Universidades Lusíada

Andrade, Ana Rita Carvalho, 1987- Mobilidade pedonal em cidades acidentadas : mais de um século de meios mecânicos de elevação em http://hdl.handle.net/11067/3612

Metadados Data de Publicação 2011 Resumo Durante o século XX, assistiu-se a um fenómeno de urbanização a nível global, no qual as cidades como são conhecidas hoje, sofreram um crescimento exponencial, que foi influenciado por uma forte motorização, alterando a maneira de viver (n)a cidade. Assim, procura-se reflectir sobre o papel da rua como suporte ou canal da mobilidade e a sua importância como o espaço público por excelência da cidade, espaço onde se desenrolam variadas interacções sociais. Critica-se o impacto que o automóvel tem ... Palavras Chave Peões, Elevadores - Portugal, Elevadores - Portugal - Lisboa, Máquinas de elevação Tipo masterThesis Revisão de Pares Não Coleções [ULL-FAA] Dissertações

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U NIVE RSID ADE LUSÍ ADA DE L ISBO A

Fac uldad e de Arquitectura e A rtes

Mestrado Integ rado em Arquitectura

Mobilidade pedonal em cidades acidentadas: mais de um século de meios mecânicos de elevaçção em Portugal

Realizado por: Ana Rita Carvalho Andrade Orientado por: Prof. Doutor Arqt. h.c. Manuel Mendes Taínha

Constituição do Júri:

Presidente: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Assistente de orientação: Arqt. Alexandre Carlos Sá Guerra Marques Pereira Arguente: Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves

Dissertação aprovada em: 19 de Janeiro de 2012

Lisboa

2011

U NIVERSIDADE L U S Í A D A D E L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

Mobilidade pedonal em cidades acidentadas: mais de um século de meios mecânicos de elevação em Portugal

Ana Rita Carvalho Andrade

Lisboa

Dezembro 2011

U NIVERSIDADE L U S Í A D A D E L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

Mobilidade pedonal em cidades acidentadas: mais de um século de meios mecânicos de elevação em Portugal

Ana Rita Carvalho Andrade

Lisboa

Dezembro 2011 Ana Rita Carvalho Andrade

Mobilidade pedonal em cidades acidentadas: mais de um século de meios mecânicos de elevação em Portugal

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.

Orientador: Prof. Doutor Arqt. h.c. Manuel Mendes Taínha

Assistente de orientação: Arqt. Alexandre Carlos Sá Guerra Marques Pereira

Lisboa

Dezembro 2011

Ficha Técnica

Autora Ana Rita Carvalho Andrade

Orientador Prof. Doutor Arqt. h.c. Manuel Mendes Taínha

Assistente de orientação Arqt. Alexandre Carlos Sá Guerra Marques Pereira

Título Mobilidade pedonal em cidades acidentadas: mais de um século de meios mecânicos de elevação em Portugal

Local Lisboa

Ano 2011

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação

ANDRADE, Ana Rita Carvalho, 1987-

Mobilidade pedonal em cidades acidentadas : mais de um século de meios mecânicos de elevação em Portugal / Ana Rita Carvalho Andrade ; orientado por Manuel Mendes Taínha, Alexandre Carlos Sá Guerra Marques Pereira. - Lisboa : [s.n.], 2011. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa.

I – TAÍNHA, Manuel Mendes, 1922- II - PEREIRA, Alexandre Carlos Sá Guerra Marques, 1962-

LCSH 1. Peões 2. Elevadores - Portugal 3. Elevadores - Portugal - Lisboa 4. Máquinas de Elevação 5. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 6. Teses – Portugal - Lisboa

1. Pedestrians 2. - Portugal 3. Elevators - Portugal - 4. Hoisting Machinery 5. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations 6. Dissertations, Academic – Portugal - Lisbon

LCC 1. TJ1370.A53 2011

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os meus familiares e amigos que me acompanharam nesta longa etapa. Sou muito grata a todos pelo incentivo recebido ao longo destes seis anos.

A mim, pelo culminar de uma meta a que me propus, e pelo início de uma outra etapa que se avizinha, e que espero alcançar com o mesmo sucesso.

AGRADECIMENTOS

A lista de pessoas que merecem ser lembradas é sempre mais curta do que deveria ser. Tantos poderiam estar aqui citados, por uma palavra de apoio num momento crucial, uma ideia que serviu de inspiração, pela compartilha de algum momento de trabalho ou de lazer ao longo deste percurso.

Em primeiro lugar aos meus pais, tios e avós, por me acompanharem em casa e viagens, pelo amor, carinho e atenção sem reservas, pelos conselhos e por todo o apoio estratégico e logístico.

Ao Igor, por todo o carinho e compreensão, por estar comigo nas horas de lazer e nas de stress. Á Sara, ao Nelson e ao Gonçalo pelo carinho e companhia proporcionados nos últimos tempos. A todos os meus amigos, pelas influências, exemplos e companhia nas mais diversas ocasiões.

Aos meus colegas de curso, pelo seu importante estímulo e camaradagem, especialmente á Filipa pelas longas conversas, incentivo e .

Ao meu orientador, Professor Doutor Arquitecto H. C. Manuel Mendes Tainha, bem como ao meu co-orientador, Professor Arquitecto Alexandre Carlos Sá Guerra Marques Pereira, pela disponibilidade e apoio.

A todos, “muito obrigado” é pouco.

“ (…) Circular por meios mecânicos parece indicar a optimização dos caminhos, buscando configurar a menor e mais veloz distância entre pontos. (…) Muito distinto de caminhar no rés-do-chão, possibilita apreensões de paisagem distintas. (…) Reconstroem-se olhares sobre a paisagem, o percurso faz-se como que apalpando ou tacteando os objectos antes de abraça-los. (…) ”

BÓGEA, Marta Vieira (2007) – Caminhos mecânicos e a construção de paisagens. [Em linha]. São Paulo: Revista Integração nº4, p.121-125. [Consult. 12 Jan. 2011]. Disponível em: APRESENTAÇÃO

Mobilidade pedonal em cidades acidentadas: mais de um século de meios mecânicos de elevação em Portugal

Ana Rita Carvalho Andrade

Durante o século XX, assistiu-se a um fenómeno de urbanização a nível global, no qual as cidades como são conhecidas hoje, sofreram um crescimento exponencial, que foi influenciado por uma forte motorização, alterando a maneira de viver (n)a cidade. Assim, procura-se reflectir sobre o papel da rua como suporte ou canal da mobilidade e a sua importância como o espaço público por excelência da cidade, espaço onde se desenrolam variadas interacções sociais. Critica-se o impacto que o automóvel tem no padrão de deslocação contemporânea, na evolução e funcionamento das próprias cidades, assim como a enorme importância que adquiriu no quotidiano das pessoas. O tema da mobilidade pedonal em cidades acidentadas incide sobre uma temática actual e relevante, especialmente no que respeita ao aumento da competitividade das cidades e qualidade de vida dos seus habitantes. Assim o trabalho debruça-se sobre a forma de potenciar a circulação a pé com recurso a meios mecânicos de elevação que, quando articulada com uma boa rede de transportes públicos e uma boa gestão do uso do solo, permite reduzir o uso do automóvel dentro da cidade. Sendo que a mobilidade pedonal foi esquecida durante longos anos enquanto modo de transporte que carece de um planeamento cuidado e um lugar de destaque na estruturação das cidades, não tendo sido sempre assegurada a sua integração com os outros modos, é objectivo desta dissertação o estudo do uso dos meios mecânicos em cidades com orografia desfavorável para auxílio das deslocações pedonais, verificando-se que este potencia a marcha a pé, diminui o desgaste físico e o desconforto do peão. O objecto desta dissertação é pois, o estudo dos meios mecânicos de elevação construídos em Portugal, nomeadamente em Lisboa, e de como a introdução destes sistemas de apoio á mobilidade, pode contribuir para a melhoria e incentivo da circulação pedonal nas cidades onde estão implantados ou projectados, bem como é um dos aspectos fundamentais a considerar na revitalização dos centros históricos zelando pela sua sustentabilidade ambiental e social. Aborda-se o tema da mobilidade pedonal, focando o uso do espaço público como espaço de transição e de permanência entre tecidos urbanos distintos e/ou separados por desníveis acentuados, recorrendo-se a sistemas mecânicos de apoio á mobilidade pedonal, sistemas esses que fomentam a deslocação a pé, em detrimento do tráfego automóvel nos centros das cidades, permitindo um maior uso do espaço público e um maior contacto entre as pessoas, potenciando as dinâmicas sociais de uma cidade.

Palavras-chave: Sustentabilidade Urbana, Espaço Público, Mobilidade Pedonal, Meios Mecânicos de Elevação.

PRESENTATION

Pedestrian mobility in rough cities: more than a century of mechanical lifting in Portugal

Ana Rita Carvalho Andrade

During the 20th century, we assisted to the phenomenon of global urbanization, in which the cities known as they are today, suffered an exponential grow, influenced by a strong motorization, changing the way of living on and the city. Therefore, we try to reflect the role of the street as a support or channel of the mobility and its importance as the public space par excellence of the city, a space where different social interactions take place. We criticize the automobile impact has in the contemporary dislocation, development and city functioning itself, as well as the enormous importance that it acquired in the daily life of the people. The issue of pedestrian mobility in rough cities focuses on a current and relevant theme, especially with regard to increasing the competitiveness of cities and quality of life of its inhabitants. Consequently this work focuses on how to increase the pedestrian circulation using mechanical lifting which, when combined with a good public transport and good management of land use, can reduce automobile use within the city. Since pedestrian mobility was forgotten for many years as a mode of transportation that requires careful planning and a place in the structure of cities, as it has not always been assured its integration with other forms, it is the objective of this thesis the study of use of lifts in cities with unfavorable terrain to aid pedestrian movements, verifying that this enhances the walking, reduces the pedestrian physical wastage and discomfort. The purpose of this dissertation is therefore to study the mechanical lift built in Portugal, specifically in Lisbon, and the way how the introduction of these systems to support mobility, can contribute to the improvement and promotion of pedestrian circulation in the cities where they are placed or planned these support systems, as well as the fundamental aspects to consider in the revitalization of historic centers ensuring their environmental and social sustainability. We address the issue of pedestrian mobility, focusing on the use of public space as a transition space between tissues and remain distinct urban and / or separated by steep slopes, using mechanical systems to support pedestrian mobility, systems that encourage walking, rather than the car traffic in city centers, allowing a greater use of public space and a greater contact between people, enhancing the social dynamics of a city.

Palavras-chave: Urban Sustainability, Public Space, Pedestrian Mobility, Mechanical Lifting.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – O salvamento do último peão (VALENTE, 2008, p.15) ...... 36

Ilustração 2 – Relação entre as interacções pessoais e os volumes de tráfego automóvel (IMTT/GPIA, 2011, p.11) ...... 37

Ilustração 3 – Gráfico comparativo da vocação dos modos de transporte em função da distância (MAGALHÃES, 2010, p.8) ...... 43

Ilustração 4 – Diferentes tipos de peões (VALENTE, 2008, p.18) ...... 45

Ilustração 5 – Palácio de Cristal (PINTO et al., 2004, p.71) ...... 56

Ilustração 6 – Estação de Santa Apolónia (PINTO et al., 2004, p.107) ...... 57

Ilustração 7 – Raul Mesnier du Ponsard (ALMEIDA, 2010, p.25)...... 58

Ilustração 8 – Homenagem da Câmara Municipal de Lisboa a Raul Mesnier du Ponsard (ALMEIDA, 2010, p.29) ...... 61

Ilustração 9 – Altimetria de Lisboa (MARINHO et al., 2001, p.11) ...... 63

Ilustração 10 – Vista de Lisboa (Fotografia de autor) ...... 64

Ilustração 11 – Carta Topográfica de Lisboa publicada em 1871 com sobreposição das alterações feitas até 1911 (COSTA, 2008, p.6) ...... 65

Ilustração 12 – Visão de Fialho de Almeida: Passagem Superior na e Colina do Castelo (DIAS, 1999) ...... 66

Ilustração 13 – Visão de Reinaldo Ferreira (VALENTE, 2008, p.85) ...... 66

Ilustração 14 – _ Planta de Lisboa (1902) com linhas dos ascensores (VALENTE, 2008, p.43) ...... 68

Ilustração 15 – (AFML - A33024, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt) ...... 71

Ilustração 16 – O Elevador do Lavra actualmente (Fotografia de autor) ...... 73

Ilustração 17 – Elevador da Glória (AFML - A30477, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt) ...... 73

Ilustração 18 – O Elevador da Glória actualmente (Fotografia de autor) ...... 75

Ilustração 19 – Elevador da (AFML - A5305, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt) ...... 76

Ilustração 20 – A descida da Calçada do Combro (ALMEIDA, 2010, p.84) ...... 77

Ilustração 21 – Grandes Armazéns do : Elevador (AFML - A14626, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt) ...... 78

Ilustração 22 – Armazéns do Chiado actualmente (Fotografia de autor) ...... 80

Ilustração 23 – Elevador da Bica (AFML - A33021, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt) ...... 80

Ilustração 24 – O Elevador da Bica actualmente(Fotografia de autor) ...... 82

Ilustração 25 – Elevador da Graça (AFML - A77400 in www.revelarlx.cm-lisboa.pt) ...... 82

Ilustração 26 – O Arco de Santo André (Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa) ...... 84

Ilustração 27 – Alçados e Planta do projecto do Elevador do Município (Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa) ...... 85

Ilustração 28 – Elevador de São Julião visto do alto da Calçada de São Francisco (AFML-A4219 (in www.revelarlx.cm-lisboa.pt) ...... 87

Ilustração 29 – Projecto do plano inclinado de Mesnier e Protótipo do Ascensor (DELGADO, 1997, p.71) ...... 88

Ilustração 30 – O Ascensor de S. Sebastião da Pedreira (Hemeroteca Municipal de Lisboa, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt) ...... 88

Ilustração 31 – Elevador de Santa Justa (AFML - A25118, in www.revelarlx.cm- lisboa.pt) ...... 90

Ilustração 32 – Projecto do Elevador de Santa Justa (Hemeroteca Municipal de Lisboa) ...... 91

Ilustração 33 – O Elevador de Santa Justa actualmente (Fotografia de autor) ...... 93

Ilustração 34 – Vista do Bom Jesus do Monte, vendo-se ao lado da escadaria o elevador em movimento (ALMEIDA, 2010, p.38) ...... 97

Ilustração 35 – Elevador do Bom Jesus do Monte actualmente (Fotografia de autor)...... 98

Ilustração 36 – Ascensor da Nazaré no ano de 1951 (www.cm-nazaré.pt) ...... 99

Ilustração 37 – Ascensor da Nazaré actualmente (Fotografia de autor)...... 100

Ilustração 38 – O primitivo dos Guindais (ALMEIDA, 2010, p. 94) ...... 101

Ilustração 39 – O actualmente (Fotografia de autor) ...... 103

Ilustração 40 – Vista da Calçada das Freiras, Gaia (ALMEIDA, 2010, p.106) ...... 104

Ilustração 41 – O Elevador do Monte, s.d. (ALMEIDA, 2010, p.125) ...... 106

Ilustração 42 – Descida dos carros de vime, paralela á linha do comboio (ALMEIDA, 2010, p.126) ...... 108

Ilustração 43 – Monte de Santa Luzia (ALMEIDA, 2010, p.162) ...... 109

Ilustração 44 – Elevador de Santa Luzia actualmente (Fotografia de autor) ...... 110

Ilustração 45 – Ascensor da Ribeira (Fotografia de autor) ...... 118

Ilustração 46 – Ascensor da Ribeira visto de Gaia (Fotografia de autor) ...... 119

Ilustração 47 – Elevador da Boca do Vento (Fotografia de autor) ...... 119

Ilustração 48 – Elevador da Boca do Vento visto de Cacilhas (Fotografia de autor) ...... 120

Ilustração 49 – Vista a partir do elevador inclinado (Fotografia de autor) ...... 121

Ilustração 50 – Elevador do Mercado (Fotografia de autor) ...... 122

Ilustração 51 – Elevador do Outeiro (Fotografia de autor) ...... 123

Ilustração 52 – Vista do elevador sobre a vila de São Martinho do (Fotografia de autor) ...... 124

Ilustração 53 – Praia e elevador do Peneco (Fotografia de autor) ...... 124

Ilustração 54 – Elevador do Peneco (Fotografia de autor) ...... 125

Ilustração 55 – Funicular da Calçada do Viriato (Fotografia de autor) ...... 126

Ilustração 56 – Funicular visto da parte baixa. Ao fundo, a Sé (Fotografia de autor) ...... 127

Ilustração 57 – Colina do Castelo de São Jorge (Fotografia de autor) ...... 130

Ilustração 58 – Terraço do Mercado Chão do Loureiro e encosta do Castelo (Fotografia de autor) ...... 132

Ilustração 59 – Elevador Panorâmico do Mercado Chão do Loureiro (Fotografia de autor) ...... 133

Ilustração 60 – Nuno Teotónio Pereira (www.oasrs.org) ...... 134

Ilustração 61 – Vista da cidade da Covilhã (Fotografia de autor) ...... 137

Ilustração 62 – Vista sobre a ribeira da Carpinteira e Penedos Altos (Fotografia de autor) ...... 139

Ilustração 63 – Plano de Urbanização dos Vales das Ribeiras da Goldra e da Carpinteira (Jornal Arquitectos nº 209, de Jan./Fev. de 2003, p.53) ...... 142

Ilustração 64 – Aplanar a cidade (PEREIRA, 2006, p.42) ...... 145

Ilustração 65 – Percursos Pedonais futuros (Revista Sociedade e Território nº 37/38, de Junho de 2004, p.123) ...... 146

Ilustração 66 – Percursos Pedonais antes do Plano de Mobilidade (Revista Sociedade e Território nº 37/38, de Junho de 2004, p.122) ...... 147

Ilustração 67 – Escadinhas e Elevador de Santo André (Fotografia de autor) ...... 149

Ilustração 68 – Projecto dos elevadores do Jardim Público (www.arpas.pt) ...... 150

Ilustração 69 – Ponte sobre a Ribeira da Carpinteira (Fotografia de autor) ...... 151

Ilustração 70 – Planta Geral da intervenção com identificação dos núcleos definidos (Imagem de autor) ...... 168

Ilustração 71 – Maquete da intervenção com identificação dos percursos pedonais assistidos (Fotografia de autor) ...... 170

Ilustração 72 – Planta geral de percursos e a sua articulação com rede de eléctricos e equipamentos propostos (Imagem de autor) ...... 171

Ilustração 73 – Percurso A e Percurso B (Fotografia de autor) ...... 172

Ilustração 74 – Corte e Planta do Conjunto (About:blank, arquitectura & design magazine, edição 09, out/nov/dez 2011. Disponível em: http://www.aboutblank.pt/pt/now/electronic-ramps-roberto-miguel/) ...... 179

Ilustração 75 – Rampas do Cantón de San Francisco Javier (About:blank, arquitectura & design magazine, edição 09, out/nov/dez 2011. Disponível em: http://www.aboutblank.pt/pt/now/electronic-ramps-roberto-miguel/) ...... 180

Ilustração 76 – Tapetes rolantes da Calle El Cristo, Bilbau. (www.flickr.com, 2008) ...... 180

Ilustração 77 – Panorâmica das escadas e centro histórico de Toledo. (www.flickr.com, s.d.) ...... 181

Ilustração 78 – Entrada para as escadas e vista para a encosta (www.flickr.com, s.d.) .... 181

Ilustração 79 – Escadas rolantes para o Parque Guell, Barcelona (www.flickr.com, 2007) ...... 182

Ilustração 80 – Panorâmica do centro de Liubliana e colina do Castelo (www.ljubljana.si, s.d.) ...... 182

Ilustração 81 – Corte longitudinal (www.nextroom.at, s.d) ...... 183

Ilustração 82 – O funicular do Castelo, Liubliana (www.flickr.com, s.d.) ...... 183

Ilustração 83 – Funicular de Monmartre (www.flickr.com, 2006) ...... 184

Ilustração 84 – Funicular de Artxanda (www.bilbau.net, s.d.) ...... 184

Ilustração 85 – Panorâmica da Plaza de la Estación (www.flickr.com, 2005)...... 185

Ilustração 86 – Planta geral da intervenção / Planta e corte pelos elevadores (upcommons.upc.edu, s.d.)...... 185

Ilustração 87 – Panorâmica de Grenoble e do teleférico (www.flickr.com, s.d.) ...... 186

Ilustração 88 – Vista da subida até á Bastilha (www.bastille-grenoble.fr, s.d.) ...... 186

Ilustração 89 – Teleférico de Montjuic (www.flickr.com, 2007) ...... 186

Ilustração 90 – Três alternativas do Ascensor do Lavra (COSTA, 2008, p.228) ...... 191

Ilustração 91 – Um dos desenhos que Joseph Bleck enviou à CML em 1883 (COSTA, 2008. p.232) ...... 193

Ilustração 92 – O provável traçado do ascensor previsto por Nicolau Conceição e seus associados (COSTA, 2008. p.236) ...... 194

Ilustração 93 – Elevador para a Graça (COSTA, 2008. p.237) ...... 195

Ilustração 94 – Ascensores para o Castelo (COSTA, 2008. p.239) ...... 196

Ilustração 95 – Traçado das linhas de Kessler (COSTA, 2008. p.241) ...... 197

Ilustração 96 – Projecto de ascensor na Calçada da Ajuda, desde a Praça de D. Fernando até ao chamado Pateo das Cosinhas, junto ao Real Palacio da Ajuda (COSTA, 2008. p.245) ...... 198

Ilustração 97 – Ante projecto de Felix Ciebra, ligando o Largo do Chafariz de Dentro à Graça, pelas ruas dos Remédios e do Paraíso, Campo de e Rua de Verónica (COSTA, 2008. p.268) ...... 205

Ilustração 98 – Anteprojecto de Francis Ferrin (COSTA, 2008. p.269) ...... 206

Ilustração 99 – Traçado da linha da Avenida da Liberdade ao Príncipe Real, pela Rua da Conceição da Glória e Calçada da Patriarcal (COSTA, 2008. p.271) ...... 207

Ilustração 100 – Ascensor entre a Rua da Betesga e o Chão da Feira, ao Castelo, Planta geral apresentada pelos requerentes (COSTA, 2008. p.275) ...... 209

Ilustração 101 – Ascensor entre a Travessa do Cotovelo (ao Arsenal) e a Rua Garrett (COSTA, 2008. p.276) ...... 209

Ilustração 102 – Esboço do projecto apresentado pelo Arqt. Silva Dias (Dias, 1999) ...... 214

Ilustração 103 – Esboço do Elevador de São Jorge (CML, 2000) ...... 215

Ilustração 104 – Traçado em planta da proposta SEMALY (VALENTE, 2008, p.88) ...... 216

Ilustração 105 – Planta síntese da proposta de intervenção no acesso á Colina do Castelo de São Jorge (MAGALHÃES, 2010, p.26) ...... 218

Ilustração 106 – Perspectiva da proposta para o Percurso A1 (MAGALHÃES, 2010, p.27) ...... 219

Ilustração 107 – Perspectivas das propostas para a primeira e segunda etapa do Percurso A2 (MAGALHÃES, 2010, p.28) ...... 220

Ilustração 108 – Perspectivas das propostas para os Percursos B1 e B2 (MAGALHÃES, 2010, p.29) ...... 221

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Caracterização dos meios de transporte para curtas distâncias ...... 51

Tabela 2 – Características dos elevadores de Lisboa ...... 70

Tabela 3 – Características dos elevadores conterrâneos de Lisboa ...... 96

Tabela 4 – Elevadores construídos recentemente ...... 117

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS

ARPPA - Associação Regional de Protecção do Património Cultural e Natural

AFML - Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

CML - Câmara Municipal de Lisboa

CM - Câmara Municipal

CP - Caminhos de Ferro Portugueses

DGOTDU - Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano

FCTUC - Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra

GEO - Gabinete de Estudos Olissiponense

GPIA - Gabinete de Planeamento, Inovação e Avaliação

HML - Hemeroteca Municipal de Lisboa

IMTT - Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres

IST - Instituto Superior Técnico

LNEC - Laboratório Nacional de Engenharia Civil

MAOT - Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território

MAOTDR - Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional

PNDES - Plano Nacional de Desenvolvimento Económico

POA - Programa Operacional do Ambiente

POLIS - Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades

POR - Programa Operacional Regional

QCA - Quadro Comunitário de Apoio

SNIG - Centro Nacional de Informação Geográfica

UE - União Europeia

UNL - Universidade Nova de Lisboa

SUMÁRIO

1. Introdução ...... 27 2. O actual panorama da mobilidade e o uso dos meios mecanicos nas deslocações pedonais ...... 31 2.1. Mobilidade como conceito e como direito ...... 32 2.2. A cidade, o peão e o automóvel ...... 35 2.2.1. A sociedade movél e os novos ritmos de vida ...... 37 2.2.2. A necessidade de reduzir distâncias ...... 39 2.3. Humanizar a cidade: a cidade ‘lugar’ ...... 40 2.4. Mobilidade pedonal ...... 42 2.4.1. O peão, elemento central na mobilidade urbana ...... 44 2.4.2. O espaço público como infra-estrutura ...... 46 2.4.2.1. Critérios de qualidade do espaço público pedonal ...... 47 2.5. O uso dos meios mecânicos nas deslocações pedonais ...... 49 2.5.1. Os meios de transporte para curtas distâncias ...... 50 3. Elevadores, ascensores e funiculares de Portugal: um paradigma da mobilidade no final do século XIX ...... 53 3.1. Desambiguação ...... 53 3.2. A Revolução Industrial: o ferro e o vidro ...... 54 3.2.1. Raoul Mesnier du Ponsard, o Engenheiro ...... 58 3.3. Lisboa dos elevadores ...... 61 3.3.1. Contexto histórico–geográfico ...... 62 3.3.2. A Lisboa utópica dos séculos XIX e XX ...... 65 3.3.3. Os elevadores de lisboa, colina acima colina abaixo ...... 67 3.3.3.1. Lavra, 1884 ...... 71 3.3.3.2. Glória, 1885 ...... 73 3.3.3.3. Estrela, 1890 ...... 76 3.3.3.4. Chiado, 1892 ...... 78 3.3.3.5. Bica, 1892 ...... 80 3.3.3.6. Graça, 1893 ...... 82 3.3.3.7. Município, 1897 ...... 84 3.3.3.8. São Sebastião, 1898...... 88 3.3.3.9. Santa Justa, 1902 ...... 90 3.4. Os conterrâneos de Lisboa ...... 93 3.4.1. Bom Jesus, Braga, 1882 ...... 96 3.4.2. Nazaré, 1889 ...... 98 3.4.3. Guindais, Porto, 1891 ...... 101 3.3.4. Calçada das Freiras, Gaia, 1896 ...... 103 3.4.5. Monte, Funchal, 1912 ...... 105 3.4.6. Santa Luzia, Viana do Castelo, 1923 ...... 108 4. Os novos modos de apoio á circulação pedonal: o renascer dos elevadores, um século depois ...... 111 4.1. Sustentabilidade urbana, o Polis e os novos modos suaves ...... 111 4.2. Os novos modos de apoio á circulação pedonal ...... 116 4.2.1. Ribeira, Porto, 1999 ...... 117 4.2.2. Boca do Vento, Almada, 2000 ...... 119 4.2.3. Mercado, Coimbra, 2001 ...... 120 4.2.4. Outeiro, São Martinho do Porto, 2008 ...... 122 4.2.5. Peneco, Albufeira, 2009 ...... 124 4.2.6. Calçada do Viriato, , 2009 ...... 126 4.3. Lisboa: o contexto recente da mobilidade pedonal ...... 128 4.3.1. O percurso pedonal assistido Baixa / Castelo de São Jorge ...... 130 4.4. Reconquistar a mobilidade pedonal: um plano para a Covilhã ...... 134 4.4.1. Nuno Teotónio Pereira, o Arquitecto e cidadão activo ...... 134 4.4.2. O POLIS e o Plano Estratégico da Covilhã ...... 136 4.3.2.1. Os Planos de Pormenor das Ribeiras da Carpinteira e da Goldra.... 141 4.3.3. O Plano de Mobilidade Pedonal...... 143 4.3.3.1. A concretização ...... 149 5. Conclusão ...... 153 Referências ...... 155 Bibliografia ...... 159 Apêndices ...... 161 Lista de apêndices ...... 163 Apêndice A...... 165 Anexos...... 173 Lista de anexos ...... 175 Anexo A ...... 177 Anexo B ...... 187 Anexo C ...... 211

Mobilidade pedonal em cidades acidentadas: mais de um século de meios mecânicos de elevação em Portugal

1. INTRODUÇÃO

Hoje, quando a maioria da população mundial vive em cidades ou na sua periferia, encontramos um problema que persiste. Cada vez mais o automóvel é usado como o meio de transporte de eleição, apesar de ser o menos adequado à própria cidade. Com o desenvolvimento industrial e tecnológico, a realidade socioeconómica das cidades foi-se alterando, incidindo numa crescente dependência na velocidade de deslocação, tanto de pessoas como de mercadorias. O automóvel é usado “compulsivamente” no nosso dia-a-dia, transformando os congestionamentos em parte da rotina da vida dos centros das cidades.

No entanto, o peão é o mais numeroso e mais antigo interveniente nos fluxos de tráfego, e qualquer deslocação realizada por nós, tem início e fim pelos nossos pés. É necessário encarar o espaço público como espaço dedicado prioritariamente ao peão, onde este se sinta livre e seguro, em vez de esse mesmo espaço, ser preenchido até à saturação por automóveis. Em pleno século XXI e numa sociedade onde cada indivíduo é considerado um ser móvel, é necessário que a mobilidade passe a ser entendida como um direito de cada cidadão.

Também a sustentabilidade ambiental, social e económica é fundamental para a revitalização das cidades e dos seus centros históricos. Assim sendo, as propostas para estes locais devem encorajar a implementação de espaços públicos pedonais, que permitam às pessoas fruir da identidade dos lugares, encorajando-as a visitar, usar e permanecer nos espaços públicos mais assiduamente.

Neste contexto, e tendo em conta o trabalho desenvolvido na cadeira de Projecto III (ver Apêndice A), que incidiu num plano de requalificação da Mouraria, onde se propunha renovar a área em questão com um conjunto de novos equipamentos, onde dois quais faziam parte duas propostas de percursos pedonais com recurso á introdução de meios mecânicos de apoio, sendo um dos problemas fulcrais a questão da mobilidade pedonal, numa zona de declives bastante acentuados, surge a motivação para a escolha do tema da presente dissertação: estudar os meios mecânicos de apoio á mobilidade pedonal, construídos em Portugal, incidindo especialmente em elevadores, ascensores e funiculares, e de como a introdução destes sistemas de apoio á mobilidade pode contribuir para a melhoria e incentivo da circulação pedonal e diminuir o tráfego automóvel nos centros das cidades, e

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consequentemente como a pedonalização dos espaços públicos pode impulsionar ou contribuir para o desenvolvimento dos cascos históricos.

O objecto central da presente dissertação é pois o estudo da introdução de meios mecânicos nos percursos pedonais em cidades acidentadas, frequentemente inseridos nos centros histórico das suas cidades e onde Lisboa não é excepção. Assim sendo, o trabalho divide-se em três partes distintas:

Na primeira parte pretende-se enquadrar o tema da mobilidade urbana, em geral, e da mobilidade pedonal, em particular, não só ao nível do seu contexto histórico mas também em relação a conceitos que lhes estão implícitos, ou seja, compreender o actual paradigma da mobilidade, abordando a evolução da cidade e a sua relação com a imposição do automóvel no seu quotidiano, abordando a rua como espaço público de excelência e o principal elemento estruturador e aglutinador de uma cidade, e abordando o peão como o principal interveniente na problemática em estudo. Introduz- se ainda o tema dos percursos mecanicamente assistidos, através da análise das suas características e de como a sua introdução baseada numa rede pedonal planeada pode funcionar como alternativa ao automóvel, fundamentalmente no que diz respeito a deslocações de curta distância.

Assim sendo, na segunda parte procede-se ao estudo dos elevadores, ascensores e funiculares realizados em Portugal, desde finais do século XIX até ao início do século XX, correspondendo este período desde a época do seu aparecimento, coincidindo com a Revolução Industrial, até á altura em que se deixou de projectar estas relíquias, devido á motorização e consequente grande utilização do automóvel. Dedica-se neste capítulo uma parte ao Engenheiro Raul Mesnier du Ponsard, autor de pelo menos treze dos quinze elevadores construídos no período referido. São então estudados neste capítulo, meios mecânicos de elevação como o Elevador do Bom Jesus de Braga, os Elevadores de Lisboa, o Ascensor da Nazaré, o Elevador do Monte no Funchal, o Funicular do Guindais e o Elevador de Santa Luzia em Viana do Castelo. Faz-se referência às suas características principais, ao seu percurso, ao desnível que vencem e á importância que têm (ou tiveram) na cidade onde estão inseridos.

No último capitulo, recorre-se ao estudo das iniciativas recentes, ou seja, ao estudo dos novos modos de apoio á circulação pedonal, como num contexto recente são chamados, os Elevadores construídos na viragem do século XX para o actual, XXI. São eles o Elevador da Ribeira no Porto, o Elevador da Boca do Vento em Almada, o

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Elevador do Mercado em Coimbra, o Elevador do Outeiro em São Martinho do Porto, o Elevador do Peneco em Albufeira e o Elevador da Calçada do Viriato em Viseu. Aborda-se ainda o Elevador do Mercado Chão do Loureiro em Lisboa, integrado num percurso de mobilidades suaves assistidas á Colina do Castelo, projecto recente da CML, para melhorar a mobilidade pedonal na sua cidade de colinas. Tal como no capítulo anterior, referenciam-se as suas características principais, o seu percurso, o desnível que vencem e a importância que têm na cidade onde estão inseridos. É o renascer dos Elevadores, passado quase um século, curiosamente desta vez, frequentemente pela mão de arquitectos, como medida de mais valia no objectivo de passar o automóvel de prioridade a opção, fundamentalmente em viagens de curta distância. Renascem assim, pela enfatização dada pela Comissão Europeia á importância da promoção das deslocações pedonais, como uma das estratégias que permitem equilibrar os cenários de desenvolvimento ambiental, social e económico, o que á escala da cidade e no que diz respeito á matéria em estudo se resume em promover uma mobilidade sustentável, passando incontornavelmente por formas de locomoção mais sustentáveis, ou seja, pela promoção de modos suaves, reconhecendo-se o modelo de cidade compacta, a maximização de funções no espaço urbano e a promoção de um urbanismo de proximidade, como potenciadores da acessibilidade em modos suaves, das interacções sociais e do acesso equitativo das pessoas a serviços e bens. Neste capítulo aborda-se ainda a importância do Polis e do Programa Viver as Cidades como programa disciplinador e impulsionador de mudanças fundamentais nas nossas cidades, onde se descobrem novos espaços para o peão, restringindo e reorganizando a circulação automóvel e melhorando a qualidade do ar, ordenando o estacionamento e libertando espaço para a circulação pedonal, abrindo novos caminhos a formas menos poluentes de nos deslocarmos. Neste sentido encerra-se o estudo com um caso de relevância realizado no âmbito deste programa (Polis), o Plano de Mobilidade Pedonal para a cidade da Covilhã, da autoria do Arquitecto Nuno Teotónio Pereira.

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2. O ACTUAL PANORAMA DA MOBILIDADE E O USO DOS MEIOS MECÂNICOS DE ELEVAÇÃO NAS DESLOCAÇÕES PEDONAIS

“A mobilidade é essencial para a subsistência das cidades. Porém os níveis de saturação de tráfego atingidos, devido á predominância do veículo privado, estão a prejudicar o funcionamento eficiente de muitas cidades, ao reduzir a acessibilidade, e a deteriorar o ambiente a longo prazo. Os padrões de transformação urbana na Europa, nos últimos 40 anos, conduziram a mudanças significativas na forma como as pessoas se deslocam e nas distâncias percorridas em áreas urbanas. A urbanização e as alterações dos modos de vida favoreceram o afastamento das residências e das actividades económicas. Isto, por sua vez, suscitou um grande aumento de fluxos de tráfego e uma mudança radical nos meios de transporte – afastando-se cada vez mais a deslocação a pé, de bicicleta e em transporte publico, a favor dos veículos privados.” (Cidades Europeias Sustentáveis – Relatório Ambiente Urbano. Comissão Europeia, Bruxelas,1996)1

A mobilidade é um factor determinante no desenvolvimento sustentado das cidades. No entanto, a crescente dependência dos veículos individuais motorizados nos centros urbanos e os níveis de saturação de tráfego que lhe estão associados, têm vindo a reflectir-se cada vez mais no funcionamento das cidades, reduzindo a mobilidade de uma forma global, deteriorando o ambiente e diminuindo a qualidade de vida. (SILVA; GALVÃO, 2007, p.1)

O conceito de mobilidade sustentável, cada vez mais presente nas políticas e estratégias territoriais da União Europeia, pressupõe que os cidadãos, vivendo em cidades, vilas ou aldeias, disponham de condições e escolhas de acessibilidade e mobilidade que lhes proporcionem deslocações seguras, confortáveis, com tempos aceitáveis e custos acessíveis. Implica, ainda, que a sua mobilidade se exerça com eficiência energética e reduzidos impactos ambientais. (IMTT/GPIA, 2011, p.3)

A mobilidade urbana é hoje muito diversificada e heterogénea em especial nas áreas metropolitanas de grande complexidade de cadeias de deslocação diária em movimentos pendulares. O elevado fluxo de movimentos pendulares de entrada e saída nas cidades, resulta do estabelecimento de áreas residenciais fora dos seus perímetros mas junto á sua periferia, facto que origina a uma descentralização das actividades e promove o uso do automóvel. O fenómeno da motorização modificou as distâncias e comportamentos urbanos, enquanto a agressividade urbana que se tem feito notar nos últimos tempos levou á desorganização do espaço público, provocando um aumento das barreiras urbanísticas, limitando a mobilidade nas cidades. Por todos

1 Apud SILVA, 2010, p.71

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os factos referidos encontram-se reunidos os motivos da diminuição da circulação pedonal. É urgente encontrar estratégias para promover a circulação pedonal de forma a restituir às cidades, a sua vitalidade, salubridade, qualidade de vida e identidade. (TELES, 2006, p.115)

2.1. MOBILIDADE COMO CONCEITO E COMO DIREITO

“O paradoxo da mobilidade do Séc. XX é que enquanto se tornou possível viajarmos até à Lua, tornou-se impossível, em muitos casos, atravessar as ruas das nossas cidades.” (Vanderwagen, Joell, 1995)2

Francis Godard em “La ville en mouvment”3 refere que a cidade é definida, “ (…) desde a sua origem, por uma dupla especificidade territorial: ela constitui um espaço delimitado, e é um cruzamento de mobilidades que vai desde as deslocações resultantes dos êxodos rurais até aos novos fluxos comerciais. A posição central da cidade é igualmente política e simbólica”.

Ao longo da história esse conceito esteve sempre em mutação, sendo definido de diferentes modos, de acordo com os valores sociais, culturais, económicos e mesmo espaciais em vigor nas diferentes épocas. Por exemplo, a Cidade Medieval reuniu um certo número de elementos que, independentemente dos tempos, a caracterizarão sempre. São os templos e igrejas, os mercados, as vias de circulação que ligam as cidades ao exterior e uma rede de ruas que envolve as estruturas, e o muro que dá protecção militar e marca um limite. Já a Cidade Renascentista não marca o corte radical com as cidades medievais, mas desenvolveu-se progressivamente com o cuidado da arquitectura e do urbanismo. Representa uma época clássica, procurando encontrar um desenho regular, um modelo geométrico que proporcionasse um espaço e sítios de encontro sem encontrar obstáculos. Assim, a circulação foi com efeito, a principal preocupação do desenvolvimento destas cidades. (TELES, 2005, p.33)

No século XIX, com a descoberta de novas fontes de energia, dá-se o primeiro grande salto no desenvolvimento dos transportes. Surge o comboio a vapor e com ele, a Revolução Industrial4. Á procura de novos empregos e melhor qualidade de vida,

2 Apud ARPPA, 2005 3 GODARD, Francis (2000) – La ville en mouvemente. Decouvertes Gallimard, Culture et Societé, Paris. Apud TELES, 2005, p.33 4 A Revolução Industrial consistiu num conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo ao nível económico e social. Iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII, expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX. Ao longo do processo, que de acordo com alguns autores se regista até aos nossos dias, a era da agricultura foi superada, a máquina superou o trabalho humano, impôs-se uma nova relação entre capital e trabalho, estabeleceram-se novas relações entre nações e surgiu o fenómeno da cultura de massa. Essa transformação foi possível devido a uma combinação de factores, como o liberalismo económico, a acumulação de capital e uma série de invenções, tais como o motor a vapor. O capitalismo tornou-se o sistema económico vigente.

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crescem as cidades com base na migração ou êxodo rural. A cidade sai dos seus limites, resultado da intensa mobilidade residencial que se inicia por efeito da dissolução entre o local de residência e de trabalho, marcando a designada cidade industrial. Estava-se a partir deste período, perante outros tempos, outras vontades, outros modos de habitar e de trabalhar. A Revolução Industrial, por vários factores que lhe estão associados, marca uma nova era urbana que se caracteriza por algumas importantes transformações: a racionalização das vias de comunicação, a especialização dos sectores urbanos, o crescimento dos edifícios, de armazéns. E a cidade extravasa os seus limites físicos. As gerações deste período da história conhecem uma mobilidade muito mais fácil, que as gerações anteriores. As cidades do século XIX são espaços de mobilidade intensa (TELES, 2005, p.34). E como salienta Bieber 5, “elas são o sítio da chegada – provisória ou definitiva, ao mesmo tempo que são também percorridas por movimentos internos consideráveis, micro-deslocações (no sentido da distância), devido a uma forte separação do local de residência e de trabalho, este concentrado nas grandes unidades fabris”.

O congestionamento urbano dentro dos grandes centros das grandes cidades é assim uma realidade, e o movimento para as periferias inicia o seu processo. Este movimento é consideravelmente maior no decorrer do século XX. A cidade com o seu centro e o seu limite bem definido passa a ser definida por um território urbano com contornos incertos e dinâmicos e com novas formas de limites indefinidos designadas, por metrópoles, megápoles, metápole, cidade alargada, ou ainda áreas urbanas, áreas metropolitanas, regiões urbana. (TELES, 2005, p.34)

Com o aparecimento do automóvel dá-se um dos grandes saltos na história da cidade e da mobilidade. Inicia-se a era da motorização. A partir de 1920 nos Estados Unidos e a partir de 1960 na Europa, o automóvel cria novos territórios e altera as fronteiras entre a cidade e o campo. A cidade que se instala é assim a cidade das elevadas mobilidades, assentes nas deslocações do automóvel, pelo se designa, o período Pós 2ª Guerra Mundial6, de era da mobilidade generalizada. A partir dos anos 60, as deslocações continuam a aumentar a grande ritmo. Dentro destas deslocações,

5 BIEBER, A. ; ORFEUIL, J. P. (1993) – La mobilité urbaine et sa régulation, in Les Analles de la Recherche Urbaine – Mobilités, nº 59-60. Apud TELES, 2005, p.34 6 A 2ª Guerra Mundial foi um conflito militar global que durou de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das nações do mundo – incluindo todas as grandes potências – organizadas em duas alianças militares opostas: os Aliados e o Eixo. Foi a guerra mais abrangente da história, com mais de 100 milhões de militares mobilizados. Em estado de "guerra total", os principais envolvidos dedicaram toda sua capacidade económica, industrial e científica a serviço dos esforços de guerra, deixando de lado a distinção entre recursos civis e militares. Marcado por um número significante de ataques contra civis, incluindo o Holocausto e a única vez em que armas nucleares foram utilizadas em combate, foi o conflito mais letal da história da humanidade, com mais de setenta milhões de mortos.

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surgem outras que não são as tradicionais, designadas por pendulares (casa- trabalho). São as deslocações profissionais, quotidianas, residenciais, domésticas, escolares, etc. Durante os anos 70, a mobilidade, já constituía um factor de desenvolvimento económico e social. Era esta a visão dos diferentes actores económicos, sociais e políticos. Todas as pessoas beneficiavam da crescente mobilidade de pessoas, de bens, de actividades. Mais recentemente com o desenvolvimento do automóvel e das suas consequências ambientais, novos problemas se instalaram e com eles a necessidade de politicamente terem que ser mais regularizados através de leis. É assim, que a partir dos anos 80, em toda a Europa, começam a surgir preocupações ecológicas e a necessidade de reorientar as políticas dos transportes, no sentido da utilização dos transportes públicos e de preferência não poluentes. (TELLES, 2005, p.36)

Ou seja, o ritmo de vida e com ele, o ritmo de mobilidade urbana, alterou-se profundamente, gerando maior dependência do automóvel e hoje, a mobilidade urbana não pode só ser vista na vertente espacial e temporal, mas também social, cultural e política (TELLES, 2005, p.38). Há assim que criar mecanismos que permitam, sob determinadas condições, que o cidadão possa continuar a deslocar-se dentro dos aglomerados urbanos e portanto possa aí viver. A mobilidade é hoje um tema de grande actualidade política e científica, que eleva questões e compromete conhecimentos que vão para lá dos problemas habituais dos transportes. (TELES, 2005, p.32)

A mobilidade pode ser entendida, como uma equação a estabelecer entre três elementos: os utilizadores (como e porque uma população se desloca e onde pretende chegar), os meios (qual a situação e evolução prevista para a oferta e infra-estrutura de transportes), e os espaços (como estão organizadas as funções urbanas e os locais de sociabilidade na rede de deslocações e de que modo influenciam os utilizadores). Assim, a questão da mobilidade não se reduz apenas às deslocações e deve ser entendida como um dos indicadores mais fortes da evolução dos modos de vida na história das cidades (VALENTE, 2008, p.14). Mais importante que estudar o tráfego, é estudar os movimentos e os motivos dos diferentes grupos sociais que compõem a sociedade. Falar de mobilidade, é compreender as novas realidades urbanas e sociais; é incluir nessa representação de fluxos, as formas e modos de ir de um lugar a outro; é saber quem os faz, quais os motivos e quando são feitos; é perceber os novos ritmos de vida que hoje desenham as cidades. (TELES, 2005, p.274)

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A cidade, para além do espaço físico que a caracteriza, é uma imensa construção social, local de exponenciais fontes de informação, múltiplas formas de comunicação, diversidade, oportunidades e infinitas possibilidades. Numa sociedade onde cada pessoa é considerada um ser móvel, a mobilidade está cada vez mais relacionada com os direitos de cidadania e, como tal, a cidade não pode (ou não deveria) ter limites de mobilidade (TELES, 2006, p.115).

O direito á mobilidade, questão que se prende cada vez mais com o direito ao emprego, á habitação, á cultura, á educação, aos divertimentos, á cidade, será sem dúvida um novo conceito de uma nova cultura de mobilidade. Um conceito mais abrangente, onde nele se integrem as exclusões (TELES, 2005, p.67). Só assim mobilidade significará liberdade. Crianças, adolescentes, grávidas, pessoas com carrinhos de bebé, pessoas com sacos de compras, doentes, enfim, todas as idades da vida exteriores á norma dominante – que se presume ser a do cidadão masculino, adulto e saudável – acrescem na listagem dos que, do ponto de vista da mobilidade se podem denominar de excluídos. Estas pessoas representam cerca de 60% da população total. Cidadania, inclusão de direitos, igualdade de oportunidades, democracia participada, são valores inquestionáveis em qualquer sociedade moderna (TELES, 2005, p.246). Ascher (1998, p.117) refere que a nova concepção de mobilidade passa pelo próprio direito á mobilidade: “uma nova cultura de mobilidade, através de novas políticas de urbanismo e dos transportes, através de novas morfologias de cidade e desenho urbano”. Construir sem barreiras, constitui por isso, um imperativo ético e social, traduzindo o respeito pelos valores fundamentais da solidariedade, da liberdade e da equiparação de oportunidades. Uma cidade que não seja acessível não é uma cidade para todos. Só uma cidade acessível é uma cidade verdadeiramente desenvolvida e qualificada. Só assim será uma cidade melhor para todos dela usufruírem, tornando-se numa cidade mais competitiva. (TELES, 2005, p.248)

2.2. A CIDADE, O PEÃO E O AUTOMÓVEL

“Ninguém nega o direito á existência de trânsito rápido como parte integrante da vida urbana. É no entanto a invasão generalizada deste tipo de trânsito, a sua apropriação arrogante de todas as vias de circulação, que nos leva a protestar.” (CULLEN, 2006, p.124)

Através da transformação do território e, principalmente, das grandes cidades, a mobilidade adquiriu não só novas formas, fazendo-se acompanhar de uma constante melhoria dos meios de suporte, mas também novas exigências, que acarretam

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problemas cada vez mais difíceis de resolver. O transporte, em qualquer das suas formas e enquanto movimento no espaço de pessoas e bens, sempre foi um factor determinante e significativo da estrutura urbana. Nas primeiras cidades da história, o transporte interno baseava-se na capacidade humana de andar, o que levou a que essas urbes fossem estruturadas em função das deslocações pedonais, para conveniência e conforto dos peões, resultando numa maior qualidade ao nível da humanização do desenho. Contudo, o advento do transporte motorizado, no início do século XX, veio alterar esta perspectiva, causando uma reestruturação da forma urbana, interpondo a escala do veículo ao desenho urbano e forçando o homem a uma competição desequilibrada pelo espaço urbano. (VALENTE, 2008, p.14)

Ilustração 1 – O salvamento do último peão Fonte: VALENTE, 2008, p.15

“Ao sobrevoarem uma cidade moderna na sua nave espacial, os Marcianos reportaram para o seu planeta, o comportamento dos habitantes da Terra. A espécie dominante, disseram eles, é um organismo metálico de formas rectas, cuja locomoção é feita por quatro rodas ligadas ao corpo principal. Estes organismos são capazes de se mover a grandes velocidades, sempre ao longo de canais próprios, que parecem ser construídos para facilitar a sua deslocação. Alimentam-se não muito frequentemente, em estações próprias, onde um líquido é injectado no seu sistema. Parecem demonstrar grande habilidade no movimento a grandes velocidades, embora muitas vezes avaliem mal as situações, o que dá origem a colisões catastróficas e destruição. Só houve uma dúvida que os Marcianos reportaram para a sua base. Associado a esta espécie de quatro rodas, parece haver outro organismo, uma espécie com duas pernas, que habita nestas criaturas de quatro rodas e que parece ser totalmente parasita” (Moshe Safdie - The City After The Automobile. Estados Unidos da América: BasicBooks, 1997, p.137)7

7 Apud PIEDADE, 2009, p.122

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Esta descrição dá uma ideia de como o automóvel se apoderou das nossas cidades, deixando os peões e toda a vida citadina, para o segundo plano. Apesar das vantagens que trouxe ao nível da mobilidade pessoal, o automóvel, é também o responsável pelas mudanças mais negativas que se verificam na nossa sociedade. Esta situação resultou não só em congestão, poluição e acidentes, mas também na deterioração da qualidade dos espaços públicos, isolando o peão num ambiente limitado de passeios estreitos, reduzindo assim as oportunidades de interacção social e diluindo o ambiente humano. O mar de veículos motorizados prejudicou também a qualidade de vida urbana num dos seus aspectos mais importantes: limitou severamente o direito á livre reunião, a liberdade de se poder parar para conversar, de reunião no exterior, gozando os prazeres do social, uma das razões que levam as pessoas a viver em cidades e não isoladamente. (CULLEN, 2006, p.130)

As deslocações pedonais no espaço público, a sua vivência e as relações sociais que aí têm lugar, estão directamente relacionadas com o ambiente rodoviário, quer no que se prende com a segurança das deslocações, quer no que se refere aos aspectos que atribuem qualidade ao ambiente urbano. Os efeitos do tráfego rodoviário são conhecidos há muito e, em 1981, Don Appleyard8 refere que "o número de interacções sociais numa rua está directamente relacionado com o número de automóveis que por lá passam" e sublinha que "as ruas são o elemento mais importante do ambiente urbano". O conceito de "livable streets", do mesmo autor, considera que as ruas deviam ser desenhadas tendo como principais preocupações a vivência do espaço urbano e as interacções sociais. (IMTT/GPIA, 2011, p.11)

Ilustração 2 – Relação entre as interacções pessoais e os volumes de tráfego automóvel. Fonte: IMTT/GPIA, 2011, p.11

2.2.1. A SOCIEDADE MÓVEL E OS NOVOS RITMOS DE VIDA

Os movimentos de hoje são diferentes dos de ontem e são diferentes dos movimentos de amanhã. As pessoas movimentam-se de diferentes formas hoje em dia. Têm novas

8 Appleyard, D. (1981) - Liveable Streets. Berkeley, Univ. of California Press. Apud IMTT/GPIA, 2011, p.11

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exigências de mobilidade, resultantes de uma longa evolução na mobilidade urbana. Ou seja, existem novos ritmos de vida e são cada vez mais intensos e imprevisíveis. O sistema de mobilidade de pessoas, bens e informação marca profundamente a forma das cidades (TELES, 2005, p.63). Segundo Ascher (1998, p.141), “as cidades têm uma nova diversificação funcional, temporal, espacial, de práticas urbanas num contexto de cidades menos densas e mais polarizadas, introduzindo desta forma novas necessidades em matéria de planificação e regulação.”

Actualmente, a procura de transporte é o reflexo do ritmo e da intensidade das actividades que caracterizam uma sociedade cada vez mais móvel. A mobilidade urbana, em particular a dos espaços metropolitanos, é hoje uma realidade muito diversificada e heterogénea, marcada por uma maior complexidade das cadeias de deslocação diária, fruto da periferização da função residencial, e da desnuclearização das actividades, bem como das novas formas de organização profissional, e dos novos estilos de vida que a sociedade contemporânea despoletou. As distâncias moderadas e a proximidade física perderam pertinência: o bairro, o quarteirão e a rua são cada vez menos o local de compras, do trabalho, das amizades e da família, enquanto que, as mobilidades para o trabalho, para a escola, para o lazer ou para as comprar vêm aumentando substancialmente. Esta crescente separação de origens e destinos desencadeou um alongamento de distâncias a percorrer e, portanto, de maior duração, tornando-se um convite á utilização desmedida do automóvel (TELES, 2006, p.60).

No conjunto de todas estas tendências, encontram-se as principais causas para a diminuição das deslocações pedonais. A prioridade que tem sido dada ao automóvel distorceu o leque de opções relativos á mobilidade urbana, de tal forma que se tornou desconfortável andar a pé, perigoso andar de bicicleta e demorado andar de autocarro. Assim, quem não tem possibilidade de andar de automóvel tem de sujeitar- se a todos os inconvenientes, e a quem tem de utilizar o automóvel não são disponibilizadas alternativas viáveis. Encontramo-nos, sem dúvida, perante um ciclo vicioso que destrói, cada vez mais, a verdadeira essência da cidade. A forma mais correcta de o quebrar será reconhecendo o peão como elemento central na mobilidade urbana e o espaço público como a sua estrutura fundamental. Não está em causa, no entanto, erradicar o automóvel, mas sim conseguir um equilíbrio que assegure, a todos os cidadãos, o direito de escolha. (VALENTE, 2008, p.16)

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É perfeitamente perceptível que as novas dinâmicas hoje introduzidas aos territórios e aos transportes resultantes, em parte, das inovações tecnológicas e de um rápido processo de globalização, incutem novas preocupações, do ponto de vista da mobilidade sustentável. As mobilidades emergentes são pois, novos desafios que o ordenamento do território, enquanto planeamento do uso do solo e dos transportes, terá de responder. (TELES, 2005, p.62)

2.2.2. A NECESSIDADE DE REDUZIR DISTÂNCIAS

“A cidade ideal é aquela na qual a totalidade das funções urbanas estão acessíveis a uma distância confortável e agradável de caminhar.” (TIESDELL et al, 1996, p. 54)9

O fenómeno da motorização modificou as distâncias e comportamentos urbanos, enquanto que a agressividade urbana que se tem feito notar nos últimos tempos levou á desorganização do espaço público, provocando um aumento das barreiras urbanísticas e limitando, assim, o acesso ás cidades. Torna-se fundamental agora construir cidades seguras e acessíveis a todos, onde o desenho urbano seja pensado de forma estratégica e onde predominem as custas distâncias, contribuindo assim para fomentar as deslocações pedonais. (TELES, 2006, p.73)

Uma das medidas principais para devolver a cidade aos peões, passa por desenhar as cidades de tal modo que a marcha a pé seja praticável na maioria das deslocações urbanas necessárias, ou seja, desenhar cidades pedonais, o que significa que os pontos de origem e destino na maioria das viagens urbanas (domicílio, comércio, escola, trabalho, desporto, lazer, etc. se localizam a distâncias praticáveis a pé, algo que ainda se pode encontrar em algumas cidades históricas. Só assim serão possíveis as deslocações a pé, diminuindo a necessidade do transporte individual motorizado e levando a uma tendência do alivio da rede, favorecendo também a utilização de transportes colectivos. (VALENTE, 2008, p.21) Gonçalo Byrne (2004, p.51), reforça a ideia de que é preciso,

“redimensionar os espaços de habitação, a sua articulação e a multiculturalidade e carácter transgeracional, redimensionar os espaço comercial, lúdico e laboral, e fazer cada vez mais da cidade um aglomerado de «pequenas aldeias» (bairros), como ainda existem em tantas delas, em que as grandes deslocações sejam muito mais limitadas e os percursos a pé sejam privilegiados, em que as hipóteses de encontro de pessoas da família, amigos, vizinhos seja maior, em que os serviços de educação, saúde, sociais,

9 TIESDELL, Steven / OC, Taner / HEATH, Tim (1996) - Revitalizing Historic Urban Quarters. Architectural Press, Londres. Apud SEMIÃO, 2008, p.42

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etc, possam articular-se mais facilmente, poderá ser um desafio à nossa capacidade, mas ao mesmo tempo um desafio intelectualmente estimulante, com efeitos práticos de grande mais-valia, e que beneficiará as crianças e adolescentes de uma forma indelével. Há que reconhecer, evidentemente, o que está mal, mas condenar as cidades sem entender onde está o cerne da questão, poderá ser destruir uma das mais maravilhosas construções sociais que a Humanidade alguma vez produziu.”

A hipótese de uma cidade compacta poder contribuir para um ambiente melhor, uma vez que pode contribuir para poupanças de energia em cidades compactas futuras comparadas a situações rurais. As cidades compactas atraem normalmente padrões de mobilidade mais atraentes e que a expectativa de vantagens ambientais está ligada ao facto de que uma cidade compacta comparada com uma estrutura rural apresenta padrões de mobilidade mais variados e em áreas menores, insinuando distâncias de viagens mais curtas. (TELES, 2005, p.74)

Estas ideias associadas à concepção funcional de uma cidade densa e socialmente diversificada onde as actividades económicas e sociais se sobrepõem e onde as comunidades são concentradas em torno de vizinhança, a proximidade ou mesmo a sobreposição dos usos (residência, trabalho, lazer) garantem a diminuição nos deslocamentos automóveis quotidianos. Os dois objectivos básicos são, portanto, reduzir as distâncias e o número de deslocações motorizadas, donde surge a necessidade de encorajar os meios alternativos de deslocação com menos impacte ambiental, onde se encontram os meios mecânicos de apoio á deslocação pedonal. (TELES, 2005, p.83)

2.3. HUMANIZAR A CIDADE: A CIDADE ‘LUGAR’

“Não só é necessário definir formalmente o domínio público, como este deve ser animado pelas pessoas: os espaços tornam-se lugares através da sua utilização”. (TIESDELL et al, 1996, p.58)10

A especialização e a segregação de funções, a rapidíssima expansão descontrolada das áreas urbanas e o uso intensivo do automóvel tiveram um papel preponderante, no processo de degradação do meio ambiente urbano. Este processo tem-se traduzido na prática por um desequilíbrio da ecologia da rua, entendida como um sistema de interacção complexa e de influências reciprocas entre as funções da rua, as actividades que nela se realizam, os indivíduos e as comunidades. São sintomas do desequilíbrio na forma como esta interacção se processa as características do uso da

10 TIESDELL, Steven / OC, Taner / HEATH, Tim (1996) - Revitalizing Historic Urban Quarters. Architectural Press, Londres. Apud SEMIÃO, 2008, p.42

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rua, ao longo do dia pelos peões, pelos residentes e pelos diferentes tipos de veículos, de que são indicadores aspectos como a ocupação do espaço na rua e o tráfego. (MENEZES; FARINHA, 1983, p.8)

O melhoramento significativo do meio ambiente e da qualidade de vida nas cidades implica a recuperação do equilíbrio ecológico da rua. É importante que a rua deixe de ser um canal de passagem para ser um espaço com funções essenciais de convívio, recreio e interacção social, com um papel relevante na promoção de uma maior vitalidade urbana. Torna-se assim importante atenuar a intensidade de trafego automóvel para vitalizar as cidades e diminuir as vantagens de conviver nas zonas centrais, ligadas á falta de espaços livres e de recreio, á poluição sonora e atmosférica intensa. Considerando que houve, ao longo deste século, uma adaptação constante da cidade ao automóvel, a renovação urbana aparece assim como um readaptar da cidade ao homem. (MENEZES; FARINHA, 1983, p.9)

E nesta matéria há que afirmar que os peões têm de ter ou têm de recuperar o direito de cidade. E como exemplo de um tal urbanismo, aliás tantas vezes quase ao exclusivo serviço do automóvel, cita-se o Arq. Manuel Tainha (2000, p.34) na sua definição do conjunto de Chelas, em Lisboa, “como uma zona sombria” e “um território dilacerado”. E é o mesmo projectista que afirma ser

“preciso afrontar isso com coragem e imaginação. Socorrendo-se de quem? Não sei. Dos urbanistas e dos poetas. Seja de quem for. O que está a acontecer em Chelas é um caso paradigmático. As pessoas vivem nos interstícios das grandes vias e o automóvel é soberano na cidade. As áreas residenciais são áreas residuais entre os sistemas de circulação.”

Importa sublinhar que nestas urgentes acções de re-humanização da cidade e de controlo daquilo que já designado como a “praga automóvel”, há que privilegiar as estruturas de acessibilidade amigas do peão e do ambiente e geradoras de agradabilidade numa estratégia na promoção da qualidade, da vitalidade e das fundamentais sequências de espaços públicos urbanos estimulantes. Há que interiorizar que as praças, as pracetas e as ruas citadinas são as salas e os corredores da cidade e são elementos protagonistas da humanização e da segurança em meio urbano. (COELHO, 2007)

“A maioria das nossas cidades tem perdido a escala que seria mais adequada à sua fruição enquanto espaço, arquitectura, urbanismo e coreografia, porque a medida do

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cidadão pedestre – que deveria ser a medida reguladora das cidades – tem sido preterida em favor do automóvel, actual meio prioritário de ocupação da cidade... Neste sentido, seria desejável que a cidade voltasse a ter como medidas de planeamento o peão e o utente do transporte público. Tal corresponderia, segundo penso, a uma ligação mais epidérmica com o espaço, à possibilidade de se instalar durabilidade no tempo de gozo da cidade.” (António Pinto Ribeiro, 2004, p.18)11

Os esquemas pedonais devem encorajar o desenvolvimento de actividades sociais e recreativas na via pública, que permitam às pessoas parar e absorver um pouco da identidade do lugar. É necessário restaurar as funções elementares da rua. Ao contrário das vias motorizadas, fluidas e impessoais, são os percursos pedonais, agradáveis e ágeis, que conferem á cidade a sua dimensão humana. (CULLEN, 2006, p.56)

2.4. MOBILIDADE PEDONAL

“Considerada como uma forma de deslocação pouco exigente em infra-estruturas, a deslocação a pé foi durante muito tempo negligenciada nos estudos de transportes. Sem planos de circulação até aos anos 70 o peão contenta-se com os espaços deixados livres pela circulação motorizada e pelo estacionamento. Pouco a pouco tem vindo a desenhar-se uma tendência que visa uma redistribuição mais equilibrada do espaço público, nomeadamente a favor do peão.” (Pita, 2003, p. 31)

Nas cidades de outrora, planeadas e construídas de forma coerente com a escala humana, andar a pé era a forma de locomoção mais corrente. Actualmente, estes locais são resultado das sucessivas intervenções urbanas que procuraram responder às novas exigências da era motorizada, responsável pela deterioração dos espaços urbanos e da qualidade de vida urbana. Contudo, muitas cidades têm desenvolvido programas de revitalização para os seus centros urbanos, com o objectivo de promover a mobilidade pedonal nestes locais como forma de criar espaços urbanos mais humanos e agradáveis. Neste contexto, é necessário compreender as características do indivíduo e a natureza das viagens pedonais em meio urbano. Como qualquer outro modo de transporte, a problemática da mobilidade pedonal insere-se numa perspectiva de sistema, entre as necessidades de deslocação satisfeitas pela marcha a pé – procura – e o conjunto de infra-estruturas e sistemas de apoio ao movimento de peões – oferta – que determinam diferentes padrões de mobilidade. (SEMIÃO, 2008, p.5)

11 António Pinto Ribeiro (2004) – Abrigos: condições das cidades e energia das culturas. Lisboa, Livros Cotovia. Apud COELHO, 2007

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Todas as viagens, independentemente da sua origem e destino têm como início e fim uma deslocação pedonal. Para além de se tratar de uma actividade saudável, a deslocação pedonal deve ser encarada como a melhor forma para percorrer curtas distâncias dentro das cidades, sendo ainda o mais sustentável de todos os transportes. (MAGALHÃES, 2010, p.7)

Apesar dos obstáculos colocados aos peões como resultado do intenso processo de motorização das cidades nas últimas décadas, tem-se verificado um aumento generalizado dos fluxos pedonais de tal forma, que andar a pé apresenta-se actualmente como o segundo modo de transporte mais usado em algumas cidades e metrópoles europeias. (TELES, 2006, p.64)

Ilustração 3 – Gráfico comparativo da vocação dos modos de transporte em função da distância Fonte: MAGALHÃES, 2010, p.8

Nas viagens até 1.5 quilómetros a marcha a pé pode, dependendo das circunstâncias, rivalizar directamente com a bicicleta, o automóvel e o transporte público, como mostra a ilustração 3. Contudo, existem um conjunto de aspectos que podem condicionar e determinar as características das viagens a pé: motivo da viagem, variáveis pessoais do peão, modos de transporte associados á viagem, e características do percurso. O esforço físico, conforto e segurança do peão são influenciados pelo percurso a percorrer e as infra-estruturas existentes, pelo que estas têm um papel importante na marcha a pé. Entre as características mais importantes encontram-se a tipologia do terreno, a distância a percorrer, os desvios e passagens desniveladas, os atrasos provocados por obstáculos, os conflitos com trafego rodoviário, a paisagem, a protecção relativamente a condições atmosféricas adversas e a segurança. Também as actividades proporcionadas no espaço envolvente ao percurso em que o peão se desloca são um factor que influencia fortemente o padrão e a geração das viagens a

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pé em articulação com o motivo da viagem. As viagens a pé encontram-se muito dependentes de equipamentos e serviços, que para além de motivarem as deslocações, determinam a forma como a procura varia ao longo do espaço e do tempo. (MAGALHÃES, 2010, p.7)

As exigências relativas a deslocações pedonais no espaço público e no meio rodoviário só serão cumpridas de forma satisfatória se existirem espaços especialmente concebidos para os peões, que respondam às suas necessidades e que garantam a sua integração com a circulação automóvel. Para que tais condições sejam criadas, é fundamental compreender dois aspectos: por um lado, quem são os peões e o que esperam dos espaços onde efectuam a sua actividade principal (andar), assim como todas as outras que lhe estão associadas; e por outro, definir as qualidades do ambiente urbano que os peões consideram mais significativas e valiosas e que, para eles, podem funcionar como um apelo. (VALENTE, 2008, p.18)

2.4.1. O PEÃO, ELEMENTO CENTRAL NA MOBILIDADE URBANA

“Walking is some of man’s most magnificent abilities, a vital factor in his long journey up the evolutionary ladder and his progress towards civilization.” (John J. Fruin, 1987, p.1)12

Além de ser considerado um factor importante para a saúde das pessoas, andar a pé pode ainda ser visto como o melhor meio de transporte para percorrer curtas distâncias no interior das cidades, bem como o mais sustentável. Com efeito, a marcha a pé reúne todas as qualidades desejáveis num meio de transporte: possibilita uma grande liberdade de movimentos, permitindo a utilização de percursos muito variados, com facilidade para mudanças de direcção e de velocidade, paragens ou transposição de declives; o consumo de espaço é reduzido, comparativamente com outros sistemas de transportes; e as exigências relativamente a infra-estruturas são bastante modestas, devido á versatilidade de adaptação do peão a todos os percursos e às suas dimensões e peso ligeiro. As principais limitações deste modo de transporte estão relacionadas com a sua velocidade, o que leva a que também o seu alcance ou raio de acção seja reduzido. Ainda assim as deslocações pedonais permitem satisfazer o conjunto de necessidades básicas de modalidade das populações, para além de serem a melhor forma de interligação entre os vários sistemas de transporte.

12 FRUIN, John - Pedestrians, Planning and Design. Word, Inc., 1987. Apud VALENTE, 2008, p.17

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Não obstante as repercussões muito positivas associadas á mobilidade e aos transportes, andar a pé é também o melhor modo para participar em muitas actividades sociais e económicas, sendo a forma mais directa de aceder ao comércio e de se criarem relações comerciais. O modo de transporte pedonal é portanto, especialmente apropriado em zonas centrais e comerciais, onde as viagens são, de um modo geral, relativamente curtas. (VALENTE, 2008, p.17)

No sistema rodoviário e de acordo com Pita (2003, p. 19),

“ (…) o peão é considerado qualquer pessoa que se desloque recorrendo apenas à marcha a pé, sem utilizar qualquer modo motorizado e independentemente do local em que se movimenta. Na sua marcha pode ter o apoio pontual de meios mecânicos, como escadas e passadeiras mecânicas ou elevadores”.

O estatuto de universalidade do peão – somos todos peões – confere uma importância à deslocação pedonal que não pode ser desprezada. Todas as viagens incluem sempre, de forma simples ou conjugada com outros modos de deslocação, um trajecto a pé. (IMTT/GPIA, 2011, p.1)

Ilustração 4 – Diferentes tipos de peões Fonte: VALENTE, 2008, p.18

Apesar de caminhar ser um acto garantido para a maioria das pessoas, não o é para aquelas que têm a sua mobilidade reduzida, seja de forma permanente ou temporária. Os peões são um grupo heterogéneo, existindo indivíduos particularmente vulneráveis às condicionantes urbanas. As crianças, os idosos e os transeuntes com mobilidade condicionada, não têm a mesma performance física e psicológica dos peões comuns, constituindo uma dificuldade acrescida para a sua integração no meio urbano. (SEMIÃO, 2008, p.9)

As barreiras urbanísticas, as rupturas das continuidades dos percursos, a insensibilidade na colocação do mobiliário urbano, os estacionamentos abusivos são, entre outros, sinais de cultura menor, semiperiférica e anacrónica. É neste contexto, que desenhar as cidades sem barreiras, livres de obstáculos, é bom para todos, introduz patamares de segurança e conforto e permite a sustentabilidade ao longo das

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gerações futuras. Uma cidade acessível é uma cidade mais competitiva. (TELES, 2009, p.17)

De acordo com o CEA (2003)13, a acessibilidade é a característica de um meio físico ou de um objecto que permite a interacção de todas as pessoas com esse meio físico ou objecto e a utilização destes de uma forma equilibrada, respeitadora e segura. Isto significa igualdade de oportunidades para todos os utilizadores ou utentes, quaisquer que sejam as suas capacidades, antecedentes culturais ou lugar de residência no âmbito do exercício de todas as actividades que integram o seu desenvolvimento social ou individual. Um dos principais desafios da deslocação pedonal prende-se com a promoção e a garantia da plena acessibilidade a todos os cidadãos. (IMTT/GPIA, 2011, p.1)

Dentro da cidade, o espaço público surge como o palco de todas as mobilidades, a forma de ir de um local a outro, pelo que representa a mais importante estrutura das acessibilidades. Vários autores alegam que “a cidade é o espaço público”. Esta plataforma física de suporte de mobilidades é indispensável à formação de territórios sociais inclusivos. (TELES, 2009, p.18)

2.4.2. O ESPAÇO PÚBLICO COMO INFRA-ESTRUTURA

“O espaço público é a estrutura da própria cidade.” (Nuno Portas, 2006)14

Muitas cidades apresentam-se desestruturantes e, em certo sentido, desconstruídas, porque abdicaram da unidade que lhes poderia ser conferida através do espaço público. Os processos de planeamento urbano constituem instrumentos fundamentais para a coesão territorial e o espaço público surge como o seu elemento estruturante, verificando-se a necessidade de o planear no sentido da coesão territorial. Dada a sua génese e potencialidades, o espaço público permite a conexão e coerência do tecido urbano, constituindo-se como um valioso instrumento de coesão territorial, nas suas diversas dimensões (continuidade – formal e ambiental, mobilidade/acessibilidade, visibilidade, multifuncionalidade, social e económica). (PINTO, 2009, p.150)

O espaço público, devido à sua abrangente natureza (dimensão, vocações, localização, tipologia, entre outros), tem um papel determinante na definição da forma

13 Conceito Europeu de Acessibilidade, 2003, in http://www.eca.lu 14 Opinião do Arquitecto Nuno Portas, recolhida em conferência realizada em Lisboa, no LNEC, em 5 de Junho de 2006, sobre o tema “Humanização e utilização do espaço público”. Apud MENEZES, 2008, p.8

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e da silhueta urbana e respectivas ligações, constituindo-se assim como um instrumento operativo de coesão territorial no que diz respeito à continuidade formal e ambiental, à mobilidade/acessibilidade no espaço urbano e à visibilidade da cidade, permitindo conferir coerência à forma do tecido urbano, promovendo a interligação das malhas, bem como a continuidade das redes urbanas (eixos viários estruturantes, outras infra-estruturas, estrutura ecológica, espaços verdes, entre outros). O facto de que a finalidade última do espaço público ser o seu usufruto por parte da população, bem como a satisfação das suas necessidades e expectativas a este nível, vem justificar as funções de coesão territorial nas dimensões social, económica e de multi- funcionalidade do mesmo. Neste sentido, o espaço público, (que reflecte o sistema de relações sociais e culturais do espaço urbano em que se insere), promove a sua apropriação e sentimento de pertença por parte da população, contribuindo para a formação do carácter identitário de um território. Refira-se ainda que o espaço público, quando bem programado e adaptado ao local em que se insere e à comunidade que pretende servir, pode contribuir fortemente para minimizar fenómenos de exclusão social (que tanto afectam as cidades actuais), através das dinâmicas de utilização que nele se geram. (PINTO, 2009, p.150)

2.4.3. CRITÉRIOS DE QUALIDADE DO ESPAÇO PÚBLICO PEDONAL

A construção da cidade implica que os seus percursos possam realizar-se em condições adequadas, pelo que é conveniente desenvolver uma rede que articule os espaços urbanos de referência (parque, praças, jardins) que, actualmente funcionam como ilhas de qualidade no meio de um mar de trânsito, e que assegure as conexões entre os grandes geradores de deslocações. (VALENTE, 2008, p.21) Daí que seja fundamental investir e assegurar uma rede pedonal, a mais abrangente possível, e que leve o peão a sentir-se seguro e confortável, uma vez que é essa rede que transforma a cidade numa estrutura transitável, ligando os diversos locais através de pontes, pavimentos, degraus, ou quaisquer outros elementos de conexão que permitam manter a sua continuidade e acessibilidade. (CULLEN, 2006, p.56) Os percursos pedonais devem então ser encarados como infra-estruturas, eixos estruturantes de uma cidade pedonal com exigências específicas, onde é importante conseguir um ambiente de qualidade, que os torne confortáveis e atractivos, para além de eficientes e seguros. As infra-estruturas pedonais devem ser capazes de satisfazer as necessidades dos seus utilizadores garantindo os objectivos gerais de segurança, rapidez e comodidade. Devem procurar a máxima segregação entre os sistemas

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viários e pedonal, ainda que a segregação total não seja possível, há que garantir, pelo menos, uma interligação coerente da infra-estrutura pedonal. A ligação com outros modos de transporte deve ser assegurada da melhor forma possível, evitando desconfortos ou percursos difíceis. Para que o ambiente pedonal seja considerado bem sucedido, não só tem de ser capaz de acomodar utilizadores cuja idade, capacidade, experiencia, ou compreensão varie consideravelmente, como também tem de facilitar todas as actividades pedonais, recreativas e sociais. (MAGALHÃES, 2010, p.12)

De um modo geral os espaços pedonais devem cumprir uma série de critérios de qualidade: devem ser funcionais, ou seja, fazer a ligação entre os principais focos geradores de viagens, sem obrigar a desvios ou esperar desnecessárias, assegurando as ligações pedonais a outros modos de transporte; devem ser seguros, não só no que diz respeito á interacção entre veículos e peões, mas também em relação a comportamento anti-sociais; devem também ser confortáveis, não só para andar mas também para estar, dispondo de declives moderados, por exemplo; e devem ainda ser atractivos, promovendo o desenvolvimento de actividades e serviços variados, quer através das vistas e panoramas que proporcione. Além disso, uma localização apropriada e acessibilidade adequada são factores chave para o sucesso ou fracasso de uma área pedonal. A localização deve ser numa zona com potencial e vitalidade suficiente e que seja acessível por outro modo que não exclusivamente a pé, mediante a criação de estacionamento nas imediações e a intensificação dos transportes públicos de acesso a essa área, em conjunto com a implantação de áreas de restrição ao tráfego automóvel. A qualidade dos espaços pedonais está assim, estreitamente relacionada com as suas possibilidades de mobilidade, de troca e de relacionamento. (MENEZES; FARINHA, 1983, p.14)

As áreas pedonais têm sido implantadas, geralmente, nas zonas centrais das cidades, o que se deve, fundamentalmente, a duas razões: por um lado, é nestas zonas que normalmente a deterioração do meio urbano é mais grave, devido não só a segregação progressiva de funções, mas também porque é aí que o tráfego automóvel é mais intenso, provocando mais conflitos e incómodos; por outro, são estas zonas que, pela sua localização, têm frequentemente uma maior potencialidade de atracção de pessoas e actividades e onde, portanto, se torna viável promover uma maior vitalização do quotidiano urbano. (MENEZES; FARINHA, 1983, p.11)

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É certo que cada cidade é um caso que necessita de ser estudado, para que assim sejam encontradas as soluções mais adequadas. Como é natural, o estabelecimento de uma cidade pedonal acontecerá mais facilmente em áreas em desenvolvimento, onde a questão da distância a pé ou o traçado de percursos pedonais adequados pode introduzir-se como um critério desde o inicio. Mais complicado é guiar peões em zonas consolidadas e históricas. Para tal, é necessário promover programas especiais de intervenção que favoreçam a marcha a pé e que podem englobar diversos tipos de acções, desde melhorar as redes de percursos pedonais relativamente às redes viárias, até á utilização pontual de sistemas mecânicos de apoio ao peão. É sobre estes últimos que o desenvolvimento do trabalho irá incidir. (VALENTE, 2008, p.22)

2.5. O USO DOS MEIOS MECÂNICOS NAS DESLOCAÇÕES PEDONAIS

“Conectar espaços com equipamentos mecânicos faz parte do imaginário da cidade do século XX. (…) Circular por meios mecânicos parece indicar a optimização dos caminhos, buscando configurar a menor e mais veloz distância entre pontos. (…) Muito distinto de caminhar no rés-do-chão, possibilita apreensões de paisagem distintas. (…) Reconstroem-se olhares sobre a paisagem, o percurso faz-se como que apalpando ou tacteando os objectos antes de abraça-los. (…) Trata-se de corpos mecânicos que conectam espaços e redesenham as suas relações, constituem de certo modo uma importante transformação em relação á compreensão de uma simples operação de deslocamento entre dois pontos. (…) Numa civilização em que a velocidade e a eficiência de deslocamentos e conexões são tidos como valor, como devolver a mágica das viagens? Não apenas como deslocamento eficiente, mas como o desafio daquilo que no deslocamento amplia as possibilidades do imprevisto e o encanto que as cidades podem ter. E assim redefinir o desejo da viagem. Não aquela que nos mantem previsivelmente no mesmo lugar, ainda que percorrendo diferentes territórios, mas aquela que devolve a possibilidade de apreensões imprevistas, inusitados que constroem uma outra paisagem sobre a paisagem dada. (…)” (BÒGEA, 2007, p.121)

A marcha a pé apresenta uma série de vantagens e limitações que não se podem ignorar. Pretendendo-se que este seja o modo de transporte por excelência para curtas distâncias nas cidades, por todas as razões já mencionadas, é necessário torná-lo mais apelativo, expedito e prático. É por isso fundamental introduzir pontualmente na cidade meios mecânicos vocacionados para melhorar a circulação pedonal, especialmente em cidades de orografia muito desfavorável, entre os quais estão as escadas e tapetes rolantes, os elevadores e funiculares e o teleférico. (MAGALHÃES, 2010, p.17)

Este tipo de deslocação apresenta uma enorme dependência relativamente aos caprichos da natureza, nomeadamente no que diz respeito á orografia, ou seja, ao

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declive dos terrenos sobre os quais as cidades se desenvolvem. Os percursos pedonais assentes sobre declives acentuados tornam-se pouco apelativos, uma vez que são morosos, difíceis de percorrer e demasiado cansativos. A implementação de sistemas de apoio á mobilidade pedonal, nomeadamente os meios mecânicos, encontra-se associada a novas formas de pensar e promover as cidades, apostando na densificação e expansão de redes pedonais urbanas, especialmente úteis em casos de orografia desfavorável. (MAGALHÃES, 2010, p.18)

2.5.1. OS MEIOS DE TRANSPORTE PARA CURTAS DISTÂNCIAS

Os centros históricos das cidades europeias, cuja estrutura urbana foi pensada em função das deslocações pedonais, apresentam actualmente alguma fragilidade na articulação entre a rede viária e a pedonal devido á utilização intensiva e desajustada do automóvel. Torna-se imperativo encontrar um equilíbrio entre aquilo que é a preservação do centro histórico da cidade e o desenvolvimento urbano necessário para promover a vivência dentro desta, articulando da melhor forma possível os vários modos de deslocação. São variadíssimos os exemplos de cidades europeias assentes em orografia pronunciada, difíceis de percorrer a pé sem o auxílio de meios mecânicos. O desenvolvimento tecnológico e o uso do engenho tornaram possível o aparecimento de soluções que visam auxiliar a marcha a pé em zonas de declives acentuados. (MAGALHÃES, 2010, p.25)

A utilização deste tipo de transporte justifica-se em três situações distintas: para deslocações em meio urbanos onde existam fluxos significativos de pessoas as efectuar pequenas deslocações; como complemente aos transportes públicos, permitindo que os passageiros efectuem uma transição rápida e cómoda entre transportes/espaços; e ainda, na articulação de espaços urbanos plurifuncionais cuja dimensão geográfica é, por um lado, demasiado pequena para que a circulação pedonal. (VALENTE, 2008, p.24)

A melhor forma de dar prioridade ao peão e incentivar a circulação pedonal nos centros urbanos passa por facilitar, principalmente, as deslocações de curta distancia (de 400 a 2000 metros). Os meios mecânicos de apoio á deslocação pedonal apresentam as melhores performances (velocidade, capacidade, custo para deslocações de curta distância e podem servir quer de apoio á intermodalidade, fazendo a ligação entre modos de transporte desconectados, quer de apoio e incentivo

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á circulação pedonal, vencendo obstáculos físicos que dificultam essa circulação. A implementação de meios mecânicos enquadra-se sempre em estratégias de optimização dos transportes públicos ou de incentivo á circulação pedonal em áreas de onde se pretende afastar o transporte individual. Assim, é necessário entende-los como modos de transporte excepcionais que resolvem problemas particulares em ambientes específicos, e não como substitutos da marcha a pé. (VALENTE, 2008, p.23)

A utilização destes sistemas está associada a novas formas de pensar e fazer cidade, permitindo a expansão das redes pedonais, e é extramente favorável principalmente em cidades declivosas, sendo uma solução já adoptada como modelo em várias cidades europeias. (Ver Anexo A)15

O leque de transportes deste tipo é bastante variado, por isso apenas serão tidos em conta os mais utilizados em meio urbano para assistir os peões na sua marcha: tapete e escadas rolantes, elevador e funicular, e teleférico. Como se pode observar na Tabela 1, estes meios de transporte apresentam características em comum, mas também particularidades que os distinguem.

Tabela 1 _ Caracterização dos meios de transporte para curtas distâncias

Meio de Características gerais Características Vantagens Transporte técnicas Velocidade média: 0.50 a 0.60 m/s Vocacionado para transporte Capacidade: Tapete de passageiros em curtas 6000 a 12000 pass/h Rolante distâncias em movimentos (consoante a largura) planos ou oblíquos. Permite um maior conforto nas Largura: deslocações pedonais, 0.80, 1.00 e 1.20m reduzindo o esforço dos peões. Velocidade média:

0.50 a 0.70 m/s

Vocacionado para transporte Capacidade: Capacidade para movimentar Escada de passageiros em curtas 6000 a 8000 pass/h grandes fluxos, sem intervalos Rolante distâncias em movimentos (consoante a largura) de espera. oblíquos, vencendo desníveis que podem atingir Largura: os 40%. 0.80, 1.00 e 1.20m Velocidade média: 12 m/s Grandes vantagens ao nível da segurança, funcionalidade, Capacidade: Vocacionado para capacidade de transporte e da 20 a 40 lugares Funicular movimentos oblíquos e para sua adaptação a zonas vencer grandes diferenças Desníveis : urbanas como a zonas de nível, sendo uma declivosas ou montanhosas,

15 Anexo A: Tapetes rolantes do centro histórico de Vitória-Gasteiz; Tapetes rolantes da Calle El Cristo, Bilbau; Escalera de La Granja, Toledo; Percurso pedonal mecanizado Piazza Partigiani – Piazza Itália, Perugia, Itália; Escadas rolantes para o Parque Guell, Barcelona; Funicular do Castelo, Liubliana, Eslovénia; Funicular de Monmartre, Paris, França; Funicular de Artxanda, Bilbau, Espanha; Elevador do Paseo del Óvalo, Teruel; Torre de Elevador e Escritórios, Cartagena, Espanha; Teleférico de Grenoble-Bastille, Grenobre; Teleférico de Montjuic, Barcelona.

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alternativa aos eléctricos. 10 a 100% permitindo fazer a ligação entre ambas. Comprimento máximo da linha: 2400 m Velocidade média: Permitiu o denso crescimento Particularmente vocacionado 0.60 a 1.00 m/s em altura nos edifícios dos para movimentos verticais. centros urbanos modernos, a Capacidade: Elevador Representa uma das partir de meados do século 500 a 800 pass/h primeiras formas mecânicas XIX. para o movimento de Velocidade máxima: pessoas e bens. 2.50 m/s Vence grandes desníveis rapidamente. Vocacionado para distâncias Independência face aos Teleférico longas entre dois pontos que Variáveis obstáculos. apresentam entre si apreciável diferença de Atractivo turístico em virtude nível, até 70%. dos panoramas que proporciona.

Fonte: VALENTE, 2008, p.25; MAGALHÃES, 2010, p.20

Na presente dissertação serão apenas estudados os meios mecânicos mais utilizados em Portugal em ambiente urbano para assistir os peões na sua marcha: os elevadores e os ascensores e funiculares. Os centenários, realizados entre final do século XIX e início do século XX, pela mão do engenheiro Raul Mesnier du Ponsard, e os realizados mais recentemente, em iniciativas diversas, frequentemente pela mão de arquitectos.

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3. ELEVADORES, ASCENSORES E FUNICULARES DE PORTUGAL: UM PARADIGMA DA MOBILIDADE NO FINAL DO SÉCULO XIX

Não se pode dizer que a vida seja fácil nas zonas acidentadas. É certo que os horizontes magníficos de que muitas vezes desfrutamos, o romantismo das colinas, a ausência de monotonia, por tão depressa se andar a subir como a descer, são aspectos que normalmente mexem com a sensibilidade de quem vive ou utiliza esses lugares. Há no entanto aqueles que, talvez a maioria, devido á idade, a problemas de saúde ou apenas por serem comodistas, sempre sonharam que um dia havia de aparecer um invento capaz de lhes amenizar os padecimentos provocados pelas temíveis diferenças de nível. Esse invento acabou mesmo por surgir, baptizado com vários e apropriados nomes, tais como elevadores mecânicos, elevadores funiculares, planos inclinados, ou simplesmente, ascensores.

A história dos elevadores públicos que desde 1882, se construíram em Portugal, é uma história centenária em alguns casos, fugaz noutros, frequentemente atribulada. Se cabe a Braga a honra de ter sido a primeira cidade da Península Ibérica a possuir o seu elevador, vendo assim facilitado o acesso ao concorrido Bom Jesus, foi na cidade das Sete Colinas que se vulgarizou este meio de deslocação providencial para curtos mas íngremes percursos. Com efeito, entre 1884 e 1902, construíram-se em Lisboa nove elevadores históricos, mantendo-se ainda hoje em funcionamento os da Lavra, da Glória, da Bica e de Santa Justa, verdadeiros ex-libris da capital. Para os lisboetas, além de preciosos meios de transporte, são um património afectivo, cheio de simbolismo, de história e de tradição. Objectos que despertam a curiosidade geral e constituem motivo de atracão turística, tanto pela forma e estrutura originais como pela localização privilegiada e percurso pitoresco que realizam, os elevadores – os existentes e aqueles de que hoje só resta a lembrança – fazem parte da memória, da vida e da cultura do país.

3.1. DESAMBIGUAÇÃO

Foram quinze os dispositivos criados em Portugal com a designação de ascensor ou de elevador, termos utilizados com alguma arbitrariedade naquela época (século XIX). Regra geral, ao termo elevador correspondiam equipamentos de trajecto vertical, reservando-se o termo ascensor para os dispositivos cujo serviço de transporte se processava em percursos inclinados.

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Segundo João Firmino da Costa (2008, p.16), os substantivos ascensor e elevador têm significado idêntico. Na época em análise, ambos eram utilizados com alguma arbitrariedade para referir os veículos destinados a vencer desníveis. No entanto, outros termos ou expressões eram então também utilizados com significado afim, como funicular, plano inclinado e tramway-cabo, pelo que se torna necessário um esclarecimento prévio sobre cada um deles. O sistema funicular caracteriza-se pela utilização de uma corda ou de um cabo que, accionado por acção de força exterior, faz deslocar os veículos a ele agarrados. O plano inclinado caracteriza uma superfície que forma um ângulo obtuso relativamente a um plano horizontal. Se ali funcionar um mecanismo de cabos accionados por força externa, é sinónimo de funicular. O tramway-cabo é um sistema que utiliza uma linha férrea urbana onde rodam carros movidos por meio de um cabo sem-fim. São também, por isso, linhas funiculares, mas não circulam necessariamente em planos inclinados. Em todo o caso, nenhuma destas palavras ou expressões foi utilizada para nomear equipamentos verticais, apesar destes também utilizarem cabos. Na Lisboa do final de oitocentos, todas aquelas designações eram utilizadas para referir sistemas de funcionamento de dispositivos que, uma vez construídos, adquiriam o nome de ascensores. Assim, aos engenhos verticais chamam-se elevadores e sob a designação de ascensores consideram-se os equipamentos que funcionam quer pelo sistema funicular quer pelo sistema de tramway-cabo, este circulando tanto em percursos inclinados como horizontais, aquele exclusivamente em trajectos oblíquos.

3.2. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: O FERRO E O VIDRO

Na segunda metade do século XIX, a arquitectura europeia, pelo menos aquela que na época se considerava a verdadeira arquitectura, isto é, aquela que era ensinada nas escolas de Belas Artes, evoluíra segundo a estética romântica, explorando os estilos históricos ou revivalistas e os eclectismos até finais do século. Os programas de ensino defendiam que a arquitectura artística devia preocupar-se fundamentalmente com as questões formais e estéticas da edificação. Por meados do século, o arquitecto alemão Friedrich Schinkel16 escrevia: “Ao desenvolver uma ideia para uma determinada obra […] se partir da finalidade trivial, imediata e puramente construtiva […], obviamente surgira algo seco e rígido, falho de liberdade e carente de dois factores essenciais em

16 Karl Friedrich Schinkel (1781-1941) foi um pintor, urbanista e o mais notável arquitecto do neoclassicismo na Prússia. Após a derrota de Napoleão, Schinkel supervisionou da comissão de construção prussiana, quando foi responsável pela reforma da cidade de Berlim para transformá-la numa capital representativa para a Prússia, além de supervisionar os projectos dos territórios aonde ela se havia expandido.

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arquitectura: o histórico e o poético!”17 Colocando-se numa posição de dúvida e rejeição em relação às potencialidades estéticas dos modernos materiais e seus sistemas construtivos, os arquitectos deste período perderam a oportunidade de se modernizarem, acompanhando o seu tempo, tanto mais que, apesar da variedade de estilos e formas que experimentaram, jamais conseguiram uma arquitectura de espírito próprio, isto é, totalmente inovadora. Essa inovação haveria de ser ensaiada e concretizada por outro tipo de profissionais, os engenheiros, e noutros ramos construtivos, os das obras públicas ou meramente utilitárias. (PINTO et al., 2004, p.68)

Com efeito, o século XIX, tendo sido o século da explosão demográfica, da industrialização, dos transportes e do crescimento urbano, lançou novos e estimulantes desafios no campo da construção. A expansão da economia industrial e capitalista trouxe consigo a necessidade de implantação de novas infra-estruturas materiais para a produção e para o transporte, como fábricas, armazéns, estufas, silos, gares de caminho-de-ferro, alfândegas, mercados, pontes, pavilhões temporários para exposições, entre outros. Os criadores dessas novas tipologias foram os engenheiros. Profissionais novos, saídos do ensino moderno e actualizado das Escolas Politécnicas, os engenheiros eram portadores de uma maior preparação técnica e cientifica que os capacitou para utilizar, de modo inventivo, as potencialidades que a época lhes oferecia, como a aplicação de saberes científicos obtidos no ramo da física mecânica, da resistência e comportamento dos materiais, da geometria, da matemática; bem como a utilização de novos equipamentos e maquinarias, e novos meios construtivos; e ainda o aproveitamento de novos materiais, produzidos industrialmente e por isso mais baratos, como o tijolo cozido, o ferro e o vidro, até meados do século e, posteriormente, também o aço, o cimento armado e o betão. A todas estas condições juntaram uma visão mais pragmática, mais racionalista e funcionalista, em relação às construções. (PINTO et al., 2004, p.70)

O primeiro passo para a aceitação destes materiais e dos seus sistemas construtivos foi dado por Joseph Paxton18 com a construção do Palácio de Cristal, o pavilhão que albergou a 1ª Exposição Mundial, em Londres, em 1851. Empregando ferro e vidro em módulos estandardizados19, pré-fabricados e apenas montados no local da

17 Apud PINTO et al, 2004, p.67 18 Joseph Paxton (1803-1865) foi um arquitecto inglês, inicialmente actuando como jardineiro e construtor de estufas, conhecido por projectar o Palácio de Cristal para a Grande Exposição de Londres em 1851. 19 Estandardização designa um processo de produção que permite a factura em massa de determinados objectos. Produção em série. A estandardização tornou-se possível na Idade Moderna pela divisão social da produção e pelo aumento do mercado de consumo devido ao crescimento económico. Por outro lado, caracterizou-se este

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construção, Paxton conseguiu erguer um enorme pavilhão em apenas 6 meses, com enorme economia de mão-de-obra e de gastos, já que ao baixo preço dos materiais se teria de somar o facto de poderem ser totalmente recuperáveis e reutilizáveis noutras ocasiões. Mas o Palácio de Cristal não foi apenas um sucesso construtivo, foi igualmente, um sucesso estético. Com as suas estruturas metálicas pintadas de azul e vermelho e as paredes formadas por amplas e contínuas vidraças transparentes, o pavilhão encantou os seus seis milhões de visitantes pela luminosidade do seu interior, impondo uma estética nova. Comprovando a crescente popularidade destas construções, assistiu-se na segunda metade do século XIX, ao aparecimento de inúmeros outros edifícios em ferro e vidro, como mercados municipais, galerias comerciais, fábricas, jardins de inverno, em mansões particulares e vilas operárias, entre outras. (PINTO et al., 2004, p.72)

Ilustração 5 _ Palácio de Cristal Fonte: PINTO et al., 2004, p.71

As construções em ferro e vidro traduziram duas tendências inovadoras. A primeira corresponde á necessidade de modernizar os sistemas e processos construtivos, aproveitando os recursos da industrialização e o avanço da engenharia. Essa modernização fez-se pela aceitação do esqueleto construtivo em ferro, o qual, pouca a pouco, foi libertando as paredes da sua função estrutural; e pela utilização da construção modular e de elementos pré-fabricados e estandardizados. Estes processos e materiais mostraram-se mais funcionais e resistentes, possibilitaram a processo pela forte intervenção do capitalismo, que adquiria a matéria-prima, marcava o ritmo produtivo e norteava o mercado de consumo.

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construção em altura e o desenvolvimento de novas tipologias e simultaneamente, embarateceram e tornaram mais rápidas as construções. A segunda, a que promoveu o desenvolvimento de novos gostos e outros conceitos estéticos, prenúncios dos tempos que se adivinhavam. Com efeito, impondo-se como material de edificação, o ferro substitui a ideia do volume fechado, ligada á construção em pedra, pela da linearidade dinâmica e estrutural das suas longas e finas barras que, aliadas ao vidro, desmaterializavam os volumes arquitectónicos, interpenetrando-os de luz e ar. Era uma nova estética que surgia, assente na singularidade dos elementos estruturais e não nos artifícios decorativos (PINTO et al., 2004, p.74). Reconhecendo a modernidade desta arquitectura, Corbusier20 afirmou um dia que “os grandes arquitectos do século XIX haviam sido os engenheiros”.21

Ilustração 6 _ Estação de Santa Apolónia Fonte: PINTO et al., 2004, p.107

Em Portugal, a utilização do ferro e do vidro foi relativamente tardia e rara. As primeiras grandes obras produzidas, e mesmo assim não totalmente nestes materiais, foram o edifício da Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense, construído em 1846- 47, o Palácio de Cristal, no Porto e a gare da Estação de Santa Apolónia, em Lisboa,

20 Charles-Edouard Jeanneret-Gris (1887-1965), mais conhecido pelo pseudónimo de Le Corbusier, foi um arquitecto, urbanista e pintor francês de origem suíça. É considerado juntamente com Frank Lloyd Wright, Alvar Aalto, Mies van der Rohe e Oscar Niemeyer, um dos mais importantes arquitectos do século XX. Le Corbusier lançou, no seu livro Vers une architecture (Por uma arquitetura), as bases do movimento moderno de características funcionalistas. A pesquisa que realizou envolvendo uma nova forma de enxergar a forma arquitectónica baseado nas necessidades humanas revolucionou, juntamente com a actuação da Bauhaus na Alemanha, a cultura arquitectónica do mundo inteiro. A sua obra, ao negar características histórico-nacionalistas, abriu caminho para o que mais tarde seria chamado de international style ou estilo internacional, que teria representantes como Ludwig Mies van der Rohe, Walter Gropius, e Marcel Breuer. Foi um dos criadores dos CIAM (Congrès Internationaux d'Architecture Moderne). 21 Apud PINTO et al., 2004, p.74

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ambos em 1865. O ferro era aplicado, de modo bem visível, na arquitectura utilitária, em estruturas, coberturas, armações, linhas de caminho-de-ferro, colunas; e assim dava forma, juntamente com outros materiais e feitios, muitas vezes, segundo desenhos revivalistas e eclécticos ou alguns pormenores de Arte Nova, a: estações de caminho-de-ferro, como a Estação do Túnel do (Lisboa, 1890) e a Estação de São Bento (Porto, 1903); pontes, como a de D. Maria Pia (Porto, 1879) e a de D. Luís (Porto, 1886); mercados, como o Mercado das Flores e o Mercado do Bolhão, ambos no Porto, e o Mercado da Praça da Figueira (Lisboa, 1885); salas de espectáculos, como o Coliseu dos Recreios (Porto, 1890); salões, como a Sala de Portugal na Sociedade de Geografia (Lisboa, 1897); coberturas, como a do Palácio da Bolsa (Porto, 1891) e a do Casino da Figueira da Foz; grandes armazéns, como o do Grandella (Lisboa, 1901); elevadores, como o de Santa Justa (Lisboa, 1901); e ainda lojas, estufas, garagens, quiosques, mirantes, lavadouros, fábricas. (PINTO et al., 2004, p.108)

3.2.1. RAUL MESNIER DU PONSARD, O ENGENHEIRO

Ilustração 7 _ Raul Mesnier du Ponsard 22 Fonte: ALMEIDA, 2010, p.25

Raul Mesnier du Ponsard nasceu na cidade do Porto em 2 de Abril de 1848. Filho de ricos franceses que emigraram para o nosso país por motivos políticos, o seu pai, engenheiro distinto e empreendedor, empregou grande parte da sua fortuna em actividades agrícolas no norte do país, criando ainda algumas indústrias; a sua mãe, distinta e culta, atraiu a simpatia de intelectuais. (ALVES, 2002, p.53)

22 A Ilustração Universal, de 26 de Abril de 1884, Hemeroteca Municipal de Lisboa

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Mesnier cedo se distinguiu como um aluno excepcional, mostrando grande queda para as matemáticas e para as ciências físicas e naturais. Frequentou em Coimbra as faculdades de Filosofia e de Matemática, onde logo o seu génio criador se declarou, inventando um aparelho para o estudo dos perfis transversais das vias terrestres e o Arithmotechno, antepassado das máquinas de calcular. Dedicou-se, também, ao estudo de armas e de balística. O seu temperamento insubmisso, independente e, de certo modo, boémio, levaram-no a abandonar a universidade e o país. Passou ao estrangeiro, percorrendo vários países, como a Alemanha, a França e a Itália, adquirindo conhecimentos modernos no contacto com técnicos notáveis, acabando por se formar em engenharia mecânica. Quando entendeu que era altura de terminar os seus estágios, regressou, cheio de ideias, projectos ambiciosos e uma tremenda vontade de utilizar em Portugal os conhecimentos adquiridos lá fora (ALVES, 2002, p.53). Dele se disse na época que

“cedo mostrou ser um poeta da engenharia, um inventor, um criador: poeta pelo muito que sonhou e ambicionava na vasta e nobre acepção da palavra; inventor e criador pelo que de inédito realiza. E, por cima de tudo isto, artista apaixonado da beleza, porque no meio das suas criações, se ele olha para os cómodos materiais que elas proporcionam, não atende menos aos pontos de vista panorâmicos que se desfrutam delas”.23

Iniciou os seus cálculos e fórmulas, e aplicou soluções no elevador do Bom Jesus de Braga; passando a Lisboa, pretendeu, com os conhecimentos adquiridos, aplanar um pouco os desníveis que abundavam na cidade. Lisboa, com as suas colinas tão bonitas quanto incómodas, seduzia-o. Era, sem dúvida alguma, a cidade indicada para instalar elevadores. Não demorou muito a nascer a Companhia dos Ascensores Mechanicos, pela mão de Manuel Joaquim Gomes24, entre outros entusiastas do progresso. Mais complicado seria convencer os responsáveis a aderir á ideia e a conceder as devidas autorizações. Como todos os inovadores, os seus projectos não foram inicialmente aceites e, em murmúrio, apelidavam-no de maluco. Mas nada conseguia travar Mesnier. Ultrapassadas todas as barreiras, escolheu-se a Calçada do Lavra como a primeira rampa a ser vencida. Raul não resistiu ao desafio de fazer uma obra que até então, não tinha sido feita, nem mesmo no estrangeiro: um elevador que efectuasse um percurso que se desenvolvia em curva. Quando, no ano de 1884, um

23 Apud ALVES, 2002, p.54 24 Manuel Joaquim Gomes (1840-1894) foi um empresário bracarense na área do turismo. Entusiasta do progresso, foi o responsável pela construção do Elevador do Bom Jesus de Braga, bem como de grande parte dos elevadores lisboetas.

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elevador saiu tranquilamente de junto da velha casa que fora de André Lopes Lavra25 para alcançar o Campo de Sant’Ana, enquanto um outro, em simultâneo, efectuava com toda a serenidade o caminho inverso, toda a gente pressentiu que uma grande revolução nos transportes de Lisboa começava a acontecer. E assim foi. (ALMEIDA, 2010, p.28)

Em 1885, com o Elevador da Glória passou a ser possível alcançar, com toda a facilidade, S. Pedro de Alcântara a partir da parte baixa de Lisboa. Ao mesmo tempo, ou quase ao mesmo tempo, começou a projectar vários outros, que foram construídos ou explorados por diversas companhias. O Elevador do Sítio, na Nazaré é inaugurado a seguir, em 1889, e depois, no curto espaço de quatro anos, são inaugurados os da Estrela, em Lisboa, o dos Guindais, no Porto, os do Chiado, Bica e Graça, em Lisboa, o de Gaia, e o do Monte, no Funchal. O da Biblioteca e o de S. Sebastião da Pedreira, em Lisboa, são inaugurados em 1897 e 1899, respectivamente. Pode dizer-se que esta espantosa lista se fecha em 1902 com chave de ouro, quando uma magnífica obra foi oficialmente inaugurada e colocada ao serviço público: o Elevador de Santa Justa (ALMEIDA, 2010, p.29). Ao que parece, o ascensor de Santa Justa foi a menina bonita de Mesnier. A colocação da ponte a 1 de Agosto de 1901 foi um verdadeiro acontecimento, pela inovação que trazia e os cálculos e técnicas que exigia (ALVES, 2002, p.55). No dia seguinte ao lançamento da ponte, a imprensa da época referia que aquele fora

“o mais brilhante sucesso da engenharia mecânica portuguesa nos últimos tempos. […] Dia de festa, o de hoje, do qual partilha em primeiro lugar o ilustre engenheiro Raul Mesnier de Ponsard e depois a empresa, o pessoal artístico, o encarregado dos trabalhos, Sr. António Silvério e a casa construtora Cardoso D’Argent e Cª.”26

Mesnier efectuou um trabalho notável, sendo de realçar a concretização de projectos profundamente diferentes do ponto de vista tecnológico. Na realidade, num espaço de tempo que sem dúvida se pode considerar curto, neste país começaram a mover-se elevadores, funiculares de plano inclinado, tramways – cabo, elevadores verticais e elevadores com locomotiva e cremalheira. Terão sido, com certeza, incontáveis os problemas que Mesnier teve que resolver. Alguns chegaram mesmo a ser

25 Na segunda metade do século XIX, a sociedade lisboeta integrava dois irmãos originários de uma povoação do concelho de Montemor-o-Novo, chamada Lavra, apelido que terá sido adoptado por antecessores seus. Eram eles: André Lopes da Lavra, secretário do Conselho Ultramarino no tempo de D. Pedro II, que assinava Lavra, e Manuel Lopes do Lavre, fidalgo da casa de D. Pedro II, deputado da Junta do Tabaco e tesoureiro da Casa da Rainha. Estes construíram um palácio na esquina do Largo da Anunciada com a então denominada Calçada Aguiar de Almeida. Posteriormente, a calçada veio a adquirir o nome de Lavra. 26 Apud ALVES, 2002, p.55

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considerados de solução impossível, como a subida em curva da rampa do Lavra, a passagem apertada no já desaparecido Arco de Santo André, entre outros. (ALMEIDA, 2010, p.31)

Segundo Maria Amélia Alves (2002, p.55) Arquimedes dissera um dia: “dêem-me um ponto fixo no globo para a minha alavanca e eu mexerei o mundo”. Se dessem capitais a Mesnier ele muito mais faria. Sonhou e venceu. Porém, alguns dos seus projectos não se concretizaram, como o de ligar por meio de cabos aéreos, estrela a estrela, como costumava dizer, todos os pontos altos velhos e típicos bairros lisboetas, ou como refere no seu currículo: “Project dum funiculaire aérien entre la hauteur de Castello de S. Jorge, avec embranchement de Castello de S. Jorge, á la hauteur de Srª da Graça, pour passagers et merchandises […] ”.27

Ilustração 8 _ Homenagem da Câmara Municipal de Lisboa a Raul Mesnier du Ponsard Fonte: ALMEIDA, 2010, p.29

3.3. LISBOA DOS ELEVADORES

Em Lisboa, no início da década de 1870, os únicos transportes públicos urbanos existentes utilizavam a tracção animal. É certo que o caminho-de-ferro chegava a Santa Apolónia, que o monocarril a vapor Larmanjat procedia aos primeiros ensaios, ligando o Arco do Cego ao e que havia vapores a ligar o Cais do Sodré a Belém. Porém, eram equipamentos vocacionados para ligar localidades e não para servirem de meio de transporte interno. Em finais de 1873, a Companhia de Ferro de Lisboa inaugurou a sua primeira linha, ligando a estação do caminho-de-ferro do norte e leste ao extremo do Aterro da Boa Vista (Santa Apolónia a Santos). Este acontecimento pode dizer-se que inaugurou também uma nova era para Lisboa, que

27 Apud ALMEIDA, 2010, p.31

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rapidamente passou a beneficiar de uma importante rede de ligações internas da então designada viação-carril-vicinal e urbana, conhecida por tramway e vulgarizada por carro americano. Este sistema utilizava carris assentes ao nível do solo, mas para a locomoção continuava a utilizar-se a força animal. Pouco depois, em 1877 e 1878, a Carris fez algumas experiências nas suas linhas de americanos com três tipos diferentes de locomotivas, visando substituir a tracção animal pela tracção a vapor, com resultados insatisfatórios e sem continuidade, assim como dez anos depois fez experiências com carros eléctricos com acumuladores que se revelaram mais dispendiosos que a tracção animal. (COSTA, 2008, p.9)

Em 19 de Abril de 1884, a Companhia dos Ascensores Mechanicos inaugurou o ascensor do Lavra, utilizando o contrapeso de água como força motriz. Foi portanto este, provavelmente, o primeiro transporte público urbano lisboeta a optar pela tracção mecânica em exploração regular, crédito aparentemente esquecido. Outros ascensores se lhe seguiram, procurando vencer desníveis difíceis ou impraticáveis para os carros americanos que a Carris manteve até ao aparecimento e posterior generalização do carro eléctrico, já no século XX. (COSTA, 2008, p.10)

3.3.1. CONTEXTO HISTÓRICO – GEOGRÁFICO

A cidade de Lisboa assenta sobre uma topografia variada, cujos principais acidentes marcaram profundamente a expansão da malha urbana. A ocidente, na cúpula Terciária de Monsanto, onde se localiza a principal mancha verde da capital, registam- se as altitudes mais elevadas (máximo de 215m). A oriente, sobressaem duas elevações importantes mas com valores relativamente baixos: as colinas do Castelo de São Jorge e da Penha de França. Importantes vales, de declives descendentes e de direcção ao rio Tejo, marcam igualmente a topografia da cidade. Destes destacam- se os que correspondem hoje á Avenida da Liberdade e á Rua da Palma e Avenida Almirante Reis, ambos confluindo na zona da Baixa; e a oriente, os vales de Xabregas, Chelas e Cabo Ruivo. Porém, nenhum destes vales possui a dimensão a imponência do vale de Alcântara. Este importante acidente físico travou a expansão da cidade para ocidente até muito tarde. Os poucos planaltos existentes localizam-se essencialmente a norte – num dos quais se instalou o aeroporto de Lisboa. A topografia apresenta-se também pouco acidentada em alguns troços junto ao rio. (MARINHO, et al., 2001, p.11)

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Ilustração 9 _ Altimetria de Lisboa Fonte: MARINHO et al., 2001, p.11

Localizada na margem direita do estuário do Tejo, virada sobre a grande frente atlântica da Península Ibérica, no extremo ocidental do continente europeu, sensivelmente a meio da costa portuguesa, Lisboa foi, e é, uma cidade profundamente marcada pelo locus28 histórico-geográfico onde se insere. Num território desenhado por colinas e vales abertos sobre o rio, a cidade teve, durante muitos séculos, um desenvolvimento natural em perfeita harmonia com as condições do espaço físico e da paisagem, ajustando-se á topografia e preservando a memória do sítio e dos lugares no modo de expansão e na forma urbana. A vocação portuária e as aptidões defensivas foram determinantes na escolha do sítio. A partir do centro histórico antigo, implantado na colina do castelo, bordejada pelo rio e pelos seus esteiros, a urbe29 foi- se espraiando para nascente e poente, junto da margem, e projectou-se para norte ao longo de velhos caminhos e percursos naturais. A localização geográfica potenciou, como sempre, uma relação com os outros povoados do estuário, tanto na margem

28 Lugar. 29 Aglomerado urbano, cidade.

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norte como sobretudo na margem sul, e as condições climáticas e agrícolas do território na envolvente norte contribuíram para a articulação e a interdependência com os diversos núcleo rurais. O desenvolvimento urbanístico, que ao longo de muitos séculos assentou em diversos processos – empíricos ou programados – e reflectiu modelos inerentes a vários universos culturais, produziu a cidade que hoje se conhece. O seu perfil histórico, cultural, social e urbanístico traduz a própria experiência temporal e a memória da cidade como entidade urbana. A escala harmoniosa dos edifícios e a implantação tradicional do conjunto acabaram por constituir uma cenografia onde o construído e o natural se interpenetram. (CALADO et al., 1993, p.8)

Ilustração 10 _ Vista de Lisboa Fonte: Fotografia de autor

Entre a reconstrução pombalina e a intervenção de Duarte Pacheco, já no século XX, é porventura na segunda metade do século XIX que se verifica o maior esforço na modernização de Lisboa. Este foi um período fértil em tentativas de intervenção urbana, umas mais pragmáticas, outras mais visionárias, mas aquelas que foram implementadas, mesmo parcialmente, vieram a marcar indelevelmente a cidade. Um nome surge inevitavelmente associado a muitos destes melhoramentos: Frederico Ressano Garcia30, engenheiro da Câmara durante 35 anos, de 1874 a 1909. Diplomado em Ponts et Chaussées pela École Polytechnique de Paris, Ressano Garcia é frequentemente epitetado como o Haussmann português. Contudo, contrariamente ao que Haussmann31 fez em Paris, rompendo o tecido urbano antigo e impondo uma malha ordenadora, Ressano Garcia respeitou grosso modo as pré- existências, tanto mais que a sua obra mais emblemática diz respeito à expansão da

30 Frederico Ressano Garcia (1847-1911) foi um engenheiro e professor de engenharia, político e administrador que se notabilizou por ter dirigido a expansão e renovação urbana da cidade de Lisboa no último quartel do século XIX. Entre outras funções, foi ministro, deputado e par do Reino. Devem-se a Ressano Garcia o planeamento e construção de estruturas tão marcantes da zona metropolitana de Lisboa como a Avenida da Liberdade, a Praça Marquês de Pombal, a Avenida 24 de Julho, os bairros de e da Estefânia e a . 31 Georges-Eugène Haussmann (1809-1891), largamente conhecido apenas como Barão Haussmann- o "artista demolidor", foi prefeito do antigo departamento do Sena (que incluía os atuais departamentos de Paris, Hauts-de- Seine, Seine-Saint-Denis e Val-de-Marne), entre 1853 e 1870). Durante aquele período foi responsável pela reforma urbana de Paris, determinada por Napoleão III, e tornou-se muito conhecido na história do urbanismo e das cidades.

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cidade, e não à sua reestruturação. Estas alterações, frequentemente denominadas de Melhoramentos da Capital, podem ser observadas na ilustração 11, carta topográfica de Lisboa em 1871 com as alterações até 1911 a cor vermelha, enquadrando assim aproximadamente o período da intervenção de Ressano Garcia, e consequentemente o período em que foram nascendo os ascensores de Lisboa. (COSTA, 2008, p.6)

Ilustração 11 _ Carta Topográfica de Lisboa publicada em 1871 Sobreposição a tinta encarnada das alterações feitas até 1911. Fonte: COSTA, 2008, p.6

3.3.2. A LISBOA UTÓPICA DOS SÉCULOS XIX E XX

Existem várias referências literárias a uma cidade de Lisboa utópica, num período que abarca o final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, e onde se destacam as ideias do escritor Fialho de Almeida (1857-1911) e do jornalista Reinaldo Ferreira (1897-1935).

O primeiro imaginou uma ponte, a 80 metros do solo, sobre os vales da Avenida da Liberdade e Rua da Palma, ligando São Pedro de Alcântara a Sant’Ana, e esta á Graça ou Colina do Castelo. Pretendia assim, estabelecer uma circulação rápida e mais curta entre bairros periféricos, para além do enorme efeito cenográfico que tal estrutura iria provocar (DIAS, 1999).

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32 Ilustração 12 _ Visão de Fialho de Almeida: Passagem Superior na Avenida da Liberdade e Colina do Castelo Fonte: DIAS, 1999

Já o segundo idealizou uma nova Baixa, transformando-a em vários boulevards ao estilo europeu e com elevadores por todo o lado, como por exemplo na Rua dos Fanqueiros, estabelecendo a ligação ao Castelo através de uma ponte, ou nos Restauradores, ligando a uma torre no Cais do Sodré com uma ponte por cima do Largo de Camões (VALENTE, 2008, p.85).

33 Ilustração 13 _ Visão de Reinaldo Ferreira Fonte: VALENTE, 2008, p.85

Apesar do exagero subjacente a estas propostas, é de notar que, passado um século, as preocupações relativamente á ligação entre as colinas de Lisboa mantém-se e algumas destas ideias utópicas têm vindo a ser adoptadas e adaptadas por alguns arquitectos contemporâneos, como se verá nos pontos 4.3 e 4.3.1, bem como nas propostas que não passaram do papel, representadas no Anexo C.

32 Ilustração do Arquitecto Álvaro Machado 33 Desenho de Cunha Barros

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3.3.3. OS ELEVADORES DE LISBOA, COLINA ACIMA COLINA ABAIXO

Não se pode dizer que a vida seja fácil nas zonas acidentadas. É certo que os horizontes magníficos de que muitas vezes desfrutamos, o romantismo das colinas, a ausência de monotonia, por tão depressa se andar a subir como a descer, são aspectos que normalmente mexem com a sensibilidade de quem vive nesses lugares. Há no entanto aqueles que, talvez a maioria, devido á idade, a problemas de saúde ou apenas por serem comodistas, sempre sonharam que um dia havia de aparecer um invento capaz de lhes amenizar os padecimentos provocados pelas temíveis diferenças de nível. Esse invento acabou mesmo por surgir, baptizado com vários e apropriados nomes, tais como elevadores mecânicos, elevadores funiculares, planos inclinados, ou simplesmente, ascensores.

A história da mobilidade dos indivíduos e dos transportes em Lisboa está estreitamente ligada à morfologia da cidade, ritmada por zonas altas, residenciais, e vales, como é o caso da Baixa, área comercial e de serviços. A topografia determinou, não apenas, um movimento ascendente/descendente de pessoas que se deslocam, mas também, a proliferação de ruas de grande declive e uma panóplia de escadas. Umas como outras apresentam-se tanto mais exíguas quanto se localizam nas partes mais antigas. Ou seja, o relevo acidentado de Lisboa foi desde sempre um grave obstáculo à circulação de pessoas e bens entre partes altas e baixas da cidade, e nem mesmo os Americanos surgidos nos finais do século XIX, conseguiram responder a este problema de um modo satisfatório. Com o advento da tracção mecânica surge uma empresa vocacionada para a sua resolução, a Companhia dos Ascensores Mecânicos de Lisboa. Fundada em 6 de Junho de 1882 e remodelada dois anos mais tarde, tendo então adoptado o nome de Nova Companhia dos Ascensores Mecânicos de Lisboa, dotou a cidade com um conjunto de ascensores funcionando em plano inclinado. O primeiro foi inaugurado em 1884 na Calçada do Lavra, seguindo-lhe o da Glória no ano seguinte. Quando em 20 de Abril de 1888 a Nova Companhia dos Ascensores Mecânicos de Lisboa assinou um novo contrato com a Câmara Municipal de Lisboa, obteve a concessão para a instalação de mais um ascensor que, partindo da Rua de São Paulo pela Rua de Duarte Belo, deveria efectuar ligação com o Largo do Calhariz, e que viria a ter o nome de Elevador da Bica. Resultantes do trabalho pioneiro do Eng.º Raul Mesnier du Ponsard os elevadores constituíram um conjunto inicial de nove, dos quais desapareceram o Elevador da Estrela, o do Chiado, o da Graça, o da Biblioteca e o de S. Sebastião da Pedreira. Uns foram sendo substituídos

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por eléctricos, outros finaram-se, pura e simplesmente, praticamente sem deixar rasto. Felizmente, os quatro que se mantêm, Lavra, Glória, Bica e Santa Justa, asseguram a tradição desse tipo de mobilidade, sendo um dos ex-líbris da cidade. Continuam nas suas viagens de sobe e desce, a prestar inestimáveis serviços á população de Lisboa, que, reconhecida desde há muito os considera seu património afectivo. Em boa hora foi decidido que lhes fosse atribuído o honroso grau de Monumento Nacional. Mas é bom não esquecer que eles são também o testemunho vivo da obra espantosa, feita por Raul Mesnier du Ponsard.

No Anexo B faz-se ainda referência a um conjunto de requerimentos, com várias propostas para a instalação de elevadores, ascensores e funiculares, apresentados á CML entre 1874 e 1898, que nunca passaram de idealizados, como foram chamados.

Ilustração 14 _ Planta de Lisboa (1902) com linhas dos ascensores Fonte: VALENTE, 2008, p.43

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Segundo COSTA (2008, p.11) a localização dos nove elevadores realizados em Lisboa, entre 1884 e 1902, da autoria de Raul Mesnier de Ponsard, foi a seguinte:

1. O Ascensor do Lavra liga a Rua de São José e o Largo da Anunciada à Travessa do Forno do Torel, ou, se quisermos, a partir da rua de São José sobe a colina de Sant’Ana, colocando os passageiros a dois passos do Campo dos Mártires da Pátria.

2. O Ascensor da Glória parte da Praça dos Restauradores e segue ao longo da Calçada da Glória até à rua de São Pedro de Alcântara e proporcionava ao lisboeta oitocentista uma ligação directa das imediações do Passeio Público à vertente norte da colina de São Roque.

3. O Ascensor da Estrela partia da Praça Luís de Camões e seguia pela rua do Loreto, Calhariz, Combro, Rua dos Poiais de São Bento e Calçada da Estrela, atravessando assim a colina das Chagas, descendo o declive de Santa Catarina e subindo daí até à Estrela.

4. O elevador do Chiado ligava a Rua do Crucifixo à Rua do Carmo, integrado dentro do edifício onde estava instalado o Hotel Universal, edifício mais tarde absorvido pelos Armazéns do Chiado.

5. O tem um trajecto de certo modo complementar ao do Ascensor da Estrela, subindo a escarpa das Chagas, ligando a Rua de São Paulo ao Largo do Calhariz.

6. O Ascensor da Graça partia da Carreirinha do Socorro34, passava pela Rua da Mouraria subindo a Rua dos Cavaleiros, Calçada de Santo André, Calçada da Graça, terminando na Rua da Graça junto à Rua da Senhora do Monte. Desta forma, tinha um percurso longo e sinuoso, subindo parcialmente a colina de São Jorge, antes de inflectir para a zona da Graça.

7. O Elevador da Biblioteca, também conhecido por Elevador Município-Biblioteca e ainda por Elevador de S. Julião, estava localizado nas traseiras do nº 13 do Largo de São Julião, por onde se entrava para subir. Tinha depois um passadiço sobre a Calçada de São Francisco e a saída no nº 32 do Largo da Biblioteca.35

8. O Ascensor de São Sebastião tinha o seu início no Largo de São Domingos, junto ao Teatro Nacional Dona Maria II. Dali seguia pela Rua das Portas de Santo Antão, Rua de São José, Santa Marta, Largo do Andaluz, Rua e Largo de São Sebastião da Pedreira, onde terminava a carreira, a dois passos do Jardim Zoológico.

9. O elevador do Carmo, hoje conhecido pelo nome de Santa Justa, ergue-se nas Escadinhas de Santa Justa, possuindo no topo um passadiço que liga com o Largo do Carmo.

34 Daquele antigo arruamento hoje só existe um troço, com o nome de Rua Fernandes da Fonseca, que corresponde ao topo norte da Praça Martim Moniz e seu prolongamento até á Rua dos Cavaleiros. 35 Actual Largo da Academia Nacional de Belas Artes.

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A tabela 2 resume as características de cada um dos nove ascensores de Lisboa, que serão abordados individualmente, com mais pormenor, nas páginas seguintes.

Tabela 2 _ Características dos elevadores de Lisboa

Ascensor / Data Ligação estabelecida Sistema de Sistema de Desnível tracção tracção Elevador original actual

Lavra 1884 – Largo da Anunciada – Cremalheira e Eléctrico 44 m cabo por Travessa do Forno do contrapeso de Torel água

Gloria 1885 – Praça dos Restauradores Água Eléctrico 48 m –

Estrela 1890 – 1913 Largo de Camões – Tramway por – – cabo Largo da Estrela

Chiado 1892 – 1913 Baixa (Rua do Crucifixo) Contrapeso de – 14 m – água

Chiado (Rua do Carmo)

Bica 1892 – Rua de São Paulo – Cremalheira e Eléctrico 48 m cabo por Largo do Calhariz contrapeso de água

Graça 1893 – 1909 Rua Nova da Palma – Vapor – 70 m

Largo da Graça

Município 1897 – 1915 Largo de São Julião – Contrapeso de – 30 m água Largo da Biblioteca

São 1899 – ? Largo de São Domingos Vapor – – Sebastião –

Largo de São Sebastião da Pedreira

Santa Justa 1902 – Baixa (Rua do Ouro) – Vapor Eléctrico 32 m

Chiado (Largo do Carmo)

Fonte: ALVES, 2002; ALMEIDA, 2010

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3.3.4. LAVRA, 1884

O ascensor mais antigo da cidade de Lisboa foi inaugurado em 19 de Abril de 1884, trabalhando nesse dia durante 13 horas seguidas, transportando gratuitamente cerca de 13 mil passageiros. Em 2002 foi classificado como Monumento Nacional. O elevador do Lavra dá acesso ao Campo dos Mártires da Pátria e a um dos mais pequenos miradouros da Cidade, o Jardim do Torel, donde se avistam a Avenida da Liberdade, os sucessivos patamares da Calçada de Santana e a Baixa. Funciona de 2ª Feira a Sábado das 7 às 21 horas, e aos Domingos e Feriados das 9 às 21 horas. Circula na Calçada do Lavra, e é operado por dois veículos da Companhia Carris de Ferro de Lisboa. Em 2002 foi classificado como Monumento Nacional. (O Elevador do Lavra, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

36 Ilustração 15 _ Elevador do Lavra Fonte: AFML - A33024 (in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

Decorridos dois anos sobre a inauguração em Braga, no Bom Jesus do Monte, do plano inclinado funicular, o primeiro ascensor lisboeta, ligava o Largo da Anunciada á Travessa do Forno do Torel, na zona do Campo de Sant’Ana. Á Calçada do Lavra, foi- lhe concedida então a honra de ser escolhida para nela se instalar o primeiro elevador público de Lisboa. Raul Mesnier, não resistiu a tentação do desafio. Na realidade esta calçada, tinha um problema que nem mesmo no estrangeiro se tinha conseguido resolver. No seu traçado, ao contrário do que acontecia com o dos outros elevadores já construídos na Europa, existiam duas curvas, ou seja, não era rectilíneo. Era uma dificuldade considerada por muitos, impossível de ultrapassar. Mesmo a calhar para o espírito de Mesnier que, “[…] imaginou dividir a curva em arcos, collocando nas

36 Fotografia de Arnaldo Madureira, 1961.

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extremidades d’elles uns simples apparelhos de roldanas que amparam o cabo, impedindo-o de roçar nas paredes do condutor e conservando-lhe toda a liberdade de tracção […]“.37 E assim, se resolveu o problema. Este e certamente tantos outros que terão surgido até ao dia 17 de Abril de 1884, data em que considerou estar tudo pronto para se realizarem os célebres testes de segurança, certamente impressionantes, pelo aspecto imponente das carruagens, que se assemelhavam a um transporte de dois pisos. Enquanto o de baixo se destinava ao transporte de 24 passageiros, o de cima era um enorme reservatório que levava dois metros cúbicos de água, cujo peso fazia mover o elevador. (ALMEIDA, 2010, p.59)

“[…] O systema comportou-se d’uma maneira explendida, e as calorosas felicitações dirigidas ao engenheiro Mesnier, brotando espontaneamente dos corações aos lábios das pessoas que em numeroso concurso assistiam ás experiencias, revelavam entre o estrondear dum fogo de regosijo, que rompera uma nova aurora de melhoramentos materiais de que tanto carecia Lisboa. […]“38

O dia da inauguração chegou, a 19 de Abril de 1884. O elevador trabalhou sem descanso durante treze horas, transportando gratuitamente cerca de treze mil passageiros. Estavam todos curiosos por experimentar o invento. No dia seguinte deu- se início á vida rotineira daquele caixote com rodas. (ALVES, 2002, p.11)

Alguns acidentes ocorridos levaram muito boa gente a questionar a continuidade do elevador. Só que os utentes já se tinham habituado a subir comodamente ao Torel e, foi-se continuando a subir de elevador. O forte crescimento urbano de Lisboa fez aumentar muito o número de pessoas a necessitar dos seus serviços e, por isso, pese embora o aparecimento de novos meios de transporte, o Elevador do Lavra foi ganhando cada vez mais o seu estatuto de “imprescindível”. Para satisfação de todos aqueles que se irritavam com o desperdício de água que o sistema de contrapeso provocava, não demorou muito tempo para que a força do vapor viesse substituir este sistema. Assim andou até 1915, ano em que a moderna electricidade tomou a seu cargo essa tarefa. No final de 1926 passou a ser propriedade da Carris, situação que ainda hoje se mantém, e a que talvez se deva a sua sobrevivência. A comodidade de ser transportado, sem esforço, pela íngreme subida da Calçada do Lavra chegou até aos nossos dias. Hoje em dia, promovido a monumento nacional, faz questão em continuar a subir e a descer a sua rampa, com toda a serenidade, para descanso dos seus utentes. (ALMEIDA, 2010, p. 62)

37 Diário Ilustrado, de 29 de Novembro de 1883. Apud ALMEIDA, 2010, p.58 38 O Ocidente, de 1 de Maio de 1884. Apud ALMEIDA, 2010, p.59

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Ilustração 16 _ O Elevador do Lavra actualmente Fonte: Fotografia de autor

3.3.5. GLÓRIA, 1885

Inaugurado a 24 de Outubro de 1885, o Elevador da Glória é um funicular que liga a Praça dos Restauradores na Baixa, ao Jardim / Miradouro de São Pedro de Alcântara, no Bairro Alto. Circula na Calçada da Glória, que tem um comprimento de 276 metros, e é operado por dois veículos da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, funcionando de 2.ª a 5.ª feira das 7 às 24 horas, às 6.ªfeiras, sábados e véspera de feriados das 7 ás 4 horas, e aos domingos e feriados das 8 ás 24 horas. (O Elevador da Glória, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

39 Ilustração 17 - Elevador da Glória Fonte: AFML - A30477 (in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

39 Fotografia de Arnaldo Madureira, 1960.

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Ainda o elevador do Lavra não começara a circular e já surgia nos jornais a notícia das obras do segundo plano inclinado, o da Glória. Se os elevadores tivessem alcunha o da Calçada da Glória seria sem dúvida o “desejado”. Na verdade, tornava-se urgente arranjar um transporte que estabelecesse a ligação entre a zona baixa de Lisboa e São Pedro de Alcântara e o Bairro Alto, ou seja, unir dois dos pontos mais importantes da capital (ALMEIDA, 2010, p.67). Por isso, logo que se deu início á sua construção, adivinhou-se-lhe um sucesso ainda maior que o do Lavra, talvez porque juntava, segundo escrevia a imprensa da época, “[…] á vantagem pratica, a aspiração platónica de se subir a Glória por um vintém cada cabeça, o que não é para desprezar n’estes tempos de tantas aspirações. […]“40Com tudo devidamente planeado, esperava-se que, entre o início da sua construção, em 1883, e a data da inauguração em Outubro de 1885, as obras fossem decorrendo com toda a normalidade, sem grandes dificuldades a vencer. Só que não foi bem isso que aconteceu, não por causa de problemas técnicos imprevistos, mas sobretudo devido a questões humanas, o que não deixa de ser curioso, tratando-se sem qualquer dúvida, de uma obra de grande interesse para toda a gente. (ALVES, 2002, p.15)

Vencidos os problemas, chegou finalmente o dia 24 de Outubro de 1885, data da inauguração. Para o povo de Lisboa, o elevador como meio de transporte, não era propriamente uma novidade, pois fazia já alguns meses que se movimentava outro elevador ali bem perto, na Calçada do Lavra. Mas, mesmo assim, os curiosos acudiram em grande número, dispersando-se ao longo das grades do Jardim de São Pedro de Alcântara, das ruas vizinhas e naturalmente ao longo da Calçada da Glória (ALMEIDA, 2010, p.72). Este novo elevador ia, finalmente, proporcionar uma ligação cómoda e rápida entre duas zonas bem populosas da cidade: a Baixa e o Bairro Alto. A meio da calçada, lado a lado, os dois carros bonitos e espaçosos vinham apinhados de gente, deslizando suavemente até ao fim da calçada, cada um para seu lado. (ALVES, 2002, p.16)

Os aspectos técnicos dos elevadores do Lavra e da Glória eram basicamente os mesmos. Tal como o primeiro, era o peso da água que o fazia mover. Mais tarde passaria a ser movido pela força do vapor, tornando-se pioneiro na utilização da electricidade a partir de 1 de Agosto de 1914. Havia, no entanto, uma grande diferença na concepção das carruagens. As do Elevador da Glória, eram mais espaçosas, tinham uma lotação interior de 24 lugares, e para surpresa de muita gente, tinham no

40 O Ocidente, de 11 de Novembro de 1885. Apud ALMEIDA, 2010, p.67

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tejadilho um banco corrido onde, costas com costas, se sentavam os passageiros. Para impedir que os mais empolgados com a paisagem se aproximassem demasiadamente da beira, foi construído um varandim protector. A completar toda essa magnifica peça de design, havia o acesso, que se fazia por uma romântica escada de caracol, bem ao sabor da época. Foi por volta da uma da tarde de sábado, dia 24 de Outubro de 1885, que se oficializou a ascensão á Glória, que demorou apenas dois minutos e meio. Durou até tarde as subidas e descidas sempre com o elevador a abarrotar (ALMEIDA, 2010, p.72). Foi um delírio, segundo a imprensa da época:

“[…] Hoje, a differença de nível desappareceu; a rua de São Pedro de Alcântara está apenas uns dois decímetros acima do nível da Avenida, a menos de dois passos, n’uma proximidade tal, que o próprio Tejo sente tentações de saltar da lagoa da Avenida, por noites de luar, deixando as rãs a coaxar por entre o marulhar das águas que elle deixa cair do seu fértil cântaro, indo n’um momento cumprimentar o Vasco da Gama ao Jardim de São Pedro de Alcântara, perguntar-lhe pelos bancos que foram seus companheiros, no Passeio Publico e pelo coreto que há tanto ouviu dizer que ia para o passeio de cima. […]“41

Não foi preciso esperar muito tempo para se confirmar que este meio de transporte era de facto o indicado para se vencer as colinas de Lisboa. E ele aí permanece de pé, firme, funcionando hoje como ontem, apenas sem a hipótese de dar ao passageiro a possibilidade de viajar ao ar livre. Isso foi passado. (ALMEIDA, 2010, p.73)

Ilustração 18 _ O Elevador da Glória actualmente Fonte: Fotografia de autor

41 Jornal do Comércio, de 25 de Outubro de 1885. Apud ALMEIDA, 2010, p.73

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3.3.6. ESTRELA, 1890

O Elevador da Estrela começou a circular em 15 de Agosto de 1890. Funcionava a vapor, através do sistema de tramway por cabo, e ligava, ao longo do seu percurso de 1700 metros, o Largo de Camões ao Largo da Estrela. Durou até 1913, ano em que foi substituído pelo eléctrico 28. (O Elevador da Estrela, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

42 Ilustração 19 _ Elevador da Estrela Fonte: AFML - A5305 (in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

Por volta de Agosto de 1890, em Lisboa, inicia-se uma segunda fase de construção de elevadores, tão ambiciosa quanto difícil. Ir sem qualquer cansaço do Largo de Camões á Estrela e talvez até São João dos Bem-Casados, vencer o terrível desnível da Bica e subir sentadinho numa carruagem até á Graça foram os projectos que puseram toda a gente a mexer na Nova Companhia dos Ascensores Mechanicos. E povoaram de cálculos complicados o cérebro prodigioso de Mesnier. Utilizando, pela primeira vez em Portugal, o sistema tramway por cabo, decidiu-se começar pela ligação do Largo de Camões á Estrela, com a intenção de, mais tarde, chegar até São João dos Bem- Casados, o que na realidade, nunca chegou a acontecer. Foi sem dúvida uma proposta arrojada, que obrigou a vencer dois tipos de problemas, bem diferentes por sinal. O primeiro surgiu como consequência directa de uma certa mentalidade: oposições criadas por pessoas que estão sempre desconfiadas com tudo o que seja progresso. Razões fortemente técnicas marcaram o segundo tipo de problemas. Um percurso extenso, declives acentuados e curvas apertadas, ruas estreitas, tortuosas e muito populosas, que só se venceram graças ao talento de Mesnier. Mas a verdade é

42 Fotografia de Joshua Benoliel, 1913.

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que nenhuma dessas dificuldades impediu que se metessem mãos á obra. (ALMEIDA, 2010, p.85)

O Elevador da Estrela, também apelidado de Estrela – Camões, foi então, o terceiro a ser montado em Lisboa, depois dos do Lavra e da Glória. A 15 de Agosto de 1890 foi feita a inauguração. A imprensa da época noticiava: “Parece que sempre será hoje a inauguração do novo melhoramento. Tem cabellos brancos, antes de nascer.” 43 Em 18 de Agosto noticiava-se que: “A concorrência, hontem, durante o dia foi enorme, andando os carros sempre cheios, sobretudo á tarde. A praça do monumento a Camões estava apinhada de povo. Quando os carros chegavam ali, estabelecia-se uma confusão medonha; todos queriam entrar ao mesmo tempo, o que deu logar a muitos empurrões.“44 Deste modo começou a vida deste terrível elevador, tramway por cabo, que segundo se dizia, á nascença já tinha cabelos brancos. Foi uma vida acidentada, tal como o seu percurso. As avarias eram frequentes, obrigando a interromper a sua actividade por períodos, que por vezes eram demasiado longos. No entanto, apesar de tantas situações rocambolescas, há que fazer justiça a tão rebelde elevador. Apesar das suas histórias e de tudo o que a seu respeito se publicou, a população, tinha consciência da falta que lhe fazia. Acabou por ter uma vida longa, durando até 1913. E, em boa verdade, não se pode afirmar que tenha morrido. Talvez seja correcto dizer que apenas aceitou, ser substituído pelo seu procedente, o eléctrico 28. (ALMEIDA, 2010, p.89)

Ilustração 20 _ A descida da Calçada do Combro Fonte: ALMEIDA, 2010, p.84

43 Diário Popular, de 15 de Agosto de 1890. Apud ALMEIDA, 2010, p.87 44 Diário Ilustrado, de 18 de Agosto de 1890. Apud ALMEIDA, 2010, p.87

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3.3.7. CHIADO, 1892

O Elevador do Chiado foi inaugurado no dia 15 de Fevereiro de 1892. Era um elevador vertical com cerca de 30 metros de comprimento, e funcionava, á semelhança do Lavra, Glória e Bica, por contrapeso de água. Ligava a Rua do Crucifixo á Rua Nova do Carmo, atravessando o interior do Hotel Universal mas oferecendo um serviço de transporte aberto ao público com acesso directo ao exterior. Em 1912 desaparece, dando lugar ao seu substituto, que viria a ser integrado nos Armazéns do Chiado. (O Elevador do Chiado, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

45 Ilustração 21 _ Grandes Armazéns do Chiado: Elevador Fonte: AFML - A14626 (in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

De todos os elevadores que Lisboa teve, este foi sem dúvida o mais humilde. O seu pequeno percurso apenas estabelecia a ligação entre a Rua do Crucifixo e a Rua do Carmo. Apesar de ter pouca importância para muita gente, tinha mesmo assim os seus adeptos, recrutados sobretudo entre aqueles que viam em qualquer cansaço uma situação a ser evitada a todo o custo. Em 1890, os jornais noticiavam, ridicularizando os pormenores da ideia “que se vai ligar a Rua do Carmo com a Rua do Crucifixo, por um ascensor mecânico, que passara através do prédio onde se acha o Hotel Universal. Que daqui a pouco tempo temos a cidade cortada de elevadores por todos os lados! E se todos forem tão bons como o da Estrela então estamos servidos!” (ALVES, 2002, p.25)

A obra foi avante, e a sua inauguração, depois de algumas datas falhadas, chegou no dia 15 de Fevereiro de 1892 (ALMEIDA, 2010, p.101). O seu anúncio, feito na véspera, é simples e despretensioso:

“É amanha que abre ao público o elevador do Chiado. Cada viagem durará vinte segundos, sendo o seu preço dez reis. Haverá 48 viagens por hora. A empresa, visto a

45 Fotografia de Alberto Carlos Lima, Início séc. XX.

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escassez do cobre, prevê a grande difficuldade dos trocos; pede por isso ao público a fineza de se fornecer d’elle antes de entrar no elevador, que funcionará das sete da manha ás dez da noite. É sem duvida um importante melhoramento que facilita em extremo o trânsito entre a Baixa e o Chiado.“46

E foi assim, que no dia 15, o Elevador do Chiado, por força do contrapeso de água, começou a andar acima e abaixo. Parece que nas primeiras horas pouca gente apareceu. (ALMEIDA, 2010, p.102)

Talvez pela construção deste elevador se dever á iniciativa particular, aquando do seu nascimento, não teve o alarido nem a propaganda habitual. Mas á medida que a notícia da inauguração ia correndo, chegavam pessoas desejosas de o experimentar, de tal modo que no final do dia já muito povo se aglomerava nas suas entradas (ALMEIDA, 2010, p.102). Em 1893, quando as polémicas acerca da construção de novos elevadores continuavam na ordem do dia, chegou a pensar-se em construir um outro ligando a Rua do Príncipe, actual 1º de Dezembro, com o Largo de São Roque, que, juntamente com os da Glória e do Chiado, resolveria o problema da ligação da cidade baixa com a alta:

“Asseveram-nos que está em projecto um elevador que partindo da Rua do Príncipe, virá parar ao Largo de São Roque, sendo talvez, n’esse caso, posta de parte a idêa do elevador da Rua do Carmo ao largo do mesmo nome. Se o projecto vingar, será este um melhoramento de primeira ordem, porque, sem termos que andar muito, visto que a estação do Príncipe ficará em ponto central, evitando assim passadas, podemos transportar-nos da cidade baixa á alta. Ficará o publico muito bem servido com aquelle elevador, além dos do Chiado e da Glória. Será bom que a idêa vingue, porque de todos os modos, o mais útil será o da rua do Príncipe. É uma empreza de primeira ordem.“47

Só que esta ideia não foi mais do que isso. Entretanto, o elevador do Chiado, que pode não ter sido importante, mas útil foi de certeza, lá ia continuando na modesta rotina do seu trabalho. Até que um dia, a direcção dos grandes Armazéns do Chiado lembrou-se que o seu espaço fazia falta para o desenvolvimento dos Armazéns, e o elevador encerrou assim, em 1912. (ALMEIDA, 2010, p.103)

46 Jornal do Comércio, de 14 de Fevereiro de 1892. Apud ALMEIDA, 2010, p.101 47 Diário Ilustrado, de 9 de Outubro de 1893. Apud ALMEIDA, 2010, p.103

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Ilustração 22 _ Armazéns do Chiado actualmente Fonte: Fotografia de autor

3.3.8. BICA, 1892

O Elevador da Bica, inaugurado a 28 de Junho de1892, funcionava também a contrapeso de água, utilizando o sistema de tramway por cabo. Em 1896 foi adaptado à locomoção a vapor. A sua electrificação data de 1914, ano em que ocorreu um acidente que o manteve encerrado durante nove anos. Retomou o seu funcionamento em 1923, sem ter mais nenhum contratempo, estabelecendo ao longo do seu percurso de 283 metros, a ligação entre o Largo do Calhariz e a Rua de São Paulo ou Rua Duarte Belo, defrontando uma das encostas mais íngremes da cidade. (O Elevador da Bica, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

48 Ilustração 23 _ Elevador da Bica Fonte: AFML - A33021 (in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

48 Fotografia de Arnaldo Madureira, s.d.

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Dedicado especialmente a todos os que precisavam de subir de São Paulo até ao Calhariz, Bairro Alto, Chiado, decidiu a Nova Sociedade de Elevadores Mechanicos construir o Elevador da Bica, que a imprensa da época se encarregou de baptizar como Ascensor da Bica, Ascensor da Bica de Duarte Belo, e até mesmo como Elevador Moeda-Bica. Em 1887, os jornais da capital informavam os seus leitores que se ia proceder com a máxima brevidade ao assentamento da linha de elevador entre a Rua da Moeda e do Calhariz pela Bica Grande. (ALVES, 2002, p.27)

Muito tempo passou desde que foi anunciada a sua construção até ao começo da sua actividade. O público ia tomando conhecimento do que ia acontecendo através dos jornais, que regularmente publicavam notícias falando da montagem das máquinas, da construção dos carros, das várias experiências que se faziam. No dia 28 de Junho de 1892 era finalmente inaugurado o Ascensor da Bica. Não houve cerimónias especiais, não se fizeram discursos, nem mesmo foguetes subiram ao ar. Começou simplesmente a funcionar. “Começou hontem a funccionar este nosso vizinho, que d’aqui saudamos e de cujos serviços nos utilizaremos. Fizeram-se dez carreiras, as quaes deram o melhor resultado […]. “49 Lisboa suspirou de alívio, pois tinha solucionado o problema de ascensão de mais uma rampa citadina. E o grande público aderiu ao seu novo e cómodo melhoramento. (ALMEIDA, 2010, p.115)

“Começou hontem a funccionar deffinitivamente, cá o nosso elevador, denominado da Moeda-Bica. Ora não chegou para a gente que desejava servir-se d’este commodismo meio de descensão e ascensão. E, por amor de Deus, não se esqueçam de vigiar bem a rua, que é povoada de creanças, que para a mesma, coitadas porque apertadas nas suas vivendas, vêem brincar […]. “50

Esta notícia ilustra bem o interesse que a população mostrou pelo novo elevador, apesar de não ter sido feita qualquer inauguração oficial. Menciona também dois aspectos bem característicos do simpático Bairro da Bica: as suas casas modestas e as inúmeras crianças que brincam nas suas ruas. Ainda hoje é assim. Em 1896 deixou de andar por força do contrapeso de água para começar a andar a vapor. Em 1914 passou a ser movido a electricidade. Mas acabou por ter um acidente, ficando sem poder andar durante nove anos. Retomou o seu funcionamento em 1923, sem ter mais nenhum contratempo. (ALMEIDA, 2010, p.115)

49 Jornal do Comércio, de 28 de Junho de 1892. Apud ALMEIDA, 2010, p.115 50 Jornal do Comercio, de 29 de Junho de 1892. Apud ALMEIDA, 2010, p.115

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Ilustração 24 _ O Elevador da Bica actualmente Fonte: Fotografia de autor

3.3.9. GRAÇA, 1893

O elevador da Graça foi inaugurado em 26 de Março de 1893, fazendo ao longo do seu percurso de 730 metros, a ligação entre o Largo da Graça e a Rua Nova da Palma. Movido a vapor, iniciava o seu troço no Largo da Graça, indo pela Calçada de Santo André, Rua dos Cavaleiros, Carreirinha do Socorro e terminando na Rua Nova da Palma. Em 1904 foi substituído, tal como o da Estrela, pelo eléctrico 28. (O Elevador da Graça, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

51 Ilustração 25 _ Elevador da Graça Fonte: AFML - A77400 (in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

51 Fotografia de Mário Novaes, s.d.

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Foi uma alegria para todos os lisboetas verem tantos conterrâneos sofrerem menos cansaço por já haver elevador no seu bairro. Pois sendo a Graça um bairro situado numa colina tão íngreme, com vistas tão bonitas, havendo lá tantas casas de gente trabalhadora e palácios de pessoas importantes, igrejas e santos de tão fortes devoções, bem como teatros tão antigos, pode-se lá compreender que não tivesse também o seu próprio elevador? O novo transporte correspondia a uma velha aspiração do povo daquela zona urbana de Lisboa, que de há muito pedia este melhoramento para o seu bairro. Em Dezembro de 1886, foi mesmo entregue na Câmara Municipal uma representação assinada por 800 moradores da Graça, pedindo que o projecto do elevador naquela zona fosse aprovado. Foi assim apresentado ás instâncias superiores um abaixo-assinado contendo várias centenas de assinaturas reclamando tal melhoramento. Expropriações, estudos preliminares, curvas consideradas por alguns técnicos insolúveis de resolver, cálculos e mais cálculos, embargo das obras por mais de uma vez, sucediam-se. Foram meses e meses de muita dor de cabeça para a empresa e para Mesnier. (ALVES, 2002, p.31)

Em Dezembro de 1892 o Jornal do Comércio, possivelmente com a boa intenção de acalmar os ânimos afirmava: “Rejubilem os moradores da Graça: dentro em breve não terão que lançar seus bofes pela bocca fora para ganhar suas estancias, porquanto o elevador para aquelle alto será inaugurado no dia 2 de Janeiro, que está á porta […]“.52 Contudo a inauguração não se deu. A 2 de Março lia-se na mesma imprensa: “[…] Não há mal que sempre dure… nem pelo contrario, bem que não se acabe. Pois este domingo, senhores, teremos a inauguração d’aquelle melhoramento, que as pernas dos moradores do pittoresco e hygienico monte não cessarão de applaudir […]“.53 Mesmo impacientes e desapontados, e apesar de não se ter feito qualquer cerimónia inaugural, foi com grande alegria que no dia 26 de Março de 1893 os habitantes da Graça viram finalmente pôr-se em marcha o seu tão desejado elevador. Funcionava exactamente como o da Estrela, pelo sistema tramway por cabo e, embora com carruagens mais bonitas e confortáveis, tinha no fundo o mesmo tipo de problemas devido às dificuldades do seu percurso. Sem dúvida que não era fácil sair do Largo da Graça, descer a Calçada de Santo André, vencer a curva do antigo Arco de Santo André, descer a Calçada dos Cavaleiros, a Rua da Mouraria, a Carreirinha do Socorro, e parar na Rua da Palma, muito perto do Teatro do Príncipe Real. Principalmente a passagem do Arco de Santo André criou problemas técnicos que á partida pareciam intransponíveis e cuja solução se ficou a dever, mais

52 Jornal do Comércio, de 22 de Dezembro de 1892. Apud ALMEIDA, 2010, p.119 53 Jornal do Comércio, de 2 de Março de 1893. Apud ALMEIDA, 2010, p.120

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uma vez, a Mesnier. Os primeiros dias de actividade foram de grande agitação. Haviam muitos passageiros a querer experimentar o novo elevador. Mas não passou muito tempo até começarem a surgir problemas em tudo semelhantes aos do Elevador da Estrela. Avarias no cabo, paragens de vários dias para reparação, descarrilamentos, bastante frequentes no Arco de Santo André, e também alguns acidentes. Em 7 de Maio de 1893 deu-se um acidente particularmente grave por excesso de passageiros. No dia 15 de Maio o elevador recomeçou a funcionar, porém depois de serem tomadas várias medidas de segurança. Claro que continuaram a acontecer avarias. Mas mesmo assim, os seus fiéis utilizadores nunca o abandonaram (ALMEIDA, 2010, p.121). Ainda funcionou durante anos, mas quando a Companhia de Ascensores se fundiu com a da Carris, este elevador também desapareceu da cidade, acabando assim, por ter uma vida ainda mais curta que o da Estrela. Em 1904 acabou por ser substituído pelo eléctrico 28. (ALVES, 2002, p.32)

54 Ilustração 26 _ O Arco de Santo André Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

3.3.10. MUNICÍPIO, 1897

O Elevador de S. Julião, também conhecido como Elevador da Biblioteca ou Elevador do Município, entrou em funcionamento em 12 de Janeiro de 1897, movendo-se por contrapeso de água. Ligava o Largo da Biblioteca, hoje da Academia de Belas-Artes, ao Largo de São Julião, hoje Praça do Município, através de acessos embebidos em edifícios particulares. Á semelhança do elevador de Santa Justa também subia na

54 Fotografia de José Bárcia, s.d.

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vertical a uma altura de 29,6 metros até ao primeiro pavimento, do qual saía um viaduto à altura de 20 metros sobre a Calçada de São Francisco até à propriedade do visconde de Coruche terminando no Largo da Biblioteca. No seu todo o elevador erguia-se a uma altura de 40 metros edificados num pátio no Largo de São Julião. O serviço de transporte realizou-se até 1915 e a estrutura foi desmantelada em 1920. (O Elevador do Município, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

Ilustração 27 _ Alçados e Planta do projecto do Elevador do Município Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

Pode dizer-se, com algum exagero, que deixara de ser um problema subir as colinas mais importantes de Lisboa, com os inúmeros elevadores que se tinham construído. Vivia-se mesmo uma certa euforia com o sucesso obtido por este meio de transporte, apesar da frequência com que as avarias e os acidentes se sucediam. Havia até quem reclamasse um ascensor ligando a Rua do Príncipe com o Largo de São Roque, enquanto que outros, mais modestos, se limitavam a dizer que já não se podia viver sem um elevador que ajudasse a vencer a Rua do Alecrim. Para Mesnier, talvez o caso fosse mais complicado. É muito possível que o seu espírito brilhante e audaz reclamasse desafios mais fortes do que andar sempre rampa acima, rampa abaixo. Subir bem na vertical sem ir metido numa carruagem entalada entre prédios era a ideia que o inquietava. Até que finalmente surgiu o dia em que decidiu projectar um elevador para subir na vertical desde o Largo de São Julião até á altura do Largo da Biblioteca, que por sua vez seria alcançado por intermédio de uma ponte metálica. Em princípio teria duas cabines que levavam 25 passageiros cada, que, de início, seriam movidas a contrapeso de água. Assim, pouco a pouco, num pátio para onde se entrava a partir do Largo de São Julião, passando a porta de um prédio pertencente ao Sr. José Street, começou a crescer a torre do futuro elevador. Essa porta tem hoje o nº13 e por ela se entra para um restaurante que aí funciona (ALMEIDA, 2010, p.137).

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Em Abril de 1896 foi finalmente alcançada a altura necessária para se poder estabelecer a ligação ao prédio do visconde de Coruche, no Largo da Biblioteca, ficando aprazado o dia 7 para a realização dessa operação delicada e inédita em Portugal:

“A ponte foi montada no jardim do Sr. Visconde de Coruche e o seu cumprimento é de 16 metros. Tudo está a postos, e dá-se o signal de principiar as operações. […] avança galhardamente, suspende-se como por encanto sobre a calçada de São Francisco, e oscillando graciosamente, no sentido vertical, vai assentar-se no final da sua carreira, sobre os dormentes das torres que a esperam. N’este momento parece que de todos os peitos se levantou tão grande peso, como da ponte descansou.“55

Depois destas provas, mesmo estando por concluir a parte superior da torre, o elevador tinha mesmo que ser inaugurado. E assim aconteceu, o sétimo elevador nasceu no burgo lisboeta, em 12 de Janeiro de 1897. Tinha um sistema totalmente inovador, embora também se movesse por contrapeso de água, como os seus antecessores, este elevador apresentava-se crescendo para o céu, com duas torres verticais ligadas por uma passerelle. Era já um primeiro ensaio para o futuro elevador de Santa Justa. (ALVES, 2002, p.35)

No dia da inauguração, houve uma afluência tão grande de público a querer experimentar a sensação de andar na vertical e desejoso de gozar as vistas proporcionadas pelos seus 40 metros de altura que, segundo a imprensa da época, só em três horas e meia foram vendidos 1800 bilhetes. No entanto, como o próprio Mesnier descreve na Gazeta dos Caminhos-de-Ferro, “acima d’este primeiro andar está projectado um segundo de maiores dimensões, com varanda saliente, bastante ampla. Por cima d’este segundo andar existirá um mirante, sendo este último encimado por um belveder […] “56 Contudo, nenhum destes planos foi concretizado. Mas sempre apontado para o infinito, o elevador foi continuando a transportar os seus passageiros. Ainda funcionou durante anos sem o mínimo problema, até que em 1901, pregou o primeiro susto quando já se ultimavam os preparativos para a construção do elevador de Santa Justa. Durou até 1915, mas acabou por ser substituído pelo eléctrico da Rua da Conceição / Calçada de São Francisco / Camões. (ALMEIDA, 2010, p.139)

55 Diário Ilustrado, de 10 de Abril de 1896. Apud ALMEIDA, 2010, p.137 56 Gazeta dos Caminhos-de-ferro, de 1 de Fevereiro de 1897. Apud ALMEIDA, 2010, p.138

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57 Ilustração 28 _ Elevador de São Julião visto do alto da Calçada de São Francisco Fonte: AFML-A4219 (in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

Segundo Maria Helena Delgado (1997, p.71), com a mesma data da memória descritiva e desenhos do Elevador do Município, 1893, é possível encontrar um desenho alçado, intitulado “Project de Plan Incliné entre le niveau Largo Pelourinho ei celui de Largo Bibliotheca á Lisbonne”. Assinado por Mesnier, seria uma outra hipótese a considerar para a localização deste meio de transporte, pois a implantação era idêntica. O plano inferior era localizado no pátio do prédio do Sr. Street, no Largo de S. Julião, o superior, ao nível do 5º andar do prédio situado ao nível do Largo da Biblioteca. Mas, Mesnier não teria ficado pelo estudo deste plano inclinado, pois num dos seus desenhos surge a referência a um outro projecto idealizado para o mesmo local. O transporte era realizado por dois carros semi-fechados, como mostra um protótipo, pertencente á Carris, com data de 1892, construído pelo Sr. Cardoso, da firma Cardoso e D’Argent. É constituído por duas rampas paralelas com funicular, por onde deslizam os carros.

57 Fotografia de Joshua Benoliel, 1909.

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Ilustração 29 _ Projecto do plano inclinado de Mesnier e Protótipo do Ascensor Fonte: DELGADO, 1997, p.71

3.3.11. SÃO SEBASTIÃO, 1898

Funcionando a vapor, o Elevador de São Sebastião foi inaugurado em 15 de Janeiro de 1898. Ligando a Baixa a S. Sebastião da Pedreira este elevador contemplava os arrabaldes e facilitava o acesso ao Jardim Zoológico, à data localizado em Palhavã. O seu troço iniciava-se no Largo de São Domingos, perto do Teatro Nacional Dona Maria II, indo pela Rua das Portas de Santo Antão, Largo da Anunciada, Rua de São José, Rua de Santa Marta, Largo do Andaluz, terminando no Largo de São Sebastião. Funcionava das 6 às 24 horas. Até às 12 horas, permitia o transporte de bicicletas na plataforma traseira dos carros, pagando-se por isso 1 tostão. Cada carro comportava 24 passageiros. Este elevador foi desactivado quando começaram a funcionar os carros eléctricos em S. Sebastião da Pedreira. (O Elevador de São Sebastião, in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

58 Ilustração30 _ O Ascensor de S. Sebastião da Pedreira

Fonte: Hemeroteca Municipal de Lisboa (in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

58 In O Século, de 14 de Janeiro de 1889

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De todos os elevadores construídos em Lisboa, o de S. Sebastião da Pedreira é, certamente, um dos que mais caiu no esquecimento. No entanto, foi no seu tempo um elevador muito desejado, transportando alguns milhares de passageiros ao longo dos quase três quilómetros do seu percurso, ligando o Largo de S. Domingos com o de S. Sebastião da Pedreira. S. Sebastião da Pedreira desde há muito que precisava de transportes para a Baixa, mais rápidos e directos do que aqueles que teve quase até ao final do século XIX. É que, para além dos residentes, havia que transportar todos os lisboetas que em grande número se deslocavam ao jardim zoológico, nessa época uma das mais importantes atracções de Lisboa. (ALMEIDA, 2010, p.145)

Como nem todos os elevadores davam o rendimento esperado e muitas vezes as despesas surgiam na razão inversa dos lucros, ao falar-se na construção deste novo elevador, logo se noticiava que a nova linha de São Sebastião da Pedreira prometia mais rendimento, não só porque serviria uma zona importante da cidade, mas porque serviria o aumento da concorrência para o Jardim Zoológico e povoações rurais circunvizinhas. Este elevador seria em tudo semelhante ao da Estrela e da Graça. (ALVES, 2002, p.41) No final de 1898 eram publicados os preços para o percurso e respectivos troços: Largo de S. Domingos, Rua das Pretas, Largo do Andaluz, S. Sebastião da Pedreira. Como grande novidade, era autorizado o transporte de bicicletas, mediante o pagamento de uma taxa. Estava próximo o dia da inauguração, que chegou finalmente a 15 de Janeiro, servindo uma larga faixa populacional, que até então se vira limitada á utilização dos carros da Carris, que por darem uma longa volta a fim de evitar subidas difíceis de vencer, obrigavam os utentes a longas perdas de tempo. Com o elevador a viagem passaria a demorar cerca de vinte minutos. (ALMEIDA, 2010, p.147)

Como tantos outros, também este elevador desapareceu um dia, vítima dos transportes cada vez mais sofisticados que o progresso foi trazendo. Mas merecia um final bem diferente daquele que o Diário Ilustrado temia:

“Não tratamos das causas que deram motivo á suspensão das suas carreiras, que tão commodas e úteis eram; o que lastimamos é que a empreza tenha todas as carruagens abandonadas na estrada de Palhavã e às portas de S. Sebastião, á chuva, a todo o tempo, notando-se-lhes já salientes estragos, provenientes de tão impensável abandono.“59

59 Diário Ilustrado, de 17 de Janeiro de 1899. Apud ALMEIDA, 2010, p.149

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Sem dúvida que merecia um fim mais digno. Afinal levou toda uma vida ajudando os outros. Nos dias úteis eram as pessoas que precisavam de andar de um lado para o outro. Aos domingos de manhã, transportava os devotos que se deslocavam às igrejas de S. Sebastião e de S. Domingos para cumprirem os seus deveres religiosos. E pela tarde levava descontraidamente ao seu destino outros grupos bem diferentes: os habitues que preenchiam os seus tempos de lazer assistindo aos espectáculos do coliseu, ou aqueles que gozavam os domingos soalheiros passeando no Jardim Zoológico, na altura situado no Parque de Santa Gertrudes, onde ficam hoje os Jardins da Gulbenkian. (ALMEIDA, 2010, p.149)

3.3.12. SANTA JUSTA, 1901

Apelidado de Ascensor Ouro – Carmo, o Elevador de Santa Justa entrou em funcionamento, movido a vapor, em 10 de Julho de 1902, passando em 6 de Novembro de 1907, a ser accionado por energia eléctrica, continuando assim até aos nossos dias. Transporta-nos da Rua do Ouro, na Baixa, ao Largo do Carmo numa das suas duas cabines, que levam cerca de 20 passageiros cada. Com cerca de 32 metros de altura é feito de ferro e embelezado com rendilhados. O alto da torre, a que se chega por uma estreita escada em caracol, está ocupado por um café com esplêndidas vistas sobre o Rossio, a Baixa de Lisboa, o Castelo de São Jorge, na colina oposta, o rio Tejo e as ruínas da Igreja do Convento do Carmo. A ideia foi facilitar a circulação de pessoas entre o Rossio e o Largo do Carmo mas hoje serve apenas de elevador panorâmico já que a passagem está encerrada. Funciona todos os dias, no inverno das 7 às 21 horas, e no verão das 7 às 23 horas. (O Elevador de Santa Justa, in www.revelarlx.cm- lisboa.pt)

60 Ilustração 31 _ Elevador de Santa Justa Fonte: AFML - A25118 (in www.revelarlx.cm-lisboa.pt)

60 Fotografia de Paulo Guedes, Início do Século XX.

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Construir o elevador de Santa Justa foi fechar com chave de ouro a realização dessa espantosa série de elevadores que apareceram em Lisboa, graças ao arrojo e talento de Raul Mesnier de Ponsard. Também conhecido como Elevador do Carmo, é considerado como a sua obra-prima, que acabou por se transformar num verdadeiro ex-líbris da capital. Vale a pena observar a esplêndida arquitectura e primorosa decoração das suas duas torres geminadas, com cerca de 45 metros de altura. Tudo de acordo com a nobre localização que lhe foi destinada, mesmo no centro da baixa lisboeta. A finalidade da sua existência era, mais uma vez, ajudar o alfacinha a vencer as diferenças de nível, desta feita os cerca de 32 metros que separam a Rua do Ouro do Largo do Carmo. (ALMEIDA, 2010, p.153)

Ilustração 32 _ Projecto do Elevador de Santa Justa61 Fonte: Hemeroteca Municipal de Lisboa

O século XX despontava. Na Europa o progresso industrial aliava-se á preocupação de um melhor enquadramento paisagístico do meio urbano envolvente. Talvez por esse motivo, o engenheiro português Mesnier, moderno e actualizado, viajando para estar sempre na posse de novas técnicas e estilos, não esquece estas premissas e, no seu projecto de construção deste novo elevador, conjuga os elementos estrutural e

61 In O Ocidente, de 20 de Março de 1897

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estético. Aquele elevador teria uma dupla função, a funcional, pois servia o público na zona da Baixa, e a recreativa, uma vez que na sua parte mais elevada, se sugeria a construção de um miradouro artificial, de um restaurante, de lojas com montras envidraçadas e de um telescópio para enxergar até longe, o belo panorama citadino. Numa palavra, Mesnier propunha-se fazer daquela torre, sobranceira á cidade, um ponto de agradável convivência social. (ALVES, 2002, p.46)

Este elevador iria ter direito a duas inaugurações. No dia em que começasse a funcionar de modo a poder ser utilizado pelo público, o elevador seria certamente inaugurado com todas as honras devidas a um acontecimento de primeira importância. Só que, antes desse dia, havia um acontecimento de tal modo arrojado e espectacular que merecia também uma inauguração. Tratava-se da colocação da ponte que iria permitir que se estabelecesse a ligação entre o elevador e o Largo do Carmo, operação de grande delicadeza, perigo e precisão. Esse dia foi em 31 de Agosto de 1901, por coincidência, data em que pela primeira vez começaram a circular os eléctricos em Lisboa. (ALMEIDA, 2010, p.154)

“A ponte que deve ser hoje collocada por sobre a rua do Carmo pesa 20.000 kilos e tem 25 metros de comprimento. […] Descreve então um movimento combinado e vem aproximar-se do terraço do Sr. conde de Thomar, onde termina a sua carreira, abrindo a communicaçao entre o Largo do Carmo e a estação superior das torres.“62

E no dia seguinte as obras prosseguiram. Menos de um ano depois, em 10 de Julho de 1902, o Elevador de Santa Justa, utilizando o vapor como força de tracção, começava finalmente a andar. Podia assim realizar-se a segunda inauguração, no fundo a verdadeira inauguração do elevador, e dar inicio á sua utilização pública. As duas cabinas com uma ornamentação bastante cuidada e uma sóbria mas elegante decoração esperavam os fregueses impacientes (ALVES, 2002, p.46). Ao meio-dia em ponto, uma salva de doze morteiros anunciou que o elevador fora solenemente inaugurado, transportando sem o mínimo problema os ilustres da cidade. Choviam os elogios, pois, para além da comodidade e eficiência do transporte em si, a beleza da decoração das duas cabinas encomendadas propositadamente em Paris, provocava espanto e orgulho nos que se transportavam dentro delas. Vinte minutos depois das duas horas da tarde ouviu-se uma salva de morteiros, que anunciava que o elevador podia ser utilizado por toda a gente. Como é natural todos queriam subir para ver as vistas da passerelle. Venderam-se milhares de bilhetes, havendo tanta gente que se

62 O Século, de 31 de Agosto de 1901. Apud ALMEIDA, 2010, p.154

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tornou necessário pôr uma força de serviço nas entradas, que foram verdadeiramente assaltadas pelo povo. Era o presságio do sucesso que este elevador viria a ter. Parou para ser electrificado em 1907, e depois continuou sempre a andar, exceptuando casos de necessidade de obras de manutenção. Nos dias de hoje, é por vezes necessário esperar um bom bocado para conseguir lugar, tantas são as pessoas, sobretudo turistas, desejosas de subir até á ponte metálica, bem lá em cima. (ALMEIDA, 2010, p.157)

Ilustração 33 _ O Elevador de Santa Justa actualmente Fonte: Fotografia de autor

3.4. OS CONTERRÂNEOS DE LISBOA

Quando, nos anos 80 do século XIX, se descobriu em Braga que era muito mais vantajoso construir elevadores públicos do que andar a subir e descer uma panóplia de escadas ou ruas íngremes, imediatamente outras localidades de Portugal aceitaram com entusiasmo seguir essa ideia, com natural destaque para Lisboa, como já se viu, capital bem acidentada deste país. Em cerca de 20 anos, construíram-se nada mais nada menos que 14 elevadores e, aproximadamente 20 anos depois, Viana do Castelo inaugurava o último exemplar de um grupo de elevadores históricos de Portugal.

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Como já foi referido, o mais antigo e o primeiro a ser construído, foi o elevador do Bom Jesus em Braga. Obra-prima de arquitectura industrial, ainda hoje se move por acção do contra peso de água, tal como quando foi inaugurado em Março de 1882. Instalar um elevador, para subir de Braga ao Bom Jesus, pode ter sido apenas um acto de grande visão. Mas foi também de ousadia, por se tratar de um meio completamente desconhecido em Portugal. Raul Mesnier du Ponsard foi, como já foi referido anteriormente, a alma da maior parte dos elevadores que, durante a sua vida, foram construídos em Portugal. Todas essas ousadias foram recompensadas pelo sucesso da inauguração, em 25 de Março de 1882 e pela sua continuação até aos dias de hoje! É importante lembrar que este elevador, que nunca sofreu um acidente, está ainda hoje em actividade, primorosamente conservado, continuando a mover-se por contra- peso de água. Quem sobe ao Bom Jesus neste silencioso amigo do ambiente, fica com a sensação de ter visto, tocado e utilizado uma rara e bonita peça de arquitectura industrial.

Entretanto, e já depois da Calçada do Lavra e da Calçada da Glória terem o seu elevador, Mesnier não resistiu ao fascínio do Sítio, na Nazaré, e assim, em Julho de 1889, também esta localidade tinha o seu elevador a funcionar, já movido pela força do vapor, mostrando com compreensível orgulho as lindas vistas do seu percurso. Esse facto não fez parar os trabalhos em Lisboa e ainda bem, pois a Graça, Estrela e Bica já andavam em forte disputa, todas querendo ter um elevador! O primeiro que andou foi o da Estrela, em Agosto de 1890.

Em Junho de 1891 surge o Porto no meio desta confusão, inaugurando de uma forma arrasante, o Elevador dos Guindais, magnífico, com carruagens que tinham 1ª, 2ª e 3ª classes. Ligava, num percurso de grande inclinação, a Ribeira com a Batalha, recorrendo também á força do vapor. Raul Mesnier foi responsável pela sua concepção técnica. Dois anos após a inauguração teve um acidente e uma das carruagens veio parar cá abaixo! Não houve vítimas mortais, apenas alguns ferimentos e um valentíssimo susto, mesmo para quem passava perto, devido ao estrondo do embate. Nunca mais andou até que, em 2001, ressuscitado para integração no âmbito da Porto 2001 – Capital da Cultura, um novo elevador, moderno e panorâmico o veio substituir.

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Entretanto, em Gaia, ultimava-se um novo meio de transporte, uma espécie de elevador puxado por uma locomotiva. Utilizava uma cremalheira e destinava-se a subir a íngreme Calçada das Freiras, entre o Cais de Gaia e a Estação das Devesas.

Depois, e como já se viu, foi a vez dos elevadores do Chiado e da Bica, ambos em 1892, e da Graça em Junho de 1893.

A partir de Julho do mesmo ano (1893), na Madeira, com alguma intervenção de Mesnier, inaugurava-se a primeira fase do caminho-de-ferro para o Monte, que foi alcançado em 1894. O elevador de cremalheira, puxado por uma locomotiva, efectuava um longo percurso que se percorria em cerca de 35 minutos.

Em 1897 é a vez da Biblioteca, e em 1898 de São Sebastião, verem o seu elevador a ser inaugurado. Em 1902, é finalmente inaugurada a obra-prima de Mesnier, o Elevador de Santa Justa. Depois desta obra, Mesnier deu por terminada a sua participação nos elevadores.

O único elevador desta série que ainda não é centenário, mas que para lá caminha alegremente, é o de Santa Luzia em Viana do Castelo. Inaugurado em Junho de 1923, não teve uma vida fácil. Chegou mesmo a pensar-se que acabaria. Mas foi ressuscitado e hoje é um elevador muito bonito e moderno, bem de acordo com a beleza do seu percurso.

Impossível não recordar Raul Mesnier, ligado à construção de todos estes elevadores, exceptuando o último, construído já depois da sua morte. Importa também lembrar que todos os elevadores de Lisboa pertencem à Carris e os restantes, às respectivas Câmaras Municipais, sendo de realçar todo o trabalho de manutenção e conservação desenvolvido por estas entidades.

A tabela 3 resume as características de cada um dos seis ascensores construídos paralelamente aos de Lisboa, que serão abordados individualmente, com mais pormenor, nas páginas seguintes.

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Tabela 3 _ Características dos elevadores conterrâneos de Lisboa

Ascensor / Data Ligação estabelecida Sistema de Sistema de Desnível tracção tracção Elevador original actual

Bom Jesus 1882 – Alta de Braga – Cremalheira e Cremalheira e cabo por cabo por Braga Santuário Bom Jesus do contrapeso de contrapeso de 116 m Monte água água

Nazaré 1889 – Sitio da Nazaré –

Praia da Nazaré Vapor Eléctrico –

Guindais 1892 – 1893 Praça da Batalha –

Porto 2001 – Praça da Ribeira Vapor – 61 m

Calçada das 1892 – 1855 Cais de Gaia – Freiras Estação das Devesas – – – Gaia

Monte 1893 – 1919 Pombal (Funchal) – Cremalheira e cabo por Funchal Terreiro da Luta (Monte) contrapeso de – – água

Santa Luzia 1923 – 1988 Estação Ferroviária –

Viana do 2007 – Santuário de Santa Luzia – – 160 m Castelo

Fonte: Várias

3.4.1. BOM JESUS, BRAGA, 1882

O Elevador do Bom Jesus é um funicular que liga a parte alta da cidade de Braga, em Portugal, ao Santuário do Bom Jesus do Monte. Inaugurado em 25 de Março de 1882, a sua construção foi iniciada em Março de 1880. É actualmente o mais antigo do mundo em serviço a utilizar o sistema de contrapeso de água. As cabines têm um depósito que é cheio de água, quando estão no nível superior, e vazio no inferior. A diferença de pesos obtida permite a deslocação. O elevador segue um percurso paralelo à escadaria monumental conhecida como Escadório do Bom Jesus e termina na sua parte superior junto à estátua equestre de São Longuinhos. A distância percorrida por este funicular é de 274 metros, correspondendo a um desnível de 116 metros e a inclinação 42%. O tempo de viagem dura entre 2,5 e 4 minutos, dependendo do número de passageiros, que podem se até 38 por cabina (30 sentados). Funciona das 08h às 20h, 7 dias por semana, em viagens de 30 em 30 minutos. (CM Braga)63

63 Informação verbal fornecida em CM Braga (Posto Turismo)

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Ilustração 34 _ Vista do Bom Jesus do Monte, vendo-se ao lado da escadaria o elevador em movimento Fonte: ALMEIDA, 2010, p.38

Braga foi a primeira cidade da Península Ibérica, a tirar proveito da novidade que era o elevador. Manuel Joaquim Gomes, ao decidir adoptar em Braga esse invento, pensou imediatamente que a força motriz devia ser a água, porque para empregar o vapor, se tornava muito dispendioso (ALMEIDA, 2010, p.37). Com inteligência e engenho foi possível resolver o problema da energia utilizando o peso de água:

“[…] dois carros, conjugados por um cabo, sobem e descem alternada e simultaneamente em duas vias paralelas, assentes sobre um plano inclinado; o equilíbrio e o movimento do systema são determinados pelo pezo da água que no alto do plano é addicionada ao carro descendente […]”.64

A inauguração aconteceu no dia 25 de Março de 1882. Como os ensaios dos dias anteriores tinham sido entusiasmantes, tudo indicava que o elevador se transformaria num sucesso (ALMEIDA, 2010, p.39). Na imprensa da época escreveu-se:

“Braga conta hoje mais um melhoramento de que pode orgulhar-se verdadeiramente: o auto-motor para o plano funicular do Bom Jesus que até aqui parecia a todos uma utopia irrealizável, é já hoje d’uma applicaçao prática e indiscutível; em Portugal e, mais ainda em toda a Península Ibérica, foi em Braga que esta maravilha da sciencia e da mechanica teve uma realização, cujos resultados, sobremaneira satisfactoricos, se

64 O Ocidente, 1882. Apud ALMEIDA, 2010, p.37

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impõem com uma evidência que deslumbra. Desde sexta-feira que a Braga começaram a chegar, de todas as terras d’uma circunferência de bastantes léguas, bandos de indivíduos que accorriam desejosos de assistir a um d’esses espectáculos que causam assombro […].O povo agglomerava-se numa enorme columna cerrada, […] viram subir o primeiro carro ao mesmo tempo que pela linha parallela parecia vir-se precipitando pela montanha abaixo o segundo […].”65

Ao inaugurar-se o Elevador do Bom Jesus, inaugurava-se também a era dos elevadores em Portugal. Felizmente a vida correu-lhe de feição. Sofreu algumas avarias, teve necessidade de algumas renovações, mas o mais importante é que nunca sofreu qualquer acidente. Pode dizer-se que levou tudo de vencida. Teimou sempre em resistir a todas as novidades da tecnologia, preferindo continuara a andar acima e abaixo, manivelado a água. (ALMEIDA, 2010, p.47)

Ilustração 35 _ Elevador do Bom Jesus do Monte actualmente Fonte: Fotografia de autor

3.4.2. NAZARÉ, 1889

O Elevador da Nazaré é um funicular explorado pela Câmara Municipal da Nazaré e liga o centro da vila, a Praia da Nazaré, ao Sítio da Nazaré. É um dos transportes deste tipo com maior tráfego em Portugal, atingindo um milhão de passageiros por ano. O elevador foi construído no ano de 1889, com projecto de Mesnier. A linha foi assente em leito próprio, funcionando o cabo a descoberto sobre roldanas, numa extensão de 318 metros. Originalmente funcionava a vapor. Cada carro tinha capacidade para sessenta pessoas, era pintado de branco e não possuía janelas de vidro. A gare, no Sítio albergava a Sala das Máquinas que continha a caldeira que fornecia a energia necessária ao movimento dos carros. A caldeira era aquecida com lenha e, como na altura não havia fontes no Sítio, a água para a caldeira era levada da Praia pelos dois

65 M. Bento de Carvalho, Manuel Joaquim Gomes – A sua época e as suas Empresas para a Historia de Braga, Associação Comercial de Braga, 1984; Jornal A Folha Nova, de 27 de Março de 1882. Apud ALMEIDA, 2010, p.40

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carros. Em 1963 sofreu um acidente, devido à ruptura do cabo, de que resultaram dois mortos. Esteve parado cinco anos e reabriu em 1968, funcionando a electricidade. Em 2002 foi objecto de uma remodelação profunda, continuando a funcionar todos os dias. (CM Nazaré)66

Ilustração 36 _ Ascensor da Nazaré no ano de 1951 Fonte: www.cm-nazaré.pt

A fama dos bons resultados obtidos com os elevadores já construídos começou a estender-se rapidamente para lá dos limites de Braga e de Lisboa. Os fortes desníveis urbanos, sobretudo aqueles que provocavam incómodos e canseiras, eram olhados pelos investidores como uma boa hipótese de negócio. A Nazaré reunia todas essas condições. Situada cá em baixo, mesmo á beira do mar, teve sempre a domina-la a imponência dessa escarpa formidável, no cimo da qual se situa o Sítio, povoação onde na época estavam instalados os serviços administrativos, hospital, etc. Subi-la a pé demorava uma longa meia hora, e como alternativa existiam apenas os carros de tracção animal. Tais condições estavam mesmo a merecer um elevador. Na época balnear teria forte afluência e, noutros meses, a sua utilização seria garantida pelas necessidades da população local, que, de certeza, muito iria apreciar este melhoramento, que seria um bom investimento para todas as partes. Estes factores influenciaram de tal forma um grupo de gente de iniciativa que, posteriormente passou de grupo a parceria, á qual aderiu Raul Mesnier de Ponsard, propondo-se assumir a realização do projecto, que permitiria ir da Nazaré ao Sítio em apenas alguns minutos. (ALMEIDA, 2010, p.77)

Para andar acima e abaixo, puxando as carruagens foi escolhida a máquina movida a vapor, que não deveria ter dificuldade em vencer o percurso com a extensão de 318 metros, tendo uma inclinação de 34% no exterior e 41,5% nos cinquenta metros do

66 Informação verbal fornecida em CM Nazaré (Posto Turismo)

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túnel. As carruagens de design agradável, podiam transportar 62 passageiros, com bancos, ou podiam transportar 100, quando em situações excepcionais de grande afluência de público os bancos eram retirados. A entrada e saída fazia-se de forma a “[…] facilitar o movimento de passageiros por sítios opostos, de modo a não se encontrarem os ascencionistas e os descencionistas […] ”67 Realizadas as inevitáveis experiências de segurança e de bom funcionamento, que correram da melhor maneira, pôde então marcar-se o dia 28 de Julho de 1889, como data de inauguração e bênção solene da máquina Nossa Senhora da Nazaré, entre as três e as quatro da tarde. (ALMEIDA, 2010, p.79)

Não foi preciso passarem três meses depois da inauguração, para o mesmo periódico vir noticiar que nas festas da Nazaré “[…] o movimento do ascensor foi superior a 12.000 pessoas […]”68 Já não se podia viver sem o ascensor. E pode dizer-se que este elevador nasceu destinado a ter uma vida longa. A sua vida foi sempre extremamente intensa, sobretudo na época balnear. Apesar das preocupações com a sua manutenção, em 1963 teve um colapso, de que resultaram duas mortes e alguns feridos. Chegou a pensar-se que tinha chegado ao fim a sua vida. Foi reparado, reconstruído e modernizado. E hoje é um ascensor renovado que todos os dias, cumpre o seu dever de transportar os seus inúmeros passageiros, com certeza deslumbrados, com a beleza das vistas por ele também oferecidas. (ALMEIDA, 2010, p.81)

Ilustração 37 _ Ascensor da Nazaré actualmente Fonte: Fotografia de autor

67 Gazeta dos Caminhos-de-Ferro, de 1889. Apud ALMEIDA, 2010, p.79 68 O Século, de 16 de Outubro de 1889. Apud

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3.4.3. GUINDAIS, PORTO, 1891

O Funicular dos Guindais é uma ferrovia ligeira que se localiza na cidade do Porto, e liga a Praça da Batalha à Praça da Ribeira (Av. Gustave Eiffel). O funicular original, projectado por Raul Mesnier foi inaugurado em 4 de Junho de 1891, e fechou dois anos depois devido a um grave acidente em 5 de Junho de 1893. Foi totalmente re- projectado pelo mesmo engenheiro, na tentativa de o repor em funcionamento, o que nunca chegou a acontecer. Um século depois, um moderno funicular abriu a 19 de Fevereiro de 2004, operado pelo Metro do Porto. Vence um desnível de 61 metros, senda a distância do seu percurso 281 metros (90 em túnel), o que equivale a uma inclinação entre média 20 % e máxima 45 %. O tempo de viagem dura cerca de 3 minutos e as suas cabinas suportam 25 passageiros cada. Funciona de Domingo a Quinta das 08:00 às 20:00 e Sextas, Sábados e véspera de Feriados das 08:00 às 24:00, no Inverno. No Verão, de Domingo a Quarta das 08:00 às 22:00 e Quintas, Sextas, Sábados e véspera de Feriados das 08:00 às 24:00. Quer a subir, quer a descer a inclinada rampa, digna de uma montanha russa, oferece panorâmicas inesquecíveis sobre o rio , a ponte D. Luís I e o mosteiro da serra do Pilar. (CM Porto)69

Ilustração 38 _ O primitivo Funicular dos Guindais Fonte: ALMEIDA, 2010, p. 94

Quando já existiam elevadores a funcionar em pleno, em Braga, Lisboa e Nazaré, o que será que se estava a passar no Porto, cidade que sempre gostou de se sentir na vanguarda do progresso? O certo é que, por lá, rampas são coisas que não faltam. Existem mesmo alguns sítios em que a cidadã se debruça sobre o Douro de uma forma tão violenta que seriam lugares aterradores se a sua beleza não dominasse o medo que inspiram. (ALMEIDA, 2010, p.93)

69 Informação verbal fornecida em CM Porto (Posto Tuismo)

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A ideia de construir um ou mais funiculares no Porto remonta pelo menos a 1882, data em que deu entrada na Câmara o primeiro requerimento solicitando a construção de um elevador. Depois deste, mais alguns se seguiram, mas o grande passo só foi dado em 1887, com a constituição de uma sociedade denominada Parceria dos Elevadores do Norte, que se propunha construir alguns elevadores por esse Porto fora. Por diversas razões, quase todas as ideias foram sendo abandonadas, resolvendo construir-se apenas o elevador funicular de plano inclinado destinado a ligar os Guindais á Batalha. Era uma iniciativa de grande ousadia, que a ser concretizada, daria ao Porto o funicular capaz de vencer o maior e mais inclinado percurso até então utilizado em Portugal. Empreendimento difícil, mas de tal modo necessário a todos aqueles que diariamente eram obrigados a fazer o penoso percurso entre a beira do Douro e o alto da cidade. E para que rapidamente se pudessem por mãos á obra nesta ideia, convidou-se o ilustre Engº. Raul Mesnier Ponsard a dar a sua colaboração ao ambicioso projecto, que optou pelo sistema funicular movido por máquinas a vapor. (ALMEIDA, 2010, p.93)

As obras decorreram com toda a normalidade, avançando sem grandes percalços. Em Maio de 1891, foi possível começar as habituais experiências de funcionamento do elevador. O percurso deste elevador tinha 412 metros de extensão, sendo dois terços percorridos com uma inclinação relativamente baixa de 7%, apresentando o terço restante, uma inclinação de 49%. Depois das necessárias vistorias, anunciou-se o dia 4 de Junho como data da sua inauguração e abertura ao público, ficando o dia 3 reservado para uma apresentação á imprensa (ALMEIDA, 2010, p.94). O dia da inauguração foi de festa e toda a gente queria experimentar o novo ascensor:

“Foi grande a concorrência que hontemaffluiu ao elevador dos Guindaes á Batalha, principalmente de tarde, chegando a haver occasiões em que os carros não davam vasão ás muitas pessoas que n’elles queriam tomar lugar. Tanto na Batalha como no Guindaes, assistiu sempre grande multidão á partida e chegada dos veículos.”70

E assim se iniciou a vida deste elevador, com carruagens de 1ª, 2ª e 3ª classe, que nos dois primeiros anos da sua existência foi capaz de transformar um percurso duro e difícil num útil e bonito passeio (ALMEIDA, 2010, p.95). Certo dessa utilidade, um comerciante de Vila Nova de Gaia, de nome António Pinto dos Santos Júnior, pediu ao governo e às câmaras do Porto e de Gaia,

70 Comércio do Porto, de 5 de Junho de 1891. Apud ALMEIDA, 2010, p.95

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“ […] uma concessão para o estabelecimento de uma linha de via reduzida, que teria o seu inicio na Calçada do Rei Ramiro e seguiria depois pela rua marginal (avenida Diogo Leite) até á entrada do tabuleiro inferior da ponte Luiz I, e percorrendo esta, irá pela Ribeira, Encosta da Estiva, Terreirinho e Rua da Reboleira, terminando na Rua da Alfandega. […] A nova linha porá em communicação o Elevador dos Guindaes com o da Calçada das Freiras uma parte importante de Villa Nova com as linhas americanas do Porto, Foz e Mattosinhos e a Praça Batalha com a Estação das Devezas […] “.71

Tudo parecia ser risonho no futuro do Guindais. Só que, quando menos se esperava, um dia depois do segundo aniversário da sua inauguração, um acidente absurdo veio interromper a sua actividade. Só cerca de 110 anos depois se propôs a sua ressurreição. Foi o arquitecto Adalberto Dias quem teve a coragem de propor o projecto da sua renovação. E mais de um século passado sobre a sua inauguração, ressuscitou sob a forma de elevador moderno, panorâmico e confortável, para vencer o seu íngreme percurso, e ligar de novo, com toda a segurança, os Guindais á Batalha. (ALMEIDA, 2010, p.97)

Ilustração 39 _ O Funicular dos Guindais actualmente Fonte: Fotografia de autor

3.4.4. CALÇADA DAS FREIRAS, GAIA, 1896

Este elevador quando começou a andar criou com certeza algumas confusões no espírito dos seus utilizadores. Muitos terão pensado que era apenas um comboio, pelo facto de ter vagões e carruagens puxados por uma locomotiva enquanto outros, mais dados á precisão, o terão considerado um elevador devido á forte inclinação do seu

71 Iº de Janeiro, de 26 de Maio de 1893. Apud ALMEIDA, 2010, p.95

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curto percurso. E ao sistema de cremalheira utilizado. O correcto será dizer que terá sido um elevador que utilizava comboios para transportar passageiros e mercadorias. Foi a Empreza de Elevadores de Vila Nova de Gaya a responsável pela vinda deste elevador e dos seus comboios. Não se sabe, contudo, ao certo, qual a ligação de Mesnier a este projecto, uma vez que o seu nome nunca é referido em notícias referentes a este elevador na imprensa da época, inclusive nem mesmo nas da inauguração (ALMEIDA, 2010, p.107). Contudo, nos seus projectos está mencionado um

“Chemin de fer á locomotive et crémaillére de Villa Nova de Gaya, á Porto, Portugal ”. Por outro lado, aquando da inauguração do Elevador dos Guindais, no Porto, o 1º de Janeiro, referindo-se aos projectos da Companhia proprietária deste elevador, afirmava ser uma intenção “Organizar uma carreira de barcos a vapor entre Arnellas e a Foz, de serviço combinado com os elevadores dos Guindais e das Freiras, em projecto; construir um elevador por túnneis, desde a Alfandega á zona de S. Bento. Estes elevadores são construídos pela direcção do Sr. Raul Mesnier. […] ”72

Ilustração 40 _ Vista da Calçada das Freiras, Gaia Fonte: ALMEIDA, 2010, p.106

A ideia que presidiu á construção deste elevador, bem importante na sua época, foi ligar o Cais de Gaia, de grande movimento, com uma das mais importantes estações da linha férrea Lisboa – Porto, á Estação das Devesas – Gaia. Era um percurso relativamente curto mas de grande inclinação, muito percorrido por pessoas e importante via de circulação de mercadorias. A parte mais inclinada do percurso

72 1º de Janeiro, de 4 de Junho de 1891. Apud ALMEIDA, 2010, p.107

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situava-se na Rua Serpa Pinto, mais conhecida como Calçada das Freiras. Optou-se por uma solução técnica que com certeza terá sido pioneira em Portugal: comboios com carruagens para passageiros e vagões para carga, movidos por locomotivas a vapor e utilizando um sistema de cremalheira. Depois de várias e gloriosas experiencias, marcou-se o dia da inauguração (ALMEIDA, 2010, p.108). Foi feita ao meio-dia do dia 17 de Abril de 1892, bem ao gosto da gente do norte, uma girândola de foguetes anunciou o início das cerimónias:

“Ao meio-dia em ponto, partiu do caes das Freiras, onde estacionava grande multidão, o primeiro comboyo composto da machina Gaya de duas amplas e bem construídas carruagens para passageiros e que tomaram logar os convidados da empreza […] A machina quando sobe foi na cauda do comboyo e a viagem fez-se sem o mais leve embaraço e sem sensível trepidação. Á chegada á estação das Devezas a Empreza dos Elevadores ofereceu aos seus convidados um magnifico lunch. […] Por volta das três da tarde, quando o elevador foi aberto ao público os carros foram assaltados pelos mais impacientes e as carruagens durante o resto do dia andaram sempre repletas […]. “73

Foi de forma bem alegre que o elevador iniciou o seu sobe e desce pela Calçada das Freiras. Trabalhador incansável, pegava logo ao nascer do dia e terminava a sua jornada só depois de chegar o último comboio da noite. Assim andou durante alguns anos. Depois, novos meios de transporte apareceram e passou a levar apenas carga. Os primeiros cansaços começaram a fazer-se sentir por altura da II Guerra Mundial, e acabou por se retirar. (ALMEIDA, 2010, p.109)

3.4.5. MONTE, FUNCHAL, 1912

O Caminho de Ferro do Monte, vulgarmente conhecido como Comboio do Monte ou Elevador do Monte foi uma ferrovia de via única em cremalheira que ligava o Pombal, no Funchal, ao Terreiro da Luta, no Monte, numa extensão 3,911 km. Os estudos para o Caminho de Ferro do Monte foram feitos em 1886, pelo engenheiro Mesnier. As obras iniciaram-se a 13 de Agosto de 1891 e o primeiro troço, entre o Pombal e a Levada de Santa Luzia, foi inaugurado a 16 de Julho de 1893. No dia 5 de Agosto de 1894 o comboio chega ao lugar de Atalhinho na freguesia do Monte, situado a 577 metros de altitude. A 12 de Julho de 1910, a Companhia do Caminho-de-Ferro do Monte, decidiu prolongar o comboio até ao Terreiro da Luta. A 24 de Julho de 1912 o comboio chega então ao Terreiro da Luta, a 850 metros de altitude, ficando, no total, com uma extensão de 3.911 metros e as seguintes paragens: Pombal, Levada de Santa Luzia, Livramento, Quinta Sant’Ana (Sant’Ana), Flamengo, Confeitaria, Atalhinho (Monte), Largo da Fonte, e Terreiro da Luta. Na Rua do Pombal situava-se a estação principal e os escritórios da companhia. A 10 de Setembro de 1919 deu-se uma explosão na caldeira, de uma locomotiva, quando o comboio subia em direcção ao

73 Jornal de Noticias, de 19 de Abril de 1892. Apud ALMEIDA, 2010, p.109

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Monte. Deste acidente resultaram 4 mortos e muitos feridos. Devido a este desastre, as viagens foram suspensas até 1 de Fevereiro de 1920. A 11 de Janeiro de 1932, aconteceu novo desastre, desta vez por descarrilamento. A partir de então, turistas e habitantes viraram as costas ao caminho-de-ferro, considerando-o demasiado perigoso. Aliando este facto à II Guerra Mundial, que se iniciou entretanto, verificou-se uma falta de turistas na Madeira e a Companhia do caminho-de-ferro entrou em crise; a última viagem do comboio realizou-se em Abril de 1943 e a linha foi logo desmantelada. (www.cm-funchal.pt)

Ilustração 41 _ O Elevador do Monte, s.d. Fonte: ALMEIDA, 2010, p.125

O Elevador do Monte foi um dos mais interessantes elevadores construídos em Portugal. Pelas mesmas razões do de Gaia, tanto foi chamado de comboio como de elevador. Comboio, porque o seu percurso, para além de ser relativamente longo, cerca de quatro quilómetros, tinha estações intermédias. Não admira pois, que a rua por onde ele andou e que ainda hoje existe, se chame precisamente Rua do Comboio. Por outro lado, a grande inclinação a vencer e as rodas dentadas engrenando numa cremalheira colocada no eixo da via, levaram a que outros lhe chamassem elevador. Um facto, independentemente de razões de ordem técnica, contribui para que ficasse mesmo conhecido como elevador: Raul Mesnier também foi o responsável pelo seu nascimento. Os desníveis e as distâncias a vencer, aliados ao valor e incerteza de tal investimento, atrasaram o projecto. Mas o Monte, tão longe lá em cima, e ao mesmo tempo ali tão perto, apesar dos seus acessos terrivelmente incómodos, ia-se tornando, cada vez mais, numa verdadeira atracção turística. E não eram apenas os habitantes da Madeira quem procurava as suas belezas naturais. Também os inúmeros turistas, que já nesse tempo por lá passavam, cumpriam, o dever de ir ao Monte. (ALMEIDA, 2010, p.127)

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Chegou-se então á conclusão de que o projecto do elevador, além de exequível, apresentava também boas hipóteses de rentabilização. Tais conclusões fizeram avançar a concessão para realizar esse grande empreendimento. Quanto às estações, para servir o Funchal escolheu-se a zona do Pombal e, até alcançar o Monte, haveriam paragens na Ponte, Levada de Santa Luzia, Livramento, Levada do Flamengo, Confeitaria e, finalmente, Monte. Depois de várias notícias publicadas dando conta da evolução dos acontecimentos, chegou-se finalmente a 16 de Julho de 1893, data em que solenemente se fez a inauguração do troço entre o Pombal e a Levada de Santa Luzia. Com grande satisfação os assistentes viram partir para a sua viagem inaugural a locomotiva transportando autoridades e convidados, num percurso que teve a duração de cinco minutos. O dia 18 de Julho de 1894 veio trazer nova alegria para todos, ao anunciar-se que já era possível ir até á Levada do Livramento de comboio. E em menos de duas semanas, alcançava-se a Confeitaria. Segundo se lê nos jornais da época, foi tanta gente a querer fazer este trajecto que não cabiam nos comboios, acabando muitos por seguir a pé. (ALMEIDA, 2010, p.128)

Mas o dia mais importante, foi sem dúvida o 5 de Agosto de 1894, quando finalmente se inaugurou, com toda a solenidade, o segundo troço da linha e portanto a chegada ao Monte. A partir desta data, ir ao Monte deixou de ser uma viagem complicada, para se tornar num passeio rápido, agradável e cómodo. Excedendo talvez até as expectativas mais optimistas, começou a haver tantos passageiros que foi necessário, a partir de certa altura, solucionar o problema da ligação do centro do Funchal á estação do Pombal, situada na sua periferia. A construção, já no princípio do século XX, de uma linha de caminho-de-ferro americano ligando a Praça da Restauração com a Rua do Pombal veio resolver a situação. Todas estas inovações trouxeram um desenvolvimento tão forte á zona do Monte, que acabou por se prolongar a linha até ao Terreiro da Luta. Foi no dia 24 de Julho de 1912 a inauguração do prolongamento da linha do Monte. O futuro do elevador era encarado com alegria e serenidade. Só que, pelas 18.30 horas do dia 10 de Julho de 1919, precisamente na época de maior afluência de passageiros, deu-se um gravíssimo acidente. Perto da Estação do Livramento, a caldeira da locomotiva de um comboio ascendente, que circulava praticamente cheio, explodiu. Chegou a pensar-se que este trágico acidente seria o fim do elevador. No entanto, vencidos esses terríveis momentos, ele lá continuou, fazendo as suas carreiras e também algumas excursões de turismo, do Funchal ao Terreiro da Luta, organizadas pela empresa que era sua proprietária e que também explorava o restaurante que aí existia. Nessas excursões, os elevadores desciam

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vazios, porque se reservava aos turistas um emocionante regresso utilizando os célebres carros de vime. (ALMEIDA, 2010, p.130)

Ilustração 42 _ Descida dos carros de vime, paralela á linha do comboio Fonte: ALMEIDA, 2010, p.126

Com o desenvolvimento dos transportes, o glorioso elevador entrou no seu declínio. Já se viviam nos anos 40 do século XX quando a empresa proprietária decidiu pedir autorização á Câmara Municipal do Funchal para vender todo o material fixo e circulante. Era o fim de um capítulo da história do Funchal, que foi sem dúvida muito vivido por todos aqueles que nessa época, por lazer ou necessidade, faziam a bonita subida do Monte e do Terreiro da Luta. (ALMEIDA, 2010, p.132)

3.4.6. SANTA LUZIA, VIANA DO CASTELO, 1923

O Elevador de Santa Luzia é um funicular localizado na cidade de Viana do Castelo, que faz a ligação da estação ferroviária da cidade à Igreja de Santa Luzia. Foi inaugurado a 2 de Julho de 1923 funcionando até 19 de Abril de 2001, data em que foi desactivado e entrou em processo de degradação. Curiosamente, no seu último ano de funcionamento, o elevador foi utilizado por cerca de 40 mil pessoas. Em Junho de 2005 foi iniciado o seu restauro, e o elevador abriu de novo ao público em 5 de Abril de 2007. Cada uma das duas carruagens tem capacidade para 25 pessoas, 11 das quais sentadas, sendo os 650 metros de extensão do percurso cobertos a uma velocidade de dois metros por segundo, numa inclinação média de 25%. O sobe e desce, no período de Verão, tem lugar entre as 08h e as 20h, enquanto que no Inverno encerra duas

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horas mais cedo. Em 2001, o seu último ano de funcionamento, o elevador foi utilizado por cerca de 40 mil pessoas. (CM Viana do Castelo)74

Ilustração 43 _ Monte de Santa Luzia Fonte: ALMEIDA, 2010, p.162

Depois do Elevador de Santa Justa, cerca de 20 anos passaram sem aparecer alguém que tivesse a coragem de resolver alguns problemas gritantes, criados pelas diferenças de nível. Até que nos anos 20 do século passado, um capitalista do Porto, de seu nome Bernardo Pinto Abrunhosa, achou que era tempo de ajudar as pessoas a tirar partido da beleza magnífica do Monte de Santa Luzia, em Viana do Castelo. Investiu no desenvolvimento turístico, restaurando e modernizando o Grande Hotel de Santa Luzia e construindo depois um elevador que transportasse até lá acima os peregrinos e turistas. Foi inaugurado em 2 de Junho de 1923, funcionando cerca de 60 anos (ALMEIDA, 2010, p.163).

Em 19 de Abril de 1888 foi considerado inactivo. Entrou em depressão, chegando quase a atingir um total estado de degradação. Valeu-lhe a Câmara Municipal de Viana do Castelo. Preocupada com o seu estado de deterioração, e consciente da falta que fazia á cidade. Foi enorme o esforço realizado na sua remodelação e modernização. Mas hoje Viana do Castelo pode orgulhar-se de ter um magnifico elevador, moderno e seguro. (ALMEIDA, 2010, p.165)

74 Informação verbal fornecida em CM Viana do Castelo (Posto Turismo)

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Ilustração 44 _ Elevador de Santa Luzia actualmente Fonte: Fotografia de autor

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4. OS NOVOS MODOS DE APOIO Á CIRCULAÇÃO PEDONAL: O RENASCER DOS ELEVADORES, UM SÉCULO DEPOIS

Muita gente se interrogará quantos terão sido os elevadores construídos no nosso país, depois do de Santa Justa. No fundo, é o mesmo que perguntar quem terá substituído Raul Mesnier du Ponsard. É uma pergunta pertinente, se nos lembrarmos que no espaço exacto de 20 anos foram inaugurados em Portugal 14 elevadores, sendo duvidosa a colaboração de Mesnier apenas em dois.

É curioso saber que os que vieram a seguir nasceram, frequentemente, pela mão de arquitectos. Durante quase um século, apenas foi reconstruído o de Guindais, já abordado e construído o Ascensor da Ribeira no Porto, também conhecido como Elevador do Lada. No início deste século as coisas começaram a mudar. No ano de 2000, Almada inaugurou o seu Elevador Panorâmico da Boca do Vento e, em 23 de Novembro de 2001, Coimbra viu finalmente o Elevador do Mercado iniciar as suas viagens. Mais recentemente, em 10 de Outubro de 2008, em S. Martinho do Porto, começou a funcionar o Elevador do Outeiro. Em 20 de Maio de 2009 foi a vez do Elevador do Peneco, em Albufeira. Em 25 de Setembro de 2009 abriu ao público o Funicular da Calçada do Viriato, em Viseu. Mais recentemente em 2 de Junho deste ano, foi a vez do elevador panorâmico do Mercado Chão do Loureiro em Lisboa, integrado no percurso pedonal assistido da Baixa á Colina do Castelo de São Jorge. E com certeza, outros se seguirão.

Depois de tantos anos esquecidos, Almada, Coimbra, S. Martinho do Porto, Albufeira, Viseu, Lisboa e, com uma importância relevante que será tratada também neste capítulo, a Covilhã, vêm dizer que afinal os elevadores estão vivos, sempre dispostos a ajudar quando surgem os detestáveis problemas criados pelas diferenças de nível. Panorâmicos ou não panorâmicos, verticais ou em planos inclinados, grandes ou pequenos, os elevadores públicos não chegaram ao fim. É sem dúvida um magnífico renascer e, também, uma justa homenagem que se presta a Raul Mesnier du Ponsard.

4.1. SUSTENTABILIDADE URBANA, O POLIS E OS NOVOS MODOS SUAVES

A integração de estratégicas transversais á problemática do planeamento urbano e territorial, permitindo equilibrar os cenários do desenvolvimento ambiental, social e económico, tem sido a principal referência das políticas de ordenamento, tanto a nível europeu como nacional, desde as últimas décadas do século XX. Em Portugal, a

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tomada de consciência do desfasamento existente entre os objectivos perseguidos no sistema de gestão e as realidades urbanas territoriais, conduziu á adopção de novas medidas, por parte da Administração Central, as quais visam dotar o planeamento urbano de maior sustentabilidade e mais operacionalidade. (SILVA, 2010, p.25)

Segundo Fernando Nunes da Silva (2010, p. 27) os princípios que podem regular uma transição para cidades mais sustentáveis são conhecidos e a sua formulação é relativamente simples:

- Um modelo de cidade compacta e contida na sua expansão, que promova um desenvolvimento policêntrico do território e das regiões, é mais eficiente na utilização dos recursos do solo e energia e permite uma maior sustentabilidade dos transportes;

- É fundamental a conservação de espaços de importância ecológica e produção agrícola, dento e fora dos perímetros urbanos;

- A reabilitação do espaço já construído (valorização dos centros históricos e de áreas sem utilização) é preferível á urbanização de novos territórios;

- A qualificação dos espaços públicos e a promoção da mistura de usos surgem como a alternativa saudável para contrariar o congestionamento viário, a poluição atmosférica e o ruído da motorização privada;

- O desenvolvimento de energias limpas e renováveis reduz a poluição atmosférica e o consumo de recursos energéticos de origem fóssil.

No relatório Creating Sustainable Cities (1999), Herbert Girardet argumenta que a cidade sustentável será aquela que “se organiza de modo a permitir que todos os cidadãos satisfaçam as suas próprias necessidades e elevem o seu bem-estar, sem danificar o meio ambiente natural e colocar em perigo as condições de vida de outras pessoas, agora e no futuro.”75

Á escala da cidade, as orientações de sustentabilidade apresentam os seguintes desafios para o planeamento urbano: desenvolvimento territorial policêntrico; mobilidade sustentável, reduzindo a dependência do automóvel e aumentando as oportunidades de meios alternativos, o transporte colectivo e não motorizado, para reconquistar a proximidade como valor de cidadania e recuperar a convivência dentro

75 Apud SILVA, 2010, p.27

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do espaço público; controlo da expansão urbana; reabilitação da cidade; mistura de funções; espaço público como factor de integração, a mistura de usos, a densidade e a ocupação frequente do espaço público pelos cidadãos favorecem a coesão e a segurança, concebendo o espaço público como o eixo da cidade, libertando-o da função primordial de espaço canal para o transporte motorizado, para converte-lo em espaço de convivência, que permite o desenvolvimento de espaços verdes e a integração de elementos naturais. (SILVA, 2010, p.29)

No que diz respeito aos principais objectivos da aplicação de boas práticas na concepção de sistemas de acessibilidades e espaço público sustentáveis, estes consistem na redução da necessidade do uso do automóvel e na adequação da realidade urbana á escala do peão. Estes objectivos são facilmente compreendidos se olharmos para os impactes ambientais, urbanísticos, económicos e sociais causados pelo uso do automóvel. (SILVA, 2010, p.65)

É objectivo passar o automóvel de necessidade a opção. Devem ser considerados incentivos á utilização de transportes públicos, melhorando a qualidade da oferta e assegurando o seu funcionamento sistémico e integrado, assegurando interligações entre modos, revelando-se necessária uma estratégia para a sua promoção. A adopção de medidas de gestão de mobilidade que encorajem a utilização de modos não poluentes e a penalização da mobilidade em transporte individual nos centros urbanos são essenciais. A promoção e integração dos modos suaves no sistema de mobilidade de uma cidade potenciam a multimodalidade e promovem o respeito entre os diversos utilizadores do espaço público de circulação (SILVA, 2010, p.99). Para se poder levar a bom termo acções de favorecimento dos modos de transporte suaves, é necessário ter uma visão global de mobilidade sustentável, que inclua o ordenamento do território, a melhoria da oferta de transportes públicos, medidas de gestão da mobilidade com restrições ao automóvel e a melhoria da qualidade do espaço publico. Revela-se cada vez mais importante a promoção e educação para a mobilidade sustentável, numa perspectiva integradora e respeitadoras dos diversos utilizadores. É o conjunto de diversas medidas no âmbito de um planeamento alargado que poderá desencadear o sucesso de uma política de mobilidade suave em meio urbano, a qual se tem revelado, do ponto de vista estratégico, um importante instrumento de melhoria do ambiente urbano em diversas cidades. (SILVA, 2010, p.102)

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As boas práticas para uma mobilidade sustentável, terão de passar incontornavelmente por formas de locomoção mais sustentáveis, ou seja, pela promoção de modos suaves. O modelo de cidade compacta, a maximização da mistura de funções no espaço urbano e a promoção de um urbanismo de proximidade potenciam a acessibilidade em modos suaves, as interacções sociais e o acesso equitativo das pessoas a serviços e bens. (SILVA, 2010, p.77)

“Uma boa cidade é uma cidade onde as pessoas se podem deslocar de muitas formas diferentes, segundo os seus gostos, as suas capacidades físicas, as actividades que exercem (…). A cidade é um encadeamento de ritmos, individuais e colectivos, com uma extraordinária diversidade.” 76

O conceito de mobilidade sustentável, cada vez mais presente nas políticas e estratégias territoriais da União Europeia, pressupõe que os cidadãos, vivendo em cidades, vilas ou aldeias, disponham de condições e escolhas de acessibilidade e mobilidade que lhes proporcionem deslocações seguras, confortáveis, com tempos aceitáveis e custos acessíveis. Implica, ainda, que a sua mobilidade se exerça com eficiência energética e reduzidos impactos ambientais. (IMTT/GPIA, 2011, p.3)

Os instrumentos de política pública orientados para a qualidade de vida nas cidades e sustentabilidade urbana aproveitam as disponibilidades do III Quadro Comunitário de Apoio (QCA), no sentido de mobilizar as iniciativas que tenham por objectivo a qualificação do ambiente urbano. Investimentos significativos na melhoria da qualidade do ambiente urbano têm sido feitos, designadamente através do Programa Operacional do Ambiente (POA) e Programas Operacionais Regionais (PORs) em articulação com o Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental de Cidades (POLIS), mobilizando agentes de natureza diversa num quadro de estabelecimento de formas de cooperação e parcerias a diferentes níveis institucionais, especialmente entre a União Europeia, Governo e Autarquias Locais. (QUEIRÓS; VALE, 2006)

O Programa POLIS é uma intervenção recente de política pública com grande visibilidade no domínio da requalificação urbana e valorização ambiental das cidades em Portugal. O POLIS teve início formal em 15 de Maio de 2000 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000), após a preparação do programa por um Grupo de Trabalho (criado em 18 de Novembro de 1999, por iniciativa e na dependência directa do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território). O POLIS foi desenhando de

76 ARMAR, G. (2004) – Mobilités urbaines. Ed. de l’Urbe, Paris. Apud SILVA, 2010, p.96

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acordo com as tendências da política ambiental para as cidades na UE, procurando resolver problemas ligados à saúde pública e às disfunções ambientais urbanas (QUEIRÓS; VALE, 2006). Assim o POLIS tem como objectivos específicos (MAOT, 2000, p.27): desenvolver grandes operações integradas de requalificação urbana com uma forte componente de valorização ambiental; desenvolver acções que contribuam para a requalificação e revitalização de centros urbanos e que promovam a multifuncionalidade desses centros; apoiar outras acções de requalificação que permitam melhorar a qualidade do ambiente urbano e valorizar a presença de elementos ambientais estruturantes tais como frentes de rio ou de costa; apoiar iniciativas que visem aumentar as zonas verdes, promover áreas pedonais e condicionar o trânsito automóvel em centros urbanos.

Os aspectos associados á mobilidade nas cidades assumiram um papel importante nas intervenções Polis, restringindo e reorganizando a circulação automóvel e melhorando a qualidade do ar que respiramos, ordenando o estacionamento e libertando espaço para a circulação pedonal, abrindo novos caminhos a formas menos poluentes de nos deslocarmos. O desafio consiste em afastar os automóveis sem afastar as pessoas. (MAOTDR, 2007, p.8)

“Disciplinador, o Programa Polis incrementou novas soluções para reordenar a rede viária das cidades. Novos planos de circulação, passagens desniveladas, parques de estacionamento subterrâneos, foram algumas das soluções para minimizar o problema, descobrindo-se novos espaços para o peão. É que o automóvel é importante, mas acaba por não ser essencial…” (MAOTDR, 2007, p.13)

“A cidade pode ser descoberta. Em cada caminhada, em cada passeio de bicicleta, podemos vislumbrar novos horizontes sobre a nossa cidade. Longe do volante; a pé, de autocarro, de comboio ou até de elevador abre-se o campo de visão sobre o espaço que habitamos. A cidade parece que cresce…” (MAOTDR, 2007, p.27)

“Novos caminhos, alguns reinterpretados, e novos espaços. Afinal estavam ali tao perto. Conciliador, o Polis abriu novas avenidas, novas vias, novos passeios. O automóvel tem sinal vermelho!” (MAOTDR, 2007, p.31)

“Vencer obstáculos físicos – o sobe e desce da nossa cidade – é também possível sem um motor de combustão. Há jóias do nosso imaginário que ainda hoje dão resposta ao nosso eterno desassossego. Uma viagem de funicular, uma subida de elevador, ou uma deslocação num veículo eléctrico são soluções reinventadas pelo Polis.” (MAOTDR, 2007, p.47)

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4.2. OS NOVOS MODOS DE APOIO Á CIRCULAÇÃO PEDONAL

Gerir a mobilidade urbana numa perspectiva de sustentabilidade é hoje um dos maiores desafios que se colocam às autoridades públicas que intervêm neste domínio. A procura de soluções que garantam a acessibilidade a bens e serviços, satisfaçam as necessidades de deslocação da população e, simultaneamente, não contribuam para o agravamento das condições ambientais, tanto ao nível local como global, têm mobilizado, investigadores, técnicos, empresas e entidades da administração pública. Todavia há ainda um longo caminho a percorrer para se atingirem os objectivos consignados em vários documentos oficiais, de que o Protocolo de Quioto, as Directivas Comunitárias sobre a matéria, o Plano Nacional para as Alterações Climáticas ou a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável, são os mais pertinentes. De facto, o confronto entre os interesses individuais que se expressam numa sociedade recentemente motorizada como é a nossa, as perspectivas cada vez maiores que esta quanto ao exercício da mobilidade urbana (quase erigida em novo direito da cidadania), e os crescentes impactos ambientais que a dependência do transporte individual tem implicado (quer em termos de emissões poluentes, quer no que refere á ocupação excessiva e consequente degradação do espaço publico), tem condicionado de sobremaneira a implementação de propostas que, embora tecnicamente eficazes suscitam frequentemente a oposição da população ou dificilmente permitem conciliar a adesão dos vários actores do sistema urbano que intervêm neste domínio. (MAOTDR, 2007, p.10)

As propostas realizadas recentemente neste âmbito privilegiam a qualificação do espaço público e o contacto da cidade com os espaços naturais que a percorrem ou marginam, possibilitaram o desenvolvimento de espaços pedonais e de esquemas de moderação da circulação, que são ingredientes fundamentais para se ir construindo uma nova filosofia de abordagem da mobilidade urbana. É possível um conjunto diversificado de soluções e experiências que ilustram de forma muito interessante projectos de reestruturação viária e de introdução, ou desenvolvimento, de novas formas de mobilidade urbana, que foram pensados, planeados e concretizados numa perspectiva de moderar a circulação automóvel nos centros urbanos, promover a atractividade dos transportes colectivos, favorecer os chamados modos suaves, como sejam o peão e a bicicleta, e inovar na introdução de novos modos de apoio á circulação pedonal em meio urbano público. (MAOTDR, 2007, p.10)

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Certamente que muito haverá ainda que realizar para dotar as nossas cidades de sistemas e projectos que contribuam para uma mobilidade urbana mais sustentável, mas não se pode deixar de salientar a importância que estes projectos assumem como casos de estudo e exemplos práticos de como se podem concretizar algumas iniciativas que vão no bom caminho.

A tabela 4 resume as características dos elevadores construídos recentemente em Portugal, como novos modos de apoio á circulação pedonal, que serão abordados individualmente, com mais pormenor, nas páginas seguintes.

Tabela 4 _ Elevadores construídos recentemente

Ascensor / Data Ligação estabelecida Sistema de Desnível Elevador tracção

Ribeira

Porto 1999 – Ribeira (Rua D. Hugo) – Sé (Largo do Eléctrico 21 m Lada)

Boca do Vento 2000 – Alta Almada (Almada Velha) – Zona Eléctrico 50 m Almada ribeirinha (Olho-de-boi)

Mercado

Coimbra 2001 – Mercado Municipal D. Pedro V – Alta de Eléctrico 51 m Coimbra / Universidade (Rua Padre António Vieira)

Outeiro

São Martinho 2008 – Alta da vila (Outeiro) – Marginal Ribeirinha Eléctrico 20 m do Porto (Rua Vasco da Gama

Peneco

Albufeira 2009 – Praia do Peneco – Centro Antigo Eléctrico 25 m

Calçada do Viriato 2009 – Recinto da Feira de São Mateus / Parque Eléctrico 64 m Viseu Linear Rio Pavia – Sé (Centro Histórico)

Fonte: Várias

4.2.1. RIBEIRA, PORTO, 1999

O Ascensor da Ribeira, ou Elevador do Lada, como é vulgarmente conhecido, é um elevador de bairro, pequeno, e foi construído já na última década do século passado para dar apoio a uma unidade da indústria hoteleira. Esse objectivo não foi atingido,

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mas a Câmara Municipal do Porto decidiu mantê-lo em actividade. Embora de dimensão muito mais reduzida, tem uma arquitectura que lembra um pouco o da Biblioteca, em Lisboa, e está muito bem enquadrado no local onde se situa. (CM Porto)77

Ilustração 45 _ Ascensor da Ribeira Fonte: Fotografia de autor

O Ascensor da Ribeira é um transporte público urbano de acesso gratuito que liga a Ribeira do Porto, pelo número 66 do Cais da Ribeira, junto à Ponte D. Luís, à meia encosta de Miragaia, no Largo da Lada, por via de um elevador vertical e de um passadiço. Ao cimo das 136 escadas, está a outra entrada do ascensor e a porta de um edifício com vistas únicas sobre a Ribeira, onde vivem pessoas e existe um ATL para crianças. Para as levar existem duas opções: subir a escada de pedra de cerca de 140 degraus desde a beira-rio ou entrar pelas traseiras, pela Rua D. Hugo subir pelo elevador até à Sé - as duas cotas que a construção do elevador se destinava a unir. O elevador, que liga a Ribeira ao Paço Episcopal é um elemento muito importante de mobilidade local, uma vez que funciona como uma alternativa de acesso cómodo para a população da Sé, que há muito se habituou a fugir ás cerca de 140 escadas que o ladeiam. Atendendo à magnífica paisagem que dele se avista sobre o Douro, o seu aproveitamento enquanto pólo de atracção turística, bem como na sua envolvente superior o aproveitamento de uma zona de estar e de miradouro, constituem outras vertentes da sua funcionalidade. (www.cm-porto.pt)

77 Informação verbal fornecida em CM Porto (Posto Turismo)

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Ilustração 46 _ Ascensor da Ribeira visto de Gaia Fonte: Fotografia de autor

4.2.2. BOCA DO VENTO, ALMADA, 2000

O dia de S. João, data do feriado municipal de Almada, teve no ano 2000 mais uma circunstância importante para comemorar. A Câmara Municipal de Almada inaugurou o seu elevador, baptizado com o nome de Elevador Panorâmico da Boca do Vento. Obra concebida pelo escultor Domingos Aurélio, vence uma altitude de cinquenta metros. Liga a parte alta de Almada com a sua zona ribeirinha, alcançando-se assim facilmente o simpático Jardim do Rio. A partir da Boca do Vento, observa-se a cidade, o rio e o azul do céu, numa vista deslumbrante sobre Lisboa e as suas colinas, debruçando-se sobre o Tejo. (CM Almada)78

Ilustração 47 _ Elevador da Boca do Vento Fonte: Fotografia de autor

78 Informação verbal fornecida em CM Almada (Posto Turismo)

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Com capacidade para 10 pessoas e 2 bicicletas por viagem, ou 8 pessoas e 3 bicicletas por viagem, funcionando todos os dias das 8 às 24 horas no Verão e as 20 no Inverno. Este elevador panorâmico liga a parte alta de Almada, a apelidada Almada Velha, ao caminho marginal do rio Tejo, ou seja, une a parte histórica de Almada, situada numa colina fronteira ao Tejo, aos antigos estaleiros do Olho-de-boi, agora transformados em zona de lazer. A viagem permite aceder a uma zona ajardinada à flor da água onde se situam restaurantes e esplanadas com soberbo panorama sobre Lisboa. Lá em baixo pode-se aproveitar a relação do espaço com a água, pode ir-se até Cacilhas, sempre junto ao rio, ou demorar-se no Jardim, visitando a Fonte da Pipa. (CM Almada)79

Ilustração 48 _ Elevador da Boca do Vento visto de Cacilhas Fonte: Fotografia de autor

4.2.3. MERCADO, COIMBRA, 2001

Desde há muito que esta cidade sonhava com um ou mais elevadores, chegando a ser noticiado no início de 1893 que em Coimbra “ […] devem principiar brevemente os trabalhos do elevador que da Rua Ferreira Borges seguirá até ao Largo da Feira ou de S. João; e de outro que porá em communicação o Largo do Museu como Bairro de Santa Cruz, pela cerca dos jesuítas […] ”.80 Deve ter sido exagero pois parece que nem um nem outro foram construídos. Mais de cem anos depois, em 23 de Novembro de 2001, com a inauguração do Elevador do Mercado, Coimbra teve finalmente o seu elevador. Este elevador adopta uma situação interessante, que é no fundo a combinação de dois elevadores, um vertical e outro de plano inclinado, que trabalham em parceria para

79 Informação verbal fornecida em CM Almada (Posto Turismo) 80 O Iº de Janeiro, de 23 de Junho de 1893. Apud ALMEIDA, 2010, p.167

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transportar passageiros do patamar do novo Mercado D. Pedro V até á alta da cidade; um faz metade da viagem, subindo na vertical, o outro faz o resto da viagem, mas num plano inclinado. No dia da sua inauguração, foi anunciado que já se estava a projectar mais um elevador, destinado a ligar a Alta Universitária com a Rua da Alegria, junto ao Parque Dr. Manuel Braga. Os elevadores, há tantos anos desejados nesta cidade, começam finalmente a circular. (ALMEIDA, 2010, p.168)

Ilustração 49 _ Vista a partir do elevador inclinado Fonte: Fotografia de autor

A morfologia do centro histórico de Coimbra, sobretudo da cidade intra-muros, tem características muito próprias. De facto, as ruas da alta são estreitas, por vezes muito íngremes, algumas até de difícil acesso. O seu piso irregular, de calçada de seixo colocada à sorte, de que se conhece a sua utilização desde o século XVI, é desconfortável para os peões. A baixa da cidade é por si só mais plana logo, mais acessível, mas apresenta outras dificuldades em termos de acessibilidades. Perante as dificuldades inerentes a um tecido urbano medieval e de declive acentuado, há, por vezes, pouco a fazer para tornar algumas zonas acessíveis a todos os cidadãos. Assim, o elevador surgiu em Coimbra como uma iniciativa de importância significativa que melhora substancialmente a qualidade de vida dos residentes do centro histórico e dos seus visitantes. O elevador do Mercado Municipal veio facilitar a vida a quem se pretende deslocar do Mercado para a Alta (residência/Universidade) ou vice-versa, evitando ter de se vencer a pé uma diferença de cotas de 51 metros. É um ascensor vertical nos primeiros 20 metros. Segue-se uma rampa horizontal, que é percorrida a pé, e depois apanha-se novamente um outro elevador em plano inclinado, em cerca

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de 51 metros, que vai então desembocar na Rua Padre António Vieira. É todo construído em ferro. As pessoas que moram na alta da cidade, usam-no com grande frequência, tanto que quando é feita a manutenção do elevador, que habitualmente demora uma manhã, logo as pessoas reclamam. Tal não é a falta que lhes faz este meio de transporte. (CM Coimbra)81

Ilustração 50 _ Elevador do Mercado Fonte: Fotografia de autor

4.2.4. OUTEIRO, SÃO MARTINHO DO PORTO, 2008

O Elevador Panorâmico de São Martinho do Porto foi inaugurado no dia 10 de Outubro de 2008, possibilitando agora um acesso mais fácil à zona alta da vila, onde se situa a igreja e vários estabelecimentos comerciais. Da autoria dos arquitectos Gonçalo Byrne82 e Falcão de Campos83, é composto por quatro pisos e assume uma arquitectura contemporânea. O piso térreo é um espaço totalmente aberto que permite a visualização de todo o edifício. No piso 1 está instalado o Posto de Turismo, com acesso à Internet. O piso 2 é um espaço expositivo polivalente, ficando os sanitários públicos localizados no piso -1. A partir da Rua da Bela Vista foi construído um bar com esplanada e uma escada pública de ligação ao Largo Comendador José Bento da Silva. Para os projectistas o equipamento destaca-se pela polivalência, sendo um equipamento inteligente, porque ao mesmo tempo que é multifuncional, promove a mobilidade para todos, uma vez que não será apenas um Posto de Turismo, mas

81 Informação verbal fornecida em CM Coimbra (Posto Turismo) 82 Gonçalo Byrne (1941 - ) é licenciado em Arquitectura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa desde 1968. Autor de uma vasta obra, várias vezes premiada. Vencedor de concursos a nível nacional e internacional. Tem obras e trabalhos teóricos editados em publicações nacionais e estrangeiras. 83 João Pedro Falcão de Campos (1961 - ) é licenciado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura, Universidade Técnica de Lisboa em 1984. Em 1987 abre o seu próprio atelier. Desde 1993, colabora como atelier associado, com o Arq.º Álvaro Siza e com o Arq.º Gonçalo Byrne. Professor Convidado, responsável pela disciplina de Projecto III, no Instituto Superior Técnico, desde 2004. Professor Convidado no curso ETS de Arquitectura da Universidade de Navarra, Pamplona desde Outubro 2010.

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também um ascensor, um espaço museológico e expositivo, equipado com mobiliário amovível entre outros pormenores. (CM Alcobaça)84

Ilustração 51 _ Elevador do Outeiro Fonte: Fotografia de autor

A obra assume grande importância para os habitantes residentes na vila, uma vez que liga a parte baixa à zona alta, também conhecida por Outeiro, que há muito se deparava com dificuldades de ligação, devido ao desnível acentuado do terreno. Este novo equipamento visa facilitar a mobilidade dos habitantes, fazendo a ligação entre a Rua Vasco da Gama (mais conhecida por 'Rua dos Cafés'), a Rua Bela Vista e o Largo Comendador José Bento da Silva. Trata-se de uma nave em vidro, que permite total visibilidade do utilizador para o exterior, com capacidade de carga útil de 1000 kg, para 13 pessoas, com uma altura que ronda os 20 metros. Funciona todos os dias, de Maio a Setembro das 10 às 24h e de Outubro a Abril das 10 às 21h. Contudo a empreitada não se resumiu à construção do elevador, e os trabalhos englobaram também a requalificação do Largo José Bento da Silva, antigo Adro, um dos mais belos miradouros de São Martinho do Porto. Esta obra faz parte da estratégia global da requalificação de São Martinho. A primeira parte centrou-se na recuperação da Marginal e a consequente valorização da zona urbana, que culmina com esta obra que surge como elemento de ligação entre a zona da Marginal e a zona alta. (CM Alcobaça)85

84 Informação verbal fornecida em CM Alcobaça (Posto Turismo São Martinho Porto) 85 Informação verbal fornecida em CM Alcobaça (Posto Turismo São Martinho Porto)

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Ilustração 52 _ Vista do elevador sobre a vila de São Martinho do Porto Fonte: Fotografia de autor

4.2.5. PENECO, ALBUFEIRA, 2009

Integrado na empreitada de construção da frente urbana poente, zona de intervenção do programa Polis em Albufeira, este elevador representa uma melhoria significativa ao nível dos acessos à praia do Peneco, facilitando a vida aos seus utilizadores. A intervenção do Programa Polis em Albufeira visou valorizar o Centro Antigo, o espaço balnear e requalificar a Frente Urbana Poente, numa área total de 258 hectares. A requalificação a que Albufeira tem sido sujeita vem garantir a sustentabilidade urbana do Centro Antigo da cidade e da Frente Mar, investimentos criados para as pessoas, aumentando a qualidade de vida dos residentes. (CM Albufeira)86

Ilustração 53 _ Praia e elevador do Peneco Fonte: Fotografia de autor

86 Informação verbal fornecida em CM Albufeira (Posto Turismo)

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O projecto do Elevador do Peneco integra-se na estratégia de mobilidade definida nos documentos directores do Programa Polis em Albufeira, nomeadamente: o reforço das condições de mobilidade pedonal, a interligação entre as plataformas alta e baixa da arriba e o reforço das condições de acessibilidade à praia por pessoas com mobilidade reduzida. Esta intervenção contempla quatro espaços principais: a plataforma de acesso superior, a torre do elevador, as escadas e a plataforma de acesso à praia. A plataforma superior assume características que vão para além do simples acesso ao elevador, integrando e ampliando o espaço público, prolongando a esplanada Frutuoso da Silva e criando um novo miradouro. A torre do elevador é o elemento de composição plástica mais forte e que estrutura o conjunto edificado. O corpo de escadas visa criar um acesso alternativo à praia e garantir os acessos de emergência à torre do elevador. A plataforma inferior está organizada como se de um pequeno anfiteatro aberto sobre a praia se tratasse tirando partido da configuração em baía que a praia apresenta. A composição está organizada em torno da oposição entre o “opaco” e a “transparência”, que são materializadas respectivamente pelo betão branco e pela estrutura metálica e vidro. (CM Albufeira)87

Ilustração 54 _ Elevador do Peneco Fonte: Fotografia de autor

87 Informação verbal fornecida em CM Albufeira (Posto Turismo)

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Para além da melhoria das acessibilidades ao areal, do alto dos 25 metros de altura do elevador do Peneco é possível também desfrutar de uma belíssima vista sobre o areal e sobre o mar, que não deixará por certo ninguém indiferente. A inauguração decorreu a 20 de Maio de 2009, Dia Europeu do Mar. Nesse dia anunciou-se a intenção futura de construir um passeio marítimo entre o elevador e o porto de abrigo, assim como a criação de um teleférico que irá ligar o antigo campo de futebol do Inatel até ao mesmo porto de abrigo da cidade. (CM Albufeira)88

4.2.6. CALÇADA DO VIRIATO, VISEU, 2009

O funicular de Viseu é um meio de transporte por cabo e carris, de tracção eléctrica, situado no centro da cidade de Viseu. Com duas carruagens com capacidade para 50 passageiros cada, está a funcionar desde 25 de Setembro de 2009 e liga o recinto da Feira de S. Mateus à Sé numa distância de 400 m, vencendo um declive máximo de 16%, correspondendo a 64 metros de desnível. Este funicular tem a particularidade de utilizar uma via partilhada com viaturas e peões na Rua da Ponte de Pau, Rua Serpa Pinto, Calçada de Viriato e na Rua Silva Gaio. A linha duplica-se para cruzamento das duas carruagens na Rua da Ponte do Pau, entre os cruzamentos com a Rua Serpa Pinto e Rua D. José da Cruz Moreira Pinto, onde existem semáforos para interromper o trânsito automóvel. (CM Viseu)89

Ilustração 55 _ Funicular da Calçada do Viriato Fonte: Fotografia de autor

88 Informação verbal fornecida em CM Albufeira (Posto Turismo) 89 Informação verbal fornecida em CM Viseu (Posto Turismo)

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Dinamizar o centro histórico era um dos objectivos do novo equipamento da cidade. Comerciantes e população reconhecem a mais-valia criada. Funicular ou engenho mecânico - o nome pouco importa aos viseenses que desde a sua entrada em funcionamento têm aderido ao novo meio de transporte que liga a Cava de Viriato ao centro histórico vencendo de forma cómoda a íngreme subida da Calçada de S. Mateus. No casco velho os comerciantes reconhecem a mais-valia do funicular. Só nas primeiras duas semanas de funcionamento este meio de transporte não poluente largou mais de 7 mil passageiros no centro histórico, zona da cidade que necessita de revitalização, sendo um dos objectivos do equipamento contribuir para a dinamização. O funicular, que pretende ser um ex-líbris da cidade, irá continuar a manter as viagens gratuitas nos próximos anos se o objectivo de levar mais gente ao centro histórico se continuar a verificar. O funicular funciona entre as 08.30 e as 19.30 com viagens de 15 em 15 minutos ao início da manhã, almoço e final da tarde. No restante período passa de meia em meia hora. Não há um que saia antes do outro - os dois funiculares partem ao mesmo tempo e terminam a viagem três minutos depois. Cruzam-se na Rua de Serpa Pinto e obrigaram à semaforização do trajecto. Prioridade ao funicular é a nova indicação de trânsito. Enquanto uma carruagem sobe a outra desce. Cruzam-se nas traseiras do Fórum, numa zona onde o lance de carris duplica. (CM Viseu)90

Ilustração 56 _ Funicular visto da parte baixa. Ao fundo, a Sé Fonte: Fotografia de autor

90 Informação verbal fornecida em CM Viseu (Posto Turismo)

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A instalação do funicular foi pensada pela Autarquia em finais dos anos 90. O projecto acabou por ser integrado no programa Polis, de requalificação e valorização ambiental de Viseu. O objectivo - além da vertente turística - é integrar o percurso do funicular, entre as zonas alta e baixa da cidade, na rede de transportes urbanos, designadamente, articulá-lo com os percursos e os horários dos mini-autocarros eléctricos, outro meio mecânico não poluente que percorre as ruas do centro da cidade de Viseu. O funicular contribui para o objectivo do município de devolver a parte antiga da urbe aos peões, retirando aos poucos os carros das ruas que a atravessam. Facilitar o acesso a monumentos como a Cava de Viriato, na baixa, e à Sé Catedral, museus de Grão Vasco e de Arte Sacra, Casa do Miradouro, Casa do Adro, Igreja da Misericórdia e Porta dos Cavaleiros, na parte alta, é outra das vantagens associadas ao equipamento. Permitindo, além do descanso físico, uma vista deslumbrante a partir da parte mais alta da cidade de Viseu. O funicular é uma das obras emblemáticas do projecto Polis de Viseu, ao permitir ligar a zona de maior intervenção, constituída pelo Parque Linear do Rio Pavia, a Cava de Viriato e a Feira de São Mateus, ao coração da cidade, agrupado em torno da Sé e da Igreja da Misericórdia. Pensado e criado com o intuito de encher de vida o centro histórico, diminuindo o tráfego automóvel e aumentando a circulação pedonal, este novo meio de transporte, proporciona uma paisagem única. (CM Viseu)

4.3. LISBOA: O CONTEXTO RECENTE DA MOBILIDADE PEDONAL

Com um centro histórico que se ergue sobre sete colinas, Lisboa caracteriza-se pelo seu relevo acidentado, com ladeiras abruptas e declives acentuados, que desde sempre se apresentou como um grave obstáculo á circulação de pessoas e bens entre as partes altas e baixas da cidade. Não obstante as questões relativas á mobilidade, facilitar a circulação pedonal entre o vale da Baixa e as colinas do Chiado e Castelo, torna-se essencial para assegurar a vitalidade destas áreas e melhorar as condições de vida dos seus utilizadores. (VALENTE, 2008, p.44)

“No que diz respeito ao planeamento dirigido para a mobilidade pedonal na cidade de Lisboa, e á provisão das infra-estruturas associadas, as ultimas décadas podem ser caracterizadas pelo desaproveitamento generalizado do potencial deste modo no sistema de mobilidade da cidade.” (VIEGAS et al., 2005, p.182)

Os esforços empreendidos em Lisboa nos últimos anos, no sentido de melhorar o sistema de transportes da cidade, resultaram frequentemente na degradação das

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condições de qualidade e segurança com que os peões se deslocam. Actualmente, e de um modo geral, a rede pedonal que a cidade oferece peca pela falta de planeamento sistemático, resultando muitas vezes num ambiente pedonal hostil para os seus utilizadores (VIEGAS et al., 2005, p.182). No que diz respeito ao caso concreto da Baixa, quer a Baixa quer as colinas que a envolvem, apresentam também disfunções relativas á utilização do espaço público, que não só afectam a mobilidade das pessoas, como também estarão a contribuir, em larga medida, para a degradação e perda de competitividade das actividades económicas, para a desertificação a nível habitacional e, pode mesmo dizer-se, para o declínio social e cultural da Baixa. Além disso, a pressão excessiva sobre a via pública e a progressiva entrega dos espaços públicos ao automóvel, leva a que cada vez mais os movimentos de todos estejam bastante dificultados. (CML, 2006, p.88)

De um modo geral, os declives íngremes entre a zona baixa central e as colinas envolventes são o principal obstáculo para os peões e o que torna esta zona tão difícil de percorrer a pé. Contudo um desempenho positivo no contexto da mobilidade pedonal implica muito mais do que a simples implantação de ruas pedonais. Neste domínio é essencial assegurar um enquadramento estratégico que permita a integração e a utilização mais intensa da rede pedonal, de modo a que esta funcione como uma componente imprescindível do sistema de mobilidade, não só em viagens de curta distância, mas também como uma etapa inicial ou final de movimentos derivados doutros meios de transporte. Para que tal aconteça, a rede pedonal tem de se apresentar como atractiva, cómoda e segura aos seus potenciais utilizadores. (VIEGAS et al., 2005, p.184)

A introdução de meios mecânicos em algumas colinas da Baixa permitiu vencer grandes desníveis e conectar proximidades, com os ascensores e elevadores a tornarem-se uma presença marcante na cidade. Contudo, de um modo geral, esses percursos necessitam de várias melhorias para que funcionem realmente como factores de incentivo á circulação pedonal, quer seja ao nível dos arranjos exteriores e paisagísticos, mobiliário urbano, arborização, quer ao nível da intervenção na envolvente, seja nos edifícios, no estacionamento, ou até mesmo nos passeios.

Mais recentemente, e como se verá a seguir, a CML propôs a criação de percursos pedonais mecanicamente assistidos que vão unir o castelo á Mouraria, Sé, e Graça.

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4.3.1. O PERCURSO PEDONAL ASSISTIDO BAIXA / CASTELO DE SÃO JORGE

A Câmara de Lisboa quer criar quatro percursos pedonais servidos por meios mecânicos para melhorar a acessibilidade à colina do Castelo. Pretendem unir o Castelo à Mouraria, Sé, Alfama e Graça. O projecto que inclui ainda a criação de mais de mil lugares de estacionamento, tem como objectivo tornar mais fácil o acesso ao Castelo de São Jorge e aos restantes monumentos da colina, onde a maioria dos desníveis existentes será vencida com o recurso a elevadores e escadas rolantes (que, sempre que possível, ficarão dissimulados no interior de edifícios municipais para diminuir o seu impacte visual) e na base dos novos caminhos haverá acesso facilitado a estações do Metropolitano de Lisboa e parques de estacionamento. A medida pretende quebrar o isolamento dos moradores e dinamizar actividades económicas locais. (www.cm-lisboa.pt)

Ilustração 57 _ Colina do Castelo de São Jorge Fonte: Fotografia de autor

Um dos percursos partirá do Campo das Cebolas até à Sé e daí para o Castelo. Este cruzar-se-á no Chão da Feira (uma das portas do monumento) com um outro, que vai ligar Alfama às Portas do Sol. O terceiro trajecto unirá o Castelo à Graça, unindo-se na porta do Moniz (entrada do Castelo que, segundo a Câmara de Lisboa, não é usada actualmente) com o último trajecto, que vai fazer a ligação ao Martim Moniz. A estes percursos pedonais vão juntar-se um outro, que parte da Rua dos Fanqueiros, sobe ao Largo do Caldas e chega ao Castelo através do Mercado do Chão do Loureiro. As quatro ligações anunciadas articulam-se com cinco novos parques de estacionamento,

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com um total de 1100 lugares: Chão do Loureiro, Terminal de Cruzeiros de Alfama, Campo das Cebolas, Coleginho da Rua Costa do Castelo e Rua dos Lagares. (www.cm-lisboa.pt)

Em construção está já um dos percursos. Quatro elevadores vão ser instalados em três edifícios da capital com o objectivo de transportar os lisboetas até ao topo da cidade, num projecto que une a Baixa-Chiado ao Castelo de São Jorge. O primeiro elevador será instalado num edifício semidevoluto da Rua dos Fanqueiros e vai subir até ao último piso. O utilizador abre a porta, sai do prédio e entra na Rua da Madalena. À sua espera e, uns metros mais adiante, está um segundo ascensor colocado noutro edifício desta artéria que o levará até à Travessa Chão do Loureiro. Para cumprir a última etapa será preciso entrar no antigo Mercado Municipal Chão do Loureiro onde foram já construídos dois elevadores panorâmicos que irão subir até à cobertura do edifício, permitindo o acesso à Costa do Castelo, junto à companhia Chapitô. Em estudo estão duas hipóteses para unir a costa ao Castelo de São Jorge - um quinto elevador, instalado em mais um prédio, ou uma escada rolante que subirá até às muralhas. (www.cm-lisboa.pt)

A criação do percurso de atravessamento pedonal assistido por meios mecânicos de elevação, da Baixa ao Castelo de São Jorge, que se associa com a construção de um silo automóvel no antigo Mercado Chão de Loureiro, contempla acções ao nível do edificado e ao nível da requalificação do espaço público, tendo como objectivo a articulação entre diferentes cotas, segundo uma estratégia que, facilitando a subida, potencie a revitalização e requalificação da envolvente. O projecto de autoria do arquitecto Falcão de Campos desenvolve-se segundo três pontos (CML, 2009, p.1):

1- Remodelação do Edifício de Acolhimento para acesso ao Largo Adelino Amaro da Costa a partir da Rua dos Fanqueiros, preferencialmente alinhado com o eixo da Rua da Vitoria, através do qual se efectuara a ligação por meios mecânicos de elevação ao piso térreo do edifício adjacente na Rua da Madalena.

2- Requalificação do Antigo Mercado Chão de Loureiro em silo automóvel, integrando um elevador que efectuara a transição entre a cota do Largo e o patamar superior ao nível da Costa do Castelo, com acesso ao ultimo piso de restauração, esplanada e terraço com vista panorâmica.

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3- Requalificação urbana / Espaço Publico do Largo Adelino Amaro da Costa, da zona envolvente ao Mercado e do percurso até a cota do Castelo, privilegiando a dignificação e conforto do espaço público do percurso ao nível da sua utilização pedonal, aspectos que desempenham igualmente um papel importante na criação de condições de desenvolvimento das actividades comerciais e de restauração da zona.

Ilustração 58 _ Terraço do Mercado Chão do Loureiro e encosta do Castelo Fonte: Fotografia de autor

O antigo Mercado do Chão do Loureiro dá agora lugar a um edifício recuperado, que na sua essência mantém a traça original do edifício e que vai acolher um moderno Parque de Estacionamento Multifuncional. Este inovador projecto, pretende reforçar a oferta de estacionamento no centro histórico da cidade e introduzir um novo conceito de Parques de Estacionamento, que reúnem um conjunto de serviços de utilidade para os cidadãos. Esta intervenção consiste na construção de um edifício multifuncional, que compreende um silo de estacionamento com seis pisos para um total de 202 automóveis, sendo um dos pisos destinado, exclusivamente, a carros eléctricos. O edifício irá contar, ainda, com um supermercado no piso térreo, cuja entrada será efectuada pelo Largo do Chão do Loureiro, um restaurante e um miradouro no piso superior, cujo acesso será pela Calçada do Marquês de Tancos, e com dois elevadores. (www.cm-lisboa.pt)

Os elevadores panorâmicos com capacidade para dez pessoas cada um, irão favorecer a ligação entre a Baixa de Lisboa, nomeadamente o Chiado, e a zona do Castelo, permitindo, segundo Fernando Nunes da Silva, “um percurso três vezes mais rápido a pé do que de automóvel”. O vereador acrescenta ainda, que estes elevadores

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são “uma peça de um complexo sistema de apoio à mobilidade pedonal”. É no fundo uma obra que, primeiro reforça o estacionamento na zona da Baixa lisboeta, depois cria melhor acessibilidade entre colinas, favorecendo muito a mobilidade nesta zona da cidade. Este projecto é também exemplar como sinal claro da política de mobilidade que se quer imprimir à cidade, sendo ainda um passo importante no sistema de apoio ao estacionamento de residentes e às actividades daquela zona da cidade, libertando espaço público e garantindo mobilidade de peões entre as duas colinas. (www.cm- lisboa.pt)

Ilustração 59 _ Elevador Panorâmico do Mercado Chão do Loureiro Fonte: Fotografia de autor

O projecto que faz parte de uma estratégia de revitalização da cidade, juntamente com os outros quatros percursos mencionados anteriormente, no fundo é um corredor pedonal que tem início no Largo do Chiado e, passando pela escadaria do Metropolitano, dá acesso à Rua da Vitória. No final desta rua, um elevador a ser instalado num edifício municipal irá fazer o desnível até à Rua da Madalena. Depois, atravessando o Largo Adelino Amaro da Costa (Largo do Caldas), ter-se-á acesso ao elevador do Chão do Loureiro. Já inaugurado o novo Estacionamento Chão do Loureiro, está agora aberto o concurso do elevador que fará a ligação da Rua dos Fanqueiros ao Largo do Caldas. Brevemente, o Município de Lisboa vai ainda iniciar, no âmbito do plano de intervenção prioritária da reabilitação urbana, a obra do

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elevador, que fará a ligação do miradouro de Santa Luzia à Rua Norberto Araújo, iniciando assim o processo de acessibilidade a outra encosta de Alfama de forma a que de obra a obra se vão conseguindo estabelecer as ligações mecânicas até ao nível onde ficará a funcionar, a partir de 2013, o Terminal de cruzeiros. (www.cm- lisboa.pt)

4.4. RECONQUISTAR A MOBILIDADE PEDONAL, UM PLANO PARA A COVILHÃ

Com vista á melhoria da qualidade do ambiente urbano e de vida dos seus utentes, visando assim também aumentar a sua atractividade e competitividade, a cidade da Covilhã aderiu também ela ao Polis e ao seu Programa de Requalificação e Valorização Ambiental. Veremos, nos pontos seguintes, o que foi planeado para esta cidade, onde o arquitecto Nuno Teotónio Pereira merece especial destaque com o seu Plano de Mobilidade Pedonal para a cidade da Covilhã.

4.4.1. NUNO TEOTÓNIO PEREIRA, O ARQUITECTO E CIDADÃO ACTIVO

Ilustração 60 _ Nuno Teotónio Pereira Fonte: www.oasrs.org

Nuno Teotónio Pereira nasceu em Lisboa a 30 de Janeiro de 1922. Arquitecto diplomado com 18 valores pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, em 19 de Abril de 1949, tendo colaborado no ateliê do arquitecto Carlos Ramos entre 1940 e 1943. Formou o seu primeiro ateliê com Chorão Ramalho, Alzina de Menezes e Manuel Tainha. É em 1954 que o ateliê se instala na Rua da Alegria, em Lisboa,

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iniciando uma actividade que constitui um caso singular no panorama da nossa arquitectura pela pluralidade e importância das co-autorias que, nalguns casos, chegam a ser prevalecentes. Estão neste caso, em primeiro lugar, Nuno Portas de 1957 a 1974, e Pedro Botelho nos últimos 20 anos. E ainda Bartolomeu da Costa Cabral, Pedro Vieira de Almeida, Gonçalo Byrne, Duarte Nuno Simões e João Paciência, que, com muitos outros profissionais, constroem ao longo de cinco décadas, a reputação do escritório. (COELHO, 2010)

Ao longo da sua carreira recebeu vários prémios de arquitectura: Prémio da I Exposição Gulbenkian, 1955, com o Bloco das Águas Livres; 2º Prémio Nacional de Arquitectura da Fundação Gulbenkian, 1961. Prémio AICA de 1985. Prémios Valmor de 1967, 1971, 1975, respectivamente Torre de Habitação nos Norte, Edifício Franjinhas na Rua Braamcamp e Igreja do Sagrado Coração de Jesus. Obteve ainda as Menções Honrosas de 1987 e 1988 com Edifício na Rua Diogo Silves, nº 18 e Edifícios na Rua Gonçalo Nunes nºs 31 – 45, ambos no Restelo. Prémio I.N.H. de Promoção Municipal, 1992, com empreendimento de 144 fogos em Laveiras, Oeiras. Prémio Espiga de Ouro da Câmara Municipal de Beja, 1993 e Prémio Municipal Eugénio dos Santos da CML, 1995. (COELHO, 2010)

É membro honorário da Ordem dos Arquitectos desde Novembro de 1994 e Doutor Honoris Causa, pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto desde 2003. Nuno Teotónio Pereira sempre esteve associado ao grupo dos católicos progressistas que combateram a ditadura. Foi um histórico defensor de direitos cívicos e políticos durante o regime salazarista e foi na altura detido várias vezes pela PIDE, em 1967, 1972 e 1973. Foi um dos libertados da prisão de Caxias no 25 de Abril de 1974. (COELHO, 2010)

Na homenagem, ao arquitecto e cidadão, a caminho dos 90 anos, feita por um numeroso grupo de amigos que se reuniram na tarde de 5 Fevereiro na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, Nuno Teotónio Pereira, apelou “a todos para que, em conjunto ou individualmente, façam o que for necessário, mesmo com risco, para acabar com situações de clamorosa desumanidade que existem no nosso país, muitas vezes mesmo ao nosso lado".91

91 Expresso, 6 de Fevereiro de 2011

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Numa outra homenagem, em 28 de Outubro de 2010, a “um dos mais destacados arquitectos portugueses, cujo percurso foi marcado também pela constante luta cívica” feita pela Ordem dos Arquitectos na sua sede em Lisboa, Nuno Teotónio Pereira referiu que esta homenagem “é um testemunho” de que cumpriu bem a sua profissão: “Mostra que tive alguma importância na sociedade portuguesa ao longo de mais de meio século no plano profissional e noutros planos”, acrescentou, referindo-se também à actividade política e cívica durante o regime de Oliveira Salazar.92

A ligação de Nuno Teotónio Pereira á Covilhã data de finais dos anos 40 quando colabora na reestruturação da Igreja de S. Tiago destruída por um incêndio; anos mais tarde, já na década de 70 elabora o projecto da nova Igreja Paroquial de Boidobra, uma aldeia às portas da Covilhã. Mas é a partir de 1987, como o Museu dos Lanifícios, e depois com o Conjunto Habitacional de 112 fogos, na Quinta da Alâmpada, elaborado para o Município da Covilhã que se verifica a continuidade nesta relação, até ao projecto de remodelação da Praça do Município, entre 1999 e 2001. A remodelação da Praça do Município, o centro cívico e social da cidade, é uma intervenção premonitória ou o ponto de partida para uma ideia que o Programa POLIS Covilhã permitirá ampliar e aplicar a toda a cidade, contrariar o abandono da cidade e a natureza do território acidentado criando condições de mobilidade. (PEREIRA, 2006, p.10)

4.4.2. O POLIS E O PLANO ESTRATÉGICO DA COVILHÃ

A Covilhã encontra-se situada na vertente oriental da Serra da Estrela a cerca de 700 metros de altitude. Possui uma localização estratégica, confinada entre as ribeiras da Carpinteira e da Goldra, com excelentes pastos para a criação de gado ovino, condições essenciais para a manufactura de panos. Desde cedo se destacaram na paisagem azenhas, moinhos de pão, tintes e tendas e, posteriormente, fábricas transformando a Covilhã no maior centro da indústria têxtil do País. Foram as condições em que a Covilhã se insere, com zonas de pastagens e refúgio do gado na Serra da Estrela que lhe deram o nome. Inicialmente conhecida como o Covil da Lã, hoje denomina-se Covilhã.93 (www.cm-covilha.pt)

92 Público, 28 de Outubro de 2010 93 Lenda da Covilhã, disponível em www.cm-covilha.pt

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Ilustração 61 _ Vista da cidade da Covilhã Fonte: Fotografia de autor

Segundo Nuno Teotónio Pereira (2006, p.20), 94

“As cidades em Portugal vivem uma profunda crise, crise que a todas atinge, em maior ou menor grau. Tanto as históricas e consolidadas, como as periféricas e os subúrbios. Mais aguda nas áreas metropolitanas, menos nas cidades ditas médias. Crise essencialmente caracterizada pelo esvaziamento das cidades tradicionais, e não apenas dos seus centros, e pela expansão desregrada e fragmentada de enormes manchas suburbanas. Resultado de um grande número de factores que ao longo das últimas décadas tem interagido no território em roda livre, á mercê dum mercado desregrado e convergindo na perversidade dos resultados: a ausência ou ineficácia de planeamento, a especulação fundiária e imobiliária, a obsolescência do parque habitacional, a redução dos agregados familiares, a imigração e as migrações internas, o crescimento exponencial do parque automóvel, o aumento do poder aquisitivo da população.”

E a Covilhã não é excepção no que diz respeito a esta descrição. Ou não era. No âmbito do Programa Polis da Covilhã e do seu Plano Estratégico a intervenção na Covilhã visa a requalificação paisagística e urbana dos vales das ribeiras da Goldra e da Carpinteira, ribeiras de vales profundos que já forneceram água e energia àquela que foi a principal actividade dos habitantes da cidade: a indústria de lanifícios. (CPU Consultores, 2007, p. 30)

A recente globalização da economia, a abertura de mercados e as novas tecnologias conduziram ao abandono de muitas instalações fabris instaladas sobre as ribeiras, com a consequente degradação do património industrial e dos vales, onde muitas dezenas de edifícios industriais tinham sido construídos. À degradação do património industrial tem-se aliado o abandono da paisagem agrícola tradicional, junto e mesmo dentro da cidade, com a transferência da mão-de-obra do sector primário para o

94 Nuno Teotónio Pereira, Programa POLIS: Intervenções que se querem exemplares e de Efeito Multiplicado, Jornal Arquitectos nº 209, de Jan./Fev. de 2003

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comércio e serviços. É ainda de salientar o aumento do valor urbano dos solos, adquirindo parte destes terrenos, o carácter expectante, abandonado, com construções e muros de socalcos em acentuada ruína. (CPU Consultores, 2007, p.30)

Nos últimos anos têm-se construído com bastante intensidade, no limite do centro da cidade, em áreas sobranceiras ao desenvolvimento dos vales, edifícios de altura considerável em banda contínua com grande desenvolvimento longitudinal e com as traseiras voltadas para os vales das duas linhas de água, formando barreiras visuais que impedem a fruição da paisagem, e donde resultam altas empenas cegas que destroem a harmonia volumétrica do tecido urbano. A migração das áreas agrícolas para as cidades polarizadoras levou à grande expansão da sua área urbana, menos limitada hoje pelas distâncias nesta era do automóvel particular. (CPU Consultores, 2007, p. 30)

Os vales destas ribeiras têm hoje contribuído sobretudo para o afastamento das novas áreas urbanas relativamente ao centro da cidade, obrigando à locomoção em automóvel, já que as distâncias e o acidentado do relevo dificultam grandemente a mobilidade dos habitantes da Covilhã. A elevada diferença de cotas entre os bairros e o fundo das ribeiras origina um traçado viário que se estende serpenteando por quilómetros ao longo das curvas de nível para vencer distâncias de poucas centenas de metros em linha recta. Ao mesmo tempo, a necessidade do uso do transporte individual, aliado às dificuldades de estacionamento na área central e aos condicionamentos que impedem um serviço de transportes públicos satisfatório, tem contribuído grandemente para a desertificação do coração da cidade. (CPU Consultores, 2007, p.30)

O Programa Polis da Covilhã propõe assim, melhorar toda esta conjuntura, nomeadamente: revitalizando as ribeiras e a sua relação com a população da cidade, pelo seu potencial como espaço de lazer e recreio; aproveitando o interesse cénico do relevo, realçado por socalcos formados por blocos de pedra e por matas que revestem as encostas; criando novas frentes de relação urbana abertas aos vales; proporcionando formas de acessibilidade alternativas, nomeadamente com pontes pedonais que aproximem os bairros mais afastados do centro da cidade, meios mecânicos que vençam os grandes desníveis da entrada da Covilhã e, aproveitando estes, construindo parques de estacionamento automóvel com acesso fácil ao coração da cidade; reabilitando parte do património industrial disponível para revitalização

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urbana com fins culturais, habitacionais, relocalização de indústrias e parqueamento automóvel. (CPU Consultores, 2007, p. 31)

Neste âmbito, e visando uma maior sustentabilidade do sistema urbano, os Planos de Pormenor propostos para as ribeiras da Goldra e Carpinteira propõem: criar condições para a reabilitação do património industrial com vista à revitalização urbana dos vales para funções de índole cultural, residencial ou de serviços, e proporcionando alternativas de relocalização para as fábricas deficientemente integradas no meio urbano; criar novas frentes edificadas, de relação urbana aberta aos vales, consolidando e rematando a estrutura urbana; criar formas de acessibilidade alternativa, com pontes pedonais que aproximem os bairros periféricos do centro da cidade, e com meios mecânicos que vençam os grandes desníveis a partir da entrada da cidade. Ligados a estes novos meios de acessibilidade pedonal, serão propostos parques de estacionamento automóvel com acesso fácil à área central da cidade; reabilitar e revitalizar as ribeiras e a relação da população com estes espaços para actividades de lazer e recreio; recuperar a paisagem dos vales através do interesse cénico do relevo, dos socalcos, das matas e olivais e do património industrial. (CPU Consultores, 2007, p. 31)

Ilustração 62 _ Vista sobre a ribeira da Carpinteira e Penedos Altos Fonte: Fotografia de autor

Assim sendo, as grandes linhas de acção segundo o Plano Estratégico da cidade da Covilhã apontam para a requalificação urbana e ambiental das ribeiras da Goldra e da Carpinteira, focando cinco eixos estratégicos (CPU Consultores, 2007, p. 33-35):

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1. Reabilitar, valorizar e vitalizar os vales da Goldra e da Carpinteira, promovendo: o tratamento paisagístico das áreas degradadas e a demolição de edifícios não recuperáveis e prejudiciais à qualidade urbana; a melhoria da acessibilidade e da atractividade das ribeiras e das respectivas margens; a criação de percursos de circulação e passeio ao longo dos vales; a construção de áreas de recreio e desporto; a reabilitação de pequenos conjuntos edificados; a criação de pólos de intensa vida urbana em cada um dos vales; o enquadramento e valorização de elementos de excepcional interesse, nomeadamente, pontes do caminho-de-ferro e ruínas de carácter monumental;

2. Integrar e articular os vales das ribeiras com a cidade (relação a duas cotas), visando: a protecção dos canais de ligação visual e funcional da cidade com os vales, garantindo a relação do espaço público com a paisagem envolvente; a reabilitação dos espaços públicos de referência urbana, nomeadamente aqueles que funcionam como áreas exteriores de convívio da cidade e que fazem a relação da cidade com os vales; o reordenamento e consolidação do tecido edificado na zona de intervenção; a criação de percursos pedonais de atravessamento dos vales, permitindo uma fruição da paisagem inserida na vida quotidiana;

3. Preservar e valorizar o património industrial, elemento-chave da identidade da Covilhã, visando: a instalação de núcleos museológicos que possibilitem a preservação e reabilitação de edifícios e estruturas de especial significado para a memória industrial da cidade; a reabilitação e reconversão de alguns edifícios industriais com vista à instalação de equipamentos públicos na área de intervenção; a integração de estruturas do património industrial na requalificação paisagística das ribeiras e dos vales; a criação de condições para a valorização fundiária das fábricas desactivadas ou degradadas, através do seu enquadramento paisagístico e da melhoria dos acessos, de forma a incentivar o mercado para acções de reabilitação e reutilização;

4. Reduzir a dependência do automóvel favorecendo a mobilidade pedonal, promovendo: no sentido horizontal, a construção de pontes para peões e ciclistas, facilitando e encurtando o acesso das zonas residenciais periféricas à área central da cidade, no prolongamento dos percursos de nível no interior do casco antigo e que constituem eixos de intensa vida urbana; no sentido vertical, a instalação de escadas mecânicas na vertente sul da cidade, de forma a facilitar o acesso de peões ao centro urbano, através de sucessivos patamares, vencendo uma considerável diferença de cotas; a criação de áreas de estacionamento automóvel no perímetro urbano, em articulação com as acções acima descritas;

5. Salvaguardar o que resta e garantir no futuro uma cidade aberta aos vales e à paisagem, através da: interdição no tecido edificado de novas construções nas cristas ou encostas que possam constituir ou prolongar barreiras visuais à fruição da paisagem, sobretudo no sentido das ribeiras e da várzea, mas também na direcção da serra; cuidadosa localização das áreas de expansão urbana, de forma a evitar a repetição dos erros que se verificam no casco urbano e até em algumas zonas periféricas.

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4.4.3. OS PLANOS DE PORMENOR DAS RIBEIRAS DA CARPINTEIRA E DA GOLDRA

A zona de intervenção do Programa Polis na Covilhã, a desenvolver em dois Planos de Pormenor, corresponde, como já foi referido, aos vales das ribeiras da Goldra e da Carpinteira nos troços urbanos das mesmas. Os Planos destes vales pretendem ser um instrumento para requalificar uma zona que, pelas suas características naturais e paisagísticas, constitui um espaço importante a reintegrar no tecido urbano. Estes Planos pretendem assegurar a perenidade de um espaço com componentes naturais, agrícolas e de aproveitamento industrial, cuja vocação em termos de utilização pela população se enquadra essencialmente nas componentes cultural, de lazer e recreio, e didáctica. Da autoria dos arquitectos Nuno Teotónio Pereira e Luís Cabral, o primeiro abrange uma área aproximada de 47.600 m2 e o segundo, uma área aproximada de 128.200 m2. (CPU Consultores, 2007, p.38)

A área de intervenção que abrange a ribeira da Goldra desenvolve-se numa faixa de largura variável, entre os 160 metros a montante, os 400 metros na zona do Cruzamento da Palmatória e os 100 metros no seu extremo a jusante. A área de intervenção que abrange a ribeira da Carpinteira, desenvolve-se numa faixa de largura variável, entre os 160 metros a montante, os 900 metros na zona da Quinta do Prado e os 100 metros no seu extremo a jusante. (CPU Consultores, 2007, p.39)

Os Planos de Urbanização do Vale da Ribeira da Goldra e do Vale da Ribeira da Carpinteira respondem aos cinco grandes objectivos definidos no Plano Estratégico da Intervenção Polis na Covilhã: reabilitar os vales das ribeiras, despoluindo-as e criando espaços públicos, virar a cidade para esses vales criando novas frentes edificadas constituindo remate da estrutura urbana consolidada, revitalizar e preservar o património industrial destinando-lhes novos usos de âmbito cultural ou outros, favorecer a mobilidade pedonal através de pontes e meios mecânicos de acesso ao centro da cidade reduzindo a dependia do automóvel, corrigir o sistema de implantação de novas construções visando consolidar o tecido urbano e proporcionar a sua integração na paisagem. (CPU Consultores, 2007, p.33)

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Ilustração 63 _ Plano de Urbanização dos Vales das Ribeiras da Goldra e da Carpinteira Fonte: Jornal Arquitectos nº 209, de Jan./Fev. de 2003, p.53

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Segundo Nuno Teotónio Pereira (2006, p.30-31),

“ (…) os planos de urbanização e os projectos que o corporizam visam criar uma maior sustentabilidade do sistema urbano, prevendo intervenções em diversas frentes de beneficio comum e acção complementar, nomeadamente: criando condições para a reabilitação do património industrial, com vista á revitalização urbana dos vales para funções de índole cultural, residencial ou de serviços, e proporcionando alternativas de relocalização para as fábricas deficientemente integradas no meio urbano; criando novas frentes e manchas edificadas abertas aos vales, consolidando e rematando a estrutura urbana; proporcionando formas de acessibilidade alternativa, nomeadamente com pontes ciclo-pedonais que aproximem os bairros periféricos da área central e com meios mecânicos que vençam os grandes desníveis entre a baixa e a alta da cidade. Ligados a estes novos meios de mobilidade pedonal, são propostos parques de estacionamento automóvel com acesso fácil ao centro; reabilitando e revitalizando as ribeiras e a sua relação com a população da cidade criando espaços públicos vocacionados para cultura, recreio e convívio; recuperando a paisagem dos vales para complemento da cidade, aproveitando o interesse cénico do relevo, dos socalcos, do património industrial e das matas e olivais. (…) O conjunto das propostas é integrado por componentes que interagem fortemente. A recuperação das margens das ribeiras e a criação de parques e jardins que acompanham os vales têm de ser complementadas por áreas construídas com a qualidade que possibilite a sua vivência numa correcta integração paisagística. (…) A acessibilidade aos equipamentos públicos, bem como ao centro da cidade é um ponto-chave para a mobilidade na cidade da Covilhã.”95

Os dois Planos de Urbanização aos quais se associa o Plano de Pormenor de S. João da Malta, configuram uma mão que agarra o centro da cidade, redefinindo-a. Intervindo nos limites do centro, propõe-se um re-centramento da cidade, contrariando a tendência para o crescimento da periferia que a especulação imobiliária tende a promover. (PEREIRA, 2006, p.11)

4.4.4. O PLANO DE MOBILIDADE PEDONAL

Até meados do século XX, os percursos na cidade da Covilhã podiam ser facilmente resolvidos a pé, já que os locais de trabalho, proporcionados em grande parte por uma pujante indústria de lanifícios, se situavam justamente ao longo das ribeiras, e por isso nas orlas do centro urbano. Esta situação começou entretanto a ser alterada com a expansão da cidade para as encostas das margens opostas das ribeiras e no sentido descendente da lomba. Como primeiros passos nessas direcções assinalam-se a construção do bairro de Casas Económicas dos Penedos Altos, na década de 40 e, mais tarde, do Bairro da Estação e de um importante conjunto de equipamentos, entre os quais o Palácio da Justiça e vários estabelecimentos escolares. Entretanto, um

95 Nuno Teotónio Pereira, Planos de Urbanização dos Vales das Ribeiras da Goldra e da Carpinteira, Jornal Arquitectos nº 209, de Jan./Fev. de 2003

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insólito episódio ocorrido nos últimos anos de oitocentos, quando da chegada do comboio á Covilhã, merece ser recordado. É que a estação foi naturalmente construída na base da encosta, a uma cota bastante mais baixa em relação á cidade, já que o traçado da linha-férrea a isso obrigou. Então, para resolver o problema da ligação á cidade, foi feito o projecto de um funicular que, infelizmente, não chegou a ser construído. Esse projecto teve como autor, o Engenheiro Raul Mesnier du Ponsard. Este acontecimento ficou na memória da cidade como uma ocasião perdida, tornando-se agora possível, passado um século, não construir aquele funicular – já que o respectivo canal não foi salvaguardado – mas voltar a pensar em percursos pedonais no quotidiano das pessoas, com recurso a meios mecânicos de elevação. Tal possibilidade virá a constituir uma prática muito saudável, não apenas para os cidadãos, mas também para o ambiente. Além de contribuir ainda para a sustentabilidade económica da cidade, mediante a plena utilização dos equipamentos e infra-estruturas já instalados, dispensando investimentos em novas expansões urbanas. É neste quadro que surge o Plano para a Covilhã, propondo-se reconquistar a mobilidade pedonal para os cidadãos, perdida com a dilatação da cidade verificada ao longo do último meio século, que provocou o aumento desmesurado das distâncias e dos desníveis a vencer, obrigando por isso ao transporte automóvel. (PEREIRA, 2006, p.40)

O conjunto de projectos de Nuno Teotónio Pereira para a Covilhã são uma afirmação de esperança na cidade e na capacidade humana de superar as dificuldades sejam elas socioeconómicas, sejam elas físicas ou orográficas. Uma simples ideia alimenta estas intervenções, tornar acessível o espaço da cidadania. A cidade é de todos e para todos, é o espaço da sociabilidade e da participação. Um espaço de convívio, sem fronteiras, obstáculos ou limites, que todos podem percorrer, sem centro nem periferia porque um único espaço. (PEREIRA, 2006, p.9)

Estas ideias são desde logo delineadas no Plano Estratégico da Covilhã, onde se prevê a criação de pontes para peões e bicicletas, de ligação entre bairros de cota semelhante dos dois lados do vale, reduzindo significativamente a distância e as diferenças de nível a vencer nas actuais estradas e caminhos. Estas pontes prolongam percursos pedonais existentes no casco urbano. (CPU Consultores, 2007, p.48)

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Ilustração 64 _ Aplanar a cidade Fonte: PEREIRA, 2006, p.42

Na ribeira da Goldra estão previstas duas pontes: a de Cima, com cerca de 115 metros, liga o futuro silo-auto do Parque da Goldra, no topo superior da Calçada Alta, mas a uma cota inferior (613), à EN 230, com futura ligação por escadaria à área da Reitoria e das residências universitárias. Esta ligação será muito importante para quem quer aceder dos bairros de sul à zona alta da cidade, já que está entrosada com os meios mecânicos integrados aqui no Programa Polis; e a de Baixo, com cerca de 125 metros de vão, liga a zona do Biribau, perto da zona da passagem para a Avenida 25 de Abril, com a EN 230, junto à confluência desta via com o acesso do Bairro da Palmatória. Para a ribeira da Carpinteira estão previstas três pontes: a da Nova Penteação, com cerca de 85 metros de vão, da parte superior do Bairro dos Penedos Altos para a EN 18, junto à Avenida Frei Heitor Pinto; a do Meio, com cerca de 270 metros, do Pavilhão Gimnodesportivo dos Penedos Altos ao cruzamento da EN 230 (prolongamento da Rua Marquês d’Ávila e Bolama) com a EN 501, que desce a sul da Nova Penteação; e a de Baixo, com cerca de 190 metros, que vai da extrema inferior do Bairro dos Penedos Altos ao Bairro do Rodrigo. Estas travessias serão, na sua maioria, rematadas no seu extremo por miradouros em “testas de ponte” onde se poderá prever a instalação de equipamento de restauração ou quiosques e constituirão pontos de referência dos percursos.

Para além das pontes e de igual importância com a sua articulação estão previstas as Escadas Mecânicas da Goldra de Acesso ao Centro da Cidade, onde três troços de desníveis significativos ligarão zonas de grande movimento: da nova via do Parque, à cota 615, à Calçada Alta à cota 628, para a Rua Marquês d'Ávila e Rua Bolama à cota 646, numa diagonal que encurtará muitos percursos a pé; da Rua Marquês d'Ávila à cota 643 até à zona do Mercado Municipal, à cota 672, já ao nível do centro da cidade. Por último estão ainda previstos dois outros Percursos de Atravessamento do Vale da Carpinteira, e de relacionamento da cidade com os bairros a norte: o de montante consiste na melhoria dum percurso (506 ml) que se inicia abaixo das Piscinas Municipais na EN 230, à cota 590, desce para atravessar uma bonita ponte a jusante

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da antiga Fábrica António Estrela, e sobe para nascente, onde deverá agora efectuar um novo caminho que aproveita dois socalcos, para encontrar a extrema do Bairro do Rodrigo; está prevista ainda a melhoria de um percurso (403 m) de atravessamento da Carpinteira, já existente, a cerca de 250 metros a montante da Ponte de Caminho-de- Ferro. (CPU Consultores, 2007, p.49)

Ilustração 65 _ Percursos Pedonais futuros Fonte: Revista Sociedade e Território nº 37/38, de Junho de 2004, p.123

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Ilustração 66 _ Percursos Pedonais antes do Plano de Mobilidade Fonte: Revista Sociedade e Território nº 37/38, de Junho de 2004, p.122

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Assim sendo, e como reforça Nuno Teotónio Pereira (2006, p.43), o plano de mobilidade pedonal apresenta como objectivo viabilizar os percursos a pé no interior da cidade consolidada, o que significa num raio de 700 metros em linha recta, a partir do centro – a Praça do Município, localmente conhecido por Pelourinho. Na prática, tal objectivo consiste em criar condições para que os percursos principais se possam processar como se tratasse duma cidade com declives suaves, não ultrapassando muito, em extensão, os 700 metros que foram assinalados no tecido antigo como facilmente percorríeis a pé por uma pessoa saudável. Foram assim demarcados, como referências, dois percursos com essa extensão e com um declive aceitável. Um deles, entre o Jardim Público e o Mercado Municipal e o outro entre S. Martinho e o Pelourinho. Para atingir o abjecto visado, são necessários dois tipos de infra- estruturas: pontes pedonais para atravessamento dos vales das ribeiras e equipamentos mecânicos de elevação, elevadores verticais e inclinados.

De acordo com os critérios que foram adoptados para a identificação dos principais percursos a contemplar, a maioria não ultrapassa os 760 metros de extensão, sendo que apenas dois os excedem: Rodoviária / Pelourinho (850 metros) e Penedos Altos / Pelourinho (920 metros). Quanto aos desníveis a vencer a pé, o mais elevador atinge 53 metros (Rodoviária / Pelourinho). Quanto ao trajecto Estação / S. João da Malta, que o projecto do funicular de Mesnier se propunha vencer, o desnível previsto no Plano será de 45 metros. Estes desníveis não serão contínuos, tratando-se de pequenos percursos em rampa a vencer a pé intercalados por transportes mecânico de elevação. (PEREIRA, 2006, p.45)

O conjunto de intervenções contempladas no plano traduz-se num processo que se poderá designar por Aplanar a Cidade, tornando praticáveis a pé percursos que hoje não podem dispensar o transporte mecânico. Não só pelos desníveis a vencer, mas também pelas distâncias a percorrer. Os percursos Palmatória / Pelourinho e Rodoviária / Pelourinho são reduzidos aproximadamente a metade, passando respectivamente de 1530 e 1940 metros para 590 e 850 metros. Neste caso, as pontes pedonais cumprem um papel decisivo, ao permitirem a ligação entre partes da cidade muito próximas visualmente em linha recta, mas que obrigam a vencer grandes distâncias para o atravessamento dos vales. No fundo, o Plano, ao vencer os obstáculos naturais por meios artificiais, procura criar condições de circulação naturais

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para o peão semelhantes às que existem nas cidades planas e continuas. (PEREIRA, 2006, p.45)

4.4.5. A CONCRETIZAÇÃO

O paradigma da mobilidade urbana está a mudar e a Covilhã está na vanguarda da promoção da mobilidade pedonal. Pode dizer-se que a cidade da Covilhã tem um plano exemplar de promoção da mobilidade pedonal. A Ponte sobre a Ribeira da Carpinteira bem como o Funicular de Santo André, são duas obras já concretizadas que materializam este plano. Estes dois meios, bem como os que estão projectados, mas ainda não materializados, serão um modo de concorrer com o automóvel. Com a implementação do Plano de Mobilidade Pedonal, os covilhanenses começam a poder deixar o carro em casa e percorrer a cidade a pé, com ajuda mecânica nos trechos mais difíceis.

Ilustração 67 _ Escadinhas e Elevador de Santo André Fonte: Fotografia de autor

Segundo a Câmara Municipal da Covilhã, largas centenas de pessoas juntaram-se no dia 15 de Março de 2009, junto às escadinhas de Santo André, para assistir à viagem inaugural no funicular. Junto às 162 escadinhas localiza-se o funicular de utilização gratuita, a funcionar numa extensão de 90 metros. O equipamento permite transportar 11 pessoas de cada vez, entre o cimo da Calçada Alta, junto à Universidade da Beira

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Interior, e o Mercado Municipal, liga a Rua Marquês d’Ávila e Bolama à Rua António Augusto de Aguiar. (www.cm-covilha.pt)96

No dia da inauguração foram anunciados três outros elevadores semelhantes, que abrem uma nova era de ligações ascensionais que serão reproduzidas noutros locais. Uma que fará a ligação da Ponte da Carpinteira ao Jardim Público. Outra que vencerá uma cota de 17 metros, montado no cima da rua que acompanha o Parque da Goldra, com saída perto da Biblioteca Central da UBI. E um outro funicular com 200 metros de comprimento e 19º de inclinação que será construído no Ramal de São João de Malta, que unirá o Largo com o mesmo nome à Rua Mateus Fernandes. Está também já em estudo o projecto para o Elevador do Jardim Publico, da autoria do ateliê ARPAS97.

Ilustração 68 _ Projecto dos elevadores do Jardim Público Fonte: www.arpas.pt

Inaugurada no dia 6 de Setembro de 2009, milhares de pessoas atravessaram pela primeira vez a Ponte Pedonal sobre a Ribeira da Carpinteira, uma obra há muito ambicionada pelo encurtamento do trajecto entre a zona dos Penedos Altos e o centro da cidade. Obra imponente, projectada pelo Arquitecto Carrilho da Graça, que se insere no Plano de Mobilidade da Cidade da Covilhã, é uma obra a que ninguém ficará indiferente. Estende-se ao longo de 220 metros. Tem como objectivo principal aproximar os bairros residenciais da cidade que compõem o núcleo urbano, e facilitar

96 Funicular de Santo André, disponível em www.cm-covilha.pt 97 ARPAS, é uma empresa de arquitectura paisagística com extensa experiencia nas suas múltiplas vertentes, desenvolvendo projecto ou planeamento em espaço urbano, rural ou costeiro. Foi fundada em 1992 pelo arquitecto Luís Cabral Pais, decorrente da sua experiencia como projectista desde 1981. A equipa integra ainda os arquitectos paisagistas Vasco Costa Simões, Adelaide Trigo de Souza, Gonçalo Pereira, José Luís Coelho e Maria Maltez.

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a circulação das pessoas através de espaços pedonais, reforçando a coesão territorial e, por essa via, contribuindo para uma maior interligação social e humana. Pretende também dispensar o transporte público, convidando à mobilidade com base no conforto, segurança e proximidade espacial. Em termos gerais, a composição arquitectónica desta ponte é caracterizada por um conceito de leveza, que se irá traduzir numa mera linha de atravessamento do Vale da Carpinteira, apesar da secção do tabuleiro ter 1,75 metros de altura por 4,40 metros de largura, elevando-se a 52 metros no seu ponto mais alto. A ponte da Carpinteira foi pensada como elemento leve, que estabelece uma forte relação com a profundidade e a largura do vale da Carpinteira, permitindo um outro modo de reconhecer a estrutura do território. Pelo impacto que esta obra constitui, deve ser olhada como uma peça arquitectónica de relevo nacional. É, sem dúvida uma bonita ponte, que liga duas margens, integra-se de forma sublime na paisagem e passará a ser, certamente, um ex-libris da Covilhã. (www.cm-covilha.pt) 98

Ilustração 69 _ Ponte sobre a Ribeira da Carpinteira Fonte: Fotografia de autor

98 Ponte sobre a Ribeira da Carpinteira, disponível em www.cm-covilha.pt

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5. CONCLUSÃO

Embora até há alguns anos atrás não fosse alvo de um planeamento cuidado, a deslocação pedonal representa a forma mais inata das pessoas se deslocarem, estando por isso sempre presente na vida do ser humano. Com a introdução do automóvel, o desenvolvimento da rede rodoviária nas cidades esteve no topo das prioridades e a marcha a pé viu as infra-estruturas a si dedicadas serem reduzidas com perda de qualidade e de segurança. Actualmente a forma de pensar as cidades encontra-se em fase de mudança. A competitividade entre as cidades pela atracção de habitantes e serviços assenta, entre outros, nos princípios do desenvolvimento sustentável e aumento da qualidade de vida dos cidadãos. Estes dois princípios remetem para a necessidade de melhorar as condições de mobilidade e acessibilidade dos cidadãos, integrando os diferentes modos de transporte de forma eficaz, dotando as infra-estruturas de circulação das condições necessárias apostando na redução do tráfego automóvel para aumentar a qualidade do ar e mitigar o congestionamento, promovendo o transporte público, as deslocações pedonais, os modos suaves.

Ao longo da dissertação procurou analisar-se e demonstrar a viabilidade de reabilitar o modo pedonal como um meio de transporte bem adaptado às deslocações de curta distância, em particular nos centros históricos. A situação que se vive actualmente nas cidades, onde a prioridade tem sido dada ao automóvel, caracteriza-se por uma certa destruição da essência da vida urbana e pela distorção do leque de opções relativos á mobilidade, de tal forma que se tornou desconfortável andar a pé. Além disso, negligenciou-se o facto de que, independentemente do modo como chegamos ao centro das nossas cidades, todos somos peões. Este ciclo vicioso só pode ser quebrado quando se reconhecer o peão como elemento central da mobilidade urbana e o espaço público como a sua estrutura fundamental. A melhor forma de dar prioridade ao peão e incentivar a circulação pedonal nas viagens nos centros urbanos passa por facilitar, principalmente, as deslocações de curta distância (entre 400 e 2000 metros). Assim, torna-se fundamental desenhar cidades onde a marcha a pé seja praticável na maioria das deslocações urbanas necessárias, ou seja, onde predominem as curtas distâncias. Contudo, o modo pedonal apresenta alguns problemas, relacionados principalmente com a sua baixa velocidade e dificuldade em vencer grandes declives. A melhor forma de os resolver e favorecer este meio de transporte passa por isso pela introdução pontual de determinados sistemas de apoio á mobilidade pedonal, especialmente vocacionados para deslocações de curta

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distância. A implementação de meios mecânicos enquadra-se em estratégias de optimização dos transportes públicos ou de incentivo á circulação pedonal em áreas de onde se pretende afastar ou reduzir o peso do transporte individual, pelo que esses meios devem ser entendidos como complementares da marcha a pé.

Assim sendo, também a revitalização dos espaços destinados aos peões é importante para a promoção da deslocação pedonal, garantindo aos cidadãos qualidade e segurança na marcha a pé. Esta promoção deve mitigar o desconforto que alguns percursos de grande pendente geram nos peões através da instalação de meios mecânicos de apoio á deslocação pedonal, que permitem reduzir os tempos de percurso, aumentando ainda o bem-estar do peão. É de salientar ainda, a sua importância na medida em que contribuem para o aumento da qualidade ambiental, permitindo ainda um melhor usufruto do espaço público, especialmente em centros históricos, criando condições para a vivência social.

Conclui-se portanto, que a introdução de meios mecânicos contribui efectivamente para a melhoria dos tempos de percurso e distâncias a percorrer pelos peões, mas pretende contribuir acima de tudo para aumentar a qualidade dos espaços públicos e da própria rede pedonal, melhorando inclusivamente a percepção que o peão tem do espaço. A principal melhoria diz respeito às condições de circulação pedonal: com a existência de meios mecânicos, aumenta o nível de segurança dos peões nas suas deslocações, principalmente na interacção com os veículos motorizados, diminuindo os conflitos que existem. Para além disso, os sistemas de apoio às deslocações pedonais contribuem também para que os espaços e, por conseguinte, a rede pedonal se torne mais atractiva e confortável para quem a utiliza diariamente, devido á maior facilidade de vencer os declives nas colinas, funcionando assim como uma alternativa viável ao automóvel nas deslocações de curta distância.

Os casos estudados pretendem demonstrar que a introdução destes meios é possível em zonas históricas, como entre outras, é exemplo a Baixa e as suas colinas. Todos, á sua maneira, pretendem melhorar a situação pedonal na sua cidade, através da criação de laços fortes entre as zonas baixas e as zonas altas e articulando os seus percursos principais, no sentido de desenvolver uma rede forte e viável, que ofereça múltiplas opções de deslocação a pé, com o apoio de meios mecânicos, sempre que possível e necessário.

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICES

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LISTA DE APÊNDICES

Apêndice A - Exercício de Projecto III – Renovar a Mouraria: Proposta para dois percursos pedonais assistidos por meios mecânicos de elevação

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APÊNDICE A Exercício de Projecto III – Requalificar a Mouraria: Proposta para dois percursos pedonais assistidos por meios mecânicos de elevação

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O exercício de Projecto III no ano lectivo de 2009/2010 tinha como tema Requalificar a Mouraria. Requalificar significava renovar, reabilitar, consolidar, conservar e expandir. O que foi tido em conta, dentro destes parâmetros, foram os seguintes aspectos: adaptar tendo em conta as necessidades; projectar alterações pouco significativas de estrutura física; melhorar condições de vida bairristas / urbanas; criação de espaços de diferente natureza; novos usos; mas sobretudo, preservar memórias, cultura, história e identidade local; e preservar e valorizar as singularidades locais.

Assim sendo, e tendo em conta o significado de requalificar, foram propostas estratégias integrando as cinco formas de intervenção urbanística referidas acima como significado de requalificar:

Renovar: actualizar, reformar, recompor, substituir, progredir, ordenar, organizar. Estratégia: demolição de estruturas degradadas e consequente substituição por um novo padrão urbano; novas estruturas, novos edifícios; desenvolver a qualificação urbanística e ambiental; actualizar segundo um qualquer conceito. Reabilitar: reparar, recuperar, regenerar, readaptar, salvaguardar. Estratégia: revitalização de áreas com sinais de degradação; dinamizar de modo a tornar mais atractivo; melhorar construções, incluindo o nível funcional. Consolidar: fortalecer, tornar consistente, firme, seguro, estável, transformar. Estratégia: preenchimento de áreas intersticiais, vazios; melhorar qualidade dos espaços existentes e propor novos. Conservar: preservar, resistir, manter, salvaguardar. Estratégia: manutenção do existente, nomeadamente ao nível do património cultural, arquitectónico, histórico; salvaguarda de imóveis de maior valor estético e histórico; manutenção de áreas de valor ecológico. Expandir: estender, desenvolver, propagar, ampliar, dilatar. Estratégia: ligações com outros aglomerados urbanos, nomeadamente ao nível de percursos pedonais; ampliação de áreas / funções.

Pretendia-se neste exercício requalificar a Mouraria, uma vez que é um território que se encontra visivelmente degradado, com algumas áreas expectantes, e com vazios pouco qualificados. Com tudo é um território de grande diversidade física e morfológica, com características singulares e com uma enorme identidade. Dada a sua malha irregular, pretende-se de certa forma regularizá-la de modo a tornar uma imagem urbana mais coerente, mais articulada, hierarquizando assim vias e percursos.

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Ilustração 70 _ Planta Geral da intervenção com identificação dos núcleos definidos Fonte: Imagem de autor

Núcleo 1 - Área verde Estar / Lazer (Existente), Mercado Ar Livre, Acesso Percurso A Núcleo 2 - Inatel (Existente), Severa (Existente), Hotel, 4 Pequenas Habitações Núcleo 3 - Teatro Taborda (Existente), Área verde Teatro Taborda, 5 Pequenas Habitações, Biblioteca Núcleo 4 - Área verde / Recreio / Lazer, Escola, Acesso Percurso A Núcleo 5 - 3 Pequenas Habitações, Centro Cultural, Centro Cívico / Social Núcleo 6 - 8 Pequenas Habitações, Centro Dia / Ocupacional Sénior Núcleo 7 - 7 Pequenas Habitações Núcleo 8 - Creche (Existente), Centro Saúde (Existente), Estacionamento / Comércio, Acesso Percurso B Núcleo 9 - Área Verde / Recreio / Lazer, Núcleo Chapitô (Existente) Núcleo 10 - 2 Pequenas Habitações, Galerias Comerciais, Ruínas Teatro Romano Núcleo 11 - Junta de Freguesia (Existente), Escola Secundária (Existente), 4 Pequenas Habitações Núcleo 12 - Área Verde /Recreio / Lazer, Habitação Chapitô

Ou seja, o que se pretende é deixar como vias de tráfego automóvel, as vias principais, como a rua Costa do Castelo, a Rua Marquês Ponte Lima, a Rua de São Cristóvão, a Rua do Regedor, a Rua de São Mamede, a Rua da Madalena e a Rua da Mouraria, bem como a Praça Martim Moniz. No fundo estas vias irão delimitar e ajudar a definir os núcleos de intervenção. Uma vez que se vão restringir estas vias a tráfego automóvel, serão solucionadas bolsas de estacionamento em contacto com as

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mesmas, uma vez que todos as travessas, becos, escadinhas, passarão a percursos de carácter apenas pedonal. Também estes percursos pedonais serão hierarquizados, sendo os principais, também eles delimitadores dos tais núcleos. São percursos pedonais principais, os definidos pelas Escadinhas da Saúde, Escadinhas Costa do Castelo, Escadinhas Marquês Ponte Lima, Beco dos Turvadores, Escadinhas das Farinhas, Escadinhas São Cristóvão, Calçada Marquês Tancos, Travessa Chão do Loureiro. O que se pretende é que quer as vias automóveis, quer as principais definam núcleos que contudo não sejam encerrados em si, ou seja, surge a ideia de fazer um género de várias vilas operárias, contudo de escala maior, como se de bairros operários se tratasse.

Estas vilas operárias têm os seus limites definidos por edifícios, contudo onde acontecem os seus percursos, becos e escadinhas, estas são abertas, o que quer dizer que têm um carácter público e não tão privado. Ou seja em planta de cobertura ou quinta fachada percebe-se que são como um núcleo fechado com pátios, ruelas, escadinhas no seu interior, mas em planta de piso térreo estas são esventradas, abertas, de acessos e utilização comum. Esta ideia surge como forma de regularizar um pouco a malha urbana da Mouraria, conservando contudo a sua identidade e as suas características, tendo como referência um facto que já acontecia no território, as vilas. Esta ideia surge também do facto da estrutura funcional acontecer em conjunto, ou seja, numa mesma pequena área podemos encontrar habitação, comercio ensino, saúde, industria, serviços, armazéns, cultura. As coisas não se encontram divididas ou agrupadas, mas de certo modo todas agregadas. Daí também a ideia dos complexos operários, que ganham aqui um carácter mais público e não tão privado, mas que concentram em si, todas estas vertentes funcionais, incluindo a complexidade das relações sociais que tão bem é visível no território.

Como proposta de reabilitação, pretende-se manter os edifícios patrimoniais, bem como os que se encontram em bom estado de conservação, sendo necessário a reabilitação de alguns edifícios importantes que se encontram em mau estado de conservação. No que diz respeito á restante estrutura urbana que se encontra mal conservada, pretende-se construir novos edifícios em conformidade com a imagem urbana e com o território. Nos vazios e espaços expectantes existentes, bem como em algumas áreas em ruínas, passíveis de intervenção, a ideia é construir edifícios / equipamentos com carácter mais público e que marquem uma diferença qualquer no território, por exemplo através da sua escala, enquadrados contudo na malha urbana e no território. O que quer dizer que se pretende diferenciar o que é novo do existente,

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não esquecendo contudo o enquadramento e a envolvente. Os edifícios que se pretende que marquem as diferença terão sempre um carácter público. No que diz respeito á habitação, esta pretende-se na mesma lógica das construções existentes, de pequena escala.

Quanto a áreas verdes, é intenção criar uma área de horta urbana colectiva de dimensões significativas, na encosta do Castelo, na medida em que contribui para uma série de relacionamentos sociais, e dado que esta é uma zona de população essencialmente envelhecida, mas também na medida em que é criada uma área verde e todos os benefícios que ela traz, uma vez que não existe nenhuma no território em estudo. É ainda intenção criar três outras áreas verdes nos vazios mais significativos da área em estudo, como espaços de recreio e de lazer.

Ilustração 71 _ Maquete da intervenção com identificação dos percursos pedonais assistidos Fonte: Fotografia de autor

No que diz respeito á expansão, e o mais importante de referir e que serviu de base para esta dissertação, propõe-se a criação de dois percursos pedonais mecanicamente assistidos. Estes percursos têm a intenção de ligar vários pontos do território, com o castelo e a sua encosta, quer por meio da revitalização de percursos já existentes, quer recorrendo a novas formas de mobilidade, passando estes a estar ligadas não apenas visualmente, mas fisicamente com um percurso mais linear e directo. O objectivo desta intervenção é então a criação de percursos de atravessamento pedonal, assistido por meios mecânicos de elevação, ligando o Castelo com vários pontos da cidade, não esquecendo a requalificação do espaço

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público, tendo como preocupação a articulação entre as diferentes cotas, facilitando a subida, mas potenciado também a revitalização e requalificação da envolvente.

O percurso faria a articulação entre a rede de eléctricos, já existente, bem como dos elevadores do Lavra, da Glória e do Carmo. Seriam propostos outros elevadores verticais, bem como ascensores ou funiculares para outras partes do percurso onde houvesse necessidade por serem mais declivosos.

Ilustração 72 _ Planta geral de percursos e a sua articulação com rede de eléctricos e equipamentos propostos Fonte: Imagem de autor

Assim sendo, o Percurso A liga a colina do Castelo á colina de São Pedro Alcântara, sendo os seus pontos principais: Castelo - Verde Urbano - Muralha Rosa - Centro Cultural - Mercado Martim Moniz - Encosta Hospital São José – Restauradores - Elevador da Glória - Miradouro São Pedro Alcântara - Ligação com a Linha de Eléctricos da Colina do Castelo. O Percurso B liga a colina do Castelo ao Largo do Carmo, sendo os seus pontos principais: Castelo – Terraço Mercado Chão do Loureiro

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– Largo do Caldas – Baixa – Elevador Santa Justa – Rua do Carmo – Largo do Carmo – Ligação com a Linha de Eléctrico da Colina de São Pedro de Alcântara.

Ilustração 73 _ Percurso A e Percurso B Fonte: Fotografia de autor

O pouco desenvolvimento destes percursos e de como seriam desenvolvidos na prática, por necessidade de dar prioridade a outras intervenções, despertou a minha curiosidade para o desenvolvimento do tema da dissertação.

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ANEXOS

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LISTA DE ANEXOS

Anexo A - Exemplos de Boas Práticas em Várias Cidades Europeias

Anexo B - Os Idealizados para Lisboa entre 1873 e 1989: Projectos Não Realizados

Anexo C - Os Idealizados para Lisboa recentemente: propostas desde 1994

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ANEXO A Exemplos de Boas Práticas em Várias Cidades Europeias

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Actualmente verifica-se que os núcleos históricos de várias cidades europeias enfrentam problemas sérios que ameaçam a sua sobrevivência. A utilização de sistemas de apoio á circulação pedonal está associada a novas formas de pensar e fazer cidade, permite a expansão das redes pedonais, e é extramente favorável principalmente em cidades declivosas, sendo uma solução já adoptada como modelo em várias cidades europeias. Os exemplos seguintes pretendem ilustrar algumas das boas prática que têm vindo a ser realizadas nos centros históricos de algumas cidades europeias e onde se recorreu á introdução de sistemas mecânicos de apoio á circulação pedonal.

I. Tapetes rolantes do centro histórico de Vitória-Gasteiz A cidade de Vitoria, no Norte de Espanha, é a capital do País Basco e encontra-se no centro de uma vasta planície rodeada de montanhas. Em matéria de acessibilidades e pedonalização, esta cidade conta com experiências pioneiras que se estenderam tanto ao centro histórico como como á envolvente. Uma das acções em matéria de acessibilidade foi a instalação de tapetes rolantes em duas das ruas do casco medieval com pendentes acentuadas, o Cantón de San Francisco Javier e o Cantón de la Soledad. Resultado de um concurso lançado pelo município, o projecto de Roberto Ercilla99 consiste na instalação de uma passadeira mecânica rolante, que permite vencer um desnível de 10 metros a uma velocidade de 0.5 metros por segundo. A passadeira apresenta um total de 210 metros e divide-se em sete tramos, quatro no Cantón de San Francisco Javier e três no Cantón de la Soledad, de 25 a 30 metros cada um e todos completamente cobertos.

Ilustração 74 _ Corte e Planta do Conjunto Fonte: About:blank, arquitectura & design magazine, edição 09, out/nov/dez 2011. Disponível em: http://www.aboutblank.pt/pt/now/electronic-ramps-roberto-miguel/

99 Roberto Ercilla licenciou-se em Arquitectura pela Escola Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona (ETSAB) em 1976. Tem atelier desde 1978, sediado na cidade de Vitoria-Gasteiz. Associado de Projecto Final entre 1996 e 2001 e é desde 2003, Professor de Projecto V na Escuela Superior de Arquitectura de Navarra. O atelier de Roberto Ercilla é constituído por um grupo de profissionais com vasta experiência, cuja actividade projectual assente numa abordagem inovadora tanto ao nível das tecnologias e da criatividade, assim como no compromisso em reduzir o impacte ambiental dos seus projectos.

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Ilustração 75 _ Rampas do Cantón de San Francisco Javier Fonte: About:blank, arquitectura & design magazine, edição 09, out/nov/dez 2011. Disponível em: http://www.aboutblank.pt/pt/now/electronic-ramps-roberto-miguel/

II. Tapetes rolantes da Calle El Cristo, Bilbau O principal núcleo urbano de Bilbau é rodeado por duas cadeias montanhosas cuja altitude média não ultrapassa os 400 metros e que em parte marcam os limites naturais do município. Numa das suas ruas mais declivosas e movimentadas foi recentemente implantado um conjunto rampas mecânicas que melhoram a mobilidade pedonal na cidade.

Ilustração 76 _ Tapetes rolantes da Calle El Cristo, Bilbau Fonte: (www.flickr.com, 2008)

III. Escalera de La Granja, Toledo Situada no centro de Espanha, a cidade de Toledo apresenta uma estrutura espacial que se caracteriza pela presença de um extenso centro histórico, estrategicamente localizado perto do rio Tejo. José Antônio Martinez Lapenã & Elias Torres Tur Arquitectos,100 projectaram como medida de melhoria no acesso ao casco histórico, um parque de estacionamento no Paseo de Recadero e a instalação de escadas

100 Antônio Martinez Lapenã & Elias Torres Tur são dois arquitectos espanhóis, que trabalham em conjunto em Barcelona desde 1968. Elies Torres Tur licenciou-se em arquitectura pela Escola Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona (ETSAB). Foi professor convidado da Harvard University.

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rolantes de acesso ao mesmo. O parque de estacionamento tem espaço para 400 veículos e liga com o nível mais alto da cidade através de um sistema, em cascata, de escadas rolantes cobertas. O acesso á base das escadas faz-se através de uma passagem por baixo das fundações da muralha medieval, marcando o início do percurso e formando uma nova porta de entrada na cidade. Com um comprimento total de 100 metros, as escadas rolantes dividem-se em seis tramos distribuídos segundo um padrão de zig-zag, que vencem um desnível de 36 metros e seguem a topografia do local, aparecendo como uma fenda na muralha.

Ilustração 77 _ Panorâmica das escadas e centro histórico de Toledo Fonte: (www.flickr.com, s.d.)

Ilustração 78 _ Entrada para as escadas e vista para a encosta Fonte: (www.flickr.com, s.d.)

IV. Escadas rolantes para o Parque Guell, Barcelona Localizado na parte superior da cidade de Barcelona, o Parque Güell ocupa quase 20 hectares, donde é possível ter uma vista panorâmica sobre toda cidade. Recentemente, para beneficio essencialmente de turistas, mas também de moradores, foram construídas escadas rolantes a céu aberto, para garantir uma melhor acessibilidade quer ao parque, quer às habitações contiguas as escadas.

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Ilustração 79 _ Escadas rolantes para o Parque Guell, Barcelona Fonte: www.flickr.com, 2007

V. Funicular do Castelo, Liubliana, Eslovénia A intervenção realizada em finais de 2006 em Liubliana, na Eslovénia, permitiu fazer a ligação entre o Castelo e o núcleo antigo da cidade, através de um meio de transporte urbano: um funicular. Esta é uma pequena cidade medieval, envolvida por um rio e uma colina coroada pelo castelo, onde o funicular provou ser a melhor solução para a topografia e localização delicada do projecto. O funicular funciona de forma respeitosa fora da cidade medieval, ao longo da antiga muralha que ligava a cidade á fortificação. O funicular circula nos carris com uma única cabine.

Ilustração 80 _ Panorâmica do centro de Liubliana e colina do Castelo Fonte: www.ljubljana.si, s.d.

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Ilustração 81 _ Corte longitudinal Fonte: www.nextroom.at, s.d

Ilustração 82 _ O funicular do Castelo, Liubliana Fonte: www.flickr.com, s.d.

VI. Funicular de Monmartre, Paris, França O funicular de Montmartre é um pequeno funicular automático de duas cabines no distrito 18 de París e que serve o bairro de Montmartre. Permite ascender, desde a base da colina, até á Basílica del Sacré Cœur e vice versa. Foi inaugurado em 13 de Julho de 1900, mas a versao actual, electrificada, é um restauro que entrou ao serviço a 1 de junho de 1991. Tem duas cabinas independentes com capacidade para 60 pessoas cada uma. Pode transportar até 2.000 passageiros por hora em ambas as direçoes. Uma viagem em cada sentido, que cobre uma distância vertical de 36 metros e horizontal de 108 metros, requere aproximadamente 90 segundos. O funicular proporciona uma alternativa ás múltiplas escadas de mais de 300 degraus que conduzem ao cima da colina.

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Ilustração 83 _ Funicular de Monmartre Fonte: www.flickr.com, 2006

VII. Funicular de Artxanda, Bilbau, Espanha Une a Plaza del Funicular, situada na calle Castaños, paralela ao Paseo del Campo Volantín com o Monte Artxanda, onde se contemplam belas vistas sobre a cidade de Bilbao e a Ría de Bilbao.

Ilustração 84 _ Funicular de Artxanda Fonte: www.bilbau.net, s.d.

VIII. Elevador do Paseo del Óvalo, Teruel A remodelação do acesso ao Paséo del Óvalo realizada na cidade espanhola de Teruel é uma obra do arquitecto David Chipperfield101 que teve como objectivo principal a melhoria das condições de acesso ao centro histórico, a partir da nova estação de comboios. O elemento principal deste novo espaço é um caminho, traçado ao longo de uma suave pendente, que leva a uma cavidade escavada na muralha da

101 David Chipperfield (1953 - ) é um arquitecto británico, licenciado em arquitectura pela Architectural Association School of Architecture de Londres, desde 1977. Entre 1978-1984 trabalhou com arquitectos como Douglas Stephen, Richard Rogers e Norman Foster, estabelecendo o seu próprio estudio David Chipperfield Architects em 1984. Tem atelieres em Londres, Berlim, Milão e Shanghái.

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cidade. Esta conduz a um fosso de luz natural, onde se encontram dois elevadores, ambos com capacidade para 13 pessoas, que fazem a ligação ao casco antigo, vencendo um desnível de 17 metros.

Ilustração 85 _ Panorâmica da Plaza de la Estación Fonte: www.flickr.com, 2005

Ilustração 86 _ Planta geral da intervenção / Planta e corte pelos elevadores Fonte: upcommons.upc.edu, s.d.

IX. Teleférico de Grenoble-Bastille, Grenoble, França Ponto de encontro entre França, Suíça e Itália, a cidade de Grenoble beneficia de uma posição privilegiada no coração da região dos Alpes franceses. A dominar a cidade, no topo de uma pequena montanha, encontra-se La Bastille, uma das raras fortalezas do início do seculo XIX donde se tem um dos melhores panoramas sobre a cidade e seus arredores. Desde 1934 que a Bastilha se encontra ligada através do que, nessa época, foi considerado o primeiro teleférico urbano do mundo. Em resumo, 262 metros de desnível para uma extensão de 673 metros, pontuados por um pilar de suporte de 23 metros ao nível da muralha do forte, resumem a performance técnica do sistema desde então. Em 1970, um novo teleférico foi construído, com cinco pequenas cabines em vez de uma grande. Em poucos minutos, de dia ou de noite, o teleférico sobe desde o centro da cidade até ao forte da Bastilha que, alem de estar equipada com vários serviços, e também o ponto de partida de vários percursos e actividades de lazer na montanha.

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Ilustração 87 _ Panorâmica de Grenoble e do teleférico Fonte: www.flickr.com, s.d.

Ilustração 88 _ Vista da subida até á Bastilha Fonte: www.bastille-grenoble.fr, s.d.

X. Teleférico de Montjuic, Barcelona O Teleférico de Montjuic une o Funicular de Montjuic com o Castelo de Montjuic, situado na parte mais alta da montanha. O seu traçado tem três estações: o Parque Montjuic, o Mirador e o Castelo. Do teleférico pode ver-se toda a cidade de Barcelona e vários dos seus lugares mais representativos, como a Plaza de Cataluña, a Catedral de Barcelona, a Sagrada Família, os cruzeiros atracados no Porto de Barcelona, a Villa Olímpica de Barcelona, a Torre Agbar e a zona do Fórum.

Ilustração 89 _ Teleférico de Montjuic Fonte: www.flickr.com, 2007

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ANEXO B Os Idealizados para Lisboa entre 1873 e 1989: Projectos não realizados

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Para além dos equipamentos sobreviventes e dos desaparecidos, considerou-se importante fazer uma breve referência também os ascensores utópicos ou idealizados, aqueles que por circunstâncias várias não passaram da intenção ou de projecto.

Segundo João Firmino da Costa (2008, p.148),

Após os primeiros, começaram a planear-se elevadores para toda a parte. Houve um período em que era “habitual deparar-se com dois cavalheiros a uma esquina, de canhenho e lapis em punho, muito absorvidos a olhar os transeuntes que passavam, sem corresponderem sequer aos cumprimentos dos conhecidos, sem dar resposta a algum que os interrogava. Estavam a contar as pessoas que iam á sua vida ou ao seu passeio, para calcular se o movimento diario de uma rua mais inclinada representaria vantagem para a construcção de um elevador. E assim, se muitos projectos não transitaram do dominio da phantasia para o da realidade, outros executaram-se [e] pode dizer-se que não houve elevação da cidade que não fôsse atacada por um ascensor.102

Este excerto de um artigo de 1909, recorda o tempo em que se pretendia dotar a cidade de Lisboa com uma desenvolvida rede de ascensores. Nele, a imagem dos dois cavalheiros muito absorvidos contando metodicamente os transeuntes, contrasta fortemente com a sugestão de que boa parte dos projectos pertencia ao domínio da phantasia. Segundo o mesmo autor, foram um conjunto de 51 os requerimentos dos demais proponentes que, nalgum momento procuraram obter concessões para ascensores, no período entre 1874 e 1898, anos que enquadram respectivamente o primeiro tramway de tracção animal e o primeiro carro eléctrico. (COSTA, 2008, p.149)

Breve Cronologia I. 11-04-1874 _ IDEALIZADOS: requerimento de Daniel da Silva e Francisco Horta II. ??-??-1874 _ IDEALIZADOS: requerimento de Roberto Arménio III. 05-01-1876 _ IDEALIZADOS: requerimento de Carlos Ferreira Pinto Basto IV. 29-08-1879 _ IDEALIZADOS: requerimento de José Travassos Pereira V. 05-09-1879 _ IDEALIZADOS: requerimento de Paulo Benjamim Cabral e Carlos Basto 25-03-1882 _ Inauguração do Ascensor do Bom Jesus, em Braga 10-05-1882 _ Requerimento de Mesnier à CML, para a instalação de oito ascensores 01-06-1882 _ Aprovação do requerido em 10-5-1882, em sessão da Câmara VI. 05-02-1883 _ IDEALIZADOS: requerimento de Joseph Bleck 19-04-1884 _ Inauguração do Ascensor do Lavra VII. 19-07-1884 _ IDEALIZADOS: requerimento de Faros & Almeida 24-10-1885 _ Inauguração do Ascensor da Glória VIII. 04-11-1885 _ IDEALIZADOS: requerimento de João Oliveira Casquilho IX. 01-12-1885 _ IDEALIZADOS: requerimento de Nicolau da Conceição e outros X. 31-12-1885 _ IDEALIZADOS: requerimento de Luiz de Lenne e outros

102 Ilustração Portuguesa, nº155, Fevereiro de 1909

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XI. 05-01-1886 _ IDEALIZADOS: requerimento de José Ferreira Marquitos XII. 07-02-1887 _ IDEALIZADOS: requerimento de Manuel Santiago e outros XIII. 16-06-1887 _ IDEALIZADOS: requerimento do Barão de Kessler e sócios XIV. 07-10-1887 _ IDEALIZADOS: requerimento de Augusto Ribeiro XV. 11-07-1888 _ IDEALIZADOS: requerimento de Frederico Balby e Cª XVI. 16-11-1888 _ IDEALIZADOS: requerimento do Barão de Kessler e sócios XVII. 24-11-1888 _ IDEALIZADOS: requerimento de António Ferraz XVIII. 22-01-1889 _ IDEALIZADOS: requerimento de Eduardo Maia XIX. 15-02-1889 _ IDEALIZADOS: requerimento de João Figueiredo XX. 25-07-1889 _ IDEALIZADOS: requerimento de Jerónimo Abreu XXI. 14-08-1889 _ IDEALIZADOS: requerimento de João Duarte XXII. 12-10-1889 _ IDEALIZADOS: requerimento de Manuel Barbosa e sócio XXIII. 08-11-1889 _ IDEALIZADOS: requerimento de Alfredo Mello XXIV. 15-11-1889 _ IDEALIZADOS: requerimento de Henrique Moser 15-08-1890 _ Inauguração do Ascensor da Estrela XXV. 16-01-1891 _ IDEALIZADOS: requerimento de Ernesto Vasconcellos XXVI. 02-04-1891 _ IDEALIZADOS: requerimento de João Moraes XXVII. 19-04-1891 _ IDEALIZADOS: requerimento de José Pires 03-06-1891 _ Inauguração do Ascensor dos Guindais, no Porto XXVIII. 14-10-1891 _ IDEALIZADOS: requerimento de António Brandão XXIX. 04-11-1891 _ IDEALIZADOS: requerimento de Manuel Silva XXX. 24-12-1891 _ IDEALIZADOS: requerimento de Henrique Véron XXXI. 07-01-1892 _ IDEALIZADOS: requerimento de Augusto da Costa e sócio 15-02-1982 _ Inauguração do Elevador do Chiado XXXII. 17-06-1892 _ IDEALIZADOS: requerimento de António Vanzeller XXXIII. 23-06-1892 _ IDEALIZADOS: requerimento de John Coverlay 28-06-1892 _ Entrada ao serviço do Ascensor da Bica XXXIV. 16-07-1892 _ IDEALIZADOS: requerimento de Manoel Feijão XXXV. 20-07-1892 _ IDEALIZADOS: requerimento de João Trigueiros e sócio XXXVI. 26-07-1892 _ IDEALIZADOS: requerimento de António Castanheira XXXVII. ??-??-1892 _ IDEALIZADOS: requerimento de João Posser e sócio XXXVIII. 18-10-1892 _ IDEALIZADOS: requerimento de Ramiro Trindade XXXIX. 19-01-1893 _ IDEALIZADOS: requerimento de Felix de Ciebra 26-03-1893 _ Inauguração do Ascensor da Graça XL. 19-04-1893 _ IDEALIZADOS: requerimento de Francis Ferrin XLI. 01-09-1894 _ IDEALIZADOS: requerimento de Júlio Alves XLII. 26-12-1894 _ IDEALIZADOS: requerimento de Henry Lusseau XLIII. 22-07-1896 _ IDEALIZADOS: requerimento de Paiva Irmãos e sócio XLIV. 10-11-1896 _ IDEALIZADOS: requerimento de J. Greenfield de Mello 12-01-1897 _ Inauguração do Elevador do Município XLV. 06-04-1897 _ IDEALIZADOS: requerimento de João Brée XLVI. 08-04-1897 _ IDEALIZADOS: requerimento de John Clark e sócio XLVII. 03-06-1897 _ IDEALIZADOS: requerimento de Francisco Rego XLVIII. 23-07-1897 _ IDEALIZADOS: requerimento de Domingos Serzedello XLIX. 04-08-1897 _ IDEALIZADOS: requerimento de António Machado e sócio L. 17-08-1897 _ IDEALIZADOS: requerimento de João Ribeiro LI. 02-01-1898 _ IDEALIZADOS: requerimento de Alfredo Veiga 15-01-1899 _ Inauguração do Ascensor de São Sebastião 31-08-1901 _ 1ª Inauguração do Elevador de Santa Justa, com a colocação da ponte 10-07-1902 _ Inauguração oficial do Elevador de Santa Justa

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I. Em 11 de Abril de 1874, Daniel da Silva e Francisco Horta dirigiram à CML o seguinte pedido: “[Os requerentes] (...) havendo precedentemente requerido lhes fosse concedido o estabelecimento de carris de ferro e machina fixa de ascensão mechanica na calçada da Gloria (...) vêm hoje (...) em combinação com aquelle util meio de viação requerer (...) que lhes seja adjudicado o estabelecimento de carris de ferro para a subida da calçada do Lavra, permittindo-se a collocação de tubos de ferro subterraneos para communicação da potencia motora (...) [atravessando] o passeio publico do Rocio e o largo da Annunciada.”103 Assim, em Abril de 1874, Daniel Silva e Francisco Horta requeriam uma linha no Lavra, na sequência de um pedido anterior relativo apenas à Glória, datado de 2 de Janeiro de 1874.104 (COSTA, 2008, p.227)

II. Naquele mesmo ano, em 4 de Dezembro, Roberto Arménio105 dirigiu-se à CML dizendo ter apresentado um requerimento para obter “(...) a concessão para subir e descer todas as collinas da Cidade de Lisboa com uma locomoção especial dependente de diversos meios meccanicos e diversas forças motrizes e desejando, para tutelar os seus interesses, provar a prioridade do seu pedido (...) pede á Exmª Camara lhe mande passar por certidão, se na data em que foi apresentado o seu requerimento (...) existiam já outros pedidos para concessões de egual natureza (...)”.106 Não se conhece a data desse pedido inicial por parte de Roberto Arménio. (COSTA, 2008, p.227)

Ilustração 90 _ Três alternativas do Ascensor do Lavra (AAC, PS, cx143 (adaptado)) No original, o projecto de Daniel Silva e Francisco Horta, de Abril de 1874. A azul, o trajecto aproximado que se depreende da licença passada a Roberto Arménio em 1875, com início provável no gaveto adjacente ao Coliseu. A amarelo, a solução implementada pela CAML, em 1884.

Fonte: COSTA, 2008. p.228

103 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx143 104 Archivo Municipal, 26 de Abril de 1875 105 Roberto Arménio apresenta-se como Ingegnere Civile e Militare, donde se subentende a sua naturalidade italiana. Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx144. 106 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx144

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III. Em 5 de Janeiro de 1876, Carlos Ferreira Pinto Basto dirigiu à Câmara um pedido para montar “um aparelho elevador mecanico, movido a vapôr, destinado a estabelecer transito accelerado (...) entre a parte baixa da cidade, no local de S. Paulo, e o ponto alto,do lugar do Calheiriz (...) sobre a via publica, na rua da Bica de Duarte Bello e por ventura em outras adjacentes, e respectivos prolongamentos; entre Stª Catharina e Chagas (onde aliás não transitão carroagens); estabelecer ou collocar barras de ferro sobre as quaes funccionem os vehiculos tirados pelo elevadôr.”107 Sem ter em conta a originalidade da ligação Santa Catarina/Chagas, aquele terá sido o primeiro pedido de licença para um ascensor na Bica, localização não contemplada no requerimento de Raul Mesnier em 1882. (COSTA, 2008, p.229)

IV. Em 29 de Agosto de 1879, José Travassos Pereira apresentou à Câmara um projecto para um sistema misto, que envolvia diversas linhas americanas e um ascensor com máquina fixa “partindo do largo da Annunciada pela calçada do Lavra n’um alinhamento à travessa do Convento das Freiras de Sant’Anna.”108 Essa localização não tinha ainda sido, até essa data, objecto de qualquer concessão. (COSTA, 2008, p.230)

V. Em 5 de Setembro de 1879, Paulo Benjamim Cabral e Carlos Basto submeteram à apreciação da CML uma proposta que consistia em linhas americanas, “um elevador e planos automotores de systhema especial para tracção com machinas fixas.”109 Os planos automotores pretendidos situar-se-iam respectivamente na Calçada de Glória e na rua larga de S. Roque (sendo precizo).110 Tratou-se assim do primeiro pedido, tanto quanto apurámos, para assentar um ascensor naquela que hoje é a Rua da Misericórdia. (COSTA, 2008, p.231)

VI. Em 5 de Fevereiro de 1883, Joseph Bleck escreveu à CML propondo o seguinte: “Licença para o estabelecimento de um systema de viacção por meio de carros movendo-se sobre carris de ferro ao nivel do solo, sendo a tracção feita por um cabo de ferro collocado no interior de um tubo de ferro ou outro material posto abaixo do solo. O movimento do cabo, dentro do tubo, é produzido por meio de machinas de vapor fixas, e transmittido aos carros por intermedio de uma haste que, partindo da parte inferior dos carros vae juntar-se ao cabo passando atravez de uma fenda longitudinal aberta na parte superior do tubo. (...) A- Rocio, Rua Nova do Carmo, Chiado, Loreto, Calçada do Combro, Calçada da Estrella, Travessa Nova da Estrella á Santa Izabel. B- Rocio, Avenida da Liberdade, Calçada do

107 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx154 108 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx161 109 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx161 110 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx161

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Chafariz de Andaluz á Avenida Estephania. C- Rocio, Avenida da Liberdade á S. Sebastião da Pedreira. D- Rocio, Rua do Amparo, Rua da Mouraria, Rua dos Cavalleiros, Calçada de S. André á Graça. E- Rocio, Rua Augusta, Rua dos Retrozeiros, Sé, Rua do Limoeiro, Rua de S. Thomé ao Largo de S. Vicente. F- Rato, Rua da Escola Polytechnica, Patriarchal, Rua Moinho de Vento, Rua Larga de S. Roque, Rua de Alecrim, Aterro á Alcantara.”111 Tratou-se do primeiro pedido para tramway-cabo feito à CML, feito ainda antes da CAML ter construído o ascensor do Lavra. Para lá da novidade tecnológica, é de assinalar que é também o primeiro projecto de ascensores para certas localizações, como o Camões via Chiado ou S. Tomé via Limoeiro, e também que não se resumia às rampas. (COSTA, 2008, p.232)

Ilustração 91 _ Um dos desenhos que Joseph Bleck enviou à CML em 1883 (AAC, PS, cx177-182) Fonte: COSTA, 2008. p.232

VII. Outro requerente foi a firma Faros & Almeida que, em 23 de Outubro de 1884, solicitou à Câmara que lhe passasse certidão comprovativa dos seus anteriores pedidos, entre os quais constaria um, datado de 19 de Julho, relativo a “elevadores (ascensores) [designadamente] entre a rua de S. Vicente á Guia e Calçada de Stª Anna, pela Calçada do Jogo da Pélla e a do Monturo do Collegio; entre a rua do Terreirinho e o Largo da Graça pela Calçada d’Agostinho Carvalho e a do Monte.”112 A solução de um ascensor para a colina de Sant’Ana a partir do Martim Moniz parece ser inédita. (COSTA, 2008, p.233)

VIII. Em 4 de Novembro de 1885, João de Oliveira Casquilho solicitou à Câmara uma licença para construção e exploração de linhas em 33 pontos da cidade, “por qualquer dos systemas – Tramvia com tração por cabo metalico / cable tramway / com motores fixos, ou Ascensores mechanicos (...).”113 Casquilho foi o primeiro a propor localizações

111 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx177-182 112 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx185-190. Parecem tratar-se de dois ascensores, o primeiro desde o Martim Moniz/NªSrª da Saúde (rua de S. Vicente à Guia) até à Calçada de Sant’Ana (talvez a meio desta); no caso do segundo, a toponímia actual ainda corresponde. 113 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx192-199

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até aí inéditas, como por exemplo a Calçada dos Barbadinhos, as ruas dos Anjos e de ou a Calçada do Marquês de Tancos até ao Castelo. (COSTA, 2008, p.235)

IX. No dia 1 de Dezembro de 1885, Nicolau José Ferreira da Conceição, João Baptista Gregório d’Almeida e dois outros associados de nome ilegível, pediram a concessão, “effectuando-se registo de prioridade para todos os effeitos [daquele] pedido, (...) [para um] ascensor em plano inclinado entre o largo do Intendente e a Cruz dos Quatro Caminhos, ou suas proximidades, sendo parte assente em via publica e parte em leito próprio.”114 Trata-se de uma ligação não contemplada por nenhum dos anteriores ou posteriores requerimentos à CML. Os requerentes não explicitam quais as vias públicas que pretendiam utilizar, mas observando a planta da cidade numa época em que a Rua Damasceno Monteiro ainda não tinha sido aberta, um trajecto possível era através da Travessa e Beco da Cruz (aos Anjos) e seguindo quase em linha recta e em leito próprio até Sapadores. (COSTA, 2008, p.236)

Ilustração 92 _ O provável traçado do ascensor previsto por Nicolau Conceição e seus associados (Planta de Lisboa, CML, 1891, adaptada) 1 – Largo do Intendente; 2 – Largo de Sapadores. A amarelo, o traçado aproximado daquela que veio a ser a Rua Damasceno Monteiro, inexistente à data daquele pedido. Fonte: COSTA, 2008. p.236

X. Num pedido de concessão datado de 31 de Dezembro de 1885, Alexandre Lopes Botelho, Luiz de Lenne115 e Thomé Martins Vieira propuseram a construção de “dois elevadores para passageiros e mercadorias, em plano inclinado e terreno proprio, que partiriam da Rua da Mouraria (...) [perto da Srª da Saúde] atravessando as hortas situadas ao sul do edificio do Colleginho para d’ali se dirigir, um ao largo proximo da Igreja da Graça, terminus, passando successivamente a uma altura suficiente por cima das casas (...) na rua da Amendoeira (...) e na calçada de Santo André (...) sobre viaducto de ferro (...) supportado por cinco pilares metalicos (...); e outro em direcção ao largo dos Loyos pela encosta do Castello;

114 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx192-199. A Cruz dos Quatro Caminhos corresponde aproximadamente a parte da Rua de Sapadores. 115 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx224. Lenne, engenheiro, já tinha elaborado em 1884 o projecto de um “ascensor vertical” partindo da rua Nova do Carmo (...) ligando a uma pequena porção de terreno do jardim do quartel da guarda municipal de Lisboa, no edifício do Convento do Carmo.

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em ambos os quaes seria adoptada a tracção por meio de locomotivas sobre cremalheiras pelo systema do Caminho de ferro do Righi.”116 No mês seguinte, em 21 de Janeiro de 1886, os mesmos requerentes enviaram à Câmara a Memoria Descriptiva do anterior pedido em additamento do qual solicitavam um terceiro ramal dirigindo-se para o Arco de Santo André. (COSTA, 2008, p.237)

Ilustração 93 _ Elevador para a Graça (AAC, PS, cx192-199) A vermelho, o traçado proposto por Luiz de Lenne. A azul, os traçados previstos dos ramais para Stº André e para os Loios. Fonte: COSTA, 2008. p.237

XI. Em 5 e em 7 de Janeiro de 1886, José Ferreira Marquitos pediu permissão à CML respectivamente para, “o estabellecimento de linhas de ascençores que partindo da rua de S. Lazaro seguindo a rua da Inveja [R. Conselheiro Arantes Pedroso] e largo do Mastro, termine no principio da Carreira dos Cavallos [junto à R. Gomes Freire]; o estabellecimento de linhas de ascençores que partindo da rua dos Retroseiros, esquina da rua dos Fanqueiros, seguindo ao largo da Magdalena, rua de Santo Antonio da Sé e rua do Arco do Limoeiro até á Igreja de S. Thiago.”117 (COSTA, 2008, p.238)

XII. Em 7 de Fevereiro de 1887 foi enviado à Câmara um requerimento para o assentamento de trez ascensores mechanicos, de cuja exploração os respectivos autores118 se propunham dar para o cofre municipal de 2 a 6 por cento: “Primeiro ascensor: Beco dos Surradores, Largo dos Trigueiros, Escadinhas da Rua das Farinhas, Rua das Farinhas, Largo da Rosa e Costa do Castello. Segundo ascensor: Rua da Padaria,

116 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx192-199 117 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx221 118 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx216; Archivo Municipal, 8 de Fevereiro de 1887. Manuel Joaquim da Silva Santiago, Ernesto Oscar de Abreu Almeida e João Clemente Cardozo d’Oliveira.

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Calçada do Correio Velho, Calçada do Conde de Penafiel e Costa do Castello. Terceiro ascensor: Travessa do Açougue, Rua do Infante D. Henrique [Rua de S. Tomé], Largo das portas do Sol, Largo de Santa Luzia, Rua de S. Thiago, Largo dos Loyos, Rua do Milagre de Santo Antonio, Costa do Castello, Calçada do Marquez de Tancos, Largo de S. Christovão, Travessa [Rua] de Santa Justa (até à esquina da Rua Nova da Princeza [Rua dos Fanqueiros]).”119 (COSTA, 2008, p.239)

Ilustração 94 _ Ascensores para o Castelo (Planta da Cidade de Lisboa, 1872; GEO, MP4CX (adaptada)) Vermelho: 1º ascensor. Azul: 2º ascensor. Verde: 3º ascensor. Amarelo: Costa do Castelo Fonte: COSTA, 2008. p.239

XIII. Em 16 de Julho de 1887, o Barão de Kessler e Carlos Ferreira Pinto Basto, dirigiram um novo pedido à CML, argumentando que “Os bairros dos Martyres, de S. Roque e do Bairro Alto, tão povoados e onde se encontram os principaes theatros (...) e algumas repartições publicas, o Governo Civil, os principaes hoteis, clubs etc, ainda carecem de uma communicação facil e rapida com a margem do Tejo.”120 Para supprimir as penosas ascensões pelas ruas fortemente inclinadas, os requerentes propunham a construção de um elevador, um tramway-cabo e de um ascensor, enquanto dispositivos complementares, para as localizações que se apresentam na figura seguinte. (COSTA, 2008, p.240)

119 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx216 120Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx221

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Ilustração 95 _ Traçado das linhas de Kessler (AAC, PS, cx221 (adaptado)) 1º Um ascensor vertical destinado a vencer a altura de 27m que separa a Rua do Corpo Santo (...) do nível da Rua do Thesouro Velho [Rua António Maria Cardoso], passando uma ponte metallica sobre a Rua do Ferragial (...) e desembocando na Rua do Thesouro Velho. 2º Uma linha de tramway-cabo (...) movida por motor fixo e cabo sem fim, entre o ascensor vertical e o Largo de S. Roque, seguindo pela Rua do Thesouro Velho, Largo do Loreto, Rua Nova da Trindade até ao angulo norte do Largo de S. Roque. 3º Um ascensor inclinado, com motor a vapor, ligando o Largo de S. Roque com a parte inferior da Calçada do Duque e destinado a facilitar as communicações entre a Estação Central dos Caminhos de Ferros e os bairros elevados da cidade. Fonte: COSTA, 2008. p.241

XIV. Data de 7 de Outubro de 1887, o requerimento da autoria de Augusto Vicente Ribeiro, negociante estabelecido na Rua Garrett, com vista ao assentamento de três ascensores: “Primeiro: Partindo da Rua Nova do Almada, no princípio da Calçada de S. Francisco, até ao Largo da Biblioteca [Lg. da Academia Nac. de Belas Artes], subindo pela Calçada de S. Francisco. Segundo: Partindo da R. do Principe [R. Primeiro de Dezembro, na Calçada do Carmo até ao Largo do Carmo, podendo prolongar-se até ao Largo d’Abegoaria [Lg. Rafael Bordalo Pinheiro]. Terceiro: Partindo d’Avenida da Liberdade, na Rua da Conceição da Glória, pelo Alto da Cotovia á Praça do Principe Real.”121 (COSTA, 2008, p.242)

XV. Em 11 de Julho de 1888, Frederico Vicente Maria Balby e Cª manifestaram o desejo de construir “um elevador na rua das Flores, desde o seu princípio até ao Largo de Camões.”122 Uma semana depois acrescentaram nova pretensão, desta vez para construir “um elevador na Rua do Alecrim, desde o seu princípio até á entrada da Praça de Luiz de Camões.”123 Rigorosamente um ano depois do primeiro pedido, em 11 de Julho de 1889, e apesar da rejeição sofrida, Frederico Balby e Cª voltaram a insistir naquela

121 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx225 122 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx223 123 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx240

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localização, desta vez acrescentando novos troços a montante e jusante do pedido inicial, começando “no Largo do Corpo Santo (...) seguindo pela Travessa dos Remolares, Rua das Flores, Rua da Horta Sêcca, atravessando o Calhariz, seguindo pela Rua da Rosa, Praça do Príncipe Real, Rua do Abarracamento de Peniche, Rua Nova da Piedade atravessando a Rua de S. Bento ao Largo das Côrtes, seguindo ainda pela Rua do Duque da Terceira [D. Carlos I] até ligar com a rampa de Santos.”124 (COSTA, 2008, p.244)

XVI. Em 16 de Novembro de 1888, o Barão de Kessler dirigiu à Câmara um pedido, formulado da seguinte forma: “Segundo o plano geral de viação mandado elaborar pela Exmª Camara em 1887, e que serviu de base aos contractos já celebrados, foi indicada uma linha funicular na Calçada da Ajuda (...) a construcção da qual ainda não foi contractada. Embora a circulação diaria naquella rua não seja importante, ha duas circunstancias que motivam a construcção de um tramway funicular (...). A primeira é estabelecer entre a Residencia Real e toda a cidade communicações faceis e directas que ainda hoje não existem. (...) A segunda circunstancia attendivel é a valorisação importante que ha de resultar daqui para aquelle bairro tão hygienico e tão bem situado sobre a margem do Tejo.”125 (COSTA, 2008, p.245)

Ilustração 96 _Projecto de ascensor na Calçada da Ajuda, desde a Praça de D. Fernando até ao chamado Pateo das Cosinhas, junto ao Real Palacio da Ajuda (AAC, PS, cx246 (adaptado)) Fonte: COSTA, 2008. p.245

XVII. Em 24 de Novembro de 1888, António Pereira Ferraz e E.J. Brochado dirigiram à CML um pedido para o assentamento de três linhas de ascensores, como

124 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx262 125 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx246

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segue: “1ª - uma linha que partindo da rua da Conceição pela Calçada de S. Francisco, rua do Ferragial de Cima [Vitor Cordon] e rua do Thesouro Velho [António Maria Cardoso], vá terminar na praça de Luiz de Camões ou no largo das duas Igrejas [Largo do Chiado]. 2ª - Uma linha (...) que partindo da Calçada do Forte pela calçada do Cascão, Largo de Santa Clara, rua da Veronica vá terminar no Largo da Graça. 3ª - Uma linha (...) que partindo do Aterro ou do fim da Calçada da Pampulha siga pela rua da Torre da Polvora [Joaquim Casimiro], Travessa da Torre da Polvora, rua de S. Caetano, rua de Buenos Ayres até ao Largo da Estrella.”126 (COSTA, 2008, p.246)

XVIII. Em Janeiro e Fevereiro de 1889, Eduardo Maia enviou à CML um pedido seguido de algumas rectificações, para uma linha dupla de sistema funicular movido a vapor, para transporte de passageiros e mercadorias, por meio de um circuito fechado passando pelos pontos seguintes: “Antiga estrada da Circunvallação desde as antigas portas d’Alcantara proximo da (...) estação [do caminho-de-ferro] até ás dos Prazeres [contornando o cemitério pelo lado Norte] (...), rua Saraiva de Carvalho, rua Domingos Sequeira se estiver concluída (...) [ou, alternativamente a Rua do Patrocínio], ruas de Santo António e da Fonte Santa e Rua da Costa ou Calçada do Livramento e rua d’este mesmo nome até ao local das primeiras portas indicadas.”127 (COSTA, 2008, p.248)

XIX. A linha pelo systema funicular tramway cabo proposta em 15 de Fevereiro de 1889 por João Baptista de Figueiredo teria início na Avenida da Liberdade, seguindo pela Rua do Salitre até ao Rato, e dali pela Rua do Sol ao Rato, Rua de Campo de Ourique, atravessando a Circunvalação [Maria Pia] indo terminar na Rua do Arco do Carvalhão junto à Rua dos Terramotos [Arco do Carvalhão].128 (COSTA, 2008, p.248)

XX. Em 25 de Julho de 1889, Jerónimo José d’Abreu pediu à CML licença para assentar um ascensor pelo systema funicular tramway cabo, partindo do Aterro e seguindo pela Rua do Duque da Terceira [Av. D. Carlos I], Largo da Esperança, entrando na Rua do Quelhas e seguindo pela Rua dos Navegantes até ao Largo da Estrela.129 (COSTA, 2008, p.249)

XXI. Em 14 de Agosto de 1889, João Maria da Fonseca Duarte fez um pedido à CML para construir e explorar uma rêde de elevadores (cabo sem fim) cujas secções eram as seguintes: “1º A partir da rua do Convento de Sant’Anna, Campo dos Martyres da

126 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx247 127 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx249 128 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx251-252 129 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx310

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Patria, Calçada Nova de Sant’Anna [Rua Manuel Bento Sousa], Travessa Nova do Desterro a terminar junto do Largo Intendente. 2º A partir de um ponto próximo do Largo do Intendente, Rua da Bombarda, Calçada do Forno do Tijolo [Maria da Fonte], Charca [Angelina Vidal], a terminar na rua direita da Graça. 3º A partir da rua direita da Graça, a ligar com a Estação do Caminho de ferro, pelo traçado da Repartição Technica da Exmª Camara, ou por outro que estudos ulteriores aconselhem.”130 (COSTA, 2008, p.249)

XXII. Em 12 de Outubro de 1889, Manuel Maria Antas Barbosa e José Joaquim Moreira da Motta enviaram à CML um pedido de “concessão para uma linha funicular a vapor, ou de qualquer outro systema que melhor resultado possa dar,” partindo das proximidades do mercado da Praça da Figueira seguindo pela rua da Prata e terminando próximo à muralha do Terreiro do Paço do lado da Alfandega.131 (COSTA, 2008, p.250)

XXIII. Em 8 de Novembro de 1889, Alfredo de Bettencourt e Mello dirigiu à Câmara um pedido para assentar “uma linha de systema funicular ou tramway cabo entre o Largo das duas Igrejas e o Campo de Santa Clara, passando pela R. Garrett, R. do Carmo, R.do Principe [1º de Dezembro], Largo de Camões [Pr. João da Câmara], Pateo e Travessa do Regedor, R. das Portas de Stº Antão, Escadinhas de S. Luiz, Cerca do Convento da Encarnação, Beco de S. Luiz, Calçada de Sant’Anna, Calçada do Monte do Collegio, Calçada do Jogo da Pella, R. de S. Vicente à Guia, R. da Palma, R. da Mouraria, terrenos que pertenceram ao Marquês de Ponte de Lima, R. da Costa do Castello, Arco de Stº André, R. de

Stª Marinha, R. de S. Vicente, Largo de S. Vicente e Arco de S. Vicente, terminando no Campo de Santa Clara para lá da ligação com a Rua da Verónica.”132 Foi uma proposta inovadora, na medida em que visou contrariar objectivamente a tradicional estrutura viária radial da cidade, descendo a colina de S. Roque, subindo a Pena e descendo a colina de Sant’Ana, atravessando Stº André e terminando no coração da colina de S. Vicente. (COSTA, 2008, p.250)

XXIV. Numa carta recebida na Câmara a 15 de Novembro de 1889, Henrique Jorge de Moser propôs uma cedência de terrenos que permitiria ao município proceder a rectificações no alinhamento da Av. da Liberdade, em troca de várias contrapartidas, uma das quais seria o assentamento de um ascensor entre aquela avenida e a Rua da Escola Politécnica, através do Jardim Botânico.133 (COSTA, 2008, p.251)

130 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx264. Não se sabe qual era o traçado exacto do 3º elevador, mas presume-se que fosse Stª Apolónia/ R. do Vale de Santo António/ Sapadores/ Graça. 131 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx267 132 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx269 133 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx269

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XXV. Em 16 de Janeiro de 1891, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, “engenheiro hydrographo (...) no intuito de dotar a cidade de Lisboa com mais um melhoramento de primeira necessidade”134 pediu à Câmara que autorizasse a construção de “um elevador que partindo da Avenida, vá pela rua da Conceição da Gloria e Rua da Mãe d’Agua, desembocar na Praça do Principe Real.”135 (COSTA, 2008, p.252)

XXVI. Em 2 de Abril de 1891, João Damaso de Moraes manifestou à CML o seu interesse em “construir um elevador de systema funicular que partindo do principio da calçada d’Ajuda (...) suba até ao cimo da referida calçada.”136 (COSTA, 2008, p.252)

XXVII. Em 17 de Abril de 1891, José Rodrigues Pires pediu à Câmara licença para estabelecer “um ascensor mechanico, pelo systema existente ou por outro qualquer mais aperfeiçoado, entre o Largo de S. Roque e a Estação Central do Caminho de Ferro do Rocio, em toda a extensão da Calçada do Duque (...).”137 (COSTA, 2008, p.253)

XXVIII. Em 14 de Outubro de 1891, António Sarmento Brandão comunicou à Câmara a sua intenção de construir um ascensor “pela Rua Nova do Carmo, Chiado, ao Loreto a partir do principio da primeira, e bem assim um outro pela rua Nova do Almada,

Chiado, ao Loreto a partir do principio da primeira d’estas”138 pedindo para isso a correspondente concessão. Poucos dias depois, em 18 de Outubro, enviou novo pedido, desta vez para ascensores “pela rua da Conceição da Glória, largo das Taipas à rua de D. Pedro V e outro pela calçada do Duque ao Largo de S. Roque.”139 (COSTA, 2008, p.253)

XXIX. Em 4 de Novembro de 1891, Manuel José da Silva dirigiu à Câmara um pedido de concessão para construir e explorar duas linhas de ascensores, “pelo systema funicular, com motor fixo a vapor: 1ª - ligando o extremo inferior da rua da Conceição da Gloria/Avenida da Liberdade, com o extremo superior da rua da Mãe d’Agua (Praça do Príncipe Real) (...); 2ª - ligando o lado sul da Praça do Principe Real (embocadura da rua

134 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx291 135 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx291 136 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx296. O requerente explicitou que pretendia construir o dito elevador pelo systema do existente na Calçada da Gloria, que tantas sympathias e confiança tem merecido ao Publico. 137 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx297 138 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx305. Apesar de António Brandão considerar dois ascensores, aquele pedido parece consubstanciar um só, numa linha em formato de T. 139 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx305

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Formosa)140 com o extremo inferior da rua [Nova] da Piedade (Praça de S. Bento) (...) pela rua do Abarracamento de Peniche [Palmeira], rua da Palmeira, (...) Praça das Flores e rua da Piedade.”141 (COSTA, 2008, p.254)

XXX. Em 24 de Dezembro de 1891 foi apreciado pela Câmara o requerimento que lhe fora enviado por Henrique Véron, em data que não lográmos apurar, no qual pedia licença para “uma linha de tracção mechanica nas ruas Barata Salgueiro, Rodrigo da Fonseca, do Salitre, travessa de S. Mamede e rua do Arco, ligando assim a avenida da Liberdade com a rua de S. Bento.”142 (COSTA, 2008, p.255)

XXXI. Em 7 de Janeiro de 1892, Augusto Frederico Martins da Costa e Cândido José de Oliveira enviaram à Câmara o primeiro de dois requerimentos, com vista a obterem a “concessão da exploração d’um Elevador vertical e hydraulico, e uma linha de ascensores entre a Praça d’Alegria, e Rua da Mãe d’Agua.”143 O seu segundo requerimento, datado de 19 de Janeiro, informou que o elevador se destinava “a vencer os 67 degraus das escadas da Praça d’Alegria” a que correspondia um “desnível de 40m” com a Avenida da Liberdade.144 A linha de ascensores pretendida parece ambígua, mas presume-se que se trataria de uma ligação ao Príncipe Real. (COSTA, 2008, p.263)

XXXII. Em 17 de Junho de 1892, António Vanzeller dirigiu à CML um ofício, no qual pediu a concessão de uma linha que “começando no Largo do Conde Barão, siga pela Calçada do Marquez d’Abrantes á rampa e rua das Trinas do Mocambo, até ao seu extremo, podendo, se assim fôr conveniente virar até á rua de S. Domingos, e mesmo tambem virar para a rua dos Navegantes, seguindo pela rua de Borges Carneiro, até á Calçada da Estrella.”145 (COSTA, 2008, p.263)

XXXIII. Em 23 de Junho de 1892, John Coverley pediu a concessão à Câmara para um “elevador de dois cabos (...) a começar na Rua da Conceição, junto á Rua Aurea, e seguir pelo largo da Magdalena, Rua de Stº Antonio da Sé, Largo de Stº António da Sé, Largo da Sé, Rua do arco do Limoeiro [Augusto Rosa], Largo do Limoeiro [S. Martinho], Rua do Limoeiro, Rua de Stª Luzia, Largo de Stª Luzia, até ao fim da rua do Infante D. Henrique [S. Tomé].”146 (COSTA, 2008, p.264)

140 Hoje, Rua do Século. 141 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx306 142 Archivo Municipal, 24 de Dezembro de 1891 143 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx310 144 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx310 145 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx315 146 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx319

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XXXIV. Manoel Francisco d’Oliveira Feijão enviou à Câmara dois requerimentos, ambos datados de 16 de Julho de 1892, pedindo a concessão para assentamento e exploração de: “ um ascensor, systema funicular, que partindo do principio da calçada do Carmo junto á praça de D. Pedro (...) e seguindo pela calçada do Carmo, Largo do Carmo, travessa Nova do Carmo, Largo da Abegoaria [Rafael Bordalo Pinheiro] e rua Serpa Pinto, vá terminar n’esta rua junto á rua Garrett, ou, passando pela travessa da Trindade, na bocca d’esta travessa junto á rua Nova da Trindade, ou ainda, descendo esta rua, no principio d’ella junto á rua Garrett. Um ascensor que partindo do Largo do Carmo e seguindo pela rua da Trindade e pela rua Nova da Trindade, vá terminar no Largo de S. Roque.”147 Uma das vantagens dos ascensores propostos era, nas próprias palavras do requerente, “quasi que ligar o ascensor da Estrela com a praça de D. Pedro”.148 Trata-se do primeiro pedido, em que o requerente se socorre da noção de complementaridade de trajecto com um ascensor pré-existente, apesar do ascensor da Estrela já funcionar desde Agosto de 1890. (COSTA, 2008, p.264)

XXXV. Em 20 de Julho de 1892, João Dantas Trigueiros e Ezequiel Augusto de Vasconcellos Massano enviaram à CML o primeiro de múltiplos requerimentos.149 Neste, pediam para que lhes fosse concedida licença para o assentamento e exploração de uma rede de ascensores: “ 1. partindo da calçada do Salitre, junto á avenida da Liberdade, e seguindo por toda aquella calçada e pelo largo do Rato vá terminar no recanto oeste no mesmo largo; 2. partindo da parte mais baixa da rua do Sol ao Rato e seguindo por toda ella e pelas ruas de Campo de Ourique, Ferreira Borges, do Patrocinio e Possolo, pela calçada das Necessidades, pelo largo do Rilvas, pelas travessas das Necessidades e do Sacramento e pela rua do Tenente Valladim, vá terminar no fim d’esta, junto á 24 de julho (...); 3. partindo da rua das Gaivotas, junto ao largo do Conde Barão, e seguindo por ella e pela rua de Caetano Palha, termine no fim d’esta, junto á rua dos Poyaes de S. Bento; 4. partindo do ponto mais baixo da rua da Cruz dos Poyaes, seguindo por esta e pela rua de S. Marçal e terminando no encontro d’esta com a rua da Escola Polytechnica; 5. partindo da rua da Magdalena, junto ao largo do Poço do Borratem, seguindo poe ella até ao largo da mesma denominação e pelos de Stº António da Sé e da Sé, ruas do Arco do Limoeiro e de Stª Luzia, largo das Portas do Sol, ruas do Infante D. Henrique e das Escolas Gerais, calçadas do Tijolo e de S. Vicente, rua da Infancia e terminando no largo da Graça; 6. ligando com o antecedente ou partindo da entrada da rua da Graça, seguindo por ella e pelo caminho do Forno do Tijôlo, segundo o alinhamento que a Exmª Camara indicar, e terminando no largo de Arroyos. 7. partindo da rua das Pretas, proximo á avenida da Liberdade, ou da rua do Telhal, junto á rua de

147 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx324 148 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx324 149 Entre 1892 e 1896, estes requerentes terão enviado à CML um total de 17 requerimentos.

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S. José, seguindo por toda ella e pela rua de Stº Antonio dos Capuchos, Campo dos Martyres da Patria pela rua a sul do jardim, pelo Paço da Rainha, ruas da Escola do Exercito, de Jose

Estevão, de Rebello da Silva e calçada de Arroyos até á entrada da Circunvallação.”150 Em 27 de Julho enviaram novo requerimento, substituindo a linha 2 do requerimento anterior por outro traçado,151 pela Rua do Sol ao Rato até Campo de Ourique. Em 2 de Agosto acrescentaram o pedido de uma nova linha, “partindo da travessa da Gloria, junto á avenida da Liberdade, seguindo por ella, pela rua de Santo Antonio da Gloria, pelos terrenos que expropriarem para esse fim, pela rua de S. Sebastião das Taipas, largo das Taipas, calçada da Patriarchal ou rua da Mae de Agua, terminando na Praça do Principe Real ou ligando com o ascensor pedido para a rua de S. Marçal ”, para tornar mais completa a rede mencionada nos anteriores requerimentos. Em 21 de Agosto, pediam que fosse considerada a prioridade dos seus requerimentos anteriores, aos quais acrescentaram um outro, desta vez ao longo da Avenida da Liberdade, entre o Parque da Liberdade e os Restauradores. (COSTA, 2008, p.265-266)

XXXVI. É datado de 26 de Julho de 1892 o requerimento em que António Augusto da Silva Franco Castanheira pediu à Câmara licença para o assentamento e exploração de “um ascensor que partindo do largo do Conde Barão siga pelas ruas das Gaivotas, de Caetano Palha, da Cruz dos Poyaes e de S. Marçal, e de um outro que partindo da calçada do Salitre, junto á avenida da Liberdade, e seguindo pela mesma calçada e pelas ruas do Sol ao Rato e de Campo d’Orique, vá terminar no fim d’esta.”152 (COSTA, 2008, p.266)

XXXVII. É também de 1892 o requerimento de João de Sousa Posser e de Moyses Anahory, que pretendiam construir um ascensor que “partindo da calçada de S. Francisco e seguindo pelas ruas do Ferragial de Cima e de Serpa Pinto, vá terminar no Largo de S. Carlos.”153 (COSTA, 2008, p.266)

XXXVIII. Em 12 de Outubro de 1892, Ramiro de Seixas Trindade dirigiu à CML um requerimento para assentamento e exploração de “um ascensor em partindo do largo dos Torneiros e seguindo pelos largos do Caldas, do Chão do Loureiro e do Marquez de Tancos, e ruas do Milagre de Santo António e de S. Bartholomeu, vá terminar no largo do Chão da

150 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx325 151 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx325. Partindo da rua do Visconde de Santo Ambrosio, junto á rua do Sol ao Rato, seguindo por ella e pelas ruas de Santa Izabel e de Saraiva de Carvalho e podendo prolongar-se continua ou separadamente pelas ruas do Patrocinio e Possolo, calçada das Necessidades, largo do Rilvas, travessas das Necessidades e Sacramento, e terminando no extremo sul da rua do Tenente Valladim ou na praça de Armas. 152 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx326 153 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx325

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Feira.”154 É o primeiro requerimento, tanto quanto sabemos, em que alguém aspira explicitamente levar um ascensor até ao Chão da Feira. Mas Ramiro Trindade acrescentou ainda que pretendia prolongar aquela linha até ao Largo do Menino Deus, assim que estivesse aberta a comunicação entre este último largo e o de Stª Cruz do Castelo. Não é claro como é que o requerente pretendia efectuar a ligação entre o Chão da Feira e o Largo de Santa Cruz, assim como a ligação entre o Corpus Christi e o Largo do Caldas. (COSTA, 2008, p.267)

XXXIX. É de 19 de Janeiro de 1893 o requerimento que Felix de Ciebra enviou à Câmara, com o objectivo de obter licença para instalar e explorar “uma linha funicular de ascensores communicando do Largo da Graça com o largo do Chafariz de dentro em conformidade com o Ante projecto junto (...).”155 (COSTA, 2008, p.267)

Ilustração 97 _ Ante projecto de Felix Ciebra, ligando o Largo do Chafariz de Dentro à Graça, pelas ruas dos Remédios e do Paraíso, Campo de Santa Clara e Rua de Verónica (AAC, PS, cx335 (adaptado)) Fonte: COSTA, 2008. p.268

XL. Em 18 de Abril de 1893, Francis Eduard Ferrin enviou à Câmara um requerimento para “um ascensor para passageiros entre o largo do Corpo Santo e a praça do Loreto,v conforme o traçado da planta annexa (...) [incluindo] a construcção de uma ponte passagem sobre a rua do Ferragial de baixo, e o assentamento de uma via de tramway funicular na Rua do Duque de Bragança, Largo do Picadeiro e Rua do Outeiro [Paiva de Andrade] até á praça do Loreto [Lg. do Chiado]. A differença de nivel (...) será vencida por meio de um elevador vertical do systema ‘Otis’ (...), [instalado] dentro de um dos predios do Largo do Corpo Santo (...) e em seguida por meio de um tramway cabo com motor fixo (...).”156 (COSTA, 2008, p.268)

154 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx331 155 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx335 156 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx338

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Ilustração 98 _ Anteprojecto de Francis Ferrin (AAC, PS, cx338) Pormenor do elevador entre o Largo do Corpo Santo e o terraço do Hotel Bragança. Fonte: COSTA, 2008. p.269

XLI. É de 1 de Setembro de 1894 o requerimento que Júlio Cesar Pereira Alves dirigiu à CML, pedindo a concessão para estabelecer um “ascensor systema funicular, que partindo da rua do Salitre junto á Avenida da Liberdade seguisse por esta rua até ao Largo do Rato, do Sol ao Rato, indo terminar na rua de Campo de Ourique, em frente da rua de Ferreira Borges.”157 (COSTA, 2008, p.269)

XLII. Em 26 de Dezembro de 1894 Henry Lusseau enviou à CML uma proposta para a construção do Parque da Liberdade.158 Tratava-se de um projecto vasto, que compreendia um jardim zoológico, um aquarium, uma estufa, um café-restaurante- concerto, quiosques, um teatro infantil, cascatas, lago, pontes e belvédère. Mas aquilo que importa aqui destacar é que, naquela proposta, Lusseau incluiu o seguinte ponto: “A exmª camara, sem offensa dos contratos vigentes, fará concessão (...) de linhas de tramways, de ascensores, de caminhos de ferro, ou de qualquer outro systema economico de transporte (...) que facilitem o accesso de pessoas e mercadorias para (...) o parque da Liberdade (...).”159 (COSTA, 2008, p.270)

XLIII. Em 22 de Julho de 1896, Paiva Irmãos e José Nunes de Carvalho, licença para o assentamento e exploração de um “ascensor a vapor (systema do da Calçada da Gloria), na rua da Conceição da Gloria, travessa da Conceição da Gloria e calçada da

157 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx384 158 Archivo Municipal, 10 de Janeiro de 1895. Lusseau fez aquela proposta após ter sido distinguido com o primeiro prémio no concurso que a CML abriu para os projectos relativos aos terrenos situados no prolongamento da avenida da Liberdade. 159 Archivo Municipal, 10 de Janeiro de 1895

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Patriarchal conforme planta que junta.”160 Segundo os requerentes, este ascensor justificava-se porque o Ascensor da Glória não ligava ao príncipe Real, do qual ainda ficava distante, além “d’estar reconhecido que aquelle elevador é insuficiente para o movimento que tem.”161 (COSTA, 2008, p.271)

Ilustração 99 _ Traçado da linha da Avenida da Liberdade ao Príncipe Real, pela Rua da Conceição da Glória e Calçada da Patriarcal (AAC, PS, cx389 (adaptado)) Fonte: COSTA, 2008. p.271

XLIV. Em 10 de Novembro de 1896, J. M. Greenfield de Mello pediu à Câmara que lhe fosse concedido o direito exclusivo de assentar e explorar “ ascensor funicular para transporte de pessoas e recovagens, que, partindo da embocadura da rua do Alecrim (...), siga até ás portas de , percorrendo a rua do Alecrim, Praça de Camões, ruas de S. Roque e S. Pedro de Alcantara, Praça do Principe Real, rua da Escola Polytechnica, Largo do Rato e rua das Amoreiras.”162 (COSTA, 2008, p.271)

XLV. Em 20 de Março de 1897, João Brée163 pediu licença para construir e explorar “uma passagem subterrânea que por meio de carros e elevado” ligasse o Rossio com o Largo de S. Roque. A referência a essa obra, só se torna relevante, devido a um outro requerimento, este datado de 6 de Abril de 1897, em que João Brée pediu à CML licença para assentar e explorar “uma pequena linha férrea de via reduzida, com carros commodos e elegantes (...) movidos por tracção electrica ou cabos metallicos, para transporte de passageiros, partindo do Largo de S. Roque e seguindo pela rua Nova da Trindade, Garrett e Nova do Carmo, a terminar no Largo da rua do Principe, tendo dois ramaes

160 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx389 161 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx389 162 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx393 163 Conjuntamente com Domingos Serzedello

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da rua Garrett, um pela rua Serpa Pinto e calçada do Ferragial até ao Largo do Corpo Santo, e outro pela rua Nova do Almada até ao Largo da Conceição.”164 Um outro requerimento foi redigido em 17 de Maio de 1897, e nele João Brée pedia licença para construir e explorar “carros elevadores movidos pela tracção electrica (ou outro motor), a ligar o rato com Campolide e Campo d’Ourique: 1 – Do largo do Rato, pela rua das Amoreiras e Cruz das Almas até Campolide; 2 – Da rua do Rato pela rua do Sol ao Rato com a rua de Campo d’Ourique; 3 – Da rua do Rato, pelas ruas do Visconde de Santo Ambrosio, de Santa Izabel e Saraiva de Carvalho com a rua de S. Luiz; 4 – Da rua de S. Luiz, pela rua de S. João dos Bemcasados, com a rua das Amoreiras.”165 (COSTA, 2008, p.272)

XLVI. Em 8 de Abril de 1897, John Clark e José Maria Martins Ribeiro, manifestando o desejo de construir “um ascensor a partir da entrada da rua do Salitre e a terminar no fim da mesma rua (ao largo do Rato)”, requereram à CML a correspondente concessão.166 (COSTA, 2008, p.273)

XLVII. Em 3 de Junho de1897, Francisco de Castro Correia da Cunha Rego procurou, junto da Câmara, obter licença para estabelecer um “ascensor mechanico, na rua do Salitre, em todo o seu prolongamento até o largo do Rato.”167 (COSTA, 2008, p.274)

XLVIII. Em 23 de Julho de 1897 Domingos Serzedello pediu licença à Câmara para instalar e explorar um “elevador pelo systema funicular, a ligar o Caes-Sodré com a praça de Luiz de Camões, cujo trajecto será pela travessa dos Remolares e rua das Flores.”168 (COSTA, 2008, p.274)

XLIX. Em 4 de Agosto de 1897, António Telles Machado Júnior e Domingos Serzedello pediram à CML autorização para construírem e explorarem “uma linha de elevadores pelo systema de cabo sem fim, movido a vapor, a ligar as ruas da Bitesga e da Magdalena, com o Chão da Feira, sendo o trajecto pelas ruas da Magdalena, de S. Mamede, da Saudade, de S. Bartholomeu e Chão da Feira, melhoramento que julgam da mais alta importancia, para esta zona, não só pela valorização que dá ás propriedades, como pela facilidade de conducção, pois que ella está desprovida, por completo de meios de transporte.”169 (COSTA, 2008, p.275)

164 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx400 165 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx402 166 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx400 167 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx402 168 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx404 169 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx405

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Ilustração 100 _ Ascensor entre a Rua da Betesga e o Chão da Feira, ao Castelo, Planta geral apresentada pelos requerentes (AAC, PS, cx405 (adaptado)) Fonte: COSTA, 2008. p.275

L. Em 17 de Agosto de 1897, João H. Martins Ribeiro enviou à CML um pedido de concessão para a construção de um “elevador entre o Caes do Sodré e a Praça do Principe Real: fazendo trajecto entre estes dois pontos pela forma seguinte: Caes do Sodré (partida), Rua do Alecrim, Praça de Camões e S. Pedro d’Alcantara e Praça do Principe Real (terminus)”.170 A única originalidade deste pedido é terminar no Príncipe Real, e não no Rato, como a generalidade dos pedidos para esta linha. (COSTA, 2008, p.276)

LI. Em 2 de Janeiro de 1898, Alfredo Vaz Pinto da Veiga enviou à Câmara um pedido para construir e explorar “uma linha de ascensores do systema de cabos sem fim, communicando a rua do Arsenal com a rua Garrett, pela rua Nova dos Martyres [Serpa Pinto] e principiando em um dos dois predios situados na travessa do Cotovello e indicados na planta junta pelas letras A e B.”171 Embora isso não seja explicitado no requerimento, admite-se que a solução que partiria do prédio “A” implicasse a existência de um elevador vertical, à semelhança do que Francis Ferrin propusera em 1893 para o Largo do Corpo Santo. (COSTA, 2008, p.276)

Ilustração 101 _ Ascensor entre a Travessa do Cotovelo (ao Arsenal) e a Rua Garrett (AAC, PS, cx412 (adaptado)) A iniciar-se no prédio “A”, supõem-se que existiria um passadiço sobre a Travessa do Cotovelo. Fonte: COSTA, 2008. p.276

170 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx405 171 Arquivo Municipal Arco do Cego, PS, cx412

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ANEXO C Os Idealizados para Lisboa recentemente: propostas desde 1994

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Ao longo da sua história Lisboa tem sido alvo de vários projectos de ligação das duas colinas que envolvem a Baixa Pombalina, através da integração de sistemas de apoio á deslocação pedonal, com o objectivo principal de melhorar as acessibilidades a quem tem de atravessar essa zona da cidade a pé. As hipóteses colocadas variam, não só na localização do arranque desse equipamento, mas também na forma como deverá ser lançado o seu percurso. Serão apresentados de seguida, alguns desses projectos, incidindo na zona da Baixa e envolvente directa, frequentemente inseridas em operações de revitalização do centro histórico da cidade.

Foram cinco, as propostas de projectos para melhorar as acessibilidades pedonais de Lisboa, entre 1994 e 2006. Liliana Magalhães (2010, p. 25-29) aponta mais recentemente, em 2009, uma outra proposta que é um projecto dos gabinetes da CML, que pretende eliminar as resistências causadas pelos elevados declives da Colina do Castelo e melhorar as suas condições de acesso, repensando a sua acessibilidade com a Baixa da cidade.

Breve Cronologia I. 1994 _ As propostas de Mª Virgínia Ferreira de Almeida II. 1999 _ Ponte do Arquitecto Silva Dias III. 2001 _ O Elevador de São Jorge IV. 2003 _ O Estudo SEMALY para um Funicular V. 2006 _ CESUR - O Estudo do Professor Nunes da Silva VI. 2009 _ CML - Plano Geral de Acessibilidades Suaves e Assistidas á Colina do Castelo de São Jorge

I. 1994 _ As propostas de Mª Virgínia Ferreira de Almeida

Segundo Marta Valente, na sua tese de mestrado172, Mª Virgínia Almeida apresenta uma série de intervenções que, recorrendo á instalação de meios mecânicos, pretendem potenciar a mobilidade pedonal, bem como ultrapassar o esforço e consumo energético que os declives existentes nas colinas da Baixa provocam nas deslocações dos peões. Para além de defender a melhoria dos percursos pedonais existentes, a autora propõe: a instalação de escadas rolantes na Calçada Nova de São Francisco, entre a Rua Nova do Almada e a Rua Ivens; a instalação de passadeiras rolantes entre o Largo do Carmo e a Estação do Rossio, ao longo do primeiro troço da Calçada do Carmo; a instalação de elevadores entre a Calçada do Carmo e o Largo do Conde de Cadaval, reforçando a oferta do Elevador de Santa Justa pata o Largo do

172 ALMEIDA, Maria Virgínia Ferreira de (1994) - O peão como Modo de Transporte nas Deslocações de Curta Distância: O Caso da Baixa de Lisboa. Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior Técnico, Lisboa.

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Carmo; a instalação de um elevador entre a esquina da Rua Vitor Cordon com a Calçada de São Francisco e o Largo do Município, facilitando assim o acesso ao Chiado; a construção de um teleférico de ligação entre o Jardim de São Pedro de Alcântara e o Castelo de São Jorge; e finalmente, a criação de um serviço tipo navette, em eléctrico reabilitado, entre o Cais do Sodré e a Graça, assando pelo Largo do Chiado, Rua Vitor Cordon e Sé. (VALENTE, 2008, p.86)

II. 1999 _ A Ponte do Arquitecto Silva Dias

A proposta do arquitecto Silva Dias pega na utopia de Fialho de Almeida, actualiza-a e completa-a. Assim, a ponte que une as duas colinas parte de Sant’Ana, sustentada por dois elevadores, penetra a encosta do Castelo por cima do Salão Lisboa, aproveitando o espaço livre aí existente para mais um elevador junto ao Palácio da Rosa, e termina nas muralhas do castelo para, daí, chegar ao topo da colina por escada rolante (DIAS, 1999). Numa versão mais simplificada, a proposta baseava-se numas escadas rolantes que seguiam o leito das vias já existentes. Escadinhas da Saúde, Escadinhas do Marquês de Ponte de Lima, junto ao Palácio da Rosa e, depois, novo lanço da Costa do Castelo até ao topo. Seria assim, uma solução que permitiria a sua utilização ao longo de todo o desnível. Com este projecto, o arquitecto pretendia colmatar a ferida existente sobre a colina de Sant’Ana, promover o diálogo em falta entre colinas e melhorar as acessibilidades ao Castelo. (DIAS, 1999)

Ilustração 102 _ Esboço do projecto apresentado pelo Arqt. Silva Dias Fonte: Dias, 1999

III. 2001 _ O Elevador de São Jorge

O projecto do Elevador do Castelo de São Jorge proposto pela CML e desenvolvido pelo arquitecto Adalberto Dias, consistia numa ligação entre o Poço de Borratem, junto á praça da Figueira, e o Castelo. Para tal, propunha-se uma torre de 85 metros com

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dois elevadores. Implantada num lote do Poço de Borratem, no extremo da qual se desenvolvia uma ponte pedonal em betão com cerca de 190 metros, lançada á cota da plataforma do Castelo, com amarração perto da torre sudoeste e da Casa do Leão. Não obstante a vantagem de criar um novo ponto de mira sobre a cidade, esta seria num entanto a solução mais agressiva na perspectiva da harmonia paisagística e não teria qualquer viabilidade de utilização para os moradores ao longo das zonas intermédias, permitindo apenas a articulação com as correspondências de transportes existentes á cota baixa. Deste modo, é natural que o projecto tenha sido abandonado pois, para além de ser uma proposta controversa, foi alvo de forte contestação por parte da população. (CML, 2000)

Ilustração 103 _ Esboço do Elevador de São Jorge Fonte: CML, 2000

IV. 2003 _ O Estudo SEMALY para um Funicular

A proposta que a empresa SEMALY (Egis Rail) apresentou á CML em 2003 consistia numa ligação entre a zona do Castelo de São Jorge e o Largo do Martim Moniz, através de um funicular. Partindo do Martim Moniz, o funicular subia pelas escadinhas da Saúde, cruzava a Rua Marquês Ponte de Lima, subia por outras escadas em sequência às anteriores, cruzava a Rua da Costa do Castelo abrindo caminho num muro pré-existente e subia ao lado dum contraforte da muralha, no lado nascente desta, até uma estação terminal (não estudada). A opção por este meio de transporte teve em conta o facto de o funicular já ser um meio de transporte conhecido dos lisboetas, para além de não ser poluente, ter um reduzido impacte visual, permitir a

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interface modal, vencer grandes pendentes e contribuir para a requalificação do Largo do Martim Moniz (VALENTE, 2008, p.88).

Ilustração 104 _ Traçado em planta da proposta SEMALY Fonte: VALENTE, 2008, p.88

V. 2006 _ CESUR - O Estudo do Professor Nunes da Silva173

Segundo Marta Valente (2008, p.88-89) o estudo desenvolvido pelo CESUR174 em 2006 apresentou um conjunto de propostas, onde também se inserem alguns dos projectos atrás referidos, com determinados ajustamentos, e que pretendem fomentar a mobilidade pedonal através da utilização quer de meios mecânicos, quer de meios não mecânicos, melhorando apenas percursos pedonais já existentes. Os percursos propostos relevantes, ou seja, os que propõem a introdução de meios mecânicos, são os seguintes:

Largo do Corpo Santo – Largo do Chiado, utilizando um edifício para a introdução de um elevador interno, de forma a vencer o desnível necessário para atingir a Rua Vitor Cordon, através de uma passagem elevada para peões;

173 Fernando Nunes da Silva - Professor Catedrático do Instituto Superior Técnico, na área de Urbanismo e Transportes. Presidente do CESUR (Centro de Sistemas Urbanos e Regionais do IST) e Coordenador da área de I&D em Urbanismo, Dinâmicas Espaciais e Ambiente. Docente de Urbanismo e Transportes no Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura do Instituto Superior Técnico e em vários mestrados de universidades nacionais e brasileiras. Membro da direcção da Federação Internacional da Habitação e Urbanismo (FIHUOT). Engenheiro Especialista da Ordem dos Engenheiros em "Planeamento e Ordenamento do Território" e em "Transportes e Vias de Comunicação". 174 SILVA, Fernando Nunes da – Sistemas de Apoio às Deslocações Pedonais na Baixa de Lisboa. Lisboa, CESUR/IST, 2006.

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Largo da Boa Hora – Rua Garrett / Largo de São Carlos, que se inicia na Rua de São Nicolau, na Baixa e segue até ao Largo da Boa Hora, onde também se utiliza o interior de um edifício para vencer o desnível até á Rua Ivens;

Metro Baixa / Chiado – Castelo de São Jorge, que parte da saída do metro na Rua do Crucifixo e segue pela Rua Vitória até á Rua dos Fanqueiros, onde se aproveita um edifício para vencer o desnível até á Rua da Madalena, através de um sistema de elevador / escadas rolantes e passagens interiores para peões. Saindo na Rua da Madalena e atravessando o Largo Adelino Amaro da Costa, encontra-se o antigo Mercado Chão do Loureiro, cuja estrutura permite também a colocação de um elevador para vencer o desnível imposto pela colina até á Calçada do Marquês de Tancos. A partir daí, percorre-se a Costa do Castelo para sueste até que, em frente ao Chapitô, se propõe a instalação de um elevador que daria acesso ao cimo da muralha do Castelo;

Rua Garrett – Rua de Santa Justa – Mercado Chão do Loureiro – Castelo, que aproveita o elevador de Santa Justa para vencer o desnível entre a encosta do Chiado e o vale da Baixa. Percorrendo a Rua de Santa Justa, é possível ultrapassar a barreira dos edifícios da Rua dos Fanqueiros atravessando a Polux. Chegando á Rua da Madalena o percurso segue pelas Escadinhas de São Cristóvão que permitem chegar ao Largo de São Cristóvão e daí subir á Calçada do Marquês de Tancos até ao antigo Mercado do Chão do Loureiro, onde se aproveita o percurso anteriormente descrito para se aceder ao Castelo;

Escadinhas do Duque – Jardins da CP – Estação do Rossio – Largo Duque do Cadaval, onde se propõe a criação de uma entrada na Estação do Rossio a partir dos jardins. Através do interior da estação seria possível aceder á Calçada do Carmo onde, recorrendo á instalação de um elevador ou escadas rolantes fora do edifício, seria possível estabelecer uma ligação ao Largo do Duque de Cadaval;

Martim Moniz – Castelo de São Jorge, que propõe a subida pelas Escadinhas da Saúde para atingir o nível da Rua Marquês Ponte de Lima, onde se apresentam duas alternativas de percurso: ou por um contínuo de escadas rolantes, ou por um funicular. Em ambos os casos, a subida seria feita ao lado do contraforte da muralha até ao recinto do Castelo;

Cais do Sodré – Largo da Graça, que sugere a criação de um serviço tipo navette em eléctrico, á imagem de uma das propostas de Mª. Virgínia Ferreira de Almeida na sua tese de Mestrado.

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VI. 2009 _ CML - Plano Geral de Acessibilidades Suaves e Assistidas á Colina do Castelo de São Jorge

A colina do Castelo de São Jorge é uma referência na cidade de elevado valor histórico, simbólico e cultural. O acentuado declive do terreno e a morfologia urbana existente dificultam a acessibilidade ao Castelo de moradores e visitantes. Liliana Magalhães (2010, p.25) refere que este projecto dos gabinetes da CML, pretende eliminar as resistências causadas pelo elevado declive e melhorar as condições de acesso, repensando a cessibilidade entre a Baixa da cidade e esta colina. Do projecto fazem parte os quatro percursos que se podem observar na planta síntese da proposta de intervenção. Os percursos serão efectuados através de escadas rolantes e elevadores. Um dos objectivos dos traçados é tornar os percursos rentáveis, ligando diferentes pontos de interesse da cidade, optando-se pela introdução de mais troços independentes, aumentando as oportunidades de entrada e saída. Os elevadores serão colocados em edifícios já existentes, propriedade da CML ou de Juntas de Freguesia.

Ilustração 105 _ Planta síntese da proposta de intervenção no acesso á Colina do Castelo de São Jorge Fonte: MAGALHÃES, 2010, p.26

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Percurso A1: Terreiro do Paço – Sé – Castelo de São Jorge: neste percurso, a diferença de cotas é de 70 metros. Um elevador ligará a Porta do Mar (Campo das Cebolas) ao Largo da Sé pelas Escadinhas do Mar. Entre o Largo da Sé e a Rua da Saudade a ligação será feita através de um túnel articulado com a nova Junta de Freguesia da Sé. Aqui, um novo elevador fará a ligação entre a Ruas de São Mamede e a Rua da Saudade, onde será criado um miradouro. Está ainda previsto um parque de estacionamento junto á Rua dos Arameiros. (MAGALHÃES, 2010, p.26)

Ilustração 106 _ Perspectiva da proposta para o Percurso A1 Fonte: MAGALHÃES, 2010, p.27

Percurso A2: Convento da Graça – Coleginho (Teatro Taborda) – Castelo de São Jorge: o percurso A2 vence uma diferença de cotas de 46 metros entre o Miradouro da Graça e o Quarteirão dos Lagares, e mais 46 metros entre o Coleginho e a Porta do Moniz no Castelo de São Jorge. A primeira etapa processa-se entre o Convento da Graça e a Rua dos Lagares, e será efectuado com o auxílio de dois elevadores encaixados em plataformas ajardinadas. Um elevador unirá o Miradouro da Graça com um pequeno jardim às Escadinhas do Caracol da Graça e ao futuro Jardim Público da

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Graça, e um segundo elevador trará os utilizadores ao nível da Rua dos Lagares e de um futuro parque de estacionamento. A ligação entre a primeira etapa do percurso e a segunda, ou seja, entre o Quarteirão dos Lagares e o Coleginho com a Porta do Moniz no Castelo de São Jorge, será efectuada pela Rua dos Lagares e pela Calçada de Santo André. Esta segunda etapa contará com dois elevadores, um que ligará a Calçada de Santo André á Rua da Costa do Castelo e estará articulado com o futuro parque de estacionamento do Coleginho, e um outro que fará a ligação entre a Rua da Costa do Castelo e a Porta do Moniz no Castelo de São Jorge (entrada Norte). (MAGALHÃES, 2010, p.27)

Ilustração 107 _ Perspectivas das propostas para a primeira e segunda etapa do Percurso A2 Fonte: MAGALHÃES, 2010, p.28

Percurso B1: Alfama (Largo do Terreiro do Trigo) – Castelo de São Jorge: neste percurso a diferença de cotas é de 47 metros. Terá início no Largo de São Miguel, através de dois trechos de escadas rolantes, que encaixam nas Escadinhas de São Miguel. Uma vez no cimo destas, ter-se-á acesso a um elevador que fará ligação com o Largo de Santa Luzia, permitindo chegar ao Miradouro. Está previsto ainda um parque de estacionamento público junto ao Jardim do Tabaco. (MAGALHÃES, 2010, p.28)

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Percurso B2: Martim Moniz – Mouraria – Castelo de São Jorge: a diferença de cotas é de 75 metros entre o Martim Moniz e a Porta do Moniz no Castelo de São Jorge. A ligação assistida entre a Praça do Martim Moniz e a Rua do Marquês de Ponte de Lima é feita através de dois trechos de escadas rolantes independentes, integradas nas Escadinhas da Saúde. O percurso prossegue com um novo trecho de escadas rolantes entre o Palácio da Rosa e a Rua Costa do Castelo. De seguida, umas escadas fazem a ligação á Porta do Moniz. Utilizar-se-á o parque de estacionamento público já existente do Martim Moniz, como parte integrante deste percurso. (MAGALHÃES, 2010, p.29)

Ilustração 108 _ Perspectivas das propostas para os Percursos B1 e B2 Fonte: (MAGALHÃES, 2010, p.29)

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