As Cantigas Medievais Galego- Portuguesas Do Repertório Para Canto Acompanhado No Século Xx
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AS CANTIGAS MEDIEVAIS GALEGO- PORTUGUESAS DO REPERTÓRIO PARA CANTO ACOMPANHADO NO SÉCULO XX Vera Mónica Lopes Inácio Cordeniz ___________________________________________________ Dissertação de Mestrado em Ciências Musicais – Musicologia Histórica JULHO, 2010 Resumo A redescoberta do património literário medieval contribuiu para o despoletar de um movimento que o reintegrou na cultura portuguesa do século XX havendo, naturalmente, uma extensão à música. Independentemente das implicações ideológicas observa-se uma apropriação dos compositores portugueses por estas fontes literárias, durante o século XX. A quase total inexistência de sobreviventes musicais originais no repertório medieval conduz a uma reinvenção das cantigas, aliada à estética musical contemporânea. O Lied em Portugal atravessa transformações que se perpetuam com a definição de um repertório para canto acompanhado demarcado entre o final do século XIX e os anos 60 do século XX. É através da análise musical que se compreendem as implicações das especificidades da lírica galego-portuguesa nas soluções musicais encontradas pelos compositores portugueses. PALAVRAS-CHAVE: lírica galego-portuguesa, cantiga, recriação musical, século XX. Abstract The rediscovery of the medieval literary heritage contributed to the appearance of a movement that reintegrated it in the Portuguese culture of the 20th century which, naturally, also extended to music. Apart from the ideological implications, we can see that all along the 20th century the Portuguese composers appropriated these literary sources. The almost total inexistence of surviving musical originals in the medieval repertoire leads to the reinvention of cantigas, combined with the contemporary musical aesthetics. In Portugal, the Lied goes through transformations that perpetuate themselves with the definition of a repertoire for the singing with accompaniment, which can be delimited between the end of the 19th century and the 60s of the 20th century. It’s through the musical analysis that we may understand the implications of the specificities of the Gallician-Portuguese lyric in the musical solutions found by the Portuguese composers. KEYWORDS: Gallician-Portuguese lyric, cantiga, musical reinvention, 20th century ÍNDICE INTRODUÇÃO …………………………………………………………………………1 I. A MÚSICA EM PORTUGAL NA ―DÉCADA DA INVENÇÃO”……………...… 5 I.1. Contexto histórico …………………………………………………….…….5 I.2. A reinvenção da canção portuguesa ………………………………………..9 I.2.1. O Canto e a Lírica – Contextualização histórica do lied …..……...9 I.2.2. A história do lied em Portugal …………………………………...12 I.2.3. Paralelos na música europeia …………………………………….19 II. A CANÇÃO COMO MEIO DE DIFUSÃO …………………………….………….21 II.1. A música e o nacionalismo ……………………………………..…………21 II.2. Portugal e o Estado Novo ……………………………………….………..29 II.2.1. Comemorações Centenárias em 1940 ……..……………………29 II.3. ―Early Music: Revival”…………………………..………………………..37 II.3.1. O movimento revivalista na história da música ocidental ………38 II.3.1.1. Os precursores na recuperação musical ……….………38 II.3.1.2. O movimento revivalista em Portugal …….…..………40 III. A LÍRICA GALEGO-PORTUGUESA – REDESCOBERTA LITERÁRIA……...42 III.1. Os cancioneiros …………………………………………………….……42 III.2. A cantiga ……………………………………………………………...….43 III.3. Breve historiografia das edições críticas da literatura medieval …….….46 III.3.1. Teófilo Braga e o Cancioneiro Portuguez da Vaticana……...…46 III.3.2. Carolina Michaëlis de Vasconcelos e o Cancioneiro da Ajuda...48 III.3.3. José Joaquim Nunes ……………………………………..……..49 III.3.4. Manuel Rodrigues Lapa ………………………………..………51 III.4. Neotrovadorismo…………………………………………………...…….52 IV. AS CANÇÕES MEDIEVAIS ……………………………………………………..55 IV.I. A música da lírica galego-portuguesa e os cancioneiros ………………..55 IV.2. As canções medievais – movimento de composição ………….………….60 IV.2.1. O inìcio de carreira ……………………………….……………61 IV.2.2. O movimento patriótico ………………………………………..62 IV.2.3. Técnicas de composição ……………………………………….63 IV.3. Os compositores ……………………………………………………..…..64 IV.3.1. Tomás Borba …………………………………………………...64 IV.3.2. Francisco Lacerda ……………………………………….……..66 IV.3.3. Cláudio Carneiro ……………………………………………….67 IV.3.4. Filipe Pires …………………………….…………………….…68 IV.3.5. Frederico de Freitas ……………………………………...…….69 IV.3.6. Fernando Lopes-Graça ……………………………..…………..70 V. ANÁLISE MUSICAL ……………………………………………………………...72 V.1. As cantigas de Tomás Borba ………………………………………...……74 V.2. A cantiga de Francisco Lacerda …………………………………………..92 V.3. As cantigas de Cláudio Carneiro …………………………………….……94 V.4. As cantigas de Filipe Pires ………………………………………………103 V.5. As cantigas de Frederico de Freitas …………………………..…………106 V.6. As cantigas de Fernando Lopes-Graça ……………………..…………...121 CONCLUSÃO ………………………………………………………….…………….134 BIBLIOGRAFIA ………………………………………………….………………….137 INTRODUÇÃO Apesar de existirem alguns estudos musicológicos que incidem no século XX português, é certo que ainda existem lacunas que necessitam de ser aprofundadas. Uma grande parte das obras escritas neste século continua envolta numa nuvem de desconhecimento. Será que a proximidade temporal limita, paradoxalmente, o seu acesso? Ainda se notam algumas dificuldades em lidar com objectos de estudo que nos são e estão próximos; o problema dos direitos de autor e o facto de se ter que trabalhar, em muitos casos, com fontes e materiais que não estão editados, ou não são acessíveis em arquivos públicos, poderá condicionar o trabalho do investigador. No entanto, esta proximidade também poderá ser tida como uma mais-valia, ainda mais por representar os nossos mais recentes precursores, tendo que existir, da nossa parte, a reivindicação de uma continuidade desta tradição musical erudita. Naturalmente que podemos ter modelos metodológicos que se enquadrem nos objectos de estudo que pretendemos analisar, mas no que respeita à música do século XX português notam-se, por vezes, algumas dificuldades, em parte devido à fragmentação do campo de estudos, ou seja, os estudos que existem são desiguais e vão-nos apenas desvelando pequenas peças de um grande puzzle (Ferreira 2005: 25). Provavelmente dentro de alguns anos, após a edição de novos trabalhos, resultantes de dissertações de mestrado ou doutoramento, possamos apoiar-nos em materiais mais consistentes e evitar uma duplicação nas investigações, mas actualmente ainda é difícil a percepção do todo. A temática apresentada nesta dissertação enquadra-se na reflexão anterior, tratando-se de um aprofundamento de uma pequena parcela do grande todo. O facto de ter estado, desde Abril de 2008, a trabalhar como bolseira de investigação1 no projecto ―LITTERA, edição, actualização e preservação do património literário medieval português‖ (PTDC/ELT/69985/2006), do Instituto de Estudos Medievais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, despertou, de certo modo, o interesse pela questão das cantigas medievais galego-portuguesas, dado que este projecto tem como objectivo a concretização de uma edição das cerca de 1680 cantigas trovadorescas que chegaram até nós, tendo particularmente em conta os novos meios técnicos de divulgação, nomeadamente os formatos digitais e a internet, aprofundando-se não só numa leitura crítica actualizada da totalidade das cantigas (com 1 A bolsa de investigação durou seis meses, tendo havido, posteriormente, uma colaboração com o Instituto de Estudos Medievais com o objectivo de se concluírem os trabalhos. 1 edição em papel e em suporte digital), mas igualmente no acesso às respectivas versões manuscritas originais (bem como índices de vocabulário e índices onomásticos desenvolvidos). Esta vertente do projecto inclui ainda o acesso à dimensão musical das cantigas, quer no que diz respeito à sua música original (quando chegou até nós), quer procedendo a um levantamento dos compositores portugueses e galegos que musicalizaram cantigas medievais e também a recolha das gravações que delas foram feitas até ao momento (com recurso a contrafacta ou a música autónoma). Por conseguinte, ao estarmos concentrados neste levantamento exaustivo, aliando a nossa formação musicológica e a frequência do ano curricular do mestrado em Ciências Musicais – Musicologia Histórica, começaram a surgir questões, que não se relacionando directamente com o projecto foram estimulando o interesse pela temática: Porquê a proliferação deste tipo de repertório por grande parte dos compositores que estiveram activos entre as décadas de 20 a 50 do século XX? Haveria algum propósito de cariz nacionalista, educativo ou de divulgação, nestas composições? Quais as fontes literárias utilizadas pelos compositores para este repertório? Teriam os compositores conhecimento de melodias medievais, sendo condicionados por estas, ou compunham segundo modelos contemporâneos? Estas questões tornaram-se as problemáticas em torno das quais a investigação foi desenvolvida; para tentarmos chegar a respostas plausíveis e tratando-se de um repertório que assenta em composições para canto acompanhado, essencialmente voz e piano, foi feita uma articulação entre as correntes culturais de vertente nacionalista com a recuperação histórica da literatura antiga. O repertório para canto acompanhado pode ser entendido como meio de divulgação, numa época em que o disco tinha um papel limitado, daí ter havido a necessidade de se perceber a sua relação com o percurso dos compositores, podendo também advir de desafios artísticos ou mesmo apoiar-se em ideologias nacionalistas. Deste modo, foi necessário indagar as fontes literárias utilizadas pelos compositores para estabelecer