Os Caminhos Antigos No Território Fluminense Adriano Novaes*

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Os Caminhos Antigos No Território Fluminense Adriano Novaes* Os Caminhos Antigos no Território Fluminense Adriano Novaes* “Muitos foram os caminhos de desbravamento e circulação utilizados no Brasil da Colônia ao Império. Estradas e picadas, percorridas a pé, em lombo de burro ou em diligências, levavam produtos ao interior e traziam as riquezas da terra que tomavam o rumo de Portugal. Fundamentais na história e na construção da identidade da futura nação, os caminhos despertam hoje interesse e curiosidade. São associados à imagem dos tropeiros e bandeirantes, corajosos homens que, ao vencerem a natureza e os primeiros ocupantes, forjavam o Brasil contemporâneo. Residem no imaginário como testemunhos de um país que estava por se construir, em que, partindo de um suposto e forçado marco zero, eliminando-se o elemento indígena, tudo poderia fazer, ou, mais importante, tudo poderia ser”. Flávia Brito, in Caminhos Singulares 1 Apresentação O interesse em descrever, ou melhor, em transcrever os percursos das antigas estradas de penetração no interior do território fluminense justifica-se pela importância que estas tiveram como vetores do povoamento e desenvolvimento da região do Vale do Paraíba no Estado do Rio de Janeiro. Parte significativa da história de nossa colonização foi escrita ao longo e através desses caminhos, e quando sobre eles nos debruçamos trazemos à tona acontecimentos que abrangem desde a expulsão dos índios nativos de suas terras, ao transporte do ouro e o abastecimento das Minas Gerais, chegando ao estabelecimento da cultura do café, ao surgimento e enriquecimento das famílias dos “barões do café”, e às modificações socioeconômicas e culturais por que passou esta região, e o país como um todo, nesse período de tempo que é objeto de nosso estudo. Surgem, então, com freqüência, algumas perguntas: por quais caminhos trilharam esses desbravadores? Em que locais se estabeleceram? Por onde passaram tantos viajantes estrangeiros, naturalistas, artistas e escritores? De onde vinha e para onde ia esse enorme contingente de aventureiros, dispostos a tudo, cheios de esperanças e ávidos por riquezas e glórias? * Formado em Ciências Sociais, membro do Instituto PRESERVALE e do Colégio Brasileiro de Genealogia. Consultor em História Regional - Vale do Paraíba. 1 Projeto de Inventário de Bens Culturais Imóveis, Desenvolvimento Territorial dos Caminhos Singulares do Estado do Rio de Janeiro - Caminhos do Ouro, SEBRAE, UNESCO, INEPAC. 2003/2004. 53 Porto de Estrela. RUGENDAS.FBN. “Na vizinhança do Rio, a primeira aldeia de alguma importância é a do Porto da Estrela (...). As mercadorias destinadas às províncias do interior, como Minas Gerais, Minas Novas, Goiaz etc., são primeiramente conduzidas, da mesma forma que os viajantes, em pequenas embarcações, do Rio ao Porto da Estrela. Aí são elas confiadas a tropas de mulas que, por seu lado, trazem, de volta, carga para os navios do Rio de Janeiro.”² Muitos vestígios desses tempos passados encontram-se registrados em relatos, desenhos e aquarelas que retratam as paisagens por onde passaram os viajantes, impulsionados pelos mais diferentes motivos. São elas: as primitivas roças para a provisão de mantimentos; as estalagens que se têm notícias, os armazéns que abasteciam as tropas de mulas dos carregadores de ouro; os postos de registro que controlavam o tráfego das riquezas minerais extraídas do interior do país; os engenhos de açúcar com seus destiladores e moendas; as primeiras fazendas que se ocupavam das plantações de milho, mandioca, arroz e feijão e da criação de suínos para a produção de toucinho salgado, tão apreciado pelos tropeiros; os portos fluviais de cidades que desapareceram; os povoados e núcleos urbanos que estacionaram no tempo. ² RUGENDAS, João Maurício. Viagem pitoresca através do Brasil. 3ª edição, São Paulo. Livraria Martino. 1956. FundaÇÃO Biblioteca Nacional, FBN, Seção de Iconografia. 54 Fazenda Mandioca. RUGENDAS.FBN. “A estrada que vai de Porto da Estrela a Minas passa diante de belas plantações, atrás das quais se percebem, ao longe, as pontas angulosas da Serra dos Órgãos.”3 Rio Paraíba. RUGENDAS.FBN. “Do lado do Rio de Janeiro, a província de Minas Gerais é limitada pelo Rio Paraíba, às margens do qual existem inúmeros registros onde se pagam direitos de entrada sobre as mercadorias, os negros.”4 Rio Paraibuna. RUGENDAS.FBN. “Rio Paraibuna, afluente do Paraíba junto à divisa com Minas Gerais, onde o autor assinala uma ponte e uma edificação, provavelmente uma das casas de registro de mercadorias e escravos.”5 3 RUGENDAS, João Maurício. Viagem pitoresca através do Brasil. 3ª edição, São Paulo. Livraria Martino. 1956. FundaÇÃO Biblioteca Nacional, FBN, Seção de Iconografia. 4 Ib. 3 5 Ib. 3 55 Mais tarde, muitas dessas primeiras fazendas, de que temos notícia, tornaram-se grandes produtoras de café, a exemplo do Pau Grande, em Avelar (Paty do Alferes), de propriedade do Barão de Capivari e, depois, de seu filho, Visconde de Ubá, ambos chamados Joaquim Ribeiro de Avelar. Tem-se ainda a Fazenda Ubá, de propriedade do Barão de Ubá, João Rodrigues Pereira de Almeida, em Vassouras, e a Fazenda Boa União, em Paraíba do Sul, pertencente a José Antonio de Carvalho, conhecido como Major Carvalhinho, futuro Visconde do Rio Novo. Fazenda Boa União. Três Rios, RJ ARQuivo Central do IPHAN. Fazenda Rio Novo. Paraíba do Sul, RJ. ARQUIVO CENTRAL DO IPHAN. 56 Esses vestígios também podem ser percebidos num olhar atento às paisagens remanescentes das matas nativas que circundam e acompanham os leitos desses caminhos; nos calçamentos de pedra que “insistem” em permanecer revestindo trechos dessas estradas; na singeleza ou monumentalidade das ruínas e edificações que sobreviveram ao tempo e que, por vezes, se adequaram aos tempos “modernos”, ganhando novos usos e funções, como o são as edificações da Arquitetura do Café. Fazenda Dois Amigos. Rio Claro, RJ. ARQuivo Central do IPHAN. Fazenda da Ponte. Itatiaia, RJ.Foto: HESS ARQuivo Central do IPHAN. 57 Assim, a história do Vale do Paraíba Fluminense foi sendo construída, aos poucos, a partir do alcance e penetração desses caminhos de terra primitivos, aliados à riqueza de sua rede fluvial, alimentada pela generosidade do Rio Paraíba do Sul, e a riqueza das florestas circundantes, com seus solos férteis (mas não eternos), que se somaram a tantos outros fatores econômicos, políticos e sociais, contribuindo para transformar a região, num passado não tão remoto, meados do século XIX, num dos maiores pólos produtores de café do país. Tamanha grandeza ainda se faz presente na imponência das arquiteturas das casas-sede e demais edificações que compunham tais unidades produtivas, que se constituem, per si, em verdadeiros documentos vivos de nossa história. Fazenda do Governo. Paraíba do Sul.RJ. V. Frond. FBN. 6 Fazenda do Governo. Paraíba do Sul.RJ. V. Frond. FBN. 7 6 RIBEYROLES, Charles. Brasil Pitoresco.Litografias de V. Frond. Paris. 1861. FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL.FBN. 7 Ib. 6 58 As primeiras estradas Os primeiros caminhos no Vale do Paraíba surgiram, ainda no século XVII, quando a Coroa Portuguesa, com o objetivo de encontrar ouro e pedras preciosas no interior da Colônia, começou a buscar pontos distantes do litoral, através das velhas picadas abertas pelos índios. Encontrado o metal precioso nas Minas Gerais, deu-se início à corrida para conquistá-lo e, em conseqüência, a construção de uma verdadeira rede de estradas, consolidada ao longo dos séculos seguintes. Com o declínio do Ciclo do Ouro a partir de 1750, os velhos caminhos de terra, sinuosos e estreitos, foram sendo calçados e ampliados para a passagem das tropas que transportavam o “ouro verde”, o café, a maior riqueza do século XIX. O Caminho Velho Em meados do século XVI, a região de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba recebeu especial atenção da metrópole, tendo em vista a colonização da área e a garantia de sua posse para a Coroa Portuguesa. Essas regiões desempenhavam papel estratégico entre o caminho do mar e a penetração para o interior. A principal atividade econômica da época era o cultivo da cana-de-açúcar. Foi com o surgimento das notícias sobre o ouro, em 1695, que os primeiros aventureiros subiram a trilha dos guaianazes com destino ao sertão. No final do século XVII, foi criado o caminho para as Minas Gerais, a que se tinha acesso pela serra do Quebra Cangalha, pelo caminho da Freguesia do Facão (atual Cunha), atingindo-se o rio Paraíba do Sul. Nesse ponto, dava-se o encontro com a rota dos bandeirantes paulistas, na altura de Guaratinguetá, e na Garganta do Embaú. Vencida a serra, o caminho seguia até Baependi, Carrancas, São João Del Rey e São José Del Rei (hoje, Tiradentes), até alcançar os arraiais de Antônio Dias e de Vila Rica (atual Ouro Preto). Parte desse caminho ainda existe, como, por exemplo, o trecho que liga Paraty a Cunha e Guaratinguetá, a atual RJ-165 / SP-171. O historiador MAGALHÃES apresenta o roteiro do “Caminho Velho” na página 177 de Cultura e opulência do Brasil, ed. de 1837, de André João Antonil, anagrama do padre jesuíta João Antonio Andreoni, que o publicou em 1711: “Em menos de trinta dias, marchando de sol a sol, podem chegar os que partem da cidade do Rio de Janeiro às Minas Gerais; porém raras vezes sucede poderem seguir esta marcha, por ser o caminho mais áspero que o dos paulistas. E por relação de quem andou por ele em companhia do Governador Artur de Sá é o seguinte: Partindo, aos 23 de agosto, da cidade do Rio de Janeiro foram a Parati, de Parati a Taubaté, de Taubaté a Pindamonhangaba, de Pindamonhangaba a Guaratinguetá, às rocas de Garcia Rodrigues, destas roças ao ribeirão. E do ribeirão com oito dias mais de sol a sol chegaram ao rio das Velhas aos 29 de novembro; havendo parado no caminho oito dias em Parati, dezoito dias em Taubaté, dois em Guaratinguetá, dois nas roças de Garcia Rodrigues, e 26 no ribeirão.
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