Estudo zooarqueológico da malacofauna das ruínas da igreja medieval de Santa Maria do Castelo (Torres Novas, Portugal)

Pedro M. Callapez1, Ricardo J. Pimentel2, Solange Silva3, Paulo Legoinha4 & Miguel de Carvalho5

1 Universidade de Coimbra, CITEUC - Centro de Investigação da Terra e do Espaço da Universidade de Coimbra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Departamento de Ciências da Terra, Polo II, Rua Sílvio Lima, P-3030 790 Coimbra, Portugal. E-mail: [email protected] 2 Agrupamento de Escolas de Guia, Rua dos Fundadores do Colégio, P-3105 075 Guia, Pombal, Portugal. E-mail: [email protected] 3 Universidade NOVA de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Departamento de Ciências da Terra, Mestrado de Paleontologia, Quinta da Torre, P-2829 516 Caparica, Portugal. E-mail: [email protected] 4 Universidade NOVA de Lisboa, GEOBIOTEC - GeoBiociências, Geotecnologias e Geoengenharias, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Departamento de Ciências da Terra, Campus da Caparica, P-2829 516 Caparica, Portugal. E-mail: [email protected] 5 Livraria Miguel de Carvalho, Rua de O Figueirense, 10-14, P-3080 059 Figueira da Foz, Portugal

Resumo: A intervenção arqueológica realizada no terreiro da antiga igreja medieval de Santa Maria do Castelo, em Torres Novas, permitiu a recolha de um acervo malacológico composto por oito espécies de moluscos marinhos, terrestres e dulçaquícolas, representativas de um mínimo de 27 indivíduos. A amostra compreende os bivalves Ostrea edulis Linnaeus, 1758, Crassostrea angulata (Lamarck, 1819), Cerastoderma edule (Linnaeus, 1758) e Ruditapes decussatus (Linnaeus, 1758) e os gastrópodes fluviatilis (Linnaeus, 1758), Tritia nitida (Jeffreys, 1867), maugei (Férussac, 1831) e Ferussacia folliculum (Schröter, 1784). A presença de moluscos marinhos sugere uma deposição secundária como materiais dispersos de lixeira, em conjunto com gastrópodes continentais autóctones. As espécies de bivalves comestíveis sugerem práticas de consumo alimentar relacionadas com recolha de marisco em áreas estuarinas. Dada a sua relativa proximidade, assume-se que estas

Abrantes, I., Callapez, P. M., Correia, G. P., Gomes, E., Lopes, B., Lopes, F. C., Pires, E., & Rola, A. (Eds.), Uma visão holística da Terra e do Espaço nas suas vertentes naturais e humanas. Homenagem à Professora Celeste Romualdo Gomes. Coimbra: CITEUC. © CITEUC, 2020 DOI: http://doi.org/10.5281/zenodo.4409295 Pedro M. Callapez, Ricardo Pimentel, Solange Silva, Paulo Legoinha & Miguel Carvalho

se situassem no amplo espaço estuarino do Rio Tejo, de onde os moluscos comestíveis seriam objeto de transporte regular para zonas do interior.

Palavras-chave: Idade Média, Moderno, , Santa Maria do Castelo (Torres Novas), Zooarqueologia.

Abstract: The archaeological intervention carried out in the ruins of the ancient church of Santa Maria do Castelo (Torres Novas, West Central Portugal) allowed the collection of a zooarchaeological sample with eight species of marine, terrestrial and freshwater molluscs, representing a minimum of 27 specimens. This collection includes the bivalves Ostrea edulis Linnaeus, 1758, Crassostrea angulata (Lamarck, 1819), Cerastoderma edule (Linnaeus, 1758) and Ruditapes decussatus (Linnaeus, 1758) and the gastropods (Linnaeus, 1758), Tritia nitida (Jeffreys, 1867), Testacella maugei (Férussac, 1831) and Ferussacia folliculum (Schröter, 1784). The presence of marine molluscs suggests a secondary deposition as scattered materials from garbage dumps, together with local terrestrial and freshwater gastropods. The edible bivalve species also indicate consumption practices associated with shellfish gathering in estuarine areas. By its relative proximity, it is likely that these source areas were located in the wide estuarine range of Tagus River, from where the edible molluscs were regularly transported to hinterland areas.

Keywords: Middle Age, Modern Age, Mollusca, Santa Maria do Castelo (Torres Novas, Portugal), Zooarchaeology.

Introdução

As ruínas da igreja Medieval de Santa Maria do Castelo, edificada em meados do séc. XIV e demolida cerca de 1973, encontram-se implantadas num dos locais mais emblemáticos do centro histórico de Torres Novas, dentro do espaço da antiga cerca do castelo medieval desta pequena cidade da Região Centro de Portugal, fronteira ao vale do Tejo e às serranias calcárias da Estremadura (Fig. 1). Este contexto medievo foi objeto de várias campanhas de escavação arqueológica, realizadas entre 2004 e 2011, com orientação de Mário e Rosa Varela Gomes da Faculdade Ciências Sociais da Universidade NOVA de Lisboa. Após esse período, as ruínas integraram um processo de possível reabilitação urbana, como parte de um espaço arquitetónico mais extenso. O espólio arqueológico recolhido durante a intervenção arqueológica, compreendendo o espaço do antigo templo e seu terreiro envolvente, tem vindo a ser objeto de estudos multidisciplinares, com destaque para o de Ferreira et al. (2016), no qual se procedeu à caracterização espectroscópica de pastas cerâmicas datadas dos séculos XIV a XVI. Entre outros materiais de índole diversa, foi também possível proceder à recolha e inventariação de um acervo zooarqueológico, composto por restos de conchas de moluscos terrestres e aquáticos, sugerindo o registo de um contexto de mistura de materiais de lixeira com elementos da fauna malacológica natural do local. Embora relativamente escasso quando comparado com outros sítios de ocupação medievais portugueses, este conjunto revelou-se suficiente para que se complementassem os dados da componente arqueológica, com outros suscetíveis de contribuírem para a contextualização das envolventes antrópica e ecológica do sítio, durante as épocas Medieval e Moderna. Estudo zooarqueológico da malacofauna das ruínas da igreja medieval de Santa Maria do Castelo (Torres Novas, Portugal)

Figura 1 - Figuração e local de implantação da Igreja de Santa Maria do Castelo, no centro histórico da cidade de Torres Novas (Portugal). A, B. Panorâmicas do monumento, hoje demolido, e do Terreiro de Santa Maria [Fonte: adaptado de postais ilustrados da década de 1960; coleção P. Callapez]. C. Panorâmica do centro histórico, entre o castelo e a Praça 5 de Outubro, com o Terreiro de Santa Maria delimitado por círculo vermelho [Fonte: adaptado de Google Earth, acedido a 12 de março de 2020].

Por conseguinte, o estudo de caso ora apresentado insere-se dentro do tipo análises interdisciplinares que a presença de restos de natureza biológica em contextos arqueológicos permite efetuar, no sentido de recriar hábitos, vivências e aspetos da economia e do consumo alimentar de comunidades humanas, a par da reconstituição da sua envolvente ambiental (Callapez et al., 2016). A Pedro M. Callapez, Ricardo Pimentel, Solange Silva, Paulo Legoinha & Miguel Carvalho

presença de restos de invertebrados, muitos deles conchas de moluscos aquáticos e terrestres, é por demais recorrente em sítios arqueológicos, registando uma diversidade de aspetos que complementam dados inferidos a partir de artefactos e sua estratigrafia, tornando transversal a sua interpretação e contextualização (Callapez, 2014). Neste sentido é seguida uma marcha metodológica que compreende a classificação taxonómica e ordenamento sistemático da amostragem de moluscos, em conjunto com a sua quantificação quanto à diversidade, abundância relativa e repartição por quadrículas escavadas. Seguidamente, são tidos em conta dados da tafonomia dos restos esqueléticos e da ecologia das espécies presentes, por comparação com a de populações atuais, no sentido de reconstituir aspetos da economia alimentar e do ambiente natural local, ao tempo da deposição. Após o seu estudo, a coleção classificada foi entregue ao cuidado dos arqueólogos responsáveis, encontrando-se disponível para análises futuras.

Composição taxonómica

A diversidade dos moluscos recolhidos no terreiro de Santa Maria do Castelo ascende a oito espécies de bivalves e de gastrópodes, todas elas representativas da malacofauna moderna de Portugal (Fig. 2). A sua identificação taxonómica, assim como aspetos da sua repartição biogeográfica e significado ecológico, fundamentam-se nos trabalhos de Nobre (1940), Rolán (1984), Rolán et al. (1989), Poppe & Goto (1991, 1993) e Saldanha (1997) para faunas marinhas, e de Nobre (1941), Kerney & Cameron (1979), Callapez (1992, 2002, 2014) e Albuquerque de Matos (1993, 1994, 2004) para gastrópodes terrestres e dulçaquícolas. O ordenamento sistemático para as categorias superiores à da espécie seguiu, por sua vez, os contributos de Bieler et al. (2010, 2014) e Lemer et al. (2019) para os Bivalvia e Bouchet et al. (2017) para os . O elenco taxonómico estudado é o seguinte:

Classe Bivalvia Linnaeus, 1758 Subclasse Pteriomorphia Beurlen, 1944 Ordem Ostreida Férussac, 1822 Superfamília Ostreoidea Rafinesque, 1815 Família Ostreidae Rafinesque, 1815 Subfamília Ostreinae Rafinesque, 1815 Género Ostrea Linnaeus, 1758 Ostrea edulis Linnaeus, 1758

Subfamília Crassostreinae Scarlato & Starobogatov, 1979 Género Crassostrea Sacco, 1897 Crassostrea angulata (Lamarck, 1819)

Subclasse Heterodonta Neumayr, 1884 Superordem Imparidentia Bieler et al., 2014 Estudo zooarqueológico da malacofauna das ruínas da igreja medieval de Santa Maria do Castelo (Torres Novas, Portugal)

Ordem Cardiida Férussac, 1822 Superfamília Cardioidea Lamarck, 1809 Família Cardiidae Lamarck, 1809 Subfamília Lymnocardiinae Stoliczka, 1870 Género Cerastoderma Poli, 1795 Cerastoderma edule (Linnaeus, 1758)

Ordem Venerida Gray, 1854 Superfamília Veneroidea Rafinesque, 1815 Família Veneridae Rafinesque, 1815 Subfamília Venerinae Rafinesque, 1815 Género Ruditapes Chiamenti, 1900 Ruditapes decussatus (Linnaeus, 1758)

Classe Gastropoda Cuvier, 1795 Subclasse Golikov & Starobogatov, 1975 Ordem Cycloneritida Superfamília Rafinesque, 1815 Família Rafinesque, 1815 Subfamília Neritininae Poey, 1852 Género Theodoxus Montfort, 1810 Theodoxus fluviatilis (Linnaeus, 1758)

Subclasse Caenogastropoda Cox & Knight, 1960 Ordem Neogastropoda Wenz, 1938 Superfamília Buccinoidea Rafinesque, 1815 Família Nassariidae Iredale, 1916 Subfamília Nassariinae Iredale, 1916 Género Tritia Risso, 1826 Tritia nitida (Jeffreys, 1867)

Subclasse Burmeister, 1837 Superordem Haszprunar & Huber, 1990 Ordem Schmidt, 1855 Subordem Rafinesque, 1815 Superfamília Gray, 1840 Família Testacellidae Gray, 1840 Género Testacella Lamarck, 1801 Testacella maugei (Férussac, 1831)

Subordem Achatinina Pedro M. Callapez, Ricardo Pimentel, Solange Silva, Paulo Legoinha & Miguel Carvalho

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Figura 2 - Elenco de espécies de moluscos aquáticos e terrestres presentes na amostragem zooarqueológica do sítio das ruínas da Igreja de Santa Maria do Castelo, em Torres Novas (Portugal). 1ab, 2ab. Ferussacia folliculum (Schröter, 1784) (x2). 3ab. Testacella maugei (Férussac, 1831) (x2). 4ab. Theodoxus fluviatilis (Linnaeus, 1758) (x2). 5ab. Ostrea edulis Linnaeus, 1758 (x1). 6ab, 7ab. Cerastoderma edule (Linnaeus, 1758). 8ab, 9ab. Tritia nitida (Jeffreys, 1867) (x1). 10. Crassostrea angulata (Lamarck, 1819) (x1). 11ab. Ruditapes decussatus (Linnaeus, 1758) (x1). 12ab, 13ab. Theodoxus fluviatilis (Linnaeus, 1758) (x2). 14ab. Ruditapes decussatus (Linnaeus, 1758) (x1).

Superfamília Achatinoidea Swainson, 1840 Família Ferussaciidae Bourguignat, 1883 Género Ferussacia Risso, 1826 Ferussacia folliculum (Schröter, 1784)

Análise quantitativa

Os restos esqueléticos destas espécies totalizam 40 elementos, incluindo valvas e fragmentos de valva de moluscos bivalves (Fig. 3). O espólio malacológico reparte-se por 18 quadrículas e duas camadas, sendo representativo de um número mínimo de 27 espécimes, tendo em consideração a contabilização das valvas numericamente mais abundantes e dos fragmentos com charneira nos moluscos bivalves (Tab. I). A análise da figura 3 permite constatar que os taxa numericamente dominantes dos 40 elementos contabilizados correspondem aos bivalves Cerastoderma edule (40,0%), Ruditapes decussatus (22,5%) e Ostrea edulis (15,0%). Conjuntamente com um espécime de Crassostrea angulata (2,5%), estes bivalves comestíveis ascendem a 80% do total de restos esqueléticos identificados. Os restantes 20% correspondem, respetivamente, aos gastrópodes Theodoxus fluviatilis (7,5%), Tritia nitida (5,0%), Ferussacia folliculum (5,0%) e Testacella maugei (2,5%). A amostragem estudada revela uma mistura de restos esqueléticos de moluscos marinhos com conchas de gastrópodes terrestres e de água-doce. A sua repartição por várias quadrículas, sem que se tenham observado concentrações de origem biostratonómica ou antrópica, pressupõe uma origem secundária a partir da dispersão de materiais de lixeira, misturados com conchas de espécies autóctones, habitantes do local. A presença das espécies comestíveis Ostrea edulis (ostra redonda), Crassostrea angulata (ostra portuguesa), Cerastoderma edule (berbigão) e Ruditapes decussatus (amêijoa-boa) sugere que o consumo destes bivalves por parte de elementos da comunidade local, faria parte, quando possível, dos seus hábitos alimentares, naquilo que é um costume tradicional que remonta à Antiguidade. Nesse sentido, a ostreicultura, os viveiros de amêijoa e a apanha de berbigão em áreas estuarinas e lagunares portuguesas são testemunhos de práticas com raízes seculares, cuja difusão no presente constitui uma atividade económica de valor apreciável para populações ribeirinhas e uma fonte de comércio para o interior. Pedro M. Callapez, Ricardo Pimentel, Solange Silva, Paulo Legoinha & Miguel Carvalho

Figura 3 - Diversidade e abundância relativa das espécies de moluscos recolhidas na intervenção arqueológica realizada no terreiro da antiga igreja de Santa Maria do Castelo, em Torres Novas. A. Amostragem recalculada para o número mínimo de espécimes (n=27). B. Amostragem total (n=40). 1. Ostrea edulis Linnaeus, 1758. 2. Crassostrea angulata (Lamarck, 1819). 3. Cerastoderma edule (Linnaeus, 1758). 4. Ruditapes decussatus (Linnaeus, 1758). 5. Tritia nitida (Jeffreys, 1867). 6. Ferussacia folliculum (Schröter, 1784). 7. Testacella maugei (Férussac, 1831). 8. Theodoxus fluviatilis (Linnaeus, 1758).

Discussão

Algumas destas espécies de moluscos marinhos comestíveis são, ainda hoje, comuns nos esteiros do Mar da Palha, no amplo estuário do Tejo, em áreas de planície de maré com substratos areno- lodosos e salinidade variável (e.g. Caçador & Duarte, 2012). A sua recoleção sustentada terá sido um dos pilares da economia alimentar das populações ribeirinhas do curso inferior do Rio Tejo, desde meados da Pré-História. Por outro lado, a sua presença em contextos de lixeira com diferentes cronologias, mas dispersos por localidades do interior, pressupõe a existência de um circuito de distribuição e de trocas comerciais, capaz de escoar com relativa rapidez o marisco recolhido a partir de viveiros, muitas vezes situados a dezenas de quilómetros de distância. Em paralelo com as espécies anteriores, Tritia nitida (Jeffreys, 1867) (burrié, designação comum a várias outras espécies) é um gastrópode marinho comum no mesmo biótopo, embora não consumido como espécie comestível. Não obstante, a sua presença é frequente em contextos desta natureza, devendo resultar de recolha e transporte fortuitos, em conjunto com espécies comestíveis de marisco ou pescado. As espécies Testacella maugei e Ferussacia folliculum são representativas de moluscos terrestres autóctones, sendo o primeiro relativamente escasso no território, mas o segundo bastante comum nas Estudo zooarqueológico da malacofauna das ruínas da igreja medieval de Santa Maria do Castelo (Torres Novas, Portugal)

Tabela I - Análise quantitativa por quadrícula e interpretação ecológica das espécies identificadas [Abreviaturas: Qd - quadrícula; C - camada; VE - valva esquerda; VD - valva direita; FVE - fragmento de valva esquerda com charneira; FVD - fragmento de valva direita com charneira; F - fragmento sem charneira; est/lag - habitat em estuário ou laguna salobra; dulçaq - habitat dulçaquícola; IN - organismo infaunal suspensívoro com mobilidade; EC - organismo epifaunal cimentado e suspensívoro; EL - organismo epifaunal de vida livre e suspensívoro; Consumo - Ocorrência relacionada com consumo alimentar (restos de cozinha/lixeira); Transporte fortuito - ocorrência derivada de transporte fortuito por ação humana]

Qd C Espécie Contagem Ecologia Contexto

Q37 C1 Cerastoderma edule 1VD est/lag, IN Consumo

Q38 C2 Ostrea edulis 1VE est/lag, EC Consumo

Transporte Q47 C1 Tritia nitida 1 est/lag, EL fortuito

Q51 C1 Crassostrea angulata 1 FVD est/lag, EC Consumo

Q57 C1 Theodoxus fluviatilis 1 Dulçaq, EL Autóctono

Ostrea edulis 1VE+1VD est/lag, EC Consumo Q64 C1 alimentar Cerastoderma edule 1VD est/lag, IN

Q66 C1 Theodoxus fluviatilis 1 dulçaq, EL Autóctono

Q68 C1 Theodoxus fluviatilis 1 dulcaq, EL Autóctono

Q68 C1 Ruditapes decussatus 1F est/lag, IN Consumo

Testacella maugei 1 terrestre Autóctono Q75 C1 Ferussacia folliculum 2 terrestre Autóctono

Cerastoderma edule 1VE+2VD est/lag, IN Consumo Q80 C2 Ruditapes decussatus 2VE+2FVE+1VD+2F est/lag, IN alimentar

Ostrea edulis 1VE est/lag, EC Consumo Q81 C2 alimentar Cerastoderma edule 3VE+4VD est/lag, IN

Ostrea edulis 1FVE+1VD est/lag, EC Consumo Q82 C2 alimentar Cerastoderma edule 1VD est/lag, IN

Transporte Q83 C1 Tritia nitida 1 est/lag, EL fortuito

Q100 C1 Ruditapes decussatus 1FVE est/lag, IN Consumo

Q111 C1 Cerastoderma edule 1F est/lag, IN Consumo

Q134 C1 Cerastoderma edule 1VE est/lag, IN Consumo

Q135 C1 Cerastoderma edule 1F est/lag, IN Consumo Pedro M. Callapez, Ricardo Pimentel, Solange Silva, Paulo Legoinha & Miguel Carvalho

regiões Centro e Sul de Portugal, sobretudo em áreas de substrato calcário, com alguma humidade ambiente e protegidas da exposição solar direta. Por fim, o neritídeo Theodoxus fluviatilis é frequente em biótopos de água-doce, preferindo nascentes e outros locais com água límpida e corrente. É possível que sua presença no local esteja relacionada com a existência de uma antiga fonte, nascente, ou tanque de abastecimento nas imediações do Terreiro de Santa Maria do Castelo. Não obstante, a sua presença poderá também resultar de transporte fortuito ligado a atividade piscícola, ou ao transporte de água potável a partir de outro local próximo.

Conclusões

O estudo do espólio de invertebrados provenientes das campanhas de escavação arqueológica no sítio do Terreiro de Santa Maria do Castelo permitiu a identificação de oito espécies de moluscos marinhos estuarinos, terrestres e dulçaquícolas, num total de 40 elementos correspondentes a um número mínimo de 27 indivíduos. Esta associação sugere a mistura de restos de contexto de lixeira com espécies autóctones. Predominam espécies de bivalves comestíveis, nomeadamente Ostrea edulis (ostra redonda), Crassostrea angulata (ostra portuguesa), Cerastoderma edule (berbigão) e Ruditapes decussatus (amêijoa-boa), cuja origem provável deverá ser o estuário do Tejo, espaço onde persistiriam atividades tradicionais de aquacultura de moluscos, por forma a suprir as populações regionais deste tipo de alimento tão enraizado, desde há muitos séculos, na tradição e cultura portuguesas, e que complementaria, ainda que ocasionalmente, outras dietas mais consistentes.

Dedicatória: Os autores homenageiam, desta forma, a memória da colega e amiga Professora Doutora Celeste Romualdo Gomes (1962-2016), recordando numerosas vivências e tertúlias passadas em torno de discussões de temas científicos e educativos, em que a sua presença e opiniões esclarecidas nos deixam incomensurável saudade.

Agradecimentos: Os autores agradecem ao Professor Mário Varela Gomes a disponibilização do material zooarqueológico e o convite ao presente estudo que contou ainda com o suporte do CITEUC - Centro de Investigação da Terra e do Espaço da Universidade de Coimbra, financiado pela FCT, a cuja direção os autores agradecem o convite endereçado para publicação no presente livro.

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