UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA

Layara Carreteiro Pantoja Macedo

A CONSTRUÇÃO DOS DISCURSOS SOBRE A MULHER VÍTIMA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM DA REDE GLOBO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

BELÉM - PA 2013

Layara Carreteiro Pantoja Macedo

A CONSTRUÇÃO DOS DISCURSOS SOBRE A MULHER VÍTIMA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM TELENOVELAS DA REDE GLOBO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura, Linha de Comunicação, Linguagem e Arte no Contexto Social da Amazônia, da Universidade da Amazônia, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Comunicação. Orientadora: profª. Drª. Andrea Pontes

Belém 2013

Layara Carreteiro Pantoja Macedo

A CONSTRUÇÃO DOS DISCURSOS SOBRE A MULHER VÍTIMA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM TELENOVELAS DA REDE GLOBO

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de Mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura, e aprovada em sua forma final pela orientadora, co-orientadora e pela banca examinadora.

Orientadora: profª. Drª. Andrea Pontes

Co-Orientadora: profª. Drª. Ivânia dos Santos Neves

Banca Examinadora:

______Profª. Drª. Selma Suely Lopes Machado (UFPA)

______Profª. Drª. Neusa Gonzaga de Santana Pressler (UNAMA)

Coordenadora do Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura:

______

Profª. Drª. Ivânia dos Santos Neves

Dedico este trabalho a Eloá Pimentel, Mércia Nakashima, Sandra Gomide, Patrícia Aggio, Elisa Samúdio, Adriana Filgueiras e tantas outras vítimas dessa violência tão covarde... Que não tenha sido em vão!

AGRADECIMENTOS

Na esfera acadêmica e institucional:

À minha orientadora, profª Drª. Andrea Pontes, por me oferecer um pouco do seu tempo tão escasso, abrindo os caminhos deste trabalho.

À minha co-orientadora, Profª Drª. Ivânia Neves, por ter me oferecido ferramentas fundamentais para a conclusão da pesquisa, além de ter ministrado a melhor disciplina do mestrado.

Agradeço à professora Profª Drª. Cenira Sampaio, que idealizou comigo esta pesquisa e foi sempre tão solícita e ética, e a todos os demais professores do mestrado que me mostraram um mundo novo, muito além de problemas epistemológicos.

À minha banca de qualificação, formada pelas professoras Drª. Ataíde Malcher e Drª. Analaura Corradi, por dedicarem seu tempo a aperfeiçoar meu trabalho, me dando novas perspectiva, além de me fazerem repensar todo o processo de construção do conhecimento na Amazônia.

Agradeço toda a equipe que compunha o mestrado e que nos deu suporte durante este percurso. Obrigada pela atenção de sempre e pelos cafezinhos que nos deixavam seguir nas aulas do Prof. Dr. Agenor até a meia-noite.

Na esfera pessoal:

“Os seus problemas são soluções nas mãos de Deus”. Minha avó me disse isso e tal frase nunca foi tão aplicável como nessa jornada. Durante a realização desse trabalho tive a certeza de que Deus esteve comigo em todos os momentos, mesmo tendo me afastado Dele em muitos outros.

Agradeço à minha mãe, Florinês, que nunca esteve tão presente em minha vida como nesses dois anos, me acompanhando na universidade, escutando minhas aflições, sofrendo comigo, brigando pelos meus direitos e sendo a pessoa que me

disse que certos discursos, como “você não serve para isso” e “desista”, não eram para mim. Obrigada por (pelo menos tentar) me ensinar a ser uma pessoa mais ‘desencanada’ (eu sei que preciso mesmo, não desista). Obrigada, mais uma vez, por me achar a pessoa mais inteligente do mundo e por acreditar em mim mais do que eu!

Aos meus avós, Floriano(In Memorian) e Inês, que “escolheram” ser meus pais e me deram a honra de ser criada por eles. Vó, agradeço as orações (sei que não foram poucas) e a torcida silenciosa e sofrida. Afinal, a senhora sabe que tem mais “moral” com os santos do que eu. Agradeço também, além de terem me dado as condições de cursar o mestrado e apostarem em mim, por terem sido as pessoas que me deram ensinamentos que pude a todo o momento colocar em prática durante esse trabalho. Acredito que os princípios que vocês me passaram são as características principais em uma carreira acadêmica: caráter, ética, honestidade, humildade e respeito ao próximo. Além disso, me ensinaram na prática que o sucesso digno é fruto do trabalho árduo. Muito obrigada pelo exemplo!

Ao meu marido, Rui, que é a pessoa mais inteligente que conheço e que ficava escutando e rindo de mim quando eu falava sobre Foucault. Você me fez perder o medo dos desafios com a fé de que “tudo é possível” e me ensinou a ter disciplina na vida, principalmente para estudar, o que foi fundamental nesse mestrado. Que tantas vezes aguentou o meu mau humor, as crises de choro e inseguranças, vontade de desistir, suportando a minha ausência constante, me dando suporte sem nunca reclamar. Que tantas vezes, quando eu estava muito atarefada com a pesquisa, saia do trabalho para comprar o meu almoço, tirar xerox e tantas outras coisas. Outras vezes que, diante do meu desânimo, praticamente teve que me levar arrastada para o Galeão. Obrigada por acreditar em mim, você me inspira!

Ao meu tio, Florinaldo, que com sua experiência acadêmica entendia meus anseios e conseguiu me apontar soluções, dando valiosíssimos conselhos e também dizendo “Lay, não entrega os pontos”.

À minha amiga Karol, uma irmã que Deus me deu, que esteve comigo durante todo o curso dividindo trabalhos, dúvidas, aflições e confidências. Mais do que isso, esteve comigo no momento mais difícil dessa caminhada, largou tudo e bateu na porta da minha casa oferecendo ajuda. Aconselhou, ouviu, ofereceu a mão quando

tantos outros me deram as costas, mostrando que além de uma excelente professora, é um ser humano excepcional. Quero que você saiba o quão importante foi a sua atitude.

À minha mais recente amiga, Kaé, que corrigiu essa dissertação com uma dedicação que eu não teria encontrado em mais ninguém. Muito obrigada por ser tão crítica e por ter dado dicas tão valiosas. Pode deixar que vou saber retribuir tudo isso à altura.

Por fim, agradeço a mim mesma por ter conseguido encerrar esse caminho sem perder a dignidade e a humildade, e por ter conseguido manter (até certo ponto!) a minha sanidade. Fico orgulhosa de mim!

- (...) Você pensa que eu teria tanta dificuldade e tanto prazer em escrever, que eu me teria obstinado nisso, cabeça baixa, se não preparasse - com as mãos um pouco febris - o labirinto onde me aventurar, deslocar meu propósito, abrir-lhe subterrâneos, enterrá-lo longe dele mesmo, encontrar-lhe desvios que resumem e deformam seu percurso, onde me perder e aparecer, finalmente, diante de olhos que eu não terei mais que encontrar? Vários, como eu sem dúvida, escrevem para não ter mais um rosto. Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo: é uma moral de estado civil; ela rege nossos papéis. Que ela nos deixe livres quando se trata de escrever. (Michel Foucault)

RESUMO

Este trabalho é um estudo sobre comunicação na perspectiva da Análise do Discurso. O objetivo é pesquisar como se dão os processos de recepção sobre a violência contra a mulher entre telespectadores de telenovelas, destacando para isso as tramas de e . Primeiramente, nos dedicamos à descrição das cenas que abarcam o tema para entender como são construídas essas narrativas televisivas para, em um segundo momento, procurarmos entender como se dão as relações entre produtor e interlocutor de conteúdos das telenovelas, aplicando os usos sociais da proposta das teorias da recepção através de autores como Martin-Barbero (2003), Orosco (1997) e Ruótolo (1998). Vamos mostrar, também, como a cultura da mídia atravessa essas práticas, analisando os discursos que são construídos nessas movimentações por meio de materiais coletados na rede social Orkut. A metodologia da pesquisa é embasada nas perspectivas teóricas propostas por Michel Foucault (1996) e nos estudos de Gregolin (2003, 2004, 2005, 2007), que olham as condições de produção dos discursos através da sua história e de um movimento de regularidades e dispersões. Por fim, concluímos que existe uma ordem do discurso nas telenovelas em questão, como propunha Foucault, atravessada por diversas condições que estão submetidas aos discursos e aos sujeitos que a produzem.

Palavras-chaves: violência contra a mulher; Teorias da Recepção; Análise do Discurso; ; redes sociais.

ABSTRACT

This work is a study about communication in a perspective of discourse analysis. The objective is to research how the reception process about violence against women works between spectators and soap operas, specially on the plots of Mulheres Apaixonadas and A Favorita. We started with a description of the scenes that deal with this theme in order to understand how these narratives are created so that, later, we could identify the relationship between producers and interlocutors of soap opera's content, applying the social aspects of reception theories of authors like Martin-Barbero (2003), Orosco (1997) e Ruótolo (1998). We will also go through how media's culture interrelates with these practices analyzing the discourses that build up on social networks' materials of Orkut. The methodology is based on theorical perspectives proposed by Michel Foucault (1996) and on studies of Gregolin (2003, 2004, 2005, 2007), that go ue through the ham asconditions of discourse production based on their own stories and those of a movement of regularities and dispersion. At the end we conclude on the existance of a discourse on soap operas on study, like Foucault proposed, conditioned by discourses and by the subjects who produce them.

Key words: violence against women; reception theorie; discourse analysis; soap opera; social networks.

LISTA DE FIGURAS E QUADROS

FIGURA 1 - O Nascimento da Virgem______29

QUADRO 1 - Mudanças legais pós lei Maria da Penha______77

QUADRO 2 – Regularidades ______86

QUADRO 3 – Dispersões ______88

QUADRO 4 – Discurso Mulheres Apaixonadas ______95

QUADRO 5 – Discurso A Favorita ______100

LISTA DE IMAGENS

IMAGEM 1 - Repercussão do primeiro beijo lésbico da televisão brasileira______56

IMAGEM 2 - Jade dançando em ______57

IMAGEM 3 - Maya e as peculiaridades do vestuário indiano______58

IMAGEM 4 - Viúva Porcina com um lenço Rosa Flúor______58

IMAGEM 5 - As meias de lurex em Dancing Days______59

IMAGEM 6 - Propaganda em Caminho das Índias______63

IMAGEM 7 - Abertura de Mulheres Apaixonadas______71

IMAGEM 8 - Abertura da telenovela A Favorita______79

IMAGEM 9 - Catarina bate em Léo______82

IMAGEM 10 - Comunidade " - Rede Globo"______89

IMAGEM 11 - Marcos, de Mulheres Apaixonadas______91

IMAGEM 12 - Comunidade contra Marcos, de Mulheres Apaixonadas______92

IMAGEM 13 - A Favorita______93

IMAGEM 14 - Por que gostamos do Léo?______94

IMAGEM 15 - Violência doméstica na rede______95

IMAGEM 16 – Catarina______96

SUMÁRIO

INICIANDO A CAMINHADA ...... 12 CAPÍTULO 1 ...... 16 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA...... 16

1.1 – UMA FOTOGRAFIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER ...... 23

1.2 – FAMÍLIAS E SUAS AMBIGÜIDADES EM FACE DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER .... 28 CAPÍTULO 2 ...... 40

MÍDIA E SEUS DISCURSOS ...... 40

2.1 – COMUNICAÇÃO MÍDIA E TELENOVELA...... 40

2.2 O LUGAR DAS MEDIAÇÕES ...... 43

2.3 - DISCURSO, IDENTIDADE E MÍDIA ...... 53

2.4 – PROBLEMATIZANDO IDENTIDADES ...... 56

2.5 - REDES DE MEMÓRIA ...... 60 CAPÍTULO 3 ...... 62 EM CENA: TELENOVELAS ...... 63

3.1 – UM ESTUDO DE CASO DE PRODUÇÕES DA REDE GLOBO ...... 63

3.2 – EM PAUTA: MULHERES APAIXONADAS ...... 72 3.2.1 - O núcleo Raquel, Marcos e Fred ...... 74

3.3 – EM PAUTA: A FAVORITA ...... 80 3.3.1 -O núcleo Catarina e Leo ...... 81

3.4 – REGULARIDADES NO DISCURSO DAS TELENOVELAS ...... 84

3.5 – A PARTIR DE REGULARIDADES, DISPERSÕES ...... 86

3.6 – AS MÍDIAS SOCIAIS ENTRAM NO DEBATE: O CASO DO ORKUT ...... 89 3.6.1 – O público de Mulheres Apaixonadas ...... 92 3.6.2 – O público de A Favorita ...... 95 PARA CONTINUAR REFLETINDO ...... 102 REFERÊNCIAS ...... 106

12

INICIANDO A CAMINHADA No ano de 2011 ingressei no mestrado de Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia. No início, a ideia era fazer um trabalho de campo para analisar como as mulheres que sofriam violência doméstica faziam uso e criavam sentidos a partir das cenas de agressão nas telenovelas. No entanto, no decorrer do curso, com o aprendizado de novas disciplinas e os encontros com a minha orientadora, novos rumos foram sendo desenhados para a minha pesquisa. O meu interesse pelo tema violência surgiu desde a graduação, quando participei do programa de iniciação científica, sob a orientação da professora Danila Cal, que trabalha com pesquisas sobre violência contra a criança e o adolescente. Como a minha formação é em jornalismo, verifiquei a forma como os meios de comunicação impressos estavam abordando tal violência. Durante esses estudos, me chamou atenção, também, a abordagem na cobertura dos casos sobre a violência doméstica, que eu analisei no meu trabalho de conclusão de curso e na minha monografia de especialização. Durante o mestrado, o tema ganhou mais consistência devido à possibilidade de interdisciplinaridade que o curso oferece. Portanto, trabalhar o tema violência contra a mulher para além da comunicação me permitiu transitar por várias áreas do conhecimento, o que acredito só ter engrandecido a minha pesquisa. Já falando sobre as telenovelas, Em “Mulheres Apaixonadas”, por exemplo, de Manuel Carlos, exibida em 2003, a personagem Raquel, vivida pela atriz , tem uma vida marcada por violências praticadas pelo seu ex-marido, Marcos, personagem do ator . Na tentativa de se livrar de um passado de abusos, Raquel foge de São Paulo para o Rio de Janeiro e passa a dar aulas de Educação Física em uma escola. Marcos, entretanto, descobre o paradeiro de sua ex-mulher e reinicia suas práticas de agressão. Entre outras violências, ele costumava bater nela com uma raquete de tênis, prática agravada pelo fato de Raquel ter se envolvido amorosamente com seu aluno Fred, que tenta impedir as agressões contra a professora. “Você não serve nem para Rameira”. Tal ofensa, proferida por Léo a sua esposa, Catarina, é o retrato de uma motivação banal: o atraso na hora de servir o jantar. A telenovela de 2007, “A favorita”, de João Emanuel Carneiro, retrata o drama de Catarina, personagem interpretada pela atriz Lilian Cabral, que sofre diversos tipos de violência, sempre praticadas por Léo, seu marido, vivido por Jackson 13

Antunes. A mulher é agredida e humilhada diariamente na frente da família e com a autoestima sempre baixa, nem pensa em se separar. Comuns e, na mesma medida, complexos, os dramas referidos acima passeiam entre a ficção e a realidade. Pelas questões levantadas, não é possível compreender a teledramaturgia brasileira apenas como entretenimento. No Brasil, a telenovela funciona como uma importante formadora de sentidos no cotidiano do interlocutor, que, no processo de recepção, pode reger e criar seus próprios usos, a partir da programação televisiva. Segundo Santos (2010, p. 1) “além de um produto cultural, a telenovela está integrada à realidade social dos sujeitos por meio das representações sociais”. Essas representações, criadas pelos meios massivos, acabam por formar identidades e discursos, como acontece nos casos de violência doméstica contados pelas telenovelas, sendo que, em meio a este processo, o interlocutor produz sentidos a partir de suas possibilidades históricas. No caso específico das telenovelas referidas, temos presente a temática da violência contra a mulher. No que tange a compreensão dos estudos de comunicação e recepção, podemos propor o seguinte questionamento: a partir das informações veiculadas em tais obras de ficção, quais seriam os possíveis usos e sentidos adotados pelo telespectador no seu cotidiano? Dessa forma, o primeiro capítulo da pesquisa apresenta aspectos históricos que mostram a presença da mulher na sociedade brasileira, priorizando questões relativas à violência e discorrendo, também, sobre as estratégias que as mulheres usaram ao longo dos anos para garantir os seus direitos frente a uma sociedade fundamentada em um pensamento patriarcal e machista. Pensamento esse que muitas mulheres acreditavam ser o correto e que até mesmo defendiam, sendo que outras vezes tentavam o derrubar, conformavam-se quando não conseguiam e, ao mesmo tempo, revoltavam-se, configurando um processo de luta não linear e muito menos homogêneo, como mostra Michel Foucault (1986) ao abordar a não linearidade da história. Nesse percurso social e histórico, que podemos chamar de revolução protagonizada pelas mulheres, merece destaque as múltiplas faces dos papéis que socialmente lhes foram atribuídos, como de mãe, esposa dedicada e dona de casa exemplar; de mulher que se separa e cria os filhos sozinha, amparada apenas pelo próprio trabalho, ou de mulher independente, que opta por não ser mãe. Tal decisão, 14

para algumas feministas, representava a efetivação de uma vida calcada em planos de independência e liberdade, como também uma revolução dentro de si, em uma da tentativa de descobrir o que, afinal, é ser mulher em uma sociedade tão marcada por valores masculinos. No segundo capítulo, buscamos abordar alguns conceitos de análise do discurso e mídia, utilizando para isso as teorias da comunicação pós Escola de Frankfurt, discorrendo sobre como o fenômeno da recepção está sendo construído na América latina. Com isso, objetivamos analisar a recepção como o lócus privilegiado de negociação e de estruturação do próprio significado, segundo Leal (1995), como também ressaltar que o produto dessa nova forma de pensar culminou em novas problemáticas que, conforme Jacks (1995), entendem as mediações como importante objeto de estudo e a escolha do cotidiano como lugar prioritário de análise; além de reconhecer os receptores como agentes capazes de produzir sentindo. Assim, com base nas questões de pesquisa e objetivos apresentados, pensaremos a telenovela como exemplo de mediação que atravessa a cotidianidade do telespectador, sendo fundamental, para isso, estudar o uso que os sujeitos fazem dessas mensagens e “perceber na realidade do sujeito receptor seu modo de viver” (SANTOS 2010, p. 06). Nesse capítulo, também vamos tratar sobre a análise do discurso, escolhida como ferramenta da nossa análise, utilizando conceitos como a noção de descontinuidade histórica, identidades, relações de poder, regularidades e dispersões e redes de memória, aplicando cada um deles ao campo da comunicação. No terceiro e último capítulo discorremos sobre os conceitos de telenovela brasileira. Sobre isso é importante destacar que também nos apropriamos do termo teledramaturgia para falar deste fenômeno, já que ele diz respeito a toda gama de produção televisiva nos quesitos drama, como séries, filmes, curtas-metragens e telenovelas. Nesse momento do trabalho, apresentamos a descrição das telenovelas escolhidas para serem analisadas, sendo elas “Mulheres apaixonadas” e “A favorita”, fazendo abordagem principal sobre os núcleos que envolvem os personagens que destacamos. Para isso, escolhemos algumas cenas que estão disponíveis no site YouTube, analisando-as segundo os conceitos trabalhados ao longo dos demais capítulos, abordando também as regularidades e dispersões presentes nas duas telenovelas. 15

Para buscar responder os questionamentos desta pesquisa, a metodologia adotada nesse trabalho foi o estudo de caso baseado na pesquisa qualitativa. Também buscamos aplicar à comunicação ferramentas empregadas à análise do discurso que, antes eram exclusivas, ou mais utilizadas, pelo campo da linguística. Dessa forma, procuramos tecer uma abordagem interdisciplinar que perpassa esses dois campos de saber. Segundo Minayo (2004), a pesquisa qualitativa é usada nas ciências sociais para adentrar em questões que o método quantitativo não consegue dar conta. Dessa forma, entende-se que esta metodologia é utilizada para responder questões que envolvem significados culturais como crenças, valores e etc, tratando com profundidade esse tipo de problemática. O estudo de caso foi adequado já que trabalhamos com a temática violência contra a mulher especificamente nas telenovelas Mulheres Apaixonada e A Favorita. Posteriormente mostramos a aplicação das ferramentas da análise do discurso no caso da Rede Social Orkut. Sobre a análise do discurso, explicaremos melhor este método a partir do segundo capítulo. Portanto o estudo de caso foi escolhido considerando que ele tem como objetivo especificar fenômenos particulares. Segundo André(2008, p. 17-18), “o caso em si tem importância, seja pelo que revela sobre o fenômeno, seja pelo que representa. É, pois, um tipo de estudo adequado para investigar problemas práticos, questões que emergem do dia-a-dia.” Dessa forma, vamos estudar, num primeiro momento, as cenas que envolvem a violência contra a mulher que coletamos a partir das cenas disponíveis na rede social YouTube, usando para isso o caminho metodológico descritivo. Assim, consideramos que utilizamos também a análise de conteúdo para fazer essa descrição.

A análise de conteúdo é o conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não), que permitem a interferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 1977, p. 42).

Na coleta de dados, assistimos as cenas das referidas telenovelas disponíveis no YouTube, selecionamos as que faziam referências ao núcleo de violência contra a mulher e descrevemos apenas aquelas que se relacionavam com os conceitos adotados neste trabalho. 16

Depois, analisamos discursos construídos por telespectadores, disponíveis em comunidades virtuais da Rede Social Orkut e criadas a fim de fomentar o debate acerca da temática e dos personagens envolvidos nas tramas. Para isso, utilizamos os enunciados das comunidades em questão e aplicamos os conceitos teóricos que trabalhamos anteriormente: concepções e representações sobre as mulheres, análise do discurso e aspectos referentes às telenovelas. Nesta etapa, acessamos todas as comunidades disponíveis na respectiva rede social e selecionamos as que analisamos no trabalho de acordo com as diferentes opiniões encontradas. É importante destacar que quando quantificamos os membros das comunidades a nossa intenção não é analisar as alterações ocorridas ao longo do tempo, haja vista que há uma passagem temporal desde que as telenovelas foram exibidas e que as comunidades foram criadas até a data da nossa análise. Assim, nosso foco no terceiro capítulo desse trabalho foi mostrar como os conceitos que foram usados nos capítulos anteriores resurgem para analisarmos nosso objeto de estudo, procurando trazer uma perspectiva interdisciplinar.

1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA SOCIEDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Não se trata aqui da chamada revolução feminista, com tantas polêmicas e conotações ideológicas. [...] Toda revolução é mesmo exagerada, [...] mas a verdadeira revolução teria a cabeça mais fria. No seu planejamento e estrutura seria uma revolução prudente e mais paciente, obscura, talvez. Contudo, ambiciosa na sua natureza mais profunda. Lygia Fagundes Telles

Neste trabalho, como já referido na introdução, traremos para o debate telenovelas brasileiras que pautam a violência contra a mulher. Acreditamos que a mídia seja responsável por trazer à tona temas de interesse público, pois sua visibilidade passa a atingir diretamente a sociedade e, com isso, órgãos públicos, agendas políticas e a mobilização social dos cidadãos. 17

Sobre isso, Wânia Pasinato1, socióloga e pesquisadora do Núcleo de violência da USP, afirma que quando o tema da violência é abordado em uma novela, as vítimas deixam de se sentir como um caso isolado, passando a procurar alternativas para sair da situação, sendo que tal atitude repercute diretamente no aumento de ocorrências nas delegacias. É o que pensa também a psicóloga do Conselho Federal de Psicologia e coordenadora de mobilização e organização do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Roseli Goffman. Segundo ela:

A televisão é uma rede social que influencia e modela comportamentos e a novela pode produzir uma identificação, não com a mulher que sofre passivamente, mas com aquela que reage à violência ao ser contemplada por seus direitos. Além disso, a audiência das novelas chega a 40% dos brasileiros e, portanto, atinge mulheres que ainda desconhecem seus direitos. Os autores precisam ser assessorados pelos grupos que tornam legítimos os direitos humanos no país para poder transmiti-los2.

Cilene Canôas (1997), por sua vez, afirma que as mulheres enquanto sujeitos coletivos têm se movimentado para assegurar melhores condições de vida e de trabalho, principalmente a partir da segunda metade do século XX. É importante considerar, nesse contexto, que o motor das lutas das mulheres devia-se a busca da desconstrução de um ideário e suas práticas construídas em muitas sociedades e contextos históricos diferenciados, nos quais a mulher era identificada socialmente por um papel inferior ao do homem, sendo considerada apenas uma auxiliar, colaboradora, responsável por satisfazer as necessidades masculinas. Segundo Guimarães (2005), na antiguidade, por exemplo, quase não existiam direitos civis para as mulheres. Na era vitoriana, que corresponde ao período de 1837 a 1901, na qual a Inglaterra era governada pela rainha Vitória, as mulheres eram vistas como “anjos do lar”, onde sua função principal era cuidar da casa, do marido e dos filhos. Elas não participavam da política, não podiam votar e quase não tinham oportunidades de trabalho (MONTEIRO, 1998).

1Entrevista disponível em: http://agenciapatriciagalvao.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2226:novela- pauta-midia-sobre-violencia-contra-a-mulher&catid=51:pautas Acesso em março de 2012. 2 Entrevista disponível em: http://agenciapatriciagalvao.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2226:novela- pauta-midia-sobre-violencia-contra-a-mulher&catid=51:pautas. Acesso em março de 2012. 18

No Brasil, segundo Mary Del Priore (2011), até 1932 a mulher não podia votar e o homem era considerado o chefe da família. A partir dos anos 1950, elas começam a lutar por seus direitos e a obter espaço na sociedade e no mercado de trabalho. As mulheres passam a acreditar em suas capacidades e com isso mudam a história, tentando se estabelecerem financeiramente e intelectualmente da mesma maneira que os homens, sem, contudo, deixarem de estar vinculadas a seus papéis de mãe e esposa. Mesmo com o avanço das mulheres no contexto social do país, as relações de poder que reforçam e naturalizam a dominação masculina se mantiveram enraizadas, paradoxalmente, nas práticas de instituições diluídas e nos discursos refratários que abordam as transformações de um novo lugar da mulher no Brasil e no mundo. Esse comportamento encontra ensejo nos postulados patriarcais e consiste na subordinação da mulher à figura do pai, associado ao machismo que a submete ao poder de dominação atribuído ao homem, impondo-lhe, mesmo que de forma sutil, normas de conduta e de vida em sociedade. Esse comportamento, como defendem alguns estudiosos, corrobora com a presença significativa da violência doméstica contra a mulher. Sobre isso, a delegada da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, Alessandra Jorge, acredita que a cultura patriarcal favorece a violência doméstica.

A cultura machista e a cultura patriarcal regem a humanidade desde os primórdios. A mulher sempre foi considerada uma cidadã de segunda classe; a mulher não tinha o direito de votar, isso sem contar muitas outras coisas absurdas que ela não tinha acesso. Então, o homem que bate em mulher vê a sua companheira não como um sujeito de direitos, mas sim como um objeto, e a reprime dessa forma, como acha correto. E a própria mulher, inserida nesse contexto, porque viu a sua avó e a sua mãe apanharem e ficarem caladas para manter o casamento e a família, também vai reproduzir esse comportamento (JORGE, 2009. Informação verbal).3

Como produto cultural construído a partir de práticas sociais, a violência contra a mulher deve ser vista como qualquer outra violência, cujas consequências devem recair sobre os agressores. Na maioria das vezes, o agressor se encontra dentro da própria casa onde vive a mulher e, em geral, é familiar da vítima, predominando os abusos cometidos pelos próprios cônjuges ou companheiros.

3 JORGE, Alessandra. Violência Doméstica contra mulheres. Belém, 2009. Entrevista concedida a MELO, Thiago, em 11 set. 2009. 19

Segundo Samuel Buzaglo (2007), advogado criminalista, “a violência tem mais probabilidade de ocorrer entre pessoas que estão intimamente vinculadas no plano emocional, e, portanto, reciprocamente vulneráveis” (idem, p.56). No Rio de Janeiro, a pesquisa Dossiê Mulher 2012 revelou que das 303 mulheres assassinadas em 2011 na cidade, 14,2% das vítimas eram ex-companheiras ou companheiras do provável autor do homicídio, sendo que 19,1% conheciam os acusados4. A delegada Alessandra Jorge, mencionada anteriormente, também aponta outro fator que dificulta a denúncia da violência doméstica. Ela se refere ao fato de que, muitas vezes, a mulher acredita que o marido estava com ciúmes e, por isso, exaltou-se a ponto de proferir humilhações verbais ou até praticar agressões físicas. Sobre isso, cabe apresentarmos o caso do Texas, estado americano que até 1974 colocava a lei totalmente a favor do homem em casos de violência praticada, entre outras causas, por ciúme. Em tal contexto, o marido que surpreendesse sua esposa com um amante e a matasse por justificativa da traição era poupado do julgamento. Por muito tempo, no Brasil, o homem que cometesse violência e até homicídio contra a mulher que praticasse adultério podia ficar livre da pena, com base na tese da legítima defesa da honra. Um caso que ficou conhecido no país, por exemplo, foi o da mineira Ângela Diniz, assassinada em 1976 pelo seu companheiro. No julgamento, o réu foi absolvido utilizando o argumento de que a mulher havia ferido sua honra ao traí-lo. Na ficção, o remake da telenovela Gabriela5 destacou tal temática por meio da relação conjugal do Coronel Jesuíno, vivido por José Wilker, e Dona Sinhazinha, interpretada por Maitê Proença, que foi morta pelo marido após ser vista com seu amante, sendo, para o coronel, necessário “lavar sua honra”. No entanto, acabou preso. O código penal brasileiro de 1890 dizia que só a mulher era condenada em caso de adultério, sendo punida com prisão celular6 de um a três anos. O homem só era considerado adúltero no caso de possuir uma amante sustentada por ele. Essa desigualdade justificava-se por um discurso biologicista em que a mulher, tendo

4 Pesquisa Dossiê Mulher. Disponível em: http://urutau.proderj.rj.gov.br/isp_imagens/Uploads/DossieMulher2012.pdf Acesso em novembro de 2012. 5 A primeira versão da telenovela foi no ano de 1960. O remake foi no ano de 2012, exibido pela Rede Globo. 6 A prisão celular foi a grande novidade do Código penal de 1890 e nada mais é do que a prisão em cela. Antes as penas eram atribuídas de forma individual, mas tal penalidade foi inviabilizada pelo aumento da população. 20

menos sensibilidade sexual, conseguia, por exemplo, manter-se casta por longos anos, o que para um homem não seria possível. Caso o marido tivesse um caso extraconjugal, cabia a mulher entender e perdoar a “sexualidade excessivamente exigente” do homem. Para a sociedade, era de sua responsabilidade manter a fidelidade do marido, como veiculado pelo Jornal das Moças, de 16 de maio de 1957 (apud PRIORE, 2011, p. 615).

No terreno do Amor conjugal, a mulher deve sempre suportar com paciência que dá o amor verdadeiro, deixando que ele [o marido] encontre no lar tudo o que deseja, dando-lhe, então, motivos para que, sozinho, veja os erros cometidos fora de casa. Cabe à mulher manter no homem a vontade de voltar para junto dos seus, no lugar reservado para ele, onde encontrará a , esperando-o de braços abertos.

No que tangia aos crimes passionais, à figura masculina raramente cabia a culpa, já que “nunca a explosão da paixão na mulher poderia ser tão violenta quanto no homem” (SOIHET, 2011, p.381). Por isso, exigia-se sempre a compreensão das mulheres diante do “temperamento poligâmico do homem”. Segundo Soihet (idem), os crimes passionais e de legítima defesa da honra eram julgados muito mais pela conduta moral dos envolvidos do que pelo ato criminoso em si. Assim, se o homem era trabalhador, cumpria suas obrigações de provedor da família e sua esposa não era uma “dona de casa e mãe exemplar”, por exemplo, provavelmente ela seria prejudicada no julgamento. O contrário também acontecia, mesmo sendo mais difícil de ser comprovado: se o homem não cumprisse suas obrigações de mantedor do lar, poderia ser o culpado, caso as acusações fossem efetivamente provadas. No entanto, também havia a defesa da honra feminina. Se comprovado o desrespeito da mesma, considerava-se o ato como um atentado a propriedade do pai ou marido. Se fosse necessário à mulher assassinar um homem que atentasse contra a sua honra, estava justificado. Soihet (2011, p. 395) cita um caso onde a defesa afirmou que “a honra constitui o mais sagrado e precioso patrimônio humano de todo o homem e que nenhum direito é, portanto, mais essencial a pessoa humana que o direito a honra” (idem, p. 395). Nesse sentido, preservar a honra individual era necessário, uma vez que ela era considerada um dos fundamentos da vida social. 21

Se a defesa da honra constitui dirimente de responsabilidade dos delitos praticados nas circunstâncias definidas no art. 34, do Código Penal, mais acentuada deve ser a justificativa quando essa defesa se refere ao sentimento de fidelidade conjugal, fundamento de toda a organização social e base primordial da moral pública e privada. (ibidem).

Nesse caso, o juiz concedeu as justificativas e reafirmou que pertence a mulher o direito de

prevenir por todos os meios e ultraje de que está ameaçada e de empregar por este efeito a violência, pois pode tudo recear daquele que se lança sobre ela para um atentado deste gênero (ao pudor). Este perigo basta para legitimar a morte ou os golpes e feridas (ibidem).

É interessante perceber, como constata Soihet (2011), que nesses casos as mulheres conseguem instituir uma espécie de “dominação masculina contra o seu próprio dominador” na medida em que se apropriam de argumentos como os da manutenção da castidade e do zelo pela honra estabelecida pelos próprios homens, utilizando-os contra os mesmos. Como vimos anteriormente, mulheres conseguiram ficar impunes diante de crimes por elas cometidos tendo por base a defesa da honra, ou por justificativas referentes ao não cumprimento do homem no seu papel de sustento do lar. Tais penas contra a honra mudaram apenas no ano de 2005, quando o então presidente da república, Luís Inácio Lula da Silva, sancionou uma lei que modificou o Código Penal, retirando o adultério do capítulo dos crimes contra o casamento. A partir de então, o homem que agredisse a mulher com a justificativa de traição não ficaria mais impune. Entretanto, apesar dos avanços legais, Buzaglo (2007) mostra que, de acordo com dados divulgados em 2005 pela Organização Mundial de Saúde, 25% do total das mulheres agredidas no Brasil não contaram a ninguém sobre a violência que sofreram; 60% nunca deixaram o lar sequer por uma noite, em função das agressões sofridas; menos de 10% procuraram serviços especializados de saúde ou segurança e, em média, a mulher demora 10 anos para pedir ajuda pela primeira vez. 22

Na tentativa de coibir e punir a violência doméstica, em 16 de junho de 2004 foi sancionada a primeira lei penal específica para tais casos. A lei nº 10.886 acrescentou novo parágrafo no artigo 129 do código penal, que diz respeito à lesão corporal.

Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano. (JESUS, 2010, p.50)

No entanto, essa nova lei não trouxe grandes avanços na coibição da violência doméstica, já que a única mudança foi o aumento do tempo de detenção, uma vez que, para a lesão corporal simples, a pena era de três meses a um ano e continuava sendo considerada infração de menor potencial ofensivo. Por isso, o dia 7 de agosto de 2006 se constituiu como um marco para as mulheres que sofrem violência dentro de suas casas. Sancionada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva, a lei de número 11.340 surgiu a partir da denúncia de uma mulher e tem a função de criar mecanismos para impedir e punir a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Maria da Penha, mulher que deu nome à lei, foi hospitalizada no dia 29 de maio de 1983, quando seu marido tentou matá-la enquanto dormia, com o disparo de uma arma de fogo. Ao sair do hospital, após duas semanas, a farmacêutica ficou com sequelas permanentes da paraplegia nos seus membros inferiores. Após esse caso, o marido de Maria da Penha, em mais um ato de violência, tentou matá-la eletrocutada enquanto ela tomava banho, sendo que a farmacêutica sobreviveu a mais este atentado. Somente depois de 19 anos e seis meses, seu agressor foi finalmente condenado e preso. Diante desse caso, a Comissão Interamericana de Direitos da Organização dos Estados Americanos publicou um relatório no qual se recomendava ao Brasil a realização de uma Reforma Legislativa, com o objetivo de combater a violência doméstica contra a mulher. A legislação brasileira atendeu a recomendação e criou a Lei Maria da Penha, que pune o agressor com maior agilidade e assegura às mulheres seus direitos de cidadãs. No entanto, a lei tem sofrido diversas criticas. Jesus (2010) discorre sobre o assunto quando diz ser ela um 23

estatuto eivado de impressionantes inconstitucionalidades, contradições e confusões, péssima técnica e imperfeições de redação, a nova lei será objeto de inúmeras críticas e aplausos, submetendo mais uma vez o estudioso do direito brasileiro a intenso esforço de interpretação. (idem, p. 52).

Para alguns, a lei fere a Constituição, que define “homens e mulheres iguais em direitos e obrigações”, protegendo apenas as mulheres. Há quem acredite que a lei deva ser expandida para outros grupos. No entanto, apesar das criticas, a medida pode ser considerada um avanço considerável na legislação do país, como também resultado da intensa luta das mulheres na sociedade brasileira.

1.1 Uma fotografia da violência doméstica contra a mulher

Para Maria Porto (2002), a violência é um fenômeno primeiramente empírico e não teórico, ou seja, o senso comum, a mídia e outros setores da sociedade não científica se apropriam do sentido da violência, que é retirado da realidade social. Segundo a autora, é necessário que este fenômeno seja estudado teoricamente para que seja explicado e teorizado de maneira a atender as demandas que visam aprofundá-lo. Em uma tentativa de esclarecer o conceito, Michaud (1989, apud PORTO, 2002) afirma que a violência existe

quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou mais pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais. (ibidem)

No sentido histórico-cultural, o conceito de violência muda de sociedade para sociedade, podendo ser tratada não somente como violência, mas como violências, já que existem vários tipos, presentes em diferentes culturas. Entre os tipos de violência, estão as práticas físicas, psicológicas, verbais, sexual, a negligência, que representa a omissão do responsável pela pessoa dependente em proporcionar as 24

necessidades básicas, e o bullying7, que é o uso do poder ou da força para intimidar e perseguir as pessoas. A Organização Mundial de Saúde (OMS apud MUSUMECI, 2007, p. 153) define violência como

uso de força física ou poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande probabilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. (ibidem)

Segundo essa definição, muitos atos podem ser considerados “violentos”, mesmo que não envolvam força física, como, por exemplo, descaso, abandono, discriminação, ofensa moral ou tortura psicológica. Fazendo uma digressão histórica, o aumento da violência afetou diretamente a estrutura das casas no início do século XX. Odalia (1985), em uma das obras pioneiras em abordar as mudanças arquitetônicas ocasionadas pela violência, mostra que com o passar dos anos a arquitetura do espaço aberto cedeu lugar a uma arquitetura de defesa e proteção. Antes, a casa era vista como um local de proteção para a família; um espaço em que cada membro do lar estaria protegido da violência que acontecia nas ruas. No entanto, o mesmo local que deveria proteger se tornava, como ainda hoje, palco de violência doméstica sofrida, na maior parte das vezes, por mulheres. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, em inglês), na Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher8, a define como

qualquer ato de violência com base no gênero, sexo, que resulta em, ou que é provável resultar em dano físico, sexual, mental ou sofrimento para a mulher, incluindo as ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária de liberdade, ocorrida em público ou na vida particular (UNESCO, 1993).

7 “Bullying”, derivado da Língua Inglesa, significa literalmente “saco de pancada”. O termo é associado a atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo incapaz de se defender. 8 Declaration on the Elimination of Violence against Women. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2011. 25

Fica claro, dessa forma, que a violência contra a mulher vai muito além do espancamento, muitas vezes noticiado nos jornais. Assim como a OMS, o artigo 5º da Lei nº 11.340, mais conhecida como a Lei Maria da Penha9, de 7 de agosto de 2006, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer “ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Segundo o artigo 7° da mesma lei, a violência doméstica e familiar contra a mulher se configura das seguintes formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Entretanto, grande parte dos leitores só conhece a agressão física e, por isso, permanece desinformada sobre os outros tipos de agressão, que não deixam de se configurar como violência doméstica. De acordo com a OMS, a violência contra mulheres é, atualmente, uma das maiores preocupações de saúde e dos direitos humanos, sendo “um dos fenômenos sociais mais denunciados e que mais ganharam visibilidade nas últimas décadas em todo o mundo” (JESUS, 2012, p. 8). As mulheres podem ser vítimas de abuso físico ou mental em seus diferentes ciclos de vida, como na infância e/ou adolescência, ou durante a fase adulta e, até mesmo, na velhice. Na Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, estudos da população mundial relatam que entre 12 e 25% das mulheres sofreram ataques ou foram violentadas sexualmente por seus parceiros ou ex-parceiros em alguma ocasião de suas vidas. Segundo Osório (2004), para se entender o que é violência doméstica é necessário que se responda a seguinte questão: “quem agride e onde agride”. Para que seja considerada violência conjugal, é necessário que o agressor frequente a casa da vítima e vice-versa, ou more com ela, independente do que seja: marido, namorado, amante. A segunda condição é se o ambiente é doméstico e se o agressor tem livre acesso a ele. Como já mencionado, mulheres vítimas dessa violência sofrem em casa o que, muitas vezes, não é levado ao conhecimento da sociedade. A violência doméstica é silenciosa e covarde, pois, em boa parte dos casos, a mulher não tem coragem de denunciar o agressor, que normalmente é alguém que convive com ela na mesma casa e com quem tem uma relação bastante íntima. Sobre isso, cabe dizer que a falta de reconhecimento da igualdade de direitos torna a mulher vulnerável à violência e em especial às agressões no âmbito

9 Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 28 abr. 2011. 26

doméstico e nas relações intrafamiliares. Essa diferenciação é causada, também, pelos preconceitos produzidos a partir de diferenciações entre gêneros, sendo necessário que se entenda alguns conceitos em torno dos seus significados. Segundo Aguiar (1997, p.103), “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos; de outro lado, o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder”. Conforme o autor, a diferença entre sexo e gênero é que o primeiro seria usado para a definição biologicamente de quem é o macho e a fêmea e o segundo estaria relacionado às construções sociais, culturais e psicológicas que se impõem sobre essas diferenças biológicas.

Se quisermos entender o comportamento de qualquer sujeito real uma mulher em carne e osso não é para seu útero nem para seu equilíbrio hormonal que devemos olhar, mas sim para as crenças e condições históricas que revelam o contexto cultural em que ela se move.10

Dessa forma, a subordinação feminina não é algo natural, que já nasce com ela, e sim um acervo de culturas, crenças e costumes que foram sendo construídos e lentamente impostos a mulher. Percebe-se, por exemplo, que quando o sexo de um bebê é anunciado imediatamente já se atribuem à criança as regras e os códigos culturais a serem cumpridos para o resto da vida. Dessa forma, começam a surgir as hierarquias e desigualdades impostas ao gênero e foi assim que, ao longo da história, se definiu a classificações da mulher como sexo frágil, como menos capaz e carente de proteção de um ser mais forte, o homem. Como este trabalho tem como princípio tecer análises sobre o gênero feminino, é importante que se entendam também as construções da identidade feminina. Para isso buscaremos aporte em Judith Buttler (2012), autora que defende ser necessário questionar a produção de identidades femininas dentro do próprio movimento feminista. Segundo ela, há uma tendência em reduzir a complexidade do sujeito mulher através de traços comuns e estáveis, sendo necessário indagar se

10 Claúdia Fonseca em palestra proferida durante o Seminário 500 Anos de Dominação Masculina? Organizado pelo Museu Antropológico do RS, Estado do RS, Secretaria da Cultura - Museu de Arte de Rio Grande do Sul, 24 março, 1999. Disponível em: http://www.antropologia.com.br/tribo/genero/artigos/a1-cfonseca.pdf Acesso em dezembro de 2011. 27

existiriam traços comuns entre as “mulheres” preexistentes a sua opressão ou estariam as mulheres ligadas em virtude somente de sua opressão? Há uma especificidade da cultura das mulheres, independente da sua subordinação pelas culturas masculinistas hegemônicas? (idem, p.21)

Para se construir traços estáveis, coerentes, permanentes e comuns na tentativa de criar representações para esse sujeito, torna-se inevitável a criação de um processo de exclusão. Segundo a autora, inconscientemente essa estratégica acaba reforçando as relações de poder entre os gêneros. Nesse sentido, “a crítica feminista também deve compreender como categoria das ‘mulheres’ o sujeito do feminismo, que é produzida e reprimida pelas mesmas estruturas de poder por intermédio das quais se busca a emancipação” (idem, p.19). Assim, a autora acredita que a identidade do sujeito feminista não deve ser necessariamente o fundamento da política feminista. Tendo por base Michel Foucault, Buttler (idem) sugere que as práticas discursivas formam identidades e questiona em que medida a identidade de gênero, que pode ser entendida como uma relação entre sexo, gênero, assim como prática sexual e desejo, “seria o efeito de uma prática reguladora que se pode identificar como heterossexualidade compulsória?” (ibidem, p. 44). Para ela, uma pessoa é um gênero e assim é em virtude do seu sexo, já que se tende a subordinar a noção de gênero a de identidade. Ao longo da história, a diferenciação entre o gênero masculino e o feminino é usada para justificar os abusos cometidos contra as mulheres. A Igreja Católica e outras de ideologia criacionista, por exemplo, sugerem que a mulher veio de uma costela do homem. Além disso, vários versículos da bíblia colocam o sexo feminino em uma posição de inferioridade. No livro bíblico de gênesis há um trecho que diz que “não é bom que o homem esteja só: vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele11”. Percebe-se nessa passagem que a mulher é vista apenas como um acessório que veio ao mundo para ajudar os maridos, pais, irmãos e demais figuras do sexo oposto. Da mesma forma, a vida eclesiástica também deu maior poder aos homens. Segundo Nunes (2011), até o Concílio Vaticano II (1962-1965) somente os homens

11 Em Gn 2:18-19

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faziam parte das elaborações epistemológicas da teologia, além de que apenas eles poderiam orientar a vida espiritual das mulheres. Na verdade, até hoje somente pessoas do sexo masculino participam do alto clero romano. É importante considerar que muitos discursos construídos sobre a mulher encontram-se ancorados em um olhar androcêntrico, que ratifica uma imagem de fragilidade da mulher ao longo da história e esconde a participação das mulheres como sujeitos coletivos participantes e ativos, que lutaram pelo direito ao voto, educação, pelo uso de métodos contraceptivos, independência financeira e para ter garantia da sua integridade física e mental dentro de casa, como defendido pela Lei Maria da Penha. Essa invisibilidade reforça práticas de violência contra mulher no âmbito da vida privada e familiar, assim como encontra terreno fértil de propagação em outras instituições da sociedade contemporânea. Percebe-se nesse contexto de silenciamentos que a família, como espaço de proteção e apoio ao indivíduo, pode também acabar se tornando palco de agressões que, devido ao ambiente privado, acabam por calar as mulheres. Althusser (1985) fala da família como um importante aparelho ideológico, que serve, muitas vezes, para controlar e exercer poder. Sobre isso afirma que

os aparelhos ideológicos do Estado funcionam principalmente através da ideologia, e secundariamente através da repressão, seja ela bastante atenuada, dissimulada, ou mesmo simbólica (não existe aparelho puramente ideológico). Dessa forma, a Escola, as igrejas, “moldam” por métodos próprios de sanções, exclusões, seleção [...] (idem, p.70)

Nota-se que, no caso da violência doméstica, a família é um aparelho que além de servir para disciplinar o indivíduo, é também utilizada para reprimir e, algumas vezes, violentar.

1.2 Famílias e suas ambigüidades em face da violência contra a mulher

A expressão família etimologicamente deriva do latim, designando o conjunto de escravos e servidores que viviam sob a jurisdição do pater famílias. Com sua ampliação, tornou-se sinônimo de Gens, que seria o conjunto de agnados (os 29

submetidos ao poder em decorrência do casamento), e os cognados (parentes pelo lado materno). (BRASIL, 2005, p. 1). No ocidente predomina o modelo de família patriarcal, herdado de Roma.

A família romana era organizada, preponderantemente, no poder e na posição do pai, chefe da comunidade. O pátrio poder tinha caráter unitário exercido pelo pai. Este era uma pessoa sui júris, ou seja, chefiava todo o resto da família que vivia sobre seu comando, os demais membros eram alini júris. (idem, p. 2).

O direito contemporâneo, por sua vez, define família como sendo

de início constituída pela figura do marido e da mulher. Depois se amplia com o surgimento da prole. Sob outros prismas, a família cresce ainda mais: ao se casarem, os filhos não rompem o vínculo familiar com seus pais e estes continuam fazendo parte da família, os irmãos também continuam, e, por seu turno, casam-se e trazem os seus filhos para o seio familiar. A família é uma sociedade natural formada por indivíduos, unidos por laço de sangue ou de afinidade. Os laços de sangue resultam da descendência. A afinidade se dá com a entrada dos cônjuges e seus parentes que se agregam à entidade familiar pelo casamento. (ibidem)

Ao longo dos séculos, o conceito de família tem sofrido diversas alterações. No século XV, por exemplo, a ideia de lar era diferente da que se tem nos dias de hoje. Philippe Ariès (1981) explica que a iconografia mostra o nascimento do sentimento de família, que nasceu a partir dos séculos XV e XVI, quando os artistas passaram a fazer as representações da família através de crianças brincando, batizados e casamentos.

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FIGURA 1 - O Nascimento da Virgem12

Esse afresco de Domenico Ghirlandaio, datado entre 1486 e 1490, mostra uma representação do parto, onde a razão aparente é o nascimento da virgem. Percebem-se várias mulheres cuidando do bebê e a mãe descansando. É interessante notar, também, que acima há um casal em momento íntimo, dirigindo- se ao quarto. Essa é uma nova concepção para a família, tendo por base o nascimento da intimidade, já que em outros tempos espaços totalmente privados dentro de uma casa não eram comuns. Por isso, não se fazia presente a divisão de cômodos nas residências, sendo as camas, por exemplo, separadas somente por cortinas. As casas ricas eram muito numerosas em habitantes, envolvendo familiares, criados, clérigos, aprendizes, entre outros, e todos dormiam muito próximos, como em um grande salão. Nesse contexto, Ariès (1981) destaca que “era preciso colocar cortinas em torno da cama, cortinas que se abriam ou fechavam a vontade, para defender a intimidade dos seus ocupantes” (idem, p.181). Com a reorganização familiar, mudanças consideráveis também ocorreram em relação à criação dos filhos. No século XV, por exemplo, os ingleses levavam suas crianças para outras casas, a fim de serem criadas por outras pessoas. Como pequenos aprendizes, eram chamadas a realizar serviços pesados a partir dos sete anos de idade e só voltavam para a casa da família de origem na idade adulta, já formados.

12 Fonte: http://www.wga.hu/ 31

Percebe-se, a partir de tais considerações, que o sentimento de proteção e carinho não era tão presente nessa época. No entanto, com os avanços da intimidade e o surgimento da escola, as famílias começaram a querer manter suas crianças por perto e a diferença de valorização que era feita entre os filhos também foi sendo minimizada. Segundo Ariès (1981, p. 164), “o sentimento da família não se desenvolve quando a casa está muito aberta para o exterior”. No decorrer dos anos e das mudanças sociais, o conceito de família foi ficando cada vez mais difícil de ser definido. Segundo Borsa (2008, p. 3), o conceito atual que possuímos de família é oriundo de diversos agenciamentos culturais ocidentais. Nesse caso, é imprescindível citar as crianças que passaram a ter novos espaços dentro da família e ganharam direitos, sendo a figura feminina uma das grandes responsáveis por essas mudanças. No caso das mulheres, o grande marco foi o movimento feminista nos anos 1960.

No Brasil, a última leva do feminismo começa a se expressar no contexto da ditadura militar, época em que se expande o sistema universitário e as mulheres ampliam, de forma marcante, seu ingresso nos estabelecimentos de ensino superior em busca de uma formação. Essa também é a época da institucionalização do divórcio, o que situa novos parâmetros de vida para as mulheres da classe média brasileira, à procura de um projeto de identidade e autonomia. (AGUIAR, 1997, p.13)

No entanto, uma maior autonomia feminina começou a ser vista no Brasil já a partir do início do século XIX, onde se fez presente o nascimento da família burguesa. Os espaços sociais foram abertos às mulheres e estas passaram a frequentar bailes, teatros e cafés. Tudo sobre os olhares atentos dos pais e maridos que lhes cobravam uma postura maior diante da sociedade, que passava a julgar seu comportamento e suas atitudes na vida social. Os homens ganhavam ou perdiam prestígio de acordo com a conduta de suas mulheres, criando assim um “capital simbólico” importante (D’INCAO, 2011). Os casamentos eram considerados uma forma de ascender socialmente ou manter o status e eram realizados entre as famílias que possuíam patrimônios e bens materiais. Com isso, a mulher era valorizada por ajudar a família a ter reconhecimento perante a sociedade, sendo necessário ser uma boa anfitriã e portar-se de maneira requintada. Além disso, nesse período, além da valorização da 32

intimidade, percebe-se a exaltação da maternidade, uma vez que ela passa a ser cobrada como mãe cuidadosa e zelosa.

Os cuidados e a supervisão da mãe passaram a ser muito valorizados nessa época, ganhando força a ideia de que é muito importante que as próprias mães cuidem da primeira educação dos filhos e não os deixem simplesmente soltos sob influência de amas, negras ou “estranhos”, “moleques” de rua. (D’INCAO, 2001, p. 229)

D’incao (idem) ressalta que a família burguesa passa a exigir da mulher de elite uma maior dedicação ao lar e que a mesma seja a base da moral da sociedade, devendo “adotar regras no encontro sexual com o marido” e “vigiar a castidade das filhas”, mantendo assim a honra e o prestígio de sua casa. No entanto, a realidade das mulheres brasileiras pobres era outra. Segundo a autora, a liberdade moral e sexual era mais frequente, sendo permitido até uniões mais liberais sem a obrigação do casamento formal, que custava muito caro. Além disso, a falta de recursos financeiros não permitia as trocas que eram feitas na elite, como os dotes ou as aspirações de crescimento social através das uniões conjugais. O controle da família sobre as moças pobres também era feito de maneira mais moderada porque as mães não tinham tempo de ficar em casa em constante vigilância, já que precisavam sair para trabalhar. Era justamente essa participação na vida financeira do lar que lhes dava também mais autonomia. Segundo Soihet (2011, p. 367), “as mulheres populares, em grande parte, não se adaptavam às características dadas como universais ao sexo feminino: submissão, recato, delicadeza e fragilidade.” Sendo assim, algumas tentavam até escapar dos casamentos, já que o padrão de família burguesa, onde o homem era o provedor do lar, não se aplicava e o sustento da casa, assim como os afazeres domésticos, muitas vezes ficavam sob a sua responsabilidade. Como afirma uma personagem da obra literária brasileira O Cortiço,

Casar? Protestou Rita. Nessa não cai a filha de meu pai! Casar! Livra! Para quê? Para arranjar cativeiro? Um marido é pior que o diabo; pensa logo que a gente é escrava! Nada! Qual! Deus te livre. (AZEVEDO, 1981, p. 30)

Da mesma forma, na telenovela Gabriela (remake, 2012), a personagem vivida por Vanessa Giácomo, Malvina, também tentava a todo custo fugir de um 33

casamento arranjado. Apesar de ser oriunda de uma classe abastada financeiramente, queria estudar em Salvador e conquistar a independência financeira, e assim o fez. Soihet (2011) afirma, nesse contexto, que alguns homens pertencentes a camadas mais pobres da sociedade brasileira do século XIX faziam uso da agressividade dentro do lar como forma de tentar reafirmar sua autoridade diante, muitas vezes, do não cumprimento do seu papel de mantenedor financeiro da família. “A violência surgia, assim, de sua incapacidade de exercer o poder irrestrito sobre a mulher, sendo antes uma demonstração de fraqueza e impotência do que de força e poder” (idem, p. 370). No entanto, a autora também discorre sobre o fato de que algumas mulheres das camadas subalternas não aceitavam a submissão e as violências do parceiro, partindo também para o uso de atos de agressividade ou mesmo abrindo mão do casamento. Essas situações foram se agravando com o passar do tempo, já que muitas dessas mulheres sonhavam em ter uma situação conjugal semelhante a das mulheres de classes mais abastadas, que tinham, geralmente, casamentos formais e se sentiam diminuídas quando não alcançavam esse objetivo. Portanto, embora muitas vezes reagissem, “aceitavam o predomínio masculino; acreditavam ser de sua total responsabilidade as tarefas domésticas, ainda que tivessem que dividir com o homem o ganho cotidiano” (idem, p. 367). As desigualdades entre as moças pobres e ricas eram tão latentes que até mesmo os conventos só podiam ser freqüentados por mulheres brancas e consideradas de “boa família”.

Para as mulheres brancas das classes altas, os conventos foram um espaço contraditório. Funcionavam como instrumentos eficazes de regulação de casamentos. Quando se tornava difícil casar “bem” todas as filhas, atraindo jovens ricos, a solução era casar apenas uma e encerrar as outras num convento. Segundo as informações da época, era comum encontrar vários membros da mesma família em um único convento. Assim, a riqueza e o poder político de um pequeno grupo de família eram preservados. Histórias de mulheres enclausuradas contra a própria vontade, nesse período, não faltam. Todas elas com ingredientes trágicos e romanescos: loucura, noivados abandonados, fortunas perdidas (NUNES, 2011, p.486).

No entanto, a história das freiras no Brasil pode ser considerada como uma contribuição para as conquistas das mulheres, já que a partir do século XIX foram 34

criadas várias “escolas para meninas”, que beneficiaram a educação feminina e tiveram as religiosas como propulsoras fundamentais. Nos anos 1950, quando o mundo viveu o período pós-guerra, com marcas do crescimento urbano, da industrialização e com o crescimento de ideias de democracia, foram possibilitadas maiores chances de aumento do nível educacional e, consequentemente, de aspirações profissionais a homens e mulheres. O Brasil, na medida do possível, seguiu essas tendências mudando algumas práticas na relação entre os gêneros e, embora ainda muito discriminada, a entrada da mulher no mercado de trabalho começou a ser efetivada. A Revista Querida, de novembro de 1954, (apud PRIORE, 2011), que era muito influente sob as moças brasileiras daquela época, dispõe sua opinião sobre a mulher que trabalhava.

Lugar de mulher é no lar [...]. A tentativa da mulher moderna de viver como um homem durante o dia, e como mulher durante a noite, é a causa de muitos lares infelizes e destroçados.[...] Felizmente, porém, a ambição da maioria das mulheres ainda continua a ser o casamento e a família. Muitas, no entanto, almejam levar uma vida dupla: no trabalho e em casa, como esposa, a fim de demonstrar aos homens que podem competir com eles no seu terreno, o que frequentemente as leva a um eventual repúdio de seu papel feminino. Procurar ser à noite esposa e mãe perfeitas e funcionária exemplar durante o dia, o que requer um esforço excessivo [...]. O resultado é geralmente a confusão e a tensão reinantes no lar, em prejuízo dos filhos e da família. (idem, p. 624)

Sob a mesma ótica, A revista Cruzeiro, de 14 fevereiro de 1959 (apud PRIORE, 2011), comenta o pensamento dos homens sobre tal questão:

[alguns] homens rejeitam a ideia de casar-se porque acham que as mulheres tornaram-se muito independentes. [...] [pensam eles que] as mulheres de hoje são quase agressivas. Disputam conosco a primazia nas repartições, nos escritórios, nos esportes e na vida social. Se em vez de companheiros, seremos competidores, para que casar? (idem, p. 625)

Sobre as definições entre os papéis femininos e masculinos e o lugar da família, Pinsky (2011) mostra que ainda era seguida uma ordem mais tradicional.

Se o Brasil acompanhou, à sua maneira, as tendências internacionais de modernização e de emancipação feminina – impulsionadas com a participação das mulheres no esforço de guerra e reforçadas pelo desenvolvimento econômico -, também foi 35

influenciado pelas campanhas estrangeiras, que, com o fim da guerra, passaram a pregar a volta das mulheres ao lar e aos valores tradicionais da sociedade (idem, p. 608).

No que diz respeito aos relacionamentos amorosos das moças, era dada ênfase à educação das mesmas, uma vez que os casamentos por amor passaram a ser gradativamente aceitos, diferenciando-se da opção e escolha dos pais. Assim, a mulher então tinha que aprender a controlar seu comportamento e principalmente sua sexualidade, mesmo sendo a influência familiar considerada como um fator importante na hora da escolha. Segundo Pinsky (idem, p.616), acreditava-se que “dificilmente um casamento realizado contra a família era bem sucedido”. Alguns pais conservadores preferiam que a filha só namorasse na companhia de alguém de confiança. No entanto, já era comum às moças saírem sozinhas, mas deviam evitar serem vistas em situação que “sugerisse intimidade” com o namorado. Caso contrário, poderiam ficar com má fama e seriam prejudicadas para conseguir pretendentes. O oposto acontecia com os homens, que desde cedo tinham sua sexualidade incentivada. Nesse contexto, o código civil de 1916 previa o direito da anulação do casamento caso o homem descobrisse que sua esposa não era mais virgem. Ele tinha até dez dias após a data da união para acabar com o matrimônio. Assim, a mulher era submetida a exames ginecológicos e, se ficasse comprovado o fato, os dois voltavam a ser solteiros. (TULLIO, 2011) Segundo Pinsky (2011, p. 614), “o valor atribuído a essas qualidades favorecia o controle social sobre a sexualidade das mulheres privilegiando, assim, uma situação de hegemonia do poder masculino nas relações”. Muitas das telenovelas de época, como Gabriela, , , entre outras, retrataram essa fase em que viveram muitas mulheres. No entanto, a entrada da mulher na universidade e o surgimento da pílula anticoncepcional, que separou a vida sexual e reprodutiva feminina e diminui drasticamente a taxa de membros por família, são alguns dos responsáveis, também, pelo novo lugar da mulher moderna: o mercado de trabalho.

Esse fato (pílula anticoncepcional) criou as condições materiais para que a mulher deixasse de ter a sua vida e sua sexualidade atadas a um “destino”. Recriou o mundo subjetivo feminino e, aliado a expansão do feminismo, ampliou as possibilidades de atuação da 36

mulher no mundo social. A pílula associada a outro fenômeno social, a saber, o trabalho remunerado da mulher, abalou os alicerces familiares, e ambos inauguraram um processo de mudanças significativas na família. (SARTI, 2007, p. 21)

Mais tarde, com o surgimento da inseminação artificial, entendeu-se que a concepção de uma família não vinha mais de algo naturalizado, e sim se tratava de um processo de escolhas. Essas invenções tecnológicas abalaram também o movimento feminista, que acreditava que “a maternidade seria uma condição da qual toda a mulher deveria tentar escapar” (BORSA, 2008, p. 5), já que a criação dos filhos e o contexto da casa em âmbito privado a deixava em condição de subalternidade perante o homem. A sociedade, assim, sempre impôs à mulher um papel considerado inferior ao do homem, já que a ela eram destinados os afazeres privados, como cuidar da casa, dos filhos e do marido. Ou seja, o viver em função do outro, não tendo projeto de vida própria, submetendo-se ao protagonista da história: o sujeito masculino. Esse, por sua vez, ficava com o papel, supostamente, de ator principal, ocupado com temas como a guerra, a diplomacia e a alta política. (AGUIAR, 1997). A partir disso, criou-se a ideia de que o homem é a autoridade do lar, responsável pelo sustento da família, sendo a ligação entre seus membros com o mundo externo, fato que acaba por corroborar a função historicamente atribuída de “chefe da família”. Por outro lado, a mulher continua tendo que zelar pela residência, filhos, marido, deixando o lar sempre em ordem e sendo a “chefe da casa”, o que a também a põe em um posto de comando, mesmo que inferior aos olhos da sociedade (SARTI, 2007, p. 28). No entanto, paralelamente a isso, o homem passou a ter novas preocupações. O exame de DNA, que passou a ser mais utilizado nos últimos anos, por exemplo, garante a precisão em casos onde é necessário efetivar a comprovação de paternidade, fato esse que tem feito com que muitos homens adquiram, mesmo que compulsoriamente, responsabilidade bem maior do que em outros tempos (SARTI, 2007). Além disso, estudos revelam que o número de crianças que são criadas apenas pelo pai aumentou de 2,1% no ano de 1993 para 2,7% em 2006. Por outro lado, o número de mulheres que criam seus filhos sozinhas diminuiu de 63,9% em 37

1993 para 52,9% em 200613. Tal pesquisa também mostra que, em 2001, as mulheres cuidavam de tarefas domésticas em média 29 horas por semana, enquanto eles passavam 10,9 horas nesse tipo de trabalho. Já em 2006, a média de horas delas caiu para 24,8, enquanto eles passaram a trabalhar 12 horas. Dessa forma, percebe-se que o homem passa a ser cada vez mais responsável pela sua reprodução biológica e que, apesar das mulheres continuarem dedicando mais tempo às atividades domésticas, as obrigações masculinas aumentaram no âmbito privado. É importante lembrar também os outros tipos de relações que foram sendo constituídas no contexto da criação das crianças. Segundo Sarti (idem), atualmente as mulheres são responsáveis também pelo sustento do lar e muitas vezes precisam deixar seus filhos com parentes (pais, avós, tios) ou com babás para poder trabalhar. Isso acontece também devido a uniões instáveis e empregos incertos, que exigem dos pais ajustes e adaptações, tecendo, assim, novos arranjos familiares. Sobre isso, podemos mencionar que na última década o número de mulheres que criam seus filhos sozinhas aumentou para 53%. Além disso, existem as crianças criadas por casais homossexuais; os recasamentos, que cujos filhos acabam sendo criados pelo novo cônjuge; as produções independentes e os casais que optam por não ter filhos, sendo que esses já contabilizam 39% (PORTES, ROCHA et al, [s.d.]). Dessa forma, Wagner e Levandowski (2008, p. 94) afirmam que fatores como a preservação da harmonia entre os pais, independentemente da condição conjugal, assim como o tempo dedicado aos filhos e a presença, ou ausência, de um projeto de vida familiar acabam por potencializar a família na formação de hábitos, atitudes e valores de seus filhos. Da mesma forma,

independente da sua estrutura e configuração, a família é o palco em que se vivem as emoções mais intensas e marcantes da experiência humana. É o lugar onde é possível a convivência do amor e do ódio, da alegria e da tristeza, do desespero e da desesperança. A busca do equilíbrio entre tais emoções, somada as diversas transformações na configuração deste grupo social, tem caracterizado uma tarefa ainda mais complexa a ser realizada pelas novas famílias. (WAGNER, 2002, p. 35-36).

13 Os dados fazem parte da 3ª edição da pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Disponível em http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/destaque/Pesquisa_Retrato_das_Desigualdades.pdf, acesso em novembro de 2012. 38

Segundo Wagner e Levandowski(2008), no que se refere aos aspectos legais, observa-se, por exemplo, que no código civil de 1916 a “família legítima” era aquela definida apenas pelo casamento oficial. Atualmente, a definição abrange as unidades formadas por casamento, união estável ou comunidade de qualquer genitor e descendentes (CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 1988. Art. 226, § 4º). O Novo Código Civil de 2002 reconhece a união estável e afirma que o casamento passa a ser “a comunhão plena pela vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges” (idem, art. 1511), sendo essa apenas uma das formas de se constituir uma família. Paralelamente, os filhos adotados e concebidos fora do casamento têm direitos idênticos aos nascidos dentro do matrimônio, conforme exposto na Constituição Brasileira (1988, art. 227, § 6º), eliminando-se, então, a antigo preconceito com os filhos “bastardos”. A lei do divórcio, que só passou a fazer parte da realidade brasileira em 1977, atribuía a guarda dos filhos ao cônjuge que não fosse culpado pela separação. Hoje, é concedido a “quem revelar melhores condições de exercê-la” (CÓDIGO CIVIL, 2002, art. 1584). Nesse caso, a família é dirigida pelo casal, e não mais apenas pelo homem, sendo que o “pátrio poder” que o pai exercia sobre os filhos passa a ser “poder familiar” atribuído também à mãe. (WAGNER E LEVANDOWSKI, 2008, p.91). Em relação às mulheres de hoje, situadas no contexto de um século que se inicia, é importante lembrar que todas essas conquistas lhes impõem novos desafios. Dividir o sustento da casa com o homem e continuar exercendo as funções de mulher, mãe, esposa e dona de casa é uma tarefa árdua que requer um desafio bem maior do que quando a sua função era apenas no lar. A Agência de Saúde Pública de Barcelona14, na Espanha, em pesquisa com cerca de 2.800 pessoas de diversos ramos e classes sociais, revelou após um ano de estudos que 17,1% das mulheres analisadas ultrapassam a jornada de 40 horas semanais, considerada normal ou até mesmo mínima no Brasil. O mesmo estudo diz que as mulheres têm a saúde mais afetada devido a esse acúmulo de funções, sendo o estresse (que pode apresentar sintomas como dores de cabeça, insônia, gastrite, diarréia, queda de cabelo e alterações menstruais) a doença mais comum. Outras, como a depressão, a ansiedade e os problemas cardíacos são consideradas

14 Disponível em: http://cyberdiet.terra.com.br/excesso-de-trabalho-e-prejudicial-a-saude-da-mulher-5- 1-4-322.html, acesso em setembro de 2012. 39

mais sérias, como o aumento do consumo de cigarros e problemas hormonais. Além disso, muitas vezes devido à falta de tempo, muitas mulheres acabam não dispondo de uma alimentação balanceada e abrindo mão das atividades físicas. É importante lembrar que, mesmo estando inserida no mercado de trabalho, a mulher não necessariamente deixa de cumprir afazeres relacionados com a maternidade e com a casa, configurando, dessa forma, mudanças significativas na estrutura familiar e na sua própria forma de ser e se sentir mulher. Tais transformações geram novos conceitos e classificações para as novas performances femininas. 40

2 MÍDIA E SEUS DISCURSOS

Enquanto no capítulo anterior tecemos uma abordagem histórica sobre a participação das mulheres na sociedade brasileira contemporânea, mostrando aspectos relativos à violência doméstica e às mudanças estruturais ocorridas na constituição das famílias e da própria imagem da mulher perante si, neste segundo momento vamos tratar de correntes teóricas necessárias para a interpretação da recepção do telespectador de algumas telenovelas brasileiras que abordaram tais questões, utilizando para isso a análise de materiais coletados nas redes sociais Youtube e Orkut. Dessa forma traremos, primeiramente, discussões sobre algumas teorias da comunicação, em especial os estudos epistemológicos sobre recepção, até chegarmos aos estudos de telenovela. Na segunda parte, trataremos da relação entre discurso e mídia, entendendo como se dão os processos de identidade. Por fim, falaremos de como funcionam as redes de memória nas telenovelas e como elas podem produzir uma matriz cultural.

2.1 Comunicação, mídia e telenovela

No início da década de 1950, quando as pesquisas no campo da comunicação tiveram início, acreditava-se, ainda, num modelo de comunicação em que o emissor era aquele que detinha o poder, enquanto o receptor era analisado apenas como um sujeito dominado frente a essa relação hegemônica e poderosa. A teoria crítica, preconizada pela Escola de Frankfurt, configurou-se num marco referencial desse pensamento. O modelo mostrava que os meios eram detentores do poder absoluto da informação e que o seu conteúdo era usado para manter as massas alienadas e reforçar o discurso capitalista (MATTELART, 1999, p.78). Nesse contexto,

o receptor talvez possa ser visto aqui como uma outra expressão do dualismo teórico sujeito/objeto, dado que se constitui empiricamente como expressão de receptor/objeto/mercadoria. A racionalidade do capitalismo industrial do início do século deslocará para o mercado o eixo explicativo de manutenção do sistema; e era nesse eixo que 41

comunicação, cultura e poder interagiam. Nele o receptor se encontrava retificado por completo. (SOUSA, 1995, p. 18).

Analisando estas formulações, Kellner (2001) identifica que, embora produtivas em certos aspectos, também acabam por apresentar deficiências. Assim, sugere algumas adaptações, como

análise mais concreta da economia política da mídia e dos processos de produção da cultura; investigação mais empírica e histórica da construção da indústria da mídia e de sua interação com outras instituições sociais; mais estudos de recepção por parte do público e dos efeitos da mídia; e incorporação de novas teorias e métodos culturais numa teoria crítica reconstruída da cultura e da mídia (...). Tal reconstrução do projeto clássico da escola de Frankfurt atualizaria a teoria crítica da sociedade e sua atividade de crítica cultural ao incorporar os desenvolvimentos contemporâneos da teoria social e cultural nos esforços da teoria crítica. (idem, p.45)

É necessário observar, também, que a suposta passividade do receptor e a limitação crítica que estabelece uma cultura “superior” e considera as chamadas culturas de massa como inferiores já não dão conta de suprir as novas demandas. As tecnologias de informação e comunicação, como a telefonia móvel e a rede mundial de computadores, por exemplo, não podem ser compreendidas a partir deste modelo de análise limitador. No entanto, a escola de Frankfurt foi fundamental na medida em que inaugurou a integração entre os estudos de comunicação e cultura, além de que propôs novos métodos de análise no que diz respeito a esse tipo de pesquisa (KELLNER, 2001, p.47). A partir dessa problemática, os campos das ciências sociais e humanas sentiram a necessidade de debater essas questões e, aos poucos, as escolas de comunicação começaram a ser implementadas no Brasil. Era necessário criar não uma teoria, mas sim uma abordagem metodológica diferenciada para explicar como acontece o processo em que o receptor é parte ativa no processo comunicacional. A recepção passa a ser o espaço da comunicação onde as mensagens adquirem sentido; passando-se a valorizar o receptor como o sujeito ativo no processo comunicacional. A construção desse novo paradigma faz acreditar que

o reconhecimento do sujeito e da pertinência de uma teoria que parte das percepções deste último, de sua subjetividade; que acolhe as vacilações da significação; que entrevê a comunicação como um 42

processo dialógico onde a verdade, que não será nunca mais a mesma, nasce da intersubjetividade. (MATTELART, 1989, p. 201).

Subjetividade essa que, como afirma Borelli (1995), explica o interesse e a importância em se procurar estudar o telespectador como sujeito da sua história. Ela denomina esse estudo como uma introdução à construção de uma “teoria do sujeito”, que só vem provar que o telespectador ou leitor é participante na (re)interpretação dos significados, sendo capaz de redefinir antigos (pré)conceitos, reformulando-os. Henry Jenkins (2009), por sua vez, acredita que o mercado precisa estar atento aos interesses do consumidor, já que esse passa a exigir participação ativa na produção do conteúdo. Não pode mais haver a separação entre os dois e sim, interação.

A circulação de conteúdo - por meio de diferentes sistemas midiáticos, sistemas administrativos de mídias concorrentes e fronteiras nacionais – depende fortemente da participação ativa dos consumidores [...]. O público, que ganhou poder com as novas tecnologias, que está ocupando um espaço de interseção entre os velhos e os novos meios de comunicação, está exigindo o direito de participar intimamente da cultura. Produtores que não conseguem fazer as pazes com a nova cultura participativa enfrentarão uma clientela declinante e a diminuição dos lucros. (idem, p.51)

É necessário, sob tal ótica, compreender os estudos de recepção não mais como apenas uma fase dos estudos de comunicação, como acreditavam as outras teorias citadas, mas sim como um “lugar novo”, que tem novas propostas metodológicas e epistemológicas.

É indubitável que o estudo da recepção, no sentido em que estamos discutindo, quer resgatar a vida, a iniciativa, a criatividade dos sujeitos, quer resgatar a complexidade da vida cotidiana, como espaço de produção de sentido; quer resgatar o caráter lúdico da relação com os meios; quer romper com aquele racionalismo que pensa a relação com os meios somente em termos de conhecimento ou desconhecimento, em termos ideológicos; quer resgatar além do caráter lúdico, o caráter libidinal, desejoso da relação com os meios. (MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 54)

43

Segundo o autor, a concepção de que o receptor é um ser que apenas segue a ordem e é facilmente manipulado segue a linha teórica que ele nomeia de condutista, onde “a iniciativa da atividade comunicativa está toda colocada no lado do emissor, enquanto do lado do receptor a única possibilidade seria a de reagir aos estímulos que lhe envia o emissor” (ibidem), sendo que esse é um tipo de argumento que não se sustenta mais. Segundo o autor, é necessário que se estude para além do entendimento do que os meios fazem com as pessoas, propondo pensar essa sistemática de forma contrária: o que as pessoas fazem com os meios? Quais usos e sentidos elas criam? Por outro lado, é necessário que se entenda que, logicamente, o poder não está todo do lado de quem consome. Temos que considerar que a teoria da recepção proposta por Martín-Barbero (2001) leva em conta também a tentativa de dominação por conta dos meios. Segundo Élide Santos (2010),

[...] foi preciso tomar cuidado com o sentimento puramente progressista acerca dos meios, posto que Barbero (2001) não propõe este sentimento, ao contrário, não nega o viés de dominação e hegemonia que os meios parecem querer impor. (idem, p. 6)

Martín-Barbero (1995) cita também o problema acerca da “exclusão cultural na recepção”, lembrando as formas de desqualificação dos gostos populares. Há uma camada da sociedade que considera as preferências populares como vulgares, sem procedência “culta” ou legítima. Nessa classificação, estão enquadradas as telenovelas, o cinema de gênero, entre outros. O autor também lembra que parte da sociedade não aceita o modo como os populares apreciam as representações artísticas. Assim, acredita que só haverá, de fato, uma democratização dos meios quando os estudos de recepção passarem a focar não apenas as demandas sociais de uma classe intelectual, mas sim as demandas culturais dos populares e o modo como a sociedade civil, em geral, se expressa.

2.2 O lugar das mediações

Como um dos objetivos desta pesquisa é analisar a relação emissor-receptor em relação às telenovelas que tratam da violência contra a mulher, é necessário 44

fazer uma discussão teórica sobre processos de mediação. Para fundamentar as análises propostas, tomaremos como princípio teórico as formulações de Martin- Barbero, Nestor Garcia-Canclini, Rúotolo e Orosco, já que configuram importantes contribuições na constituição desta discussão na América Latina. Esses autores partem de estudos de Antônio Gramsci sobre hegemonia para inserir definições de comunicação e cultura no campo da comunicação. Dentro dessa abordagem, entende-se hegemonia como “a capacidade de unificar através da ideologia e de conservar unido um bloco social que não é hegemônico, mas sim marcado por profundas contradições de classe”. (GRUPPI, 1978, p.91). A partir dessa nova perspectiva, rompeu-se com a idéia de dominação imbricada no conceito de hegemonia, que passou a ser considerada como relações de consenso. Segundo Canclini (1988),

nas sociedades complexas, a hegemonia se estabelece mediante uma relação dialética entre a homogeneidade e diferenciação social. Enquanto a dominação homogeneíza, submetendo as pretensões de pluralidade ao denominador comum da obediência, a hegemonia consiste em trabalhar com as diferenças e às vezes fomentá-las, sob a coesão de um poder unificador [...]. Quando a diversidade de interesses se desenvolve em estilos de vida enfrentados sem pacto e reciprocidade, gera conflitos desintegradores da unidade social, mas essas mesmas diferenças, desde que reconhecidas pelo poder hegemônico e coordenadas por ele, podem coexistir e inclusive colaborar para que a hegemonia seja legitimada através do consenso. (idem, p. 22)

No entanto, Martin-Barbero (2001) critica os estudos que apenas mostram a tensão entre a cultura hegemônica do “dominar” e a subalterna do “resistir” e como cada uma desempenham suas respectivas funções, afirmando que

nem toda a assimilação do hegemônico pelo subalterno é signo de submissão, assim como a mera recusa não é de resistência, e que nem tudo que vem “de cima” são valores da classe dominante, pois há coisas que vindo de lá respondem a outras lógicas que não são as de dominação (idem, p. 119).

É assim que se disseminam os estudos de comunicação e cultura e de recepção na perspectiva das mediações culturais. A recepção passa a ser o espaço 45

da comunicação onde as mensagens adquirem sentido; passa-se a valorizar o receptor como o sujeito ativo no processo comunicacional. Entretanto, são amplas as críticas à relação entre comunicação e cultura destacada no contexto latino-americano. Segundo Boaventura e Martino (2009), poucos estudos têm se dedicado a entender as barreiras teórico-epistemológicas dos estudos de recepção e dos estudos culturais. Contraditoriamente ao que defendem, os estudos latino-americanos estariam desenvolvendo

uma corrente de pesquisa tão engajada na oposição às tradições dominantes que desenvolveu o conceito de hegemonia, tornando-se uma tendência dominante no campo, com pouca abertura e espaço para crítica. A hegemonia de uma teoria pode levar ao dogmatismo. (idem, p.14)

Segundo Martín-Barbero (1995), a recepção é um processo de interação, sendo que “a verdadeira proposta do processo de comunicação e do meio não está nas mensagens, mas nos modos de interação que o próprio meio transmite ao receptor” (idem, p.57). Dessa forma, não é o caso pensar apenas nos veículos de comunicação ou nos donos desses conglomerados, e sim como o receptor interage com os atores sociais e com a sociedade por conta das mensagens produzidas. Além disso,

deslocar o eixo das pesquisas para as mediações não significa desconsiderar a importância dos meios, mas evidenciar que o que se passa na recepção é algo que diz respeito ao seu modo de vida, cuja lógica deriva de um universo cultural próprio, incrustado em uma memória e em um imaginário que são decorrentes de suas condições concretas de existência. (JACKS, 1995, p.153)

Um exemplo disso é a telenovela, pois é na circulação dos discursos cotidianos, na prática de contar o enredo e a estória, uns aos outros - e não somente no ato de ver TV – que as mensagens vão passando a fazer sentindo, criando, assim, significados a um determinado grupo social. Ruótolo (1998, p. 151) enfatiza ser importante lembrar que o foco de análise dos estudos de audiência e recepção está nas “respostas que os indivíduos dão aos conteúdos da comunicação”, e que isso “sempre ocorre individual e isoladamente com cada membro da audiência”. Dessa forma, classifica as respostas dos 46

receptores dos meios de comunicação da seguinte maneira: respostas de exposição, respostas de recepção, respostas atitudinais e respostas comportamentais. A perspectiva da exposição está centrada na decisão do indivíduo em ter consumido o produto da comunicação. Dessa forma “se ocupam do fenômeno mais básico a audiência em si mesma, sem a qual nenhum outro efeito ou consequência pode ser possível” (idem, p. 153). Do ponto de vista estrutural, a exposição vê os indivíduos como um conglomerado de consumidores dos meios e, conseqüentemente, dos produtos. Essa teoria está centrada no sistema de “mensuração da audiência” de cunho mais comercial e procura medir o alcance dos produtos vendidos pelos meios de comunicação através das pesquisas especializadas. Outro aspecto da perspectiva de exposição é a de “usos e gratificações”, focada no interesse de saber por que o indivíduo escolhe determinados conteúdos comunicativos, sendo a questão principal: “por que o indivíduo voluntariamente decide ser um receptor em vez de engajar-se em outra atividade alternativa?” (RUÓTOLO, 1998, p.153). Acredita-se, a partir de tal perspectiva, que o receptor procura os programas e conteúdos que melhor se encaixam às suas necessidades; sujeitas a influências do meio, de fatores psicológicos, entre outros. No entanto, essa escolha de ser expor aos meios de comunicação é intencional, já que vai satisfazer os desejos particulares de cada indivíduo. As perspectivas de recepção se dividem em Estudos Críticos, Interacionalismo Simbólico e Construção Cultural, sendo que se preocupam em entender as respostas da audiência depois que a exposição ocorre. Aqui, o interesse não está mais no simples estudo da exposição, e sim na interpretação que cada receptor dá ao conteúdo ao qual é submetido, de acordo com sua realidade e seu contexto. Os estudos críticos estão ligados à teoria crítica da comunicação, apresentando um foco mais pessimista em relação aos meios. Segundo essa proposta, o receptor estaria sendo exposto aos discursos ideológicos e políticos das classes dominantes.

O maior interesse dos estudos críticos localiza-se nos significados políticos que os receptores extraem dos meios de comunicação: ou seja, a interpretação política dada aos conteúdos. Mas a perspectiva até agora não chegou às explicações satisfatórias de onde provem a interpretação: se dos próprios conteúdos, da ideologia das classes “dominadas” ou do contexto social. (RUÓTULO, 1998, p.155) 47

O interacionismo simbólico, por sua vez, é uma perspectiva voltada para a interação do sujeito com os meios. Essa relação com resulta em novas formas de criar significados, formando as “comunidades interpretativas” desenvolvidas a partir de todos os intercâmbios que o sujeito faz ao longo da vida. Conforme Ruótolo (idem, p. 156), “cada indivíduo tem sua própria comunidade interpretativa cujos integrantes são as pessoas com as quais vai interagir em todas as esferas de sua vida pessoal e profissional”. Assim,

a maneira como o receptor constrói seu entendimento do mundo é a sua realidade simbólica. Os meios de comunicação são vistos como importantes componentes dessa elaboração cognitiva que vai servir de base para a compreensão de novas experiências, de novos significados e influenciar o comportamento do receptor. (ibidem).

Já a construção cultural entende os meios de comunicação como parte de um grupo responsável pela formação do receptor, considerando a cultura como fundamental para construção do indivíduo. É baseada na teoria dialógica em que o indivíduo não pode pensar sem a participação do outro. Tal corrente trabalha as “mediações” como um importante componente no processo de “construção de significados” a partir dos conteúdos trabalhados pelos meios de comunicação. Sobre isso, cabe ressaltar que

cada receptor, cada comunidade encontra significados que se aproximam mais de si mesmos do que o emissor. E, paradoxalmente, quanto mais conteúdos a indústria cultural produzir, maior será a facilidade do receptor de modificar os significados para se aproximar mais de sua própria percepção. (RUÓTOLO, 1998, p.158)

A perspectiva atitudinal, por sua vez, está dividida em perspectivas de persuasão e de pauta. É uma corrente relacionada à opinião pública e comportamento político, agregando conceitos da psicologia. Os meios de comunicação, nesse sentido, seriam palco onde se forma e é modificada a opinião pública. Dessa forma, “a atitude não é o comportamento, mas sim um estágio anterior, uma propensão ao comportamento” (ibidem). Como já foi dito anteriormente, em meados da década de 1930, acreditava-se que os meios de comunicação tinham poder absoluto na formação de seus 48

expectadores. No entanto, a partir dos anos de 1950 os estudos de persuasão foram se direcionando para os efeitos indiretos dos meios de comunicação. Com isso, passou-se a analisar fatores como a fonte, a mensagem e o receptor como sujeito individual, percebendo-se como a opinião era formada e/ou modificada e considerando quem está falando, o que está dizendo e para quem. Segundo Ruótolo (1998), a teoria da pauta é uma evolução da teoria da persuasão. Essa linha vai afirmar que o papel do meio de comunicação é colocar em evidência assuntos de interesse do receptor, já que defendem que

[...] as opiniões não são mudadas pelos meios de comunicação. O papel dos meios de comunicação é o de colocar na pauta das preocupações dos indivíduos ou na pauta da discussão pública determinados temas e assuntos. A influência dos meios de comunicação ocorre na medida em que os temas da pauta fazem aflorar determinadas opiniões que já existem no repertório atitudinal do receptor (idem, p. 159).

No entanto, é necessário ver até que ponto essas pautas não são direcionadas por determinados grupos, uma vez que, dessa forma, o sujeito estaria propenso a discutir temas de interesse de agentes que não estão preocupados somente com o “bem público”. De qualquer forma, estariam propensas a mudar e/ou influenciar opiniões e comportamentos dos receptores. Sampaio (1999) explica que a comunicação passa a ser entendida como um fenômeno indissociado da cultura, na perspectiva das mediações culturais. A autora ressalta que,

nessa nova linha de pensamento, as culturas populares não podem ser estudadas de forma isolada e sim, mediatizadas por elementos que produzem e reproduzem significados sociais e culturais como um espaço que possibilita compreender as interações entre a produção e recepção do sentido. (idem, p.58)

O conceito de mediação, segundo Martin-Barbero (2001), sugere que o emissor perde o seu poder absoluto de ação, ao mesmo tempo em que elimina a passividade do receptor. Para Guillermo Orozco (1997), cujos estudos sobre mediações culturais têm se voltado à televisão, a principal pergunta sobre tal temática é: como se realiza a interação entre a TV e a audiência? Na tentativa de 49

encontrar respostas para tal questão, o autor mostra que mediação é o “conjunto de influências que estruturam o processo de aprendizagem e seus resultados provenientes, tanto da mente do sujeito, como de seu contexto sócio-cultural” (idem, p. 114). O autor ainda trata das seguintes mediações: a individual ou cognoscitiva, a situacional, a institucional, a contextual, a estrutural e a videotecnológica. A mediação cognoscitiva ou individual pode ser entendida como o conjunto de ideias, repertórios, esquemas e guias mentais que influenciam em nossos processos de percepção, processamento e apropriação das mensagens propostas pelos meios. Ainda há outro conjunto de mediações, constituído por elementos mais contextuais da recepção, como o lugar de origem e de residência, o nível educativo da audiência, o tipo de trabalho, suas experiências de mobilidade social, suas percepções sobre os meios em geral, suas visões e ambições. As mediações estruturais, por sua vez, são aquelas que configuram a identidade do sujeito receptor, observando aspectos como classe social, etnia, idade, sexo e situação socioeconômica dos sujeitos. Orozco (1997) ressalta que essas mediações também são denominadas de mediações de referências. Nas mediações estruturais ou de referências, portanto, as identidades diversas do receptor constituem mediações no processo de recebimento das mensagens, influenciando, mesmo que de forma distinta, na interação entre as culturas estabelecidas pela parceria. Assim, a proposta do autor é assumir a audiência como sujeito, já que ela se constitui de muitas maneiras e acaba por se diferenciar de acordo com os contextos ao qual está inserida, sendo, então, entendida como um processo resultante da interação receptor/tv/mediações, que entram em jogo no contínuo ato de ver a TV. Esses momentos, por sua vez, fundam-se com as práticas cotidianas, responsáveis pela negociação de significados e sentidos a partir da apropriação dos conteúdos massivos. Nesse caso, a TV é considerada mediadora e uma instituição social que produz significados, ganhando, assim, legitimidade frente sua audiência. Exatamente nesse contexto, situado por Orozco (1997) através de seus estudos televisivos, que buscamos enxergar a parceria como um processo de comunicação entre duas culturas, entendendo-a, portanto, como uma mediação cultural. As mediações institucionais, por sua vez, servem como cenários, já que nelas ocorre a recepção, como, por exemplo, no âmbito da família, considerada como mediadora dessa categoria. Elas são também responsáveis pelas apropriações ou 50

reapropriações das mensagens, funcionando como fontes de referência (que, neste caso, pode ser a escola). Também se destacam como comunidades de interpretação, entendidas como conjunto de sujeitos sociais unidos por um âmbito de significação, na medida em que é “desde ellas que se interpretan muchos de los mensajes percebidas, se significan y se produce la comunicación” (OROZCO, 1997, p.114). Finalmente, as mediações videotecnológicas são aquelas relacionadas aos meios eletrônicos ou a elementos que produzem sua própria mediação, utilizando recursos para impor-se sobre a audiência. A proposta metodológica de Orozco (idem), nesse sentido, diz respeito ao lugar onde as mediações se entrecruzam para dar sentido ao que foi apropriado ou reapropriado. Dessa forma, por comunidade de apropriação entende os diferentes âmbitos de significação através dos quais a mensagem adquire sentido. Segundo Boaventura e Martino (2009), Martin-Barbero, Orosco e Canclini, apesar de falarem do mesmo tema, divergem em seus conceitos e abordam perspectivas diferentes. Orosco, por um lado, enfatiza as audiências, defendendo que estas devem ser educadas, já que para ele é necessário um aprimoramento nos processos de recepção por parte do receptor. Já Martin-Barbero acredita que essa visão é preconceituosa, uma vez que visa “corrigir o ver”, o que não colaboraria para a compreensão dos meios. Ele pensa as mediações através dos fatos e controles que ocorrem durante o processo de recepção, reduzindo as mediações a influências que ocorrem durante o processo. Como vimos acima, ele descreve os tipos de mediação. Para Martin-Barbero, o conceito é mais abrangente.

A mediação seria a intersecção entre fatores, o lugar onde duas fontes de influência ao processo de recepção parecem se encontrar, se cruzar [...]. A mediação seria um ponto intermediário, o “meio termo” entre dois objetos. Daí a importância dessa proposta dentro da obra de Martín-Barbero, que defende sempre a saída da “razão dualista” da investigação, que contrapõe polos opostos. A mediação seria esse “lugar” que está entre esses opostos, e que permite a compressão mais completa dos fenômenos complexos (...). Os mediadores são verdadeiros atores sociais e não apenas intermediários. (BOAVENTURA, MARTINO, 2009, p.12)

Segundo os autores, ainda há muito para ser aperfeiçoado até se chegar a uma teoria clara sobre os processos de mediações nas pesquisas em comunicação. 51

No entanto, vamos trabalhar com os conceitos em desenvolvimento e aplicá-los nas análises sobre as telenovelas que retratam casos de violência doméstica contra mulheres15, já que consideramos tal gênero da teledramaturgia como importante exemplo de mediação, entendida aqui como resultado da interação do sujeito com o meio, tendo em vista suas relações interpessoais, cognitivas, institucionais e todo o contexto sócio-cultural. Assim, o entendimento de que o receptor é também um produtor de sentidos resultou na escolha do cotidiano como lugar importante de análise, já que nele se manifesta a cultura. Com isso, poderemos compreender as mediações culturais e seus usos. Nesse sentido, cabe ressaltar que a telenovela surge como uma importante formadora de sentido para o cotidiano dos sujeitos, que reagem e criam seus próprios usos a partir de determinada mensagem. Segundo Élidy Santos (2010, p. 1), “além de um produto cultural, a telenovela está integrada à realidade social dos sujeitos por meio das representações sociais”. Com isso, não podemos esquecer que é no lugar comum, em um ambiente propriamente doméstico, que ela é absorvida. Assim, como lembra Leal (2005, p.119), “é mais do que isso, é uma história de famílias para famílias; é uma história de afetos que entra num espaço de afins e consanguíneos que é eminentemente afetivo”. Sobre isso, pesquisadores latino-americanos como Canclini e Martin-Barbero partem do princípio de que a cultura é uma força viva, constituída da ação autônoma do homem, que compartilha códigos, condições materiais da vida e formas de apropriações semelhantes. Na opinião desses estudiosos, a cultura não é estática e nem algo que deve ser incorporado e reproduzido fielmente pelos indivíduos, já que novas interações com outros grupos ou códigos culturais podem sempre trazer novas significações. Para o antropólogo Geertz (1989, p.15),

o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu. Assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado. (ibidem)

15Tais telenovelas serão analisadas no terceiro capítulo desta dissertação.

52

Podemos entender que este processo de significação da cultura acontece com os dramas reproduzidos nas telenovelas brasileiras, uma vez que geralmente são compostos por histórias semelhantes às da vida real, de várias camadas sociais e de territórios rurais e urbanos que tiveram considerada relevância, sendo que, a partir disso, passam a ser problematizados na televisão. Dessa forma, como afirma Martin-Barbero (2001), o âmbito televisivo tem grande capacidade de projetar a realidade a partir do momento em que as pessoas passam a se identificar e a enxergar um ao outro por este meio. A telenovela, nesse sentido, vai além do entretenimento, passando a ser uma poderosa ferramenta de identificação cultural e uma importante formadora de opinião, capaz de criar agendas, sustentar ou refutar as ordens discursivas estabelecidas e propor novos olhares para um universo social dinâmico e plural. Sobre isso, cabe destacar alguns exemplos produzidos no Brasil. Na telenovela A Favorita, de João Emanuel Carneiro, exibida e produzida pela Rede Globo no período de 2 de junho de 2008 a 16 de janeiro de 2009, no horário das 21 horas, um núcleo de personagens retratava o problema da violência doméstica. Assim, a partir do melodrama, um problema social e cotidiano vivido por muitas mulheres brasileiras foi largamente problematizado e reiterado. Por isso, de acordo com Jacks (1993, p.32), de uma maneira ou outra, “mostrando e discutindo realidades urbanas ou rurais, a telenovela brasileira tem se apropriado de temáticas que tocam de alguma forma na cultura e identidade nacional”. Figueiro (2003), sob a mesma ótica, afirma que a telenovela assume “o papel do contador de história dos velhos tempos”, servindo como um produto de consumo, mas, também, como uma narrativa ficcional capaz de “penetrar no cotidiano do espectador, de forma a que ele possa rever-se na própria realidade” (idem, p. 15). Percebe-se, então, que no espaço da recepção16 são trabalhadas as identidades dos sujeitos de determinado contexto, já que esses, geralmente, se identificam com as tramas. Assim, a telenovela transita nos espaços do público e vai tecendo formações que combinam a vida cotidiana e as diversas maneiras de identificação da nação. Já que a telenovela trabalha com diversas histórias e núcleos, o telespectador tem a oportunidade de se reconhecer e apreender outras formas de ver o mundo.

16 Conceito trabalhado anteriormente por autores como Martin-Barbeiro, Élyde Santos e Jeckins. 53

A identidade social de um indivíduo se caracteriza pelo conjunto de suas vinculações em um sistema social: vinculação a uma classe sexual, a uma classe de idade, a uma classe social, a uma nação e etc. A identidade permite que o indivíduo se localize em um sistema social e seja localizado socialmente. (CUCHE, 2002, p.177).

Com isso, nos propomos a pensar a relação de discurso, identidade e mídia. Para isso, será necessário entendermos algumas categorias analíticas do discurso, abordadas a seguir.

2.3 Discurso, identidade e mídia

Para dar continuidade a pesquisa, vamos tratar de alguns conceitos da Análise do Discurso (AD). No entanto, nossa proposta não é a de entrar em questões específicas do campo da linguística, mas sim utilizar algumas ferramentas da AD que dialogam com o campo da comunicação. Sobre tal relação, Gregolin (2007) enfatiza a possibilidade de estreitar a relação entre mídia e discurso:

a análise do discurso (AD) é um campo de estudo que fornece ferramentas conceituais para análise desses acontecimentos discursivos, na medida que toma como objeto de estudos a produção de efeito de sentidos, realizada por sujeitos sociais, que usam a materialidade da linguagem e estão inseridos na história. Por isso, os campos da AD e dos estudos da mídia podem estabelecer um diálogo extremamente rico, a fim de entender o papel dos discursos na produção das identidades sociais. (idem, p.13).

Queremos discorrer nesse momento sobre um dos principais autores que estudaremos neste tópico: Michel Foucault. Partimos do pressuposto de que a aplicação das suas ferramentas ao campo da comunicação é possível, haja vista que ele é um autor interdisciplinar, que analisa, em diferentes obras, assuntos relacionados à linguagem, ao poder, às prisões, às clinicas, sempre tecendo fios que entrelaçam vários campos de estudos. Dessa forma, é importante ressaltar que a análise do discurso se propõe a compreender a produção de sentidos e efeitos em uma sociedade, sejam eles históricos e/ou sociais; concretizados por sujeitos. Sobre isso, Foucault (1996, p. 54) 54

destaca quatro noções fundamentais em sua análise: noção de acontecimento, a de série, a de regularidade e a de condições de possibilidade. As condições de possibilidade que estão inscrita no discurso, conforme Gregolin (2003), acabam ocasionando as formações discursivas. Além disso, o conceito de acontecimento discursivo diz respeito à proposta de verificar a descontinuidade histórica, sendo que, por isso, Foucault afirma que “os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas, que se cruzam, por vezes, mas também se ignoram ou se excluem” (idem, 1996, p.52). Sobre o acontecimento, discorre que

não é imaterial; é sempre no âmbito da materialidade que se efetiva, que é efeito; ele possui seu lugar e consiste na relação, coexistência, dispersão, recorte, acumulação, seleção de elementos materiais; não é um ato nem a propriedade de um corpo; produz-se como efeito uma dispersão material (...). Por outro lado, os acontecimentos discursivos devem ser tratados como séries homogêneas, mas descontínuas umas em relação às outras (...). Trata-se de censuras que rompem o instante e dispersam o sujeito em uma pluralidade de posições e de funções possíveis. (idem, p. 57).

Acreditamos ser essa noção histórica o princípio norteador desse trabalho, já que as telenovelas são, também, uma produção histórica. Sobre isso, Foucault preocupava-se com as “não evidencias”. Segundo ele, os historiadores sempre se preocupavam com os “equilíbrios estáveis de serem rompidos, os processos irreversíveis, as regulações constantes, os fenômenos tendenciais que culminam e se invertem após continuidades seculares.” (1996, p.1). Dentro das tramas sobre a violência contra a mulher, objeto de estudo desse trabalho, notamos que ao mesmo tempo em que são levantados debates sobre tal temática, também vão sendo tecidos discursos em prol de alguns enunciados que corroboram com esse tipo de violência. Na telenovela Mulheres Apaixonadas17, por exemplo, frases como “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” foram proferidas várias vezes, inclusive quando uma pessoa próxima à vítima morre na tentativa de ajudá-la a acabar com o problema.18 Nesse contexto, também julgamos pertinente analisar, por meio das telenovelas, o conceito de regularidades e dispersões discursivas trazidas por Michel

17 Telenovela produzida e veiculada pela Rede Globo no período de 17 de fevereiro a 11 de outubro do ano de 2003 no horário das 21 horas. 18 A ser analisado no terceiro capítulo. 55

Foucault, a fim de entendermos as semelhanças e oposições entre as obras televisivas a serem analisadas. Sobre isso, afirma que

no caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão e, no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações) diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva.(idem, 2008, p. 43).

Assim, se a regularidade está na dispersão do objeto, estamos em frente, segundo Foucault (1986), à positividade de um discurso que

caracteriza sua unidade através do tempo e muito além das obras individuais, dos livros e dos textos. Se a positividade não revela quem estava com a verdade, pode mostrar como os enunciados “falavam a mesma coisa”, colocando-se no “mesmo nível”, no “mesmo campo de batalha”. (GREGOLIN, 2004, p. 73)

A rede Globo, por exemplo, constitui uma continuidade no que diz respeito ao teor do conteúdo desse tipo de trama, adequando as temáticas a determinados horários. Bologh (1995) cita como exemplo a criação da telenovela das seis horas da tarde, que é voltada a um público que presumidamente não trabalha. Encontra-se nela, assim, uma história mais romantizada, com personagens “do bem e do mal”, numa linguagem mais maniqueísta. A “novela das sete”, por outro lado, procura abordar temas mais engraçados e debochados, que fazem o público rir. Já a “novela das nove” é voltada para um público adulto e procura trazer assuntos mais tensos e polêmicos, que se aproximam mais diretamente à realidade do telespectador. Não podemos deixar de mencionar que entre as telenovelas das sete e das nove horas, a emissora insere o Jornal Nacional, que é o momento de trazer o telespectador para a realidade, preparando-o para um melodrama mais próximo do seu cotidiano, que é o caso da “novela das nove”. Dessa forma, cria-se uma rotina no telespectador e consequentemente o hábito de assistir telenovelas. (BORELLI, 1995).

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2.4 Problematizando identidades

Como o objetivo de abordar questões sobre mídia e discurso mostrando como essa relação produz identidades, concordamos com Kellner (2001) quando afirma que a cultura da mídia as forja, produzindo estilos de vida, fornecendo “os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente” (2001, p. 9). Gregolin (2007, p. 92), por sua vez, questiona esses modelos ditatórios quando constata que “as identidades são, pois, construções discursivas [...]. O que é ser “normal”, “ser louco”, ser “incompetente”, ser “ignorante” se não relatividades estabelecidas pelos jogos desses micro-poderes?”. Segundo a autora, o grande conflito da humanidade atualmente são as questões de identidade. Para ela, há uma insistência em generalizar representações que culminem em categorizações de “identidades” homogeneizantes. As tensões, dessa forma, não seriam mais entre o estado ou as instituições e o sujeito, mas sim entre um “poder globalizante” através micro-lutas cotidianas. É importante lembrar que o poder não é estático e nem está restrito. Ele transita e atravessa todo o corpo social. Segundo Foucault (1979), o poder está no micro, está nas pequenas relações do dia-a-dia e circula no cotidiano das pessoas.

o poder não está localizado no aparelho do Estado e nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo, ao lado dos aparelhos de Estado a um nível muito mais elementar, quotidiano, não forem modificados. (idem, p. 149)

A partir de tais colocações, devemos entender os micro-poderes para além do poder estatal. Eles estão inseridos em cada sujeito histórico, sendo as relações sociais pressuposto básico para que ocorram. As telenovelas, nesse sentido, são um grande exemplo que envolve micro-poderes, pois a relação autor-telespectador é sempre abarcada por tensões e resistências que podem resultar em transgressões ou negociações. Na telenovela Amor e Revolução19, por exemplo, Marina, interpretada por Giselle Tigre, e Marcella, por Luciana Vendramini, chocaram o

19 Telenovela brasileira produzida e exibida pelo SBT de 2011 a 2012 no horário das 22h. 57

público ao protagonizar o primeiro beijo lésbico da televisão brasileira. Na época, o fato estampou as manchetes de importantes jornais e revistas20.

IMAGEM 1: repercussão do primeiro beijo lésbico da televisão brasileira21

No entanto, existem casos em que, a pedido do público, o autor acaba negociando e retirando algum personagem da trama, como foi caso de Lavínia (Nívea Stelman) e Fernando (Rodrigo Hilbert), que foram cortados da telenovela Morde e Assopra22 devido à grande rejeição do público. Além disso, as telenovelas, como produto midiático, contribuem na construção de identidades. Kellner (2001) lembra que nas sociedades tradicionais era possível encontrar identidades estáveis, já que era papel dos grupos onde cada indivíduo estava inserido a designação de funções. Na contemporaneidade, o autor traz para o conceito de identidade a noção do social e a subordinação ao outro, pois “à medida que o número de possíveis identidades aumenta, é preciso obter reconhecimento para assumir uma identidade socialmente válida” (idem, p. 296). Da mesma forma, percebe-se maior fragilidade e instabilidade desse sujeito. Atualmente, devido à necessidade de reconhecimento da própria identidade, a sociedade de consumo entra como mediadora fundamental nos processos de ser, vestir, agir e em tudo o que se diz relativo à imagem do sujeito. Podemos compreender isso através das telenovelas que acabam por ditar modismos, modos de falar e agir através de personagens. Destacamos, por exemplo, os assessórios

20 Todas as imagens presentes nesse capítulo foram acessadas na primeira semana de fevereiro de 2013, sendo que, por isso, suas respectivas citações não apresentarão a data de acesso individual. 21 Fonte: http://www.netcina.com.br/2011/07/polemica-marina-e-dra-marcela.html 22 Telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo em 2011 no horário das 21h. 58

marroquinos e indianos das telenovelas O Clone23 e Caminho das Índias24, que caíram no gosto brasileiro mesmo sendo representações de uma cultura muito distinta. A imagem abaixo mostra a personagem Jade, por Giovanna Antonelli, que interpretava uma mulçumana, onde se destacam os brincos grandes, a maquiagem marcada no olho e a dança do ventre, que ficaram muito populares no Brasil e foram largamente usados na época da telenovela.

IMAGEM 2: Jade dançando em O Clone25

Abaixo, temos a indiana Maya, interpretada por Juliana Paes, que também fez sucesso no Brasil com o uso excessivo de acessórios, maquiagens marcadas e tatuagens de henna. A telenovela Caminhos das Índias, assim como O Clone, eram da mesma autora, Glória Perez, e tinham como objetivo mostrar as culturas do oriente: Indiana e Marroquina, respectivamente.

23 Telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo de 2001 a 2002 no horário das 21h. 24 Telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo de 2009 no horário das 21h 25 Fonte: http://televisao.uol.com.br

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IMAGEM 3: Maya e as peculiaridades do vestuário indiano26

No âmbito brasileiro, a década de 1980 ficou marcada por bordões como “tô certo ou tô errado?” do personagem Sinhôzinho Malta, vivido por Lima Duarte, e as faixas de cabelo da viúva Porcina, interpretada por , como mostra a imagem abaixo, em Roque Santeiro27. A trama passava na cidade interiorana fictícia de Asa Branca e retratava costumes tipicamente nordestinos.

IMAGEM 4: Viúva Porcina com um lenço Rosa Flúor 28

Apesar do incômodo causado pelas meias de “lurex”, cujo tecido tinha a textura grossa, no final da década de 1970 tais meias coloridas foram muito imitadas pelos brasileiros devido ao sucesso que faziam na telenovela Dancing Days29.

26 Fonte: www.google.com.br 27 Telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo entre 1985 a 1986 no horário das 20h 28 Fonte: http://canalviva.globo.com/programas/mais-da-tv/materias/extravagancia-de-maria-do- carmo-e-viuva-porcina.html 60

IMAGEM 5: as meias de lurex em Dancing Days30

O sucesso dos modismos ditados pelas telenovelas é tamanho que a Rede Globo criou a Globo Marcas, site especializado em vender apenas produtos que fazem sucesso na programação da emissora. Neste funcionamento comercial, percebe-se a presença dos micros-poderes de Michel Foucault (1979), já que a sociedade do consumo tem necessidades de seguir os padrões de grandes conglomerados midiáticos, fazendo com que os micro-poderes circulem nessas normas de regulação de como se deve “ser”, “vestir” e “agir”.

2.5 Redes de memória

Segundo Gregolin (2005), cada sujeito tem um arquivo31 de memória de determinados períodos e, em diferentes momentos, recorre (consciente ou inconscientemente) a eles. Esses arquivos são, conforme o autor, subjetividades, como também singularidades históricas a partir do agenciamento de trajetos e redes de memórias. A mídia, nesse contexto, faz a apropriação dessas redes de memória,

29 Telenovela produzida e exibida pela Rede Globo entre os anos de 1978 e 1979 no horário das 20h. 30 http://colunistas.ig.com.br/curioso/tag/meia-lurex/ 31 Segundo Gregolin(2005,p.09) O arquivo de um momento histórico se constitui em “horizontes de expectativas” e um acontecimento discursivo realiza algumas das suas possibilidades temáticas. 61

utilizando-as na seleção dos temas que irá abordar. Assim, as escolhas temáticas são sempre motivadas por atravessamentos históricos, sociais e culturais de uma sociedade. As telenovelas, nesse sentido, acabam sendo o reflexo das redes de memória quando ativam as memórias discursivas do telespectador. Podemos citar como exemplo a telenovela Mulheres Apaixonadas. No núcleo onde a professora Raquel, interpretada por Helena Ranaldi, namorava seu aluno adolescente Fred, interpretado por Pedro Furtado, a própria trama contribuía para despertar tal memória discursiva, que é sempre recorrente quando um sentido é produzido. Através dos personagens envolvidos no enredo (as famílias, os amigos, o ex-marido), havia constantemente a lembrança que a sociedade não autorizava o tipo de relacionamento vivido entre o jovem e a professora. Cabe ressaltar que as telenovelas acompanham as transformações históricas e sociais, assim como as redes de memória que são recorrentes, mas nem sempre estáveis. Dessa forma, elas podem estabilizar e desestabilizar situações, criando a possibilidade de novos sentidos. Segundo Gregolin, elas criam um “nó na rede” (2005, p.12). No caso da telenovela Avenida Brasil32, o público torcia para que Tufão, vivido por Murilo Benício, agredisse sua esposa Carminha, protagonizada por Adriana Esteves, vingando-se. Neste caso, verificamos que o tema da violência doméstica foi incentivado, já que a cena teve aprovação do telespectador, que entendia se tratar de uma prática condizente com o papel do “mocinho” da trama. Ao mesmo tempo, isso acaba por implicar na reafirmação do discurso que aceita a violência contra a mulher quando essa “faz por merecer”. Na telenovela Salve Jorge33, Bianca, personagem de Cléo Pires, faz uma festa de “descasamento” para comemorar seu divórcio, utilizando uma representação estável, que é o casamento, para inverter o sentido tradicional do conceito. Ao mesmo tempo que parece não valorizar as definições clássicas do casamento e do amor, se apaixona pelo guia turístico Zyah, vivido por Domingos Montagner, que mora em uma caverna. A moça larga tudo para viver esse amor, reforçando o mito de que o grande objetivo da mulher sempre acaba sendo encontrar um relacionamento estável e tradicional.

32 Telenovela produzida e exibida pela Rede Globo no ano de 2012 no horário das 21h. 33 Telenovela produzida e exibida pela Rede Globo no ano de 2012 e 2013 no horário das 21h. 62

No próximo capítulo, trataremos de alguns conceitos mais específicos sobre telenovela, discorrendo sobre as que são foco deste trabalho para, posteriormente, tecer análises sobre as representações da mulher e das violências a ela cometida, utilizando para isso informações presentes em redes sociais.

63

3 EM CENA: TELENOVELAS

Conforme pesquisa34 realizada em 2007 por Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia, dois bilhões de pessoas assistem telenovela no mundo e este mercado movimenta cerca de setenta milhões de dólares por ano. Nesse contexto, o Brasil e o México são os maiores exportadores do melodrama no mundo. Mas como se deu a trajetória da teledramaturgia brasileira? Partindo de tal questão, a proposta deste capítulo é mostrar suas características no Brasil e, especificamente, mostrar as telenovelas que nos dedicamos a analisar neste trabalho: Mulheres Apaixonadas e A Favorita. Para compreendermos o percurso histórico da telenovela, vamos nos fundamentar na pesquisa de Maria Ataíde Malcher (2009), que fez um significativo levantamento sobre este tema.

3.1 Um estudo de caso de produções da Rede Globo

Para fazer um apanhado da teledramaturgia no Brasil é necessário levar em consideração a ausência de dados sobre o início do processo no país. Segundo Malcher (2009), pouco se têm de registro sobre o que era veiculado nos anos iniciais da televisão. Portanto, faremos aqui um levantamento bibliográfico sobre esse percurso. Outro ponto a destacar é que as telenovelas são produtos midiáticos e como tal, financiadas pelas verbas oriundas da publicidade. Dessa forma, partimos do princípio que as telenovelas recebem as influências dos seus patrocinadores e, se necessário, precisam mudar o rumo das tramas de acordo com as necessidades do anunciante. Na imagem abaixo, vamos constatar uma cena comum: o uso de determinada marca comercial por um dos personagens. Na imagem abaixo, a personagem Aída, interpretada por Tottia Meirelles, de “Caminho das Índias”, exibe um produto da marca “Novex”, destacando que o usa e que o mesmo é de excelente qualidade.

34 Pesquisa feita por Mauro Alencar para a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação Disponível em http://www.htforum.com/vb/showthread.php/56712-2-BILH%C3%95ES- DE-PESSOAS-ASSISTEM-TELENOVELAS-NO-MUNDO-INTEIRO 64

IMAGEM 6: propaganda em Caminho das Índias35

Para destacar as questões teóricas que abarcam as telenovelas, é importante situar que, num primeiro momento, vamos tomar emprestada a denominação telenovela dos dias atuais para lembrar que no início do percurso do melodrama televisivo, ainda não era possível configurar o termo no seu “conceito lato”. O que acontecia era que a maioria das telenovelas eram oriundas do rádio e, portanto, tinham o roteiro adaptado para esse meio. Outras eram adaptações de roteiros estrangeiros, como também havia a inserção do teatro na TV, aliando a competência entre ambos, chamado de teleteatro (MALCHER, 2009). A primeira emissora do Brasil, a TV Tupi, foi inaugurada em 1950, na cidade de São Paulo. Neste período surgiram também as emissoras Record, Paulista, Continental e TV Rio. Já era possível observar um movimento de regionalização da televisão, mesmo que ainda incipiente. As obras veiculadas por essas emissoras eram predominantemente no eixo Rio-São Paulo, mas, no entanto, nota-se a abrangência para outras regiões, o que já sinalizava um caráter de diversidade na televisão. Considerando que o Brasil é vasto em termos sócio-culturais, seria necessário ir captando a realidade de outras partes do país. As obras ficcionais na TV, neste momento, buscavam sua inspiração nas radionovelas, que faziam sucesso como melodrama e tinham como característica o forte apelo popular. No entanto, na TV havia a grande tensão entre as

35 Fonte: http://blog.modadenovela.com.br/ 65

características populares do melodrama do rádio e as raízes do que naquele contexto considerava-se como “cultural”, como grandes obras clássicas, o teatro europeu e outros. Esse novo meio precisava de legitimação, mas era arriscado se manter longe da realidade do povo brasileiro (MALCHER, 2009). Acreditava-se, nesse contexto, que com roteiros distantes do cotidiano da maioria da sociedade a telenovela podia ficar fora da realidade da população e não agradar. As primeiras telenovelas no Brasil tinham duração de apenas 20 minutos e eram veiculadas três vezes na semana. Segundo a pesquisa de Malcher, a década de 1950 teve 109 produtos que, dentro das limitações do termo, podem ser chamados de telenovelas36. No entanto, essas obras não tinham horários fixos e apresentavam pouca audiência. A maior parte dos roteiros de telenovelas era de origem estrangeira e só a partir de 1953 foi possível ver criações de textos e autores nacionais baseados na literatura brasileira, formulados especificamente para esse tipo de mídia. A TV Excelsior, por exemplo, teve na época o propósito de valorizar essas obras e adaptar seu roteiro à cultura brasileira. Esta emissora, que permaneceu até 1970 no ar, trouxe para a televisão o modelo organizacional norte-americano, criando a grade horizontalizada e verticalizada. Sobre isso, Borelli (1995) acredita que, além da televisão passar a adotar o princípio da diversidade e da miscigenação brasileira considerando as várias etnias e culturas do país, foi sistematizado um tipo de organização baseado na verticalidade e horizontalidade. Portanto, é necessário a uma telenovela passar todos os dias em determinado horário e emissora (princípio da horizontalidade) ou que esses melodramas se encaixem entre as programações diárias como “depois” de um determinado jornal ou “antes” de um programa de auditório (princípio da verticalidade). Essa emissora, então, investiu em tecnologia com o videotape e lançou, em 1963, a primeira telenovela diária, intitulada 2-5499 Ocupado. Neste mesmo ano estreia também Teatro 63, que procura dramatizar histórias do cotidiano de um brasileiro. Segundo Malcher (2009), a Excelsior também inovou ao romper com o “acordo de cavalheiros”, que nada mais era que um pacto entre as emissoras de não empregar funcionários das empresas concorrentes. Dessa forma, acabou

36 Mais adiante iremos explicar porque esse termo só pode ser considerado lato a partir da década de 1980. 66

angariando alguns grandes atores promissores. Além disso, foi uma importante conquista na valorização dos artistas brasileiros que trabalhavam na televisão.

A Excelsior inaugura modelos para o jovem negócio de TV, aplicando diretrizes que visavam à criação de departamentos, a utilização otimizada e customizada do tempo no ar, a profissionalização, a introdução do hábito de “ver televisão orientado pela grade de programação horizontal e vertical. Evidentemente, deixando de ser o “patinho feio”, a telenovela torna-se a produção mais explorada da televisão. (MALCHER, 2009, p.115)

Mesmo assim, as telenovelas com a programação diária não conseguiram se estabelecer imediatamente. Nesse processo, muitas emissoras não conseguiam cumprir com a grade de programação, desrespeitando os horários e a permanência das tramas no ar. Assim, a década de 1960 foi fundamental, pois nela as telenovelas começaram a dar os primeiros passos e avançar tecnologicamente.

Esse processo ganhou impulso a partir de 1969, quando o governo militar, por meio do Ministério das Comunicações e da Embratel, criados pouco antes, concluiu uma parte de seu projeto de “integração nacional” e inaugurou a rede básica de microondas, interligando as diversas regiões do país [...]. Da mesma forma satélites brasilsat vieram complementar e ampliar a rede de microondas, de 1985 em diante, cobrindo efetivamente todos os quadrantes do território brasileiro. (PRIOLLI apud MALCHER, idem, p.112).

Dessa forma, é necessário contextualizar a ditadura militar como palco desse processo, onde foram suspensas várias manifestações de expressão, atingindo diretamente o meio televisivo.

Um tempo duro para um país que precisava amadurecer e com estratégias políticas marcadas por ações extremas de violência e ignorância (...). É interessante salientar que a televisão conseguiu “proteger” muitos dos que estavam ameaçados pelo sistema que se implantará e durante os vinte duros anos de repressão e que serviu de celeiro para a criação de projetos televisivos por nomes que hoje integram o que há de melhor em termos de teledramaturgia. (idem, p.119)

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Nesse período, as emissoras se abrangem para outros estados e na década de 1970 surge a TV Globo37, que começa a ameaçar a concorrência, já que passa a transmitir em rede e conseguiu maior abrangência no país. Assim a programação vai se consolidando e com isso as telenovelas passam a ser exibidas de segunda a sábado. Além disso, as emissoras começam a ter menos oscilações de horários e programações, o que ajuda a solidificar a audiência. Conforme Malcher (2009, p. 125), “a distribuição dos programas em horários planejados e previamente divulgados pela emissora, desde o início da programação até o encerramento das transmissões, cria um plano conhecido como grade horária semanal”. Na década de 1970, a telenovela também passou a ter espaço entre o público masculino através de Irmãos Coragem38, mesmo sendo um período no qual a telenovela ainda era destinada ao público feminino. Quase 30 anos depois, percebe- se que ela ainda continua sendo preferência entre as mulheres. Sobre isso, uma pesquisa39 encomendada pelo governo federal em 2010 mostra que os programas mais assistidos pelos homens são os telejornais (52,3%) e entre a população feminina este índice declina para 33,5%. Já as telenovelas são mais assistidas por mulheres (51,2%), sendo que apenas 9,4% dos homens assistem a este tipo de programação. Atualmente, apesar de ainda haver resistências, é mais comum encontrar homens chamados de “noveleiros”. A telenovela global Avenida Brasil40, por exemplo, ficou conhecida por ter tido grande audiência masculina.41 A partir de 1979, o publico começa a perceber a inserção de temas mais complexos nas teledramaturgias, em especial nas telenovelas da Globo. Segundo Malcher (2009, p.127), “a Globo vai desenhando sua grade de programação com

37 Neste trabalho damos ênfase maior a TV Globo em detrimento das telenovelas de outras emissoras, já que as duas telenovelas analisadas foram produzidas por tal rede de TV. Fundada em 26 de abril de 1965, na cidade do Rio de Janeiro, pelo jornalista Roberto Marinho, tem hoje um público diário de 150 milhões de pessoas no Brasil e no exterior. A emissora é a segunda maior rede de TV comercial do mundo, atrás apenas da americana American Broadcasting Company. No que tange as telenovelas, é um dos maiores produtores do planeta, alcançando 98,44% do território brasileiro e cobrindo 5.482 municípios, ou seja, cerca de 99,50% da população total do Brasil. Fonte: www.globo.com Acesso em dezembro de 2012. 38 Telenovela produzida e exibida pela Rede Globo no período de 8 de junho de 1970 a 12 de junho de 1971. Escrita por Janete Clair, totalizando 328 capítulos. 39 Pesquisa realizada pela Meta (Instituto de Pesquisa realiza diagnósticos sócio-econômicos, empresariais e eleitorais), em 2010. Disponível em https://gestao.secom.gov.br/ 40 Telenovela exibida pela Rede Globo no período de 26 de março a 12 de outubro de 2012. Escrita por João Emanuel Carneiro 41 Matéria feita pela revista Isto É. Disponível em http://www.istoe.com.br/reportagens/245202_A+NOVELA+QUE+FISGOU+ATE+OS+HOMENS. Acessado em 15/01/2013 68

traços precisos e matrizes carregadas de verde e amarelo, oferecendo um cardápio cada vez mais variado, atiçando o paladar dos diferentes gostos brasileiros”. Assim, a emissora começou a ter um prestígio tão grande que as outras passaram a mudar o horário de sua programação para não ter audiência perdida. Foi o caso da telenovela Éramos seis42, da Rede Tupi, que mudou para o horário das 19h30 para não coincidir com a telenovela , da Globo, que era transmitida no mesmo horário (ibidem). Segundo a autora, foi a partir da década de 1980 que as telenovelas passaram a apresentar o conceito que temos atualmente. As tecnologias ficaram cada vez mais avançadas e as marcas autorais com forte identidade nacional, típicas das telenovelas brasileiras, ficaram cada vez mais evidentes. Também se verifica números médios de capítulos, textos escritos originalmente para a televisão, mesmo quando adaptados de obras estrangeiras e que são realizados por autores nacionais que os adéquam a realidade brasileira. Seu tempo de veiculação em capítulos obedece a uma periodização em meses para a exibição e os capítulos são apresentados dia-a-dia, de forma constante, possibilitando o desenrolar lento da narrativa; possuem multiplicidade das tramas e sua preocupação com os elementos que integram sua linguagem são itens na pauta de sua produção, seja a trilha musical, cenografia, maquiagem, fotografia, direção, entre outros elementos. (MALCHER, 2009, p.140).

Apesar da trajetória marcada por enormes avanços, ainda hoje a teledramaturgia não consegue escapar dos preconceitos da crítica intelectual. No inicio do processo, era considerada sem legitimação, pois tinha suas principais raízes no rádio. Segundo Moreira (2000), o maior desafio da TV brasileira é superar esse embate. Outro ponto que destacamos é a importância do cotidiano, que foi deixado de lado por muitos pesquisadores que acreditavam serem estes espaços destinados apenas aos estudos sobre a luta das classes populares e, consequentemente, às lógicas de produção marxistas. Com isso, as pesquisas do dia-a-dia de um determinado bairro não eram consideradas um objeto de importância científica, já que não estavam diretamente ligadas à esfera política. (JACKS, 1995)

42 Telenovela brasileira produzida pela Rede Tupi e exibida de junho a dezembro de 1977. 69

Segundo Martin-Barbero (1995, p. 58), um dos aspectos mais importantes nos estudos de recepção na América Latina são as considerações sobre o cotidiano. Segundo o autor, “o aporte fundamental é ver a vida cotidiana como espaço em que se produz a sociedade e não só onde ela se produz”. Esse conceito tem um papel relevante nessa esfera quando se busca compreender as práticas culturais dos segmentos populares, pois é justamente no cotidiano que o sujeito compara e viabiliza, ou não, as propostas hegemônicas ou contra-hegemônicas, sustentando seus hábitos ou costumes e os de seus grupos identitários. Sobre isso, Agnes Heller (1989) diz que a vida cotidiana é onde o homem está presente em todos os aspectos do seu dia-a-dia, abarcando características de sua individualidade e personalidade. Nela colocam-se em funcionamento todos os seus significados e sentidos, capacidades intelectuais, habilidades, seus sentimentos, suas paixões, idéias e ideologias. A autora afirma também que o homem da cotidianidade é “atuante e fruidor, ativo e receptivo, porém não tem tempo e nem possibilidade de se absorver inteiramente em nenhum desses aspectos; por isso não pode aguçá-lo em toda a sua intensidade” (HELLER, 1989, p.17-18). Mauro Wilton (1989) também desenvolveu estudos de recepção que privilegiam o cotidiano como o espaço onde as coisas acontecem de fato. O autor diz que a noção da cotidianidade, tanto quanto a de práticas de pessoas e grupos sociais, é uma primeira aproximação importante para se destacar o que vem se colocando como prioridade no estudo de interação entre comunicação e cultura. Esses grupos que se formam no cotidiano constituem, ao mesmo tempo, o motivo dessa mesma vida dos indivíduos. Neles se obtém informações básicas para a subsistência, para a constituição e renovação das experiências históricas e pessoais e, nos processos mais avançados, para o suporte vivencial das grandes lutas sociais. Um dos aspectos importantes a se destacar quando se pensa a telenovela como um importante aspecto da vida cotidiana são as estratégias usadas pelos veículos de comunicação para impetrá-las desta forma. Segundo Malcher (2009, p.153), as obras da ficção passaram a trazer diferentes modalidades de gênero ficcionais. A autora traz o exemplo de A indomada43 para perceber como em uma mesma telenovela é possível detectar vários tipos de gênero: comédia, drama, suspense, entre outros.

43 “” foi uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo em 1997. 70

Para compreender o sucesso das telenovelas junto ao público é importante que se destaque os conceitos de representação fundamentais ao entendimento de como funcionam os mecanismos das narrativas fictícias. Segundo Moscovici (apud SODRÉ, 1972, p.76), a representação é “um processo de mediação entre conceito e percepção”. Em linhas gerais, uma forma de reconstruir um objeto já existente, dando consequentemente uma nova roupagem ao real e levando em consideração as influências culturais e ideológicas próprias do receptor. A telenovela é um grande exemplo de representação, já que independente do nível de proximidade e realidade da narrativa com o telespectador, sendo a função principal do folhetim a de representar. Segundo Gregolin (2007, p. 6), “na sociedade contemporânea, a mídia realiza a imensa tarefa de fazer circular as representações e, nesse sentido, coopera para as interconexões dos fios desse entrelaçamento”. Como já foi dito anteriormente, as telenovelas muitas vezes se vêem reproduzindo dramas da vida real, como escândalos políticos, problemas vividos no âmbito privado e público, preconceitos, tabus. Podemos reconhecer determinadas situações nas gírias, no comportamento das personagens, nos cenários, nas tramas, na atmosfera política e cultural e na estética de produção em geral. Esses folhetins “retiram” o cerne do problema da vida real, dando-lhe uma nova forma e transformando-o em narrativa áudio-visual. Como afirma Campadelli (1987), essas tramas passeiam entre ficção e não-ficção, sendo que, no entanto, sempre mantém uma estrutura que lembra e representa a realidade. Dessa forma, percebe-se que tudo passa a ser intencional na construção das narrativas.

A organização narrativa para ser entendida pressupõe a sua descrição, a determinação dos sujeitos, o papel que representam na história simulada, e a contextualização. Nesse nível observa-se a intencionalidade do artista e os mecanismos de manipulação dos quais se utiliza para interagir com o “olhar” do espectador. (BORGES, 2006, p.69)

Percebe-se, assim, que a telenovela faz uso de dispositivos tecnológicos para narrar. Na telenovela A favorita, por exemplo, em cena referente ao núcleo onde a personagem apanhava do marido, percebia-se uma composição que levava o telespectador ao suspense, com o uso de uma trilha sonora mais tensa ou até mesmo tirando o fundo musical para dar um aspecto de realidade à cena. O folhetim 71

fazia uso de closes nos personagens principais para mostrar as mínimas expressões de emoções. Quando ocorria a agressão, tinha-se a sensação de que a pancada havia sido mais forte devido a proximidade das câmeras. Com o avanço da tecnologia agregada a valores culturais do telespectador, a estética de áudio e vídeo passou a ser uma grande aliada dessa identificação e os sujeitos sociais passaram a se projetar nos dramas, que são mais reais com a ajuda desses meios técnicos mais especializados, que tem por objetivo aproximar as histórias verídicas das fictícias. Outro fator interessante a se destacar é o que Hall (2003) chama de “comunidades imaginadas”. Usando o exemplo da Grã-Bretanha, ele diz que

a vida das nações, não menos que a dos homens, é vivida em grande parte na mente. As fundações racionais e constitucionais da Grã-Bretanha ganham significado e textura de vida através de um sistema de representação cultural. Elas se sustentam nos costumes, hábitos e rituais do dia-a-dia, nos códigos e convenções sociais, nas versões dominantes de masculino e feminino, na memória socialmente construída dos triunfos e desastres nacionais, nas imagens, nas paisagens e distintas características nacionais que produzem a “Grã-Bretanha”. (idem, p. 78)

Isso também acontece com a telenovela, já que mostrando lugares, hábitos e culturas ela automaticamente nos transporta a ambientes desconhecidos, que passam a ser familiares. Na telenovela Salve Jorge, o telespectador passa a reconhecer a cidade do Rio de Janeiro e a Turquia, marcadas com seus hábitos, sotaques, costumes. Toda essa intimidade acontece apenas através da mente, que cria essas “comunidades imaginadas”. Em linhas gerais, as telenovelas nacionais têm o objetivo de identificar o povo brasileiro, seus problemas e toda uma complexa cultura que é influenciada por diversos fatores como classe social, experiências de vida, crenças e todos os dilemas de uma civilização que vive em território extenso e que, historicamente, recebeu influência de várias partes do mundo (JACKS, 1993). Acredita-se que a partir do momento em que a telenovela tira os problemas do cotidiano e passa a registrá-los na ficção, ela passa a ser uma importante ferramenta de democracia, construção e modificação da realidade social.

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3.2 Em pauta: Mulheres apaixonadas

IMAGEM 7: abertura de Mulheres Apaixonadas44

Uma das telenovelas que iremos analisar com mais profundidade é Mulheres Apaixonadas. A trama brasileira substituiu Esperança, de Benedito Ruy Barbosa, e foi veiculada pela Rede Globo no período de 17 de fevereiro a 11 de outubro do ano de 2003, no horário das 21 horas. Foi escrita por Manoel Carlos e dirigida por Ricardo Waddington, Rogério Gomes, José Luiz Villamarim, Ary Coslov e Marcelo Travesso. Teve um total de 203 capítulos na versão nacional e depois de exportada 170 capítulos, sendo reprisada no programa “Vale a Pena Ver de Novo”45 entre 1 de setembro de 2008 e 27 de fevereiro de 2009. Foram exibidas 15 aberturas diferentes nos meses em que ficou no ar, já que as fotos mostradas eram enviadas por telespectadores. As imagens de mulheres apareciam em destaque, enquanto a dos homens ficavam embaçadas. Inicialmente, as fotos seriam trocadas mensalmente. No entanto, a ideia fez sucesso e as trocas aconteciam a cada duas semanas. Em 2003, época em que foi exibida, Mulheres Apaixonadas foi destaque no jornal “O estadão”46, já que o sucesso evidente vinha através de sua audiência: o maior ibope do horário nobre, com média de 54 pontos e picos de 60, além de share47 de 73%. Em entrevista48, Manoel Carlos disse que é um autor que se preocupa com os problemas sociais. Segundo ele49, “a ficção tem sido uma boa aliada no

44 Fonte: www.google.com.br 45 É um programa exibido pela Rede Globo no horário da tarde que tem como objetivo reprisar as telenovelas da emissora. 46Matéria disponível em http://www.estadao.com.br/arquivo/arteelazer/2003/not20030717p2810.htm 47 Percentual de audiência em relação ao total de aparelhos ligados. 48 Entrevista concedida por Manoel Carlos para o livro Autores – História da Teledramaturgia. 49 Entrevista concedida por Manoel Carlos ao jornal Estado de São Paulo. Disponível em http://br.monografias.com/trabalhos/mulheres-apaixonadas/mulheres-apaixonadas3.shtml 73

esclarecimento de questões importantes para a sociedade e a telenovela, como o mais abrangente dos gêneros ficcionais, precisa estar atenta a isso”. Segundo Costa (2000), o autor também se preocupa com as reações do público: “Manoel Carlos admite ser capaz de modificar o destino de seus personagens se o público assim exigir (idem, p. 163). Com isso, conforme as concepções teóricas já apresentadas ao longo do trabalho, constata-se o processo da recepção. Sobre isso, Jeckins (2009) lembra que se o mercado não estiver atento aos interesses do consumidor pode observar uma queda significativa nas suas ações, já que este consumidor tem a necessidade de interagir. É o que afirma, também, Martin-Barbero (2001) quando diz que a recepção é um processo de interação. Ruótolo (1998), como também citamos no segundo capítulo, acredita que é importante estudar as repostas que os indivíduos dão aos conteúdos de comunicação. Além disso, segundo o autor, o receptor tem a escolha de optar pela programação que mais se encaixe as suas necessidades, já que a exposição ao meio é intencional, sendo mais um motivo para o produtor se preocupar com os processos de recepção. Outro ponto importante a ser lembrado são as relações de poder imbricadas nessa relação autor-telespectador. Como já abordado no capítulo anterior, segundo Foucault (1979), o poder não é estático e atravessa toda a sociedade, interferindo nas relações cotidianas. Mulheres Apaixonadas tem como tema principal o drama de várias mulheres que moravam no Rio de Janeiro, na maioria dos casos, no bairro do , e eram de classe média. A protagonista, vivida pela personagem de Cristiane Torloni, Helena, vive no declínio de seu casamento com Téo, personagem vivido por , e se arrisca a viver uma complicada paixão com seu ex-namorado, César (José Mayer). A personagem é diretora da Escola Ribeiro Alves, onde os estudantes vivem diversos conflitos. Um deles diz respeitos às adolescentes Rafaela (Paula Picarelli) e Clara (Aline Moraes), que sofreram diversos preconceitos ao assumir o relacionamento homossexual. De acordo com opiniões veiculadas pela mídia50, no período da telenovela a história das duas moças foi bem aceita pelo publico, já que foi posta de maneira

50 Nota especial para a manchete do Correio Braziliense, edição de 25 de maio de 2003: “A namorada tem namorada – Com maestria, Manoel Carlos conduz romance entre Clara e Rafaela. A história conquistou o público”. Fonte: correiobraziliense.com.br 74

gradativa e repleta de cuidados pela direção para evitar maiores polêmicas. Na telenovela Torre de Babel, por exemplo, o tema foi rejeitado, e as personagens que viviam relação semelhante, Leila (Silvia Pfeifer) e Rafaela (Cristiane Torloni), tiveram de ser retiradas às pressas da trama, cuja solução foi para apelar para uma explosão em um shopping. Ainda em Mulheres Apaixonadas foi abordado o problema do alcoolismo através da professora Santana (), além da trama envolvendo Dóris () e seus avós, Leopoldo (Osvaldo Louzada) e Flora (Carmen Silva), que sofriam violência contra o idoso. Sobre isso, cabe destacar que a repercussão foi tamanha que o tema foi pauta no Congresso Nacional. Além dos problemas de separação e traição que envolviam as mulheres da telenovela, havia a personagem Estela (Lavínia Vlasak), que se dedicava a conquistar o Padre Pedro (Nicola Siri) e Heloísa (Guilia Gam), que sofria por ciúmes excessivos do marido. Através de tal personagem foi divulgado o grupo de apoio psicológico “Mulheres que Amam Demais”, que ajuda mulheres vítimas do ciúme exagerado. A trama investiu também na polêmica do relacionamento de mulheres mais velhas com homens mais novos, como foi o caso das personagens Lorena (Suzana Vieira) e Silvia (Natália do Valle), além da personagem que vamos destacar neste trabalho, Raquel (Helena Ranaldi), que se envolve com seu aluno adolescente, Fred. Foi pauta, também, a violência urbana com a bala que atingiu e matou a personagem Fernanda (Vanessa Gerbelli), no bairro do Leblon. Entretanto, a telenovela sofreu, por outro lado, tentativa de processo judicial do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Jundiái, São Paulo, por conta do tratamento retratado à Zilda (), que sofria assédio e inúmeras investidas de Carlinhos (Daniel Zettel), filho dos donos da casa onde trabalhava. Apesar da tentativa, a justiça negou o processo.

3.2.1 O núcleo Raquel, Marcos e Fred

A trama que iremos destacar aqui diz respeito à personagem de Raquel (Helena Ranaldi) e seu ex-marido violento, Marcos (Dan Stulbach). Como já discorremos anteriormente, ela é professora de Educação Física, tem 75

aproximadamente 30 anos de idade e se muda de São Paulo para o Rio de Janeiro na tentativa de recomeçar a vida após a separação. Na cidade do Rio de Janeiro, ela mora em um apartamento com a sua empregada doméstica e confidente, Ivone (Arlete Heringe). Raquel começa a dar aulas na Escola Ribeiro Alves, onde conhece e passa a se envolver com um aluno bem mais novo que ela, Fred (Pedro Furtado), que tem 16 anos. Ele mora com a mãe Eleonora (Joana Medeiros), foi criado sem o pai e é apaixonado por esportes, principalmente por natação. A telenovela explorou bastante essa relação, mostrando que Eleonora era uma das mulheres apaixonadas: pelo filho. Durante toda a trama, a mãe se dedica quase que exclusivamente ao garoto. É interessante destacar também que a personagem Raquel não chegou a se separar legalmente do ex-marido. Ela precisou fugir de São Paulo, pois além dele não possibilitar o divórcio, a agredia constantemente, uma vez que Marcos ainda se considerava casado e “dono” de Raquel, inclusive chamando-a de “meu amor”. Na cena em que ele chama Fred para intimidá-lo, deixa bem claro esse sentimento de pertencimento. Marcos diz:

há muito tempo em São Paulo, um garoto assim (...), mais novo que você, era aluno dela, também se encantou pela Raquel. É, você não foi o primeiro. Tudo bem, viu? Não fica assim. Garotos se encantam por mulheres, é natural... aí resolvi ter uma conversa com ele, assim como estou tendo com você. Mas sabe que ele não me ouviu? Continuo dando em cima da minha mulher...51

Apesar das mudanças legais que concederam o direito de divórcio às mulheres e, mesmo com os avanços que marcaram o ano de 2003, como já mostrado anteriormente, o processo seguiu sendo muito burocrático, principalmente no que dizia respeito à separação não aceita por um dos cônjuges, ou seja, litigiosa, como era o caso de Marcos e Raquel, já que ele não aceitava o divórcio. Segundo a Lei 6.515/77, “a separação judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e tornem insuportável a vida em comum” (Art. 5º) 52.

51 Cena disponível em http://www.youtube.com/watch?v=9vqkz_JLblA. 52 Disponível em http://www.separacaoedivorcioonline.com.br/separacao-judicial.html 76

Vale ressaltar que em 2003 a lei do divórcio ainda exigia a necessidade da separação judicial por mais de um ano ou a separação de fato por mais de dois. A partir de 13 de julho de 2010, vingou a lei de que, não havendo a existência de filhos menores, o divórcio poderia ser feito em cartório, diminuindo as burocracias. Na telenovela, constata-se que a relação entre Fred e Raquel não é bem vista pelos amigos e a mãe do garoto, Eleonora, que prefere que Fred namore Marcia (Pitty Webbo), já que a garota é filha de um famoso médico, Marcos (José Mayer), e de “boa família”. Na cena em que os pais dos alunos estão reunidos na escola para um encontro de boas vindas, Eleonora comenta com a mãe de um dos alunos sobre Márcia:

A família é podre de rica. E ela, cá pra nós, que ninguém nos ouça, é apaixonada pelo Fred, meu filho. Arrasta uma asa pra ele. Eu rezo todo dia, ascendo vela pros dois namorarem. Ah, pra ele vai ser uma grande oportunidade. Mas não é por causa do dinheiro, que eu não sou interesseira. É por causa da família, são todos muito educados e distintos, sabe? Já viajaram o mundo inteiro.53

Logo depois, Fred e Raquel chegam juntos a Escola. Eleonora comenta em tom de desaprovação: “essa moça agora grudou no meu filho?”, e Marcinha, chateada, responde: “pois é, o tempo todo!”54. Enquanto isso, Marcos (Dan Stulbach) vai para o Rio de Janeiro perseguir a ex-mulher. Ele é de classe média alta e aparece sempre dirigindo carros caros e frequentando restaurantes de luxo. Entre outros atos de violência, ele costuma bater em Raquel com uma raquete de tênis.55 Além disso, faz ameaças constantemente, praticando violência psicológica e dizendo que ia denunciar o caso dela com seu aluno se ela não reate o relacionamento. Na cena em que os dois estão no bar que pertence ao ex-marido da diretora da escola em que Raquel trabalha, Marcos a ameaça dizendo: “pega sua taça, vamos fazer um brinde ao romance da professorinha e seu aluno”. Raquel implora para o ex-marido parar, mas ele continua. “Tá com medo de ser desmascarada aqui na frente de todo mundo? Banda de música e tudo, Raquel. Vamos continuar essa conversa lá na minha suíte. Só nós dois, amor.” Ela se nega e

53 Cena disponível em http://www.youtube.com/watch?v=AT7hDAH-_M8. 54 Cena disponível em http://www.youtube.com/watch?v=7w2y7fjDMZ4. 55Cena de Marcos batendo em Raquel com a raquete de tênis está disponível em http://www.youtube.com/watch?v=zOicILt247U 77

ele ameaça: “então tá bom, não me resta outro jeito. Vamos anunciar esse romance aqui mesmo. Vamos aproveitar a presença do Théo, ex-marido da Helena e irmão da Lorena (dona do colégio, vivida por Suzana Vieira).56 Vendo que as violências psicológicas e físicas não estavam surtindo o efeito esperado, Marcos passa a perseguir Fred e a professora decide denunciá-lo por agressão. O jornal O Estadão57 divulgou que, segundo dados da Delegacia de Atendimento a Mulher do Rio Janeiro, depois que Raquel foi à polícia o número de denúncias aumentou 40% nas delegacias. Segundo Moscovici (1987) e Gregolin (2007), as telenovelas se utilizam da representação, tirando dramas sociais da realidade, inserindo nas tramas e trazendo o máximo de características que remetam a realidade. Nesse sentido, os “laboratórios” que os atores fazem antes de começarem as gravações de uma determinada telenovela servem para eles conheçam a história de sujeitos reais que vivem esses dramas no cotidiano, a fim de conceder à trama um caráter verossímil. Um exemplo disso foi mostrado pelo jornal Estadão58. A pesquisadora da telenovela, Leandra Pires, contribuiu com a cena fictícia de denúncia feita por Raquel contra seu ex-marido por meio de diálogos travados no dia-a-dia de uma delegacia para mulheres vítimas de violência, tentando atingir o máximo de verossimilhança com a realidade. Na reportagem, a atriz Helena Ranaldi afirmou que

quando me abordavam para falar desse assunto, eu perguntava se essas pessoas sabiam quais eram as punições para os agressores. Grande parte não tinha conhecimento dessa falha na lei. Eu adoraria que os agressores fossem presos. Espero que na novela o Marcos sofra de alguma forma.59

No entanto, antes da audiência judicial, Marcos leva Fred para uma emboscada e os dois morrem em um acidente. No final da trama, a professora descobre que está grávida do estudante. Vale ressaltar que no período da telenovela a Lei Maria da Penha (2006) ainda não havia sido criada. Portanto, os procedimentos legais eram outros, como podemos observar no quadro comparativo antes e depois da Lei. Vejamos abaixo:

56 Cena disponível em http://www.youtube.com/watch?v=BZq03IH3-bQ 57 Jornal do Estado de São Paulo 58 Dados disponíveis em http://www.estadao.com.br/arquivo/arteelazer/2003/not20030929p3005.htm 59Entrevista disponível em http://www.estadao.com.br/arquivo/arteelazer/2003/not20030929p3005.htm 78

ANTES DA LEI MARIA DA PENHA DEPOIS DA LEI MARIA DA PENHA Não existia lei específica sobre a Tipifica e define a violência doméstica e violência doméstica familiar contra a mulher e estabelece as suas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Não tratava das relações entre pessoas Determina que a violência doméstica do mesmo sexo. contra a mulher independe de orientação sexual. Nos casos de violência, aplica-se a lei Retira desses Juizados a competência 9.099/95, que criou os Juizados para julgar os crimes de violência Especiais Criminais, onde só se julgam doméstica e familiar contra a mulher. crimes de "menor potencial ofensivo" (pena máxima de 2 anos). Esses juizados só tratavam do crime. Prevê a criação de Juizados Para a mulher resolver o resto do caso, Especializados de Violência Doméstica e as questões cíveis (separação, pensão, Familiar contra a Mulher, com guarda de filhos) tinha que abrir outro competência cível e criminal, abrangendo processo na vara de família. todas as questões. Permite a aplicação de penas Proíbe a aplicação dessas penas. pecuniárias, como cestas básicas e multas. A autoridade policial fazia um resumo Tem um capítulo específico prevendo dos fatos e registrava num termo padrão procedimentos da autoridade policial, no (igual para todos os casos de que se refere às mulheres vítimas de atendidos). violência doméstica e familiar. A mulher podia desistir da denúncia na A mulher só pode renunciar perante o delegacia. Juiz. Era a mulher quem, muitas vezes, Proíbe que a mulher entregue a intimação entregava a intimação para o agressor ao agressor. comparecer às audiências. Não era prevista decretação, pelo Juiz, Possibilita a prisão em flagrante e a de prisão preventiva, nem flagrante, do prisão preventiva do agressor, a agressor (Legislação Penal). depender dos riscos que a mulher corre. A mulher vítima de violência doméstica e A mulher será notificada dos atos familiar nem sempre era informada processuais, especialmente quanto ao quanto ao andamento do seu processo ingresso e saída da prisão do agressor, e e, muitas vezes, ia às audiências sem terá que ser acompanhada por advogado, advogado ou defensor público. ou defensor, em todos os atos processuais. A violência doméstica e familiar contra a Esse tipo de violência passa a ser mulher não era considerada agravante prevista, no Código Penal, como de pena. (art. 61 do Código Penal). agravante de pena. A pena para esse tipo de violência A pena mínima é reduzida para 3 meses doméstica e familiar era de 6 meses a 1 e a máxima aumentada para 3 anos, ano. acrescentando-se mais 1/3 no caso de portadoras de deficiência. Não era previsto o comparecimento do Permite ao Juiz determinar o agressor a programas de recuperação e comparecimento obrigatório do agressor 79

reeducação (Lei de Execuções Penais). a programas de recuperação e reeducação. O agressor podia continuar frequentando O Juiz pode fixar o limite mínimo de os mesmos lugares que a vítima distância entre o agressor e a vítima, frequentava. Tampouco era proibido de seus familiares e testemunhas. Pode manter qualquer forma de contato com a também proibir qualquer tipo de contato agredida. com a agredida, seus familiares e testemunhas. QUADRO 1: Mudanças legais pós lei Maria da Penha Fonte: Observatório Lei Maria da Penha60

A partir do quadro acima, percebe-se que na cena em que Marcos recebe a intimação da justiça para prestar esclarecimentos sobre a denúncia de Raquel, ele rasga o papel e sequestra Fred, ato que termina em desastre. Se fosse dentro da nova lei, talvez isso pudesse ser evitado, já que ela possibilita a prisão em flagrante e a prisão preventiva do agressor. Além disso, ele poderia ter que manter distância, como diz a lei, da “vítima, seus familiares e testemunhas. Pode também proibir qualquer tipo de contato com a agredida, seus familiares e testemunhas”61. Portanto, percebe-se que a telenovela se dá em outro contexto. Além disso, até o ano de 2005 ainda existia a Lei da Legítima Defesa da honra62,que poderia ter defendido o agressor. Outro ponto a ser questionado é o final da trama, na qual se percebe que diante da dificuldade em dar um destino para o romance polêmico que envolvia uma mulher mais velha e um homem mais novo, Raquel e Fred, foi mais viável a morte do personagem, como também a morte de Marcos, já que sem lei específica na época era complicado desenvolver uma punição verossímil para o mesmo. Verifica-se, também, que durante toda a trama o personagem, que era de classe média alta, foi tratado como psicopata, já que sentia prazer nos atos de agressão física com sua raquete de tênis. Sobre isso, a telenovela podia ter aproveitado para destacar ainda mais a discussão sobre a violência doméstica, trazendo para o personagem uma punição condizente com a legislação da época,

60 Disponível em http://www.observe.ufba.br/lei_aspectos. O Observatório para Implementação da Lei Maria da Penha desenvolve suas atividades através de um Consórcio liderado formalmente pela Universidade Federal da Bahia. 61 Lei Maria da Penha. Art. 61 do Código Penal. 62 Como já dissemos anteriormente, a Lei da Legítima defesa da Honra protege o homem que cometer violência contra a sua esposa quando se tratar de traição. 80

como o pagamento de cestas básicas ou uma simples multa, a fim de mostrar e criticar a ‘realidade’.

3.3 A Favorita em pauta

IMAGEM 8: abertura da telenovela A Favorita63

A telenovela que agora iremos analisar é A favorita. Foi veiculada pela Rede Globo no período de 2 de junho de 2008 a 16 de janeiro de 2009, no horário das 21 horas. Escrita por João Emanuel Carneiro, tinha a direção de Ricardo Waddington e teve um total de 197 capítulos, sendo depois exportada para Portugal. O primeiro capítulo marcou uma média de 35 pontos e 49% de participação, sendo que o último atingiu uma média de 50 pontos, com picos de 55 e share de 69,4%. Devido ao sucesso, ganhou vários prêmios, incluindo o de “Qualidade Brasil 2008”64 de melhor autor e diretor e melhor atriz coadjuvante para a atriz Lilia Cabral, que interpretou a personagem que iremos destacar, Catarina. A telenovela girava em torno de um mistério envolvendo Donatela (Claúdia Raia) e Flora (Patrícia Pilar). As duas eram suspeitas de assassinato pela morte de Marcelo, marido de Donatela e amante de Flora. Diferente do autor Manoel Carlos, João Emanuel Carneiro não tem o estilo de trazer para suas tramas dramas sociais. Sua marca é destacar as mulheres como grandes protagonistas e vilãs, como foi o caso de Flora de A favorita e Carminha (Adriana Esteves), em Avenida Brasil.

63 Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Favorita. 64 O prêmio é internacional que confere qualidade aos produtos de determinados países. 81

3.3.1 Núcleo violência contra a mulher

No caso de A favorita, a temática social da violência doméstica contra a mulher também foi destacada. No entanto, apresenta casos bem distintos quando comparada a Mulheres Apaixonadas. Léo (Jackson Antunes) era um operário da cidade de Triunfo, onde se passa a trama. Era de classe baixa e tinha aproximadamente 50 anos. Vindo do interior, de família pobre, foi para São Paulo ainda jovem trabalhar como operário da indústria de Gonçalo (Mauro Mendonça). Sua função era intimidar os operários que ameaçavam fazer greve. Sua esposa, Catarina (Lilia Cabral) era dona de casa e tinha aproximadamente 40 anos. O casal tinha dois filhos: a adolescente Mariana (Clarisse Falcão) e Domenico (Eduardo Melo). Catarina era filha de Copola (Tarcísio Meira), que defende os direitos dos trabalhadores da indústria em que Léo trabalha. Léo era um homem bastante agressivo e humilhava Catarina proferindo ofensas verbais e agressões físicas. A filha do casal é revoltada com a situação e enfrenta constantemente o pai. Já Domenico, devido ao sofrimento que vive em casa, torna-se introvertido e tem dificuldades para falar. Depois de ter feito uma viagem com o avô, Domenico volta para casa falando. Catarina prepara um jantar para comemorar o avanço do filho. No entanto, Léo já entra em casa fazendo grosserias à mulher. Ele fala de maneira ríspida com a criança, que já se intimida novamente e não consegue mais falar. Então, ele diz:

Malandro ou doente, hein pirralho? Cê não tava falando? Eu não acabei de ouvir aí da boca da tua mãe que tu tava falando? Então por que tu não fala comigo que sou teu pai? Ãh? Fala seu traste! Eu sou teu pai e quando eu mando falar tem que me obedecer, traste! Não vai falar né? Mas aposto que sentir dor, você sente! Vamos ver se você não abrir essa boca já já!65.

Catarina faz parte das estatísticas da Organização Mundial de Saúde, que mencionamos no primeiro capítulo, que constata que 60% das mulheres nunca saem de casa, sequer por uma noite, devido às agressões sofridas. Além de que, em média, uma mulher demora 10 anos para pedir ajuda pela primeira vez. É o que

65 Cena disponível em http://www.youtube.com/watch?v=NvreTGdbfrU 82

acontece com Catarina, que sofre agressões desde o início do casamento e as silenciou por muito tempo. Mesmo tendo uma família que a apoia, Catarina não tem coragem de denunciar Léo, alegando que ele é seu marido e pai dos seus filhos. Na cena em que o pai de Catarina entra em sua casa e começa uma discussão com Léo devido a um problema que os dois tiveram no trabalho, Copola diz:

Eu não entendo, minha filha, eu não entendo você. Como é que você se submete a esse sujeito. Por quê? Isso não pode ser amor! Quê que é isso? É medo? Você tem medo dele, é isso que você tem? E você tem medo dele por quê?66

Catarina responde, “pelo amor de Deus, pai. O Léo é meu marido, o pai dos meus filhos [...]”. Léo diz, “escuta Catarina, se você quiser ir, vai. É um favor que você me faz. Vai, vai com o seu pai”. Copola insiste, “vem comigo, minha filha. Você era feliz na sua casa. Vem comigo, vem pra sua casa”. Catarina, chorando, lamenta: “Não posso. Vai pra sua casa, pai, depois a gente conversa. Entende, pai. Essa é minha casa. É o meu marido, meus filhos. Eu sei me cuidar. Por favor, vai” (ibidem). De outro lado, Catarina tem um admirador, Vanderlei (Alexandre Nero), que é um homem bom e dono da venda do bairro. No entanto, entra na trama Estella (Paula Bularmaqui), que se torna amiga de Catarina e a incentiva a deixar Léo. A telenovela procura dar a entender uma relação homossexual entre as duas, mas não deixa isso claro. Com tal relação, Catarina começa a se reerguer, consegue um emprego, passa a se impor frente a Leonardo, respondendo suas ameaças e agressões e chega a sair de casa. Em outra cena, Catarina chega em casa do trabalho acompanhada de seu filho Domênico. Léo a recebe com reclamações sobre o horário que ela chegou. Como Catarina trabalha no restaurante de Estela, Léo diz que não quer seu filho “nesse antro de perdição”, já que Estela é lésbica. Segundo ele, essa convivência pode atrapalhar a educação do menino. Nesse momento, Catarina inesperadamente rebate: “ô Léo, você devia se preocupar com o seu comportamento, com as suas atitudes, porque o Domênico já viu você bêbado, já viu você dando escândalo, me batendo, me humilhando. Isso sim pode estragar uma criança”. Léo reclama dizendo

66 Cena disponível em http://www.youtube.com/watch?v=NvreTGdbfrU

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que Catarina está defendendo essa “doença” e diz que a cidade vai começar a pensar que ela também virou homossexual. Catarina continua e diz não se importar com o que os outros pensam. Então Léo, grosseiramente, a questiona se, a partir de agora, “vai passar a gostar de mulher também”. Ela, então, parte para cima dele, dando um tapa em seu rosto e diz: “se eu gostasse de mulher, tenho certeza que ia ser mais feliz ao lado de uma do que eu sou ao lado de um homem ignorante, preconceituoso, machista e estúpido como você”67, como mostra a imagem abaixo.

IMAGEM 9: Catarina bate em Léo

Percebe-se que no momento em que Catarina vai se tornando independente e arruma outra ocupação que não seja o lar, passa a se sentir mais confortável para revidar. Isso confirma as afirmações de Sarti (2007), que ao falar sobre a evolução das mulheres responsabiliza vários dos seus avanços ao novo lugar que elas passam a ocupar: o mercado de trabalho. Essa inserção, no caso da trama, é um divisor de águas muito importante para Catarina, já que, com isso, seu marido não é mais o único a trabalhar fora e sua superioridade, advinda do fato de ser o “chefe da família”, começa a ser enfraquecida. Tempos depois, Catarina sai de casa e passa a viver um romance com Vanderlei. Em uma noite em que os dois estão juntos na casa do dono da loja de

67 Cena disponível em http://www.youtube.com/watch?v=SLBAfb6lLjw&playnext=1&list=PL8F832DEA14E9F139&feature=re sults_main 84

verduras, Léo aparece bêbado, querendo buscar a ex-mulher. E grita: “você me traiu, foi pra cama com o primeiro macho que apareceu, sua vadia, vagabunda”. Léo ameaça Vanderlei, que bate nele. No entanto, o ex-marido não aceita e repete várias vezes: “Catarina, você é minha mulher”. Paralelamente a isso, Mariana aparece grávida e não conta quem é o pai da criança, deixando a suspeita que poderia ter sido estuprada pelo próprio pai, sendo vítima de incesto. O mistério segue sem revelação até o final da trama. Léo, por incrível que pareça, não é preso pelos abusos contra Catarina e sim por tentar estuprar Stella. No final, ele volta arrependido, querendo se reaproximar de Mariana e da neta (ou filha), que o ignora. Catarina recebe uma proposta para casar com Vanderlei, mas recusa e vai viajar com Stella para Buenos Aires para recomeçar a vida. A telenovela, em nenhum momento, confirmou a relação entre as duas mulheres, sendo que, no entanto, subentendeu-se que ambas passaram a viver juntas. Percebe-se, com isso, que a trama, de certa forma, acaba dando ênfase para o discurso de que as mulheres se tornam homossexuais devido a alguma decepção com o sexo masculino.

3.4 Regularidades no discurso das telenovelas

Percebe-se que a trama de Mulheres Apaixonadas e A favorita traçam caminhos semelhantes em muitos momentos. Para começar, as duas telenovelas têm como destaque o sexo feminino. Em Mulheres Apaixonadas, como já sugere o próprio título, a trama se dedica a mostrar casos de várias mulheres. Em A favorita, a trama é protagonizada por duas mulheres. Além disso, ambas retratam dramas típicos do universo feminino, sendo objeto de maior atenção a violência. Como aprofundado no primeiro capítulo, as mulheres ficaram por muito tempo às margens da história. Aguiar (1997, p.24) lembra que foi só a partir de 1930 que elas passaram a ter maior espaço.

A emergência da história das mulheres teve papel fundamental na desmitificação das correntes historiográficas, herdeiras do iluminismo, que se acreditavam informadas pela verdade e pela imparcialidade de seus profissionais, os quais eliminavam as mulheres das considerações dessa disciplina. (ibidem)

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Sobre isso, Gregolin (2004) diz que a maior preocupação da história era olhar apenas o que era “evidente”. Assim, é relevante pensarmos sobre a história da mulher no Brasil e no mundo. Onde elas estão inseridas? Quais foram suas conquistas e lutas? Infelizmente, quase nenhum ato heróico a elas é atribuído se compararmos a quantidade de figuras masculinas presentes no imaginário da nação. A história, até pouco tempo, era contada apenas por homens que privilegiaram seu gênero. Além de que, a preocupação em manter a linearidade e as “regulações” culminou na descrição de apenas alguns aspectos de determinados períodos, como, por exemplo, a política e a economia, cujos espaços não eram permeados por mulheres (PERROT, 1988). Aliás, as poucas que conseguiram subverter esse esquecimento pagaram um preço muito alto, como Joana D’arc e Olga Benário. No âmbito das telenovelas, percebe-se que já há uma preocupação com a história das mulheres, pois vários desses melodramas televisivos tentam dedicar suas tramas principais a elas, protagonizando-as. Assim, outra regularidade nas telenovelas analisadas acima diz respeito à abordagem sobre os casos de violência doméstica, já que ambas apresentam personagens que sofreram essa violência pelo companheiro, ato esse que, segundo Buzaglo (2007), tem maior probabilidade de ocorrer justamente entre pessoas que possuem vínculos emocionais e que tem intimidade. Outro ponto que vale ser ressaltado é de que as duas telenovelas trabalham com aspectos relativos ao cotidiano nos núcleos sobre violência contra a mulher. Catarina, por exemplo, era uma dona de casa como muitas mulheres no Brasil e Raquel era uma professora, representando uma camada feminina significativa. Sobre isso, Mauro Wilton (1989) lembra que é no cotidiano que acontecem as interações, o que não deixaria de ser no caso das telenovelas. Nas vivências do cotidiano as pessoas assistem a telenovela e discutem os temas que são abordados, sendo que nesse espaço acontecem os fenômenos de representação. Os dois núcleos trouxeram casos de violência causados por ciúmes, já que as personagens passaram a se envolver com outros homens. Isso nos remete ao que foi trazido no primeiro capítulo pela delegada Alessandra Jorge, quando disse que muitas vezes a violência doméstica praticada pelo homem, por motivos de ciúmes, é de alguma forma mais aceita, como se fosse uma justificativa plausível. Por outro 86

lado, os homens envolvidos nas tramas, Marcos e Léo, também se envolveram com outras mulheres. O primeiro teve um relacionamento com Dóris e o segundo tentou estuprar as personagens Dedina (Helena Ranaldi) e Estella. Durante a nossa pesquisa, verificamos que a sociedade trata de forma aceitável a traição por parte do homem, cabendo à mulher perdoar, pois ainda acredita-se ser necessário entender sua “sexualidade excessivamente exigente”, que torna inevitável “controlar” esses instintos68. Marcos e Léo também tinham um ponto em comum, que era a possessividade pelas suas (ex) esposas, que muitas vezes ocasionava a violência. Hannah Arendt (1994) acredita que violência e poder caminham distintamente, já que um acontece pela ausência do outro. No entanto, para ela, “o domínio pela pura violência advém de onde o poder está sendo perdido; é precisamente o encolhimento do poder [...] a impotência gera violência” (idem, p. 38 e 42). Como mostramos anteriormente, os dois tinham a necessidade de controle sobre as mulheres, reafirmando a todo o momento que elas pertenciam a eles, sendo que a desestabilização de conduta que ocasionava a violência normalmente vinha de ocasiões de desobediência, como quando Raquel e Catarina se recusavam a voltar para os ex-maridos. Abaixo, disponibilizamos um quadro para mostrar de maneira mais clara as principais regularidades encontradas.

As duas telenovelas têm como destaque o sexo feminino. Os homens em questão agridem as mulheres pela necessidade de poder. As duas telenovelas mostram a cotidianidade nos casos. Marcos e Léo também tiveram casos extraconjugais. Os dois homens revelavam uma possessividade extrema afirmando a todo o momento que as mulheres pertenciam a eles. A violência nos dois casos também foi causada por ciúmes.

Quadro 2 - Regularidades

3.5 A partir de regularidades, dispersões

68 Pesquisa feita através do jornal das Moças. Disponível em D’INCAO (2011). 87

Como mostramos anteriormente, as tramas de Mulheres apaixonadas e A favorita tiveram características convergentes. No entanto, também notamos a presença de pontos divergentes. Segundo Foucault (2008, p.37),

de modo paradoxal, definir um conjunto de enunciados no que ele têm de individual consistiria em descrever a dispersão desses objetos, apreender todos os interstícios que os separam, medir as instâncias que reinam entre eles- em outras palavras, formular sua lei de repartição.

Percebemos algumas diferenças fundamentais entre as duas personagens. Raquel já tinha um emprego e uma situação financeira confortável, tanto que morava em um bairro nobre do Rio de Janeiro. No inicio da telenovela A favorita, Catarina ainda não estava inserida no mercado de trabalho e vivia para o lar. A primeira não tinha filhos e a segunda sim, sendo que por várias vezes alegava esse fato ao dizer os motivos de não optar pela separação. Isso nos remete a Borsa (2008) quando discorre sobre o movimento feminista, mostrando que a maternidade era uma condição da qual a mulher devia escapar, pois isso a limitava ao âmbito da casa, deixando-a em condição inferior ao homem. Assim, notamos que em A favorita esse discurso foi confirmado. Analisamos que as tramas que envolviam a violência contra a mulher seguiram caminhos próximos, mas ao mesmo tempo, distintos. Como dissemos anteriormente, ambas as violências eram motivadas pela necessidade de poder, mas foram tratadas de formas distintas. Léo, um operário de classe baixa que bebia, tinha necessidade de poder e agredia a esposa mostrando um tipo de violência doméstica bastante recorrente. Marcos, por outro lado, era um empresário rico que batia na esposa e tinha como seu ápice de prazer agredi-la com uma raquete de tênis de quadra, dando a entender que se tratava de uma psicopatia, ou seja, uma doença. Sobre isso, questionamos se a televisão brasileira estaria de fato preparada para mostrar que as mulheres casadas com homens de classes mais abastadas também estão sujeitas à violência dentro de casa. Outra questão é que Catarina não chegou a denunciar Leonardo na delegacia da mulher, mesmo já existindo a Lei Maria da Penha (2006). No caso de Raquel, mesmo ainda não tendo uma lei incisiva, a denúncia chegou a ser feita. Por que Catarina não denunciou Léo e ele foi preso por outro crime? Em Mulheres 88

Apaixonadas, o desfecho da trama não deu espaço para mostrar as consequências da denúncia contra a violência doméstica. Entendemos que há uma ordem do discurso presente nesses casos. Segundo Foucault (1996, p. 8-9),

em toda sociedade, a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade”.

Dessa forma, é importante compreender que essa ordem discursiva nunca é ingênua, já que impõe regimes de verdade. Segundo Florencio, é necessário

ter uma compreensão de que os discursos se organizam e se “desorganizam”, mas sempre buscando nova organização e coerência interna para justificar “certezas” constituídas historicamente. Portanto, quem diz sempre o faz a partir de um lugar e uma intenção. (2006, p. 3)

Assim, quando em A favorita Catarina não denuncia Léo, é posto, de certa forma, que as mulheres não têm o hábito de denunciar seu agressor, principalmente quando mantém uma relação tão próxima. Como disse Catarina várias vezes, Léo era “seu marido e pai de seus filhos”. Já em Mulheres apaixonadas, onde houve a denuncia e logo depois aconteceu a tragédia com o aluno que tentava ajudar a professora, insiste-se no discurso de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Verifica-se que, de maneira sutil, a telenovela vai tecendo uma linha tênue. De um lado, dá visibilidade aos problemas sociais, mas ao mesmo tempo permanece estabelecendo uma ordem do discurso que é mais aceita pela sociedade. Como já dissemos anteriormente, as telenovelas são uma construção histórica, onde discursos são produzidos, trazendo com eles uma rede de memórias. Dessa forma, nota-se que há descontinuidade nesse discurso, já que ora defende um debate, ora o contradiz. Abaixo, disponibilizamos um quadro para mostrar de maneira mais clara as principais dispersões encontradas.

Raquel tinha independência financeira, Catarina não. 89

Catarina tinha filhos, Raquel não. Marcos era um empresário rico, Léo era um operário de classe baixa. Catarina não denunciou Léo, Raquel fez a denuncia. Quadro 3 - Dispersões

3.6 As mídias sociais entram no debate: o caso do Orkut

Neste momento do trabalho, vamos abordar como se deu a repercussão dessas telenovelas na rede social Orkut, analisando como o telespectador trabalha os processos de recepção. Segundo Brignol e Cogo (2011), as mídias têm um papel importante na reconfiguração das relações sociais. Um desses papéis diz respeito à possibilidade de produção de informações não mais de forma massiva e hegemônica, mas com a viabilidade de transmissões para públicos segmentados e individuais. No que diz respeito ao processo comunicacional, repercutindo na proposta da recepção, vamos dar destaque às possibilidades de interação entre produtor e os interlocutores nesses meios. Segundo as autoras,

ainda que a partir da compreensão da interatividade como característica também de outras mídias, é na internet que ela ganha força como prática efetiva nos usos midiáticos. Mesmo sendo, em grande parte das situações, limitada por um número finito e pré- definido de opções, podemos falar de interatividade maior no ciberespaço pela possibilidade mais concreta de aproximação entre as lógicas da produção e as do reconhecimento ou recepção. Vale ressaltar, nessa perspectiva, que é preciso distinguir os limites e as diferenças nos sistemas interativos e reconhecer que, na web, podem ser ultrapassados esses enquadramentos da participação em padrões previamente estabelecidos com um empoderamento maior do receptor e o aumento exponencial do número de indivíduos efetivamente capazes de desempenhar o papel de emissor em um processo comunicacional de ampla escala. (BRIGNOL; COGO, 2011, p. 8).

Dessa forma, começaremos por definir o que é a rede social Orkut. Tal rede foi criada em 24 de janeiro de 2004, sob os cuidados do Google. O engenheiro, criador e projetista Orkut Büyükkökten, tinha como objetivo ajudar pessoas a interagirem e manterem relacionamentos, sendo o site difundido inicialmente apenas nos Estados Unidos. No entanto, a rede passou a se popularizar bastante em países como Brasil e Índia, tendo no primeiro mais de 30 milhões de usuários. Desde 2011, 90

em contrapartida, vem perdendo espaço para redes sociais como Facebook e Twitter. Dessa forma, é importante destacar que as comunidades que serão analisadas sofreram alterações significativas desde o período em que as telenovelas foram ao ar até a data desta análise. No entanto, o objetivo principal deste trabalho não é verificar as movimentações ou a quantidade de membros de cada comunidade e sim, examinar a produção dos discursos construídos em torno do tema violência contra a mulher. No início do processo de fixação da rede, para participar do Orkut era necessário o envio de um convite de algum amigo que já fizesse parte da rede social. O Orkut tem como objetivo criar redes de amizade. Dessa forma, é necessário aos usuários pedirem permissão para fazerem amizade, podendo ser aceita ou não. Também fica disponível um mural de recados para cada participante, chamado de “scrap”, dispondo ainda de um espaço dedicado a postagem de fotos e vídeos, depoimentos deixados pelos amigos, lembretes de aniversários e uma lista de bate-papo. Na página principal fica disponível a atualização dos amigos da rede. A ferramenta do Orkut que iremos destacar diz respeito às “comunidades”, cujo objetivo é viabilizar preferências em comum. Por exemplo, na imagem abaixo, há uma comunidade chamada “Salve Jorge – Rede Globo”. Nela os internautas que têm interesse por tal telenovela podem partilhar informações através de fórum e enquetes sobre o tema. 91

IMAGEM 10: comunidade “Salve Jorge - Rede Globo"69

Como podemos ver, as imagens mostram alguns personagens da telenovela. A foto principal está destinada aos protagonistas, Théo (Rodrigo Lombardi) e Morena (Nanda Costa), sendo que as imagens centrais dizem respeito a outros personagens da trama. Ao lado, estão disponíveis as comunidades relacionadas com o mesmo tema. Nota-se também um espaço que é dedicado a pessoas que têm interesses em comum. Dessa forma, pode-se discutir o assunto com outros usuários, sem precisar ter a amizade virtual. Segundo reportagem divulgada na revista “Cidade Nova”70, existem desde comunidades que reúnem moradores ou apreciadores de uma determinada cidade, banda, estilo musical, filmes, artistas e comidas, até ex-estudantes de escolas, pessoas com o mesmo sobrenome, profissões, atividades e hábitos comuns. Nos seus estudos sobre a relação entre produtor e consumidor, Jenkins(2006) discorre sobre o denominado por ele de fandom ( nome dado a comunidades de fãs) para mostrar como acontece a participação ativa dos fãs através de comunidades virtuais. Segundo ele “os fãs sairam das margens invisíveis da cultura popular para irem ao centro das reflexões atuais sobre produção e consumo midiático”(JENKINS, 2006, p.38). Para o autor, a sociedade pode ter um maior poder de barganha

69 Disponível em http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=122076172 70 Disponível em Revista “Cidade Nova”, vol.47, nº07, Mês Julho/2005. p.36-38. 92

formando essas comunidades, que já não podem ser mais ignoradas pelos produtores de consumo.

As mídias corporativas reconhecem o valor e a ameaça da participação dos fãs. Produtores e anunciantes falam hoje das lovermarks reconhecendo a importância da participação do público em conteúdos de mídia. Os consumidores estão usando a net para se envolverem com o que admiram, entendem esse como um espaço democrático e de ações coletivas. A convergência alternativa tem impulsionado mudanças na paisagem midiática. (JENCKINS, 2006, p.235)

Dessa forma é necessário reunir preferências e, no campo virtual, criar debates, como acontece nas comunidades do Orkut. Segundo o autor, esta é uma maneira de formar cidadãos mais articulados politicamente. Nesta etapa da pesquisa, recortamos algumas dessas comunidades, interpretando-as como o arquivo de nosso estudo. Segundo Foucault (1979), o arquivo trata-se antes, e ao contrário, do que faz com que tantas coisas ditas por tantos homens, há tantos milênios, não tenham surgido apenas segundo as leis do pensamento, ou apenas segundo o jogo das circunstâncias, que não sejam simplesmente a sinalização, no nível das performances verbais, do que se pôde desenrolar na ordem do espírito ou na ordem das coisas; mas que tenham aparecido graças a todo um jogo de relações que caracterizam particularmente o nível discursivo. (idem, p. 146)

Dessa forma, selecionamos comunidades, mostrando as que são relativas às telenovelas analisadas, a fim de mostrarmos como se deram os processos de recepção do telespectador através dessa rede social.

3.6.1 O público de Mulheres Apaixonadas

A escolha da rede social Orkut em detrimento de outras foi feita devido à popularidade que a telenovela ganhou nesse espaço. É importante ressaltar que na época em que o Orkut ficou popular no Brasil (2004), a telenovela tinha terminado recentemente e por isso ainda havia muita repercussão na rede. É importante ressaltar novamente que devido a passagem de tempo entre as veiculações das telenovelas e a esta análise, os dados que serão mostrados são referentes a datas mais atuais, não sendo necessariamente os mesmo dados da época de exibição das 93

telenovelas, lembrando sempre que o foco deste trabalho é a produção dos discursos e não dados estatísticos. Na nossa pesquisa, detectamos duas comunidades que falavam sobre o núcleo “Marcos e Raquel”. A primeira comunidade se manifestava a favor do personagem de Marcos.

IMAGEM 11: Marcos, de Mulheres Apaixonadas

A descrição da comunidade diz: “para aqueles que gostam de bater em mulheres! Até de brincadeirinha! Com raquetes, chutes, tapas, chicote, tá valendo! Lambada de amor não dói!71.Tentamos fazer parte da comunidade para ver os comentários a respeito, mas a comunidade já está desativada pelo fundador. No entanto, esse enunciado revela certos discursos que estão impregnados na nossa sociedade, já que existe a criação de um padrão entre a violência e o afeto, o que acaba por tornar banal a violência doméstica.

71 Disponível em http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=86211441 94

A segunda comunidade, no entanto, já faz referências contra o personagem.

IMAGEM 12: comunidade contra Marcos, de Mulheres Apaixonadas

Tal comunidade tem 19 membros e, segundo sua descrição, Marcos é “psicopata, doente sentimentalmente, agredia sua mulher Raquel com raquetadas”. É interessante destacar, nesse caso, que mesmo a comunidade sendo aparentemente contra as atitudes do personagem, a descrição defende o discurso de que ele era um homem doente, sendo possível depreender como a sociedade ainda distingue os casos de violência. Como Marcos tinha um poder aquisitivo maior, não era tratado como mais agressor e sim como um doente que precisa de tratamento. Para mostrar de maneira mais clara os resultados obtidos, sintetizamos os enunciados e os discursos através de um quadro. 95

Telenovela Mulheres Apaixonadas Títulos da comunidade Descrição da comunidade Marcos de Mulheres Apaixonadas “para aqueles que gostam de bater em mulheres! Até de brincadeirinha! Com raquetes, chutes, tapas, chicote, tá valendo! Lambada de amor não dói!” Marcos – Mulheres Apaixonadas “psicopata, doente sentimentalmente, agredia sua mulher Raquel com raquetadas” Quadro 4 – Discurso Mulheres Apaixonadas

3.6.2 O público de A Favorita

Analisar a telenovela A favorita pela rede social Orkut foi mais viável, já que na época em que a telenovela foi exibida, 2008, o Orkut tinha um alcance mais abrangente no Brasil. Detectamos nove comunidades que diziam respeito aos personagens estudados, Catarina e Léo. Dessas, cinco defendem as atitudes de Léo, duas são contra e duas dizem respeito à Catarina, sendo que uma critica sua passividade frente à violência. Umas das comunidades têm como título “Leo d A favorita ESSE É MACHO”. A comunidade possui 45 membros, sendo apenas uma mulher.

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IMAGEM 13: A Favorita

A descrição da comunidade faz exaltação ao comportamento do personagem, destacando sua bravura como figura masculina. “Essa comunidade e pra vc q morre de rir com as cenas desse personagem das cavernas... MAS É MACHO!!! Huahuahuhauhuahua...”. Além disso, os integrantes das comunidades abriram fóruns de discussão para falar sobre as razões de gostar de Léo e sobre as “melhores” frases que ele dizia na telenovela. 97

IMAGEM 14: Por que gostamos do Léo?

Percebemos que neste caso, a comunidade faz referências aos conceitos de sexo e gênero que trabalhamos no primeiro capítulo, já que procura sugerir que há uma relação entre ser homem e cometer violência doméstica. Segundo Aguiar (1997), o sexo diz respeito à ordem biológica de ser homem ou mulher, mas o gênero diz respeitos às condições sociais, culturais, psicológicas que ocorrem diante dessas diferenças biológicas. Portanto, conforme ele, para estudarmos o comportamento de qualquer pessoa, é necessário olhar para suas construções sociais e não simplesmente para o fato de ser homem ou mulher. Segundo a matéria do jornal NotiBras, publicada em novembro de 201272, a violência contra a mulher reflete uma cultura de macho no Brasil. Gláucia Souza, coordenadora-geral de acesso à Justiça e Combate à Violência, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, acredita que "precisamos mudar a cultura machista que ainda está arraigada na cultura brasileira". Ana Rita, que é relatora da Comissão

72 Matéria Violência contra mulher reflete uma cultura de macho no Brasil. Disponível em: http://www.notibras.com.br/site/pt/editorias/brasil/5122/Viol%C3%AAncia-contra-mulher-reflete-uma- cultura-de-macho-no-Brasil.htm.

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Parlamentar Mista de Inquérito que investiga a violência contra a mulher, também enfatiza dizendo que essa é uma questão que ultrapassa as questões legislativas, sendo um problema cultural. Outra comunidade que iremos destacar neste trabalho é a comunidade chamada “Crueldades c/ Léo – A favorita”. Essa comunidade é composta por quatro mulheres que se manifestam contra a violência proferida pelo personagem.

IMAGEM 15: violência doméstica na rede.

A descrição diz que se vc assim como eu, cada vez que assiste a novela A Favorita fica imaginando mil formas cruéis de torturar o Leo, entre na comunidade e nos conte. Afinal, homens como ele merecem o CHIFRE depois a CADEIA. Diga não aos “Léos”!! Violência doméstica - DENUNCIE.

Essa comunidade faz uma campanha para o fim da violência contra a mulher. Por outro lado, percebe-se que a fundadora da comunidade, ao mesmo tempo sugere uma vingança por parte das mulheres, incentivando a traição e outras formas de violência antes da punição legal. A última comunidade que iremos destacar é sobre a personagem Catarina. Esse grupo, chamado “Catarina – Novela A favorita” tem 30 membros, sendo sete homens e 21 mulheres.

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IMAGEM 16: Catarina

A descrição da comunidade diz:

Essa comunidade é pra quem fica revoltada com a falta de atitudes da Catarina, personagem da Atriz Lilian Cabral na novela a Favorita. Sai fora Catarina, quebra uma cadeira na cara desse homem e coloca ele pra fora de casa, deixa de ser a vergonha de nossa classe, e vira nossa Diva..rsrsrs..Como eu sempre digo: " HOMEM É IGUAL BISCOITO, VAI 1 TEM + 18".

Nota-se que essa comunidade, assim como a anterior, defende o fim da violência contra a mulher e também acredita que Catarina deve se vingar do marido e exaltar a “classe” das mulheres, não se submetendo às agressões. Essas duas últimas comunidades lembram o que tratamos no primeiro capítulo sobre a insubordinação da mulher em vários períodos da história. Sobre isso, Soihet (2011) mostra que muitas mulheres na década de 1930 e 1950, por exemplo, se recusavam ao casamento, a se portar de maneira requintada e a obedecer ao marido, contrariando todas as normas impostas pela sociedade, invertendo, assim, a ordem do discurso. Para mostrar de maneira mais clara os resultados obtidos da telenovela A Favorita, sintetizamos os enunciados e os discursos através de um quadro.

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Telenovela A Favorita Títulos da comunidade Descrição da comunidade Leo d A favorita ESSE É MACHO “Essa comunidade e pra vc q morre de rir com as cenas desse personagem das cavernas... MAS É MACHO!!! Huahuahuhauhuahua...” Crueldades c/ Léo – A favorita “se vc assim como eu, cada vez que assiste a novela A Favorita fica imaginando mil formas cruéis de torturar o Leo, entre na comunidade e nos conte. Afinal, homens como ele merecem o CHIFRE depois a CADEIA. Diga não aos “Léos”!! Violência doméstica - DENUNCIE.” Catarina – Novela A Favorita “Essa comunidade é pra quem fica revoltada com a falta de atitudes da Catarina, personagem da Atriz Lilian Cabral na novela a Favorita. Sai fora Catarina, quebra uma cadeira na cara desse homem e coloca ele pra fora de casa, deixa de ser a vergonha de nossa classe, e vira nossa Diva..rsrsrs..Como eu sempre digo: " HOMEM É IGUAL BISCOITO, VAI 1 TEM + 18" Quadro 5 – Discurso A Favorita

Sobre as mediações, vale ressaltar que todas as comunidades analisadas trazem opiniões opostas. Algumas defendem as atitudes de violência contra a mulher, outras condenam veemente. Isso nos remete a Orosco (1997) quando diz que as mais variadas identidades do receptor estabelecem mediações no ato de recepção. Essas mediações são objeto da interação do telespectador com o meio, sendo importante considerar as interações interpessoais, cognitivas, institucionais e todo o contexto sócio-cultural. É o que afirma, também, Ruótolo (1998) quando diz que cada receptor vai dar a interpretação aos conteúdos veiculados pelos meios de acordo com a sua realidade e seu contexto. No caso da violência doméstica contra a mulher, verificaram-se opiniões que seguiam a ordem do discurso e outras que as transgrediam. Conforme Michel Foucault (1986), os discursos são isso: práticas descontínuas que se esbarram e outras vezes se excluem. Além disso, vale destacar que entre as comunidades que eram a favor dos personagens violentos, os membros eram em sua maioria homens. No caso das comunidades que eram contra a violência, ocorriam manifestações maiores por conta das mulheres. Dessa forma, podemos constatar que as comunidades do Orkut são 101

um grande exemplo de como ocorrem os processos de recepção e mediações, já que nesse meio vários pontos de vista ecoam sobre diferentes assuntos. Retomando Foucault (1986), cabe sempre ressaltar que o sujeito é histórico e que, por isso, é sempre atravessado por suas condições de produção, pois é assim que são formadas as subjetividades. 102

PARA CONTINUAR REFLETINDO

No início dessa pesquisa, nossa intenção era fazer um trabalho de campo mostrando como se dava o processo de recepção, utilizando mulheres vítimas de violência doméstica como interlocutoras. No entanto, no decorrer do processo de pesquisa sobre o tema, observamos alguns fatos que despertaram a nossa atenção sobre o assunto, destacando-se o papel das redes sociais. Pesquisando na internet sobre as telenovelas que destacamos - Mulheres Apaixonadas e A favorita, percebemos que as redes sociais foram palcos de diversas discussões sobre o tema, comprovando a nossa hipótese de que o receptor é um sujeito ativo no processo comunicacional. Dentre outras telenovelas com a mesma temática, escolhemos as duas tramas citadas devido ao seu caráter contemporâneo, considerando que de outra forma, a atualidade deste trabalho perderia o foco. Como a proposta do mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura da Unama é interdisciplinar, resolvermos utilizar como ferramenta de pesquisa a análise do discurso, que é uma disciplina oriunda da linguística, e aceitamos o desafio de relacionar esse campo de saber à comunicação. Dessa forma, primeiramente nos debruçamos a assistir as cenas das telenovelas escolhidas, destacando os núcleos de violência contra a mulher. Foi então, que percebemos como a história das mulheres e das telenovelas tinha fundamental importância para se entender como se deu a construção dessas cenas. Desta forma, o primeiro capítulo foi dedicado a explorar as condições históricas, nas quais as mulheres estiveram inseridas ao longo do tempo. Percebemos que junto a isso, estava presente a trajetória das famílias, ficando inviável separar tais movimentos. Por isso, nos debruçamos a entender como se constituíram os modelos familiares e constatamos que as mudanças ocorridas, tanto na esfera familiar, quanto no processo de construção da identidade feminina andam juntas, mostrando também como isso ocorria com mulheres de classes sociais distintas. Dentro deste contexto achamos importante situar algumas telenovelas que traziam a temática feminina, principalmente as de períodos históricos que citamos durante este trabalho para exemplificar como a história das mulheres e das telenovelas acompanhavam as evoluções e transformações ocorridas ao longo do 103

tempo. Procuramos também aportes teóricos como a autora Judith Buttler, que critica o processo de construção de identidade feminina dentro do próprio movimento feminista, já que este muitas vezes na ânsia de representar a classe feminina acaba criando identidades homogeneizantes. No segundo capítulo estudamos os conceitos de mídia que usamos para a nossa análise trazendo autores que defendem a participação do sujeito no processo comunicacional e desmembramos algumas ferramentas teóricas da análise do discurso que seriam necessárias para a nossa metodologia como a noção de descontinuidade histórica mostrando que os discursos são sempre irregulares considerando as condições de produção do sujeito. Também enfocamos nas questões sobre identidades, ressaltando uma perspectiva sob o ponto de vista midiático e menos sociológico do conceito. Portanto, procuramos explicar como a mídia, mais especificamente as telenovelas forjam identidades para o sujeito, criando estilos de vida podendo ser considerada como um micro-poder que se utiliza das redes de memória, já que estas ativam a memória discursiva do telespectador. Para isso, procuramos fazer o diálogo entre os campos do saber da comunicação e a análise do discurso e trouxemos aportes teóricos que nos mostraram que a comunicação é atravessada a todo momento pelos discursos construídos nas sociedades, abrangendo as possibilidades de pesquisa em Comunicação. No terceiro momento, trouxemos os conceitos da telenovela brasileira, em especial as produzidas e veiculadas pela Rede Globo, já que as duas obras ficcionais analisadas são dessa emissora, mostramos a trajetória e os percursos traçados ao longo dos anos. Depois, já adentrando as telenovelas Mulheres Apaixonadas e A Favorita, mostramos através de cenas do Youtube como são construídos os discursos sobre a violência contra a mulher pelos meios televisos novelescos. Dessa forma, pudemos constatar que a produção televisiva acompanha os processos discursivos presentes na sociedade e como produto mercadológico que é, sofre interferência dos patrocinadores e depende da aceitação do público. Dessa forma, precisa manter certos discursos presentes na sociedade como a não aceitação de um relacionamento entre uma mulher mais velha com um homem mais novo. Por outro lado, verificamos que as produções também têm um caráter educativo e algumas vezes tentam subverter a ordem do discurso tirando da 104

invisibilidade problemas presentes na sociedade como a violência doméstica, que devido acontecer na esfera privada é passível de silenciamentos e tabus. Logicamente, nesse processo, verificamos regularidades e dispersões entre as tramas devido às particularidades de cada personagem, tais como a idade, a classe social, o grau de escolaridade. Portanto, partindo das considerações de Michel Foucault sobre a historicidade dos acontecimentos, o nosso trabalho em nenhum momento desvinculou-se da história, mostrando como essas dispersões e regularidades são movidas por acontecimentos históricos. Sobre isso também constatamos através dos discursos televisivos e por parte do público que ainda há uma resistência em aceitar que a violência doméstica acontece em diferentes classes socais, como nos casos dos agressores estudados Leó e Marcos que detinham poderes aquisitivos diferentes. Também analisamos alguns discursos que circulavam na rede social Orkut mostrando primeiramente o que é essa mídia e o que são essas comunidades que nos propomos a analisar. Do ponto de vista comunicacional, procuramos mostrar como se deu o processo de recepção no Orkut em comunidades sobre os personagens envolvidos nos casos de violência contra a mulher, verificando a presença ativa do interlocutor no processo de recepção. Sobre isso, vale ressaltar que o resultado deste trabalho se diferenciou das nossas expectativas do início da pesquisa, já que nas comunidades analisadas a maiorias dos discursos eram a favor dos agressores, constatando que mesmo na contemporaneidade a violência contra a mulher está mais enraizada de maneira positiva e justificável na sociedade brasileira do que esperávamos. Nas telenovelas analisadas, verificamos também a não-linearidade. Notamos que ao mesmo tempo em que elas sustentavam um discurso, logo adiante o refutavam. Além disso, o próprio processo de recepção é descontínuo. Constatamos que dentro de uma mesma formação discursiva, que é a da telenovela, há múltiplas interpretações do fenômeno, já que o interlocutor também é sujeito histórico e é formado dentro de condições de produções distintas. Do ponto de vista do discurso, constatamos também a importância de considerar o sujeito dentro da sua subjetividade, já que eram vários os discursos que circulavam sobre o assunto. Sobre isso, também é importante lembrar que as telenovelas iam sendo interpretadas de acordo com a sua posição na história e com as experiências de cada telespectador. Além disso, verificamos que as tramas 105

possuem redes de memórias que ligam acontecimentos, como a questão da violência doméstica, já que as duas telenovelas apresentavam, por exemplo, uma passagem de tempo significativa em relação à data de produção e veiculação. Por fim, constatamos que os vínculos que envolvem produtor e interlocutor são sempre permeados por relações de poderes já que estes dois atores sociais estão inseridos em contínuos processos de negociações, mostrando as diversas influências envolvidas nesse processo, conforme as concepções de Foucault e os estudos de Gregolin. Ressaltamos, dessa forma, a existência de uma ordem no discurso, que por vezes se mantém e, em outras, é derrubada, em uma relação que envolve negociações, tensões e transgressões. 106

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