MASARYKOVA UNIVERZITA V BRNE Filozofická fakulta

Ústav románskych jazykov a literatúr Portugalský jazyk a literatúra

Martina Valeková

A análise da paixão na vida e obra de Vinicius de Moraes

Bakalárská diplomová práca

Vedúci práce: Mgr. et Mgr. Vlastimil Váně

Brno 2010

1 Prehlasujem, že som diplomovú prácu vypracovala samostatne s využitím prameňov uvedených na príslušnom mieste. Táto vytlačená verzia sa zhoduje s verziou elektronickou.

V Brne dňa 30.04.2010 …………………………………….

2 Za cenné pripomienky, trpezlivosť, ochotu a venovaný čas by som chcela veľmi pekne poďakovať Mgr. et Mgr. Vlastimilu Váňovi. Za pomoc pri zhromažďovaní bibliografie, Mgr. Maurício Ferreira de Souza a MUDr. Ana Cláudia Corrêa da Fonseca za pomoc pri konzultácii gramatických javov.

3 Índice

Índice...... 4 Introdução...... 6 1. Biografia de Vinicius de Moraes...... 7 2. O Movimento ...... 12 2.1. Música e poesia...... 14 3. Mulheres na vida e obra...... 15 3.1. Garota de Ipanema...... 16 3.2. Os nove casamentos...... 19 4. A forma de amar ...... 21 4.1. O poeta da paixão ...... 22 4.2. A definição da paixão ...... 23 4.3. Paixão e tristeza ...... 25 4.4. Paixão infinita ...... 29 4.5. Outras paixões ...... 32 4.4.1. Uísque e Amigos...... 33 4.4.2. A Pátria...... 35 4.5. Amor vivido e amor cantado...... 37 Conclusão...... 40 Bibliografia ...... 41

4 No dejaste deberes sin cumplir; Tu tarea de amor fue la primera; Jugaste con el mar como un delfin Y perteneces a la primavera.

Cuanto pasado para no morir! Y cada vez la vida que te espera! Por tí Gabriela supo sonreír (Me lo dijo mi muerta compañera).

No olvidaré que en esa travesía, Llevabas de la mano a la alegria Como tu hermano del país lejano.

Del pasado aprendiste a ser futuro Y soy más joven porque, en un dia puro, Yo vi nacer a Orpheu de tu mano. (Soneto a Vinicius – Pablo Neruda)

5 Introdução

Vinicius de Moraes foi entre outros cronista e poeta, sendo uma das figuras mais marcantes no cenário da Música Popular Brasileira. Foi integrante do Movimento da Bossa Nova, e também um dos seus principais precursores. Vinicius teve uma vida conturbada e repleta de paradoxos. Em suas obras falou de um amor profundo e intenso, sendo inclusive denominado “o poeta da paixão”. Sua vida, no entanto, marcada por nove casamentos, boemia e um círculo móvel de amizades, parece refletir em uma busca visceral por este amor e este estado de plenitude tão presente em suas obras. Esta multiplicidade presente em sua vida foi comparada com as facetas dispersas do temperamento brasileiro. O desejo aflito de liberdade, a vontade de quebrar constantes barreiras e a necessidade de estar em vários lugares sem se fixar em nenhum deles podem ser comparados a fluidez e a inconstância das águas marítimas. Todos estes aspectos refletem-se na procura insaciável pelo amor sempre renovado. Esta procura, no entanto, poderia também ser interpretada como um tipo de fuga. A necessidade de viver em estado de paixão, em um estado surreal e o medo frente aos laços profundos do amor foram sentimentos que sempre fizeram parte da vida do poeta. A obra viniciana é suficientemente extensa, por essa razão tivemos que reduzi-la e nos concentrar em fatos relevantes para a nossa pesquisa. O principal objetivo deste trabalho é analisar as paixões na vida e na obra do poeta, utilizando as obras concretas como forma de demonstração. No início apresentaremos a biografia de Vinicius de Moraes. Narrando brevemente fatos marcantes de sua vida. No capítulo seguinte, discursaremos sobre Bossa Nova, o movimento musical que serviu de berço para as obras do nosso músico. A seguir apresentaremos o tema Mulheres na sua vida e obra, onde discutiremos sobre a posição da figura feminina. Esta apresentação, assim como o contexto histórico e cultural apresentados nos capítulos anteriores servirá como base para uma análise da paixão na vida de Vinícius de Moraes. Esta análise encontra lugar no quarto capítulo. No quinto capítulo, será debatido se Vinicius realmente vivia aquilo que cantava. E por fim chegaremos a conclusão deste trabalho.

6 1. Biografia de Vinicius de Moraes

Marcus Vinitius da Cruz e Mello Moraes nasceu dia 19 de Janeiro de 1913 no . Teve três irmãos Lygia, Laetitia e Helius. Sua mãe, Lydia Cruz de Moraes, tocava piano e foi criada numa família de boêmios. Seu pai Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, amigo de Bilac, trabalhava como funcionário e além disso escrevia poemas e tocava viola. Vinicius desde muito novo teve a possibilidade de desenvolver o seu talento para a música e para a escrita. Não só os pais do poeta, mas também a avó e o tio o influenciaram e deram a base para sua futura carreira. Com apenas nove anos de idade, ele mudou seu nome de Marcus Vinitius da Cruz e Mello Moraes para somente Vinicius de Moraes. Os pais do autor sempre deram grande importância para a educação do filho, a qual foi sempre rigorosa. Em 1924, Vinicius iniciou o curso no Colégio Santo Inácio aonde pela primeira vez começou a montar suas primeiras peças de teatro e a uma delas deram o título Três amores. Nesse privilegiado colégio de jesuítas no Rio de Janeiro, ele começou a cantar no coro das missas aos domingos. Com quinze anos de idade ele encontrou os seus primeiros parceiros, com os quais começou a compor, os irmãos Paulo e Haroldo Tapajoz. Com eles Vinicius compôs “Loura ou morena“ e “Canção da noite“. Em 1930 Vinicius passou a frequentar a Faculdade de Direito na Universidade do Rio de Janeiro. Os estudos de direito não o interessaram tanto quanto a vida de estudante. Esse período foi importante, por ter encontrado várias pessoas interessantes que o guiaram à carreira literária e também pela entrada no caminho da boemia, que o acompanhou ao longo de sua existência, sendo desta forma o início do estilo de vida que viveu. Entre as pessoas que ajudaram o novato poeta e que lhe deram o primeiro e mais importante impulso estava Otávio Faria, um crítico e romancista, o qual se tornou o seu primeiro mestre. Com dezenove anos de idade o jovem poeta publicou o seu primeiro livro intitulado O caminho para a distância pela Editora Schimidt. Em 1935 publicou o seu segundo livro Forma e exegese. Estes livros e em geral esta fase da poesia viniciana foi marcada pelos poemas com traços místicos e religiosos que serão mencionados mais a diante. , outro poeta brasileiro, explica essa fase da vida de Vinicius com as seguintes frases: O Vinicius começa fazendo poesia francesa, quer dizer, inspirado daquele catolicismo francês influenciado pelo grupo católico aqui do Brasil. Mais isso não é ele.

7 Então pouco a pouco ele vai se convertendo á Vinicius de Moraes, vai virando Brasileiro. (...)1

Com o decorrer do tempo sua poesia se modificou e se tornou muito mais cotidiana e moderna, inspirando-se no dia-a-dia e na obra do seu grande amigo Manuel Bandeira, o qual chamava familiarmente de “paizinho“2. Depois de concluir os seus estudos, continuou trabalhando em sua produção cinematográfica, a qual deu inicio na época dos estudos. Nesta fase lançou, com alguns colegas, a revista O Fã, como censor cinematográfico junto ao Ministério da Educação e Saúde. Nessa época, além do Bandeira, Vinicius conheceu também outras pessoas com nomes ressonantes como por exemplo Carlos Drummond de Andrade. Em agosto de 1938 o poeta partiu para Inglaterra onde recebeu uma bolsa de estudos de língua e literatura inglesa na Universidade de Oxford. Essa foi a primeira bolsa que o Conselho Britânico deu a um estudante brasileiro. Infelizmente o poeta não concluiu o estágio. Durante a sua estadia na Grã-Bretanha Vinicius namorou sua primeira esposa, Beatriz Azevedo de Mello, chamada Tati. Nesse período o autor encontrou-se apaixonado pela obra de William Shakespeare, tentou ler, entender e passar para português os sonetos do escritor inglês. Através dos trabalhos que fazia, o poeta criou uma relação com sonetos que mais tarde frequentemente usou nas suas obras poéticas. Ele mesmo dizia: “O soneto é uma prisão sem barreiras, sem grades. Só dentro da prisão que ele encerra se pode atingir a liberdade maior“.3 O uso de sonetos como forma literária foi característica na obra de Vinicius mesmo como modernista. O grande crítico literário e professor universitário António Cândido disse a respeito do poeta:

Vinicius é um homem apegado a métrica, é um homem apegado a rima, é um homem apegado as formas poéticas tradicionais como o soneto como a ode etc. Portanto é um poeta que está inserido na tradição. Mas este poeta inserido na tradição, exactamente por causa de grandes recursos formais técnicos que ele tem, ele se aproximou mais do que nenhum outro daquilo que os modernistas queriam que a vida cotidiana, que é a destruição do tema poético nobre, que é a frase coloquial. Ninguém chegou mais perto que Vinicius da naturalidade, ninguém chegou mais perto da cotidiana, do prosaico no entanto dentro de uma poesia, da continuidade e da perfeição formal. (…)4

1 FARIA, Miguel Jr. (dir.). Vinicius [DVD-ROM]. 1001 Filmes, 2005. tempo: 0:08 2 CASTELLO, José. O poeta da paixão. pág. 100 Vinicius gostava de usar diminutivos e principalmente quando era para denomiar alguma pessoa próxima. 3 CASTELLO, José. O poeta da paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. pág. 105 4 FARIA, Miguel Jr. (dir.). Vinicius [DVD-ROM]. 1001 Filmes, 2005. tempo: 0:10

8

Após o começo da Segunda Guerra Mundial, Vinicius e Tati foram obrigados a voltar para o seu país natal. Nessa longa viagem da Europa para o Brasil, encontraram Mário de Andrade com a esposa e tornaram-se grandes amigos. Em 1941 Nasce a primeira filha do poeta, Suzana. Na volta ao Brasil a família passou por problemas financeiros. Vinicius seguiu trabalhando na esfera jornalística como crítico cinematográfico, mas ao mesmo tempo nunca deixou as áreas literárias. Ele atuou nos jornais A Manhã, Clima e O Jornal. Por causa das já mencionadas necessidades financeiras, optou pela diplomacia e prestou concurso para o Itamaraty.5 Para ser aprovado, fez algumas lições de gramática portuguesa com o professor Antônio Houaiss. Na segunda tentativa em 1942 foi aprovado. Nesse mesmo ano nasceu o primeiro e ao mesmo tempo o último filho homem do poeta, Pedro. No ano seguinte a editora Ponretti publicou seu quarto livro chamado Cinco elegias. Esse livro foi escrito durante o seu estágio em Oxford. Nessa etapa da vida, o poeta e músico, encontrou outras duas personagens que o afetaram não só na vida pessoal mas também na vida em geral. Falamos de Jayme Ovalle e Waldo Frank6. Os dois o motivaram de formas diferentes, mas podemos dizer, com a mesma intensidade. Jayme Ovalle, um grande compositor e poeta brasileiro, era mais sensível, apegado à religião, extravagante. Juntos inventaram a “Teoria dos Chatos“7 e várias outras. Já com Waldo Frank era diferente, ele era um homem mais rígido, vivido, corajoso que tinha uma paixão intensa pela América Latina. É um paradoxo porque com ele, um norte-americano, o Vinicius conheceu, ou podemos dizer descobriu as realidades da sua própria pátria. Em mais que um mês visitaram quase todo o nordeste do Brasil. O poeta passou pela primeira vez por lugares por onde nunca havia passado e conheceu coisas que nunca tinha conhecido. Em 1946 assumiu o primeiro cargo diplomático como vice-cônsul do Brasil em Los Angeles nos Estados Unidos da América. Nesse ano também foi publicado pela editora Pangetti seu volume, Poemas, sonetos e baladas. Nos Estados Unidos Vinicius deixou de ser poeta por um tempo e apegou-se ao cinema e jazz. A impregnação pelo jazz surgiu num show de Luis Armstrong e não o deixou mais. Com tempo adquiriu diversos conhecimentos deste estilo de música e até colaborou no livro Jazz panorama8. Além disso, editou com o ator e produtor brasileiro Alex Viany a revista Filme. Vinicius teve a oportunidade de acompanhar a filmagem de A Dama de Xangai e Macbeth graças à amizade com diretor e produtor Orson Welles, mais tarde aplicou essas suas experiências nos

5 O Ministério das Relações Exteriores do Brasil 6 Novelista norte-americano 7 Teoria que formularam para conviver com pessoas indesejáveis 8 Livro de Jorginho Guinle

9 seus trabalhos. Em 1950 voltou ao Brasil devido ao falecimento de seu pai. No ano seguinte casou-se com sua segunda mulher Lila Maria Esquerdo e Bôscoli. Lila trouxe para a vida do autor uma nova inspiração, podemos dizer, que se tornou a nova musa do poeta e ele novamente voltou a criação de poesias. Desta fase surgiram grandes poemas como “A Hora Íntima“, “Soneto do Amor Total“, “Poema dos Olhos da Amada“ e outros. Dois anos depois da morte do seu pai, partiu para Europa com objetivo de estudar as organizações de festivais em Cannes, Veneza, Berlim e Locarno. Com a intenção de obter idéias sobre como montar o Festival de Cinema em São Paulo que se realizou em 1954 junto a ocasião do IV Centenário da cidade. Com 39 anos de idade, nasceu a primeira filha do casamento com Lila chamada Georgiana e três anos depois nasceu a segunda, Luciana. Vinicius necessitou novamente de dinheiro e por esta razão passou a escrever para a revista Flan de Última Hora. No ano em que nasceu Georgiana, ganhou outro cargo diplomático em Paris onde viveu com a sua nova família até 1957. Nesse ano também aconteceram várias outras coisas importantes na vida do poeta. Vinicius criou seu primeiro “Quando tu passas por mim“ e depois disso encontrou um dos seus companheiros mais importantes, Antônio Carlos Jobim, conhecido principalmente como Tom Jobim. Juntos fizeram a trilha musical da grande peça de teatro da Conceição que algum tempo depois foi transformada em filme e ganhou vários prêmios, como Palma de Ouro no Festival de Cannes e também o Oscar em Hollywood como o melhor filme estrangeiro. Essa grande parceria não acabou por ai, além de Orfeu compuseram outras canções de grandes sucessos. No livro O poeta da Paixão de José Castello se diz:

A parceria com António Carlos Jobim, inicia sob a gerência espiritual de Orfeu, serve de marca definitiva para uma virada na carreira do poeta. O inspirado Tom descola a atenção de Vinicius do silêncio e da atmosfera reservada própria á poesia e a dirige para o cenário mais amplo e arejado da música popular. O poeta se torna um cantor. Um show-man esperto e insinuante, a capitanear a nova geração de grandes letristas que nasce com a Bossa Nova. Tom será, desde então, sua sombra. Ao lado dele, Vinicius de Moraes se torna, em definitivo, Vinicius de Moraes9.

Desde então de um grande poeta, Vinicius tornou-se um grande músico. Nas suas aventuras noturnas, nos bares e nos shows o acompanharam, além do Tom Jobim, , , Luís Peixoto, , , ... e outros.

9 CASTELLO, José. O poeta da paixão. pág. 186

10 Na boate chamada Au Bon Gourmet Vinicius fez o seu primeiro show com seus parceiros Tom Jobim e João Gilberto e lançaram os maiores sucessos como Garota de Ipanema e Samba de Bênção. Vinicius, sendo um diplomata, não foi apoiado pelo Ministério das Relações Exteriores a fazer esse show. Foi obrigado a cantar com terno e gravata e não podia receber propina pelo seu trabalho. Com Baden Powell iniciou um outro tipo de música, o afro-samba. Este era um samba com traços da cultura africana, o que o diferenciou bastante da Bossa Nova. O poeta tornou-se, como ele dizia, “o branco mais preto do Brasil“11. Tanto é que, seu grande exemplo foi Alfredo da Rocha Viana Filho, chamado , um grande músico negro brasileiro. Vinicius colaborou com um grande número de artistas e compôs diversas canções, mas não se esqueceu nem da sua grande paixão que era o cinema e nem de escrever crônicas. Em 1972 Vinicius gravou dois discos na Itália com o seu outro grande companheiro . Ao longo de sua vida o grande artista brasileiro casou-se oficialmente nove vezes. Escreveu diversos livros, músicas, teve muitos parceiros e conheceu várias pessoas diferentes. No meio disso podemos dizer que foi sempre fiel a uma coisa; o uísque. Vinicius bebeu praticamente a sua vida inteira e não deixou este hábito até morrer. Mais deste seu vício e outras paixões, falaremos no último capítulo. Vinicius de Moraes morreu dia 9 de Julho 1980 em seu apartamento no Rio de Janeiro. Não queríamos aprofundar-nos muito na biografia de Vinicius de Moraes, mas cremos que foi preciso pelo menos recordar alguns fatos principais para que pudéssemos perceber melhor e com mais claridade a obra desse grande poeta e músico brasileiro. Além disso, achamos interessante recordar alguns momentos dessa vida repleta de disparidades mesmo que provavelmente não tenhamos captado todos os momentos relevantes.

1 1Samba da Benção. disponível em

11 2. O movimento musical Bossa Nova

Discursar sobre Bossa Nova, não é o objetivo do nosso trabalho, mas é preciso pelo menos tracejar alguns pontos importantes do famoso movimento musical que influenciou o nosso autor. Se contássemos a história da Bossa Nova, teríamos que nos aprofundar muito no assunto, de forma que resolvemos reduzí-la apenas aos anos oficiais em que foi lançada. Falaremos então do fim de 1950 e do início de 1960, quando o Brasil começou a viver a Bossa Nova. Esses anos foram anos de grandes novidades e mudanças não só na capital do país, então situada no Rio de Janeiro, mas também no país inteiro. Nesse tempo Juscelino Kubitschek ocupava a presidência da República e era chamado de “o presidente Bossa Nova“10. Juscelino ficou conhecido também como o presidente que mais desenvolveu e evoluiu o Brasil. Na época de sua presidência houve um grande crescimento econômico do país. Além dessas mudanças houve também prosperidade em diversos outros ramos como literatura, cinematografia, esporte, teatro etc. A chegada da Bossa Nova simbolizava também uma grande novidade. Apenas a palavra bossa já era uma expressão carioca que se utilizava para dizer que alguém faz algo diferente, novo. Significava: jeito, modo, maneira. Tudo novo na época para os jovens era bossa nova. Na música essa diferença refletia-se na poesia mais simples, ritmo e forma de cantar diferente. Na realidade esta novidade musical era uma mistura de samba com jazz. Não se sabe a data exata do início deste movimento musical, apenas que 1958 foi marcante, porque foi o lançamento do disco de Eliseth Cardoso Canção do Amor Demais. Este disco contém a primeira gravação de ““ de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, acompanhados no violão por João Gilberto. Diz-se, no entanto que 1959 teria sido o verdadeiro ano marco, quando o próprio violonista lançou o seu primeiro LP11 Chega de Saudade incluindo “Chega de Saudade“ e também um outro grande sucesso “Bim-Bom“. O trabalho de João Gilberto se diferenciava do de Eliseth Cardoso em relação a música.12 João levava este trabalho muito a sério e fez tudo para que fosse perfeito. Hoje consideramos este grande violonista baiano como o “pai“ do movimento. Bossa Nova foi e até hoje é muito conhecida não só no Brasil, mais no mundo todo. Este estilo de música representa muito bem o país no exterior. É uma semelhança ou podemos dizer uma confluência entre a poesia e a música. Os artistas mais importantes do movimento são: Antônio Carlos Jobim, João Gilberto,

10 Disponível em . 11 Long Play. Disco de vinil 12 Disponível em pt.wikipedia.org/wiki/Bossa_nova

12 Vinicius de Moraes, Luiz Bonfá, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Newton Mendonça, Nara Leão, João Donato, Tito Madi, , Sérgio Mendes, Sylvia Telles, Maysa, Toquinho... e outros.

13 2.1 Música e poesia

Na relação social, a linguagem aparece como meio de interpretação, comunhão, conhecimento, promovendo a formação de uma identidade cultural do indivíduo para com o todo. Por isso a linguagem artística é indispensável, por expressar fraquezas, sentimentalidades, ideologias, valores de um indivíduo imerso na cultura de grupos sociais, da sociedade de forma geral. Assim, o livre trabalho artístico viniciano resulta da reflexão: transformar a experiência, as emoções, e as percepções em memória, em expressão, dando vida a própria arte, superando seus próprios limites, a partir de uma interpretação da vida cotidiana e das suas emoções.13

Vinicius de Moraes foi ao longo da sua vida indentificado como o poeta. No começo da sua criação ele se dedicava somente ou melhor, principalmente a poesia. Mais tarde, na segunda etapa da sua vida, trabalhou por grande parte com a música mas isso não quer dizer que foi deixando de lado a poesia. Pelo contrário, na obra viniciana houve uma simbiose incrível entre a música e a poesia. Por um lado as canções passavam a usar textos literários perfeitos e por outro a música popular laborava com a experiência gráfico-visual qual antes foi usada pela poesia concreta.14 Além disso, como diz a estudante Manuela Chagas Manhães: „ele conseguiu tirar a poesia dos livros, dos gabinetes e a levou para as ruas, bares, lugares por onde passou.“15 Ele conseguiu colocar estas duas artes num nivel só, que na época não era comum. Suas poesias tinham melodia e suas canções tinham poesia e uma coisa não segregava a outra. Apesar da várias críticas, principalmente do seu amigo poeta e diplomata brasileiro João Cabral de

Mello Neto16, que estava desprezando o seu talento de escritor com a música, Vinicius nunca deixou de compor. Ele dizia:

„O pessoal fica grilado pelo fato de eu fazer música, achando que a canção popular é uma arte menor.

Puro preconceito. Muita gente acha que esgotei meu talento poético fazendo canções. Nunca larguei a poesia pela música. Acho isso uma besteira completa. Continuo fazendo poesia; música e poesia são uma coisa só.“

A melodia deu aos poemas vinicianos certa intimidade e emoção. Levou a arte poética para o cotidiano e tornou-a mais acessível.

13MANHÃES, Manuela Chagas. Melancolia e paixão no poema canção em Vinicius de Moraes. Rio de Janeiro 2005 pag 1. 14 PICCHIO, Luciana Stegagno. Dějiny brazilské literatury. Praha: Torst 2007 pag. 621 a tradução é nossa 15MANHÃES, Manuela Chagas. Melancolia e paixão no poema canção em Vinicius de Moraes. Op.cit pag 1. 16 José Castello em sua biografia Vinicius de Moraes o poeta da paixão diz, que João Cabral de Mello Neto era um neo-clássico com uma visão anti-romântica. Odiava música - “Não gosto de ouvir nem essa musiquinha que toca no elevador“, diz várias vezes -, leva vida metódica e acha que a grande poesia emerge da intimidade. É o oposto de Vinicius de Moraes.

14 3. Mulheres na sua vida e obra

Carlos Lyra: “Na Bossa Nova a mulher é elevada ao nível muito superior. A mulher nunca estragaria a vida de um homem na bossa nova“.17

Como já dissemos este movimento teve um significado diferente e a forma que a mulher era interpretada ou vista também mudou. Antes o grande sucesso no Brasil era a música nordestina onde se cantava a vida difícil do nordeste e a mulher fazia o papel de rendeira. Com a bossa nova tudo mudou, o atributo de deusa, coisa mais linda, perfeita, etc. tornaram-se óbvios no repertório do movimento. Com Vinicius a elevação da mulher e sua beleza chegaram a ser natural e fizeram o papel principal na vida do poeta. Não há maneira melhor para mostrar o modelo de beleza de Vinicius do que tomar conhecimento de uma das suas canções mais conhecidas que é “Garota de Ipanema“.

17 VENTURA, Zuenir. Bendito vagabundo. [online]. [cit. 02.12. 2003] Disponível em: .

15 3.1 Garota de Ipanema

Nos atrevemos a conceder um capítulo inteiro para esta canção, por considerá-la uma das músicas mais importantes do movimento Bossa Nova. Primeiramente vamos conhecer um pouco da sua eclosão e a seguir vamos examinar brevemente o conteúdo. “Garota de Ipanema“ foi uma das músicas de Vinicius de Moraes e Antônio Carlos Jobim mais tocada não só no território brasileiro mas também no exterior. Esta canção é uma das últimas que a dupla compôs junta e a lançaram em 1962, num clube chamado Au Bon Gourmet. Nos Estados Unidos foi lançada logo no ano seguinte na voz de Astrud Gilberto como ““ e desde esse momento tornou-se um sucesso mundial. A maioria das pessoas diz que esta canção foi feita num bar em Copacabana, na época chamado Veloso e mais tarde chamado Garota de Ipanema, enquanto Vinicius e o Tom tomavam o seu uísque e observavam as moças indo à praia. Essa suposição é enganosa. Vinicius tinha feito essa letra há algum tempo, antes tinha o nome de “Menina que passa“ e a letra era um pouco diferente da que conhecemos hoje. Tom também já tinha a melodia praticamente pronta, que era para ser inicialmente uma comédia musical.18 Em relação ao bar Veloso, é verdade que a dupla o frequentava quase que todos os dias e lá observavam a suas garotas de Ipanema de pele bronzeada, cabelos escuros e olhos verdes, indo à praia, à escola, ao mercado...etc. Desse costume surgiu a idéia de juntar a bela letra do poeta e a melodia do grande pianista e compor a “Garota de Ipanema“. Heloísa Eneida Meneses Paes Pinto conhecida como Helô foi a musa dos dois companheiros que decidiram juntar os seus talentos e compor essa grande música em sua homenagem. Antes a jovem estudante de dezenove anos não acreditava que era sobre a sua pessoa que se cantava, apesar de que o próprio Tom Jobim tinha lhe dito. Só mais tarde a garota começou a desconfiar quando houve um grande interesse pela sua pessoa entre os meios de comunicação. O primeiro foi o seu vizinho que publicou as suas fotos na revista Senhor e mais tarde sua identidade foi revelada por um repórter e um fotógrafo de Fatos e Fotos. Depois desses fatos a vida da moça, com já vinte e dois anos, mudou completamente e ela se tornou amiga dos compositores. Helô Pinheiro, que é agora o seu nome depois de casar-se com Fernando Abel Mendes Pinheiro, tornou-se realmente a garota de Ipanema e não deixou mais de ser. Começou a ganhar dinheiro fazendo propaganda, posando nas capas de revistas, trabalhando como atriz e dando entrevistas não só no Brasil.19

18 CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 19 Cf. CASTELLO, José. O poeta da paixão. pag. 245

16 Leon Hirzman, o cineasta, decidiu em 1967 fazer um filme baseado na música “Garota de Ipanema“.

Olha que coisa mais linda Mais cheia de graça É ela menina Que vem e que passa Num doce balanço, a caminho do mar

Moça do corpo dourado Do sol de Ipanema O seu balançado é mais que um poema É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, porque tudo é tão triste Ah, porque estou tão sozinho Ah, a beleza que existe A beleza que não é só minha E também passa sozinha

Ah, se ela soubesse Que quando ela passa O mundo inteirinho se enche de graça E fica mais lindo Por causa do amor 20

Não há melhor maneira de relatar o ponto de vista da beleza de Vinicius, como nesta canção que se tornou um hino e ao mesmo tempo uma propaganda da cidade Rio de Janeiro. O poeta em suas letras descreve a beleza da garota carioca. Logo no início, chama a atenção do leitor ou o ouvinte iniciando com a palavra olha. Nas primeiras duas estrofes se fala da forma sensual de andar da moça e elogia a cor de pele da menina, que é bronzeada do sol, pois a musa frequentava a praia de Ipanema. Podemos então observar que esta música não é só uma ode a beleza feminina, mas também uma forma do autor homenagear a cidade natal. O balançado da garota de Ipanema é colocado num nível superior ao de um poema, acima da arte do próprio autor. E no fim afirma que ela é mesmo o seu modelo de mulher ideal.

20 Garota de Ipanema. disponível em

17 Nos próximos versos ele usa suspiros, que além de chamar a atenção, confirmam o encanto pela garota. Na terceira estrofe, que é unica narrada na primeira pessoa, o autor usa um pouco de melancolia. Fala sobre tristeza de não poder ter a menina somente para ele apesar dele estar sozinho e aparentemente ela também. A palavra porque destaca a tristeza e o desconsolo do poeta. Além disso a melodia da canção se adapta a letra e ajuda a simular um clima melancólico. Na última estrofe a melodia, graças ao leve samba, se torna novamente positiva junto com a letra. O autor fala que mesmo ela não sabendo, só por ela passar as pessoas se sentem mais felizes e a assim o mundo se torna melhor. Vinicius em uma canção com versos aparentemente simples, consegue descrever quase toda a beleza de uma mulher, na qual ele constrói o pilar da sobrevivência. Desde a infância seus temas principais, além da beleza feminina, eram relacionados ao amor. Vinicius amava a sua família, seus amigos, sua mãe e não demorou muito tempo começou a amar também as mulheres. Já com nove anos de idade em 1922, no ano da Semana de Arte Moderna, demonstrou seu interesse pelo sexo oposto. Dedicou o seu primeiro poema, que na realidade depois confessou que tinha roubado o poema da coleção poética da gaveta do seu pai, a sua primeira namoradinha Maria Cacimira de Albuquerque Cordovil chamada Cacy. Ao longo de sua vida, ele homenageou com suas pequenas obras, seus amores e assim se tornou um poeta sedutor21.

21 Cf. CASTELLO, José. O poeta da paixão. pág. 40

18 3.2. Os nove casamentos de Vinicius de Moraes

Vinicius de Moraes casou-se oficialmente nove vezes. Um dia o seu parceiro Tom Jobim perguntou-lhe: “Afinal, poetinha, quantas vezes você vai se casar?“. E ele respondeu: “Quantas forem necessárias“22 Este mini diálogo diz muito sobre o poeta. Vinicius era uma pessoa que a vida inteira estava a procura de um grande amor. Como mulher, é um tema chave na sua obra, faremos neste subcapítulo um percurso em suas relações amorosas, contemplando a mudança do seu caráter e da sua vida. Observaremos a influência destas relações em seu estilo de vida, mas principalmente onde para nós interessa, em sua obra.

Beatriz Azevedo de Mello (1938-1950), a Tati, foi a primeira esposa de Vinicius de Moraes. Ela era uma moça bonita, culta, de classe alta que estudou na Europa. No entanto Tati fugiu deste meio e de suas regalias, tornando-se uma jovem independente e com objetivos próprios. Juntos tiveram dois filhos Susana e Pedro. Para ela compôs diversos poemas como, por exemplo, Soneto da Fidelidade ou Tatiografia. O período em que o Vinicius esteve casado com Tati podemos cognominar como a época da auto-descoberta. No começo passa ainda pelos dilemas metafísicos deixando de ser o garoto misterioso influenciado pelo catolicismo para tornar-se o Poeta da Paixão. O casamento durou doze anos e além de ser o primeiro foi também o mais longo. O segundo casamento do poeta foi muito rápido e espontâneo. Casou-se com a jovem funcionária do Itamaraty Regina Pederneiras para a qual escreveu a “Balada das arquivistas“. O casamento não teve uma longa duração. Regina abandona seu marido e causa a ele desta maneira um grande sofrimento. Apesar disto Tati volta a viver com Vinicius. Lila Bôscoli (1951-1956) tornou-se uma grande musa do poeta. Depois de uma interrupção na carreira poética, criava um poema atrás do outro e a grande maioria deles são conhecidos até hoje como por exemplo: “A Hora Íntima“, “Poema dos Olhos da Amada“, “As Quatro Estações“ e “Soneto do Amor Total“. O casal teve duas filhas, Georgiana e Luciana. Lucia Proença (1957-1962) foi um dos grandes amores de Vinicius de Moraes. A primeira vez que os dois se viram, Lúcia tinha apenas quinze anos. Mais tarde se reencontraram em Paris, quando cada um dos dois já estava comprometido em um outro relacionamento. Começa um amor proibido e escondido. Vinicius publica o poema “Soneto da Mulher ao Sol“ e a crônica Amor dos Homens, onde praticamente revela o que está acontecendo entre eles. A partir deste momento é

22 Cf. NOGUEIRA, Arnaldo Jr. Projeto Releituras. [online]. [cit. 14.01.2009] Disponível em: .

19 claro que o casamento com Lila chega ao fim. Neste tempo compõe além de outros “Eu Sei Que Vou Te Amar“, “Mulher Sempre Mulher“ e monta a sua peça Orfeu da Conceição. Á Lucinha ele dedica o seu livro Para Viver um Grande Amor. Entre Vinicius e Nelita de Abreu Rocha (1962-1967) havia uma diferença de idade de trinta anos, fato que marcou este casamento do início até o fim. No começo o poeta inspirava-se em sua inocência e fragilidade para compor, por exemplo, “Minha Namorada“ e poemas como “A Brusca Poesia da Mulher Amada“, “Soneto da Rosa Tardia“. Em 1966 publicou Pra uma Menina com uma Flor. O casamento termina quando Nelita não aguenta mais, não só por causa das brigas mas principalmente pelo consumo excessivo de álcool. Quando nasceu Maria Gurjão de Moraes, a filha de Vinicius com Cristina Gurjão (1967-1968) , eles já estavam separados. Cristina era uma mulher decidida e independente. Isso despertou em Vinicius a impressão de ser refém do relacionamento. Quando Cristina viajou, grávida, para resolver problemas financeiros, o poeta já inicia um namoro com Gesse Gessy. Esta, na época, futura esposa de Vinicius foi a grande causa da rápida separação. Por muito tempo houve uma tensão entre Cristina e Gesse. Gesse Gessy (1969-1975) era uma atriz baiana que seduziu completamente o poeta e influenciou intensivamente a vida dele. Casaram-se duas vezes, primeiro no Uruguai e depois na Bahia. Com ela abandonou a gravata do grande diplomata e trocou-a pelo calção de praia em Itapuã. Vinícius está numa fase de rejuvenescimento. Para ela escreveu o “Soneto de Luz e Treva“ e o “Samba de Gesse“. Marta Rodriguez Santamaria (1976-1977) era uma poetisa argentina. Uma menina apenas com vinte e três anos, que se apaixonou por um homem quarenta anos mais velho. Assim começou uma nova paixão na vida de Vinicius. Este casamento durou pouco tempo e obviamente terminou por causa da falta de afinidade intelectual causada pela diferença de idade. Para ela compôs o “Soneto de Marta“. Gilda (1978-até a morte) de Queirós Mattoso, foi sua última paixão. Casou-se mesmo sabendo que ele estava doente e não parava de beber. No relacionamento ela era mais sua enfermeira do que uma esposa. O estado de saúde de Vinícios era preocupante. O seu peso estava acima do normal e a diabete alta, cansava com facilidade e bebia sempre. Gilda ficou com o poeta até a sua morte. Antes de morrer escreveu para ela a valsa “Gilda“.

20 4. A forma de amar

Como já lembramos nos capítulos anteriores, o tema principal da lírica viniciana era mulher e amor. Estas duas palavras não são declinadas com muita frequência na sua poesia, mas igualmente nas suas canções e vida pessoal. Houveram muitas polêmicas em relação a forma de amar do poeta. Nas linhas ulteriores, vamos tentar se acercar a este tema e demonstrar na obra concreta de Vinicius de Moraes. Não podemos esquecer, que estamos falando da segunda fase da obra e também da vida do poeta. Em que a sua visão do amor é diferente, como a da primeira fase. Esta mudança não aconteceu repentinamente, foi um processo em que foi descobrindo a forma do seu amor e com estes descobrimentos mudava também a sua obra. O poeta que antes vivia pelo amor eterno, vai mudando a sua meta conforme o seu amadurecimento e situações na vida.

21 4.1 O poeta da paixão

Vinicius de Moraes, o poeta da paixão. Esta definição, ou característica, podemos encontrar em várias biografias, livros ou apenas artigos sobre o Vinicius. Em nossa bibliografia perifrasa-se o autor como um homem que durante a vida inteira estava a procura de uma paixão eterna. Pretendemos aprofundarmo-nos neste tema e intentar compará-lo com a realidade. A obra viniciana podemos dividir em duas fases. A fase até 1938 e a fase após 1938. Na primeira fase, falamos de Vinicius inexperiente e como já mencionamos na sua biografia, místico e influenciado pelo catolicismo. Sua obra era pesada e inacessível. Neste período publicava nomeadamente poemas e não teve muito acesso a música. Esta fase podemos divisar com o livro de poemas O caminho para a Distância, que foi seu primeiro livro publicado e o livro Novos Poemas. Com este último livro recordado, começa a segunda fase da sua obra. Aqui já falamos de um Vinicius solto, maduro e os temas se tornaram cotidianos e reais. Neste trabalho vamos falar, sobretudo da segunda fase da vida e da obra do poeta, que foi a fase em que foi lançado o movimento musical bossa nova e também a fase na qual Vinicius compôs a maior parte das suas músicas famosas. Resolvemos demonstrar a paixão através das suas obras mais conhecidas. Primeiramente analisaremos o termo paixão para sabermos exatamente com qual expressão estamos lidando. A seguir aludiremos a paixão e a tristeza causada pela separação na obra viniciana e demonstrá-la-emos nas obras, nos depoimentos dos conhecidos e biógrafos. Por fim tentaremos encontrar a paixão-tristeza no infinito.

22 4.2 A definição da paixão

Antes de analisar a paixão na vida de Vinicius de Moraes é preciso esclarecer o que na verdade a palavra paixão significa e a diferença entre esta e a palavra amor, que também é um dos substantivos que se conjuga na vida do poeta. Para definirmos estes termos consultamos o dicionário e achamos as seguintes definições:

paixão do Lat. passione, sofrimento s. f., sentimento excessivo; amor ardente; afecto violento; entusiasmo; cólera; grande mágoa; vício dominador; alucinação; sofrimento intenso e prolongado; parcialidade; o martírio de Cristo ou dos Santos martirizados; parte do Evangelho em que se narra a Paixão de Cristo; colorido, expressão viva, em literatura.

amor do Lat. Amore s. m., viva afeição que nos impele para o objecto dos nossos desejos; inclinação da alma e do coração; objecto da nossa afeição; paixão; afecto; inclinaçãoo exclusiva23;

Chegamos então à conclusão de que a paixão e o amor são duas coisas muito afinas, mas ao mesmo tempo distintas. Paixão é um sentimento que vem rápido e termina tão rápido quanto

23 Dicionário da Língua Portuguesa On-Line. [online] Disponível em: .

23 começou. Como podemos observar no exemplo do dicionário, paixão é derivada do sofrimento e por isso geralmente causa mágoa e tristeza. Podemos nos apaixonar não só por pessoas, mas também por bens, pelo trabalho, por atividades, por objetos etc. Os cientistas dizem que a paixão dura, em média, mais ou menos três anos24. Ao contrário, o amor, é algo que dura, podemos dizer, eternamente, acontece em uma fase mais estável do relacionamento. Mesmo assim antes de construir um amor é preciso passar por uma paixão. Então quem quer amar tem que enfrentar os riscos que a paixão traz. José Castello em seu livro diz:

A paixão não é apenas o princípio do amor, ou o amor na sua forma mais intensa, ou ainda o amor quando ele se aproxima da cegueira e até da loucura. A paixão é amor, mas é também sofrimento. Os alemães têm um substantivo perfeito para defini-la: Leidenschaft. Tem duplo significado: “paixão“ e “sofrimento“25.

Por estes motivos Vinicius de Moraes, em nossa opinião, não foi “o poeta do amor“, nem “o poeta da paixão“. Os capítulos seguintes vão nos ajudar a entender, o porque ele foi “o poeta do amor- paixão“

24 Cf. LINS, Regina Navarro. Quanto tempo dura uma paixão? [online] Disponível em: . 25 CASTELLO, José. O poeta da paixão. pag. 99

24 4.3 Paixão e tristeza

Mas pra fazer um samba com beleza É preciso um bocado de tristeza É preciso um bocado de tristeza Senão, não se faz um samba não (Samba da Bênção)

Amor e tristeza, estas duas palavras caminhavam juntas em praticamente toda a obra viniciana. Vinicius já estava consciente, mas não conformado, com seu amor paixão e por isso estas palavras postas juntas não são mais uma coisa extraordinária. Carlos Lyra disse sobre Vinicius que ele era um “melancólico optimista“26. Quer dizer que mesmo falando de tristeza, conseguia convertê-la em amor e esperança, e também o contrário. Se tirarmos da obra viniciana o amor e a tristeza o que restará? Nada, a obra seria vazia e o poeta nunca iria chegar ao ponto da vida em que chegou. Vinicius sem o amor-paixão e a tristeza que este sentimento traz, não seria mais o mesmo. O próprio confessou em uma entrevista com :

É curioso, a alegria não é um sentimento nem uma atmosfera de vida nada criadora. Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num momento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máxima para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível27.

“Eu não existo sem você“ é uma das canções mais bonitas de Vinicius de Moraes. Como outros belos trabalhos, surgiu também da parceria com Tom Jobim. Escolhemos esta música para demonstrar a paixão-tristeza na obra do poeta.

Eu sei e você sabe, já que a vida quis assim Que nada nesse mundo levará você de mim Eu sei e você sabe que a distância não existe Que todo grande amor Só é bem grande se for triste

26 CASTELLO, José. O poeta da paixão. pag. 226 27 LISPECTOR, Clarice. Mulher poesia e música. [online] Disponível em: .

25 Por isso, meu amor Não tenha medo de sofrer Que todos os caminhos Me encaminham pra você

Assim como o oceano Só é belo com luar Assim como a canção Só tem razão se se cantar Assim como uma nuvem Só acontece se chover Assim como o poeta Só é grande se sofrer Assim como viver Sem ter amor não é viver Não há você sem mim Eu não existo sem você 28

Logo a melodia camerística nos declara bastante sobre o ambiente o que sintoniza o ouvinte a um clima sorumbático. Nesse poema, composto de duas estrofes, em um primeiro momento o eu-lírico explica para sua amada sobre a importância de se conscientizar de que todo amor trará tristeza, sofrimento e quanto maior o amor, maior será o sofrimento e pede de forma bem natural, para que ela não tenha medo desses sentimentos e de sofrer. Essa foi a filosofia que o Vinicius queria passar adinte. O poeta acreditava que cada “amor“ traz consigo também o sofrimento, mas ele o aceitava. Já em um segundo momento como forma de comparação o eu-lírico tenta mostrar que um sujeito é ligado a outro, que o amor só é amor com o sofrimento, que um sentimento sozinho não é suficiente, depende totalmente de outro. Vinicius transmitia uma imagem de um homem de bem com a vida e que admitia o seu destino tranquilamente e o aceitava com que der e vier, mas isso não era verdade. Vinicius sofria de depressões e sua tristeza não era baseada somente na dor de amar, mas também em várias fontes relacionadas às outras paixões. Este sofrimento, amores, poesia etc. faziam parte da sua vida boemia, porque a grande maioria dos boêmios na época eram de alguma forma infelizes. A tristeza fazia parte do dia-a-dia do poeta e a canção “Bom dia tristeza“ é a prova deste fato.

Bom dia, tristeza 28 Eu não existo sem você. Disponível em

26 Que tarde, tristeza Você veio hoje me ver Já estava ficando Até meio triste De estar tanto tempo Longe de você

Se chegue, tristeza Se sente comigo Aqui, nesta mesa de bar Beba do meu copo Me dê o seu ombro Que é para eu chorar Chorar de tristeza Tristeza de amar29

O tom desta canção tem a atmosfera lóbrega semelhante da canção que analisamos antes “Eu não existo sem você“. Dessa vez surgiu de uma parceria com Adoniran Barbosa, além de mais, um compositor brasileiro. Ao longo da canção podemos observar a prosopopéia. A tristeza se comporta como um ser humano que nos dá uma impressão que é alguém conhecido do poeta. Esta música é composta de duas estrofes. Na primeira o eu-lírico expressa com uma certa ironia felicidade ao encontrar com a tristeza, a qual ele sabia que um dia iria ao seu encontro. Ele relata que até já estava com saudades dela. Na segunda, é tratada como uma pessoa realmente próxima. É convidada a sentar, beber do mesmo copo e até dar o ombro a chorar. Por conta disso, nos causa uma impressão que uma vez que a tristeza estava constantemente na vida do poeta, ele se entrega a ela. O eu-lírico já contava com a sua presença e nos deixa uma sensação de que estava até acostumado com ela. Por fim ele nos mostra que a tristeza foi causada novamente por amor. “Insensatez“ é outra de muitas canções bastante conhecidas, que nos ajuda aproximar e compreender o sofrimento e tristeza na obra e vida viniciana. È uma música que nos mostra estes sentimentos de um angulo diferente.

Ah, insensatez que você fez Coração mais sem cuidado

29 Bom dia, tristeza. Disponível em

27 Fez chorar de dor O seu amor Um amor tão delicado Ah, porque você foi fraco assim Assim tão desalmado Ah, meu coração, quem nunca amou Não merece ser amado

Vai, meu coração ouve a razão Usa só sinceridade Quem semeia vento, diz a razão Colhe sempre tempestade Vai, meu coração, pede perdão Perdão apaixonado Vai porque quem não Pede perdão Não é nunca perdoado30

Logo no início do texto o autor usa o Ah como uma forma de expressar seu sofrimento, dor, o qual se repete algumas vezes ao longo da primeira estrofe. O autor buscou de uma forma melancólica expressar sua dor. Com a parte E o que você fez, percebe-se o sentimento de culpa e arrependimento que o autor vivencia naquele momento por ter machucado e feito alguém chorar, se culpando por ter sido fraco e desalmado. Já na segunda estrofe o autor inicia com a palavra Vai, encorajando a mudar suas atitudes e salvar seu relacionamento, percebendo a necessidade de ser honesto e admitir seus erros, pedindo perdão. Este texto é uma forma de demonstracão da música em forma de poesia, que era típico de Vinicius de Moraes. Nessa canção podemos perceber que o eu-lírico também cometia erros, sofria por causa dos mesmos e se arrependia. Daremos enfase a isso no capítulo “Amor vivido e cantado“.

30 Insensatez. Disponível em

28 4.4 A paixão infinita

Nos capítulos anteriores, falamos da paixão na vida e obra de Vinicius de Moraes relacionada principalmente com a tristeza e a forma com que o poeta trabalhava com este sentimento. Nesta parte do nosso trabalho queremos falar sobre esta paixão no infinito que aparecia frequentamente na obra viniciana e é relacionada igualmente com o sofrimento. Já mencionamos que Vinicius de Moraes na sua vida estava em busca de uma grande paixão, mas além disso ele estava a procura de uma paixão infinita e duradoura. Essa idéia foi passada naturalmente em sua obra. Ao longo de sua vida, o poeta se deparou com a dificuldade de encontrar um verdadeiro amor e vivenciá-lo com a mesma intensidade de uma grande paixão. Vinicius não aceitou a sinusoida do amor e isso o trazia tristeza e solidão, mas nem por isso deixou de ir à poucura do seu sonho. Para demonstrarmos o amor eterno na obra viniciana, escolhemos um dos seus sonetos mais conhecidos o “Soneto da Fidelidade“. Queríamos nos concentrar principalmente na sua obra musical, mas este soneto é perfeito para que possamos analisar e assim explicar a forma de amar do poeta.

De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.31

31 Soneto da Fidelidade. Disponível em

29 Outro poema característicamente viniciano com linguagem permeável e rimas estritas. A estrofe que inicia o poema é uma forma de juramento onde o eu-lírico fala precisamente sobre a fidelidade, que aparece igualmente no título do soneto. Menciona também que mesmo que encontre alguém, alguma coisa ou situação ele vai se manter fiel. Na segunda estrofe já confirma que quer vivê-lo de qualquer forma, tanto nas situações boas como também nas ruins. Na penúltima parte o eu-lírico usa palavras como morte e solidão e as confronta com a angústia. O letrista chega a usar a expressão solidão, fim de quem ama, o que nos transmite uma mensagem de que todo amor termina em solidão. Isso já nos dá uma referência de que ele não acreditava em um amor eterno e nos confirma mais tarde nos próximos versos. O que nos realmente interessa é a última e a mais significativa estrofe na qual define a exata maneira que Vinicius desejava amar. Nestes versos o autor tenta mostrar, que como a chama do fogo, a paixão também não dura para sempre, mas é preciso aproveitar enquanto pudermos e enquanto ela existe. O sujeito lírico fala de um amor forte, mas nem sempre duradouro, só se for alimentado. O que o poeta queria é se apaixonar, de uma maneira enlouquecedora, mesmo sabendo que havia uma grande probabilidade do sofrimento precoce. Este soneto é um belo exemplo de que Vinicius não era só tristeza e sofrimento mas também esperança, felicidade e muito amor. Ele sempre vivia no extremo destes sentimentos e por isso conseguia desfrutar tanto os bons quanto os ruins ao máximo. Por estes motivos o poeta é tão admirado e as suas obras são até hoje tão procuradas. Para demonstrar o amor-paixão na obra viniciana, escolhemos uma das suas músicas notoriamente conhecida, a qual compôs com Tom Jobim, “Eu sei que vou te amar“. Foi em 1958, que compuseram esta canção e esta também foi á época em que Vinicius estava no apogeu da sua criação.

Eu sei que vou te amar Por toda a minha vida eu vou te amar A cada despedida eu vou te amar Desesperadamente Eu sei que eu vou te amar

E cada verso meu será pra te dizer Que eu sei que vou te amar Por toda a minha vida

30 Eu sei que vou chorar A cada ausência tua eu vou chorar Mas cada volta tua há de apagar O que essa ausência tua me causou

Eu sei que vou sofrer A eterna desventura de viver A espera de viver ao lado teu Por toda a minha vida32

Este samba-canção podemos considerar como uma ode à perfeição do amor ou também como um hino do amor e da paixão. A letra da música foi escrita com uma expressão despojada e ritmos breves. É um trabalho que surgiu de uma parceria sincronizada com Tom Jobim. Juntos conseguiram compor algo que tem uma harmonia entre as palavras e a melodia. Cada detalhe e cada tom significam e destacam algo importantíssimo. Nas duas primeiras estrofes, o autor fala sobre o amor para vida inteira a qual se dedica. A repetição da ligação lexical ''vou te amar'' com a consonância da música tem o efeito de uma melodia crescente e afirmante em cada vez que foi dita33. Na segunda parte da canção já é diferente. Encontramos lá palavras como despedida, choro e sofrer. Vinicius, também nesta canção, colocou essas palavras em contraposição e ao mesmo tempo as uniu. Sobre esta oposidade já falamos anteriormente. A última estrofe é um pouco diferente das outras. Tem uma tendência decrescente, e não possui mais a certeza e a afirmação das outras. O diretor e produtor do filme Vinicius, Miguel Faria Jr. disse sobre a canção que já um pouco analisamos “Eu sei Que Vou te Amar“: "...é o Vinicius falando de amor, que era a coisa dele"34.

32 Eu sei que vou te amar 33 Cf. DELLAL, Mauro. Eu sei que vou te amar - uma análise semiótica. [online]. [cit. 20.08.2008] Disponível em: 34 FARIA, Miguel Jr. (dir.). Vinicius [DVD-ROM]. tempo: 0:10

31 4.5 Outras paixões

Vinicius de Moraes tinha além de sua maior paixão, a mulher, outras sem as quais sua vida não tinha sentido ou sem as quais Vinicius de Moraes não seria Vinicius de Moraes. Neste sub capítulo analisaremos em poucas palavras estas outras paixões que se refletiam também na sua obra.

32 4.5.1 O Uísque

Se eu tivesse, se eu tivesse muitos vícios O meu nome deveria ser Vinicius Se esses vícios fossem muito imorais Eu seria o Vinicius de Moraes. (José Carlos Oliveira)

Amigos são para todas as pessoas uma parte importantíssima da vida. Para Vinicius isso valia dez vezes mais. Vinicius precisava de amigos, tinha pavor de ficar sozinho. O paradoxo é que mesmo rodeado dos mesmos, ele se sentia só. „O uísque é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado.35“ Esta frase que o poeta disse sobre a sua bebida preferida já é muito conhecida e prevê a sua relação com a bebida. O fato é que este “cachorro“, não sendo controlado, pode “morder“ o seu consumidor de uma forma que deixe cicatrizes, não só na pessoa, mas também em sua vida e na dos que o rodeiam. Foi este o caso do Vinicius. No início bebia moderadamente, fazia parte da vida boemia, mas com tempo a bebida fugiu do seu controle e tornou-se um vício e, sem que ele percebesse, seu inimigo fatal. Vinicius se escondia atrás da bebida. Sem ela, ele já não começava o dia. Tornou-se o “pão líquido“. Edu Lobo disse:

...ele precisava daquilo. Ele achava que sem o uísque ficava tudo muito difícil. Mas eu acho que ficava mesmo, meio querendo ficar calado e eu acho que o uísque ajudava ele neste sentido de encontrar mais as pessoas, de falar mais com as pessoas que era aquilo que ele queria na realidade36.

Mais tarde o poeta teve graves problemas de saúde. Além de estar acima do peso, tinha uma forte diabete. Os médicos o proibiram de beber, mas ele nunca foi capaz de deixar a sua bebida predileta.

...o dr. Clementino pondera: “Mas, Vinicius, até nos shows você não pára de beber...“. O poeta, com o ar sério, protesta: “Aquilo não é uísque, não. É chá preto que

35 CASTELLO, José. O poeta da paixão. 36 FARIA, Miguel Jr. (dir.). Vinicius [DVD-ROM] tempo: 1:03:25

33 tomo com gelo só para manter a pose“37.

Naquele tempo era uma imoralidade que um diplomata, do qual a função era representar o país, fizesse shows em boates e ainda sem pudor, bebendo na frente de todo o público. A dependência chegou a tal ponto, que na época em que já não estava nada bem e ainda casado com a sua última mulher, Gilda, ele chegou a mentir para ela para que pudesse beber escondido pelo menos um copinho38. No decorrer da vida, o álcool o destruíu devagar mas constantemente. Não é nenhum segredo que o dominou. Vinícius era uma pessoa sem dúvida muito sensível, e quando bebia ficava mais ainda.

37 CASTELLO, José. O poeta da paixão. pag. 406 38 CASTELLO, José. O poeta da paixão. pag. 413

34 4.5.2 A Pátria

Vinicius tinha uma paixão por sua pátria. Mesmo sendo um diplomata que viajava pelo mundo inteiro, sempre voltava para o seu país natal, Brasil. Depois de ter viajado com o seu amigo Waldo Frank pelo Brasil, ele criou um vínculo muito forte com seu país. Em 13 de Dezembro de 1968, Vinicius estava em Lisboa para fazer um show, e esta foi também a data da edição do Ato Institucional nº 5, que escancarou a ditadura no território brasileiro. Vinicius ficou abalado quando soube o que estava acontecendo em seu país. No seu show leu um belo poema de qual vale a pena frisar um trecho:

A minha pátria é como se não fosse, é íntima Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo É minha pátria. Por isso, no exílio Assistindo dormir meu filho Choro de saudades de minha pátria39.

Este poema é considerado um dos mais lindos que ele já fez, uma ode ao seu país e ao mesmo tempo uma declaração de sua paixão pela liberdade. Não só o Brasil, mas ele principalmente amava a cidade onde nasceu, viveu e morreu, o Rio de Janeiro. Essa cidade foi para ele um paraíso no mundo onde tudo era perfeito. Na época o Rio era a capital do Brasil. Era lá que se concentravam todos os grandes eventos, acontecimentos e pessoas importantes da cultura e história brasileira. Vinicius ufanisava o Rio. A maior propaganda que fez para esta cidade, foi com a “Garota de Ipanema“ a canção que celebrizou a cidade no mundo e a qual analisamos anteriormente. Na música “Ela é carioca“ Vinicius fala da beleza do Rio através de uma menina carioca.

Ela é carioca, ela é carioca Basta o jeitinho dela andar Nem ninguém tem carinho assim para dar Eu vejo na cor dos seus olhos As noites do Rio ao luar Vejo a mesma luz, vejo o mesmo céu Vejo o mesmo mar 40

39 Pátria minha. Disponível em 40 Ibid., Ela é Carioca

35

A época em que o poeta se sentiu mais livre foi quando viveu com Gesse, morando na praia em Itapuã. Este lugar se tornou um outro paraíso que ele amava e sobre este lugar ele fez uma letra simples, mas que capta perfeitamente o seu modo de vida neste lugar.

É bom Passar uma tarde em Itapuã Ao sol que arde em Itapuã Ouvindo o mar de Itapuã Falar de amor em Itapuã41

41 Ibid., Tarde em Itapuã.

36 5. Amor vivido e amor cantado

Neste capítulo analisaremos a realidade da vida do poeta. Queremos descobrir se o amor, do qual ele mencionava em sua obra, o amor cantado, era o mesmo amor que o letrista vivia, o amor vivido. Em sua vida, Vinicius foi muito criticado por causa dos seus casamentos, mas por outro lado, várias pessoas acreditavam que ele na verdade era uma pessoa infeliz e que durante toda a sua vida ele estava a procura de um amor real, ou melhor, uma paixão eterna, e não a encontrou. Destrinchar a questão do amor vivido e o amor cantado é muito complicado e provavelmente nem o próprio Vinicius teria uma resposta exata. Nós tentaremos ao menos traçar um paralelo através de modelos concretos destes dois amores.

Como referimos em capítulos anteriores Vinicius se casou nove vezes e além disso, teve várias outras paixões. Mesmo assim tentava sempre buscar o seu sentimento ideal, sabendo que iria sofrer mais nunca demonstrando ódio por isso. Há duas alternativas de interpretar as atitudes do autor, a primeira seria de que mesmo quando ele estava realmente apaixonado, se ele percebesse que não era exatamente como ele pensava que seria, ele não tinha medo de tentar a sorte em outro lugar, com outra pessoa. Já a segunda era de que quando uma mulher mais interessante que a atual passava por sua vida, ele era capaz de deixar o passado e conquistar o futuro. Na verdade o que sabemos é que os intervalos entre um casamento e o outro não eram longos. Na realidade, na maioria das vezes, ele só terminava um casamento quando já havia uma outra mulher em sua vida. Não podemos dizer que ele não sofria com cada mudança, mas é interessante como ele já unia o amor com o sofrimento e em alguns casos já o previa.

Na minha vida tem sido como se uma mulher me depositasse nos braços de outra. Isso talvez porque esse amor paixão pela sua própria intensidade não tem condições de sobreviver. Isso acho que está expresso com felicidade no dístico final do meu soneto “Fidelidade“: “que não seja imortal posto que é chama / mas que seja infinito enquanto dure“42.

Estas são as palavras que ele usou na entrevista com Clarice Lispector depois de uma pergunta: Você acaba um caso porque encontra outra mulher ou porque se cansa da primeira? Esta resposta confirmou a consciência do poeta em relação a forma de amar que comentamos nos capítulos anteriores, mas também deixou uma sensação estranha relação em ao verbo “depositar“.

42 LISPECTOR, Clarice. Mulher poesia e música. [online] Disponível em: .

37 Deixou uma impressão de que Vinicius não vivia um amor, mas simplesmente passava de mão em mão. Mesmo Zequinha Marques da Costa, empresário paulista e o seu grande amigo disse um dia para o Vinicius: “Não acredito tanto assim nas coisas que você escreve sobre o amor, Vinicius“. O poeta se choca. “Como não? Eu vivo para amar“! O sábio Zequinha prossegue: “É verdade. Mas não sei se devemos chamar isso de amor. Quem troca tanto de mulher, é porque não pode amar nenhuma. Você tem paixão, entusiasmo. Amor, não sei se tem“43. Outra citação que nos causa dúvida, se o amor vivido era realmente o amor cantado, é a seguinte: “As muito feias que me perdoem/ mas beleza é fundamental“44 Esta expressão de Vinicius é de um ponto de vista, um pouco superficial. Esperávamos que um homem que amava tanto as mulheres e lhe dava tanto valor, não fosse capaz de escrever um poema que começa com estas frases. Pensávamos que se tratava de um homem que tivesse um grau diferente de prioridades, apesar de que é conhecido que as esposas de Vinicius em grande parte eram mulheres mais jovens e de boa aparência. Polemizando um pouco mais sobre o seu sentimento, podemos ver um detalhe nos versos já comentados do “Soneto da Fidelidade“. A palavra enquanto, no verso, evoca uma sensação insegura. Neste sentido já podemos questionar a sinceridade do amor. Isso pode considerar como uma previsão do autor, que o relacionamento vai acabar. Dá-nos a impressão de que na realidade o poeta não contava com o relacionamento para o futuro e já, logo no começo, o condenava. Por outro lado, existem outras declarações que dizem que Vinicius realmente vivia o amor intensamente. Por exemplo, a atriz Tônia Carrero disse:

(…) ele queria se apaixonar loucamente. Quando uma mulher não dava mais paixão para Vinicius, ele trocava de mulher com uma facilidade... Não é verdade, não era com facilidade. Enquanto não houvesse uma outra, que despertasse nele... hoje em dia se chama muito tesão, mas não é só tesão é uma paixão que tem um fundamento que rola entre dois. E ele precisava deste precipício da paixão, sempre45

Supõe-se que todas as pessoas sonham um dia encontrar o grande amor de suas vidas. Com o letrista foi um pouco mais complicado, porque ele necessitava de um amor paixão que durasse com esta potência para sempre. Quando havia qualquer estagnação, perdia o interesse.

43 CASTELLO, José. O poeta da paixão. pag. 296 44 Receita de mulher. Disponível em 45 FARIA, Miguel Jr. (dir.). Vinicius [DVD-ROM] tempo 0:23:30

38 A conclusão a qual queríamos chegar já foi dita pelo Zuenir Ventura:

Para Vinicius, a experiência do amor é trágica. O que responde por essa tragicidade? O fato de que, para ele, o amor acaba: o amor é uma intensidade que queima, consome-se e consuma-se, esvaziando-se fatalmente. O que fazer, então, diante dessa experiência? Aqui começa a força: Vinicius fez um pacto com as altas intensidades, e dispôs-se a pagar seu preço, igualmente alto. Pois se o amor é uma alta intensidade que, no tempo, esvazia-se, só lhe restava aceitar essa dinâmica e acatar o fim do amor - o que significava abrir novamente a possibilidade de um novo amor, da vivência de uma nova intensidade alta, e assim sucessivamente.46“

46 VENTURA, Zuenir. Bendito vagabundo. [online]. [cit. 02.12. 2003] Disponível em: .

39 Conclusão Vinicius nos deixou uma mensagem de que é preciso viver a vida intensamente, mesmo sabendo que um dia tudo se acabará. Não há nenhuma dúvida de que Vinicius de Moraes foi um personagem inseparável da cultura brasileira. Foi um poeta, compositor, diplomata, crítico, jornalista, mas também pai e esposo e um grande amigo. Em todas estas funções ele se representou muito bem. Como já mencionamos, não é fácil e nem é o nosso objetivo, dizer exatamente se havia mesmo uma diferença entre o amor vivido e o amor cantado. Decididamente podemos confirmar que ele foi o poeta da paixão, e não só de uma, mas de várias paixões. Em relação às mulheres, concluímos que quando ele entrava em um relacionamento, mesmo com a probabilidade de que este não durasse para sempre, esperava que pudesse ser o seu grande amor paixão. Ele procurava o fogo e a inquietude da paixão. Frente à monotonia do amor cotidiano ele perdia sua inspiração para criar, para viver. Vinicius tematizou o amor em seus sonetos com uma visão ora positiva, ora negativa. Ele falou de um amor louco, entregue de corpo e alma, dando tudo de si mesmo. Estas são características pouco realistas de um relacionamento duradouro. No início de sua obra, a mulher está envolta em misticismo, transformada em um ser superior, divino, completamente idealizado. Posteriormente ela será explorada, juntamente com o amor, de forma sensual. Para tal, o escritor utilizou-se de uma linguagem mais simples, em verso livre, com comunicação direta, crua e dinâmica. Um exemplo é o “Soneto da Devoca“, onde encontramos, explicitamente, a relação carnal entre o homem e a mulher, sem marca alguma de arrependimento. A realidade vivida pelo poeta, está muito visível nos versos de “Conjugação do Ausente“. Casado nove vezes, cada casamento vivido por Vinicius era uma nova e intensa paixão, uma mais forte que a outra. Conforme o tempo passava, as paixões passavam, e deixavam marcas, profundas. Cada separação era uma decepção. Observa-se aqui que não só a união, o início da paixão em si, inspirava o poeta, mas também o doloroso processo da separação. Nosso objetivo, no início deste trabalho, era o de analisar o significado do amor na vida de Vinícius, chegamos a questionar, se os vários relacionamentos não refletiriam uma fuga, o medo do amor verdadeiro. Concluímos, no entanto, que Vinícius não procurava um relacionamento estável, ele procurava emoções que inspirassem a sua vida e seus poemas. Para compor suas obras o poeta necessitava de sentimentos profundos, extremos, fossem eles positivos ou negativos, equilibrados ou desequilibrados.

40 Bibliografia

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Páginas de internet

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