EDITED BY ICOCEP ORGANIZATION Francisco Laranjo COMMITTEE Domingos Loureiro Francisco Laranjo Sofia Torres Domingos Loureiro Teresa Almeida Sofia Torres Teresa Almeida DOCUMENTATION Domingos Loureiro ORGANIZATION Sofia Torres Francisco Laranjo Domingos Loureiro DESIGN Sofia Torres Tudo a ver Teresa Almeida Victoria Sánchez Giner TITLE Fernando Picornell Cantero Painting and Teaching – Reflexions Aurora Alcaide Ramírez inside the University Yehia Youssef Ramadan

PUBLISHED IN SCIENTIFIC COMMITTEE November, 2017 Alfonso Sánchez Luna (UMH-SP) By Research Institute in Art, Design, and Antonio García López (FBBAAUM-SP) Society - i2ADS António Quadros Ferreira (FBAUP-PT) University of Oporto, Faculty of Fine Aurora Alcaide Ramírez (FBBAAUM- Arts SP) Av. Rodrigues de Freitas, 265, 4449- 021, Domingos Loureiro (FBAUP-PT) , Fernando Picornell Cantero (FBBAAUM-SP) www.i2ads.up.pt Francisco Laranjo, (FBAUP-PT) www.icocep.com Graciela Machado (FBAUP-PT) Greddy Assa (BL) This book gathers a selection of articles Ignacio López Moreno (FBBAAUM-SP) made in the context of the International José Aja (FBBAAUC -SP) Congress on Contemporary European José Ramalheira Vaz (FBAUP -PT) Painting, held at the Faculty of Fine Arts Julio Cesar Abad Vidal (SP) of the , in April 3, 4 Laura Castro (U. Católica Porto-PT) and 5, 2017. © Maria de Fátima Lambert (FCSH.UNL- PT) Languages: Portuguese, Spanish, English Paulo Almeida (FBAUP-PT) Ricardo Leite (FBAUP-PT) 1st Edition: 150 copies. Rosa María Brún Jaén (UGR) Rui Serra (FBAUL-PT) ISBN Sofía Torres (FBAUP-PT) 978-989-746-136-1 [Printed Version] Teresa Almeida (FBAUP-PT) 978-989-746-142-2 [Digital Version] Victoria Sánchez Giner (FBBAAUM-SP) Yehia Youssef Ramadan (FBBAAUM-SP Cover Image: Vera Dantas /portoenvolto.com

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INDEX

- NOVA PALETA EDUCATIVA PARA A EDUCAÇÃO UNIVERSITÁRIA Afonso Pinhão Ferreira ~ p. 9

- EL TALLER - A MESA DE TRABALLO DO ARTISTA DENDE O VISIONADO DO FILM GREY GARDENS”, COMO MEDIADORA ENTRE LOS USUARIOS DE CENTROS DEL TERCER SECTOR Y LOS ESPACIOS DE EXHIBICIÓN CONTEMPORÁNEA Alba Fandiño ~ p. 23

- ENSINAR PINTURA É ENSINAR PINTURA, NÃO É ENSINAR A PINTAR... OU SERÁ? Carlos Correia ~ p. 34

- A PINTURA COMO UM MEDIADOR SOCIAL, LEVANTANDO QUESTÃO SOBRE O PAPEL DE PINTAR NUM CONTEXTO SOCIOCULTURAL Carlos Daniel Fernandes Pinto ~ p. 46

- OS ESPAÇOS IN BETWEEN DA PINTURA HÍBRIDA Conceição Cordeiro ~ p. 60

- PENSAR O ENSINO DA PINTURA: PROJETO ARTÍSTICO E IDENTIDADE Domingos Loureiro ~ p. 68

- EDUCAÇÃO ARTÍSTICA GARANTIDA A TODOS ATÉ FINAL DA ESCOLARIDADE BÁSICA E A FORMAÇÃO E INVESTIGAÇÃO DOS SEUS PROFESSORES Elisabete Oliveira ~ p. 79

- PINTURAS E OBJETOS TRANSPARENTES: UM JOGO ENTRE POSSIBILIDADES, REFLEXOS E PRECONCEITOS Fernando Quintas ~ p. 94

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- EL LIBRO DE ARTISTA COMO MATERIAL DOCENTE Antonio García López e Francisco José Guillén Martínez ~ p. 104

- TRANSDUCCIÓN EDUCATIVA Y PALABRA HUECA Iñaki Imaz Urrutikoetxea ~ p. 121

- LEGITIMAÇÃO DA ARTE HOJE: NOVOS CIRCUITOS, NOVAS RETÓRICAS João Paulo Queiroz ~ p. 130

- QUANDO OS PROFESSORES SÃO AUTORES: NOTAS SOBRE O MOVIMENTO A/R/T/OGRAPPHY João Paulo Queiroz ~ p. 144

- CRUZAR LAS LÍNEAS: ENTRE GESTO, COLOR, IMAGEN Y SONIDO Joaquín Escuder Viruete ~ p. 156

- LA PINTURA NO ES (SOLO) IMAGEN: CONSIDERACIONES, PROBLEMAS Y CUESTIONES SOBRE LA ENSEÑANZA DE LA PINTURA EN LA ACTUALIDAD Joaquín Escuder Viruete ~ p. 167

- LA PERCEPCIÓN DE LA IMAGEN DE LOS MUSEOS Y CENTROS DE ARTE CONTEMPORÁNEO POR EL PÚBLICO VISITANTE Y NO VISITANTE COMO MEDIO DE MEDIACIÓN Y DIVULGACIÓN DE LA PINTURA Mª Luz Ruiz Bañón ~ p. 180

- STILL PAINTING Sandra Palhares ~ p. 193

- AMADEO AMADEO! REFLEXÕES SOBRE A MEDIAÇÃO DA PINTURA MODERNA PORTUGUESA EM SERVIÇOS EDUCATIVOS DE MUSEUS DE ARTE Sara Sá ~ p. 203

- O ENSINO DA PINTURA NUMA FACETA MULTIDISCIPLINAR Teresa Almeida ~ p. 214

- A PINTURA EM DIÁLOGO: ESPECIFICIDADES E TRANSVERSALIDADES NO ENSINO DA PINTURA Teresa Matos Pereira ~ p. 225

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These texts that we now publish in the context of ICOCEP and its 1st International Congress on Contemporary European Painting, which took place at the School of Arts of the University of Porto with the support of its research centre i2ADS, gather papers and reflective documents about diverse themes distributed through sections and debate sessions.

The forum had multiple moderations with pertinent impact, and constituted a significant moment on the lives of its participants that came from many institutions that wanted to be present at this important event.

This volume is published in order to increase the congress’ impact and that a wider number of interested researchers and practitioners are able to have access to what took place and how the subject of Painting, its creation and contemporary research was pertinently approached.

Hoping that it serves as the preparation for the 2nd congress, these documents are testaments to the work of artists, academics, researchers and students of fine arts, who have dedicated great attention to this demanding and always renewed Painting discipline. This publication aims therefore to make a substantial contribution to research in Painting within Higher Education. It is a reflection of work undertaken in both our research centre and also in the wider academic context. In a constantly evolving discipline, it is surely a contribution for its near future.

Francisco Laranjo General Chair of ICOCEP

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Painting and Teaching’s book aims to reflect about artistic education and its institutions, by analyzing issues such as methodologies, programs, and the place of the teacher inside the artistic practice. Questions like: Should the art teacher also be an artist? Which role plays the artist as a teacher inside the university? and others connected with the teaching of painting in the university, today.

It presents a selected peer review articles from international researchers of several important academic institutions, mainly from Europe.

The objective is to present a multiplicity of reflexions about the Teaching of Painting in a contemporary context, and the role of the School of Art and its intervenients.

The publication is in the continuity of the International Congress on Contemporary European Painting held at Faculty of Fine Arts of the University of Porto in 2017.

The image on the cover shows a painting student in front of her work, but instead of touching the surface of the canvas with brushes, it looks that she´s trying to feel with her hand the image and the matter. It seems that she´s trying to experience the invisible thru her painting. In this sense, this image shows how complex painting is, and the complexity of the teaching of painting could be, because probably it represents something further than teaching technique, art history or art critique, into a very wide technical, emotional and intellectual territory.

We expect that this book could be a contribution for the important discussion about teaching painting and to enlighten the reader, not only with answers but with other questions.

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NOVA PALETA EDUCATIVA PARA A EDUCAÇÃO UNIVERSITÁRIA

Professor Catedrático na Universidade do Porto Médico Dentista especialista em Ortodontia e Diretor Clínico, Portugal. [email protected]

Keywords: educação universitária, arte, cultura

Abstract

É chegada a hora de reinventar o ensino superior. Vivemos, de facto, numa época de grande desorientação onde a incerteza se tornou omnipresente. Daí que o porvir da sociedade humana careça de um novo rumo, onde forçosamente tem lugar uma nova pedagogia, geradora de um ensino mais civilizador. Ora, essa imprescindível mutação no binómio ensino/aprendizagem justifica-se plenamente e passa, de forma inexorável, pela valorização da dimensão cultural, valorização essa que se alicerça numa educação de banda larga, numa abrangência para além do laboral e do mercantil e numa conceção pedagógica bicéfala, onde morem conjugalmente a ciência e a arte. Os autores dão conta de ensaios de novas pedagogias onde aliam o ensino profissional à educação cultural e artística.

1. Admitimos que temos dilatada dificuldade em descobrir palavras, porque é indizível o que sentimos pela vossa pródiga generosidade ao ler o que escrevemos, sobre o que tão pouco sabemos, mas que, todavia, nos encanta, nos cativa e, simultaneamente, nos liberta.

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Esperamos não desiludir, não ficar aquém e deixar uma mensagem mais além. Devemos confidenciar aos respeitáveis leitores que o objetivo nobre destes escritos passa por concertar um diálogo entre os educadores, os artistas e os cientistas, nas suas diferentes linguagens de representar o mundo, e pensar numa outra paleta educativa como um ansiolítico para a desorientação da vigente sociedade. Admitimos ser importante desde já, declarar, que somos convictos defensores dos valores da humanidade, onde cabe um ilimitado amor à cultura, e, se esta revista e objetiva, na sua intrínseca missão, elevar a dimensão cultural e ser fonte de estímulo intelectual, então sentimo-nos em casa, no meio de amigos de quem gostamos, e com os quais, nunca temos frio. Reconheçamos que a contemporaneidade social perdeu luz e extravasa uma ampla e assustadora iniquidade, ao que não será estranha a perda da consciência individual e social nos valores do humanismo e a continuada perda dos direitos que derivaram do iluminismo [1]. Citando Gilles Lipovetsky [2], no seu recomendável livro “A Cultura- Mundo”, tem-se assistido ao desmoronamento dos grandes sistemas ideológico-políticos e vive-se uma ordem mundial caótica, onde o nevoeiro substituiu a certeza dogmática das grandes doutrinas da História. A realidade traduz-se num caos cada vez maior, gerador de uma espiral de incredulidade e de grande ceticismo. Vivemos de facto na época da Grande Desorientação onde a incerteza se tornou omnipresente [3]. Essa constatação e circunstância implica pensar-se que o porvir da sociedade humana carece de um novo rumo, onde forçosamente tem lugar uma nova pedagogia, geradora de um ensino mais civilizador. Ora, essa imprescindível mutação no binómio ensino/aprendizagem justifica-se plenamente e passa, de forma inexorável, pela valorização da dimensão cultural, valorização essa que se alicerça numa educação de banda larga, numa abrangência para além do laboral e do mercantil e

10 numa conceção pedagógica bicéfala, onde morem conjugalmente a ciência e a arte. Em boa verdade, defendemos ser a hora de reinventar o ensino. É, aliás, essencial que o façamos. Não através da reabilitação do passado, com o recrudescimento das memórias ideológicas, mas dando outro sentido à vivência humana num novo cosmos, num mundo onde o Homem não se justifica pelo trabalho, o qual diga-se, em breve, mais não será que uma miragem. Num artigo [4] editado no jornal “O Público” a belga Marianne Thyssen, Comissária Europeia responsável pelo Emprego, Assuntos Sociais, Competências e Mobilidade Laboral, reconhece que o desemprego afeta já cinco milhões de jovens europeus, e que 16% dos jovens portugueses não trabalha nem estuda. E, após uma resenha dos inúmeros esforços e iniciativas que a UE tem desenvolvido, de onde se destaca a disponibilização aos Estados Membros de verbas astronómicas da ordem das dezenas de milhares de milhões de euros, faz uma proposta para criar emprego que é, no mínimo, inovadora: injetar mais mil milhões de euros nessas iniciativas falhadas. O que está a acontecer é que os políticos se recusam a ver o óbvio, ou seja que cada vez haverá menos empregos, dada a desnecessidade de trabalho. E, esse facto, fenómeno global e sistémico, como ressalta de um estudo recente produzido por cientistas da Universidade de Zurique [5], causa nove vezes mais suicídios do que a recessão económica, estando um em cada cinco suicídios no mundo, ligado ao desemprego.

Por isso, é urgente pensar-se uma nova educação, cujo objetivo não tenha apenas a preparação para a vida do trabalho laboral e que seja vocacionada para a felicidade humana, ou seja, ensine a preencher o tempo. E, essa conveniente e proveitosa revolução educativa, também ela competitiva por decerto, terá de ser estrategicamente provocada. Com tal desiderato, interessa, realçar o conceito de cultura, que no seu mais extenso propósito assume o conjunto de práticas e de valores que

11 norteiam a conduta e as ações dos sujeitos, a qual deve representar uma alavanca para o aperfeiçoamento civilizacional do indivíduo e da sociedade. Ora, de entre os argumentos que avalizam o enaltecimento da cultura e da arte na educação reinventada, sobressai a fé que existe uma afinidade exponencial entre o índice cultural das comunidades e o grau de preservação das coisas e dos homens que a constituem. O Homem culto, porque formatado para a avaliação e valorização, destrói menos, vocaciona-se mais para a preservação, sendo essa uma forte razão para a educação adotar a cultura como primado do ensino. Tal afinidade demonstra aliás, a razão primeira para promover, sempre que possível, a cultura e as artes. A segunda razão prende-se com a sociedade onde atualmente vão viver as pessoas que as universidades preparam e educam. Demasiado mercantilista e assente no paradigma que o melhor sinónimo de sucesso é um rendimento alto, a sociedade contemporânea baseia-se no trabalho remunerado. A lógica da atual existência humana, passa assim, por aprender uma profissão e conseguir depois um emprego recompensado, forma legítima de alcançar o indispensável sustento e permitir os sentimentos de posse e de liberdade através de alguma autossuficiência. Pois bem, grande parte da produção das universidades tem sido e é, o fornecimento e aplicação de conhecimentos avançados em áreas específicas, ou seja, proporcionar cursos que permitam bem preparar os estudantes para os empregos que a sociedade autoriza. Assim tem acontecido ao longo dos tempos, com cambiantes histórico-sociais dignas de registo, das quais realçamos o trabalho formal oriundo da revolução industrial e o contrato de trabalho nado no século XX. Todavia e em abono da verdade, a universidade, para além do ensino formativo profissional, produz saberes que dispensam cada vez mais o trabalho humano.

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Mesmo sabendo disso, de forma infeliz, o político atual prefere prometer empregos que não existem e continuar a promover um logro social. Numa incultura atroz, despreza pensadores como Alvin Toffler, pois recusa admitir que a sociedade está a mudar radicalmente, que se aproxima uma “quarta vaga” na civilização humana e que nos devemos preparar para um “choque no futuro” [6,7]. Os políticos e as universidades deviam, isso sim, abrir um debate sobre o futuro da civilização humana, um fórum preparatório para a inevitável sociedade onde o trabalho humano remunerado vai, pura e simplesmente, extinguir-se por desnecessidade. Uma discussão que traga luz ao futuro papel do ser humano numa comunidade dissemelhante, sem trabalho. Enfim, um confronto de ideias que elucide sobre como vamos ocupar o tempo quando não existir laboração. Diga-se o que se disser, a sociedade atual e as suas universidades formam, cada vez mais, seres descontentes e, essa não é, obviamente, a sua missão. Com efeito, após a obtenção com sucesso de um diploma de curso, o novo cidadão recebe o desemprego como prémio. Não há dúvida que esse curso o especializou numa dada área, mas contudo não pode praticar o que aprendeu e, com grande probabilidade, nunca o vai poder fazer. Pior do que isso, na grande maioria dos casos, não sabe fazer mais nada para além do que aprendeu, dada a especialização do saber assimilado. Importa então possibilitar vivências que permitam ao futuro cidadão dizer não à simples existência, fazendo justiça ao pensamento de Óscar Wilde: “Viver é o que há de mais raro. A maioria apenas existe”. Na verdade, viver é bastante mais que o facto de unicamente existir. Implica pensar e criar e, vai para além de assegurar a funcionalidade biológica. Se há algo que torna um ser mais humano é a reflexão e a conceção imaginativa decorrente. Por isso, e porque entendemos que as universidades deverão ter como supremo propósito, contribuir para conceber uma sociedade humana cada vez mais feliz, concluímos que

13 qualquer estudante, deveria sair preparado quer profissionalmente quer culturalmente. Defendemos assim que se estabeleça um diálogo para encetar uma reforma curricular de todos os cursos formativos que faculte uma formação paralela e bicéfala, dividida entre a profissional e a cultural. Quer isto dizer que todo o estudante matriculado num curso universitário seria obrigado a selecionar e a frequentar um curso da área cultural e artística (1). Poderia não vir a praticar a profissão para a qual estudou e se preparou, mas seria um ser mais realizado e mais social, dado que construiria outros objetivos e saberia ocupar o seu tempo com utilidade. Pensamos aliás, que essa reforma seria inovadora e traria diversas vantagens políticas, sociais e individuais e perspetivaria um futuro mais promissor. Os estudantes aufeririam de uma formação mais inteira e diversificada e as universidades disponibilizariam uma oferta de ensino inovadora, demonstrando que sabiam restruturar-se numa antecipação aos problemas sociais que se preveem.

E, porque não apostar na cultura e na arte?

Já despendemos uma parte considerável da vida que nos foi destinada e, nesse pequeno período (esperamos), fomos educados e fomos educadores, fomos estudantes e fomos professores, fomos espectadores e fomos atores, o que nos autoriza, hoje, a fazer juízo, mesmo que desacertado, sobre os vigentes sistemas educativos e métodos pedagógicos. No teatro académico, quer sentados na plateia, quer no palco a representar, assistimos na nossa vivência, às cenas da democratização do ensino com a decorrente e inevitável massificação e globalização. E, durante esses espetáculos, onde se exaltava o binómio ensino/aprendizagem, foi-nos dado apreciar um sem número de metodologias educacionais, todos elas reprovadoras das lógicas

14 pedagógicas usadas no passado e, todos elas, reivindicadoras de sucessos bem explicados, mas, todavia, muito mal mensurados. Fomos a vários espetáculos, onde os mais diversos dramaturgos universitários tentaram despertar sentimentos no público docente. De entre essas exibições destacamos apenas algumas que bateram recordes de bilheteira: - “Em defesa da pedagogia tradicional” soberbamente encenado pelos professores conservadores; - “Vamos em frente com uma pedagogia renovada”, argumentativamente teatralizado pelos pedagogos progressistas; - “Ponhamos em prática a pedagogia condicionada” provadamente exibido pelos investigadores da área; - “Viva a pedagogia crítica” dramaticamente apresentado pelos pedagogos inconformados.

Ora bem, quando entramos na carreira teatral e passamos a atores, tivemos que estudar as cenas com mais profundidade, fazer os necessários ensaios e atuar, tentando colocar em prática as diferentes coreografias. Muitas delas, pura e simplesmente, não podiam subir a palco sob risco de fiasco, dado que para as colocar em prática, tornava-se imperativo muitos atores para pequenos públicos, o que se verificou ser incomportável financeiramente para as companhias teatrais, algumas das quais, inclusivamente, faliram. Ainda se tentou dar a volta, encerrando as salas de espetáculo e solicitando aos espectadores que procurassem e depois lessem os guiões, tornando porém os conteúdos insípidos e fazendo com que muitos não os procurassem e, em muitos casos, nem sequer os lessem. Percebe-se assim e então que o teatro académico seja hoje muito diverso no que se refere aos métodos e sistemas educativos disponibilizados. Sobram, no entanto, algumas positividades, entre as quais um aceso debate entre as companhias teatrais públicas e privadas,

15 sobre qual deverá ser o melhor espetáculo para os diferentes públicos. E se assumirmos o espetáculo da educação superior, certamente estaremos de acordo relativamente a alguns guiões a adotar em qualquer circunstância. É assim importante considerar que, dada a exponencial expansão da escolaridade, a educação adquiriu uma centralidade na política estatal, e que se torna indispensável aceitar de forma incondicional que se trata de um bem público e de um direito social. Paralelamente à obrigação de garantir uma Educação para todos, torna- se crucial questionar quais os princípios e as proficiências que queremos na Educação Universitária. E, a resposta aponta para a necessidade de uma alteração curricular, quiçá uma flexibilização pedagógica [8]. E entre as diversas competências chave a enaltecer, destaca-se a mais humana, ou seja, a sensibilidade estática e artística, valência incontornável da escola moderna. O ensino está doente, excessivamente profissionalizante e mercantilizado. Precisa de uma injeção de cultura e arte. Ora, a arte….a arte…. é o que nos motiva … E, em boa verdade, já Fernando Pessoa dizia que “Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes, tudo isso passa”. Fica a arte. Ora, a arte é tecnicamente assimilável e praticável, humanamente expressiva enquanto passível de ser comunicada, compreendida e/ou admirada. Como nos diz o prestigiado filósofo e sociólogo Fernando Savater: “Nada é mais caracteristicamente humano que a confeção de uma obra de arte, onde a inerente experimentação depende de impulsos que não surgem da nossa natureza biológica, nem sequer meramente da nossa condição social, mas da nossa pessoal idiossincrasia simbólica”. Assim, a arte encerra para, além do conceito que lhe atribuam, a característica humana do processo criativo. Na verdade, nenhum animal inferior executa uma peça de arte, o que quer dizer que o que fundamenta a arte é, assim e portanto, a manifestação humana mais humana. E, porque é humana deve ser preservada e promovida, razão

16 que fundamenta, por exemplo, estes escritos e a proposta de incluir a arte obrigatoriamente no ensino. Temos feito a promoção do ensino da arte em diversos planos e em múltiplos palcos. Na minha clínica criei uma Galeria d´Arte, onde já organizamos diversas exposições de pintura e de escultura, todas acompanhadas da edição impressa de catálogos policromados e sem custos para os artistas convidados e selecionados. Enquanto fui Diretor da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, e porque entendo ser imperativo mudar a educação universitária, organizei com a ajuda de muitos amigos apaixonados pela cultura, a Semana das Artes ao longo de vários anos. Esse evento permitia um diálogo transversal entre várias instituições ligadas à cultura, como a Faculdade de Belas Artes, a Faculdade de Letras, Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, entre outras. Promoveram-se assim exposições de pintura e de escultura, espetáculos de dança, sessões de canto e concertos de música. Publicaram-se catálogos e, editou-se um livro de arte. É nossa convicção que estão de parabéns todas as instituições que insistem em provar a utilidade da arte, apesar da sua inutilidade…! Importa então reformar, importa repensar a sociedade. Faz pouco tempo, numa caminhada em Mogadouro, verificamos que o conceituado filósofo francês René Descartes (1596-1650), ainda inspira a mente dos portugueses, os quais, nos dias de hoje, só lhes resta, a redescoberta de um novo Discurso do Método, na procura de uma nova verdade. Fazia noite e após uma reconfortante posta mirandesa, rumamos em direção à casa dos nossos anfitriões, já que se impunha um passeio que favorecesse toda uma motilidade somática. Ora, enquanto se promovia a promíscua formação do quilo, estávamos longe de pensar que naquela terra desviada, numa perpendicular à avenida principal e num singular portão de garagem, fossemos encontrar uma marcada pintura em cores fauves com um novo pensamento de feição cartesiana, “Penso, logo exílio” (atente-se na figura com a fotografia que obtivemos via telemóvel, Fig. 1).

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Fig. 1.Afonso Pinhão Ferreira, fotografia

Não sabemos se o exilado era um ser feminino ou masculino, feio ou bonito, mas tratava-se certamente de um ser pensante jovem, pois o exílio de um idoso é irrealista, apesar de, contemporaneamente, fazer todo o sentido na escapatória que o sonho proporciona. Aquela cogitação, rispidamente gravada num invulgar suporte, tem de facto um pleno significado, pois traduz ipsis verbis o que se passa neste país à beira mar plantado, perto de se tornar uma Jangada de Pedra. numa alusão ao prémio Nobel da Literatura, José Saramago. O autor da frase, jovem intelectual por decerto, não terá lido “O Discurso do Método”, nem o que levou René Descartes a concluir o que se eternizou em latim como “cogito ergo sum”, mas, mesmo assim, fez justiça à inteligência dissimulada dos primatas, ao estabelecer uma ligação estreita entre o facto de pensar e a opção inexorável pelo exílio. O pensamento é horrendo, pois implica pensar num futuro irrazoável, com uma sociedade triste, sem jovens e apenas com velhos saudosos. Faz pressagiar que Portugal será, em breve, conhecido pelo País dos

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Exilados. Na verdade, se tudo continuar assim, tal infortúnio será porventura uma inevitabilidade. Sabemos que os nossos jovens, entre os quais os preparados no ensino superior, estão a exilar em quantidades absurdas. E, tal sucede porque pensam, claro está. Têm medo da insegurança do presente e da inexistência de futuro e julgam que não vale a pena lutar pelo direito à dignidade de existir como ser social. E, o medo retira a hipótese de escolher e restringe a liberdade, valor único da felicidade humana. Na verdade, muito provavelmente, daqui a 20 anos, a maior parte dos empregos a usufruir pelos atuais alunos do ensino secundário, não existirá. É nossa convicção que a evolução da sociedade em geral e da nossa comunidade em particular, implica marcar a diferença, e que essa diferença passa então inexoravelmente pela valorização da política cultural e da alteração curricular dos cursos universitários. Por isso, é importante que, de forma incontestável, a comunidade portuguesa assuma uma urbanidade cultural de dimensão além-fronteiras. É crucial desenvolver uma política cultural que envolva todos. Pensam tratar-se de uma utopia aquilo que propomos? Então atentem aos parâmetros publicados no diário “O Público” num artigo de opinião do Presidente da Sociedade de Autores, José Jorge Letria, denominado “O que a cultura prova a Bruxelas”. Os valores ali plasmados, foram divulgados ao Parlamento Europeu pelo seu Presidente Martin Schulz. No Espaço Europeu, as indústrias culturais e criativas movimentam cerca de 536 mil milhões de euros e representam 7,1 milhões de postos de trabalho.……. Sendo assim, o que nos leva a não apostar na cultura e na arte? A partir do momento em que a atividade cultural e artística é identificada como uma das prioridades estratégicas da comunidade, importa refletir sobre a melhor forma de a desenvolver. Ora bem, no nosso ponto de vista seriam estas as ações a encetar: - Integrar a atividade cultural na estratégia educativa e converter o ensino num centro de referência e excelência cultural;

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- De forma simultânea, importa revigorar os mecanismos de conhecimento e a valorização das culturas regional e nacional. De facto, o apreço pelas culturas traz como consequência o enaltecimento e a dignificação das populações que as produzem e vivem, bem como promove o turismo. Para além de tudo isto, importa referir que o reconhecimento do pluralismo cultural é também um instrumento de superação das desigualdades sociais, objetivo nobre que interessa promover. Pergunta-se então, porque nos diz o euro barómetro que cada vez consumimos menos cultura? Os portugueses, os búlgaros e os romenos são os que menos participam em atividades culturais. Falta educação que é a chave da mudança; falta estimular o ensino cultural nas escolas: - 40% dos portugueses não leram um único livro o ano passado; - só 15% dos portugueses visitam as bibliotecas contra 31% dos europeus; - o país está coberto de equipamentos culturais mas não funcionam, não são procurados.

É, de facto necessária uma maior introdução das artes no ensino geral, mas as palavras falham, mesmo que repetidas. A arte é necessidade porquanto ela liberta, dá prazer e gratifica. Como alguém disse, a arte é o alimento do espírito, apesar dela se caracterizar pela sua inutilidade, razão que fundamenta as razões que levam os políticos nas alturas de crise a desprotegerem a arte e a cultura. Mas, a arte é gratificante. Nada acontece por acaso e tudo isto aconteceu porque perdidos, quando um dia vagueávamos numa galeria, esbarramos com um quadro de um violino e atropelamos a arte. A coitada ficou feita em pedaços cubistas distribuídos ao calha pela tela numa roupagem abstrata. Gritamos, gritamos mais que o Munch até descobrirmos que a arte, enquanto suprema manifestação humana abraça a filosofia como pilar obrigatório na arquitetura de qualquer curso universitário

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Fig. 2. Afonso Pinhão Ferreira, Violino; Pablo Picasso, Violino e Uvas. Óleo sobre tela, 1912., Museum of Mordern Art, Nova Iorque. EUA Fig. 3. Edvard Munch, O grito, Óleo, têmpera e pastel sobre tela, 1893, Galeria Nacional de Oslo, Noruega

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References [1] Bento J.O. (2014) Por uma Univercidade anticonformista. Faculdade de Desporto da U. Porto [2] Lipovestsky G., Serroy J. (2013) A Cultura-Mundo – resposta a uma sociedade desorientada. Edições 70 Ldª. [3] Lourenço E. (2012) O Esplendor do Caos. Gradiva,6ª ed. [4] Fonte: A nossa juventude não pode esperar mais. Artigo publicado pela Comissária Europeia Marianne Thyssen no jornal “O Público” em 04 de fevereiro de 2015 [5] Toffler A. (1980) The third wave. Bantam Books, [6] Fonte: Um em cada cinco suicídios no mundo está ligado ao desemprego. Artigo publicado pela jornalista Ana Gerschenfeld no jornal “O Público” em 13 de fevereiro de (2015) [7] Toffler A.: Future Shock. Bantam Books, (1970) [8] Martins GO. (2017) Um perfil de alunos para a Educação no século XXI – entrevista no Jornal das Letras. JL nº 1213,

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EL TALLER “A MESA DE TRABALLO DO ARTISTA DENDE O VISIONADO DO FILM GREY GARDENS”, COMO MEDIADORA ENTRE LOS USUARIOS DE CENTROS DEL TERCER SECTOR Y LOS ESPACIOS DE EXHIBICIÓN CONTEMPORÁNEA

Doctoranda de la Universidad de Vigo, Departamento de Pintura, Miembro del Grupo Interdepartamental Modo, Facultad de Bellas Artes de Pontevedra, España [email protected]

Keywords: activación del entorno social, exhibición de arte, mediación, taller artístico, tercer sector.

Abstract

El presente artículo muestra cómo la metodología pedagógica empleada en formato de taller artístico y el posterior análisis de sus resultados, han sido las herramientas necesarias para propiciar tanto la estimulación cognitiva como el fortalecimiento de la cohesión grupal en dos centros pertenecientes al tercer sector, a la hora de exponer sus resultados conjuntamente en una sala de exposiciones de arte.

1. Introducción

En la presente comunicación centrada en la práctica artística contemporánea, presentaremos tanto los objetivos, como los contenidos, la metodología y los resultados de dos talleres que han sido diseñados expresamente para dos colectivos de usuarios pertenecientes al tercer sector. Se han llevado a cabo, a lo largo de los dos últimos años, un total de cuatro propuestas hasta el momento, en colaboración con una serie de Asociaciones que se ubican en la ciudad olívica y que tienen un convenio de colaboración con el Servicio de Voluntariado de la Universidade de Vigo. De estas, se ha decidido presentar la primera

23 de ellas respecto a su realización cronológica, que se considera como el punto de partida al considerar la exhibición colectiva de los resultados de un taller con dichos usuarios en una Sala de Exposiciones de Arte Contemporáneo.

2. Objetivos

Se mostrará el modo en que se ha intentado trasladar y abrir nuevas vías para que, a través de la práctica artística dentro del taller, por medio del apoyo y el seguimiento de un equipo multidisciplinar tanto de educadores sociales, como psicólogos, psiquiatras y directores de los centros, ambas propuestas fuesen capaces de funcionar como elementos dinamizadores y activadores del entorno social Javaloy, [1]. También, cómo y por medio de herramientas tales como el diseño pedagógico, la observación y la visita a los mismos, se ha tratado poner de manifiesto una serie de posibilidades que puede ofrecer el Arte Contemporáneo y los espacios de exhibición; siendo éstos un vínculo mediador necesario a la hora de articular una serie de estudios más amplios y complejos, al enfrentarse tanto a la pedagogía, como a contemplación y a comprensión de la práctica artística [2]. Entendemos la misma como un lugar que resulta necesario y beneficioso con y para la sociedad; con el otro. Ello ha siso minuciosamente tratado en la recopilación de trabajos de investigación continuados por Ricard Huerta y Romá de la Calle [3].

3. Contenidos y Metodología

Presentaremos el contenido y la metodología empleados en el taller artístico desarrollado en los dos centros del Tercer Sector, en concreto con los usuarios del Centro APAMP (Centro de día Miguel Hernández) y los usuarios de Centro DOA de Vigo.

A mesa de traballo do artista dende o visionado do film Grey gardens. Centro de usuarios de APAMP y DOA. La participación en la Exposición colectiva Sabes quen son?. Centro Social Novacaixagalicia, Vigo. Comisariada por Loreto Blanco Salgueiro.

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La propuesta de la actividad educativa para el taller creativo y práctico se realizó dentro del núcleo del Programa de Voluntariado de la Universidad de Vigo y el convenio con la Facultad de Bellas Artes, denominado Pasoarte. Para ello se han considerado otros estudios que confluyen en el entendimiento del arte y su trabajo desde la inclusión con colectivos, desde la perspectiva y la activación del entorno social en el contexto de colaboración con comunidades universitarias y centros de arte o exhibición [4]. El planteamiento de la actividad ha tomado como punto de partida conceptual el Síndrome de Diógenes, desde un análisis de su dimensión historiográfica, estética y filosófica [5], por medio de la proyección íntegra del film Grey Gardens [6]. Resaltar, que no se ha pretendido hacer un análisis exhaustivo de dicho síntoma, sino, conducir a los dos grupos de usuarios con diversos tipos de discapacidad: por un lado, 8 integrantes del centro APAMP (Grupo A) y por otro, 8 usuarios del Centro DOA de Vigo (Grupo D), los cuales han sido seleccionados por un equipo de psicólogos y la dirección de cada centro, conduciendo a que se familiarizasen y estimulasen sus capacidades cognitivas por medio de la visualización, el análisis de la imagen en movimiento, los recursos online mostrados (blogs, web de artistas …) y los materiales plásticos seleccionados, siempre de la forma más activa y dinámica posible [7]. Para ello, y estableciendo como pilar conceptual dicho término mencionado, a la hora abordar la práctica creativa, se ha desarrollado un taller visual y práctico, que ha tenido como resultado final la elaboración, por parte de cada grupo, de una mesa de artista conjunta. Las dos mesas, han formado parte una muestra colectiva en la sala de exposiciones temporales del Centro Social Novacaixagalicia que se encuentra próxima a las dos asociaciones; lo que ha desembocado que, en el transcurso de la actividad, exista un refuerzo altamente positivo para la consecución de un objetivo final. Tanto el planteamiento como la distribución cronológica de la actividad, ha sido idéntica en los dos grupos, denominados a partir de ahora como Grupo A y Grupo D, y se ha organizado a lo largo de 4 sesiones, con una duración de 2 horas cada una. A través del empleo de una metodología multidisciplinar y con una introducción previa, la proyección del film, un cuestionario oral de 11

25 preguntas para propiciar el debate y la comprensión visual de la película; se ha pretendido fomentar el entendimiento, el análisis y la síntesis de los elementos visuales, así como la cohesión grupal. Se han iniciado, con posterioridad, dos sesiones de trabajo creativo dentro de espacio de taller disponibles o habilitados en cada centro. Como material de apoyo se ha recurrido a los medios informáticos, con ejemplos de imágenes extraídas de la película y numerosas ilustraciones de mesas de artistas, que, junto con sus protagonistas, se relacionarán bajo los dos grandes bloques en cuanto a la construcción de la imagen y el resultado final: el Orden y el Desorden [8] o el Antes y el después en el largometraje aquello, que en su conjunto y progresión facilitará el proceso creativo de cada alumno y cada grupo. Se ofrece una selección de imágenes presentadas como parte del planteamiento de la actividad, durante su transcurso de ocho horas en los Centros APAMP y DOA, en las fechas de Febrero a Marzo de 2014 (Fig. 1 y 2).

4. Resultados y conclusiones

La percepción, tanto visual como auditiva y el desarrollo del lenguaje de los sujetos, se ha trabajado del mismo modo en ambos colectivos, así como también la motivación. La presencia de refuerzos positivos y la socialización de cada individuo dentro del grupo, ha aumentado durante el transcurso de las sesiones, a lo que ha contribuido, solicitar la incorporación al espacio común de la mesa conjunta, objetos cotidianos y personales que tuvieran relación con el planteamiento de la actividad. Como resultado, cada alumno, tras un ejercicio de cuestionamiento y comprensión visual, ha analizado los personajes de film, ha dialogado, comprendido y sintetizado los conceptos visuales de orden/desorden, asociados con las vidas de los protagonistas en cada momento de la película, todo ello en cohesión grupal. Ha progresado la interacción entre sus compañeros, la destreza y el manejo de los materiales plásticos. También, han compartido su autoconcepto, a través de la aportación de dicho objeto o una serie de objetos personales.

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Observamos así, que los diversos resultados plásticos se estructuran en progresión respecto a la planificación temporal de la actividad. Resaltamos los siguientes:

4.1. Respuestas al cuestionario de 11 preguntas

Grupo A: los miembros abordan especialmente los aspectos positivos de la película. Resaltan la figura filial, sus atributos y el diálogo con la figura materna. Como parte principal de la esta, les interesan las escenas del comienzo y el final del film. Les motivan los viajes, la naturaleza, los animales, los actos sociales, la reconciliación y el diálogo. Es decir, el Antes o el momento del Orden tratado en la misma. Grupo D: el grupo delibera los aspectos más críticos de la cinta, en atención a los intentos continuados que hace la figura filial en su intento de labrarse un futuro y escapar del ambiente materno en el que se siente sometida y aislada. Les cautiva la trama de la película, la enfermedad, la acumulación de objetos y enseres. Es decir, el Después o el Desorden del film.

4.2. Resultados plásticos

La mesa elaborada por el Grupo A, atenderá a una composición visual en la que los resultados plásticos son ordenados compositivamente, formando amplios espacios cuadrangulares, y donde los materiales se disponen en equilibrio, configurando una unidad visual conjunta (tanto en el empleo del color, como en las texturas, la línea … ). Recurren a la armonía de formas, en un intento de dominar la imagen representacional y la simbólica, lo que les lleva a una profusión de elementos, realizando incluso propuestas plásticas para espacios situados fuera de la mesa, relacionados con la figura humana y con su vestimenta, a escala natural.

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Fig. 1 (Antes) Michael Sucsy, Interior de Grey Gardens. Imagen digital, 2009 [9]. Fig. 2 (Después) Albert Maysles, David Malyses. Imagen Ellen Hovde y Muffie Meyer, Grey Gardens dining, Fotografía, 1971 [10].

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Prefieren, el empleo de materiales que presenten colores cálidos y con una tactilidad visual muy enriquecedora y expresiva. Ejecutan con destreza la técnica del collage, en especial, relacionándolo con el tejido y las superposiciones de este material. En cuanto al dominio de la línea, los trazos con bolígrafo y rotulador de colores son, por instantes quebrados e imprecisos, si bien, con el aumento de las sesiones, se hacen más concisos y cerrados. Representan figuras de animales y diferencian algunos de sus atributos mediante un aumento de tamaño en alguno de sus miembros: bigotes, cola, ojos, orejas… así como también, retratan escenas al aire libre o en interiores con plantas y animales. La concepción espacial en el interior de estas estancias está distorsionada, algunos miembros perciben los elementos desde abajo o en la distancia y a ellos le añaden telas decoradas. Conforme avanzan las sesiones, la calidad y la velocidad de movimiento de sus trazos son más amplios y seguros, intentando dominar el dibujo. Abordan la composición de figuras tridimensionales mediante el modelado con plastilina y con papeles llenos de color, representando, de nuevo, tanto animales como plantas. Asimismo, manejan la posibilidad de tejer o trenzar con sus manos y para ello colaboran entre compañeros. Aportan materiales extraídos de sus hogares, objetos coleccionables, pero siempre situándolos en la mesa dentro de una composición estructurada y con equilibrio. Si bien, alguno de sus miembros decide no mostrar objetos personales, sino elaborarlos en el propio taller (Fig. 3).

En cuanto a la mesa Grupo D, se observa una estructura visual con elementos plásticos desordenados, que forman espacios triangulares y se extienden a lo largo de líneas diagonales o ondulantes. El trabajo con los materiales, se dispone como acumulación en el espacio de la mesa y por medio de técnicas de adición de los mismos. Se trata, de pequeñas islas divididas que intentan, tras el transcurso de

29 las sesiones, formar una unidad en su conjunto. Existe, un uso de los materiales dominados por colores en tonos fríos y poco saturados, con la abundancia de grises, azules, blancos, ocres y negros. Les preocupa la variedad de texturas y la amplia procedencia de los materiales, que presentan rugosidades, volumen y son extraídos de su entorno más cercano: envases de vidrio, de plástico, de cartón…. Prestan especial atención a su apilamiento que disponen en una marcada verticalidad. Existe una espontaneidad en el tratamiento de la forma y prefieren no hacer uso en exceso de la imagen figurativa, si bien, alguno de sus miembros se decanta por el retrato frontal. Emplearán, en estas composiciones esquemáticas la técnica aditiva del collage, con papeles extraídos de revistas o retales de tela, procedimiento que dominan a la perfección. Les inquieta la vestimenta y los detalles que rodean a la indumentaria: turbantes, gafas de sol, bolsos, ropas pequeñas, mascotas … Buscan estos en magazines como referencias visuales a la película a los que le añaden textos, haciendo maquetas y composiciones de estancias interiores con papeles estampados y fragmentos decorados de tela. Se deciden a crear su propio estampado decorativo, siempre en tonos neutros, dentro de la misma gama de color y con poco contraste. Su propuestas, se ensanchan a lo largo del tablero horizontal hasta cubrirlo por completo y buscan un intencionado aspecto volumétrico. Existe, una selección muy consciente de los materiales antes de ser utilizados, y también, una gran cantidad de los mismos, aportados desde fuera del taller, desde su espacio personal: materiales de desecho, objetos personales, figuras decorativas con pequeños animales, con personajes, pendientes, collares, pequeñas cajas abiertas que son recubiertas de papel decorado … Respecto al dominio de la línea gráfica, la mayoría prefieren no inclinarse por el dibujo, pero cuando hacen este ejercicio sus líneas son precisas, continuas y con profusión de la figura de los personajes en primer plano y su vestimenta con la técnica del collage. La figura

30 humana y animal aparece representada a través de los objetos que aportan desde su espacio personal. No existe un dominio del modelado y con plastilina forman figuras de su imaginario. Lo que prefieren elaborar con sus manos es disponer los objetos y buscar cómo funcionarían estos en una masa de gran volumen, con gran audacia y fuerza, insistiendo en su espacio personal. Los materiales extraídos de fuera del taller son aportados en la mesa de un modo voluntario y, cada uno de sus miembros, decide mostrar objetos personales o ya existentes, más que los elaborados durante el transcurso de la actividad (Fig. 4).

Como conclusión, destacamos que comprensión de las imágenes visuales, tanto en movimiento como estáticas y el espacio de debate, ha hecho que se presenten dos respuestas plásticas diferentes entre en torno al mismo planteamiento; la mesa del Orden y la del Desorden.

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Fig. 3 Alba Fandiño, Mesa del GRUPO A (usuarios del Centro APAMP). Exposición Colectiva Sabes que son?, comisariada por Loreto Blanco, 2014. Centro Social Novacaixagalica, Vigo Fig. 4 Alba Fandiño, Mesa del GRUPO D (usuarios del Grupo DOA). Exposición Colectiva Sabes que son?, comisariada por Loreto Blanco, 2014. Centro Social Novacaixagalica, Vigo

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References [1]. Javaloy, F. (2001).Comportamiento colectivo y movimientos sociales: un enfoque psicosocial. Madrid: Prentice Hall, D.L. [2]. Huerta, R. y Calle, R. (2005).La mirada inquieta. Educación artística y museos. Valencia: Universidad de Valencia. [3]. Huerta, R. y Calle, R. (2008).Mentes sensibles. Investigar en educación y museos. Valencia: Publicaciones PUV. [4]. Carnacea Cruz, A. y Lozano Cámbara (2011). A. Arte, intervención y acción social. La creatividad transformadora. Madrid: Editorial Grupo 5. [5]. Cuesta, J.A. (2006) Filosofía cínica y crítica ecosocial. Madrid: Ediciones Serbal. [6]. Sucsy, M. (Director). Grey Gardens [DVD]. Estados Unidos: Et Cetera Films/HBO Films/ Specialty Films.4. Hovde, E., Maysles, A., Maysles, D. y (2009) [7]. Mailhiot, B. (1975) Dinámica y génesis de grupos. Madrid: Marova D.L. [8]. Arheim, R.. (2001) El poder del Centro. Estudio sobre la composición en las artes visuales. Madrid: Ediciones Akal. [9]. Sucsy, M. (Director). (2009) Grey Gardens [Imagen]. Recuperado de https://www.pinterest.com/pin/334533078546962641/ [10]. Muffie, M., (Directors). (1975) Grey Gardens dining, 1971 [Imagen]. Recuperado de https://artbarnfestival.wordpress.com/this-is-a-ghost-house/grey-gardens-dining- 1971/

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ENSINAR PINTURA E ENSINAR PINTURA, NÃO É ENSINAR A PINTAR…OU SERÁ?

Faculdade de Belas Artes na Universidade de Lisboa, Portugal. [email protected]

Keywords: Pintura; Ensino; Tradição; Presente

Abstract

Estudar pintura numa universidade, nos dias que correm, é exactamente o quê? Ao colocar esta questão, outras quatro surgem imediatamente no horizonte: o que é que se ensina; quem é que ensina; que competências devem ser adquiridas pelo estudante; o que procura, exactamente, um estudante de pintura. Comecemos, então, por tentar responder à primeira destas questões. A resposta mais evidente seria, porventura, que num curso de pintura se ensina a pintar, pois foi o que sempre se fez. Até um certo ponto, esta resposta satisfaz, mas basta estender o fio de pensamento de uma forma ligeiramente mais ambiciosa para nos depararmos com a sua fragilidade. Se a pintura já não é o que era, que sentido fará continuar a ensiná-la da forma como se ensinava? Nenhum, parece ser a resposta correcta. Mas tentemos puxar ainda um pouco mais pelo tal fio: certamente, a pintura foi sofrendo mutações, tantas que não será este o local para as enumerar, mas não será igualmente válido que uma parte da pintura continua a precisar das bases que sempre foram as suas? E daqui saltamos para outra questão que, de rompante, se formula: não será necessário saber como se fez e como se faz para depois se poder desfazer com propriedade? Mas isso demora muito tempo, alguns dirão. Certamente que sim. Mas ninguém disse (ou será que disse...?) que um curso de pintura é uma coisa rápida. Com estas interrogações no ar e conscientes de não termos ainda sequer ensaiado uma resposta às restantes três questões que no inicio colocámos, não resistimos a apresentar uma outra, que talvez possa ajudar a responder às demais: e se o curso de pintura tiver a audácia de ensinar a pintar, deve ficar-se por aí? Porque,

34 se assim for, estaremos a falar de um curso preso ao passado e não nos parece que essa seja a intenção. E que tal se, a par do ensino da pintura- enquanto-prática se ensinar, também, a pintura-enquanto- pensamento?

O presente ensaio parte da tentativa de responder à seguinte questão: estudar pintura nos dias que correm, é exactamente o quê? Ao colocar esta questão, outras quatro surgem imediatamente no horizonte: o que é que se ensina; quem é que ensina; que competências devem ser adquiridas pelo estudante; o que procura, exactamente, um estudante de pintura. Comecemos, então, por tentar responder à primeira destas questões. A resposta mais evidente seria, porventura, que num curso de pintura se ensina a pintar, pois foi o que sempre se fez. Até um certo ponto, esta resposta satisfaz, mas basta estender o fio de pensamento de uma forma ligeiramente mais ambiciosa para nos depararmos com a sua fragilidade. Se a pintura já não é o que era, que sentido fará continuar a ensiná-la da forma como se ensinava? Nenhum, parece ser a resposta correcta. Mas tentemos puxar ainda um pouco mais pelo tal fio: certamente, a pintura foi sofrendo mutações, tantas que não será este o local para as enumerar, mas não será igualmente válido que uma parte da pintura continua a precisar das bases que sempre foram as suas? E daqui saltamos para outra questão que, de rompante, se formula: não será necessário saber como se fez e como se faz para depois se poder desfazer com propriedade? Mas isso demora muito tempo, alguns dirão. Certamente que sim. Mas ninguém disse (ou será que disse...?) que um curso de pintura é coisa rápida. Com estas interrogações no ar e conscientes de não termos ainda sequer ensaiado uma resposta às restantes três questões que no inicio colocámos, não resistimos a apresentar uma outra, que talvez possa ajudar a responder às demais: e se o curso de pintura tiver a audácia de ensinar a pintar, deve ficar-se por aí? Porque, se assim for, estaremos a falar de um curso preso ao passado e não nos parece que seja essa a intenção de quem pretende ensinar para os dias de hoje. E que tal se, a par do ensino da pintura-enquanto-prática se ensinar, também, a

35 pintura-enquanto-pensamento? Sem surpresa, também esta não é uma ideia nova. No seu tratado sobre a pintura, Leon Battista Alberti insiste na necessidade dos aspirantes a pintores cultivarem a proximidade com as letras e com os que as usam:

“I therefore advise the studious painter to make himself familiar with poets and orators and other men of letters, for he will not only obtain excellent ornaments from such learned minds, but he will also be assisted in those very inventions wich in painting may gain him the greatest praise.” [1]

Parece que, até agora, as questões colocadas não mais fizeram do que gerar novas interrogações. No sentido de contrariar esta tendência, tentemos então uma abordagem ligeiramente diferente; arrisquemos, agora, uma resposta rápida a cada uma das questões enunciadas: ensina- se o que o professor quer ensinar; quem ensina é o professor; as competências a adquirir são aquelas que o professor considerar indispensáveis; o estudante procura superar o professor (obviamente, não como um fim em si, pois o objectivo do discípulo não é vir a ser melhor do que o mestre apenas porque sim, mas antes porque tal significa que a aprendizagem atingiu um ponto que lhe permite passar para o outro lado e ser ele o próximo a ensinar, se assim o desejar, mas acima de tudo atesta da sua capacidade para produzir de forma autónoma, já sem a necessidade de uma orientação permanente). De um modo geral, estas afirmações parecem-nos pacíficas e sem grande margem de refutação, sendo que a ilação que daqui há a retirar é a de que o que dita o rumo de um curso de pintura será a ideia que o professor tem dessa arte. Sendo ponto assente que diferentes épocas foram trazendo diversas ideias de pintura, chegamos à conclusão de que o rumo dos cursos de pintura deve ir acompanhando o ar dos tempos, isto é, deve ir a si aportando as alterações que as sucessivas contemporaneidades vão criando. Mais uma vez, esta resposta, apesar de ser igualmente pacífica, não

36 chega a ser inteiramente satisfatória. Ainda assim, talvez aqui consigamos identificar um ponto que nos parece propício ao aprofundamento do que, no questionário atrás enunciado, apenas se deu a ver pela rama. Esse ponto prende-se, precisamente, com a actualidade das tais questões e respostas; e aqui, ao perguntarmo-nos se estas são um exclusivo da nossa época ou se terão elas já sido colocadas em tempos idos, apenas a solução que atesta a sua vetusta condição nos parece fazer algum sentido: desde que se ensina a pintar que é preciso saber o que se ensina, quem é que ensina, o que deve ser aprendido e o que quer o estudante aprender. A tenção do novelo parece ter aliviado um pouco, mas o emaranhado mantém-se, talvez até de modos ainda mais indestrinçáveis, pois deste ponto vislumbramos já uma nova perplexidade: por um lado as questões já não são novas mas, por outro, permanecem sem resposta nos nossos dias, porventura, ainda mais longe de uma resposta inteiramente satisfatória. E isto porquê? Se já sabemos que o cerne da questão se encontra na ideia de pintura que determinado professor tem da mesma, o problema só pode residir na multiplicidade de ideias. E eis que surge uma nova indagação: e esta diversidade de pontos de vista, será um exclusivo da nossa época ou conta, também ela, com raízes que se estendem muitos séculos atrás? E, no caso da novidade não se verificar, porque será que elas ainda permanecem no centro do discurso sobre o ensino da pintura? E agora, ao invés de levantarmos nova interrogação, arriscamos uma resposta ou, melhor, uma hipótese: tais questões permanecem sem replicação porque, provavelmente, não existe uma resposta clara para elas. E daqui, nova constatação e nova possibilidade: se a tentativa de lhes arranjar resposta permanece ainda no seio da academia, não será porque essas questões são, em si mesmas, uma espécie de motor que trabalha no sentido de manter a carruagem em movimento? Propomos agora que se faça um um recuo no tempo, no sentido de apurar a novidade de tais inquietações. Mas tentemos, desta vez, ser

37 mais precisos, indicando uma data, ainda que suficientemente lata, bem como uma cena artística, também ela não totalmente circunscrita. Evidentemente, para que este exercício em torno da elasticidade do tempo tenha algum proveito, será necessário guardarmos as devidas distâncias, tendo presente que, apesar da superfície se apresentar muito diferente, o essencial se mantém praticamente inalterado. Situemo-nos, então, no Alto Renascimento e daí olhemos para as duas possibilidades de abordagem a estas problemáticas, que nos foram propostas por dois dos mais significativos representantes da cena artística e intelectual da altura: Leonardo da Vinci e Miguel Ângelo. Antes de prosseguirmos, não podemos deixar de fazer a seguinte ressalva: como é evidente, é algo redutor limitar as perspectivas artísticas e conceptuais de um período histórico tão excepcionalmente rico como foi a renascença, a dois pontos de vista; que fique claro que não é isso que estamos aqui a tentar fazer. Simplesmente, num ensaio com as características do presente, não haverá espaço para muito mais do que isso. Comecemos, então, por Leonardo, sobre quem nos diz Anthony Blunt:

“ Para Leonardo, como para Alberti, a pintura é uma ciência porque tem o seu fundamento na perspectiva matemática e no estudo da natureza.” [2] O mesmo autor, agora sobre Miguel Ângelo, confronta-nos com um ponto de vista diverso:

“ Para Miguel Ângelo, o artista alcança uma beleza superior à da natureza apenas mediante a imaginação.” [3]

Margarida Calado, num artigo no qual reflecte sobre as relações entre arte e investigação artística no seio da academia, resume da seguinte forma o confronto que atrás pretendemos enunciar:

“ Teremos assim, nos dois representantes da arte do Alto Renascimento, abertas

38 duas vias do pensamento moderno: em Leonardo, o caminho das ciências, da observação, da investigação, da experimentação; em Miguel Ângelo, o caminho da reflexão filosófica, do pensamento puro, mas qualquer deles caminhos que encontram o seu lugar na universidade moderna.” [4]

Temos, então, como ponto assente que, guardando as distâncias que os diferentes contextos históricos e sociais implicam, as questões que o ensino da pintura coloca hoje, já há muito tempo haviam sido colocadas; temos também que o que dita a orientação de um curso de pintura será, em última instância, as filiações artísticas do professor. E esse professor deve, também ele, ser artista? Mais uma vez, a resposta não se dá a ver numa cor precisa, mas sim em diversas tonalidades: A saber: um professor-artista pode, de facto, ser uma mais valia porque se encontra na posição privilegiada de poder passar conhecimento sobre matérias nas quais ele tem conhecimento prático. Ora, sendo a pintura uma arte cujo resultado final recai em boa parte na manifestação material de uma qualquer intenção conceptual, parece-nos que esse conhecimento prático é, sem dúvida, um ponto a favor. Mas a situação não é tão transparente como pode parecer à primeira vista. Ou seja, um professor-artista que faz de uma maneira e só ensina a fazer dessa maneira, não nos parece adequado. Quer então isto dizer que o dito professor-artista deve ser capaz de operar uma complexa operação de desdobramento de si, com vista a passar o seu conhecimento (tanto material como teórico, histórico e conceptual) sem, contudo, se deixar toldar pelas opções da sua prática. E com “opções da sua prática” não queremos dizer o mesmo que dissemos sobre as diversas “ideias de pintura”. Ou seja, apesar do professor-artista realizar o seu projecto de pintura na hipotética vertente A, ele não deve deixar de mostrar ao aluno que, para além desta, existem também a B, a C e a D. Ora, esta não é uma operação fácil de realizar e implica uma enorme entrega e abnegação da parte do professor-artista. Contudo, não faltam exemplos de professores–artistas a quem este

39 perfil assenta de forma exemplar; referiremos apenas três, actuantes em tempos mais próximos dos nossos: Hans Hofmann (1880-1966) que, como nos diz Isabel Carlos no catálogo de uma memorável exposição da Fundação Calouste Gulbenkian dedicada, precisamente, à obra de professores-artistas:

“ (...) Hofmann foi considerado pelo célebre crítico de arte Clement Greenberg o mais importante professor de arte do seu tempo e encontrava a mesma qualidade e relevância tanto nas suas palavras como na sua pintura.” [5]

Ainda sobre Hans Hofmann e sobre as práticas de ensino levadas a cabo na sua escola:

“(...) As a teacher, Hans Hofmann refused to stress any style or artistic approach over another. To learn from Hofmann was to acquire formal training through meticulous repetition; only then, he taught, could one venture out into the world and create something truly original. (...) Hofmann adopted a liberal approach to media and stylistic choice; whether representational or completely abstract, Hofmann wanted each of his students to perfect their individual craft through an understanding of its ancestry, and as a teacher, never expressed explicit preference for either representation or abstraction.(...) [6]

Outro exemplo que não podemos deixar de referir é o do pintor Philip Guston (1913-1980) que, para além de professor dedicado e uma das figuras de proa da pintura da segunda metade do século XX, continua a ser um dos mais influentes pintores nos nossos dias. Num volume que reúne os seus escritos, conferências e entrevistas, ficamos a saber que nas suas aulas tanto se discutia o trabalho dos alunos como também se falava sobre Piero della Francesca, Chirico, Picasso, Kafka, Beckett ou Gogol. Colocando em prática a operação de desdobramento da qual atrás se falou, Philip Guston brindou os seus alunos com múltiplas perspectivas sem, contudo, deixar de passar a mensagem segundo a

40 qual cada um tem de se descobrir a si próprio:

“ (...) What I mean to say is, that being a painter means that you’re involved with your life. Actually. I mean, there’s no other way. (...)” [Guston, 2011, 15]

Ainda sobre Philip Guston enquanto professor, citamos a ex-aluna Caren Canier:

“(...) As a student, my work never looked like Guston’s and it’s unlikely that it ever will. My own sensibility is quite different from his and I always felt that he was respectful of the difference. Although he seemed to enjoy the flattery of having some of the students emulate his work, he didn’t harbor any bias against other ways of painting. His love of Piero della Francesca and especially The Flagellation of Christ is well documented, although certainly his work bears no superficial resemblance to Piero. (...) The process he encouraged sometimes seemed totally at odds with the traditional methodology of the undergraduate painting program at BU of the 1970’s, where many of my classmates had studied. Sometimes it seemed strange that he had chosen to teach at that particular school, with its decidedly academic program. But he said that he wanted to teach at BU because it was one of the few places where they were actually teaching us some skills and techniques of painting and drawing. He decried the loss of traditional curricula at most other art programs, where the advent of Abstract Expressionism and Pop had eclipsed most traditional, representational training. (...)” [7]

No contexto português, escolhemos referir Eduardo Batarda. Incontestavelmente, um dos nomes de referência na pintura contemporânea portuguesa, foi também professor durante mais de trinta anos. Sobre a sua experiência enquanto professor-artista, diz-nos ele, com a sua habitual ironia:

“Há um círculo vicioso nisto tudo: o meu trabalho (o “emprego”) está ligado à pintura: ensino pintura, se assim me posso exprimir. Esse trabalho ocupa-me, é

41 absorvente e é mais ou menos desorientador. É afastado da pintura, mais ou menos destinado a que eu não pinte: existe tácita (isso mesmo) e estrategicamente para que as pessoas que ensinam arte não façam arte.” [8]

Ainda sobre Eduardo Batarda, deixamos um depoimento de Eduardo Matos, um ex-aluno de Eduardo Batarda e, hoje em dia, também ele, um artista no activo:

“ Julgo que a provocação e o humor eram as suas armas preferidas. O seu trabalho, a sua insistência, o seu esforço naquela sala de aulas, caminhava – em minha opinião – para nos dizer qualquer coisa como isto: se é verdadeiramente isto que querem e que desejam, então preparem-se, sejam corajosos, isto é uma vida de trabalho e de estudo.” [ [9]

Com o intuito de propor, nesta breve reflexão, uma maior diversidade de pontos de vista, lançámos duas questões (que nos parecem resumir boa parte das preocupações aqui apontadas) a três artistas-professores de renome internacional, com os quais temos mantido uma saudável correspondência, baseada na partilha da condição de artista-professor. São eles, Dan Coombs (n.1971, tem ensinado em várias escolas e universidades, entre as quais a Haute ecole d'art et de design, Geneva; Wimbledon College of Art, Londres; Slade School of Fine Art, Londres; The Ruskin School of Art, Oxford University e Turps Banana Art School, Londres), Neal Tait (n.1965, é Painting Associate Lecturer na Wimbledon College of Arts, Londres; visiting lecturer no Royal College of Art, Londres e em The Ruskin School of Art, Oxford University e tutor na Turps Banana Art School, Londres) e Markus Vater (n. 1970, tem ensinado em várias escolas e universidades, entre as quais: Hamburg Art Academy, Hamburgo; Royal College of Art, Londres; Staatliche Akademie der Bildenden Künste, Karlsruhe). Perguntámos aos três se, nas suas aulas, era dado mais espaço a assuntos técnicos ou a questões conceptuais e de que modo a condição

42 de pintor tem influência sobre o papel de professor. As respostas são as que se seguem:

Dan Coombs In a painting neither technique or concept are enough. The artist has to find the form, and that is what dictates the nature of the painting. Form is connection to the subject. So technique and concept are both put to the service of finding the form. Its form that allows the painting to have no meaning. Meaning often has to be suppressed. As I'm painting I have ideas- about painting, and other things.. When I’m teaching to keep the teaching fresh , I try to stay in the moment , like I do when I'm painting .I tend to talk about things off the top of my head , but these interpretations are full of the most recent ideas.

Neal Tait I think most artists who teach on a regular basis are continually asking themselves these things in an attempt to better understand why they are doing what they do- both being an artist and teaching- in the first place. I'm more interested in finding out about a persons ideas -taking things from there it would be to discuss how those ideas might be best realised- for instance if someone is struggling with a painting there might then be the question of could this idea be dealt with more effectively in another way or medium entirely. Mastery of a particular medium could be nothing more than technical exercise or an academic dead end.

To this I would say that I have found that when I have to clarify my thoughts and ideas to make them in any way 'useable' for someone else I am forced to listen to things that I actually need to say to myself. Since teaching always brings me into contact with other people's ideas I find I am continually having to re-adjust my sense of what or might not be interesting (as art). This only ever seems to be a good thing- it certainly keeps you on your toes and helps to keep your own thoughts 'open' and receptive.

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Markus Vater To talk about conceptual issues is a more stimulating and interesting activity and at times can be seductive. As concepts are part of a verbal universe they lent themselves easily to conversation. Often too easily. I try to keep this in mind when I look at paintings. In the end it really depends on the student and the work itself. During a crit I try to open up as many boxes as possible based on my physical response, my emotional response, my intellectual response to the work: including brushstroke, size, color activities, historical role models, consistency of paint, ideas, motivation, self-awareness, relevance, imagination, context. All these aspects wrestle with each other, pull on the same string. They need each other. Even highly conceptual works need a choice of technic, have to have the right balance and execution to be convincing. All works will have a physical encounter with the viewer and the aspects of the encounter have to be considered. I think the most important thing I try to teach is awareness. So that the student really sees and feels what is happening in front of her/him. At the same time this awareness doesn’t make a work. So the making of it, the physical making needs attention. Small things like the fluidity of paint or the brushes used can change a work massively for the better.

Antes de terminar, queremos deixar mais um testemunho em forma de questionário. Desta feita, a questão é colocada à artista-professora Amy Sillman:

How important is it for artists today to learn the technical disciplines of life drawing and other traditional modes of academic training? That depends on the world that you're going to be in, because the art world is big and art training is pretty vast. There are whole worlds of people who need to learn how to draw, and then there are whole worlds of people who never need to pick up a pencil—it depends on what field you want to get into, and both approaches are totally reasonable. [10]

À laia de conclusão, dizemos apenas que não tem de ser a escola a

44 ensinar tudo o que há para saber, mas pode ser ela a suscitar o interesse e a curiosidade de mais aprender e mais conhecer. Ou seja, nem todos os conhecimentos necessitam de ser alvo de avaliação e aprovação académica. Aqui, com certeza, a bola fica do lado do professor que, com habilidade, deverá ser capaz de despertar a curiosidade dos que querem aprender. Mas não será, como é evidente, ele o único a arcar com as responsabilidades. Em última instância, será ao aluno que cabe o papel principal, pois é ele (e a sua curiosidade) o protagonista desta peça. Na escola, como na arte, como na vida, há coisas que não se ensinam e só as encontra quem por elas procura. Mas a escola pode e deve ensinar a procurar.

References [1]. Alberti, Leon Battista, On painting, ed. Penguin Books, Londres, (2004) [2]. Blunt, Anthony, La teoría de las artes en Italia 1450-1600, ed. Ediciones Cátedra, Madrid, pp 38, (2003) [3]. Blunt, Anthony, La teoría de las artes en Italia 1450-1600, ed. Ediciones Cátedra, Madrid, pp 79, (2003) [4]. Calado, Margarida et al., Investigação em Arte – Uma floresta muitos caminhos, ed. CIEBA-Faculdade de Belas Artes Universidade de Lisboa, Lisboa, (2010) [5].Carlos, Isabel et al., Professores, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, (2010) [6]. Wolf, Justin, [Consult. 15 Mar. 2017], Disponível na internet: http://www.theartstory.org/school-hofmann.htm [7]. Canier, Caren, [Consult. 15 Mar. 2017], Disponível na internet: http://paintingperceptions.com/memories-of-philip-guston/ [8]. Batarda, Eduardo, Entrevista publicada na revista Pública a 8 de Outubro de 2006, ed. Jornal Público, Lisboa, (2006) [9]. Matos, Eduarado et al., Professores, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, (2010) [10]. Goldstein, Andrew M., [Consult. 15 Mar. 2017], Disponível na internet: http://www.artspace.com/magazine/interviews_features/qa/amy_sillman_interview- 52042

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A PINTURA COMO UM MEDIADOR SOCIAL, LEVANTANDO QUESTÃO SOBRE O PAPEL DE PINTAR NUM CONTEXTO SOCIOCULTURAL

FBAUP, Porto, Portugal [email protected]

Keywords: Terapia Artística, desenho e pintura, inclusão social, vivência quotidiana

Abstract

Terapia Artística é um caminho que utiliza o desenho, a pintura e/ou a modelagem e outros, como meio de despertar e apoiar processos de transformação e tratamento. Este caminho é concretizado a partir da observação dos efeitos dos trabalhos realizados na melhoria dos pacientes. Fundamentada na visão artística, médica e terapêutica, a Ciência Refletiva foi concebida por Rudolf Steiner e começou a ser desenvolvida e aplicada em várias instituições, um pouco por todo o mundo. Após um período de declínio tem sido recuperada lentamente com algumas reservas e divergências. Apesar dos constrangimentos existentes no funcionamento dos hospitais, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) área de Psiquiatria B - internamento homens, avançou com o projeto: “melhoria contínua da qualidade dos cuidados de enfermagem”. A concretização deste projeto incluiu a atividade de lecionar Desenho e Pintura enquadrada pela temática “A Arte Contemporânea voltada às verdades do inconsciente e interessada pela reconstrução da sociedade”. Ao longo das seções designadas de terapia “procedimento”, o mesmo é norteado, caso a caso, tendo em conta a idade, constituição, temperamento, carácter e momento biográfico. O seu foco está na vivência criativa do traço, da cor e das formas onde o resultado final é pouco relevante em termos de obtenção de obras de cariz artístico. O intuito do presente projeto focaliza-se em abrir espaço ao ânimo, conduzindo à transformação interior, apoiando desequilíbrios causados pelas doenças psíquicas e relacionadas,

46 revelando-se um meio terapêutico por excelência. Neste contexto o ser humano desenvolve o seu mundo interior, com seus pensamentos, sentimentos e vontades. Através da admiração pelo que criou, reequilibra as forças interiores e estabelece uma relação saudável entre si e o mundo que o rodeia.…. Mediante a utilização de um questionário, foi possível observar a contribuição dos trabalhos realizados na ressocialização do ser humano e sua considerável importância. Também pôde ser verificada a inclusão de pessoas que por algum motivo se autoexcluíram ou foram excluídas da vivência quotidiana na sociedade, contando com a cooperação da Instituição.

1. Introdução

A pintura-terapia/Arte-terapia é um modelo de terapia que consiste na utilização da arte na expressão plástica e é atualmente uma ferramenta muito solicitada com benefícios inquestionáveis para a saúde, independentemente da idade ou doença de que se padeça ou não. De salientar que separadamente de se ter problemas terapêuticos, a Arte- terapia é uma técnica de desenvolvimento pessoal e uma disciplina através da criação artística, de autoconhecimento e de expressão emocional. Portanto não é necessário possuir qualquer trastorno psicológico, mas simplesmente sentir a necessidade de se exprimir através da arte/criação artística.

2. Implementação

2.1. 1º Encontro

A convite do Corpo Clinico do Hospital de Dia de Psiquiatria (CHUC) em 1987 com o objetivo de dinamizar “uma das áreas mais sensíveis desta unidade”, no dizer da Responsável pelo Hospital de Dia de Psiquiatria. Neste contexto e a título experimental e de investigação deu-se início às sessões, nas suas mais diversas vertentes em que se destacam (desenho

47 e pintura com finalidade terapêutica. Os objetivos destas sessões eram os de estimular os sentidos, libertar as mentes e servir de suporte à criatividade, com a noção consensual de que o desenho e a pintura revelar-se-iam como “uma forma de terapia que ajudaria as pessoas com doenças psíquicas a expressarem as suas emoções e afetos, levando-as a exteriorizar um sentir e pensar que muitas vezes não é possível revelar por palavras.

Os utentes manifestaram interesse em participar e revelaram ter determinação e espectativa que suscita uma nova atividade, “apetência psicopatológica” De acordo com o referido pelo Corpo Clinico. No entanto não estavam em condições de retomar a sua rotina diária normal”. São jovens e adultos que, estando diagnosticados com doenças psiquiátricas, já estabilizadas, demonstram uma capacidade relacional e de integração social ainda reduzida, além de apresentarem dificuldades frequentes nas suas práticas diárias na gestão do seu espaço habitacional e no exercício de ocupações profissionais e outras. Estes pacientes têm sim uma doença psíquica, são pessoas que têm de sentir que são capazes de experimentar algo dignificante, agradável e benéfico. A participação nestas atividades reforça seriamente a autoconfiança e a autoestima das pessoas envolvidas. Reforça ainda a ideia de que esta atividade experimental e de investigação através das Artes Plásticas, (Desenho e Pintura) não é uma realidade tão exígua como por vezes se pretende levar a pensar. De facto, 35% da população portuguesa sofre de doenças mentais/psiquiátricas, algumas mais leves como a depressão e a ansiedade, e outras mais graves, mas nenhuma delas pode ser subvalorizada. Perante o panorama narrado, a cooperação que proporciona aos doentes psiquiátricos a oportunidade de desenvolverem atividades com artes plásticas foi estabelecida entre o Hospital de Dia de Psiquiatria (CHUC) em 1987, e um pintor de artes plásticas como colaborador e dinamizador despojado de qualquer interesse pessoal que não fosse única e simplesmente o intuito experimentação e de investigação. Celebrou-se por essa data a comemoração do 1ºAno do Funcionamento da Unidade citada). A mesma foi iniciada de imediato com um significativo grupo de utentes e com a duração de dois Anos.

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Para iniciar e participar nessa experiência criativa, foram necessários os seguintes requisitos:

1. Espaço de trabalho / sala de lazer. 2. Intenção e gosto pelas artes plásticas. 3. Papel ou outro tipo de suporte, os utêncilios e as mãos. 4. Cores tintas artezanais compostas por pigmentos e aglutinantes. 5. Alguns mecenas anonimos na doação de materiais.

A atividade concretizou-se com musica de fundo suave não perturbadora, modo de meditação e dando a possibilidada de interação dos utentes. Deu-se muito apoio e atenção à reação de cada um, perante o contato com o papel ou outro tipo de suporte e às cores. As imagens iam surgindo. Do fruto, das ideias, ficará o procedimento, a palavra, a emoção, a memória, o problema, o bloqueio, a sensatez e a aceitação? A maioria dos utentes "apresentou um significativo potencial criativo", pelo que, conjugando esse fator com a sua integração na sociedade, os utentes poderão "dar à sua vida um significado que antes não tinha".

Por altura de 1987 o termo ou denominação de pintura-terapia e o que ela era ou é sentiu-se indefenido? Agora podemos dizer que é uma experiência para apoiar e complementar a psicoterapia, uma ferramenta criativa e plástica. É chamada de pintura-terapia e é uma solicitação ao diálogo com o “EU” do utente e com o mundo através da criatividade. A criatividade não é só o mundo de artistas ou cientistas. Todos podem percorrer por esse Universo e descobrir habilidades desconhecidas. O ato de pintar aproxima-nos da nossa realidade e experiência mais íntima. Quem não sentiu certa tensão perante um papel em branco? Conhecemos a sensação "E agora? Que faço? Como início?" está também? [9]. O suporte branco tela papel cartolina ou outros, qualquer um deles aguarda por ser preenchido com desenhos figuras e cores oriundas da imaginação.

Perante estes factos foi feita uma analise global de dados de caracter confidencial de identificação dos utentes. Concluindo-se que a “Terapia pela Arte” (Desenho e Pintura) mostrou-se proficua, encontrando-se

49 alguns dos trabalhos criados, expostos ao longo dos corredores desta unidade, não como obras de arte mas como habilidades alcançadas.Tendo em conta a satisfação e o bem estar que os utentes manifestaram, e à sua integração social.

Quanto à matéria que não nos compete avaliar, detiveram a constante acessão do Corpo Clínico; Pintar também pode curar e aliviar. Permite- nos reconhecer as partes negadas e temidas. Com a pintura-terapia, é possível nomear aquilo que ainda não está nomeado. Funciona como um remédio eficaz. Além disso, não comporta efeitos adversos. Foi constatação final ser saudável e benéfica na proporção de 85% nas seguintes situações patológicas, tais como (Fig 2):

Fig. 1 Alguns trabalhos que foram expostos no Hospital de Dia de Psiquiatria (CHUC)

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Fig.2. Patologias do Hospital de Dia de Psiquiatria (CHUC) 987/1988

2.2. 2º Encontro

Este trabalho de cariz experimental e de investigação ficou latente na memória de elementos que fizeram parte da equipa clínica do projeto anteriormente referido. Este factor levou a que 26 anos depois surgisse novo convite desta vez para integrar um projeto de Melhoria Continuada da Qualidade dos Cuidados de Enfermagem com a designação “Terapia pela arte (Desenho e Pintura) em contexto psiquiátrico: experiências da pessoa em fase aguda da doença”, tendo o plano como horizonte temporal - início de Outubro de 2015 términus Outubro de 2017 com eventual prolongamento.

Nesta conjuntura e a título experimental e de investigação deu-se início às sessões, nas suas diversas vertentes com destaque para Desenho e Pintura, tendo como colaborador e dinamizador um pintor de artes plásticas, despojado de qualquer interesse pessoal que não fosse única e simplesmente o intuito de experimentação e investigação. Estas sessões, com uma finalidade terapêutica, apresentaram como objetivos traçar as experiências das pessoas doentes em contexto psiquiátrico, em fase

51 aguda da doença e analisar os significados atribuídos pelas pessoas doentes, à sua expressão através do desenho e da pintura realizada durante o seu internamento tendo em conta a idade, os diagnósticos médico/enfermagem, o período de internamento e ainda avaliar os efeitos do programa relativos às mudanças intrínsecas à avaliação dos indicadores emocionais, ansiedade, depressão e bem-estar psicológico, contrariar a vivência de tédio e de inatividade. As avaliações citadas são competência do coletivo de Enfermagem. Com este programa, espera- se proporcionar o bem-estar sócio emocional dos doentes e a autoexpressão criativa pelo desenho e pintura.

Da nossa parte há vontade de aprender, crescer e amadurecer para poder minimizar nas pessoas . Dificuldades emocionais, sintomas edoenças mentais, psicossomáticas, genéticas, ambientais e mentais que geram muito sofrimento.

Sabe-se pela experiência pessoal anterior que a pintura-terapia proporciona excelentes benefícios: A arte, em todas as suas manifestações, não é apenas um modo de expressão, mas uma ferramenta terapêutica que, nos últimos anos, sofreu uma evolução significativa, e é aplicada como uma terapia alternativa em diversas doenças. Cada dia mais experiências suportam essa afirmação. Executar, envolvendo pessoas. O processo criativo facilita a expressão oral, emocional e cognitiva e permite dar voz ao desconforto interno dos utentes. Explicaram os Coordenadores do Projeto, do Centro Hospitalar de Internamento os CHUC em Psiquiatria B internamento homens. Esta unidade de saúde continua a apostar nesta terapia para inserir os doentes na sociedade.

Atualmente é importante que cada Unidade/Serviço instaure um programa de adesão à terapêutica, sendo necessária a colaboração de todos os elementos da equipa multidisciplinar enfermeiros e estudantes

52 de enfermagem. Assim, os enfermeiros como elementos desta e preocupados com a implementação e continuidade destes programas, cuja finalidade é minimizar ou solucionar a problemática da não adesão terapêutica por parte dos doentes mentais, consideram fundamental o envolvimento da enfermagem, como colaborador ativo entre toda a equipa na negociação e estabelecimento de estratégias eficazes a esta adesão. Na base da amostra recolhida no intuito de avaliar só e simplesmente o respeitante à atuação como artista plástico e colaborador, o gráfico aqui contido (Fig. 3) é indicativo inequívoco dos resultados obtidos.

O ato de pintar é surpreendente: Quando se dá cor e são criadas formas e imagens, em seguida, a transformação ocorre porque o trabalho contém em si próprio uma linguagem, uma história. O processo criativo facilita a expressão oral, emocional e cognitiva, e permite dar voz ao desconforto interno, dar à sua vida um sentido que anteriormente não tinha. [9]

A problemática do relato anterior está na parafernália do muito que se fala em fazer terapia, Arte terapia, pintura-terapia, análise, psicoterapia... Psicólogos, psiquiatras, terapeutas etc., mas muitos termos confundem e acaba-se sem saber de concreto o que cada um faz e qual a sua função real e a quem recorrer.

O Psiquiatra é um profissional formado em Medicina, na Universidade está competente a tratar das causas orgânicas que causam transtornos psiquiátricos e que devem ser tratadas com medicamentos, os quais só o médico pode prescrever.

O Psicólogo é um profissional formado em Psicologia, na Universidade está habilitado a tratar de problemas e questões emocionais e

53 psicológicas e a ajudar na sua resolução e noção dos conflitos, obstáculos e dificuldades que muitas vezes temos nas nossas vidas.

O Psicanalista ao oposto do que muitos pensam não é uma profissão, é uma especialização numa linha de pensamento, tanto um psicólogo, como um médico de qualquer área e não necessariamente um psiquiatra, podem após um curso sobre psicanálise, tornarem-se psicanalistas.

Psicoterapeuta é um termo ainda mais indeterminado, pois traduzindo deveria significar, aplicação de terapia psicológica, ou seja, frequentar um psicólogo é fazer psicoterapia?

Fig. 3 Resultados alcançados - período 2015/2017

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Fig. 4 É Natal. A família. A arte liberta

Dá-se como exemplo, terapeutas de florais de Bach, de shiatsu, de constelações familiares, de bioenergética de arte-terapia, etc. O psicólogo e o psiquiatra podem também ser terapeutas quando cursam uma especialização, que são cursos de formação específicos e tem durabilidade variável. O Terapeuta é outro termo que causar enorme confusão pela variedade que traz. O terapeuta não é forçosamente um psicólogo ou um psiquiatra, é alguém que através de um curso de formação em uma técnica terapêutica específica se torna apto a exercer aquela técnica.

A pintura-terapia/Arte-terapia é um modelo de terapia que consiste na utilização da arte e da expressão plástica e é atualmente uma ferramenta muito solicitada com benefícios inquestionáveis para a saúde, independentemente da idade ou doença de que se padeça.

Perante este panorama as pessoas que dizem ir ao psicanalista, poderiam dizer que vão ao comportamentalista, ao humanista ou ao construtivista, existem muitas linhas de pensamento que sozinhas não constituem uma profissão.

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“Nunca dantes se deu tanta importância ao culto do corpo, da imagem pessoal, com propósitos não apenas de manutenção, mas principalmente de afirmação individual, de acentuação das diferenças. Nunca em cidades superpovoadas, tanta gente viveu tão só, gerindo, num equilíbrio muitas vezes precário, solidão e narcisismo, relegando para o plano dos irrealismos as formas mais desinteressadas de consideração pelos outros e de solidariedade. Aqui também o papel dos criadores poderá dilatar-se, quer numa perspetival da vivência individualizada e das questões por resolver que dai resultam, quer no alargamento das possibilidades de ressurgimento coletivo da participação, da consciência, da responsabilidade no encontro solidário. ” [10]

3. Conclusão

Como anteriormente referido, há a salientar que independentemente de se ter meramente problemas terapêuticos, a Arte-terapia é uma técnica de desenvolvimento pessoal e uma disciplina através da criação artística, de autoconhecimento e de expressão emocional. Portanto não é necessário possuir qualquer trastorno psicológico, mas simplesmente sentir a necessidade de se exprimir através da arte/criação artística e nesta perspetival orientar as pessoas no caminho escolar para as Belas- artes. É aqui que reside a problemática, pois é entendimento do autor que tal como o Psiquiatra e o Psicólogo, o Arte-terapeuta deve ter a sua formação em Artes-Plásticas na Universidade e o seu trabalho deve ser realizado a partir da sua formação em, que através de um curso de formação contínua ou outra disciplina específica académica para assim se tornar apto a exercer a sua técnica terapêutica, pelo fato de ser uma ferramenta criativa e plástica tendo em foco de entre outras três componentes; o saber fazer a psicologia e sociologia da arte.

“É belo o que provém da alma." (Vassily Kandinsky)

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O tema insere-se na temática: Arte Moderna em termos genéricos ao usar a produção dos doentes de Psiquiatria. Em Portugal existe uma coleção de Arte Bruta, do Hospital Miguel Bombarda, com "grande valor histórico"? Darger é hoje visto como um dos mais desconcertantes artistas no campo da Outsider Art ou Arte Bruta e está atualmente reunida no museu Coleção de Arte Bruta de Lausanne, Suíça., dizem os peritos. Ao artístico do fim do Século XIX até meados do Século XX dos anos 1970 (embora não haja consenso sobre essas datas), a produção mais recente da arte é chamada frequentemente de arte contemporânea (alguns preferem chamar de arte pós-moderna). A arte moderna refere-se a uma nova abordagem da arte num momento no qual não era importante que ela representasse literalmente um assunto ou objeto (através da pintura do desenho e da escultura) a muitos destes artistas foram dadas conotações psíquicas, o aparecimento da fotografia fez com que houvesse uma diminuição forte na busca por certos meios artísticos tradicionais, a pintura especialmente. Ao inverso disso, e é aí que a ideia de moderno começa a tomar forma, os artistas passam a experimentar novas visões, através de ideias inéditas sobre a natureza, os materiais e as funções da arte, e com frequência caminhando em direção à abstração. Assim a noção de arte moderna está intimamente relacionada com o modernismo, os Artistas não são locos ou doentes mentais, são Profissionais das Artes estas tarefas pertence-lhes e é dever resgata-las.

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Fig. 5 Vem da alma. Estou melhor. A arte libertou-me Fig. 6 O que não devemos fazer. Desistir.

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Agradecimentos Aos serviços CHUC – Hospital de Dia de Psiquiatria e ao Centro de Responsabilidade Integrada de Psiquiatria e Saúde Mental, pelos convites e o desafio propostos. Os mesmos levaram-me à realização desta reflexão.

References [1]. Angela Philippini: arteterapia; Métodos, Projetos e Processos. Wak editora (2007) [2]. Moreira, J.J; Almeida, S.B.; Santana, V.S.; Lima, I.S.B.; Silva, J.P.X. A arte como recurso terapêutico em pacientes com transtornos mentais. Id on-line Revista de Psicologia, Fevereiro de 2012, vol. 1, n.13, pp.06-10.ISSN 1981-1189 [3]. ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. Tradução Denise Bottmann, Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, (1992). xxiv, 709 p., il. color. [4]. Adrian Hill, Arte versus doença (1945) Londres: George Allen e Unwin. [5]. António Quadros Ferreira, Ideia de Arte Associação de estudantes de artes plásticas e design; AEAP, ESBA Junho de (1987) 1ª edição. [6]. Abel Salazar; Professor, Que é a Arte?; 2ª Edição. Arménio Amado, Editor – Coimbra. [7]. Carla Alexandra Gonçalves, Para uma Introdução à Sociologia da Arte. Madrid: Bubok Publishing, (2010) [ISBN: 978-84-9916-591-2 [8]. Raquel Reis; S.40569.0 Áreas Temáticas 2680 Universidade Aberta Portugal [9]. Publicado em Clínica geral; Redação Saluspot – https://pt-saluspot.com/, 6 de Junho de (2014) [10]. Didáctica da Educação Visual; Rocha de Sousa Coordenador. Pag.212/213; Universidade Aberta de Portugal

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OS ESPAÇOS IN BETWEEN DA PINTURA HÍBRIDA

Instituto Politécnico de Portalegre, CIEBA, Portugal [email protected]

Keywords: multiculturalismo, pintura, terceiro espaço, entre espaço, espaço intersticial, espaço in between

Abstract

As dinâmicas culturais e artísticas transnacionais confirmam a intensidade dos processos de globalização. Os artistas munidos das suas identidades culturais confrontam-se com as realidades do deslocamento geográfico. São nas respostas e no modo como os artistas reagem e produzem obra, quer oriundos da América Latina, de Espanha, quer do Médio Oriente, que encontramos o seu posicionamento de in between, intrinsecamente contido na criação pictórica híbrida.

Os entre espaços, os espaços in between

Néstor García Canclini observa e regista o processo artístico face às dinâmicas do multiculturalismo, no espaço global, com Antoni Muntadas (n. 1942, Barcelona), Luís Felipe Noé (n. 1933, Argentina) e Alfredo Jaar (n. 1956, Chile). Canclini [1, 2] refere que para Muntadas o artista é um tradutor entre linguagens, o que desconstrói os sistemas de tradução e as suas operações de fingimento, sendo a obra Words: The Press Conference Room (1991)(1), ilustrativa da ideia. O seu objetivo é ridicularizar uma sala de conferências políticas, propondo a ligação ou a

60 ausência de conexão entre o político (ausente do círculo luminoso frente aos microfones) e o público (identificado por folhas de jornais e cadeiras), que se encontra entre o pódio e o écran televisivo: o político sem audiência e um discurso televisivo aceite com desconfiança. De Muntadas elegemos a exposição Entre/Between, no Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (2011) e CAM-Fundação Calouste Gulbenkian (2012), composta por nove constelações temáticas: Microspaces, Media landscape, Spheres of power, Public territories, Spectacle spaces, The construction of fear, Scopes of translation, The archive e Systems of art. Esta exposição apresenta uma leitura complexa, exaustiva e não linear do processo artístico de Antoni Muntadas. A curadora, Daina Augaitis refere: A exposição intitula-se “Muntadas. Entre/Between” porque Muntadas ocupa o espaço do que está “entre”. Muntadas mantem-se afastado de determinadas posições, situações ou ideias. Isso dá-lhe uma perspetiva do exterior sobre as grandes ideias políticas e culturais do nosso tempo. Esta é a sua verdadeira investigação artística (...). Between é também um espaço de possibilidades, não é isto nem aquilo, porque a sua obra não pretende ser conclusiva nem oferecer soluções específicas. Ela ocupa esse espaço intermédio, apontando algo, deixando para o espetador a decisão final.[3] Para Elena Rossi a mesma exposição, a partir da Vancouver Art Gallery (2), em 2014, organiza-se por territórios que tomam forma a partir de configurações temáticas fundidas numa narrativa hipertextual não linear, [4](3) onde se confrontam o público e o privado, a obra e o espetador, o curador e o artista, a obra e o museu, dando origem ao entre espaço, ao in between. Judith R. Kirshner menciona a obra de Muntadas como uma alternância fluente entre a linguagem e o discurso, entre a sociologia e a antropologia, entre o orador e a audiência, entre o olhar e o ler. O vídeo é um instrumento de comunicação e crítica, como acontece na obra Between the Frames (1983-1991), (4) para a qual Muntadas compilou cerca de 120 entrevistas videogravadas com colecionadores, marchands, críticos, professores, com as entidades que compõem o mundo da arte. Esta coleção com oito capítulos é também uma instalação intitulada Between the Frames: The Forum [5]. Em Muntadas damos conta da noção

61 de entre espaços (in between) permitindo percepcionar os espaços entre as diferentes obras ou constelações, [6](6) numa leitura não linear dos projetos expositivos como acontece na exposição Muntadas. Entre/Between. A mesma terminologia between é aplicada a Between the Lines (1979) e em Between the Frames (1983-1991), estabelecendo a dinâmica entre os fatores/entidades chamados à confrontação, ao que ficou por dizer e à manipulação dos média. García Canclini dá-nos conta de um segundo artista, Luís Felipe Noé, trabalhando as questões da identidade, das fronteiras, dos passaportes e de uma estética que não necessita passaportes, mas é na pintura Introducción a la Esperanza (1963), que encontramos novamente a noção de entre espaços. A pintura é constituída por fragmentos, que criam tensões e originam espaços de passagem, os entre espaços – in between –, que para Canclini expressam a multiplicidade e a dispersão de culturas. García Canclini remete-nos para um outro artista, Alfredo Jaar que, de um ponto de vista conceptual se apropria do objeto passaporte para colocar em questão as problemáticas da emigração, da possibilidade/impossibilidade de emigrar. Numa primeira obra Two or three things I imagine about them (1992), Jaar cria o passaporte chileno: uma cópia do passaporte chileno em simultâneo com mapas turísticos do Brasil, da Nigéria e de Hong- Kong; no interior dos mapas encontram-se fotografias, em grande formato, de habitantes da Nigéria, do Brasil e um campo de refugiados nos subúrbios de Hong-Kong. No mapa, uma única frase: Geography above all serves the purpose of war (7). Esta obra em formato de passaporte, com as capas normalizadas, sem carimbos de entrada ou de saída, onde cada página ilustra uma fronteira em arame farpado, iluminação de vigilância e a inscrição Abriendo nuevas puertas, em várias línguas [7]. Numa outra obra, uma instalação com o título One Million Finnish Passports (1995)(8), Jaar denuncia o governo finlandês sobre as medidas de bloqueio/interdição de emigrantes no país. Para Jaar o passaporte prende as pessoas ao seu local de origem, situação que nem sempre é possível modificar. O passaporte é, pode ser, um caminho de saída ou

62 de bloqueio, um entrave, uma impossibilidade: é uma metáfora para os indivíduos do tempo do multiculturalismo; para os artistas indica a ausência de uma cultura própria. Segundo Jaar os artistas movem-se entre - in between -, nos interstícios das culturas, nas suas falhas/brechas/fraturas, nas margens, sempre em trânsito. O passaporte, a identidade de origem pode assumir, por outro lado, uma parte integrante do processo artístico, implicado pelo cruzamento de culturas, a de origem e a de acolhimento e é o momento onde se define o território híbrido.

O espaço intersticial em Shahzia Sikander

Shahzia Sikander (n. 1969, Lahore, Paquistão) desenvolve a sua obra a partir da reinterpretação das miniaturas Mughal (séculos XVI-XIX), no Colégio Nacional das Artes em Lahore (1992); completa os seus estudos na Escola de Arte e Design de Rhode Island (1995) e estabelece o seu estúdio em Nova Iorque. Como mulher e como muçulmana a viver nos Estados Unidos da América, Sikander transporta para a sua obra duas civilizações/ duas culturas - o Médio Oriente e o Ocidente -, num processo autobiográfico. A sua obra resulta do entrelaçamento das duas formas de conhecimento, dando preponderância ao desenho que se propaga e se transforma em pintura, em animação digital como SpiNN (2003), Pursuit Curve (2004), The Last Post (2010), Parallax (2013), Gopi-Contagion (2015), em vitral e em mosaico por solicitação do Princeton University Art Museum (2016) [8, 9](9). A sua obra, começando pelo estudo e reinterpretação/tradução das miniaturas Mughal, de origem indo-persa, enceta já em si uma identidade híbrida. As camadas palimpsésticas da pintura de Shahzia Sikander conjugam formas e cultura do Médio Oriente com a arte ocidental, com referência ao modernismo, e também com uma forte ligação a Sigmar Polke, aos desenhos pixelizados de Sigmar Polke. É no resultado desta confluência pictórica e cultural que Homi Bhabha nos fornece elementos para melhor ver a obra de Shahzia Sikander, através da noção de terceiro espaço,

63 intrinsecamente ligada ao conceito de hibridação/hibridismo cultural: (…) para mim [Bhabha] a importância da hibridação não é ser capaz de rastrear os dois momentos originais dos quais emerge um terceiro, para mim a hibridação é o “terceiro espaço”, que permite a outras posições emergir. Este terceiro espaço desloca as histórias que o constituem e gera novas estruturas de autoridade, novas iniciativas políticas, que são inadequadamente compreendidas através do saber recebido [10] (10). O terceiro espaço encontra-se implícito no processo criativo de Sikander: ele projeta duas realidades/culturas consideradas como antagónicas, obtendo como resultado uma nova ou várias novas realidades. No plano pictórico os espaços intersticiais, os espaços in between surgem através do tempo e do espaço que necessitamos para as assimilar, para tentar ligar/conectar essas mesmas formas antagónicas. Na obra Spaces in Between (1996), Sikander vai de encontro à ideia de terceiro espaço de Homi Bhabha, um espaço sem hierarquias, um espaço de trocas, um espaço de diálogo. Anneke Schlenberg propõe para esta obra a qualidade/condição de in-betweenness, configurando um véu branco em tiras, flutuante, colocado ao centro, estabelecendo a ligação entre um retângulo branco e uma forma circular em verde, rosa, amarelo, castanho, preto e branco [11](11). A esta leitura podemos acrescentar que o véu branco, recorrente em várias obras, corresponde a véus que cobrem figuras femininas, figuras de deusas, por contraste com a ideia da burca negra como imagem da submissão feminina muçulmana. O véu branco em filamentos é representado em obras como Separate Working Things II (1993-1995), Veil ‘n’ Trail (1997), Who’s Veiled Anyway? (1994-1997), num questionamento acerca da identidade feminina, das culturas muçulmanas e de estereótipos culturais. Sob o retângulo branco prefigura-se um desenho, assim como uma forma animal - gazela -, ao centro, num movimento de torsão desesperado. Para Sikander a noção do terceiro espaço, do third space de Homi Bhabha acompanha a sua criação, como refere: (...) the device for me is to invent the interstitial space. It is the gap, the silence, the break, the lacuna that acts as a foil to the narrative implicit in time. This particular idea has been at the core of

64 my investigation, drawing on references from Homi Bhabha’s “third space” to pos- structuralist de-centred space; to political space, to transgressive space, to the space of the ideal, the fantastical, the subliminal. [12](12) Numa entrevista com Ian Berry, em 2003, a obra de Shahzia Sikander é referida como: her work teases the boundaries imposed by time, gender, religion, and culture [13]. Quando Sikander é confrontada acerca do seu posicionamento face ao feminismo ela responde que o seu discurso se encontra fora dos cânones, contrapondo com as seguintes questões: What is cultural imperialismo? What is essentialism? What was the representation of the other? Could representation exist outside of the binary oppositions? What could be the third space, the in between space? [13](13) Se este lugar de in between é transversal na sua obra, ele torna-se mais evidente em Interstitial: 24 Faces and 25th Frame, de 2008 (Daadgalerie-Berlim e Ikon Gallery- Birmingham)(14), obra composta por um vídeo e 12 desenhos/retratos de monges budistas do Laos, integrando a exposição que se intitulou Shahzia Sikander, Intimate Ambivalence. Na entrevista de Fereshteh Daftari a Sikander para o catálogo, esta expõe: Ambivalence as an open-ended attitude, as an impetus towards opposite directions, can be conceived of as a third space too. Another way to highlight this is through a split, a division, which creates the interim, the interstice, the pause, the interval, the separation between two points. An example is a new video work titled Interstitial (2008). Here images of two novices merge and separate in a time frame I call interstitial – the gap between two positions.[12](15) É este o momento em que se torna claro o resultado da picturalidade híbrida. Tomando os frames do vídeo de Sikander, onde uma imagem possui a mesma forma em semi-sobreposição, mas em posições diferenciadas dando origem a um tempo e a um espaço necessários, o espaço in between, o espaço intersticial, para conectar estas formas. Este é o processo de leitura que transpomos para a pintura com qualidades híbridas. Shahzia Sikander revela ao longo da sua obra uma incessante necessidade de colocar dois mundos a par, o Ocidente e o Oriente, deixando-nos o espaço necessário, o espaço in between, o espaço intersticial, para nele surgir uma leitura sem preconceitos e sem

65 estereótipos. Shahzia Sikander coloca-nos perante o puzzle do que é o Oriente, o que é o Ocidente numa tentativa de reconciliação. São autores como Muntadas, Noé, Jaar e Sikander que expõem e desvendam as camadas do multiculturalismo, da transnacionalidade, da nacionalidade ou da sua renúncia, da identidade, da cultura, defendendo a existência dos espaços intersticiais, dos espaços in between, dos espaços da criação e porque não, dos espaços de liberdade. Se transpusermos esta visão para o plano pictórico vamos encontrar nas pinturas de Noé e de Sikander o reflexo da dispersão de culturas, do cruzamento de culturas, que ao estabelecerem entre si um diálogo provocam espaços assumidos como intersticiais. São os espaços intersticiais, os espaços in between, intrínsecos à pintura híbrida que a projetam para além da condição de pintura colagista.

Notas (1) Canclini, N. G. (2002). Canclini, N. G. (2009). (2) Augaitis, D. (2012). Muntadas. Entre/Between. Transcrição da autora. (3) Rossi, E. G. (2014). Antoni Muntadas. Entre/Between. Tradução da autora. (4) “Between the frames” is a séries of eight chapters about people and institutions located between the artist and the audience, lê-se no écran,https://vimeo.com/32053945. Este projeto é composto pelos seguintes capítulos: The Dealers: Between the Frames, Chapter 1; The Collectors: Between the Frames, Chapter 2; The Galleries: Between the Frames, Chapter 3; The Museum: Between the Frames, Chapter 4; The Docents: Between the Frames, Chapter 5; The Critics: Between the Frames, Chapter 6; The Media: Between the Frames, Chapter 7; Epilogue: Between the Frames, Chapter 8. (5) Kirshner, J. R. (s.d.). The Works of Muntadas. (6) Mattos, M. S. (s. d.). No sentido adorniano: o conhecimento do objeto em sua constelação é o conhecimento do processo que ele acumula em si, p. 142. (7) A Geografia acima de tudo serve o propósito da guerra. Tradução da autora. (8) Jonsson, S. (2008). (9)Princeton University Art Museum (2016). (10) Rutherford, J. (1990), pp. 36-37. (11) Schulenberg, A. (2015). Tradução da autora. (12) Daftari, F. (2008), p. 58. (13) Berry, I., Hough, J. (2003), p. 5. (14) Idem, p. 8. (15) Daftari, F. (2008), p. 58.

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References [1]. Canclini, N. G. (2002). Ultimos câmbios en el mapa del multiculturalismo. In Lápiz, Revista Internacional de Arte (n. 187-188, pp. 110-115). Madrid: Publicationes de Estética y Pensamento, S. L. [2]. Canclini, N. G. (2009). Refazendo passaportes: o pensamento visual no debate sobre multiculturalismo. In Arte & Ensaios 18, Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais- EBA, UFRJ, ano XVI, nº 18, 2009, pp. 156-165, http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-ontent/uploads/2012/01/ae18_nestor_canclini.pdf. [3]. Augaitis, D. (2012). Muntadas. Entre/Between https://www.youtube.com/watch?v=ItHu2ikHHDU [4]. Rossi, E. G. (2014). Antoni Muntadas. Entre/Between http://www.arshake.com/en/antoni-muntadas-entrebetween/ [5]. Kirshner, J. R. (s. d.). The Works of Muntadas http://www.thefileroom.org/publication/kirshner.html [6]. Mattos, M. S. (s. d.). Expressão e constelação em T. Adorno e W. Benjamin, https://www.academia.edu/15120571/Express%C3%A3o_e_constela%C3%A7%C3 %A3o_em_Theodor_Adorno_e_Walter_Benjamin?auto=download, p. 142. [7]. Jonsson, S. (2008). Facts of Aesthetics and Fictions of Journalism. The Logic of the Media in the Age of Globalization https://www.academia.edu/22212930/Facts_of_Aesthetics_and_Fictions_of_Journalis m_The_Logic_of_the_Media_in_the_Age_of_Globalization 8. Princeton University Art Museum (2016). A New Commission by Artist Shahzia Sikander http://artmuseum.princeton.edu/story/new-commission-artist-shahzia-sikander. [9]. Shahzia Sikander, Artist Talk@ Shahzia Sikander,, Princeton University Art Museum, novembro de 2016 https://www.youtube.com/watch?v=n63-igIixzk [10]. Rutherford, J. (1996). O terceiro espaço, uma entrevista com Homi Bhabha. In Revista do património histórico e artístico nacional, Distrito Federal, Ministério da Cultura, Brasil (no 24, pp. 35-41). [11]. Schulenberg, A. (2015). Beyond borders. The work of Ghada Amer, Mona Hatoum, Shirin Neshat, and Shahzia Sikander. Dissertação pela Radboud Universiteit Nijmegen, 18 junho 2015. ISBN: 9789462596771, http://hdl.handle.net/2066/141555. [12]. Daftari, F. (2008). Shahzia Sikander in conversation with Fereshteh Daftari. In N. Prince (ed.) (2008). Shahzia Sikander, Intimate Ambivalence. Birmingham, pp. 53-65. [13]. Berry, I., Hough, J. (2003). Shahzia Sikander, Nemesis. Nova Iorque e Ridgefield - Connecticut, E. U. A.: The Frances Young Tang Taeching Museum and Art Gallery at Skidmore College, The Aldrich Contemporary Art Museum, pp. 5-19. http://www.shahziasikander.com/ARCHIVE/PDF/IanBerry_2003.pdf

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PENSAR O ENSINO DA PINTURA: PROJETO ARTÍSTICO E IDENTIDADE

i2ADS - Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade; Faculdade Belas Artes da Universidade do Porto, Portugal [email protected]

Keywords: Multivoiced society, Self-dialogic, ensino artístico, projeto artístico, identidade

Abstract

Como desenhar um programa educativo de pintura que possa refletir sobre o posicionamento do indivíduo no contexto atual? Verifica-se uma complexa dimensão espaciotemporal onde o sujeito de movimenta de modo aberto e transdisciplinar, em que, de modo simplista, se pode caracterizar por uma total liberdade quer prática que conceptual. Nesta condição, que papel pode desempenhar uma escola ou um plano de estudos sem cair numa condição ou meramente tecnicista, conceptual ou totalmente anárquica? Que modelo se pode utilizar para a organização dos planos curriculares, nomeadamente no momento em que os estudantes lançam as bases para o seu trabalho autoral? Assim, propõe-se a compreensão do projeto artístico como um processo autoral similar à construção identitária, a que corresponde a justaposição de processos afetivos, formativos e discursivos, balizados pelo corpo, figura central para a relação e adaptação à conjuntura. Propõe-se a definição de um modelo educativo focado na compreensão do estudante como um instrumento capaz de gerar as premissas para o desenvolvimento projetual, concordante com a sua personalidade e competências, de modo a potenciar uma maior aproximação entre o ser e a sua prática. Nesse sentido apresenta-se o modo como o modelo self-dialógico (Hermans, 1990) serve para potenciar a identificação das características pessoais e, partindo desta análise, promover a melhoria e crescimento das ferramentas que o aluno já apresenta. Visa, este plano, a construção de um programa educativo, focado no estudante, onde

68 desenvolvimento significa também aprofundamento e amadurecimento. Considera-se que, deste modo, se poderá responder a uma ampla dimensão pedagógica, num modelo atual de ensino artístico, mas sobretudo que pretende apoiar à valorização autoral.

Introdução

Vivemos numa época de enorme diversidade, em que ações, produções e identidades têm uma evidência fundamental. Fred Evans designa-a por Multivoiced Society (2009), ou numa tradução livre, numa sociedade de múltiplas vozes. A proposta de Evans, procura contrariar a posição dominante observada frequentemente nos sistemas sociais, orientados por questões ideológicas, financeiras, religiosas, raciais ou de género, e como tal diferenciadoras. Procura ainda contrariar a ideia de globalização como processo de diluição civilizacional, propondo em alternativa uma visão focada na valorização da diversidade, numa ideia de homogeneidade da diversidade. Ao mesmo tempo, Evans propõe a diluição das estruturas hierárquicas em que as entidades decisoras definem as posições das sociedades a que pertencem. Neste contexto, em que as hierarquias se desmontam, ou pelo menos deixam de atuar como processos limitadores, o sujeito desempenha e ocupa um papel relevante ao nível da sua capacidade decisora, mas sobretudo, ao nível da sua possibilidade de participação enquanto figura singular. Concretamente a sua responsabilidade aumenta, mas também o espaço para a sua manifestação, e com isso uma necessária capacidade crítica e autocrítica.

A escola de arte, como estrutura académica com implicações científica, técnica e artística, deverá refletir sobre o papel e funções a desempenhar num contexto de aparente disrupção das organizações autoritárias, às quais, frequentemente as escolas pertencem. Ainda mais premente quando a formação consiste na preparação de estudantes para futuros artistas, com toda a diversidade que isso possa acarretar. As práticas transdisciplinares, intermédias, são exemplos de processos de hibridismo que têm surgido como respostas apresentadas pelos ciclos de estudo de algumas escolas de arte. Refletem certamente as transformações operadas ao longo do Modernismo e posteriores Pós

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(Lyotard, 1979), Alter (Bourriaud, 2009), Hiper (Lipovetsky, 2004) e demais modernismos. A escola de arte pode agora não cumprir com a função de formar artistas, como tem sido vaticinado por algumas vozes, desde meados do séc. XIX, mas cumprir um espaço de formação superior que responda às exigências de estruturas normativas quer sociais, económicas ou políticas. Contudo, a escola de arte continua a ser a referência para muitos artistas, como se vê plasmado em muitos currículos, apesar de frequentemente apresentarem práticas disruptivas com a ideia de escola, como aconteceu em diferentes momentos da história recente.

A escola de arte é certamente um espaço que vai ter relevância na definição da identidade autoral do estudante venha ou não a ser artista, quer como voz estruturante quer como voz crítica e dissonante. Nesse sentido, a ideia de uma sociedade de múltiplas vozes confere à escola e aos seus interlocutores um papel preponderante na disponibilização de numerosas possibilidades que poderão conferir uma visão mais consistente e consciente da própria voz ou vozes do estudante, fortalecendo pessoal e artisticamente a sua consciência identitária. Além da condição contextual da sociedade de múltiplas vozes, importa a condição apresentada por Hermans (1990) de Multivoiced Self, em que concebe o individuo como um ser social quer externa, quer internamente. Para Hermans o Eu é constituído por vozes referenciais que vão sendo absorvidas pelo contacto com os outros, mas também pela capacidade do sujeito construir e desenvolver as suas próprias vozes. Este processo assenta na ideia de, como ser social, o Eu ser dialogante, pelo que consegue de modo mais objetivo identificar a origem das vozes que tem em si: a mãe, o pai, o parceiro, a amiga, o patrão, o padre, o professor, e todas as vozes que vão sendo absorvidas como referentes positivos e negativos para o sujeito. Estas múltiplas vozes com quem o sujeito dialoga permitem a exteriorização, identificação e regulação das próprias ações, num processo construtivista de compensação racional de vertentes emocionais, por exemplo.

Neste contexto, propõe-se pensar num modelo de ensino artístico que permita utilizar e otimizar as valências artísticas do sujeito,

70 considerando a ideia de tornar presente a consciência das vozes internas e externas do individuo, de modo a que possa compreender e operacionalizar a sua condição de multivoiced self no contexto artístico.

Considera-se que este programa poderia responder a uma dimensão contextual de homogeneidade da diversidade, e aos interesses personalizados de cada um, na construção e afirmação de uma programa autoral consistente com a sua própria natureza e identidade. Trata-se de uma proposta a ser oferecida no contexto dos últimos anos de licenciatura e formação pós-graduada dos cursos de arte, tendo em vista que são os períodos onde se torna mais evidente a necessidade de uma linguagem autoral, através da definição de um programa próprio, o projeto artístico.

1. Multivoiced Society

Fred Evans (2009) descreve a sociedade atual como Multivoiced Society, uma era de diversidade. Não obstante considerar que a diversidade acontece em todas as eras, defende que esta atravessa uma pluralidade de funções e perspectivas, num espectro alargado que extravasa as noções anteriores associadas à língua, género, funções, entre outros. Ao mesmo tempo, identifica que a posição seguida por visões políticas, ideológicas ou capitalistas, é frequentemente a de dominar à força ou a de alienar das sociedades distintas. Nesse sentido, o autor propõe, na continuidade da proposta pós-modernista, valorizar a heterogeneidade, associando-lhe, contudo, a visão de unidade seguida pelos modernistas de procura por alcançar o universal. Assim, propõe uma ideia de sociedade apoiada na noção de unidade que afirma a heterogeneidade com tanta veemência que parece dissolvê-la.

A Multivoiced Society, ou Sociedade das Múltiplas Vozes, assenta na ideia de que as vozes têm a vantagem de apontar simultaneamente o corpo como emissor, mas também as produções e os discursos que fornecem aos corpos significados culturais e sociais. (Evans, 2009, p. 8- 9) Ao mesmo tempo, as vozes permitem sintetizar e abarcar opostos num conceito único sem abandonar a ideia de referência ao outro. Assim, a sua condição dialógica separa e reúne tudo num só,

71 constituindo-se como um corpo, um corpo de múltiplas vozes. (Evans 2009, p 26)

As vozes são híbridos dialógicos, entre a identidade e o outro, ou alter- ego do resto, e a sua interatividade produz novas vozes e eventualmente a metamorfose da sociedade. (Evans 2009, p 26). Esta leitura, apresentada do ponto de vista da Filosofia não difere muito da proposta oriunda da Psicanálise de Hermans de Self Dialógico (1990), em que o sujeito é um ser dialogante com as vozes exteriores, mas sobretudo com as interiores. As vozes são unidades primárias de uma sociedade, mesmo perante processos de envolvimento com noções de estrutura social. Evans propõe que esta condição será a base para a metamorfose da sociedade, assentando na ideia de constante desenvolvimento da estrutura identitária do sujeito. Significa que o social é reflexo das transformações individuais, em vez do contrário, embora certamente dialogante com a sociedade.

A sociedade com múltiplas vozes apresenta-se como uma visão do mundo centrada em duas condições: a primeira é a de que as sociedades não devem ser orientadas por estruturas hierarquizantes agrupadas em ideias fundadas no topo da estrutura, mas na base da mesma, obrigando ao reconhecimento da importância da cooperação; a segunda é a de que a sociedade global não deve tender para o fim das civilizações, como consequência de uma diluição social, mas antes para uma sociedade unitária assente na heterogeneidade que orientará a definição de valores baseados na democracia e justiça. (Evans, 2009, pp30, 31)

2. Multivoiced Self

Importa então centrar a atenção no sujeito, figura base da sociedade das múltiplas vozes. Evans defende a ideia de identidade como uma forma elíptica de identidade (Evans, 2009, p 28) entre as vozes e nós, processo construtivo e em desenvolvimento. Esta proposta, apesar de encontrar semelhanças com a noção de agência proposta por Pierre Bordieu, não se extingue aí, numa identidade que se formula pelo reflexo do contexto, mas como uma identidade que se desenvolve elipticamente impulsionando a noção do social, em vez de ser delimitada por ele.

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Assenta neste princípio a ideia de que as vozes são primárias na construção da noção de sociedade, prévias às próprias noções de linguagem e estruturas da mesma, pelo que o desenvolvimento das vozes pode originar a metamorfose da sociedade. (Evans, 2009, pp28, 29)

Por sua vez, Hermans considera que o sujeito é formado por duas extensões de vozes: as internas e as externas. Além disso que existe uma dimensão vertical, com um cima, otimista, e um baixo, negativista; e uma dimensão horizontal, de fora para dentro e de dentro para fora. Estas movimentações entre um alto e um baixo, e entre um interior e um exterior, definem o território da atuação dialogante das vozes que constituem o sujeito. Desta forma, Hermans propõe que existem várias vozes fora do Eu, e várias vozes no interior do Eu, e que estas podem referir-se a vozes de outros ou a vozes próprias. Isto significa que o processo de diálogo incide na ideia de que o sujeito se poderá definir pelas vozes que guarda em si, mais ou menos visíveis. Vozes como as dos progenitores, dos professores, dos amigos, dos autores da sua preferência, dos autores que deteste, de tudo aquilo que possa ser descrito como uma figura em si, uma voz. Estas vozes, formadas pelo próprio com base noutras vozes, ou na sua própria experiência, servem de reguladores e de impulsionadores da própria identidade. Significa que, se em certo momento em que o sujeito se sentia num momento mais negativista, as vozes que poderiam ter mais influência seriam as negativas propiciando um agravar da situação, ou pelo contrário, de modo racional, fazer valer as mais otimistas e dessa forma sair da situação em que se encontrava. Trata-se portanto de um processo construtivista de autorregulação que permite regular o sujeito através do ordenamento das vozes internas e externas, mesmo que emocionalmente possa estar menos consciente do estado em que se encontra. Resulta ainda num processo de afirmação, tendo em conta a capacidade de autorregulação, permitindo impulsionar o sujeito, num modo dinâmico semelhante ao descrito por Evans.

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3. Projeto artístico em diálogo com a identidade pessoal

O projeto artístico designa um programa autoral de largo espectro formal, conceptual e mesmo espaciotemporal. Está relacionado a uma conceção de base autoral que respeita um alvo de investigação, linguagem, motivações, enquadramento, desenvolvimento, e envolve aspetos de ordem emocional e intelectual, numa relação próxima com as competências físicas do autor. Não se limita a uma ideia de um projeto concreto, a uma resposta a uma proposta específica, mas a uma noção alargada das potencialidades motoras e intelectuais e as escolhas resultantes de um diálogo entre o pensar e o fazer e o pensar sobre o fazer. Trata-se de um programa identitário que envolve o estar e o fazer numa relação próxima com a reflexão e a intenção, onde a arte é motor e o autor a força motriz. Neste contexto poder-se-ia pensar que o projeto artístico corresponde a um complexo compêndio de aspetos que interferem nos processos motivacionais, relacionais e reflexivos do autor e da sua produção. A exemplo, quando se pensa na obra Guernica (1937), de Pablo Picasso (1881, 973), podemos considerar que se trataria de um projeto artístico, tendo em vista que será viável identificar os interesses ideológicos e linguísticos, bem como as soluções metodológicas utilizadas pelo autor para a realização desta pintura. Não deixa contudo de estar enquadrada com um amplo leque de pesquisas e preocupações que o autor tratou ao longo do período cubista, ou mesmo da sua obra total. Desta forma, a nossa proposta é pensar o projeto artístico como o contexto total, possível de sofrer mutações e divergências, mas identificável numa visão alargada. O projeto artístico é neste âmbito, um projeto de vida - um projeto identitário enquanto autor e artista. Obviamente encontramos autores que derivam significativamente os seus interesses, motivações e conteúdos teóricos e práticos ao longo da sua carreira, contudo, existirão aspetos que recorrentemente aparecem plasmados em (quase) tudo o que realizam. As derivações ou mudanças são também importantes porque podem estar associadas a transformações, traumas ou momentos de inovação, na forma de estar e atuar do artista. Neste contexto, o projeto artístico aproxima-se da noção de identidade, no sentido em que o primeiro se constrói com matérias semelhantes à do segundo, salvaguardando que o projeto artístico se enquadra numa

74 atividade particular de manifestação humana, enquanto a identidade aparece em todas as atividades.

O projeto artístico assume a multiplicidade dos intervenientes que constituem a identidade do sujeito, divididos por três grupos: a formação, o gosto, e o discurso. Tal como a identidade, estes elementos constituintes estão sempre enquadrados e condicionados pelo corpo. A formação está associada ao que é aprendido e inclui a maioria dos dados necessários para a vida em sociedade, na convivência e na adaptação do ser humano ao meio. Como estrutura normativa, assente em regras, esquemas e conteúdos gerados por outros e pela experiência pessoal, a formação, corresponde a tudo aquilo que se pode caraterizar como aprendizagem e está relacionado com uma atividade social e racional. Um segundo elemento é gerado pela afeção, e designamos por gosto, e diz respeito à identificação subjetiva, baseada nas emoções, de afinidades e interesses. Em certa medida, o gosto também resulta de algum tipo de formação empírica ou ideológica, mas refere-se a uma atuação frequentemente centrada na emoção, num processo profundamente sensualista, e pouco reflexivo. O impulso que orienta o artista pode, certamente ter origem nesta componente emocional. O terceiro aspeto é o discurso, ou seja, aquilo que se tenciona comunicar e resulta de componente reflexiva e emotiva, através do processamento de informação externa e interna.

Os três elementos que identificamos como de extrema relevância terão pesos e impactos diferentes em cada autor, sendo contudo, de enorme importância pensar na sua presença e participação quando nos referimos ao projeto artístico. A pouca importância de alguns destes elementos não impede a manifestação de um projeto artístico, contudo poderá originar a inconsistência da identidade do mesmo. Um artista impulsionado pela afeção, em que o elemento gosto é mais presente do que a formação e o discurso, pode originar um projeto parco no conhecimento técnico e metodológico, bem como frágil do ponto de vista reflexivo e discursivo. A situação seria sempre diversa de acordo com a maior importância de um dos referidos elementos, como será de prever. Certamente, como já referimos, o corpo será o principal motor

75 e terá um impacto na atuação destes elementos, tendo em visa que terá algumas apetências mais desenvolvidas e outras menos que terão reflexo em todas as atividades que delas dependam.

4. Programa de ensino

Os três elementos que referimos: formação, gosto, discurso, aliados ao corpo, funcionam como grupos de vozes que poderemos identificar interna e exteriormente. Podemos, de modo concreto, identificar as vozes que elegemos pela afeção, que podem ou não estar sincronizadas com as vozes que elegemos para a formação ou o discurso, e assim sucessivamente.

Num primeiro momento, interessa identificar cada uma das vozes interiores do Eu, e de seguida classificá-las dentro de cada um destes três elementos, percebendo ainda a pertinência e importância de cada uma delas. O terceiro momento será perceber qual a importância de cada um dos grupos de vozes, esclarecendo sobre possíveis lacunas ou sobre linhas orientadoras de interesses pessoais, mesmo que subjetivos.

Estes processos de exteriorização devem permitir por si, orientar o estudante na identificação de um mapa e do seu posicionamento perante tudo aquilo que identificou, o que pode permitir por si, um momento de inovação, ou pelo menos de esclarecimento.

Nesta fase considera-se que deverá ser possível a regulação identitária, que através da reflexão orientem o autor na sua própria gestão, quer reconhecendo fragilidades, quer competências. Desta forma, poderá reforçar as competências mais frágeis, compreender a importância daquelas em que é mais forte e estabelecer metas e objetivos que possam responder à sua própria necessidade. Este processo será sempre um processo dialógico, em que o sujeito realiza um processo crítico e autocrítico com vista a uma regulamentação pessoal e ao consequente estado de progressão no esclarecimento do seu projeto autoral.

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Conclusão

O enquadramento numa sociedade de múltiplas vozes, uma era de heterogeneidade diluída, obriga a pensar o ensino artístico e nomeadamente o ensino da pintura através da compreensão da diversidade autoral como centro dos programas curriculares. Neste contexto, o projeto artístico será o alvo a tratar, não como súmula da formação graduada e pós-graduada, mas como princípio para a valorização autoral, na satisfação de um contexto espaciotemporal complexo. A escola não assume o seu papel de dispensadora de conteúdos, mas como espaço para o fomento da afirmação autoral, proporcionando ferramentas técnicas e teóricas para o esclarecimento e suporte da identidade do estudante. Não se trata de um processo de deslegitimar a instituição ou de banalização dos programas de ensino, mas de trabalhar cooperativamente com o estudante na compreensão das suas vozes internas e externas, e na regulação autoral.

A escola pode e deve fornecer conteúdos ao estudante, contudo, propõe-se como um espaço de atuação em parceria e não dominante, promovendo e facilitando o diálogo entre a escola e o estudante, entre o estudante e o exterior, e sobretudo entre o estudante e o estudante. Desta forma, a escola assume a importância de cada identidade, valorizando e impulsionando-a, na organização de um projeto artístico autoral. Este não se limita, como se percebeu no texto, a uma resposta momentânea ao solicitado em contexto de ensino, mas particularmente à construção de alicerces para a edificação futura de carreiras autorais de sucesso. Sucesso que não se identifica com legitimação ou validação pública, mas pessoal, tendo em conta que são fornecidas ferramentas para a autorregulação e reflexão crítica para o estudante desenhar um projeto artístico enquadrado com a sua própria noção identitária, o que leva ao estado de compensação e sucesso.

A formação, o gosto e o discurso são os três grandes territórios que organizam as vozes interiores e exteriores na definição do projeto artístico, dando a possibilidade ao estudante de refletir sobre a importância de cada uma delas, da dimensão de cada um dos grupos e

77 sobretudo, da sua opção na regulação dos diferentes diálogos que vai estabelecendo com cada uma das vozes.

Considera-se que a implementação de um programa experimental com um grupo de estudantes dos últimos anos da graduação ou pós- graduação em arte seria essencial, para analisar os resultados desta proposta. Propõe-se ainda que este programa experimental fosse coordenado em cooperação por um psicólogo especialista no Self Dialógico e um professor do ensino artístico.

Nota Esta investigação está a ser realizada na âmbito do Projecto Bases Conceptuais da Investigação em Pintura, 2014/19, projecto coordenado por António Quadros Ferreira http://projectobcip.wixsite.com/fbaup

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EDUCAÇÃO ARTÍSTICA GARANTIDA A TODOS ATÉ FINAL DA ESCOLARIDADE BÁSICA E A FORMAÇÃO E INVESTIGAÇÃO DOS SEUS PROFESSORES

University of Lisbon Faculty of Fine Arts, CIEBA Research Center. Largo da Academia Nacional de Belas Artes, 1200-005 Lisboa Portugal [email protected]

Keywords: Basic-Secondary Artistic Education, Contemporary Visual Arts

Abstract

In this Communication we approach the following matters: (1) Concept of Contemporary Art - Painting and beyond. (2) Concept and practice of Artistic Education evolving from free drawing (40s) up to the present, for Portuguese School (ages 12-18 mainly): Methodologies, Programmes and Visual Aids. (3) Research about students’ Art Appreciation: What is understood/reached by the students - in association with their free visual expression and design. (4) Projects files concerning visual arts, up to the present, from schools or museum/local cultural institutions/APECV-Art Teachers Association in partnership with schools. (5) Visual Art Teaching Master Courses dimensions and University research of Visual Arts Teaching and school projects as cultural heritage; the case of the FBAUL-CIEBA ExplorEAUL Project (Lisbon University Exploratory of Artistic Education, in progress (6) Remaining problems for an excellent Visual Arts Teaching for all in schools /( Adition) Conclusion interface.

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1. Introdução

Nesta Comunicação partimos das seguintes convicções: (1) A Escola oferece a oportunidade democraticamente garantida a todos, na escolaridade básica, de uma experiência estruturante do seu desenvolvimento integral-em-sociedade - seu direito universal. (2) Este desenvolvimento não é inteiramente condicionado pelo envolvimento, cabendo ao professor, em vez da redução à transmissão do conhecimento e modelação do modo de o estudante conhecer, fazer e ser, orientá-lo para se autonomizar na descoberta e realização do seu próprio projecto-de-vida em sociedade. (3) A integralidade de uma tal formação, exige a mobilização dos sentidos, com lugar basilar para a literacia visual e o desenvolvimento estético - entendendo-se por estética: A orientação da energia- transformação para a qualidade - qualidade, aqui entendida como qualia |14| a qualidade primeira -, enquanto recriando ou apreciando forma. Tratar-se-á de reconhecer e formar caracter - talvez o sentido mais próximo do conceito qualia. (4) As artes visuais, com forte incidência na Pintura e modos de formar relacionados incluindo o Design, têm revelado potencialidade para a vivência enraizada do processo de imaginação/criatividade/projecto pelo estudante, capacitando-o para responder face ao desconhecido - muito em especial na contemporaneidade. (5) Assim sendo, o âmbito visual - através de expressão não condicionada, design e apreciação -, deverá ter lugar fundamental no currículo da escolaridade básica: abordaremos a nossa investigação dos desenvolvimentos verificados nessas vertentes, no contexto escolar nacional|11|- já em Tese Doutoramento FPCEUL 2004. (6) Esta exploração deverá ser garantida a todos até à Adolescência, pelo final do 9º ano de escolaridade, uma vez que, de acordo com a nossa investigação, só então o jovem atinge o sentido crítico com critério autónomo: focaremos o evolver curricular neste âmbito, quando em 2017 se completam sete décadas da concepção do Desenho Livre curricular em Portugal. |11|

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Todavia, o progresso registado enfrenta contínuos constrangimentos. Com esta base, passamos às abordagens elencadas no Abstract.

2. Conceito de Arte Contemporânea - Pintura e além-Pintura

A contemporaneidade não consta no Índice de Conceitos de Richter, K. |16|. O conceito de contemporâneo - o que é da época presente/do tempo actual -, difere de moderno - o mais recente/que tende a inovações ainda não consagradas pelo uso|8|. Com base em |16|: poderemos considerar o movimento Dada (1916-1924) como uma passagem, não um destino (p 66), para o que consideremos contemporâneo; a clivagem ter- se-á acentuado com o Novo Realismo (1955-60) integrando objectos na Pintura e com a emergência de Happenings e Performances incorporando o fruidor, assim ultrapassando o Expressionismo Abstracto (p 110); ter-se-á firmado - passando por movimentos pop (1960) e op (1965) -, com a Arte Conceptual (1965) em que a ideia prevalece sobre a execução, desafiando a criatividade do observador (p 126); e culminado no Pluralismo (1980-2000), com o findar dos grupos reconhecíveis de estilos e tendências (p 126-151). Só no final de |16| há o enfoque contemporâneo vs. moderno, aquele influenciado pela web e a marca; e questiona-se - após a rejeição de representação (Abstracção), originalidade (Dada), conteúdo (Minimalismo), estilo (Apropriação) e identidade (em crescendo desde ‘80s) -, qual será o futuro? (p155). Na ESBAL, (1960-1965), estudámos como a crise académica e a experiência da guerra colonial forçada ou do exílio, e da reflexão-acção solidária, terão provocado o questionamento do realismo académico e, com acentuação pelos ideais do 25 de Abril ’74, se abriu caminho a um Pluralismo-simbolismo eco-social, pós-colonial, com ênfases etno, abstracto- expressionista, op-art in light-concept, de concepto-instalação e poético-conceptual (matérico, realista, abstractizante e cali-gestual). Sobre o futuro, Sabino reconhece pintura depois da pintura, por exemplo num saber julgar - pensar no fazer e na configuração pictórica do próprio olhar |17| (pp132, 230). Vidal, consciencializa-nos para a raiz de invisualidade da pintura, contestando

81 que pertença a artes visuais, ao resultar do sensível e da vontade óptica (opticalidade) do autor, a qual não é visível nem invisível e é denominador comum a outras formas de expressão: o invisual é o invisível que determina o visível; e a opticalidade em acto, é a pintura - que é acontecimento.|20|(1ª Badana; pp 733- 735). Lapa, analisando concepções de tempo em vanguardas artísticas, atende também à emergência da noção de acontecer, da contingência e da potência que esta encerra, podendo ser intempestiva num mundo totalizado pelo presente, como o contemporâneo.|9| Este evolver em Pintura e âmbitos conexos, implicou a transformação de mentalidades, conceitos de espaço-tempo, complexidade- diálogo/recursividade/hologramaticidade, interacção, criatividade/serendipidade |3|, face à emergência, espírito crítico e projecto de cidadania cultural local/global, revelando-se como via experiencial cujo potencial formativo e convivial/de paz tem sido provado globalmente, na educação através da Arte, especialmente pós-2ª Guerra Mundial. Num construto de educação estética visual |11|(p23), baseámo-nos numa sinergia enredada de conceitos-acção, do professor/operador artístico, precisamente face à emergência - já acentuada por Berger |2|; na urgência e incerteza, como assinalou Perrenoud |15|. Pela via da Criatividade, confiaremos na passagem da consciência local para a proximal, do desconhecido, estudada por Goswami|7|; em que os reportórios pré-concebidos dêem lugar à aquisição das ferramentas|13|, face ao imprevisível… como em Pintura. Consequentemente, com referenciais em vez de modelos, atingimos o nosso conceito de auto-eco-compatibilização, actualização contínua necessária, em complexidade|10|, em metodologia de co- construção com o envolvimento e os outros.

3. Conceito e prática de Educação Artística evolvendo do Desenho Livre (40s) até ao presente, para a Escola Portuguesa (enfoque nas idades 12-18): Metodologias, Programas e Auxiliares Visuais

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A disciplina escolar de Desenho desde a pré-adolescência - de geometria, composição decorativa e cópia do natural -, praticada em exercícios desligados da motivação pelo aluno, acolheu o Desenho Livre em 1948 (concepção de Betâmio 1947.11.24); e, desde 1970, evolveu para concepções triangulares, sob influência da abordagem formal da Bauhaus. As designações de Educação Estética Visual (Liceu), Comunicação Visual (E. Técnica) e Educação Visual (C. Preparatório) - esta, por H. Pacheco, convergiram nesta última na Reforma Veiga Simão - Eº. Unificado 1975; e a crescente consciencialização sócio- cultural impulsiona o trabalho de projecto. Em 1974-75 estruturámos a colecção de 150 diapositivos (Pintura/Escultura/Arquitectura/Design/Estudo formal) que o MEC enviou às escolas, a par de textos de apoio. Eisner propôs os âmbitos curriculares - cultural-crítico-produtivo|4|. Barbosa desde ‘80s, defende: fazer Arte; ler imagens ou objectos ou o campo de sentido da Arte; e contextualizar o que se vê, o que se faz, o que se interpreta e quem interpreta |1|. Oliveira fundamenta, já desde 1981, a exploração de 3 dimensões e funções - material - tecnológica, social - comunicativa e ontológica - de-organização-de-vida |11|. Com os anos 80/90, alvorece a dinâmica do projecto de trabalho, em crescente integralidade e interacção local-global pelo aluno-em- sociedade: por 80, pelo MEC-ITE, criámos as colecções de diapositivos Comunicação Visual e Forma-Função, com guiões de apoio ao Professor. Vd. Fig. 1- Proposta curricular para todos até ao final do 9º ano: parte das actividades emergentes dos projectos, para aprofundar os conteúdos relacionados, implicando a exploração formativa pela Pintura. Schleicher, no contexto do PISA, aponta 4 âmbitos: competências(criatividade/pensamento crítico/resolução de problemas/decisões); trabalho (comunicação/colaboração); qualidades(carácter/empatia/resiliência/curiosidade/coragem/liderança); e valores|19|. E em ’16, no Ministério da Educação, admite-se que as Artes são tão estruturantes como a Matemática e o Português|5|:

83 conquistado este reconhecimento, urge combater os constrangimentos à qualidade do seu ensino.

Fig. 1 Currículo em Educação Visual proposto até ao 9º Aº |11| 84

4. Investigação da Apreciação de Arte pelos estudantes: o que é compreendido/atingido pelos estudantes - em associação com a sua expressão visual não condicionada e design

Fig.2. Investigação de Expressão não condicionada /Design/Apreciação |11|

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Esta investigação de 1990/2 |11| compreendeu 155 respondentes a 2 questionários incidentes nas 3 vertentes da Educação Visual escolar (expressão não condicionada - ENC; design -D; e apreciação - A): alunos femininos e masculinos, do 7º e 9º Anos, dos mais acentuados contrastes regionais de Portugal continental - Norte-litoral, Sul-interior, Grande Cidade e Cintura Industrial; amostra de 1/2 dos níveis superior, médio e inferior segundo os respectivos professores + 1/2 aleatório -. Na Fig. 2, as Categorias (label) e Indicadores (values) principais derivaram da análise de conteúdo das respostas escritas e desenhos àqueles questionários (papel e esferográfica, presenciais, de c. 1h) - aferidas pelo método de (três) Juízes. Por exemplo: Em ENC, Var 14/20, detecta-se a Tipologia de Expressão - denotativa, senso- imaginada e concepto-estrutural -, as últimas mais evoluídas que a primeira. Em D (proposta de valorização de montra de fruta): nos critérios de Aplicabilidade e Expressão Visual, Vars 21/34 e 23/36, verificámos 4 níveis: Nula; Insatisfatória; Satisfatória; e Mº Satisfatória. Em A (Respondentes de 12-20 anos, por observação de cartazes - A- Chagall, B-Popologia e C-Catálogo de tintas): o tipo de Descrição Dominante de A+B+C, Var 35, aponta a 7 níveis de desenvolvimento: 1, ausente; 2, denotativa/enumerativa; 3, história imaginativa; 4, denotativa/organização da forma; 5, holística/expressão generalizada; 6, imaginada/ estrutural; e 7 (5+6), integrada/estrutural. Os níveis apurados podem ser referenciais para o desenvolvimento integral em Educação Visual (Vars 49/24), numa progressão em 7 fases: 1, inactivo; 2, icónico; 3, simbólico/hedonístico/operações concretas; 4, simbólico, orientado por regras; 5, simbólico/questionamento existencial; 6, simbólico/auto orientação latente; 7, simbólico/orientação autónoma. Conclusões: Só sendo atingida esta Autonomia de juízo crítico pela adolescência, concluir-se-á que a educação visual básica tem de ser garantida até à consolidação desta, pelo final do 9º ano. A análise (SPSS) da coesão interna de ENC, D e A, revelou associações significativas entre ENC e A; mas só em respondentes de elevado nível

86 se verificou a associação significativa de D com estas, apontando a que só um currículo inclusivo da diversidade dessas experiências possibilitará que o aluno ultrapasse a ignorância e indiferença por alguma delas.

5. Fichas de Projectos em Artes Visuais, até ao presente, de escolas ou museus/ instituições culturais locais /A APECV - Associação de Professores de Artes Visuais, em parceria com escolas

Desde o desenho livre (generalização ’48), na 2ª metade dos anos ’60 o aluno assumiu a composição, em desenho, pintura, colagem - individua/em equipa, na aula curricular; e em cerâmica, gravura, esmalte, mosaico e afins, extra-escolarmente. O concurso Natal visto pelas crianças motivou centenas. Nos anos ’70, lápis, tira-linhas e pincel passam a ter a companhia das canetas de ponta-de-feltro e do pastel de óleo; analisa-se arte por estampas, retroprojector, diapositivo ou visita de estudo; desponta o Design (Reforma ’75 - no 9º Aº, ’77-78); e com o 25 Abril, afirmam-se: cartaz, cartoon, BD, graffiti, diaporama, vídeo e cinema, crítica aos media e o projecto individual/em equipa, na escola e aberto ao exterior. Nos anos 80-90, intensificam-se projectos ligados à comunidade/património cultural/arte pública, como graffiti ou monumento, incluindo performance/instalação; fundada a APECV- Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual, promove concurso nacional sobre artistas incluindo a contemporaneidade, desde 2007 (Exº: Fig. 3). E sucedem-se as inovações até ao presente, em práticas generalizadas por todo o país, mas variáveis com o nível de formação dos docentes e a dinâmica de projecto nas escolas e com parceiros culturais na envolvente, do local ao global: expansão da pintura, em escala e na abordagem re-criadora do quotidiano (Exº: Fig. 4); em interdisciplinaridade com outras artes e abertura à envolvente sócio-cultural, num pluralismo de expressão

87 contemporâneo (Exº: Figs. 5 e 6); e além-pintura, em interdisciplinaridade - media/ciência/informática-robótica (Exº: Fig 6A e B) e parcerias com Museus/ Fundações, ou de artistas na escola (Exº: Fig 6B); e ainda em intercâmbio global (casos como o do autocarro de desenhos, por colectivo de escola do Juncal, 2009, premiado com ida à Tate Gallery - Londres).

Fig. 3 (1º Prémio Concurso Almada Negreiros - APECV, Escalão 17-20 anos). Carolina Silva. C. 2007. Foto: CD da APECV Fig. 4 (Trabalho de Educação Visual) Tânia Duarte. 9º Aº. Orientação: Mário Rita. E. Sec. Seomara C. Primo. Amadora. 2009. Foto: E. Oliveira

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Fig. 5 Interdisciplinaridade: (NÚ) Artes Visuais 12º Aº, colaboração Teatro/Dança, 10º Aº - congregando em expo-espectáculo-cocktail cerca de um milhar de concidadãos, no Convento S. Francisco. Orientação: João Malhou. E. Sec G. Machado. Santarém 2014. Fotos: E. Oliveira Fig. 6 Além Pintura: Interdisciplinaridade/Multimedia: 6A - (Reciclar é uma Arte). Oficina de Artes 12º Aº. Orientação: Cristina Pinto. E. Secundária Valbom, colaboração robótica Clube dos Porquês, Exposição no Parque dos Artistas. 1915-16. Foto C. Pinto / 6B - (Ser do Mar). Turma 1 Ciências e Tecnologias 10º Aº. E. Seomara Costa Primo - Projecto 10x10 - FCG (2017), com forte expressão visual. Orientação: Miguel Horta (Artista na Escola), Nuno Resende e Helena M Deus. Foto E. Oliveira

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6. Dimensões dos Cursos de Mestrado em Ensino das Artes Visuais e a Investigação Universitária do Ensino das Artes e dos projectos escolares como património cultural: o caso do Projecto ExplorEAUL da FBAUL-CIEBA (Exploratório de Educação Artística da Universidade de Lisboa), em progresso

Por c. 20 anos, até ’06, programámos e leccionámos Didáctica de Educação Visual e Tecnologia Educativa no 1º Aº da Profissionalização-em- Serviço FPCEUL, actual IEUL para Lx-Distrito. Os Formandos tinham o privilégio de orientar turmas próprias e participar em trabalho sócio-cultural na Escola (e Meio) e na Direcção de Turma no ano total. Realizavam trabalho individual - Questionamento sobre problema de aula/programa e Relatório final - de uma UD (Unidade Didáctica) devidamente contextualizada e por eles concretizada, (3º Cº ou Secº) e planificação não concretizada, de outra UD do ciclo não focado; e trabalho de Grupo - Planificação anual, de médio prazo e de UD; concepção de um auxiliar didáctico áudio-visual com Guião, para uma UD; e contributo para Actividades de Integração - Relatório interdisciplinar de investigação de um problema. A avaliação era discutida em aula, pelo Formando, a Turma e a Docente. No 2º Aº, realizavam-se 5 assistências na escola: lançamento do Projecto Escola/Turma/UD; assistência a aulas (motivação, desenvolvimento, avaliação); e discussão da classificação total, pelo Formando, Delegado de Disciplina e Docente. Após 4/5 anos de curso artístico, mínimo de 2 de ensino e 2 de ensino/profissionalização, os Formandos acediam a Concurso, mas sem Grau pela investigação. Actualmente (Sistema de Bolonha), obtêm Mestrado e profissionalização em 5 anos - na FBAUL, por exº, estando criada a Área específica de Educação Artística; mas - em caso de professorado -, o tempo de licenciatura artística reduziu-se a 3 anos, o que nos parece requerer formação contínua complementar, pois o professor deve ter atingido um nível além do domínio técnico, capaz de criar, para ser competente a incentivar a criação nos alunos. E no

90 campo escolar, é de escassos meses a orientação de uma turma emprestada. Para contribuir para colmatar esta redução, desde 2012 no CIEBA procuramos incrementar o ExplorEAUL - Exploratório de Educação Artística da UL: para reunir fichas/portfólios/publicações na vertente de Pioneiros Afirmados e de Pioneiros Emergentes - aqueles pª eventual investigação e estes, em desejada plataforma de projectos, actualizadora do atingido nas escolas e referencial para o que importa acontecer; e com paralelos estrangeiros. O mestrando-professor incluirá nas suas planificações e práticas, uma auto-eco-compatibilização contínua e a reflexão sobre a mudança de mentalidade e hábitos |18|que tal mudança implique; reportará/partilhará a orientação de projectos inovadores: só assim maximizará o impacto da sua acção na qualificação da arte-educação dos alunos e em cidadania, relevante como património cultural, local-global.

7. Problemas remanescentes para um Ensino das Artes Visuais de excelência nas escolas, para todos /Interface Conclusiva

As abordagens anteriores terão contribuído para verificar/fundamentar: (1) O potencial formativo de uma experiência como a da pintura e suas conexões/extensões, permitindo desenvolver a criatividade, o espírito crítico e a autonomia, propiciadores da competência de responder ao imprevisível, no contexto quotidiano de veloz mudança e incerteza; e abertura para a prática nas numerosas vias profissionais do âmbito das artes visuais e sobre a apreciação das suas obras (formação de públicos, como é referido pelos Museus). (2) A convergência do âmbito da Educação através da Arte ou Educação Estética Visual (mais precisa do que Educação Artística, se referida à formação básica de todos, os não pré- destinados a artistas), com o processo criador da pintura ou do projecto como no Design, a par dos desafios contemporâneos - via privilegiada para o desenvolvimento escolar e de intervenção cultural, por implicar emoção-razão; e componente de um currículo de literacia visual de

91 base, para todos, a manter em eco-compatibilização contínua. Constrangimento a solucionar: a supressão da Área de Projecto no currículo: espaço interdisciplinar de expressão a repor. (3) Os níveis de crescimento sensuo-conceptual visual atingíveis nas escolas, constituindo um referencial para a progressão em expressão não condicionada, design e apreciação. (4) O elevado nível - e pluralismo - de expressão visual e alcance cultural atingido pelos projectos escolares, com atenção à emergência em contemporaneidade, quando com orientação competente e operacionalidade de meios. Constrangimentos a ultrapassar: o exagerado número de alunos/turma, com alta % de casos de NNE e LPNM e a redução do tempo de aula - bloqueando a metodologia de projecto. (5) A propiciação da investigação graduada no mestrado profissionalizante para professor. Constrangimento a compensar: a redução do tempo nas escolas e da vivenciação integral da realidade do ano lectivo escolar contextualizado, na interacção de alunos-escola-comunidade. (6) A função complementar do Exploratório, como referencial para se ultrapassar a qualidade já conseguida, dos Projectos escolares como património cultural |12|.

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PINTURAS E OBJETOS TRANSPARENTES: UM JOGO ENTRE POSSIBILIDADES, REFLEXOS E PRECONCEITOS

Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, Portugal. Unidade de Investigação, Vidro e Cerâmica para as Artes, VICARTE, FCT/UNL [email protected]

Keywords: Pintura, Técnica, Vitral/ Vidro, Mosaico, Ensino

Abstract

Novos desafios se colocam no século XXI às escolas e as faculdades de arte. O campo artístico ganhou uma expressão pública de grande visibilidade, com vários criadores a serem celebrados como “artistas do regime”, ganhando uma enorme e invulgar representação mediática (artiststars). Os alunos habituaram-se a ver na arte contemporânea uma equiparação ao showbiz hollywoodesco, com artistas de forte circulação nacional e internacional a exporem com grande regularidade em todo o planeta, tornando-se opinion-makers sociais e autênticas linhas de produção artístico-fabris. Tudo pode ser tudo, todos os discursos são válidos, o que interessa é ser mediaticamente “visível” e incontornável. Num ambiente de “acumulação” voraz de imagens, somos assombrados todos os dias com o aparecimento de novos valores artísticos, ao mesmo tempo que tantos outros desaparecem na bruma dos tempos. É difícil explicar a singularidade de muitos percursos, agora tão apressados em atingir o sucesso mediático e, consequentemente (mas muito importante) o êxito económico. Nas faculdades de Belas-Artes portuguesas, as especialidades artísticas ainda existem muito apartadas, obrigando os alunos a escolherem

94 territórios por vezes demasiado espartilhados. Desde há décadas com o seu fim vaticinado, a Pintura vai conseguindo, com a sua especificidade, renovar-se ciclicamente e teimosamente. Existem no entanto outras expressões no campo pictórico que não passam necessariamente pelos meios técnicos que normalmente associamos à pintura. Algumas especialidades artísticas são muitas vezes subvalorizadas e menorizadas, como se o conhecimento teórico- prático e técnico fosse desprestigiante na aproximação conceptual à arte. Unidades Curriculares com Vitral/Vidro e Mosaico, tiveram que desenvolver estratégias para captarem (com sucesso) os melhores alunos e vencerem alguns preconceitos a nível académico. Os resultados obtidos permitem observar que o leque de possibilidades oferecidas foi fundamental no sucesso de muitos percursos artísticos.

1. Introdução

A prática da Pintura não tem de se limitar aos suportes ditos “tradicionais”, como a tela e o papel. O pintor tem à sua disposição outros meios de expressão, como o vitral e o vidro, mas igualmente o mosaico e o azulejo, com a vantagem de estes não ficarem confinados ao ambiente rarefeito das galerias de arte e dos museus: podem “sobreviver” no espaço público, tolerando uma exposição solar direta e múltiplas intempéries, impensável quando falamos de arte utilizando os meios ditos “tradicionais”. Tal situação não deixa de ser interessante, dado que muitos artistas contemporâneos, que usam os meios “tradicionais” de suporte (tela e papel), consideram precisamente “tradicional” a realização de pintura através de especialidades artísticas como vitral/vidro, o mosaico e azulejo, esquecendo-se que não é o meio de expressão utilizado mas a intenção plástica e a abordagem conceptual que validam o interesse de qualquer investigação artística. Nesse sentido, o vitral e vidro, o mosaico e o azulejo, enquanto áreas de saberes específicos suportados por conhecimentos técnicos precisos,

95 estão bem mais próximos do público em geral (e de certa maneira contra uma visão elitista da arte), relacionando-se com este de forma muito mais acessível e democrática. Defendendo valores basilares fundamentais na sociedade contemporânea como a inclusividade e a livre fruição do espaço público, estas especialidades artísticas “revelam- se” de forma muito mais direta, permitindo a proximidade e o toque sem se desgastarem, acercando-se das premissas que orientam a produção contemporânea em Arte Pública [2]. Assim sendo, o vitral e vidro, o mosaico e o azulejo, reclamam para si uma contemporaneidade que só não é observada por aqueles que, com uma visão passadista da Pintura e da arte, teimam (por insegurança?) em não ver nestas áreas as suas verdadeiras possibilidades. Partindo de uma abordagem conceptual (como em outras áreas artísticas) e potenciando não apenas a visão, estas especialidades artísticas convocam todos os sentidos, estimulando múltiplas abordagens, que podem passar por explorar relações plásticas e sensoriais entre o opaco e o transparente, o leve e o pesado, o quente e o frio, o cheio e o vazio, entre outras, dando “corpo” matérico e real a outros campos da Pintura. Ensinar Pintura focando-nos apenas nos “suportes tradicionais” é reduzir o universo expressivo do aluno, limitando-o a uma aprendizagem convencional e previsível. Reflexo da história do país, das principais oficinas e do ensino artístico praticado, o património vitralista português é variado em quantidade e qualidade. No início do século XX português, é evidente a proximidade entre artistas, vitralistas e arquitetos, refletindo a formação humanista das escolas de artes e ofícios, contribuindo para a integração das artes na arquitetura. A criação de escolas de ensino superior artístico e a posterior passagem destas a universidades aproximou os campos do saber teórico e prático, favorecendo o entendimento e aprendizagem do vitral enquanto arte que alia o domínio estético e conceptual à mestria técnica e científica [4].

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No entanto, em Portugal, é ainda relativamente pouco visível a produção verdadeiramente contemporânea de qualidade, arreigada que está na população uma imagem medievalista do vitral de chumbo, de produção academizante e de imaginário pouco inovador. Em geral, verifica-se uma passagem quase direta da pintura para o vidro, recorrendo-se a uma imagem histórica do vitral como “pintura transparente”. Esse afastamento da contemporaneidade tem consequências não apenas para as artes plásticas portuguesas em geral (sendo um meio de expressão que não se encontra potenciado), mas também para o desenvolvimento técnico e artístico do vidro a nível nacional, onde a colaboração mais profícua entre artistas e arquitetos, cientistas e indústria, poderia elevar a qualidade da produção de vitrais contemporâneos a níveis mais interessantes e ambiciosos plasticamente, participando efetivamente do interesse pelo vidro a que se assiste a nível internacional [4].

Ensino. Milhares de artistas são formados anualmente através do ensino artístico superior (ou equivalente) em diversos países, confrontando diferentes opções pedagógicas, modelos práticos e teóricos de aprendizagem. O hibridismo artístico é o território onde se movem a maior parte dos artistas e alunos das faculdades de Belas- Artes portuguesas e internacionais, com fronteiras cada vez mais diluídas entre as diferentes áreas (fig.1). A ascendência artística do exterior é visível na produção dos artistas portugueses, mais conscientes do que é realizado por todo o mundo através do acesso a informação direta e às novas tecnologias (1). Por outro lado, países de cultura dominante em termos mediáticos acabam, direta ou indiretamente, por impor as suas diretrizes sobre o caminho da arte contemporânea nacional. Pensar o futuro do vitral e o seu ensino académico faz todo o sentido, dado que as universidades devem perspetivar o futuro e não serem fiéis repositórios do passado. Pensar o vitral na contemporaneidade deve

97 incluir também o “refletir sobre o vidro”, senão cairemos em territórios próximos do craft, num gueto artístico de ostracização conceptual e técnica, com implicações pedagógicas e académicas negativas (2). Podemos igualmente discutir as diferenças de abordagem a Unidades Curriculares teórico-práticas/tecnológicas como o Vitral/Vidro e mesmo o seu desaparecimento em muitas escolas de arte em vários países. Quando existem, os modelos variam, sendo uns mais tradicionais, seguindo uma abordagem programada e gradual de conhecimento técnico e da sua mestria e outros defendendo uma abertura a um brainstorming fecundador, centrado no percurso do aluno e na sua autonomia criativa, antes de se iniciar qualquer estudo técnico. O “duelo” entre artistas e vitralistas também se joga na arena das faculdades portuguesas, levando ao questionar de metodologias e práticas pedagógicas, entre a tradição e inovação. A importância dada ao ensino do vitral e do vidro (em arte), depende da adequação deste ao entendimento pedagógico e artístico contemporâneos e deve adaptar-se a novas realidades e objetivos de aprendizagem (fig.2 e fig.3), caso contrário o vitral corre o risco de desaparecer ou ser condenado à irrelevância artística (o que de certa forma já acontece a nível nacional). O lugar das tecnologias e Unidades Curriculares teórico-práticas como o Vitral/Vidro nestes “sistemas educativos globais” está ainda por definir, mas deve seguramente corresponder às expectativas dos estudantes e contribuir para o seu sucesso artístico.

Fig. 1 Maria Casquinho (aluna da FBAUL) 2016. Partindo de um mesmo referente, óleo sobre tela e trabalho em vidro, utilizando a técnica de Casting 98

Fig. 2 Maria Matias (aluna da FBAUL) 2016. Pintura com esmaltes e fritas sobre vidro, técnica de vitrofusão Fig. 3 Ana Gomes (aluna da FBAUL) 2016. Pintura com esmaltes e fritas sobre vidro, técnica de vitrofusão, utilizando depois a técnica de Tiffany

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Atualidade. A pouca utilização do vitral na arquitetura portuguesa contemporânea reflete o deficitário reconhecimento desta arte por parte de arquitetos e artistas, desconhecendo estes por vezes as verdadeiras possibilidades do vitral no tratamento da luz e no enquadramento do projeto arquitectónico (3). São relativamente poucos os criadores de referência (em Portugal) a trabalharem na área do vitral e o seu desaparecimento a longo prazo parece ser uma possibilidade (4). O vitral continua a ser utilizado pontualmente em diversas obras de arquitetura, mas está longe de receber a atenção de outras artes, como a azulejaria, muito arreigada no imaginário artístico português e amplamente divulgada (5). Em termos gerais, poucos artistas portugueses têm utilizado o vitral como especialidade de eleição, podendo para isso ter contribuído a contextualização social, histórica e política da arte portuguesa, onde a omnipresença do vocabulário religioso imposto pela Igreja aos artistas da nossa modernidade pode ter afastado os criadores mais vanguardistas e comprometidos politicamente, tornando menos aliciante a plasticidade expressiva do vitral [4].

Longe da base humanista que durante séculos artistas e arquitetos partilharam, a separação das escolas de arquitetura e das belas-artes fizeram dos artistas, vitralistas e arquitetos completos estranhos (6). A singularidade e a austeridade estética da maioria da arquitetura portuguesa recente [3] não deixam muito espaço para o vitral contemporâneo e os artistas não parecem sentir-se atraídos para especificamente se expressarem através do vitral (7). Assim, o mercado do vitral tem sido deixado em grande parte a amadores, tecnicamente bons mas artisticamente questionáveis.

Em termos de mercado de arte, o vitral não é (tão) colecionável como as restantes artes e por isso não ganhou com os investimentos em arte por parte dos grandes investidores e colecionadores mundiais, nem

100 parece que tal vá acontecer, pelo menos em Portugal. Provavelmente o vitral continuará a estar “refém” das encomendas da igreja e de algumas (poucas) instituições. Nesse sentido, a igreja poderá estar menos preocupada em “criar história” em termos artísticos do que em comunicar com as populações, o que terá consequências artísticas óbvias.

2. Conclusão

Portugal chegou ao final do século XX longe das experiências que no vitral e no vidro se fizeram internacionalmente, quer através de movimentos como o Studio Glass Movement [1] ou o European Glass Movement, quer impulsionadas pelo movimento moderno e artistas de referência mundial. Portugal parece querer deixar morrer uma arte, o vitral, que só é lembrada enquanto passado e numa vertente de restauro e de valorização patrimonial. Esta existe fundamentalmente como subserviente à arquitetura, relegada para um efeito decorativo de preenchimento de vãos dos espaços religiosos e em pequenas afirmações artísticas dentro de programas arquitetónicos específicos como universidades, tribunais e alguns projetos em residências privadas. O vitral existiu quase sempre nesse hiato de compromisso entre uma representação social e simbólica, de legitimação social e exaltação de diferentes poderes [6]. Mas não ocupou o espaço público, não se democratizou no contacto com as populações [5], não se legitimou porque não preencheu um lugar específico dentro da arte moderna e contemporânea portuguesa com a importância que eventualmente lhe estava reservada. Existiram e existem vários estúdios com mestres e artistas capazes, que fizeram obra e mantiveram uma produção continuada, mas a “subjugação” do artista/vitralista à arquitetura e aos desejos e gostos dos arquitetos parece não entusiasmar os criadores contemporâneos.

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O que antevemos é que a maior parte dos portugueses continuará a ver vitrais quase exclusivamente nas igrejas católicas e a generalidade dos jovens vai continuar a ter pouco contato com o vitral. As contingências económicas impedirão a realização de muitos projetos vitralísticos e as novas técnicas e tecnologias integrarão os exemplos realizados [7]. Com a secularização do mundo ocidental, o futuro do vitral português poderá passar por realizações no exterior, em países com quem Portugal tem mais afinidades culturais. Tudo vai depender, no entanto, da importância que for dado ao ensino do vitral e do vidro nas faculdades de Belas-Artes do país.

A forte componente humanista, a contextualização cultural e as influências das correntes internacionais marcaram desde sempre o ensino artístico e os artistas em Portugal. Não deixar que estas se aproximem do Vitral contemporâneo português é condená-lo à irrelevância no futuro e apagar gradualmente da memória coletiva uma arte tão fundamental e estruturante do imaginário da arte ocidental [4].

Notas (1) A rápida troca de informação e comunicação permite a artistas e estudantes analisarem cada vez mais o contexto artístico global em que as suas obras se inserem. (2) Os avanços tecnológicos vão permitir uma abordagem mais contemporânea, revelando e espelhando os novos paradigmas da sociedade e da arte, onde a grande profusão de imagens presentes no quotidiano mediatizado das populações vai obrigatoriamente ter repercussões no vocabulário plástico e técnico dos novos vitrais. (3)Um certo isolamento artístico contingente à situação geográfica e económica, resultado da insularidade artística promovida e desejada pelo regime fascista - onde imperava no vitral um gosto historicista de referências regionais e nacionais -, terá eventualmente tido repercussões na não adoção de novas gramáticas plásticas nas décadas seguintes. (4) Só alguns se especializaram nesta arte. São por isso vitralistas e não tanto artistas- vitralistas aqueles que mais se evidenciam no panorama vitralista português, o que mostra, de certa forma, o desconhecimento das potencialidades desta área por parte da comunidade artística.

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(5) O azulejo é, de certa forma, o grande “concorrente” do vitral, mas igualmente do mosaico, já que a cerâmica tem uma riquíssima e plurifacetada tradição em Portugal. (6) A separação entre a prática da arte e da arquitetura a nível académico e distância física criada entre estes profissionais, reflete a quebra de cooperação e colaboração que durante séculos foi motivadora de grandes projetos vitralistas que marcaram a arte portuguesa e ocidental. (7) O relativo apagamento do vitral em Portugal espelha de igual forma o desaparecimento progressivo da produção vidreira artística nacional, em particular na Marinha Grande, onde nos últimos anos assistimos ao enfraquecimento das condições técnicas e laborais, que se incentivadas e apoiadas academicamente permitiriam (re)lançar Portugal como centro de produção e investigação privilegiado nesta área.

Agradecimentos Unidade de Investigação VICARTE, Vidro e Cerâmica para as artes, FCT- UNL/FBAUL

References 1. Herman, Lloyd E. (1992): Clearly Art, Pilchuck´s Glass Legacy. Whatcom Museum of History and Art, s.l. 2. Matzner, Florian (ed.) (2004): Public Art, a reader. Hatje Cantz Publishers, Ostfildern- Ruit, 3. Portas, Nuno e Mendes, Manuel (1992): Portugal, architecture 1965-1990. Editions du Moniteur, Paris 4. Quintas, F. (2014): Vitral: Contemporaneidade e sedução do Poder. Tese de doutoramento em Belas-Artes, Especialidade Pintura, Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas- Artes 5. Regatão, José Pedro (2007): Arte Pública e os novos desafios das intervenções no espaço urbano, 2ª edição. Editora Bicho-do-mato, Lisboa 6. Sudjic, Deyan (2011): The Edifice Complex, The Architecture of Power. Penguin Books, London 7. Wilson, Stephen (2010): Art + Science Now, How scientific research and technological innovation are becoming key to 21st- century aesthetics. Thames & Hudson, London

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EL LIBRO DE ARTISTA COMO MATERIAL DOCENTE

Univerdidade de Murcia, Departamento de Bellas Artes, España, Univerdidade de Murcia, Departamento de Bellas Artes, España, [email protected], [email protected]

Keywords: libro de artista, procedimientos pictóricos, técnicas artísticas, livre d'artiste, artist book, educación

Abstract

La formación artística en Pintura requiere de una estructura en relación a las técnicas artísticas. La organización de estos aprendizajes estructurales convergen en unos procedimientos artísticos bastante precisos. Pero para que un aprendizaje artístico se convierta en creación genuina debe basarse en itinerarios que superen la simple aplicación de recetas y fórmulas aprendidas. En este sentido, hay una herramienta de intervención, como es el cuaderno de artista, que sirve para dinamizar los modelos pedagógicos de las enseñanzas artísticas. El cuaderno de artista es la primera obra de arte entre estudiantes de Bellas Artes porque permite reflejar el pensamiento plástico: esa serie de ideas que no se pueden traducir a la expresión oral o escrita. El cuaderno de artista no solo es el elemento que media entre la Pintura y el Lenguaje; el cuaderno de artista es el mapa sobre el que se puede representar la cartografía emocional inherente al aprendizaje de los principales procedimientos pictóricos. La aplicación de los criterios de edición adscritos a la modalidad del libro de artista convierte el aprendizaje de la Pintura en un proyecto capaz de aunar la pedagogía del arte a las prácticas artísticas más innovadoras de la difusión de la obra de arte.

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Las tipologías de los diferentes modelos formativos

Hablar de la formación artística en Bellas Artes supone hacer primero un somero paseo por los modelos formativos que existen en relación a las Bellas Artes. Dichos modelos no solo constituyen los principios metodológicos de las diferentes disciplinas de este ámbito, también permiten conocer el particular paradigma formativo de enseñanza- aprendizaje que pueda estar en el origen de la educación de cualquier estudiante-artista (Marín, 1997). La libertad y la originalidad como modelo formativo dentro de las Bellas Artes provienen del paradigma romántico de genio que queda establecido como el talento (don natural) que da al arte su regla y que queda largamente reflejada en la importante conexión que se estableció entre genio y naturaleza “Como el talento mismo, en cuanto es una facultad innata productora del artista, pertenece a la naturaleza, podríamos expresarnos así: se genio es la capacidad espiritual innata (ingenium), mediante la cual la naturaleza da la regla al arte”. (Kant, 1977: 213, cit. por Bozal, 1996: 197). Este modelo kantiano dará pronto en criticar el modelo formativo basado en el modelo académico de Alberti. Como Calvo (1982, cit. por Marín, 1997) dice: El gobierno ha creado escuelas de arte que sostiene a alto precio y que admiten a todos los jóvenes. Estas escuelas mantienen a sus alumnos en un estado de emulación constante por medio de continuas competiciones, y, a primera vista, podrían parecer instituciones extremadamente útiles, el invento más positivo para el desarrollo de las artes[…] Pero siento tener que decir que, desde su fundación, el resultado de estas escuelas no ha sido el esperado: en lugar de brindar un servicio han hecho un auténtico daño, porque aunque han producido un millar de talentos mediocres, no pueden enorgullecerse de haber formado a nuestro mejores pintores. (p. 251)

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Goya, a su vez, nos da cuenta epistolarmente de la validez de ese paradigma formativo basado en la genialidad. Como Santos (1993) afirma: las Academias no deben ser privativas, ni servir más que de auxilio a los que libremente quieran estudiar en ellas […] tampoco se debe prefijar tiempo de que estudien Geometría, ni Perspectiva para vencer dificultades en el dibujo, que este mismo las pide necesariamente a su tiempo a los que descubren disposición, y talento. (p. 17)

Este anti-modelo formativo, ha llegado prácticamente incólume hasta nuestros días, siendo probablemente Jean Dubuffet su más ferviente defensor, así como Duchamp, Beyus, Warhol, Bacon, y un sinfín de artistas; entre los cuales destaca la teoría formativa del artista Kaprow (2003), el creador del “happening”, el cual asevera: Para convenimos en des-artistas (contraseña cuatro) tenemos que existir tan efímeramente como el no-artista, cuando la profesión de arte quede descartada, la categoría de arte pierda su significado, o. al menos, quede anticuada. Un des-artista es aquel que está ocupado en trabajos cambiantes, en modernizar. El nuevo trabajo no supone convertirse en un “naif” batiéndose en retirada hacia atrás, hacia la infancia y el ayer. Por el contrario, requiere mucha más sofisticación de la que el des-artista pueda tener. En lugar del tono serio que ha acompañado usualmente la búsqueda de la inocencia y de la verdad, la creación des-artística emergerá probablemente como humor. (pp. 103-104)

Ahora bien, cuando hablamos del artista como genio y lo vinculamos a la tradición romántica, también estamos utilizando una perspectiva histórica. Por ello es por lo que atendiendo a esta anatomía del modelo formativo del genio, vemos como en nuestra docencia diaria, hay una concomitancia con la vieja aspiración romántica de superar la fragmentación entre lo consciente y lo inconsciente que de una manera

106 sistemática ya viene reflejada en los propios contenidos disciplinares. El segundo modelo formativo que se encuentra implícitamente incrustado en el programa de nuestra asignatura es el de la Bauhaus. Parece una obviedad pero en las fuentes pedagógicas de esta escuela se encuentra de manera medular el aprendizaje y el uso reiterativo del dibujo. A este respecto Viviente (1999) afirma que “el dibujo es el medio de expresión más politécnico, abraza muchas ciencias y muchas artes. No conviene limitarse a la definición clásica del dibujo como un trabajo artístico sobre papel, sino considerar el amplio campo de estudio de esta disciplina”. (p.50). Por otra parte, si retomamos el modelo formativo de la Bauhaus y reparamos en la esencia que lo define como tal, nos podremos apercibir que este paradigma viene definido principalmente por la idea de lenguaje como motor del arte. Aunque nosotros no creemos que el arte sea un lenguaje en sentido estricto, lo que si entendemos es que participa de éste en tanto en cuanto es posible desvincularlo de las tareas miméticas en relación a la realidad, para orientarlo también a aspectos concernientes a su expresividad. En este caso, estaríamos hablando de un meta-arte, aunque no de un meta-lenguaje. Este encendido elogio que del dibujo se hace en la enseñanza de la pintura está en la raíz seminal del paradigma docente y académico de la Bauhaus, en tanto se esperaba formar a artistas-artesanos cuya formación fuera capaz de dar una respuesta funcional a los problemas de la sociedad. “Con ello parece que Gropius aspiraba, ya entonces, a dar un contenido técnico al «arte en general»” (Viviente, 1999: 50). Podemos continuar y afirmar que en la formación de nuestros estudiantes somos unos puristas, puesto que, como Gropius preconizara, nunca desligamos la docencia-aprendizaje del “trabajo manual” tan denostado en las esferas artísticas e incluso académicas del ámbito actual.1.

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El cuaderno de artista como modelo pedagógico

El material que recoge las evidencias de las actividades de aprendizaje es el cuaderno de artista. A ello se puede añadir un diario, gráfico o escrito en el que se de cuenta de las reflexiones relacionadas con el proceso de aprendizaje. Se trata de una herramienta disciplinar en la que se inscribe un proceso de aprendizaje, de tal modo que pueda materializarse en la construcción física por parte del estudiante, de un portafolio o carpeta de trabajo que finalmente, con la experiencia previa de éste, finalice en una realización postrera de un libro alternativo o cuaderno de artista. Para la construcción del portafolio, estimamos que el estudiante debe contar con una serie de premisas que nos permitan, dentro de la realidad y como docentes, medir con la mayor objetividad el aprendizaje, puesto que es el estudiante el verdadero sujeto y agente del mismo proceso de instructivo. El cuaderno de artista aplicado al aprendizaje de procedimientos a técnicas artísticas no está definido formalmente pero debe tener algunas de las siguientes generalidades:

• Cuestionario de evaluación inicial de la asignatura ¿de dónde partimos? • Estructuración y elaboración de la actividad principal que construye el tema del cual se parte. • Anotaciones varias que reflejen el esfuerzo de aprendizaje del tema que estemos trabajando. • Tiempo que se ha necesitado para desarrollar la actividad, tanto presencial como no presencial. • Búsqueda de información alternativa y reflexión final de todo el itinerario.

El Cuaderno de artista como una forma del Libro de artista

El propio concepto de libro de artista es una modalidad artística que

108 encierra muchas formas de abordarla. En el caso de intentar de trazar una historia del libro de artista nos encontraríamos con serios problemas, que irían desde la propia secuenciación y catalogación de las producciones artísticas adscritas a esta disciplina como a la propia epistemología del género y sus límites. Las razones de ello pueden ser debidas a la intencionalidad artística con la que se realizan estas producciones y a la tradición a la que se arraigan. Lo paradigmático de todo ello podría resumirse en el nuevo concepto que se le da al libro en función de su materialización y cuya característica general respondería a la figura retórica de lo que hemos convenido en llamar como “antilibro”. Si aceptamos la propuesta de considerar en torno al año 1962 como el momento en que podemos considerar el nacimiento del libro de artista (Moeglin-Delcriox, 2006), podremos establecer un frente histórico en torno al libro de artista que factiblemente se puede desglosar en un par de apartados teóricos en función de las principales características que diferencian la producción europea de la americana, así como las cuestiones que afianzan esta disciplina. Pero sobre todo, podremos llegar a un consenso a cerca de sus procesos creativos y en sus aspectos técnicos más relevantes que, a todas luces, constituyen el legado más interesante en lo que a esta disciplina se refiere. Esperamos así superar de alguna forma el estancamiento epistemológico que la embarga y la precariedad de su historia. Es cierto que en la década de los años sesenta del pasado siglo, comienza un giro efervescente en torno a los modelos canónicos que el arte venía ofreciendo. Podríamos decir que el libro de artista alcanza en esta década la independencia del canon horaciano centrado en el tópico del ut pictura poiesis (Adamowicz, 2009: 189) que tanto marcó la singladura inicial del maridaje entre imagen y poesía o entre texto e ilustración establecidos desde finales del siglo XIX. Si bien es cierto que surgen estas nuevas producciones como respuesta a una crisis finisecular del arte, también lo es el que por entonces ya estaba

109 finalizado el organigrama expositivo de las instituciones artísticas. Esto, que parece algo dado, origina un cambio en el debate en torno a qué se considera susceptible de entrar en la historia del arte. Si el libro de artista tiene su genealogía en Europa; en cambio, la causa de la receptividad de la crítica americana tiene un efecto potenciador en el nuevo continente. A ello hay que añadir un factor de carácter de demografía artística, a saber: el éxodo de artistas de la costa este americana hacia California -debido básicamente a cuestiones de supervivencia- hace que el entorno cinematográfico de este territorio marque la narrativa de dicha disciplina, a lo que hay que añadir el toque que le da la épica fílmica del minimalismo conceptual más desprejuiciado del momento. Hay que decir que el libro fundacional de esta época -pero no solo de este lugar- es el Twentysix Gasoline Stations (1963) de Edward Ruscha. Esto es así porque se le ha considerado unánimemente como la primera obra que refleja el nuevo paradigma que representa el libro de artista (Gracia, 2008: 31, cit. en Haro, 2013: 47). Habíamos dicho que Moeglin-Delcroix (2006) da el pistoletazo de salida de esta disciplina con el libro de Ruscha. Pero recientemente se está debatiendo si no será la obra de Dieter Roth la que debiera abanderar esta nominación, como Haro (2014) sostiene: Edward Ruscha, artista de gran influencia en el género del libro de artista, realizó a lo largo de su carrera 14 libros, ejecutados entre 1963 y 2000. Después se consagró a otros dominios artísticos, tales como la pintura. Para Dieter Roth, en cambio, la dedicación al libro de artista fue la faceta fundamental de su actividad artística. Realizó más de cien libros a lo largo de su carrera y comenzó casi diez años antes que Ruscha. Roth fue el primer artista en hacer de los libros el principal centro de atención de su obra y en comprometerse con el libro como una obra de arte, no como una publicación o un vehículo para la expresión visual o literaria, sino como una forma en sí misma. (p.6)

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Somos conscientes que recientemente también se ha reivindicado el libro del futurista Marinetti Zang Tumb Tuuum (1912) como la epifanía del libro de artista (Tonini, 2014), desbancando a Un coup de dés jamais n’abolira le hasard (1914), de Sthéphane Mallarmé tal como el de Roth desplaza al de Ruscha. Pero consideramos que el debate Marinetti- Mallarmé, interesante desde cualquier punto de vista, establece una genealogía del libro de artista muy dependiente todavía del texto literario como para darlo netamente como aquella necesaria conjunción de diferentes instancias expresivas que caracteriza al libro de artista. Hay otra excepción que añadir a esta ruta del libro de artista hacia su madurez expresiva. Se trata de una de las variaciones que el Suprematismo de El Lissitzky aportó con su cuento Historia de dos cuadrados (1920). Se trata de un ejemplo pionero de cómo construir una historia que, sin dejar de ser de corte incidental, cede el protagonismo del esquema literario al orden secuencial de las imágenes, sin que por ello deje de ser un cuento ilustrado. Así pues, esta discusión en torno al origen del libro de artista que Haro ha redefinido nos ha parecido importante porque pensamos que la razón por la que Moeglin-Delcroix entrona a Ruscha en detrimento de Roth podría deberse a que utiliza el “democratic multiple” (Druker, 1996:195) como grito de guerra – priorizando los criterios de edición e impresión sobre los propiamente plásticos- en detrimento de la carrera de fondo que a lo largo de varias décadas llevó Roth. Porque si aplicamos sucintamente su propia tesis en tanto “un libro que es por sí mismo una obra y no un medio de difusión de una obra” (Moeglin-Delcroix, 1997: 51), queda más claro que la autoridad sobre la madurez del libro de artista recaiga sobre Dieter Roth antes que sobre ningún otro artista. Aunque debido al calado de tal afirmación y a la dificultad que supondría mover el calendario genealógico del libro de artista, abrimos un pequeño paréntesis en este decurso para proponer y mantener el citado hito seminal de Twentysix gasoline stations de 1963, pero insertándolo en nuestra variable del concepto pictórico de autorretrato.

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Es decir: tomaríamos a Ruscha como el primer autorretratista que interpreta el género del retrato como modelo de inmersión en la disciplina del libro de artista. De este modo, si anteriormente nos hemos fijado en el archivo de Ruscha para entender el proceso cognitivo y creativo que le llevó a la conceptualización de Twentysix gasoline stations, ahora nos vamos a fijar en los dibujos y pinturas, la mayoría de ellos desconocidos (Wright, 2005), llevados a cabo en esa época. La intención es la de otear los mundos paralelos a este mítico libro, aunque acabemos por descubrir (Turvey, 2014) a un Ruscha inveterado, prolijo “draftsman” (p. 9). Al igual que Morandi reinventa el género del paisaje a través del género del bodegón (Husvedt, 2007). En Ruscha hemos visto el origen de la madurez de la disciplina del libro de artista a partir de la reinterpretación que hace del género del retrato partiendo del género del paisaje. No en vano el ha visto sus libros como una extensión de sus pinturas, especialmente en aquellos cuadros en los que flota una palabra, que “podría ser justamente el título de un libro” (Vogel, 2013), como el propio artista dice. Así pues, si contextualizamos los doce libros de artistas que Edward Ruscha ha editado en toda su producción artística, observamos que todos ellos le han servido para desarrollar una prolija carrera pictórica y dibujística en la que la principal fuente de creación son precisamente no solo las imágenes incluidas en esos libros de artista, sino que los propios libros en sí mismos pasan a ser el sujeto pictórico de sus cuadros Probablemente, la razón por la cual esta disciplina consigue ampliar los límites del arte no se deba solamente a que “el libro de artista rompe definitivamente con el concepto tradicional de libro ilustrado, basado fundamentalmente en la combinación de texto e imagen que escritores y pintores venían realizando desde la mitad del siglo XIX” (Marata, 2010). Seguramente, la razón más recóndita por la que este fenómeno adquiere carta de naturaleza tenga algo que ver con que en el origen de esta disciplina artística entra en juego una práctica que determina

112 radicalmente la posibilidad de que ésta se pueda consolidar: nos estamos refiriendo tanto a las formas en que se producen como a los mecanismos que se utilizan para la distribución de los libros y las publicaciones relacionadas con el arte (Dupeyrat, 2013). Estos modelos productivos y de distribución acarrearon parejamente un desplazamiento de la función del catálogo así como del lugar de la propia obra de arte en cuanto objeto de exhibición. De hecho, en la historia de la disciplina que aquí venimos analizando, no es tan importante la secuencia de autores o de obras como las ideas que surgen y las aportaciones conceptuales que se retoman del pasado. Realmente el caso del libro de artista es el de un paradigma surgido en relación a un debate que busca una continuidad plástica al agotamiento de los mecanismos que certifican la categorización de lo que se considera una obra de arte y su modo de llegar al público. Un ejemplo diáfano de este argumento lo constituyen las aportaciones de artistas que sin dedicarse a realizar intencionadamente libros de artista, con su quehacer modifican la puesta en escena del texto en la sala de exposiciones. Nos referimos a esa primera generación de artista americanos educados en ambientes universitarios. De esta manera, es como se salta del ámbito restrictivo del arte al de la cultura (Moeglin- Delcroix, 2006). Es el propio artista no solo el que produce su obra sino el que reflexiona acerca de la misma. Así, es como empieza a relacionarse con modelos y teorías lingüísticas que también pasan a ser modelos académicamente plásticos. El propio idioma, su lenguaje y su gramática entran en la progresión de la historia del arte (Greenberg, 2002) formando parte de su cadena productiva de manera exponencial en la categoría del libro de artista. En este proceso en el que el artista, tras haber conseguido representar la realidad ópticamente, va depurando las respectivas disciplinas de todo lo extra-artístico hasta llegar a eliminar la representación y abordar como referente su única presencia. Hay dos artistas que intervienen en este debate y que tangencialmente

113 influyen en el decurso de la conformación del libro de artista: Joseph Kosuth y Sol Le Witt. El primero conecta la capacidad que tiene el arte para reiterarse aún cuando su historia se dé por finalizada (Kosuth, 1973). El segundo lo hace no por los centenares de sus publicaciones sino por ser cofundador en 1976 de Printed Matter, la distribuidora de libros de artista, que a día de hoy sigue activa y que junto a la apertura del Franklin Furnace por Martha Wilson como archivo y como espacio expositivo ha sido uno de los motores que han expandido la pintura, la escultura y la fotografía hacia los soportes del libro. A todo esto, hay que añadir un nuevo vórtice sobre el que pivota toda esta densa producción de obras adscritas a la tipología del libro es el que queda conformado por la comunidad alternativa de artistas. Su importancia radica en hacer de la autoedición una práctica cotidiana que modificará las relaciones del artista con la galería y con el propio público, surgiendo de este hábito nuevas estrategias artísticas basadas en la apropiación de los materiales asociados a las reivindicaciones sociales y políticas de los movimientos activistas americanos de los años sesenta y setenta del siglo XX (Popper, 1989) Este caladero de ideas que surgió en Estados Unidos, permitió recuperar para el libro como obra de arte muchos de los avatares artísticos de las vanguardias europeas, especialmente el desplazamiento pictórico que Duchamp hace en su Caja verde de 1934 (Krauss, 1977). Otra de las posibilidades que se abre en este contexto es el aprovechamiento sinestésico de la notación musical aportado por Jonh Cage (Sontag, 2014) y que en Europa tan bien se consigue plasmar a través de una peculiar estética del silencio, posiblemente por esa herida abierta por la guerra, que creó entre los artistas la necesidad de seguir haciendo arte sin querer hablar. El modelo europeo no distó mucho del americano. De entre los autores literarios que se mudan a la escena del arte plástico para enmarcar sus proyectos destaca Ulises Carrión y su marcado interés en diferentes aspectos surgidos con esta nueva disciplina; siendo capaz de reparar en

114 las condiciones expresivas del propio soporte. Como él mismo aviva el debate en torno al lugar del libro de artista, su peso específico dentro del ámbito de la reflexión acerca de esta disciplina es incuestionable; aunque a nuestro parecer, es un autor que no llega a abandonar la hegemonía de lo literario en relación al libro. Otro autor que abre caminos a la formalización de propuestas en lo que atañe al arte en general y muy concretamente al mundo de la edición y del libro es Marcel Broodthaers. Sin dejar totalmente el ámbito literario, su trabajo supone la madurez literaria de algunas de las propuestas de las primeras vanguardias. A ello se añade su capacidad de desarrollar espacialmente cuestiones reflexivas en torno al arte. A todo ello, hay que sumar el enriquecimiento con cuestiones en torno a lo cinético y lo teatral que Broodthaers aporta a la disciplina del libro de artista (Lupión, 2002). Durante este periodo al que nos hemos referido, hay un grupo de artistas ingleses congregados en torno a la revista Art & Language. Su principal característica es la reflexión acerca de cuestiones concernientes al mundo del arte. Su influencia en el arte conceptual es muy valiosa e indirectamente, su sesgo intelectual perfiló muchos de los asuntos que se materializaron en los libros de artista de la época y en periodos posteriores. Sucintamente destacamos la austeridad de sus ediciones y su incidencia en todos aquellos autores que tomaron el libro de artista como un recurso expresivo en torno al arte tenido en cuenta como forma de pensamiento. De aquí surge el uso de la carpeta archivador, en tanto clara manifestación de los intereses conceptuales y taxonómicos de esta nueva disciplina. Este es el origen de los soportes de nuestro autor de referencia, Román Gil; soporte archivístico que alcanzó su carta de naturaleza institucional en el propio catálogo de la Documenta V de Kassel, y que tan profusamente ha venido utilizando también Dieter Roth. El rostro del libro de artista de los años ochenta y noventa, en cambio, queda claramente marcado por la institucionalización y la autoridad

115 académica como elementos configuradores de las nuevas aportaciones metodológicas en torno a esta disciplina. Si durante las anteriores décadas el libro de artista quedó marcado por una filosofía transgresora que jugó a crear una “confusión entre el objeto cotidiano y el objeto de arte” (Blouin, 2001, p. 94), el cambio de escenario a partir de los años ochenta supuso la proliferación de casi todas las variables tipológicas de esta disciplina. A partir de entonces, el libro de artista tiene que empezar a convivir con su secularización; con su inclusión en las colecciones de arte; con el nacimiento de bibliotecas especializadas en el tema y con su propia consagración mediática. Todo ello, ha contribuido a esta cartografía compleja que se erige en torno al libro de artista y a la propia interpretación de la disciplina que se instaura en relación a dicho fenómeno. Este mapa se articula en dos maneras de afrontar el ingente material que ha surgido en estos años y que básicamente responde a criterios cronológicos o a criterios conceptuales basados en la más pura taxonomía formal. Las consecuencias más inmediatas de ambos criterios han dado lugar a distintas tentativas de establecer una metodología crítica aplicable al libro de artista (Le Men, 1979; Hubert, 1988; Jensen, 1991). En cualquier caso, y casi como un endemismo, la vertiente metodológica de mayor arraigo tiene una clara raíz metafórica, quizá porque el binomio escritor/artista no ha llegado a diluirse completamente; quizá porque la propia idiosincrasia del arte tiende a manifestarse metafóricamente con una mayor evidencia tanto en los paradigmas plásticos como en los literarios. Los criterios cronológicos, en cambio, oscilan en un vaivén que tan pronto recogen los valores tipográficos sembrados por las primeras vanguardias, como se insertan en la sagaz propuesta duchampiana por la cual el artista redefine las fronteras del arte. A su vez y conforme transcurre el tiempo, todo ello acaba pasado por el tamiz de la contracultura y sus valores alternativos, que terminan bifurcándose entre las apuestas más radicalmente conceptuales: aquellas que

116 entienden el arte como una proposición a caballo entre la lectura y el pensamiento, o entre las posturas artísticas que ven en el arte una equivalencia con la vida y cuya inmediata consecuencia se traduce en ideas que plantean el vivir como una forma de cambiar el mundo (Morgan, 1992). Por ello, y a manera de colofón en todo lo relacionado con el itinerario vital del libro de artista, podemos concluir que su singladura se caracteriza por no responder en absoluto a todos aquellos criterios teóricos que a lo largo de estas cuatro últimas décadas han tratado de aquilatarlo. Su vigorosidad y la capacidad experimental de los artistas que se han asomado a esta disciplina han convertido este dominio en un encuentro en el que como Moeglin-Delcroix (1997) afirma: “el sentido del libro es el libro en su totalidad, no lo que contiene. En este caso solamente, el libro no tiene un sentido, él es su sentido; no tiene una forma, él es una forma" (p.10). Si el libro de artista existe quizá sea debido a que es una forma plástica que ha estado mucho tiempo sin llegar a configurarse por cuestiones de madurez del propio arte.

Contexto didáctico en el que se emplea el cuaderno de artista

Según los diferentes modelos formativos útiles para Bellas Artes, nos ha surgido a partir de la necesidad de encauzar el trabajo autónomo del alumno en las actuales ti- tulaciones de nuestra disciplina. Se pretende consolidar un cierto sentido de auto-aprendizaje alejado de la estructura de aprendizaje lineal de antaño. Nos referimos a la necesidad de movernos con sistemas de aprendizaje abiertos en los que sea posible reflexionar y aprender a partir de la propia experiencia del alumno. Todo ello acompañado por herramientas que permitan en todo momento tener un seguimiento real del trabajo del alumnos y que faciliten en consecuencia tanto la "tutorización" del mismo como la posibilidad de corregir errores de planteamiento en fases tempranas del proceso creativo.

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NO se puede generalizar, pero normalmente el perfil del estudiante con el que nos encontramos al comenzar las asignaturas de Procedimientos y Técnicas Pictóricas y en la asignatura de Pintura y Técnicas Audiovisuales I y II que impartimos en la Titulación de Grado en Bellas Artes de la Universidad de Murcia, plantea una serie de carencias en cuanto a su actitud frente a los trabajos de clase. Por lo general, el alumno está acostumbrado a un sistema en el que trabaja al dictamen de una serie de ejercicios planteados por el profesor. Pero llama enormemente la atención que en las propuestas de trabajos obligatorios con modelo, el alumno se encuentra más cómodo que en las propuestas de ejercicios libres (algo que parece paradójico en mentes a las que se les supone una predisposición por la creatividad).

Conclusiones

La noción motriz que se ha explorado en este artículo hace hincapié en la importancia de utilizar herramientas alternativas en los procesos de formación del aprendizaje de las Bellas Artes. Una de las ventajas que aporta la herramienta del cuaderno de artista en tanto modelo pedagógico emana de la libertad de expresión que la modalidad del libro de artista ha aportado a los creadores plásticos. Su característica principal es la de presuponer la presencia de un lector-espectador que cierre y dote de sentido a este tipo de piezas creativas. Esta consciencia que se despierta en el alumnado a cerca de su tarea de aprendizaje es para nosotros el patrimonio pedagógico más valioso que se pueda imaginar. Para el profesorado también es un recurso interactivo ya que permite la comunicación y la propedéutica de su materia en un espacio que van más allá del trabajo en el aula y de la duración del horario académico.

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TRANSDUCCIÓN EDUCATIVA Y PALABRA HUECA

Universidad del País Vasco / Euskal Herriko Unibertsitatea, Sarriena auzoa, 48940 Leioa, Spain [email protected]

Keywords: transducción, pintura, enseñanza, proceso, palabra

Abstract

En el presente artículo se defiende como estrategia educativa la transposición a metodología docente del estilo pictórico del autor a partir de su descripción en base a la idea simondoniana de transducción (Simondon, 2009). El texto se divide en tres apartados, referidos los dos primeros a los ámbitos de aplicación de la noción de transducción (como son la pintura y su enseñanza), y el tercero, a uno de sus apoyos fundamentales (que denomino palabra hueca). Tal como aquí la definimos y utilizamos, la idea de transducción educativa recorre los tres apartados y, lejos de formular el citado estilo personal del autor como contenido de enseñanza y aprendizaje, sugiere una aplicabilidad general de la transducción que permite que sean las peculiaridades inherentes a cada práctica las que proporcionen las claves para la comunicación y la iniciación a un tipo de actividad que en ningún caso resulta transmisible como fórmula de aplicación obligada. Entre las ventajas de la transducción, estaría la de permitir el paso del taller al aula de una manera natural, de tal modo que la forma misma de cada singularidad pictórica -tanto en su sistematicidad como en su carácter más puramente caprichoso-, devendría reservorio metodológico y conceptual para la docencia, sin violentar la especificidad de un saber que, a menudo, se ve reducido a actos de repetición manierista e irreflexiva o a recetarios procedimentales de dudosa efectividad.

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1. Introducción

Como pintor y profesor de pintura, me preocupa el ajuste entre la realidad de mi experiencia práctica y la necesidad didáctica de organizar las enseñanzas según una lógica y una idea de la progresión que permitan al estudiante implicarse activamente en su propia formación. En este sentido, es flagrante el contraste entre el proceso de creación vivido como inmersión en un tumulto deseante en el que nunca se puede determinar si realmente sabemos algo o si la evolución es positiva o negativa, y el idealismo de los principiantes, que pretenden un aprendizaje como acumulación positiva de experiencias que, al final, les permita alcanzar la excelencia expresiva.

Se trata, al fín y al cabo, de una dificultad comunicativa que, como dice Simondon, apunta al núcleo de nuestro saber:

"El nivel de las modalidades primarias del pensamiento (técnico, religioso y estético) se caracteriza por el empleo sólo ocasional de la comunicación y de la expresión; ciertamente, el pensamiento estético es susceptible de ser comunicado, y las técnicas, las religiones mismas, pueden ser en cierta medida aprendidas, transmitidas, enseñadas. Sin embargo, estas formas primitivas de pensamiento son transmitidas fundamentalmente por medio de la experiencia directa, que necesita una puesta en situación del sujeto: los objetos que crean, sus manifestaciones, pueden ser evidentes; pero los esquemas de pensamiento, las impresiones y las normas que constituyen estos mismos pensamientos y los alimentan no pertenecen directamente al orden de la expresión; se puede aprender un poema, contemplar una obra pictórica, pero esto no enseña poesía o pintura: lo esencial del pensamiento no es transmitido por la expresión, porque los diferentes tipos de pensamiento son mediaciones entre el hombre y el mundo, y no encuentros entre sujetos: no suponen una modificación de un sistema intersubjetivo". [2]

Reconociendo entonces que jamás podremos decir la pintura, buscamos alguna otra manera de hacerla presente. En las líneas siguientes,

122 describo una postura que, transductivamente, permite que lo fundamental del proceso de creación se propague, impregne y dé forma a un estilo de enseñanza respetuoso para con su objeto.

2. Pintar

Pinto pero, decididamente, no soy pintor de ideas ni de proyectos. Me considero pintor en proceso; más que pintar activamente, podría decir que sufro la pintura, que la pintura me pinta.

Trabajo al amparo de una tradición y un lenguaje, aunque para mí, ello sólo es condición de posibilidad. Diría más: lo que fundamentalmente me estimula es su puesta en crisis amorosa; precisamente por admiración, necesito, en ocasiones, un color no impresionista y cercano al de los dibujos animados, o una armonía alejada de las de Rembrandt y próxima a las estridencias de ciertas imágenes populares, o algo de indefinición anti-Ingres, similar a la de las fotografías digitales de baja calidad; en casos contados, una intuición temática puede servirme para comenzar pero, en general, me resulta prácticamente imposible encontrar motivación en la limitación previa a modos, temas o modelos concretos. Cuando comienzo a pintar, lo hago en un entorno, digamos restringido, pero no tengo una idea clara de cómo o qué voy a hacer y trato de apartarme de todo aquello que me resulte fácil, sujeto a fórmula o evidente. Intento partir de nada, y llegar también a algo que se asemeje a nada, para poder dar opción de identificación a un espectador cualquiera.

Pero tampoco soy expresionista. La confianza en el devenir no se traduce en la utilización de recursos formales o procedimentales concretos. Procuro mantener una relación abierta con lo material. Tengo, como todos, obsesiones ineludibles y una disposición constante para ir al estudio. Voy y trabajo: pinto como se me ocurre, mezclo,

123 combino, muevo las cosas; cambio de ritmo y las imágenes van surgiendo; a pesar de la sensación permanente de que el bloqueo acecha, siempre acaba apareciendo algo inesperado.

En los mejores casos, mi trabajo parece llegar a representar algo que transciende ese aspecto primario y básicamente terapéutico de la práctica, porque hay quien me dice que le emociona, o que se siente representado, o que lo entiende y le interesa. A menudo, no presto atención a ese tipo de opiniones pero, otras veces, recojo las respuestas y me identifico con ellas. El sinsentido del deseo propio, aparenta, de cuando en cuando, alcanzar y transmitir cierto sentido.

Sin embargo, yo no puedo esgrimir esas significaciones como justificación de mi actividad, porque no sería honesto; cuando lo que uno pinta deviene discurso, sucede a través de interpretaciones ajenas a las verdaderas motivaciones y modos de elaboración del pintor. Una cosa es el trabajo sensible y material y otra, muy diferente, los efectos que provoca, las interpretaciones que se puedan hacer de lo pintado, los textos que pueda originar, etc. Yo, ni parto del discurso, ni trabajo proyectivamente; buceo en la duración del proceso entendido como puro devenir.

Ese devenir, espacio de acción entre imágenes que tiran de mí en una u otra dirección es, sin duda, productivo: produce restos, que son obras. A veces, éstas se inclinan más hacia un lado, otras veces hacia otro, y eventualmente, se produce una síntesis. Es, sin embargo, imposible para uno mismo, saber cuándo y bajo qué condiciones puede suceder. Por eso, momento a momento, cambió radicalmente de manera de pintar, a medida que va imponiéndose en mi ánimo una tendencia u otra. También por el convencimiento profundo de que la síntesis siempre llegará cuando menos la espere.

En ese proceso, el concepto transducción nombra el modo particular del

124 devenir- elaboración-pensamiento en pintura. La transducción se concreta en la operación de seguimiento de la imagen en su propia génesis. Porque confío en ella como método, el punto de partida no es más que la emergencia de cierta voluntad de forma, pero sin objetivo previamente definido. Según hago, según pienso, se van conformando un origen, un destino y todo el dominio material, afectivo, temático, procedimental y conceptual que los define. No sé lo que estoy haciendo, no sé lo que estoy pensando, hasta que lo tengo ante mis ojos, hasta que se consuma la experiencia. Apuesto, primero por Jauss, y luego por Dewey:

"...la idea de una obra de arte no es un modelo previamente dado, sino la regla que no se hace evidente más que en su propia producción. El conocimiento que lleva consigo la producción estética no es ningún reconocimiento platónico, sino la regla de la producción descubierta en el construiré o en el hacer" [3]

Dewey:

“...tenemos una experiencia cuando el material experimentado sigue su curso hasta su cumplimiento. Entonces y sólo entonces se distingue ésta de otras experiencias y se integra dentro de la corriente general de la experiencia" [4]

La experiencia consumada posibilita la unidad y la lógica de sus fases constitutivas previas, que sin embargo, no estaban teleológicamente determinadas. De otro modo su conclusión no hubiese sido una experiencia, sino un acto mecánico de repetición apenas significativo. La transducción como método pictórico posibilita el descubrimiento de la regla que supone esa experiencia: es la experiencia de la experiencia.

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3. Enseñar

Enseño pintura, pero no sé cómo hacerlo; no por falta de conocimiento ni por carencia de recursos didácticos, sino por renuncia a ellos: reconociendo desde la experiencia personal que la práctica artística está enraizada en el deseo del sujeto y consiste, fundamentalmente, en un devenir revelador, no confío en la premisa académica que, tácitamente, se nos transmite y, a nuestra vez, transmitimos: "primero aprende; luego, exprésate". Lo único que a través de ella se consigue, es postergar y no enfrentar el conflicto básico entre deseo y lenguaje que es motor del hacer.

Por eso, y por analogía con la práctica, el proceso que vivo como enseñante es, inevitablemente, proceso transductivo de creación. Situándome lejos de las certezas que pueda aportar un planteamiento del aprendizaje como dominio progresivo de un lenguaje ya dado, debo, en todos los casos, descubrir lo que cada estudiante necesita aprender, establecer las condiciones para la negociación entre su deseo y el mío, y aprender con él.

Esa idea de una enseñanza de nada (la cual no se define por sus contenidos sino por su forma inestable), es lo que entiendo como transducción educativa, analogía perfecta de la pintura de nada que caracteriza mi propia práctica:

“[la transducción] tiene algo de transmisión y otro tanto de traducción, algo de desplazamiento en el espacio y en el tiempo y otro tanto de paso de un registro a otro; sólo que se trata de un transporte donde lo transportado resulta transformado” [5]

Se trata de renunciar a todo programa y descubrir lo nuevo en proceso, siendo eso nuevo resultado de una particular relación entre sentido y sinsentido sólo posible desde una implicación subjetiva radical.

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Mantengo la convicción de que el estudiante que ve al profesor organizar, o quizá desorganizar, de esa manera la relación educativa, puede aprender a actuar de igual modo en su práctica artística.

Intento así convertirme en un pasador que en el proceso de construcción de su propia técnica como tal pasador establezca las condiciones de posibilidad para el aprendizaje de la pintura. Pasador es un término que proviene del francés passeur y que fue adoptado por el cineasta Serge Daney para referirse a la labor de sujetos que, de una manera u otra, propician el encuentro con el Cine. En concreto,

"el pasador es alguien que da algo de sí mismo, que acompaña en la barca o por la montaña a aquel a quien debe hacer pasar, que corre los mismos riesgos que aquellos de quienes está provisionalmente al cargo” [6]

La transducción educativa se basa entonces en un ejemplificar, en un acompañamiento que produce sus efectos sin necesidad de evidenciar ningún contenido concreto. Esta enseñanza-acompañamiento provoca, y lo que provoca es un aprendizaje analógico, similar al que produce el propio arte (que actúa en toda su efectividad cuando lo que vemos, más allá de interesarnos o emocionarnos, nos cambia, aunque no seamos conscientes de ello). No representa el proceso pictórico, no lo dice necesariamente, sino que en su devenir, revive todas sus fases. El profesor actúa como el pintor: encuentra el impulso necesario para la acción en su propio deseo y se esfuerza en modular el ritmo caótico de sus intenciones, sus conocimientos y sus imposibilidades tanto como sus habilidades. Trata de vivir la relación educativa desde las mismas premisas que su propia práctica pictórica y entiende que sólo se puede enseñar igual que se pinta. Como en un juego, en un ritual, o en una situación terapéutica, genera las condiciones óptimas para la puesta en situación de la que hablaba Simondón en la cita inicial, para que la vivencia concreta y reveladora sea posible.

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4. Palabra Hueca

Hablando de transducción educativa, es fundamental el lenguaje y la manera en que se utilice. Entiendo que, como profesor, debo aprender a hablar diciendo nada y conseguir, a la vez, que esa palabra devenga performativa, que ponga en marcha al oyente sin posibilidad de vuelta atrás, señalando simultáneamente la dirección de la propia tradición pictórica, de tal manera que la ley que parece recorrerla, su gramática, sea lo deseable; invertir, de alguna manera, aquello que repetíamos en la iglesia, y llegar a decir, en lugar de "tus deseos son órdenes para mí", "tus órdenes son deseos para mí". La palabra capaz de provocar esa inversión es lo que denomino palabra hueca.

Se refiere a un tipo de discurso que no apunta a un sentido último, sino a cierta verdad inconsciente, y que funciona como analogía de la obra de arte, en la que la significación la aporta el espectador. Tiene que ver con el discurso del analista en el sentido en que lo teoriza Lacan [7], como un discurso que, frente al universitario, marca una diferencia al no pretender hablar desde el lugar de la verdad y al no pretender ocultar a toda costa lo real.

Quizá un ejemplo experiencial sea la mejor manera de esclarecer una afirmación como la precedente. Cierto profesor me dijo: "tienes pincelada de paralítico". No fue una afirmación gratuíta, la frase fue pronunciada en un momento determinado, con un tono preciso (nada insultante) y habiendo ya establecido para entonces un tipo de entendimiento humorístico entre nosotros. La sentencia me hizo reír y a la vez me dejó perplejo, porque realmente no sabía por qué me la decía; si se lo hubiese preguntado, habría roto nuestro entendimiento tácito. El caso es que esa perplejidad me hizo poner en marcha un trabajo experimental (¿qué sucede con la pincelada?) que ninguna otra enseñanza ha podido igualar. Esa frase fue palabra hueca que me permitió interiorizar por mí mismo lo que necesitaba aprender. Y no

128 quiero decir que a partir de ese momento aquel profesor no tuviera nada más que ver con mi aprendizaje, porque fue precisamente él quien me proporcionó lo necesario para llegar a entender mi propia pincelada y todas sus implicaciones. Me refiero a que, a partir de aquel momento, le fui pidiendo nociones básicas, fundamentos o leyes que, entonces sí, me sirvieron. Diría, por tanto, que la función de la palabra hueca en tanto instrumento fundamental de la transducción educativa, es abrir hueco para que quepa en él lo necesario de la ley, para que una necesidad de sentido realmente experimentada ponga en marcha la negociación subjetiva entre deseo y lenguaje que caracteriza, tanto la práctica de la pintura, como su aprendizaje.

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LEGITIMAÇÃO DA ARTE HOJE: NOVOS CIRCUITOS, NOVAS RETÓRICAS

Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA) Largo da Academia Nacional de Belas Artes, 1249-058 Lisboa, Portugal [email protected]

Keywords: Educational turn, Alter Modern, viragem educativa, arte e revolução, curadoria

Abstract

Problematiza-se a disseminação da arte em torno de algumas novas tendências que têm vindo a ocupar o lugar dos circuitos de legitimação tradicionais. Observa-se, por um lado, a emergência de novas agências legitimadoras: a "estética relacional", o descentramento observado no "altermodernismo" (Nicolas Bourriaud). Por outro lado, o papel modernista das academias e as respetivas inércias de reação às vanguardas cederam há décadas o seu lugar a um "paradigma Bolonha" de aprendizagem ao longo da vida, a par com o fortalecimento das competências discursivas, quer de alunos quer de professores (a articulação puzzle entre licenciaturas, mestrados e doutoramentos). No campo dos públicos, a sua inclusão como suporte relacional veio a criar novas plataformas de interação e de instituição social, assentes em fórmulas informais e mais interativas: as associações, os coletivos, os jovens curadores. Todo este movimento pode ser enquadrado na chamada "viragem educativa" que se caracteriza por enfatizar uma tendência publico-cêntrica acentuada quer nas instituições de salvaguarda (museus, serviços educativos, fundações), quer nas escolas e institutos de arte (a formação ao longo da vida dos profissionais artistas, quer nos novos agentes (as autarquias, as residências artísticas, as

130 intervenções no poder local, quer nas próprias obras propostas por muitos autores, com uma vertente colaborativa crescente.

1. Introdução

Num panorama global, pode-se afirmar que há uma tendência ou uma ênfase colaborativa que atravessa os discursos artísticos de produção e de disseminação, incluindo também as lógicas que reorganizaram o ensino artístico especializado e os discursos curatoriais. Com o surgir de novas agências que se originam dentro do próprio processo artístico onde tem vindo a ganhar visibilidade o enquadramento de intervenções dentro de uma "estética relacional", a que se adiciona um descentramento observado no "AlterModern" [1], que tem vindo a afirmar uma busca de novos centros, uma convocação de novos suportes e matérias, e uma tendência geral em que as fonteiras do género (ex. "pintura", "escultura", "vídeo-arte", etc.) perderam a sua importância categorizadora em benefício de uma funcionalidade relacional que organiza a constituição das obras. Por outro lado, as academias viram o seu papel modernista ser substituído, pela multiplicação de níveis formativos (processo de Bolonha, programas de mobilidade, aprendizagem a longo da vida, curricula por créditos com crescente mobilidade vertical e horizontal) fizeram com que o argumentário anti-académico deixasse de ser aplicável: o aluno de artes não frequenta uma academia, mas três ou mais ao longo da sua formação de nível superior, com múltiplas oportunidades de mobilidade e de construção curricular. Ao mesmo tempo existe uma exigência crescente quanto às competências discursivas, quer dos alunos quer dos professores (a entrada das academias nas universidades criou percursos profissionais mais logocêntricos e exigentes, pontudos por múltiplas avaliações externas, exigência na produção académica e inúmeras provas concursais).

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Também a inclusão de públicos como suporte relacional às intervenções artísticas (da arte pública ao design social, das exposições colaborativas aos serviços educativos mais implicados) veio a criar plataformas de interação e de instituição, mais interativas: as pequenas associações e coletivos adquiriram preponderância, e os artistas de há pouco transformam-se, de modo orgânico, em agenciadores e curadores. O topos modernista da crítica de arte, antes estabelecida como gatekeepers vai ceder a influência a novas entidades inseridas nas lógicas da gestão e do mercado, um gestor de eventos, um programador que agencia sponsors ou que seleciona aquisições institucionais. A arte contemporânea assume disposições onde se começa a tornar mais visível a reprodução do circuito económico numa reedição dos conceitos de "resistência" e de "incorporação" numa recodificação do poder [2].

2. Pergunta: arte e revolução

Falamos de conflitos, de lutas de poder, e de revolução no que respeita às retóricas. A implicação na revolução é uma ocupação recente para a arte, talvez coincidente com o novo regime da República Francesa, excluindo a arte política por encomenda. O período da revolução francesa convoca alguns artistas, na efervescência de desenhar a nova dignidade do cidadão em o elevar às alturas dos enquadramentos académicos. Afirma-se, é certo, um olhar organizador de uma sociedade mais perfeita. São exemplo as pinturas e desenhos de David, o "Serment du jeu de paume" ("o juramento da sala de jogo da pela", de 1791) que poderá ser uma primeira instância de um documento que se afirma politicamente no sentido de modificar a sociedade. Também a "morte de Marat," de 1793, eleva ao lugar da grande arte um incidente mais ou menos fútil e com nada de heroico (a morte do publicista Marat às

132 mãos de uma mulher perturbada, enquanto estava no banho). Abre-se caminho a um posicionamento militante, aos discursos plásticos que visam um olhar desacomodado, ou mesmo chocante (Goya, Delacroix, Courbet). De certo modo as artes encontram um longo programa na luta de classes, ou para suavizar, nas oposições entre jacobinos e girondinos, ou, ao mesmo tempo, liberais e absolutistas. A planificação e a regulação centralizada, do gosto iluminista era muito recente assim como a centralidade das artes em torno do ideal da elevação académica, por Le Brun e Poussin: a Academia tinha pouco mais de cem anos (1648). É certo que o Estado emergira no absolutismo iluminado através da planificação centralizada e da normalização da sua organização geral. As artes tornam-se menos religiosas, mais civis, e convergem para o Estado, como representações do poder absoluto de direito divino: os jardins de Versailles, as pinturas segundo as hierarquias da Academia, esta agora patrocinada pelo Rei. A arte deve ser "clara e distinta" preenchendo os requisitos do desenho, do colorido, da iluminação, da composição. Mas acima de tudo a elevação temática, o grand goût, desloca os motivos profanos para a legitimação erudita de gosto clássico. Estabelecem-se padrões iconográficos exigentes e constrói-se um olimpo imaginário preenchido do que é representável e valorizável nas galerias do Rei, o que é compaginável com os padrões do novo despotismo iluminado. Das epopeias clássicas ou bíblicas, a pintura reproduz o que se imagina tentando ilustrar numa só cena cuidadosamente composta toda uma história completa e sequenciada. O gosto narrativo torna-se mais complexo e exigente no que diz respeito a expressões patéticas, a torsões anatómicas. A perfeição do gosto reproduz a perfeição do Estado, a disciplina, uma novidade, lança mão das coreografias pintadas, ou desempenhadas nas danças da corte. Os gestos significam, os mais pequenos, estendendo-se às mínimas regras da etiqueta, como um eterno cerimonial protocolar do lever de Louis XIV (le petit lever, le grand lever). As artes acordam do

133 mesmo modo, hierarquizado, composto, organizado, sofisticado e jogam-se em retóricas elevadas que elevam o seu patrocinador Real. O contexto é heróico.

3. Perguntas: a revolução é apolínea

Então como é que a revolução chega às artes? Precisamente por as artes se apresentarem de modo tão modelar e exigente, tão elevado e erudito, tão diferenciado e distante, tão excelente de tema, de desenho e de cor. As academias são salas de ensaio retórico para uma grandeza vacante. Vão ser chamadas a fornecer novos espelhos da perfeição programática sonhada. Os artistas vão reivindicar a representação apolínea da revolução, que se deseja um triunfo da razão, perfeita como as artes decorativas, e como as alamedas de Versailles. Os sábios, que querem reorganizar a sociedade em direção à igualdade da cidadania, continuam a procurar as imagens e os sons da nova sociedade, onde há juramentos, bandeiras, bravura, resgate de oprimidos, anúncios de concórdia, e imperadores que salvam. Depois desta "privatização" da arte, que coincide com a abertura do Museu – agente republicano de ilustração dos cidadãos agora iguais - teremos uma mudança temática gradual de gosto e de temas. A pintura prefere um "Massacre de Chios" (Delacroix, de 1824) evocador da guerra de independência grega e que se refere a um episódio ocorrido no ano anterior, com dimensões "políticas" (260 × 325cm). A revolução chega à pintura, a implicação convoca os intelectuais para as mais nobres contendas, a política torna-se apolínea. O Salon fornece o veículo, o palco onde se preparam as revoluções que se seguem. Prefere-se também o sofrimento dos iguais, a oração dos humildes, ao retrato dos ambientes nobres. O realismo encontrará Courbet que reivindica um "realismo" actual, aqui e agora, contra a fábula académica. Isto para refletir sobre a arte e a sociedade: porque é a arte tão central à revolução? Sê-lo-á ainda hoje?

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4. Perguntas: um cubo que se digere lentamente a si próprio

Hoje encontram-se várias formulações de intervenção política, pela matriz colaborativa. A arte convoca os corpos reais e os seus adereços de consumo vão. Intervém-se através de objetos a que normalmente não prestamos atenção: gelo, sal, pedras, argila, destroços. É o paradigma de apropriação, de ressignificação, de deslocamento, de metonímia. Intervenções de artistas interpelam através de uma economia simbólica, alternativa ao circuito dos objetos, que advém da inversão dos valores das coisas de consumo. A descontextualização e recontextualização opera-se na câmara branca, no dispositivo modernista. O "Cubo" digere lentamente a sua dissolução crítica [3] através de instalações multiformes. É verdade que o processamento é lento, majestoso: não se digere a grande arte de modo rápido. É esta a apropriação de vestígios, entulhos, restos industriais e comerciais, ready-mades, matérias-primas, extensões materiais e conceptuais de redes conectivas. Demorada: recorda-se a intervenção pioneira das colagens cubistas, das assemblages e instalações de Duchamp, das justaposições Fluxus, das apropriações POP, das conexões sistemáticas da Arte Povera, da Arte conceptual e de um contemporâneo mais pós-conceptual, das derivas net art, glitch art, vídeo arte, todas esta a encerrarem uma atitude de deslocamento - agindo no eixo paradigmático, associativo, metafórico, para usar a terminologia estruturalista. Falamos dos posicionamentos retóricos que relacionam as matérias e os sentidos. A coisa aqui parece ser mais simples: joga-se nos objetos contaminados por investimento cultural. A infraestrutura marxista assentará, na arte, na superestrutura para uma nova relação de produção que parece ser onde a arte gosta de se jogar [4]. Os significados dos objetos são os significantes da arte, não para uma deriva retórica, mas para um "ataque retórico" que se encarniça nas últimas décadas e que

135 parece estar cada vez mais adoptado como estratégia de construção de sentido.

5. Pergunta: revolução e participação do corpo

No panorama geral, as coisas são chamadas ao centro [5]. Colocadas como novos centros por descentramentos sistemáticos os discursos são evidenciados e instituem-se como planos de expressão: as leituras serão metalinguísticas e exigem cada vez mais participação do espectador [6]. O resultado pode ser ambivalente: mais significado, mais resistência, mais aderência a um pensamento crítico, ou o seu oposto, mais significado, mais aderência a uma incorporação dominante e acrítica. Neste ponto parece arriscado vaticinar se a deriva é totalmente orientada pelo reforço de um sistema de validação, ou se é geradora de verdadeiras novas perspetivas sobre o mais difícil, o humano. Usar a arte, vestir a arte, estender a arte pelo corpo, inscrever os corpos na arte. Este desígnio é muito contemporâneo e ao mesmo tempo poderá ser uma deriva neo-romântica: o corpo é frágil, é tísico, é álgido, é fetichizado, é morto, é exposto como relíquia de um desejo de memória, é objeto de um olhar algo orientalista. Deseja-se um corpo em transe, não existente, Pigmalião, digitalizado.

6. Pergunta: resistência ou incorporação

Os discursos do corpo podem ser construtores de identidades e testemunhos de uma desconformidade entre os significantes e os conteúdos cada vez mais binários, bit maps que dispensam os corpos. Mas são os corpos que contam, que sentem, que recordam, que observam, que se localizam na paisagem.

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As retóricas necessitam de momentos de produção e de reconhecimento, as suas "gramáticas" [7] [8] que lhe são exteriores, mas as conformam. Os discursos da arte são eles mesmos retóricas inseridas em gramáticas de produção, a montante, e sujeitas às gramáticas de reconhecimento, das quais estes artigos também fazem parte, a par da receção continuada da obra. Sendo certo que uma e outra gramática (de produção e de reconhecimento) são ambas portadoras de imputação ideológica, de manifestação do poder, de "astúcia" da sua reprodução [9], não é menos verdade que existe uma assimetria nesses momentos: a produção está conformada por estruturas de produção, de relação e quadros de conhecimento que se fecham no tempo definido, enquanto que no reconhecimento o processo permanece em aberto para sempre [2]. Surpresa que nos espera no final da revolução, o refluxo conservador, que recorda o sabor das antigas inquietações. A política de hoje é muito rápida, cheia de pathos, de emoções instantâneas e virais. As campanhas fazem-se com tweets. As emoções epidérmicas ocupam a totalidade de uma paisagem doente, infirme, digitalizada [10]. Assim parece mais difícil uma tábua rasa na intencionalidade artística, fazendo surgir inquietações: pode-se ser interventivo sem se perder a inocência?

7. Pergunta: há um colonialismo financeiro

A construção de um tecido relacional poderá ser espontânea se estivermos ao nível coloquial. Ao nível dos agentes artísticos as interferências e os muros replicam os dispositivos hegemónicos de poder, hoje associados ao mundo financeiro: o dinheiro manda, tem a sua agenda, os seus circuitos preferenciais, as suas zonas de coagulação na forma de investimento artístico. Este processo dita normalmente a

137 exclusão dos seus primeiros agentes, os artistas, ou coage-os a uma adesão à hegemonia. Se há coisa que a arte inclua na sua definição é a sua vaidade: os homens morrem, a sua arte permanece, é cuidada, merece ser conhecida, ensinada, mostrada, protegida, divulgada. São contextos que importa compreender, conhecer, convocar. Os espaços carentes de discursos tornam-se anómicos, colonizados, sem identidade, uma instância da sociedade sem relato [11]. O terreno em causa é o nosso, porque falamos da identidade, da emancipação cultural, da autonomia discursiva. Como ter identidade, sem reconhecimento dos discursos comunicativos? Esse é um problema que talvez ajude a compreender as manifestações associadas às subculturas, ou às movimentações em direção aos novos populismos: para além da materialidade e do aumento do consumo global, não há comunicação reconhecida das identidades existentes [12]. Há uma carência generalizada, fora dos centros de poder, de discursos verdadeiramente emancipados que se exigem [13]. Aqui se encontra um dos locais para um posicionamento de resistência: aumentar a produção discursiva e emancipatória, promovendo o conhecimento e o reconhecimento qualificado de artistas e obras, num posicionamento recentrado nas culturas locais e excêntricas, nas identidades. A situação da arte é de ameaça e é cada vez mais dependente de contextos de participação [14].

8. Pergunta: há novos discursos para uma descolonização do artista

A proposta é construir discurso, mas invertendo as hierarquias. Suscitam-se novos discursos, em que os enunciadores são os próprios artistas, tomando por objeto a obra de outros artistas. Os interesses legitimadores dissipam-se e entra ar fresco no circuito poderoso da arte.

138

É preciso contrapor resistência, ocupando espaço, construindo discurso, contribuindo com conteúdo informado e qualificado. O desafio é atual: a produção destes discursos, por artistas, tem uma legitimidade calibrada pela história, pela diversidade [15]. Certamente irão ter mais ou menos justificação, mas a sua existência não é ignorável. O artista assume mais responsabilidade, incorporando agencias, não apenas do lado da produção solitária, mas também do lado do reconhecimento, onde se completa o ciclo da reprodução do poder [16]. As excentricidades são procuradas num processo de nova descolonização ideológica. Elena Tejada, peruana, será um exemplo desta consciência de uma mestiçagem identitária a proteger e a não deixar submergir:

En su performance, “Boundaries” [2000], Elena Tejada se esfuerzó por leer en inglés - pronunciado como se escribe - libros de arte, subida en una mesa y rodeada de libros, y terminó masticando y tragando las páginas de uno de estos incomprensibles depositarios de la verdad sobre el arte. [17]

Elena Tejada constrói uma persona emancipatória, reivindicativa e interpeladora, que se expõe frágil assume o seu poder pelo confronto. Na Bienal de Lima, 1997, urina, de cintura nua, frente aos curadores e críticos presentes. O modelo é formativo, consciente, e ambiciona mais: mais relação, mais conhecimento, mais disseminação, mais públicos, mais discursos sobre arte, mais conhecimento. É uma nova estética, mais que relacional [18] é uma estética cognitiva. A atitude é de resistência. Vencer o capitalismo cognitivo das hegemonias dos discursos artísticos exige persistência e inovação. O desafio é deixado a todos, artistas, públicos, agentes formativos: há um

139 movimento educativo em marcha, uma viragem, que reposiciona no centro as práticas colaborativas e a criação de públicos [14] [19]. Constrói-se reconhecimento, devolve-se olhares atentos a artistas que sofriam desatenção, promove-se a maior proximidade cognitiva, partindo de uma emancipação dos artistas e dos públicos [20]. O projeto poderá estar em curso: dar a conhecer quem está por conhecer, é preciso fazer funcionar os circuitos relacionais excêntricos [1] [14] e antepor à colaboração um conhecimento mútuo que robustece os discursos, e origina novidade nos discursos sobre arte.

7. Conclusão: viragem educativa? Astúcias colaborativas?

A agência artística é criadora de políticas, e pode ser geradora de novos públicos. Aqui se encontra uma justificação para novas formas de intervenção no campo do reconhecimento artístico, agindo formativamente, conforme se vem tornando mais presente e necessário [21], através de praticas artísticas abrangentes junto de todas os actores da esfera artística [22]. O contexto é reconhecido como de viragem educativa [19], quando se observa uma tendência de convergência de agências na direção inclusiva, colaborativa, participativa, por parte de instituições, escolas, museus, plataformas de disseminação e de produção, artistas e educadores [23]. A tendência anti-artes-plásticas afirmou-se com uma plena intencionalidade na convocação de relacionamentos logo na concepção artística. O artista vem assumindo uma responsabilidade curatorial ao incluir como suporte as conexões sociais que activam a obra. As peças propostas carecem não de canais de comunicação, mas são elas mesmas os canais que as fazem existir. O paradigma é cada vez mais relacional [2] ao mesmo tempo que a criação de públicos entra dentro da esfera de ação do autor: o público já espera ser interpelado, convocado, parece reclamar maiores parcelas de intervenção.

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Esta é uma tendência turbulenta e apelativa que se consolida em torno dos olhares atentos do art world: perde-se univocidade, descartam-se os guardiões da legitimação [24] diminui-se o peso do gatekeeping [25] [26]. Aqui os territórios alargam-se, tornam-se coincidentes com os mapas, com as derivas do espaço urbano, a cidade torna-se um novo suporte, os ambientes informais tornam-se oportunidades para uma maior intervenção educativa do autor [27]. É um dos aspectos multiformes do "educational turn" nas artes [19], termo que talvez possamos traduzir por "viragem educativa". A viragem educativa possui múltiplas áreas de intervenção: quando o discurso artístico, curatorial, mediático e de gestão institucional se orienta para uma maior interação relacional, através da convocação de novos públicos, mais visitantes, mais interação pelas redes e dispositivos móveis, mais implicação informal através de novos espaços e de novos circuitos de circulação, mais implicação formativa dos artistas na produção de discursos sobre a arte, mais ênfase na formação artística através dos mais recorrentes mestrados e doutoramentos, com novas soluções de inserção académica, como a pesquisa baseada na prática, entre muitas outras instâncias [28].

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QUANDO OS PROFESSORES SÃO AUTORES: NOTAS SOBRE O MOVIMENTO A/R/T/OGRAPHY

Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA) Largo da Academia Nacional de Belas Artes, 1249-058 Lisboa, Portugal [email protected]

Keywords: A/r/tography, investigação baseada na prática, educação artística, artista, curadoria

Abstract

Problematizam-se os movimentos contemporâneos que fazem convergir arte contemporânea e educação, como por exemplo o A/r/tography. Este movimento propõe a construção de discursos mobilizadores através da criatividade artística de professores, envolvendo-os em trabalhos colaborativos que convocam alunos, e toda a comunidade. A relação tradicional entre teoria e prática é atualizada por uma relação rizomático e de metodologia aberta marcadamente artística, produtora de adesão, implicação e construção de discursos participados. Há uma orientação em direção ao processo, mobilizando plataformas de comunicação e um clima de trabalho em curso. Apresenta-se uma perspetiva dos posicionamentos, concretizações e intervenções dentro deste movimento que promove uma renovação na educação artística através da implicação do professor enquanto artista.

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1. Introdução

O movimento A/r/tography parte de um paradigma de investigação baseada na prática intermediando a educação artística e a prática artística [1] [2] onde se relaciona de modo não hierarquizado múltiplas propostas, objetos, concretizações, projetos, ideias, e estruturas que se articulam num discurso que mobiliza tanto professores, como alunos, como toda a comunidade, gerando novas experiências e contributos cognitivos [3]. A relação tradicional entre teoria e prática é substituída por um relacionamento retroativo, servo-assistido, e rizomático, gerador de novas vagas de implicação e construção de novos consensos ou dis/sensos [4]. Procura-se transformar a teoria em processo, mobilizando novas plataformas de troca, relação e reflexão que promovem um estado de movimento continuado. Neste texto apresenta-se uma perspetiva dos posicionamentos, concretizações e intervenções dentro deste movimento que promove um posicionamento diferente na educação artística através da implicação do professor enquanto artista.

2. O que é o a/r/tography

A proposta a/r/tography surge de uma consciência crescente num grupo de estudantes de doutoramento: uma espécie de manifesto, que incorpora algumas referências pós-estruturais, princípios ou posicionamentos teóricos que se afirmam como uma metodologia alternativa. A universidade é British Columbia (Canadá) e a principal orientadora é a prof. Rita Irwin [5]. As teses vão desencadear-se entre 1995 e 2005, até surgir a primeira formulação, a primeira afirmação do que é um posicionamento perante o desafio de uma art based research, no que originará, por exemplo, practice led PhD [6]: então assuntos ainda em consolidação académica de debates controversos. Diz-nos o manifesto (1):

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"Estar envolvido na prática de uma A/R/Tografia significa pesquisar o mundo através de um processo em desenvolvimento de fazer artístico em qualquer forma de arte e escrita não de modo separado ou ilustrativo um em relação ao outro mas de modo interligado e entretecido um através do outro para criar significados adicionais e / ou amplificados. O trabalho A/R/Tográfico é concretizado através dos conceitos metodológicos de contiguidade, pesquisa vivencial, aberturas, metáfora/metonímia, reverberações, e excesso, que são acionados e apresentados / desempenhados quando um estado de pesquisa estética relacional é entendido como incorporação de entendimentos e trocas entre arte e texto, e entre e por entre as identidades alargadas do artista /investigador / professor. A/r/tografia é inerentemente sobre o próprio enquanto artista / investigador / professor, mas também é social quando grupos ou comunidades de a/r/tógrafos se reúnem para se comprometerem em pesquisas partilhadas, agirem como amigos críticos, articularem uma evolução de questões de investigação, e apresentam os seus trabalhos coletivos / evocadores / provocadores" [7]

3. Arte e escrita

Importa aqui salientar alguns aspetos estruturais para esta atitude cognitiva de validação interna de um saber artístico. Primeiro o conceito de interligação processual entre o que é de expressão visual criativa (art) e o que é de expressão escrita. Enfatiza-se que a ligação não é ilustrativa ou acessória, não é um apartado do conhecimento artístico, que o conhecimento produzido assenta numa processualidade que integra as expressões artísticas e linguísticas [8]. Este posicionamento compreende-se como um dos sinais de resistência à formalidade académica, por um lado, e como um apelo a um exercício continuado do conhecimento sem o separar das práticas artísticas. Não considera a exploração artística como um tempo destacado da

146 produção de um corpo de conhecimento, do tipo tese. Enfatiza-se que todo o processo vivencial da pesquisa, vivido pelo investigador na primeira pessoa, poderá ser transmitido através das obras e está nelas incorporado devido à sua dimensão atuante: a exploração processa-se no tempo e transforma o autor e com ele o leitor. Os campos de partilha alargam-se em torno de um compromisso performativo: quem conhece desempenha conhecimento e torna esse conhecimento conhecível através dos recursos expressivos, entre os quais a escrita. A escrita mantém um posicionamento chave para assegurar a compreensão dos conhecimentos propostos, a escrita é um modo de negociar, intermediar, intercambiar o conhecimento inerente aos processos de criação artística. Surgem então propostas na primeira pessoa, onde a observação é por vezes em "câmara subjetiva" e a escrita acompanha uma experiência narrada na primeira pessoa. A transmissão da experiência será uma peça chave da experiência a/r/tográfica [9]. A transmissibilidade do conhecimento é então uma característica partilhada e fundadora que estrutura relação entre a palavra e a exploração artística. Os resultados da imbricação textual / não textual são de amplificação e de detonação: a subjetividade partilhada de uma experiência criativa pode ser surpreendente, e não raro oferece resultados de superação e partilha cognitiva talhada com uma consciência da comunidade, do leitor, do "público". Trata-se de, através da comunicação de experiências baseadas em subjetividades vivenciais e projetuais, gerar novos sentidos, potenciar perspetivas, novos conhecimentos, ressignificar. Os significados resultantes do processo advêm dos espaços a preencher, como nas narrativas: o leitor é ativo a preencher os pensamentos e emoções do texto, completa as experiências, integra a dimensão criativa ao ser integrado no projeto numa posição quase colaborativa. O texto dirige-

147 se-lhe implicitamente, para além da perspetiva em câmara subjetiva, seja em sentido real ou figurado. A "câmara subjetiva" denomina um tipo de enquadramento na linguagem do cinema que faz coincidir o que o personagem pode ver com o que o espectador vê. Aqui o personagem deste processo para- narrativo é o investigador; e o público é o leitor a quem o conhecimento se dirige. A experiência deverá ser partilhável, isto é, eficiente em termos comunicativos.

4. Contiguidade

"Contiguidade" é um dos conceitos metodológicos reivindicados pelo a/r/tógrafo, juntamente com "pesquisa vivencial, aberturas, metáfora/metonímia, reverberações, e excesso" [10]. Sobre o potencial metodológico de "contiguidade" poderei apontar dois conceitos próximos mas diferentes: o de processo e o de rede. Estes são conceitos (pós) estruturalistas. Processo está próximo das dimensões sintagmáticas: algo que se desenrola no tempo, sendo impossível finalizar os significados devido ao deslizamento semântico: os significados emergem e modificam-se com a construção do discurso. Ao longo da construção da frase, do discurso, o significado modifica-se. O processo é caracterizado pelos autores pós estruturais (Barthes, Foucault, Derrida, Kristeva). Roland Barthes assume que o eixo do sintagma é o eixo do "processo" para o opor ao eixo do paradigma, ou eixo do "sistema." A oposição é conhecida desde as oposições propostas por Saussure: o processo está in praesentia, o sistema está in absentia. Se admitirmos que a vivência é presencial, compreendemos a importância da contiguidade, que se refere portanto à experiência do processo. Ao longo da contiguidade, linha vivencial, construção de experiências e discursos, eixo do processo, os significantes são deslizantes. A "différance" torna-se significado em geração, construção, corte

148 sintagmático [10], o tempo entra na axialidade processual e chama a si a construção do sujeito, e a implicação do leitor. A identidade surge objeto a perseguir, emerge de um desempenho. Os enunciados, através da sua construção, são referenciados em relação aos enunciadores, dependem deles, constroem-nos. Os diversos enunciados constroem outros tantos desempenhos [11]. Tema difícil, a arte. Aprecia-se, faz-se, e discute-se retoricamente. Uma rede pode ser hierarquizada, como uma rede viária, ou não hierarquizada, como uma rede sem um centro. Aqui o conceito de contiguidade tem implícito um princípio de intercomunicação que não tem é já a linearidade sintagmática (ela interessa enquanto processo, não enquanto linha), mas sim um outro tipo de estrutura. A antiga árvore de Porfírio, a árvore que ramifica o conhecimento segundo as lógicas aristotélicas, dá lugar às raízes intercomunicantes do rizoma: não há um centro, não há uma filiação, não há uma lógica evolutiva, há sim um princípio geral de contiguidade, e uma antecipação ao hipertexto [12] [13]. Aponta-se que o cérebro é muito mais uma erva, adaptativa, caótica, pertinaz, que uma árvore, inerte e arrumada: "o pensamento não é arborescente" … o cérebro é "um sistema probabilístico incerto, uncertain nervous system. Muitas pessoas têm uma árvore plantada na cabeça, mas o próprio cérebro é muito mais uma erva do que uma árvore." [12] Assim se propõem contiguidades alternativas, não isentas, mas explicáveis: os mapas podem ter as linhas que neles marcarmos e não lhes é inerente qualquer linha recta: elas afinal nada representam que a si mesmas. As linhas ganham processualidade, os conceitos devem ser preferidos como se fossem assinaturas: os conceitos promovem núcleos rizomáticos, e propõem novos problemas.

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5. Pesquisa vivencial

A escrita na primeira pessoa é uma das atitudes observadas pelo a/r/tógrafo. Mas não só. A ênfase metodológica no processo implica a sua vivencialidade in praesentia. É a experiência que conduz e entretece os posicionamentos temporários – conceitos – para que eles desencadeiem novas relações e novos ganhos cognitivos. [14] Da justaposição da vivência subjetiva com a experiência das narrativas na primeira pessoa resulta uma amplificação do evento, como sucede com o diário de campo, e favorece-se a detonação de conceitos operativos, contrastes, através da retroação processual. A pesquisa incorpora em si mesma a sua experiência subjetiva e contribui para novos níveis de significação, sejam conotativos (em codificação) sejam meta-linguísticos (em descodificação). Os procedimentos, ora planeados, ora de oportunidade, coexistem com as ligações rizomáticas do quotidiano. O dia-a-dia do pesquisador pode ser uma caixa de ressonância para uma valorização da identidade crítica. A pesquisa desenrola-se no processo vivido, integra a sua própria história como matéria de observação participante, a subjetividade justifica-se pela possibilidade de se validar pela eficácia da comunicação de uma e outra vivência [15]. A experiência da produção é uma dupla experiência por poder incorporar uma experiência da sua leitura, do seu conhecimento, numa estrutura de semiose que conduz a conceitos de nível mais complexo.

6. Aberturas

As aberturas podem ser eventos críticos, rupturas, entalhes, bloqueios, mudanças de direção, propostas de novas linhas. A abertura é a cedência à novidade, o choque da experiência, a integração da derrota, a assimilação do diferente, do imprevisto.

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Abertura implica descentramento, estranhamento, reconfiguração. Abertura inclui o processo integrador da adaptação que se exige. A abertura promove reorganização, aumento de complexidade, alargamento da experiência, amplificação do horizonte vivencial. Abertura é hibridação de experiências, eventualidades. É não normalização, é ruptura no que é regra e no que é sistema. A abertura preconiza mudança, aprendizagem, desafio, confronto, novos objetos. A abertura acompanha-se do correlato subjetivo que é a construção de um novo sujeito para cada abertura: a abertura é uma instância de construção de subjetividade identitária, faz parte de todos os processos cognitivos [16].

7. Metáfora / metonímia

Os mecanismos da metáfora (in absentia) são opostos aos da metonímia (in praesentia), mas ambos são estruturantes comunicativos. Se a metáfora se joga no eixo da associação, a metonímia joga-se no eixo da combinação. Entre uns e outros obtém-se uma estrutura que nos organiza na linguagem. Ou uma linguagem que nos organiza. Aqui integra-se um pensamento que se debruça sobre a sua própria discursividade, e a pensa do lado de dentro, podendo este ser o seu lado ideológico. Essa é uma oportunidade de interrogação aprofundada. [16] [17] A metáfora permite comunicar justaposições e criar confrontos de inesperados amplificando os seus ganhos expressivos. Condensam-se percepções, emoções, conceitos, em benefício de novas significações in absentia, intemporais. Permite saltos conceptuais, relações não lineares, descontinuadas. Os universais compreendem-se através destas justaposições metafóricas. A metonímia, por seu lado, é próxima da contiguidade e favorece as expansões rizomáticas, a conectividade, a contaminação de afinidades, a cronologia, a diacronia. A metonímia joga-se na vivência e na sua

151 gravação, registo, recordação, e tem uma ligação ao vivido, à linearidade e à sua elipse, na montagem. A metonímia incorpora a vivencialidade, simulando-a. A metonímia é também um local para substituição, separação, procedimentos diacrónicos e diegéticos: é um sítio de subjetividade, de experiência e de ocorrência. As transformações procedem aqui.

8. Reverberações e excesso

A reverberação é o que resulta de uma interferência. O a/r/tógrafo promove vivências, acontecimentos significativos, provocações, que irão provocar novidade. A justaposição das vivências gera ressonâncias que se observam como meios para mais resultados. Aqui o excesso é um dos pontos e das possibilidades. As interferências a/r/tográficas são colaborativas, participativas, explorando a estética relacional [18]. A implicação é um dos resultados, e como meio artográfico encontra-se a inclusão do leitor, do público, nos resultados processuais da pesquisa. A recepção é incluída no processo como uma sua componente [19].

9. Conclusão: a/r/t

A proposta da artografia é uma das instâncias emergentes dentro de um panorama mais alargado. Na sua designação uma justaposição programática: a coincidência no mesmo processo do pesquisador como artista (a/), investigador (r/) e professor (t). A proposta tem uma vertente pessoal, esta coincidência das três valências na intervenção artística e investigativa, e uma vertente social, possibilitada pelo trabalho em grupo, em comunidades de a/r/tografia: a investigação pode ganhar mais reverberação, mais ressonância, mais amplitude: os processos, se forem partilhados, aumentam as redes de

152 conexão e as possibilidades de retroação, de novos núcleos, de estabelecimento de novas possibilidades rizomáticas. Os "amigos críticos," outros a/r/tógrafos, são de grande oportunidade, pois podem amplificar a experiência, contribuir para uma vivência processual e narrativa de um nível partilhado mais complexo e consequentemente mais crítico [20]. Aqui os problemas podem ganhar mais profundidade, na forma de novas questões de investigação, ou de novos níveis de problematização. Também a comunicação da experiência faz parte do processo a/r/tográfico: os coletivos podem ser mais ou menos provocadores, mas certamente ganham e enriquecem com as suas manifestações a/r/t uma comunidade alargada que deve ser convocada, implicada e integrar o processo de conhecimento que aqui se procura.

Notas To be engaged in the practice of a/r/tography means to inquire in the world through an ongoing process of art making in any artform and writing not separate or illustrative of each other but interconnected and woven through each other to create additional and/or enhanced meanings. A/r/tographical work are often rendered through the methodological concepts of contiguity, living inquiry, openings, metaphor/metonymy, reverberations and excess which are enacted and presented/performed when a relational aesthetic inquiry condition is envisioned as embodied understandings and exchanges between art and text, and between and among the broadly conceived identities of artist/researcher/teacher. A/r/tography is inherently about self as artist/researcher/teacher yet it is also social when groups or communities of a/r/tographers come together to engage in shared inquiries, act as critical friends, articulate an evolution of research questions, and present their collective evocative/provocative works to others.

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References 1. Irwin, Rita L. & deCosson, Alex (Eds.). (2004). A/r/tography: Rendering self through arts based living inquiry. Vancouver, BC: Pacific Educational Press. 2. Springgay, Stephanie, Irwin, Rita L., Leggo, Carl, & Gouzouasis, Peter (Eds.). (2008). Being with A/r/tography. Rotterdam: Sense Publishers. 3. Belidson Dias & Rita L. Irwin (Eds.). (2013). Pesquisa Baseada em Artes: A/r/tografia. (translated into Portugeuse). Originally published in: Sinner, Anita, Leggo, Carl, Irwin, Rita L., Gouzouasis, Peter, & Grauer, Kit. (2006). Arts-based Educational Research Dissertations: Reviewing the practices of new scholars. Canadian Journal of Education, 29(4), 1223-1270. 4. A/r/tografia: Uma mestiçagem Metonímica, by Rita L. Irwin (2009). In Ana Mae Barbosa & Lilian Amaral (Eds). Interterritorialidade: midias, contextos e educação. (pp. 87-104).São Paulo, : Editora Senac. Reprinted and translated into Portugeuse with permission from: Irwin, Rita L. (2004). A/r/tography: A metonymic métissage. In Rita L. Irwin & Alex de Cosson (Eds). A/r/tography: Rendering self through arts-based living inquiry (pp. 27-40). Vancouver, BC: Pacific Educational Press 5. A/r/tography, by Rita L. Irwin (2010). In Craig Kridel (Ed.). Encyclopedia of Curriculum Studies (pp. 42-43). Thousand Oaks, CA: Sage. 6. A/r/tography as Practice Based Research, by Rita L. Irwin & Stephanie Springgay (2008). In M. Cahnmann & R. Siegesmund (Eds.). Arts-based research in education: Foundations for practice (pp. 103-124). New York: Routledge. 7. Irwin, Rita L. Artography about http://artography.edcp.educ.ubc.ca/?page_id=69 8. A/r/tography: Always in process, by Carl Leggo & Rita L. Irwin (2013). In Peggy Albers, Teri Holbrook & Amy Seely Flint (Eds.). New Methods of Literacy Research. New York: Routledge. 9. Artist-Researcher-Teachers Collaborating in the Liminal (S)p(l)aces of Writing and Creating Artful Dissertations, by Stephanie Springgay, Alex de Cosson, & Rita L. Irwin (2008). In Gary Knowles, Sara Promislow & Ardra Cole (Eds.). Creating Scholartistry: Imagining the Arts-Informed Thesis or Dissertation (pp. 335-348). Halifax, NS: Backalong Books. 10. Derrida, J., 1978. "Cogito and the History of Madness." In Writing and Difference. London: Routledge. 11. Dias, Belidson (2011). O Mundo da Educação em Cultura visual. Brasília: Editora do Programa de Pós-graduação em Arte da UnB. 12. Deleuze, Gilles & Guattari, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, Vol. 1, Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2000 13. Deleuze, Gilles & Guattari, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, Vol. 3, Tradução de Aurélio Guerra Neto, Ana Lúcia de Oliveira, Lúcia Cláudia Leão e Suely Rolnik. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2004.

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14. Walking in Wonder, by Alex de Cosson, Rita L. Irwin, Sylvia Kind, & Stephanie Springgay (2007). In Gary Knowles, Ardra Cole, & Teresa Luciani (Eds.). The art of visual inquiry (pp. 135-152). Halifax, NS: Backalong Books. 15. The Liminal (S)p(l)aces of A/r/tographical Research, by Rita L. Irwin, Stephanie Springgay, & Alex de Cosson (2008). In Four Arrows aka Don Trent Jacobs. (Ed). (2008). The Authentic Dissertation: Alternative ways of knowing, research and representation. (pp. 241-248). London: Routledge of Taylor and Francis Books. 16.Studio Practice as a State of Mind – A/r/tographic Commitments as a Way of Being, by Rita L. Irwin (2007). In Maureen K. Michael (Ed.). About KNOWHOW Studio Approaches to Teaching and Learning: Volume 4 Minds Making (pp. 28-30). Cumbria, :; Unipress Cumbria. 17. A/r/tography, by Rita L. Irwin (2008). In Lisa Given (Ed). The SAGE Encyclopedia of Qualitative Research Methods (pp. 26-29). Thousand Oaks, CA: SAGE. 18. Bourriaud, Nicolas (2009) Estética Relacional. São Paulo. Martins Fontes. ISBN 978-85-99102-97-8 19. A/r/tographers and Living Inquiry, by Stephanie Springgay, Rita L. Irwin, & Sylvia Kind (2008). In Gary Knowles & Ardra Cole (Eds.). International Handbook of the Arts in Qualitative Research (pp. 83-92). Thousand Oaks, CA: Sage. 20. Communities of A/r/tographic Practice Engaged in Cultural Inquiry, by Rita L. Irwin (2007). In Jeong Ae Park (Ed.), Art education as critical cultural

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Cruzar las líneas: entre gesto, color, imagen y sonido

Universidad de Zaragoza, Facultad de Ciencias Sociales y Humanas, Grado de Bellas Artes, C/ Ciudad Escolar s/n, 44003 Teruel, Spain. [email protected] Keywords: abstracción, línea, ritmo, color, música

Abstract

Esta comunicación consiste en la presentación y reflexión sobre mi reciente proyecto pictórico, donde creación e investigación constituyen un mismo objetivo. Un proyecto que parte desde una reformulación de la pintura abstracta de raíces geométricas no icónica, ni retórica a través del valor expresivo de la línea (simplex linea). Mediante la utilización de esta, la pintura surge del desarrollo cognitivo y de la toma de conciencia del acto de pintar, de su ritmo, en semejanza al ritmo musical, y que constituye la apreciación de una vivencia, fijada en una caligrafía pintada. La línea es grafismo y su huella: la pincelada, la unidad mínima de expresión pictórica como el píxel lo es de la imagen digital. Así pues, mi investigación fluye a partir de una asociación entre la pintura y la música, música de tratamiento atonal, que en sus polifonías podemos entender policromías se relacionan con mi proceder mediante transparencias de color. En consecuencia existe una sinestesia entre el color y los sonidos, pero también entre el proceso y la acción del proceso. A través de la línea, puramente formal, se ordena el espacio, creando unas estructuras visuales donde se manifiesta una armonía entre el sentimiento y la razón; así mismo, las líneas configuran cuerpos geométricos e ideogramas que conectan sus estructuras con el pensamiento inconsciente. En definitiva, se trata de un trabajo donde concilio influencias cruzadas entre el pensamiento visual, el lenguaje de la imagen, la pintura, y el del sonido, en referencia a la convergencia actual entre las diferentes prácticas artísticas.

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Preludio (introducción)

Una pintura es un objeto que muestra una imagen, también es materia, cuerpo, pero también es un proceso, la obra sería finalmente el resultado de ese proceso; el resultado de un trayecto, todo lo que ha pasado “mientras tanto” para llegar a un resultado final. Sin embargo ahí no acaba la afirmación, en la contemplación de la obra, el espectador vive otro proceso, el que reconstruye la obra con la línea de su mirada.

La vita è una línea, il pensiero è una línea, l’azione è una línea. Tutto è línea. La línea congiunge due punti. Il punto è un istante, la línea comincia e finisce in due istanti.

Manlio Brusatin, Storia delle linee [1]

En este artículo voy a hablar del proceso creativo de unas obras que realicé hace siete años para un filme que realizó el musicólogo y compositor francés Jean-Marc Chouvel [2] titulado: Joaquín Escuder - Todo son rayas.(1) En el que se desarrolla un diálogo entre la pintura, la mirada y la creación musical, la experiencia derivada de la elaboración de esta película determinó el rumbo de mi trabajo que se puede percibir en la actualidad. El filme constituye el testimonio de una reflexión sobre las relaciones entre la pintura y la música, y también sobre la aportación pedagógica de la acción de pintar; cómo mediante unos medios premeditadamente austeros se puede dar lugar a un pequeño universo creado mediante una “danza” de colores, sonidos y gestos [3].

Todo son rayas

La película surgió de la amistad y de la sintonía estética con Jean-Marc, y de su tesón. Desde que lo conozco, siempre albergué el anhelo de trabajar en un proyecto común. Sin embargo, fue años antes, a raíz de

157 mi primera visita a su casa-estudio de grabación en el departamento de Corrèze en la región francesa del Lemosin, cuando barajamos esta posibilidad, la de hacer un trabajo que aunara su música y mi pintura, dado que encontrábamos puntos de conexión, todo ello materializado en un audiovisual, y ¿por qué no?, en una película: el soporte para articular sonido, imagen, pintura y tiempo [4]. Nos sedujo la idea de evidenciar nuestros puntos en común. Por citar uno: en su música de tratamiento atonal, sus polifonías, podemos entender policromías que se relacionan con mi proceder mediante transparencias de color. En definitiva la sinestesia entre el color y los sonidos, pero también la acción del proceso, representados en la grabación de este proceso.

Era una oportunidad de enlazar/fusionar dos geometrías, la plástica y la musical, tratando de conectar los puntos en común a la composición e interpretación musical y al signo gráfico y la acción de pintar. El interés mutuo en colaborar justos, Jean-Marc y yo, dio forma en un proyecto fílmico, audiovisual, en que yo realizaba unas pinturas en papel, mientras el grabaría la acción de ese trabajo, haría el montaje, compondría una música que a su vez interpretaría. Felizmente fijamos unas fechas para realizar este encuentro sin conocer con precisión lo que podría suceder. Para esta ocasión inauguramos la parte de taller de su casa-estudio, empezando con pintar el suelo, a modo de “toma de posesión” de ese espacio, como un ritual de preparación. Fueron quince días de inmersión por parte de Jean-Marc en la realización de mi trabajo, atento a los ritmos, tratando de entender el contrapunto de las líneas y de los colores que han dado lugar a una película. Una película donde el tiempo juega un papel importante. La aplicación de la pintura en una superficie —la aplicación del gesto del pintor— se lleva a cabo en un ascetismo muy particular, una longitud que a priori no corresponde al tiempo de visionado de la película: la contemplación de la lenta metamorfosis que lleva a la imagen final. Pero no obstante esta lentitud no se ve así, al contrario, hay una aceleración interior en el

158 ritmo de las ideas que fluyen, que se proyectan una en la otra, una maraña de relaciones que se construyen, de ideas que confluyen en la más inesperada forma.

Fig. 1 Fotogramas del filme Joaquín Escuder – Todo son rayas

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Fig. 2 Fotogramas del filme Joaquín Escuder – Todo son rayas

El resultado fue algo impreciso de clasificar como género fílmico, no se trata de un documental en sentido estricto, más bien es la fusión simbiótica entre música y pintura, resultado de la labor en un lugar y tiempo dados. Por otra parte, fue una sorpresa escuchar la música después, en el montaje, en un a posteriori. Música que, con sus llenos y vacíos, reorganiza y vertebra el filme, eso sí, sin caer en la tentación de interpretar las imágenes. Se me ha hecho necesaria la distancia temporal para escribir sobre la película, fuera ya de ella, surge empatía. El filme fue una oportunidad de colaboración que no quisimos dejar escapar, conscientes de lo irrepetible por la complejidad multidisciplinar que entrañaba.

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Constituyó un aliciente estrenar un taller edificado de piedra y madera, un espacio singular acabado de rehabilitar, donde al amanecer se percibía la fuerte presencia de la tierra que exhalaba la humedad del bosque próximo. Demasiados estímulos: desde que llegué estaba permeable a todos ellos, desde el entorno paisajístico, de naturaleza exuberante (muy cerca de las cuevas de Lascaux) (2), a las rotundas estructuras de los sistemas constructivos de la región; y la luz, atlántica, me anotaba Jean-Marc que es la irradiada por la luminosidad propia de los objetos. Una luz de sombras difusas, carentes del dramatismo de la luz meridional, en esta última las sombras, contrastantes, poseen su propia firmeza gráfica. O sea, la mejor combinación para que sucedan acontecimientos, porque en un lugar nuevo siempre pasan cosas nuevas, es como si aflorara otro yo escondido, activándose lo que se lleva dentro.

Añadida a la limitación de tiempo, desde el origen del proyecto se pensó en una economía de expresión, en el espíritu de trabajar con medios mínimos tanto en la música como en la pintura. En efecto, este fue otro de nuestros puntos comunes, en cierta forma como reacción al avasallador mundo audiovisual contemporáneo, pleno de efectismos y ostentación. Obrar con los medios elegidos o los disponibles establece una actitud terapéutica, para llegar a la complejidad con medios mínimos [5]. Esto es, optar por lo sencillo no quiere decir que el resultado sea simple.

Así pues, este hablar con medios sencillos para ser más claro se observa en la esencialidad de los materiales pictóricos usados: tintas, gouaches, acuarelas y acrílicos sobre papeles japoneses, pinturas al agua sobre papel, en paralelo al instrumento musical escogido: el clarinete. Aquí el instrumento musical, mediante la sustitución de la voz, también asume esta continuidad fundadora. Puede a su vez mutar de mil maneras, en función de los registros, de la intensidad del sonido y de la respiración,

161 de las innumerables interferencias que pueden surgir de sus propias fantasías o por el trabajo en la mesa de grabación. Por lo que a Jean- Marc no fue necesario recurrir a más instrumentos. En el filme se perciben intensos momentos de proximidad mimética entre el sonido del clarinete y el trazo del pincel nótese que éstos dependen del compás que impone el ritmo de la respiración. En el caso de este instrumento de viento hay una autolimitación que explota y explora toda su riqueza, con sus particulares registros, arpegios y escalas, interpretado a menudo en sus variantes menos ortodoxas, pero no por ello menos misteriosas, sin que la parca compañía de electroacústica le reste un ápice de protagonismo. Y a esta música se añade el sonido del ambiente, el del entorno inmediato del taller, los “otros sonidos”: el canto de los pájaros, el tañido de las campanas de la torre próxima, el paso del tren, hasta el ruido rasgado producido por el deslizar del trazo del pincel al extender la pintura sobre el papel.

Así pues, esta circunstancia nos hace volver al antes del signo, de la escritura, para encontrar de nuevo la evidencia del sonido que funciona como una marca que se traza. Consideremos, por ejemplo, que el pico de un clarinete puede convertirse en una especie de pincel, que dice en el tiempo lo que el instrumento del artista hace en el espacio.

La línea es a la vez lo que divide y lo que une. Traza la estructura y tiene su propia consistencia, pudiendo generar ella misma una superficie. Todo lo que se ve y todo lo que se oye tiene su desarrollo y su equivalencia en términos de líneas. El pincel no adquiere su espesor más que por la suma de todas sus fibras constituyentes formando una línea. Para un músico es también estimulante ver cómo se crea con la seguridad y la precisión de la mano todo un universo de materia viva, tanto en el espacio denso y tensionado de la tinta negra y del papel blanco, y a la inversa para el pintor escuchar una interpretación. El pincel y el clarinete se mueven de un lado a otro como una lanzadera. Afirma sus movimientos mediante variaciones más o menos

162 importantes de densidad y por respiraciones que son como saltos a través del espacio y del tiempo.

Fig. 3 Fotogramas del filme Joaquín Escuder – Todo son rayas

El filme no focaliza unas obras concretas, unas pinturas en sí. Mediante “rayas”, como raíles, se transita en torno a cuestiones de la pintura, de su proceso, de la acción, de la mano que piensa, y su extensión en el milenario pincel ―el pincel es una prolongación de la mano, una metáfora de la propia mano. Y, claro está, su huella: la pincelada, la unidad mínima de expresión pictórica, como el píxel lo es a la imagen digital. Superposiciones de tempo narrativo, musical y pictórico; de espacios ante el enigma del papel en blanco y la pulsión del trazo que

163 genera una arquitectura del signo. El montaje acrecienta el diálogo entre la música y la energía controlada de los signos, desde el gesto de la “escritura” automática a los aspectos secuenciales de la animación. Génesis de ideogramas imposibles, que nos conectan gracias al movimiento con el interior del pensamiento inconsciente. La cámara al filmar se contagia de ese dinamismo, gira, cambia de punto de vista, creando vistas insólitas; capta la sorpresa de la acción de pintar, respetando los accidentes, los elementos de discontinuidad, lo que escapa al control preconcebido.

Con todo, en apariencia no hay nada más que líneas y colores, eso es la pintura, no hay más verdad. Solo con líneas y colores, rayas y rayos de luz. Algunas obras que aparecen en la película son como una fina lluvia, compuestas de rayas verticales, entre los límites de la captación del fondo-figura, en cuyos lechos de colores, si se desenfoca la mirada, se perciben “presencias”. Rayados, mejor dicho hachures, en locución francesa intraducible. Tras el encuadre hay un músico que, con la cámara, dialoga con la línea; las líneas que recorren flujos de pensamiento en el trazo. No se trata de una teórica simplex linea sino de una línea que camina, andante. Una pulsión ritmada que deriva en una danza.

A Jean-Marc no le vi componer ni interpretar su instrumento. La música escuché en el curso de la edición y siempre integrada en las imágenes del filme. Me fascinó observar en la pantalla del monitor los gráficos del montaje, abstracciones fruto de la organización de los datos binarios. Pero sobre todo me cautivó ver, de soslayo, las anotaciones musicales de sus papeles pautados, rayados, salpicados de grafismos, representación gráfica del sonido y de las oleadas de grafismos, los sonidos que “se ven” en los signos, atrapados en retículas; pequeños filamentos de una caligrafía minúscula, rítmica, como la vibración de sus bellos dibujos ―Jean-Marc es un consumado dibujante― que casi

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“rayan” la precisión de Clouet o Ingres, en esa escuela de la tradición francesa que gusta de la línea contorno.

Sin duda, hay profundas y multiformes relaciones entre las rayas trazadas y la música: los pentagramas, las cuerdas de un violín, los tubos de un órgano, un teclado de piano ―todo esto lo sabían muy bien los cubistas―, los surcos de los discos. Pero también las rayas, el rayado, la retícula, constituyen tanto la pintura como la música, que son a la vez sonoridad, secuencia, movimiento, ritmo, armonía, proporción. Como ella también son método, razón, fluidez, duración y emoción. También mediante las rayas, música y pintura comparten un vocabulario común: escala, gama, tono, grado, línea, gradación, intervalo, lugar común de la noción de orden. Orden y clasificación como en los códigos de barras.

Y tampoco hay que olvidar la “línea del tiempo” narrativo del filme, que no es el del acto de pintar, que lo conduce la música, su tempo. Hay una reinvención en el montaje, en el movimiento de las imágenes que se evidencia de la captación directa. Algunas secuencias de la película exploran la posibilidad de un sueño animado en el que la música y las imágenes evidencian una coexistencia más complicada ―más polifónica también. El lenguaje cinematográfico no podía permanecer fuera de la experiencia. Con sus propios recursos, debía participar en el enredo de ideas y formas. Así existe una continuidad entre el sonido y la música, una continuidad entre escenas captadas y las construcciones cinematográficas. Pero hay veces en las que la relación con la realidad pierde el apoyo. Este pasaje hacia otro estado mental es necesario para acceder a un nivel de comprensión de una naturaleza muy diferente de la que permite la opinión tradicional. La película no es un documental sobre la pintura, un pintor o una obra particular: es una obra autónoma que se sitúa en el momento de la creación y que participa en el desarrollo de una visión y de una audición.

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Coda (conclusión)

La vida es una línea, la pintura nace de una línea, se vive y piensa través de las líneas. Las líneas son los itinerarios de nuestros procesos de pensamiento y están presentes tanto en la música como en la pintura y revela sus conexiones. Estas conexiones son la raíz del proyecto. El tema de la línea, la presencia de este concepto, tanto en la experiencia visual como en la sonora, marca una preocupación por la percepción del mundo y su traducción a elementos de dibujo o de fórmula melódica. Fuera de toda retórica, la pintura tiene como función inherente atrapar el tiempo mediante su fijación en el espacio. La música es el mismo tiempo cercenado, incardinado. Pero ambas disciplinas tienen en común el valor del sentimiento del instante, el valor de la pincelada aplicada en ese instante, el valor de la sonoridad de ese momento, la vivencia del instante mismo de la acción de pintar, de mirar y de escuchar. El soplo del tiempo, el surco del tiempo, la raya del tiempo. Esta podría ser la esencia de la película.

Notas (1) Ficha técnica del filme: Joaquín Escuder – Todo son rayas (2010). Formato original: HDV color. Duración: 1h25’. Lengua original: español. Subtitulos: francés-inglés. Producción: Francia-España. Pinturas y fotografías: Joaquín Escuder. Realización y música: Jean-Marc Chouvel. (2) Las cuevas de Lascaux se encuentran en Montignac (Dordoña, Francia), albergan unas de las muestras más significativas del arte rupestre y paleolítico del mundo, los materiales, Los materiales asociados a Lascaux son magdalenienses y datan de hace 17.000 o 18.600 años.

References 1. Brusatin, M.: Storia delle linee. Einaudi, Turín, p. 5 (1998) 2. Sitio web de Jean-Marc Chouvel, http://jeanmarc.chouvel.free.fr 3. Klee, P.: Cours du Bauhaus. Weimar 1921 – 1922. Contributions à la théorie dela forme picturale. Musée d’Art moderne et contemporain de Strasbourg, Estrasburgo (2004) 4. Stranska, L. y Zénouda, H. (Dir.): Son – Image – Geste. Une interaction ilusoire ? L’Harmattan, París (2015) 5. Maeda, J.: Las leyes de la simplicidad: diseño, tecnología, negocios, vida. Gedisa, Barcelona (2010)

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LA PINTURA NO ES (SOLO) IMAGEN: CONSIDERACIONES, PROBLEMAS Y CUESTIONES SOBRE LA ENSEÑANZA DE LA PINTURA EN LA ACTUALIDAD

Universidad de Zaragoza, Facultad de Ciencias Sociales y Humanas, Grado de Bellas Artes, C/ Ciudad Escolar s/n, 44003 Teruel, Spain. [email protected]

Keywords: pintura, pantallas, mutación, materia, aula-taller

Abstract

Recientemente se han descubierto manifestaciones pictóricas de más de 75.000 años de antigüedad. Hasta la aparición de la fotografía, a comienzos del s. XIX, la pintura era el único medio de producción de imágenes; desde entonces ha dejado de ser hegemónica y ha sido desprovista de muchas de las funciones que se le atribuían. Cada década se certifica su desaparición y aunque esta renace fortalecida tras cada embate, sin embargo en el contexto de la enseñanza universitaria cada vez está más marginada. A ello hay que añadir el impacto de las nuevas tecnologías, que multiplicadas en mil tipos de pantallas, han hecho el acceso al mundo audiovisual muy accesible. Todas estas incorporaciones tecnológicas han propulsado al medio pictórico a expandir sus problemas, sus posibilidades, en múltiples mutaciones, expandiendo el medio paradójicamente de manera insospechada. Si bien la nuevos medios han enriquecido a la pintura en cuanto a su condición puramente visual, de imagen plana, se asiste en la actualidad a un cambio de paradigma que se observa en la experiencia actual en las aulas/talleres de las facultades de Bellas Artes de Occidente, donde los

167 profesores observamos una progresiva pérdida de la percepción de la materia y la mirada lenta que aporta la pintura como valor de pensamiento. En esta comunicación se trata de exponer y reflexionar sobre esta problemática, la de la desmaterialización en aras de la planitud, la banalización de la imagen, la fragmentación del conocimiento, que induce a los alumnos a interpretarlo todo como información, información de un mundo convulso donde la velocidad fomenta estrategias de impacto inmediato. Ante esto cabe hacerse una pregunta: ¿cómo se tiene que acometer el reto de la enseñanza de la pintura hoy?

1. Mal del pintor

La pintura es un medio para crear de imágenes y mucho más, es el medio más antiguo, se sigue practicando en la actualidad y goza de un gran predicamento social, no hay que ver el prestigio que gozan los museos en la sociedad actual. Sin embargo el arte contemporáneo y más específicamente la pintura se ven afectados por la profunda transformación del mundo visual. Estos cambios también conciernen a la enseñanza de la pintura y esto deja bastantes interrogantes en el aire sobre cómo actuar. Este desafío nos obliga a reflexionar sobre la complejidad de la enseñanza de la pintura, y revisar su entorno didáctico sus instituciones, metodologías, modelos, programas, objetivos. Desde la experiencia personal constato cómo la noción de pintura se está mutando en los alumnos cada año, esta variación afecta a su aprendizaje, lo que no deja de ser un sismógrafo del devenir de la sociedad ante estos cambios. Redactar estas líneas nos emplaza a detenernos, a repensar mediante unas consideraciones de lo que podría ser o no ser la enseñanza de la pintura, para conformar una opinión fundamentada en nuestras experiencias como creadores, docentes y estudiantes. El mundo está cambiando a una velocidad vertiginosa y apenas nos queda tiempo para analizar lo que sucede en nuestro

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ámbito. Transformaciones inducidas sobre todo por la implantación e implementación de las tecnologías de la imagen, que si bien la han ampliado y difundido la obra de arte, por el contrario la han desmaterializado, perdiendo su corporeidad, su noción de autoría y la memoria. No obstante en plena era postfotográfica el estatus de la pintura hace muchas décadas que dejó de ser hegemónico ―aunque no tuviera la necesidad de serlo. Hoy en día el discurso dominante afirma que la pintura es un arte menor a abolir por el agotamiento de su modelo. Cierto, ante la ausencia de modelos claros y fiables en el panorama presente: ¿qué sentido tiene la pintura hoy en día?, ¿qué sentido tiene enseñar la pintura?, y en su caso ¿qué enseñar?, ¿cómo enseñarla?, ¿es una enseñanza necesaria? Por otro lado en el contexto de la enseñanza del arte y de la pintura existe un divorcio entre lo que se imparte y lo que fluye fuera de las aula/taller, existe un desfase además agravado por la marginación de esta disciplina en el contexto universitario. Para apuntalar la enseñanza de la pintura, habrá definirla y situarla en el contexto actual, teniendo en cuenta la extraordinaria audiovisualización del mundo contemporáneo debido a la multiplicación de pantallas, con la consiguiente pérdida de sentido. Así, desprovista de sus atributos, la pintura es relegada a ser mero afeite, consecuencia de la progresiva desmaterialización. Estas reflexiones son también una invitación a enjuiciar el impacto de las nuevas tecnologías en el arte, hecho que focaliza el debate de la enseñanza de la pintura, para comprobar cómo queda afectada su materia (condición material, tangible, corpórea, física, palpable) y en consecuencia su proceso. Proceso intuitivo de la acción de pintar, que puede ser muy breve o prolongado en el tiempo. Una obra es la suma de una condensación de momentos, contiene tiempo detenido: la pintura siempre ha servido para fijar el tiempo.

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Fig. 1 Color blanco de plata al óleo envasado en lata de la casa Talens (producto descalogado)

Atrapar el tiempo es una tarea vana, teñida de melancolía. La melancolía es el humor regido por Saturno, cuyo metal es el plomo, presente en el pigmento llamado blanco de plomo, (1) que comenzó a usarse en la pintura desde tiempos inmemoriales [1]. Este “color material” posee unas cualidades insustituibles, pero en la actualidad está prohibida su comercialización debido a su alta toxicidad, causante del llamado “mal del pintor” o “enfermedad de la pintura” como si no hubiera otros pigmentos menos dañinos. La restricción de su uso en beneficio para la salud constituye una metáfora de la deriva de la pintura en los tiempos actuales, que al negar su solidez, en forma de metal pesado, nos vemos abocamos a la inmaterialidad.

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2. La piel de la imagen, la pintura y la materia

La pintura está limitada en un nuevo contexto en el que la imagen es el único referente real (o hiperreal) y en el que sus condiciones han sido profundamente modificadas después del minimal y el Arte conceptual. Aquí comienza el problema de cómo articulamos la enseñanza de la pintura en este escenario, asumiendo todo su pasado, toda su memoria. Gentz del Valle de Lersundi, profesora artista, en un artículo suyo titulado: “El incómodo lugar de la pintura” [2] sintetiza la clave de esta cuestión:

“Por eso, hablar hoy de pintura ahora es algo más bien difícil. Para pintar hoy en día hace falta tener la mente muy abierta, ya que ni el pasado ni el futuro te echan una mano, a primera vista: como es algo que lleva haciéndose desde hace siglos, cualquier incursión en esta área te puede situar claramente en un campo ‘perdedor’, ya que la novedad no es precisamente su principal característica y, como en cualquier otro sector de la sociedad de consumo, es, en cambio, casi el único valor en alza.”

Pero esto nos interpela sobre el sentido la pintura hoy, desde lo que ha significado, qué representa y qué entendemos por pintura en el contexto ampliado del arte. Actualmente gran parte de las imágenes pintadas se basan en técnicas ajenas, como la imagen computarizada o la fotografía, pero debemos tener en cuenta que la pintura tiene una la presencia física que impone su propio cuerpo. Aun así la pintura tiende a formar parte de las tipologías de objetos artísticos desmaterializados en un contexto de hibridación. Todo ello pone en entredicho la vigencia del lenguaje de la pintura. Por consiguiente en casi toda reflexión en las estructuras académicas se ha adoptado el “discurso dominante” de críticos, curators, conservadores, galeristas, etc. Se ha estableciendo el debate de la pintura en términos de conservadurismo o progresismo,

171 vista ésta como como anacrónica y residual. En un ámbito donde se habla de “estrategias” la pintura se encuentra en “inferioridad lingüística”. Además los “límites de la pintura” cuestionan su enseñanza tal como venía haciéndose hasta tiempos recientes. Ese límite ontológico, la ausencia del límite físico del cuadro, la “pintura expandida”, la deja inerme en un contexto posmoderno donde proliferan productos híbridos, en un mundo donde lo real y lo virtual se funden y confunden en un laberinto de bifurcaciones, cruzamientos, contactos, redes, interfaces; en consecuencia la pintura y su enseñanza se han convertido en un una disciplina sin lugar y sin trayecto. Un arte genérico (generic art) que rompe lazos con oficios específicos (specific crafts): la imagen se ha convertido en el único referente. Como se ha dicho vivimos en un mundo dominado por los mass media, las tecnológías de la información, donde todo son datos, todo son pantallas. La pantalla es un lugar de los más míticos y más populares del mundo y el arte contemporáneos: televisión, internet, cine, video etc. [3]. Este es el resultado de la segunda revolución digital que se caracteriza por la supremacía de la Red [4], inherente en la presente sociedad hipermoderna que se puede encuadrar en una nueva era postfotográfica: todos somos a la vez productores y consumidores de imágenes [5]. Estos dispositivos de uso personal hacen que estemos inmersos en una parafernalia tecnológica, que si bien nos ayuda en nuestro trabajo, debido a la rápida difusión del conocimiento, nos imprime una aceleración que será acrecentada en un futuro inmediato. Los nuevos medios ya han cambiado nuestras vidas e incidido en el comportamiento social; todos podemos constatar que vivimos rodeados de pantallas, en todas manifestaciones y formatos. La tecnología avanza mucho más rápido que nuestros esfuerzos en comprenderla, a la vez que existe la “obsolescencia programada”. En consecuencia, la enseñanza del arte en la actualidad está afectada por ese exceso tecnológico, que muestra el mundo como una realidad plena en una pantalla plana.

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Por más que vayamos a la deriva en este maremágnum de “referentes” y “paradigmas”, entre lo pictórico y lo no-pictórico, la pintura todavía tiene tiene un lugar, un sentido, una presencia. Así lo afirma Julian Bell en su análisis del capítulo de su libro “La pintura hoy” [6]:

“Sin embargo, la práctica de hacer marcas coloreadas sobre superficies continúa viva. Para aquellos que la prosiguen, “esa muerte de la pintura” puede ser una posibilidad liberadora y una desafío: una posición desde la que emprender nuevas exploraciones de nuestro mundo sustancial compartido y de lo que quiera que se encuentre por detrás, liberada del programa agotado de la ‘modernidad’, el ‘arte’ y la ‘expresión personal’ tal como se han definido estos términos durante los dos últimos siglos. Pero si se ha de imponerse una nueva terminología, debe surgir primero de lo que hayamos descubierto al pintar.”

Este ámbito de libertad permite una aproximación renovada a la realidad a través de la materia y el color. La pintura es un conjunto cromático y compositivo que se puede apreciar y percibir simultáneamente, y pintar es también ―y quizá sobre todo― fijar una materia de color sobre una superficie. Por esto hay algo latente en las superficies de los objetos artísticos. Existe una real “ideología de las superficies” entre las densidades desbordantes de un arte orgánico y las facturas lisas y asépticas de los nuevos medios. La materia y el color son proximidad, pero también transmisión, reconocimiento del vínculo de la cultura material del arte [7]. La pintura puede llegar a ser el último refugio de la manualidad ―aun a pesar de que los artistas en el pasado se emanciparon de la esfera manual para ser acogidos en la esfera intelectual de las “artes liberales”. Así lo afirma el sociólogo y ensayista Richard Sennet en su ensayo El artesano [8], primer libro de su trilogía sobre la cultura material, que versa sobre la artesanía, la habilidad de hacer las cosas bien, sobre conocimientos y habilidades que se

173 transmiten través de la interacción social. Una reflexión moral sobre la dicotomía entre “trabajo” y “vida. En defensa de la tiranía de la imagen y la industria cultural.

3. Por una (posible) enseñanza de la pintura

Llegado a este punto la reformulación de la enseñanza de la pintura se puede estimar como casi imposible. Confrontar este tema resulta complejo ante la diversidad de criterios y de ideas: sobre cómo plantear la formación de un pintor, cómo acometer su enseñanza, de la que no existen pautas ni normas precisas, y más aún cómo armonizar estos estudios con el formato académico actual. Ante tamaña cuestión se plantean bastantes interrogantes. Un primer dilema surge al querer configurar unos estudios que cada vez son más fraccionados, dentro de unas estructuras de pensamiento ajeno, donde se precisa el reconocimiento de una diferencia, en el debate interno de la institución universitaria, en medio de campos casi gremiales y bajo una posición subordinada, a lo que hay que sumar la presión institucional, que mira a los alumnos como clientes y al personal docente como “proveedor de servicios”, en un nuevo modelo empresarial y de gestión. Muy atrás queda ya la organización tradicional de los estudios de arte, sobre todo si consideramos las exigencias de la realidad actual, por lo que un segundo dilema se presenta en los cambios de la esfera del arte, su campo expandido, con el consecuente estallido de la creación, en plena eclosión de la industria cultural, donde en la mayoría de los casos las artes se perciben como justificación del ocio. Pertenecemos a una sociedad del espectáculo donde las personas nos hemos convertido en sujeto de publicidad.

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Fig. 2 Sistema de pantallas hoy Fig. 3 Alumno en el taller

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Así mismo nuestros alumnos viven saturados de imágenes debemos recordar que todo no sucede dentro de un iPhone, de un exceso de información que se reduce a “referentes” y de un significado hipertrofiado de la palabra “proyecto”. Y por lo que vengo observando estos últimos años, en los estudiantes se ha extendido una actividad rutinaria de imitación en el “copiar” y “pegar”. Debemos enseñar a nuestros alumnos a filtrar y contrastar los datos que obtienen a partir de los buscadores. El alumno está solo frente a la pantalla. Ante una cultura visual avasalladora, de hechos fragmentarios, hay que reivindicar la reflexión. Reflexión lenta, la mirada lenta de la pintura. Hay que dejar madurar la información recibida y pasarla por el tamiz de cada uno, a la vez que fomentar el pensamiento crítico, donde el alumno se sitúe en su realidad, no en una “realidad inducida”, que mire a su “origen”, que parta de su experiencia [9]., que construya historias desde su conocimiento. Los alumnos se ven presionados por estrategias de impacto inmediato, del escándalo, de la necesidad de ser autor, convirtiéndose en seres paranoicos. Hay que hacerles ver que la obra no es un producto, sino un recorrido, una indagación por el carril de desaceleración de su propia práctica. Si bien con la evolución de la enseñanza se ha impuesto un nuevo formalismo en las facultades de Bellas Artes, se ha pasado de unas disciplinas tradicionales, académicas, a otras, las “nuevas academias” de diseño, producción audiovisual, prácticas performáticas y formas de activismo, completadas por unas enseñanzas periféricas. Estas enseñanzas, unido a la omnipresencia tecnológica, cada vez van más encaminadas a la desmaterialización que nos estalos refiriendo, por lo que el alumno para su aprendizaje necesita recuperar la conexión con la materia, las materias y por tanto los oficios como el de pintor ―sin quedarse en el hecho puramente artesanal. Las facultades de arte son cada vez un lugar virtual donde no es necesaria la presencia física, dispersando el conocimiento del trabajo compartido. Razón por la cual a mi modo de ver las facultades de Bellas

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Artes deben promover los talleres, las condiciones de laboratorio ese es el único sentido de los centros de enseñanza, desde disciplinas y estructuras sólidas, en términos de debate artístico, verdadero motor intelectual de una facultad de estas características. Es decir, incentivar un pensamiento fuertemente vinculado a la práctica, a la práctica como medio de conocimiento. El taller, laboratorio de creación de Bellas Artes, configura un lugar propicio para crear una complicidad en la que intervienen profesores formados en las más variadas disciplinas, que aportan diferentes visiones transversales del arte. El aprendizaje resulta de una relación interpersonal en la que cada participante, alumno y profesor, se transforma en sujeto activo del proceso. El trabajo creativo también surge de la interacción, de compartir experiencias en el espacio del taller, de concebir el arte como una experiencia.

Fig. 4 Edición de De la pintura de Leon Battista Alberti de 1547

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Conclusiones

Asistimos a un cambio de paradigma en el orden visual, la evolución del estatus de la imagen y el uso de dispositivos tecnológicos están teniendo profundas consecuencias, en el pensamiento, el arte en general y la pintura en particular, tanto en la creación, como en su difusión y enseñanza. En consecuencia la pintura acusa una pérdida del sentido y una percepción distorsionada en los centros de enseñanza. La diseminación con otros medios de expresión y la cultura de la Red recluyen a la pintura en la prisión de la imagen. El resultado es la sobrevaloración de la imagen plana, difundida en mil pantallas, desmaterializada, lo cual confiere una percepción que desorienta al estudiante. Como terapia frente a lo anterior hay que reconsiderar la práctica pictórica en las especificidades de su medio, sus materias y procesos, a construir las imágenes bajo una mirada lenta. También a considerar lo importante más que lo útil, la reflexión frente a la información, las lecturas reposadas frente a los impactos visuales. Mediante la conciencia del acto de pintar se puede ayudar a los alumnos a servirse de la pintura como cultivo y desarrollo cognitivo y a considerar a ésta como modelo de conocimiento. La pintura no es solamente imagen, en la construcción de ésta es también materia, color, gesto, pulsión gráfica y procesos de pensamiento.

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Notas (1) Blanco de plomo, llamado también blanco de plata, blanco de Crems o de Cremnitz. Ver la entrada de la voz Blanc de plomb [Blanco de plomo] de la obra de François Perego, Dictionaire des materiaux du peintre. París: Editions Belin, 2005. Págs. 94-99

References 1. Perego, F.: Dictionaire des materiaux du peinture. Editions Belin, París (2005) pp. 94—99 2. Valle de Lersundi, G. del: El incómodo lugar de la pintura. En: Zehar, Núm. 37, p. 16 (1998) 3. Carr, N.: ¿Qué está haciendo internet con nuestras mentes? Superficiales. Taurus, Madrid (2011) 4. Manilla, A.: Ciberadaptados. La Huerta Grande, Madrid (2016) 5. Fontcuberta, J.: La furia de las imágenes. Galaxia Gutenberg, Barcelona, p. 53 (2016) La obra de arte en la era de la adopción digital p. 53 6. Bell, J.: ¿Qué es la pintura? Representación y arte moderno 2001. Galaxia Gutenberg, Barcelona, pp. 254--255 (2001) La pintura hoy 7. Bordini, S.: Materia e imagen: fuentes bibliográficas sobre las técnicas de la pintura. Ediciones del Serbal, Barcelona, pp. 8 y 12 (1995) 8. Sennett, R.: El artesano. Anagrama, Barcelona (2013) 9. Corbella, D.: La pintura como cultivo y desarrollo cognitivo. En: AA VV.: And Painting? A pintura contemporânea em questão. Centro de Investigação e de Estudos em Belas Artes, Faculdade de Belas-Artes Universidade de Lisboa, Lisboa, p. 135--143 (2014)

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LA PERCEPCIÓN DE LA IMAGEN DE LOS MUSEOS Y CENTROS DE ARTE CONTEMPORÁNEO POR EL PÚBLICO VISITANTE Y NO VISITANTE COMO MEDIO DE DIVULGACIÓN Y MEDIACIÓN DE LA PINTURA

Universidad de Murcia, Escuela Internacional de Doctorado, Campus de Espinardo, Murcia, España [email protected]

Keywords: Arte contemporáneo, percepción, mediación y divulgación/Contemporary art, perception, mediation and dissemination

Abstract

¿Qué imagen perciben los visitantes de los museos y centros de arte contemporáneo como medio de divulgación y mediación de la pintura? Pero sobre todo, ¿Cuál es la imagen percibida por los no visitantes? ¿Cuáles son las razones que les llevan a acudir a otros museos pero no a frecuentar los de arte contemporáneo? ¿Cómo se adapta la museología de un museo de arte contemporáneo a las necesidades de su público no experto? Partiendo de estas cuestiones, la presente aportación constituye un estudio sobre la percepción real de la imagen de los museos de arte contemporáneo como medio de divulgación y mediación de la pintura por parte de su público habitual, pero también desde la perspectiva de su no público. Se presupone que un museo de arte es, entre otras muchas cosas, una herramienta educativa que debe ayudar a ampliar el conocimiento de diferentes tipos de público, por lo que sus contenidos deben ser accesibles a todos los visitantes por igual. Pero ante una realidad que en muchos casos no parece tener presente a todos los tipos de público,

180 sobre todo en una mayoría de museos y centros de arte donde se exhibe pintura contemporánea y que se podrían considerar enfocados a un público experto, se ha planteado esta aportación. What image do visitors perceive in museums and centers of contemporary art as a means of mediation and dissemination of painting? But above all, what is the image perceived by non-visitors? What are the reasons that lead them to visit other museums but not to frequent those of contemporary art? How does the museology of a contemporary art museum adapt to the needs of its non-expert audience? Based on these issues, the present contribution constitutes a study on the real perception of the image of museums of contemporary art as a means of mediation and dissemination of painting by its usual public, but also from the perspective of its non-public. It is assumed that an art museum is, among other things, an educational tool that should help broaden the knowledge of different audiences, so that its contents must be accessible to all types of visitors. But faced with a reality that in many cases does not seem to be present to all types of public, especially in some museums or centers of contemporary art where contemporary painting is exhibited that could be considered focused on an expert audience, has raised this contribution.

1. Introducción

Una de las características principales del público general que visita un museo de arte contemporáneo donde se exhibe pintura, es su heterogeneidad. Por ello vamos a encontrarnos con distintos perfiles de visitantes que presentan a su vez diferentes características, expectativas y necesidades. Va a ser pues fundamental su conocimiento y estudio, tanto previa como posteriormente a su visita, para intentar que la mediación, la divulgación y por tanto la experiencia expositiva, sea lo más satisfactoria y adecuada posible al mayor número de visitantes.

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Los estudios de público en los museos se dirigen a determinar las características particulares, opiniones, convenciones, motivaciones y preferencias de los visitantes, por lo que se han convertido en una herramienta fundamental para las instituciones culturales y museísticas. No solo porque les ayuda a mejorar cuantitativamente, sino que también les ayuda a mejorar cualitativamente (a cumplir y medir mejor sus objetivos, a llegar de forma más eficiente a su público adaptando sus dispositivos didácticos y museográficos a estas diferentes necesidades, etc.) En este análisis se va a considerar incluido dentro del concepto de arte contemporáneo al arte moderno, ya que aunque cronológicamente surgen en dos momentos diferentes (1), ambos comparten la ruptura con los cánones clásicos del arte. Pero sobre todo, porque la mayoría de los museos y centros de arte considerados modernos o contemporáneos comparten la exhibición de obras de ambos periodos. Por ello cuando se hable de ahora en adelante de arte contemporáneo, se considerara incluido el arte moderno en dicho concepto. A su vez, estos museos y centros de arte contemporáneo exhiben en sus salas obras de distintas disciplinas artísticas, siendo muy habitual encontrar pintura y escultura compartiendo una misma sala, por lo que las acciones de divulgación y mediación que se lleven a cabo en ellos, repercutirán tanto en la pintura como en el resto de disciplinas.

2. El caso particular de la mediación y los dispositivos museográficos en los museos de arte contemporáneo

Respecto a la evolución de los dispositivos museográficos y didácticos en general, podemos destacar la tendencia por la que según Del Campo [1] “Hoy día es imposible concebir la presentación de los objetos expuestos, en cualquier tipo de museo, sin unos elementos de mediación que ayuden a establecer un diálogo entre el público y lo mostrado”. Sin embargo, en los museos de arte nos encontramos con la

182 excepción respecto a todas las demás disciplinas, y generalmente las obras pictóricas en ellos exhibidas siguen aún manteniéndose aisladas, sin apenas mediación. Santacana [2] constató que los museos de arte (salvo algunas excepciones) son el único tipo de museo donde su público normalmente ha de enfrentarse a las obras o piezas sin elementos de intermediación que le ayuden a su comprensión y contextualización. Esta tendencia generalizada deja claro su intencionalidad, que viene explicada por la concepción de que el arte se explica por sí solo. Pero, ¿es cierto que una pintura de arte contemporáneo se explica por sí misma sin necesidad de recursos museográficos? ¿Tienen los visitantes de los museos de arte contemporáneo este sentimiento? ¿Y sus no visitantes? En cualquier caso y de forma general, para entender tanto la pintura contemporánea como la del pasado, el espectador necesita información. Pero el problema que conlleva la ausencia de recursos museográficos va a ser más profundo y destacado en los museos de arte contemporáneo, ya que su contenido no se rige por códigos tradicionales a los que el público esté habituado.

3. ¿El lenguaje de la pintura contemporánea puede considerarse universal?

Desde finales del siglo XIX surge en el mundo occidental un nuevo estilo de arte que rompe con el clasicismo imperante durante siglos. Se dota a la pintura de un lenguaje que ya no es manejado por la mayoría del público, no es evidente y necesita de un conocimiento experto para poder comprenderlo, ya que hay que entender sus códigos, su lenguaje. Por tanto, sin una mediación adecuada el espectador común queda pues relegado del mundo de la pintura. Solo se puede juzgar una obra con las mismas reglas con las que se ha creado, ya que cada obra de arte

183 contemporáneo establece las suyas propias. Arte es hoy lo que realizan los artistas con voluntad de que sea arte. Ahora bien generalmente, para un espectador no experto en pintura contemporánea, una obra va a ser considerada arte si constituye una expresión artística que éste puede considerar admirable desde un punto de vista básicamente estético y plástico, ya que al desconocer sus verdaderos códigos, su lenguaje específico, intentará darle significados por medio de sus propias convenciones, que en muchos casos son insuficientes para entender la obra. Sólo hay que contemplar alguna de sus reacciones en este tipo de exposiciones para atestiguarlo. En resumen, para que sea posible que la obra de arte de pintura contemporánea se explique a sí misma, el espectador deberá poseer las mismas convenciones formales que el artista (simbólicas, lingüísticas, espaciales, temporales, de valores y costumbres, etc.) para que exista comunicación. Concepto que queda claro con el ejemplo que plantea Eisner [3]: “Los cuadros, al igual que los libros, tienen que leerse, y sin una cultura visual es poco probable que podamos ‘descifrar’ sus mensajes”.

3.1. Las Teorías y Filosofías del Arte Se puede decir que no existe una única teoría de arte, ni una única definición de éste, sino muchos modelos explicativos cuyo objetivo es esclarecer cualquier cuestión relacionada con lo artístico. Las diferentes teorías del arte van a pretender dar soluciones a cuestiones como si el arte es capaz de explicarse por sí solo o si el lenguaje del arte puede considerarse universal. Ante esto nos encontramos con dos líneas de pensamiento. Con los que defienden que el arte es universal, que está presente en toda manifestación cultural humana y forma parte de ella. Como Bourdieu y Darbel que citando a su vez a Schimdt-Degener [4] defienden la universalidad del arte: “Respetad la elocuencia natural de las obras de

184 arte y la mayoría de la gente las entenderá: este método será más eficaz que todas las guías, las conferencias y los discursos”. Pero frente a esta creencia, encontramos los que defienden que el arte en cada caso va a ser una cuestión cultural, cuyo lenguaje va a depender de las convenciones tanto conscientes como inconscientes de cada una de ellas, ya que “se inscribe en tradiciones culturales muy concretas” que además van transformándose a lo largo del tiempo. Santacana [2]. Por tanto, para entender la problemática que rodea a la percepción de los visitantes y no visitantes de los museos de arte contemporáneo como medio de mediación y divulgación de la pintura, debemos primero tener claro la naturaleza de las obras de arte que en ellos se exhiben, y los requisitos, razones y exigencias que este tipo de obras plantean a sus espectadores. Esta dicotomía de pensamiento y percepción, hace que se planteen las siguientes cuestiones: ¿Los visitantes de los museos de arte contemporáneo se alinean todos con las teorías que defienden que el lenguaje del arte es universal y por tanto no va a ser necesaria la mediación frente a la pintura? ¿O todo lo contrario, y los visitantes comparten la visión de que para entenderla se necesita formación e información? ¿Y qué ocurre con sus no visitantes?

4. La visión del público y no público de los museos y centros de arte contemporáneo

Para analizar todas estas cuestiones me he basado en el estudio de público y no público que realicé en 2016 para conocer la imagen percibida respecto a los museos de arte contemporáneo de la Región de Murcia [8]. Existen algunos estudios previos en España sobre las características sociodemográficas, de ocio y cultura de los visitantes de este tipo de museos; pero ninguno específico que contestara a la cuestión de si sus visitantes y no visitantes comparten la visión de que para entender el

185 lenguaje de la pintura contemporánea se hace necesaria esta mediación y difusión por parte de los museos.

Para resolver cuestiones como esa, llevé a cabo un estudio de público en el Museo Regional de Arte Moderno de Cartagena (MURAM) en España, durante los meses de marzo a mayo de 2016, analizando al público que visitaba las diferentes exposiciones temporales de pintura contemporánea llevadas a cabo en ese periodo (2) . De este estudio se extrajo la información referida al público de los museos de arte contemporáneo, y por extensión de la pintura contemporánea. Sin embargo, para intentar conocer cuál era la percepción respecto a este tipo de museos de los que “no lo visitan”, se realizó un estudio paralelo en un museo que no tiene nada que ver con la pintura contemporánea, como es el museo arqueológico Museo Teatro Romano de Cartagena. Se decidió realizar las encuestas de los “no visitantes” en este museo debido a la cercanía entre ambos (los separan apenas 600 metros a pie) y la gran afluencia de público de este último. Hay que aclarar que cuando se habla de no visitantes, se refiere a aquellos que teniendo la oportunidad, no visitan los museos de arte contemporáneo, por lo que en realidad habría que considerarlos como visitantes potenciales.

Según los datos obtenidos en este estudio, un alto porcentaje de visitantes y no visitantes del museo de arte contemporáneo indican la necesidad que sienten de mediación frente a la pintura contemporánea. Como se muestra en la Figura 1, un 84% de los visitantes encuestados y un 89% de los no visitantes indicaron su percepción de que el lenguaje del arte contemporáneo no se puede considerar completamente universal, ya que consideran que en muchos casos se necesita conocer sus “códigos” para entenderlo. Más aún, un 66% de los no visitantes o visitantes potenciales, y un 40% de los visitantes reales sentían que en ningún caso el arte contemporáneo era capaz de explicarse por sí solo. Estos altos porcentajes confirman que la mayoría de estos visitantes es un

186 público no experto que va a necesitar y reclamar recursos que les ayuden a comprender y contextualizar los contenidos. Información que ellos mismos puedan decidir cómo y cuándo utilizar. Esta sensación de “falta de información” hace que se sientan excluidos de este mundo del arte, por lo que en muchos casos va a producir un rechazo a este tipo de museo y a las obras de pintura contemporánea, influyendo negativamente en su decisión de visitarlos.

Todos estos datos confirman que el lenguaje de la pintura contemporánea no siempre resulta percibido por el visitante como algo universal e inamovible, lo que supone una de las más importantes barreras a la hora de visitar un museo de este tipo. El espectador ha de poseer las mismas convenciones formales que el artista para que exista comunicación, debe conocer los códigos de este lenguaje. Y la introducción de elementos que ayuden a su interpretación o explicación no ha de suponer una pérdida de sentido de la obra, sino que cuanto mayor sea este conocimiento más satisfactoria será la experiencia.

Público potencial Público real Fig. 2: Comparativa de opiniones de los encuestados respecto a la universalidad del lenguaje del arte contemporáneo por el público real y el potencial: ¿Está de acuerdo con la universalidad del lenguaje del arte contemporáneo? Datos obtenidos del estudio de público realizado en Museo Regional de Arte Moderno (MURAM) (público real) y en Museo Teatro Romano de Cartagena (público potencial) (España) en 2016, Ruiz [5]

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5. Mecanismos eficientes de mediación y divulgación de la pintura en museos y centros de arte contemporáneo Por todo ello, se hace necesario que los museos que incluyen pintura contemporánea entre sus obras sean más dinámicos y cercanos, que sorprendan y den la posibilidad al visitante de interactuar, evitando realizar exposiciones “incomprensibles” y complejas que solo puedan entender un número reducido de público, donde se tenga en cuenta las necesidades de los distintos perfiles de visitantes y se use un lenguaje adecuado.

Como muestra la Figura 2, en el estudio antes mencionado (3), por encima de dispositivos interactivos, textos, etc., el público tanto real como potencial destaca su interés por la intermediación humana por medio de visitas guiadas, especialmente si las realiza el propio artista o expertos en su obra, e incluso por el personal de museo en sala que haga las funciones de informadores si así se requiere. Es decir, el visitante quiere entender lo que allí está expuesto y para ello necesita conocer los códigos del lenguaje de la pintura contemporánea, para de este modo conseguir eliminar la principal barrera de acceso que es la intelectual. Por ello, desde bien pequeños es necesario educar la mirada para saber ver y ser capaces de entender el lenguaje intrínseco de las obras de pintura contemporánea desarrollando la cultura visual, de la que además del sistema educativo, los museos van a tener gran parte de responsabilidad en que esto suceda, y esto será posible gracias a mecanismos de museografía didáctica, porque si no, el espectador abandonará en su empeño y dejará de interesarse por él.

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VISITANTES

NO VISTANTES

Fig. 2 Proposición de mejoras. Aspectos de mejora de la visita a los museos de Arte Contemporáneo propuestos por los encuestados. Datos obtenidos del estudio de público realizado en el Museo Regional de Arte Moderno (Visitantes) y en el Museo Teatro Romano de Cartagena (No visitantes) en 2016, Ruiz [5]

Un buen ejemplo de ello lo podemos encontrar en Portugal en el Museo Serralves [6] y sus proyectos anuales de divulgación del arte contemporáneo en las escuelas. O el Museo Thyssen-Bornemisza de Madrid, con su proyecto Educathyssen [7], un portal en Internet que recoge un conjunto de programas educativos y apoyo interpretativo, divulgativo y de mediación entre el Museo y el público tanto infantil como adulto, en su modalidad presencial y a distancia. Otro museo español que destaca en esta materia, es el Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, del que hay que destacar la introducción desde 2011

189 de la figura del “mediador cultural” [8] entre sus servicios gratuitos, asesorando y resolviendo dudas respecto a los contenidos, realizando visitas comentadas (no guiadas) en las que se tiene en cuenta lo que el visitante puede aportar, etc. En Londres, el Tate Modern [9] ha introducido en los últimos años grandes mejoras en su mediación. Además de cortos textos explicativos de gran tamaño en la pared de la entrada de cada sala que contextualiza la obra, el público cuenta con una línea del tiempo interactiva del Arte moderno, una pantalla digital táctil de 6,5 metros que presenta imágenes de más de 3.500 obras de arte de 750 artistas, desde 1900 hasta el día de hoy. Basta con tocar la pantalla para leer más acerca de los movimientos del arte moderno, o para ver conexiones entre distintos artistas y obras. También cuenta con el Drawing Bar, unos cuadernos de dibujo digitales con los que el público puede realizar sus obras y verlas inmediatamente proyectadas en la pared. O el Explore Performance un espacio inmersivo digital dónde el visitante se puede introducir de forma virtual en diferentes estudios de artistas. También hay que destacar el desarrollo de una aplicación para teléfonos gratuita, Tate App, que ofrece una experiencia personalizada de la visita, con información, planos, etc. Estos son algunos ejemplos de mecanismos eficientes para la mediación entre la pintura contemporánea y el público, pero aún queda mucho trabajo por hacer en muchos otros museos y centros de arte contemporáneo. No hay que olvidar que el museo está “siempre al servicio de la sociedad y abierto al público (...) con fines de estudio, educación y recreo” como se establece en al Art.3.1 de los Estatutos del ICOM [10], por lo que es una gran fuente didáctica y disfrute para todos, y no hay que desperdiciar las oportunidades de mediación y divulgación de la pintura contemporánea que éstos pueden ofrecer a la sociedad.

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Notas (1) Según un criterio cronológico el arte moderno se refiere al período que comenzó en la década de 1880 y que se prolongó hasta la década de 1960. Por otra parte, el arte contemporáneo se puede decir que se desarrolló después de la década de 1960 y es el que se mantiene hasta el momento. (2) Del 26 febrero al 27 marzo de 2016 se llevó a cabo en el MURAM la exposición “Tiempos Modernos. Un Recorrido por el Arte Contemporáneo Español”, centrada principalmente en la pintura española y regional realizada desde mediados del S.XX al XXI, con obra de artistas como Dalí, Tapies, Manolo Valdés, Equipo Crónica, Plensa, Antonio Ballester, Pedro Cano, Ramón Gaya,... aunque también incluyendo escultura, fotografía y vídeo. Del 17 marzo al 29 mayo se expuso la obra pictórica y fotográfica de la artista española Mar Hernández “Estratos: Arqueología Del Tiempo”. Y del 15 abril al 19 junio la exposición colectiva de artistas consagrados de la Región “Art Nostrum: La Luz y el Eco”, principalmente pictórica. Por último del 20 de mayo al 31 agosto de 2016 se realizó la exposición titulada “Buscando la luz: Chillida”, en la que se incluía a partes iguales obra pictórica y escultórica del artista. (3) Hay que destacar que durante el 2016, la nueva dirección artística del MURAM ha ido implementando muchas mejoras en su programación cultural y didáctica, pero también en los mecanismos de difusión y divulgación. Desde mitad del año 2016, se han realizado grandes y variadas exposiciones de pintura contemporánea tanto de artistas españoles de gran trayectoria como de artistas locales, múltiples talleres didácticos enfocados a distintos tipo de público (infantil y adulto) de mano de los propios artistas, y siempre que es posible se realizan en distintas fechas visitas guiadas de mano de los propios autores, representantes familiares y/o especialistas en su obra. Esto, unido a una mayor difusión de las actividades del museo a través de diferentes medios de comunicación, ha originado que al final del año 2016, el museo triplicara su cifra de visitantes respecto al año anterior, incrementándose en un 170%; cifra que sigue en aumento como se indica en la noticia publicada el 7 de enero de 2017 en el periódico La Verdad de Murcia en http://www.laverdad.es/murcia/culturas/201701/07/museos-regionales-superaron- pasado-20170107010107-v.html

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References 1. Del Campo, E.: Diseño expositivo y museografía didáctica. ASRI Arte y sociedad. Revista de investigación, 1, 5 (2012). 2. Santacana, J.: Bases para una museografía didáctica en los museos de arte. Enseñanza de las Ciencias Sociales. Revista de investigación. 5, 3-7 (2006). 3. Eisner, E. W.: El museo como lugar para la educación. Actas de las Ponencias y Comunicaciones. En: I Congreso Internacional: Los museos en la educación. Museo Thyssen Bornemisza, Madrid (2008). 4. Schimdt-Degener, F.: Les cahiers de la republique des lettres des sciences et des arts, XIII. (1931). En: Bourdieu, P. y Darbel, A.: El amor al arte: los museos europeos y su público. Paidós Estética, Barcelona (2003). 5. Ruiz, M.L.: La imagen de los museos de arte contemporáneo. Percepción del público visitante y no visitante. ACCI, Madrid (2017). 6. Museo Serralves, https://www.serralves.pt/en/education 7. Educathyssen, http://www.educathyssen.org/ 8. Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, http://www.museoreinasofia.es/visita/mediacion-cultural 9. Tate Modern, http://www.tate.org.uk/visit/tate-modern 10. ICOM.: Estatutos del ICOM. En: 22ª Asamblea General del ICOM. Viena (2007).

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STILL PAINTING

Instituto de Educação, Universidade do Minho, Departamento de Teoria de Educação e Educação Artística e Física , Braga, Portugal sandrapalhares @ie.uminho.pt

Keywords: painting, image, role, society

Abstract

Throughout time painting expanded from its specific specialism, incorporating new aspects which raise and encourage different theorization even if the body of work is still predominantly painting. Besides that, painting became a consumerism´s dream mostly due to art market speculations and to museum´s blockbusters effects, which promote and advertise incessantly painting auctions and exhibitions. Painting is now more photogenic and telegenic than ever, its images, or better put, its reproductions are available for `Downloads à la carte´ through its weightless distribution over digital networks, from Piero de La Francesca to Jeff Koons. If artists are makers of artifacts and makers of culture, shouldn´t they be inquiring the role of painting today under these particular context? What set of questions should we address regarding these vulgarized and mass images production and circulation where painting is somehow `trapped´? Images production and circulation escape from artists and artisans control as it happened for centuries: painting is now one of among all tools available and reachable for everyone. Does painting `need´ to outstand from these vulgarized and mass images production and circulation? Or those circumstances, somehow, help to stop its insistently announced death foretold? Is painting still enhancing contemporary´s image zeitgeist like mostly did throughout mankind history? Despite a certain anachronism, painting still mode or motionless image is also what able us to see and perceive differently the sameness. These set of questions seeks to enquire painting´s role nowadays.

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Still Painting

Não podia deixar de iniciar esta comunicação sem dizer que é curioso estar aqui, no 1º congresso de pintura na mesma faculdade onde iniciei os meus estudos de pintura e onde, precisamente, há 25 anos me foi dito por um professor que desistira de pintar que a pintura estava morta! E, depois de tantas mortes anunciadas ainda estamos a falar da Pintura. A pintura é uma de entre muitas outras formas de arte contemporânea ainda que as suas especificidades a tornem deveras distinta. Para o bem e para o mal, dirão alguns. A pintura é também uma imagem indissociável da sua longa história. É, justamente, a predominância histórica que a torna um objeto artístico complexo porque a remete, quase sempre, para as inúmeras camadas granjeadas ao longo da sua longa existência. Tal como fénix, a pintura renasce, galhardeando-se por aí. Sem mais. Talvez radique aí o poder da pintura, nessa imensa qualidade de renascer quando tantos e tantas vezes a viam moribunda. Perseverante e resiliente, a pintura foi atravessando as grandes revoluções, a da escrita, que separa a pré-história da história e a da revolução do livro (Guttenberg), atravessando, atualmente, a revolução tecnológica, onde circula numa aparente pujante vitalidade. E assim, de maneira surpreendente, a pintura vai-se mantendo ativa e em plena forma na cultura contemporânea tão, obcecadamente, ávida por novidades e cujos meios tecnológicos disponibilizam, facilmente, à velocidade de um `click´ uma infinidade de imagens, entre as quais, reproduções de pintura, `à la carte´, desde Piero della Francesca até às pinturas `guloseimorosas´ de Jeff Koons. Para além da imagem pictórica produzida e reproduzida pelo interface ecrã e papel, existe hoje uma outra versão da imagem pictórica bem mais materializável: a imagem tela. Hoje, as telas impressas industrialmente ou pintadas em série são também objetos de consumo expostos à venda, competindo com outro tipo de objetos de decoração, contribuindo para fomentar ainda mais o consumo do que parece ser o tradicional objeto-pintura ainda que seja

194 um outro tipo de consumo. Ou seja, o consumo duma versão massificada do objeto /dispositivo/quadro versus `pintura´ muito popularizado e, em certa medida, `vulgarizado´ pela cultura de massas, convertendo este objeto numa espécie de versão fordiana da estetização estândar do quadro /tela versus `pintura´. Não obstante, levanta questões interessantes e, frequentemente, gera confusões entre um público menos especializado que consome, indiferenciadamente, todo o tipo de imagens, incluindo estas ditas versões estandardizadas do objeto /dispositivo/quadro versus `pintura´. Cabe perguntar se, esta confluência de imagens distintas, aparentemente, semelhantes ou idênticas e que circulam pelos mesmos canais, não dificultará uma necessária e desejável diferenciação? Que imagem temos hoje da pintura? E qual é o seu papel hoje? De facto, o objeto pintura é triunfal nessa imiscuída confusão de objetos que se assemelham apesar da imensa diferença que os separam, sendo um dos dispositivos mais elegíveis quando se trata de `aprisionar´ ou `emoldurar´ a imagem no bom sentido. Já não basta imprimir a fotografia em papel, podemos agora imprimi-la numa tela e, com alguma sorte até aplicar um filtro à la carte que a aproxime de uma determinada estética pictórica. Curiosamente, ao contrário do que sucedia até ao advento da fotografia e apesar de já não ter a função de representar aquilo que de outra forma não seria possível e, em certo sentido, podemos até reconhecer um certo empoderamento. Quem nunca presenciou o franco regozijo de alguém presenteado com uma pintura? Há uns anos, numa entrevista, Yves Michaud falava do triunfo do ready-made, afirmando que a arte tendia a dissolver-se. Inversa e ironicamente, hoje, a pintura – outrora dispositivo artístico restrito ao domínio do artista e do artesão- é um entre muitos outros dispositivos e objetos de consumo, facilmente, acessíveis e, por esta razão tem vindo, progressivamente, a dissolver-se na imensa parafernália consumista e, tal como anunciava o filósofo, também se foi confundindo.

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Como nos advertia Michaud: “¿No queríamos que el arte se acercara a las masas? Pues ya está conseguido, tanto que se confunde con la cultura. Estamos en sociedades reflexivas, que se interrogan permanentemente. De golpe, los artistas, como los filósofos y los intelectuales en general, se encuentran metidos de lleno, en esta reflexión…El arte, de pronto, no tiene una posición de preeminencia. Y, el artista debe reconocer su impotencia. Es más, el arte tiende a disolverse. Lo que me impresiona es que una sociedad que lo coloca todo bajo el signo de la belleza, el gesto deportivo es arte, el maquiallaje es arte, la cocina es arte,… - (basta pensar que, recientemente, el conocido chef de alta cocina Ferrán Adrià ha sido invitado a participar en la Documenta de Kassel 2007) -...todo es arte excepto el arte. El arte pasa al estado gaseoso. Está en todas partes y ninguna. Es hora de preguntarse qué es lo que queda en museos y galerías y por qué resiste todavía. Vamos camino de la experiencia estética difusa en la moda, en el deporte, en el diseño, en los cabellos, en los perfumes, en casi todo. Es el triunfo del ready-made.” (Yves Michaud) [1].

E, se outrora, os cânones utilizados pela pintura baseavam-se em ideais, depois das mudanças de paradigma que nos foram chegando com a modernidade e instauraram uma liberdade sem precedentes, hoje, a pintura encontra na anarquia e na arbitrariedade uma fonte inesgotável de criação, sem governo de normas, regras, modelos, etc.. A propósito das novas paisagens que encontramos repletas de banalizações e hibridismos das imagens da pintura e das confusões daí decorrentes, Lipovetsky e Serroy, escreviam,

Que nova paisagem é esta onde se confundem os territórios, onde se desvanecem as fronteiras entre arte e design, mas também entre arte e publicidade, arte e moda? Sem dúvida que aqui se opera o núcleo primordial da era democrática, a significação social moderna a que Tocqueville chama «a igualdade imaginária» que tende a dissolver todas as formas de dissemelhança social, todas as diferenças de substância ou de essência. Com o imaginário de igualdade democrática, toda a alteridade social radical está ferida de ilegitimidade: mais cedo ou mais tarde, as figuras sociais que se

196 afirmam numa heterogeneidade e numa hierarquia de «natureza» perderão a sua legitimidade. No reino da igualdade não pode haver disjunção hierárquica inaceitável, de superioridade ou de inferioridade intrínseca, de exclusões e de classificações a priori. Isto vale para a relação social entre os homens como para a relação simbólica entre as artes: por todo o lado o imaginário igualitário mina as hierarquias estabelecidas e a essência das distinções sociais. [2]

De facto, um objeto como a tela em branco ou a hipotética versão impressa de uma tela ou, até mesmo, de uma tela pintada em série, estar ao alcance de todos, pode contribuir para uma certa confusão do que é a pintura e qual o seu papel na sociedade. Mais ainda quando o atual consumo de imagens se alimenta, precisamente, da confluência e híper- circulação desenfreada, incessante e volátil de distintas imagens, incluindo as artísticas, nomeadamente, as de pintura, fácil e rapidamente, disponibilizadas através de simples downloads. Neste sentido e, ao contrário do que sucedeu com o ready-made de Marcel Duchamp em que o artista se apropriava de um objeto comum, industrialmente produzido, legitimando-o como obra de arte, hoje, o quadro/tela versus `pintura´ é, inversamente, apropriado pelas indústrias da sociedade de consumo. Mesmo não sendo uma apropriação do objeto artístico mas sim uma mera apropriação simbólica do objeto /dispositivo/quadro versus `pintura´. Todavia, à primeira vista e, certamente, para a grande maioria do comum dos mortais, este objeto em particular - objeto /dispositivo/quadro versus `pintura´- é indissociável de uma aceção mais tradicional do que é o objeto artístico pintura. Para além destas circunstâncias, nunca tanto como agora, os materiais e técnicas específicas da pintura outrora muito restritos ao domínio artístico estão tão, fácil e democraticamente, alcançáveis versus disponíveis para todos, tal como já referimos acima. Logo, todos podemos pintar ainda que nem todos possamos ser pintores/artistas. Estas banalizações recentes e, cada vez mais frequentes também contrastam com aquela relação existencial de

197 cumplicidade que o suporte manteve durante muito tempo com a Pintura. Não obstante certas diferenças assinaláveis e consideráveis, para grande parte de ditos consumidores, esta acessibilidade permite fazer jus a um dos propósitos que, muito provavelmente, supõem ser intrínseco à pintura: deter a imagem e facultar a respetiva contemplação segundo determinados padrões estéticos com os quais, de alguma maneira, se identificam e ou se `emocionam´. Muito, provavelmente, também cumprirão outros propósitos mais desprezáveis mas que abonam na hora de dito consumo: decoram e preenchem o vazio das paredes ainda que, muitas vezes, se confunda o desejo e ou a necessidade de fruir e contemplar uma imagem com a questão meramente decorativa. Esta proliferação de objetos conotados com noções mais tradicionais das antigas belas artes nutrem e invadem, desde há algum tempo, o imaginário simbólico da cultura popular, tendo gerado muita popularidade à pintura, produzindo alguns equívocos interessantes sobre o que é a pintura para um público/espetador/consumidor não especializado. Para além das circunstâncias descritas, a pintura continua a bater recordes nas licitações dos principais leilões. A mutação crescente dos valores licitados, assim como todos os outros efeitos colaterais do mercado da arte, tem contribuído para que a pintura seja, sobejamente, apreciada e, em alguns casos, sobrevalorizada. Para além do valor artístico, são acrescidos outros valores à pintura, nomeadamente, o financeiro, engrandecendo ainda mais o mito envolto e, gerando um certo empoderamento da pintura, como referíamos ao princípio. Esse mito mnemonicamente pictórico serve o propósito do capitalismo do hiperconsumo alimentado por sucessos instantâneos, mediáticos e pelos efeitos `blockbusters´ de exposições espetáculo, convertendo assim a pintura num dos objetos/produtos artísticos mais consumíveis e desejáveis do capitalismo estético. Por todas estas razões, nunca a pintura foi tão fotogénica e telegénica, servindo de escaparate aos

198 grandes museus que utilizam, enfaticamente, a imagem da pintura para anunciar, promover grandes exposições, adentrando-a assim pelos canais de divulgação da cultura popular que a mediatiza e, finalmente, a populariza ainda mais. Para esta mediatização da pintura também muito contribuiu a circulação de imagens de obras tão diversas como são os exemplos da pintura Mona Lisa de Leonardo da Vinci ou, da pintura Girassóis de Van Gogh, tão hábil e frequentemente, utilizadas pela publicidade e, muitas vezes, associadas a uma grande diversidade de produtos e serviços. Não há dúvida que a imagem não é da natureza do objeto mas sim da relação, como nos diz Michel Melot (2014). Tal como qualquer outra imagem, a imagem da pintura é também da natureza da relação com o objeto ainda que, por vezes, sejam relações mais complexas pela mistura, supostamente, incongruente de valores que julgávamos inimagináveis, tais como o artístico, o comunicacional, o financeiro, etc., e que, fazem com que a pintura seja, definitivamente, mais do que aquilo que ela é. Mesmo que a pintura nunca deixe de ser sobre a pintura porque utiliza técnicas, formas e o significado social da pintura, independentemente, de outros critérios ao nível de conteúdo. E porque assim o é, desponta a complexa interação entre passado e presente. Mnemónica função da imagem pintada? Talvez. Já dizia Susan Sontag que, assim como a fotografia é demasiado pequena na sociedade de massas, a pintura é demasiado grande. [3] Deste modo, a pintura foi-se tornando um capital icónico muito diversificado, alimentando e potenciando o entorno imagístico da iconosfera (Gilbert Cohen-Séat), semiosfera (YuriLotman) e a mediaesfera (Abraham Moles), enfim, da imensa e crescente cultura visual que caracteriza o nosso tempo. Certo é que, a compulsão pela pintura persiste num continuum que atravessou séculos e parece rumar ao futuro, mantendo até algumas das características que outrora e, em alguns momentos históricos, pareceram limitá-la. Todavia, a pintura ainda parece ser antagónica e

199 anacrónica em relação ao presente e à velocidade do tempo que vivemos, como se fosse uma espécie de versão `vintage´ do objeto artístico. Consciente do perigo da ironia e, antes mesmo que suscite algum tipo de mal-entendido, desde já, justifico a intenção com o facto de pretender, fazer jus à qualidade do que é, supostamente, valorizável ainda que antigo e, tal como acontece com outro tipo de objetos, ditos antigos. E, mesmo sabendo que a pintura não é só imagem, é natural que a própria pintura pinte a imagem ou as imagens que tem de si própria, para além de outras imagens contemporâneas pintáveis cujos referentes são a fotografia ou o cinema. A este propósito, Peter Weibel comentava que, em lugar de pintar a partir da natureza, como faziam os seus colegas do século XIX, os pintores derivam as suas imagens de um “mundo mediatizado”, ou seja, um mundo mediatizado pelos meios de comunicação de massas. Os seus quadros refletem um mundo que foi transformado pela tecnologia e está determinado por códigos abstratos e por sofisticados meios de comunicação de massas”. [4] Nesse olhar sobre si mesma, ou seja, nessa autorreflexividade acaba por se converter num sistema que se reproduz a si próprio, reinventando-se por vezes. Ainda que, paradoxalmente, o que torna a pintura tão particular é, justamente, o facto de ela ser antes de mais pintura e continuar a ser esse passado que lhe é irrefragável e que, por essa mesma razão, simultaneamente, a engrandece e a aprisiona. Como podemos olhar a pintura e esquecer tudo o que já foi? A pintura contemporânea destila aquilo que já foi, seja a figurativa, abstrata, conceptual, bad painting, neo-pintura dos 80, neo-geo, etc., seja, mais uma ou menos outra, ou seja ambas ou, até mesmo, várias. Certa é a sua condição pluralista e heterogénea e, para alguns, a sua condição post- médium. E, por fim, certo é que a pintura se expandiu e, já não é só o que foi num princípio: a cor que se aplicou a uma superfície qualquer. Proféticas palavras as de Derrida quando anunciava que detrás da imagem há sempre outra imagem.

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Resta-nos reconhecer o quanto perdura o desejo desmesurado por pintura. A pintura não trata somente de expressar, mostrar o que doutra forma não seria possível ou dizível, é deveras uma pulsão engajada na história da humanidade e que impele, incessantemente, a criação de mundos imaginários e simbólicos que os nossos sentidos e emoções nos dão a perceber e que, como bem afirmou Nelson Goodman, esses mundos são também produções significantes que nos dizem algo sobre o mundo. Nos interstícios da imagem pintada duma espécie de versão de palimpsesto contemporâneo onde se reescreve, ou melhor, se repinta continuamente, a pintura mostra-nos outras possíveis imagens do mundo. Não será também esse um dos papéis da pintura na sociedade? Terá sido sempre assim? Se sim, talvez seja uma daquelas boas tradições a manter. Até os robots artistas de Leonel Moura, espécie de versão `high-tec´ do dispositivo pictórico ancestral, parecem seguir essa tradição na sua arte robótica produzindo pinturas que parecem oscilar entre o movimento cinestésico da garatuja infantil e o expressionismo abstrato de Pollock e Cy Twombly.

Finalizo, confessando que esta reflexão é também uma espécie de ode à pintura pela qual, ao fim destes anos, continuo a sentir assombro. Uma quietude que inquieta e, totalmente, contrária à velocidade do nosso tempo mas necessária para deter o nosso olhar – a pintura ainda produz esse efeito, ainda nos detém na sua condição pos-médium. Sou pintora de formação e, por defeito, sempre tive mais inclinação pelas cores, formas e imagens do que pelas palavras. Termino com as singelas mas profundas e acertadas palavras de um escritor a propósito da pintura: Os pintores roubam a beleza do mundo - embora eles digam que não, que lhes vem tudo da cabeça. Mas a verdade é que o mundo não chega a perder essa beleza. Parece que os pintores a multiplicam nos seus quadros. Talvez por isso, são os únicos ladrões que ninguém se importa que andem por aí, em liberdade. [5]

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References 1. Yves Michaud, entrevistado por Josep Ramoneda en, El País (España), 30 de Junio de 2002. 2. Lipovetsky, Gilles & Serroy, Jean O Capitalismo Estético na Era da Globalização, Edições70, Lisboa (2014) p. 279. 3. Sontag, Susan. On photography. Farrar, Strauss & Giroux, New York (1977) p. 166. 4. Peter Weibel, “The Unreasonable Effectiveness of the Methodological Convergence of Arts and Science”, en: Sommerer y L. Migninneau (ed.), Art & Science, Viena- New York, Springer Verlag, 1(998), pág. 49. 5. Messeder, João Pedro & Caiano, Rachel. Pequeno Livros das Coisas, Caminho, Alfragide, (2014), p.36 Melot, Michel. Uma Breve História… da Imagem. Húmus. (2015)

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AMADEO, AMADEO! REFLEXÕES SOBRE A MEDIAÇÃO DA PINTURA MODERNA PORTUGUESA EM SERVIÇOS EDUCATIVOS DE MUSEUS DE ARTE

Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Porto, Portugal [email protected]

Keywords: Amadeo de Souza-Cardoso, Pintura Moderna Portuguesa, Museus de Arte, Serviço Educativo, Mediação.

Abstract

Neste artigo reflito sobre estratégias de mediação desenvolvidas pelos Serviços Educativos no que diz respeito à Pintura Moderna Portuguesa e em particular, sobre as atividades que promovem nesse âmbito a partir da obra de Amadeo de Souza-Cardoso. Pretendo analisar como o trabalho de um pintor consensualmente considerado um dos expoentes do modernismo português é transmitido aos diversos públicos, examinando e comparando as recentes atividades educativas de quatro museus de arte: o Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, o Museu Nacional de Arte Contemporânea – Chiado, a Coleção Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa e o Grand Palais, em Paris. Em novembro de 1916, Amadeo de Souza-Cardoso inaugurou a sua primeira e única exposição em Portugal. Teve a seu cargo a curadoria, escolheu os espaços para a exposição, desenvolveu a imagem gráfica, tratou da publicidade e comunicou exaustivamente com os públicos e jornalistas. Naquela época, a sua obra foi recebida de forma controversa. Se em 1916 existisse o conceito de programa educativo, qual teria sido a abordagem de Souza-Cardoso perante os seus públicos?

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Um século depois, em 2016, a exposição "Amadeo de Souza-Cardoso - 2016-1916 - Porto-Lisboa" recria no Porto e em Lisboa esse momento singular com uma clara intenção de debater a forma como o público hoje aprecia a pintura de Souza-Cardoso. Este artigo demonstra que, embora os programas educativos dos Serviços Educativos dos Museus de Arte em análise sejam idênticos, no que diz respeito ao formato das diversas ofertas educativas, as suas abordagens divergem de acordo com a missão do próprio Serviço Educativo, a sua história e agenda cultural, mas também segundo os princípios que orientam cada museu. Demonstra também que, quando se trata da disseminação da Pintura Moderna Portuguesa, ou de outros movimentos vanguardistas portugueses, Amadeo de Souza-Cardoso surge unanimemente como referência incontornável.

1. Introdução

A aprendizagem pela arte tem vindo a ser meritoriamente reconhecida como um recurso fundamental na construção de aprendizagens e processos de conhecimento dos indivíduos numa sociedade em constante transformação. Neste sentido, os serviços educativos dos museus de arte surgem como importantes mediadores entre os públicos e as obras de arte, através do desenvolvimento de estratégias mutuamente contingentes que despoletam diálogos, contribuem para a construção de significados e proporcionam experiências lúdicas verdadeiramente enriquecedoras e duradouras.

Neste artigo reflito sobre a ação dos serviços educativos de diferentes instituições culturais na transmissão do conceito de arte moderna através da obra de Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) como expoente da pintura moderna portuguesa. Para concretizar esta problematização e abrindo espaço para refletir sobre como são transmitidos também outros conceitos de arte atuais, analiso e comparo

204 a oferta educativa de uma seleção estratégica de museus de arte em cuja programação surgem esporádica ou ocasionalmente, temáticas relacionadas com o modernismo ou mais diretamente com Souza- Cardoso. A propósito da exposição “Amadeo de Souza-Cardoso – 2016-1916 – Porto-Lisboa” que esteve patente no Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto e no Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado em Lisboa, analiso, por um lado, que recursos pedagógicos foram convocados para esta réplica, por outro lado estabeleço uma comparação com a oferta educativa da Coleção Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, como o museu de arte que contém maior quantidade de obras de Souza-Cardoso, estabelecendo uma possível triangulação com a Réunion des Musées Nationaux – Grand Palais, na capital francesa, onde Amadeo de Souza- Cardoso viveu e produziu parte da sua obra. Este museu de arte exibiu, entre abril e julho de 2016, uma enorme retrospetiva da obra do artista no encerramento das comemorações dos 50 anos da presença da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris.

Importa refletir, por um lado nos sentidos que a contemporaneidade dá à obra de Amadeo de Souza-Cardoso, por outro lado como também é hoje recebida, considerando que a democratização no acesso à arte, à cultura e à informação trouxe, por sua vez, novos conceitos de público, no sentido em que são tão abrangentes e diversificadas as motivações e os contextos socioculturais dos indivíduos, como são os sentidos por eles produzidos.

2. Desenvolvimento

Amadeo de Souza-Cardoso nasceu em Manhufe, Amarante, e viveu dividido entre a sua terra natal e o resto do mundo. Irreverente e carismático, Amadeo de Souza-Cardoso produziu intensamente. Informado sobre as correntes vanguardistas, a todas explorou,

205 desenvolvendo uma linguagem única e original. Reconhecido internacionalmente, participou em várias exposições coletivas em Berlim, Paris e Estados Unidos da América, mas em Portugal o seu trabalho não foi bem compreendido.

Em 1916, realizou duas exposições intituladas “Abstraccionismo”. A primeira, no Jardim Passos Manuel, no Porto, a segunda na Liga Naval Portuguesa em Lisboa, onde mostrou 114 obras. Previamente, havia já publicado o catálogo “12 Reproductions” como forma de divulgar o seu trabalho. Para estas mostras encarregou-se de toda a logística e escolheu os dois locais, produziu catálogos e estabeleceu contactos com a imprensa. Amadeo de Souza-Cardoso sabia bem como se promover, mas apesar disso, a exposição provocou polémica e reações negativas por parte dos críticos de arte e dos públicos, que consideraram o que viram ultrajante e incompreensível.

Em 2016 esteve patente no Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, a exposição “Amadeo de Souza-Cardoso – 2016-1916 – Porto- Lisboa”, que foi posteriormente para o Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado, em Lisboa. Os locais escolhidos não foram os mesmos de há cem anos atrás, mas a intenção foi a de replicar todo o ambiente vivido naquela época, início do século XX, e é inevitável estabelecer comparações na forma como se recebe, como se interpreta e como se dialoga hoje, com a obra de Amadeo de Souza-Cardoso. Importa por isso refletir naquela que é hoje a missão dos serviços educativos dos museus de arte na disseminação da sua obra.

Não foi possível receber dos serviços educativos destes dois museus de arte, informação significativa para perceber quais as estratégias propostas ou desenvolvidas na programação complementar à exposição “Amadeo de Souza-Cardoso – 2016-1916 – Porto-Lisboa” dirigida a

206 diferentes públicos. No caso do Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, através das redes sociais foram divulgadas conferências com temáticas relacionadas com a vida, obra e influências de Amadeo de Souza-Cardoso. Paralelamente foram feitas visitas guiadas. Relativamente ao serviço educativo do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, este é claro na intenção da dinamização pedagógica através da sua mediação, “estimulando e desenvolvendo a relação e participação das comunidades com o museu”. A programação deste serviço é pensada em função das exposições permanentes ou temporárias. É possível, a partir desta fonte conjeturar sobre a oferta educativa deste museu de arte no âmbito da exposição que esteve patente até 26 de fevereiro de 2016, a partir das visitas guiadas com conteúdos previamente delineados em função das especificidades de determinado público, ou das visitas comentadas das temáticas das exposições, e que incidem sobre conceitos mais particularizados, e das oficinas e workshops onde se propõem atividades de experimentação e que vão de encontro também a determinadas exposições, temáticas ou artistas.

O serviço educativo do Museu Calouste Gulbenkian (1) concretizado no “Gulbenkian Descobrir” tem sido exemplar no desenvolvimento de estratégias de aprendizagem por meio da arte, com uma oferta periódica muito diversificada. Este programa direciona-se a diferentes audiências de forma cirúrgica, mas sempre com a mesma missão: abrir o diálogo, provocar a reflexão, despertar sentidos. Carla Rebelo (2), artista e monitora do serviço educativo da Coleção Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian desde 2003, com quem conversei sobre as estratégias que desenvolve nesta instituição, explica a importância de se ligar com o público, despoletar interesse e promover a familiaridade com a obra de arte. Afirma que o objetivo é criar pontes e ligações entre os vários públicos e as obras de arte, despoletar o interesse e uma relação interpretativa, subjetiva e afetiva com o que lhes é dado a ver:

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“o objetivo é tornar tão familiar a obra que se vê, que seja o público a dizer o que sente sobre aquilo que está a ver”. Considera que, frequentemente, derrubar barreiras como o preconceito, a rejeição e a desvalorização das obras apresentadas é o seu ponto de partida e como mediadora de conhecimento há que, num primeiro momento, facilitar o debate de ideias, desenvolvendo conceitos a partir daquilo que o público lhe devolve.

A oferta educativa do Gulbenkian Descobrir é ampla e abrangente e não só é transversal às exposições temporárias e aos artistas e coleções em exposição. Através de atividades lúdicas como acontecimentos teatrais e as visitas-jogo “Nos bolsos de...” as crianças a partir dos 2 anos, tendo nos objetos puros recursos de memória podem, desta forma, aparentemente tão simples e divertida, conhecer e descobrir um determinado artista ou tema, criar ligações e aprender brincando.

Mas a magia não acontece apenas com os mais jovens. Há fortes apostas no envolvimento de públicos mais velhos, de famílias, professores e escolas através de atividades como visitas orientadas, acontecimentos teatrais, oficinas e workshops. O discurso e as abordagens são diversificados e adaptados às diferentes faixas etárias sempre com o intuito de aproximar os públicos das obras. Segundo Carla Rebelo, tratando-se de um contexto tão especial como a Coleção Moderna, o desafio é favorecer a interação com os espetadores de forma a que os sentidos e significados partam de si próprios, que consigam abrir caminho para o que já existe e que, por mediação do monitor se vai revestir de significado, a partir do qual se produz aprendizagem e reflexão crítica. Sublinha que “idealmente queremos que seja o observador a conseguir, pelas ligações que estabelece com a obra e pela observação que faz, chegar aos conceitos sozinho”.

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Segundo Carla Rebelo, é também fundamental fazer refletir sobre os muitos níveis de interesse na vida e obra de Amadeo de Souza-Cardoso. Por exemplo o facto de, na sua época ter antecipado algo fundamental, atualmente, para os artistas contemporâneos: a capacidade de se autopromoverem. O seu álbum, XX Dessins, um conjunto de impressões de desenhos originais de edição limitada que organizou para divulgar a sua obra, foi em 1912 uma estratégia de marketing inédita e que causou perplexidade.

Fig. 1. Fotografia: Rodrigo de Souza

O serviço educativo da Coleção Moderna do Museu Calouste Gulbenkian coloca-se em permanente autorreflexão. Trabalhar, pensar em equipa é fundamental quando se quer oferecer mais e melhores estratégias pedagógicas e conduzir de forma eficiente os públicos aos conceitos que são trabalhados. Flexibilidade e capacidade de adaptar as estratégias aos diferentes públicos, é, segundo Carla Rebelo, um desafio permanente. Trata-se de acrescentar significados, camadas e aceitar as

209 diferentes interpretações, construir outras significações, criar ecos. Quando é o público a produzir novos saberes e a construir novos sentidos, o diálogo com a obra de arte é consideravelmente enriquecido.

Também o Grand Palais acolheu uma importante exposição de Amadeo de Souza-Cardoso, que esteve patente de 20 de abril a 18 de julho de 2016 e que foi o culminar das comemorações dos 50 anos da Fundação Calouste Gulbenkian em Paris. Comissariada por Helena de Freitas (3), esta exposição dá a conhecer aquele que é, segundo as suas palavras, “provavelmente o mais importante artista modernista português”. Amadeo de Souza-Cardoso viveu algum tempo na capital francesa, onde conviveu com alguns dos artistas mais inovadores do início do século XX.

As estratégias dos serviços educativos deste museu de arte seguem a tendência geral de implementação de visitas guiadas e orientadas para diferentes faixas etárias e níveis de ensino. As propostas são feitas sobretudo a nível escolar, para alunos do ensino básico e secundário. As visitas em língua portuguesa constam também da programação educativa para comunicar com públicos bilingues e destinam-se a grupos de crianças e jovens, acompanhadas por um monitor que apresenta as obras mais emblemáticas de Amadeo de Souza-Cardoso.

O serviço educativo da Réunion des Musées Nationaux – Grand Palais dedicou-se à elaboração de um extenso dossier pedagógico. Nesta publicação é feita toda uma contextualização da retrospetiva da sua obra. Está incluída uma entrevista com a curadora Helena de Freitas, e nas páginas seguintes é proposto um percurso dentro do museu, com o objetivo de identificar algumas das obras expostas. A leitura deste dossier constitui, aliás, só por si, uma atividade educativa. Neste são

210 apresentadas várias obras de Amadeo de Souza-Cardoso e sugere-se uma interpretação sistematizada em três pontos - observer, comprendre, comparer – observar e descrever os elementos, estruturas, cores, técnicas, num segundo momento, a compreensão da obra relacionando conceitos, sugestionando-se interpretações e finalmente, a comparação a partir de obra de outro artista, com a qual se possam estabelecer ligações e pontos convergentes.

Fig. 2. Cartaz da exposição Amadeo Souza Cardoso, Grand Palais (2016)

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3. Conclusões

Este artigo demonstrou, depois da análise da oferta pedagógica de diferentes museus de arte que, embora os seus programas educativos possam ser bastante similares no que diz respeito ao formato, sejam visitas guiadas, visitas orientadas, workshops ou oficinas, as abordagens divergem naquilo que é a sensibilidade e a missão do próprio serviço educativo, da sua história e da visibilidade que a agenda cultural permite ou proporciona. São estas as variáveis que impregnam os princípios que orientam o próprio museu de arte. É já assumida a inevitabilidade de trazer Amadeo de Souza-Cardoso aos públicos quando se pretendem transmitir conceitos de arte como o modernismo e as vanguardas.

Volto à questão inicial. Se em 1916 existisse o conceito de serviço educativo, qual teria sido a abordagem de Souza-Cardoso aos seus públicos? Seria sofisticada e exaustiva como o Dossier Pedagógico do Grand Palais? Conceberia dinâmicas despoletadoras de múltiplos sentidos, provocadoras de múltiplas reações? Transportar-nos ia uma viagem no tempo? Sem qualquer dúvida. Não usaria a simplicidade desarmante e certeira do Gulbenkian Descobrir, mas seria muito provavelmente este o caminho: uma incrível viagem no tempo. Souza- Cardoso poderia criar toda uma estrutura dedicada a esta experiência artística. Daria a conhecer a sua obra de uma maneira singular – intensa e avassaladora. Amante das vanguardas, da inovação e da tecnologia, talvez criasse uma máquina do tempo que proporcionasse ao visitante uma experiência multissensorial. Amadeo de Souza-Cardoso não se pouparia a esforços para que todos experimentassem todos os seus impulsos e todas as fases da lua que dizia ter. Amadeo foi o criador do seu próprio universo. Nunca se contentaria com menos, porque saberia talvez, que da sua existência tão breve, ficaria um rasto que não se poderá nunca apagar.

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Notas (1) A partir de 1983 a Fundação Calouste Gulbenkian começou a dedicar-se com mais intensidade à arte contemporânea e, por via de aquisições ou doações de obras, a Coleção Moderna começou a crescer e as novas exposições passaram a dar muito mais visibilidade à arte moderna portuguesa.1 Este é hoje, o museu que contém o maior número de obras de Amadeo de Souza-Cardoso. O artista, é de facto, uma figura constante nas exposições que foram acontecendo e que incidam no movimento moderno, quer como protagonista, quer indiretamente, na relação com outros artistas modernos ou de vanguarda, sobretudo Almada Negreiros e o casal Delaunay. (2) Carla Rebelo, artista plástica, colabora com o serviço educativo da Coleção Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian desde 2003. Tendo já exercido atividade como professora, desenvolveu alguns projetos artísticos para crianças. Com o projeto “Ateliers Era Uma Vez” entra no serviço educativo onde contacta e experiencia diversos públicos. (3) Helena de Freitas nasceu em Lisboa, em 1958, foi diretora da Casa das Histórias Paula Rego, e é historiadora de arte e curadora.

References 1. Barriga, Sara; Silva, Susana Gomes da (2007). Serviços Educativos na Cultura. SETEPÉS. Porto 2. Fundação Calouste Gulbenkian (2016). Amadeo de Souza-Cardoso – XX Dessins. Documenta. Lisboa 3. Fundação Calouste Gulbenkian (2016). Amadeo de Souza-Cardoso: fotobiografia: catálogo raisonné. Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão. Lisboa 4. Sá, Sara (2016) . Entrevista com Carla Rebelo. Documento não publicado. 2016 5. Réunion des Musées Nationaux – Grand Palais (2016). Dossier Pedagogique – Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918). RMNGP. Paris 6. Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, http://www.museuartecontemporanea.pt/pt/educacao/servico-educativo (acedido em 17 de dezembro de 2016) 7. Fundação Calouste Gulbenkian – Coleção Moderna, https://gulbenkian.pt (acedido em 17 de dezembro de 2016) 8. Museu Nacional de Soares dos Reis, http://www.museusoaresdosreis.pt (acedido em 17 de dezembro de 2016)

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O ENSINO DA PINTURA NUMA FACETA MULTIDISCIPLINAR

Unidade de Investigação i2ads, Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade da Faculdade de Belas Artes Universidade do Porto., Portugal. Unidade de Investigação, Vidro e Cerâmica para as Artes, VICARTE, FCT/UNL [email protected]

Keywords: vidro, ensino, pinturas vítreas

Abstract

Os programas curriculares das Universidades de Belas Artes, vêm sofrendo alterações ao longo dos anos. Algumas unidades curriculares são suprimidas, outras emergem. Parecendo que o agora nada tem a ver com o ontem, vaticina-se a eliminação de outras mais. Algumas perduram nas décadas, no entanto o seu plano curricular vai sendo renovado, é o exemplo do Vitral: a pintura monumental, onde as especificidades da pintura do vitral como arte de fogo, aplicação de grisalhas e esmaltes vítreos são exploradas na pratica artística dos estudantes. Pretende-se que a Faculdade se afirme cada vez mais no panorama do Ensino Artístico como referência e exemplo de inovação e continuidade sabiamente atualizada, criando um maior cruzamento entre diversas áreas com projetos inovadores com equipas multidisciplinares, onde a pintura em materiais vítreos é especulativa e concretizadora de obras de arte contemporâneas. Neste artigo, pretende-se focar o ensino da arte no vidro enquanto uma prática artística ligada à pintura, com a apresentação dos métodos de ensino e trabalhos realizados pelos estudantes.

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1. Introdução

O que hoje conhecemos como Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, sofreu ao longo de décadas alterações nos seus planos curriculares. Desde a primeira aula de desenho a 17 de fevereiro de 1780 [1], à criação da Academia Portuense de Belas-Artes em 1836 [2], à adquirição do estatuto de ensino superior em 1950 e em 1992 assistimos à integração da Escola na Universidade do Porto, e assim à designação pela qual é hoje conhecida – Faculdade de Belas Artes; o ensino artístico passou por várias transformações. Durante todos estes anos em que o ensino artístico funcionou nesta instituição, ajustes, reajustes, introdução e/ou exclusão de novas matérias sucederam-se com o intuito de manter a qualidade do ensino artístico.

“Na escola de arte acontece arte, isto é, a emergência do que não conhecemos antes de tal ter lugar ou expressão. A escola de arte, é assim, uma espécie de atelier segundo, de atelier coletivo, ocupado e partilhado pelas diferenças de todos, lugar de aprendizagem, efectivamente, mas também de reflexão, experimentação e transgressão, enquanto espaço único de comunicação e de Liberdade” [3].

2. Associação ao decorativismo

No que respeita à arte do vitral, esta reside na associação com a arquitetura e em especial com a arquitetura religiosa. A nomenclatura “vitral” pode ser alargada a vastos campos artísticos que não estejam apenas consignados aos janelões, claraboias e rosáceas. A obra da artista Judith Schaechter é um dos exemplos. Com um imaginário medieval, esta artista participou na bienal de Whitney, EUA em 2002 [4]. Nas suas pinturas a artista opta por utilizar a técnica de vitral com a calha de

215 chumbo (conhecida também como a técnica tradicional de vitral), no entanto as suas obras não são para integrar um espaço especifico na arquitetura, mas sim o espaço da galeria (Figura 1).

Fig. 1 Judith Schaechter, vitral, Realim, 31”x 29”, 2016

Na realidade, no referente à arte contemporânea em vidro, pouco se escreve, estuda e divulga. Portugal não possui galerias especializadas e a arte do vidro é, por vezes, associada ao simples elemento decorativo, mantendo a ideia preconceituosa e arcaica de Artes maiores (Pintura, Escultura) e Artes menores (cerâmica, vidro, ourivesaria), ao contrário do que acontece no resto da Europa e nos EUA, onde existem museus, galerias especializadas e grandes colecionadores de obras de arte em vidro [5].

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O que se pretende aqui apresentar são exemplos de Pinturas em vidro, e não falar propriamente do material em si, o vidro, uma vez que este pode ser utilizado nas Artes Plásticas sobre diversas abordagens, escultura, instalação, impressão, gravação, desenho… entre outras. No que se refere à pintura em vidro, um dos artistas que trabalha exclusivamente a pintura sobre vidro, exibindo os seus trabalhos em galerias de arte, é Palo Macho. As suas pinturas em vidro não são associadas ao decorativismo e são assumidas e apresentadas ao lado de trabalhos em tela. Procurando tirar o máximo partido de escala, Palo desenvolve trabalhos de pintura em vidro de grande envergadura onde a gestualidade do traço, e a linha são uma constante (Figura 2). O vidro é utilizado como suporte das suas pinturas pelas características que lhe são inerentes, como a transparência e brilho. Sylva Pretová refere que as pinturas de Macho são espontâneas como saídas do inconsciente [6].

Fig. 2 Palo Macho, exposição realizada no Danubiana Meulensteen Art Museum, Eslováquia, 2017

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É comum depararmos com a associação da arte do vitral/vidro ao craft, simplesmente porque estamos a utilizar este material como suporte, e/ou médio. Não é o material que determina a qualidade do trabalho realizado. Bruce Metclaf refere que “There is a craft of pottery, but also a craft of welding nuclear containment vessels, a craft of cooking or a craft of writing” [7]. Este debate entre arts and crafts é discutível, encontramdo-se em desuso, segundo Michael Petry, no seu texto Through a glass darkly: Artists, glass and authorship, “As more and more artists blur the artificial (mainly Western) boundaries between what is made, and by which class of artisan (artist versus craftsperson) does that making, those distinctions become less important and might eventually fall away ” [8]. Na realização de obras em vidro é necessário, na maioria dos casos, muita perícia e um grande domínio das técnicas usadas para a execução das mesmas. É ainda uma situação comum, muitos dos que trabalham com este material se concentrem apenas na componente técnica. É certo que o domínio da técnica é fundamental na elaboração de trabalhos em vidro, e muitos dos que trabalham com este material somente se focam com esta componente. No entanto, há artistas consagrados que optaram por usar o vidro como material de eleição, para os quais a tecnologia não é a única preocupação[4]. A artista checa Jaroslava Brychotová é um exemplo. Na conceptualização das suas obras de arte, a artista não está preocupada em produzir uma arte do vidro no sentido técnico, mas uma arte de alta qualidade, que utiliza o vidro como material plástico, e que, no mundo das artes, concorra com qualquer outro meio expressivo [9]. Dana Zámečniková, é outra artista que utiliza várias placas de vidro, como um dos muitos materiais disponíveis. Dana pinta e desenha sobre o vidro, o grafismo está presente na obra da artista através da narrativa teatral [10]. A historiadora Sylva Petrová, afirma que o vidro é também um material de enormes potencialidades expressivas, um suporte para obras de arte,

218 similar aos “materiais clássicos” como a pedra, o bronze e a pintura a óleo sobre tela [11].

Metodologias e Novas abordagens

A unidade curricular de Vitral I e II sofreu uma alteração no seu plano de estudos em 2009, altura em que Teresa Almeida passa a ser a professora. Até então o ensino do vitral estava associado ao clássico: a importância da linha e do desenho na calha do chumbo, as especificidades da pintura do vitral como arte de fogo com a aplicação de grisalhas e esmaltes vítreos, a cor específica do vitral. Estas premissas continuaram a ser desenvolvidas, assim como, a relação entre o vidro e a pintura e escultura. No entanto novas abordagens foram introduzidas, onde se procurou entender o vidro como tecnologia flexível, especulativa e concretizadora de obras de arte contemporâneas. Nesse sentido, outras técnicas e formas de trabalhar o vidro foram inseridas, a fusão, slumping, vidro laminado, kilncasting (casting e pâte-de- verre), e ainda a realização de seminários, workshops e ações de formação para técnicas que não seriam possíveis de leccionar na FBAUP, nomeadamente o sopro, maçarico e sandcasting. Foram então estabelecidos protocolos e parcerias com o Crisform (centro de formação para a cristalaria) e a Vicarte. Em 2009 foi realizada a primeira ação de formação intitulada “casting”, e no ano seguinte “Iniciação à técnica do sopro sem molde” e “Iniciação às técnicas de fusão”. Este estabelecimento encerrou em 2011, no entanto o CENCAL (centro de formação para a industria cerâmica – Pólo da Marinha Grande) continua a dar continuidade a estas ações de formação [12],

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“Como artista que trabalho com o vidro enquanto matéria para a realização de obras de arte, consigo transmitir os conhecimentos técnicos e teóricos com eficácia. Quando estamos a trabalhar numa obra artística, assumindo a sua contextualidade teórica e critica, estamos a conceber e analisar o conteúdo da obra (...). Mais do que ensinar os alunos, é necessário auxiliar no seu conhecimento técnico, artístico e conceptual” [13].

Estas parcerias permitiram aos estudantes da FBAUP o acesso a meios tecnológicos, como por exemplo a gravação digital, impressão 3D que culminaram em trabalhos individuais, como colaborativos, surgindo uma investigação artística na FBAUP da área do vidro, que até à data não existia. Investigação essa que já resultou em projetos pluridisciplinares, relatórios de projeto de Mestrado e teses de Doutoramento em curso. Em seguida são apresentados alguns exemplos de trabalhos desenvolvidos por estudantes da Licenciatura em Artes Plásticas – Pintura e do Mestrado em Pintura, onde se visualiza esta ligação estreita com a Pintura, uma vez que muitos são os estudantes que fazem da unidade curricular uma continuação do trabalho desenvolvido em projecto de Pintura. Daniela Pinheiro é uma dessas estudantes. Com a mesma linguagem conceptual e rigor na composição, esta estudante desenvolveu no seu último ano de licenciatura, um trabalho bastante coeso em estreita relação com a pintura. Começando primeiramente com estudo de cor sobre vidro num trabalho realizado com a técnica de vitral clássico Seguindo depois para o Mestrado de Pintura, esta estudante continuou a desenvolver essa relação nos seus trabalhos (Figura 3), desta vez explorando outras potencialidades técnicas, nomeadamente a fusão, onde a “planificação formal do espaço”, é uma constante procura.

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Fig. 3 Daniela Pinheiro, estudos compositivos de pintura e fusão (esquerda) e pintura s/tela (direita) 2017 Fig. 4 Carlos Mensil, óleo s/vidro, 71 x 44 cm, 2012

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Carlos Mensil, estudante da licenciatura em Pintura e depois do Mestrado de Pintura trabalhou sobre variados suportes, sendo o vidro um deles (Figura 4). O que lhe interessava era a pintura enquanto trabalho final. Os estudantes procuram explorar as potencialidades que este material permite, desenvolvendo não somente a utilização da técnica de vitral clássico (Figura 5) onde verifica-se um certo revivalismo por técnicas ancestrais em que o saber ocupa lugar numa combinação com a prática contemporânea. Assiste-se a um crescimento pelo interesse da mestria, com combinações aliadas a novas tecnologias, mas também a exploração de uma pintura não convencional, que supera o suporte utilizado.

Fig. 5 Mariana Rebola, vitral clássico com esmalte e grisalha, 2017

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3. Conclusões

“Defender a pintura é questionar a pintura: pelo lado de dentro, é desenvolver a pintura sem a abandonar e, simultaneamente é afirmação da consciência da sua história, do seu passado, do seu presente, do seu futuro. Por isso, o presente da pintura como possibilidade estratégica dos novos desafios que se nos deparam, quer artistas, quer enquanto pedagogos, deve ser o de uma realidade efetiva e inquestionável” [14].

No vidro a pintura tem mais faces, dimensões, revelando-se, deixando- se ver, induzindo o olhar, conectando relações. Exige saberes, domínios técnicos, levanta desafios… Pretende-se aqui, de uma forma sucinta, demonstrar que o vidro, é muito mais que um suporte e um material utilitário. É sim, um meio para atingir um fim, neste caso um fim artístico, uma obra, uma investigação em arte.

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References 1. Quadros, A. (org). Fazer Falar a pintura. U.Porto editorial, pp11. (2011) 2. Martins. C. As narrativas do génio e da salvação: a invenção do olhar e a fabricação da mão na Educação e no Ensino das Artes Visuais em Portugal (de finais de XVIII à primeira metade do século XX). Tese de doutoramento em Educação, area de especialização em história da Educção apresentada na Universidade de Lisboa (2011) 3. Quadros, A. (org). Fazer Falar a pintura. U.Porto editorial, pp26. (2011) 4. Neiswander, J. Swash, C. Stained & art glass. A Unique History of Glass Design & Making. The Intelligent Layman’s, London (2005) 5. Almeida, T. O vidro como material plástico: transparência, luz cor e expressão. Tese de doutoramento em Estudos de Arte apresentada na Universidade de Aveiro (2011) 6. Petrová, S. Non-verbal, Materialised Poetry of Light and Space – Work by Palo Macho in Palo Macho, Slovak edition, Bratislava, (2015) 7. Metcalf “The culture of craft” in Domer, P. Manchester University Press, Great Britain. 8. Petry, M. “Through a glass darkly: Artists, glass and authorship” in Craig, B. (ed). Contemporary Glass. Black dog publishing, London, pp 128-133. (1997) 9. Frantz, S. “Twentieth-century Bohemian Art in Glass Czech Glass: the artistic and historical background” in 1945-1980, Design in Age of Adversity. Arnoldsche Museum Kunst Palast, (2005) 10. Edwards, G. Art of glass in the collection of the National Gallery of Victoria, National Gallery of Victoria, Australia, (1998) 11. Petrová, S. Czech Glass, Czech Republic, Gallery, (2001) 12. T. Almeida “As faculdades do vidro: o vidro na faculdade” in Martins, C S; Terrasêca, M, Martins, V. (ed), À procura de renovações de estratégias e de narrativas sobre a educação artística, GESTO, (2012) 13. T. Almeida. “O Artista Professor na Faculdade de Arte”, A presença do Artista na Universidade Contemporânea, Revista Trama Interdisciplinar, p75-92 (2012). 14. Quadros, A. (org). Fazer Falar a pintura. U.Porto editorial. pp.25 (2011)

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A PINTURA EM DIÁLOGO: ESPECIFICIDADES E TRANSVERSALIDADES NO ENSINO DA PINTURA

Escola Superior de Educação de Lisboa CIEBA- FBAUL/CIED-ESELx [email protected]

Keywords: Ensino da Pintura, Processo Criativo, Metodologias de Ensino, Interdisciplinaridade

Abstract

Esta comunicação irá debruçar-se sobre os vários aspetos que integram o ensino da pintura no contexto da licenciatura em Artes Visuais e Tecnologias da Escola Superior de Educação de Lisboa, designadamente os pressupostos teóricos que nortearam a conceção dos programas dos vários anos, a sua inter-relação, as metodologias de ensino e avaliação utilizadas bem como observação de alguns resultados obtidos. Pretende-se assim, desenvolver uma reflexão a partir das práticas docentes e de ensino-aprendizagem, considerando as múltiplas dimensões que as informam quer em termos de opções conceptuais/teóricas, metodológicas bem como de um acompanhamento dos processos criativos levados a cabo pelos estudantes de licenciatura.

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1. Introdução

Que contributos poderão advir da prática da pintura num contexto formativo de banda larga como é a licenciatura em Artes Visuais e Tecnologias (AVT) da Escola Superior de Educação de Lisboa (ESELx)? Não se tratando especificamente de um curso de formação de artistas visuais - pois engloba igualmente as áreas do design de comunicação, design de produto e tecnologias multimédia - qual o papel da pintura? Qual a abordagem pedagógica, pressupostos teóricos e metodologias a desenvolver em processos de ensino-aprendizagem? Estas questões encontraram-se na base da construção dos atuais programas de pintura no âmbito do curso (em 2014) e nortearam, então, as decisões tomadas bem como a organização das atividades a desenvolver em cada ano letivo pelos docentes que lecionam os diferentes módulos. Na verdade, a pintura integra-se no plano de estudos da licenciatura em AVT como módulo de uma Unidade Curricular (UC) designada Oficina de Artes e Tecnologias (OAT) com a duração anual e transversal aos 3 anos do curso, contemplando assim os módulos de Pintura I, Pintura II e Pintura III. De um modo geral, os seus conteúdos programáticos e metodologias de ensino estruturam-se de modo a harmonizar o desenvolvimento de aprendizagens essenciais à compreensão da linguagem pictórica (especificidades técnicas, formais, compositivas, plásticas e poéticas) com as possibilidades de diálogo com outras áreas como a fotografia, o vídeo, o multimédia e o design (de comunicação e de produto). Neste texto procurarei, num primeiro momento, abordar algumas questões de natureza teórica e metodológica que fundamentaram as opções tomadas quanto à organização dos programas, desenvolvimento de práticas docentes e processos de ensino-aprendizagem. Num segundo momento, assumindo como cenário de fundo as práticas docentes e os processos de trabalho desenvolvidos com os estudantes,

226 destacarei uma dimensão metodológica que lhes está subjacente ao longo dos 3 níveis de pintura, apresentando alguns resultados, de modo a evidenciar as possibilidades criativas e investigativas desencadeadas pelas metodologias levadas a cabo ao longo do percurso formativo.

2. Processo Criativo/Processo Investigativo

A licenciatura em AVT propõe um conjunto de aprendizagens marcadas por uma transversalidade e reciprocidade entre artes visuais, design e tecnologias. Neste contexto, ao que acresce a filiação do curso numa instituição de ensino superior politécnico, houve que pensar o papel da pintura, os objetivos, as metodologias de ensino e os processos de trabalho a desenvolver com os estudantes por forma a maximizar o tempo disponível para a sua lecionação, garantir uma aprendizagem dos fundamentos técnicos, compositivos e poéticos inerentes às linguagens pictóricas, bem como estabelecer diálogos com as restantes áreas que integram o curso, designadamente entre a construção da imagem (na sua dimensão compositiva, estética, plástica e poética) e a dimensão conceptual que a suporta. Considerando que a pintura surge, a par do desenho, como uma das mais antigas tecnologias de representação visual [1], ela contribuiu para estruturar muitas das modalidades, que, no domínio da visualidade, conheceram uma rápida multiplicação desde o séc. XIX, designadamente a fotografia, cinema e em parte, o design gráfico. Para além de assumir um espaço intersticial entre os domínios do visível (resultante dos mecanismos inerentes à fisiologia da visão) e do visual (resultante de processos de interpretação, presentação e representação do visível) a pintura convoca outras dimensões multissensoriais e cognitivas [2] que, no seu conjunto, convergem para tornar os processos de criação, espaços singulares de estruturação do pensamento, aquisição e comunicação de conhecimento.

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Na verdade, a apreciação das práticas artísticas enquanto lugares de produção e comunicação de conhecimento tem vindo a ganhar novo folego nas últimas décadas em virtude de um conjunto de estudos e modelos de abordagem que incidem na convergência entre processos criativos e processos de investigação em arte. A Arts Practice-Based Research [3,4], a Arts-Informed Research [5,6], ou a Arts Practice-Led Research [7]entre outras, assumem como ponto de partida a conceção dos processos criativos como domínios de estudo e aproximação a diversas problemáticas e/ou outros campos disciplinares. Centradas no processo criativo, estas abordagens problematizam, simultaneamente, a natureza estanque e/ou pré-existente do objeto de estudo já que este é construído em paralelo ao decurso da investigação. Como refere António Quadros “a investigação compromete-se com a própria criação artística” [8] Deste modo e considerando a natureza multidimensional dos processos criativos, pelas possibilidades de articular teoria e prática, estabelecer diálogos com outras áreas da arte e/ou do saber, procurou-se delinear um programa de Pintura para os 3 anos do curso de AVT que estabelecesse uma aproximação a estas múltiplas dimensões. Embora se trate de uma formação inicial e muitas das abordagens acima mencionadas se desenvolvam a um nível pós-graduado, o facto é que foi nossa convicção que é possível estabelecer um conjunto de hábitos de criação/investigação desde o 1º ano do curso, uma cultura de projeto, que permita aos estudantes estruturarem o seu percurso académico e/ou profissional de um modo amplo, aberto e capaz de articular diversas aprendizagens. No caso concreto da Pintura, para além de um posicionamento teórico- metodológico, há ainda que ter em linha de conta o perfil dos estudantes que frequentam a licenciatura com destaque para a fraca experiência no domínio das técnicas de pintura que a maioria apresenta à saída do ensino secundário bem como as expectativas com que encaram a sua aprendizagem ao nível do ensino superior.

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Neste sentido o programa para os 3 anos foi elaborado com vista ao desenvolvimento de um conjunto de aprendizagens que partem de uma exploração das potencialidades das matérias/ processos pictóricos e domínio da linguagem compositiva com vista a desaguar no desenvolvimento de uma cultura de projeto que passa pela abordagem às grandes linhas temáticas da pintura na contemporaneidade, diálogo interdisciplinar e hibridação de linguagens, desmaterialização da pintura, documentação e reflexão acerca do processo criativo/investigativo (Quadro 1) Apostou-se na conceção do programa para o 1º ano numa abordagem que possibilitasse a articulação entre os domínios da técnica e da composição e os processos de reflexão (teórica e plástica) próprios da pintura. Através da experimentação técnica (inerente ao domínio dos materiais e processos pictóricos), da exploração de linhas temáticas que tradicionalmente informaram a prática da pintura (paisagem, corpo, espaço, natureza – morta, abstração...) e da ligação com os domínios do desenho e fotografia é possível o desenvolvimento de projetos que aliam o saber fazer e conhecimento prático da sintaxe pictórica com uma introdução ao projeto pictórico. O 2º ano surge como uma etapa de aprofundamento de processos e saberes de natureza tecnológica e projetual iniciados anteriormente, mas introduzindo outras dimensões inerentes à prática pictórica na contemporaneidade, designadamente a problematização das dicotomias abstração/figuração e representação/presentação, pintura e narratividade, pintura/espaço/lugar os diálogos possíveis com os domínios da fotografia, vídeo, cinema, literatura e instalação. Finalmente o 3º ano é marcado por uma articulação interdisciplinar entre os módulos de Pintura III e Escultura III de modo a abordar um conjunto de questões comuns a ambos as áreas promovendo, por um lado a transversalidade, partilha e reciprocidade de contributos conceptuais, técnicos ou formais, e por outro aprofundar uma cultura do projeto artístico, entendido em sentido abrangente e onde as duas

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áreas se cruzam novamente com a fotografia, vídeo, performance, instalação.

Quadro 1- Articulação vertical dos 3 anos de pintura

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Tendo como cenário de fundo grandes eixos temáticos da contemporaneidade (identidade, corpo, memória, arquivo, vida, morte, espaço, tempo, lugar, …) são propostas abordagens que colocam a tónica na dimensão relacional do objeto artístico questionando conceções polarizadas das práticas nas artes visuais que se dividem entre digital/analógico ou materialidade/plasticidade/desmaterialização/virtualização.

Ao longo dos 3 anos é desenvolvida uma linha de aprofundamento tanto das especificidades que marcam a linguagem pictórica – considerando a sua dimensão pluridimensional – quer em termos plásticos, processuais, formais, conceptuais e poéticos como das transversalidades e dinâmicas interdisciplinares possíveis com outros domínios das artes visuais e do design. Através de uma abordagem baseada no desenho de grandes linhas condutoras que articulam teoria e prática pretende-se por um lado, envolver os estudantes com uma dimensão crítica inerente à pintura (através das questões conceptuais e formais), que complementa o saber histórico e a cultura visual com a prática “laboratorial” e por outro proporcionar espaços de alteridade, capazes de conduzir à construção de linguagens e poéticas cada vez mais individualizadas, mas sempre sustentadas numa reflexão comprometida com os processos criativos.

2. Metodologias de trabalho e resultados

O desenvolvimento dos processos de trabalho ao longo do ciclo de estudos no que toca à área disciplinar da pintura contempla um conjunto de estratégias de ensino-aprendizagem baseadas na prática, considerando uma articulação entre os domínios das técnicas, da composição, da reflexão e experimentação inerentes ao pensamento criativo bem como dos diálogos possíveis com outras áreas

231 artísticas/disciplinares. Este processo implica, como vimos, um aprofundamento gradual de conhecimentos com vista a culminar na interdisciplinaridade. A avaliação assume uma dimensão formativa e contínua que incide sobre os processos de trabalho, compreendendo momentos de partilha e discussão em grupo (através de sessões de apresentação intermédias dos processos de pesquisa criativa) bem como sobre os resultados finais que incluem objetos artísticos, textos de reflexão, memória visual e apresentação pública (que inclui os restantes módulos das UC de Oficina de Artes e Tecnologias e Projeto) perante um colégio de docentes. Seguidamente irei expor de uma forma mais detalhada as linhas e estratégias metodológicas adotadas no âmbito de cada ano de modo a clarificar este processo destacando desde já a preocupação em desenvolver as abordagens pedagógicas de modo a introduzir metodologias e hábitos de pesquisa que são gradualmente aprofundados ao longo do ciclo de 3 anos onde os processos criativos são coincidentes com processos de investigação e reflexão acerca do trabalho realizado (tanto ao nível dos processos como dos produtos).

Pintura I

O primeiro ano comporta entre 3 a 4 propostas de trabalho individual (Quadro 2) que incidem sobretudo na aquisição de conhecimentos técnicos no âmbito das técnicas de óleo, acrílico, técnicas mistas, colagem etc., e no domínio da composição pictórica. Atendendo igualmente a uma necessidade de abordar grandes linhas temáticas que informaram o desenvolvimento da pintura em termos históricos, propõe-se uma releitura de temas como a paisagem, a natureza-morta, a autorrepresentação, etc. Os 2 primeiro trabalhos assumem a forma de exercícios onde as questões da plasticidade dos materiais e suportes, cor, claro-escuro, enquadramento, equilíbrio e harmonia são fulcrais

232 enquanto aprendizagens basilares. Aqui, procura-se conjugar a dimensão experimental - contemplando os “acidentes” ou o “acaso” como espaços capazes de propiciar novas abordagens e avançar numa pesquisa pictórica – e a dimensão compositiva – comportando um conhecimento teórico-prático de modalidades de construção da imagem pintada. Os restantes trabalhos assumem a forma de projetos pictóricos, comportando técnicas de criatividade (como o brainstorming ou o mindmap), pesquisa documental/visual, estudos prévios, discussão de propostas, concretização e realização de memória descritiva/visual e portfólio final com uma seleção de trabalhos.

Quadro 2- Articulação horizontal do 1º ano de pintura (Pintura I)

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Mariana Araújo optou por desenvolver uma abordagem à proposta de trabalho da “Autorrepresentação/Corpo” que aposta num diálogo direto com os registos fotográficos efetuados numa primeira fase do projeto (Figura 1). A interpretação pictórica da imagem do rosto vem resgatar uma tradição do autorretrato e destaca-se por uma experimentação dos efeitos cromáticos e de claro-escuro. Este diálogo entre pintura e fotografia assume outros contornos no projeto Vivian’s Anamnesis (Figura 2) da estudante Rita Alves que se constitui como resposta à proposta de trabalho “Trilhos/Vestígios”. O projeto desenvolveu-se a partir de uma pesquisa de referências visuais e conceptuais que culminou na obra da fotógrafa Vivian Meier. A composição estrutura-se em fragmentos de imagens retiradas de fotografias da autora (as figuras humanas) e tem por base a exploração de técnica mista e colagem sobre cartão. A partir desta referência foi possível trabalhar a relação entre a pintura e a fotografia a partir do conceito de memória da imagem e da pintura como espaço passível de rememoração.

Fig. 1 Autorretrato. Mariana Araújo, 2016

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Fig. 2 Vivian’s Anamnesis. Rita Alves, 2016

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Pintura II

O segundo ano comporta 3 proposta de trabalho individual (Quadro 3) baseadas em temas abrangentes de modo a explorar ligações entre a pintura e outros discursos (textuais, plásticos, e/ou visuais) bem como a sua autorreferencialidade. O trabalho de projeto surge como metodologia dominante e os processos conhecem um faseamento em etapas (secundadas pelas técnicas de criatividade mencionadas) que contemplam: pesquisa, definição de conceitos, organização de informação, estudos, discussão, concretização, apresentação e reflexão acerca dos processos e resultados.

Quadro 3- Articulação horizontal do 2º ano de pintura (Pintura II)

A narratividade da imagem pintada e as dinâmicas de intervisualidade entre o discurso pictórico e o discurso cinematográfico surgiram como pontos de partida a uma proposta de trabalho intitulada “Pintura e Cinema: Imagem/Narração”. O diálogo com o cinema possibilitou

236 evidenciar algumas questões que são transversais a ambos os domínios designadamente a mise en scène, o enquadramento, a representação, experiência do tempo/espaço ou o olhar do espetador. A partir desta problemática inicial desenvolveram-se um conjunto de processos de apropriação (e reapropriação) alusão, citação e transfiguração. Luís Costa assumiu o filme de Mathieu Kassovitz, La Haine, como referência imagética e narrativa para criar uma composição de canto em forma de díptico. A seleção (Figura 3) de dois momentos chave da obra cinematográfica, transpostos para a pintura, resume a tensão latente ao longo de todo o filme. O preto e branco do filme é interrompido pela cor que destaca o pivô de toda a ação: uma arma perdida pela polícia e encontrada por Vinz, um dos personagens do filme. Finalmente a colocação espacial do díptico, na perpendicular vem reforçar o diálogo tenso entre as personagens e o espectador, remetido para o papel do alvo a atingir.

Fig. 3 S/Titulo. Luís Costa. 2016

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Pintura III

O terceiro ano é dominado pelo trabalho de projeto que assume a forma de 3 propostas (uma delas individual, sendo as restantes, facultativamente, individuais ou em grupo) que integram os módulos de pintura e escultura e aprofundam os diálogos possíveis entre as duas áreas disciplinares bem como com outras designadamente fotografia, vídeo, escultura, performance, instalação (Quadro 4). Aqui os trabalhos a realizar surgem sob a forma de instalação, videoperformance, série fotográfica, etc. considerando os contributos e a mobilização de conhecimentos de cor, forma, tratamento lumínico ou composição na ideação e concretização de projetos que cruzam e hibridizam diferentes linguagens. O desenvolvimento dos processos criativos integra um conjunto de estratégias que complementam mecanismos de divergência (com recurso ao brainstorming, livre associação de ideias/imagens, conceptmap, mindmap, entre outros) com pesquisa e análise documental (documentos textuais e visuais), apresentação e discussão de propostas, documentação e reflexão acerca das práticas que culminam na criação de um objeto artístico. Deste modo é possível fazer coincidir processos criativos e processos de investigação baseados nas práticas artísticas e assim envolver os estudantes em metodologias de iniciação à investigação em arte que poderão ser aprofundadas em ciclos de estudos subsequentes.

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Quadro 4- Articulação horizontal do 3º ano de pintura (Pintura III)

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O projeto (Des)Conforto Habitável (2016) da autoria de Ana Rafaela Poças consiste numa instalação composta por matérias naturais (palha e canas), restos de tijolos e cimento após demolição, pigmento e uma gambiarra procurando responder à proposta de trabalho lançada no inicio do ano letivo 2015-16, intitulada Mitografias- Construção de Identidade e Autorreflexão. Tomando como referência o deus Jano, o deus da mudança, da transição, a estudante desenvolve um processo de pesquisa materializado em mapas conceptuais/visuais que culmina nos conceitos de canto, de dualidade e de oposto. Como refere no texto de reflexão da memória descritiva/visual a partir da leitura de Gaston Bachelard (a Poética do Espaço): “Todos os caminhos têm cantos, alguns sombrios, que arrepiam, que provocam receio e desconforto… E há outros capazes de abraçar, de aconchegar, de servir de habitação confortável para a bagagem de cada um” (1) [9]. Aqui os opostos situam-se entre o campo e a cidade (e a sua interconexão) onde interior e exterior podem assumir-se simultaneamente como espaços de conforto e desconforto. A utilização significante da matéria, da cor e da luz surgem como aspetos a destacar num processo criativo e investigativo onde a prática é acompanhada de uma reflexão teórica onde, a par das referências documentais e visuais, são igualmente consideradas as formas de diálogo entre as várias áreas de atuação. Num segundo momento do ano letivo 2015-16 foi apresentada uma nova proposta que sugere um seguimento do primeiro projeto através da realização de um projeto em pares (Rastos: Performance, Corpo e Espaço) onde as identidades anteriormente estudadas possam dialogar entre si e deixar um “rasto ” desse diálogo. O projeto assumiria a forma de uma série fotográfica e uma videoperformance. Ana Rafaela Poças trabalhou com o estudante Ruben Novais (que havia observado o mito urbano de Bloody Mary). Da pesquisa cruzada a partir destas duas referências (a ideia de dualidade, de oposto, a partir de Jano e a relação com o espelho patente em Bloody Mary), surgem as ideias de presença/ausência, de fim/mudança/inicio que estruturam o projeto conjunto, intitulado “Destruir o Foco” (2016). Aqui, a série fotográfica tem por base uma sequência de ocultação/desocultação de um corpo que ora desvenda a

240 sua fisicalidade ora se desmaterializa sob um panejamento (Figura 5). A videoperformance, por sua vez, retoma o espelho partido do mito e propõe um jogo de reflexos fragmentados onde a reconstrução da imagem na sua totalidade se afirma como uma tarefa virtualmente impossível (Figura 6).

Fig. 4 (Des)Conforto Habitável . Ana Rafaela Poças (2016)

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Fig. 5 “Destruir o Foco” Ana Rafaela Poças/Ruben Novais. Fotografia (2016)

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Fig. 6 “Destruir o Foco” Ana Rafaela Poças/Ruben Novais. Vídeo (2016)

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4. Nota Final

A estruturação dos programas de pintura assume como eixo principal, ao longo dos 3 anos, a exploração das várias dimensões (plástica, performática e transdisciplinar) que, de forma transversal, integram as suas práticas, considerando a sua historicidade, alteridade e possibilidades de diálogo. Por outro lado, propõem-se dinâmicas de trabalho que nos dois primeiros anos colocam o enfoque numa experimentação e prática individual e no último abrem espaço a processos individuais e coletivos. Esta opção tem por base a necessidade de desenvolver e aprofundar competências que se perfilam ao nível de um desenvolvimento da criatividade que se complementa com a adoção de metodologias investigativas Aqui a capacidade de articular a originalidade, flexibilidade e fluidez das respostas dadas a problemas que são lançados em cada ano, complementa-se com a necessidade de uma elaboração das mesmas (mobilizando instrumentos, metodologias projetuais, tecnologias, competências comunicacionais, etc.) de uma análise/avaliação e revisão critica que possibilite uma reflexibilidade quer a nível individual quer dos pares (em comunidade) e, por fim, uma comunicação eficaz quer dos processos quer dos produtos finais. Finalmente, a realização de portfólios que reúnem o trabalho desenvolvido em cada ano do ciclo de estudos bem como a participação em exposições assumem-se como estratégias que procuram motivar novas aprendizagens (complementares da prática da pintura em sentido estrito) e competências comunicacionais, metodológicas e interpessoais.

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Notas (1) Ana Rafaela Poças. (Des)Conforto Habitável. Memória Descritiva/Visual

References 1.Joselit, David: After Art. New Jersey: Princeton University Press (2012) 2. Llobet, Doménec Corbella: La pintura como cultivo y desarrollo cognitive. In Sabino, Isabel (Coord.) And Painting?A pintura contemporânea em questão. Pp.135- 143. Lisboa, CIEBA-FBAUL (2014) 3. Sullivan, Graeme.: Art Practice Research. Inquiry in the Visual Arts. Los Angeles/London/New Delhi/Singapore, Washington DC: SAGE, (2005) 4. Leavy, Patricia.: Method meets Art. Arts-Based Research Practice. New York, London: The Guilford Press (2015) 5. Cole, Adra. L.:. “Provoked by art”. In A. L. Cole,L. Neilsen, J. Gary. Knowles, & T. Luciani 6. Cole Adra. L. and J. Gary Knowles (2007) Arts-informed Research. Disponível em http://www.sagepub.in/upm-data/18070_Chapter_5.pdf (consultado em 10-6-2015) (Eds.), Provoked by art: Theorizing arts-informed inquiry. Halifax/Nova Scotia/: Backalong Books (pp. 11–17). (2004)

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