Eduardo Margarit Alfena Do Carmo
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CONFLITOS ENVOLVENDO O USO DA TERRA NO NORTE DO ESTADO DO AMAPÁ Giancarlo Livman Frabetti UNIFAP, [email protected] Eduardo Margarit UNIFAP, [email protected] Evilania Bento da Cunha UNIFAP, [email protected] INTRODUÇÃO O presente trabalho expõe a problemática de um projeto de pesquisa que tem como objetivo abordar os conflitos existentes ou potenciais dados por conta da sobreposição ou da vizinhança entre áreas nas quais incidem distintas formas de regulação do uso da terra no extremo norte do Estado do Amapá, área de estudo que corresponde, mais precisamente, aos municípios de Oiapoque e Calçoene. O Estado do Amapá localiza-se na região norte do Brasil e junto com o norte do Estado do Pará forma parte do mosaico de áreas protegidas da Amazônia brasileira, o qual é composto por Unidades de Conservação de diversas categorias e também por Terras Indígenas. Diante da convivência problemática entre áreas regidas por diferentes normatizações de uso e apropriação da terra tais como as Unidades de Conservação, as Terras Indígenas, as Áreas de Remanescentes de Quilombos e os assentamentos rurais situados no norte do Estado do Amapá, pergunta-se: quais serão os conflitos (já existentes ou mesmo potenciais) criados a partir da sobreposição ou da vizinhança entre áreas nas quais incidem distintas formas de uso da terra e de regulação da propriedade privada fundiária? A abordagem metodológica para esta pesquisa fundamenta-se, neste projeto, na contraposição entre, de um lado, informações provenientes de órgãos de planejamento e fontes oficiais de dados e, de outro lado, o levantamento dos elementos qualitativos relativos ao modo de vida das comunidades existentes nos pontos identificados como de interesse para nossa argumentação. Para levantar e discutir esses conflitos territoriais, identificando suas causas e efeitos, deveremos recorrer à utilização de material cartográfico, dados estatísticos, legislação, planos de manejo, além de entrevistas e trabalho de campo. Nossa proposta de leitura desses conflitos territoriais pressupõe apreendê-los a partir das contradições entre as formas oficiais de regulação do uso da terra e a reprodução social de povos camponeses e indígenas na Amazônia. Pretende-se que os resultados desse projeto sirvam como subsídios ao debate sobre a gestão territorial de áreas protegidas no Estado do Amapá. Teoricamente, esta discussão é norteada pela relação entre absolutização e relativização da propriedade da terra (BAITZ, 2011) no que tange ao caso específico da região norte do extremo Estado do Amapá. Os casos de conflitos dados em torno das formas de apropriação e uso da terra podem ser interpretados a partir dessa relação dialética entre a propriedade da terra que tende ao movimento de se fazer absoluta e a ação do Estado no sentido de criar e manter áreas de restrição ao uso do solo. Áreas que, nesse mesmo processo de criação e manutenção, colidem entre si na medida em que a relativização da propriedade da terra passa por um imenso rol de interesses nessa faixa de fronteira do extremo norte do território brasileiro. ANTECEDENTES AO PROCESSO DE NORMATIZAÇÃO DO USO DA TERRA Os municípios do norte do Estado do Amapá podem ser considerados como parte de uma unidade inserida no interior do macrodomínio amazônico e, ainda, do Arco Norte das fronteiras brasileiras, identificada por Silva e Trindade Jr. (2013: 44-53) como a sub- região fronteiriça internacional . Esta porção do território encerra uma série de particularidades no que se refere à relação entre a expansão territorial de empreendimentos econômicos na Amazônia brasileira e o movimento de apropriação privada da terra. Entre outras características singulares, esta sub-região apresenta a condição de estar localizada na zona de fronteira 1 estabelecida entre o norte do Brasil e os países do Platô das Guianas, consistindo, portanto, em uma área estratégica do ponto de vista da ideologia de integridade do território nacional. Diante dessa condição fronteiriça, a região aqui abordada insere-se no domínio de terras declaradas como de interesse nacional pela União (um domínio, portanto, juridicamente impeditivo à titulação formal da propriedade privada da terra). Trata-se, ainda, de área de difícil acesso a partir de outros pontos do território nacional. O meio rodoviário só veio a se sobrepor às antigas rotas fluviais a partir da década de 1970, com a abertura da BR-156, ligando o sul do município de Laranjal do Jari ao Oiapoque, passando pela capital Macapá (ainda assim, uma rodovia com trechos em péssimas condições até os tempos atuais). A dificuldade de circulação também encerrava, portanto, uma situação restritiva para os investimentos visando a capitalização da renda da terra e, consequentemente, para o processo de expropriação fundiária (e de devastação florestal) na região em questão. Dadas essas barreiras impostas à valorização fundiária, as políticas de integração da Amazônia ao território nacional conduzidas nessa região estiveram primeiramente centradas na implantação de colônias agrícolas e militares e, posteriormente, na atuação do Sistema de Proteção ao Índio (SPI) e da Fundação Nacional de Amparo ao Índio (FUNAI), a partir da qual, segundo Gallois e Grupioni (2009, p. 30), postos de atendimento de saúde e unidades escolares foram implantados, aglutinando (e trazendo para junto da esfera de interesses do governo federal) os povos indígenas que até então viviam dispersos em aldeias situadas ao longo dos principais rios da região, tais como o Urukauá, o Curipi e o Uaçá. Também em função da existência dessa barreira para a penetração do capital na sub-região fronteiriça do norte da Amazônia, até os tempos atuais uma parte das atividades 1 Silva (2011: 49) diferencia o conceito de faixa de fronteira (“associada aos limites territoriais e legais na região fronteiriça de um país”) do conceito de zona de fronteira (caracterizada como “um espaço de interação com paisagem específica e espaço social transitivo composto por diferenças oriundas do limite internacional e por fluxos de interação transfronteiriças”). produtivas realizadas nesse extremo setentrional do Brasil está ligada à reprodução de modos de vida tradicionais e à forma de uso da terra que se dá como terra de trabalho (conforme denomina Martins, 1981, p. 177). Mas após a abertura da rodovia BR-156, a extração aurífera (ali realizada, de fato, desde os tempos de litígio territorial entre Brasil e França) emergiu como a principal atividade em torno da qual passou a se dar a acumulação de riqueza na área em questão. Fundamentalmente, neste novo momento aqui identificado, a garimpagem do ouro passou a centralizar todo um conjunto de outras atividades existentes enquanto ramificações desta. Desta forma, a rede de atividades aqui chamada de economia do garimpo colocou-se como vetor de adensamento urbano a partir principalmente do núcleo de Oiapoque. A CRIAÇÃO DE ÁREAS PROTEGIDAS Desde a promulgação da Constituição Nacional de 1988, abriu-se a possibilidade do poder público admitir políticas de reconhecimento do direito à terra aos povos indígenas e aos camponeses posseiros no Brasil. No caso do norte do Estado do Amapá, desde o início da década de 1980 passou a ser instituída uma série de áreas protegidas nas quais se impunham restrições ao uso e à forma privada de apropriação da terra. Neste processo, foram homologadas Terras Indígenas as quais já vinham sendo reivindicadas pelos movimentos de demarcação fundiária de povos do baixo rio Oiapoque. No interior da área de estudos delimitada neste artigo, identificam-se três unidades demarcadas como Terras Indígenas: a Terra Indígena Galibi do Oiapoque, homologada pelo Decreto 87844 (DOU de 22/11/1982), com superfície de 6.689ha; a Terra Indígena do Uaçá homologada pelo Decreto 298 (Diário Oficial da União de 30/10/1991), com superfície de 470.164ha e a Terra Indígena Juminã, homologada pelo Decreto s/número (DOU 22/05/1992), com superfície de 41.601ha (Gallois e Grupioni, 2009, p. 27). Os povos indígenas que habitam essas áreas são identificados como os Galibi Marworno, os Palikur, os Karipuna e os Galibi do Oiapoque. Segundo dados da EAR Oiapoque-Funai para o ano de 2007, o contingente demográfico dos Karipuna somava 1.960 indivíduos, enquanto Galibi Marworno tinham uma população de 1.836 indivíduos e aos Palikur correspondiam 1.293 indivíduos; finalmente, os Galibi do Oiapoque (todos eles vivendo no interior da Terra Indígena Galibi) eram representados por 69 indivíduos (Ibidem, p. 31). Quanto às Unidades de Conservação existentes na área de estudos selecionada por nossa proposta de pesquisa, destacamos o Parque Nacional do Cabo Orange (criado já no ano de 1980, compreendendo uma área de 619.000ha distribuída entre os municípios de Oiapoque e Calçoene) e o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (com área de 3.867.000ha, ocupando parte dos municípios de Oiapoque, Calçoene, Pedra Branca do Amapari, Serra do Navio e de Laranjal do Jari, no Amapá, e de Almeirim, no Pará), ambos de jurisdição Federal e de alto grau de restrição ao uso do solo. Verifica-se ainda a presença da Floresta Estadual do Amapá (categorizada como Reserva de Desenvolvimento Sustentável), de jurisdição estadual, com área de 2.369.400ha. É importante aqui apontar a presença, no interior do Parque Nacional do Cabo Orange, da comunidade camponesa do Cunani, recentemente reconhecida pelo INCRA como remanescente de quilombo, além da antiga comunidade de pescadores denominada vila de Taperebá, à margem do rio Cassiporé, ambas existentes antes mesmo da instituição da referida Unidade de Conservação. Já no interior do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque nota-se aqui a presença de Vila Brasil, cuja existência relaciona-se aos fluxos transfronteiriços estabelecidos com núcleos de adensamento demográfico da Guiana Francesa (tais como a vila de Camopi), tendo aquela também surgido anteriormente ao processo de demarcação da referida área protegida. POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO Mais recentemente, novas políticas de desenvolvimento nos níveis Estadual, Federal e inclusive Internacional vieram a incidir sobre os municípios da área em questão.