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ISSN: 2237-6569 Jefferson Gomes Nogueira57 E-mail: [email protected] RESUMO: Este artigo reporta-se a história recente de nosso país: O Re- gime Militar instaurado por meio de um golpe em abril de 1964. Atemo- nos aos acontecimentos que marcaram a resistência armada àquele regime, tendo na figura de Carlos Lamarca, um ex-capitão dissidente do Exército Brasileiro, o personagem histórico que figura no imaginário político brasi- leiro numa mescla entre os mitos do herói e do bandido terrorista. Palavras - chave: luta armada – Lamarca – Imprensa. ABSTRACT: This article remembers the contemporary history of our cou- ntry: The Military Regime which was established by a coup d’état in April 1964. We will carefully analyze the armed opposition of this regime, which had in Carlos Lamarca, the dissident former-captain from the Brazilian Army, a historic character who represents the imaginary Brazilian politi- cian as a mix between the hero and terrorist bandit myths. Keywords: armed combat – Carlos Lamarca – Press Buscando na construção narrativa de fatos históricos da história recente do nosso país, principalmente aqueles que envolveram as orga- nizações de esquerda que protagonizaram a luta armada no período de 1969/1971, nosso interesse o personagem histórico Carlos Lamarca, um capitão do Exército Brasileiro que no início de 1969 rompeu seus vínculos com aquela instituição e mergulhou na luta armada à frente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) para combater o Regime Militar. 57 Sociólogo e Mestre em História pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul(UFMS). Professor do Curso de Pós-graduação do Instituto Master de Educação e Cultura- Campo Grande-MS 49 Revista História e Diversidade Vol. 3, nº. 2 (2013) ISSN: 2237-6569 O estudo desse período vem despertando o interesse de milhares de brasileiros. A imprensa brasileira também tem dado atenção especial a este tema e cresce a produção acadêmica e publicações sobre aquele perío- do. Fico (2004, p.30) destaca que “a explicação certamente fundamenta-se no fato de que velhos mitos e estereótipos estão sendo superados”58, graças à pesquisa histórica factual e ao profissionalismo e “desprendimento políti- co” que o distanciamento histórico está possibilitando. Ao mesmo tempo, clichês sobre o golpe de 64, os militares e o regime também vão sendo abandonados, como a idéia de que só após 1968 houve torturas e censura [...] Por tudo isso, podemos falar de uma nova fase da produção histórica sobre o período. (FICO, 2004, p. 30) A produção historiográfica brasileira que se ocupa do período denominado como “luta armada”, período este que teve sua fase mais ne- frálgica entre os chamados “anos de chumbo” (1968-1974)59, possui um número expressivo de obras voltadas para reconstituir o clima de terror vigente naquele período, contra aqueles que se opuseram ao regime. Den- tre diversos autores que vivenciaram o período em questão, destacamos o autor marxista Jacob Gorender, que com seu livro Combate nas Trevas, faz uma análise crítica ao golpe e ao Regime Militar, bem como dos grupos armados que combateram o regime. A memória da esquerda foi se consolidando com autores como o jornalista Fernando Gabeira e sua obra O que é isto companheiro? e a obra Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedade, do historiador Daniel Aarão Reis Filho, além de Viagem à luta armada, de Carlos Eugênio Paz, autores que participaram da luta armada. Esses autores contribuem para que tenhamos uma memória “viva” dos acontecimentos daquela época, pois nos ajudam, em complementação a outros trabalhos, a compreendermos o ambiente revolucionário e repressivo por que passou a sociedade brasileira. O papel da imprensa e a ação da censura na produção jornalística diária foram analisados tendo por base as obras O Bravo Matutino. Im- prensa e Ideologia: O jornal O Estado de São Paulo, de Maria Helena Prado 58 FICO, Carlos. As controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. Revista Brasileira de His- tória. São Paulo, v. 24. nº 47. p. 30, 2004. 59 Os ”anos de chumbo” é a denominação dada ao período mais repressivo da ditadura militar no Brasil, estendendo-se basicamente do fim de 1968, com a edição do AI-5 em de- zembro daquele ano, até o final do governo Médici, em março de 1974. 50 Revista História e Diversidade Vol. 3, nº. 2 (2013) ISSN: 2237-6569 Capelato e Maria Lígia; a obra Imprensa e Estado Autoritário (1968-1978), o Exercício cotidiano da dominação e da resistência O Estado de São Paulo e Movimento, EDUSC: 1999, da Historiadora Maria Aparecida de Aquino, e Cães de Guarda – Jornalistas e censores do AI5 à Constituição de 1988, de Beatriz Kushnir. Estas obras nos permitiram compreender como os militares con- trolavam a população através dos meios de comunicação, da informação e da imprensa. Em As manobras da informação, João Batista de Abreu analisa criticamente a cobertura jornalística no período de 1960 a 1970, dando ênfase à forma e ao conteúdo das principais reportagens sobre a forte censura do Regime Militar. A importância da imprensa, como instrumento eficaz de controle social foi amplamente utilizado pelos militares. Seu papel de formadora de opinião que tem na notícia uma categoria suscetível de manipulação na construção da realidade e dos fatos históricos, foi trabalhado através da obra de Maria de Lourdes Motter, intitulada “FICÇÃO E HISTÓRIA, Imprensa e Construção da Realidade”. Estas obras, que expressam o sentimento daqueles que vivencia- ram o período, juntamente com os depoimentos históricos e a produção científica disponível, nos possibilitaram uma reconstrução na análise dos fatos históricos, onde o relativo distanciamento que alcançamos hoje nos permite romper com a relação de amor e ódio que permeia o imaginário político brasileiro, quando se trata de análise dos 21 anos de ditadura mi- litar no Brasil. Dentro do contexto de escassez de fontes documentais sobre o Regime Militar em geral, e, sobre a luta armada em particular, os registros jornalísticos de época são uma fonte preciosa para análise e reconstituição dos principais acontecimentos referente aquele período, através do discur- so produzido por parte da imprensa brasileira. No período “pós-golpe 64”, as Forças Armadas experimentaram na prática a afirmação clássica de Maquiavel60, de que mais difícil do que a tomada do poder é a sua manutenção. Naquele contexto de luta pela toma- da do poder político, estavam em jogo interesses de vários segmentos so- 60 MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe: escritos políticos. São Paulo: Victor Civita, in coleção os Pensadores, 1983. 51 Revista História e Diversidade Vol. 3, nº. 2 (2013) ISSN: 2237-6569 ciais, inclusive dentro das próprias Forças Armadas havia uma dicotomia clara na disputa pelo poder, a qual se dava basicamente entre aqueles que apoiavam o General Castello Branco, os chamados “intelectuais da Soborn- ne” de um lado; e por um seguimento que apoiava o General Costa e Silva, os chamados oficiais “linha-dura”, de outro61. A compreensão desta complexa rede de interesses na arena polí- tica antes e após o golpe de 64 requer um esforço redobrado daqueles que se enveredam pelos caminhos tortuosos da análise da luta armada e da repressão no Brasil. Outra fonte importante de nosso trabalho foi um conjunto de documentos considerados confidencias de 954 páginas, intitulado “PROJETO ORVIL: As tentativas de tomadas do poder”62 que traz a versão não publicada do Exército Brasileiro sobre as diversas tentativas de toma- da do poder pelos comunistas, de 1922 até 1974. Este livro foi chamado por muitos de o “livro proibido” do Exército, e há registros de que algumas páginas foram publicadas em alguns jornais em Minas Gerais, durante o período de redemocratização. Dentre as dezenas de organizações de esquerda que viram a luta armada a única via capaz de fazer frente ao governo militar implantado em 1964 e consolidado com o Ato Institucional número 5(AI5), uma faz parte de nosso objeto de estudo: Trata-se da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). O que a distingue das demais organizações é o caráter militar ine- rente à formação de seus quadros, na maioria, ex-integrantes das Forças Armadas Brasileira. 61 AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa, Estado Autoritário. (1968-1978). São Paulo: EDUSC, 1999, p.57. 62 “No segundo semestre de 1985, a Seção de Informações do Centro de Informa- ções do Exército-atual Divisão de Inteligência do Centro de Inteligência do Exército - re- cebeu a missão de empregar os seus analistas, além de suas funções e encargos normais, na realização de uma pesquisa histórica considerando o período que abarcasse desde os ante- cedentes imediatos da Contrarrevolução de 31 de março de 1964, até a derrota e o desman- telamento das organizações e partidos que utilizaram a luta armada como instrumento de tomada do poder. [...] Visando a resguardar o caráter confidencial da pesquisa e a elaboração da obra, foi designado uma palavra-código para se referir ao projeto –ORVIL – livro escrito de trás para frente. Em fins de 1987, o texto de aproximadamente mil páginas estava pronto. A obra recebeu a denominação de Tentativas de Tomada do Poder. Apresentado ao minis- tro Leônidas Pires Gonçalves, este não autorizou a sua publicação – que seria a palavra oficial do Exército-, sob a alegação de que a conjuntura política não era oportuna. (USTRA, 2006, p.9). O Projeto ORVIL está disponível em www.averdadesufocada.com, acesso em 2008.” 52 Revista História e Diversidade Vol. 3, nº. 2 (2013) ISSN: 2237-6569 O principal líder, e um dos fundadores da VPR, foi o ex-sargento Onofre Pinto; entretanto, em janeiro de 1969 surge outro ex-militar que iria ganhar notoriedade dentro da VPR e da mídia em geral. Trata-se do Ex-Capitão de Infantaria do Exército Brasileiro, Carlos Lamarca, que de- sertou em janeiro de 1969, pouco após a decretação do Ato Institucional número 5 (AI5), e incorporou-se de vez à VPR, onde já militava, clandesti- namente, deste o ano anterior.