Garrincha: O Herói Mítico
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Garrincha: o Herói Mítico. Contribuição para o estabelecimento de uma História de Vida. Dissertação apresentada às provas de Doutoramento no ramo de Ciências do Desporto nos termos do decreto-lei nº. 74/2006 de 24 de março, orientada pelos Doutores Rui Proença Garcia e Jayme Pimenta Valente Filho Humberto André Rêdes Filho Porto, 2012 Rêdes, H. (2012) Garrincha: o Herói Mítico: Contribuição para o estabelecimento de uma História de Vida. Dissertação de Doutoramento em Ciências do Desporto apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. Palavras-chave: sociologia do desporto; Garrincha; histórias de vida; mito do herói; futebol. II Aos meus pais (in memoriam) A Armindiara Minhas filhas Luiza e Laura Meus irmãos Reinaldo e Sérgio Ao professor Dr. Rui Proença Garcia III AGRADECIMENTOS Especial agradecimento ao Professor Dr. Rui Proença Garcia, meu orientador. Com sua vibração, competência, afeto e apoio constante me levou ao final dessa jornada. Foi uma honra compartilhar seu saber. Professor Dr. Jorge Bento, Diretor da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, sempre com uma palavra amiga, de incentivo. Professor Dr. Antonio Costa como o grande inspirador da visão mítica do futebol. Professor Dr. Jayme Valente, co-orientador, pela ajuda substancial em todos os momentos da jornada. Professora Dra. Sílvia Agatti pelas sugestões que enriqueceram o estudo. Professor Dr. Lamartine Pereira da Costa pelo interesse, pela colaboração. Professor Dr. Alberto Monteiro pela dedicação, pela competência e apoio inestimável. Meus agradecimentos estendem-se aos entrevistados: ex-jogadores Cacá, Zagallo, Marcos, Nilton Santos e aos jornalistas Fernando Calazans, João Máximo, Luís Mendes (in memoriam) e Roberto Porto, pelo espírito de renúncia e colaboração; à professora Armindiara Lima Braga pelo trabalho de revisão. V Resumo O presente estudo tem como objetivo investigar como a simbologia do herói mítico se manifesta na trajetória da vida pessoal e profissional do jogador de futebol Garrincha, tendo em conta que o futebol está repleto de significados mítico- religiosos. As informações sobre a vida de Garrincha foram obtidas por meio de "entrevistas abertas" com quatro jornalistas desportivos e quatro ex-jogadores de futebol, todos contemporâneos do jogador. Este material foi enriquecido com pesquisa bibliográfica em livros, jornais e revistas de época, tendo como referência maior o livro de Ruy Castro, Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha. A partir do diálogo entre o campo teórico de análise à luz, principalmente, das concepções de Mircea Eliade, Joseph Campbell, Junito Brandão e Antonio Costa e o material empírico reunido, conclui-se que na História de Vida de Garrincha evidenciam-se sinais, atitudes e comportamentos que o conduzem ao status de herói mítico. Dentre essas principais evidências da presença da simbologia do herói mítico na vida de Garrincha, pode-se destacar: o menino pobre, que através do esforço individual, se eleva à condição de ídolo do seu povo; o homem que cristaliza no seu modo de ser, de se vestir, de falar, de jogar, o brasileiro negro, branco, índio, simples, humilde, sofrido; o grande responsável pelas extraordinárias conquistas brasileiras nas Copas do Mundo de 1958 e 1962; o agente divino que, passados mais de cinqüenta anos dos seus grandes feitos, permanece vivo na memória dos brasileiros; o homem que segue o destino trágico dos heróis. Palavras-chave: sociologia do desporto; Garrincha; histórias de vida; mito do herói; futebol VII Abstracts This research aims to investigate how the symbolism of the mythical hero manifests itself in the path of personal and professional life of the soccer player Garrincha, considering that football is full of mythical and religious meanings. The informations about Garrincha´s life were acquired through "open interviews" with four sports writers and four former football players, all of them were contemporaries of him. This material was enriched with literature from books, newspapers and magazines of the period, with reference to the greatest book of Ruy Castro, Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha. From the dialogue between the theoretical analysis, especially the views of Mircea Eliade, Joseph Campbell, Junito Brandão and Antonio Costa and empirical data gathered, it is concluded that the life history of Garrincha became evident signs, attitudes and behaviors that lead to the status of mythic hero. Among these main evidence for the presence of the symbolism of the mythical hero in Garrincha's life, may be highlighted: the poor boy, who through individual effort, rises to the status of an idol of his people; a man who crystallized in his way of being, dressing, talking, playing, the black Brazilian, white, Indian, simple, humble, suffered; the responsible for the extraordinary achievements in the 1958 and 1962's World Cup. The divine agent who, after more than fifty years of his incredible feats, remains fresh in the minds of Brazilians; The man who follows the tragic fate of heroes. Key-words: Sport sociology; Garrincha; life history; mythic hero; football. IX INDICE Agradecimentos V Resumo VII 1. Introdução 1 1.1 Introdução 3 1.2 Objetivo do Estudo 7 1.3 Importância do Estudo 9 1.4 Metodologia 12 2. Campo Teórico de Análise 21 2.1 Para uma (in) compreensão do Mito 23 2.2 Do Mito do Herói ao Herói Mítico 37 2.3 Futebol e o fenômeno Mítico-Religioso 60 2.4 Futebol e o Herói Mítico 77 3. Diálogo entre a Empiria e a Teoria 87 3.1 Tarefa descritiva 89 3.2 Tarefa interpretativa 151 4. Considerações Finais 187 5. Referências Bibliográficas 193 6. Anexos XIII XI 1. Introdução 1.1 Introdução O ano é 1958: “Monsieur Guigue, gendarme nas horas vagas, ordena o começo da partida. Didi centra rápido para a direita: 15 segundos [...] Garrincha escora a bola [...]: 20 segundos. Kuznetzov parte sobre ele. Garrincha faz que vai para a esquerda, não vai, sai pela direita. Kuznetzov cai: 25 segundos. Garrincha dá outro drible em Kuznetzov: 27 segundos. Mais outro: 30 segundos. Outro. Todo o estádio levanta-se. Kuznetzov está sentado, espantado: 32 segundos. Garrincha parte para a linha de fundo. Kuznetzov arremete outra vez, agora ajudado por Voinov e Krijveski: 34 segundos. Garrincha [...] Puxa a bola para cá, para lá e sai de novo pela direita. Os três russos estão esparramados na grama, Voinov com o assento empinado para o céu. O estádio estoura de riso: 38 segundos. Garrincha chuta violentamente cruzado [...] a bola explode no poste esquerdo da baliza de Iashin [...]: 40 segundos. A platéia delira [...]. A torcida fica de pé outra vez. Garrincha avança com a bola, Kuznetzov cai novamente [...] Vavá a Didi, a Garrincha, [...] a Pelé, Pelé chuta, a bola bate no travessão e sobe: 55 segundos. O ritmo do time é alucinante. É a cadência de Garrincha. Iashin tem a camisa empapada de suor, como se já jogasse há várias horas. A avalanche continua. Segundo após segundo, Garrincha dizima os russos. A histeria domina o estádio. E a explosão vem com o gol de Vavá, exatamente aos 3 minutos”. (Jornalista Pedro Bial em reportagem no Jornal O Globo de 14 de julho de 2011 reproduzindo o relato de Ney Bianchi de 16 de junho de 1958 em Manchete Esportiva). Gabriel Hannot, jornalista francês, diria que ele fora testemunha ocular dos “maiores três minutos da história do futebol” (CASTRO, 1995, p. 164). Na final contra a Suécia, Niels Liedholm, meia-direita, parecia assombrado com o que tinha acontecido em campo: "Estávamos em pânico pensando no que Garrincha poderia fazer. Não existia marcador no mundo capaz de neutralizá-lo." (Jornal O Globo, 21 de jan. 1983). Paulo Mendes Campos, cronista e poeta, “que sempre considerara Garrincha um deus entre os mortais, via enfim que sua fé não fora um delírio” (CASTRO, 1995, p. 165). O jornalista e escritor, Nelson Rodrigues, escreve em sua coluna intitulada "Meu Personagem da Semana": "Um Garrincha transcende todos os padrões de 3 julgamento. Estou certo de que o próprio Juízo Final há de sentir-se incompetente para opinar sobre o nosso Mané". (Jornal O Globo, 14. 03. 1959) Ingleses, franceses, Suecos e Galeses se entreolhavam e perguntavam: Porque Garrincha não havia entrado antes na equipe do Brasil: “Garrincha teria derrotado sozinho a Inglaterra”. “Não há dinheiro nos clubes europeus que possa pagar um jogador tão formidável” (CASTRO, 1995, p. 167). Se na Copa de 1958 o Brasil teve Garrincha e Pelé, na Copa de 1962, com a contusão de Pelé, o Brasil só contaria com o gênio de Garrincha. E Garrincha mostrou o que se esperava dele. O Brasil ganhou a Copa do mundo. O Brasil se tornaria bicampeão mundial de futebol e o mundo parecia não compreender como aquele jogador de pernas tortas ganhava as partidas. O povo aclamava o novo herói. Jornalistas, poetas, torcedores, cantores e compositores festejavam aquele que era considerado o redentor do futebol brasileiro. Enfim, a tragédia de 1950 em que o Brasil perdeu a final para o Uruguai e fez chorar o país estava enterrada. Agora o Brasil era um “outro” país. Vinícius de Moraes (1992), escritor, compositor e poeta, após o bicampeonato mundial conquistado pelo Brasil, num poema de sua autoria “O Anjo das Pernas Tortas”, revelava seu encantamento: “Anjo das Pernas Tortas” ”A um passe de Didi, Garrincha avança Colado o couro aos pés, o olhar atento Dribla um, dribla dois, depois descansa Como a medir o lance do momento. Vem-lhe o pressentimento: ele se lança Mais rápido que o próprio pensamento, Dribla mais um, mais dois; a bola trança Feliz, entre seus pés - um pé de vento! Num só transporte, a multidão contrita Em ato de morte se levanta e grita Seu uníssono canto de esperança. Garrincha, o anjo, escuta e atende: - Goooool! É pura imagem: um G que chuta um O Dentro da meta, um L. É pura dança!”(p.