Memórias Impressas De Guerras E Guerrilhas Nos Confins Do Mundo Rural
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CADERNOS Memórias Rurais e Urbanas – v. 28, n. 42 (Jun/2015) – ISSN 2175-0173 DO CEOM Revista on-line: http://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/rcc Memórias impressas de guerras e guerrilhas nos confins do mundo rural: a Cabanada pernambucana-alagoana nas letras do mundo urbano (1832-1835) Janaina Cardoso de Mello* Palavras-chave: Resumo: No espaço rural geográfico fronteiriço entre Pernambuco e Alagoas que eclode em Cabanos 1832 uma rebelião rural denominada Cabanada. Esse movimento social provinha das tensões Periódicos entre os grupos políticos regionais compostos por liberais e restauradores. A guerra repercutiu Discurso nas páginas de periódicos provinciais promovendo o temor de presidentes e demais segmentos sociais. Mantendo as tradições de uma escrita política lusa os periódicos urbanos oitocentistas destratavam os cabanos rurais. Por isso, este artigo tem como objetivo a análise dos sentidos produzidos pelo discurso impresso em sua relação de apropriação e representação do real contido no movimento cabano. Keywords: Abstract: In rural areas the border between Pernambuco and Alagoas geography that breaks Cabanos out in 1832 a rural rebellion called Cabanada. This social movement stemmed from tensions Periodicals between the regional political groups composed of Liberals and Restorers. The war was reflected Speech in the pages of provincial periodicals promoting fear of Presidents and other social segments. Keeping the traditions of political writing lusa urban 19th century periodicals bullied the rural again. Therefore, this article aims the analysis of the meanings produced by speech printed in their ownership and real representation contained in the rebel movement. Recebido em 16 de agosto de 2014. Aprovado em 17 de dezembro de 2014. Introdução O espaço urbano de Recife, por onde transitavam periódicos inflamados de críticas aos governos, É no espaço geográfico fronteiriço entre conforma-se no locus privilegiado para as contestações Pernambuco e Alagoas que eclode em 1832 uma rebelião oitocentistas, num clima de hostilidades políticas e rural denominada Cabanada devido a participação de militares com raízes que remontavam ao século anterior. segmentos populares (índios, negros e caboclos) que Mantendo as tradições de uma escrita política lusa residiam de forma precária em palhoças de terra batida. os periódicos urbanos oitocentistas destratavam os cabanos Esse movimento social provinha das tensões entre rurais vistos como “criminosos”, “gente insubordinada”, os grupos políticos regionais compostos por liberais “facinorosos”, “rebeldes”, “bárbaros”, “selvagens”. (exaltados e moderados) e restauradores (absolutistas). Dessa forma, este artigo tem como objetivo a Com a elevação do governo moderado à análise dos sentidos produzidos pelo discurso impresso Regência, muitos senhores de engenho locais haviam em sua relação de apropriação e representação do real perdido posições importantes que ocuparam até a contido no movimento cabano. abdicação de D. Pedro I, a exemplo de Torres Galindo, o ex-Capitão Mor da Vila de Santo Antão e responsável pela Periódicos em tempos de guerra: memórias condução dos primeiros conflitos que desencadearam a do mundo rural lidas no mundo urbano guerra no interior das duas províncias. A Cabanada foi comandada em sua fase popular por Vicente Ferreira A guerra dos cabanos repercutiu nas páginas de Paula, um mestiço, saído dos quadros das forças de periódicos provinciais promovendo o temor de militares que ensinara aos cabanos as táticas de guerrilha presidentes e demais segmentos que não partilhavam (ANDRADE, 2005; MELLO, 2008). das ideias revoltosas e enxergavam nas brechas criadas * Pós-Doutoranda em Estudos Culturais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutoranda em Ciência da Propriedade Intelectual na Universidade Federal do Sergipe (UFS). Doutora em História Social pela UFRJ; Professora Adjunta da Graduação em Museologia na UFS e dos Mestrados em História na UFS e na Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Memórias impressas de guerras e guerrilhas nos confins do mundo rural: a Cabanada pernambucana-alagoana nas letras do mundo urbano (1832-1835)- Janaina Cardoso de Mello pelas cisões das elites regionais uma possibilidade historicamente situados nos embates sócio-políticos do consubstancial para que as ditas “classes perigosas” cotidiano, com heranças formativas que constituem seu acendessem ao cenário político nacional com suas arcabouço cultural. Ressalte-se que muitos homens das demandas sociais. Dentre estas, liberdade para os letras que usaram suas penas na redação dos periódicos escravos, posse de terras para diversas etnias, liberdade oitocentistas eram formados em universidades de culto religioso etc. (MELLO, 2006). portuguesas. O Federalista Alagoense divulgou as informações Os vapores sufocantes e inquietantes a respeito do conflito entre os cabanos de Jacuípe/Panelas responsáveis pela propagação do sentimento de mal-estar do Miranda e as forças militares provinciais, ressaltando causado pelas divergências políticas que pululavam país sempre a participação dos Caramurus na empreitada afora já eram percebidos em 1829 na folha jornalística contra a terra que carecia de sossego para progredir1. local: “Pernambuco. Domingo Iº do corrente começou Enquanto em Pernambuco, O Harmonisador reprovava nesta cidade a correr o boato, de que se premeditava fazer publicamente o dito “Partido Coluna”, nomeando installar hum governo popular na Villa de S. Antão para seus conspiradores que estariam utilizando o mote do os fins, que os interessados nisso lá sabiaõ”5. absolutismo para incendiar revoltas pelo interior2, O O interior remexia-se de forma incômoda, Mentor Pernambucano criticava os governos de Alagoas portanto, fazia-se necessário enfatizar a legislação como e Pernambuco em suas ações infrutíferas no combate forma de conter os ânimos conspiradores. Assim, o dos cabanos3. O Diário da Administração Pública Diário de Pernambuco evocava um intercâmbio de ideais de Pernambuco chamava a atenção para os “planos para defesa da ordem presente no direito francês e no anarchicos” da “horda de salteadores cabana”4. jornal Aurora Fluminense: No Brasil do oitocentos, mesmo no pós- Só a Lei he a authoridade, e a Liberdade; fora independência, a produção do significado através da Lei não se acha, se naõ a usurpaçaõ, e a revolta. da linguagem política manteve o “estilo doutrinário” (Pagès, Droit Politique) 6 português até pelo menos o final do século XIX, pois, (Da Aurora Fluminense) . como lembra Oesterreicher (2002, p. 359): Para além do antagonismo e da solidão nos [...] as tradições discursivas funcionam momentos conturbados da província, procurava-se em virtude de situações comunicativas determinadas historicamente. Todo discurso mostrar certa unidade de pensamentos e o necessário individual guiado por determinados apoio em armas contra os “facinorosos” que pretendessem modelos discursivos – os gêneros ou as tradições – se constitui no marco de uma desestabilizar o Império. Evidentemente não era um série de constelações comunicativas que controlam os traços específicos de cada discurso consensual mesmo entre os políticos que discurso e as possíveis modalidades de sua ocupavam cargos importantes na administração política produção e recepção. da Província, cujo regionalismo possuía na maior parte A comunicação era feita utilizando-se tanto da das vezes tintas mais fortes na defesa dos interesses língua quanto da escolha de uma tradição discursiva. autonomistas, porém ao surgir inscrito no órgão oficial Desde 1826, quando ocorre a formulação oficial do do governo de Pernambuco, adquiria uma dimensão que Português como língua nacional no Brasil, entra em cena visava deixar sob receio os inimigos mais imediatos que a língua como signo de nacionalidade, os professores planejavam usar da força para combater a pena da lei. deveriam ensinar a ler e a escrever utilizando a gramática Utilizando a simulação do diálogo como recurso da língua nacional. A preparação da gramática no linguístico de retórica, o jornal prosseguia na tentativa século XIX ficava sob a responsabilidade de professores, de envolver os leitores nas discussões sobre soberania e escritores, historiadores ou jornalistas, que assumiam construção da nação, destacando o papel da sociedade uma dupla função institucional. A linguagem era nas decisões: concebida como um processo de interação entre sujeitos Ora nestas Sociedades assim effeituadas, aonde, ou em que residia a Soberania? Não 88 Cadernos do CEOM, Chapecó (SC), v. 28, n. 42, p. 87-95, Jun/2015 era nas mesmas Sociedades? Que cousa era, de abril fora realizada de forma legítima, não ocorrera ou poderia ser esta Soberania? Respondo: Nenhuma outra coisa poderia ser contestação, mas sim a celebração da nação. Agora era se não – A Vontade de Todos7. preciso frear o carro da revolução e recolocar a nação nos trilhos da legislação, da ordem, da racionalidade. Sobre Uma coletividade de interesses garantidos pela os movimentos que se articulavam para a restauração do salvaguarda da propriedade e da vida que cabia ao governo trono a D. Pedro I, O Carapuceiro explicava: “Uma cousa como depositário da confiança “geral” nas prerrogativas restaurar-se um Povo, de qualquer jugo, que o oprime, da lei. Aprofundava a questão ao versar também sobre outra cousa é a restauração de um Príncipe. A primeira é a outorga da Constituição, requisitando uma análise sempre vantajosa, a segunda só quase por milagre deixará sobre a atuação de D. Pedro I e sua legitimidade perante de acarretar