039-045 OK Alvarolarangeira

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039-045 OK Alvarolarangeira JORNALISMO E REPRESENTAÇÃO O presidente no Big Brother Brasil: a entrevista de Lula no Fantástico como paradigma do jornalismo espetacularizado VAMOS DAR UMA ESPIADINHA no gabinete para ver como se comporta o Lula? Então va- RESUMO mos. Desta forma poderia ter sido anuncia- Este trabalho aborda a espetacularização do jornalismo a da a entrevista com o presidente Luiz Iná- partir da entrevista concedida pelo presidente da República, cio Lula da Silva, realizada no Palácio do Luiz Inácio Lula da Silva, à Rede Globo e veiculada no dia Planalto na última semana de dezembro de 1º de janeiro de 2006. O episódio extrapolou o seu caráter 2005 e veiculada pela Rede Globo no dia 1º jornalístico para assumir o viés do espetáculo, corroborando de janeiro de 2006, no programa Fantástico. para isto a presença do apresentador Pedro Bial, ícone do Ela teve os ares do programa Big Brother programa Big Brother Brasil. Para embasar esta premissa, Brasil, a começar pela chamada na emisso- recorrer-se-á às teses de Guy Debord a respeito da Sociedade ra: “Exclusivo!A entrevista do presidente do Espetáculo, à exposição da midiatização do poder por Luiz Inácio Lula da Silva! O repórter Pedro parte de Henri-Pierre Jeudy, à noção de tela total percebida Bial perguntou ao presidente Lula tudo o do Jean Baudrillard, ao conceito de informação-espetáculo que o Brasil quer saber”. A segunda seme- trabalhado por João Canavilhas e às pesquisas de Fernando lhança, o próprio entrevistador: Pedro Bial. Andacht sobre o Big Brother Brasil. Não foi a primeira entrevista de Lula ao apresentador do Big Brother Brasil – houve ABSTRACT outra no Palácio da Alvorada. This text deals with the spectacularization of journalism, Mas desta vez o cenário emanava o starting from the interview given by the President, Luiz espírito da casa. Bial inquiria Lula como se Inácio Lula da Silva, to the Rede Globo and transmitted on este estivesse no confessionário do Big Bro- January 1, 2006. That episode extrapolated the journalistic ther. E o inquirido comportava-se como se character, to assume the inclination of a show, cor- lá estivesse mesmo: respostas defensivas, roborating Pedro Bial’s presence, icon of the Big Brother Bra- evasivas, antevendo, quem sabe, a possibi- sil program. lidade de ser enviado metaforicamente para o paredão – situação em que um dos PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) integrantes do programa corre o risco de - Sociedade do espetáculo (the spectacle society) ser eliminado da casa pela votação do pú- - Reality show (reality show) blico. Embora a entrevista fosse no Planal- - Mídia (media) to, quem se mostrava à vontade, íntimo do lugar, desenvolto no cenário, era o entre- vistador. Representava ele, naquele mo- mento em tese jornalístico, o olhar dos mi- lhões de espectadores acostumados a Álvaro Nunes Larangeira acompanhá-lo nas edições do BBB. O fato TUIUTI tornou-se, na interpretação deste trabalho, Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 30 • agosto 2006 • quadrimestral 39 um exemplo da apropriação do jornalismo O espetáculo é o princípio, meio e pela sociedade do espetáculo, um exemplo fim. É a mensagem, é a massagem pela do jornalismo espetacular. qual a mensagem é repassada, é a simetria do trajeto da informação e é a turbulência dos possíveis ruídos do processo comuni- A sociedade do espetáculo cativo. O espetáculo se apropria do discur- so contra si mesmo, encontra alternativas Para analisar a entrevista sob este prisma, para burlar seus próprios mecanismos de recorreu-se ao pensamento do francês Guy controle e julga-se vítima das armadilhas Debord, referência na crítica da sociedade criadas por ele mesmo. Portanto, apresen- moderna, principalmente a partir de Maio ta-se como a sociedade dos excluídos e de 1968, e mentor do que conceituou como como a sociedade sem excluídos. É o Deus a “sociedade do espetáculo”. Aqui, preten- e o Diabo em sua terra. de-se destacar algumas das 221 teses lista- das por Debord em sua obra-prima – A so- O caráter fundamentalmente tau- ciedade do espetáculo -, publicada em 1967, e tológico do espetáculo decorre do nos comentários acrescidos às edições poste- simples fato de seus meios serem, ao riores. Eis cinco das teses e um comentário: mesmo tempo, seu fim. É o sol que Tese 3 – O espetáculo apresenta-se ao mes- nunca se põe no império da passivi- mo tempo como a própria sociedade, como dade moderna. Recobre toda a super- uma parte da sociedade e como instrumen- fície do mundo e está indefinidamen- to de unificação (1997, p. 14); te impregnado de sua própria glória Tese 4 – O espetáculo não é um conjunto de (DEBORD, 1997, p. 17). imagens, mas uma relação social entre pes- soas, mediada por imagens (p. 14); Um presidente, por exemplo, pode Tese 6 – Considerado em sua totalidade, o viver da sua eterna crise, argumentando espetáculo é ao mesmo tempo o resulta- que precisará sempre de mais um tempo do e o projeto do modo de produção no mandato para solucionar os problemas existente (p. 14); e ajudar na profilaxia das novas dificulda- Tese 30 – Em relação ao homem que age, a des. Sem o mandato, é a favor de quatro exterioridade do espetáculo aparece no anos; eleito, considera insuficiente apenas fato de seus próprios gestos já não serem um período tendo em vista a extensão da seus, mas de um outro que os representa crise. Neste ponto, destaca Henri-Pierre por ele. É por isso que o espectador não se Jeudy, será imprescindível a virtualidade sente em casa em lugar algum, pois o espe- das ações governamentais como prova de táculo está em toda parte (p. 24); sua competência administrativa. Tese 34 – O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem (p. 25). Na midiatização dessa conquista do Comentário III – Freqüentemente, os donos poder, todas as flexões metafóricas da sociedade declaram-se mal servidos por são permitidas: entre o lobo e o cor- seus empregados midiáticos; mais ainda, deiro, e o lobo no curral, a ironia do censuram a plebe de espectadores pela ten- jogo – que para alguns se tornará a dência de empregar-se sem reservas, e qua- ironia do destino – é o refúgio dos se bestialmente, aos prazeres da mídia. As- símbolos. A simbologia do poder rea- sim, por trás de uma infinidade de pseudo- parece sob a forma de uma paródia, divergências midiáticas, fica dissimulado o às vezes próxima da farsa bufa, en- que é exatamente oposto: o resultado de quanto que a lógica fria dos progra- uma convergência espetacular buscada mas veiculados e dos debates simula- com muita tenacidade (p. 171). dos preserva a representação estereo- 40 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 30 • agosto 2006 • quadrimestral tipada de uma soberania puramente esta fosse a sua vida. Cria com o vídeo uma mecânica (JEUDY, 2001, p. 18). relação umbilical. “A virtualidade aproxi- ma-se da felicidade por eliminar sub-repti- Neste sentido, ressalta o sociólogo ciamente a referência às coisas. Dá tudo, francês, a imagem midiática é vital tanto mas sutilmente. Ao mesmo tempo, tudo es- para as idéias, as ações, quanto ao próprio conde (1997, p. 149).” A realização do es- indivíduo. Sem o atributo midiático, resta o pectador é estar de corpo presente (ou me- esquecimento. Precisa ele da legitimidade lhor, olhar presente) no fato, vivenciar o do aparecer, da existência além-de-si. que os personagens vivem, sentir por e com eles as experiências e, como os persona- Tal regra se torna impiedosa, pois a gens, sentir-se também objeto. “Quando to- ausência de midiatização se impõe dos se convertem em atores, não há mais como signo inelutável de morte. Esse ação, fim da representação. Morte do especta- jogo entre a consagração e o desapare- dor. Fim da ilusão estética (1997, p. 147)”. cimento nunca é ganho; ele institui o ritmo comunitário da exposição de si mesmo como a única virtude da cole- O jornalismo espetacularizado tividade (2001, p. 47). O professor português João Canavilhas, no O homem e a sociedade, em razão do seu objetivo de conceituar a informação-es- paradigma espetacular, são telas totais em petáculo, apresenta o rol de critérios de noti- movimento e construção permanentes. As- ciabilidade que serão úteis na adaptação ao sim, se tudo é imagem, tudo é mídia, tele- jornalismo espetacularizado. São eles: o mo- visão. Jean Baudrillard chama a atenção mento do acontecimento; a intensidade; a cla- para este momento e ironiza: “Em princí- reza; a proximidade, a surpresa; a continui- pio, ela está aí para nos falar do mundo e dade; a composição; os valores sociocultu- para apagar-se diante do acontecimento rais; a previsibilidade, o valor das imagens; e como um médium que se respeite. Mas de- custos (CANAVILHAS, 2001). Os três últimos pois de algum tempo, parece, ela não se são, conforme especificação de Canavilhas, respeita mais ou toma-se pelo aconteci- relativos à televisão, ainda que nos outros mento” (1997, p. 157). meios haja o planejamento e se for necessário A televisão, mais precisamente a mí- a escalação de um profissional específico dia, vive num zapping de si mesma, diz para determinada tarefa – um fotógrafo expe- Baudrillard. Trata de produzir o mundo e a riente para uma matéria especial, por exem- informação, e não apenas reproduzi-los. plo -, a dependência por imagens que retra- Olha para o exterior e entedia-se. tem o valor da notícia e a previsão de custos. Quantos aos outros oito critérios, dizem res- Então, a fórmula de McLuhan torna- peito à recentidade do fato, à importância do se totalmente brilhante: o meio en- acontecimento, à certificação das informações goliu a mensagem e, multimeio, referentes ao fato, à referência à área de prolifera em todas as direções.
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