Celso Furtado, 100 Anos: a Operação Nordeste

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Celso Furtado, 100 Anos: a Operação Nordeste 76 economia & história: especial Celso Furtado Celso Furtado, 100 anos: A Operação Nordeste Gustavo Louis Henrique Pinto (*) O período entre 1958 e 1964 na trajetória de Celso era, segundo o próprio Furtado (1997, p. 65) aponta, Furtado pode ser interpretado como o principal mo- mover-se politicamente na construção de um plano mento de ação política deste pensador e de construção de ação para a região que mitigasse os efeitos da seca de um projeto furtadiano de desenvolvimento nacio- rigorosa de 1958 e dos resultados das eleições para nal e regional. Após uma década de trabalhos realiza- governadores, já que a oposição ao presidente vencera dos na Comissão Econômica para a América Latina e em estados como Pernambuco e Bahia. Caribe (1949-1957), grande parte à frente da Diretoria da Divisão de Desenvolvimento, Furtado retorna para conjunto de ações como Operação Nordeste era a Furtado (1997, p. 80) afirma que a nomeação deste como pesquisador fellow em Cambridge, no King’s Col- cristalização de mais um slogan por Kubitschek, que lege,o Brasil onde em produziu agosto de sua 1958, obra ao Formação final do seueconômica ano letivo do repetia a tentativa feita anteriormente com a Opera- Brasil. Chega ao país para desempenhar uma das atu- ção Pan-Americana, mas agora com a inserção da re- ações políticas nacionais mais marcantes gião Nordeste “no grande debate sobre o desenvolvimento do país”. A necessidade nas ações de coordenação da Operação política de Kubitschek se associa ao em- Nordeste,das décadas que de resultou 1950 e 1960, na construção configurada da penho intelectual de Furtado, desejoso de Superintendência do Desenvolvimento do implementar sua experiência cepalina em Nordeste (Sudene). técnicas de planejamento na transforma- ção do subdesenvolvimento. Momento-chave para os pesquisadores do século XX, o Nordeste na década de Dos trabalhos de Furtado a respeito do 1950 representa um paradigma para as Nordeste, publicados em 1959, dois são políticas de desenvolvimento regional. centrais: Uma política de desenvolvimento Furtado, quando retorna ao Brasil, tem a para o Nordeste, com o status de diagnós- intenção de direcionar seu trabalho tico da região, escrito por Furtado A operação nordeste. Rio de à região Nordeste e assume diretoria Janeiro: ISEB, 1959. (que não o assina, sendo o próprio voltada à região no Banco Nacional GTDN a assumir a autoria), e A Ope- de Desenvolvimento Econômico (BNDE). No passo ração Nordeste, conferência pronunciada por Furtado seguinte, a partir do convencimento ao Presidente no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) no Juscelino Kubitschek, em 1958, coordena o recém- curso Introdução aos Problemas do Brasil, no dia 13 -criado Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento de junho de 1959, no Auditório do Instituto, na Rua do Nordeste (GTDN), que se transforma no Conselho das Palmeiras 55, Rio de Janeiro, que se transforma de Desenvolvimento do Nordeste (Codeno), órgão per- em livro posteriormente e é publicado pelo próprio - Iseb. Segundo Rosa Freire D’Aguiar (2009, p. 9), Uma mente, assume a frente da Sudene. A visão de Juscelino política de desenvolvimento econômico para o Nordeste tencente à Presidência da República, e, em 1959, final maio de 2020 economia & história: especial Celso Furtado 77 “é um texto de conteúdo técnico”, vertentes importantes na política A construção do projeto pela Ope- já A Operação Nordeste se trata de nacional: a nacionalista, já referida, ração Nordeste e a institucionaliza- “uma visão mais política e enxuta a neoliberal, representada por Ro- ção da Sudene foi seguida por uma da mesma problemática”. berto Campos, e a comunista. Com o espaço deixado pelos comunistas, de Furtado, com a crítica a uma campanha massiva contra a figura A Operação Nordeste foi um mo- segundo Furtado, a partir da “neu- - mento de avanço de Furtado no tralização” do Partido Comunista nista, de combate ao projeto de pretensa filiação ideológica comu e sua “desarticulação ideológica”, reforma agrária contido no bojo do Exército a respeito da necessida- a ala nacionalista ganhava escopo projeto da Sudene. Todas as etapas convencimento aos oficiais do de do projeto de intervenção no entre os militares, e encontrava para aprovação legislativa junto ao Nordeste. Furtado (2019, p. 164) em Corbisier um entusiasta e ar- Congresso Nacional de matérias da ticulador pró-governo Kubitschek. Sudene, como a sua lei de criação conferência: (Lei no 3.692/1959), a Lei de Irri- afirma em suas memórias sobre a A Sudene foi então entendida por Rio de Janeiro, 13.6.59 Corbisier como o aprofundamento gação (Projeto de Lei 882/1959) da vertente nacionalista no pró- e o Primeiro Plano Diretor (Lei nº Pronunciei uma conferência no prio governo Kubitschek, e buscar 3.995/1961), foram seguidas por Iseb. Havia mais de trezentas pes- fortes ataques de adversários da o entendimento com os militares soas, inclusive umas duas centenas Sudene, de Furtado, e do próprio - - governo Kubitschek, principalmen- ciência e extensão da Operação tica. Falei hora e meia e tivemos era ponto fundamental para a efi - de oficiais do Exército e Aeronáu Nordeste. mais de uma hora de debates. Essas putados nordestinos, como aponta conferências me permitem ordenar Marcoste na figura Costa de Limagovernadores (2009), ee dena Furtado (1997, p. 112) deixa ex- algo às ideias em evolução, pois plícita a importância do apoio que constituem a única oportunidade Sudene, Argemiro de Figueiredo. que tenha para pensar em conjun- figura emblemática de oposição à Exército, com sede no Recife, deu to sobre o que eu estou fazendo. a chefia do estado-maior do IV O projeto da Lei de Irrigação es- É tremenda a penetração do Iseb tava em processo de formulação evidente na participação de re- nas Forças Armadas. Pretendemos à Sudene. Esse apoio também fica em junho de 1959, no momento da fazer dois ciclos mais de conferên- conferência, e tocava em um “ponto reuniões do Conselho Deliberativo1 presentantes do IV Exército nas extremamente sensível” para o - da Sudene, que tinham voz e voto Nordeste, segundo Furtado (1997, cias até o fim do ano. Cada um, 250 rece estar totalmente consolidada nesta instância, e foram facilitado- p. 108), que era a regulamentação oficiais. A corrente nacionalista pa res pró-Sudene nos anos iniciais. do “uso das águas e das terras nas Importante ressaltar que Furtado A convitena oficialidade de Roland jovem.” Corbisier, que era um ex-combatente da Segunda investimento público”. O foco eram dirigia o Iseb neste momento, Fur- Guerra Mundial, o que dirime, em osbacias açudes, de irrigação então a ideia beneficiárias para Furta do- tado, nesta conferência, dialoga do (1998, p. 72) “era de se utilizar com o que chama de “ala nacio- militares. Mas era preciso ganhar todas as águas dos açudes em cará- partes, alguns conflitos com os nalista”, em termos da política terreno, e somar apoios junto às ter social – desapropriar primeiro nacional, formada pelos militares Forças Armadas para a Operação para depois fazer a irrigação”. Esse do Exército, em que o Iseb deti- Nordeste, o que remete ao espírito projeto necessitava de profundo nha ampla capilaridade. Em suas da conferência pronunciada em apoio na sociedade, e os militares junho de 1959. eram parte substancial deste pro- memórias, Furtado identifica três maio de 2020 78 economia & história: especial Celso Furtado cesso. A fórmula encontrada por processo histórico dissonante, A segunda assimetria está na dife- Furtado foi dissociar as estratégias assimétrico em relação à região renciação estrutural entre as re- para a ação com fundamentação Centro-Sul, de aprofundamento do giões, formulada pela tese dos de- técnica, apoiado na concepção de processo de industrialização desde sequilíbrios regionais. Importante intelligentsia de Karl Mannheim, a década de 1930. ressaltar que este argumento já em detrimento das posições polí- estava presente no curso dado em tico-partidárias. Esse movimento Duas razões de assimetria do du- 1957 e publicado como Perspectivas 3 de dissociação entre o técnico e o alismo estrutural estão voltadas da economia brasileira (FURTADO, político, já realizado desde os docu- para a região Nordeste.2 A primeira 1958), segundo a tese de que o mentos da Cepal, como o famoso In- assimetria está na perspectiva da próprio desenvolvimento, no caso da região Centro-Sul (concentrado trodução à técnica de programação, economia regional, em que Furtado em São Paulo), produz os desequilí- redigido por Furtado e publicado (1959, p. 19-25) aponta um dualis- brios em relação ao Nordeste, e tais em nome da Cepal como documen- mo interno que caracteriza a “gê- desequilíbrios tendem a se propa- to base do relatório do Grupo Misto nese do problema do Nordeste”. Há BNDE-CEPAL (1957), é uma marca gar se não forem tomadas medidas uma profunda diferenciação entre fundamental do livro A Operação de planejamento para diminuição a economia de exportação do açú- Nordeste. das desigualdades de renda e di- car, latifundiária e monocultora, recionadas à industrialização do das áreas úmidas do Nordeste que Nordeste. A distinção apresentada 1 A Conferência: Um Projeto Po- se estendem do Piauí até a Bahia, em A Operação Nordeste foi posta lítico Contra os Desequilíbrios e as frações de trabalhadores po- entre o “sistema subdesenvolvido Regionais bres, despossuídos, de economias mais importante do Brasil – velha de subsistência de baixa produti- economia da cana-de-açúcar” e o A principal tese apresentada por vidade, que somados à alta taxa Centro-Sul, com o epicentro em São Furtado é a da necessidade de su- de crescimento populacional era Paulo. Segundo Furtado, “O ritmo peração dos desequilíbrios regio- resultado da decadência da econo- de crescimento do Centro-Sul é nais, através da ação planejada, mia do açúcar e formavam aglome- sensivelmente mais intenso que o com força política, para eliminação rados de população em constante da região Nordeste.” (FURTADO, dos atavismos históricos que mar- deslocamento para o “hinterland” 1959, p.
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