comédia de frivolidade é frívola. Por que Rohmer constitui peça femininas (as mulheres constituem o costumes que traça um retrato detrás dos títeres de uma fundamental: o filme referenciado elo mais forte, manipulando homens perfeito (e apaixonado) da burguesia construía-se sobre cenários fracos e vulneráveis), uma jovem francesa de província, exaltante e farsa dramática avultam as pintados, recriando gravuras da pianista, Natacha, que partilha o desesperada, ansiosa e contraditória. essências da modernidade: a época da Revolução Francesa e apartamento com o pai, ausente, A realidade rarefaz-se numa palavra como motor, o gesto possuía a serenidade narrativa e a junto de uma namorada abstracção sombria e solar, ao mesmo incongruência histórica de um dominadora, e uma professora de tempo, como nos quadros de Monet, como simulacro. “pastiche” pós-moderno, mas o filosofia num ficcional Liceu Jacques a pintar eternamente nenúfares. Mário Jorge Torres cinema tem pouco mais de cem Brel, carente e desalojada das duas Magali, a fabulosa Béatrice Romand, anos. casas em que divide a sua vida. saboreia o Outono da vida, como Os jogos do amor e do acaso Poupaud se impregnava de sal e de E, no entanto, a “boutade” crítica (apropriado título da mais famosa areia, numa surdina transbordante e faz pleno sentido, na medida em que comédia de Marivaux) levam-nas a criadora de todos os sentidos da toda a obra de Rohmer oscila entre o trocar confidências, a citar Platão e existência. Em barroca variação sobre “cinema histórico” quase sem tempo o anel da invisibilidade, a escutar o teatro do mundo, assistimos nem medida – para além de “A Schumann, a falar de pintura, num fascinados a picos de emoções, sem Inglesa e o Duque”, “A Marquesa de artifício culturalista que roça a histórias nem grandezas; tão só a O” (1976), adaptado de Kleist, com frivolidade e a transforma em natureza a contar um conto sem extático rigor, “Perceval, le Gallois” essência de vida. Pelos diálogos argumento, nem acção. (1978), numa Idade Média arturiana “pretensiosos” perpassa uma força “Conto de Inverno” (1991) ilustra a de sonho e quimera, ou “Os Amores desencantada, deslocando-as no perfeição máxima do axioma Na entrada que de Astrea e Céladon” (2007), tempo e no espaço e investindo-as rohmeriano: o acaso comanda a consagra a Eric derradeira ficção mítica ambientada de uma seiva que recorda a imitação de vida. Félicie perde de Rohmer no seu no passado gaulês de druidas, primavera do título. vista, porque se engana no “Dicionário Contos da Quatro Estações de Eric Rohmer pastores, ninfas e amores loucos e “Conto de Verão” (1996) assume- endereço, o amor da sua vida, do Biográfi co”, David proibidos – e o “cinema filosófico”, se como a chave da tetralogia, com qual tem uma filha; ensaia relações Thomson deixa esta Conto de Primavera em que o presente serve de pretexto um muito jovem Melvil Poupaud fragmentadas com dois outros tirada sobre Rohmer: para articular fábulas abstractas de dividido entre a amizade amorosa, a homens, com a noção de que nada “De facto, é como mmmmn encontros e desencontros, paixão platónica e o impulso sexual. poderá funcionar e acaba por se se tratasse de um agrupadas em três grandes ciclos: Os frágeis amores de Verão reencontrar o sonho perdido num cineasta do século Conto de Verão “Os Contos Morais” (seis filmes entre equacionam a transitoriedade dos autocarro, ao sabor de um absoluto XVIII que nos viesse 1963 e 1972), “Comédias e dias e na impossível visita ao ponto improviso. Retrato implacável da visitar” mmmmm Provérbios” (outros seis filmes, mais Ocidental da Bretanha burguesia suburbana de Paris, o rodados entre 1980 e 1987) e “Os (Ouessant), planeada mas nunca filme faz figura de miniatura, de ContoConto de OOutonoutono Contos das Quatro Estações” (1990- concretizada, como se a vida se natureza morta povoada por 1998). A noção de conto moral esgotasse no desejo e no movimento símbolos, por resquícios de gestos e mmmmm remete ainda para o século XVIII, inconcluso dos passeios na praia, de pessoas emblemáticas. Como em para os universos literários de das refeições, das viagens de barco nenhum outro filme de Rohmer ContoConto de InvernoInverno Voltaire e Diderot, ou nas canções de mar e piratas, que desfila a cultura como pretexto. O “Comédias e Provérbios” é a o adolescente compõe. Viver, para mundo “frívolo” de Rohmer faz mmmmm designação escolhida, no século XIX, Rohmer, é debitar palavras lembrar a célebre frase de Oscar pelo romântico Alfred de Musset inconsequentes e estabelecer laços Wilde: só a frivolidade é frívola. Por MidasMidas (sem(sem extras)extras) para reunir a sua obra dramática, ténues de ternura e traição. detrás dos títeres de uma farsa homenageando o teatro do século Ninguém nesta fábula de plenitudes dramática avultam as essências da NNoo finalfinal da entrada que coconsagran a anterior, especialmente Marivaux. vagas escapa ao capricho das modernidade: a palavra como EEricric RohmerRohmer nono seu “Dicionário“Dicion “As Quatro Estações” não pode sensações fugidias, ao destino de motor, o gesto como simulacro. BBiográfico”,iográfico”, obra de cabeceira deixar de evocar a mimética peça desencontros encenados com a Tudo em Rohmer representa o que é de muita boa gente,g musical setecentista do veneziano ligeireza das vagas. Não há amor, e não é, em arrepiante morte do David Thomson,Thom a António Vivaldi. apenas longas tiradas sobre a sua realismo como esquema mental. O propósitpropósito de “A Todo este arrazoado vem a existência fugaz. prazer passa, assim, pelo excesso do IInglesangles e o propósito da recente edição, em “Conto de Outono” (1998) inscreve capricho e pelo capricho do excesso,

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 45 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

valter hugo mãe ssobreo a terceira coisas mesmo depois vai publicar o seu iidade,d sobre a das fracturas mais Trans- próximo livro na aamplitude da insuportáveis”. Mais: “é ferência Editora Objectiva: felicidadef e o um livro sobre a alegria “a máquina de fazer mmodo como portuguesa que esbarra”. espanhóis” é descritoto eesta surge como “uma refl exão nnas pequenas

Ficção antropomórficos, peludos e de velha (que está a entrar na 400 mil judeus de todas as idades, dentes aguçados. O livro – onde se adolescência e já não brinca com ele) profissões e categorias sociais. A narra a história de Max, um miúdo e com a mãe (que depois de alguns princípio foi possível uma certa O lugar cuja imaginação o leva a visitar uma namorados, agora passa quase todo o “normalidade”: havia uma zona de ilha habitada por criaturas fantásticas tempo com Gary, o homem com judeus ricos e outra de judeus que o proclamam “o rei de todos os olhos de sapo que três dias por pobres, um Conselho e uma Polícia do pai monstros” – depressa se tornou semana dorme lá em casa); Max sabe Judaicas; existiam cafés, teatros, controverso entre críticos, que o pai, que os deixou há três anos, bibliotecas, uma Orquestra Sinfónica; Uma viagem aos pesadelos educadores e livreiros, devido à mora na baixa da cidade. as crianças iam à escola, lia-se e ausência da habitual moral das É na figura ausente do pai (na jogava-se xadrez; fazia-se da fantasia infantil, às histórias infantis. Sendak levou Max a história original não há qualquer contrabando e inventavam-se formas angústias sem nome da visitar o seu lado selvagem (apesar de menção) que Eggers parece investir de resistência; cada dia era infância, recriada por um no fim ele voltar para casa da mãe a mais. A ideia da figura paternal vai considerado como uma vitória, dos mais talentosos novos tempo de encontrar o jantar ainda ocupar os lugares que os outros vão apesar das dificuldades em se quente) ao descrever uma viagem aos deixando vazios na vida de Max, a tal obterem bens essenciais e do autores americanos. José pesadelos terríficos da fantasia ponto que quando ele se zanga e sobrepovoamento que obrigava Riço Direitinho infantil, aos medos mais primevos. parte para a floresta, e tempo depois famílias inteiras a viverem em Aos poucos, o seu quarto transforma- encontra o barco e decide partir, a espaços exíguos. O Sítio das Coisas Selvagens se numa floresta, depois num oceano motivação é navegar até ao pai: Passado menos de um ano, as Dave Eggers onde ele navega durante um ano, até “Sabia que o pai ficaria orgulhoso condições deterioraram-se devido ao

Livros (trad. por Jorge Pereirinha Pires) chegar a uma ilha habitada por logo que ele lá chegasse. Ficaria frio extremo, à fome e a doenças Quetzal monstros. Esta história delicada foi atónito e impressionado, e daí em como o tifo que começaram a dizimar lida e relida várias vezes sobre vários diante passariam a viver juntos.” a população ainda antes de os nazis mmmmn ângulos, desde o simplesmente As primeiras cinquenta ou sessenta tratarem do assunto. Em Janeiro de freudiano ao rebuscado colonialista. de páginas do livro, em que Dave 1943, os resistentes do gueto – Em 1963, o autor e Mas depressa a controvérsia passou e Eggers parece andar à procura do homens, mulheres e crianças – ilustrador de livros o livro tornou-se num clássico. Mais motivo (ou do caminho) para mandar levaram a cabo, com êxito, uma infantis Maurice tarde, aquando da adaptação da obra Max para a ilha dos monstros, bem insurreição mas, dois meses depois, Sendak (n. 1928) para uma ópera infantil, Maurice poderiam ter sido reduzidas a na Páscoa, os alemães voltaram em publicou o álbum Sendak – nascido em Brooklyn, filho metade, pois é só depois de o miúdo força, arrasando as habitações,ç, “Where the Wild de emigrantes judeus polacos – chegar à ilha que o poder inventivo e matando os sseuseus ocuocupantespantes e Things Are” (“Onde confessou que os grotescos monstros o talento narrativo do autor surgem deportando osos (poucos)(poucos) Vivem os Monstros”, peludos tinham sido inspirados pelos em força. E então Eggars parece sobreviventes.es. Kalandraka, 2009), seus familiares, quando estes se conseguir preencher bem os espaços Estes são osos factosfactos histhistóricosóricos história compostacomposta com poucopouco mais reuniam para o almoço semanal da vazios deixados na história original. cimentados nnumauma extensextensaa de trezentas palavraspalavras (no família, e baptizou-os então com Nesta versão romanceada, que é documentação:ão: fotografias – a maior original,original, em inglês), nomes judeus, Tzippy, Moishe, obviamente um livro para todas as parte delas tiradasiradas pporor alemães – precisamenteprecisamente Aaron, etc. idades, Eggers consegue manter testemunhos,s, diáriosdiários,, cartascartas,, ffilmes,ilmes, escolhidas,escolhidas, e Mais de 40 anos depois da grande parte da magia, das emoções utilizados conscienciosamentenscienciosamente por profusamenteprofusamente publicação original, e sendo Sendak e das angústias, que as ilustrações e Richard Zimlerler como cenário para ilustradailustrada um dos produtores da adaptação as palavras certeiras de Sendak esta surpreendentendente história ppolicial,olicial, comcom cinematográfica da obra (realizada provocaram em várias gerações. cujos principaispais intervenientes sãosão monstros por Spike Jonze, já nas salas Tudo isto com os riscos do facto de Erik Cohen, umum psiquiatra já de idade portuguesas), sugeriu a Dave Eggers, qualquer adaptação ser sempre uma avançada, o sseueu amigo de infância,infância, o um dos co-argumentistas (o outro é o leitura muito pessoal. relojoeiro Izzy,zy, a sobrinha, SteStefafa e o próprio realizador) e um dos filho desta, Adam,Adam, um rapaz de “meninos de ouro” da nova literatura nove anos, inteligente,nteligente, sensível e americana, que escrevesse um Toda a de feitio endiabrado.iabrado. romance baseado na sua história. A São pessoasas normais em tarefa não seria fácil, transformar tempos anormaisrmais marcamarcadosdos por trezentas palavras em quase memória uma tragédiaa bbrutal:rutal: Adam,Adam, o trezentas páginas, preencher os menino de cabeloabelo doiradodoirado e intervalos narrativos Zimler assume o uma marca dede nascença que o propositadamente deixados vazios predestina paraara um futurofuturo por Sendak, mas Eggers aceitou. O compromisso moral de radioso, é brutalmenteutalmente volume traduzido chegou às livrarias reconhecer e ressuscitar assassinado, o seu portuguesas, a tempo da estreia do todos aqueles que corpo, a que foi filme homónimo, “O Sítio das Coisas amputada umama Selvagens”. pereceram na voragem perna, encontradontrado Dave Eggers enveredou, por vezes, do Holocausto. Helena preso ao arameme por caminhos diferentes dos que Vasconcelos farpado. Erik,k, (com Spike Jonze) escolheu para o inconformadodo nnaa filme, e segundo confessou numa Os Anagramas de Varsóvia sua dor e ajudadodado entrevista, recorreu a memórias Richard Zimler por Izzy, lança-seça-se autobiográficas (o que não tinha feito (Tradução de Daniela Carvalhal Garcia) numa arrojadada no filme) relacionadas com a Ed. Oceanos investigação educação do irmão para recriar o com o intuitoo pequeno Max que parte de barco à mmmmm de descobrir aventura vestido com o seu fato de o(s) lobo depois de se ter zangado com a A 16 de Outubro de assassino(s), família: “(...) ele estava zangado por 1940, o gueto de ciente de quee ter partido o seu pássaro, e zangado Varsóvia, um aquele por ter Gary lá em casa, e zangado espaço que acontecimentonto é o Mais de 40 anos depois da publicação de “Where the Wild Things por ter de comer paté e milho equivalia a 2,4% por símbolo de todosodos ooss Are”, de Maurice Sendak, o autor sugeriu a Dave Eggers, um dos congelado e zangado por a irmã dele cento de toda a horrores e dee todastodas aass “meninos de ouro” da nova literatura americana, que escrevesse ser uma bruxa (...).” cidade, foi ignomínias qqueue se perperfilamfilam num um romance baseado na sua história: transformar trezentas Max tem oito anos, mora num oficialmente criado futuro muitoo próximo. A sua palavras em quase trezentas páginas subúrbio e vive com uma irmã mais para alojar cerca de demanda leva-ova-o a ddescobrirescobrir outrasoutras

46 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon vítimas, a enfrentar os perigos das arrancados dentes, cabelos, ossos, incursões fora do gueto e a pele. Judeus, ciganos, homossexuais, confrontar-se com hediondas deficientes foram tratados como revelações. Como em qualquer “gado”, como massa indefinida. É “thriller”, os mistérios – que aqui, por isso que o autor assume o apropriadamente, tomam a forma de compromisso moral – algo que tem “anagramas” – acumulam-se: feito ao longo da sua obra em relação ninguém é o que parece ser, as a outros actos contra os direitos referências misturam-se numa humanos – de reconhecer e amálgama grotesca, a realidade é ressuscitar, a um nível sinónimo de loucura e caos, a morte profundamente pessoal, todos é a única fiel companheira. aqueles que pereceram na voragem, Nesta narrativa, que chega ao leitor recusando a indiferença perante a pela voz de Cohen mas que – ficamos morte indiscriminada e cega, a a saber – foi recolhida por outra banalização do extermínio sem rosto. pessoa, um processo que se inscreve Em oposição à brutalidade e na tradição judaica de preservação boçalidade dos verdugos, perante a da memória, Zimler utiliza propaganda alemã e as humilhações exemplarmente uma técnica a que foram sujeitas as vítimas, específica, partindo do pressuposto Zimler trata de lhes conferir força, expresso na citação do início do livro: dignidade e riqueza de emoções: “No mínimo dos mínimos devemos amor, amizade, solidariedade, aos nossos mortos o estatuto de sentido de justiça, bem como ira, pessoa única”. Recorde-se que o raiva e desejo de vingança. Que regime nazi tinha objectivos precisos: Cohen, Izzy e outros resistam, se uma limpeza étnica e a consequente revoltem e procurem justiça e aniquilação dos vestígios históricos e salvação – mesmo para além da culturais de um povo. Foram morte – constitui um dado fulcral exterminadas milhões de pessoas a nesta história de danação e redenção. qpç,quem tudo foi retirado: o espaço, a É na adversidade qque cada comidacomida,, as famíliasfamílias,, os bens,bens, a personagempersonagem se vai descobrindo tantota ddignidade.ignidade. Depois de mortos ainda nana bondade como na crueldade,crueldade, lhes foramforam como se retirasseretirasse sucessivassucessivas máscarasmáscaras até cchegarhegar à sua essêncessênciai maismais pura. (Como exempexemplo,lo, veveja-seja-s o caso de Erik Cohen queque tencionavatencionav aproveitaraproveitar o tempo passado no guetogu parapara rerelerler a oobrabra compcompletaleta ddee FreFreud,u um actividadeactividade relacionadarelacionada com a sua “vida“vida anterior”, aperceapercebendo-sebendo-se rapidamenterapidamente qquãouão desnecessária se torna essa actividade, naquelasnaquelas circunstâncias. Em compensação as suas ligações afectivasafectivas tornam-se muito mais proprofundasfundas e complexas.) PorPor tudotudo istoisto “Os Anagramas de VarsóviVarsóvia”a é um livro magistralmentemagistralmen diferente:diferente: em primeirprimeiroo lugarlugar o rearealismolismo ddaa descriçãodescrição dada vidavida no guetogueto revela-nos não apenasapenas a visão desta ou daqueladaquela pessoa, mmasa simsim o fervilharfervilhar de umauma comunidadecomunidad ondeonde coexistecoexiste o bombom e o maumau,, o sublime e o mesquinho,mesquinho

Richard Zimler, conhecedor da História das Religiões, utiliza uma sabedoria milenar para refazer, através da palavra, aquilo que foi destruído: insufl a o sopro vital em cada partícula de pó dos mortos

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 47 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Livros

Como outras obras de Collins, “A Pedra da Lua” começou por ser um folhetim, publicado durante oito meses na revista “All the Year Round”, dirigida por Charles Dickens

o positivo e o negativo; no que diz perdido (“Será possível acariciar destruído. Insufla o sopro vital em respeito às personagens, cada uma uma cidade? Ser o rio Vístula, e cada partícula de pó dos mortos, Aqui com uma personalidade vincada e poder abraçar Varsóvia...” pág. 15) e restitui-lhes a voz e a essência e uma função específica, elas como um lugar de pesadelo, reconstrói os lugares onde deixaram aproximam-nos de um universo invadido e profanado pela a sua marca. É como se cumprisse a começou o onde acontecimentos banais do brutalidade do Mal. profecia de Isaías: “Os teus mortos (daquele) quotidiano alternam com Richard Zimler, profundo viverão, os seus corpos erguer-se-ão. policial evocações fantasmagóricas, com conhecedor da História das Religiões, Tu que vives no pó, ergue-te e clama imagens de violência e crueldade refere os mistérios da Cabala e de bem alto a tua alegria. Porque a tua O romance policial moderno arrepiantes e com descrições de um outras filosofias místicas, utilizando seiva é como a seiva da madrugada e lirismo comovente. Varsóvia, a uma sabedoria milenar para refazer, a terra dará à luz os espíritos que já começou em 1868. Vendo cidade, surge como um paraíso através da palavra, aquilo que foi partiram”. bem, pouca coisa mudou desde então. Eduardo Pitta

A Pedra da Lua Wilkie Collins (Trad. Regina Faria) Relógio d’Água mmmmm Como outras obras de Collins, “A Pedra da Lua” começou por ser um A literatura policial folhetim, publicado durante oito tem longa tradição meses na revista “All the Year no mundo de língua Round”, dirigida por Charles inglesa. De Arthur Dickens. Dickens e Collins eram Conan Doyle a amigos, foram colegas na escola de James Hadley Direito e escreveram juntos alguns Chase, sem livros. esquecer Horace Um dos personagens mais curiosos Mac Coy e Dashiell do romance é o sargento Cuff — Jorge Hammett, dezenas de autores Luis Borges disse dele que é “o clássicos fazem sonhar gerações. O primeiro detective da literatura inglês Wilkie Collins (1824-1889) é um britânica” —, figura inspirada em deles. Uma das suas obras mais Jonathan Whicher, o inspector da apreciadas é justamente “A Pedra da Yard que em 1860 investigou o Lua” (1868). A crítica especializada sequestro de Road Hill. No livro, o tem sido unânime a considerar que testemunho de Cuff corresponde à foi aqui que começou o romance sexta narrativa. policial moderno. E qualquer leitor Collins pretende “estabelecer a do género verifica que o essencial da influência das circunstâncias sobre o sua arquitectura se mantém. À época, carácter.” Para tanto, utiliza a o êxito foi estrondoso. Um dos que polifonia narrativa. O tiro de partida, não hesitou no juízo foi T. S. Eliot: se assim lhe podemos chamar, é dado “Este é o melhor e maior romance por Gabriel Betteredge, o mordomo policial escrito até hoje.” de Lady Verinder que tem “Robinson Escrito sob a forma de diário Crusoe” como guia: “Agora vejo, colectivo, relata as peripécias ainda que demasiado tarde, como é associadas ao roubo de um diamante estúpido começar um trabalho antes amarelo, “uma gema famosa nos de calcularmos o seu custo, e antes anais nativos da Índia”, conhecida de avaliarmos com precisão a nossa por Pedra da Lua. O próprio Collins própria força para o levarmos a bom se encarrega de elucidar: “No que termo.” Tendemos a concordar com respeita à história do diamante, tal este homem delicado, leitor como é aqui narrada, [baseia-se] nas compulsivo de Defoe, do mesmo histórias de dois diamantes passo que perdemos a paciência com europeus.” O desaparecimento da o puritanismo de Miss Clack, uma pedra é analisado sob o ponto de beata com especial atração por vista de várias testemunhas: Miss cuecas de homem, sobrinha do Clack, Mathew Bruff, Franklin Blake, falecido Sir John Verinder. Ezra Jennings, o sargento Cuff, o A intriga flui num registo seco não senhor Candy, Daniel Betteredge e isento de ironia. Collins domina com outros. Depois de um primeiro precisão todos os recursos roubo, durante o assalto ao palácio estilísticos, dando o registo adequado de Seringapatam (na Índia), à modulação de cada uma das várias desapareceu de casa de Rachel vozes. Sem se dar conta, o leitor é Verinder, no Yorkshire, durante a parte litigante do descaminho do festa do seu aniversário. Na confusão diamante de Rachel. subsequente, Franklin Blake, primo No fim do volume, cinco páginas de Rachel, colige os testemunhos. É de notas explicativas, sem autoria ele o garante dos acontecimentos: creditada (David Blair? Sandra Kemp? “Seja quais forem as opiniões que os outro especialista de Collins?), situam escritores expressem, sejam quais o espírito da época, as remissões forem as peculiaridades de literárias, bem como a vida e obra de tratamento que marcarem, e talvez, Collins no contexto de factura do num sentido literário, desfigurarem romance. as narrativas que estou agora a Quase em simultâneo, a Relógio reunir, nem uma linha será d’Água publicou outra obra-prima de modificada...”. Collins: “A Mulher de Branco”.

48 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Para uma banda como fotografi as e ilustrações lançaram uma campanha os Shearwater, estar a cores. Meiburg, para recolha de fundos, numa editora como a vocalista da banda e que estará em vigor até Matador tem os seus grande dinamizador do ao dia 31 de Janeiro do Espaço contras. O problema tem projecto gráfi co, conta novo ano através do site a ver com a ideia que os que as imagens são de Kickstarter.com. A doação Público Shearwater tiveram de artefactos provenientes mínima é de 30 dólares, e fazer acompanhar “The de ilhas remotas e outros consoante o donativo pode Golden Archipelago” lugares estranhos que escolher-se uma prenda. (saída prevista a 23 de coleccionou ao longo dos Pedro Miguel Silva Fevereiro) de um livro de últimos 15 anos. À falta de 36 anos 75 páginas recheado de dinheiro, os Shearwater Técnico de comunicação

pop vulnerável, às vezes tosca, como se expõe, vocal ou mesmo instrumentalmente, não se dilui. Com Como se nunca perdesse de vista que a sua mais-valia é exactamente a forma como gere fragilidades, o coração atribuindo-lhes novos sentidos. Não é um disco tão minimal como no violino os anteriores, respirando maior delicadeza, cantilenas em forma de Deixou o nome Final fanfarra, construídas com paciência, camada a camada, a partir de Fantasy, mas não perdeu elementos que mudam em o talento para compor permanência, como se fôssemos canções elegantes de apelo convidados a assistir a um exercício que parece estar sempre a O Adam Green clássico e recursos pop. recomeçar. Umas vezes exuberantes, que parecia Vítor Belanciano outras rigorosas, os temas de ter-se perdido “Heartland” são canções orquestrais no álbum anterior que misturam cordas sumptuosas, Owen Pallett foi reencontrado melodias circulares e motivos Heartland rítmicos repetitivos, aqui orgânicos e

Discos Domino; distri. Edel ali sintéticos. Por cima paira a voz ultrapassada, tal como a garrafas de vodka e de “wonderful mmmmn particular de Owen Pallett, megalomania de “Sixes & Sevens”. dancers”, que vive a vida procurando um equilíbrio entre Exagerando, diríamos que este é o desconfortável na sua pele. Isso, que Ao longo de três introversão e emancipação. “Blood on the Tracks” de Green, é novo em Adam Green, torna álbuns, o canadiano Objectivo plenamente conseguido. repleto de desencontros, de gente “Minor Love” um álbum especial na Owen Pallett, até que age da forma errada, de um sua carreira. agora conhecido protagonista em queda, rodeado de Pode ser álbum de ressaca, mas pelo pseudónimo O disco Final Fantasy, tem conseguido não cair na repetição, da ressaca TEMPORADA 2009|2010 sem perder as características METROPOLITANA 18 Anos – Idade Maior estruturais que o distinguem no direcção artística Cesário Costa panorama pop de há cinco anos a Um dos mais cativantes, esta parte. Às vezes comparado, mais por contraditórios e talentosos facilidade do que por afinidade, a escritores de canções do Andrew Bird ou a Joanna Newsom, nosso tempo mora aqui. as suas canções possuem uma densidade e um volume próprios, Mário Lopes Os temas de “Heartland” conseguindo conciliar com grande Adam Green elegância o apelo classicista com são canções orquestrais Minor Love por cima das quais recursos pop. Ou seja, a sua imagem Rough Trade paira a voz particular de marca são canções que se de Owen Pallett posicionam algures entre a pop, a mmmmn música contemporânea orquestral e aass electrelectrónicas.ónicas. É esse o tronco.tronco. O A foto a preto e pprimeirorimeiro álbumálbum era um exercício branco da capa, o | Concertos para Famílias inindividualdividual para vioviolino.lino. O sesegundogundo casaco de cabedal para quarteto ddee corcordas.das. E o terceiro e a pose | Janeiro / Fevereiro 2010 pparaara uma verdadeira ororquestraquestra vagamente sinfsinfónica.ónica. “larilas” são o É admirável qque,ue, aapesarpesar da primeiro indicador de que o homem contínua complexicomplexificaçãoficação do seu mudou. Depois de dois álbuns em DOMINGO, 17 DE JANEIRO, 11H30 trabalho, a formaforma crescendo de ambição, alimentada GRANDE AUDITÓRIO DO CENTRO CULTURAL DE BELÉM por anseios barrocos levados longe de mais e por delírios etílicos londrinos profusamente QUADROS DE UMA EXPOSIÇÃO documentados, Adam Green regressa WOLFGANG AMADEUS MOZART | MODEST MUSSORGSKI à base. Concretizando: depois de “Sixes & Sevens”, álbum falhado em que sucumbiu ao síndrome vocal Jim Nuno Vaz trompa Scott Sandmeier direcção musical Morrison e ao vírus dos coros femininos foleiros que afectou gente Orquestra Metropolitana de Lisboa tão distinta (conferir Leonard Cohen), Adam Green deu um passo Com a participação dos Pequenos Violinos da Metropolitana atrás e simplificou. Guitarra, baixo, Comentários de César Viana bateria e teclados, com metais e madeiras para o adorno ocasional. Mais importante: Adam Green CO-PRODUÇÃO descobriu novamente algo sobre o que cantar: andou deprimido e isso nota-se; começa o álbum a cantar “I’ve been too awful / to ever be APOIOS thoughtful / to ever be nice”. Agradecemos-lhe a ressaca. Preço único:  5,00 Em “Minor Love”, a escatologia é

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 49 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente Discos

Os novos Beach House: sem guitarras slide, Zénon mergulha a fundo na “plena”, sem órgãos nostálgicos o folclore dos bairros pobres do Sul de Porto Rico

é álbum de um compositor que põe Beach House foi fugir a tudo o que as canções serem inéditas; pouco ou Jazz personalidade musical, feita de uma os interesses das canções à frente soasse a “truque”: a guitarra deixou nada fogem ao guião estabelecido há técnica irrepreensível e uma dos seus, de um cultor da canção de de ser usada em slide, optando a uma década atrás. capacidade notável para construir recorte clássico, “crooner” dupla por mais rendilhados (o As referências à folk pastoral dos Do Caribe narrativas através dos seus solos no desalinhado que referencia a soul orgânico em detrimento do anos 60/70 estão lá, é certo, desde o sax alto. “marada” de Lee Hazelwood em electrónico, portanto), os sons dos banjo ao acordeão, desde as peças Neste registo, o saxofonista “Buddy Bradley”, o “Spanish órgãos são mais variados, deixa de sinfónicas na voz do próprio Merritt para Nova mergulha fundo na “plena”, estilo harlem” de Phil Spector na latina haver efeitos nos instrumentos, a às canções de inspiração celta musical folclórico oriundo dos “Goblin”, o tom nasalado de Lou voz não está mais atulhada em interpretadas por Claudia Gonson. Iorque bairros pobres do Sul de Porto Rico; Reed na velvetiana “What makes morfina, o instrumento dominante Mas também é verdade que já o melhor exemplo encontra-se no him act so bad” ou trovas urbanas de muda em cada canção, e os arranjos constavam de discos anteriores e Novo registo do saxofonista vibrante “Que será de Puerto Rico?”, cantautor nas acústicas, belíssimas, mostram-se menos repetitivos. neste aparecem à mistura com com uma intro vocal de Héctor ‘Tito’ “Don’t call me uncle” e “Boss Cai o etéreo, ficam, acima de tudo, outras referências familiares, em Miguel Zenón, destacado Matos, logo seguida de um explosivo inside”. as canções: mais abertas, com mais particular a queda para o music hall ponta de lança da fusão do solo de Zénon, regressando depois Adam Green, personagem espaço entre os instrumentos e a nos números acelerados e a jazz com os ritmos quentes às “descargas” da percussão e aos excessiva com queda para a auto- escrita à mostra, passando para a tendência para Claudia se converter “chorus” vocais que evocam a luta sabotagem, parece pedir-nos que frente na mistura as linhas de numa espécie de Shirley Temple de Porto Rico. Rodrigo dos porto-riquenhos. Destaque não o levemos a sério. Isso, que se guitarra em lenta ascensão ou em camp sempre que canta baladas Amado ainda para os instrumentais “Villa aplica à sua figura pública, acaba rendilhado e as figuras mínimas de melosas. Sendo assim, a única Palmeras”, poderoso a abrir o disco, por transbordar para a música, piano. O ritmo ascende e torna-se novidade digna se ser mencionada (e Miguel Zenón e “Villa Coope”. Com um grupo de desde sempre incapaz de gerar fundamental num disco em que as mesmo assim...) será a voz grossa de sete elementos, organizado em Esta Plena consensos. Mas arriscamos dizer canções desta vez não se arrastam Merritt, por segundos irreconhecível Marsalis Music; distri. Universal torno do seu habitual quarteto – o que vive nela um dos mais como moribundos, antes têm caixa em “Walk a lonely road”. Mas nem pianista Luis Perdomo, o cativantes, contraditórios e de três velocidades (abananado de esta canção nem a maior parte dos mmmmn contrabaixista Hans Glawischnig e o talentosos escritores de canções do morfina, trôpego e suavemente restantes títulos são material de baterista Henry Cole –, Miguel Zénon nosso tempo. Julgávamos tê-lo balançante). E a voz, essa, muda primeira qualidade, e essa é que a Cerca de um ano assina um registo ambicioso que perdido há um álbum atrás. “Minor radicalmente: tem menos trejeitos grande chatice. Há apenas dois depois de ter abre novos caminhos para a Love” é o anúncio do regresso. de menina, arrisca expor-se sem títulos que sobressaem: o de conquistado os evolução do jazz latino. efeitos, atirar-se às notas. Torna-se abertura, “You must be out of your cobiçados explícito que eles sabem escrever mind”, e, mais à frente, “Seduced Guggenheim e Beach House canções, e não há uma aqui que não and abandoned”. Não por fugirem à MacArthur O regresso, seja belíssima: seja na synth-pop gay rotina, mas por serem dignos de Fellowship Awards, o saxofonista segunda parte reloaded deprimida de “Lover of mine”, na qualquer “best of” dos Fields. Em alto Miguel Zenón edita “Esta balada ao piano de “Real love” ou na qualquer caso, todo o disco parece Plena”, sucessor do aclamado António Pinho Vargas épica “10 Mile stereo”, com ter sido composto a bater com os “Awake”, num registo consistente Solo II Alex Scally e Victoria percussão fortíssima e a voz lá em talheres em copos vazios, ao longo que faz uma subtil fusão do jazz David Ferreira Investidas Editoriais; cima, arrepiante. de uma interminável maratona de moderno com os ritmos e a alegria distri. EMI Legrand deixam-se de Seja em que canção for: é tudo cocktails. Luís Maio da música de Porto Rico, sua terra truques e exibem-se muito, mas mesmo muito bonito. natal. Há muito que o chamado jazz mmmmn definitivamente como Perdeu-se o mistério, ganhou-se em latino ocupa um lugar de extrema escrita. importância nas comunidades norte- Depois do grandes escritores de aamericanas,mericanas, tendo porém,porém, nosn primeiro volume, canções. João Bonifácio últimos anos, perdido algumalgum terreno simplesmente Nos Magneticagnetic Fields, pparaara as músicas ““dede rua” ccomoo o intitulado “Solo”, Beach House nada dede novo hhip-hopip-hop ou o r&r&bb llatino.atino. ZéZénon,n onde António saxofonista bem conhecidconhecidoo pela sua Pinho Vargas Teen Dream Bella Union; distri. Popstock The Magneticetic FieldFieldss pparticipaçãoarticipação nos “all-star” SFS Jazz regressava ao jazz reinterpretando CCollective,ollective, tem construído uuma as suas composições antigas em Realism mmmmn Nonesuch; ddistri.istri. WarneWarnerr carreira notávenotável,l, pprocurandorocurand piano solo, chega-nos o segundo rrevitalizarevitalizar um génerogénero respresponsávelo tomo. Na altura das gravações, o Uma grande ideia mmnnnn pporor muitas ddasas pápáginasginas mítmíticasi do pianista registou uma enorme – seja o jjazzazz norte-americano. ParaP quantidade de material, pelo que socialismo, a NoNo discdiscoo de aalémlém de colaboraçcolaboraçõesõ com este disco é novamente duplo, pólvora ou a 2008 dos CCharlieharlie HadenHaden,, DDavid incluindo 26 temas em hora e meia libertação sexual MaMagneticgnetic MurraMurrayy ou o ggigantei do de música. Pinho Vargas deixou da mulher – é FieFields,lds, jjazzazz latinolatino RRaya para este segundo volume algumas sempre um pau “Distortion”,“Distortion”, BBarretto,arretto, é composições menos conhecidas, de dois bicos: há inevitavelmente o murmuroo de pprecisamenterecisame nos mas que se regem pelas mesmas quem esteja disposto a deturpá-la, electricidadede à maneiramaneira ddosos seus pprópriosró premissas: melodias que evocam a ou, pior ainda, a acreditar nela até às Jesus and thehe Mary CChainhain era reregistosgistos que emoção fácil, sempre guiadas pela últimas consequências e a repeti-la sobretudo umum embrulhoembrulho ZénoZénonn melhor interpretação sem desvios do porque funcionou uma vez. Na arte, ruidoso parara as cancançõesções dede revelarevela a sua pianista, numa eficaz linearidade chamamos às boas ideias que se factura clássicasica a qqueue nos fortíssimafortí que é a imagem de marca da sua repetem técnicas ou truques, habituou Stephintephin Merritt ppeloelo linguagem jazz. Como novidade, são consoante queremos menos desdede “69 Love Songs”. incluídas duas versões nunca antes (respectivamente) laudar ou Eis um álbumum que se apresenta gravadas pelo pianista; “Que o amor menorizar o seu uso. como um complementoomplemento ddoo não me engana”, de Zeca Afonso No caso dos Beach House, a anterior, noo sentidosentido em que (aqui dividido em duas partes), e questão põe-se assim: como fugir à descola do artifícioartifício dada “The times they are a-changing”, de “ideia” que enformava “Devotion”, distorção paraara assumir a Bob Dylan, em interpretações que isto é, a união entre órgãos autenticidadede do reregistogisto vão ao encontro da linha estética do nostálgicos e guitarra slide criando acústico. Naa prática, a única disco. Apesar de ser menos melodias lânguidas e harmonias coisa que háá verdadeiramenteverdadeiramente relevante do que o primeiro “Solo”, etéreas? O problema é que esta nova em “Realism”,Realism”, o oitavo este segundo volume funciona como “ideia” era mais do que isso: era o álbum dos um importante complemento e “décor” onde decorria a encenação Magnetic A voz grossa de Stephen Merritt é a única novidade como documento histórico de uma de uma peça que cheirava a dramas Fields é o digna de registo (e mesmo assim...) do novo figura precursora do jazz em surdos de Lolita. A solução dos facto de Magnetic Fields Portugal. Nuno Catarino

50 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon Erol Alkan no primeiro aniversário das festas Clashclub

Amália Hoje em dose dupla no Casino da Póvoa Phill Niblock, um mestre do minimalismo na ZDB

Pop Samba”, o disco queue muitos anos mais tardearde a Agenda David Byrne descobriubriu e Buika vai estar no Centro Cultural Vila Improvável reeditou, levando à sexta 15 FAN - Festival de redescoberta de umm músicomúsico Flor, Guimarães Ano Novo 2010. mestre que, de desaire comercial em Orquestra de Jazz Pedro Moutinho desaire comercial, já estava de Matosinhos Olhão. Auditório Municipal. resignado à reforma. Felizmente Águeda. Cine-Teatro São Pedro. Lg. Av. Dr. Francisco Sá Carneiro, Dr. António Breda, às 21h30. Tel.: lote B3 r/c, às 21h30. Tel.: 289710170. da bossa Tom Zé é uma cabeça superior, com 234622837. 10€. 10€ a 12€. ouvidos que escutam o brilho das galáxias, e se “Estudando o Samba” La Querencia Sérgio Godinho Quarteto Lisboa. Cinema Nimas. Av. 5 Outubro, 42B, às 22h. O futuro é Tom Zé, ainda e e Jogos de Armar” são discos Castro Verde. Cine-Teatro Municipal de Castro Tel.: 213574362. 10€. Verde. R. Alexandre Herculano, às 21h30. Tel.: sempre o mais arriscado dos tremendos, “Estudando o Pagode” e 286328193. 3€. “Estudando a Bossa” são obras- Tó Trips brasileiros. João Bonifácio Portimão. Teatro Municipal - Café-Concerto. Lg. 1.º Ana Sofi a Varela primas que nem Caetano ousou. O de Dezembro, às 22h. Tel.: 282402475. Beja. Teatro Pax-Júlia. Lg. São João, às 21h30. Tel.: futuro é Tom Zé, ainda e sempre o 284315090. Tom Zé Amália Hoje mais arriscado dos brasileiros. No Com Tom Zé (voz e violão), Jarbas Póvoa de Varzim. Casino. Ed. do Casino, às 22h. Mariz (viola; bandolim; percussão e Teatro Viriato de Viseu, esta quinta- Tel.: 252690888. 20€. domingo 17 feira (e dois dias depois em voz), Daniel Maia (guitarra e voz), Lauro Grupo Normal Christoph Pregardien e Remix Guimarães, no Centro Cultural Vila Léllis (bateria), Renato Léllis (baixo e Guarda. Teatro Municipal - Café-Concerto. R. Ensemble voz), Cristina Carneiro (teclados e voz), Flor), temos direito finalmente a Batalha Reis, 12, às 22h. Tel.: 271205241. 4€. Direcção musical de Peter Rundel. Rosângela Lemos (voz). estudar a bossa com o mais Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian inusitado dos mestres. sábado 16 - Grande Auditório. Av. de Berna, 45A, às 19h. Tel.: Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque. 217823700. 12,5€ a 25€. 5ª, 21, às 21h30. Tel.: 232480110. 10€ a 20€. Maria João Pires e Rufus Müller Ver texto na pág. 12. Lisboa. CCB - Grande Auditório. Pç. do Império, às Da última vez que Tom Zé esteve em E que tal sem 21h. Tel.: 213612400. 10€ a 30€. Portugal, apresentou um Maria João Pires e Rufus Müller nostalgia? Ver texto na pág. 12. Portimão. Teatro Municipal de Portimão - Grande espectáculo curioso, “Tropicália Auditório. Lg. 1.º de Dezembro, às 19h. Tel.: Buika 282402475. Jacta Est”, em que demonstrava a Air influência portuguesa no Guimarães. CC Vila Flor - Grande Auditório. Av. D. Ver texto na pág. 12. Lisboa. Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão, 96. Afonso Henriques, 701, às 22h. Tel.: 253424700. Tropicalismo. Era uma miscelânea Sáb., 16, às 21h. Tel.: 213240580. 28€ a 32€. 10€. de passado e presente unindo-se em Michael Bolton The Weatherman Lisboa. Coliseu. R. Portas St. Antão, 96, às 21h. Tel.: relações bastardas que só Tom Zé Causa um pouco de confusão Guimarães. CC Vila Flor - Café-Concerto. Av. D. 213240580. 15€ a 70€. poderia legitimar. O músico vinha de verificar que o anúncio televisivo Afonso Henriques, 701, às 0h. Tel.: 253424700. um grande disco, “Estudando o que serve de promoção ao concerto 2,5€. Bruno Monteiro e João Paulo Santos Pagode”, que fora muito bem dos Air amanhã no Coliseu dos Clashclub: Erol Alkan + Fritus Santa Maria da Feira. Biblioteca Municipal. Av. recebido e nos proporcionou uma Recreios, em Lisboa, use como Potatoes Suicide + Crisis + Belchior Cardoso da Costa, às 17h. Tel.: 256377030. digressão pelo país. Entretanto, fundo sonoro “Sexy boy”, o êxito Sininho + Mr Teaser Entrada gratuita. lançou “Estudando a Bossa” que do primeiro longa-duração da Porto. Teatro Sá da Bandeira. R. Sá da Bandeira, nem sequer foi distribuído por cá, o banda. É como se quem lhes paga o 108, às 23h59. Tel.: 222003595. 12,5€ a 15€. segunda 18 que é lamentável: segue as pisadas cachet visse neles nada mais do que La Querencia Tito Paris + Boss AC de “Estudando o Pagode”, isto é, um fenómeno de nostalgia, uma Lisboa. Cinema Nimas. Av. 5 Outubro, 42B, às 22h. + Miguel Ângelo Tel.: 213574362. 10€. esfrangalha o género que aborda, espécie de “maravilha de uma só Lisboa. Coliseu. R. Portas St. Antão, 96, às 20h30. fragmentando-o em múltiplas canção”, e ainda apele à geração Amália Hoje Tel.: 213240580. 10€ a 20€. Póvoa de Varzim. Casino. Ed. do Casino, às 22h. Primeira Gala Mais Portugal - Cabo

Concertos melodias desenhadas pelos mais que cresceu a dançar no sofá, Tel.: 252690888. 20€. Verde inusitados instrumentos, maravilhada com sons plástico inundando-as de ruído e retro. Uma geração com a expressão Lobo terça 19 estabelecendo uma polifonia “surfers do sofá” tatuada no rabo, Vila Nova de Famalicão. Casa das Artes - Café- Concerto. Pq. de Sinçães, às 23h. Tel.: 252371297. 5€. fragmentada e hiper-harmónica, que portanto. Há aqui um erro: os Air Christoph Pregardien e Remix se sustenta numa depuração e nunca foram vanguarda de nada, Sandy Kilpatrick + The Pilgrims Ensemble reescrita da complexidade rítmica nunca foram banda que por acaso of Light Direcção Musical de Peter Rundel. inerente ao género. Isto, diga-se, soa ou maravilha teve um êxito. Não Vila Nova de Famalicão. Casa das Artes - Grande Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho Auditório. Pq. de Sinçães, às 21h30. Tel.: 252371297. 5€. de Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 10€. mais confuso do que é em disco têm nada a ver com os Sofa Surfers porque Tom Zé, mesmo sendo um ou qualquer outra cópia Drumming - Grupo de Percussão quarta 20 compulsivo empanturrador de sons vanguardista de ocasião (estes Espinho. Auditório. R. 34, 884, às 21h30. Tel.: 227340469. 7€. Phill Niblock + O.Blaat (ele põe em cada faixa tudo o que o felizmente foram rapidamente A Desconstrução da Bossa. Tom Zé vem estudar a bossa Lisboa. Galeria Zé dos Bois. R. da Barroca, 59 - computador permite), tem o dom de esquecidos). Sempre foram Bairro Alto, às 22h. Tel.: 213430205. 5€. a Viseu e Guimarães sintetizar e ordenar. E isto é, no compositores de canções clássicas, Monstro Mau Leiria.Leiria. TeTeatro José Lúcio da Silva. R. Dr. Américo ffundo,undo, o mesmo queque Tom ZéZé ccomom verso, ponteponte e refrão, CortezCortez PPinto,i às 22h. Tel.: 244834117. 7,5€. quinta 21 ffezez no mítico “Estudando o mesmomesmo BethBeth NahrinN Orquestra Gulbenkian Loulé.Loulé. ConventoCo de Santo António dos Capuchos. R. Direcção musical de Lawrence Nossa SenhoraSe da Piedade - Campo do Olival, às 21h30. Tel.:Te 289400957. Entrada gratuita. Foster. Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian - X FestivalFest de Música Al-Mutamid. Grande Auditório. Av. de Berna, 45A. 5ª às AmputatedAmpu + No Turning Back + 21h00.6ª às 19h00. Tel.: 217823700. 10€ a 20€. DDesecrationesec + Contradiction + Obras de Mozart e Haydn. SiSimbiose + Decayed + Pitch Black + Angriff + The Godiva + Decrepidemic + VS777 + Hacksaw + Steal Your Crown Mangualde. Centro Recreativo e Cultural de Santo André. R. Central, às 15h. Tel.: 232613674. 13€ a 15€. 16.º HardMetalFest Young-ChoonY Park Os Air de novo no Coliseu dos Recreios, VilaVila Real. Teatro - Pequeno Auditório. Al. de O Drumming agora depois do álbum mais arriscado GGrasse,ras às 16h. Tel.: 259320000. 5€. desconstrói a bossa dos últimos anos

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 51 Dennis González acompanha o pianista João Paulo Esteves da Silva

Espaço Público Este espaço vai ser ele, concordando ou não

Concertos seu. Que fi lme, peça concordando com o que de teatro, livro, exposição, escrevemos? Envie-nos uma disco, álbum, canção, concerto, nota até 500 caracteres para DVD viu e gostou tanto que [email protected]. E nós lhe apeteceu escrever sobre depois publicamos.

Dave Burrell faz dois concertos imperdíveis, no Porto e em Lisboa

quando não por esta ordem, Lula Pena a solo no Music Box seu desejo de mundo a levavam abrange a comemoração de duas Lisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58, Dom., 17, às 18h30. mesmo quando o refrão não é noutras direcções. efemérides do compositor — os 150 Tel.: 213467090. 7€. cantado. Um segundo álbum não chegou anos do nascimento e o centenário Comissariadas pela Filho Único, estas Causa também um pouco de ainda, mas ela, discreta, misteriosa da morte — e marca também os dez duas apresentações do mítico estranheza que “Love 2”, o último nestes tempos de total e contínua anos da ONP como formação pianista Dave Burrell surgem numa disco, tenha sido recebido com um exposição, prossegue o seu caminho. sinfónica. Noutra, abre a série de altura em que, devido à crise bocejo. Não porque não seja De tempos a tempos, reaparece. E, “retratos musicais” da finlandesa económica mundial e a uma cultura ocasionalmente aborrecido – é-o, mas depois de muito tempo ausente, Kaija Saariaho (n. 1952), compositora formatada pelo gosto dominante, também todos os discos dos Air o depois de a ouvirmos cantar “Pasión” em residência na Casa da Música muitos dos criadores de vanguarda são. E no caso, este é o disco mais no álbum “Alma Mater” (2000), de durante o ano que agora começa. A são empurrados para uma arriscado da dupla em muitos anos, Rodrigo Leão, tem reaparecido célebre Sinfonia nº1, “Titã”, de involuntária invisibilidade. Nada de sendo, simultaneamente, o mais regularmente nos últimos anos. Quer Mahler, conhecida pela sua magnífica mais para o pianista Dave Burrell, acessível: há digressões pelo som de a solo, a guitarra e a sua voz vogando orquestração, será deste modo cuja longa e brilhante carreira foi Bollywood, aproximações ao funk e livres entre Lisboa, Rio de Janeiro e apresentada em conjunto com sempre feita de altos e baixos. Com ao afro-beat, jams psicadélicas, tudo Lula Pena, voz Buenos Aires, quer com Richard “Orion”, de Saariaho, obra que terá dezenas de discos gravados em nome o que for necessário para prender a e guitarra Galliano ou com os Tigrala de nesta ocasião estreia em Portugal. próprio e mais de uma centena de atenção do ouvinte a estas canções Norberto Lobo, Guilherme Canhão e Kaija Saariaho é uma das mais participações em registos de músicos repletas de curvas e contra-curvas. Lula Pena Ian Carlo Mendoza, Lula Pena tem importantes personalidades criativas como Archie Shepp, Pharoah Na altura em que “Love 2” saiu, os aparecido, tem cantado. Enquanto do actual panorama musical. Sanders, Marion Brown, Sonny Lisboa. Music Box. Rua Nova do Carvalho, 24 (Cais Air diziam-nos em conversa que são do Sodré), às 0h. Tel.: 213430107. 10€. não chega o tal segundo disco, esse Efectuou a sua formação em Sharrock, Roswell Rudd ou David músicos à antiga, que gostam de que não sabemos quando virá, que Helsínquia, Friburgo e Paris, tendo as Murray, o pianista é um caso raro de música antiga. Se calhar foi por isso Com “Phados”, o único álbum que cante é tudo o que lhe podemos suas pesquisas no IRCAM (Institut de criatividade extrema, que os promotores foram buscar lhe conhecemos, editado no distante pedir. Lula Pena irá fazê-lo esta noite, Recherche et Coordination frequentemente com uma vibração uma música antiga para o anúncio. ano de 1998, Lula Pena definiu uma só em palco, no Musicbox, em Acoustique/Musique) influenciado experimental, mantendo no entanto Teriam feito melhor se tivessem rota, pessoalíssima, onde o fado era Lisboa. Depois dela, a noite ficará por profundamente o seu percurso uma fortíssima ligação às raízes do escolhido “Tropical disease”, deste ideia, intuição e geografia. Não o conta do DJ carioca Maga Bö, cultor criativo. As texturas luxuriantes e jazz, nomeadamente através de uma disco: é o mais perfeito naco de circunscrevia às fronteira tão de dança globalizada, de ritmos misteriosas que percorrem muitas muito particular forma de “swing”. música que os Air fizeram. E não tem firmemente delimitadas, não o resgatados mundo fora. Mário das suas peças são frequentemente Na sua música encontramos Jelly Roll um pingo de nostalgia. J.B. “limitava” a isso quando a sua voz e o Lopes criadas a partir da combinação dos Morton e Gershwin de mãos dadas instrumentos acústicos com a com Thelonious Monk ou Cecil electrónica. O seu catálogo inclui Taylor. Dois dias após a sua Clássica numerosas obras de câmara, mas a apresentação a solo na Culturgest partir da década de 1990 Saariaho Porto, dá-se o extraordinário começou a explorar mais encontro, em Lisboa, entre Burrell e Luxuriantes sistematicamente efectivos e o trompetista Sei Miguel, figura maior estruturas maiores, patentes por do jazz de vanguarda nacional. orquestrações exemplo nas óperas “L’Amour de loin” e “Adriana Mater” ou na oratória “La Passion de Simone”. Lisboa, Texas O arranque da integral “Orion” (2002), a mais extensa das das Sinfonias de Mahler e suas obras sinfónicas, evoca o João Paulo Esteves da Silva + a estreia em Portugal de caçador aventureiro da mitologia Dennis González grega, filho mortal do deus dos mares Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de “Orion”, de Kaija Saariaho, Neptuno (Poseidon), que Zeus preenchem o próximo Albuquerque. Sáb., 16, às 22h. Tel.: 220120220. 10€. colocou nos céus como uma radiante Ciclo Jazz Galp. concerto da Orquestra constelação após a sua morte. O Nacional do Porto. Cristina contraste entre o ser humano Com um disco gravado em duo, hiperactivo e o objecto imóvel no “Scape Grace” (Clean Feed), referido Fernandes firmamento é explorado pela em grande parte das listas dos compositora nos três andamentos da melhores do ano, Dennis González e Orquestra Nacional do Porto obra através de imaginativas texturas João Paulo têm todas as razões para Direcção musical de Cristoph König orquestrais e de efeitos tímbricos e pensar com optimismo no futuro. dinâmicos de grande impacto. São ambos artistas cujo talento Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho de Albuquerque. Sáb., 16, às 18h. Tel.: 220120220. 16€. ultrapassa em muito as simples Áustria 2010. Obras de Saariaho e Jazz noções habitualmente associadas à Mahler. música e aos músicos. Com uma abordagem surpreendentemente Sob a direcção do seu maestro titular, simples, têm construido uma Christoph König, a Orquestra Expansões carreira exemplar, regularmente Nacional do Porto (ONP) dá início no registada em amplas discografias, próximo sábado a dois filões Oportunidade para tendo-se afirmado nos seus marcantes da programação da Casa respectivos países como da Música desta temporada.p Numa presenciar a arte de uma das catalisadores de um jazz sem ddasas frentes, esta será a primeiraprimeira fi guras míticas do jazz de preconceitos ou barreiras. etapa da apresentação da integral vanguarda norte-americano, Dennis González foi, em 2009, das ddasas SinfoniasSinfonias de Gustav Mahler personalidades do jazz norte- ((1860-1911)1860-1911) em 2010 e 2011, Dave Burrell. Rodrigo americano com maior presença na pprojectorojecto Amado imprensa especializada, tendo iinéditonédito nnoo editado quatro novos registos em ââmbitombito ddasas Dave Burrell Solo nome próprio com a participação de orquestras músicos como Joe Morris, Reggie Porto. Culturgest. Avenida dos Aliados, 104 - Edifício portuguesasportuguesas da CGD. Hoje, às 22h. Tel.: 222098116. 5€. Workman ou Famoudou Don Moye. queque Por seu lado, João Paulo editou o Dave Burrell / Sei Miguel Edge excelente “White Works”, a solo com Quartet as composições de Carlos Bica, único A compositora fi nlandesa Kaija registo nacional a integrar a listagem Saariaho está em residência Com Fala Mariam, César Burago e Pedro Gomes do Ípsilon para os melhores discos de na Casa da Música jazz de 2009. R.A.

52 • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • Ípsilon aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

O modo como Arlindo Silva representa as duas fi guras traduz uma espécie de campo e contracampo de uma mesma condição, própria do corpo da mulher

progenitora captada na cama do apenas duas pinturas, ambas fotografia tirada por Robert Dar à luz hospital, antes do parto; e uma pertencentes a colecções Mapplethorpe em 1984. Quanto aos representação da sua mãe, sentada particulares e tecnicamente modelos pictóricos, eles tanto no interior de uma banheira. São irrepreensíveis, Arlindo Silva realiza podem vir de Rembrandt como de Duas pinturas: um arco imagens hiper-realistas, realizadas um gesto raro e a contrapelo da Gerhard Richter (as pinturas dos de mãe a mãe. Óscar Faria com recurso a fotografias, o que lhes opção em apresentar um maior seus filhos Betty, Moritz e Ella e da acentua a dimensão privada, ou seja, número de trabalhos, escolhida sua mulher, Sabine, realizadas a Mãe distante de olhares exteriores. Há, pela maioria dos artistas – há um partir de instantâneos incluídos no De Arlindo Silva de facto, uma dificuldade do olhar exemplo que pode ser citado a este Atlas, arquivo de imagens reunido em aceder a esta transmissão de propósito, a mostra realizada pelo desde o início dos anos 1960), de Porto. MCO Arte Contemporânea. R. Duque de mãe a mãe através das mediações italiano Rudolf Stingel na galeria Lucien Freud (o retrato de Kate Palmela, 141/143. T. 225102328. Até 17/1. 2ª a Sáb das 14h às 19h. fotográfica e pictórica, como se, nova-iorquina Paula Cooper, em Moss grávida, pintado em 2002, ou Pintura. paradoxalmente, a arte se 2005, na qual era revelada apenas as representações da mãe, despegasse da vida nesse desejo de a uma pintura a preto-e-branco na sobretudo as datadas dos anos mmmmm prolongar para um futuro indefinido qual figurava a própria galerista, 1970), ou ainda os nus de Pierre – ausente das imagens, a filha é, de numa imagem apropriada de uma Bonnard. No século XVII, Rembrandt van facto, quem acrescenta uma Rijn pintou alguns retratos da sua respiração àquele mundo de corpos mãe, Neeltgen Willemsdochter van silenciosos, sem movimento. Zuytbrouck, filha de um padeiro, Nesse arco que vai de mãe a mãe, que chegou também a servir-lhe de há uma outra ideia que sobressai: o modelo, por exemplo, para a modo como Arlindo Silva representa Exposições personagem bíblica Ana, numa as duas figuras – uma de frente, num pintura onde surge absorvida no instante de espera, de expectativa, a estudo do velho testamento. A olhar directamente para a câmara vontade de fixar para a posteridade fotográfica, a barriga a emergir, a imagem de um ente querido é um afirmativa, sob os drapeados de dos assuntos centrais da arte. lençóis e da roupa da parturiente, a Recordem-se os retratos de Faium, outra nua, de costas, sentada numa que vieram a ser descobertos e banheira com água pela metade – estudados após 1615, data da traduz uma espécie de campo e primeira descoberta deste tipo de contracampo de uma mesma obras (século I a.C. – século II d.C.) condição, própria do corpo durante uma peregrinação à Terra feminino, a de dar à luz. As pinturas Santa organizada pelo nobre testemunham essa dupla condição italiano Pietro Della Valle. Feitas de mãe e filha de cada uma das ainda em vida, estas pinturas mulheres representadas: ambos os acompanhavam o corpo do defunto trabalhos são habitados por um no seu enterro. ambiente aquático; mais A exposição “Mãe”, de Arlindo tumultuoso, aquele onde se vê a Silva (Figueira da Foz, 1974), espera do parto, mais sereno o confronta o espectador com duas outro, invadido por uma luz coada pinturas de média dimensão: “À – neste caso, a posição da mãe do espera de Verónica” (50x66,5 cm) e artista é fetal, sublinhando esse “Mãe” (51,5x68,5cm). Nos dois regresso à origem da vida e, por casos, o assunto pertence à esfera analogia, à própria experiência da íntima do artista: a proximidade do maternidade celebrada em “À espera nascimento da primeira filha, fixado de Verónica.” a partir de uma imagem da Ao realizar esta exposição com

Ípsilon • Sexta-feira 15 Janeiro 2010 • 53 aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

“Moon and Something Else” na Galeria Pedro Oliveira Exposições

Manuel Caeiro A dupla Jane & Louise no Centro Cultural Vila Flor Wilson na Gulbenkian

O trabalho de André Romão sobre o espaço da Kunsthalle Agenda Uma rasura Lissabon é uma das qualidades da exposição visual cheia Inauguram Artistas Timorenses de tensões Lisboa. Museu do Oriente. Av. Brasília - Edifício Pedro Álvares Cabral - Doca de Alcântara Norte. Tel.: 213585200. Até 14/02. 6ª das 10h às 22h. 3ª a 5ª, Sáb. e Dom. das 10h às 18h. Inaugura 15/1 às Na sua primeira individual, 18h30. André Romão continua a Pintura, Outros. descobrir a perenidade do Voyeurografi a Lisboa. ALT Fabrik. R. Rodrigues de Faria, 103 humano na história e no - Edifício I - piso 3 - sala 3.4 - LX Factory. Tel.: tempo. José Marmeleira 965786793. Até 27/02. 3ª a Sáb. das 15h às 19h. Inaugura 16/1 às 17h. Fotografia. O Inverno do (nosso) Manuel Caeiro Descontentamento Guimarães. Centro Cultural Vila Flor. Avenida D. De André Romão. Afonso Henriques, 701. Tel.: 253424700. Até 28/03. 3ª a Sáb. das 10h às 19h. Dom. e Feriados Lisboa. Kunsthalle Lissabon. R. Rosa Araújo, 7-9. das 14h às 19h. Inaugura 16/1 às 18h. Tel.: 918156919. Até 14/02. 5ª, 6ª e Sáb. das 15h Pintura. às 19h. Odisseia Dor & Espanto Instalação, Outros. De José Batista Marques. Lisboa. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea. mmmnn Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831. (“Marcas de Baton”, na tradução Até 05/03. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. das A primeira exposição individual de portuguesa da Frenesi) – na 12h às 19h30. Inaugura 20/1 às 21h30. André Romão (Lisboa, 1984) projecção da imagem de Steve Desenho, Pintura, Escultura. possibilita duas aproximações à obra Ignorant, o vocalista dos Crass, em Scattered Spaces deste artista cujo percurso tem pleno concerto. André Romão faz De Ricardo Angélico, Pedro Duarte acontecido no contexto de colectivas assim referência a dois momentos de Bento, Carla Cabanas, entre outros. ou projectos de colaboração. Por um transformação, corte, ruptura: a Lisboa. Carlos Carvalho - Arte Contemporânea. Rua Joly Braga Santos, Lote F - r/c. Tel.: 217261831. lado, permite um confronto com a passagem do poder político para a Até 05/03. 2ª a 6ª das 10h30 às 19h30. Sáb. das sua produção num contexto Casa de York e as ondas de choque 12h às 19h30. Inaugura 20/1 às 21h30. exclusivo; ou seja, abre o espaço provocadas pelos protesto sociais Pintura, Escultura, Desenho. para a aparição das obras diante do que a banda punk de alguma forma Negativland espectador; por outro lado, dá a protagonizou. De Paulo Brighenti. conhecer mais um capítulo do Tensões e violências semelhantes Lisboa. Baginski Galeria/Projectos. R. Capitão projecto “O Estado perfeito”, são também projectadas pela obra Leitão, 51/53. Tel.: 213970719. Até 06/03. 3ª a Sáb. renovando ideias e experiências homónima, uma estátua do das 11h às 19h. Inaugura 20/1 às 22h. Pintura. introduzidas noutras exposições. navegador Nicolau Coelho, da Depois de um conjunto de autoria de Leopoldo de Almeida, Gonçalo Sena trabalhos que lidavam com as ideias pertencente ao acervo do Museu da Lisboa. Baginski Galeria/Projectos. R. Capitão Leitão, 51/53. Tel.: 213970719. Até 06/03. 3ª a Sáb. de abertura e de ocultação (do Cidade. Com a base danificada, das 11h às 19h. Inaugura 20/1 às 22h. acontecimento e da imagem), André encontra-se derrubada, como uma Desenho, Fotografia. Romão tem vindo a investigar a escultura que só é possível ver no Jane e Louise Wilson: Tempo perenidade dos conceitos humanos chão. Mas dessa forma transcende a Suspenso na história e no tempo. Repetem-se sua particularidade ou origem. É Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo os materiais (a literatura, a apenas uma escultura perante o Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: historiografia, a história da arte e de nosso corpo. 217823474 . Até 18/04. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Inaugura 21/1 às 18h30. outras artes), mas as preocupações O modo como André Romão Vídeo, Escultura, Outros. são, pelo menos aparentemente, trabalha o espaço da Kunsthalle outras. Lissabon – desta vez menos generoso Abstração e Figura Humana na No Kunsthalle Lissabon com a escala das obras – é uma das Colecção Britânica do CAM deparamo-nos com quatro obras. qualidades da exposição, pois De vários autores. Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Uma imagem e uma escultura faculta uma relação envolvente e Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: preexistentes, a projecção de um inesperada com as relações que ali 217823474. Até 18/04. 3ª a Dom. das 10h às 18h. diapositivo e a leitura de um texto. A acordam. Tome-se a presença de “O Inaugura 21/1 às 18h30. Outros. ausência de aparato visual, de Celibatário”. Trata-se de um plinto artifício (ou do seu excesso), é vazio e forrado de linho natural, O Fio Condutor - Desenhos da manifesta. As peças têm um carácter tecido associado aos valores da Colecção do CAM quase denotativo, ou limitam-se a pureza. Não mostra nada para além Lisboa. Centro de Arte Moderna - José de Azeredo Perdigão. Rua Dr. Nicolau Bettencourt. Tel.: projectar acções, eventos, imagens. da ausência (ou do 217823474 . Até 11/04. 3ª a Dom. das 10h às 18h. Tal rasura visual surge, no entanto, desaparecimento?) de um objecto, Inaugura 21/1 às 18h30. assombrada pelas especificidades tal como a escultura caída. Ou veja- (os contextos) às quais fazem se a cabeça de Steve Ignorant Continuam referência, a começar pelo título: “O duplamente decepada: pelo suporte Debret Inverno do (nosso) do microfone e pelas colunas do De Vasco Araújo. descontentamento” resulta de uma Kunsthalle Lissabon. Lisboa. Museu da Cidade de Lisboa. Campo sobreposição do parágrafo inicial de No trabalho escultórico, na Grande, 245. Tel.: 217513200. Até 07/03. 3ª a “Ricardo III”, de William articulação consciente de narrativas, Dom. das 10h às 18h. Shakespeare, com o nome cunhado no repto ao espectador (presente no Escultura. pela imprensa para descrever as cartaz que anuncia a leitura todos os Moon and Something Else greves que entre 1978 e 1979 sábados de um excerto de “Para um De Carlos Correia. agitaram a Inglaterra. Tal evocação Teatro Pobre”, de Jerzy Grotowski), Porto. Galeria Pedro Oliveira. Calçada de Monchique, 3. T. 222007131. Até 30/1. 3ª a sáb das repete-se ou reencontra-se – numa há uma responsabilidade para com o 15h às 20h. abordagem reminiscente de espaço da arte (e da vida) da qual Pintura, Desenho, Vídeo. “Lipstick Traces”, de Greil Marcus André Romão não se demite.

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