Mediações Da Ciência Da Compreensão Pública Da Ciência À Mediação Dos Saberes Um Reader
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MEDIAÇÕES DA CIÊNCIA DA COMPREENSÃO PÚBLICA DA CIÊNCIA À MEDIAÇÃO DOS SABERES UM READER ANTÓNIO FERNANDO CASCAIS LIVROS ICNOVA 1 | MEDIAÇÕES DA CIÊNCIA FICHA TÉCNICA TÍTULO Mediações da Ciência – Da Compreensão Pública da Ciência à Mediação dos Saberes AUTOR António Fernando Cascais COLEÇÃO Livros ICNOVA EDIÇÃO ICNOVA – Instituto de Comunicação da Nova Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade NOVA de Lisboa Av. Berna, 26 1069-061 Lisboa – Portugal www.icnova.fcsh.unl.pt [email protected] DIREÇÃO Francisco Rui Cádima Maria Lucília Marques Cláudia Madeira ISBN 978-989-54285-7-1 (Digital) 978-989-54285-6-4 (Impresso) DESIGN E PAGINAÇÃO José Domingues | UNDO DATA DE PUBLICAÇÃO Novembro de 2019 APOIO Esta publicação é financiada por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto Refª: UID/CCI/04667/2019 O conteúdo desta obra está protegido por Lei. Qualquer forma de reprodução, distribuição, comunicação pública ou transformação da totalidade ou de parte desta obra carece de expressa autorização do editor e dos seus autores. Os artigos, bem como a autorização de publicação das imagens, são da exclusiva responsabilidade dos autores. ÍNDICE Introdução 5 A MEDIAÇÃO FILOSÓFICA E EPISTEMOLÓGICA DA CIÊNCIA 11 O problema da demarcação: a distinção epistemológica doxa x episteme 14 O deslocamento do problema da demarcação na controvérsia entre continuismo e descontinuismo 30 A incidência do problema da demarcação na comunicação da ciência 58 A MEDIAÇÃO HERMENÊUTICA E RETÓRICA DA CIÊNCIA 73 A distinção explicar versus compreender e a querela de método 73 A superação da querela de método sob a égide das ciências sociais 81 Retórica nas ciências versus retórica das ciências 84 Estudo de caso: a retórica dos resultados na comunicação da ciência 105 A MEDIAÇÃO SOCIOLÓGICA DAS CIÊNCIAS 127 A tese da especialização e a desunidade das ciências 127 A sociologia construcionista das ciências: laboratório e campo científico 133 Sociedade de risco e comunicação do risco 143 Síntese da mediação sociológica das ciências: O paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente 155 A MEDIAÇÃO ÉTICA DAS CIÊNCIAS E DAS TÉCNICAS 171 O tema da Responsabilidade científica no pós-Segunda Guerra Mundial 171 Uma ética para a era da técnica: O Princípio Responsabilidade e o Princípio de Precaução 177 O paradigma bioético 192 Estudo de caso: a crise da auto-regulação da medicina, a emergência da bioética e a mediação dos saberes 208 A COMUNICAÇÃO DE CIÊNCIA 331 O modelo da Public Understanding of Science da Royal Society 331 Críticas ao modelo da Public Understanding of Science 346 A mediação dos saberes na era da desunidade da(s) ciência(s) 388 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 491 MEDIAÇÕES DA CIÊNCIA | 3 INTRODUÇÃO A ciência comunica-se desde os primórdios da revolução científica moderna, e de formas bem mais diversificadas do que deixam entrever as políticas, os programas, os discursos e as práticas que se costumam associar àquilo que, no século XX, se entendeu por comunicação pública da ciência ou compreensão pública da ciência, por popularização, vulgarização, divulgação ou promoção da cultura científica, e que situam esta(s) num âmbito muito mais vasto do que aquele que costuma ser-lhe(s) atribuído. Pode afirmar-se assim que a ciência e a sua comunicação são coextensivas, o que implica reconhecer que a produção de conhecimento científico comporta de algum modo uma necessidade de media- ção que é constitutiva da própria busca cognitiva da ciência. A coextensividade da ciência e da sua comunicação constitui o primeiro grande pressuposto fundador da organi- zação da cadeira de Mediação dos Saberes. Ao longo da história da ciência foram muito variáveis as motivações que guia- ram a comunicação da ciência, os seus modelos e os valores que a legitimaram, os atores que a puseram em prática, os meios que a veicularam e os perfis dos públi- cos a quem ela se dirigiu. Mesmo assim, é possível traçar de modo consideravel- mente linear o itinerário histórico seguido por essas motivações se o fizermos remontar a três condições originárias, presentes desde os primórdios da revolu- ção científica moderna. Num processo que se convenciona ter decorrido entre um momento inicial de emergência no século XVI e um momento de consolida- ção irreversível no século XVIII, e que tanto comportou continuidades como des- continuidades, a moderna ciência da natureza não vem simplesmente ocupar um espaço vazio. Muito pelo contrário, ela tem de conquistar o seu próprio no seio de um espaço mais vasto e inteiramente preenchido por saberes formais já lon- gamente instituídos, consentâneos com o senso comum e os saberes empíricos e informais que cimentam a coesão social, suportados por um sistema de valo- MEDIAÇÕES DA CIÊNCIA | 5 INTRODUÇÃO res que, por sua vez, se encontra armado por um aparelho jurídico-político que vela pelo estrito cumprimento da ortodoxia e da conformidade de todos quantos se incumbem da produção, da conservação, do comentário e da transmissão do conhecimento. Com efeito, a ciência moderna, a despeito da sua ambição origi- nária de totalidade e da sua atual omnipresença, não só não surge num vácuo inteiramente por preencher como, e bem ao contrário da pretensão positivista comteana, não elimina tudo quanto ela não é, que a excede e a ultrapassa e que constitui precisamente o seu exterior a que é mister comunicar-se. Ora, se se pode falar de uma revolução científica moderna, é sem dúvida por- que a ciência se apresenta como explicação alternativa que, no plano cognitivo, concorre com quanto até então é tido por verdade – tanto revelada, como empi- ricamente experienciável e doutrinariamente demonstrável – mas, não menos indubitavelmente também, porque a ciência rompe a unidade das esferas do cog- nitivo-instrumental, do moral-prático e do estético-expressivo que era garantida pela onto-teo-antropologia cristã, ou seja, porque põe em causa a articulação que permite que a verdade se constitua como tal na exata medida em que recobre a lei moral e a evidência sensível, a ordem humana e a criação divina. Mas, neste contexto em que a ciência se apresenta como explicação inédita, ela não deixou também, et pour cause, de ser objeto de uma interpelação solene que visa obrigá-la a explicar-se, a responder por si, por aquilo que é, ou ambiciona ser, e por aquilo que faz, ou pretende fazer. Deste modo, pode reconhecer-se desde a origem da ciência moderna um tri- plo desafio que se mantém até aos nossos dias, dramaticamente experienciado, antes de mais ninguém pelos cientistas que a fazem, como necessidade de mediação à qual a comunicação da ciência nasceu para dar resposta, mas que rapidamente se propaga aos filósofos e aos homens e mulheres de cultura para se transformar numa questão cultural de fundo: • A novidade da ciência gerou em primeiro lugar a necessidade de ela se comu- nicar entre os pares que dependem da troca de informação entre si para a persecução cognitiva em que se empenham todos e cada um, e bem assim, por essa mesma via, a necessidade de ser por eles autenticada. A correspon- dência científica que daqui resulta insere-se no âmbito mais vasto da cor- respondência intelectual e filosófica pós-renascentista, constitui uma das traves-mestras da formação de uma comunidade científica e, em última análise, está na origem remota da esfera pública burguesa moderna como comunidade ilustrada de leitores que se correspondem. • Em segundo lugar, a ciência moderna implicou um corte com sistemas e modelos estabelecidos de conhecimento e com as correspondentes ideias 6 | MEDIAÇÕES DA CIÊNCIA INTRODUÇÃO adquiridas e hábitos de pensamento, institucionalmente sustentados por fontes de autoridade – a universidade medieval – que os novos conheci- mentos põem em causa. Perante este desafio, a ciência vê-se compelida a explicar a sua verdade, a comprovar-se como conhecimento verdadeiro no plano cognitivo. • Em terceiro lugar, a ciência moderna choca com os valores de um sistema axiológico associado ao sistema de crenças institucionalmente sustentado por uma religião de Estado. Perante esta ameaça, a ciência é intimada a asse- gurar a sua bondade no plano moral e cívico e a apresentar-se como esteio da boa ordem e do bem comum. Com efeito, a rotura que a ciência moderna constituiu relativamente às demais esferas da atividade e do conhecimento, e que se encontra na origem do processo de sucessiva autonomização de cada uma delas, gerou por sua vez uma necessidade de mediação generalizada que lhe é co-extensiva e não tem cessado de se intensificar até aos nossos dias. Numa primeira aproximação, é como se esta necessidade fizesse eco a uma carência originária que contraria a reivin- dicada ou percebida autosuficiência do discurso da ciência “tal qual se faz”. A perceção desta carência e o impulso imperioso de lhe dar resposta tiveram-nos originalmente os cientistas, mas muito rapidamente se propagaram a outros agentes culturais, os primeiros dos quais foram os filósofos. A aparente necessi- dade de a ciência se dizer e se explicar precipita deste modo uma superabundante produção discursiva sobre ela, que tanto provém do seu interior como de fora, e que tem sido assumida, ao longo dos tempos, de igual modo por cientistas e por não-cientistas. Este discurso opera a mediação entre os saberes das ciências e os demais saberes, quer eles sejam, por um lado, os saberes informais, populares, não-iniciados ou leigos, quer, por outro lado, os saberes formais de outras áreas (ciências da cultura, sociais e humanas, humanidades, artes e letras,