FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
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AMÉRICO, Jonas Eduardo. Jonas Eduardo Américo (depoimento, 2011). Rio de Janeiro, CPDOC, 2012. 75 pg.
JONAS EDUARDO AMÉRICO (depoimento, 2011)
Rio de Janeiro 2012 Transcrição
Nome do entrevistado: Jonas Eduardo Américo (Edu) Local da entrevista: Santos, São Paulo Data da entrevista: 22 de setembro de 2011 Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um acervo de entrevistas em História Oral. Entrevistadores: Fernando Henrique Herculiani (CPDOC/FGV), Clarissa Batalha (Museu do Futebol) e José Carlos Asbeg (Museu Do Futebol). Transcrição: Fernanda de Souza Antunes Data da transcrição: 16 de dezembro de 2011 Conferência da Transcrição: Maíra Poleto Mielli Data da Conferência: 09 de abril de 2011
** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Jonas Eduardo Américo em 22/09/2011. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.
F. H. – Edu, primeiro muito obrigado por você receber a gente realmente, receber onde você mora, aceitar o nosso convite de depoimento. A gente fica muito feliz né, porque é um projeto que visa entrevistar todo mundo que jogou Copa do Mundo, ter toda a entrevista da história de vida de todas essas pessoas, então muito obrigado primeiramente.
J. A. – Eu é que agradeço a vocês né, por darem essa oportunidade, porque realmente as coisas aqui nesse país, você sabe que o pessoal tem - dizem e eu acredito que seja verdade né - memória curta, então com esses projetos, com essas coisas de vocês, com certeza isso vai nos eternizar.
F. H. – Edu, inicialmente a gente pede que você fale o seu nome, onde você nasceu, quando você nasceu, para a gente recuperar lá atrás.
J. A. – Nasci em Jaú, dia seis de agosto de 1949, tive, por exemplo, uma infância assim tranqüila, graças a Deus. Meus pais ainda tinham um pouquinho de condições, e tive
2 Transcrição oportunidade de estudar em colégio de padre, então quer dizer, uma juventude, assim, mais ou menos, uma juventude não, uma infância mais ou menos tranqüila.
F. H. – O que os seus pais faziam, eles trabalhavam?
J. A. – Meu pai jogava futebol, meu pai jogou futebol, era alfaiate e tal, agora minha mãe já era professora, inclusive professora de piano, que naquela época é muito difícil uma pessoa negra, professora de piano, então era meio complicado. Então, quer dizer, nós tínhamos já uma condição um pouquinho melhor, temos até hoje um sitio. Então, quer dizer que, papai ai se defendia, e mamãe também dava pra arrumar algum... .
F. H. – E a sua família então era sua mãe, seu pai, lá em Jaú, você...
J. A. – É então, nós somos uma família de seis, éramos seis, infelizmente o meu irmão mais velho faleceu. Também jogou futebol, jogou no Guarani, teve uma rápida passagem pelo Flamengo. Meu irmão, três irmãs, e mais um irmão, então papai trabalhou bem. É um irmão, uma irmã, um irmão, uma irmã, eu e uma irmã. Um e um, um e um, um e um. Mas foi legal, tranqüilo, minhas irmãs também todas elas formadas, como eu também. Então, quer dizer, deu para a gente fazer uma coisa assim muito legal, por ser uma família assim bem unida também, entendeu?
C. B. – Você falou que seu pai era alfaiate? E ele aprendeu isso com quem, o pai dele era também?
F. H. – E sua mãe professora de piano, não é?
J. A. – É então, papai eu não sei com quem ele aprendeu, sei que ele aprendeu a costurar, e fazia né, suas roupas, seus ternos, e além disso jogava, jogou no Quinze de Jaú, e era ponta esquerda. Então, acho que eu herdei um pouquinho da característica dele,
3 Transcrição porque em Jaú ele é muito conhecido, todo mundo diz que ele jogou muita bola, então acho que eu peguei um pouquinho dele.
F. H. – E você tem lembranças desse época de Jaú, você estudava, como que era, onde vocês moravam? Como era a vida em Jaú?
J. A. – Tenho lembrança porque também vim para cá com quinze anos, passei mais ou menos toda a minha infância lá. Então, ia para o colégio, estudava, depois do colégio às vezes tinha aulas de inglês, porque mamãe queria que alguém falasse um outro idioma, então nós éramos, por exemplo, uma classe de negros mais ou menos diferenciada, entendeu? Papai tinha carro, naquela época era muito mais difícil, então já era uma coisa assim bem diferente né. Eu tinha, inclusive, aula particular de inglês, onde aprendi alguma coisa, estudava e jogava, e nesse meio tempo então tinha as olimpíadas estudantis, jogos estudantis e tal, e eu sempre me destaquei no futsal. Isso me deu muita condição, muita habilidade para que depois eu, no campo, pudesse executar com mais facilidade, só que eu joguei futsal até os doze, treze anos, e depois parei, e já me dediquei mais ao campo, que é a minha praia mesmo.
J. C. – A sua família, seu pai sendo alfaiate, sua mãe sendo professora de piano, eles não vislumbravam uma outra carreira para você, ou eles aceitaram bem o futebol, embora seu pai jogasse, seu irmão mais velho jogasse, eles fizeram alguma restrição?
J. A. – Com certeza, qualquer mãe faria na época, até porque na época jogador de futebol era tido como um marginal, um vagabundo, que não gostava de trabalhar, então não entendiam bem o que era a profissão de jogador de futebol, então teve esse problema sim. Em casa, eu me lembro, apesar do meu pai ter jogado, então eu me lembro das brigas entre papai e mamãe por eu querer jogar futebol, e ela achando que eu ia deixar os estudos, mas não, eu continuei jogando e estudando. Quando eu vim para cá para o Santos, em 65, Janeiro de 65, a promessa de que eu continuaria meus estudos, coisa que eu fiz, então ai mais ou menos ela aceitou um pouquinho, mamãe aceitou um pouquinho. Agora o papai já
4 Transcrição queria, porque ele foi jogador de futebol e o sonho dele era que alguém da família chegasse a jogar tão bem ou melhor do que ele, porque pelo que consta ele foi um grande ponta esquerda.
J. C. – Você tocava piano?
J. A. – Eu comecei a arranhar um pouquinho, mas eu escutava o barulho da bola lá fora, afinal eu morava perto de uma praça, uma igreja e a praça, então tinha lá um terreno ao lado da igreja, então eu ouvia o barulho da bola e largava tudo, não consegui me formar, mas meu irmão tocava bem, minha irmã é professora também de piano, minha sobrinha, minha outra irmã toca. Papai também, mesmo jogando futebol, aprendeu a tocar de ouvido, agora para mim não foi possível, era só bola, bola e bola.
F. H. – Você tinha essa relação com o futebol então, jogava na escola, jogava na praça, e a relação com o futebol profissional? Você ia no campo ver seu pai jogar, torcia para o Quinze de Jaú? Para quem você torcia, você tem essas lembranças assim?
J. A. – Tenho. Bom, para o Quinze de Jaú eu não torcia, eu gostava de ir lá assistir os jogos. Infelizmente eu não tive oportunidade de ver meu pai jogando, porque depois que ele se casou ele parou de jogar, então nem meu irmão mais velho acho que chegou a vê-lo jogar, entendeu? Mas eu sempre fui fã do futebol-arte, futebol-show, gostava de ver espetáculo, então eu comecei a admirar duas equipes no Brasil, que era o Santos, que dava espetáculo, e no Rio o Botafogo. Tinha o Garrincha, o Didi1, Quarentinha2, Amarildo, sei lá, uma turma de grandes jogadores, e o Santos. Então quando eu comecei a me despertar mesmo para o futebol, esses times é que davam espetáculo, então passei a gostar desses dois times.
F. H. – Você lembra de ver algum grande time em Jaú, indo lá jogar? O Santos...
1 Waldir Pereira 2 Waldir Cardoso Lebrêgo
5 Transcrição
J. A. – Fui ver, assisti vários jogos né, do Santos, do Corinthians, meu pai me levava em todos os jogos, quase todos os jogos que tinha em Jaú, porque o meu irmão mais velho até nessa época jogava no Quinze, então nós íamos assistir, o meu outro irmão também depois começou a jogar no Quinze, mas aí eu já estava para vir para o Santos, então já não tive mais essa oportunidade de vê-lo jogar.
J. C. – Em que momento você achou que podia seguir uma carreira profissional mesmo de jogador?
J. A. – É uma história muito legal essa, porque no colégio nós tínhamos um time, depois montamos um time para disputar o campeonato infantil em Jaú, e nós fomos campeões. Eu tinha 11, 12 anos, e eu jogava, porque tinha naquela época primeiro quadro e segundo quadro, então eu já era titular do primeiro quadro. Os rapazes que eu jogava já tinham 17, quase 18 anos já, todos mais experientes, e eu me sai muito bem, me saia bem nos jogos, fazia gols, driblava com facilidade, e através desse contato, quando nós fomos campeões, saíram todos esses jogadores que disputaram esse campeonato infantil, nós fomos para uma outra equipe, chama-se Palmeirinhas, o Palmeiras lá de Jaú. Nós fomos para essa equipe, e começamos a disputar o campeonato amador. E eu na época tinha 13 anos, e tinha que pedir autorização para os meus pais, juizado de menor, um monte de coisa para poder jogar. E como eu sou de Jaú e a minha família, a família do Pelé é de Bauru, a minha irmã em visita a família dele, o Pelé perguntou para ela se tinha mais alguém na família que jogava futebol. - “Tem um garoto lá, que é ponta-esquerda, dizem que joga”. E o Pelé falou: “leva ele lá no Santos para treinar, eu apresento ele lá para treinar para o treinador e de repente ele, quem sabe”. E foi interessante, porque quando eu cheguei o Pelé falou assim: “não pense você que porque o Pelé que está te apresentando que você vai ficar, você vai ter que apresentar alguma coisa”.
F. H. – Mas você já conhecia o Pelé desse tempo de Jaú?
6 Transcrição
J. A. – Não, eu não o conhecia, eu o vi jogar no Santos e Quinze de Jaú, inclusive o Quinze ganhou né, foi um a zero, gol do Sormani3, que depois veio para o Santos, e logo depois o Santos negociou para a Itália, onde ele vive até hoje lá. Está sempre em Jaú também.
F. H. – Porque uma coisa, por exemplo, na Copa de 58, você tinha...
J. C. – Nove anos.
F. H. – Nove anos. Você tem lembranças de ouvir falar do Pelé, ouvir o jogo no rádio?
J. A. – Tenho, era ligado em futebol. Acho que a maioria dos brasileiros, principalmente o pessoal do interior, eu acho que era muito mais ligado em futebol né. Então o garoto quando nasce, acho que o primeiro presente, eu acho que eu recebi foi uma bola. Então, eu já era ligado na Copa de 58, então já sabia quem era o Pelé. Entendeu? Só que eu não tive a oportunidade de conhecê-lo, mesmo a família dele morando próximo a Jaú, Bauru, e ele estava sempre nas férias lá. Minhas irmãs sim iam, meu irmão, que já tinha mais amizade com ele, participavam das festas lá na casa, mas eu nunca tive essa oportunidade, era bem garotinho.
J. C. – Você lembra do seu primeiro encontro com o Pelé, como foi?
J. A. – Me lembro, estou tremendo até hoje [risos]. Foi próximo aqui, próximo a esse bairro, ele morava na Oswaldo Koga, que é uma quadra mais ou menos de onde nós estamos, e nós aparecemos, ele morava ainda com aquele empresário dele, o Pepe Gordo, e quando nós chegamos ele não estava, ai ficamos aguardando e tal, ai daqui a pouco ele chega, quando eu vi aquele homem, - “meu deus!”. E ele já era bicampeão mundial, então quando eu o vi, como eu falei a principio, estou tremendo até hoje, porque imagina você
3 Ângelo Sormani
7 Transcrição estar de repente ao lado do teu ídolo maior! Então para mim foi muita alegria, e sai depois com ele no carro, ele nos levou para uma pensão, onde nós ficamos, a famosa a pensão da dona Georgina, todos os jogadores ficavam lá e tal. No dia seguinte, ele passou para me apanhar e para me levar no treino, agora imagina eu chegando no treino com o Pelé, em uma Mercedes, “pô, esse cara deve ser....”, todo mundo imaginando: “deve ser fera!” [risos]. Mas aí eu cheguei para treinar, treinei, e no primeiro treino já fui muito bem, e treinei acho que uma duas vezes com o infantil né, que era minha categoria, porque eu tinha 15 anos e já me deixaram de lado, e falou “pera aí...”, porque foi nas férias de julho de 64 que eu vim para cá para fazer esses testes. Aí voltei para Jaú, para terminar o ano escolar e tal, e mandaram que eu voltasse em janeiro de 65.
F. H. – E com quem que você vem para cá? Você falou que estava na casa do Pelé com mais pessoas, você veio sozinho de Jaú, você já tinha saído de Jaú?
J. A. – Não, ai meu pai que me trouxe, papai pô, mais do que depressa falou: “nossa, vamos embora, vamos aproveitar as férias de julho e você vai treinar!”. Ai falamos com ele, que tinha muita amizade, e foi quando eu vim, cheguei com meu pai aqui, ele ficou até uns dias aqui comigo, depois voltou e eu fiquei sozinho. Mas também, sentia saudades, mas o que eu queria era muito mais forte do que a saudade.
J. C. – Quando você voltou para Jaú depois desses testes aqui, que você foi aprovado, você já saiu daqui com algum contrato firmado, ou só volta e vamos conversar de novo?
J. A. – Exatamente, só volta e vamos conversar novamente. Porque até então, nessa época o meu irmão mais velho jogava no Guarani. E eu me lembro que o Guarani fez uma excursão para a Colômbia, acho que Peru, e meu pai na época falou: “vamos esperar teu irmão, porque eles estão chegando - chegava em Vira-copos - e vamos esperar o teu irmão”. E nesse ínterim o cozinheiro do Guarani, na época, era muito amigo do meu irmão, ele já tinha ido lá em casa em Jaú, e tudo, falou: “pô, você não quer treinar? O infantil vai
8 Transcrição treinar, você não quer treinar?”. “Treino, por que não? De repente...”. Só que eu já tinha vindo aqui no Santos, e o treinador do Guarani, na época, seu Zé Duarte, falecido, e treinei, fui razoavelmente bem. E ele falou: “não, você joga bem”, quando meu irmão chegou falou pro meu irmão: “olha, teu irmão joga bem, mas ele é muito novinho e tal” – estava com 14 anos, ia completar 15 – “mas ele é muito novinho e tal”. Tudo bem, aí voltei para Jaú e tal, meu irmão chegou de viagem, voltamos para Jaú. Nesse ano de 65, que eu já vim em definitivo para o Santos, houve um jogo na época, tinha o campeonato de aspirantes, e eu não joguei nem o infantil, nem o juvenil, eles me colocaram rápido para jogar nos aspirantes, com 15 anos. E comecei aí a desenvolver, porque o campeonato de aspirantes é muito legal, porque na época, jogadores profissionais, voltando de contusões, ou que às vezes ficavam no banco, não queriam ficar no banco, queriam jogar para se manter em forma, jogavam nos aspirantes.
F. H. – Aumentar o ritmo?
J. A. – É, e isso foi que me ajudou muito, então eu joguei vários jogos com o Toninho, com Haroldo, Modesto, que foram campeões mundiais em 63, 62 e 63 com o Santos, e nessa época o campeonato pegando fogo, nós fomos jogar em Campinas contra o Guarani, e eu me lembro que nós jogávamos sempre na preliminar, e nós vencemos o Guarani por dois a um e eu fiz os dois gols. O Zé Duarte depois conversando, meu irmão perguntou: “seu Zé, como é que foi o jogo?”. -“Pô, tem um moleque ai, neguinho danado, veio aqui e arrebentou com a gente!”. Aí foi quando meu irmão falou: “é aquele menino que o senhor falou que era novo, que é o meu irmão”. Então, quer dizer, foi até uma boa não ter ficado lá e ter vindo para o Santos, porque eu fiz esses jogos nos aspirantes e fui convocado para uma seleção juvenil, em 65, e depois voltei a ser convocado para uma seleção de novos, nós fizemos umas viagens para Trinidad e Tobago, Suriname... E eu me destaquei muito nessa seleção, e isso já em janeiro de 66. Aí, quando eu voltei para o Santos, o Lula4 falou: “olha, vou te utilizar com os profissionais”. Como eu já estava mais ou menos familiarizado, porque ele tinha uma técnica de trabalho muito interessante,
4 Luís Alonso Pérez
9 Transcrição porque quando ele sentiu que eu estava me destacando na equipe de aspirantes do Santos, ele me colocava para concentrar com os profissionais, então você fica mais ou menos um garoto de “pô, traz um café, traz aquilo, traz aquilo e tal ”, só que você vai se familiarizando né, e eu fui ficando à vontade junto com o pessoal. Quando ele me colocou para jogar eu já estava bem, já estava com amizade com todos eles. O meu primeiro jogo foi contra a Portuguesa. E o Santos com aquele time que tinha, e o Pelé estava machucado nessa época, e o Santos com Dorval5, Mengálvio6, o Lima, não me lembro quem, eu sei que eu entrei em 15 minutos, o Lula me colocou 15 minutos na ponta-direita, no lugar de Dorval, quer dizer, eu jogava, só que canhoto, jogava na direita, então para você ver que hoje os jogadores fazem isso, mas eu já fazia há muito mais tempo, então eu entrei na ponta-direita. Aí entrei, fui bem, chutei umas bolas para o gol e tal, mas eu digo a inteligência do treinador, que ele me colocou na direita, como eu era garoto, se eu fosse mal ele iria dizer: “não, ele entrou fora da posição dele”, então eu fui bem, quer dizer, não houve comentário. E na época o Santos tinha dois ponta-esquerda fantásticos, que havia contratado o Abel, que veio do América, e o Pepe7, que é até hoje né, o dono da camisa 11, eu o respeito muito, somos amicíssimos, como sou do Abel também, e o Pepe, o Abel quando chegou, o Pepe se desinteressou, falou: “não vou jogar mais”, já estava quase final de carreira, e não treinava como deveria, e o Abel chegou, quando ele pegava na bola o pessoal, o público levantava, porque é incrível, e o Abel se machucou e entrou o Pepe, e quando o Pepe entrou, entrou mal, não treinava né, entrou mal, e o Lula depois me colocou, eu entrei, e fiz sete partidas, fomos campeões no torneio Rio-São Paulo, 66 e daí apareceu até a convocação do Edu para...
C. B. – Edu, essa sua primeira contratação no Santos foi seu primeiro salário? Você já recebia salário antes?
J. A. – Não, não. Do trabalho em Jaú...
5 Dorval Rodrigues 6 Mengálvio Pedro Figueiró 7 José Macia
10 Transcrição
C. B. – Não, mas pelo futebol?
J. A. – Não, pelo futebol foi no Santos, o Santos é que abriu as portas para tudo na minha vida, que eu tive condições depois de, inclusive, comprar casa aqui, apartamento né, e trouxe a minha família para cá, para viver comigo, minhas irmãs principalmente, e como meus pais não queriam vir porque nós tínhamos as terras lá, papai não quis vir, e minhas irmãs vieram, ficaram comigo aqui, então foi o Santos que me deu tudo.
C. B. – E você lembra o que você fez com o seu primeiro salário pelo futebol? O que você gastou, você comprou, você guardou?
J. A. – Não, por incrível que pareça eu me lembro que eu voltei para Jaú de férias, eu guardei e nas férias eu voltando para Jaú, eu havia prometido para um amigo que eu daria um relógio para ele, que eu iria trazer um relógio da viagem que nós fizemos lá para o Suriname e tal. Quando eu peguei o salário, eu lembro que eu comprei um relógio para ele. E aí tu compra sapato, uma calça, e aqui usa muita bermuda, comprei uma bermudinha e tal, e já comecei a ficar mais alinhado [risos].
F. H. – Isso muda sua vida pessoal também? Suas irmãs vêm para cá, você namorava já, para casar, etc, ou você era muito novo nesse momento?
J. A. – Não, nem pensava nisso, eu imaginava que eu nem fosse um dia casar, porque eu não parava. Porque o Santos, naquela época, nós não parávamos aqui no Brasil. Nós disputávamos o Campeonato Paulista, por exemplo, em 66, quando eu fui para a Copa do Mundo, eu tinha 16 anos, então todo mundo queria saber quem era esse moleque ai de 16 anos que foi para a Copa do Mundo, praticamente quebrei, bati todos os recordes, pelo tempo que eu cheguei no Santos e um ano depois eu fui para uma Copa do Mundo?! Então, todo mundo naquela, queria conhecer e tal, então eu já não tinha mais tranqüilidade, então quer dizer, eu não tive praticamente adolescência?! E o Santos viajando daqui, viajando dali e tal, e teve a seqüência depois, 67, 68 e 69, onde o Santos foi tricampeão paulista. Eu
11 Transcrição me destaquei muito nesses três títulos, inclusive no supercampeonato que nós disputamos contra o São Paulo, empatou em pontos, e nós fizemos um jogo, um supercampeonato contra o São Paulo, um jogo extra com o São Paulo, e havia aposta, porque achavam que o Santos era time do interior, não podia ser campeão paulista porque era time do interior e não sei o que... E eu me lembro que em sete minutos de jogo estava dois a zero para nós, e eu tinha feito um dos gols. Então quando eu fiz o gol, ninguém me segurou naquele Pacaembu, porque é uma alegria, ainda fazer um gol em uma final, eu tinha o que 16, 17 anos.
J. C. – Edu, duas perguntas de uma vez só: qual era o teu time antes? Você já era santista ou você torcia para algum outro grande time aqui de São Paulo?
J. A. – Minha família é toda corinthiana, mas depois foram virando [risos], mudando para o Santos. Mas eu, como eu falei a principio, eu como sempre gostei do futebol-arte, gostava de ver gol, e o Pelé me chamava muito a atenção, então me chamou atenção a equipe do Santos. Eu como sempre fui um ponta, ponta e driblador e tal, então adorava ver o Garrincha jogar. Naquela época não tinha televisão, não tinha nada, passava o tape tal hora da noite, tarde às vezes da noite, mas mesmo assim só o Campeonato Paulista, só os times de São Paulo. Mas eu ia ao cinema, garoto, ia ao cinema e ficava só para ver o canal 100, para ver os jogos do Rio, ver o Garrincha jogando, Maracanã e tal, um sonho. “Será que um dia eu vou pisar nesse gramado, né?!”. E de repente aconteceu, tudo aconteceu.
J. C. – A segunda pergunta: como que era você ser o mais jovem, e muito mais jovem, do que aquelas feras todas? Quer dizer, além de você trazer o cafézinho na concentração, quando você entra no time e substitui ninguém menos do que o Pepe. Como é que era a relação de vocês ali? Eles não olhavam mais para um menino, já não era mais o menino do cafezinho, não é?
12 Transcrição
J. A. – Não, não... inclusive foi interessante, que o meu primeiro jogo, eu iniciei contra o Botafogo, nós jogamos contra a Portuguesa, depois jogamos contra o Flamengo, que foi onde o Abel se machucou. Jogamos contra o Fluminense, que aí o Pepe começou, inclusive no Parque Antártica esse jogo. E o Pepe entrou mal, foi quando eu entrei no segundo tempo. Aí contra o Botafogo, no Rio, o Lula já me escalou. Então, eu entrei, pegava a bola, fazia, estava acostumado a fazer nos treinos e tal, e saiu uma falta perto da área ali, e eu fui e peguei a bola. E o Zito8 olhou e falou: “pô, esse moleque é abusado, não é?” [risos]. “Eu vou cobrar essa falta”, batia forte na bola, e do outro lado, nada mais, nada menos do que o Manga9. Aí eu vim, bati e tal, ele se esticou todo, espalmou a bola para escanteio e tal, aí o Zito olhou para o Lima e fez assim: “pô, vamos deixar, né?!” [risos]. Então foi isso, aí depois veio o jogo contra o Bangu no Pacaembu, e esse jogo, para mim, foi a minha consagração, porque eu já estava à vontade com eles e de novo saiu uma falta, e eu fui e peguei a bola. O Zito: “deixa ele chutar”. Porque o Zito era o nosso capitão, né?, Mandava mais que o presidente. Aí saiu a falta, eu fui, Ubirajara, o goleiro do Bangu, e eu “pum”, gol. Aí, ninguém me segurou naquele Pacaembu. Quase que eu dei a volta olímpica [risos], de alegria, né? Depois fiz mais um gol, e foi quando eu enfrentei o Fidélis10, que na época Fidélis e Djalma Santos eram considerados os dois maiores laterais, porque um deles, porque eram três né, um deles era do meu lado, era a meu favor, que era o Carlos Alberto. Então, até depois começaram, onde apelidaram o Fidélis de “touro sentado”, porque deu os dribles dele lá e tal... E depois veio o jogo contra o Palmeiras, e esse jogo para mim foi o jogo chave, porque eu peguei o Djalma Santos, nós vencemos o jogo por três a zero, eu fiz acho que um ou dois gols, e fiz um gol que eu driblei todo mundo da zaga do Palmeiras, inclusive o Waldir, que era o treinador de goleiro, sempre foi treinador de goleiro da Seleção, ai fiz o gol. Então, esses dois jogos para mim foram chave.
F. H. – E ai você é campeão do torneio Rio-São Paulo, que são esses jogos que você está falando, né. O santos é campeão. Mas eu achei interessante essa passagem que você
8 José Ely de Miranda 9 Haílton Corrêa de Arruda 10 José Maria Fidélis dos Santos
13 Transcrição falou em uma seleção juvenil, que vocês viajaram, é uma seleção nacional? o que tinha nesse time?
J. A. – Foi uma seleção, praticamente seleção paulista, de novos jogadores, que naquele time quase todos jogaram nos seus clubes depois dessa viagem, só que eu era o mais novinho deles todos. O goleiro era o Donar, que jogou no Palmeiras, Ulisses, era o lateral, jogou na Portuguesa, Fernando, jogou no São Paulo, depois ficou um tempão no Ferroviária de Araraquara, Henrique Pereira, que era da Portuguesa, Júlio Amaral, que é pai até desse que jogou no Vasco, centroavante que faz gol. Então, Luis Carlos, Alan, Nelson, a maioria deles depois jogaram nos seus clubes, jogaram no time principal.
F. H. – E onde foi essa excursão que vocês fizeram?
J. A. – É então, nós fomos para Trinidad e Tobago e Suriname. E eu me lembro [riso], até gozado, nunca vi um treinador falar isso... Mas o treinador, ele falava assim para mim: “Edu, olha...faz graça, o pessoal gosta de ver graça...”. Porque eu nunca fui um jogador de driblar e voltar para dar outro drible. Se eu passar por você o meu objetivo é o gol, sempre foi. Ai ele dizia assim: “não, mas faz alguma coisa diferente, o pessoal gosta”. E ele sabia, porque ele me via brincando com a bola.
F. H. – Quem era?
J. A. – Era o Antoninho, Antônio... não lembro o sobrenome dele. Antoninho. Então ele dizia assim: “pô, dribla”, e eu fazia muito essa..., que o Damião fez.
F. H. – Ah, sim.
J. A. – Eu fazia isso também.
J. C. – Lambreta?
14 Transcrição
J. A. – Lambreta. Então, e ele fazia: “pô, faz essas coisas aí que o pessoal adora isso”. Então achei interessante [risos]. Nessa excursão, nós fomos muito bem, e nós tínhamos um correspondente, na época da Gazeta Esportiva, que só mandava elogios para cá para o Brasil, sobre o Edu, e eu acho que o Lula conversou com ele depois na nossa chegada. Ele falou: “não, pode pôr que vai dar conta do recado”. Então foi muito boa essa seleção de novos, apesar de eu não ter jogado assim na seleção juvenil. Aliás, não ter jogado no juvenil do Santos, disputar campeonato juvenil, mas foi muito legal pela oportunidade que me deram, e eu abracei.
F. H. – Eu fiquei com uma questão, que você falou que chegou no primeiro treino do Santos com o Pelé e tal, e você falou: “não joguei no juvenil, não joguei o amador, e subi direto para o aspirante”. Tinha um clima assim, você estava direto, no aspirante, o clima do menino que chegou com o Pelé, então já está direto. Você ouviu alguma coisa assim?
J. A. – Não, não podia ouvir porque eu cheguei e fiz o que...
F. H. – Apresentou.
J. A. – É, apresentei, os caras falaram assim: “pô, mas como que você vai de repente para uma Seleção Brasileira, em menos de um ano você vai para uma Seleção Brasileira disputar uma Copa do Mundo. O que você fez, o que você apresentou?”. Falei: “eu acho que tudo né [risos]. Porque para você ser convocado em uma Seleção Brasileira naquela época, onde tinha mil jogadores fantásticos, então é que você estava muito bem.”
F. H. – Em um ano, ou seja, jogou muito.
J. A. – Exatamente. Então, e como você frisou, foi muito boa essa tua colocação, porque quando eu cheguei, eu treinei contra um dos laterais que era inclusive filho do
15 Transcrição treinador, e era uma das promessas do Lula. Aí o Carlos Alberto chegou né, e esse menino era uma das promessas do Lula - Pardal era o nome dele. Então, eu comecei a treinar o treino e tal, ele não me conhecia, ai me viu, “pô, neguinho baixinho ali, deve ser mole!” [risos]. Dei uns três dribles nele que ele ficou atordoado, aí depois toda a bola que eu pegava eu passava por ele. Ele não sabia, eu saia para cá, para lá, para todo o lado, ele ficou perdido. Então quer dizer, não houve muito esse “oba oba” por eu ter chegado com o Pelé, porque eu apresentei, tanto é que foi uma ascendência muito rápida.
J. C. – Fiquei com uma curiosidade, Edu, quando você falou que contra o Botafogo e depois contra o Bangu você pega a bola para bater a falta. Só tinha fera do seu lado né. Isso foi, você quis mostrar assim que você tinha personalidade, ou era uma coisa completamente natural que você fazia nas tuas peladas, você fazia lá em Jaú, o que te motivou a esse gesto?
J. A. – Não, é porque eu estava acostumado a fazer no time onde eu jogava em Jaú. Era o cobrador de faltas, de repente desse ângulo para cá, do lado direito, eu que cobrava as faltas. Então eu vi que, quando chegou aquela hora eu falei: “não, eu vou bater”, porque eu treinava, então eu falei: “não, eu vou cobrar”, porque antes era o Pepe. Aí eu falei: “não, eu vou pegar...” e peguei a bola, e fui. Eu não sei se eu desrespeitei alguém, mas eu falei: “não, essa bola é para mim”, olhei não tinha nenhum canhoto ali, falei “essa bola é para mim”, eu peguei a bola e fui, ai foi bom também porque demonstra um pouco de personalidade também, porque eu estava no meio das feras, e o Santos vinha do bi campeonato mundial, então só tinha fera ali. Não só do bicampeonato mundial como da Seleção Brasileira. E eu tive no Santos dois jogadores, dois não, foram vários jogadores que me ajudaram muito, um deles foi...os dois infelizmente faleceram, que foi o Mauro Ramos de Oliveira e o Olavo. O Olavo para mim foi muito importante, porque ele sentiu que eu tinha facilidade para drible, e ele dizia assim: “pô, aprenda a chutar com a direita, porque você dribla bem para os dois lados”, só que eu driblava bem para cá, mas tocava a bola, não chutava para o gol, porque eu não sabia bater com a direita, e eu comecei a treinar e treinar,e fiz um muitos gols depois com a perna direita.
16 Transcrição
J. C. – E o Mauro? Qual foi a influência do Mauro...
J. A. – O Mauro foi porque eu fui para a Copa do Mundo e quando eu voltei da Copa do Mundo, assédio e tal, então eu me deixei levar um pouco, sabe? O entusiasmo... era garoto... E não estava rendendo, tanto é que eu fui para o banco. Aí, o Abel voltou e voltou o Pepe. Depois teve uma excursão em 67, nós fomos inclusive para a Alemanha, jogamos contra o Bayern de Munique, foi em Munique, um jogo maravilhoso que jamais vou esquecer. Eu fui na reserva do ponta-direita para a excursão, quer dizer, então uma coisa não tinha nada a ver comigo. E nessa excursão eu recuperei a posição, aí voltei depois já como ponta-esquerda. Mas aí o Mauro falou: “tudo isso que você está vivendo, você vai continuar vivendo, não vai acabar isso, só vai depender de você”. Uma dica que ele falou: “não esqueça que você vai ter que treinar, que você vai ter que concentrar, que você vai ter que se dedicar”, porque um garoto de 16 anos em uma Copa do Mundo a cabeça ficou meio pesada, eu sou bem centrado, mas queira ou não você...o assédio, a procura. E eu nunca fui de beber, de nada, mas só você ficar um pouquinho até mais tarde já é complicado.
J. C. – Antes de a gente entrar no assunto da Copa, você falou do futebol-arte algumas vezes, que você gostava muito do futebol-arte, você é uma expressão do futebol- arte. Quem te viu jogar naquela, enfim, sabe quem foi o Edu como driblador, como jogador extraordinário, mas quem te antecedia eram dois pontas-esquerdas de diferentes matrizes, um era o Zagalo e o outro era o Pepe.
J. A. – Exato.
J. C. – Quer dizer, um jogava recuado e o outro não era um driblador.
J. A. – Driblador.
J. C. – Um grande chutador, não é?
17 Transcrição
J. A. – É, um velocista e um chute potentíssimo,né?
J. C. – Como é que...Eu fico pensando assim, você causou uma grande sensação pela diferença, inclusive, porque você foi...
J. A. – Exatamente.
J. C. – Diziam que você era o Garrincha da ponta-esquerda.
J. A. – Exatamente.
F. H. – Só para comentar: tinha alguma inspiração assim que você olhava e falava: talvez eu tenha que, já que o Pepe ...
J. A. – Não, eu já era assim, ai eu fui aprimorando. Esse filme “Garrincha, a alegria do povo”, acho que eu assisti... fiquei até amarelo [risos]. Eu não saia do cinema para ver aquilo, então eu fiquei aprimorando, aprimorando... Então, porque o Garrincha, ele faz assim e toca a bola, mas eu faço isso aqui, toco para cá e levanto a bola. Então, às vezes, o pessoal falava: “Pô, como ele passa naquele espaço curtinho?”. Porque normalmente o zagueiro põe a perna e você passa por cima, e a canela não dobra, eu costumo dizer [riso] “a canela não dobra”. Então, eu aprimorei isso através dos filmes do Garrincha, eu fui aprimorando esse meu nível. Ficou fácil, porque normalmente o zagueiro...e querer que o jogador só saia para o lado esquerdo. E eu às vezes saia uma para cá, uma para dentro, entendeu? Então eles ficavam perdidos [risos].
J. C. – O drible do Garrincha era sempre o mesmo, né?! Era sempre o mesmo... ele tombava o corpo, o zagueiro ia, ele voltava, quando o zagueiro voltava ele ia, porque ele tinha um arranque fenomenal. E ele gostava de receber a bola parada.
18 Transcrição
J. A. – Parada, exatamente.
J. C. – Como era você? Você gostava de receber...
J. A. – Bola no pé também.
J. C. – No pé? [riso]
J. A. – No pé também, eu nunca fui de receber lançamento, profundidade, eu gostava mais de pegar no pé e ir em cima do zagueiro, porque aí você coloca como você deseja, que era o que o Garrincha fazia, ele ia, ia, ia, balançava. Eu fazia isso também, faço até hoje né, brincando nas minhas peladas ali. Porque eu aprendi uma outra coisa também vendo o Garrincha e vendo o Pelé jogar, que no momento eles iam com a bola, e na hora que o jogador apoiava esse pé, ele tocava aqui. Então fica difícil, até lembro certas jogadas eles queriam agarrar o Pelé e não conseguiam, ele arrastava, estava apoiado, você não vai conseguir segurá-lo. Então eu aprimorei isso, eu fiquei vendo, eu vi tudo isso, então eu driblava, às vezes eu ia e esperava o cara apoiar e “pum”, tocava. Então aí foi onde eu comecei a ter mais sucesso ainda.
F. H. – E nos treinamentos, você fazia algum treinamento específico, alguém te ajudava, ou era...?
J. A. – Não, hoje você vai nos clubes é uma maravilha, tem 500 bolas, material maravilhoso, mas na minha época eu treinava muito sozinho, com o Julio Mazzei, falecido Julio Mazzei. Falava: “professor, vou treinar uns tirinhos curtos aqui”, então pegava, não era nem o conezinho, era estaca de madeira no chão, mas eu ia pelas estacas, e depois fazia umas quatro, cinco, assim, sozinho, com a bola, e depois colocava uma camisa na marca do pênalti para ter uma visão maior de onde ia estar os atacantes, eu fazia isso e cruzava, sempre fazendo assim e tirando do goleiro a bola, ela faz a curva, e nisso chegava no jogo ficou bem fácil. E o Pelé, Toninho, o próprio Coutinho já sabiam, então às vezes eu nem
19 Transcrição driblava, eu ameaçava e já cruzava. Porque o lateral já pensava que eu ia para o fundo, então dava aquele espaço por dentro, então eu já cruzava.
J. C. – Sempre na marca do pênalti? Naquela região?
J. A. – Naquela região ali.
J. C. – Para cada pequena área?
J. A. – É, pequena área. Então isso me ajudou muito também, porque nós não tínhamos tanto recurso na época, em questão de material, então no máximo, no máximo, três bolas. Então, cruzava lá tinha que ir lá embaixo buscar as bolas. Fazia tudo de novo, quer dizer era uma força de vontade danada.
J. C. – E da onde veio o teu drible? Menino, como é que você começou a driblar? Como é que era a tua relação com a bola, porque jogava com mais dez, tinha que passar, e você era um grande driblador, como é que era [risos], ficar com a bola.
J. A. – É, mas foi com o futsal, com o futsal que eu aprendi, porque era rápido, eu não sei de onde veio isso, desse balanço né, que eu fazia esse balanço e batia no futsal, e depois no campo eu fiz muitos gols. Por exemplo, no campeonato de 68, eu acho que eu fui o vice artilheiro do Campeonato Paulista, eu fiz 21 gols. Então eu joguei uma época de centroavante junto com o Pelé, e na tabela ele tocava para mim, às vezes eu devolvia, e às vezes o zagueiro tentava antecipar, e eu fazia isso aqui, e deixava passar, e às vezes eu fazia esse drible do futsal, fiz muitos gols assim, rapidinho. O goleiro também nem espera, isso nasceu, acho que nasci com isso, ou herdei do meu pai, não sei.
F. H. – Então, vamos lá, 66 viaja com a seleção de juvenis, volta, joga a estréia do Santos, campeão Rio-São Paulo, e ai vem a convocação, como é, você lembra disso aí, quem falou para você, como que foi, onde você estava?
20 Transcrição
J. A. – Terminou o campeonato Rio-São Paulo, e nós fomos disputar, não sei se era o Triangular, Quadrangular, não sei se estava o América também, ou não estava, em Minas. Santos, Cruzeiro, Atlético e acho que América, e nós estávamos no aeroporto, e estava dando a convocação da Seleção Brasileira, e o massagista na época, Uberaldo, chegou para mim: “parabéns, parabéns, você foi convocado”, falei: “convocado para quê?”, eu não estava sabendo da convocação da Seleção, se seria naquele dia. “É, você foi convocado para a Seleção Brasileira”. Eu falei: “pô, não vem brincar comigo, pô tanto cara para você tirar uma onda, vem tirar onda comigo”. Peguei quietinho assim e saí, aí tinha um senhor com um radinho lá, ouvindo a escalação, aí eu perguntei: “o senhor sabe quais os jogadores do Santos que foram convocados?”. Ele falou os nomes e tal, ele falou: “convocaram um moleque, um tal de Edu, mas eu não conheço quem é” [risos]. Quando ele falou aquilo eu fiquei parado, não conseguia andar, as pernas bambearam, né?!.
J. C. – Você falou para ele que você era o Edu?
J. A. – Não, eu não podia falar [risos], não podia falar porque também não saiu nada, não saiu nada, fiquei parado assim. Falei obrigado só e não saiu mais nada, e fiquei parado ali um tempão, “poxa, que legal, né?!”.Aí meu pensamento já vai para Jaú, de repente o meu pai ouvindo isso, falo até me emociono. Desculpe.
J. C. – Você ligou para ele? Você ligou para a sua família?
J. A. – Não, eu fiquei imaginando...imaginando a alegria dele, porque ele me trouxe e um ano depois eu dou todo esse presente para ele. Porque ele era fanático por futebol. Não dá para descrever a minha alegria e eu acho que a dele mais ainda.
C. B. – Você nunca imaginou que você ia ser convocado para esse ano, para essa Copa?
21 Transcrição
J. A. – Não, eu nunca pensei assim, sabe, eu queria jogar futebol, meu lance era jogar futebol, não pensava. Esperava, lógico, um dia jogar na Seleção Brasileira, isso é o sonho de qualquer jogador, qualquer garoto que sonha com o futebol, é jogar em uma grande equipe, e jogar com a Seleção Brasileira, mas não esperava assim tão rápido. Quando veio nos treinamentos na Seleção, já estava mais à vontade, porque tinham vários do Santos né, então eu ficava mais com eles e tal, e tinha que agüentar as gozações, garoto [risos].
F. H. – Isso é interessante, né? Porque hoje um jogador que vai ser convocado já para a preparação para a Copa, já existe uma expectativa, não tem jogador que é convocado de surpresa assim, está na sua casa...
J. A. – Não.
J. C. – Hoje o sujeito é convocado, três minutos depois já está no twitter [risos]. Já tem a comunidade dele que sabe, não sei o quê...
F. H. – E ele já não vai ficar esperando por isso.
J. A. – É, hoje está...
F. H. – Foi, e acho que o clube já deve até informar, a CBF11 já passa para os clubes.
J. C. – Agora aquela convocação foi uma convocação curiosa né, foram 44?
J. A. – Quarenta e cinco jogadores.
J. C. – Quarenta e cinco!
11 Confederação Brasileira de Futebol
22 Transcrição
J. A. – Quarenta e cinco, imagine só, a cada estágio né eles iam dispensando os jogadores. Os colocavam em uma sala, parecia até sala de aula, e os nomes que eles iam dizendo são os que continuariam. Tu imagine só que coisa ruim isso, já começou errado isso aí, então eu me lembro que meu nome vinha sempre após o do Jairzinho né. Jair, ai tu já fica, jota. Jonas Eduardo, ai eu lembro, e torcia para que o do Santos continuasse, que era meu amigo, estava sempre junto, e a gente tinha jogado nos treinos. Formaram-se vários times, de várias cores, grená, verde, amarelo, eu era do verde, era o mais fraquinho. O grená a gente sabia que era o time titular, que estava Pelé, Garrincha, Gilmar, no gol, Pelé, Garrincha, Djalma Santos [risos], nós sabíamos que era o time titular. Então, nessa falei: “Ah, vamos embora, correr porque eu quero estar nessa... já que estou aqui, quero estar nessa Copa do Mundo”.
J. C. – Quem eram os outros pontas-esquerdas com quem você disputava?
J. A. – Disputei com Paraná, que foi para a Copa, Rinaldo que era do Palmeiras, Ivair, que não era ponta-esquerda, na Portuguesa ele jogava de ponta-esquerda, e depois eles ainda trouxeram da Itália o Amarildo, trouxeram o Amarildo, e aí com a vinda do Amarildo eu falei agora... Porque o Amarildo, em 62, praticamente levou o Brasil ao título, com os gols que ele fez e tal, da maneira como jogou, substitui o Pelé super bem. Falei: “não vou ter chance”. E o Paraná já treinava no time grená, então já era o ponta-esquerda do time grená. Mas eu continuei treinando e fui, fui, fui...e o Amarildo depois, quando nós saímos do Brasil ele se machucou. Aí quando ele se machucou, tinha que dar os nomes para a Fifa12, e não podia dar o nome de um jogador machucado, porque primeiro que são poucos jogos, e se você não for adiante... Aí eu entrei.
J. C. – [INAUDÍVEL]
12 Federação Internacional de Futebol
23 Transcrição
J. A. – Não, estava na lista. Cortaram o Ivair, depois veio o Rinaldo, e ficou eu, o Paraná e o Amarildo, nós viajamos para a Suécia, na Suécia que ele se machucou.
[FINAL DO ARQUIVO I]
F. H – Umas das críticas que é muito coloca por essa seleção de 66 ter dado errado depois como deu, é essa super preparação com 44 jogadores e tal. Lá dentro você via assim os problemas, além desse corte, como que era assim? Era difícil mesmo, você acha que isso atrapalhou de fato?
J. A. – Não quero dizer que atrapalhou, mas você imagina, convocar 45 jogadores! Para mim não afetou tanto porque eu era garoto, então eu não via essas coisas, não entendia, e eu só queria fazer a minha parte, queria era jogar. E eu acho que o errado, por exemplo, nós íamos para determinados locais, lógico que nós conhecemos as instâncias balneárias, acho que todas elas de Minas, porque, aí uma seleção jogava no Mineirão, outra jogava no Pacaembu, entendeu? Então, quer dizer, não dava pra se entrosar, então um negócio muito errado, acho que não souberam contactar legal assim esse lado de entrosamento.
J. C. – Mas eu acho que convocar 45 jogadores você não forma uma seleção, você convoca 22, 23, e acabou a história. Se alguém machuca... você passa o ano inteiro vendo ali quem joga, convocar 44 [inaudível]
J. A. – É difícil.
F. H. – E a relação com o Feola, você lembra, conversava bastante com vocês?
J. A. – Lembro, eu me lembro bem, mas ele não era muito assim, não conversava muito. E a gente tinha aquela certa distância de treinador, de comissão técnica e eu como era garoto, de vez em quando eu conversava, e teve alguns jogos na Suécia, antes de nós
24 Transcrição irmos para a Inglaterra, e eu ficava no banco e teve um jogo que eu entrei de cara. O ataque foi: Garrincha, Servilho, que depois cortaram, Pelé e Edu, capitão de esquerda. E eu fui bem nesse jogo, nós ficávamos treinando lá na Facit13, e eu estava super bem no ano, só que chegou nesse jogo eu tive um problema de cãibras, problema de cãibras, e logo depois o Brasil iria estrear na Copa do Mundo. Eu me lembro que me deram, doutor me deu um remédio, eu tomei, me deu febre, me deu tudo, que depois, infelizmente o Paraná estava machucado, não podia jogar, então eu iria jogar, também não joguei, jogou até Jairzinho na ponta-esquerda em 66. Foi Garrincha na direita e Jairzinho na esquerda, então quer dizer, eu não sei se era para mim jogar ou não entendeu, eu sei que eu tomei esse remédio e tremia de frio.
F. H. – Você lembra o primeiro jogo seu com a camisa de Seleção nessa preparação, quando foi?
J. A. – Ah eu não lembro, não me lembro, eu não tenho idéia, que inclusive até um historiador que me falou que eu sou o jogador também mais jovem a fazer um gol com a camisa da Seleção Brasileira, e eu não sabia disso.
F. H. – Então, pelo que a gente tem, a sua primeira atuação é contra a Polônia, quatro a um.
J. A. – Fiz gol?
F. H. – Não, marca seu primeiro jogo contra o Peru, três a um. Nessa preparação para a Copa...
J. A. – Acho que foi então...
13 Facit AB foi uma empresa multinacional fabricante de produtos de escritório. Sua sede estava localizada em Åtvidaberg, Suécia
25 Transcrição
F. H. – Foi seu primeiro gol, você tinha 16 anos.
J. A. – É, então é isso mesmo...
F. H. – Possivelmente é a mesma jogada.
J. A. – É, eu queria saber o adversário. Esse cara está bem informado [risos].
F. H. – Mas outro fato também é que você é o jogador mais jovem a ir para uma Copa do Mundo
J. A. – A Copa do mundo, exatamente, 66. Quebrei o recorde do cara que me trouxe [risos].
C. B. – Nada mais justo.
J. C. – Você ia contar alguma coisa da Suécia, antes da gente parar pra trocar a fita.
J. A. – É, então, nós treinávamos ali nos gramados lá da fábrica né, da Facit, uns campos maravilhosos, ficamos treinando ali direto e saiamos pra fazer os jogos, jogos amistosos contra equipes das cidades, e estava muito bem o time só que, por exemplo, deixaram jogadores no Brasil que deveriam ter ido para a Copa do Mundo, eles cortaram Carlos Alberto, Djalma Dias, o próprio Roberto Dias, não me desfazendo dos que foram, mas, poxa, tinha lugar pra esse pessoal nessa Seleção.
J. C. – Fizeram falta, não é?
J. A. – Fizeram falta, com certeza.
26 Transcrição
F. H. – Começando esse Copa lá né, então tem toda essa preparação vai tendo os cortes, as pessoas vão ficando pelo caminho, forma o grupo que vai começar a Copa e o primeiro jogo do Brasil é contra a Bulgária. Como é que era, você chegou a ficar no banco de reserva ou não?
J. A. – Não, veja bem, foi interessante essa pergunta porque nessa época entrava os 11 e acho que só ficava no banco o goleiro, não tinha bancos de reserva. Então nós ficávamos todos lá em cima, sociais lá com o pessoal, lugar reservado para os jogadores, mas não tinha substituição, tanto é que contra Portugal o Pelé levou aquela pancada lá e teve que ficar em campo porque não tinha como substituí-lo.
J. C. – Qual era o espírito do grupo, quando vocês saíram, pra Copa do Mundo? Eu te pergunto isso pelo seguinte, a Seleção de 58 saiu muito desacreditada, a Seleção de 62 já saiu muito confiante, a Seleção de 66 foi essa convocação tumultuada.
J. A. – É.
J. C. – Esses cortes geravam muita tensão, muito desgastes dos jogadores e obviamente que a Europa tava cansada do Brasil ser campeão já, não é?
J. A. – É.
J. C. – Então os ingleses montaram um bom esquema pra Copa não vir para o Brasil.
J. A. – Exato.
J. C. – E em jogos seguintes, que a gente ainda vai falar deles, vamos mostrar isso direitinho. Mas qual era a sensação de vocês? O Garrincha envelheceu, o Pelé estava ali também...
27 Transcrição
J. A. – Não, mas o ambiente era bom, o clima era bom, o clima de vontade de vencer. Como você frisou, para alguns seria a última Copa, então queriam ganhar. Lógico que de repente conquistar o tricampeonato para eles seria maravilhoso, mas como houve esse desgaste muito grande aqui nessa convocação de 45 jogadores. É muito difícil, então você todo mês, de 15 em 15 dias sei lá, mais ou menos, entrar numa sala lá e ficar naquela expectativa, saber se você vai continuar ou não, é um negócio muito...é desgastante isso, você está sempre ali na corda bamba e um clima que não é bom pra ninguém. Isso eu acredito que tenha prejudicado também muito. E muito. E houve também cortes lá na Suécia...o Servilho, ele treino todo esse tempo no time grená e chegou lá e foi cortado.
J. C. – Ele se machucou?
J. A. – Não.
F. H. – São cinco que ainda são cortados na Suécia.
J. A. – É, são cinco.
F. H. – Dino Sani que também é cortado na volta da Suécia.
J. A. – Dino Sani, Waldir, o goleiro foi cortado também lá.
F. H. – E aí tem esse dois a zero, Brasil e Bulgária, vocês assistiam outros jogos além desses?
J. A. – Não, nós víamos nosso jogo e já voltávamos para o hotel. Nós ficamos próximos a Liverpool, em uma cidadezinha chamada Lynn. Então, nós terminávamos nosso jogo e nós já íamos para Lynn, e foi um jogo em que nós vencemos com 2 gols de bola parada, não houve assim tanta criatividade né, por parte do Brasil.
28 Transcrição
J. C. – Você viu o jogo, claro não é?
J. A. – É.
J. C. – Que você achou da Seleção, ela estava travada, estava jogando fácil, como é que foi essa estréia?
J. A. – A estréia é sempre é complicada, é muito difícil a estréia, por mais experiência que o jogador tenha é sempre uma estréia, é sempre...sabe, você fica naquele nervosismo. Como será? E o adversário também já vem com aquela sabedoria, que sabe que se vacilar o Brasil aplica goleada sei lá, então vem todos se defendendo. E você começa o jogo a bola vai, vai e não entra, o Brasil criou oportunidade e não fez. No futebol existe esse ditado: “quem não leva faz, quem não faz leva”. Nós estávamos com medo disso, mais ai saíram os outros dois gols e os dois de bola parada, e gol de Garrincha, de falta, e Pelé de falta, então quer dizer, mas... A estréia, ela é complicada, você passou da estréia ai o time já se assenta um pouco, só que estava tudo errado.
F. H. – Ai a vitória, volta pra concentração, volta para a rotina de treinos, para vir o jogo contra a Hungria.
J. A. – Fatídico!
F. H. – Como que foi?
J. A. – Ah, eu nem me lembro muito bem desse jogo [risos], porque eu estava desesperado né, eu moleque, chorava, eu fiquei chorando, tomou um gol, eu fiquei chorando, chorando. O Zito que estava do meu lado, que foi o único também que não jogou na Copa, 66 o Zito não jogou, então foram dois jogadores que não jogaram, é o Edu e o Zito. Então o Zito: “não, calma, que isso, pra que ficar chorando?”. Tu vai para uma Copa
29 Transcrição do Mundo você quer ser campeão, aliás qualquer torneio que você vai, você quer ser o primeiro e eu sentindo aquele drama ali. Tu vem que, sem aquele poder de reação sabe, aí é complicado.
J. C. – Isso no jogo contra a Hungria?
J. A. – É.
J. C. – Você sentiu essa falta de poder reação?
J. A. – Nós não tínhamos, eles estavam bem, e todas jogadas deles era perigo de gol, então estavam nos envolvendo com muita facilidade. Eu falei: “acho que não vai dar”, então não conseguia, o Pelé tentava daqui, dali, acho que, se não me engano o Alcindo é que jogou esse jogo.
F. H. – É, o Pelé não. O jogo contra a Bulgária é o ultimo jogo do Pelé e do Garrincha juntos, ai o Brasil ganha, ai o Pelé não joga mais, no segundo joga o Garrincha que aí é o último jogo do Garrincha também, tinha o Alcindo só.
J. A. – É e o Alcindo.
F. H. – Ai é derrota de três a dois.
J. A. – Ai é...complicado
F. H. – E depois então perdeu, agora vou jogar com Portugal, Eusébio, existia esse medo, esse temor?
J. A. – Não, não. Porque, como houve no campeonato mundial entre clubes, que o Santos foi lá e ganhou de cinco do Benfica, então não temíamos assim Portugal, só que, de
30 Transcrição repente houve uma mudança, mudou o time todo, todo o time, do goleiro ao ponta- esquerda, que foi o Paraná que jogou. E ainda machucaram o Pelé, pegaram o Pelé e ficamos praticamente com o jogador a menos quase metade do jogo.
J. C. – E Ainda tinha o juiz do lado deles.
J. A. – É, exatamente, não dava nada.
J. C. – Ele deixava eles baterem à vontade.
J. A. – Nem falta ele deu nesse lance do Pelé. E o Eusébio foi feliz. Infelizmente eu não sei o porquê, mas talvez estivesse um pouco nervoso, que era um goleiro excelente, o Manga, e de repente espalmou a bola para frente do gol, coisa que é o B a BA do futebol para o goleiro, se tiver tem que espalmar para o lado, mas, enfim, Portugal veio e fez o placar, e foi complicado.
J. C. – Qual foi o jogo mais sofrido desses dois, contra Hungria ou contra Portugal?
J. A. – Ah, contra Portugal, fala o mesmo idioma é complicado [risos]. Dentro de campo se escuta o pessoal falar algumas coisas, vamos que dá, que de repente, não sei, mas de repente pode ter dito isso: “vamos, eles não são nada disso”, e tem esses papos.
F. H. – Então a eliminação do Brasil histórica na primeira fase, como que é essa volta? Dezesseis anos, voltar para o Brasil com o pior rendimento da Seleção em uma Copa do Mundo?
J. A. – É então, como eu sempre digo, para mim não afetou tanto porque eu era um moleque, eu não entendia muito, eu não tava ainda, sabe aquele lance de Seleção, Copa do Mundo, Copa do Mundo. Fomos disputar um torneio e fomos desclassificado, para mim, mas eu sabia o que representava, mas como eu tinha oportunidade de voltar para disputar
31 Transcrição outras Copas né, então eu falei: “o que eu tenho que fazer? chegar no Brasil e continuar treinando e jogando, e jogando bem que é para poder voltar”.
J. C. – Esperando o Jairzinho também, jogou na esquerda.
J. A. – Os primeiros jogos foi o Jairzinho que jogou, Garrincha na direita e Jairzinho na esquerda.
J. C. – E no último o Jairzinho vai para direita e o Paraná entra.
J. A. – E o Paraná entra, exatamente.
J. C. – Paraná tinha quantos anos? Você acha que o Paraná entrou pela experiência, porque você acha que você não entrou?
J. A. – Eu não sei, disseram que eu era muito novo e acho que sentiram que a coisa estava errada, e dizendo que não queriam me queimar e não sei o que e tal, mesmo assim se me levou é para jogar, eu não estava nem preocupado nesse negócio de queimar ou não queimar, eu queria jogar, 16 anos tu vai pensar em quê? [risos] Pensar em jogar.
F. H. – E você lembra da volta para o Brasil, como que foi a chegada aqui no Brasil? Impressa, torcedor bravo.
J. A. – Não, inclusive eu tenho até umas fitas ai que eu chego, dou entrevista e ainda falo que: “sou jovem, tenho condições de voltar em outras Copas do Mundo e tal, não joguei nessa e tal, mas tenho condições de voltar a fazer outras Copas do Mundo”.
J. C. – Você sabia que você tinha ainda uma carreira pela frente. O Djalma Santos, o Garrincha, acabou ali para eles. Como é que foi depois do jogo contra Portugal, como é que foi reencontrar, vocês desceram lá, velório, não é?
32 Transcrição
J. A. – Isso que eu ia falar, nós fomos em um ônibus voltando pra Lynn, velório. E o pior é saber que vai chegar no hotel, vai arrumar a mala e vai ter que ir embora. Todo o planejamento que tinham feito para nós estarmos ali direto, e a intenção era do Brasil ganhar ser o primeiro do grupo e ficar ali mesmo em Liverpool, entendeu? Isso foi tudo por água abaixo. Para mim foi tudo muito triste, falei: “poxa, com 16 anos ser campeão do mundo, que maravilha!”. E de repente nem jogar, porque trocou todos os jogadores e eu não joguei, o Zito não jogou porque estava machucado, mas eu tinha condições de jogo.
F. H. – Pois é, ai então volta esse Edu, já 16 anos, uma Copa do Mundo, volta para o Santos. Como é que é 66, 67?
J. A. – Não, foi bom em 66 para mim, porque quando nós voltamos da Copa do Mundo, o Santos disputou um Quadrangular em Nova York, e nós jogamos contra AIK da Grécia, Benfica, Inter de Milão. O primeiro jogo foi contra o Benfica. Nós ganhamos de quatro a zero, eu fiz dois gols nesse jogo e como eles haviam, tiveram lá uma eleição e o Eusébio foi eleito o melhor jogador da Copa, o “Pelé da Copa”, e o Pelé estava mordido, né?! Nesse jogo Santos e Benfica, o que o Pelé fez foi brincadeira. Inclusive faz um gol que o juiz teve que terminar o jogo, invadiram o campo, ai terminou o jogo. Mas foi uma revanche, porque o Benfica tinha nove da Seleção em campo, e o lateral, inclusive o lateral direito, que era o Cavem... Nesse jogo ali, eles não me conheciam, e eu matei com eles [risos]. E nessa viagem foi quando eu completei 17 anos na volta para o Brasil, fomos campeões desse torneio. Ganhamos de um a zero do AIK da Grécia, quatro a zero do Benfica e quatro a um da Inter de Milão.
F. H. – Nove gols em três jogos [risos].
J. C. – Qual era a escalação do Santos nesse torneio?
33 Transcrição
J. A. – Era Gilmar, Carlos Alberto, Mauro, Orlando e o Lima na lateral esquerda, aí era Zito, Mengálvio... jogou Dorval, depois entrou Amauri, Toninho, Pelé e Edu.
J. C. – Uma seleção. [risos] Uma seleção.
F. H. – Na linha desses títulos, ganhar esse título em Nova York, em 67 vem seu primeiro campeonato paulista.
J. A. – Paulista isso.
F. H. – Como foi essa campanha?
J. A. – Então, nós jogamos contra o Comercial de Ribeirão Preto, e nós fizemos um gol e o público reclamou, disse que o Pelé estava impedido. No último jogo da rodada, jogou Santos e Portuguesa Santista aqui no Rio, e Corinthians e São Paulo, em São Paulo. E o nosso jogo começou até um pouquinho mais tarde, para saber do resultado lá, porque o Santos depois, acho que propôs a Federação Paulista, então nós entregamos esses pontos, vamos ficar em igualdade de pontos com o São Paulo, e foi o que aconteceu. O São Paulo estava ganhando o jogo, ia ser campeão, Benê fez um gol, estava ganhando. Não, acho que estava zero a zero, Benê fez um gol, finalzinho de jogo, deram a saída e terminou o jogo, e nós estávamos jogando contra a Portuguesa Santista, estava um a um o jogo. Aí anunciou no alto falante: São Paulo zero, Corinthians um. Se nós ganhássemos, nós ficávamos em igualdade de pontos com o São Paulo, acho que em cinco minutos nós fizemos dois gols, ganhamos de três a um, ai fomos para a final contra o São Paulo, no Pacaembu. Que também sete minutos de jogo estava dois a zero para o Santos, então é um titulo que, nada a contestar [risos].
F. H. – Daí 68 é um ano brilhante para o Santos?
34 Transcrição
J. A. – Ah, ganhamos tudo em 68, nós ganhamos a Recopa e o campeonato paulista, mas o campeonato paulista foi interessante, que a diretoria do Santos oferecia dinheiro extra, por diferença de pontos do segundo colocado e diferença de gols nos jogos na Vila. Então toda equipe que descia, descia com medo e não subia com menos de cinco [risos], e nós ficamos acho que oito a onze pontos de diferença do segundo colocado, que acho que foi o Corinthians, segundo colocado em 68. E nesse ano eu fui vice artilheiro do campeonato paulista, eu fiz 21 gols, empatei com o Martilho que jogava no Palmeiras
F. H. – Também nesse ano tem o Roberto Gomes Pedrosa, que vocês dizem que é o começo.
J. A. – É, o Roberto Gomes Pedrosa era sempre do inicio do ano, e o Santos já naquela época já queria mais viajar que era mais rentável do que ficar disputando os torneios aqui, ou Libertadores da época. O Santos abriu mão, né?
F. H. – Porque isso hoje é considerado um campeonato brasileiro, um título brasileiro conquistado por vocês.
J. A. – É, exatamente isso mesmo, e hoje é bom também, e naquela época o torneio Roberto Gomes Pedrosa era mais ou menos Rio – São Paulo. Depois começou entrar um pouco Minas... aí entrou Rio Grande do Sul, Bahia, então...
F. H. – E em 68 também tem uma volta sua à Seleção, você vai jogar, se me lembro, a Copa Rio Branco.
J. A. – Fomos campões, isso eu me lembro.
F. H. – Esses jogos contra o Uruguai dizem que era muito pesado, imagino para você, um cara rápido, drible ali na esquerda, como é que era, você lembra? Os Uruguaios batiam mesmo...
35 Transcrição
J. A. – E o Uruguaio que batia, depois veio jogar aqui no São Paulo, ele tentava bater, mas não me pegava, que era o Forlán14. Mas eles batiam muito e tinha uma coisa assim anti-futebol que não entra na minha cabeça o jogador fazer esse tipo de coisa entendeu, eu não sei, porque eu também sempre fui calmo dentro de campo, mas às vezes você está distraído, o jogador passava cotovelava, soco, quer dizer não tinha o que tem hoje, hoje pegam tudo. Hoje a televisão tem câmera para tudo quanto é lado, pega tudo, naquela época não tinha nada disso, então você tinha que ser durão mesmo, porque os caras vinham e pisavam em cima, se você caísse pisavam em cima, e o juiz segue o jogo, não tinha essa. Contra os brasileiros eles sabiam que eles batiam, mas que não adiantava, a gente ia em cima de novo. Então não tinha essa, eu lembro que nós fomos campeões. Acho que o treinador, se não me falha a memória era o Oswaldo Brandão.
J. C. – É
J. A. – Tenho uma boa memória [risos].
F. H. – Você disputava posição também com o Caju, com Eduardo nessa época. Como é que era essa disputa de posição?
J. A. – Ai é opção do treinador, acho que não é uma disputa, é cada um querendo fazer o seu melhor. Tanto é que até hoje eu sou amicíssimo do Paulo, nós somos amigos. A gente está sempre se falando no telefone, isso que é gostoso. E o Eduardo, falecido Eduardinho, jogou no América. Mas não tinha essa de disputa, eu acho que quem gostava era o treinador, que ele tinha varias opções ali, porque o Paulo, além de ele jogar na ponta- esquerda, ele jogava muito mais pelo meio, então eu já fui sempre um ponta nato, ofensivo né, voltava no máximo até o meio de campo para marcar e dali pra frente...
J. C. – Mas você não era muito marcador não?
14 Pablo Forlán
36 Transcrição
J. A. – Não.
J. C. – Você é um dos últimos pontas-esquerdas que vai na linha de fundo, ataca, dribla, e cruza.
J. A. – Mais ou menos como o Garrincha fazia, voltava até o meio de campo para fazer uma sombrinha ali para o lateral não avançar tanto, mas voltando para marcar eu nunca soube, nunca fui jogador assim de marcação. Eu sempre fui muito objetivo.
J. C. – E também não tinha muito como o lateral avançar sabendo que tinha o Edu ali.
J. A. – Exatamente, como nós tínhamos no Santos, nós tínhamos um esquema, então o lateral vinha, vinha até o meio de campo, e passando do meio de campo eu já saia um pouquinho mais aqui, e o que pegasse a bola aqui era no Edu. E sempre em um desses contra-ataques saía gol. E saindo gol o treinador adversário não vai deixar o cara atacar de novo [risos]: “volta aqui, marca aqui”.
F. H. – Em 69 assume a Seleção como treinador para um novo projeto da Seleção, o João Saldanha. Qual o papel do Edu nesse momento da Seleção?
J. A. – Importantíssimo, porque quando ele convocou, até foi bastante contestado o que ele falou: “essas são minhas 22 feras!”. Ele chegou para mim e falou assim: “olha, você vai ser o titular. Faz o que você está acostumado a fazer no Santos”. Ele só me falou isso, joguei. Nesse ano foi interessante que 68 também foi um ano muito bom para mim, que eu fui considerado o melhor ponta-esquerda do mundo, disputava muito com um jogador da Iugoslávia, hoje dividida, que era o Džajić15, que era o ponta-esquerda, na Europa ele era o “bam bam bam”. E 69, nas elimintórias, com o Saldanha, comecei a jogar, e fiz muitos