URBANO-FRONTEIRIÇO:Revista Eletrônica Casa de Makunaima - ISSN 2595-5888 ESPACIALIDADES E ESPECIFICIDADES Vol. 1URBANAS - Nº 1 / Jan./Jun. (2018)NA FRONTEIRA FRANCO-BRASILEIRA – OIAPOQUE – AMAPÁ

Edenilson Dutra de Moura Professor Mestre na Universidade Federal do Amapá Doutorando em Geografia Universidade Federal do Ceará Vista da Estrada Macapá – Oiapoque (BR-156) no período do inverno amazônico. [email protected] Fonte: Moura (2017).

RESUMO RESUMEN

Este artigo tem a proposta de contribuir como entendi- Este artículo intenta ayudar a comprender la dimensión mento da dimensão espacial urbana de Oiapoque, mu- urbanística de Oiapoque, la región ubicada en el extremo nicípio localizado no extremo norte do Estado do Ama- norte del estado de Amapá, en un urbanismo real en el pá, portanto, em uma realidade urbana em meio à vida Midst de la Amazonía de la vida, en sus múltiples ana- amazônica, em suas múltiplas nuances analíticas. Enfati- líticos matices. Enfatizamos que la ubicación geográfica zamos que a localização geográfica fronteiriça do muni- fronteriza del municipio y de la ciudad de Oiapoque - AP, cípio e da cidade de Oiapoque – AP, provoca na produção provoca en la producción del espacio reflejos percepti- do espaço reflexos perceptíveis na espacialidade - urba bles en la espacialidad urbana, en diferentes dimensio- na, em diferentes dimensões, como: físico-estruturais, nes, como: físico-estructurales, económicos y culturales, econômicos e culturais, e que, desta forma, diferentes y que, de esta forma, diferentes flujos y las redes se es- fluxos e redes são estabelecidos na e pela cidade, estas tablecen en y por la ciudad, éstas dan importancia para dão importância para o processo urbano de Oiapoque, el proceso urbano de Oiapoque, que aun no poseiendo que mesmo não possuindo alguns atributos, como uma algunos atributos, como una infraestructura de equipa- infraestrutura de equipamentos urbanos, uma popula- mientos urbanos, una población pequeña, si se compara ção pequena, se comparada a outras realidades urbanas con otras realidades urbanas brasileñas, presenta una brasileiras, apresenta uma relevância no que diz respei- relevancia en lo que dice respecto al papel que la ciudad to ao papel que a cidade desempenha na rede urbana desempeña en la red urbana en el contexto regional. En no contexto regional. Enquanto recursos metodológicos cuanto recursos metodológicos se destaca la realizaci- destaca-se a realização de um referencial teórico pau- ón de un referencial teórico pautado en las discusiones tado nas discussões sobre fronteira, questão urbana na sobre frontera, cuestión urbana en la Amazonia y sobre Amazônia e sobre a temática fronteiriça franco-brasileira, la temática fronteriza franco-brasileña, junto elucidado juntamente elucidado com a realização de observações con la realización de observaciones in loco. Se espera con in loco. Espera-se com este artigo, proporcionar reflexões este artículo, proporcionar reflexiones sobre la espaciali- sobre a espacialidade urbana de Oiapoque, demonstran- dad urbana de Oiapoque, demostrando la ausencia de in- do a ausência de investimentos para este importante versiones para este importante espacio brasileño, ya que espaço brasileiro, uma vez que representa uma fronteira representa una frontera que demuestra rica vivacidad y que demonstra rica vivacidade e diversidade no urbano diversidad en el urbano amazónico brasileño. amazônico brasileiro. Palabras clave: Oiapoque – Amapá. Urbana de las fronte- Palavras - chave: Oiapoque – Amapá; Urbano-fronteiriço; ras. Frontera. Fronteira 51 Revista Eletrônica Casa de Makunaima - ISSN 2595-5888 Vol. 1 - Nº 1 / Jan./Jun. (2018)

urbano. Quanto aos procedimentos INTRODUÇÃO metodológicos destaca-se a realização de um profícuo referencial teórico-metodológico, com temáticas chaves para o entendimento A localização geográfica fronteiriça do da problemática urbano-fronteiriça em município e da cidade de Oiapoque permite uma totalidade não homogeneizadora da reflexões acerca das influências dos atuais nossa realidade empírica. Baseando-se em modos de produção espacial que temos na diferenciadas técnicas que auxiliaram no cidade, e, também, levam ao questionamento desenvolvimento da pesquisa em momentos sobre quais as marcas impressas na paisagem distintos. urbana da cidade de Oiapoque se relacionam Para o construto metodológico com a fronteira franco-brasileira. concernente à estrutura e execução da Consideramos que a localização pesquisa, que se balizou sob uma abordagem geográfica fronteiriça em que se situa qualitativa, que segundo Minayo (1999) o Município de Oiapoque – AP, provoca trabalha com o universo de significados, na produção do espaço urbano, reflexos motivos, aspirações, crenças, valores e na espacialidade urbana, em diferentes atitudes, o que corresponde a um espaço mais dimensões, como: físico-estruturais, profundo das relações, fluxos, processos e econômicos e culturais. dos fenômenos que não podem ser reduzidos A dinâmica fronteiriça é nitidamente à operacionalização de variáveis numéricas percebida na paisagem urbana, e por meio da e modelos quantificáveis. Tem-se ainda o observação das marcas impressas no espaço registro fotográfico por meio de observações e de processos vinculados à fronteira. in loco, necessário para ilustrar e auxiliar Frente à localização geográfica na iconografia da pesquisa, estes foram fronteiriça do município e da cidade de realizados entre os anos de 2016 a 2018. Oiapoque – AP, o que dinamiza a produção As indagações aqui presente foram do espaço, trazendo reflexos perceptíveis na intensificadas principalmente durante paisagem urbana, através de diferentes fluxos, execução das disciplinas de Geografia Urbana redes e espacialidades que são estabelecidas e de Relações Internacionais entre Brasil e na e pela cidade, o que dão importância para França, ministradas na Universidade Federal o processo urbano de Oiapoque, que mesmo do Amapá no Campus Binacional Oiapoque, não possuindo alguns atributos, como uma no Curso de Licenciatura em Geografia, em infraestrutura satisfatória de equipamentos semestres distintos entre os anos de 2016 à urbanos, uma população pequena se 2018, além das reflexões surgidas através do comparada a outras realidades urbanas Grupo de Pesquisa em Estudos Urbanos da brasileiras, ineficiências de suas redes de Amazônia Setentrional (GEURBAS/UNIFAP/ comunicação, ainda assim, apresenta uma CNPq). relevância no que diz respeito ao papel que Ressalta-se a cautela em estudos a cidade desempenha na rede urbana no urbanos em núcleos de povoamento que contexto regional, diante à sua localização se diferenciam em sua produção espacial, fronteiriça. sobretudo aos contextos metropolitanos, por Contudo, este ensaio tem como se tratarem de pequenas cidades amazônicas objetivo geral contribuir com o entendimento e apresentar especificidades regionais, em da questão urbana de Oiapoque, atrelada especial relevância a situação fronteiriça às marcas fronteiriças impressas no espaço em que o Oiapoque se localiza: de um lado

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Brasil, do outro a Guiana Francesa, um ribeirinhas etc.). As “cidades na floresta” departamento ultramar francês. Portanto, são aquelas que se articulam, sobretudo, às dois países próximos geograficamente e, ao demandas da região, fazendo da floresta um mesmo tempo, distantes no que diz respeito elemento de pouca integração aos valores da ao modo de produção espacial e ao sistema vida urbana, e a tem principalmente como político administrativo que prevalecem em espaço de exploração econômica, Trindade ambos os países. Júnior (2013). Diante desta complexidade da Corrêa (2006, p.258) destaca o papel das dimensão da “urbano diversidade”, Trindade pequenas cidades no contexto da rede urbana, Júnior (2013) propõe em uma perspectiva afirmando que estas são numerosas e geram, metodológica, a diferenciação de “cidades via de regra, expressiva densidade de centros da floresta” e “cidades na floresta”, levando que se situam a uma pequena distância média em consideração as diferentes formas da entre si, ainda que esta possa variar de acordo produção do espaço urbano amazônico, (2013, com a densidade demográfica da região em p 5): que se localizam. Neste sentido, em regiões densamente povoadas, o número de centros, cidades com maiores articulações, é elevado, Tal proposição, de natureza conceitual, que es- e, a distância média entre eles é pequena; nas tabelece o significado, a forma e o conteúdo da regiões escassamente povoadas, ao contrário, pequena cidade brasileira no passado e hoje, o número de centros diminui, aumentando a inspira-nos igualmente a propor, para o caso da Amazônia brasileira, a distinção entre as “cida- distância média entre eles, como é o caso da des da floresta” e as “cidades na floresta”. [...]. Ao realidade amazônica, em especial a cidade de reconhecermos as “cidades da floresta”, busca-se Oiapoque. estabelecer a diferenciação em face de outro tipo É imprescindível nesta análise, discutir de cidade, as “cidades na floresta”, que passaram as noções ainda que introdutórias sobre a compor, a partir do processo mais intenso de integração regional ao espaço brasileiro, a nova concepções teóricas de fronteira e limite, estrutura urbana e territorial da Amazônia, nota- que facilitam a compreensão dos fluxos e damente na sua porção oriental. dinâmicas territoriais em contextos urbanos fronteiriços. Machado (1998) esclarece importantes Desse modo a compreensão das pontos desta temática, informando, por “cidades da floresta”, para o referido autor leva- exemplo, que o limite é o conceito que se se em consideração diferentes características refere ao controle exercido por meio de espaciais de pequenas cidades, onde muitas acordos diplomáticos, responsáveis pela delas estão associadas à circulação fluvial delimitação e jurisdição do Estado-Nação, e com dinâmicas próximas às relações com ou seja, representa uma abstração instituída a natureza. Esclarece que as “cidades da politicamente e reconhecida legalmente floresta” eram predominantes na região até a pela escala nacional e, ao mesmo tempo, década de 1960 e apresentam características é subordinada ao controle da legislação de pequenas cidades, associadas à circulação internacional. fluvial e com fortes elos em relação à dinâmica Contudo, é a partir do limite instituído da natureza e à vida rural não moderna. Além e demarcado politicamente que são disso, tais cidades sempre estabeleceram conduzidas as múltiplas decisões políticas- densas articulações com os seus respectivos administrativas, inclusive as burocracias entornos ou localidades relativamente inerentes aos acordos dos diferentes fluxos próximas (vilas, povoados, comunidades internacionais, nos territórios sob influência

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direta dos limites instituídos. Diante desta realidade é que se Em relação às distintas visões e apresenta o Município de Oiapoquelocalizado concepções teóricas de fronteira, há embates no estado do Amapá (Figura 1), distante cerca teóricos-metodológicos que permeiam esta de 592 quilômetros de Macapá, a capital do profícua discussão. Sabe-se que ao longo Estado. Como já destacado, a municipalidade do tempo, os estudos de fronteira tiveram de Oiapoque está localizada na fronteira na história do pensamento geográfico e na setentrional do Brasil, limitando-se com Saint epistemologia da ciência geográfica, grandes Georges del’, município localizado no aprimoramentos teóricos, o que ampliou território da Guiana Francesa, e que apresenta e incorporou novas abordagens deste relações, sobretudo, sociais e econômicas, importante tema da ciência geográfica. com o lado brasileiro, demonstrando assim Inicialmente, fronteira quase sempre na espacialidade urbana a dinâmica entre estava associada à geopolítica, sendo as cidades-gêmeas (Oiapoque - BR e Saint um conceito-chave de entendimento dos Georges del’Oyapock – GF). conflitos territoriais. Atualmente, o conceito Além do distrito sede, o município de fronteira está associado também a outras também apresenta outros distritos distribuídos abordagens do conhecimento geográfico no território oiapoquense: Clevelândia do e das ciências sociais, como às temáticas Norte, Vila Velha do Cassiporé e Taperebá, urbanas, socioculturais, ambientais e de além dos territórios indígenas demarcados: desenvolvimento regional. terras indígenas Uaçá, Galibi e Juminá (VIDAL, Assim, nosso entendimento considera 2009). que a compreensão do termo fronteira é Dados do Instituto de Pesquisa e ampla, tendo-a como um espaço de interação Formação em Educação Indígena (IEPE, 2013) social e com elementos específicos impressos enfatizam que o município apresenta quatro na espacialidade, marcada pelo dinamismo etnias indígenas: os Karipunas, Galibi do transfronteiriço, e que as diferentes trocas Oiapoque, Galibi do Kumarumã e os , o marcam os fluxos e produzem o espaço que acrescenta na importância e diversidade fronteiriço, sobretudo nas cidades. sociocultural de Oiapoque.

Figura 01. Mapa político do Amapá com ênfase na localização do município de Oiapoque. Fonte: IBGE. Elaborado por Moura (2018).

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Além dessas especificidades, ainda 5.11 pontua-se sobre as importantes áreas 16.112 de preservação ambiental existentes no município. A esse respeito, Oliveira (2011, p. 27) Vitória do Jari 14.991 POPULAÇÃO TOTAL DO salienta que o Oiapoque constitui uma: 792.549 ESTADO DO AMAPÁ

Tabela 01. Estimativa populacional dos municípios [...] referência nacional e internacional de preser- amapaenses (2017) vação cultural e ambiental, por abrigar em seu Fonte: IBGE (2017). Organizado por Moura. (2018) território extensas áreas indígenas (5.441,00 km²), especialmente após a criação pelo Governo Fede- O cotidiano urbano de Oiapoque ral em 9 de agosto de 2002 do Parque Montanhas é marcado pelo dinamismo da fronteira. do Tumucumaque (8.810,00 km²). Conta com uma A paisagem urbana da cidade revela em unidade de conservação que é o Parque Nacional do Cabo Orange (2.137,00 km²). diferentes nuances, tal dinamismo, seja pelo ir e vir de pessoas e catraias pelo rio, pelas marcas impressas no espaço urbano, Oiapoque é um dos dezesseis como os letreiros das fachadas do comércio municípios que formam o Estado do Amapá, que apresentam o idioma francês, além do possuindo uma área de 22.625,286 km² e uma português, na troca da moeda real pelo euro, a população de 25.514 habitantes (Tabela 1), o cidade representa o centro difusor da troca e que representa a quarta maior população do do dinamismo urbano da/na fronteira franco- Estado. Segundo estimativas populacionais brasileira. do IBGE (2017) no Oiapoque tem-se um Almeida e Rauber (2017) discutem nesta predomínio de população masculina em perspectiva os múltiplos papeis da fronteira relação à população feminina, e uma em construção, percebida no município de densidade demográfica de 0,91 habitantes/ Oiapoque e suas implicações em diferentes km². perspectivas de compreensão (2017, p.481):

Estimativa da População O Município de Oiapoque, um local de encontros Município (2017) (Habitantes) e desencontros, de constante fluxo migrantil re- Amapá 8.757 gional e internacional, vivencia, nas últimas dé- cadas, as contradições do desenvolvimento. Essa Calçoene 10.525 “fronteira em construção” há séculos apresenta 5.637 uma articulação entre diferentes escalas e di- mensões do espaço no sentido do controle po- 7.270 lítico, da produção econômica, das significações 5.172 culturais e da constituição físico-ambiental em- butidas no (des)ordenamento regional conforme 47.554 a perspectiva. Macapá 474.706 Mazagão 20.387 Oiapoque 25.514 Nesta importante porção territorial do Brasil, sobretudo no que tange ao papel Pedra Branca do Amaparí 15.125 fundamental das cidades de fronteira, seja no 20.611 sentido de integração política, econômica e Pracuúba 4.779 cultural entre as cidades-gêmeas e os diferentes Santana 115.471 países, ou ainda no sentido do controle territorial da fronteira, se estabelecem na

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produção do espaço geográfico, intensos e fronteiriça do município e da cidadede Oia- variados fluxos, tanto nos circuitos superiores poque como destacado, permitem reflexões e inferiores da economia urbana, que acerca das influências dos atuais modos de imprimem na espacialidade urbana diferentes produção espacial que temos na cidade e, especificidades locais, que se atrelam à também, levam ao questionamento sobre as condição fronteiriça a partir de singularidades marcas impressas na paisagem urbana da ci- inerentes às possibilidades que a ciência dade de Oiapoque, que se relacionam com a geográfica possibilita na compreensão destas fronteira franco-brasileira. dinâmicas. Ressalta-se que o entendimento Acerca destas singularidades expressas da questão urbana, por sua própria na fronteira franco-brasileira, Martins (2011, p. amplitude apresenta desafios à produção do 2) acrescenta que: conhecimento na ciência geográfica, diante da grande complexidade que o desvendar do fenômeno urbano traz em sua essência. A fronteira do Amapá com a Guiana Francesa O desafio de se compreender o processo apresenta singularidades que merecem ser men- urbano em uma realidade como no Brasil, por cionadas: do lado brasileiro localiza-se a cidade sua grande dimensão territorial, por exemplo, de Oiapoque e do lado francês a cidade de Saint Georges, são coletividades separadas por crité- justifica-se com suas múltiplas diversidades rios relacionados à soberania; nacionalidade e regionais, e, nas cidades se consolidam e etnicidade; organização política, administrativa, materializam as especificidades regionais nos institucional. Mas também são muito próximas espaços urbanos. Diante deste contexto, que em termos físicos e em função do grau de inte- trata do entendimento da realidade urbana ração entre seus habitantes por conta do intenso deslocamento de pessoas de um lado a outro da brasileira, concorda-se com Carlos (2013, p. fronteira. 67), que pondera:

As interações sociais em espaços A cidade enquanto realização humana, é um fa- fronteiriços, como exemplo nas cidades zer-se intenso, ininterrupto. No Brasil, este “fa- gêmeas, são carregadas de dinamismos de zer-se” aniquila o que já está produzido a fim de diferentes fluxos e consolidações de múltiplas criar mais, e, infinitamente, formas novas. Isso nos leva a associar a ideia da cidade com as ima- redes que extrapolam cotidianamente os gens do inacabado. Em última análise, pode-se limites nacionais. Estas espacialidades estão dizer que as metamorfoses da cidade produzem em constante movimento, pois, sabe-se que imagens de ruínas e de devastações modernas. na produção do ambiente urbano, a cidade Por isso, muitos falam da cidade associando-a a manifesta em suas formas e processos ideia de caos. Trata-se, no entanto, de analisar a cidade “por dentro”, isto é, refletir sobre sua na- a compreensão da produção do espaço tureza. Deve-se aqui lembrar que a cidade tem a geográfico. dimensão do humano refletindo e reproduzindo- -se através do movimento da vida, de um modo de vida, de um tempo específico, que tem na base o processo de constituição do humano.’ DISCUSSÃO

SINGULARIDADES FRONTEIRIÇAS NA Para compreender uma espacialidade ESPACIALIDADE FRANCO-BRASILEIRA urbana como a da cidade de Oiapoque, é necessário imergir-se numa perspectiva de um A localização geográfica e a situação desvelar urbano crítico, que tem o fenômeno

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urbano como um processo complexo e a criação do território federal, justamente, cidade como a forma deste processo. a questão da sua localização geográfica Dessa forma a análise da cidade de fronteiriça e a necessidade de proteção e Oiapoque deve ser interpretada a partir de ocupação desta área, além, de discursos suas contradições socioespaciais para além ideológicos e hegemônicos, de ocupação de de suas formas. áreas demograficamente vazias na Amazônia Entretanto, ressalta-se que para o brasileira. entendimento das diferentes realidades A partir do processo de criação do urbanas, faz-se necessário uma cautela território federal do Amapá, as dinâmicas específica, no que diz respeito ao uso da urbanas dos municípios, intensificam-se frente escala de análise, pois sabe-se que a realidade às propostas de desenvolvimento regional, urbana no Brasil é diversa, principalmente representadas, sobretudo, pelos projetos no que diz respeito à realidade urbana de exploração de recursos naturais como amazônica, como explicita Becker (2013, p. madeira e diferentes minérios (DRUMMOND; 45) acerca das especificidades dos núcleos PEREIRA, 2007). urbanos localizados na Amazônia brasileira: O município de Oiapoque foi criado no ano de 1945, tendo como um de seus objetivos a questão da proteção da fronteira do Brasil Frente à teoria, a maioria dos núcleos amazôni- e da Guiana Francesa, sabendo que há muito cos permanece na condição de cidades locais. Os núcleos mais expressivos da região sem dúvida tempo, já se tinham diferentes interesses experimentaram ao menos um surto demográfi- administrativos, ao longo da história, nos dois co e econômico, que fez crescer a economia sem países, marcados por disputas territoriais mudar seu conteúdo, estrutura e complexidade. (SANTOS, 2012). Então elas não superaram a condição de lugares A intensificação da ocupação e centrais e por isso não impulsionaram a expan- são econômica e o desenvolvimento regional. ampliação dos espaços urbanos no estado do Amapá, provocou uma série de problemas sociais, incluindo-se aí as problemáticas Para além da análise dos diferentes ambientais, sobretudo, diante dos modelos tempos históricos na realidade local, a desenvolvimentistas, representados por localização geográfica do estado do Amapá empresas preocupadas, sobretudo, com e especialmente a localização fronteiriça de o aumento da produtividade industrial e, Oiapoque propiciam importantes reflexões consequentemente, com a ampliação de seus sobre as atuais formas de produção do espaço lucros. geográfico em diferentes perspectivas. No caso do município de Oiapoque, Destaca-se que o entendimento do processo um ponto chave para o entendimento de sua de ocupação e territorialização da área de produção espacial é o período econômico estudo é fundamental para a compreensão marcado pelo garimpo de ouro na região, o de maneira dialética do espaço geográfico que vai de certo modo direcionar um modelo e seu movimento inserido nas diferentes de produção do espaço urbano perceptível na temporalidades. contemporaneidade. Sobre este tema, traz- Um período importante da história do se aqui as ideias de Tostes (2013, p.78), que Estado do Amapá, a década de 1940, quando considerou: o vigente sistema administrativo do país, transforma o Amapá em território federal, pelo Decreto-Lei 5.812 de 13 de setembro As atividades que influenciam os distintos- nú de 1943. O discurso para a concretização da cleos urbanos estão configuradas entre as ativi- dades clandestinas, garimpos ilegais, invasões

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produção do espaço urbano, tendo a reflexão e outras atividades. Verifica-se que em todas as de que a cidade é dos que vivem nela, sejam cidades foram observadas atividades clandesti- os grupos indígenas, quilombolas, migrantes nas. Tais atividades podem ser classificadas em relação a irregularidades de obras, camelôs, am- e tantos outros protagonistas amazônicos, bulantes, ocupação de áreas de rios, várzeas ou ou seja, a análise pautada nas relações igarapés [...] Mas a cidade que tem a maior in- sócioespaciais, e, consequentemente, incluir cidência da atividade de garimpo é o Oiapoque. na dimensão de análise, o papel relevante A presença dessa atividade está registrada em do Estado, em mediar e às vezes induzir os tudo na cidade: no comércio, nos serviços, nos equipamentos, nas instituições, sendo hoje um conflitos sociais, na escala urbana, eem dos maiores entraves. especial relevo, as relações destes conflitos com a situação fronteiriça. Entende-se, contudo que as ações do Pondera-se que mesmo de maneira Estado são cruciais para garantir uma melhor introdutória, verifica-se a importância de qualidade de vida, representadas pelas percebermos na realidade urbana amazônica, diferentes articulações de políticas públicas, formas que contemplem as especificidades que visam à civilidade e melhoria de vida do regionais no processo de formação territorial, povo urbano amazônico. Ainda utilizamos das que se consolidam ao longo do tempo, frente às reflexões de Oliveira (2007), para explicitar dinâmicas das pequenas cidades amazônicas, o papel do Estado na gestão de espaços não homogeneizando as discussões e análises amazônicos, o autor supracitado assegura sobre os fenômenos no território amazônico. (2007, p.181): Ou seja, para o entendimento do processo urbano na contemporaneidade, é necessário a ampliação do olhar para a O Estado não é responsável por tudo, mas numa relação espaço-tempo, nas pequenas cidades região como a Amazônia o papel do Estado é re- amazônicas, como provoca Oliveira (2007, levante como indutor e como mediador de confli- p.179) ao elencar que: tos. As ações do Estado deveriam buscar as con- dições da urbanidade, o que significa articular as políticas públicas, visando remir os espaços co- letivos como signo da nova cidade, não só como As pequenas cidades amazônicas não são apenas funcionalidade da produção e da circulação, mas produtos do nosso tempo, mas, de tempos pre- como lugar das pessoas. Além disso, deve-se per- téritos cristalizados na paisagem, algumas delas seguir a busca de criar tempos e espaços para a foram criadas no período da colonização e outras vida em toda dimensão. Isto passa pelo resgate na economia da borracha. Porém, na paisagem da cidadania que exige a concretude de uma vida dessas pequenas cidades são poucos os objetos decente, que pressupõe o acesso às condições que retomam esses períodos. Aqui surge outra dignas de vivência. questão fundamental para se compreender as ci- dades na Amazônia, qual seja, de que a paisagem urbana não resume apenas o conjunto de obje- tos, mas, contém modos de vida, os quais, como Pondera-se que para o entendimento os primeiros, são resultantes das relações de pro- da questão urbana, na escala local, perpassa- dução continuamente produzidas, reproduzidas, se pelo papel do poder público para criadas e recriadas, contendo as dimensões da respondermos a alguns questionamentos, sociedade de cada tempo. como exemplo a carência de equipamentos públicos das mais diferentes áreas, como saúde, educação, infraestrutura viária, Diante do exposto, observa-se nossa ausência de espaços para a prática de lazer, preocupação em se realizar uma análise da ausência de saneamento básico, dentre outros

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problemas de ordem da gestão do poder todo esse processo de preocupação com as ques- público, nas diferentes esferas administrativas tões urbanas e de planejamento. (municipal, estadual e federal). As diferentes realidades urbanas amazônicas na Região Norte do Brasil, são de Como evidenciado, para se ter uma modo geral repletas de problemas e ausências análise fidedigna da espacialidade urbana no de infraestrutura de diversos equipamentos contexto amazônico é um desafio à vista, e públicos urbanos, realidade presente tanto tal desafio ocorre como explicita o presente nas capitais quanto nas cidades localizadas texto, por vários fatores, que influenciaram e nos interiores dos estados nortistas. influenciam nos atuais modelos de produção O Índice de Bem-Estar Urbano dos do espaço geográfico, dentre eles destaca-se a Municípios Brasileiros (IBEU), publicado em localização geográfica e a situação fronteiriça 2016, classificou os 5.565 municípios brasileiros do município de Oiapoque e suas atuais de acordo com critérios como mobilidade, marcas no espaço urbano. condições ambientais urbanas, condições Na espacialidade fronteiriça, no habitacionais, atendimentos de serviços contexto franco-amapaense, é notório na coletivos e infraestrutura diversa. De acordo paisagem urbana a presença de interações com este índice, as capitais da região norte que são estabelecidas pela sociedade, onde brasileira ocupam os piores lugares entre diferentes práticas econômicas, sociais, as capitais das demais regiões, e Macapá a políticas e culturais dos diferentes territórios capital do Amapá, ocupa o último lugar (27ª e territorialidades, representados por posição) entre as capitais brasileiras e a 5142ª diferentes protagonistas sociais, como os posição no ranking geral dos municípios. povos da florestas, indígenas, garimpeiros, O município de Oiapoque neste índice ribeirinhos, franco-guianenses, franceses, de bem-estar urbano ocupa a 5464ª posição, relacionam-se diretamente e têm no cotidiano no quadro geral dos municípios brasileiros, urbano, a experiência do viver a/na fronteira, evidenciando dessa forma, a precariedade ou seja, a prática das interações sociais das dos serviços públicos e infraestrutura urbana, relações internacionais nomeio urbano que é ofertada à população. amazônico. Como em outras realidades brasileiras, nas cidades amazônicas tem-se também o INTRAURBANO E INTERURBANO sucateamento das prefeituras municipais, CONTEMPORÂNEO SOB O CONTEXTO além de políticas públicas meramente FRANCO-BRASILEIRO assistencialistas presas a interesses pessoais e partidários. No Estado do Amapá, conforme Tostes (2013, p. 87), essa realidade é presente Mesmo localizado em uma importante na medida em que: porção territorial no contexto brasileiro, representando a única fronteira do Brasil com um departamento ultramarino francês, o espaço urbano de Oiapoque é marcado Os municípios amapaenses revelam a face cruel por sérios problemas sociais e ausências de dos municípios amazônicos. A falta de cumplici- equipamentos públicos que possibilitariam dade entre as esferas administrativas e de poder tem contribuído para a queda da qualidade de uma melhor qualidade de vida de sua vida, seja pela não oferta de serviços de trans- população. porte coletivo, água, esgoto, pavimentação, sis- Entre as mazelas urbanas destacam- tema de trânsito, entre outros. A passividade do se deficiências na estrutura físicados legislativo também tem sido um fator adverso a equipamentos públicos nas áreas de saúde

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e educação, má gestão dos resíduos sólidos ABAIRRAMENTO DE OIAPOQUE urbanos, que ainda são descartados no chamado “lixão” na área urbana, o que provoca 1. Centro / Central sérios problemas ambientais na cidade, 2. Nova Esperança ausência de saneamento básico e tratamento 3. Nova União de esgoto, problemáticas relacionadas às moradias em áreas inapropriadas à habitação, 4. Paraíso ausência de espaços públicos para a prática 5. Russo de lazer, excessiva quantidade de lixo e 6. Fazendinha esgosto descartados no rio Oiapoque, grande quantidade de vias públicas não pavimentadas, 7. Fm dentre outras mazelas presentes na cidade. 8. Planalto Atualmente a cidade de Oiapoque 9. Telles possui doze bairros e uma área quilombola1. A Figura 2 e o Quadro 1 na sequência, 10. Sesc evidenciam o atual abairrmamento da cidade 11. Infraero de Oiapoque. 12. Área quilombola Destaca-se que em bairros como o Universidade, existe uma tendência Quadro 01. Abairramento de Oiapoque – Amapá à supervalorização do espaço urbano Org: Moura (2018). em detrimento da UNIFAP, o que está promovendo a valorização imobiliária e futuramente proporcionará possíveis áreas de diferenciação socioespacial na cidade.

Figura 02. Mapa de abairramento de Oiapoque – Amapá. Fonte: Prefeitura Municipal de Oiapoque. Elaborado por: Couto, B. R. (2017). Adaptado por Moura (2018).

1 Área quilombola conhecida como Cantuário do Pai Bené, localizada nas proximidades do Bairro Infraero, portanto, inserido às dinâmicas urbanas de Oiapoque, o local afigura-se como um centro cultural e religiosos de matriz africana, com práticas do Candomblé e Umbanda.

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Um dos principais entraves para o “linhões” de transmissão, o que desse modo, desenvolvimento local e regional-fronteiriço tal atividade também é impactada no período de Oiapoque é a não conclusão do asfaltamento das chuvas intensas em momentos de de um trecho de cerca de 110 Km, (Figura 3) atoleiros, da rodovia federal, o que provoca na que anualmente com o período das chuvas2, cidade constantes faltas de energia no espaço apresenta a mazela anual dos já conhecidos urbano, frente ao atrasos dos caminhões que atoleiros da BR-156, a principal dificuldade de distribuem o óleo diesel para a geração de conexidade da rede rodoviária de Oiapoque. energia elétrica. Neste período de inverno, no espaço Este cenário pode ser alterado frente a urbano de Oiapoque, são sentidos os impactos novas políticas energéticas que estão sendo dos atoleiros no cotidiano da cidade. As geridas para a região. Segundo dados do viagens (Macapá – Oiapoque / Oiapoque – Ministério de Minas e Energia (2018), o Sistema Macapá) que normalmente no período de verão Isolado de Oiapoque atualmente é suprido amazônico (baixos índices pluviométricos), são por um Produtor Independente de Energia feitas em cerca de 10 horas, são aumentadas Elétrica (PIE) através de contrato estabelecido significativamente pelos inúmeros pontos de por meio de leilão, realizado no ano de 2014, atoleiros e buracos na BR-156. Além da alta dos com vigência até novembro do ano de 2030. preços das mercadorias básicas encontradas Estão em operação a Usina Termelétrica (UTE) nos estabelecimentos comerciais da cidade, Oiapoque, com capacidade instalada de 12,83 incluindo alimentos, combustíveis e gás de MW (10 unidades geradoras operando desde cozinha. novembro de 2015), e a UFV Oiapoque, com 4,3 MWp (ou 3,6 MW), a ser desativada quando se der a operação da PCH Salto Cafesoca (7,5 MW), prevista para 2021. A Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Salto Cafesoca, será implantada no rio Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa, seu projeto foi aprovado ainda no ano de 1997 pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), o projeto prevê um arranjo/sistema sem barragem, deverá apresentar estruturas localizadas na margem Figura 03. Estrada Macapá – Oiapoque (BR-156) no pe- direita, no lado brasileiro do rio Oiapoque, ou ríodo do inverno amazônico. seja, no limite da fronteira franco-brasileira Fonte: Moura (2017). (MME, 2018). Ainda no âmbito da rede técnica Destaca-se que a problemática da atrelada à questão urbana, destaca-se que distribuição de energia elétrica em Oiapoque, a cidade de Oiapoque ainda é dependente acarreta outras problemáticas nas redes de óleo diesel para a distribuição da energia informacionais no território fronteiriço aqui elétrica, uma vez que a cidade ainda não está discutido. inserida no sistema nacional de distribuição Como exemplo desse desencadear de energia elétrica, (sistema interligado de problemas da conexidade das redes nacional) ainda não está conectada aos estabelecidas no território, temos a internet

2 Período conhecido como inverno amazônico, marcado por altos índices pluviométricos, datados entre meses de dezembro a julho, o que pode variar de acordo com extensão do período das chuvas durante o ano. Em contrapartida, o chamado verão amazônico é o período com poucas chuvas e até mesmo a inexistência delas. Ressalta-se que por se localizar próximo a Linha do Equador, as variações de tempera- tura, são sempre baixas, quase sempre é quente nesta região.

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e telefonia fixa e móvel, que mesmo em ser priorizados nas elaborações de políticas um período de alta conectividade pela regionais e locais, evitando conflitos que rede mundial de computadores, marcado podem promover ainda mais o distanciamento por avanços no sistema técnico-científico- entre os dois países, através das distintas informacional, Oiapoque ainda apresenta ideologias políticas e administrativas. sérias deficiências nas redes técnicas- É certo que a cidade de Oiapoque representa informacionais na contemporaneidade, não o espaço urbano mais impactado com a diferente de outras realidades de pequenas abertura da Ponte Binacional, por issoa cidades que também vivenciam o isolamento fundamental importância na elaboração territorial brasileiro. de políticas eficazes para a administração Tais complexidades nos faz pensar entre os dois países, que são beneficiados nas desigualdades territoriais no Brasil, e, pela ponte. Tais políticas devem priorizar ainda nos leva a reflexão de que estamos o desenvolvimento econômico e social em próximos geograficamente de um país com ambos os países, mas, como destacado ao outra realidade, em termos de conexidade longo do artigo, é na cidade de Oiapoque que de redes-territórios, mostrando um os fluxos e as trocas fronteiriças materializam- distanciamento na forma em que os territórios se no espaço geográfico amapaense. Desta e as redes produzem o espaço fronteiriço no forma, concorda-se com as ideias de Silva e norte brasileiro: proximidades e distâncias Superti ao apontarem que (2015, p. 65): territoriais. Destaca-se ainda como principal marca da possível e questionável integração da/ A inauguração da Ponte Binacional abre possi- na fronteira franco-brasileira é a abertura bilidades para o desenvolvimento econômico e parcial da Ponte Binacional, oficializada no social do município ressaltando suas atividades mês de março de 2017. A abertura da ponte comerciais e permitindo novas oportunidades com o aproveitamento de seu potencial turísti- substitui parcialmente o uso regular de balsas co. Contudo, as politicas públicas de instalação 3 e catraias no rio Oiapoque. Ressalta-se que das infraestruturas transfronteiriças (IIRSA e Pro- existem regras para travessia sob a ponte, grama de Aceleração do Crescimento – PAC) não como exigência de visto, estão mantidas e vislumbram a inserção de mecanismos de desen- condicionadas ao pagamento do seguro para volvimento urbano em escala local. De modo que, se existem perspectivas positivas, elas só serão os veículos brasileiros, que variam entre viabilizadas por políticas estruturais socioeconô- 250 a 450 euros, de acordo com modelo do micas fomentadas a partir do contexto local, caso automóvel. A ponte fica aberta de segunda- contrário, a cidade de Oiapoque pode, também, feira à sexta-feira, das 8h às 18h, e aos se tornar simples rota de passagem, com seu atu- sábados, das 8h às 12h. al centro comercial isolado pelo posicionamento do ramal de acesso que liga a ponte diretamente Esta abertura pode simbolizar a a BR-156 sem passar pelo núcleo urbano ou ainda concretização de potencialidades e promover o surgimento de uma nova cidade sob influência o desenvolvimento econômico para a cidade do fluxo entre a rodovia e a ponte. de Oiapoque, por exemplo, através de atividadescomerciais e de serviços, como a estruturação de atividades turísticas em espaços naturais. No entanto, também podem Evidentemente que os impactos da existir implicações negativas com a abertura abertura da Ponte Binacional extrapolam deste objeto técnico de integração, que devem a escala urbana local, mas, sem dúvida, a

3 Nome dado a embarcação fluvial que transporta pessoas e pequenas mercadorias entre as cidades-gêmeas Oiapoque e Saint George. Catraeiro é o nome dado para os condutores da embarcação.

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cidade de Oiapoque deve ser contemplada instituído no exercício do controle territorial, em politicas públicas estruturantes, como significa avanços para o desenvolvimento potencializadoras do bem-estar social e da regional, sinalizando a necessidade de qualidade de vida urbana oiapoquense. projetos que realizem na prática a integração regional e desenvolvimento territorial CONSIDERAÇÕES FINAIS urbano, para além da visão mercadológica e exploratória da fronteira franco-brasileira. Para que ocorra o desenvolvimento social em sua totalidade é imprescindível a produção de novos conhecimentos destas realidades específicas em escalas locais/ REFERÊNCIAS regionais e que todos protagonistas sociais sejam partícipes do dito desenvolvimento. Este artigo se apresenta como ALMEIDA, Carina Santos de; RAUBER, Alexandre possibilidade de contribuição que vai Luiz. Oiapoque, aqui começa o Brasil: a além da compreensão da área em estudo, fronteira em construção e os desafios do bem como, um mecanismo suporte para desenvolvimento regional. In: Redes– Revista estabelecer ferramentas de gestão territorial do Desenvolvimento Regional. Programa de para que se tenha um melhor planejamento Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e direcionamento de políticas públicas da Universidade de Santa Cruz do Sul, v. 22, mais eficazes no espaço urbano fronteiriço n. 1, janeiro-abril, Santa Cruz do Sul, 2017. de Oiapoque, possibilitando, assim, diante Disponível em: https://online.unisc.br/seer/ de novos mecanismos e práticas políticas index.php/redes/article/view/8532/pdf. de planejamento urbano, melhorias nesta Acesso em: Março de 2018. importante área do território brasileiro, uma região fronteiriça repleta de vivacidade BECKER, Bertha. A urbe amazônida. Rio de territorial. Janeiro: Garamond, 2013. Afinal, como é mencionado no principal monumento da cidade de Oiapoque, “Aqui CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade. São começa o Brasil”, a cidade ainda é conhecida Paulo: Contexto, 2013. nacionalmente pela representação social simbólica de extremo norte brasileiro.A CORRÊA, Roberto Lobato. Estudos sobre a rede conhecida frase “do Oiapoque ao Chuí”, urbana. : Bertrand Brasil, 2006. continua em muitos imaginários e representações sociais acerca das distâncias DRUMMOND, José Augusto. PEREIRA, territoriais brasileiras. E, que este começo não Mariângela de Araújo Póvoas. O Amapá nos seja apenas no sentido locacionalda dimensão tempos do manganês: um estudo sobre o territorial brasileira, mas, represente (re) desenvolvimento de um estado amazônico começos, de mudanças e práticas estruturais (1943 -2000). Rio de Janeiro: Garamond, 2007. na cidade em sentidos amplos, sobretudo, em uma cidade com menos desigualdades sociais IBEU, Índice de bem-estar urbano dos e mais justiça espacial. municípios brasileiros. Observatório Os desafios para o entendimento e gestão das Metrópoles, Instituto de Pesquisas e do território urbano fronteiriço é gigante, no Planejamento Urbano e Regional, Instituto entanto, o reconhecer das potencialidades Nacional de Ciência e Tecnologia. Disponível e limites da fronteira, para além do limite em: http://observatoriodasmetropoles.net/

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