CARTA DOS EDITORES

“Toda ideia de país resulta de uma construção ideológica”. São com essas provocadoras pa- lavras que o Embaixador Rubens Ricupero, em seu livro “A diplomacia na construção do Brasil”, discute a formação da identidade nacional. Se as bases de nossa atuação externa foram, em grande medida, consolidadas pelo Barão do Rio Branco, nossa mais recente “ideia de país” é em muito influenciada pela Constituição Federal de 1988. Fruto de uma euforia advinda do fim de um longo regime autoritário, a Constituição é a imagem de uma sociedade que se pretende democrática, pacífica e promotora da equidade social. Ao dialogar com a função simbólica da Carta, a décima edição da Revista Juca propôs-se a discutir os avanços reais da Constituição na esteira das comemoração de seus trinta anos de exis- tência. Além de entrevistarmos atores políticos relevantes nesse processo e discorrermos sobre ele, questionamos a nós mesmos: consideramos que os alunos-diplomatas, espraiados por páginas e páginas da Juca, são consequência inexorável da Constituição de 1988. Refletir sobre ela é, por- tanto, ruminar sobre política externa brasileira, sobre os rumos da política interna e sobre nosso papel numa democracia que, embora adulta, enfrenta uma luta cotidiana para consolidar-se. Es- crever sobre a Constituição de 1988 acaba por ser autorreferente: trata-se de entender um pouco mais sobre nós. Tal como em suas edições anteriores, a Revista Juca continua a ser um esforço de representa- ção dos novos integrantes da carreira diplomática. Ela acaba, igualmente, por refletir as mudan- ças institucionais na formação dos novos diplomatas brasileiros. Com a redução da extensão do curso, os esforços para a publicação da Revista Juca principiam no intervalo das primeiras lições de “Política Internacional I”, mas apenas terminam ao longo de nossa primeira lotação. Isso aca- ba por refletir nos temas abordados na revista: artigos como “Cooperação em saúde no BRICS: símbolo de um novo ciclo de atuação do agrupamento” e “A Plataforma para o Biofuturo e a nova diplomacia brasileira da bioenergia” são fruto de uma inquietação intelectual que tem como base o trabalho cotidiano dos novos diplomatas nas respectivas divisões. Há, igualmente, artigos que exibem a vida profissional pregressa de seus autores, tais como “Relações Brasil-URSS, Primeiro Ato” e “O início dos Amores”. De certo modo, a Juca é a soma do que fomos, do que somos e do que almejamos ser. A publicação, sem nenhum descontinuidade, da décima edição da Revista Juca é motivo de celebração. Muitas publicações não sobreviveram aos dez anos de existência. A Juca, por sua vez, perseverou. Ano após ano, uma equipe de diplomatas aprende as bases da editoração, muitas ve- zes sem experiência prévia, para exercer uma das maiores conquistas da Constituição de 1998: a liberdade de expressão. O resultado soma-se aos esforços de suas antecessoras e, esperamos, estimula as próximas turmas a seguir adiante. A todos, desejamos uma boa leitura! Expediente Agradecimentos

JUCA Ministro de Estado das Relações Exteriores, Senhor Aloysio Nunes Edição 10 / 2018 Ferreira, Secretário-Geral das Relações Exteriores, Embaixador Instituto Rio Branco Marcos Bezerra Abbott Galvão, Diretor-Geral do Instituto Rio Branco Impressa em Brasília (2016-2018), Embaixador José Estanislau do Amaral Souza Neto, atual Brasil Diretora-Geral do Instituto Rio Branco, Embaixadora Gisela Maria Figueiredo Padovan.

EDITORES HONORÁRIOS Embaixador José Estanislau do Amaral Deputada Benedita Souza da Silva Sampaio. Souza Neto Embaixadora Gisela Maria Figueiredo Embaixador Eduardo Paes Saboia, Embaixadora Eugênia Barthelmess, Padovan Embaixador Norberto Moretti, Embaixador Sílvio José Albuquerque e

EDITORA-CHEFE Silva. Maria Eduarda Paiva Ministro Felipe Hees, Ministro Sérgio Barreiros de Santana Azevedo. EDITORA-EXECUTIVA Isadora Loreto da Silveira Conselheiro Bruno de Lacerda Carrilho, Conselheiro Cícero Tobias de EDITORES DE ARTE Oliveira Freitas, Conselheiro Francisco Eduardo Novello, Conselheiro Mariana Marshall Parra Pedro Barreto da Rocha Paranhos George de Oliveira Marques, Conselheiro João Mauricio Cabral de Mello, Conselheiro Ronaldo Alexandre do Amaral e Silva, Conselheira EDITORES DE DOSSIÊ Ellen Cristina Borges Londe Mello Viviane Rios Balbino. Arthur Cesar Lima Naylor Secretário Danilo Vilela Bandeira, Secretário Diogo Ramos Coelho, EDITORES DE ENTREVISTAS João Soares Viana Neto Secretário Felipe Krause Dornelles, Secretário Felipe Neves Caetano Ramiro Januário dos Santos Neto Ribeiro, Secretário Filipe Correa Nasser Silva, Secretário Henrique

EDITOR DE DIPLOMACIA E POLÍTICA Choer Moraes, Secretária Laís de Souza Garcia, Secretário Luiz de INTERNACIONAL Andrade Filho, Secretário Pedro Mendonça Cavalcante, Secretário Wallace Medeiros de Melo Alves Vismar Ravagnani Duarte Silva, Secretária Yukie Watanabe.

EDITOR DE CULTURA E ARTE Guilherme Fernando Rennó Kisteumacher Senhor Adriano César Santos Ribeiro, Senhor Carlos Alexandre Fernandes Considera, Senhora Dieime Simões de Souza Madureira, EDITOR DE MEMÓRIA DIPLOMÁTICA Adriano Bonotto Senhora Giovanna Cerqueira Lombardo, Senhor Iuri Medeiros de Jezus, Senhora Natanni Fernandes Santiago, Senhor Rafael Lima Barbosa. EDITORA DE ENSAIOS E RESENHAS Mariana Marshall Parra

EDITORA DE TRADUÇÕES Camilla Corá

DIAGRAMAÇÃO Helkton Gomes

CAPA Arquivo da Câmara dos Deputados Sumário

DIPLOMACIA E MEMÓRIA DIPLOMÁTICA DOSSIÊ POLÍTICA INTERNACIONAL Quem foi Bertha Lutz? – 78 Camilla Corá e Sarah Venites Apresentação do A plataforma para o biofuturo e a nova Dossiê – 04 diplomacia brasileira da bioenergia – 58 Os Editores 3006 Massachusetts Avenue: Adriano Bonotto A relação Brasil-EUA nas memórias de diplomatas Os impactos da Constituição de 1988 nas Cooperação em saúde no BRICS: Políticas Sociais – 06 brasileiros – 88 símbolo de um novo ciclo de atuação do Filipe Nasser e Wallace Alves Camilla Corá, Isadora Loreto e Maria agrupamento – 62 Eduarda Paiva Ramiro Januário dos Santos Neto e Isadora Diplomacia, soberania e estratégia: a Loreto da Silveira Contrato Social Antieconômico? A relação atuação do Barão do Rio Branco na ambígua entre a Constituição Federal e a Questão do (1902-1903) – 98 Mercosul e Venezuela: Direito e Guilherme Fernando Rennó Kisteumacher economia – 14 Democracia – 68 Arthur Cesar Lima Naylor Riane Laís Tarnovski Relações Brasil-URSS, Primeiro Ato: A Chancelaria Brasileira Frente à Dupla Da Discriminação Racial no Direito Brasil e os países do Conselho de Internacional e na Constituição Federal Revolução de 1917 – 108 Cooperação do Golfo – uma análise das Marcelo Laraburu de 1988 – 18 relações históricas e perspectivas – 72 Ramiro Januário dos Santos Neto Al-Anoud Al-Sabah CULTURA E ARTE Muitos tons de verde: o longo e acidentado caminho do meio ambiente até a RESENHAS Constituição – 22 Athos Bulcão e Arthur Cesar Lima Naylor “Eu cruzaria a cidade em bicicleta só para o mundo ao te ver dançar”: resenha de “Jóquei”, de seu redor – 126 Matilde Campilho – 114 Vismar Ravagnani Isadora Loreto da Silveira ESPECIAL 10 ANOS Um estadista brasileiroo no DE JUCA Resenha: “Madame President – The país do sol nascente: um pioneiro extraordinary journey off EEllenllen da diplomacia pública – 130 Celebrando as “ficções da memória”: Johnson Sirleaf” – 118 Daiki Inaba lembranças afetivas dos dez anos da Mariana Marshall Parra JUCA – 26 “Os Embaixadores” de Camilla Corá, Maria Eduarda Paiva e “Lima Barreto – Hans Holbein e a Wallace Medeiros de Melo Alves triste visionário” desordem mundial – 134 Lilia Moritz Schwarczcz – 121222 Guilherme Fernando Rennó Kisteumacher Maria Eduarda Paiva O início dos amores: Império e ENTREVISTAS militarismo na poesia – 138 Hudson Caldeira Brant Sandy “Ser ministro das Relações Exteriores é Benedita da Silva estar no lugar onde a atividade política, “Eu nunca vi, no Brasil, um momento tão em sua acepção mais elevada, é exercida. rico quanto o da Assembleia Nacional É uma enorme fonte de satisfação”: Constituinte[...]. DIVERSOS Entrevista com o ministro Aloysio Nunes Eu passei por um momento de grande Ferreira – 36 emoção.” – 44 Na Itaipu, Isadora Loreto da Silveira, João Soares Elaine Cristina Pereira Gomes; Igor Goulart o traço todo Viana Neto, Maria Eduarda Paiva e Ramiro Teixeira; Rafaela Seixas Fontes; Ramiro da diplomacia – 144 Januário dos Santos Neto Januário dos Santos Neto; Rodrigo Cruvinel Maria Eduarda Paiva Barenho e Rodrigo Ponciano Guedes Bastos dos Santos. A OMC em águas turbulentas – 152 “Você conhece algum diplomata brasileiro Pedro Gazzinelli Colares negro?”: Entrevista do embaixador Silvio José Albuquerque e Silva à revista JUCA – 50 João Soares Viana Neto DOSSIÊ 5

Apresentação

Escolher a Constituição como tema do Dossiê desta JUCA foi até certo ponto fácil. Não é apenas que as efemérides se consolidaram, ao longo dos dez anos da revista, como critério preferencial na hora de esco- lher o assunto de sua seção mais importante. É também que, embora 2018 seja um ano pródigo em celebrações relevantes, como provam o centenário do fim da 1a Guerra e os 50 anos das revoltas juvenis que abalaram o mundo, os 30 anos da Constituição são um tema que muito de perto diz respeito a nós, jovens diplomatas, por afinidade tanto geográfica quanto geracional. Não é exagero dizer que somos os filhos da Constituição, do Brasil que ela refletiu e do Brasil que ela sonhou, passa- do e futuro entrelaçando-se nas múltiplas possibilida- des de um presente que estamos permanentemente a construir. Contudo, além de homenagear uma tradição edi- torial já enraizada, a escolha dessa efeméride específi- ca vem a calhar por uma razão que o próprio tema deste Dossiê celebra. Somos uma turma diversa, com interes- ses e visões diversos, e temos a convicção, que a Carta de 88 elevou a princípio organizador de nossa demo- cracia, de que a diversidade deve celebrada e estimula- da, jamais reprimida. A Constituição é o Brasil e o mun- do, é um espelho e uma bússola, é uma enciclopédia e um manual de instruções. Tudo ao mesmo tempo, tudo no mesmo pacto. Portanto, cara leitora, caro leitor, ao ler, nas próximas páginas, sobre políticas sociais, eco- nomia, meio ambiente e racismo, sugerimos que não pense num conjunto de assuntos em busca de um nor- te. Pense num caleidoscópio, que, com suas múltiplas refrações, longe de parecer desconjuntado, revela uma unidade colorida e desconcertante.

Boa leitura!

Os editores DOSSIÊ 7

Os impactos da Constituição de 1988 nas Políticas Sociais

Camilla Corá, Isadora Loreto e Maria Eduarda Paiva

A redemocratização e a Constituição de 1988 Se é inegável que a Constituição foi marco po- lítico fundamental para um país que, havia vinte anos, Era 05 de outubro de 1988, pouco antes das três e desconhecia a democracia, não restava claro, naque- meia da tarde. Ulysses Guimarães, presidente da As- la conjuntura, qual seria a contribuição do novo texto sembleia Nacional Constituinte, José Sarney, presidente constitucional para os mais pobres – a grande parcela da da República, e Rafael Meyer, presidente do Supremo população que nunca havia se identificado como sujeito Tribunal Federal, reuniram-se em frente ao Congresso de direitos. Nesse aspecto, o texto constitucional de 1988 Nacional, onde foram saudados por tiros de canhão e contém normas que ora ampliaram direitos e garantias pela execução do Hino Nacional. Após a revista às tro- sociais anteriores a sua promulgação, ora instituíram pas, os três presidentes subiram a rampa do Congresso, políticas sociais até então inexistentes. Os direitos so- quando foram aclamados por fogos de artifício. ciais foram a principal inovação de uma Constituição No Plenário da Câmara dos Deputados, o pre- que se pretendeu cidadã, norteando fundamentalmente sidente da Assembleia Constituinte e o presidente do os objetivos da Carta: Senado, Humberto Lucena, foram os primeiros a chegar para a composição da Mesa. A entrada das autoridades (...) instituir um Estado democrático, destinado a naquele que foi o palco principal dos grandes debates da assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvi- Constituinte foi seguida de uma grande salva de palmas. mento, a igualdade e a justiça como valores supremos Com a chegada dos presidentes José Sarney e Rafael de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconcei- Meyer, conduzidos ao Plenário pelos líderes dos parti- tos, fundada na harmonia social (...). dos políticos, deu-se início à cerimônia de promulgação da Constituição Federal de 1988. Passados trinta anos da promulgação da Consti- Todos os presentes ouviram de pé o Hino Na- tuição, pode-se afirmar que, embora a implementação cional. Em seguida, o deputado Ulysses Guimarães as- das políticas sociais seja um processo inconcluso e com sinou cinco exemplares originais da nova Constituição. graus distintos de êxito a depender das políticas anali- Faltavam dez minutos para as quatro da tarde quando sadas, houve avanços inegáveis. Não apenas são percep- o deputado declarou promulgada a Constituição, numa tíveis as inovações promovidas nas áreas de assistência fala de improviso, que transmitia a emoção do interlo- social, saúde, educação e combate à extrema pobreza, cutor: “Declaro promulgada o documento da liberdade, como também a manutenção de grande parte do arca- da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. bouço normativo original. Em um texto emendado por Que Deus nos ajude. Que isto se cumpra”. noventa e nove vezes desde 1988, em meio a distintas DOSSIÊ crises políticas e econômicas, é surpreendente a perma- à assistência social”. Determinados direitos sociais são, nência de grande parte dos avanços constitucionais em pela primeira vez, vistos de maneira integrada, como termos de políticas sociais. uma medida necessária para combater situações de vul- Compreender a magnitude da Constituição de 1988 nerabilidade. Essa inovação ganha importância quando para as políticas sociais demanda um olhar à legislação se verificam os princípios que regem a Seguridade So- que a antecedeu. O sistema de políticas sociais brasileiro cial: universalidade da cobertura e do atendimento; uni- surge, em sua essência, em 1930, com a vigência de uma formidade e equivalência dos benefícios e dos serviços legislação que ampliava benefícios assistenciais, previ- às populações urbanas e rurais, caráter democrático e denciários e, especialmente, trabalhistas e com a atua- descentralizado da gestão administrativa, entre outros. ção do Estado como regulador de um pacto social que A Constituição orientou a necessidade de um cuidado se constituía. No entanto, os sistemas que se formavam integrado, abrangente e intersetorial para uma popula- eram bastante seletivos e voltados a um número res- ção, em geral, desassistida. trito de beneficiários. Essa limitação torna-se evidente Como se percebe, a Constituição de 1988 buscou na área de saúde, em que, até 1988, o acesso a serviços romper com essa lógica seletiva em políticas sociais, hospitalares estava limitado a pessoas formalmente in- adotando um modelo mais redistributivo. Não era uma seridas no mercado de trabalho, estando o restante da opção óbvia: o Brasil dos anos 1980 vivia uma de suas população ao arbítrio da filantropia. piores crises econômicas, e estabelecer de que maneira Antes de 1988, o acesso à maioria dos serviços so- custear as ambições da Constituição em questões so- ciais era essencialmente baseado no vínculo trabalhista ciais foi um dos duros debates travados na Constituinte. do cidadão. Essa lógica de sistema protetivo é perversa Esse debate, como se sabe, estava longe de se limitar ao por estimular um círculo vicioso de pobreza quase im- Brasil: o papel do Estado estava sendo questionado nas possível de ser rompido. Aqueles que não estavam no maiores economias do mundo, com acentuada projeção mercado formal de emprego – ou seja, os estratos mais das teses em favor de um Estado mínimo. Adotar políti- marginalizados da sociedade – não tinham uma rede de cas sociais abrangentes e universais não era um movi- apoio do Estado que propiciaria a superação da pobreza mento natural, exigindo grande capital político de seus no médio prazo. Como os mais pobres eram necessaria- defensores. mente os menos protegidos, praticamente inexistia mo- Uma Constituição, quando elaborada, não é um re- bilidade social. Segundo Jorge Abrahão e José Apareci- trato fiel da sociedade, mas, sim, uma rota para o seu do Ribeiro, em “As Políticas Sociais de 1888: conquistas futuro. A implementação da Constituição cidadã certa- e desafios”, os dados sociais evidenciavam as condições mente não foi fácil e segue, até os dias atuais, incom- de vida precárias de boa parte da população: em 1980, pleta. Ainda assim, o explícito comprometimento com a a esperança de vida ao nascer era de apenas 60 anos; a inclusão e com a redução da pobreza rendeu frutos que taxa de mortalidade infantil era de 88 por mil nascidos devem ser comemorados no aniversário de 30 anos da vivos; o analfabetismo na população de 15 anos ou mais Carta. era de 25%. Como grande feito, a Constituição de 1988 intro- duziu no ordenamento jurídico brasileiro o conceito As políticas sociais da Constituição de 1988 de Seguridade Social, que, de acordo com o art. 194 da Carta, “compreende um conjunto integrado de ações Os novos dispositivos constitucionais tiveram im- de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, des- pacto direto na vida de milhões de brasileiros, como tinadas a assegurar os direitos à saúde, à previdência e Dalva Gomes e sua família. Tendo crescido nos anos 9

1980, Dalva teve pouco acesso a uma rede efetiva de pro- vens, idosos, portadores de deficiência, etc.), programas teção social. Foi nesse contexto que, aos 15 anos, ela saiu e projetos assistenciais (nas áreas de erradicação do tra- de Cristino Castro, no Piauí, para trabalhar como em- balho infantil e combate à exploração sexual de crian- pregada doméstica em Brasília. A situação já era distinta ças, por exemplo). É importante notar que, com o ad- quando suas quatro filhas nasceram: Dalva pode contar vento da “Constituição Cidadã”, a política de assistência com o apoio do Sistema Único de Saúde para a realiza- social foi decididamente vinculada ao Estado, diferen- ção do parto e para o acompanhamento materno-infan- ciando-se substancialmente da abordagem baseada na til. Dalva também se tornou beneficiária do Programa intervenção filantrópica e na transferência de recursos Bolsa Família, o que lhe permitiu complementar a renda a entidades privadas de caridade. As políticas dessa ver- familiar de modo que suas filhas não precisassem repro- tente, uma vez dispersas e fragmentadas, foram ganhan- duzir a história da mãe, acumulando rotina escolar com do consistência, e a década de 2000 inaugurou também trabalho. Em 2016, Suellen – a filha mais velha de Dal- a adoção de políticas de transferência de renda no âm- va – entrou na faculdade de Enfermagem, caminho que bito federal (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio- Dalva espera ser seguido pelas demais. -Gás e, mais tarde, Bolsa-Família). A melhoria das condições de vida de Dalva e sua fa- Dentre as políticas mencionadas, o Programa Bol- mília tornou-se possível em razão das garantias da Cons- sa Família tem papel de destaque, dado seu alcance e tituição de 1988. O sistema brasileiro de proteção social, potencial transformador. Instituído em 2003, por meio criado a partir do arcabouço constitucional de 1988 e da unificação dos procedimentos das ações de transfe- posteriormente incrementado e regulamentado, pode rência de renda criadas no governo Fernando Henrique ser analisado a partir da definição de José Celso Cardo- Cardoso, seu objetivo principal é contribuir para o com- so Jr. e Luciana Jaccoud em “Políticas sociais no Bra- bate à pobreza e à desigualdade social no país. O pro- sil: organização, abrangência e tensões da ação estatal” grama é pautado no complemento da renda familiar, em (2005), segundo a qual a ação social estatal no âmbito somas que variam a depender da vulnerabilidade social federal pode ser dividida em quatro eixos estruturantes e do número de integrantes da família. básicos: emprego e trabalho, assistência social e comba- Mensalmente, mulheres de todos os cantos do Bra- te à pobreza, direitos incondicionais e cidadania social e sil – que foram priorizadas pelo Programa e consistem infraestrutura social. O primeiro eixo inclui previdência em mais de 90% dos representantes familiares – podem social, políticas de apoio ao trabalhador e organização sacar o complemento de renda transferido pelo progra- agrária e política fundiária; o segundo, assistência so- ma em agências bancárias ou casas lotéricas, por meio cial, alimentação e nutrição e ações de combate à pobre- de um cartão magnético pessoal e intrasferível. Esse za e transferência de renda; o terceiro, saúde e ensino mecanismo impede, de certa maneira, o personalismo fundamental; e o quarto, habitação e saneamento. Esse de muitas políticas sociais anteriores, em que um aten- rol de políticas não é exaustivo, podendo-se pensar tam- dimento ou uma cesta básica dependiam, em essência, bém em uma série de políticas de promoção de igualda- das benesses de um gestor municipal. Ao tornar impes- de racial e de políticas para mulheres, por exemplo. soal a seleção dos beneficiários e a transferência de ren- No que se refere ao segundo eixo, foco principal da, o Bolsa Família humanizou as políticas sociais. deste artigo, a Lei Orgânica de Assistência Social, de A grande inovação do Bolsa Família parece ter sido 1993, definiu as ações de assistência social a partir de a sua integração às políticas sociais incondicionais: saú- quatro categorias: benefícios (Benefício da Prestação de, educação básica e assistência social, cujo acesso é, Continuada e benefícios eventuais), serviços (ativida- em teoria, de caráter universal. Tanto a saúde quanto a des de atendimento ou abrigamento para crianças, jo- educação básica passaram, a partir da nova Constitui- DOSSIÊ

ção Federal, a ser localizados na esfera dos direitos ria no Brasil recente (1992 a 2014)” (2016), entre 1992 e inalienáveis de todos os cidadãos e do dever do Estado. 2014, a renda domiciliar per capita média passou de 541 Persiste, contudo, uma série de desafios em ambas as reais para 1.058 reais. O índice de Gini baixou de 0,61 em áreas, uma vez que a cobertura universal é segmentada 1993 para 0,59 em 2001 e para 0,52 em 2014. A extrema e marcada pela qualidade variável dos serviços oferta- pobreza (parcela da população com renda domiciliar dos pelo Estado. per capita de até R$ 70,00) afetava 13,5% da população A fim de garantir a manutenção do benefício finan- brasileira em 1992, passando para 8,2% em 2003 e atin- ceiro do Bolsa Família, as famílias precisam estar em dia gindo 2,5% em 2014. A pobreza (renda domiciliar per com as condicionalidades, tais como o cumprimento capita de até R$ 140,00) passou de um nível de 31% em do calendário vacinal e frequência escolar. Ao garantir 1992 para 24% em 2003, e alcançou 7% em 2014. que crianças e jovens pobres acessem as redes públicas de saúde e educação, o Bolsa Família auxilia na forma- ção de uma geração mais saudável e mais letrada que Os reflexos na política externa brasileira a sua antecessora. Mais apta, assim, a romper com sua condição de pobreza. A transferência condicionada de É difícil separar os impactos das políticas sociais renda também gera uma demanda importante para o introduzidas ou possibilitadas pela Constituição de poder público: ofertar os serviços necessários para que 1988 na política externa daqueles do próprio processo os beneficiários do programa consigam, efetivamente, de redemocratização. A nova Constituição regulava, cumprir as condicionalidades. Isso demandou maior em dimensão inédita, a condução da política externa investimento em escolas, postos de saúde e centros de brasileira, destacadamente em seu artigo 4º, que Assistência Social. elenca, entre os princípios que regem as relações Embora o Bolsa Família esteja longe de ser o único internacionais do Brasil, a «prevalência dos direitos programa social instituído após a Constituição de 1988, humanos», o «repúdio ao terrorismo e ao racismo», ele é um grande símbolo de como a questão social ga- e a «cooperação entre os povos para o progresso da nhou relevância nas últimas décadas. A transferência humanidade». Conforme Polveiro Jr., no artigo «As condicionada de renda aos mais pobres foi, por muito relações internacionais na Constituição de 1988 e suas tempo, o programa social mais discutido nos debates consequências na política externa brasileira”, a partir políticos, nas redes sociais e nos almoços de domingo. da promulgação da Constituição Cidadã, evidenciou-se As discordâncias são expressão saudável de uma demo- a percepção da política externa como instrumento para cracia que teve seu primeiro contato com desenhos de realização dos objetivos fundamentais da República, políticas sociais de amplo alcance para a população de- conforme elencados no artigo 3º daquela Carta: i) cons- sassistida. truir uma sociedade livre, justa e solidária; ii) garantir o O debate não deve, no entanto, ignorar os resultados desenvolvimento nacional; iii) erradicar a pobreza e a consideráveis na vida das pessoas: a preocupação com o marginalização e reduzir as desigualdades sociais e re- caráter cidadão e redistributivo inscrita da Constitui- gionais; e iv) promover o bem de todos, sem preconcei- ção 1988 e as políticas sociais posteriormente adotadas tos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras foram um dos determinantes para a melhoria da renda formas de discriminação. domiciliar per capita, do índice de Gini, e dos níveis de Os efeitos mais diretos das políticas sociais pós- pobreza e extrema pobreza no Brasil nas décadas que 1988 na política externa podem ser percebidos no âm- se seguiram. De acordo com Paulo de Martino Jannuzzi bito da cooperação internacional. Fundamentado na em “Pobreza, Desigualdade e Mudança Social: trajetó- noção de que a cooperação deve ser horizontal e regida 11

Biritinga-BA. A quilombola Maria José de Souza Santos, mais conhecida como Mãe Pequena, e seus netos. Foto: Sergio Amaral/MDS

pela demanda, o Brasil passou a atuar não apenas como Nesse contexto, inegável destaque foi conferido aos receptor, mas como provedor de cooperação naquelas programas de transferência condicionada de renda da áreas em que se identificaram maiores sucessos inter- rede Fome Zero, que incluem o Bolsa Família. Ainda namente. Nesse sentido, a Constituição concedeu não que seja impossível delimitar o número exato, dados do apenas legitimidade à atuação externa, mas também os Banco Mundial de 2016 apontavam a implementação de meios, ao possibilitar que programas sociais bem-suce- iniciativas no formato do Bolsa Família em 52 países. O didos se tornassem exemplos a serem compartilhados Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) teria, ain- com outros países. da, entre 2011 e 2015, recebido mais de 400 delegações DOSSIÊ de quase 100 países, interessadas no funcionamento do chamada “década das conferências”, nas palavras do programa. Um dos mais notórios exemplos de iniciativa embaixador Lindgren Alves, coincidiu temporalmente diretamente inspirada no modelo brasileiro – e o pri- com o momento de “quitação de hipotecas” do Brasil, meiro programa de transferência condicionada de ren- conformando um cenário de ampla participação – e de- da nos Estados Unidos – é o “Opportunity NYC”, fun- manda – do Brasil em conferências e organizações in- dado pelo prefeito de Nova Iorque, Michael Bloomberg, ternacionais sobre temas sociais. Ao mesmo tempo, a em 2007, para beneficiar famílias em situação de vulne- política externa brasileira não se podia furtar da abertu- rabilidade na metrópole. ra promovida em outros setores domésticos, passando a Os exemplos – que incluem ainda países da Améri- valorizar maior diálogo com as Organizações Não Go- ca Latina, África e Europa – demonstram que a chamada vernamentais (ONGs) e com a sociedade civil em geral. “tecnologia social” desenvolvida no Brasil tornou-se, ra- Nesse sentido, viu-se a aproximação da agenda interna- pidamente, elemento de soft power na política externa. cional de temas sociais à agenda de integração regional, Nesse sentido, não apenas multiplicou-se a participação a exemplo do Mercosul e, mais tarde, da UNASUL e da do Brasil como também cresceram as suas propostas CELAC. de criação de instrumentos internacionais de combate Em que pesem essas constatações, deve-se ressaltar à fome. Exemplos incluem a Ação contra a Fome e Po- que, como tudo em política (externa), não se pretende breza, lançada na ONU, em 2004, originada de parceria inferir que as mudanças aqui repassadas advieram de entre o Brasil, a França, o Chile e a Espanha, e o Fun- consensos. Conforme assinalam Monica Hirst e Letícia do IBAS para o Alívio da Pobreza e da Fome, criado no Pinheiro, no artigo “A política externa em dois tempos”, mesmo ano, em parceria com Índia e África do Sul. os primeiros anos pós-1988 foram de intensos debates Sem prejuízo de outros setores, há que se ressaltar a sobre os rumos do Itamaraty e a inserção internacional atuação internacional do Brasil no tema da saúde. Ainda do Brasil. Desde então, os únicos possíveis consensos no âmbito da Ação Contra a Fome e a Pobreza, foi lança- são aqueles que estão, corretamente, plasmados no arti- da, em 2007, por iniciativa de Brasil, França, Chile, No- go 4º da Carta. De toda sorte, o caso das políticas sociais ruega e Reino Unido, a Central Internacional de Com- inauguradas em 1988 e implementadas nas décadas se- pras de Medicamentos (UNITAID), com a intenção de guintes, as quais viriam a beneficiar milhões de brasilei- acelerar o acesso a medicamentos de alta qualidade e ao ros como Dalva, e da sua reverberação na ação externa diagnóstico de doenças como HIV/AIDS, tuberculose e brasileira evidencia o papel inegável da política exterior malária. A diplomacia brasileira, amparada pelo trata- como política pública. mento interno da questão dos medicamentos de HIV/ AIDS, favoreceu, ainda, o tratamento do tema das pa- tentes na Organização Mundial da Saúde e apoiou pro- Os novos rumos das políticas sociais jetos de cooperação Sul-Sul na África e na América do Sul, sob o prisma da chamada “cooperação estruturante 30 anos após a promulgação da Constituição, já se em saúde”, conceito formulado pelo Centro de Relações torna difícil lembrar do plenário lotado do Congresso Internacionais da Fiocruz segundo o qual é necessário Nacional e da voz do “Doutor Ulysses”, anunciando as construir capacidades internas para o desenvolvimento. novas regras da democracia. As vozes atuais frequen- As políticas sociais elencadas pela Constituição Ci- temente enfatizam a necessidade de revisão da Consti- dadã dialogaram, ainda, com as mudanças no cenário tuição, argumentando que o texto pode ser aprimorado internacional no que tange aos elementos mais gerais para se tornar mais condizente com a realidade política da política externa brasileira pós-redemocratização. A do país. Com as recentes discussões sobre reequilíbrio 13 fiscal, é natural e necessário que as políticas sociais se- interromper um processo de inclusão social. Por outro jam rediscutidas, a fim de tornar seu desenho mais efi- lado, ignorar a população mais pobre é esgarçar o tecido ciente e sustentável. social e abrir o flanco para conflitos que tornarão a so- Nesse processo, no entanto, torna-se fundamental ciedade mais desagregada. Em tempos de intenso deba- dialogar com os mais vulneráveis – vozes que o nosso te político, cabe ouvir as vozes – como as de Dalva e de sistema político passou a escutar a partir da redemo- suas filhas – que nos ensinam que a Constituição deve cratização. É certamente desafiador fazer ajustes sem servir a todos os cidadãos.

Manaus, AM. O técnico de enfermagem da Secretaria de Saúde de , Mauro Idemburgo, mede Gustavo Santos de Souza, filho da beneficiária do Bolsa Família, Greice Geane Siqueira dos Santos, pelo programa de atendimento itinerante da prefeitura. Foto: Ana Nascimento/MDS DOSSIÊ

William Gropper, Construction of the Dam, 1938.

Contrato Social Antieconômico? A relação ambígua entre a Constituição Federal e a economia Arthur Cesar Lima Naylor

“Declaro promulgada. O documento da liberdade, que tão poucos qualificativos tenham sido escolhidos da dignidade, da democracia, da justiça social do Bra- para apresentar uma extensa Carta de 245 artigos. Os sil.” Com essas palavras, Ulysses Guimarães entregou três primeiros, pertencentes ao mesmo campo semân- aos brasileiros, no já histórico 5 de outubro de 1988, a tico, fazem referência tanto ao legado autoritário a ser Constituição que, mais do que marco institucional de- eliminado quanto à sociedade plural a ser construída. O finitivo do Brasil contemporâneo, representava a pro- quarto fala da dívida histórica a ser paga à enorme par- messa de um novo tempo para o país. Não parece casual cela da população mantida afastada dos benefícios do 15 crescimento que o país experimentou ao longo do sécu- prioridade do Brasil democrático parecia clara. A cons- lo XX. É difícil não notar, porém, a ausência de um item pícua omissão de Ulysses ganhava uma explicação plau- nessa declaração de propósitos. sível. Ao menos desde a década de 1930, o desenvolvi- mento econômico esteve no centro das prioridades do Redemocratização, mau desempenho Estado brasileiro. Isso se refletiu nas leis do país e nas econômico e fortalecimento institucional ações de governo que moldaram da política econômica à política externa. Durante o regime militar, cuja insti- Com efeito, o que se verifica desde a redemocratiza- tucionalidade autoritária a nova ordem constitucional ção, em matéria de desenvolvimento econômico-social, buscava sepultar, o Brasil cresceu de forma acelerada, é uma espécie de negativo da fotografia do regime mili- encurtando a distância que o separava dos países desen- tar. Assim, avanços notáveis foram alcançados em dis- volvidos. Foi um crescimento de fundamentos frágeis, tribuição de renda, com o índice de Gini caindo de 0,60 baseado em uma dinâmica demográfica favorável –em em 1998 para 0,52 em 2012, e em redução da pobreza, que se combinavam elevados índices de crescimento com a queda de 24,4% para 10,2%, entre 2003 e 2011, da populacional e de urbanização – e em forte intervenção parcela da população brasileira abaixo da linha da po- estatal na economia, o que produziu distorções que ter- breza. Além disso, investimentos maciços em educação minariam por solapar as bases de sustentação do regi- levaram a um aumento de cerca de 5 anos na média de me. Ainda assim, não se pode ignorar fatos significativos escolaridade do brasileiro entre 1980 e 2010 (de 2,5 para como a elevação da renda média do trabalhador brasi- 7,5 anos), comparado ao modesto avanço de 1 ano entre leiro de 17% para 28% em comparação com a renda mé- 1950 e 1980 (de 1,5 para 2,5 anos). Na área de saúde, a dia do trabalhador americano, entre 1964 e 1978. Constituição criou o SUS, um sistema de saúde pública Apesar desse forte crescimento econômico, a distri- universal que, a despeito de suas deficiências, represen- buição de renda e os índices de desenvolvimento social do ta grande avanço em relação à situação de desamparo em Brasil permaneciam entre os piores do mundo em mea- que vivia boa parte da população antes de 1988. Deve-se dos da década de 1980. O índice de Gini girava em torno mencionar, ainda, a construção de uma rede de proteção de 0,60 em 1985, um dos mais altos da época. No mes- social, consolidada em iniciativas como o Programa Bol- mo ano, espantosos 83% dos brasileiros tinham apenas sa Família e o Benefício de Prestação Continuada, este a educação primária; a expectativa de vida ao nascer era último previsto na Lei Orgânica de Assistência Social de 64,4 anos, a 170a entre 221 países; e 42% da população (LOAS), de 1993. do país era pobre, enquanto 18% era extremamente po- Por outro lado, as taxas de crescimento econômico bre. Com a abertura política e a incorporação da grande foram pouco mais que modestas. Entre 1985 e 2012, o massa de excluídos ao processo eleitoral, essa situação crescimento médio do PIB per capita brasileiro foi de tornava-se intolerável. Não seria mais possível esperar apenas 1,4% ao ano, índice inferior à média dos países o bolo crescer para só então dividi-lo. O Estado deveria emergentes, mesmo quando se excluem aqueles de cres- desenvolver um conjunto de medidas cujo mote, como cimento acelerado, como China e Índia. As razões para definido pelo presidente José Sarney, fosse “tudo pelo essa baixa performance parecem fáceis de identificar. social”. Não que o crescimento econômico deixasse de É difícil não associá-las ao ordenamento institucional, ser importante. O Brasil, afinal, ainda estava longe de ser Constituição à frente, e à dinâmica social vigentes no um país desenvolvido. Mas, entre crescer e distribuir, a país desde a redemocratização. As múltiplas demandas DOSSIÊ represadas durante o regime autoritário vieram à luz Essa crença, tida como adequada para países que com o retorno da democracia e impuseram ao Estado pretendem fazer a “transição crítica”, foi posterior- brasileiro um pesado fardo fiscal. Nesse sentido, é sinto- mente incorporada pelas instituições do país, que se mático que, em 1984, a despesa corrente da União fosse encarregaram de dar materialidade e, pela reiteração apenas 8% maior, em termos reais, do que em 1980, pas- típica da ação institucional, aprofundar cada vez mais sando a ser 46% maior em 1986. Ou seja: a partir 1985, a adesão da sociedade à ideia de “inclusão social fiscal- ano da redemocratização, a curva dos gastos públicos in- mente responsável”. Postas essas condições, seria mera flete decisivamente para cima, chegando, em 2012, a um questão de tempo para que o Brasil fizesse a transição patamar 600% superior ao que era em 1980. Para cobrir de uma “ordem de acesso limitado” para uma “ordem esse crescimento vertiginoso de gastos, o Brasil tem tido de acesso aberto”, na tipologia de Douglass North, e de de aumentar continuamente sua carga tributária, a qual “instituições extrativas” para “instituições inclusivas”, passou de 24,5% para 33,5% do PIB entre 1991 e 2011, na de Daron Acemoglu e James Robinson. muito acima da média dos países em desenvolvimento. Mas como a Constituição de 88 se encaixa no es- Como consequência desse quadro, a poupança do setor quema de Alston, Melo, Mueller e Pereira? A Cons- público tornou-se estruturalmente negativa, dando ori- tituição é, a um só tempo, a codificação das crenças gem a déficits nominais recorrentes, o que se traduz em vigentes no momento de sua confecção e um organismo altas taxas de juro e baixo nível de investimento. vivo, estando aberta a mudanças que contemplem os Embora desolador à primeira vista, esse cenário é sempre renovados anseios da sociedade. Desse modo, visto por alguns estudiosos como uma manifestação su- em vez de falar em uma Constituição, os autores op- perficial e temporária de uma trajetória que fará do Bra- tam por falar em um “momento constitucional”, que sil um país desenvolvido dentro de alguns anos. É esse o se estende pelos dez anos que vão do início da Assem- argumento defendido por Lee J. Alston, Marcus André bleia Constituinte, em 1987, ao término do processo de Melo, Bernardo Mueller e Carlos Pereira em in transition: beliefs, leadership, and institutional change. emendas constitucionais que redimensionam o papel do Explorando a fecunda fronteira entre a nova economia Estado na economia, em 1997. A razão para essa aborda- institucional1 e a ciência política, os autores fazem uso gem é que, quando do processo constituinte originário, de um arsenal de conceitos para defender a tese de que apenas as crenças de natureza política e social hoje vi- o Brasil está em uma trilha virtuosa rumo a uma “transi- gentes já eram dominantes na sociedade: democracia ção crítica” para o seleto clube dos países desenvolvidos. participativa, império da lei e inclusão social. Foi pre- Na narrativa dos autores, a partir da redemocratização, ciso uma década de processo hiperinflacionário para a sociedade brasileira, em especial suas “redes domi- que a crença econômica, hoje dominante, de responsa- nantes”, isto é, os atores politicamente mais relevantes bilidade fiscal, fosse adotada pelos brasileiros e incor- do país, foi lentamente aderindo à crença de que o cami- porada pelas instituições do país. nho a ser perseguido pelo Brasil deve ser o da “inclusão O Brasil passou, então, do estágio de “inclusão po- social fiscalmente responsável”. pulista”, em que a redistribuição, ao ser neutralizada pela inflação, revela-se apenas temporária, para o de 1 Desenvolvida, entre outros economistas, pelo ganhador do Prê- mio Nobel de 1993 Douglass North, a nova economia institucional “inclusão dissipativa”, em que, a despeito de crises e alcançou popularidade com o best-seller Why nations fail (2012), ineficiências, frutos inevitáveis de uma dinâmica com- dos professores Daron Acemoglu (MIT) e James Robinson (Uni- versidade de Chicago). plexa de rearranjo distributivo, o processo transcor- 17 re de maneira consistente. O próximo estágio é o da universidades públicas gratuitas; os pobres, programas “inclusão eficiente”, quando a crença dominante já está de transferência de renda e serviços públicos de saú- tão consolidada e as instituições operam com tanta de e educação. Onde Alston, Melo, Mueller e Pereira sintonia que as crises se tornam cada vez menos fre- veem uma sociedade que, a despeito de seus conflitos, quentes e os conflitos sociais passam a ter baixa inten- teria chegado a um acordo básico sobre que rumo dar sidade. Embora não arrisquem dizer quando isso irá ao país, Melo vê uma dinâmica essencialmente confli- ocorrer, os autores afirmam que o Brasil está no cami- tiva, cujo resultado pode não ser inclusivo, como pa- nho para chegar lá. recia sugerir a queda constante do índice Gini desde o fim da década de 1990. Escrito em 2013, o livro faz A promessa de crescimento na encruzilhada referência ao fato de que, em 2012, as estatísticas ofi- ciais já apontavam para uma forte desaceleração na Nem todos os analistas, porém, concordam com queda da desigualdade. Estudos mais recentes, como diagnóstico tão otimista. Em Por que o Brasil cresce os de Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio Castro pouco?: desigualdade, democracia e baixo crescimento (2013) e de Marc Morgan (2017), que demonstram que no país do futuro, o economista Marcos Mendes defen- a desigualdade no Brasil teria se mantido estável, ou de a tese de que a combinação de elevada desigualda- ao menos não caído no ritmo que se supunha, parecem de com democracia participativa condena o Brasil, ao dar razão a Mendes. menos no curto e no médio prazo, a uma dinâmica de Isso não quer dizer que o economista não veja luz “baixo crescimento com redistribuição dissipativa”. A no fim do túnel. Ao contrário dos autores de Brazil in razão para isso é que, como a democracia cria incen- transition, para os quais o Brasil já estaria na rota da tivos eleitorais para que as demandas de todos os se- “transição crítica”, Mendes diz que o desfecho da tra- tores sociais sejam contempladas, não mais apenas as vessia ainda está em aberto. Pode ser que o forte con- das elites com acesso direto ao poder, o Estado acaba- flito distributivo em uma sociedade democrática e de- ria sobrecarregado, tornando-se disfuncional a ponto sigual como a brasileira produza efeito neutro, isto é, de prejudicar o crescimento econômico do país. Nada a manutenção das grandes distâncias que separam os muito diferente, portanto, do cenário traçado alguns grupos sociais no país. Isso manteria o Brasil preso ao parágrafos acima, quando se descreveu a dinâmica que que os economistas chamam de “armadilha de renda explica o baixo crescimento do Brasil desde a redemo- média”, com a dinâmica de “baixo crescimento com cratização. redistribuição dissipativa” se projetando indefinida- Mas Mendes dá um passo além ao atribuir à desi- mente no futuro. Mas pode ser também que, embora gualdade um papel-chave nessa equação. Para o autor, dissipativa, a redistribuição encurte, pouco a pouco, as quanto maior a desigualdade de um país, mais violen- distâncias sociais no Brasil, de modo a formatar uma to o seu conflito distributivo. Como a desigualdade é sociedade essencialmente de classe média em que os muito elevada no Brasil, o fenômeno do rent seeking conflitos distributivos seriam muito mais amenos.P ara seria particularmente forte em nosso país, com cada que o Brasil tome a segunda rota, em vez da primeira, grupo social reivindicando sempre mais do Estado: os será necessário fazer as escolhas políticas certas, con- ricos, isenções tributárias e subsídios; os setores mé- tar com uma liderança confiável e ter, por que não?, um dios, aposentadorias generosas para o funcionalismo e pouco de sorte. DOSSIÊ

Foto: “La Porte du non retour de la maison des esclaves, Gorée, Sénégal” Créditos: Elvin Ross Studios 19

Da Discriminação Racial no Direito Internacional e na Constituição Federal de 1988

Ramiro Januário dos Santos Neto

Desde a promulgação da Constituição Federal de Na legislação brasileira, convencionou-se iden- 1988 (CF/88), o combate ao racismo progrediu signi- tificar duas formas de manifestação do racismo: o ficativamente no Brasil. Com a definição constitucio- preconceito racial e a discriminação racial. O precon- nal de que a prática do racismo configura crime, foi ceito racial é a disposição afetiva imaginária, ligada a reforçada a persecução penal de atos racistas. Esses estereótipos sobre raça, cor, origem nacional ou étni- atos estiveram sujeitos a sanção desde a Lei Afonso ca, que pode ou não ser manifestada por quem a sen- Arinos, de 1951, que os definia como contravenção te. A discriminação racial, por sua vez, ocorre quando penal, mas foi apenas com a Lei Caó, em 1989, por- se nega aos indivíduos, ou a grupos, a igualdade de tanto já sob a vigência da Carta de 88, que se estabe- tratamento que têm direito de receber. Além disso, leceram penas mais duras para os crimes de racismo. promove medidas de exclusão contra pessoas consi- Da década de 2000 para cá, as políticas de combate deradas estranhas ao grupo com o qual o discrimina- ao racismo deixaram de restringir-se a obrigações de dor se identifica. não fazer (não discriminar) e evoluíram para ações de caráter afirmativo, de que são exemplos o Estatu- to da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) e as leis de Discriminação racial cotas em universidades (Lei 12.711/2012) e no serviço no Direito Internacional público (Lei 12.990/2014) federais. O presente artigo visa a apresentar a definição de discriminação racial e Tendo presente que a discriminação racial é parte os contornos conferidos a esse fenômeno pelo Direito constitutiva do racismo, cabe analisar como o Direito Internacional e pela CF/88. No plano internacional, o racismo é entendido Internacional a delimita. A definição de discrimina- como uma ofensa ao princípio da igualdade, uma vez ção racial está inscrita na Convenção sobre a Elimi- que promove, por meio de ações atentatórias à dig- nação de Todas as Formas de Discriminação Racial nidade humana, o entendimento de que determina- (ICERD), de 1965. Em seu artigo 1º, item 1, o termo das pessoas ou grupos não são iguais em direitos em discriminação racial é assim definido: relação aos demais. Segundo o Embaixador Silvio Albuquerque, membro do Comitê para a Eliminação Artigo I da Discriminação Racial (CERD) da ONU, o direito à 1. Nesta Convenção, a expressão “discriminação igualdade e o princípio da não discriminação estão na racial” significará qualquer distinção, exclusão, base da arquitetura jurídica internacional de prote- restrição ou preferência baseadas em raça, cor, ção dos direitos humanos e de combate ao racismo, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o tendo sido reconhecidos pela Carta Internacional de reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo Direitos Humanos, a qual é formada pela Declaração plano, (em igualdade de condição), de direitos Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Interna- humanos e liberdades fundamentais no domínio cional de Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Inter- político, econômico, social, cultural ou em qual- nacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. quer outro domínio de vida pública. DOSSIÊ

Inicialmente, cabe analisar os fundamentos da reitos humanos ratificadas por centenas de Estados, discriminação racial. De acordo com a Convenção de entre eles o Brasil. No Pacto Internacional de Direitos 1965, eles podem ser a raça, a cor da pele, a descen- Civis e Políticos (art. 2º, item 1) e no Pacto Internacio- dência e a origem nacional ou étnica. Vê-se, assim, nal de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. que os Estados membros da ICERD, os quais negocia- 2ª, item 2), há a preocupação de que todos os seres ram essa Convenção no âmbito da Organização das humanos gozem de direitos fundamentais justamen- Nações Unidas (ONU), não limitaram o embasamento te pelo fato de pertencer à espécie humana, não po- da discriminação ao racismo em sentido estrito (ba- dendo haver restrição no gozo desses direitos. Nesse seado exclusivamente na alegada existência de raças mesmo entendimento, ressalta-se que a Carta das Na- biológicas). São acolhidos outros fundamentos, como ções Unidas, de 1945, traz como um dos propósitos da cor de pele, origem nacional ou étnica, o que mostra o organização (art. 1º, 3) a promoção e o estímulo dos consenso em torno do entendimento de racismo, para direitos humanos e das liberdades fundamentais para fins de Direito Internacional, como racismo deriva- todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. do (vários fundamentos podem ser invocados para a As distinções elencadas na Carta da ONU (e também prática do ato discriminador). De fato, a elaboração nos Pactos de 1966), se verificadas, estão em desacor- da ICERD foi influenciada pelas práticas raciais do do com a previsão de igualdade entre todos os seres nazismo, nos anos 1930 e 1940, em especial as antis- humanos para usufruírem e serem titulares de direi- semitas, e pelo desenvolvimento da segregação ra- tos humanos. cial institucionalizada conhecida como apartheid, na África do Sul. No primeiro caso, havia o racismo fun- Discriminação racial na CF/88 damentado na descendência, e no segundo, na origem étnica e na raça. Na legislação pátria, a discriminação racial conta Nos trabalhos preparatórios da Convenção de com contornos expressamente delineados no artigo 1965, as delegações brasileira e norte-americana de- 5º da CF/88 e na Lei nº 7.716/1989 (Lei Caó). Essa lei, fenderam que se incluísse uma referência explícita que define os crimes resultantes da discriminação ou ao antissemitismo, sem sucesso. Os argumentos con- preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedên- trários à proposta diziam ser impossível enumerar de forma exaustiva as formas específicas de discrimina- cia nacional, esposa o entendimento amplo de racis- ção racial, sendo preferíveis os enunciados jurídicos mo, em seu caráter derivado. de caráter geral, como o artigo 1º citado acima. Inicialmente, cabe mencionar que o combate ao Ainda segundo o artigo 1º da ICERD, a discrimi- racismo está inserido entre os princípios fundamen- nação racial, para se materializar, precisa ser expres- tais da Constituição, sendo, no plano interno, obje- sa por meio das seguintes ações: distinção, exclusão, tivo fundamental da República (art. 3º, inciso IV) e, restrição ou preferência entre seres humanos. Todos no plano externo, princípio que rege as relações in- esses quatro atos mostram a necessidade de existir ternacionais do País (art. 4º, inciso VIII). O art. 5º uma ação – e não apenas um sentimento de precon- da CF/88, por sua vez, traz o significado jurídico de ceito racial – para a configuração da discriminação racismo enquanto prática, a qual pode se manifestar racial. como discriminação racial e preconceito racial. De A discriminação racial, por meio de uma ação, acordo com o inciso XLII deste artigo, “a prática do gera desigualdade entre os seres humanos, o que con- racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, fronta diretamente as principais convenções de di- sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. 21

A primeira observação é a de que o racismo Constituinte por ter elevado o combate ao racismo à é considerado crime, o que enseja a tutela penal dos norma constitucional. Oliveira acreditava que a intro- casos de discriminação racial e de preconceito racial. dução do inciso XLII no art. 5º da CF/88 viabilizaria Em linha com o entendimento de Norberto Bobbio, medidas efetivas de promoção do princípio da igual- essa tutela constitui faceta inovadora da terceira eta- dade, o qual está inscrito no caput do mesmo artigo pa de afirmação dos direitos humanos, a etapa da es- e é um dos direitos humanos violados pelas práticas pecificação, que, para além de determinar de forma racistas. Cabe ressaltar que a existência do tipo penal concreta os destinatários da proteção jurídica, prevê da injúria racial (art. 140, §3, do Código Penal, intro- medidas que visem a coibir a violação de direitos. duzido pela Lei 10.741/03) também visa a efetivar o mandamento constitucional do combate ao racismo, prevendo a punição daqueles que ofendem a honra Segundo Norberto Bobbio, em A era dos di- subjetiva e objetiva das vítimas com fundamento em reitos, as etapas de afirmação dos direitos preconceito racial. humanos são três: positivação, generaliza- ção e especificação. Na primeira etapa, há a Em pesquisa realizada pelo autor junto à Se- transformação do valor da pessoa humana cretaria de Segurança Pública de , em direito positivo. Na segunda, há a afir- verificou-se que, só nesse Estado, 9.976 víti- mação jurídica da igualdade perante a lei, mas de injúria racial registraram Boletim de seguida de seu corolário lógico, o princípio Ocorrência, entre 2011 e 2016. No que tange da não discriminação. Por fim, na terceira ao crime de discriminação racial, tipificado etapa, prevê-se a aplicação da norma a des- na Lei Caó, 706 pessoas procuraram a Polí- tinatários concretos, como mulheres, crian- cia Civil paulista, entre 2012 e 2016. ças e vítimas de racismo, e não a destinatá-

rios genéricos, como os seres humanos ou Verifica-se que o Direito Internacional e a legis- cidadãos. lação brasileira apresentam, de forma expressa, as ca- racterísticas da discriminação racial, o que contribui A segunda observação sobre o inciso XLII refere- significativamente para a instituição de medidas de -se ao caráter imprescritível do crime de racismo, po- combate ao racismo. No Brasil, o estabelecimento da dendo uma pessoa prestar queixa de práticas racistas Lei Caó e a introdução da figura da injúria racial no a qualquer tempo, desde que observado o princípio Código Penal mostram que as normas de combate ao da anterioridade da lei penal. Ou seja: só podem ser racismo estão em consonância com a terceira etapa julgados, e seus autores devidamente punidos, os cri- de afirmação dos direitos humanos, a da especifica- mes de racismo ocorridos após a entrada em vigor da ção, promovendo o princípio da igualdade. O recur- Lei Caó, em 1989. so a essa legislação pelos cidadãos tem demonstrado A Lei Caó, que regulamenta as penas e multas sua utilidade e necessidade, bem como apresentado resultantes do crime de racismo, tem esse nome em o cumprimento, pelo Estado brasileiro, do objetivo homenagem ao Deputado Carlos Alberto de Oliveira, de promover o bem de todos sem qualquer distinção, o Caó, parlamentar que se destacou na Assembleia como previsto na CF/88. DOSSIÊ

Foto: Zé Paiva

Muitos tons de verde: o longo e acidentado caminho do meio ambiente até a Constituição

Arthur Cesar Lima Naylor 23

A entrada do meio ambiente na Constituição de 1988 Mas talvez mais determinante que qualquer outro tem sua origem muito antes de começarem os trabalhos fator tenham sido as décadas de rápido crescimento da Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Na década econômico dos países centrais desde o fim da Segunda de 1960, em um contexto de distensão da bipolaridade Guerra Mundial, período conhecido pela historiografia da Guerra Fria, uma extensa pauta de temas até então como “the golden age” ou “les trente glorieuses”. Satis- sufocados pelas preocupações com paz e segurança ga- feita em suas necessidades básicas, a classe média das nha oportunidade de florescer no cenário internacional. nações desenvolvidas pôde voltar sua atenção a pautas Os dois modelos em confronto passam a ser questiona- mais abstratas, de efeitos mais diluídos no tempo. Não dos não mais um pelo outro, mas desde dentro, a partir demorou muito para que a causa ambiental passasse de do surgimento de novos padrões de comportamento e bandeira de setores progressistas a preocupação gene- de uma renovada disposição para questionar as estrutu- ralizada nos países centrais, fenômeno de que é exem- ras de poder. plo a reunião de grandes industriais no Clube de Roma. O ano de 1968 é, ao mesmo tempo, a culminação A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Am- desse processo e o marco inicial de uma série de desen- biente Humano (CNUMAH), em Estocolmo, em 1972, é volvimentos que tornariam mais complexas as relações a principal expressão de como o meio ambiente adqui- internacionais nos anos seguintes. No caso específico riu centralidade na agenda internacional. A partir daí, da agenda ambiental, o que era foco de preocupação foi questão de tempo para que o tema fosse incorporado apenas de alguns setores da sociedade civil dos países às legislações nacionais, recebendo tratamento consti- desenvolvidos no início daquela década converte-se em tucional em países que então se democratizavam, como pauta de mobilização política a partir de 68. A principal Grécia (1975), Portugal (1976) e Espanha (1978). Como expressão desse novo cenário é o crescimento do mo- afirma Herman Benjamin, “na história do Direito pou- vimento verde, que, em países como a Alemanha Oci- cos valores ou bens tiveram uma trajetória tão espetacu- dental, transformou-se em força política relevante em lar, passando, em poucos anos, de uma espécie de nada- prazo relativamente curto. -jurídico ao ápice da hierarquia normativa, metendo-se Se um cenário internacional mais distendido, me- com destaque nos pactos políticos nacionais”. nos aferrado ao monotematismo da fase quente da Guerra Fria, era condição necessária para a ascensão de uma pauta internacional mais diversificada, estava Um gradual esverdeamento longe de ser suficiente. Várias foram as razões que leva- ram a questão ambiental a atrair atenção no debate que A integração do meio ambiente ao arcabouço nor- se desenvolvia naquele momento. Em primeiro lugar, é mativo brasileiro também é fruto do “espírito de Esto- preciso mencionar as grandes tragédias ambientais da- colmo”. Exemplo representativo desse processo, surgi- queles anos, como a intoxicação por mercúrio de pesca- do já no ano seguinte à CNUMAH e por iniciativa de um dores em Minamata, no Japão, ou o naufrágio do navio regime extremamente desconfiado da agenda ambien- petroleiro Torrey Canyon, em 1967, próximo à costa de tal como era o militar, é a criação da Secretaria Especial Cornwall, na Inglaterra. Deve-se citar também a publi- do Meio Ambiente (SEMA), no âmbito do Ministério cação de uma série de livros que chamavam a atenção do Interior. Em 1981, ainda antes da redemocratização, para a questão ambiental, como Silent Spring (1962), de vem à luz a Lei 6938, que cria a Política Nacional de Rachel Carson, e This Endangered Planet (1971), de Ri- Meio Ambiente, verdadeiro marco na transição para um chard Falk. paradigma jurídico-econômico que confere centralida- DOSSIÊ de à questão ambiental. Mas seria apenas com o retorno livre para expressar suas opiniões em um regime que à democracia e a elaboração de um novo pacto político se abria, atribuía à agenda ambiental uma importância que o meio ambiente seria acolhido por inteiro na or- crescente. O surgimento do movimento dos seringuei- dem jurídica brasileira. ros no Acre, sob a liderança de Chico Mendes, no início Várias constituições brasileiras anteriores conti- da década de 1980; a criação da ONG SOS Mata Atlân- nham dispositivos que, em alguma medida, resvala- tica, em 1986; e a fundação do Partido Verde, no mesmo vam na questão ambiental. Tratavam de aspectos como ano, são exemplos de como, antes de ser acolhido pela a preservação do patrimônio natural; a competência Constituição, o meio ambiente já se havia convertido em da União para legislar sobre florestas, caça de animais força mobilizadora para a ação política no Brasil. Assim e gestão das águas; e a inclusão dos lagos, da platafor- como ocorrera no exterior duas décadas antes, o des- ma continental e das terras indígenas entre os bens da pertar da consciência ambiental brasileira não ocorreu União. Era, contudo, uma abordagem indireta, em que sem o choque de impactantes acidentes, como o grande a questão ambiental figurava como coadjuvante entre incêndio causado pelo vazamento de gasolina em uma as preocupações do legislador, surgindo como pano de indústria de Cubatão, em 1984, e a trágico episódio do fundo da organização geral do Estado. Foi apenas com Césio 137 em Goiânia, em 1987. Mas o fator determinan- a Carta de 1988 que o meio ambiente passou a ser um te parece ter sido igualmente o fato de que, após duas bem tutelado de maneira direta, em sede constitucional, décadas de crescimento acelerado, uma classe média a partir de um esforço deliberado do constituinte. robusta podia vocalizar demandas que iam além da sa- Uma série de acontecimentos às vésperas da rede- tisfação de necessidades básicas imediatas. mocratização, nos planos internacional e doméstico, condicionou esse acolhimento. No plano internacional, o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para Uma ordem constitucional ambiental o Meio Ambiente (PNUMA), surgido em 1973 na esteira da Conferência de Estocolmo, ajudou a organizar e dar Segundo Marina Silva, o sucesso da inserção do projeção à temática ambiental no âmbito da ONU. Isso meio ambiente no texto constitucional deve-se à estra- contribuiu para renovar o propósito de uma instituição tégia de frentes criada durante a Assembleia Nacional que, em vários momentos da Guerra Fria, teve sua re- Constituinte. A Frente Parlamentar Verde, assim como levância questionada. Foi o PNUMA que dinamizou as muitos grupos de interesse organizados no âmbito da discussões sobre a camada de ozônio, que redundariam ANC, tinha natureza suprapartidária, mas, à diferença na Convenção de Viena (1985) e em seu Protocolo de da maioria, cruzava o espectro ideológico para unir os Montreal (1987), talvez os mais exitosos exemplos de setores mais avançados da esquerda e da direita. Além tratados ambientais multilaterais. Paralelamente a isso, do ecumenismo ideológico, outros fatores que poten- em 1983, reunia-se a Comissão Mundial para Meio Am- cializaram a adesão à Frente foram o ativo engajamento biente e Desenvolvimento, que redefiniu os parâmetros da sociedade, por sua vez estimulado pela realização de do debate ambiental com a consagração do conceito audiências públicas em diversas partes do Brasil; a novi- de desenvolvimento sustentável em seu relatório final, dade do tema e a oportunidade que se oferecia aos cons- Nosso Futuro Comum, de 1987. tituintes de constitucionalizá-lo pela primeira vez; e até No plano doméstico, uma série de iniciativas de- mesmo o fato de que, por ainda ser encarado como uma monstrava que a sociedade brasileira, cada vez mais mera carta de intenções, o tratamento constitucional do 25 meio ambiente não era visto por muitas pessoas poten- ca (art. 170, VI) à definição do valor social da proprieda- cialmente hostis à causa como uma ameaça ao cresci- de rural (art.186, II). mento econômico. Interessante observar a mudança paradigmática Os dispositivos sobre meio ambiente passaram por operada pelo acolhimento do meio ambiente pela Cons- mudanças significativas até a redação final. Do relatório tituição como direito subjetivo de titularidade coletiva. final da Subcomissão encarregada do tema constavam, Segundo Herman Benjamin, são ao menos três as mu- por exemplo, artigos sobre a criação de um “tributo de danças significativas em relação ao paradigma constitu- conservação e reposição do meio ambiente”, a ser co- cional clássico, que ele classifica como “tríplice fratura”: brado de toda pessoa física ou jurídica que utilizasse a diluição da fronteira entre credores e devedores da ou explorasse, com fins de lucro, recursos ambientais obrigação jurídica, na medida em que todos têm direito de qualquer natureza, bem como sobre a criação de um a um meio ambiente equilibrado e a todos compete zelar piso orçamentário de 1% da receita anual da União, dos pela preservação desse equilíbrio; a perda de relevância estados e dos municípios a ser aplicado na proteção do na distinção entre sujeito público e sujeito privado, em meio ambiente. Nenhum desses dispositivos empla- razão de serem ambos responsáveis potenciais pela de- cou o texto definitivo da Carta. Em uma segunda fase gradação ambiental; e o enfraquecimento da separação de discussões, na Comissão da Ordem Social, o grau de entre sujeito e objeto da relação jurídica, uma vez que oposição ao capítulo sobre meio ambiente já era maior, encurta o poder de disposição dos dominantes sobre os particularmente em relação às restrições previstas a dominados. instalações nucleares. Já na Comissão de Sistematiza- Ao alterar o paradigma constitucional, a incorpora- ção, encarregada de dar forma final ao texto, a contra- ção do meio ambiente à Carta transcende as contingên- riedade dos interesses econômicos potencialmente afe- cias do presente e projeta-se no futuro, servindo como tados manifestou-se com grande virulência, o que quase referência para desenvolvimentos institucionais e legis- redundou na eliminação da questão ambiental do texto lativos posteriores. Não é coincidência que, após 1988, da Constituição. uma série de instituições voltadas para a questão am- Apesar dos ataques sofridos, o texto final apresenta biental surge no Brasil, como o Ibama (1989), o Ministé- notável grau de integridade, que o coloca em linha com rio do Meio Ambiente (1992) e o ICMBio (2007). Igual- os principais documentos sobre meio ambiente publica- mente, leis como a 9433/97 (Lei das Águas), a 9605/98 dos no plano internacional desde a Conferência de Es- (Lei dos Crimes Ambientais) e a 9985/2000 (Sistema tocolmo. É desse modo que o “meio ambiente ecologica- Nacional de Unidades de Conservação) detalham e sis- mente equilibrado” (art. 225, caput), pela primeira vez tematizam o tratamento a diferentes aspectos da pauta em nossa história constitucional, aparece como objeto ambiental, indicando a maturidade da questão junto à de direito subjetivo, ademais de titularidade coletiva, e sociedade brasileira. Com muito já realizado, mas muito não mais como mero cenário onde se desenvolvem ati- ainda por fazer na área ambiental, o Brasil tem encon- vidades econômicas sob supervisão estatal. Além disso, trado na Constituição de 88 uma plataforma adequada como que a enunciar a transversalidade da questão am- para enfrentar os desafios colocados por essa tão impor- biental na Carta, os dispositivos sobre meio ambiente tante agenda do século XXI. Não parece exagero dizer não se restringem ao Capítulo VI (Do Meio Ambiente) que, ao menos, já contamos com uma ordem constitu- do Título VIII (Da Ordem Social), mas abrangem arti- cional ambiental. gos que vão dos princípios gerais da atividade econômi- ESPECIAL 10 ANOS DE JUCA

Celebrando as “ficções da memória”: lembranças afetivas dos dez anos da JUCA

Murmuro para mim mesma: por Camilla Corá, Maria Eduarda Paiva e “É tudo imaginação!” Wallace Medeiros de Melo Alves Mas sei que tudo é memória... Cecília Meireles

Quando o embaixador Alberto da Costa e Silva deci- blicação e propusemos-lhes a experiência de rememorar diu transformar a sua autobiografia em prosa, designou seu período na coordenação da JUCA. Estávamos em como “ficções da memória” os frutos desse empreendi- busca das memórias afetivas, para tentar reconstituir o mento literário. A caracterização não poderia ser mais espírito dos novos diplomatas que, a cada ano, participa- oportuna. A reconstituição fidedigna de nossas vidas e ram da revista. Em seguida, transformamos as entrevis- de seus eventos marcantes é, por certo, ilusória. Nossa tas realizadas em pequenas histórias e testemunhos, de memória é composta por fragmentos, frequentemente modo a tornar ainda mais tênue a linha entre a memória reinterpretados e reinventados pela passagem do tempo. e sua ficção. Narramos nosso passado, à luz do presente, de maneira, Ao prestarmos esta merecida homenagem às gera- ainda que inconscientemente, a conferir um aparente ções de diplomatas que nos antecederam na tradição de- sentido linear e teleológico às nossas escolhas. Torna-se, cenal da JUCA, registramos, igualmente nestas páginas, de certa maneira, difícil diferenciar a reconstituição de nossas memórias afetivas, de forma despretensiosa e com nossas lembranças do trabalho de um ficcionista. o único compromisso de sermos autênticos a nós mes- Para comemorar o décimo aniversário da Re- mos. Serão lembranças que certamente estarão abertas à vista JUCA, e no espírito de ressignificar o passado, releitura do tempo como reflexo daquilo que fomos e ao entrevistamos os nove editores-chefes anteriores da pu- que aspirávamos ser quando jovens diplomatas. 27

Filipe Nasser, editor da JUCA n° 1

I. O SURGIMENTO Sou da primeira turma grande – a “turma de 100” –, que esse tipo de linguagem aqui. Nesse ingressou em 2006 no contexto de ampliação dos quadros espírito, um colega trouxe para mim do Itamaraty. A gente sentia que havia muita energia repre- um quadro pintado com as balinhas sada entre os novos alunos, havia uma certa eletricidade “Juca” – uma coisa autorreferente no ar, ainda não-canalizada. Acho que o espírito da turma assumidamente sardônica. Afinal, era o de ter ingressado em um momento especial da polí- era esse o espírito prevalecente. tica externa brasileira e do Itamaraty, que coincidia com o Houve um debate para saber se a tiragem da primeira edi- acolhimento de tantos novos diplomatas justamente para ção sairia em preto-e-branco com tiragem maior ou colori- dar musculatura à ação diplomática brasileira. Havia uma da, com tiragem menor. Acabamos optando pelo colorido, pletora de projetos sendo considerada no começo da nossa com o objetivo indisfarçado de “chegar chegando”. Quero experiência no Instituto Rio Branco. E uma das ideias que crer que deu certo... vingou, entre outras, foi a de produzir uma revista. V. O LANÇAMENTO II. O NOME A cerimônia de lançamento foi muito emocionante. O então diretor do Instituto Rio Branco, embaixador Estavam presentes o chanceler do Brasil, embaixador Cel- Fernando Reis, estimulou a criação da revista, garantindo so Amorim; o embaixador João Clemente Baena Soares, inclusive a viabilização financeira e operacional do proje- que tinha sido secretário-geral da OEA; vários outros em- to, o que deu tranquilidade para a gente trabalhar. Fizemos baixadores e chefes da Casa, toda a minha turma, a turma inicialmente uma assembleia, para discutirmos, primeira- seguinte, que acabara de ingressar no Instituto Rio Bran- mente, a vontade de fazer a revista e, em seguida, come- co, e que é quem estávamos querendo motivar a carregar çamos a debater os possíveis nomes, temas, a estrutura o cetro da revista adiante. Era um bocado de gente no au- editorial da revista, a sua periodicidade. Alguns dos nomes ditório do Instituto. Há fotos desse dia que, quando eu as propostos eram “caretas”. Não havia surgido ainda um que vejo, realmente mexem comigo. À noite, nós fomos para refletisse justamente a energia e a pulsação que os colegas um samba, organizado por um colega de turma, em que co- transmitiam nas aulas, no espírito das confraternizações memoramos o lançamento com os amigos mais próximos. da turma. Por isso, de certa maneira, optamos pelo nome Realmente, é uma memória de vida – além de profissional “JUCA”, que tinha uma “pegada” de juventude – sem dei- – que eu vou levar comigo. xar de evocar a memória do Barão – alinhada ao espírito da turma. VI. O ESPÍRITO A JUCA não buscava contestar a política externa do III. A AUTONOMIA momento, as tradições do Itamaraty. Não buscava dizer A ideia era a de que a revista não fosse “chapa bran- tampouco que os ritos eram ultrapassados. Não era essa a ca”. Aliás, o que foi interessante é que a própria direção intenção. Era, sim, a de renovar o sangue da Casa. A ideia estimulou que não o fosse. A turma realmente encampou era criar um espaço para que os colegas pudessem refletir, essa missão: levamos a sério a ordem de sermos, digamos escrever, publicar, experimentar em temas da diplomacia assim, um pouco indisciplinados, rebeldes, talvez até ico- ou da cultura brasileiras sem muitas amarras. Trabalha- noclastas – por mais que haja um certo paradoxo contido mos em dois eixos: buscávamos que a revista se tornasse em uma “orientação” para que fôssemos livres. Por isso, a um documento histórico sobre o que pensavam as novas identidade visual da primeira edição da revista é um pouco turmas em seu momento de formação – os terceiros-secre- agressiva: ela é colorida; ela mexe um pouco com o cânone tários que passarão as próximas décadas a serviço do Bra- das publicações do Itamaraty em geral. E foi bem recebida sil no Itamaraty; e procurávamos promover o resgate da dessa forma na época. memória diplomática brasileira, em especial, as memórias que estavam um pouco escondidas, que não fazem parte da IV. A CAPA narrativa cotidiana. Fazia parte do nosso espírito escavar Tudo na JUCA foi uma construção coletiva. A equi- as histórias que não estão ditas ou – se estão ditas – não pe conseguiu o contato de um excelente designer gráfico, se encontram expressas em uma circulação maior. Esse que diagramou um artigo como amostra. Aquilo encantou feliz ciclo de entrevistas que vocês promoveram com os as pessoas envolvidas. Vimos que a revista inteira poderia editores dos primeiros números da JUCA acaba, um tanto ser daquele jeito mais colorido, mais artesanal, mais ex- metalinguisticamente, reforçando essas duas vocações que perimental, mais “sacana”, se é que ainda se pode utilizar concebemos lá atrás. ESPECIAL 10 ANOS DE JUCA

Felipe Krause Dornelles, editor da JUCA n° 2

I. ENTRE A INOVAÇÃO E A TRADIÇÃO Fazemos parte de uma corporação muito tradicional. do tom da revista, ela poderia soar A originalidade e a criatividade são, é claro, valorizadas, pretensiosa, não autêntica. “Você mas o que é ainda mais valorizado é a capacidade de de- não é diplomata ainda. Calma, você fender, com afinco e desenvoltura, as posições do governo. acabou de entrar... seja autêntico”, Nós tínhamos isso muito presente. Considerávamos que, ele dizia. Eu acho que essa era a in- em última instância, seria quase impossível não sermos tenção. uma publicação “chapa branca”, mas queríamos muito que a JUCA fosse um projeto o mais criativo possível. Era um III. OS BASTIDORES jogo estar naquela linha tênue, naquele limite das possibi- Um dos trabalhos mais difíceis da JUCA era o de co- lidades: de ser criativo e de formular alguma ideia inova- brar os colegas de turma, para entregarem as matérias no dora, mas respeitando as tradições e a hierarquia. Acredito prazo. Vários prazos se passaram antes que as pessoas os que a homenagem que a JUCA 02 presta ao embaixador cumprissem. Eu me lembro muito dessa fase de pressio- Ovídio de Andrade Melo captura muito bem esse espírito. nar as pessoas. O Raphael Nascimento [diretor-executivo] e eu tendíamos a adotar a estratégia “good cop, bad cop”. Eu tentava ser o bonzinho: “ah, que legal o que você tá fazendo. Que bom. Estamos esperando ansiosamente sua contribuição”. Em seguida, eu comentava para o Raphael: “essa pessoa já passou do prazo há 2 meses. Pelo amor de Deus, dá uma cutucada novamente!”. Adotávamos muito essa estratégia. Acabou funcionando, mas foi engraçado.

IV. A REBELDIA Tenho a impressão de que a nossa turma tinha um espírito mais independente, mais rebelde, do que as ante- riores. No bom sentido: no sentido de que estávamos in- gressando nessa Casa longeva, de tradições, mas que éra- Um outro Juca apresentado pela JUCA: o embaixador Ovídeo de Andrade Melo mos uma turma muito grande e diversa, e muitos não se sentiam inteiramente representados por essas tradições e II. O ESTÍMULO queriam contribuir com inovações. Havia aquela sensação Uma grande influência da JUCA 02 foi o embaixa- de que os colegas não iriam contribuir para a JUCA, se ela dor Fernando Reis, que havia estimulado a elaboração e adotasse um perfil “chapa branca”. Muitos tinham interes- publicação da primeira edição. Ele tinha muito presen- se em propor mudanças. te a importância do jovem diplomata para a instituição e apreciava essa referência ao Barão quando jovem, a quem V. A TRADIÇÃO LITERÁRIA NO ITAMARATY chamavam de Juca. Com a juventude, surge essa ideia de É impossível negar que o Itamaraty sempre teve uma criatividade, de ser inovador, de estar pensando, mas tam- tradição literária, e continua a atrair pessoas voltadas para bém vem aquela constante ideia de renovação. Porque esse as letras. A inclusão de poemas e textos literários na JUCA constante reinventar tem um quê de tradição também, é reflexo natural da vocação de muitos colegas. Tivemos e conforme a frase célebre do Chanceler Azeredo da Silvei- temos ainda muitos bons e alguns grandes escritores. Não ra. Eu lembro de o embaixador Fernando Reis bater muito só aqui, como em vários países da América Latina. Chile e na tecla de que a JUCA fosse algo experimental, de que México, por exemplo, têm pelo menos dois grandes escri- transmitisse um espírito de jovialidade. Não deveria ser tores-diplomatas, Pablo Neruda e Octavio Paz, que foram uma publicação sisuda, amadurecida demais. A depender inclusive agraciados com o Prêmio Nobel de Literatura. 29

Laís de Souza Garcia, editora da JUCA n° 3

I. O IMPULSO PARA A NOVA JUCA No início do curso de formação, os dois editores ante- encontrar uma foto para a capa riores da JUCA foram ao Instituto Rio Branco conversar que pudéssemos reproduzir sem com a nova turma de diplomatas, para explicar a proposta pagar diretos autorais. Enquanto da revista. Eu decidi que tinha interesse em continuar o pensávamos nesse dilema, nos lem- projeto e propus uma reunião para debater a nova JUCA. bramos que JUCA é um anagrama Começamos, então, a pensar coletivamente sobre o que de- de “caju”, uma fruta tipicamente brasileira. A capa da pri- veria ser a revista. Já havia a ideia, nas edições anteriores, meira edição da JUCA, com a alusão às balas Juquinha, já de que a JUCA poderia tornar-se uma tradição; uma marca havia demonstrado que poderíamos ser espirituosos e ex- das “turmas de 100”; uma oportunidade para que os alunos perimentais. Com isso em mente, buscamos uma imagem se expressassem. Além disso, após um período de estudo de um caju na Internet, e a manipulamos até que ela se tor- intenso para o concurso, seria uma oportunidade de pu- nasse uma imagem nossa. O preto-e-branco da capa foi um blicar artigos que não se relacionassem tão diretamente à gosto pessoal que acabou por se refletir na revista. Como se política externa. percebe, tudo foi um pouco experimental.

III. O SIMBOLISMO DAS ENTREVISTAS Muitos alunos interessaram-se pela possibilidade de entrevistar grandes personalidades da diplomacia na- cional. Seria, de certa maneira, uma oportunidade de co- nhecer a geração mais madura da carreira. Era um modo de promover um diálogo entre um jovem diplomata e um colega mais experimentado: uma geração passando para outra sua experiência e conhecimento. Nessas entrevistas, também tínhamos a oportunidade de conhecer outros la- dos dos colegas, que demonstravam interesse em diversas áreas do conhecimento. A ideia de escrever um perfil do embaixador Francisco Alvim, um dos maiores poetas bra- sileiros vivos, surgiu de um colega que também escrevia poesia. A revista é, em essência, muito pessoal.

IV. O QUE É A JUCA? A JUCA é um retrato do que estávamos pensando. Tentamos fazer algo mais livre: resenha de livro, resenha de arte, escrever poesia... Eu não tentei ser uma editora que dirigisse demais a expressão dos colegas nesse sentido. O que eu acho interessante é que você está muito exposto. Quem publica um artigo mostra uma certa vulnerabilida- Josué de Castro – 101 anos de nascimento: um dos artigos em que a política de: “é isso o que eu tenho para expressar”, no momento em externa não figura como tema central que você não tem certeza do que é ser um diplomata. Con- sidero que o período no Instituto Rio Branco é um ajus- II. JUCA, CAJU te entre o que um diplomata é e o que ele pretende ser. A Todos editores enfrentam sérios problemas em termos JUCA, por sua vez, é uma forma de conjugar o seu passado de utilização de imagem. Na JUCA nº 3, não conseguimos com o seu presente. ESPECIAL 10 ANOS DE JUCA

Bruno Carvalho Arruda, editor da JUCA n° 4

I. O SIGNIFICADO DA JUCA Para nós, a JUCA teve diversos papéis. Como publica- mos trocar essas impressões com ção, permitiu o resgate e a preservação de capítulos impor- elas, perguntar como elas perce- tantes da nossa história diplomática, além de configurar biam o Brasil. um registro das influências tão diversas que compõem o corpo funcional do nosso serviço exterior. Como exercício no curso de formação, permitiu que nos conhecêssemos melhor e aprendêssemos a trabalhar juntos – afinal é uma experiência muito intensa, uma construção que depende de vários esforços. Ali tivemos um primeiro contato entre colegas como profissionais. Para muitos de nós foi, ainda, a primeira experiência com uma forma de expressão públi- ca. Nesse caso, com a especificidade de que o resultado ser, em grande medida, voltado para dentro: publica-se algo que será lido e avaliado pelos nossos pares. Nesse sentido foi, também, um exercício de responsabilidade.

II. O COMPANHEIRISMO Matéria sobre Visões em relação ao Brasil colhidas pela turma 2009-2011 durante a Aliança das Civilizações (2010). No primeiro momento de elaboração da JUCA, não tí- nhamos a menor ideia do que iríamos fazer. Não tínhamos IV. AS REMINISCÊNCIAS ideia de como precisaríamos nos organizar, dos passos que É muito difícil destacar matérias em nossa JUCA, já precisaríamos seguir para materializar aquela revista, mas que cada uma teve sua história. Acho que uma reportagem estávamos entusiasmados com a possibilidade de trabalhar muito marcante foi o perfil do embaixador Paulo Nogueira no projeto. E, assim, a revista começou a tomar forma. No Batista. O Lucas [Oliveira Barbosa Lima] viajou para entre- próprio brainstorm sobre temas que poderíamos abordar, vistar a embaixatriz Elmira Nogueira Batista, que passou ficou claro que nossa turma era muito diversa e que aquilo fotos da época para ele. Foi quase um trabalho investiga- era um valor, algo que nos fazia mais fortes. A Tainá [Gui- tivo. Ele realmente assumiu essa função de buscar, de res- marães Alvarenga], editora-executiva, foi tão editora-che- gatar uma memória diplomática a fundo, em tudo o que ela pode ter de interessante. Também vale mencionara ma- fe quanto eu, e acho que essa dupla perspectiva só enrique- téria sobre as mulheres na diplomacia – muitos dos desa- ceu o projeto. fios evocados nessa longa história ainda estão presentes e precisam ser superados. Esse tipo de registro vira memória III. PAÍSES INVISÍVEIS QUE FORMAM UM DOSSIÊ diplomática. Não poderia deixar de mencionar, também, o Na elaboração do Dossiê da JUCA, primeiramente ensaio fotográfico de autoria da Milena [de Medeiros, fale- surgiram as ideias, e, no processo, foi ficando claro para cida em 2011], que deixou registrada na JUCA sua sensibi- nós que as diferentes propostas, os diversos artigos, com- lidade. Uma pessoa muito querida que se foi cedo demais. poriam, em seu conjunto, o panorama de um país. Eram Ao longo desse processo eu me lembro de que, para visões diferentes do nosso país, era isso que amarrava esses poder conciliar a nossa rotina no Rio Branco e nossos está- artigos. Então, lembramo-nos do enredo do livro de Ítalo gios, tivemos por vezes que ficar trabalhando madrugada Calvino, “Cidades Invisíveis”, em que Marco Polo conta adentro na JUCA. Para mim, isso é uma lembrança boa: várias histórias sobre o império para descrevê-lo ao pró- não era algo que fazíamos por obrigação, de má vontade. prio imperador. Era uma época em que havia muitos even- Estávamos envolvidos, tínhamos uma sensação de um pro- tos internacionais sediados no Brasil; era um contexto, sob jeto comum. Esse comprometimento coletivo é uma das uma perspectiva diplomática, muito vibrante. Tivemos minhas melhores memórias. É o prazer de trabalhar junto, muito contato com delegações estrangeiras e conseguía- apesar das dificuldades. 31

Diogo Ramos Coelho, editor da JUCA n° 5

I. OS PERCALÇOS INICIAIS III. AS ASPIRAÇÕES Desde o início de nossos estudos no Instituto Rio O caminho em direção a uma revista mais livre e experimental foi Branco, a JUCA foi apresentada como um projeto gerido natural. Os alunos sempre entende- e produzido exclusivamente pelos alunos – um “marco de ram a revista como espaço aberto, passagem”, já com caráter de tradição, iniciado pelas “tur- de expressão de ideias novas. En- mas de 100”. Nós éramos a última turma de 100 e tínhamos tendíamos, porém, que, apesar de interesse em dar continuidade à revista; no entanto, àque- ser um espaço livre, era algo que circularia em todo Mi- la época, discutiam-se as restrições orçamentárias do Mi- nistério. Ainda assim, em nenhum momento a diretoria nistério e, por isso, não sabíamos ainda se conseguiríamos do Instituto participou da edição de conteúdo, delimitou lançar a JUCA da turma 2010-2012. Quando a adminis- temas ou impôs limites. Para nós, a ideia da JUCA era pre- tração confirmou que haveria espaço orçamentário para a servar um espaço no qual se pudesse retratar a memória revista, nós montamos um comitê editorial e demos início inicial dos anos de Instituto Rio Branco e demonstrar um aos trabalhos. pouco da formação que recebemos ao longo de nossas vi- das. Afinal, não chegamos ao Instituto desprovidos de ba- II. O DOSSIÊ gagens. Se eu pudesse definir nosso espírito, era este: ter um espaço de expressão aberta, onde a polifonia de vozes, A ideia era a de que a JUCA 5 tivesse um tema central, de estilos e de interesses dos alunos pudesse ser refletida. que ensejaria a produção de alguns textos específicos. Nas demais seções, o espaço para a contribuição era livre. No IV. A CAPA Dossiê, decidimos discutir a formação do diplomata, com Foi um colega quem tirou a foto da escada helicoidal o seu debate entre generalistas e especialistas. Além dis- do Palácio. Nós achamos que era uma visão singular do so, como éramos 108, uma turma muito grande, a ideia era espaço do Itamaraty. E quer um maior símbolo que aque- criar um espaço aberto para que os colegas se sentissem la escada? Então decidimos ilustrar a capa com a imagem confortáveis para dar contribuições que julgassem interes- vista de cima da escada em função do simbolismo que ela santes. Consenso, visões singulares e uniformidade não era traz, representando a visão singular do aluno do Rio Bran- algo que almejávamos. Estávamos interessados em expor co sobre a diplomacia em geral e a formação dos diploma- quaisquer temas que fossem do interesse dos colegas – ar- tas. Em razão disso, procuramos retratar, por um ângulo tigos, poemas, fotografias, artes visuais. Queríamos formar completamente inusitado, um dos símbolos tradicionais da um caleidoscópio de visões e demonstrar que, no serviço diplomacia brasileira. exterior brasileiro, também estão poetas e ficcionistas, V. ANEDOTAS analistas e pensadores, acadêmicos e cronistas, pintores e Nós tivemos sérios problemas com a gráfica que ga- artistas. nhou a licitação. À época, a licitação era conjunta: a gráfica que imprimiria os exemplares também formataria a diagramação. Ficamos completamente desesperados, por- que a empresa inicialmente fez um trabalho sem nenhum zelo. Era uma gráfica de Goiânia, e, por isso, o diretor-exe- cutivo, Michael [Nunes Lawson], e eu pegamos um carro e fomos passar um final de semana inteiro em Goiânia para orientar a diagramação. De uma hora para outra, tivemos de nos tornar especialistas em diagramação: verificamos espaçamento, divisão de texto, tudo, página por página. Fi- camos quase até a madrugada na gráfica com o diagrama- dor, para podermos finalizar a revista a tempo. Em edições posteriores, percebo um design mais padronizado. Mas eu considero que nosso design final tinha um propósito tam- A JUCA nº 5 e a formação do diplomata. bém: o de mostrar a pluralidade de visões. ESPECIAL 10 ANOS DE JUCA

Danilo Vilela Bandeira, editor da JUCA n° 6

I – 26 DIPLOMATAS, UMA JUCA E UMA FESTA tal ponto que essa entrevista foi a A turma de 2011 marca o fim das “turmas de 100”. última matéria a ser fechada, pois Éramos 26 diplomatas. Ainda assim, deixar de publicar a ele passou a enviar-nos uma série JUCA não foi um tema discutido por nós. Entendíamos a de fotos para ilustrá-la. importância da revista como oportunidade de conhecer a realidade de trabalho do Itamaraty, de conversar com ou- tros diplomatas. Além disso, não queríamos ficar conheci- IV – COM A PALAVRAS, OS PRESIDENTES dos como a turma que acabou com a JUCA. Mas tivemos As conversas com os presidentes foram o ápice da ela- uma dificuldade grande para elaborar a revista com um boração da JUCA. Sentíamos que estávamos participando número reduzido de pessoas, além de pagar pela festa a de uma iniciativa única. Inicialmente, Fernando Henrique fantasia para uma turma de 100, quando éramos somente Cardoso havia declinado o convite, por motivos de agenda. 26. Estávamos nos adaptando a uma nova realidade. Feliz- Recorremos, então, ao embaixador Lamazière. Para en- mente, conseguimos lançar a JUCA e não fomos à falência trevista-lo, nós fomos a São Paulo. Inicialmente, tínhamos com o financiamento da festa. meia hora prevista, mas FHC falou por quase duas horas sobre as iniciativas de política externa do governo. O Sar- II – O RESULTADO DAS IDEIAS ABSURDAS ney também tinha muito orgulho de suas iniciativas de Lembro-me de quando escrevi o editorial da JUCA. Seu política externa, tal como a aproximação com a Argentina. mote eram as ideias absurdas. Acho que, no texto, há uns Isso ficou muito evidente ao longo da entrevista. vinte sinônimos para o termo “absurdo”. Despautério, des- propósito, desarrazoado. Nosso editorial buscou realizar um V – PROLEGÔMENOS apanhado das matérias presentes na revista, além de confe- A JUCA impressa é o que sobrevive a um longo pro- rir-lhe uma ideia norteadora. Pareceu-me que a empreitada cesso de cortes e mesmo de fracassos. Há muitas matérias ambiciosa de entrevistar todos os presidentes desde a rede- que poderiam ter sido escritas, mas não foram. Muitas são mocratização deveria ganhar destaque. Afinal, foi uma ação pensadas e não foram executadas. Por exemplo, tivemos bem-sucedida. Infelizmente, não conseguimos entrevistar muito interesse em fazer uma matéria sobre a Rio +20, todos os presidentes pessoalmente: Fernando Collor e Lula cúpula em que a turma trabalhou. A reportagem sobre da Silva enviaram suas respectivas respostas por escrito. Rio+20 acabou por transformar-se em uma entrevista com No caso do Fernando Henrique Cardoso e do José Sarney, o negociador-chefe do Brasil, o embaixador Figueiredo, fu- conseguimos fazer, diretamente, as perguntas que havíamos turo ministro de Estado. Os prolegômenos sobre a turma, elaborado. Entrevistamos Cardoso no Instituto FHC, em logo após o editorial, surgiram porque havíamos pensando São Paulo. Já Sarney, à época, era presidente do Senado. Em em narrar historietas da turma. Como tivemos receio de ambos os casos, contamos com a ajuda de diplomatas para que esse projeto ficasse datado, resolvemos contar alguns conseguir o encontro. O assessor internacional do Sarney eventos marcantes, como a nossa ida a Buenos Aires. era o ministro Bernard Klingl; no caso do Fernando Henri- que, o embaixador Lamazière, que havia sido porta-voz do Palácio do Planalto, conseguiu essa entrevista.

III – COM A PALAVRA, O MINISTRO A Juca nº 5 não havia entrevistado o então ministro de Estado, o embaixador . Acabava, de certa maneira, por ser a primeira JUCA do novo ministro e, para nós, era uma entrevista inescapável. Na primei- ra reunião sobre o tema, decidimos que uma entrevista sobre política externa não seria uma inovação, pois já se conheciam os principais temas de interesse do então mi- nistro Patriota. Tentamos, por isso, fazer uma entrevista mais pessoal. E o embaixador Patriota adorou a ideia, a Os prolegômenos da turma 2011-2013. 33

Luiz de Andrade Filho, editor da JUCA n° 7

I. DOSSIÊ conceito de diplomacia pública, não Ficamos um pouco receosos por tratar do golpe de existiam muitas publicações sobre Estado no Dossiê: “como é que tocaremos nessa ferida? o tema, por isso, decidimos tentar De que modo abordaremos memória e verdade no Itama- elaborar nosso conceito. Foi uma raty?”. Na opinião pública brasileira, prevalecia – acho eu experiência excelente. Após o lan- – o entendimento de que a instituição protegia informa- çamento da JUCA, a Assessoria de ções sobre como a máquina do Estado era utilizada para Imprensa do Itamaraty (AIG) citou apoiar a ditadura e para coordenar ações entre países da o nosso artigo, em mais de uma ocasião, ao discorrer sobre América Latina que viviam regimes de exceção. Quando o tema. Temos, sim, que usar essa oportunidade para falar começamos a investigar o tema, entendemos que era uma o que pensamos, para mostrar que temos nossas próprias oportunidade de trazer um outro lado da história: como o ideias. Itamaraty tem atuado hoje para responder às políticas de memória e verdade. IV – AS ENTREVISTAS Fizemos muitas entrevistas e, inclusive, questiona- II. A TRADIÇÃO É RENOVAR-SE mos se o número não havia sido excessivo. Com o resul- Como editor, eu estava muito empolgado para fazer tado final, entendemos que, na verdade, as entrevistas se algo completamente diferente. Nós víamos que a JUCA era somaram aos demais artigos. A entrevista de Paulo Sérgio um trabalho acadêmico relativamente denso, mas ninguém Pinheiros, que estava bastante envolvido na Comissão da sabia qual era sua repercussão: “as pessoas estão realmente Verdade, foi sensacional. A própria entrevista com o mi- lendo a JUCA?”, era uma pergunta que nos fazíamos. Por nistro de Estado à época, o embaixador Luiz Alberto Fi- isso, nós buscamos diversas maneiras de nos inserir no gueiredo Machado, é praticamente um legado, pois acho meio acadêmico brasileiro. Uma delas foi a realização de que ainda não havia um texto em que o novo chanceler ex- parcerias com acadêmicos, que participaram como coau- pusesse seu pensamento sobre temas tão variados de polí- tores de alguns artigos. Outra estratégia foi a de inserir a tica externa. Foi, também, muito prazeroso entrevistar os JUCA nos eventos universitários, como o Encontro Nacio- brasileiros em posição de liderança no multilateralismo. A nal de Estudante de Relações Internacionais. Entendía- ideia foi criar um fio condutor para todas as entrevistas, mos, também, que a JUCA deveria ser lida em países cuja demonstrando o que o povo brasileiro traz de diferente população não falasse a língua portuguesa. Por isso, a equi- para o trabalho dessas organizações internacionais e para pe da revista tomou essa decisão de traduzir o conteúdo a política internacional. para o inglês. Eu me lembro de que a questão era até bem burocrática, pois o orçamento previsto abarcava um núme- V – A JUCA E A PRESIDÊNCIA ro X de páginas, que não poderiam ser ultrapassadas com Uma ótima lembrança da JUCA foi termos tido a a tradução, mas fizemos de tudo para que a ideia vingasse. oportunidade de entregar a revista para a então presidente Nós resolvemos escrever uma revista um pouquinho me- Dilma. Era uma meta, principalmente por ela ter tido uma nor, mas que contasse com a tradução. O apoio das profes- história de vida ligada à luta contra a ditadura. A entrega soras Sara Walker e Susie Casement na revisão dos textos do Prêmio Direitos Humanos, em 2014, no Palácio Itama- foi fundamental para concretizarmos a ideia. raty, parecia ser nossa única chance. Pus um exemplar da revista debaixo do braço e falei: “eu vou lá”. Na saída do III – A VOZ DOS NOVATOS evento, consegui entregar a JUCA à presidente. Ela, inclu- A JUCA é uma das poucas oportunidades que temos – sive, ficou surpresa com o fato de termos uma publicação. como terceiros-secretários, como novatos na carreira – de Nós ficamos felizes tanto com a ideia de que a revista al- falarmos publicamente o que pensamos. Os autores com- cançou o mais alto nível da política, a presidência da Repú- preendem que a revista é, também, institucional, e que não blica, quanto com as pequenas inserções da revista e com cabe a nós, por exemplo, questionar os preceitos da políti- artigos que reverberam até hoje. O olhar de carinho das ca externa. A ideia, na verdade, foi trazer novas perspec- pessoas em relação à JUCA faz com que eu me lembre da tivas e novas formas de pensar. No caso do artigo sobre o experiência com muito afeto. ESPECIAL 10 ANOS DE JUCA

Felipe Neves, editor da JUCA n° 8

I. AS PRIMEIRAS INTERAÇÕES IV. AS LEMBRANÇAS A nossa turma acabou por dividir tarefas, formando dois Uma entrevista muito marcante grupos: os responsáveis pela organização da festa à fantasia foi com o [professor Martti Antero] [GT Festa] e os editores da Revista JUCA [GT JUCA]. Sempre Koskenniemi, acadêmico de Direito fizemos reuniões no intervalo entre uma aula e outra ou na da Universidade de Helsinque que hora do almoço. Era uma oportunidade de ouvir as sugestões veio dar uma palestra na Univer- de artigos e montar as demais seções da revista. Decidimos, sidade de Brasília. Enviamos um por exemplo, inovar ao criar uma seção de Política Interna- e-mail com um convite para a entrevista, e ele aceitou. A cional. Por outro lado, mantivemos seções tradicionais, como entrevista foi em um bar em Brasília e foi muito divertida. a de artes. As pessoas do GT estavam muito engajadas na Já para entrevistar o [professor Antônio Augusto] Cança- elaboração da JUCA, a ponto de, no processo de elaboração do Trindade, fomos à casa dele em Brasília. O ministro de dos artigos, ultrapassarem o número de páginas inicialmente Estado à época, embaixador , nos recebeu no designadas. Por se empolgarem com seus respectivos temas, andar de baixo do seu gabinete. Foi uma entrevista muito todos decidiram escrever bastante. Ao longo do processo, informal. Ele conversou conosco de igual para igual e, além buscamos também aproveitar os talentos da turma, como o disso, dispôs-se a nos ajudar a contatar um dos alunos da Vismar [Silva], que é fotógrafo, e o João Marcelo [Costa Melo], primeira turma do Rio Branco, o [Gilberto] Chateaubriand. que havia sido jornalista. As pessoas queriam inovar. Muitos Um grupo de cerca de cinco alunos do Rio Branco foi ao de nós víamos a JUCA como uma espécie de cartão de visitas especificamente para realizar a entrevista. da turma e do próprio Instituto Rio Branco. Conseguimos viajar em um feriado prolongado, pagamos passagem, hospedagem e fomos à casa dele. II. O DOSSIÊ Em relação ao Dossiê, as pessoas foram espontanea- V. A DIVULGAÇÃO mente falando sobre o que lhes interessava no âmbito das Buscamos difundir a JUCA, para que ela não ficasse Nações Unidas. Tínhamos uma disciplina no Instituto Rio excessivamente autocentrada e voltada para o Institu- Branco que tratava especificamente de organizações inter- to Rio Branco e o Ministério. Para isso, lançamos mão da nacionais, e alguns autores aproveitaram o engajamento na página do Facebook da JUCA. Fizemos concurso cultural, matéria para se aprofundar em determinada área e escrever lançávamos fotos das entrevistas que estávamos realizan- para a JUCA. Havia uma escolha cuidadosa de títulos, o que do. Sentíamos que a JUCA era um meio de divulgar a pro- demonstrava empenho na elaboração dos artigos e preo- fissão de diplomata, e isso impulsionou um colega aes- cupação com o resultado final da revista. A matéria sobre crever a matéria sobre Postos D. Queríamos mostrar que a o Fundo Monetário Internacional chama-se, por exemplo, profissão não era apenas glamour. Tentamos dar um toque “O Bombeiro e O Arquiteto”. As pessoas se preocupavam em de realismo que seria importante para a eventual escolha apresentar matérias interessantes para o leitor. da carreira.

III. A COLABORAÇÃO A JUCA é uma grande experiência de coordenação da turma. Para questões relativas à diagramação, muitas vezes nos reuníamos aos sábados pela manhã. São nessas pequenas histórias em que é possível perceber o engajamento em rela- ção à JUCA: as pessoas faziam-se presentes nos encontros, ainda que as datas e os horários não fossem muito cômodos e os encontros fossem marcados com urgência. As pessoas que faziam parte do GT JUCA eram muito exigentes em re- lação à qualidade do trabalho. Muitas vezes, a resolução de uma imagem ou o título de um artigo ensejava uma grande discussão entre os membros do grupo. Foi, realmente, um esforço coletivo. Entrevista com Martii Koskenniemi, um dos momentos marcantes da JUCA nº 8. 35

Pedro Dubra, editor da JUCA n° 9

I. CONTINUIDADES E ESPECIFICIDADES modo remoto, como mensagens de A JUCA é tanto uma publicação regular do Instituto Whatsapp. Apesar do título de edi- Rio Branco quanto uma revista singular editada por uma tor-chefe, não me senti em nenhum determinada turma. Então, existem tanto continuidades, momento chefe de ninguém. Afinal, passagem de bastão de turma a turma com assunção de somos todos colegas, na mesma pa- compromissos —uma turma decide começar a fazer tra- ridade. O que tentei fazer foi propor duções dos textos para o inglês e as outras seguem a prá- ideias sobre a pauta e estar em diá- tica, por exemplo—, quanto especificidades de grupo, um logo constante com o restante do GT. A revista foi feita de contexto próprio. Talvez a marca principal da nossa edição uma maneira extremamente horizontal. seja a de ter um fio condutor temático do começo ao fim, ao passo que as antecessoras seguiram o modelo de dossiê IV. A LIBERDADE AUTORAL DE IDEIAS acompanhado de coletânea de assuntos —e não acho que O Ministério das Relações Exteriores tem seu discurso um formato seja melhor do que o outro, aliás. Outra parti- institucional, mas isso não impede que a JUCA seja uma ini- cularidade é a de que foi feita por uma turma de 19 pessoas, ciativa também marcada por nossas ideias. Há espaço para uma das menores do ministério em muito tempo. A JUCA voz própria sem que se firam os princípios do Ministério, foi criada no tempo das “turmas de 100”, uma realidade suas regras não escritas, práticas, rotinas. Creio que nossa que não existe mais. Então, houve cedo o entendimento de revista revela uma dicção pessoal. Ao mesmo tempo, não se que todos precisariam colocar a mão na massa para fazer a desvia do que é o discurso do ministério sobre, por exemplo, coisa acontecer. política externa, cooperação esportiva ou cultura brasileira.

II. A INSPIRAÇÃO As antecedentes imediatas da nossa JUCA seguiram o padrão de celebrar uma efeméride. O que mais estava palpitando na nossa época eram os Jogos Olímpicos e Pa- ralímpicos, eventos finais da década esportiva brasileira, que teve, ainda, marcos como os Jogos Pan-Americanos e a Copa do Mundo. A ideia, porém, não foi tratar pura e simplesmente do esporte, mas destacar conexões dele com relações internacionais, história, diplomacia e cultura. Daí, a partir dessa proposta, todos foram encontrando ganchos para abordar seus assuntos favoritos. O resultado, creio, foi uma revista que reflete os interesses pessoais dos autores, as diferenças de gosto e mesmo as diferenças de geração, ainda que haja um mote a unificar os textos. Espero que, em vez de uma edição monotemática, “samba de uma nota só”, tenha prevalecido o sentido de unidade na revista.

III. A COOPERAÇÃO NO SÉCULO XXI Terminamos o Rio Branco e não queríamos protelar a publicação, para não haver uma distância muito grande entre a última edição e a nossa. Como tínhamos de fazer a revista em paralelo à nossa recém-iniciada vida profis- sional na Secretaria de Estado, os contatos do GT JUCA durante sua produção foram realizados principalmente de Reportagem sobre os BRICS e a organização de grandes eventos. ENTREVISTAS

“Ser ministro das Relações Exteriores é estar no lugar onde a atividade política, em sua acepção mais elevada, é exercida. É uma enorme fonte de satisfação”: Entrevista com o ministro Aloysio Nunes Ferreira

Por Isadora Loreto da Silveira, João Soares Viana Neto, Maria Eduarda Paiva e Ramiro Januário dos Santos Neto1

1 A equipe da Revista JUCA agradece os esforços de Iuri Medeiro de Jezus Foto: AIG/MRE e Natanni Fernandes Santiago na transcrição da entrevista. 37

Fotos: Arquivo da Câmara

JUCA: Ministro, primeiramente, abertura para reinvindicações que convite do presidente Michel Te- a JUCA agradece por aceitar nos- possam levar o Brasil a uma situa- mer para que o senhor assumisse so convite. O dossiê desta edição ção social mais igualitária. o ministério? O senhor aceitou são os 30 anos da Constituição Mas a Constituição também veio prontamente? Quais considera- Cidadã. Como vice-governador marcada por uma visão da relação ções fez, ao ser convidado? do estado mais populoso da fede- entre o estado e a sociedade que ração, deputado federal, senador marcou a vida brasileira durante MAN: Eu fui um membro muito ati- e agora ministro, o senhor pôde algumas décadas, a qual, de algu- vo da oposição aos governos ante- participar ativamente do proces- ma forma, ficou ultrapassada. Por riores, do presidente Lula e da pre- so político de implementação do essa razão, o texto constitucional sidente Dilma. Inclusive liderei, no texto constitucional. Passados 30 foi sujeito a um processo amplo de Senado, a bancada do PSDB. Minha anos, qual o balanço que o senhor revisão, que ocorreu especialmente posição, portanto, era claramente a faz da Constituição de 1988? no governo do presidente Fernando de um parlamentar de oposição ao Henrique Cardoso. governo que foi objeto do impeach- Ministro Aloysio Nunes: A Cons- Outro aspecto muito importante ment, pelo qual trabalhei ativamen- tituição de 88 consolidou proces- para nós, que trabalhamos com re- te. No entanto, já antes do início do so bastante sofrido de luta contra lações exteriores, é o fato de a Cons- processo de impedimento, eu me a ditadura. Ela veio carregada de tituição trazer um balizamento da convenci de que deveria ajudar o go- um conjunto enorme de reinvin- atuação da nossa diplomacia e da verno constitucional que assumiria dicações que ficaram reprimidas nossa política externa, que é o artigo em seguida, que seria o governo do durante todo o período do governo 4º, além de outros artigos dispersos. vice-presidente. Deveria ajudá-lo a autoritário. Tem, portanto, além Em suma, diria que é uma Consti- superar todos os desafios e a heran- de um conteúdo jurídico, um con- tuição duradoura. Ela tem a marca ça do governo anterior. Por ter par- teúdo democrático, com uma série da democracia e a marca da inclu- ticipado do impeachment, era meu de demandas socioeconômicas. Ou são, valores permanentes no Brasil, dever ético e político participar do seja, temos uma Constituição que a meu juízo. enfrentamento dos problemas, com estabelece um marco de natureza base na plataforma que meu partido socialdemocrata, por sua atenção JUCA: Passando agora para pe- havia submetido ao presidente Te- com a democracia política e sua ríodo mais recente, como foi o mer, inclusive com pontos relativos ENTREVISTAS

à política externa. A partir de então, gamos assim, uma via de continuida- perfil internacional. O Brasil é um participamos do apoio ao governo. de da nossa política externa, apesar país pacífico, que valoriza soluções O momento mais difícil coincidiu de diferenças de ênfase em um mo- negociadas, que valoriza a igual- com a aprovação do teto de gastos, mento ou outro – como não poderia dade entre os estados. Somos um com a mudança do marco jurídico deixar de ser, em um país democrá- país independente na sua política da exploração do Pré-Sal, e eu fui tico. A memória do que se faz aqui e externa, um país que está na van- convidado pelo presidente Temer a as tradições que são cultuadas dão a guarda de valores hoje muito caros ser líder do governo. Posteriormen- mim, que não sou da carreira, muita à comunidade internacional, como te, veio o convite para participar do segurança em minha atuação. direitos humanos e meio ambiente. ministério na qualidade de ministro Mas eu não posso imaginar que o das Relações Exteriores – o que não JUCA: No discurso que proferiu Brasil tenha instrumento de poder poderia ser encarado com estra- na nossa formatura, em 2017, no para regrar e dirimir os conflitos do nheza, na medida em que o senador Dia do Diplomata, o senhor re- Oriente Médio, por exemplo. Temos Serra, que era o ministro, precisou cordou uma lição oportuna de de levar em conta nossa capacidade afastar-se em razão de problemas Joaquim Nabuco, segundo quem de atuação, sem voluntarismo. de saúde, como é sabido. “não se fica grande por dar pulos. Não somos um país imperial, não Então, quando o presidente Temer Não podemos parecer grandes, temos um antigo império a defen- me convidou, aceitei sem nenhu- senão o sendo”. A citação perecia der, como o Império Otomano, o ma hesitação, até porque esse é um ter como pano de fundo debate Império Russo. Nunca tivemos co- tema que sempre me interessou. entre partidários da moderação lônias, portanto não temos vínculos No Senado, participei ativamente como estilo diplomático e advo- como, por exemplo, os da França de três comissões, durante todo o gados de uma política mais ativa. com os países africanos que foram tempo em que lá estive: a Comissão O senhor tinha essa oposição em colônias francesas, a cujos merca- de Constituição e Justiça, a Comis- mente, naquele momento? dos tem acesso privilegiado. Não são de Defesa do Meio Ambiente e somos uma potência militar. Nossa a Comissão de Relações Exteriores MAN: Eu acho que a política exter- indústria de defesa é importante, e Defesa Nacional, da qual fui pre- na tem de ser ativa, você não pode mas não tem o vulto que a indústria sidente. Era um tema com o qual eu ficar acomodado. Mas devem ser bélica russa tem, porque tampouco estava familiarizado, consciente da levadas em conta as possibilidades fomos uma potência mundial como importância das relações exteriores concretas da realização dos seus foi a Rússia, com uma posição hege- na vida do brasileiro e da importân- objetivos, as condições de poder mônica no mundo. Todas essas cir- cia do Brasil no mundo. O convite, real que o Brasil tem para atingir cunstâncias são condicionantes da para mim, foi muito natural. os objetivos que são colocados em nossa ação internacional. Em algu- Além disso, aqui, no Itamaraty, te- cada momento. Não podemos fa- mas coisas nós somos muito bons e mos um corpo de funcionários da zer uma coisa de mentirinha, uma muito fortes. Em outras, nem tanto, mais alta qualificação, o que muito coisa fake, ou podemos enganar- mas trata-se de coisas que não nos me atraiu. Diplomatas recrutados -nos. Repito: isso não significa que fazem falta. Não queremos ser uma por um concurso público duríssimo, vamos nos acomodar. Podemos nos grande potência militar no mundo: que passaram por vários governos, esforçar por ser grandes, porque queremos ter instrumentos para em diferentes etapas de suas respec- nós somos grandes em vários do- nos defender e defender nossa so- tivas carreiras, e que encarnam, di- mínios, os quais caracterizam nosso berania. 39

Foto: Posse – Aloysio Nunes Foto: AIG/MRE

JUCA: O senhor participou da reverenciada no ACNUR. Nos tra- vivido em outro país contribuiu elaboração da lei que implemen- balhos legislativos, foi o Guilherme para despertar a preocupação com tou o estatuto dos refugiados no que me sugeriu a introdução, em questões como documentação, con- Brasil. Sua experiência no exílio um artigo da lei, da caracterização dições de inserção social e acesso a influenciou sua atuação nesse jurídica do refugiado. Na época, foi serviços públicos, por exemplo. Na tema? Como o senhor avalia a im- difícil aprovar, porque houve mui- França, no exílio, eu fui membro do plementação dessa lei? tas resistências em vários setores do sindicato dos professores, fui mem- governo – inclusive no Itamaraty, bro do Partido Comunista Francês MAN: O tempo no exílio foi im- no Ministério da Defesa e no Minis- e tive uma atuação na vida política portante, sim. O Estatuto é de 1997, tério da Justiça. Isso porque eu pro- e social do país que me permitiu e a iniciativa legislativa foi do pre- pus um alargamento no conceito de algum enraizamento. Da mesma sidente da República – Fernando refugiado, para compreender não forma, lá eu via exilados antigos da Henrique, na época. Eu fui o relator apenas aquela pessoa que é vitima Grécia, de Portugal, da Espanha, que na Câmara dos Deputados, designa- de perseguição a título individual, simplesmente já estavam lá há duas do pelo presidente da casa, o Luís mas também aquela que se encontra gerações, na condição de exilados Eduardo Magalhães. Minha expe- em um quadro de violação massiva políticos e econômicos. Essa expe- riência de 10 anos como refugiado de direitos humanos, em decorrên- riência despertou minha preocupa- foi importante para meu trabalho cia de guerras, perseguições e ques- ção com a segurança do imigrante, naquele momento, inclusive os con- tões étnicas e religiosas. Essa foi sem descuidar, evidentemente, da tatos que eu tinha com o Alto Co- uma mudança importante em nossa segurança do país e da necessidade missariado das Nações Unidas para legislação, a qual atraiu muita curio- de controlar o fluxo de imigração. os Refugiados. O representante do sidade e interesse de outros países, A lei anterior, o Estatuto do Estran- ACNUR na América do Sul, o Gui- que hoje adotam essa norma. geiro, era marcada pela cautela e lherme Lustosa, tinha sido refugia- Recentemente, como vocês sabem, pela perspectiva de contenção do do também, fomos colegas na uni- discutiu-se outra lei importante, a estrangeiro, o qual era percebido, de versidade. É figura até hoje muito Lei de Migração. O fato de eu ter certa maneira, como ameaça à segu- ENTREVISTAS rança nacional. Pela lei, até concurso JUCA: Ministro, passamos agora co pelas beiradas, defendendo re- de miss podia ser um fator que afe- a perguntas sobre características formas mais graduais no funciona- tasse a segurança nacional! Propus da inserção internacional do Bra- mento, até atingirmos nossa meta. mudanças a colegas do parlamento, sil. Característica de grande rele- com quem discuti essa questão. Des- vância é o empenho na reforma JUCA: Mas, em havendo uma re- tacaria o Ibrahim Abi-Ackel, que foi do statu quo internacional. Com forma, é difícil imaginar um Conse- ministro da Justiça do governo Fi- diferentes matizes e ênfases, isso lho reformado sem o Brasil, não é? gueiredo, e o Almino Afonso, que tem aparecido em diferentes go- foi ministro de Jango e que também vernos. Esse desejo muitas vezes MAN: Eu acho que a presença do conhecia a experiência de viver no se expressou na defesa de uma Brasil em um Conselho reformado exílio. Foi em 1995 ou 1996 que pedi reforma do Conselho de Seguran- se coloca com muita naturalidade, ao Almino para produzir a proposta ça das Nações Unidas. Como o se- mas não estamos discutindo isso de mudança. Ele produziu um es- nhor avalia esse objetivo? agora, como objetivo imediato. boço, mas a legislatura acabou, e o projeto não foi adiante. Quando re- MAN: É um objetivo que continua- JUCA: Ainda sobre as linhas de tornei ao Congresso como senador, remos a perseguir, porque o Con- nossa política externa, falemos retomei a ideia. selho de Segurança reflete uma um pouco sobre direitos huma- No Legislativo, o projeto tramitou realidade do pós-guerra, de 1945. nos, cuja prevalência está previs- muito tranquilamente, começando Quantos países hoje independentes ta na Constituição como um dos no Senado. Na Câmara, tive apoios eram, na época, colônias? Quantos princípios que regem as relações muito importantes, como os da de- países novos surgiram do desmem- internacionais do Brasil. Qual a putada Bruna Furlan (PSDB-SP) bramento de outros? Há muitas avaliação que o senhor faz do pa- e do Orlando Silva (PC do B-SP), mudanças na configuração do ce- pel do Itamaraty para a promo- além da colaboração do Tarciso Dal nário internacional, as quais devem ção deste tema, tanto no exterior Maso, consultor jurídico do Senado. ser refletidas nas Nações Unidas, quanto internamente? Mas quando a lei já estava prestes a sob pena de se comprometer a efi- ser promulgada, eu me surpreendi cácia, a efetividade das decisões. É MAN: Em matéria de direitos hu- com ataques xenófobos contra mim. preciso reformar o Conselho, mas manos, o Brasil também tem um Chegaram a fazer manifestações em também melhorar o funcionamento papel defensivo, na medida em que frente a minha casa, em São Paulo, da Organização como um todo. A violações ocorrem em diferentes dizendo que eu estava abrindo as reforma é um objetivo que nossa estados da federação. Denúncias portas para que entrasse no Brasil diplomacia persegue já há bastante podem ser levadas ao Conselho de 1 milhão de terroristas. Diziam que tempo, sendo uma linha permanen- Direitos Humanos, à Corte Intera- eu estava promovendo a islamiza- te de nossa atuação. Inclusive faze- mericana de Direitos Humanos e à ção do Brasil! Isso foi estimulado mos parte de um grupo de países Comissão Interamericana. Acon- por movimentos de extrema direita, que têm o mesmo desejo, o G-4, in- tece que o Brasil, confrontado com atuando nas redes sociais. Confesso tegrado por Brasil, Alemanha, Índia denúncias, está sempre disposto a que me surpreendeu e me preocu- e Japão. Mas sabemos que a reforma facilitar as investigações. Nós não pa que coisas assim possam voltar a não virá facilmente, porque quem temos caixa preta. Da mesma forma nos assombrar. está sentado ali dificilmente abrirá que apresentamos sugestões a ou- mão do monopólio, não é? Por isso tros países, estamos abertos a ouvir talvez tenhamos de comer um pou- sugestões, quando há violações no 41

Foto: AIG/MRE Foto: AIG/MRE

Brasil. Também buscamos manter to, a definição do que seria uma nossos países e de nossa inserção informadas as instâncias que acom- integração regional exitosa e as es- na América do Sul e no mundo, nós panham a implementação do que tratégias para persegui-la têm va- tínhamos uma tarefa, que era e é é sugerido. O Ministério das Rela- riado de acordo com os governos. desobstruir as relações entre os paí- ções Exteriores, como vocês sabem, Que caminhos o senhor considera ses membros e criar novos instru- é peça fundamental, pois é o órgão mais apropriados para uma efeti- mentos de integração. Por isso nós que defende e representa o Brasil va integração regional? O MER- retiramos cerca de 80 barreiras, de nesses foros onde se discutem e se COSUL seria a via prioritária? diferentes naturezas, que obstacu- julgam violações de direitos huma- lizavam o livre comércio entre nós, nos. E algo que deve ser destacado MAN: Nossa atuação no MERCO- e devemos ter eliminado 80%, tal- é nossa postura colaborativa. En- SUL tem buscado conciliar o res- vez mais, dessas amarras. Iniciamos quanto o Brasil recebe os relatores peito a sua vocação original de ser uma aproximação, uma integração especiais sem dificuldade, muitos um bloco de natureza econômica maior, com os países da Aliança do países fecham as portas. Em re- e comercial com outros baliza- Pacífico. Na América do Sul, nós te- sumo: nosso papel é responder às mentos, como o pilar democrático mos vários acordos que foram sendo acusações, apresentar nossa defesa do Tratado de Ushuaia e o princí- firmados ao longo dos últimos anos, (quando é o caso) e ouvir as críticas, pio constitucional da prevalência que vão garantir que, em matéria de abertos às mudanças e sugestões dos direitos humanos. Foi o que tarifas, a gente tenha praticamente que nos propõem. nos levou, por exemplo, a tomar uma zona de livre comércio. posições no âmbito do bloco com Mas nós queremos ainda outros JUCA: Ministro, desde a redemo- vistas à suspensão da Venezuela, instrumentos de integração, como cratização, todos os presidentes decorrência de violações de direitos acordos de proteção de investimen- têm enfatizado como diretriz de humanos e da quebra da institucio- tos e de compras governamentais, política externa a integração re- nalidade democrática naquele país. além de promover a participação gional, certamente inspirados Especificamente com relação a fa- de pequenas e médias empresas no pelo parágrafo único do artigo 4º zer do MERCOSUL uma platafor- comércio entre nossos países, bem da nossa Constituição. No entan- ma de integração econômica de como convergências regulatórias. ENTREVISTAS

Isso ganhou impulso a partir de uma e as preferências tarifárias. Além africano, ao qual o senhor já foi reunião que nós tivemos em Bue- disso, já foi autorizado pela CAMEX mais de uma vez desde que assu- nos Aires, em abril do ano passado, um entendimento exploratório miu o Ministério. Qual o lugar da que retomou uma pauta que havia com a Coreia do Sul, em vista de África na atual política externa? sido esboçada em uma reunião em um acordo MERCOSUL-Coréia Lima, um ano antes. Agora estamos do Sul, que poderá ser um acordo MAN: Na África, destacaria os paí- trabalhando para transformar isso de livre comércio ou um acordo de ses de língua portuguesa, em pri- em realidade, com progressos mais preferências tarifárias. Enfim, nes- meiro lugar. Destacaria também evidentes com alguns países, como ta gestão, nós estamos procurando os países com os quais temos uma a Colômbia. Buscamos, ainda, inte- concretizar o objetivo de fazer do ligação histórica em decorrência gração energética e integração de MERCOSUL uma plataforma para do tráfico de escravos e da escra- infraestrutura de transportes. Hoje o mundo. O MERCOSUL passa a ser vidão, como o Benin, por exemplo, mesmo teve uma reunião com o mi- uma noiva cobiçada. onde a presença brasileira se sente nistro do Planejamento, para ver se até hoje. A África do Sul evidente- nós conseguimos atrair fundos de JUCA: Isso é importante, sobretu- mente tem muita relevância, por ser financiamento internacional para do neste contexto global, não é? uma grande democracia e por ser financiarem concessões públicas e uma força econômica importante privadas. A hidrovia do MERCO- MAN: Neste contexto global de no continente. Junto com o Brasil e SUL, por exemplo, é algo que de- protecionismo, claro. E no MER- com a Índia, participa do IBAS, me- manda um grande empenho para COSUL, evidentemente, o interesse canismo que nós estamos buscando remover obstáculos regulatórios e pelo Brasil é muito grande, porque revitalizar. Temos acordo comercial permitir a utilização dos rios da Ba- o nosso PIB é enorme, maior que o com o Egito, por meio do MERCO- cia do Prata. Com a Bolívia, temos a PIB da Rússia, por exemplo. Em ra- SUL, e estamos negociando com o integração energética, por meio do zão disso, também nessas negocia- Marrocos – pelo menos os contatos gasoduto, que é muito importante. ções, temos de ser cautelosos, pois preliminares já foram concluídos. Com o Paraguai, tem Itaipu, que é nossas sensibilidades são maiores, Enfim, há muitas iniciativas. uma grande empresa binacional – e o preço a pagar, no curto prazo, é Sobre nossas relações com os paí- uma coisa a ser destacada: termos maior para o Brasil do que para nos- ses africanos, tem muita importân- uma empresa binacional dessa mag- sos sócios do MERCOSUL – embo- cia a cooperação em agricultura, na nitude e funcionando muito bem. ra todos concordemos que, no mé- qual os países têm muito interesse. Destaco também outra vertente do dio e no longo prazo, para o sistema Estão interessados no modelo de MERCOSUL, que é a ambição de econômico brasileiro e dos países cooperação que nós temos, que é integrar os países do bloco com o membros do bloco, esses acordos um modelo em que nós buscamos mundo. Além das negociações com são muito positivos, porque acredi- construir projetos em acordo com a União Europeia, que vinham se tamos realmente na abertura do co- nossos parceiros. Nós não levamos o arrastando há 18 anos, vamos abrir mércio como fator de crescimento e pacote pronto. Não é um prêt-à-por- agora em março [março último], a desenvolvimento das economias. ter: é sob medida, com ênfase em as- negociação da associação MERCO- pectos nos quais somos muito bons. SUL-Canadá. A associação MER- JUCA: Ministro, para além do es- Somos bons em agricultura familiar, COSUL-EFTA também já está bem paço mais óbvio da projeção dos extensão agrícola, agricultura tropi- engatilhada. Com a Índia, há esfor- interesses do Brasil, que seria a cal. Também temos ótimas soluções ço para ampliar a pauta de comércio América do Sul, há o continente para problemas sociais. O banco de 43 leite materno, por exemplo, é um bro umas situações chatas, que sem- E a história do Brasil é, em grande grande sucesso: custa pouco e tem pre acontecem quando você está co- parte, a história da sua política ex- um enorme alcance social A Em- tado para ser ministro. Já passei por terna. Sendo político, estar no Ita- brapa sempre é solicitada para dar isso várias vezes... maraty me estimula muito, pois po- conselhos técnicos, para resolver lítica externa é, sobretudo, política. problemas graves, cuja solução, na JUCA: Começam a pedir entre- É construção, conversa, tentativa de verdade, é relativamente simples. vistas? buscar entendimento. Muitas vezes Lembro o caso do Malawi, onde é polêmica também. Enfim, é polí- uma praga estava afetando a cultura MAN: Não, não é isso! É que você tica pura, e minha alma é política. do milho. No Brasil sabemos com- paga mico, um mico clássico, inclu- Para mim, ser ministro das Relações bater isso com métodos, digamos, sive. Você está andando pelo Con- Exteriores é estar no lugar onde a biológicos: simplesmente usamos os gresso, na rua, e sempre aparece atividade política, em sua acepção predadores naturais. Assim, bastou alguém chamando “Ministro!”. (Ri- mais elevada, é exercida. É uma irem três pesquisadores da Embra- sos) Então você não sabe se olha, se enorme fonte de satisfação. pa, com essa tecnologia, para aju- não olha... Um clássico! Já passei darmos a solucionar um problema por isso várias vezes, quando co- JUCA: Fazemos uma última per- gravíssimo no Malawi. É claro que tado para assumir ministério. Em gunta. Sua trajetória é muito rica nós não temos a força da China, que algumas vezes, assumi mesmo, em e coincide com momentos muito chega lá com rodovia, com hidroe- outras, não. interessantes da história nacional. létrica, com aeroporto. Mas nós te- O senhor pensa em escrever uma mos soluções muito eficientes e que JUCA: Mas a pergunta é se, após biografia? são muito apreciadas. um ano, o senhor consegue fazer um balanço da gestão... MAN: Minha mulher sempre insis- JUCA: Com a recente assinatura te muito em que eu deveria escre- do acordo constitutivo do fundo MAN: Não, balanço é coisa de gente ver. Lembranças, memórias, talvez. IBAS, as relações com esses paí- que acabou! Talvez possa fazer algo como fez ses se intensificam? o Serra, que escreveu o Cinquenta JUCA: Não, mas então um ba- Anos Esta Noite. Acho que quando MAN: Se intensificam, é claro. E é lanço do aprendizado mesmo. você começa a exercitar, a puxar também um mecanismo de entendi- O senhor deve ter chegado aqui pela memória, as coisas vêm, vão mento político importante. São três com expectativas, com uma certa brotando. Inclusive você tem a me- grandes países democráticos, em ideia do Ministério e do que po- mória involuntária, que é uma fonte desenvolvimento. Existe toda uma deria fazer... preciosíssima de sensações e ajuda pauta política a ser desenvolvida. a trazer à tona coisas que estavam MAN: Como disse no começo, o Mi- esquecidas. Quando eu terminar JUCA: Ministro, vamos chegando nistério não era um estranho para minha carreira política, não sei ao final da entrevista. O senhor mim. Em minha atuação política, quando, talvez eu possa me dedicar completou recentemente um ano antes mesmo do Senado, sempre me a isso, porque realmente é um pe- à frente do Ministério... interessei muito pela política exter- daço longo, não é? Comecei a atuar, na. Além disso, sou um fanático por participar como militante político, MAN: Foi em fevereiro, março, não história. A história é, para mim, no no início dos anos 60 e nunca parei. é? Já não lembro exatamente. Lem- plano intelectual, a minha Disney. Talvez seja hora de parar. ENTREVISTAS

Deputada Benedita na Assembleia Constituinte. Arquivo da Câmara dos Deputados.

Benedita da Silva “Eu nunca vi, no Brasil, um momento tão rico quanto o da Assembleia Nacional Constituinte[...]. Eu passei por um momento de grande emoção.”

Elaine Cristina Pereira Gomes; Igor Goulart Teixeira; Rafaela Seixas Fontes; Ramiro Januário dos Santos Neto; Rodrigo Cruvinel Barenho e Rodrigo Ponciano Guedes Bastos dos Santos. 45

Arquivo da Câmara dos Deputados

A Deputada Benedita da Silva, 75 JUCA: Como foi sua trajetória de mos as associações de moradores. anos, recebeu os entrevistadores da vida, incluindo o aspecto profis- Então, politicamente, não parti- JUCA em dia movimentado no Con- sional, até a entrada na vida polí- dariamente, mas politicamente, as gresso Nacional. Em alguns instan- tica? , e aí eu posso dizer isso de tes, sua presença em plenário seria todas elas, nós sofríamos a mesma, solicitada, o que poderia encerrar BDS: Eu sempre vivi uma vida po- nós tínhamos a mesma situação de nossa entrevista a qualquer momen- lítica, porque, morando na fave- classe e de espaço, o que dificultava to. No entanto, Benedita respondeu la, nós tínhamos que ter o mínimo para nós até a acessibilidade. Você a todas as perguntas sem pressa e de organização para obter algum já pensou nas pessoas, numa fave- compartilhou conosco histórias so- serviço público. Nós tínhamos uma la, lá no alto sem água, sem luz, sem bre sua vida pessoal e profissional e necessidade a nome de saneamento. esgoto… Aí, pensa numa pessoa com sobre os desafios que a levaram à po- Então a minha luta na comunidade deficiência, pensa numa pessoa com lítica. Benedita foi a primeira mulher começa pela questão da água, luz e alguma obesidade mórbida… Por- negra na história do Brasil a ocupar esgoto e, depois, por creche. Aí veio que isso existe, vai pensando… Es- os seguintes cargos: Vereadora da o Departamento Feminino da Fede- sas pessoas não desciam do morro, cidade do Rio de Janeiro, em 1982, ração das Associações de Favelas do não tinham como, uma vez que você Senadora da República, em 1994, e Rio e começamos a nos interessar não tinha uma urbanização. Uma Governadora do Estado do Rio de por coisas mais de ordem domésti- ambulância não podia chegar. En- Janeiro, em 2002. Eleita Deputada tão foi uma luta muito intensa, foi Federal para a Assembleia Nacio- ca, porque era a mulher que ficava nal Constituinte em 1986, Benedita em casa, era a mulher que tinha que uma universidade da vida que nós atuou em subcomissão do Congresso pegar água, tinha que lavar roupa, cursamos. que levou, de forma inédita, deman- tinha que lavar louça, ela tinha que Então levamos essa nossa expe- das do movimento negro, das mulhe- mandar as crianças para escolas, e riência para dentro de um partido res, dos indígenas, dos LGBTs e das escolas era uma coisa muito difícil. político para que o partido pudesse pessoas com deficiência para o cen- Era longe... Então, a nossa organiza- abraçar essas coisas que nós estáva- tro do debate parlamentar. Muitos ção propriamente dita vem dessas mos defendendo. Minha formação artigos da Constituição que defen- demandas, dessas necessidades na é uma formação dessas. Trabalhava dem os direitos humanos são o resul- comunidade. nas comunidades eclesiais de base, tado da luta intensa de Benedita para Outra bandeira era a de urbaniza- trabalhamos muito com Leonardo aprovar uma legislação realmente ção da . Nós tínhamos a nossa Boff, com Frei Betto, mesmo eu sen- democrática durante a Constituinte. organização e, na sequência, tive- do evangélica. ENTREVISTAS

Arquivo da Câmara dos Deputados.

Durante esse período, eu sempre lhava a noite e trabalhava durante o çou a falar assim: “por que você não tive vontade de ser médica. A minha dia. No dia em que eu fazia [um tur- vai?” “Puxa, sai do âmbito munici- vontade surgiu quando meu filho no de] doze por sessenta é que eu ia pal e vai para o federal, porque você teve meningite. Eu disse: eu ainda para faculdade. Quando terminei fi- vai ser exclusiva, você vai levantar vou estudar, eu ainda vou poder, quei muito feliz. Tudo isso eu estava essas bandeiras que não são bandei- eu ainda vou ser médica. Não con- fazendo não mais pelo meu desejo, ras comumente levadas para o par- segui ser médica, virei auxiliar de uma vez que meu desejo era ser mé- lamento, e, agora na Constituinte, enfermagem. Para mim, já estava ali dica, mas fazia para que eu pudesse a gente vai ter aquela vez e voz” Eu servindo as pessoas, porque eu vi o aprimorar o meu conhecimento e fiquei muito receosa, e disse “ai gen- carinho com que meu filho foi trata- servir melhor naquilo que eu estava te, quem é que vai votar em mim?” do. Depois, eu resolvi fazer serviço me propondo, que é a política. Mas eu já tinha dito isso para a ve- social, uma vez que tem muito a ver reança: “ninguém vai votar em mim, com as coisas que eu defendo politi- JUCA: Como se deu sua eleição ninguém me conhece”. camente. Eu já estava com quarenta como Congressista Constituinte Mas a favela me conhecia. Então anos. Foi quando eu consegui ir para no ano de 1986? foram elas, as favelas, que deram o faculdade. Fui eu e a minha filha, suporte para o pontapé inicial. Fa- as duas para a faculdade. Eu estava BDS: Já estava há quatro anos na laram, falaram tanto que eu [acho] em uma outra fase da vida, e pude câmara de vereadores, quando pas- que fiquei convencida, depois de ir para a faculdade, mesmo traba- sou a tal da Assembleia Nacional conversar com o movimento de mu- lhando em dois [empregos]. Traba- Constituinte. Aí todo mundo come- lheres, movimento negro, movimen- 47

Arquivo Senado Federal Luis Macedo / Arquivo da Câmara dos Deputados Will Shutter / Arquivo da Câmara dos Deputados to das igrejas. Conversei com todas comunidades indígenas, quilom- JUCA: Em agosto de 1986, foi rea- elas: Igreja Católica, conversei com bolas… E nós fomos trazendo essas lizado o “Encontro Nacional da judeus, conversei com a igreja evan- pessoas, que não tinham ainda tido, Mulher Constituinte”, que con- gélica, eu conversei com [religiões a não ser em comícios, a oportuni- tou com sua presença, na condi- de] matriz africana, porque a gente dade de sentar com o parlamentar ção de membro do Conselho Na- ia tratar de uma constituição que era para discutir o que ela estava pen- cional dos Direitos da Mulher. para todo mundo. Não dava para eu sando, [discutir o] que é ter uma lei. Quais foram as principais reso- chegar só com a minha visão: “olha, Então foi uma escuta fantástica, foi luções do Conselho levadas à As- eu acredito nisso, eu só faço isso, uma escuta maravilhosa, uma escu- sembleia Constituinte e ao Presi- então eu só vou defender isso”. Eu ta que fez com que nós víssemos o dente da República? poderia até defender, como defen- preconceito da sociedade brasileira. di, aquilo que eu considerava como Muito, muito… BDS: Olha, foram todas as ideias do princípio para mim. Eu não poderia Então nós víamos que, na consti- movimento feminista, do movimen- ir para uma assembleia nacional tuinte, nós tínhamos de dar o direi- to negro, do movimento indígena, constituinte sem ouvir para além do to de as pessoas debaterem o que no que diz respeito a gênero. Esses meu partido, sem ouvir as pessoas, elas quisessem. Tanto é assim, que segmentos tinham suas especifici- uma vez que estava todo mundo nós garantíamos [a participação] de dades, então foi dessa forma que com uma esperança, uma expectati- quem era a favor do aborto, quem nós discutimos o direito da mulher va grande em relação à constituição era contra o aborto, quem era ho- na Constituinte. Por isso é que eu brasileira. E eu principalmente [ti- mossexual, quem não era homosse- disse para vocês no início que veio nha essa expectativa], porque já vi- xual... Porque, dali, você ia extrair o aborto, veio quem defendia e quem nha levantando essa [bandeira] con- equilíbrio de uma sociedade. Você era contra [o aborto] … Porque você tra o racismo, já levantava contra a não pode criar uma lei para um tem na sociedades segmentos que violência contra a mulher, com toda segmento que comunga com suas defendem, segmentos que não de- a coisa muito vivida, vivida mesmo. ideias. Você tem de pegar uma ideia fendem… Então foi possível apre- Vivida porque vivi, e vivida porque mais geral. Eu nunca vi, no Brasil, sentarmos o mínimo de propostas. vi. Foi nesse ambiente em que fui um momento tão rico quanto o da Com relação ao Conselho Nacio- criada. Assembleia Nacional Constituinte, nal da Mulher, foi o primeiro ins- Cheguei na Assembleia Nacional mas muito rico, porque vinha gen- trumento que nós tivemos, foi dali Constituinte e fiz esse papel de te de todos os lugares. Eu passei por que nós começamos também a tra- convocar o Brasil inteiro, desde as um momento de grande emoção. balhar politicamente para dar sus- ENTREVISTAS tentação às nossas representantes ta para isso e para aquilo...Depois, Então alguns até disseram “isso não parlamentares. Eu estava no parla- tivemos um segundo momento, que é coisa para constituinte”. Aí eu mento naquela época e fazia parte foi o de criminalizar o racismo. Foi dizia: “isso é coisa [para constituin- do Conselho, e o Conselho tinha um difícil, porque eles queriam manter te] sim, que isso é coisa de negro. objetivo mais adiante que era o de a lei que nós tínhamos antes, a Lei Vamos ver a situação social do negro ter as políticas públicas que o go- Afonso Arinos, e nós dizíamos “não, brasileiro e ver porque ele não está verno pudesse abraçar. Mas a gente nós queremos criminalizar essa em tais e tais lugares”. Ele precisa também lida com uma consciência prática. Nós não queremos pura e de oportunidade, e uma doméstica machista, essa é a verdade. Para os simplesmente que ele [um indiví- nunca vai ter uma oportunidade. governantes, já estava bom: a gente duo] chegue lá, peça uma desculpa Primeiro, porque ela não tem condi- já tinha um Conselho Nacional das e pronto, acabou, porque isso daí é ções. Segundo, não tem horário para Mulheres, então já estava bom. Mas semear o ódio.” estudar, vai ficar na cozinha o tempo nós almejamos muito mais, nós que- Aí a gente deu resultado. O crime inteiro. Não que isso seja desmere- ríamos uma participação política e inafiançável da prática do racis- cedor, porque eu sou uma excelente gostaríamos de ter políticas visivel- mo... Passamos… Não foi fácil. Con- cozinheira, e ganhei dinheiro como mente colocadas para as mulheres, seguimos passar muita coisa, mas cozinheira, cozinhando pros outros, e não uma colcha de retalho. Eu vou essa [criminalização da prática de ganhei dinheiro como cozinheira, tratar da mulher indígena, ali, e não racismo] foi importante. Depois mas não era o caso da maioria das tratava… Vou tratar da mulher ne- passamos as terras dos remanes- trabalhadoras domésticas. Então gra ali, e não tratava. Ficamos numa centes dos quilombos, a demarca- eu acho que foram essas coisas que luta para ter um ministério… Olha ção das terras indígenas… Só não movimentaram mais a casa… Foi po- quanto tempo! Desde a constituinte conseguimos a reforma agrária. A lítica de gênero, a política indígena, nós fomos ter um ministério da mu- reforma agrária era também um in- a demarcação das terras, a reforma lher só em 2003. teresse da comunidade quilombola agrária. e da comunidade indígena. Nós não JUCA: Como foi formada a “Ban- conseguimos, evidente. E, até hoje, JUCA: Cada parlamentar da cada Negra da Constituinte”, da é uma coisa muito difícil. Você vai “Bancada Negra” atuou como ti- qual a senhora fez parte ao lado dando os avanços pontuais. tular em grupos de trabalho da de Edimilson Valentim, Alberto Na Constituinte, você tinha o cha- Comissão da Ordem Social. Quais Caó e ? Quais eram mado “centrão”, que barrava qual- foram os principais desafios en- suas principais bandeiras e espa- quer coisa. Eles iam barrando de um frentados pela senhora na condi- ços de atuação? lado, barrando de outro… Então nós ção de titular da Subcomissão dos tivemos um enfrentamento muito Negros, Populações Indígenas, BDS: Para te dizer a verdade, Caó, grande com o centrão nas questões Pessoas com Deficiência e Mino- Paim, e Edmilson, os três vieram do raciais. Conseguimos, no entanto, rias? sindicato. Eu era a única que vinha passar a [questão] da trabalhadora com a questão do movimento negro, doméstica com esse viés de que a BDS: Olha, você sabe que tinha um mas os três eram muito comprome- maioria das trabalhadoras domésti- conceito muito grande, introjeta- tidos. No momento em que come- cas são mulheres negras. A gente fa- do, nas leis e nas políticas das pes- çamos a fazer a defesa [da questão zia um comparativo com o trabalho soas com deficiência: eles tratavam negra], eles se engajaram e, hoje, escravo: que alguém tem hora para pessoas deficientes… eles genera- eles são reconhecidos. Teve a Lei começar, mas não tem hora para lizavam, [como se] você não pres- Caó, porque nós conseguimos tra- terminar. Não tem descanso, não tasse para mais nada. Eu acho que balhar muito juntos. Eu fiquei com tem remuneração no seu descanso. foi um grande avanço você poder, a incumbência de apresentar as pro- Não tem décimo terceiro. Não tinha através da Constituição, garantir postas, e nós dividimos ali, propos- nada, nenhum fundo de garantia. esses direitos paras pessoas com de- 49 ficiência, e depois, ter o seu estatu- Foi extremamente difícil para o seg- Ao analisar o texto final aprovado to, como foi [o caso do estatuto] da mento que agora é LGBT. Eles fo- em plenário, verifica-se que hou- criança e do adolescente. ram muito humilhados, muito… Foi ve várias alterações à proposta Através desses estatutos, você pode muito difícil para mim nesta comis- que saiu da subcomissão da qual abrir, ainda que até hoje não se ab- são, muito difícil para tratar dessas a senhora fazia parte. sorva totalmente, um leque enorme. coisas. Eu tive que espiritualmente Você hoje discute acessibilidade, me encher de energia e de força, BDS: Não, aqui nessa casa você uma coisa que não tinha, no trans- porque eu não suportava ver o que nunca vota o inicial de nada, por- porte, nos prédios, nos banheiros. os outros diziam para eles, num to- que você entra em um processo, no Você vai vendo quanto se preocu- tal desrespeito à individualidade. E qual você não descaracteriza, mas pam até na relação de trabalho. Você não se estava pedindo nada que pu- você também não consegue passar é um deficiente visual, mas não vai desse, sabe, quebrar o código de éti- nenhuma proposta cem por cento. faltar trabalho para você, porque ca e da moral brasileira. Como que O [texto] do crime inafiançável, eu você vai ser educado a ler com os você, LGBT, pode apanhar, pode ser não sei por que cargas d’água, ele equipamentos e instrumentos ne- estuprado? Coisas que a gente vê no acabou passando, porque tinham cessários. Você é um deficiente cotidiano. outras coisas que eles estavam mais auditivo, então você tem língua de Agora, um pouco menos, mas que atenciosos. Então passou o crime sinais. Foi criada muita coisa... Ain- vê no cotidiano dessa vida LGBT… inafiançável e imprescritível. Mas da estamos na grande dependência Aí aparece um macho man que quer nós tivemos, depois, o estatuto da das políticas públicas, mas houve a expor o outro... Quer dizer, aconte- igualdade racial, que foi criado exa- criação de empreendedores nessa cem coisas bárbaras. Quem trabalha tamente por conta desse capítulo do área. Da Constituinte para cá, eu com direitos humanos, e eu já fui crime inafiançável. já conheço alguns [indivíduos] que Secretária de governo também nes- têm seu negócio baseado nas próte- sa área, é muito difícil! E, às vezes, JUCA: Durante os trabalhos da ses, outros, baseados na mobilidade eles põem a culpa nos evangélicos: Constituinte, foi levantada a das cadeiras, na adaptação, na ade- “ah, isso é porque eles são evangé- questão da previsão de cotas para quação de espaços. E tem também o licos, porque ele é católico!” Não negros em empregos? Como essa fato de que você tem de ter, no míni- é não! Isso faz parte do machismo questão foi encaminhada? mo, não sei se são cinco ou dez por brasileiro que [nós] absorvemos. Eu cento, de pessoas com deficiência conheço pessoas que não são nem BDS: Essa questão foi até colocada, no [ambiente de] trabalho. católicas nem evangélicas e que tem [Com] minorias em geral a gente o mesmo procedimento. mas o que aconteceu é que a gente teve muitos problemas porque eles Então, eles enfrentaram isso, mas não pôde dar continuidade, porque, tratavam negros como minorias. Ne- saíram daqui muito mais fortes para já na “sub” das subcomissões, onde gro não é minoria. É a maior popu- fazer a sua luta. Eles viram que o eles ali estavam sistematizando as lação. Então, a gente excluiu [os ne- máximo que nós conseguimos é co- propostas que chegavam, essa já gros] dessa minoria, a gente tratou locar [na Constituição] que não se- foi eliminada. Por isso é que mais apenas a questão racial, não a ques- rão discriminados por orientação adiante nós introduzimos a questão tão populacional. Porque colocaram sexual. das cotas, porque, na Constituinte ali como minoria, mas indígena é propriamente dita, ficou difícil, a minoria…Tratamos também dos di- JUCA: Como se deu a discus- gente não conseguiu. Depois, na re- reito individuais e coletivos. Nos são em torno do art. 5º, XLII, da gulamentação dos artigos [da Cons- direitos individuais, nós tratamos Constituição, que estabelece o ra- tituição], dos capítulos, nós fomos da questão da orientação sexual. cismo como crime inafiançável? fazendo isso… ENTREVISTAS

“Você conhece algum diplomata brasileiro negro?”: Entrevista do embaixador Silvio José Albuquerque e Silva à revista JUCA

Por João Soares Viana Neto

Foto: Rogério Tomaz Jr./CDHM. 51

JUCA: No ano passado, o senhor e um enorme desconhecimento das vida, branco ou negro. Nunca havia completou 30 anos de carreira engrenagens típicas de uma insti- sequer entrado no Palácio Itama- diplomática. Por que adotou a di- tuição hierarquizada, tradicional e, raty na Marechal Floriano. plomacia como profissão? Algu- em muitos sentidos, conservadora Dias depois, encontrei sobre a mi- ma influência? como o Itamaraty. nha cama um exemplar do livro “O Minha decisão de prestar o concur- Negro no Rio de Janeiro”, um clás- Embaixador Silvio Albuquerque: so não foi repentina. Havendo cur- sico de L.A. Costa Pinto. O marca- Minha turma do Instituto Rio Bran- sado engenharia química na UFRJ dor me conduziu à página em que o co prestou o concurso de 1985, um por pouco mais de um ano, rapida- autor trata da audiência que, no iní- ano de profunda transformação na mente descobri que minha vocação cio dos anos 1950, o Presidente Ge- vida política do Brasil. Cursamos o estava longe dos laboratórios e das túlio Vargas concedeu ao meu avô, Rio Branco ao final de um período tabelas periódicas. Lembro ter ido parlamentar, jornalista, escritor e de mais de duas décadas de regime conversar com meu pai e dizer-lhe militante dos direitos humanos dos autoritário, impasses institucionais da minha decisão de abandonar o fins dos anos 30 ao início dos anos e despolitização da política. Era um curso de engenharia química, pres- 60, sobre as razões da inexistência momento de transição para a demo- tar novo vestibular para Direito, já de negros na carreira diplomática. cracia, de grande efervescência cí- com o objetivo de ingressar na car- De prático, nada resultou da au- vica, que marcaria profundamente reira diplomática. diência. Mas, conhecendo a admirá- todas as dimensões da vida no País. Meu pai, um médico pragmático, vel história da vida pública, a altivez Creio que minha decisão de ingres- humanista e extremamente objeti- e o temperamento do meu avô, pos- sar na carreira diplomática está vin- vo, reagiu muito mal. Perguntou-me so imaginar o tom da conversa que culada a esse momento histórico. se eu de fato considerava abando- teve com Getúlio. Antes dos 20 anos, com a audácia nar o curso de engenharia química Pois bem, depois de ler aquele tre- típica da juventude, entendia que o na Federal do Rio para prestar novo cho do livro, desapareceram todas ingresso numa carreira de Estado vestibular para Direito e, em segui- significava a possibilidade de con- as dúvidas em torno da decisão de tribuir para mudanças há muito de- da, o concurso de ingresso na car- prestar concurso para ingresso na sejadas pela sociedade brasileira. reira diplomática. E complementou carreira diplomática. Nunca soube Hoje, olhando em retrospectiva, de forma sarcástica: “Você conhece se foi minha mãe ou meu pai quem tenho claro que a opção pelo Ita- algum diplomata brasileiro negro?” deixou o livro sobre minha cama. maraty foi consciente, refletia uma Nem meu pai nem eu jamais havía- Portanto, respondendo a sua per- predileção pelos temas da agenda mos visto qualquer diplomata na gunta, meu avô, José Bernardo da internacional, línguas estrangeiras e uma admiração distante, advinda da leitura quase que diária do Jor- nal do Brasil – nas travessias da bar- ca de Niterói ao Rio, onde fiz parte do ensino médio e meus cursos de graduação -, pela trajetória profis- sional do embaixador Italo Zappa, quem aliás jamais viria a conhecer pessoalmente. Logicamente essa motivação era re- Travessia da Barca Rio-Niterói, parte da formação acadêmica do Embaixador Silvio Albuquerque. flexo de um certo grau de idealismo Créditos: Governo do Estado do Rio de Janeiro, CCR Barcas ENTREVISTAS

Silva, alagoano radicado em Niterói, nos a partir da exposição de núme- falecido em 1963, foi a influência de- ros frios. É indispensável analisar cisiva na minha decisão de tornar- essa realidade a partir de uma vi- -me diplomata. são dos direitos humanos não como Gosto de pensar que ele plantou uma história de conquistas ou der- uma semente naquela audiência rotas, mas sim de um combate sem com Getúlio que germinaria algu- fim. Gosto muito quando a Flavia mas décadas mais tarde, não com Piovesan lembra de uma reflexão meu ingresso no Itamaraty, mas do Joaquín Herrera Flores sobre a com a adoção das primeiras políti- história da construção dos direitos cas de ação afirmativa para o acesso humanos. Para ele, essa história tem à carreira de diplomata. sido inspirada por processos que abrem e consolidam espaços de luta JUCA: Temática muito presente pela dignidade humana, princípio e em sua trajetória profissional é a valor fundamental que dá sentido e defesa dos direitos humanos, cuja alcance aos direitos constitucionais prevalência é um dos princípios consagrados pelo legislador consti- que regem as relações internacio- tuinte brasileiro. nais do Brasil, contidos no artigo Justamente a Constituição de 1988 4º do texto constitucional. Em foi o instrumento capaz de assegu- outubro, também a Constituição rar ao País o mais longo período de À época da Constituinte, populares completará 30 anos. Na opinião estabilidade institucional na histó- moravam sob a rampa do Congresso Nacional. do senhor, em matéria de direitos Arquivo da Câmara dos Deputados. ria republicana. E isso não é pouco humanos, há mais conquistas a diante das turbulências que temos serem comemoradas ou desafios a serem superados? enfrentado. tribuído para “empurrar a história”, Influenciado por minha experiên- sobrepondo-se por vezes ao senso SA: Uma sociedade que convive cia no Supremo Tribunal Federal, comum. E citou como exemplo a com mais de 60.000 assassinatos e limitando-me ao tema da pergun- decisão, em 1954, da Suprema Corte por ano, 25,4 % de seus cidadãos ta, parece-me inevitável exaltar o dos Estados Unidos no caso Brown abaixo da linha de pobreza (mais de papel que a Corte tem exercido no v. Board of Education, que declarou 50 milhões de pessoas), um padrão avanço da proteção aos direitos hu- a inconstitucionalidade da segrega- sistêmico de desigualdade entre manos no Brasil. ção racial nas escolas. brancos e negros, homens e mulhe- Recentemente, o Ministro Luís Ro- Joaquim Barbosa, que me honrou res, números vergonhosos de vio- berto Barroso lembrou que as Su- com o convite para chefiar seu ga- lência contra a comunidade LGBT, premas Cortes desempenham três binete na Presidência do STF, disse, uma realidade carcerária pavorosa papéis essenciais na democracia: há cerca de um ano, em cerimônia e uma profunda desigualdade na o contramajoritário, claramente realizada no salão branco do Supre- apropriação da renda total do país expresso em nossa Constituição, mo, na qual foi homenageado, que não pode ser considerada respeita- o representativo, atendendo a de- teve a sorte de ser um dos onze Mi- dora dos direitos humanos. mandas sociais prementes e não nistros durante os anos em que fo- Apesar disso, seria um erro analisar respondidas pelo legislador e pelo ram promovidos os maiores avanços o grau de respeito de um país ou de Executivo, e o iluminista, que, na nos direitos individuais e coletivos uma sociedade aos direitos huma- feliz definição do Barroso, tem con- do cidadão brasileiro na história re- 53 publicana. Ao dizer isso, ele referiu- para a humanidade nos primór- siderar que o negro deve participar -se a casos em que a Suprema Corte dios do século XXI. No caso do desse futuro de forma igual?” decidiu sobre questões de grande Brasil, isso é ainda mais verdadei- Eu coincido com Milton Santos, que sensibilidade social e complexidade ro. Não faz nenhum sentido falar- nunca foi um militante, mas sim um jurídica afetas à dignidade humana. -se do avanço das garantias judi- intelectual, um homem de ideias, ao Dentre os leading cases citados por ciais no País e ignorar o quadro de considerar essa a questão central Joaquim estavam o da legitimidade desigualdade e o sistema de valo- do debate retomado agora por sua da interrupção da gestação em hipó- res, ou seja, nossas circunstâncias, pergunta. Assim como Milton, acho tese de anencefalia, a pesquisa com que, em última instância, acabam que há sim muito a ser feito para a células-tronco embrionárias, as sendo reguladas pelas normas. plena integração do negro na socie- políticas de cotas raciais para o in- Como se as normas e as circuns- dade brasileira e particularmente gresso em universidades, as uniões tâncias fossem faces de moedas di- em espaços de poder, seja privado homoafetivas (reconhecidas com ferentes. Evidentemente que não é ou público. união estável ou entidade familiar) esse o caso. Diria que as política de ação afir- e a demarcação contínua de terras mativas eram necessárias já em indígenas (Raposa Serra do Sol). JUCA: No âmbito do governo fe- 1986, quando ingressei no Instituto Lembro-me que, na celebração dos deral, o Itamaraty foi pioneiro Rio Branco. Lá, eram um imperati- 25 anos da Constituição Federal, na implementação de políticas vo de ordem moral. Com a promul- como Presidente da Corte, Joaquim de ações afirmativas voltadas à gação da Constituição de 1988, que destacou o papel desempenhado promoção da igualdade racial, possui um compromisso visceral pelo STF, por meio de suas decisões, em 2002. Qual a avaliação que o com a igualdade, essas medidas se na consolidação da Constituição senhor faz dessas iniciativas? Fo- transformaram num imperativo como norma garantidora dos direi- ram exitosas? de natureza jurídica. Nunca é de- tos humanos, acolhedora da diver- mais lembrar que os constituintes sidade e propiciadora da construção SA: Certa feita, uma entrevistado- entenderam que a sociedade brasi- de uma sociedade mais livre, justa e ra perguntou a Milton Santos como leira era – e continua sendo -pro- solidária. ele via a questão das cotas reserva- fundamente assimétrica e desigual, Em resumo, nossos números ab- das para estudantes negros nas uni- cabendo ao Estado e à sociedade solutos do grau de desrespeito aos versidades brasileiras. O acadêmico combater tais mazelas por meio de direitos humanos são estarrecedo- baiano – e, vale lembrar, agraciado ações positivas. res. E me fazem pensar sobre o que com o prêmio Vautrin Lud, o Nobel nosso convívio com as atrocidades da Geografia – respondeu que a ma- no campo dos direitos humanos diz neira como este tipo de pergunta sobre quem somos e sobre quem se repetia era sintomática de uma pretendemos ser. vontade de estabelecer um debate Esses números que chocam, ou de- falsificado. E foi adiante em sua re- veriam chocar, qualquer brasileiro flexão: “Aquestão que se coloca não representam mais do que um de- é propriamente de cotas, a questão safio jurídico ou político, mas civi- que se coloca é: quer o Brasil incor- lizatório. Digo isso para concordar porar os negros, ajudando-os a ter novamente com Herrera Flores um lugar, digamos assim, normal quando escreveu que os direitos dentro da sociedade, quer o Brasil, O geógrafo Milton Santos, uma as influências intelectuais do Embaixador Silvio Albuquerque. humanos são o principal desafio na construção do seu futuro, con- Fonte: FLICKR Milton Santos. ENTREVISTAS

Me impressiona às vezes como o carreira diplomática, essas políticas A despeito disso, não tenho dúvidas brasileiro ilustrado ignora sua pró- são plenamente justificáveis. Devem em afirmar que estamos no caminho pria Constituição. Muitos sequer se permanecer em vigor não indefinida- certo. Apoio integralmente as políti- dão ao trabalho de ler os artigos 1º e mente, mas por tempo determinado, cas de cotas implantadas no concur- 3º , que tratam do fundamento e dos cessando sua aplicação quando não so de acesso à carreira de diplomata. objetivos da República. É lá que se estiverem mais presentes as razões Mas chamo a atenção para um fato fala da dignidade da pessoa humana, que motivaram sua decretação. grave. Há hoje uma ameaça concre- da construção de uma sociedade li- Por tudo isso, digo com muita sere- ta à continuidade dessas políticas. vre, justa e solidária, da erradicação nidade e convicção que as medidas Temo por sua continuidade e eficá- da pobreza e da marginalização. E da implementadas pioneiramente pelo cia diante da investida contra o Ins- promoção do bem de todos, sem pre- Itamaraty são mais do que justificá- tituto Rio Branco de um segmento conceitos de toda ordem. veis, são indispensáveis para a pro- específico do Ministério Público Quem lembrou isso de forma trans- moção da justiça. Em nada conflitam Federal e do movimento negro. In- parente foi a professora Carmen Lú- com os valores meritocráticos repu- terpretam de forma equivocada os cia Antunes Rocha, atual Presidente blicanos. Justo o contrário, os com- mecanismos de construção da iden- do STF. Em 1996, escreveu um artigo plementam. tidade racial brasileira e, por conse- primoroso intitulado “O conteúdo Se foram exitosas ou não, é uma ou- quência, da lógica da discriminação democrático do princípio da igual- tra discussão. Acredito que tardaram racial no País. Caem na armadilha do dade”. Nele, a Ministra Carmen Lú- muito a ser implementadas, apesar que Anthony Appiah denomina ra- cia qualificou a ação afirmativa como do pioneirismo do Itamaraty. Ao di- cial fixation e buscam limitar o bene- “um dos instrumentos possibilita- zer isso, quero esclarecer que sempre fício das políticas de ação afirmativa dores da superação do problema do fui um defensor do aprofundamento a candidatos com perfis raciais rigo- não-cidadão, daquele que não par- das políticas de ação afirmativa, com rosamente pretos ou pardos escuros, ticipa política e democraticamente a implementação temporária de co- em descumprimento ao disposto na como lhe é, na letra da lei fundamen- tas raciais, por acreditar que a mera lei 12.990/2014 e na Orientação Nor- tal, assegurado, porque não se lhe re- conhecem os meios efetivos para se concessão de bolsas seria incapaz mativa no. 3, de 1º de agosto de 2016, igualar com os demais”. de promover a igualdade de opor- da Secretaria de Gestão de Pessoas e Essa digressão e as citações do Mil- tunidade no acesso à carreira e de Relações do Trabalho no Serviço Pú- ton Santos e da Ministra Carmen Lú- reduzir de forma efetiva e célere a blico do Ministério do Planejamen- cia são indispensáveis para reafirmar desigualdade estrutural e histórica to, Desenvolvimento e Gestão. um pressuposto sem o qual se torna na formação educacional dos can- Na minha opinião, a leitura que fa- impossível responder a sua pergunta. didatos ao concurso, em desfavor de zem, ainda que bem intencionada, é As políticas de ação afirmativa imple- jovens negros e negras. Apesar do excludente e altamente prejudicial mentadas pelo Itamaraty – expressas pioneirismo do Itamaraty com a ado- à luta pela promoção da igualdade no programa de bolsas para pré-can- ção de uma modalidade específica racial no serviço público em geral, e didatos afrodescendentes e nas cotas de ação afirmativa, a partir de 2002 em particular no Itamaraty, além de raciais no concurso de ingresso na (não por acaso, ano seguinte ao da conflitar com as deliberações doS TF, carreira – são plenamente constitu- realização da Conferência Mundial por unanimidade, na Ação de Des- cionais, além de estarem em harmo- de Durban), segundo estudo acadê- cumprimento de Preceito Funda- nia com o que dispõe a Convenção mico recente a que tive acesso, tais mental 186 (cotas raciais no ingres- Internacional para a Eliminação de políticas elevaram o percentual de so em universidades públicas) e na Todas as Formas de Discriminação afrodescendentes na carreira das ca- Ação Declaratória de Constituciona- Racial. Tanto pela ótica da justiça sas decimais para pouco mais de 2% lidade 41 (cotas raciais em concursos distributiva quanto da promoção na década de 2000. Ou seja, o desafio para o provimento de cargos efeti- da diversidade e do pluralismo na ainda é muito grande. vos e empregos públicos). Corremos 55 o risco – o Instituto Rio Branco e o dos direitos humanos no âmbito das Isso me estimula e, ao mesmo tempo, Itamaraty – de tornarmo-nos reféns Nações Unidas é admirável, quando eleva o grau de preocupação e res- dessa leitura equivocada. Por isso diz que os chamados treaty bodies, ponsabilidade de todos os membros defendo que a instituição recorra às em vista de suas características úni- do Comitê. mais elevadas instâncias judiciais cas de independência, autonomia e para reverter essa interpretação. especialização, são hoje muito mais JUCA: Voltando um pouco em sua eficazes na luta pelos direitos huma- trajetória, fora do Itamaraty, o JUCA: Em junho último, o senhor nos e, especificamente no caso do senhor atuou na Secretaria Espe- foi eleito para integrar o Comitê CERD, contra a discriminação racial, cial de Direitos Humanos, na Casa para a Eliminação da Discrimi- do que os órgãos interestatais. Civil da Presidência da República, nação Racial das Nações Unidas, Mas os desafios enfrentados pelo no STJ e no STF. O senhor acha para o mandato 2018-2021. Quais CERD são gigantescos. Em poucos que sua formação e atuação di- suas expectativas para o trabalho domínios a crise atual revela-se tão plomáticas o ajudaram a melhor como perito do CERD? dramática para a vida real das pes- desempenhar seu trabalho nesses soas quanto nas manifestações de órgãos? SA: As expectativas são positivas. discriminação racial e intolerância Sinto-me motivado e preparado para que proliferam pelos quatro cantos SA: Estou convencido de que sim. o desafio. do mundo. Uma expressão contem- Minha experiência não é isolada. Mas não tenho ilusões. Há um limite porânea associada a esses fenôme- Muitos colegas diplomatas estive- à ação dos peritos independentes dos nos é particularmente preocupante: ram e estão atualmente a serviço de órgãos de monitoramento de trata- a legitimação intelectual e política outros órgãos dos diferentes Pode- dos de direitos humanos das Nações do racismo e da discriminação. res da República. Em regra, somos Unidas. O limite é justamente a real Diante do tamanho dos desafios, vistos como servidores altamente disposição dos Estados-partes de im- tenho a convicção da importância qualificados, integrantes de uma plementar o disposto nas convenções. do CERD no fortalecimento da luta carreira respeitável, estruturada e Afinal, como já deixou claro Cançado contra a discriminação racial. Vejo hierarquizada, com noção clara do Trindade, o futuro do sistema inter- a Convenção de 1965 como um ins- nosso papel de servidor do Estado nacional de proteção dos direitos hu- trumento vivo, permanentemente manos está condicionado aos meca- inserido em uma sociedade demo- oxigenado pelas Observações Gerais nismos nacionais de implementação. crática. consolidadas do Comitê. Sem esse compromisso dos Estados, A habilidade na arte da negociação, todo esforço dos peritos e dos órgãos É sempre bom lembrar que o CERD pressuposto básico na formação de de monitoramento vê-se seriamente é o mais antigo dos órgãos de mo- um bom diplomata, foi um instru- prejudicado. A falta de compromisso nitoramento de tratados de direitos mento fundamental no exercício de tem sido expressa de várias formas, humanos. 177 Estados estão subme- cargos como o de chefe de gabinete dentre as quais o atraso exagerado na tidos ao seu escrutínio. Apenas 17 do Presidente do Supremo Tribunal entrega de relatórios periódicos, mas Estados Membros da ONU não são Federal, cuja pauta no período em também na prática condenável de al- Parte da Convenção. É óbvio que não que estive na Corte reuniu temas guns governos de relativizar a gravi- basta aderir à Convenção e cruzar os de enorme sensibilidade política. dade do problema da discriminação braços à espera de que seus disposi- Guardadas as devidas proporções, racial em suas jurisdições. Some-se a tivos sejam implementados no plano não foi diferente a experiência na crise orçamentária e financeira vivi- doméstico por inércia. Isso requer chefia de gabinete do Ministro da da uma vez mais pelos órgãos do sis- vontade política determinada. Defesa ou na assessoria interna- tema das Nações Unidas. Provavelmente, o CERD é muito cional da Casa Civil da Presidência Apesar disso, concordo com Lind- mais importante politicamente hoje da República. Tampouco foi fácil o gren Alves, cuja trajetória em defesa do que que o foi em toda sua história. desafio de exercer o cargo de Secre- ENTREVISTAS

mo. Eu mesmo, acompanhado do meu amigo Antonio Pedro, então chefe da DDH, tive a honra de reu- nir-me com o então senador Abdias do Nascimento para tratar de tema vinculado ao boicote à África do Sul. Dele ouvimos críticas duras ao Itamaraty por posições assumidas no passado em apoio a Portugal sa- lazarista e contra sua participação em eventos sobre a questão da ne- gritude mundo afora. Mas, tivemos êxito em construir, com o apoio do Fonte: Ministério das Relações Exteriores Abdias, uma estratégia comum de ação político-diplomática. tário Especial Adjunto de Direitos JUCA: Entre as missões de que o O processo de preparação da Con- Humanos. Se já é difícil lidar com o senhor participou ao longo des- ferência Mundial contra o Racismo, tema dos direitos humanos na agen- sas três décadas, qual lhe deu realizada em Durban, em setembro da externa, imagine o que é ser um mais orgulho? de 2001, deu margem à mais ampla dos responsáveis por essa pauta in- discussão na história do Brasil so- ternamente, com a magnitude dos SA: Todas elas. bre a questão racial, garantindo vi- problemas diários de violência e ar- Costumo dizer a amigos próximos sibilidade aos temas centrais do en- bitrariedade em todo o País. da minha sorte por ter vivido os contro junto a setores importantes Estou convencido de que todo di- anos iniciais de minha carreira na da sociedade. Estar presente nesse plomata deveria, ao menos uma vez então Divisão da África II, chefia- processo, como jovem diplomata da na carreira, vivenciar a experiência da pelo saudoso Guilherme Arroio. DDH, foi mais um presente do des- de exercer as atividades de servidor Vivemos ali o desdobramento da tino. Vários colegas participaram do Estado em outro órgão público. É longa luta do povo angolano pela desse esforço, que marcou o Itama- um extraordinário aprendizado so- independência, a criação da Namí- raty e o Estado brasileiro de forma bre a máquina pública e suas engre- bia como Estado independente, o difícil de ser dimensionada. Como nagens. Aproxima-nos de interlocu- enfrentamento ao regime do apar- aprendi com cada um deles! Além tores importantes no tratamento de theid na África do Sul, a libertação do Ministro Lafer e do embaixador temas institucionais de interesse do de Nelson Mandela. Para um jovem Osmar Choffi, então SG, gostaria de País e da nossa instituição. Reduz-se diplomata, os quase cinco anos pas- lembrar dos embaixadores Gilberto o preconceito residual contra os in- sados no Departamento da África Saboia, Marcos Pinta Gama e Tadeu tegrantes do serviço exterior brasi- – veja bem, o mesmo chefiado, em Valadares, e dos ministros Alexan- leiro, produto em geral de um gran- meados dos anos 70, por Italo Zap- dre Porto e Cláudia Maciel. Nunca de desconhecimento sobre quem pa –, foram uma experiência ines- é demais ressaltar que aprendemos somos e o que fazemos – algo gera- quecível e marcante. muito com cada representante da do, em boa medida, por nós mesmos, Nestes dois últimos casos, já atuan- sociedade civil que participou do muitas vezes de forma involuntária. do na Divisão de Direitos Humanos processo. E, tão importante quanto todos os (1999 – 2002), foram intensos os Mais recentemente, tive imenso fatores anteriores, passamos a en- contatos entre nós, diplomatas, e orgulho e a sorte incomensurável xergar o Itamaraty e a nossa própria parlamentares brasileiros no esfor- de ter atuado ao lado do meu ami- carreira com outros olhos. ço pelo desmantelamento do racis- go Joaquim Barbosa na chefia de 57 seu gabinete na Presidência do Su- SA: Em primeiro lugar, que tenham Saindo da poesia e entrando na rea- premo. Teci diversas amizades na orgulho da carreira que abraça- lidade “Canudos”, como meu amigo Corte, que conta com um quadro de ram. Sou muito grato ao Itamaraty Tadeu Valadares se refere ao mundo assessores de Ministros de excep- por tudo que me proporcionou ao de hoje, é inevitável salientar que os cional valor. No Ministério da Defe- longo de mais de 3 décadas de car- jovens recém ingressados na carreira sa, onde estive a convite do ex-Go- reira. Espero que os jovens colegas estão imersos em tempos excepcio- tenham esse mesmo sentido de re- nais. Zygmunt Bauman foi preciso ao vernador Jaques Wagner, a quem conhecimento à instituição quando, dizer que a humanidade vive uma cri- sou grato, creio haver contribuído no futuro, olharem sua carreira em se com sinais de longa permanência. para estreitar os laços entre civis retrospectiva. Talvez em nenhum outro momento, e militares, além de atuar na cons- Tenham sempre a exata noção dos desde de 1945, tenhamos enfrentado trução de pontes com o Itamaraty sacrifícios pessoais e familiares im- desafios em domínios tão diversos em temas sensíveis. Sinto saudade postos pela profissão que abraça- quanto o do crescimento da desi- dos amigos que deixei nas Forças e ram. E, por mais conservadora que gualdade na distribuição de riqueza, no Ministério. Na Casa Civil estive possa ser esta recomendação, não o renascimento do protecionismo, as em momento dificílimo. Mais uma reluto em fazê-la: valorizem seus mudanças climáticas, o ressurgimen- vez, a experiência adquirida como vínculos familiares e de amizade. to do populismo e da xenofobia, o for- diplomata me foi de grande valia na Serão sempre indispensáveis para talecimento do nativismo e dos parti- defesa dos interesses do Itamaraty suportar os trancos gerados pelo dos de extrema direita, e as dúvidas junto à Presidência da República. exílio voluntário e seus efeitos so- quanto ao valor do multilateralismo. Finalmente, foi uma honra ter esta- bre o espírito. Por isso, recomendo aos jovens di- plomatas que corram riscos, saiam do na Secretaria Especial de Direi- Sobre isso, quando estiverem no exterior, leiam o poema de Vinícius da zona de conforto e proponham tos Humanos, a convite de minha intitulado “Olhe aqui, Mr Buster”, novas leituras da realidade e estraté- amiga Flávia Piovesan, figura hu- dedicado, segundo ele, “a um ame- gias inovadoras de inserção do Brasil mana sem igual e intelectual sofisti- ricano simpático, extrovertido e no mundo. Nunca percam a esperan- cada, genuinamente comprometida podre de rico” que não conseguia ça de que podem fazer a diferença. com os direitos das pessoas mais entender como ele, Vinícius, havia Nesse processo, não cometam o erro vulneráveis. decidido voltar ao Brasil, deixando de ignorar as novas constituencies que o Consulado em Los Angeles, quan- passaram a influenciar a forma como JUCA: O senhor daria algum con- do ainda poderia ter permanecido nós, agentes públicos, atuamos na selho aos que acabam de ingres- um ano a mais no posto, com gran- defesa dos interesses do Estado e na sar na carreira? des prejuízos financeiros. Gosto es- promoção dos direitos individuais e pecialmente do final do poema. coletivos.

Excerto do Poema “Olhe Aqui, Mr. Buster”, de Vinicius de Moraes Está tudo muito certo, Mr. Buster – o Sr. ainda acabará governador do seu estado E sem dúvida presidente de muitas companhias de petróleo, aço e consciências enlatadas. Mas me diga uma coisa, Mr. Buster Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster: O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha? O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal? O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo? DIPLOMACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL

A plataforma para o biofuturo e a nova diplomacia brasileira da bioenergia

Adriano Bonotto

Proposta pelo Brasil, a iniciativa, que reúne 20 países, busca promover os biocombustíveis e a bioeconomia avançada como medidas fundamentais e necessárias à transição para uma economia de baixo carbono. 59

O setor de energia é respon- países que, diferentemente do seu histórico de investimentos, sável por cerca de dois terços Brasil, não reuniriam condições experiência acumulada e grande das emissões globais de gases propícias para a produção de potencial, o Brasil reúne todos os do efeito estufa. Por essa razão, biocombustíveis convencionais predicados para desempenhar qualquer esforço consistente de em larga escala de forma sus- papel de relevo nesse processo. mitigação de emissões passa, ne- tentável. Ademais, o potencial Nesse sentido, a “diplomacia do cessariamente, pela promoção dessa nova bioeconomia não se etanol” transita para uma “di- da transição energética global. esgota nos biocombustíveis, pois plomacia da bioenergia”, com Não obstante, a expansão das as biorrefinarias permitem inte- âmbito de atuação ampliado, fontes energéticas renováveis grar distintos processos de con- abarcando o conceito de bioe- tem ocorrido de modo bastante versão de biomassa, viabilizando conomia, incluindo as biorrefi- desigual, com a maior parte dos o máximo aproveitamento dos narias e sua diversificada gama investimentos concentrando-se recursos e a produção, também, de bioprodutos que também se no setor elétrico, ao passo que o de energia elétrica, bioquímicos constituem como alternativas setor de transportes tem recebi- e biomateriais. sustentáveis e de baixo carbono do, até o momento, menor aten- Essa promissora tecnologia aos derivados do petróleo. ção – muito embora represente já se encontra em estágio comer- Desse modo, a efetiva ex- cerca de um quarto das emissões cial, mas atualmente enfrenta pansão em escala global dos bio- relacionadas à energia. De fato, desafios para superar dificulda- combustíveis e da bioeconomia existem poucas alternativas viá- des técnicas remanescentes, ob- avançada exigirá uma tomada veis aos combustíveis fósseis, so- ter ganhos de escala e adquirir de consciência dos países, assim bretudo no curto e no médio pra- competitividade. Para que isso como sua atuação concertada. zos, sendo imperativo, portanto, ocorra, é necessário promover Exigirá uma tomada de cons- fazer uso de todas as opções dis- políticas públicas adequadas, ciência, pois a temática dos bio- poníveis, o que inclui promover que contribuam para a expan- combustíveis e da bioenergia le- os biocombustíveis avançados, são dos investimentos e o aper- vanta, ainda hoje, muitos receios, sejam de primeira ou de segunda feiçoamento dos processos pro- que frequentemente resultam de geração. dutivos nas diferentes etapas da opiniões desinformadas ou de ge- A propósito, os biocombus- cadeia. Trata-se, afinal, de uma neralizações descontextualizadas tíveis de segunda geração têm indústria nascente, cujo poten- a respeito de de sua sustentabi- potencial para desempenhar cial transformador ainda é em lidade e de seu impacto sobre a papel de destaque na transição grande medida pouco conhecido produção de alimentos. Exigirá, para uma economia de baixo pelos formuladores de políticas também, atuação concertada, carbono. Por serem baseados energéticas ao redor do mundo. pois a governança internacional em matérias-primas celulósicas, A formação de um mercado das energias renováveis caracteri- contribuem decisivamente para internacional e a elaboração de za-se por uma profunda fragmen- a superação do debate sobre bio- políticas nacionais convergentes tação. Há uma multiplicidade de combustíveis e alimentos, além são fundamentais para a supe- foros, que contam com diferentes de poderem ser produzidos em ração desses desafios. Devido a lideranças, cada qual promoven- DIPLOMACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL do prioridades específicas, efr - pontes entre os distintos atores número limitado de países a in- quentemente não contemplando – públicos e privados – e entre tegrar a iniciativa, de modo a ga- de modo adequado a bioenergia. os diversos foros existentes, pro- rantir a coesão necessária para a Identificadas essas lacunas porcionando uma plataforma concretização de seus objetivos. e desafios, O Brasil, em parceria para alavancar os esforços até Além do Brasil, a Plataforma é com outros países, concebeu, agora dispersos de promoção dos composta por outros 19 países: planejou, negociou e executou, o biocombustíveis e da bioecono- Argentina, Canadá, China, Di- lançamento da Plataforma para o mia avançada. namarca, Egito, Estados Unidos, Biofuturo, realizado em 16 de no- Optou-se por um modelo de Filipinas, Finlândia, França, Ín- vembro de 2016, no segmento de organização de baixa institucio- dia, Indonésia, Itália, Marrocos, alto-nível da UNFCCC COP22, nalização, de modo a conferir Moçambique, Países Baixos, Pa- em Marraquexe. Diante de uma a flexibilidade necessária apar raguai, Reino Unido, Suécia e governança internacional de fazer a iniciativa deslanchar. Uruguai. energias renováveis fragmenta- Igualmente, após a identificação O cronograma de atividades da e da pouca atenção concedida de atores-chave – por seu po- da Plataforma para o Biofuturo à bioenergia, o objetivo funda- tencial ou interesse na promo- tem sido intenso. O plano de ação mental da iniciativa é construir ção do setor -, convidou-se um inicial, aprovado em reunião de

Cerimônia de lançamento da Plataforma para o Biofuturo, em 16 de novembro de 2016, durante a COP-22 (Marraquexe) Crédito: © 2016 COP22 Brasil 61 pontos focais em 19 de janeiro de 2017, em Abu declaração foi endossada por 19 países membros – Dhabi, é composto por três linhas de ação princi- os Estados Unidos foram a única exceção, embora pais. A primeira é a elaboração e divulgação de um continuem como membros da iniciativa. relatório sobre o estado da bioeconomia avançada A terceira linha de ação compreende a organi- de baixo carbono, atualmente em desenvolvimen- zação de conferências e participação em reuniões to. O objetivo do estudo é reunir, em documento de foros de energias renováveis. Essa vertente de abrangente, as informações dispersas a respeito atuação insere-se no objetivo mais amplo de Plata- das políticas de promoção da bioeconomia avança- forma para o Biofuturo de promover o diálogo e a da nos países-membros, de forma a permitir a defi- concertação entre atores – governos, iniciativa pri- nição de prioridades e identificação das principais vada e centros de pesquisa –, bem como entre os lacunas e oportunidades no setor, além de subsidiar distintos agrupamentos internacionais dedicados as próximas atividades da iniciativa. à temática das energias renováveis. Nesse sentido, A segunda linha de ação constituiu na elabo- às margens da 2ª reunião ministerial da “Mission ração de uma declaração política, afirmando o Innovation” e da 8ª reunião da Ministerial sobre engajamento dos países-membros em relação aos Energia Limpa, realizada em Pequim, no dia 8 ju- compromissos do Acordo de Paris, bem como suas nho de 2017, foi organizado evento paralelo sobre aspirações relacionadas ao desenvolvimento da a Plataforma para o Biofuturo. Ademais, realizou- bioeconomia avançada até 2030. Ambos, relatório e -se, em São Paulo, entre os dias 24 e 25 de outubro, declaração, foram concebidos como ações comple- a I Conferência da Plataforma para o Biofuturo, mentares: enquanto o relatório é um retrato do pre- que reuniu representantes de governos dos países sente, a declaração de visão consiste na projeção do membros, de agências internacionais, do setor pri- futuro almejado. vado e da academia. Após sucessivas rodadas de negociações, que Para escapar de níveis críticos de aumento da incluíram contribuições dos países membros, bem temperatura global, os biocombustíveis e a bioe- como de representantes de agências internacionais conomia de baixo carbono são parte inescapável e especialistas em clima e energia, a versão final do da solução. O Brasil, por seu potencial e sua com- documento, intitulado “Impulsionando a bioecono- provada expertise no setor de bioenergia – decor- mia de baixo carbono: um desafio urgente e vital”, rentes de vantagens comparativas naturais, mas foi apresentada em 16 de novembro de 2017, duran- também de décadas de investimentos -, reúne to- te o evento oficial do Brasil, no segmento de alto dos os requisitos para ser a ponta de lança desse nível da UNFCCC COP23, em Bonn, Alemanha. A processo. DIPLOMACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL

Cooperação em saúde no BRICS: símbolo de um novo ciclo de atuação do agrupamento

Ramiro Januário dos Santos Neto e Isadora Loreto da Silveira

“7ª reunião de Ministros da Saúde do BRICS (Tianjin, 6 de julho de 2017)” Créditos: www.news.cn 63

O BRICS, desde o início de suas reuniões de Pessoas com Deficiência (2006). O direito à saúde é alto nível em 2009, tem mostrado que sua dinâmica corolário do conceito de dignidade inerente da pes- da atuação vai muito além da frente de cooperação soa humana e está consolidado na Declaração sobre econômico-financeira e da frente de coordenação o Direito ao Desenvolvimento (1986), que estabele- política. Uma terceira frente, a de cooperação seto- ce, em seu artigo 8º, que os Estados devem adotar, rial, abarca mais de 30 áreas, entre elas saúde. na esfera doméstica, todas as medidas necessárias Para o Brasil, a cooperação em saúde apresen- para a realização do direito ao desenvolvimento e ta-se como um dos grandes vetores de atuação do devem assegurar igualdade de oportunidades para BRICS, o qual tem o condão de simbolizar um novo todos no seu acesso a recursos básicos, como servi- tipo de parceria entre os países do agrupamento. ços de saúde. Esse novo ciclo de concertação, complementar ao Em 1948, na esteira das discussões iniciadas na que já vem sendo feito na seara econômica e polí- Conferência de São Francisco, realizada três anos tica, é fundado no enfrentamento de desafios co- antes, foi criada a Organização Mundial da Saúde muns a nações de renda média, os quais afetam o (OMS). Em seus parágrafos preambulares, a Carta dia a dia das populações dos cinco países. da OMS define a saúde como “um estado de com- Nesse contexto, este artigo apresentará os prin- pleto bem-estar físico, mental e social e não a mera cipais aspectos da cooperação em saúde no BRICS, ausência de doença ou enfermidade”. O objetivo por meio da seguinte estrutura: (i) direito à saúde primordial da OMS é assegurar o direito funda- como um direito humano; (ii) política externa para mental de todas as pessoas, sem distinção de raça, o tema de saúde; (iii) cooperação em saúde no BRI- religião, posição política ou condição social e eco- CS: o que tem sido feito; (iv) perspectivas para a nômica a alcançar o mais alto nível possível de saú- cooperação em saúde no BRICS. de. Em 2007, mediante a assinatura da Declaração de Oslo pelos ministros das relações exteriores do Direito à saúde como um direito humano Brasil, Noruega, França, Indonésia, Senegal, África do Sul e Tailândia, assumiu-se inequivocamente a O direito de todos ao usufruto do mais alto pa- saúde como tema de política externa. Na ocasião, drão possível de saúde física e mental é um direi- reafirmou-se a necessidade de coordenação global to humano refletido, entre outros, na Declaração de esforços, sob a forma da cooperação nos três ní- Universal dos Direitos Humanos (1948), no Pacto veis (bilateral, regional e multilateral); e a impor- Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e tância da saúde como tema da agenda do desenvol- Culturais (1966) e na Convenção sobre os Direitos vimento rumo ao alcance das Metas do Milênio. da Criança (1989), além de, no que diz respeito à não Ademais, a Agenda 2030, adotada durante a Cú- discriminação, na Convenção Internacional sobre a pula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Sustentável, que ocorreu em setembro de 2015, na Racial (1965), na Convenção sobre a Eliminação de sede da ONU em Nova York, trata, no seu Objetivo Todas as Formas de Discriminação contra as Mu- de Desenvolvimento Sustentável nº 3, do tema da lheres (1979) e na Convenção sobre os Direitos das saúde (“assegurar uma vida saudável e promover o DIPLOMACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL bem-estar para todas e todos, em todas as idades”). papel de destaque estão: a divulgação de boas prá- A nova agenda de desenvolvimento sustentável, ticas em relação ao combate ao HIV/AIDS e as ne- que veio substituir os Objetivos de Desenvolvimen- gociações que redundaram na quebra de patentes to do Milênio, inclui o direito à saúde, tendo entre de medicamentos antirretrovirais; a formulação suas metas atingir a cobertura universal de saúde, de uma política antitabagista em nível mundial assegurando o acesso a serviços de saúde essenciais e a formulação de uma agenda de saúde pública de qualidade e o acesso a medicamentos e vacinas internacional, com destaque para a defesa da essenciais seguros, eficazes, de qualidade e a preços cobertura universal. acessíveis para todos, com base nos princípios de Entre o início dos anos 1980 e 1990, na região equidade e não-discriminação. da América Latina, o Brasil se destacou como o país com mais casos de pessoas infectadas pelo Política externa do Brasil HIV. Na esteira do reconhecimento da gravidade para o tema de saúde da epidemia e da criação do SUS, o então presiden- te Fernando Henrique Cardoso sancionou uma lei Em 1988, a promulgação da Constituição Fede- que garantia o acesso gratuito aos remédios antir- ral simbolizou o início de uma nova fase político- retrovirais, fundamentais no controle do vírus, em -institucional no Brasil. A “Constituição Cidadã” 1996. Além do fornecimento gratuito dos medi- marcou o restabelecimento do Estado democráti- camentos, extensivas campanhas visando grupos co de direito e inaugurou uma política de proteção de risco e usuários de drogas foram lançadas nos social abrangente. Nesse contexto, a saúde – como anos subsequentes pelo Brasil. A experiência bra- direito social de todos os cidadãos – foi reconheci- sileira foi amplamente reconhecida como um caso da e inscrita no rol de ações de responsabilidade do de sucesso por organismos internacionais, como o poder público voltadas à garantia do bem-estar e UNAIDS. da justiça sociais. A nova Constituição determinou Em 1996, para tentar reduzir o custo da uni- que o Estado se encontra juridicamente obrigado a versalização e a gratuidade do acesso aos medi- promover ações e prover serviços de saúde visando camentos antirretrovirais aos cofres públicos, a à construção de uma nova ordem social. Essa ên- diplomacia brasileira passou a negociar com os fase na saúde se consubstanciou na criação do Sis- laboratórios farmacêuticos responsáveis pelas pa- tema Único de Saúde (SUS), que garantiu o acesso tentes dos medicamentos adquiridos. Após longas integral, universal e gratuito à saúde. Assim, des- tratativas, optou-se por quebrar as patentes des- de 1988, um conjunto expressivo de leis, portarias ses laboratórios. O anúncio da intenção do Brasil ministeriais e ações de cunho administrativo suce- de quebrar as patentes foi, em parte significativa deu-se com o objetivo de disciplinar e complemen- dos casos, suficiente para lograr reduções consi- tar o projeto proposto na área da saúde. deráveis nos preços. Os custos com medicamen- Do ponto de vista externo, o Brasil adotou, tos cairiam drasticamente nos anos que seguiram desde a redemocratização, uma postura proativa e vários países em desenvolvimento, sobretudo na na área de saúde global. Entre os temas relacio- África, se beneficiaram da ação diplomática bra- nados a questões de saúde nos quais o Brasil teve sileira. Ademais, a ação externa do Brasil foi es- 65 sencial para assegurar a inclusão da temática da dentre as quais dez por consenso. Em sua atuação propriedade intelectual na agenda da OMS e para no Conselho, além do permanente apoio ao man- garantir a difusão das flexibilidades do Acordo dato do relator especial para o direito à saúde, o Trips e de outros acordos internacionais, levando Brasil vem promovendo o debate sobre questões em conta imperativos de saúde pública e o princí- como acesso a medicamentos, direitos das pessoas pio do direito à saúde. que vivem com HIV/AIDS e saúde mental. Reconhecido internacionalmente pela sua A área da saúde internacional tem se expandi- liderança no controle do tabagismo, o Brasil do cada vez mais tanto em escopo quanto no nú- coordenou o processo de elaboração de acor- mero de foros nos quais é discutida. O Brasil atua do multilateral sobre o tema entre 1999 e 2003. ativamente na agenda de saúde internacional, A Convenção-Quadro da OMS para Controle para além da OMS – que é o foro por excelência de do Tabaco (CQCT/OMS) é o primeiro tratado discussão e de produção de normas sobre o tema internacional de saúde pública da história da – e de outras agências da ONU, em uma série de Organização Mundial da Saúde e representa um agrupamentos intergovernamentais (CPLP, G20, instrumento de resposta dos 192 países membros BRICS, entre outros), organismos regionais (Mer- da Assembleia Mundial da Saúde à crescente cosul, Unasul, CELAC) e entidades de governança epidemia do tabagismo em todo mundo. A CQCT/ mista (UNITAID, Aliança GAVI). Entre os assun- OMS foi adotada pela Assembleia Mundial da tos de maior destaque da agenda internacional dos Saúde em 2003 e entrou em vigor em 2005. Desde últimos anos, podem ser citados a implementação então é o tratado que agregou o maior número de do Regulamento Sanitário Internacional, o aces- adesões na história da Organização das Nações so a medicamentos, as emergências em saúde, a Unidas. À frente do processo de negociação da resistência antimicrobiana, o fortalecimento dos convenção e referência na sua implementação, sistemas nacionais de saúde, entre outros. o Brasil reforçou a sua imagem na arena internacional da saúde por meio de sua defesa de Cooperação em saúde no BRICS: uma política antitabagista internacional. o que tem sido feito Para além da sua atuação destacada junto à Or- ganização Mundial da Saúde, o Brasil tem liderado A cooperação setorial em saúde iniciou-se em as discussões sobre o direito à saúde no âmbito da 2011, com o compromisso dos líderes do BRICS de Assembleia Geral e do Conselho de Direitos Huma- “fortalecer o diálogo e a cooperação nos campos da nos da ONU. Em 2002, ainda no contexto da Comis- proteção social, trabalho decente, igualdade de gê- são de Direitos Humanos foi criado e delimitado o nero, juventude e saúde pública, incluindo o com- mandato do relator especial para o direito à saúde bate ao HIV/AIDS” (Declaração de Sanya, de 2011). (“Special Rapporteur on the right of everyone to Em linha com esse mandato, foi realizada a the enjoyment of the highest attainable standard of primeira Reunião de Ministros da Saúde do BRI- physical and mental health”), a partir de iniciativa CS (Pequim, 11/7/2011), na qual se identificou que brasileira. No âmbito do Conselho, já foram ainda os BRICS enfrentam desafios comuns em saúde, aprovadas outras onze resoluções sobre o tema, como a falta de acesso equitativo a serviços médi- DIPLOMACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL

cos e medicamentos; o aumento nos custos relacio- A primeira reunião técnica da rede ocorreu em nados a saúde; alta incidência de doenças infeccio- setembro de 2017, no Rio de Janeiro. Na ocasião, sas, como tuberculose; e o aumento no número de especialistas dos países do BRCIS estabeleceram o doenças não infecciosas. escopo de atividades da rede, que abrangerá a pes- Nesse contexto, os Ministros da Saúde do BRI- quisa e o desenvolvimento de diagnóstico, vacinas CS comprometeram-se em promover a “colabora- e tratamento para a doença. O segundo encontro ção a fim de avançar no acesso a serviços e bens de ocorreu à margem da I Conferência Ministerial saúde pública em nossos próprios países e de ofe- Global sobre Tuberculose (Moscou, 16-17/11/2017). recer soluções de baixo custo, equitativas e susten- Na ocasião, ficou estabelecido o cronograma para tadas para desafios comuns em saúde. Nós também 2018, com três novos encontros: o primeiro em nos comprometemos a apoiar outros países em seus Nova Délhi (fevereiro de 2018), o qual será dedica- esforços para garantir saúde para todos” (artigo 8º do ao tema das novas vacinas; o segundo em Cidade do Cabo (junho de 2018), o qual será dedicado a no- da Declaração de Pequim dos Ministros da Saúde vos medicamentos; e o terceiro na China (setembro do BRICS, de 2011). de 2018). Para o Brasil, a rede é um projeto exito- Desde 2011, já foram realizadas sete reuniões so que pode inspirar a criação de iniciativas seme- de Ministros da Saúde e seis encontros ministeriais lhantes para o tratamento de outras doenças, espe- informais à margem de reuniões da Assembleia cialmente HIV/AIDS e doenças não transmissíveis. Mundial da Saúde. Por meio do Comunicado de Em 2017, os Ministros da Saúde do BRICS apro- Délhi (2016), definiram-se oito áreas prioritárias varam ainda o estabelecimento de mecanismo para para a cooperação em saúde: (i) sistema de vigilân- a promoção da concertação regular entre os cinco cia em saúde; (ii) medicina tradicional; (iii) resis- países em foros multilaterais de saúde, em especial tência antimicrobiana; (iv) doenças crônicas não a OMS. Essa decisão foi referendada pelos líderes transmissíveis; (v) regulação; (vi) descoberta e de- do BRICS na Cúpula de Xiamen, em setembro de senvolvimento de medicamentos; (vii) colaboração 2017. Desde então, os representantes dos países do em pesquisa para tuberculose (TB), HIV-AIDS e BRICS em Genebra têm se encontrado frequente- malária, e (viii) informação e tecnologia de comu- mente para coordenar posições. nicação em serviços de saúde. A cooperação do BRICS na OMS fortaleceu-se Para cada área prioritária, os Ministros da Saú- atualmente, uma vez que nacionais dos cinco paí- de do BRICS aprovaram um plano de ação e desig- ses estão na equipe do Diretor-geral Tedros Adha- naram pontos focais. No entanto, a execução dos nom. Nesse contexto, os países do BRICS poderiam planos é descentralizada, o que dificulta verificar manter diálogo construtivo com seus nacionais progressos em sua realização e eventual revisão de presentes na diretoria a fim de incentivar a discus- seus objetivos, caso necessário. Assim, a coopera- são de tópicos relevantes para os cinco países no ção em algumas áreas tem avançado mais do que organismo. Cabe mencionar também que a decla- em outras, como é o caso da colaboração em pes- ração conjunta do BRICS sobre tuberculose, lida na quisa em tuberculose, que produziu um resultado 142ª sessão do Comitê Executivo da OMS, pode ser concreto: o estabelecimento da Rede de Pesquisa considerada um dos primeiros resultados da coor- em Tuberculose do BRICS. denação em Genebra. 67

Perspectivas para a cooperação consideradas. Em primeiro lugar, seria possível re- em saúde no BRICS plicar, no curto prazo, a experiência da rede de pes- quisa em tuberculose. Segundo, seria importante A cooperação em saúde é considerada priori- promover contatos regulares entre os pontos focais tária pelo Brasil, uma vez que tem o potencial de nacionais das áreas prioritárias de cooperação em produzir resultados tangíveis para: i) a melhoria saúde. Nesse sentido, os encontros poderiam fazer da qualidade de vida da população brasileira; ii) a parte do calendário anual de atividades da presi- promoção da inovação da indústria farmacêutica dência de turno do BRICS. nacional; e iii) para o fornecimento de medicamen- Terceiro, o diálogo setorial em saúde no tos de primeira linha para todos. O Brasil acredita BRICS poderia ser utilizado como um primeiro ser especialmente importante tratar, no âmbito do passo para identificar temas em saúde que possam BRICS, de questões relacionadas a doenças trans- ser mais bem abordados no âmbito das relações missíveis, como tuberculose, HIV/AIDS e hepati- bilaterais do Brasil com os países do BRICS. Em tes virais, bem como a doenças não transmissíveis, quarto lugar, seria interessante identificar questões como o tabagismo. A luta do grupo contra a tuber- de interesse comum que possam ser tratadas pelos culose, por exemplo, ganha relevância em contexto BRICS na OMS, com vistas a potencializar as posi- no qual 50% de todos os casos mundiais da doen- ções individuais dos países na organização. ça ocorrem nos países do BRICS. Em 2015, quase A cooperação em saúde no BRICS tem sido útil um milhão e meio de pessoas morreram em todo e encontra-se em estágio inicial no que se refere à o mundo por causa da doença, entre elas 170 mil discussão técnica da maioria dos temas. Dessa for- crianças. ma, a parceria pode ser fortalecida ainda mais, o No combate ao HIV/AIDS, o Brasil considera que certamente propiciará o desenvolvimento de importante realizar ações compatíveis com a agen- novas técnicas, tratamentos e medicamentos para da dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável o combate a doenças que afetam as populações dos (ODS) e com as relevantes metas 90-90-90, propos- países do BRICS. tas pela UNAIDS, para promover o fim da epidemia de HIV/AIDS até 2030. Quanto ao tratamento do tabagismo, o Brasil acredita que os países do BRICS podem trabalhar conjuntamente para impulsionar a implementação plena da Convenção Quadro para Controle do Tabaco, meta previs- ta no ODS 3. Em face do potencial iden- tificado de cooperação na área, algumas sugestões poderiam ser Logo da Cúpula do BRICS de (julho de 2014) DIPLOMACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL

LI Cúpula do MERCOSUL, Brasília, 21 de dezembro de 2017

Mercosul e Venezuela: Direito e Democracia

Riane Laís Tarnovski

O MERCOSUL foi concebido ções políticas, jurídicas e sociais, com importante impacto na vida como um Mercado Comum pelo tendo em vista o papel dessas di- cotidiana de seus habitantes. Es- Tratado de Assunção de 1991, mensões para a consolidação do ses acordos traduzem as dimen- com o propósito de promover a processo de integração regional. sões cidadã, social e de integração integração comercial e econô- Desde sua criação, o MER- produtiva do bloco, tendo sido mica dos Estados Partes. O Pro- COSUL promoveu a democracia necessário, ao longo do tempo, tocolo de Ouro Preto, assinado e o desenvolvimento econômico adaptar e expandir a estrutura da em 1994, estabeleceu a estrutura como pilares fundamentais da in- instituição em toda a região, bem institucional responsável pela tegração. Com base nesses prin- como equipar-se com mecanis- conformação do Mercado Co- cípios, foram estabelecidos acor- mos próprios de financiamento, mum e dotou o MERCOSUL de dos sobre questões migratórias, como o Fundo para a Convergên- órgãos e instâncias com atribui- trabalhistas, culturais e sociais, cia Estrutural do MERCOSUL

Disclaimer: este artigo não reflete necessariamente a opinião do Ministério das Relações Exteriores. 69

(FOCEM). O FOCEM, por meio Preto sobre a Estrutura Institu- lhões, em 2013. Em 2017, os dados de contribuição anual de mais de cional do MERCOSUL, os órgãos até julho mostram crescimento de 100 milhões de dólares, financia decisórios de natureza intergo- 22,1% nas exportações brasileiras projetos que buscam promover vernamental do MERCOSUL são (US$ 13 bilhões) e de 53% no sal- competitividade, coesão social e o Conselho do Mercado Comum do comercial do Brasil com o blo- redução de assimetrias entre os (CMC), o Grupo do Mercado Co- co (US$ 5,9 bilhões) em relação membros do processo. mum (GMC) e a Comissão de Co- ao mesmo período de 2016. Além As potencialidades do MER- mércio do MERCOSUL (CCM). disso, o MERCOSUL é o princi- COSUL na área de integração Institucionalmente, portanto, o pal receptor de Investimentos são auspiciosas, considerando MERCOSUL toma suas decisões Estrangeiros Diretos (IEDs) no o território do bloco (12.789.558 por meio desses três órgãos: o continente. Nos últimos dois anos, km²) e a grande variedade de re- CMC, o órgão superior do MER- recebeu 47% (2015) e 46% (2016) cursos naturais, como água dis- COSUL, que conduz politica- dos IEDs na América Latina e Ca- ponível, biodiversidade, recur- mente o processo de integração; ribe e 65% (2015 e 2016) da Améri- sos energéticos e terras férteis. o GMC, que supervisiona o fun- ca do Sul, de acordo com dados da A maior riqueza, todavia, reside cionamento diário do bloco; e a UNCTAD. no seu povo: população de mais CCM, responsável pela adminis- O Brasil tem com os sócios de 275 milhões de pessoas, com tração de instrumentos de polí- comércio significativo e de qua- patrimônio inestimável de di- tica comercial comum. Há mais lidade, composto por produtos versidade cultural, étnica, lin- de 300 foros que atendem a esses de elevado valor agregado, o que guística e religiosa, que coexiste órgãos, que são integrados por contribui para o desenvolvimento harmoniosamente e transforma representantes de cada Estado tecnológico e geração de empre- o MERCOSUL em região de paz Parte e promovem iniciativas a gos qualificados no país. O bloco e desenvolvimento. serem consideradas pelos órgãos é fundamental para a atividade Com a passagem do tempo e decisórios. industrial dos Estados Partes. Em os efeitos da implementação de O MERCOSUL, com mais 2016, cerca de 84% das exporta- suas políticas regionais, o MER- de 25 anos de existência, é a mais ções brasileiras para o MERCO- COSUL criou órgãos permanen- abrangente iniciativa de integra- SUL foram de bens industriali- tes em diferentes cidades, entre ção regional da América Latina. Os zados. Em comparação, nossas as quais o Instituto de Políticas membros do bloco (Brasil, Ar- exportações de bens industriali- Públicas em Direitos Humanos gentina, Paraguai e Uruguai, paí- zados para o mundo todo repre- (IPPDH), em Buenos Aires, o ses fundadores, e Venezuela, que sentaram 56% do total. Instituto Social do MERCOSUL completou seu processo de adesão O Brasil assumiu a presidên- (ISM) e o Tribunal Permanen- em 2012) representam algo equi- cia rotativa semestral do MER- te de Revisão (TPR), em Assun- valente à quinta maior economia COSUL em 21 de julho de 2017, na ção, o Parlamento do MERCO- mundial, com PIB de aproxima- Cúpula de Mendoza, em um con- SUL (PARLASUR), a Unidade de damente US$ 2,7 trilhões. Desde a texto de convergência entre os Es- Apoio à Participação Social (UPS) sua fundação, as trocas comerciais tados Partes sobre a conveniência e a Secretaria do MERCOSUL dentro do MERCOSUL multi- de revalorizar os objetivos funda- (SM), em Montevidéu. plicaram-se em mais de 12 vezes, cionais do bloco: integração co- De acordo com o disposto no passando de US$ 4,5 bilhões, em mercial e econômica, democracia artigo 1º do Protocolo de Ouro 1991, para o pico de US$ 57 bi- e direitos humanos, assim como a DIPLOMACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL articulação do mercado regional tações Públicas do MERCOSUL, Dois grandes princípios que com a economia global. No pri- pendente desde 2006. O novo norteiam não só a política exter- meiro semestre de 2017, durante Protocolo é resultado da revitali- na brasileira, mas também as re- a presidência argentina, foram zação da agenda econômico-co- lações do MERCOSUL intra e ex- alcançados resultados positivos mercial do MERCOSUL e reforça trabloco são o primado do Direito importantes, como, por exem- a credibilidade do bloco, fortale- e a defesa da democracia. Com plo, a assinatura do Protocolo de ce e complementa a união adua- base no primeiro, a Venezuela Cooperação e Facilitação de In- neira. Com ele, os Estados Partes teve cessados seus direitos de Es- vestimentos intra-MERCOSUL e abrem uns aos outros seus merca- tado Parte, em dezembro de 2016, o impulso da agenda externa do dos de licitações públicas, ou seja, em razão do descumprimento de MERCOSUL, mediante as nego- as empresas de um Estado Parte compromissos fundamentais pre- ciações com a União Europeia, poderão ser fornecedoras dos vistos em seu Protocolo de Ade- entre outros parceiros regionais e órgãos públicos dos demais. Isso são ao bloco. extra-regionais. gerará mais oportunidades para o A Venezuela deixou de incor- No atual contexto de reaco- setor privado, contribuindo para porar a seu ordenamento jurídico modação e busca de resultados mais e melhores empregos e am- interno 80% dos acordos e 20% pliará o universo de fornecedores palpáveis no MERCOSUL, a Pre- das decisões do MERCOSUL, pas- dos nossos órgãos governamen- sidência Pro Tempore brasileira so essencial para que tenham vi- tais, reduzindo os custos para a (PPTB) procurou dar continui- gência no país e ele efetivamente administração pública. dade a iniciativas começadas na faça parte do bloco. Entre as nor- O bloco, em suma, pode ser Presidência Pro Tempore argen- mas e acordos não incorporados caracterizado como uma união tina (PPTA), com prioridade para estão o Acordo de Complemen- aduaneira em fase de consolida- o novo Protocolo de Contrata- tação Econômica Nº 18 (espinha ção, mas, como ressaltado ante- ções Públicas do MERCOSUL; o riormente, não só de comércio dorsal do MERCOSUL comer- tratamento efetivo dos entraves vive a integração. Para além do cial); a Decisão CMC Nº 01/09 ao comércio intra-MERCOSUL; aspecto econômico-comercial, o (que define o regime de origem e a aplicação de enfoques mais MERCOSUL é baseado em um para uso dos benefícios comer- dinâmicos e pragmáticos para a projeto político e estratégico de ciais do bloco); o Protocolo de As- questão regulatória do bloco. Ou- integração. Em sua origem, está sunção sobre Compromisso com a tros importantes processos con- o processo de aproximação entre Promoção e Proteção dos Direitos tinuados foram o fortalecimento Brasil e Argentina, iniciado na dé- Humanos do MERCOSUL (2005) do Fundo para a Convergência cada de 1980 e reforçado pela re- e o Acordo sobre Residência para Estrutural do MERCOSUL (FO- democratização na região. Atual- Nacionais dos Estados Partes do CEM) e os preparativos para a mente, estão consolidados no MERCOSUL (2002). adesão da Bolívia ao bloco. MERCOSUL a cláusula democrá- No que tange ao fortaleci- Na LI Cúpula (Brasília, tica, a defesa dos direitos huma- mento da democracia, a recente 21/12/2017), concluiu-se a nego- nos e o entendimento de que o de- aplicação do mecanismo previsto ciação do Acordo do MERCOSUL senvolvimento econômico deve no Protocolo de Ushuaia iniciou- sobre Direito Aplicável em Maté- ser acompanhado da melhora de -se em 1º de abril de 2017, quando ria de Contratos Internacionais indicadores sociais, de modo que os chanceleres de Argentina, Bra- de Consumo, bem como a nego- haja, de fato, melhores condições sil, Paraguai e Uruguai constata- ciação do Protocolo de Contra- de vida das populações. ram que a ordem constitucional 71 venezuelana havia sido rompida escolha de integrantes de uma as- e a anulação da convocação da as- repetidamente pelas ações do go- sembleia constituinte convocada sembleia constituinte. verno do presidente Maduro. em violação à sua própria ordem Tão logo seja restaurada a or- Durante a L Cúpula do MER- constitucional tornou ainda mais dem democrática na Venezuela COSUL, em 21 de julho de 2017, urgente uma decisão dos países e o país incorpore ao seu orde- os chanceleres dos Estados Par- fundadores do MERCOSUL so- namento jurídico interno o con- tes enviaram convite ao chance- bre a eventual suspensão da Ve- junto dos acordos e normas do ler venezuelano à época, Samuel nezuela por violação das institui- MERCOSUL, os sócios fundado- Moncada, para a realização de ções democráticas. res avaliarão as condições para o reunião de consultas no marco do Como o principal objetivo retorno integral da Venezuela ao Protocolo de Ushuaia, a realizar- da aplicação da suspensão da mecanismo de integração sul-a- -se em Brasília. Também durante Venezuela sob o Protocolo de mericano. a Cúpula, os Estados Partes e As- Ushuaia é pressionar pelo resta- Até lá, a juízo dos quatro in- sociados do MERCOSUL apro- belecimento da ordem democrá- tegrantes, serão impostas sanções varam “Declaração sobre a Situa- tica, a decisão dos Estados Partes que vão da suspensão da partici- ção na República Bolivariana da previu a adoção de medidas para pação venezuelana nos órgãos do Venezuela”, pela qual se reiterou minimizar os impactos negativos bloco, o que já ocorre, até a sus- o chamado à interrupção da vio- da suspensão sobre o povo ve- pensão de seus direitos e obriga- lência e ao diálogo entre governo nezuelano. ções resultantes do processo de e oposição naquele país. Quanto aos aspectos comer- integração do MERCOSUL. Diante da recusa venezue- ciais, a aplicação da suspensão no Cabe mencionar que a aplica- lana, as consultas propostas tor- marco de Ushuaia não alcançará ção da cláusula democrática re- naram-se infrutíferas, abrindo a Venezuela no que tange ao força o compromisso dos países a possibilidade de aplicação da ACE-18, que é o acordo de com a defesa da democracia na suspensão prevista no Protocolo livre-comércio do MERCOSUL região. A leniência dos Estados de Ushuaia, o que efetivamente registrado na Associação Latino- diante dos acontecimentos re- ocorreu em 5 de agosto de 2017, -Americana de Integração (ALA- centes na Venezuela, sobretudo em reunião realizada em São DI), uma vez que a Venezuela aqueles relacionados à institui- Paulo, com a presença dos chan- ainda não cumpriu o compromis- ção de nova Assembleia Nacional celeres dos quatro Estados fun- so de aderir ao referido Acordo Constituinte, como as detenções dadores. de Complementação Econômica. arbitrárias, as destituições ile- A suspensão da Venezuela é O levantamento da suspensão gais de cargos públicos e a vio- a sanção aplicada pelos Estados só acontecerá quando, a juízo dos lência na repressão da oposição, fundadores do MERCOSUL, nos Estados Partes fundadores (Bra- descaracterizaria a democracia termos do Protocolo de Ushuaia, sil, Argentina, Paraguai e Uru- como princípio fundamental do às ações do governo Nicolás Ma- guai), houver sido restabelecida a processo de integração. O MER- duro e um chamado para o ime- plena ordem democrática. Entre COSUL, portanto, demonstrou, diato início de um processo de as precondições para esse retor- mais uma vez, que a defesa do transição política e restauração no estão a libertação dos presos Estado democrático de Direito da ordem democrática. políticos, a restauração das com- é condição “sine qua non” para a A decisão do governo ve- petências do Poder Legislativo, a participação na integração sul-a- nezuelano de prosseguir com a retomada do calendário eleitoral mericana. DIPLOMACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL

Brasil e os países do Conselho de Cooperação do Golfo – uma análise das relações históricas e perspectivas Al-Anoud Al-Sabah 1

mais ativo no encaminhamento das instabilidades no Oriente Mé- dio, como no conflito árabe-isra- elense e, mais significativamente, nas negociações nucleares irania- nas. Por outro lado, o CCG é uma organização que tem emergido como bloco de liderança no res- caldo da Primavera Árabe em 2011 e tem desempenhado função pro- tagônica na Liga Árabe e em ou- tras plataformas internacionais, a fim de superar os impasses regio- nais, cujo exemplo mais recente é a eclosão da crise do CCG em ju- nho de 2017. Além da dimensão econô- mica e comercial, que perma- nece no núcleo da relação entre Brasil e o CCG, este artigo busca contemplar, igualmente, outras 38ª sessão do Conselho Supremo do Conselho de Cooperação do Golfo, questões. O Brasil tem uma po- realizada no Kuwait, entre 5 e 6 de dezembro de 2017 lítica em relação ao CCG? Será Este artigo tem por objeti- ração do Golfo (CCG) como um que a política do Brasil de não vo abordar os marcos gerais da dos blocos mais relevantes da re- intervenção prevalece nos con- política externa brasileira para gião. O Brasil, como uma potência flitos atuais do Oriente Médio e o Oriente Médio, dentro do qual em ascensão no sistema interna- do CCG? Esta análise abordará se insere o Conselho de Coope- cional, tem buscado exercer papel os desafios que o Brasil pode en-

1 Aluna de intercâmbio no Instituto Rio Branco, em 2016, e pesquisadora do Departamento de Relações Internacionais na Agência de Segurança Nacional do Kuwait por onze anos. 73 frentar, ao lidar com a instabili- ca externa brasileira foi revisada e islâmica para atrair maior coo- dade na região, como o combate para cumprir seu modelo de di- peração com os países islâmicos ao terrorismo e o tratamento dos versificação econômica. e do Oriente Médio. conflitos entre o CCG e o Irã e a Entre 1982 e 1986, as dificul- crise no seio do CCG. dades financeiras compeliram o Presidente Lula Com o propósito de descre- governo brasileiro a realizar di- (2003-2011) ver os campos atuais de coope- versas visitas ministeriais à re- ração entre o Brasil e os seis pa- gião do Golfo, para aprofundar a O Presidente Lula foi o pri- íses do CCG, o presente artigo cooperação econômica. As visi- meiro mandatário brasileiro, no está estruturado nas seguintes tas do ministro das Relações Ex- período republicano, a visitar o seções: política; economia, co- teriores, Ramiro Saraiva Guer- Oriente Médio, permitindo ao mércio e investimento; energia; reiro, à Arábia Saudita em 1982 Brasil tornar-se o primeiro país segurança alimentar e outros. e do ministro da Fazenda, Antô- latino-americano a ser membro nio Delfim Netto, ao Kuwait, em observador na Liga Árabe. Desde Contexto histórico 1983, são exemplos desse revi- 2003, o presidente Lula incenti- gorado ativismo do Brasil para o vou o estabelecimento da Cúpu- As relações diplomáticas do Oriente Médio. la América do Sul-Países Árabes Brasil com os seis Estados do De 1989 a 1991, a região en- (ASPA) como mecanismo de co- Golfo Árabe iniciaram-se com frentou a primeira Guerra do operação Sul-Sul e de coordena- o Kuwait e a Arábia Saudita em Golfo, o fim da Guerra Fria ea ção política sobre fóruns multila- 1968, posteriormente estende- segunda Guerra do Golfo (a in- terais. ram-se ao Qatar, aos Emirados vasão ao Kuwait). O Brasil, em- Uma das questões mais sig- Árabes Unidos e Omã em 1974 e, bora tenha condenado a invasão nificativas do Oriente Médio, finalmente, ao Bahrein em 1980. ao Kuwait, não participou da abordada em todas as platafor- No período entre 1970 e coalizão de forças liderada pelos mas internacionais, é o confli- 1979, o Brasil foi o principal im- Estados Unidos, ancorada pela to árabe-israelense. Os países portador de petróleo no mun- resolução 678 das Nações Uni- do CCG empreendem esforços do em desenvolvimento. Em das. A proximidade econômica e para implementar a solução de seguimento às crises do petró- energética brasileira em relação dois Estados nas fronteiras de leo de 1973 e 1979, segundo Paul ao Iraque limitou sua latitude de 1967, posição compartilhada pelo Amar, em seu livro “Brasil e o resposta à invasão ao Kuwait. Brasil. No dossiê do Irã, o Brasil Mundo Árabe”, “o Brasil perse- No final dos anos 1990, a po- apoiou, com a Turquia, as nego- guiu um modelo de desenvolvi- lítica externa brasileira em rela- ciações que levaram à Declara- mento econômico que levou a re- ção ao Oriente Médio e ao bloco ção de Teerã em 2010 como uma forçar seus laços com o Oriente do CCG começou a mudar, desde abordagem pacífica para resolver Médio (Arábia Saudita e Iraque) uma relação econômica básica a a questão nuclear do país persa. (...) assegurar seu abastecimento uma ampla questão socioeconô- Em linhas gerais, a política como uma questão crucial para mica e política. O governo brasi- do Brasil para o Oriente Médio o Brasil”. Desse modo, a políti- leiro mobiliza sua herança árabe clama pela paz na região para DIPLOMACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL evitar trágicas catástrofes hu- acordo com a Resolução 2216 do dos países árabes, os quais cres- manitárias e proteger seus inte- Conselho de Segurança da ONU. centemente investem em pro- resses, tendo em consideração Durante a conferência ASPA em jetos agrícolas no exterior para que outras superpotências estão Riade, em Novembro de 2015, garantir suprimentos adequados crescentemente envolvidas nes- reafirmou-se o compromisso co- aos seus mercados. se entorno estratégico. mungado por países árabes e É importante mencionar que sul-americanos pela soberania, o Brasil, como todos os países do Presidente Dilma independência e integridade ter- mundo, sofre ameaças terroris- (2008-2016) ritorial da República do Iêmen e tas de grupos internacionais, o enfatizou-se apoio à legitimida- que contribui para torná-lo sen- O Brasil apoiou a adesão da de do Presidente iemenita Abd sível aos problemas que afligem Palestina à UNESCO em 2011, Rabbo Mansour Hadi. países do Oriente Médio, como bem como sua participação como Síria e Iraque, onde se verifica membro observador na ONU Presidente Temer a presença do autodenominado em 2012. A relação próxima que (2016-2017) Estado Islâmico (ISIS). O Brasil mantém com Palestina não invia- foi alvo de ameaças do ISIS du- biliza as relações bilaterais brasi- Após um ano de mandato, o rante os Jogos Olímpicos no Rio leiras com Israel, as quais se ade- presidente Temer é confrontado de Janeiro. Em março de 2016, o quam à política e circunstâncias com importantes desafios políti- governo brasileiro promulgou a econômicas. cos e econômicos. A despeito das lei antiterrorismo que define e O Brasil abriga mais de 4 dificuldades internas, o Orien- criminaliza a atividade terroris- milhões de brasileiros descen- te Médio continua a ser relevante ta, incluindo seu recrutamento dentes de sírios e tem consis- na pauta da política externa bra- e financiamento, bem como sua tentemente advogado em favor sileira. promoção. Nos meses que ante- de uma solução política para a Como elucidativo da política cederam os Jogos Olímpicos de crise síria em conformidade com externa de Temer para o Orien- agosto de 2016 no Rio de Janeiro, os princípios da Declaração 1 te Médio, destaca-se a visita re- os extremistas do ISIS aumenta- de Genebra, de 30 de Junho de cente do ministro da Agricultura ram a propaganda on-line em lín- 2012, e com as resoluções 2254 e do Brasil, Blairo Maggi, à Arábia gua portuguesa e instaram ata- 2258 do Conselho de Segurança Saudita, aos Emirados Árabes ques durante os jogos. da ONU para abordar a situação Unidos, ao Kuwait e ao Qatar, a Desde junho 2017, a solida- humanitária. qual seguiu o esforço de resolver riedade e a unidade da estrutu- Desde o início da crise ie- as preocupações pendentes so- ra política CCG enfrentaram a menita, o governo brasileiro ar- bre a importação de carne bra- maior crise desde a invasão ao gumentou que só um processo sileira após a proibição causada Kuwait em 1990. A Arábia Sau- político inclusivo pode levar à pelos escândalos sobre a quali- dita, os Emirados Árabes Unidos reconciliação entre as partes dade da carne brasileira. A visi- e o Bahrein, com o apoio do Egi- envolvidas e, portanto, colocar ta ressaltou o papel do Brasil na to, anunciaram a ruptura de re- um fim definitivo ao conflito, de garantia da segurança alimentar lações diplomáticas com Qatar, 75 pela segunda vez em três anos e ção da situação humanitária ie- pela Arábia Saudita, país líder re- decidiram boicotar e isolar o pa- menita e a divisão do país entre gional, que adotou a nova Visão ís-membro do CCG. Fecharam Ali Abdullah Saleh e Alhouthi. A Arábia 2030. suas fronteiras, espaço aéreo e situação securitária escalou na Nesse impulso de aproxima- vias navegáveis. Entre os objeti- Síria, e há a ameaça da expansão ção entre Brasil e o CCG, reco- vos do estabelecimento do cerco, do ISIS do Iraque e Síria para o nhece-se a Câmara de Comércio seria o de pressionar o encerra- sul no Kuwait ou Arábia Saudita. Brasil-Árabe como importante mento da emissora de proprie- Como implicação prática para o facilitador do intercâmbio de dade do Qatar, Al Jazeera, tendo Brasil, há o risco de o comércio informação econômica e de in- em conta que Doha é a capital e a distribuição brasileira de seus vestimento entre as duas regi- que abriga a maior base militar produtos de Dubai a outros paí- ões, com vistas a aumentar as norte-americana no Oriente Mé- ses do CCG serem afetados por oportunidades de crescimento dio. Frente a essa crise, o Brasil essa fragilização do quadro de dos negócios mútuos. A agência apoiou a iniciativa de mediação segurança. de notícias Árabe-Brasil, criada do Kuwait, liderada por Amir em 2003, também forma rede de Sheikh Sabah AlAhmad AlSabah, Economia, comércio e notícias para divulgar regras de segundo a nota divulgada no sí- investimentos investimento, conectar empre- tio do Ministério das Relações sas com interesses semelhantes Exteriores do Brasil, em 14 de ju- O comércio permanece como e fornecer informação educacio- lho de 2017: o núcleo da relação entre o Bra- nal e cultural. O governo brasileiro continua a sil e o bloco CCG. Tanto o CCG O Brasil assinou acordos de acompanhar com atenção os re- quanto o Brasil têm sido seve- cooperação econômica e finan- centes desdobramentos da crise ramente afetados pelos baixos ceira com a quase totalidade dos diplomática no Golfo e na Pe- nínsula Arábica. O Brasil renova preços de petróleo. Incertezas países do CCG – com o Kuwait e seu apelo às partes envolvidas a políticas e acusações de corrup- Arábia Saudita (1975), com os superarem suas divergências por ção envolvendo a Petrobras con- Emirados Árabes Unidos (1988), meio do diálogo em prol da bus- tribuíram negativamente para com Qatar (2010) e com Omã ca pela estabilidade regional e a economia brasileira. (2013). Aliadas a essa rede de apoia o esforço de mediação em- preendido pelo emir do Kuwait, No CCG, objetiva-se recupe- acordos já estabelecidos, somam- xeique Sabah Al-Ahmad Al Jaber rar o atraso com reformas eco- -se as tratativas entre os países do Al-Sabah. nômicas, com o propósito de re- CCG e o Brasil na implementação formar e diversificar a economia, do Acordo de Livre-Comércio en- Infelizmente, a mediação do ampliar o fluxo de investimento tre o CCG e o Mercosul. Kuwait, com o apoio da comu- e focar também na sustentabili- O Brasil abriu filial do Banco nidade internacional, está re- dade de energias alternativas. A do Brasil em Dubai, e inaugurou, querendo mais tempo do que o maioria dos membros do CCG nessa mesma cidade, em 2000, a esperado, e a região ainda está põe em marcha medidas de con- Agência Brasileira de Promo- vivendo um período extrema- tenção orçamentária, seguindo ção Comercial e Investimentos mente difícil com a deteriora- passos semelhantes aos dados (Apex-Brasil), que trabalha para DIPLOMACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL

promover produtos e serviços dos países do CCG. Kuwait In- sil no domínio de energia reno- brasileiros no exterior e atrair vestment Authority dispõe de vável. De acordo com dados da investimentos estrangeiros para US$ 3 bilhões em ações e títulos Agência Internacional de Ener- setores estratégicos da econo- no Brasil até junho de 2016. Atu- gia Renovável (IRENA), com mia brasileira. almente, os EAU detêm mais de sede nos Emirados Árabes Uni- Mais recentemente, em US$ 11 bilhões em investimen- dos, os países-membros do CCG 2016, as importações brasileiras tos no Brasil. Além disso, no iní- investirão montante na ordem para os países do CCG atingiram cio de 2016, a companhia aérea de US$ 5 bilhões no setor de US$ 2,6 bilhões, enquanto as ex- Qatar Airways adquiriu cerca de energia renovável até 2020. O portações brasileiras para os pa- 10% da quota de LATAM, maior Brasil dispõe dos meios para íses do CCG alcançaram US$ 6,5 companhia aérea no Brasil e na aplicar programa de coopera- bilhões. Arábia Saudita regis- América Latina. ção técnica por meio de proje- trou o maior número de expor- tos conjuntos e de prestação de tação para o Brasil em US$ 1,3 Energia apoio técnico via Agência Brasi- bilhões, seguido pelo Qatar em leira de Cooperação (ABC). US$ 532 milhões, pelo Emirados Em 2015, o Brasil foi o Árabes Unidos em US$ 366 mi- 9o produtor de petróleo no mun- Segurança alimentar lhões, pelo Kuwait em US$ 287 do com 3183 mil barris por dia milhões, por Omã em US$ 95,6 e 8o maior consumidor de ener- Os países do CCG preci- milhões e pelo Bahrain em US$ gia do mundo. Detém 15 bilhões sam garantir sua segurança ali- 88 milhões. de barris de reservas de petró- mentar e hídrica, em vista da O Brasil concentra mais de leo, das quais 90% são maríti- necessidade da região de desti- 60% do comércio do CCG com mas. Em 2014, o consumo de lação de água e de importação a América Latina. A pauta das energia ultrapassou a produção de alimentos. De acordo com exportações do Brasil para a re- brasileira. As importações de a Unidade Economista Inte- gião inclui açúcar, frango, car- petróleo do Brasil originam-se ligente de 2010, a população nes, pesca, minério de ferro, 68% da África e cerca de 27% do do CCG corresponderá a 53,5 eletrônicos, madeira, laticínios, Oriente Médio – principalmen- milhões em 2020, com cresci- frutas e legumes, peças automo- te da Arábia Saudita. mento em torno de 30% desde tivas sobressalentes e produtos Em 2014, o Qatar Petroleum 2000. farmacêuticos. As importações International investiu US$ 1 O agronegócio brasileiro feitas pelo Brasil ao CCG con- bilhão para comprar a partici- tem crescido nos últimos anos sistem principalmente em pe- pação da Shell no campo BC-10, devido ao avanço tecnológico, tróleo e fertilizantes, além de conhecido como Parque das como semeadura direta, água cimento e outros produtos pe- Conchas, no Brasil. renovável e tecnologias de co- troquímicos. Além dos combustíveis fós- lheita. Possui, também, grande Brasil tem recebido quanti- seis, existe grande potencial de setor pecuário que desempenha dade modesta de investimento cooperação entre o CCG e o Bra- papel importante no agronegó- 77 cio, especialmente nas relações Emirados Árabes Unidos são os a implementação da política do Brasil com o Golfo Árabe. dois países que têm voos diretos externa pacífica neutra do Bra- É particularmente alvissa- para o Brasil. Além disso, o Bra- sil nos casos de Síria, Irã, Iêmen reiro que o CCG e o Brasil traba- sil está compartilhando sua ex- e a crise CCG. lhem juntos em investimentos periência esportiva em logística O Brasil e o CCG dispõem diretos em infraestrutura agrí- e segurança com Qatar nos pre- de grandes reservas de petróleo. cola e de transporte no Brasil, parativos para a Copa do Mundo Avanços na cooperação trilate- bem como em mecanismo de de 2020. ral Brasil-CCG-África confor- distribuição de alimentos para mariam projetos promissores no que o CCG seja capaz de manter Conclusão setor de energia. fornecimento contínuo de gêne- Os países do CCG poderiam ros alimentares para sua popu- O Brasil e o CCG estão en- incrementar seus investimentos lação, com preços razoáveis. trando em uma nova era de co- na indústria agrícola do Brasil operação política e econômi- e estreitar a cooperação com Cooperações diversas ca, que dependerá das políticas Agência Brasileira de Coopera- do presidente e ção, para desenvolver tecnolo- A Arábia Saudita e o Brasil seu partido político. Assim, po- gia agrícola, a exemplo do que assinaram memorando sobre co- de-se sugerir que a política bra- tem sido feito pelo governo bra- operação industrial-militar por sileira em relação aos países do sileiro na Ásia e na África. Essa ocasião da visita ao Brasil do mi- CCG esteja em estágio de desen- colaboração mostra-se funda- nistro saudita de Defesa e Avia- volvimento. mental para garantir segurança ção, príncipe Sultan Abdul Aziz O saldo do comércio entre alimentar e hídrica de uma ma- al Saud, em 1984. Riade tem sido CCG e o Brasil parece promis- neira acessível e confiável aos um dos principais compradores sor, ao superar 5 bilhões de dó- países do CCG. de armas militares e tecnologia lares no primeiro semestre de O Brasil também pode se de defesa do Brasil. De forma se- 2017. A reforma econômica dos concentrar em treinamento mi- melhante, os Emirados Árabes países do CCG, no caso de cor- litar e de cooperação com o CCG Unidos assinaram acordo com o tes e alocações orçamentárias e uma vez que possuiu um dos Brasil em 2010, durante a visi- perda de recursos nacionais no principais polos de defesa da ta do então ministro da Defesa, caso do Qatar, por exemplo, não América Latina. , ao país. afetaram projetos de investi- Finalmente, o fortalecimen- A maioria dos países do mento direto. O Brasil pode ser to de diálogos políticos e econô- CCG firmou com o Brasil me- considerado parceiro econômi- micos poderia ser facilitado por morandos de entendimento nas co e agrícola estável para o CCG. meio da criação de um mecanis- áreas de cultura, educação, es- A geopolítica do Orien- mo educacional e de pesquisa portes e transporte. Em termos te Médio e dos países do Gol- para estreitar os laços do CCG de interconexão aérea, Qatar e fo pode, no entanto, dificultar ao Brasil. MEMÓRIA DIPLOMÁTICA

QUEM FOI BERTHA LUTZ?

O Brasil na vanguarda da defesa da igualdade de gênero ou lições de progresso da periferia

Camilla Corá e Sarah Venites

O feminismo não procura, é claro, negar as diferenças psicológicas e fisiológicas entre o homem e a mulher e reconhece a influência sobre as que, sendo verdadeiramente irredutíveis, devam ter as relações individuais e mesmo sociais. Não acredita, porém, que elas indiquem superioridade, de um lado, inferioridade, do outro, e assim entende que apenas devem ser consideradas nos casos em que de fato tenham importância, podendo ser deixadas de lado em outros casos nos quais seu papel é insignificante ou mesmo nulo.

Gilberta Lutz (pseudônimo), Em que consiste o feminismo?, Rio Jornal, abril de 1919.

Bertha Lutz assinando a Carta das Nações Unidas. Crédito: UN Photo. / Assinatura de Bertha Lutz. Crédito: Museu Bertha Lutz, UNB. 79

Grande parte da Turma 2015-2017 do Instituto Uma personalidade multifacetada Rio Branco deparou-se com essa pergunta nos últi- e cosmopolita mos meses, quando anunciou que Bertha Lutz seria sua patrona. Bertha Maria Júlia Lutz nasceu em São Paulo, A turma é composta por 8 mulheres e 22 ho- no dia 2 de agosto de 1894. Viveu na capital paulis- mens. Se os números falassem por si, não justifi- ta até a adolescência. Seus estudos secundários, no cariam a denominação “Turma Bertha Lutz”. A entanto, foram cursados na Europa. Filha do cien- escolha (e a aceitação) de Bertha Lutz reflete no- tista suíço-brasileiro Adolfo Lutz e da enfermeira vos tempos, nos quais o trabalho de homens e mu- inglesa Amy Fowler, Lutz conclui sua formação em lheres, unidos, possibilita transpor anacronismos e biologia na Universidade Paris-Sorbonne, em 1918. preconceitos. A obra de Lutz, no entanto, não está Ainda menor de idade, na Inglaterra, conheceu terminada. Ainda há desafios a transpor, e, no pas- o movimento sufragista. Na França, teve contato sado, podemos buscar inspiração para seguir em com o movimento feminista e conheceu a mineira frente. Jerônima Mesquita, que se ofereceu para unir es- Exporemos, aqui, uma pequena parte da lon- forços no Brasil e, em 1922, seria parceira de Bertha ga e produtiva trajetória de Bertha Lutz. Sem ser na fundação da Federação Brasileira pelo Progres- um texto puramente biográfico, em alguma medida so Feminino (FBPF). não pode deixar de sê-lo. A vida pessoal de Lutz se Em 1918, Lutz retorna ao Brasil e inicia seus es- forços em favor de um movimento feminista ainda confundiu com os frutos de seu trabalho, ajudando embrionário. Segundo Rachel Soihet, em Feminis- a conformar suas perspectivas sobre aspectos da mos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela política externa brasileira. Um deles é justamente conquista da cidadania plena, Lutz buscou impul- a inserção do direito à equidade de gênero no texto sionar a participação feminina nos espaços pú- da Carta das Nações Unidas – não só no preâmbulo blicos, no que sofreu grande resistência, tanto de do documento, como já é do conhecimento de mui- homens quanto de mulheres. Para superar esse de- tos, mas também no artigo oitavo. safio, propunha, como eixo central de política pú- Não havia consenso que facilitasse essa reali- blica, a promoção da educação feminina em sentido zação, nem mesmo entre as mulheres presentes à amplo, incluindo, para além da instrução básica, a Conferência de São Francisco. A intransigência das conscientização política e social. delegadas de grandes potências, como os Estados Nesse esforço, Bertha Lutz liderou pelo exem- Unidos, que defendiam a omissão da questão de gê- plo. Foi a segunda mulher (após Maria José de Cas- nero, encontrou resistência junto às delegadas da tro Rebello Mendes, aprovada para terceira oficial “periferia”, como Bertha Lutz, do Brasil, e Minerva da Secretaria de Estado das Relações Exteriores, em Bernardino, da República Dominicana. Contra todas 1917) a integrar o serviço público no Brasil, aprova- as probabilidades, venceu a proposta das últimas. da em concurso do Museu Nacional, em 1919. So- Pela significância de sua participação na Con- freu resistência entre os candidatos: um deles che- ferência para a política externa brasileira, com con- gou a enviar carta ao diretor do Museu, afirmando sequências para todos os países da Organização das que a participação de uma mulher contrariava as Nações Unidas (ONU), este artigo abordará, essen- normas da moral e da família. Bertha Lutz classi- cialmente, a vida e a carreira de Lutz até 1945. ficou-se em primeiro lugar no certame e assumiu MEMÓRIA DIPLOMÁTICA

o cargo de pesquisadora, precisando, para isso, do mesmo ano, foi escolhida para representar o gover- parecer de um homem, o Dr. Raul Penido. no brasileiro junto ao Conselho Feminino Interna- Ainda em 1919, Lutz fundou a Liga para Eman- cional da Organização Internacional do Trabalho cipação Intelectual da Mulher. A entidade busca- (OIT), como membro da Comissão de Peritas sobre va o reconhecimento dos direitos da mulher e a Trabalho Feminino do Bureau Internacional do ampliação de sua participação na vida pública. No Trabalho.

A movimentação política

Bertha Lutz no avião do qual se lançaram panfletos de propaganda pelo voto feminino, Natal, 1927. Crédito: Arquivo Nacional.

O ano de 1922 foi especialmente importante Poucos meses depois da Conferência de Bal- para Bertha Lutz. A brasileira foi convidada para timore, Lutz fundou a Federação Brasileira pelo participar da Conferência Pan-americana da Mu- Progresso Feminino (FBPF), com o propósito de lher, em Baltimore. Na ocasião, estreitou vínculos articular consensos entre as feministas, para fazer com a feminista norte-americana Carrie Chapman avançar a agenda política nacional e buscar ações Catt, líder da League of Women Voters – entidade comuns na esfera pública. Ainda em 1922, a recém- responsável pelo patrocínio da viagem de Lutz aos -criada FBPF promoveu o I Congresso Internacional Estados Unidos. Trata-se de organização que defen- Feminista. Nessa ocasião, Bertha Lutz assumiu a dia corrente feminista moderada, em contraste com tarefa de colaborar com o embaixador dos Estados o National Women’s Party (NWP), considerado mais Unidos a fim de promover o pan-americanismo no extremista à época. As feministas do NWP protago- Brasil, a exemplo da realização do Dia Pan-ameri- nizariam uma série de embates envolvendo Lutz, cano, no Clube de Engenharia, em 1925. O evento em ocasiões como a Conferência de Montevidéu, em repetiu-se, nos anos seguintes, chegando a ser cele- 1933, e a Conferência de São Francisco, em 1945. brado nos salões do Itamaraty, em 1938. 81

Ao longo da década de 1920, Lutz e as feministas pantes de cargos públicos e legisladoras. Conseguiu da FBPF consolidaram alianças políticas relevantes. incluir na legislação do dispo- Foi o caso do senador Juvenal Lamartine, um dos sitivo estabelecendo igualdade de direitos políticos primeiros políticos conquistados pela causa femi- entre os sexos, precedente que deu margem a ampla nista. O senador manifestou, em sua plataforma po- movimentação da FBPF. Segundo Soihet, quando lítica, divulgada em abril de 1927, ser favorável não eclodiu a Revolução de 1930, a FBPF tinha filiais em apenas ao sufrágio feminino, mas também à parti- 13 unidades da federação, e dez estados já aceitavam cipação das mulheres na vida política, como ocu- o alistamento eleitoral feminino.

A conquista de espaços

Bertha Lutz em evento com o presidente Getúlio Vargas. Crédito: Arquivo Nacional.

Com a Revolução de 1930, figuras políticas im- sidente demonstrou abertura para reformas sociais portantes que apoiavam o movimento feminista e trabalhistas que incluíam a parcela feminina da perderam seus postos, tanto no Poder Legislativo população. federal quanto nos governos estaduais. Havia gran- Exemplo dessa adaptação é mencionado por de apreensão quanto à possibilidade de regressão Teresa Cristina de Novaes Marques, em Bertha Lutz das conquistas alcançadas. Segundo Yolanda Lôbo, (Perfis parlamentares). Ainda sob o governo provi- em seu livro Bertha Lutz, ao longo da década de sório, em 1932, Bertha Lutz escreveu a sua amiga 1930, no entanto, muitas feministas brasileiras mu- Carrie Catt, referindo-se a Vargas como “ditador”. daram sua percepção em relação ao governo de Poucos anos depois, em 1936, contudo, ela o descre- Getúlio Vargas – especialmente depois que o pre- veria como “um homem sem preconceitos”. Bertha MEMÓRIA DIPLOMÁTICA

Lutz passou, portanto, a reconhecer-se como “uma diferenças entre as mulheres presentes – entre as criatura da Revolução de 1930”, em contraste com norte-americanas entre si e entre algumas destas outras feministas, que optaram por abandonar a e as latino-americanas. A líder do NWP, Doris Ste- luta política, em razão da rejeição a Vargas. vens, chegou a insultar Bertha Lutz e a norte-ame- A paulatina aproximação de Bertha Lutz ao go- ricana Sophonisba Breckinridge, chamando-as de verno varguista lhe rendeu bom trânsito político no “animais desprezíveis”. Ainda assim, os relatos de âmbito doméstico. Em 1932, Lutz foi escolhida para Bertha Lutz à imprensa brasileira omitiram as di- representar as demandas feministas na Comissão vergências encontradas, pois ela entendia que as Organizadora do Anteprojeto de Constituição, cria- diferenças internas não deveriam ser compartilha- da pelo Decreto nº 21.402, daquele mesmo ano, por das com o grande público, sob o risco de minar a indicação das mulheres da FBPF e de outras asso- respeitabilidade do movimento feminista. ciações. Como resultado, Soihet afirma que as femi- Apesar da oposição, duas das propostas de Ber- nistas tiveram a maioria de suas reivindicações con- tha Lutz foram aprovadas, com apoio da delegação cretizadas na Constituição de 1934, a exemplo do brasileira. Em primeiro lugar, o compromisso de artigo 108, que reconheceu explicitamente o direito que os governos indicassem, nas próximas con- ao voto feminino, consolidando mudança introduzi- ferências, delegadas plenipotenciárias para atuar da pelo Código Eleitoral de 1932. junto aos delegados. Além disso, foi aceita a pro- A humanização e regulamentação do traba- posta de reformulação dos estatutos da Comissão lho feminino tornou-se um dos princípios básicos Interamericana de Mulheres – organização inter- defendidos por Bertha Lutz. Ela procurou, ainda, nacional criada em 1928 e incorporada, 20 anos conscientizar as mulheres brasileiras quanto aos depois, à Organização dos Estados Americanos avanços conseguidos no âmbito internacional. Es- (OEA) – para que esta assumisse caráter executi- tes incluíam o Tratado de Paz de Versalhes, que vo, podendo fiscalizar as condições de trabalho das reconhecia vários direitos da mulher na instituição da Liga das Nações, e a Conferência Geral do Tra- mulheres nas Américas. balho, que estabelecia o princípio de igualdade de No Brasil, Lutz foi eleita para a Câmara dos salário para trabalho equivalente e a obrigatorieda- Deputados como suplente do Partido Autonomis- de de consultor técnico do sexo feminino em cada ta, assumindo o mandato de deputada federal em delegação, quando as discussões fossem do interes- 1936, após a morte do deputado Cândido Pessoa. se da mulher. No exercício do cargo, defendeu projetos nas áreas Em 1933, formou-se em Direito pela Faculdade de educação, ciência, cultura e saúde, sendo uma do Rio Janeiro, posteriormente incorporada à atual de suas principais preocupações a questão da as- Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e sistência à maternidade e à infância. Participou da publicou “A nacionalidade da mulher casada”, so- elaboração de projeto de Estatuto da Mulher, que bre a perda do direito de cidadania das mulheres ao não chegou a ser aprovado, em razão do fechamen- se casarem com estrangeiros. No mesmo ano, vol- to do Congresso Nacional, em 1937, por força do tou ao tema na VII Conferência Interamericana, em golpe do Estado Novo. Montevidéu, onde aconteceu sua estreia em confe- No ano seguinte, o estado de saúde de seu pai, rências oficiais, na condição de conselheira técnica Adolpho Lutz, deteriorou-se. Sua morte, em 1940, da delegação brasileira. Na ocasião, observaram-se foi um duro golpe para Bertha Lutz. Ela iniciou, a 83 partir de então, um grande trabalho de resgate e de todas as quintas-feiras. Ela mantinha estreita rela- organização da memória de seu pai e dos papéis da ção com o então presidente e com sua esposa, além FBPF. de amizade com o embaixador dos Estados Unidos O temporário afastamento político de Lutz não no Brasil. O prestígio científico e social de Bertha a apartou, contudo, de sua vida social, especial- Lutz é reflexo do respeito que conquistou ao lon- mente de suas amizades influentes. Esmeraldino de go da vida e lhe rendeu a indicação como delega- Souza, colega de trabalho no Museu Nacional, rela- da plenipotenciária do Brasil à Conferência de São ta que Bertha Lutz era recebida por Getúlio Vargas Francisco, em 1944.

A Conferência de São Francisco

Não devemos perder a coragem porque nos achamos aos pés de uma montanha íngreme que outras, esti- muladas por impulsos mais fortes, já transpuseram. Devemos, ao contrário, aproveitar sua experiência, seus conselhos, suas vitórias e mesmo suas derrotas. [...] Vamos expor o caminho que seguiram nossas irmãs, com- parar as diferentes formas que podem apresentar esse movimento, seus fins, seus resultados e os meios pelos quais os poderemos obter. E estamos convencidos de que a brasileira, com sua inteligência viva, sua intuição certa, saberá evitar as aberrações que poderiam desviar do caminho, que saberá escolher os meios para obter seus fins e que eles corresponderão aos mais nobres interesses, aos do homem seu companheiro e aos da nação. Gilberta Lutz (pseudônimo), Nova Era, Rio Jornal, março de 1919

Bertha Luz na Conferência de São Francisco. Crédito: UN Photo. MEMÓRIA DIPLOMÁTICA

Conforme apontado por Maria Luiza Viotti e seu relatório da Conferência, que parecia impossí- Daniela Poppius Brichta, no ensaio “Nações Uni- vel faze-las entender que ainda havia mulheres em das: uma perspectiva de gênero”, a Carta das Na- outros países que não tinham direitos. Notou, nesse ções Unidas conferiu maior perfil político à preo- sentido, que parecia tratar-se de tentativa, por par- cupação internacional com a igualdade de gênero. te das mulheres cujas prerrogativas já haviam sido A palavra “mulheres” aparece apenas duas vezes no reconhecidas, de tentar cercear o avanço das outras, documento: no preâmbulo, ao referir-se à igualda- em “estranho paradoxo [no qual] frequentemente de de direitos dos homens e das mulheres; e no ar- aqueles que são emancipados pelo esforço alheio tigo oitavo, ao afirmar que a ONU não fará distinção não reconhecem a fonte de sua liberdade”. entre homens e mulheres quanto à elegibilidade As delegadas da América Latina enfrentaram para quaisquer de seus cargos. Outros quatro arti- oposições inesperadas tanto na defesa da lingua- gos (primeiro, 13, 55 e 76) reafirmam, ainda, o com- gem do preâmbulo quanto do artigo oitavo. Nas promisso da Organização com os direitos humanos discussões sobre o preâmbulo, Gildersleeve argu- e liberdades fundamentais, sem distinção, entre ou- mentou que não seria necessário fazer menção às tros, de sexo. mulheres, pois a expressão “direitos dos homens” A inclusão explícita dos direitos das mulheres já seria abrangente o suficiente. Em reação, Lutz ar- na Carta não pode ser percebida como resultado gumentou, com sucesso, que, embora fosse possível natural das negociações ou como escolha consen- considerar que as mulheres estão inclusas no termo sual. Em São Francisco, apenas 3% dos delegados “homens”, também seria verdade que esse costume eram mulheres, e proporção menor ainda tinha di- – e a consequente resistência a se explicitarem os reito a voto. Bertha Lutz, juntamente com Miner- direitos das mulheres – se prestava a perpetuar sua va Bernardino, da República Dominicana, Virginia exclusão dos temas públicos. Gildersleeve, dos Estados Unidos, e Wu Yi-fang, A brasileira liderou, ademais, demanda por da China, foram as únicas mulheres a assinar a emenda que permitisse a eleição de mulheres para Carta. Entre as quatro, ao contrário da narrativa qualquer cargo – não apenas no secretariado, como que se popularizou, apenas as duas primeiras de- queriam as delegadas americana e britânica -, plas- fenderam a inclusão dos direitos das mulheres no mada no artigo oitavo da Carta. Por um lado, Lutz documento. e as outras latino-americanas tinham consciência Em estudo recente que impulsionou a recupe- de seus papéis como representantes do que hoje se ração da memória de Bertha Lutz, as pesquisado- convencionou chamar de Sul global. Por outro lado, ras Fatima Sator e Elise Luhr Dietrichson, da Uni- Gildersleeve e a britânica Ellen Wilkinson conside- versidade de Londres, rechaçam duas teorias: a de ravam que aquelas falavam em nome apenas dos que a luta pela afirmação da igualdade de gênero países atrasados, e que o alcance de suas demandas foi uniforme entre todas as delegadas; e a de que a era, portanto, limitado. Em seu relato, Lutz recor- liderança desse movimento proveio dos países em dou sua luta e a de Bernardino, ao definir o artigo que direitos das mulheres eram consolidados. De oitavo da Carta como “uma contribuição da Améri- fato, coube a Lutz e Bernardini – representantes de ca Latina para a Constituição do mundo”. países considerados atrasados – enfrentar a resis- Na Conferência, o Brasil propôs, ainda, a cria- tência das colegas de países como Estados Unidos ção de comissão sobre os direitos das mulheres, a e Reino Unido. Sobre esse ponto, Lutz afirma, em ser integrada por representantes do sexo feminino. 85

Lutz, em seu discurso, explicou que não se tratava do o seu pleito pela inclusão dos direitos das mu- de hostilidade em relação aos homens, mas que, já lheres na Carta. que a comissão beneficiaria as mulheres e que sua Essas considerações demonstram que a dimi- condução seria trabalho oneroso e não remunera- nuta presença de mulheres na Conferência não do, era justo que fosse feito por elas. Ao explicar foi compensada por esforço de união em torno de a necessidade da comissão, sublinhou discrimina- uma “pauta feminina”, como afirmam alguns.P elo ções sofridas pelas mulheres em todos os lugares, contrário: frequentemente, a maior resistência vi- citando nominalmente apenas a Alemanha nazista. nha precisamente de outras delegadas. Portanto, Segundo consideração de Lutz, houve 34 discursos agrupar as mulheres ao redor das reivindicações em favor dessa posição, e quase todos os delegados feministas, sem levar em consideração seu efeti- homens a apoiaram. A proposta, conforme assinala- vo posicionamento na Conferência, generaliza sua do por Viotti e Brichta, refletiu-se, posteriormente, atuação em função do gênero e ignora suas dife- na criação da atual Comissão da Condição Jurídi- ca e Social da Mulher (CSW, na sigla em inglês) da renças de opinião, conforme destacado por Sator ONU, integrada desde 1947 ao Comitê Econômico e e Dietrichson. Social (ECOSOC) e presidida, em 2017 (61ª sessão), Na visão de Lutz, as latino-americanas pare- pelo embaixador Antonio Patriota. ciam mais progressistas, àquele momento, do que O protagonismo de Bertha Lutz na Conferên- as mulheres dos países em que o voto feminino fora cia é coberto de significância ainda maior quando alcançado há mais tempo. Sobre isso, a brasileira considerado no contexto geral da participação fe- concluiu que prevalecia uma corrente de conserva- minina no evento. Ao descrever as funções das mu- dorismo entre as mulheres americanas e britânicas. lheres delegadas, a brasileira nota que quase todas Segundo ela, o movimento feminista internacional trabalhavam no ECOSOC, “onde se esperaria que seria influenciado pelas divisões internas no con- delegados homens colocassem delegadas mulhe- texto de cada país, o que dificultaria a atuação unifi- res”. Ressaltou, ainda, que os (muitos) países que cada das mulheres em conferências internacionais. não haviam designado nenhuma mulher se justi- Não se deve subdimensionar, ademais, a im- ficavam, a exemplo da Rússia, com a afirmação de portância de terem sido as delegadas “ocidentais” que a viagem sobre as regiões polares era difícil de- as maiores opositoras dos pleitos pelos direitos mais para as mulheres. “A mesma alegação foi feita femininos e, posteriormente, reconhecidas como por todos os países que não trouxeram mulheres na suas grandes defensoras, frequentemente em de- delegação, mutatis mutandis, é claro, quanto à parte trimento das latino-americanas. Mesmo Eleanor do globo sobre a qual se voaria”, ironizou. Não obstante a relutância da maioria dos países Roosevelt, que não esteve presente na Conferên- quanto à presença de delegadas, Lutz aponta que, cia, é frequentemente creditada pelos avanços li- durante os debates, pareceu claro que os homens derados por Lutz. Para Sator e Dietrichson, essa estariam “ansiosos” para reconhecer os direitos das seria mais uma demonstração de que, quando as mulheres e obter sua cooperação, inclusive os de- boas ideias vêm de outro lugar que não o ocidente, legados dos países do Oriente Médio. Segundo ela, tendem a ser ignoradas. Isso evidenciaria, segun- a delegação britânica, após a partida das delegadas do as pesquisadoras, certo viés político na descri- que a integravam, teria mudado de posição e apoia- ção de fatos históricos. MEMÓRIA DIPLOMÁTICA

Uma pergunta, várias respostas

Bertha Lutz na Organização dos Estados Americanos, 1959. Crédito: Arquivo Nacional.

A pergunta que dá título a este artigo tem múl- Apesar disso, não é incomum que o público em tiplas respostas. Bertha Lutz foi bióloga e funcio- geral, estudantes de política externa e mesmo di- nária pública. Foi, também, advogada, política e plomatas de carreira desconheçam o nome e a tra- feminista. Embora não tenha sido diplomata – e jetória de Bertha Lutz. A própria Lutz, ciente da dificilmente pudesse ter sido, uma vez que as mu- necessidade de assumir o controle da forma como lheres eram proibidas por lei de ingressar na car- queria ser lembrada, documentou a luta feminista, reira diplomática entre 1938 e 1954 -, foi delegada seus feitos pessoais e os da FBPF. Tereza Cristina de do Brasil em diversas conferências internacionais, Novaes Marques, salienta que, embora o costume de entre elas a que deu origem à ONU. Entre 1953 e guardar e registrar memórias fosse comum, Lutz ti- 1959 serviu como vice-presidente da Comissão nha motivos a mais para fazê-lo: sem descendentes Interamericana de Mulheres, no âmbito da OEA. diretos e familiares próximos, e após o falecimento Em 1965, recebeu o título de professora emérita da de grandes amigas, sabia que essa tarefa dificilmen- UFRJ. Em 1975, um ano antes de falecer, foi convi- te seria cumprida por terceiros. Com isso em mente, dada pelo Itamaraty a participar da delegação bra- registrou em gravador seu projeto de livro em come- sileira para o primeiro Congresso Internacional da moração aos 50 anos da FBPF, que não chegou a ser Mulher, no México, onde foi homenageada. publicado. Já na década de 1970, garantiu à historia- 87 dora Rachel Soihet acesso ao porão onde guardava seminário da Fundação Alexandre de Gusmão (FU- seus arquivos e narrou sua história. NAG), com a presença de Sator e Dietrichson, em Ainda assim, a memória de Lutz parece ter des- 2017; e lugar de destaque de Lutz no âmbito do Pla- pertado pouco interesse ao longo dos anos, até que no Nacional de Ação sobre Mulheres, Paz e Segu- se iniciou, recentemente, uma onda de redescober- rança, lançado oficialmente em 2017. Esse processo, tas, tanto no Brasil quanto no exterior – por vezes ainda que tardio, é necessário e positivo, seja para com visibilidade maior do que no país de Bertha o estudo da história da política externa brasileira, Lutz. Até a publicação deste artigo, iniciativas na- seja para o reconhecimento da atuação internacio- cionais de destaque incluíam exposição e lança- nal do Brasil em temas relacionados, mas não limi- mento de livro na Câmara dos Deputados, em 2016; tados, à igualdade de gênero.

Bertha Lutz recebe o título de professora emérita da UFRJ, setembro de 1965. Crédito: Arquivo Nacional. MEMÓRIA DIPLOMÁTICA 89

3006 Massachusetts Avenue A relação Brasil-EUA nas memórias de diplomatas brasileiros

Filipe Nasser e Wallace Alves

Costumava-se atribuir aos Estados Unidos a pole Como se sabe, foi o Barão do Rio Branco quem position no reconhecimento da independência pá- deslocou o eixo da política externa do Velho Mundo tria, a despeito de uma saborosa polêmica que con- para o Novo, na manhã do século passado. O cálculo cedia ao Chachá do Benin a honrosa prerrogativa. diplomático – antes do que puro exercício de subser- Novas pesquisas creditam à Argentina o reconheci- viência ao Tio Sam – apoiou-se no entendimento de mento pioneiro da emancipação brasileira, em 25 de que a então potência ascendente (no caso, os EUA) junho de 1823, antecipando em um ano a missão que poderia contestar a visão eurocêntrica prevalecente. Silvestre Rebello – nosso primeiro chefe de missão Durante boa parte do século XX, a identida- na capital norte-americana (1824-1829) – faria aos de internacional do Brasil foi forjada em relação Estados Unidos para garantir o reconhecimento da ou em oposição à dos Estados Unidos. Autonomia, soberania brasileira por Washington (WIESE RAN- DIG, 2017). Polêmicas historiográficas à parte, não se pode negar o simbolismo que o reconhecimento norte- -americano aportou à independência brasileira, em gesto que seria secundado pelas potências europeias – inclusive a antiga metrópole portuguesa – e afasta- ria os temores de eventual recolonização. O quase-bicentenário histórico das relações bi- laterais entre Brasil e Estados Unidos revela alto grau de ciclotimia e complexidade. O chão da histó- ria registra aproximações e distanciamentos; “alian- ça não-escrita”, na expressão cunhada por Bradford Burns; afirmação na oposição de um lado e, outro, indiferença; ingerência, provocação, rivalidade, des- confiança e parceria. MEMÓRIA DIPLOMÁTICA

no jargão da política externa brasileira, costuma- perímetro do Beltway, os mesmos holofotes e man- va significar independência dos Estados Unidos – chetes que China e Índia), tampouco Brasília parece a dispensa de um sinal verde de Washington para tremer nas bases a cada espirro do Departamento de atuar nos assuntos do mundo. Quiçá só mais recen- Estado, do Tesouro ou da Casa Branca. temente, o Brasil tenha conseguido se firmar como uma potência in its own right, sem a necessidade do *** aplauso ou da vaia conveniente de Washington. Não é à toa que os dois paradigmas canônicos A embaixada do Brasil em Washington, D.C. – na historiografia da política externa brasileira são localizada no número 3006 da Massachusetts Ave- justamente o universalista – isto é, a busca de re- nue Northwest, também conhecida como Embassy lações com o resto do mundo, especialmente com Row1 – foi um dos palcos em que essa complexa rela- o Terceiro Mundo, comumente em desacordo com ção bilateral traduziu conceitos em fatos ou em que Washington – e o alinhamento com a potência hege- passagens de nossa história diplomática moldaram mônica, conhecido, na literatura acadêmica, como as “forças profundas” de nossa política externa. “bandwagoning” e, no léxico político, como filoa- Na atividade diplomática, a dimensão humana mericanismo ou, pior, entreguismo. não deve ser negligenciada, sob pena de atribuir so- Olhando do outro lado da cerca, o Brasil rara- mente a fatores estruturais a responsabilidade pelo mente capturou as atenções dos Estados Unidos curso da história. Os diversos embaixadores brasi- – pelo menos não na mesma proporção que o Bra- leiros que se sucederam na chefia da representação sil se preocupou com o “Grande Irmão do Norte”. brasileira na capital dos EUA souberam, ao longo Estar abaixo do radar de Washington, entretanto, do tempo, estreitar a interlocução do Brasil com o não foi das piores coisas que poderiam ter acon- governo norte-americano e avançar nossos interes- tecido com a nossa inserção internacional: de um ses nacionais, segundo a leitura prevalecente à cada lado, nas ocasiões em que o Brasil acendeu uma luz época, com um parceiro com quem mantemos uma vermelha nos porões washingtonianos, o resultado relação bilateral que, sem ser naturalmente incli- costumou não nos ser necessariamente benéfico; e nada ao conflito ou à cooperação, não se presta a ser preterido de uma lista que perfila Cubas, Gua- simplificações. temalas, Vietnãs, Afeganistões, Paquistões, Iraques, Este ensaio buscará recuperar, nas memórias Irãs, Chinas e Uniões Soviéticas permitiu ao Bra- dos nossos antigos embaixadores junto ao governo sil se afirmar como potência emergente sem muito norte-americano (e nas de diplomatas destacados alarde. que passaram por Washington no curso de suas Os Estados Unidos assistiram à nossa recente carreiras), referências a suas respectivas passagens ascensão com um misto de apoio e indiferença, só pela cidade, especialmente aquelas que sejam reve- tendo percebido que um Brasil global player era re- ladoras de um momento histórico transformador almente positivo para a ordem internacional depois ou do Zeitgeist de nossa política externa de cada que o fato estava basicamente consumado. Se ainda época. não pulsa em Washington um sentimento filobra- silianista (ou mesmo se o Brasil ainda não atrai, no *** 91

Foi em Washington que o Brasil instalou a sua burocrática ou administrativa, tratou-se de enviar primeira embaixada, em 1905. Até aquela altura, uma forte mensagem política, que ecoou na Euro- mantínhamos na capital norte-americana uma le- pa e na América Latina. Não foi à toa que a primeira gação, assim como em todos os demais países onde missão norte-americana a ser ungida à categoria de havia representação diplomática permanente. A embaixada foi justamente a antiga legação dos EUA diferença, na prática, era que a chefia da legação no Rio de Janeiro. cabia a um ministro plenipotenciário, ao passo que Para os Estados Unidos, o Barão do Rio Branco quem comandava uma Embaixada era, não surpre- enviou como nosso primeiro embaixador pleno nin- endentemente, um embaixador. guém menos do que Joaquim Nabuco – figura de proa A distinção não faz mais sentido nos nossos dias, de nossa política e diplomacia, um dos pensadores na medida em que todas as representações diplomá- pioneiros do Brasil moderno. Nabuco, que ocupou ticas permanentes brasileiras sediadas em capitais a chefia da embaixada brasileira até seu falecimen- de países estrangeiros são denominadas embaixa- to, em 1910, aduz que o gesto de elevação do status das. Na época, contudo, elevar nossa representação da representação diplomática “sugeriu, decerto ao em Washington importou um gesto de enorme dis- presidente [Theodore] Roosevelt a primeira ideia de tinção aos Estados Unidos. Mais do que uma medida apoiar-se no Brasil na América do Sul (...) deu ao go- verno americano a impressão de que os Estados Uni- dos podiam contar com a amizade sincera do Brasil e com a conformidade de nossas vistas políticas em re- lação à doutrina de Monroe» (NABUCO, 2011, p. 90). O prestígio adquirido pelo prócer do aboli- cionismo na capital norte-americana não tardou a traduzir-se em influência para o País. O próprio Nabuco atribui-se, de forma indisfarçadamente autoelogiosa, a presença do secretário de Estado Elihu Root na Terceira Conferência Pan-America- na, realizada no Rio de Janeiro, em 1906: “No jan- tar com o Presidente [Roosevelt] ... [ele] me dis- se que se eu não tivesse vindo a Washington, Mr. Root não iria ao Brasil porque a resolução dele de ir proveio da impressão que causei nele” (ALEN- CAR; SANTOS, 1999, p. 17). O histórico da relação bilateral não aconselha que se lhe descreva como linear: entre a solida- riedade hemisférica e o estranhamento recíproco entre os dois gigantes, coube à diplomacia ser a Joaquim Nabuco, embaixador do Brasil junto ao governo dos Estados Unidos da América, fiadora de um relacionamento inevitável. Osvaldo em Washington, nomeado em 14 de janeiro de 1905. Autoria não identi cada. Acervo Fundação Joaquim Nabuco. Ministério da Educação Aranha, embaixador em Washington entre 1934 e MEMÓRIA DIPLOMÁTICA

1938, vislumbrou que: “(...) a intimidade que sem- sidiu a construção desse grandioso país (...) Na segun- pre existiu entre o Itamaraty e o Departamento da-feira, Garibaldi Dantas e eu tínhamos uma reunião marcada, às três da tarde, no Ministério da Agricultura. de Estado, e que apenas existia entre essas duas Pensamos que, com a declaração de guerra, a reunião chancelarias, ameaça estender-se. E assim se di- seria desmarcada. Para nosso pasmo, não só ela foi luirá aquela secular aliança tácita, entre Brasil e mantida, à mesma hora, como os americanos concen- Estados Unidos, que era forte porque tanto nos traram-se nas negociações do algodão com a argúcia e valia a nós como segurança contra qualquer ata- firmeza de sempre. Como se tratassem de um caso de que inesperado como aos norte-americanos pelo vida ou de morte (GOUTHIER, 2008, p. 92-3). apoio moral com que lhes sustentávamos a políti- ca nos sítios mesmos em que ela era mais combati- As intenções de inscrever o Brasil no radar do da” (Ofício 17 ao MRE, 15 de janeiro de 1935, Apud Departamento de Estado foram, não raro- , contra Stanley Hilton, op. cit. p. 215). riadas com a indiferença da diplomacia norte-ame- É oportuno recordar que Osvaldo Aranha, que ricana. Maurício Nabuco, que, a exemplo do pai, seria o chanceler do governo Vargas no momento comandou nossa representação na capital norte- em que se finalmente declara guerra ao Eixo (1942), -americana (1948-1951), relembra: “pouco depois integrava a ala do governo que defendeu a adesão do de assumir o Departamento de Estado, um dos homens mais poderosos dos Estados Unidos, com- Brasil ao lado aliado no esforço de guerra. Aranha provado amigo nosso, lembrou [a Dean Acheson] a argumenta: “Não há dúvida que muitos nos acusam conveniência de visitar o Brasil, ao que ele respon- de fazer sistematicamente uma política de solida- deu, em tom de caçoada: ‘Para quê?’” (NABUCO, riedade com o Governo de Washington, dando a 2001, p. 256-7). entender que seguimos a sua política sem hesitação Ao regressar ao Brasil e se avistar com o pre- (...) É preciso que todos vejam que nossa orientação sidente Vargas, Nabuco relata: “sugeri-lhe que dei- coincide muitas vezes com a dos Estados Unidos, xasse a embaixada vaga durante uns seis meses, mas que não adotamos por um desejo propositado coisa inusitada numa capital que abriga o corpo de segui-la senão porque são semelhantes, as mais diplomático mais eminente do mundo. Expliquei das vezes, nossos interesses e ideais” (Ofício 13 ao que, enquanto Dean Acheson persistisse na sua MRE, 14 de janeiro de 1935, Apud Stanley Hilton, política de pouco caso, não tínhamos interesse em op. cit. p. 214). manter representação tão elevada junto à Casa A entrada dos Estados Unidos na Segunda Branca. Getúlio Vargas adotou a minha sugestão. E, Guerra Mundial inaugurou nova fase das relações ante a demora na nomeação do meu sucessor, o De- entre os dois países. Hugo Gouthier, encarregado partamento de Estado começou a ficar preocupado. do setor econômico da embaixada em Washington, O gauleiter, sempre nervoso, andava perguntando a acompanhou os impactos da guerra sobre o moral Deus e a toda gente quando viria novo embaixador. do país. Afinal, Dean Acheson resolveu vir ao Brasil. Logo Se os americanos receberam com ódio a notícia do ata- que a Pearl Harbor, não traduziram esse ódio em ges- em seguida a essa mudança de orientação, e depois tos desvairados de protesto. Concentraram-se na ação de ficar vaga meio ano a embaixada, Walter Mo- disciplinada e eficiente que, desde as suas origens, pre- reira Sales foi substituir-me, sendo tratado como o 93 deve ser o alto representante do Brasil” (NABUCO, temos em torno de uma mesa e discutamos os assun- 2001, p. 257). tos?” Eu respondi: “A ideia inicial é exatamente essa: estabelecer um clima de confiança em todo o conti- Na década de 1950, ao despedir-se do então nente americano.” Vi logo que ele não estava com boa ministro das Relações Exteriores João Carlos Ma- vontade, mas disse: “Eu estou pronto, mas vamos no- cedo Soares para assumir a chefia da máxima re- mear representante, estabelecer uma agenda de tra- presentação brasileira em solo norte-americano, balho para esse entendimento. Escreverei a todos os Amaral Peixoto recebeu instruções: “O senhor presidentes do continente. Da parte dos Estados Uni- vai ser embaixador em Washington, um cargo dos dos não há objeção.” E encerrou. Pela maneira como ele falou, senti que não recebeu bem (AMARAL PEI- mais importantes! Se nós tivermos uma guerra com XOTO, 1986, p. 414). a Argentina, é lá que teremos que comprar arma- mento!” (AMARAL PEIXOTO Apud MARQUES Como se sabe, a OPA de Juscelino Kubitscheck MOREIRA, 2001, p. 54). A blague do chanceler so- é considerada o embrião da Aliança para o Progres- bre o ângulo washingtoniano da decantada “relação so, iniciativa que o sucessor de Eisenhower, John F. trilateral” – naquela altura tendo a Argentina como Kennedy, lançou para inaugurar uma nova fase no adversário e os EUA como porto seguro – soaria no relacionamento com a América Latina. Também se mínimo curiosa nos dias de hoje, na medida em que deve à OPA a criação do Banco Interamericano de a relação com Buenos Aires evoluiu, especialmen- Desenvolvimento (BID) e da Associação Latino-A- te nos últimos trinta anos, para o formato pratica- mericana de Livre Comércio (ALALC, antecessora mente de uma aliança. da Associação Latino-Americana de Integração – O estreitamento do relacionamento com os ALADI). Estados Unidos não ocorreu às expensas do com- Pela gravidade do momento histórico – e promisso latino-americano da política externa também pela força da prosa do embaixador, brasileira. Exemplo disso, nas negociações em tor- nem sempre pautada pela modéstia –, a gestão no da criação da Operação Pan-Americana (OPA), de Roberto Campos à frente da embaixada em em 1959, a atuação brasileira concentrou-se em Washington (1961-1964) mereceria um capítulo incorporar nas preocupações anticomunistas dos à parte. No auge da Guerra Fria, o Brasil não Estados Unidos a agenda da promoção do desen- escapava da disputa global de influência entre as volvimento na região. “Zonas subdesenvolvidas são superpotências. Campos vaticinava que “(...) A potencialmente zonas ocupadas pelo inimigo” afir- ‘perda do Brasil’ seria algo tão grave, senão mais mava o presidente bossa nova. grave, do que a chamada ‘perda da China’ para o Ao apresentar a proposta brasileira da OPA ao maoísmo” (CAMPOS 2001, p. 447). presidente Dwight Eisenhower, Amaral Peixoto Com esse pano de fundo, Campos descreve o relata: que entendia ser sua missão como representante (...) Eram pouquíssimos os embaixadores que o Eise- brasileiro na capital norte-americana: “O diplo- nhower recebia, e era natural, porque se fosse receber lodo mundo que chegava a Washington... Entreguei a mata é essencialmente um fabricador de imagens carta, já com a tradução em inglês, o Eisenhower leu e (...) A fabricação de imagens pode levar a estranhos perguntou: “O que o seu presidente deseja é que sen- paradoxos. Como embaixador de João Goulart em MEMÓRIA DIPLOMÁTICA

Washington, cabia-me demonstrar que João Gou- Kennedy riu gostosamente e pediu a um de seus assis- lart não era um radical de esquerda, mas apenas um tentes para anotar a piada... ‘reformista’, admitidamente um pouco confuso” (CAMPOS, 1994, p. 498). (CAMPOS, 1994, p. 459). Sobre os preparativos para o encontro oficial A diplomacia brasileira ensaiou, em alguns mo- entre os presidentes João Goulart e John Kennedy, mentos, alçar status mais elevado de influência aos realizada em abril de 1962, Campos rememora que, olhos do establishment norte-americano, tendo tido ao adentrar junto com Moreira Salles no gabinete reconhecida sua projeção global para além da Amé- de Kennedy, foi recebido “com bastante bom humor rica Latina e Caribe. Segundo Roberto Campos: e uma piada que me pareceu de mau gosto: – ‘Agora’ Ao fim das negociações, durante a visita de Goulart, fui chamado por Dean Rusk ao Departamento de Es- – disse [Kennedy] – ‘vamos fazer um acordo bom tado, primeiro a sós e depois acompanho por San Tia- para os trabalhadores. Os acordos anteriores eram go Dantas, para discussão confidencial e urgente. Era bons sobretudo para os banqueiros e industriais’. o tema do conflito de Angola (...) Os Estados Unidos Moreira Salles e eu, que havíamos sido negociado- não tinham condições de dialogar com Portugal sobre res dos acordos durante o governo Jânio Quadros, a matéria sem comprometer o esquema da defesa oci- entreolhamo-nos um pouco chocados (...) Moreira dental (...) o Brasil, entretanto – dizia Rusk – pelas suas Salles foi pronto no revide, arguindo que as nego- raízes históricas e condições afetivas, poderia dialogar com Portugal e talvez desenvolver o esquema de uma ciações haviam favorecido tanto os banqueiros e os Comunidade Luso-Brasileira que abrangesse, além de industriais, bem como os trabalhadores. Face a essa Angola, outras colônias africanas, como instrumento resposta, Kennedy sorriu um pouco embaraçado, e de pacificação (CAMPOS 2001, p. 486-7). logo após, convidando-nos para passar à sala de re- feições, deu um tapinha no ombro de Walther e co- É possível assumir que o tema do alinhamento mentou: – ‘Well done, Walther’” (CAMPOS, 1994, p. com os EUA – sua justificativa ou a oposição a ela 477). A propósito, Walter Moreira Salles havia pre- – foi o fio condutor da relação por boa parte do sé- cedido Campos na função, tendo ocupado a chefia culo XX. Vasco Leitão da Cunha, nosso homem em da representação brasileira em Washington entre Washington entre 1966 e 1968, após deixar a chefia 1959 e 1961. do Itamaraty no governo Castello Branco – de, ali- Após a crise dos mísseis, Campos voltaria a se ás, insuspeitas simpatias filoamericanas –, ponde- entrevistar com o democrata e, desta feita, coube rou: “(...) não devemos ter receio de manter a nossa ao embaixador brasileiro, segundo seu relato, a au- aliança com os Estados Unidos, inclusive porque toria do gracejo: eles nunca nos trataram como tratam os países de — E o senhor, pessoalmente – perguntou-me Kenne- fala espanhola, começando pelo México” (LEITÃO dy – como se sente aqui em Washington, na ‘mosca; do tiro dos projéteis russos? Eu, pelo menos, tenho os sub- DA CUNHA, 2004, p. 178). terrâneos de Camp David... Se, de um lado, a distância (e, supostamente,

— Refugiar-me-ia na adega da embaixada – respondi- a grandeza) desencorajou uma atitude assumida- -lhe – pois acredito no provérbio francês: ‘Entre a ca- mente intervencionista da parte dos EUA em rela- lamidade e a catástrofe há sempre lugar para uma taça ção aos assuntos internos brasileiros, à moda que de champanhe’ se costumava praticar em outros países da região, 95 também parece verdade, de outro, que são esses os dívida externa, éramos caloteiros; na área farma- fatores que mantém o Brasil relativamente baixo cêutica, éramos piratas; no tema mulheres, éramos na hierarquia de prioridades norte-americanas na assassinos; no caso dos índios éramos genocidas; no América Latina e Caribe. É o que se depreende da das florestas, incendiários” (MARQUES MOREI- paráfrase que Leitão da Cunha atribui ao presiden- RA, 2001, p. 155). te Harry Truman: “Se o Brasil me der três ou quatro Moreira reproduz episódio ocorrido por oca- senadores, como os senadores dos estados ameri- sião da viagem do ex-presidente Fernando Collor canos vizinhos do México, eu posso fazer alguma de Mello aos Estados Unidos. Depois de cumprir coisa” (LEITÃO DA CUNHA, 2004, p. 178). agenda em Nova York, Collor dirigiu-se ao aeropor- Também ex-chanceler, Antônio Francisco Aze- to com Moreira para viajarem a Washington. “Esta- redo da Silveira sintetiza o movimento pendular de va lá também o cônsul-geral em Nova Iorque, que, encontros e afastamentos que pautaram as relações de brincadeira, disse: ‘Como é, Marcílio, vamos de históricas entre Brasil e Estados Unidos: “sempre avião? Você gosta mais de trem...’ O presidente ou- houve uma atração entre os dois países e, ao mesmo viu aquilo e ficou calado (...) uma hora e meia de tempo, um sentimento muito profundo de compe- atraso o presidente virou-se para mim e disse: ‘Em- tição”. Havia, de acordo com Silveirinha, o receio baixador’ – ele é muito formal –, ‘não é o senhor latente de o Brasil se tornar o “Japão da América que gosta de trem?’ Eu disse: ‘Sim, senhor’. ‘Então do Sul. E eles [Estados Unidos] dizem isso, às ve- vamos de trem’. E ele, naquele estilo polido, mas zes sem querer. Sai da boca deles” (AZEREDO DA decidido, virou-se e saiu em passo rápido, para hor- SILVEIRA, 2010, p. 365-69). No cálculo estratégico ror do serviço secreto, que saiu correndo atrás, em do nosso embaixador em Washington entre 1979 disparada (...) No trajeto, o serviço secreto alugou e 1983, mais que o alinhamento ou a submissão, é um vagão de trem exclusivo. Ficaram horrorizados a redução das assimetrias e das posições relativas de nós irmos de trem” (MARQUES MOREIRA, dos dois países que aumenta o poder de barganha 2001, p. 226). brasileiro. “Quanto mais importante for o Brasil, Nas relações de profunda interdependência mais eles vão esperar” (AZEREDO DA SILVEIRA, entre os dois países, a demanda por apoio nem 2010, p. 359). sempre seguiu o caminho unidirecional de Bra- A transição da bipolaridade para o interregno sília a Washington. De fato, em reconhecimento de unipolaridade foi acompanhada pela busca bra- à contribuição positiva que a diplomacia brasilei- sileira de quitar as “hipotecas” herdadas do regime ra desempenha na estabilidade e paz do entorno militar e reabilitar sua imagem à comunidade in- sul-americano, os Estados Unidos recorreram, em ternacional. O embaixador Marques Moreira sa- momentos-chave, ao suporte político do Brasil na lienta que “só tinha um trunfo, a democratização, articulação de consensos regionais. No contexto que trazia uma nova legitimidade brasileira”. Os subsequente aos ataques terroristas de 11 de setem- desafios não eram, contudo, desprezíveis e associa- bro, Rubens Barbosa rememora o pedido da Casa vam-se à compreensão distorcida do País a partir Branca para que o presidente Fernando Henrique de estereótipos que “apresentavam o Brasil como Cardoso buscasse convencer Hugo Chávez a apoiar um país pária, e isso era um pouco recorrente: na a aplicação do Tratado Interamericano de Assis- MEMÓRIA DIPLOMÁTICA tência Recíproca (TIAR), em votação na Organiza- que os EUA ocupam na ordem internacional con- ção dos Estados Americanos (OEA). temporânea, o Brasil já não define seus rumos no Conversei ainda com o presidente Fernando Henrique cenário internacional vis-à-vis Washington. explicando a urgência e a importância de sua interfe- rência. ‘Ao contrário do que acham os americanos, não *** tenho essa influência sobre Chávez’, ironizou. Assim mesmo, se dispôs a falar com o presidente venezuela- Invertendo a infame frase atribuída a Juracy no. FHC me ligou em seguida, contando que a conver- Magalhães (embaixador na capital norte-america- sa com Chávez fora positiva e que este se dispusera a na entre 1964 e 1965) – “o que é bom para os Esta- pensar no assunto. Na manhã do dia seguinte, quando dos Unidos é bom para o Brasil” –, Rubens Ricupe- fui ao aeroporto buscar o ministro Celso Lafer para acompanha-lo à reunião da OEA, encontrei por acaso ro, outro de nossos embaixadores em Washington o embaixador da Venezuela, que também estava rece- (1991-1993), postula que: “tudo o que se fizer para bendo seu chanceler. Dele ouvi que o presidente Chá- reforçar e fortalecer o Brasil, estará sendo feito vez havia mudado de posição e não causaria nenhum para reforçar e fortalecer os interesses dos Esta- problema durante o encontro dos países americanos dos Unidos” (RICUPERO, 2010, p. 166). Destituí- (BARBOSA, 2011, p. 20-1). da dos germes do filoamericanismo exagerado de Magalhães, a assertiva do ex-secretário-geral da Em sua chegada a Washington, Rubens Barbosa UNCTAD ecoa o espírito de um tempo em que as notou que as autoridades norte-americanas confe- agendas externas dos dois países mais convergiam riam tratamento nitidamente diferenciado entre os do que divergiam no que se refere à manutenção embaixadores estrangeiros. Na leitura de Barbosa, de uma ordem internacional liberal, assentada no facilitava-se o acesso às instâncias do governo nor- multilateralismo e no primado das leis. te-americano aos diplomatas plenipotenciários de Como transpiram as reminiscências dos diplo- nações industrializadas ou de países considerados matas brasileiros com passagem por Washington, como problemáticos. Entretanto, “os representan- as relações históricas entre Brasil e Estados Unidos tes dos demais países [que não eram categorizados alternam ciclos de cooperação e confrontação, en- dentro dessas duas classificações], cerca de 180, cerrando complexidades e contradições próprias travavam acirrada disputa para se destacar e buscar de um diálogo entre dois grandes países, similares reconhecimento. O Brasil, sem maiores problemas e diferentes à sua moda, situados na mesma parte políticos com os Estados Unidos e não sendo uma do mundo. ameaça à segurança nacional americana, fazia par- Incorrendo em um exercício de futurologia oti- te desse último grupo”. (BARBOSA, 2010, p. 232). mista, é possível que as memórias dos nossos futu- A conclusão de Barbosa permite um aggionar- ros embaixadores em Washington escapem aos pa- mento da interpretação sobre o estado do relacio- radigmas tanto de Magalhães quanto de Ricupero, namento bilateral entre os dois maiores países do retratando o cotidiano diplomático de uma relação hemisfério ocidental. De um lado, Brasília não fi- construída com base na cooperação e na superação gura nem como aliado de primeira hora nem como das diferenças por meio de um diálogo “inter pa- “fonte de problemas” para Washington – e esta du- res” entre duas potências coabitantes em uma or- pla condição é provavelmente positiva para o Bra- dem internacional complexa, potencialmente tur- sil; de outro, sem jamais pretender negar o lugar bulenta e essencialmente multipolar. 97

BIBLIOGRAFIA

ALENCAR, José Almino de; SANTOS, Ana Maria Pessoa dos (Org.). Meu caro Rui, meu caro Nabuco. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1999. BARBOZA, Mario Gibson. Na diplomacia, o traço todo da vida. Rio de Janeiro: Record, c1992. BARBOSA, Rubens. O dissenso de Washington. São Paulo: Agir, 2011. CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. 4. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001. CORREA, Manoel Pio. O mundo em que vivi. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1995. COSTA, Sergio Corrêa da. Brasil, segredo de Estado: incursão descontraída pela história do país. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2001. CUNHA, Vasco Leitão da. Diplomacia em alto-mar: depoimento ao CPDOC. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas: Fundação Alexandre de Gusmão, 2003. FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO. Centro de História e Documentação Diplomática. Joaquim Nabuco, embaixador. Rio de Janeiro: Fundação Alexandre de Gusmão, Centro de História e Documentação Diplomática, 2011. GOUTHIER, Hugo. Presença. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. HILTON, Stanley E. Oswaldo Aranha: uma biografia. Rio de Janeiro: Objetiva, 1994. LAMPREIA, Luiz Felipe. O Brasil e os ventos do mundo: memórias de cinco décadas na cena internacional. Rio de Janeiro: Objetiva, c2009. LAMPREIA, Luiz Felipe. Luiz Felipe Lampreia: depoimento ao CPDOC. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2010. LIMA, Paulo Tarso Flecha de. Caminhos diplomáticos: 10 anos de agenda internacional. Rio de Janeiro, R. J.: Francisco Alves, c1997. MOREIRA, Marcílio Marques. Diplomacia, política e finanças: de JK a Collor 40 anos de história por um de seus protagonistas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. NABUCO, Carolina. A vida de Joaquim Nabuco. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1929. NABUCO, Mauricio. Reflexões e reminiscências. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. PEIXOTO, Amaral; CAMARGO, Aspásia. Artes da política: dialogo com Amaral Peixoto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, c1986. RICUPERO, Rubens. Diário de Bordo – A Viagem Presidencial de Tancredo. São Paulo: Imprensa Oficial, 2010. SILVEIRA, Antônio Francisco Azeredo da; SPEKTOR, Matias. Azeredo da Silveira: um depoimento. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2010. WIESE RANDIG, Rodrigo. Argentina, primer país en reconocer la independencia de Brasil. Archivos del Presente. Revista Latinoamericana de Temas Internacionales, 2017. MEMÓRIA DIPLOMÁTICA

Retrato do Barão do Rio Branco, de Carlo de Servi (óleo sobre tela, 81 x 60 cm, primeira década do século XX)

Diplomacia, soberania e estratégia: a atuação do Barão do Rio Branco na Questão do Acre (1902-1903)

Guilherme Fernando Rennó Kisteumacher 99

A QUESTÃO DO ACRE re- história da Primeira República, dentro do direito internacional, presentou um dos principais utilizou meios dissuasórios sig- de modo a atingir uma compo- desafios estratégicos da política nificativos: impôs um bloqueio sição de interesses que pudesse externa da Primeira República. comercial sobre o rio Amazonas durar no tempo e que não geras- A escalada de tensões após re- e seus afluentes e, posteriormen- se ressentimentos futuros. Em voltas dos brasileiros que habi- te, enviou tropas para a região. oposição à tendência de se atri- tavam parte da região do Acre, A estratégia seguida pelo buir certa belicosidade ao Barão reconhecida como boliviana pelo Brasil foi, em grande medida, ela- na condução da questão, deve-se Brasil e pela Bolívia desde 1867, borada e executada pelo Barão ressaltar que a estratégia por ele culminou em medidas drásticas do Rio Branco. O Chanceler bra- adotada foi a que, pragmatica- por parte de ambos os lados. A sileiro valeu-se do deslocamento mente, evitou maiores conflitos Bolívia, após ter suas tropas der- de tropas como forma de incen- e, provavelmente, uma guerra rotadas, arrendaria o território a tivar um acordo com a Bolívia, entre Brasil e Bolívia. Se o Barão um consórcio internacional e or- o que poderia ser descrito como não era completamente pacifista ganizaria expedição militar para “diplomacia coercitiva” ou mes- nos meios que julgou adequados esmagar os revoltosos. O Brasil, mo “coerção estratégica”, mas à solução da Questão do Acre, era em grande parte respondendo a seu objetivo fundamental era a realista quanto às condições pos- acontecimentos que não deseja- solução da complexa Questão síveis para se atingir um estado va naquele momento delicado da do Acre pelas vias diplomáticas, de paz duradoura na região.

Carta geographica do Territorio do Acre por Placido de Castro” (1907) MEMÓRIA DIPLOMÁTICA

A crise do Acre (1899-1903)

As preocupações brasileiras na região do Acre remontam ao período de definição das frontei- ras nacionais dos países da Amé- rica do Sul. Em 1867, com o intui- to de solucionar parcialmente as divergências fronteiriças, e ven- do-se na necessidade de contar com a boa disposição do governo boliviano em relação à Guerra da Tríplice Aliança, o Brasil con- cluiu com a Bolívia o Tratado de Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição (Tratado de Ayacucho ou Muñoz-Neto). No entanto, em janeiro de 1899, o incidente da canhonei- ra Wilmington daria início a

uma série de acontecimentos Horacio E. Williams, “O Acre e a fronteira entre o Brazil e Bolivia” (1905) que criariam clima de suspeita quanto às intenções bolivianas ções pareciam confirmadas em ao menos, fosse o ajuste modifica- sobre o Acre. A divulgação de 1901, com a assinatura do contra- do para não permitir ao Syndicate proposta de acordo entre a Bo- to Aramayo-Whiteridge entre a a manutenção de forças terrestres lívia e os Estados Unidos para a Bolívia e o consórcio internacio- e fluviais no Acre. O Ministro do manutenção da soberania boli- nal Bolivian Syndicate, no qual se Brasil na Bolívia, Eduardo Lis- viana sobre os rios Acre, Purus previa o arrendamento do ter- boa, chegara a sugerir, em troca, e Iaco e seus afluentes (conside- ritório de todo o Acre boliviano a possibilidade de se aprovar o rando, inclusive, a hipótese de ao consórcio, além de autorizar a Tratado de Amizade, Comércio e guerra com o Brasil) em troca de organização de serviço de polícia Navegação de 1896 (pendente no rendas alfandegárias bolivianas próprio do Syndicate na região. Congresso brasileiro) e a finaliza- marcou o início do que se pode Dessa forma, em 1902, tendo ção da demarcação das fronteiras denominar “a crise do Acre” Campos Salles como Presidente bilaterais. Sua impressão, no en- (1899-1903), período em que o da República e Olyntho de Maga- tanto, era de que a Bolívia realiza- governo brasileiro passou a se lhães como Ministro das Relações va procedimentos dilatórios para preocupar com a intervenção de Exteriores, o governo brasileiro que a tomada de posse da região potências estrangeiras na região, buscou negociar com a Bolívia a pelo Syndicate ocorresse durante com eventual beneplácito do go- rescisão do contrato. Não sendo as gestões diplomáticas, criando verno boliviano. Essas preocupa- possível rescindi-lo, pedia-se que, um fait accompli. 101

Como consequência, o Bra- rio Amazonas, evitando pres- capitulação boliviana em Puer- sil decidiu iniciar uma estratégia sões externas, particularmente to Alonso, o Barão estimava, em de retaliações. Em abril de 1902, das grandes potências da época. carta enviada a Rodrigues Alves, Campos Salles retirou do Con- Além disso, pressões para a reso- o número de tropas a serem en- gresso brasileiro o Tratado assi- lução da questão se avolumavam, viadas. Dessa forma, decidiu pôr nado em 1896, argumentando que especialmente após o início de em curso uma estratégia que o contrato de arrendamento te- nova revolta no Acre, liderada combinaria diplomacia, respeito ria alterado as condições em que por Plácido de Castro. Em 24 de ao direito internacional e des- fora negociado aquele Tratado, o janeiro de 1903, após a capitu- locamento de tropas. Logo após qual não poderia prever “mudan- lação das tropas bolivianas em assumir a Chancelaria, realizou ça tão radical na administração Puerto Alonso, Castro seria acla- gestões para barganhar o levan- do território do Acre”. Em julho, mado “Governador do Estado In- tamento do bloqueio do Amazo- o governo brasileiro decidiu au- dependente do Acre”. Dois dias nas em troca da autorização da mentar a pressão com medida depois, o Presidente boliviano, o Bolívia quanto ao envio de tro- drástica: decretou o bloqueio do General José Manuel Pando So- pas brasileiras à região do Acre rio Amazonas, uma “consequên- lares, iniciou preparativos para Setentrional, com o objetivo de cia natural” das dificuldades cria- o envio de força expedicionária, evitar a escalada das hostilidades das pelo governo boliviano com o por ele pessoalmente liderada e na região conflagrada. arrendamento do Acre e da reti- com a presença de seu Ministro A primeira ação de Rio Bran- rada do Tratado de 1896 do Con- da Guerra, para submeter os re- co nesse sentido seria a reinter- gresso (o que implicaria o fim do voltosos. Para Rio Branco, esses pretação dos limites fronteiriços consentimento brasileiro em re- desdobramentos somente pode- entre Brasil e Bolívia, confor- lação ao “estado provisório” de riam resultar em um dos seguin- me estabelecidos no Tratado de livre trânsito pelos afluentes do tes desfechos: ou significativo Ayacucho. A “verdadeira inteli- Amazonas). O protesto foi geral e débâcle boliviano, com a derrota gência” do Tratado de 1867 esta- imediato. Além da Bolívia, recla- de seu Presidente por revoltosos beleceria, para o Brasil, a demar- maram contra a medida França, de nacionalidade brasileira, ou cação das fronteiras bilaterais Alemanha, Reino Unido, Suíça e o massacre dos brasileiros pelas no paralelo 10º20” (dez graus Estados Unidos. tropas bolivianas. e vinte minutos), o que tinha o O propósito do Presidente efeito prático de tornar o terri- Entra o Barão (1902-1903) Pando de marchar ao Acre frus- tório do Acre litigioso entre duas trava as negociações desenvol- soberanias. Segundo o Barão, em Ao assumir o Ministério das vidas desde gestão Olyntho de nota enviada à Bolívia, a medida Relações Exteriores, em dezem- Magalhães, nas quais o objetivo era uma resposta a duas ações bro de 1902, já no governo de brasileiro consistia em utilizar do próprio governo boliviano: a Rodrigues Alves, o Barão do Rio o bloqueio do Amazonas como preparação da expedição militar Branco compreendeu a preca- moeda de troca. Para o Barão, chefiada pelo Presidente Pando e riedade da posição brasileira. faziam-se cada vez mais neces- a resistência em considerar que Desde 1866, o Império brasilei- sárias tropas no território. Mes- os termos do contrato de arren- ro permitia a livre navegação do mo antes de chegar a notícia da damento do Acre eram “incom- MEMÓRIA DIPLOMÁTICA patíveis com o continente ame- ricano”. Com a reinterpretação, o Brasil não somente justificava a ocupação militar preventiva da região, agora legalmente em dis- puta, mas também adquiria legi- timidade internacional para ne- gociar sobre a Questão do Acre simultaneamente com a Bolívia e com o Syndicate. Estava oficial- mente iniciada a estratégia do Barão.

Na mesa de negociações (1903)

Em fevereiro de 1903, tive- ram início, em La Paz, negocia- ções diplomáticas sobre o terri- tório acreano, agora em disputa. Para Rio Branco, o principal ob- jetivo do Brasil nessas negocia- ções seria obter o consentimento do governo da Bolívia quanto à ocupação provisória do territó- rio por tropas brasileiras em tro- ca do levantamento do bloqueio do Amazonas. No entanto, como Rio Branco esclareceu ao Minis- tro Plenipotenciário em La Paz, Eduardo Lisboa, o envio de tro- Apre! Quantos pedidos para o Acre!” (O Malho, ano III, nº 83, 1904) pas seria uma ação necessária para evitar a escalada de hostili- de Rio Branco a Lisboa o governo da região eventualmente ocupa- dades iniciada pelo próprio Ge- boliviano informou que aceitava da pelas tropas. Aceitos os ter- neral Pando. o envio de tropas brasileiras ao mos, em 20 de fevereiro o Brasil As tratativas evoluíram rapi- território em disputa, contan- restabelece o livre trânsito pelo damente. Interessado no levan- to que, “como prova de amizade Amazonas, mantendo, porém, a tamento imediato do bloqueio para com este paiz”, o Brasil le- vedação ao comércio de material brasileiro ao Amazonas, apenas vantasse o bloqueio e concedesse bélico à Bolívia pelo rio e seus seis dias depois das instruções participação à Bolívia nas rendas afluentes. 103

Ainda naquele mês, ao mes- Mesmo com esses sucessos da estratégia do Barão: o envio mo tempo em que se preparava iniciais, Rio Branco, coerente de tropas. Naquele ano, o Brasil o envio de tropas ao Acre, Rio com os objetivos fundamen- enviaria duas brigadas à região Branco seria bem-sucedido em tais de sua estratégia, manteve do Acre (uma ao Norte e outra afastar definitivamente o Syndi- posição de resistência a novas ao Sul), reforçaria militarmente cate da questão. Em sua perspec- demandas da Bolívia. Provavel- as fronteiras entre o Mato Gros- tiva, o consórcio representava a mente incentivado pela nego- so e a Bolívia, enviaria batalhões “primeira tentativa de introdução ciação que lhe conseguira a re- de infantaria a Manaus e ordena- no nosso continente do sistema tomada do comércio fluvial no ria a divisão naval do Norte em africano e asiático das Charte- Amazonas, o governo boliviano direção à Puerto Alonso (antes red Companies”. Para conseguir julgou o momento como adequa- de receberem a notícia de que seu afastamento, ele abandonou do para solicitar a intervenção os revoltosos brasileiros já a ha- o posicionamento brasileiro de do governo brasileiro no sentido viam tomado). Adicionalmente, que modificações do contrato de desarmar as forças de Plácido deslocamentos de infantarias de arrendamento seriam sufi- de Castro. Em 25 de fevereiro, o seguiram plano de concentração cientes para “conjurar os perigos, chanceler boliviano solicita ao de forças em partes vulneráveis próximos ou remotos” gerados Brasil que seja suspensa a mar- da fronteira Brasil-Bolívia. Ao por aquela situação. A tentativa cha que Castro realizava em di- sul do paralelo 10º20”, as ordens de alteração do contrato, ainda reção ao rio Beni. A negativa de eram específicas: Plácido de perseguida na gestão Olyntho Rio Branco viria no dia seguinte, Castro deveria continuar a exer- de Magalhães, dava lugar agora não sem mencionar uma realida- cer sua autoridade de fato, e os às diligências “oportunas” das de daquele episódio na remota acreanos deveriam continuar em Legações brasileiras em Washin- região: “Não temos ainda acção armas, mas na defensiva. gton, Londres e Berlim, com sobre Placido de Castro. Elle vae vistas a frustrar as tentativas do fazendo o que entende”. Rio Bran- A diplomacia coercitiva Syndicate de atrair participantes co não poderia adotar conduta (ou coerção estratégica) do em sua empreitada no Acre. As diversa. Antes de chegarem as Barão pressões diplomáticas apenas tropas brasileiras ao Acre e ainda reforçariam cenário em que a re- não tendo sido suspensa a mar- A estratégia do Barão do volução de Plácido de Castro e o cha do General Pando, o momen- Rio Branco orientou-se pelos bloqueio do Amazonas já haviam to não era de concessões. O risco imperativos de evitar a eclosão dificultado a própria execução de conflito e de escalada em uma de uma guerra e buscar solução do contrato Aramayo-Whiterid- situação na qual seria impossível negociada à Questão do Acre. ge. Dessa forma, em 26 de feve- retroceder continuava bastante No entanto, o objetivo eminen- reiro, em Nova York, o Syndica- presente. temente pacífico não significou te assinaria atos de renúncia do Seria por essa razão que, ao que, estalada a crise, com poten- contrato de arrendamento com a mesmo tempo em que Rio Bran- cial de atrair Brasil e Bolívia para Bolívia, obtendo indenização de co recusava o desarmamento um confronto militar, Rio Branco 110.000 libras esterlinas, pagas dos acreanos, o governo brasi- não se valesse de todos os meios pelo Brasil. leiro iniciaria a segunda etapa estratégicos disponíveis para MEMÓRIA DIPLOMÁTICA desarmar os ânimos de todos os tratégia do Barão, portanto, po- posição de escolher o menor dos lados. Sem deixar de clamar por deria ser melhor compreendida males possíveis na situação mi- uma solução diplomática, cons- como forma de “diplomacia coer- litar configurada no Acre. Como tantemente relembrada pelo citiva” (ou “coerção estratégica” fazia questão de relembrar a seus Chanceler brasileiro em suas co- com ameaças implícitas), visto interlocutores, a posição boli- municações com o governo boli- que, mesmo sem o uso da força viana na região era precária de- viano, Rio Branco não descuidou ou ameaças diretas pelo Brasil, vido a fatores geopolíticos (“O das condições realistas para Rio Branco aumentou considera- Acre está muito longe dos cen- atingir esse fim. Como afirmou velmente os prováveis custos da tros povoados da Bolivia. Não é, Moniz Bandeira, “Rio Branco opção do governo boliviano de portanto, para admirar que ella não desejava a guerra, mas sabia atacar os revoltosos brasileiros não possa ali manter a sua au- que para a evitar necessário seria no Acre. Nesse contexto, o con- toridade sem grandes e estereis preparar-se para fazê-la”. Ou, ceito de “diplomacia coercitiva”, sacrifícios”), econômicos (“Não conforme o Embaixador Rubens proposto por Alexander George convem à Bolivia conservar esse Ricupero, em A Diplomacia na em Forceful Persuasion: Coerci- territorio longínquo, habitado Construção do Brasil, “A prefe- ve Diplomacy as an Alternative unicamente por estrangeiros que rência que manifestava pela ne- to War, aplica-se melhor, pois lhe são infensos. A pequena renda gociação e o acordo direto já suge- se trata de estratégia defensiva, que delle poderia retirar não co- ria a confiança que depositava em cujo objetivo é fazer um adversá- briria as despezas de occupação sua political craftsmanship, isto é, rio sobrestar ação por ele inicia- militar”) e históricos (“Os Boli- na habilidade de recorrer a todos da (no caso, o deslocamento das vianos combateram pela sua in- os meios legítimos de poder para tropas do General Pando). O con- dependencia contra a Hespanha: impor ao adversário soluções con- ceito de “coerção estratégica”, devem por isso comprehender que sentâneas com os interesses brasi- conforme definido por Lawrence uma população que não é da sua leiros” (p.299). Freedman em Strategic Coercion, nacionalidade repugne tambem a O trunfo fundamental da possui aspectos semelhantes, dominação estrangeira”). atuação de Rio Branco na Ques- mas envolve a ameaça explícita Alterado o cenário estraté- tão do Acre seria a presença do uso da força, à qual o Barão gico, Rio Branco poderia utilizar de tropas brasileiras na região, não recorreu em nenhum mo- táticas e recursos de poder de- criando, em termos contemporâ- mento. O que Rio Branco efeti- correntes da legítima presença neos, uma “buffer zone” entre as vamente fazia, em 1903, era au- das tropas brasileiras no Acre. forças bolivianas e as de Plácido mentar os custos estratégicos da Um primeiro exemplo ocorreria de Castro. A intenção de utilizar Bolívia caso decidisse adotar a na negociação do modus vivendi esse recurso de poder fez parte atitude de confrontação militar entre Brasil e Bolívia, em março de sua estratégia desde quando que pretendera desde o início da de 1903. Ao se referir à divergên- assumiu a Chancelaria e deci- expedição militar liderada por cia quanto à proposta brasileira diu barganhar o levantamento seu Presidente. para artigo sobre a localização do bloqueio do Amazonas pela Ao implementar uma diplo- das posições militares brasileiras autorização boliviana quanto ao macia coercitiva, Rio Branco na região, Rio Branco informou envio das tropas brasileiras. A es- colocou o governo boliviano na que, caso a Bolívia não pudesse 105 concordar com a redação sugerida pelo Brasil, ela poderia ser substituída por outra, que determinaria que “as forças de Plácido Castro guarnecerão as posi- ções que nesse artigo eram destinados às forças brasileiras”. Revela-se aí tática de pressão considerável: tendo as tropas brasileiras fortificado suas posições mili- tares às margens do rio Acre, a alternati- va indicada pelo Brasil representaria, se não um avanço territorial dos acreanos brasileiros, ao menos uma fortificação de suas defesas, visto que dificilmente o Exército brasileiro deixaria seus com- patriotas sem munição ou recursos para continuar a defesa do território litigioso. A conclusão do modus vivendi, em 21 de março de 1903, consolidaria três grandes objetivos estratégicos da diplo- macia coercitiva de Rio Branco: a) ga- rantia o status quo no Acre, fixando, em instrumento vinculante, as posições que deveriam ser estacionadas as tropas bra- sileiras e as tropas bolivianas no territó- rio em disputa; b) legitimava a presença das tropas brasileiras na região, segundo os limites estabelecidos bilateralmente; e c) concedia oportunidade para uma negociação diplomática mais ampla, com vistas a uma solução sustentável e de longo prazo para a Questão do Acre. O modus vivendi permitiu, ainda, atin- gir objetivo imediato importante: evitar ataque das forças de Plácido de Castro às tropas bolivianas estacionadas às mar- gens do rio Orton, em Puerto Rico, uma vez que o líder dos revoltosos desistiria daquela campanha militar após receber a notícia da conclusão do acordo entre Brasil e Bolívia. O futuro vencedor do Acre” (O Malho, ano I, nº 12, 1902) MEMÓRIA DIPLOMÁTICA

De toda forma, deve ser en- senta significativas nuances. Ministro da Guerra daquele país fatizado, o efeito da estratégia Por um lado, é indiscutível no comando das forças enviadas coercitiva do Barão na configura- que a estratégia colocada em prá- para subjugar os revoltosos no ção das opções do governo boli- tica pelo Barão foi eficiente em Acre. A ampliação territorial bra- viano. A Bolívia também buscava atingir seus principais objetivos sileira, ou mesmo eventual capi- uma saída honrosa ao impasse, e estratégicos, especialmente por tulação do governo boliviano, es- a solução negociada com o Bra- obter solução pacífica e nego- tiveram próximos do alcance do sil parecia ser a melhor (se não ciada para a Questão do Acre. É poder brasileiro, mas seu governo a única) alternativa disponível. bastante questionável a hipótese preferiu não o utilizar em toda Dessa forma, a implementação do de que, sem a presença de tro- sua extensão, buscando preservar modus vivendi de março de 1903 pas brasileiras estacionadas na objetivos de longo prazo. foi elogiada pelas autoridades bo- região, o governo boliviano teria Mesmo quando demandada livianas, inclusive pelo próprio aceitado uma indenização e afas- pela imprensa brasileira da épo- Presidente Pando, e sua execução tado o Bolivian Syndicate. Tam- ca, Rio Branco continuou a recha- ocorreu sem sobressaltos, o que bém não parece provável que a çar o uso deliberado da força para acabaria contribuindo para uma Bolívia aceitaria uma permuta resolver a questão, afirmando que solução duradoura da Questão do de territórios com o Brasil, con- essa opção seria, além de desres- Acre. Em 17 de novembro de 1903, forme seria acordado no Tratado peitosa ao direito internacional e na cidade de Petrópolis, a estraté- de Petrópolis, caso Rio Branco à Constituição brasileira de 1891, gia de diplomacia coercitiva do não tivesse adotado a estratégia fonte de acusações de imperia- Barão do Rio Branco renderia seu de tornar a opção boliviana pelo lismo pelo Brasil e de antagonis- sucesso final. embate direto com os brasileiros mos futuros com a Bolívia. Ao no Acre ainda mais onerosa. Am- comunicar ao Ministro brasileiro Conclusão: o uso moderado bas as alternativas, inclusive, já em La Paz sobre o envio de tro- do poder haviam sido oferecidas à Bolívia pas, esclareceu que o objetivo da por intermédio de Eduardo expedição brasileira era “de que A atuação do Brasil na Ques- Lisboa em La Paz, antes mesmo estejamos preparados para o que tão do Acre encontra críticos ain- de o Barão assumir as Relações for necessário”, mas que não de- da hoje. Argumenta-se, em posi- Exteriores. sejava a eclosão de hostilidades: ções extremadas, que o governo Por outro lado, Rio Branco “Considero uma grande desgraça brasileiro ou foi excessivamente não abriu mão dos recursos de para mim que haja conflito, pois belicoso, anexando parte do ter- força de que dispunha o Brasil fui sempre homem de paz!”. ritório que já reconhecera como naquele contexto, apesar de utili- Além disso, Rio Branco não boliviano, ou excessivamente zá-los de forma moderada. Dada procurou auxiliar as forças de pacífico, atuando com despren- a concentração de forças brasi- Plácido de Castro em espoliar dimento de seus interesses em leiras na região, caso fosse seu território da Bolívia, como se território de ocupação brasileira, objetivo, o governo brasileiro à acusou à época. Ao que tudo in- no qual a administração local bo- época poderia ocasionar derrota dica, as instruções preliminares liviana não conseguira se estabe- militar significativa ao v go erno sobre a conduta a ser adotada lecer. Como se pretendeu sugerir, boliviano, especialmente devi- pelas tropas brasileiras no Acre, a atuação brasileira no Acre apre- do à presença do Presidente e do sob o comando do General Olym- 107 pio da Silveira, foram redigidas tolerância que o Governo Federal que obedecem a esse Governador pelo próprio Barão. E eram cla- espera obter da Bolívia durante aclamado e as tropas bolivianas”. ras: a ocupação “deve terminar as negociações em curso para um Posteriormente, Olympio da Sil- logo que tiver solução definitiva a acordo definitivo sobre osv no os veira, ultrapassando as instruções nossa questão com a Bolívia. (...) limites entre as duas Repúblicas; de Rio Branco, destituiria Plácido A autoridade desse Governador (...) O Comandante [Silveira] usa- de Castro de sua autoridade de aclamado [Castro] só se exercerá rá de toda a sua influência para fato e dissolveria suas forças (epi- ao sul do paralelo 10º20”, com a evitar conflitos entre os acreanos sódio conhecido como o “golpe de Boa Fé”), causando fortes re- preensões pelo governo do Brasil e sua destituição do comando das tropas brasileiras. A atuação do Barão do Rio Branco na Questão do Acre foi, portanto, caracterizada pela im- plementação de uma estratégia defensiva e de acordo com o di- reito internacional, na qual pre- dominaram o uso estratégico dos recursos de força do Brasil e a moderação do uso do poder bra- sileiro. Frente a tantos obstáculos jurídicos, políticos e estratégicos que se apresentaram no Acre, a “diplomacia coercitiva” do Barão parece ter sido a melhor das op- ções para se obter um desfecho pacífico e sustentável à questão. Se as disputas em torno de situa- ção fronteiriça tão delicada não escalaram para uma guerra entre Bolívia e Brasil naquela conjuntu- ra histórica, há que se reconhecer a importância de uma estratégia cuidadosamente elaborada, exe- cutada de maneira coerente e in- cremental, combinando direito, defesa da soberania e força, para a conclusão bem-sucedida de uma das maiores crises diplomáticas enfrentadas pelo Brasil. “O Acre” (O Malho, ano II, nº 62, 1903) MEMÓRIA DIPLOMÁTICA Relações Brasil-URSS, Primeiro Ato: A Chancelaria Brasileira Frente à Dupla Revolução de 1917

Marcelo Laraburu

Perfil político da Primeira República leva ao rápido reconhecimento do governo provisório surgido da revolução de fevereiro, acompanhado da recusa em estabelecer relações com o governo bolchevique constituído meses depois

Não é nenhum exagero afir- pela revolução: a instabilidade De modo análogo, também o mar que a Revolução Russa se do sistema internacional depois Brasil foi profundamente afeta- constitui como acontecimento da Primeira Guerra Mundial, a do: o governo Vargas enfrentou o de importância seminal para o ascensão de regimes totalitários desafio do comunismo, expresso curso da história no século XX. na Itália e na Alemanha, o início internamente, sobretudo, com Praticamente todos os grandes da Segunda Guerra Mundial e, a participação da Internacional eventos mundiais foram influen- sobretudo, a eclosão Guerra Fria, Comunista nos levantes de 1935, ciados direta ou indiretamente em 1947. que serviria como uma das jus- 109 tificativas para a instauração do mas reformas como a criação da maneira melancólica e abrupta, Estado Novo (1937-1945). Ade- Duma – a Assembleia Legislativa uma das monarquias mais anti- mais, parcela expressiva de nos- Russa. O czar, entretanto, não se gas da Europa, fundada em 1617 sa política externa no período mostrava inclinado a prosseguir e, desde então, um dos principais orientou-se pela ideia de antico- com reformas liberalizantes: a atores do sistema internacional. munismo e pela necessidade de Duma foi fechada algumas vezes Na ocasião desses fatos mo- segurança continental frente às e a polícia secreta continuava a mentosos, encontrava-se a frente fronteiras ideológicas de então. perseguir revolucionários, que da legação brasileira o diplomata O estudo do primeiro ato se encontravam majoritariamen- baiano Gustavo de Vianna Kels- desse movimento permite uma te entre os intelectuais, os estu- ch, que fora removido da Grã- melhor compreensão não só do dantes e os operários, dispersos -Bretanha para a Rússia em 16 de desenvolvimento das relações por vários grupos, sendo os mais fevereiro de 1916. Na época se- diplomáticas entre o Brasil e a importantes os bolcheviques gundo-secretário, desempenha- União das Repúblicas Socialistas (“maximalistas”, na documen- va a função de encarregado de Soviéticas (URSS), mas também tação brasileira da época) e os negócios ad interim, pois o Mi- da política externa brasileira du- mencheviques, “minimalistas”). nistro Augusto Brienne Carneiro rante a Primeira República. Nesse contexto de crescen- do Nascimento Feitosa, enviado te instabilidade política e social, extraordinário e plenipotenciá- A REVOLUÇÃO DE eclode a Primeira Guerra Mun- rio do Brasil em São Petersburgo, dial, que foi a gota d’água para a entrara de licença por cinco me- FEVEREIRO DE 1917 derrubada do Czar. Os sucessivos ses no dia 31 de janeiro de 1917. fracassos da Rússia na Grande Com a eclosão do movimen- A Rússia, no início do Século Guerra angariaram a antipatia de to, Gustavo Vianna-Kelsch envia XX, constituía-se cada vez mais grande parte da sociedade russa o seguinte telegrama à Secretaria em um corpo estranho no seio contra o czar, incluindo parte da de Estado: “Acontecimentos mui- do sistema europeu. O extremo aristocracia, do exército e dos to movimentados tiveram lugar conservadorismo da monarquia parlamentares liberais da Duma. últimos dias ponto Segundo co- Romanov destoava até mesmo Em 23 de fevereiro de 1917, municação telefônica do prefeito dos padrões pouco democráticos inicia-se a primeira revolução de Petrogrado Sua Majestade o das monarquias europeias. Até daquele ano, com greves em fá- imperador abdicou por si e pelo 1905, o czar Nicolau II governava bricas de armamentos e revoltas herdeiro favor seu irmão grão- um Estado autocrático, que pou- populares contra a carestia do -duque Miguel que por sua vez co se diferenciava dos Estados pão. As ordens de repressão ao não aceitou trono deixando à na- absolutistas de antanho. É nes- movimento são, progressivamen- ção faculdade decidir e escolher se ano, contudo, que agitações te, ignoradas pelas tropas. No dia por sufrágio universal governo sociais e políticas, na esteira da 2 de março, em meio a pressão deverá ser constituído ponto Po- derrota russa na guerra contra o de seus generais e das principais der executivo atual formado por Japão (1904-1905), conseguirão, lideranças da Duma, o czar abdi- um comitê de quinze membros da por meio de instrumentos como ca em favor do Grão-Duque Mi- Duma e um ministério também greve geral e uma abortada ten- guel, seu irmão, que também não de membros da Duma ponto Rogo tativa revolucionária, obter algu- aceita o trono. Terminava, dessa ordenar delegação Londres tele- MEMÓRIA DIPLOMÁTICA grafar urgente soma Vossa Exce- neiro, 9 de abril de 1917. ass. Wen- Ademais, a recomendação lência julgará necessária despesas ceslau Braz O. Gomes ref. Lauro e o exemplo das grandes potên- para estar ao corrente dos aconte- Muller” (transcrição de Moniz cias, especialmente de Washin- cimentos.” Bandeira, em O ano vermelho: a gton, também pesou na decisão Após três dias, o Chanceler revolução russa e seus reflexos no de Lauro Müller. O Departamen- Lauro Müller comenta o telegra- Brasil). to de Estado norte-americano ma e dá ordens para sua respos- O rápido reconhecimento do contatou o governo brasileiro à ta, enfatizando o problema das Governo Provisório demonstra época, no sentido de encorajar verbas e da inutilidade do envio a simpatia brasileira pela queda o reconhecimento do Governo de informações obtidas nos ser- da monarquia russa, vista como Provisório, a fim de reforçar o viços das agências de notícia, um bárbara e atrasada por parte ex- prestígio da “revolução demo- problema aparentemente pere- pressiva dos republicanos brasi- crática” em um contexto de for- ne das chancelarias: “Parece-me leiros. Além disso, pesava o fato tes perturbações internas. Mais não haver necessidade de se pôr de que o governo do moderado uma vez, Lauro Müller “marcha- quantia alguma à disposição de Kerensky indicava que permane- va de acordo” com Washington, G. Kelsch, por que os telegramas ceria engajado na batalha contra para utilizar-se da expressão ou Western pagará ou serão pa- os impérios centrais, em um mo- empregada pelo próprio chance- gos posteriormente. Não há verba mento no qual o Brasil se incli- ler em famosa instrução enviada para esse fim”. nava a romper sua neutralidade anos antes ao Embaixador do Poucas semanas depois, o e aderir aos aliados da Tríplice Brasil em Washington, Domício Brasil decide reconhecer o Go- Entente. da Gama. verno Provisório. “Wenceslau Braz Pereira Gomes, presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. A Sua Excelência o se- nhor presidente da Rússia: Gran- de e bom amigo. Tenho muito prazer em reconhecer o governo provisório da Rússia, asseguran- do a Vossa Excelência que terei o maior empenho em contribuir quanto a mim couber para man- ter as mais cordiais relações de amizade com esse governo e o povo russo. Aproveito com sa- tisfação esta oportunidade para apresentar a Vossa Excelência a expressão dos sinceros votos que faço pela felicidade pessoal e pela prosperidade da nação russa. Pa- O próprio Relatório do Ministério das Relações Exteriores referente ao período 1916-1917 não escondia o lácio da Presidência no Rio de Ja- principal motivo do reconhecimento do governo provisório 111

Apesar do reconhecimento, visório, o segundo-secretário ropeu. Dessa forma, o centro da o governo provisório não era ca- Gustavo de Vianna Kelsch con- correspondência entre o Brasil paz de assegurar um mínimo de tinuou à frente da legação brasi- e a Europa, de março a outubro estabilidade política e social. Um leira. Durante esse meio tempo, de 1917, será o problema da guer- mês depois, em 20 de maio, o en- Nilo Peçanha assume o Minis- ra com a Alemanha. O presiden- carregado de negócios enviava tério das Relações Exteriores no te Venceslau Brás tem como fito telegrama ao Rio de Janeiro, rela- dia 07 de maio de 1917, em parte mostrar aos aliados, grupo no tando a situação, juntamente com pela decisão de Lauro Müller de qual o governo de Kerensky se recortes de jornais e proclamação apenas romper as relações diplo- inclui, que o Brasil se esforçava do Governo Kerensky, a qual irá máticas com a Alemanha, e não para vencer resistências inter- gerar uma grande revolta popular declarar guerra a ela, como dese- nas, e, dessa maneira, romper a na Rússia e será um dos fatores java parte crescente da opinião neutralidade e tomar parte mi- de sua queda: “Senhor ministro, pública nacional, da imprensa e litarmente na campanha contra tenho a honra de passar às mãos da elite política. a Alemanha. No dia 8 de junho de V. Excia, no incluso anexo, a Nesse contexto de crescente de 1917, o secretário Kelsch co- proclamação do Govêrno Provi- mobilização popular em favor do munica o Governo da tramitação sório Russo, datada de 9 de abril, rompimento da neutralidade, de da lei brasileira que revogaria a que deu lugar aos recentes distúr- torpedeamento de navios bra- neutralidade do país. O Chance- bios em Petrogrado, e bem assim sileiros pelos submarinos ger- ler russo, Michel Terechtenko, outros documentos e declarações mânicos e de confisco de navios elogia a decisão. Em 12 de julho, do Poder competente e homens desse país, era natural que o foco Kelsch transmite o resultado fa- responsáveis, que fornecerão a V. de nossa política externa para o vorável da votação no Congresso Excia os elementos necessários continente europeu fosse o de- e o chanceler, mais uma vez, elo- para formar um juízo mais ou me- senrolar do conflito no front eu- gia a decisão do país. nos exato das condições atuais da Rússia. Sei quanto a atenção de V. Excia, deve estar ocupada por as- suntos que nos tocam mais de per- to, mas na certeza de que um re- sumo não faria dispensar a leitura desses documentos e declarações na íntegra por isso abstenho-me de o fazer. Prevaleço-me do ense- jo para reiterar a V. Excia, senhor Ministro, os protestos de minha respeitosa consideração. ass. G. de Vianna Kelsch.” (Arquivo His- tórico do Itamaraty, Petrogrado para MRE, 1917).

Nos aproximadamente 8 me- Manifestação popular contra o governo Kerensky, 1 de julho de 1917. Autor ses de duração do Governo Pro- desconhecido. Museu de Arte Multimídia, Moscou MEMÓRIA DIPLOMÁTICA

A REVOLUÇÃO DE arquivo do Itamaraty é particu- estar ocupando o cargo de en- OUTUBRO E A LEGAÇÃO larmente frustrante: os últimos carregado de negócios de forma telegramas datam do primeiro interina, em escrever telegramas BRASILEIRA EM semestre de 1918; por conseguin- com opiniões, análises e suges- PETROGADO: RAZÕES te, seria lícito supor que haja tões de orientações. DO SILÊNCIO informes sobre a Revolução de Em terceiro lugar, há o obs- Outubro relatando os aconteci- táculo das próprias dificuldades O governo provisório de Ale- mentos sob a ótica do represen- técnicas da época: o represen- xandre Kerensky, um socialista tante brasileiro. Infelizmente, tante brasileiro pode ter-se sen- moderado, não foi capaz de se esse não é o caso. tido impelido a não retransmitir manter no poder por uma série Pode-se conjecturar algumas informações que, invariavelmen- de razões: a decisão extrema- razões sobre essa inexistência te, chegariam com muito tempo mente impopular de continuar documental. Em primeiro lugar, de atraso e já seriam de amplo o engajamento russo na Gran- conforme já mencionado, houve conhecimento nacional por meio de Guerra; a ofensiva de junho, um pedido da própria Chancela- da imprensa. manobra militar fracassada de ria brasileira, motivado possivel- E, em último lugar, há um responsabilidade direta de Ke- mente pela carência de recursos dado mais singelo e mais im- rensky; o conflito de atribuições do Itamaraty na época, para que portante: os trabalhadores das com o soviete de Petrogrado, cria- a legação não incorresse em des- estações telegráficas na Rússia do antes mesmo da abdicação de pesas telegráficas (convém não entraram em greve e, pouco tem- Nicolau II; as diversas promessas ignorar que os custos de expe- po depois, essas estações foram políticas não cumpridas em meio dição telegráfica eram de mon- tomadas por forças bolchevistas. ao caos econômico e social; entre ta considerável mesmo para os Desse modo, mesmo que os três outros. Em meio a esses aconteci- países desenvolvidos), principal- fatores anteriores não existis- mentos, tem-se a volta de Lênin mente com conteúdo que tivesse sem, as comunicações enfren- do exílio, enviado pelos alemães sido retransmitido por agências tariam empecilhos formidáveis, com interesse em aumentar os já de notícias. como se comprova pelas dificul- graves distúrbios políticos e so- Em segundo lugar, como dades enfrentadas pelas chance- ciais na Rússia, que se encontrava também já se reiterou, o Minis- larias de países desenvolvidos, em guerra com a Alemanha. As tro Augusto Feitosa, enviado como os Estados Unidos e o Rei- mensagens dos bolcheviques de extraordinário e plenipotenciá- no Unido. Por conseguinte, pode- paz e terra para os camponeses rio, encontrava-se de férias. É -se afirmar que não foi por falta e autodeterminação para os di- possível que o secretário Gusta- de sensibilidade e de intuição da ferentes povos do Império Russo vo Kelsch não tivesse o mesmo história que a legação em Petro- eram tentadoras demais para não trânsito do Ministro Feitosa em grado não produziu expedientes serem ouvidas. Assim foi, e no dia Petrogrado, e assim não pudesse a respeito do outubro vermelho 25 de outubro de 1917, os bolche- obter mais informações do que – como uma leitura mais apres- viques tomam o poder. aquelas já retransmitidas pelas sada talvez indicasse -, mas por A importância das fontes agências de notícias. Ademais, o motivos muito mais triviais. primárias para qualquer inves- segundo-secretário Kelsch tal- Desse modo, no dia 3 de no- tigação historiográfica é inegá- vez tenha se sentido constran- vembro de 1917, o novo Ministro vel. Nesse aspecto específico, o gido, por ser novo na carreira e das Relações Exteriores, Nilo 113

Peçanha, comunica a Chancela- porque o Brasil continuou a re- agosto de 1917, o chanceler Nilo ria da Rússia que o país decla- conhecer, como representante da Peçanha designa Luiz Guimarães rou guerra aos impérios centrais. Rússia, o diplomata Alexandre Filho para o posto em Petrogra- Não houve resposta, e quatro Scherbatskoy, enviado extraordi- do. No dia 31 de agosto, o governo dias depois os bolcheviques to- nário e ministro plenipotenciário russo comunica ao representante mariam o poder (ainda em outu- do governo Kerensky. Como os brasileiro, Vianna Kelsch, a titre bro, segundo o calendário julia- comunistas já tinham tomado o privé, que não poderia aceitar a no). Os contatos entre Secretaria poder, o representante diplomáti- nomeação de Guimarães Filho. de Estado e legação em Petrogra- co russo solicitava constantemen- Kelsch comunica, em telegrama do só voltaram a ocorrer no dia te fundos ao governo brasileiro datado de 3 de setembro de 1917, 9 de fevereiro de 1918, quando, para se manter no país, os quais que desconhecia as razões para na derradeira correspondência eram concedidos pelo governo de a recusa. Algum tempo depois, o com a legação, comunica-se ao Nilo Peçanha, com a justificativa encarregado da legação brasilei- encarregado de negócios Gusta- de que havia esperanças que os ra envia telegrama cifrado, no dia vo Vianna Kelsch sua promoção bolcheviques fossem derrotados. 26 de fevereiro de 1918: Michel a primeiro-secretário, publicada Em segundo lugar, por que o pró- Terechtenko recusa a concessão em 31 de janeiro de 1918. prio Itamaraty ainda mantinha do agrément por considerar Luiz Embora inexistam outros ex- relações com o antigo Chance- Guimarães Filho “germanófilo”. pedientes telegráficos que -per ler de Kerensky, Michel Terech- Cabe notar que todas essas nego- mitam ter uma visão mais apro- tenko, um sinal de que o Minis- ciações ocorriam em um momen- fundada e de conjunto de como a tério não apostava suas fichas na to no qual o governo de Kerensky, chancelaria brasileira enxergava sobrevivência do governo de Le- na prática, não mais existia. o nascimento do governo bol- nin. Como prova disso, pode-se Desse modo, se o regime po- chevique, é natural supor que o consultar na documentação do lítico vigente durante a Primeira encarregado de negócios acredi- Arquivo Histórico do Itamaraty República favoreceu o rápido re- tava na volta do governo provisó- a troca de mensagens entre a le- conhecimento do governo pro- rio de Kerensky e na derrota dos gação, a chancelaria brasileira e visório, após a queda dos Roma- bolcheviques. Em primeiro lugar, a chancelaria russa. No dia 8 de nov, o mesmo não se aplicava ao governo bolchevique surgido da revolução de Lenin. A despeito da quase inexistente documentação primária produzida pela legação em Petrogrado – sobretudo por restrições orçamentárias e falta de pessoal –, é seguro afirmar que predominou no governo brasilei- ro, como em muitos outros países à época, a expectativa – e espe- rança – de que os bolcheviques acabariam sendo derrotados e o Outubro Vermelho, revertido.

Moscou após a Revolução de Outubro. Autor desconhecido. Museu de Arte Multimídia, Moscou RESENHAS

Foto: Acervo Pessoal de Isadora Loreto. 115

“Eu cruzaria a cidade em bicicleta só para te ver dançar”: resenha de “Jóquei”, de Matilde Campilho, Editora 34, 2015.

Isadora Loreto da Silveira

O primeiro livro de Matil- mescla usos e vocábulos dos de Campilho, poeta portuguesa dois países. Tem “chávena” e com sotaque carioca, foi sauda- tem “pirilampo”, mas tem tam- da pelo crítico português Gus- bém “metrô” e “cara”. Tem infi- tavo Rubim como “um vento de nitivos e gerúndios convivendo pura selvageria” e mesmo um lado a lado. “acontecimento precioso em lín- Como disse o filólogo brasi- gua portuguesa”. O poeta brasi- leiro Claudio Cezar Henriques, leiro Chacal, por sua vez, des- “a ortografia é uma decisão po- creveu Matilde como “um caso lítica, administrativa, e não in- único de taquigrafia poética”. terfere na língua”. A reforma é “Jóquei”, e mesmo o repertório importante para simplificar o poético mais amplo da escrito- idioma, promover a integração ra, que inclui vídeos em que ela dos países de língua portuguesa declama outras obras autorais, e facilitar a difusão do português retratam um vaivém constante pelo mundo, mas os diferentes entre Brasil e Portugal e, mais “portugueses” seguem coexistin- especificamente, entre o Rio de do em todas as outras esferas da Janeiro e Lisboa. Lançado pri- língua e (ainda bem!) misturan- meiro na terra natal, depois na do-se. Afinal, a saudade, o verão segunda casa de Matilde, pou- e a vida que corre não são tão di- co antes do início da vigência ferentes assim do lado de cá e do do acordo ortográfico, o livro lado de lá do Atlântico. RESENHAS

A poesia de Matilde traz em si um profundo faria sentido uma “tradução” de um português para amor pela língua e pelo humano. A sonoridade e outro, como lhe sugeriram alguns. A língua, segun- o ritmo importam mais que a métrica ou qualquer do ela, é “a mesma, com cores diferentes”. rima. Os poemas parecem ter surgido de uma con- Os temas presentes no livro vão desde aqueles versa na mesa do bar, de uma caminhada à beira do universais e atemporais, como o amor e a saudade, mar, de uma leitura de jornal pela manhã. Ao ler-se até aqueles à primeira vista concretos e localiza- Matilde, a oralidade é tão marcante que é possível dos no tempo, como o poder da globalização ou o imaginar-se tendo uma conversa franca com um impacto de uma notícia de jornal. A inspiração da amigo. A sua imagética é simples e ao mesmo tempo poeta parece vir tanto daquilo que há de mais pro- potente, quase cinematográfica, o que deixa entre- fundo em termos de reflexão e sentimento bruto ver que autora começou a escrever poesia porque, quanto do que há de mais vulgar e mundano nas segundo ela, “fazer cinema seria bem mais caro”. coisas cotidianas, fundindo de forma sutil e ao mes- O idioma é personagem principal em “Jóquei”. mo tempo forte esses dois extremos. Apesar de incluir alguns poemas em inglês, fruto do O livro levou um ano para ser escrito, e nasceu cosmopolitismo de Matilde e de uma passagem por não só da prática diária da escrita, mas da vivência Londres, e de ter forte influência dos versos livres da autora no Rio de Janeiro e em Lisboa ou entre de Whitman e do ritmo dos poetas estadunidenses as duas cidades. Matilde, que tem sede de vida, e da geração “beat”, o livro tem na musicalidade do que acredita que o poeta tem que estar na rua e ex- português um de seus pontos fortes. Os poemas em perimentar para poder escrever, pretende digerir o prosa misturam a intensidade e a leveza do idioma primeiro livro e buscar novas histórias antes de se tanto na forma quanto no conteúdo. A autora de- dedicar ao próximo. Por aqui ficamos aguardando fende que a ligação entre Brasil e Portugal se faz mais dessa mistura de lá e cá, que borra fronteiras presente na sua vida e obra e que, em estando os e expõe diferentes formas de se empregar e sentir dois países atados por laços quase familiares, não o português. 117

Trecho do poema “Rio de Janeiro-Lisboa”:

“(...) um dia você diz que me a*** eu ***-te no dia seguinte a amendoeira se expande e floresce cinco folhas mais nesse dia reparo que estamos contribuindo você e eu para o florestamento da cidade de duas cidades faço voto de silêncio mas na sacralização horária da respiração eu penso que apesar da sala de cassino abrigo da gigante roleta do medo apesar dos golpes de gmt-3 apesar da fita de seda que fica ondulando sua medida de 7.800 km estamos dando utilidade ao amor alargando os braços das amendoeiras alargando os braços dos jacarandás partindo as inúteis linhas de fronteira e fazendo do mundo a gigante floresta .” RESENHAS

Foto: Shealah Craighead

“Madame President – The extraordinary journey of Ellen Johnson Sirleaf”

Mariana Marshall Parra 119

O ato de retratar, de forma mulheres liberianas, eleitorado terras estrangeiras, Sirleaf man- fidedigna e imparcial, alguém tão leal quanto desafiador, no que teve-se envolvida com os acon- cuja trajetória é carregada de talvez resulte na melhor síntese tecimentos na Libéria: serviu aos simbolismos poderosos é um de- oferecida pela autora sobre os governos de William Tolbert e safio inglório. Quando a biógrafa triunfos e obstáculos envolvidos Samuel Doe; foi candidata a vi- é nacional de um país miserável, em levar um país da ruína abso- ce-presidente com Jackson Doe arrasado por duas guerras e uma luta a algum tipo de avanço civi- em 1985, tendo sido presa por epidemia de Ebola, e a biografa- lizacional. Se a eleição de Ellen sedição no mesmo ano, após in- da é parte indissociável da histó- Johnson Sirleaf como presidente sultar publicamente integrantes ria desse mesmo país, a missão da Libéria foi possível e necessá- do governo de Doe; foi encarce- deve parecer quase impossível. ria em função das market women rada novamente, no contexto da Foi a essa empreitada que Hele- liberianas, algumas das maiores tentativa de golpe por Thomas ne Cooper se dedicou a fim de dificuldades enfrentadas porMa - Quiwonkpa; apoiou a rebelião escrever Madame President: the dame no poder derivaram das encabeçada por Charles Taylor Extraordinary Journey of Ellen mesmas agentes. contra o regime de Samuel Doe, Johnson Sirleaf. A obra descre- O livro mostra como Sirleaf, contribuindo para levar ao poder ve o processo formativo e a ex- destinada à grandeza segundo as um homem tão ou mais sangui- periência no poder da primeira palavras proferidas por um fei- nário e corrupto do que seu an- mulher a ser democraticamente ticeiro local no instante de seu tecessor, contra quem Madame eleita presidente de uma nação nascimento, passou de vítima de viria a se posicionar mais tarde; africana: a Libéria. violência doméstica sem grandes e finalmente, venceu as eleições A complexidade da tarefa perspectivas de futuro, como a presidenciais de 2005, disputan- assumida por Cooper reside no maioria de suas compatriotas, a do o segundo turno com George conflito que logo se estabelece executiva internacional educa- Weah, jogador de futebol liberia- entre, de um lado, os elementos da em Harvard e contratada por no cuja carreira fora construída que tornam extraordinária a jor- grandes bancos. Isso tudo antes na Itália. nada de uma protagonista como de encarar o maior desafio de Ao narrar o período que an- Ellen Johnson Sirleaf, e, de outro, sua vida: comandar seu país, uma tecedeu a candidatura de Sirle- as fissuras que inevitavelmente Libéria ingovernável à época em af à presidência, Cooper pontua se farão notar na personalidade e que foi eleita. os acontecimentos políticos que nas atitudes de qualquer ser hu- À medida que Sirleaf galgava abalaram a Libéria com histórias mano que atue por décadas na es- os degraus de sua bem-sucedida de horror vividas por mulheres fera pública. Cooper parece cons- carreira e se tornava uma mulher comuns liberianas. Independen- ciente do impasse entre o justo cosmopolita, a Libéria mergulha- temente de quem estivesse em enaltecimento dos feitos de Sirle- va no caos e na violência decor- posição de vantagem nos confli- af e a necessária análise crítica de rentes de duas guerras civis en- tos que assolaram o país, as mu- seu modo de fazer política, ainda tremeadas por conflitos étnicos, lheres eram sempre subjugadas, que por vezes demonstre com- corrupção sistêmica, interferên- sendo recorrente o recurso ao placência em relação aos passos cia velada de nações estrangei- estupro como arma de guerra, em falso da governante. Não a ras e exploração devastadora de perpetrado até mesmo pelos pró- escapam, porém, as idiossincra- recursos naturais. Embora tenha prios filhos das vítimas, coopta- sias da relação de Sirleaf com as passado muitos anos vivendo em dos como child soldiers para ser- RESENHAS

vir àqueles que haviam roubado dame fosse uma pessoa sofisti- punição. Cooper chega a insis- sua infância. Madame viveu a cada segundo os padrões ociden- tir no exemplo de Mary Broh, perseguição, o medo, até mes- tais, em contraste com a penúria prefeita de Monróvia à época mo o cárcere, mas nunca teve em que elas viviam: tratava-se de do primeiro mandato de Sirleaf, contato direto com as experiên- uma mulher; uma mãe; uma avó. conhecida por sua irredutibili- cias cotidianamente suportadas Além da identificação feminina, dade e pela rigidez na aplicação por suas compatriotas. Ela teve Sirleaf contava com a qualifica- das leis, em aparente tentativa de a possibilidade de sair do país e ção de uma vida envolvida com ilustrar a impossibilidade de se viver bem em outras partes do as finanças de países menos de- realizar qualquer coisa na Libé- mundo quando os riscos a sua senvolvidos. As market women, ria sem ceder à corrupção, à le- vida e integridade atingiam ní- sobreviventes, independentes e targia ou às exigências nem sem- veis muito elevados. administradoras de seus lares, pre éticas, tampouco racionais, Já a mulher comum liberia- não poderiam aceitar que Mada- por parte dos diversos grupos na não tinha alternativa: além de me perdesse a corrida presiden- de interesse presentes na socie- estar sujeita à violência, era ela cial para um jogador de futebol dade liberiana. Quando Madame a única responsável por manter que não tinha ideia de como re- decidiu remover as bancas das algum tipo de atividade econô- solver os problemas da Libéria. market women das ruas e deslo- mica enquanto os homens e me- Por conta disso, mobilizaram-se cá-las para um espaço dedicado ninos se ocupavam da guerra. As notavelmente a fim de eleger Ma- ao comércio, Mary Broh tomou a market women saíam cedo atrás dame, lançando mão, até mesmo, frente do projeto de limpar a pai- de qualquer coisa que pudesse de recursos não tão lícitos. sagem urbana. As market women ser vendida, andando por longas Em sua abordagem das ações não gostaram de ser removidas à distâncias e sujeitando-se a to- eticamente questionáveis assu- força de seus locais de trabalho, das as ameaças que recaíam so- midas por Sirleaf, ou empreendi- e por isso desafiaram, reiterada- bre elas no período, a fim de ven- das em seu benefício, ao longo de mente, as determinações de Ma- der o que encontrassem e obter tantos anos de atuação pública, dame impostas por Mary Broh. algum sustento para suas casas. a autora não procurou esconder Mas não foram apenas elas que Elas não faziam a guerra, mas sua parcialidade em favor de Ma- dificultaram o trabalho da pre- eram suas maiores vítimas. Seus dame: do apoio prestado a Char- feita, que sofreu todo tipo de ata- corpos eram violados, seus filhos les Taylor quando este iniciou que político até se ver impedida eram sequestrados, seus maridos sua rebelião contra Samuel Doe à de trabalhar. Moral da história: saíam para o combate, e quando controvérsia causada pela nome- na Libéria, atue estritamente voltavam, se voltassem, eram se- ação de seu filho como diretor da dentro da lei e você não chegará res transformados pela experiên- companhia petrolífera nacional, a lugar algum. cia no conflito e não contribuíam as máculas no currículo de Sirle- Talvez não fosse possível es- com a administração do lar. Para af são minimizadas ou atribuídas perar uma ausência completa de essas mulheres, a possibilidade a agentes e circunstâncias exter- viés por parte de Helene Cooper: de votar em outra mulher para nas, quando não relativizadas em a autora tem muito em comum presidente do país era a brecha comparação a atos de barbárie com sua biografada. Ambas car- por onde se poderia vislumbrar cometidos no mesmo país, pou- regam as cicatrizes de quem viu alguma hipótese de alívio desses co tempo antes, por agentes que seu país mergulhado em toda es- fardos. Não importava que Ma- não receberam qualquer tipo de pécie de tragédias, e ao mesmo 121 tempo, ambas têm motivos para Sirleaf associou a igualdade de democracia funcional e onde se sentir estrangeiras em sua ter- gênero à habilitação das mulhe- a dignidade da pessoa humana ra-natal, com suas vidas constru- res como cidadãs de pleno direi- nunca foi um valor perseguido é ídas além das fronteiras da Li- to, como eleitoras, como candida- hercúlea e deve levar gerações. béria. Não causa estranhamento tas, como tomadoras de decisão. O próprio ato de assumir essa que a autora reserve suas críticas Ela defendeu a centralidade do função exige uma dose cavalar mais certeiras justamente para papel feminino na reconstrução de idealismo, e também de de- aqueles aspectos de Madame pós-conflito, e foi dela a iniciativa sapego, já que erros, frustrações, que ela, muito provavelmente, para a criminalização do estupro, críticas e ataques serão em muito reconhece em si própria: sua se- crime tão terrível quanto banal na maior volume do que reconheci- riedade contrastante com a exu- Libéria, mesmo após a pacifica- mento e encorajamento. berância de seu eleitorado; sua ção. Antes de sua eleição, os ho- O ano em que a Libéria ele- preocupação extrema em atrair e mens liberianos sentiam que pelo geu George Weah como seu novo garantir investimentos externos, menos as mulheres permaneciam presidente, após 12 anos de pre- escamoteando ou até não com- submetidas a eles; era o único po- sidência de Madame, também preendendo a crueza dos pro- der que restava quando a guerra foi o ano em que o Brasil adotou blemas locais; sua demora e suas os havia despido de todo o res- o Plano Nacional de Ação so- primeiras iniciativas desastradas to. Graças a Madame, pôs-se em bre Mulheres, Paz e Segurança. para lidar com o surto de ebola, marcha o desenvolvimento da au- Nesse contexto, do qual fazem seguidas por sua movimentação toestima das mulheres enquanto parte tantos retrocessos civiliza- para atrair atenção internacional titulares de direitos, bem como de cionais no Brasil e no mundo, a para o problema. Talvez o custo um embrião de consciência, por extraordinária jornada de Ellen de tornar a Libéria inteligível e parte dos homens, de que suas Johnson Sirleaf, dentro e fora da tocante aos olhos do Ocidente concidadãs têm voz e merecem presidência da Libéria, é um re- seja mesmo afastar-se um pou- respeito. gistro valoroso sobre o quanto as co da realidade liberiana para A tarefa de passar a limpo um mulheres já avançaram e quanto percebê-la de uma forma ampla. país que jamais conheceu uma ainda resta por fazer. Talvez seja impraticável, do pon- to de vista da sanidade mental e da capacidade operativa, ater-se aos aspectos da vida do cidadão médio, quando este teve sua ci- dadania destroçada pela guerra. Madame escolheu suas batalhas, talvez por ter percebido, muito cedo, que seria impossível abra- çar todas as áreas que demanda- vam atenção. No que diz respeito à situação da mulher, seu trabalho merece toda a reverência que recebe, in- cluído aí o Nobel da Paz de 2005. Foto: John Vanden Berghe RESENHAS 123

Resenha: “LIMA BARRETO ¹ TRISTE VISIONÁRIO” Lilia Moritz Schwarcz

Maria Eduarda Paiva

Nasceu no século XIX, de fa- literário e, em vida, tornou-se sua morte. Esse esforço de divul- mília pobre, quando ainda vigia o mais conhecido pelas sucessivas gação e ressignificação dos textos sistema escravista no Brasil. Vi- polêmicas em que se envolveu do de Lima complementa-se com a venciou desde jovem o precon- que pela qualidade de sua obra. À publicação, pela editora Compa- ceito racial, pois era mulato nos época, considerava-se que Lima nhia das Letras, da biografia Lima tempos de glória das teses lom- Barreto seria um escritor datado Barreto – Triste Visionário, de Lilia brosianas de degeneração das ra- e com pouco a oferecer para as Moritz Schwarcz. ças. Perdeu a mãe na infância e, futuras gerações. Mais valia, por Triste Visionário é um esforço desde cedo, teve de ser uma das exemplo, ler A Conquista, de Coe- intelectual que demandou a sua au- fontes de sustento de sua família. lho Neto. Mal sabiam os contem- tora dez anos de pesquisa. Esse Trabalhou como jornalista e fun- porâneos de Lima que, enquanto o acúmulo intelectual, que não se cionário público, mas, definitiva- “príncipe dos prosadores brasilei- limita a informações biográficas mente, seu imenso talento aflorou ros” seria abatido e enterrado pe- do autor, é percebido pelo leitor na literatura. los modernistas brasileiros, Lima em cada página da obra. Uma des- Essa breve narrativa biográ- Barreto ressurgiria como uma crição da Limana – a biblioteca fica descreve com precisão dois espécie de chave de leitura para pessoal de Lima Barreto- torna-se grandes nomes da literatura na- compreender o Brasil. uma análise dos autores mais re- cional: os cariocas Machado de 2017 foi certamente um ano de levantes do século XIX e do início Assis e Lima Barreto. Se as suas redescoberta da obra de Lima Bar- do século XX. Enseja, igualmen- respectivas origens sociais e fun- reto. Para além da homenagem ao te, páginas de comparação entre ções públicas se assemelhavam, autor na Feira Literária de Paraty, a produção de Lima Barreto e de seus destinos não poderiam ser foram reeditados os livros Cemi- Machado de Assis. Essa estratégia mais distintos. Enquanto o bruxo térios dos Vivos e Diário do Hospí- é utilizada ao longo de todo livro: do Cosme Velho sagrou-se como cio, com notas da edição original. os títulos dos capítulos são, na ver- grande nome das letras nacio- No campo das biografias, a editora dade, uma oportunidade de dis- nais, Lima Barreto amargou o os- Autentica publicou nova edição de cutir uma vasta pluralidade de te- tracismo, tendo na bagagem duas A Vida de Lima Barreto (1959), do mas. Capítulos como “Vivendo nas internações manicomiais e o per- jornalista Francisco Assis Barbosa, Colônias de Alienados da Ilha do sistente alcoolismo. Acabou sem que foi essencial na redescoberta Governador”, “Central do Brasil: desenvolver todo o seu potencial do enfant terrible trinta anos após uma linha simbólica que separa e RESENHAS une subúrbios e centro” e “Política preocupa com as consequências Triste Visionário, que busca inter- de e entre doutores” são recortes da urbanização, com o inchaço pretar o intérprete de nossa pri- antropológicos do Brasil na Pri- dos subúrbios e as consequentes meira experiência republicana. meira República. Em certos con- dificuldades de mobilidade urbana, Creio que a grande ressalva a textos, Lima Barreto é o protago- com as teorias raciais então vigentes ser feita com respeito a Triste Vi- nista. Em muitos outros, ele surge e com o mercado editorial centrado sionário é que se trata de um livro como um dos coadjuvantes de sua na publicação de poucos e consa- escrito por uma antropóloga, e, época. É assim quando Schwarcz grados nomes. Lima é, nesse senti- não, por uma crítica literária. Com descreve a medicalização da loucura do, um vocalizador de denúncias. isso, o estilo do escritor e suas no início da República, quando Lima É o visionário que denuncia todos estratégias discursivas são pou- era um garoto de 12 anos e seu pai esses problemas, antes mesmo de co debatidas. A autora prioriza a ainda não havia sido diagnosticado eles serem considerados um pro- narração do enredo das obras de como enfermo mental. Ainda as- blema. E, de certa maneira, é tris- Lima, com extensos excertos do sim, a escritora discute o trata- te por estar complemente solitário autor em cada uma de suas des- mento do tema desde meados do em sua denúncia. crições. Isso acaba por servir ao século XIX, quando foi fundado Lima Barreto foi constan- leitor que não está familiarizado o Hospício Pedro II, até o início temente acusado por seus con- com os textos de Lima, mas pode da Primeira República, quando temporâneos de produzir apenas afastar aqueles que já leram sua colônias de alienados foram ins- romances à clef, com objetivos produção literária e buscam um tituídas para tratar de mendigos e de atingir seus desafetos. Quan- aprofundamento. Schwarcz tam- indivíduos ociosos. Retorna, igual- do Recordações do Escrivão Isaías bém repete citações, dados bio- mente, à questão nas duas interna- Caminha foi publicado, as poucas gráficos e anedotas ao longo de ções psiquiátricas de Lima. críticas que surgiram sobre a obra seu texto. Esse recurso funciona É possível afirmar que o livro de ressaltavam seu caráter vitrióli- perfeitamente numa obra de con- Schwarcz é destinado àqueles que co e pouco imaginativo, já que os sulta, em que os capítulos são lidos querem refletir sobre a paisagem e personagens se baseavam em per- de acordo com uma demanda es- sobre os detalhes dessa paisagem. É sonalidades reais. Com o passar pecífica. No entanto, caso o leitor isso que justifica suas 500 páginas. dos anos, resta evidente que Lima resolva ler a biografia de um só fô- Não se trata, nesse sentido, de uma Barreto produziu uma obra que se lego, é muito provável que, vez por biografia típica e linear, em que prolonga no tempo e que, no fun- outra, uma sensação de déja-vu o os temas somente são tratados na do, pouco importavam os alvos da inunde. Ainda assim, a contribui- medida em que interferem direta- época. Críticas ao bacharelismo ção de Schwarcz é evidente: com a mente na realidade do biografado. raso, às mazelas de nossa políti- quantidade de informações cole- Para uma narrativa mais direta, já ca, à violência contra a população tadas e fornecidas ao leitor, com se encontrava disponível a exce- negra permanecem atuais – assus- os capítulos que se desdobram em lente biografia de Lima escrita por tadoramente atuais. Os diversos tantos temas, as possibilidades de Assis Barbosa. Lilia Schwarcz, por matizes da obra literária produzi- leitura são múltiplas, podendo seu sua vez, busca a expansão. Ela se da por Lima Barreto constam em texto servir de base para uma plu- 125 ralidade de estudos sobre a obra va a Academia Brasileira de Le- todas as portas à procura de quem de Lima e a Primeira República. tras, mas isso não o impediu de esteja disposto a publicar-lhe o Ao final de Triste Visionário, candidatar-se por três vezes a uma livro que escreveu, sofrendo por restou-me sobretudo um senti- vaga na instituição. Ainda assim, isso o desprezo dos ignorantes mento de compaixão em relação mesmo doente e com todo precon- de sangue e de casta, a indiferen- à trajetória de Lima Barreto. Ele ceito sofrido, conseguiu escrever ça desdenhosa de um rei e da sua certamente deveria ser uma figu- uma obra vibrante e necessária companhia de poderosos, o es- ra irascível quando vivo, com sua para compreender o Brasil. cárnio com que desde sempre o bebedeira contumaz e com seus O ostracismo sofrido por Lima mundo tem recebido a visita dos ódios justificáveis e injustificáveis. e as dificuldades que ele tinha de poetas, dos visionários e dos lou- Era, igualmente, um poço inesgo- publicar seus escritos fizeram-me cos. Ao menos uma vez na vida, tável de contradições. Ao mesmo lembrar do discurso de Sarama- todos os autores tiveram ou terão tempo em que escreveu Clara dos go, ao receber o Nobel de Litera- de ser Luís de Camões, mesmo se Anjos, um belo romance que de- tura. Em sua fala, enalteceu Luis não escreveram as redondilhas nunciou a opressão das mulheres de Camões, que teve de implorar de Sôbolos rios”. Como Camões, negras nos subúrbios cariocas, pela publicação de sua obra-pri- Lima Barreto também teve de im- combateu o movimento feminista ma. Considerou um valioso ensi- plorar para ser ouvido. Ler Triste nascente, com ataques pessoais a namento “a humildade orgulhosa Visionário é um tributo a esse grito suas lideranças. Também ironiza- de um autor que vai chamando a de socorro.

Retrato retirado da ficha de internação de Detalhe da ficha da segunda internação de Lima Caricatura de Lima Barreto feita por Hugo Pires. Lima Barreto no Hospício. Barreto no Hospital Nacional de Alienados, em 1919. Jornal A Cigarra, ano IV, n. 110. Acervo do Núcleo de Memória Institucional do Acervo do Núcleo de Memória Institucional do São Paulo, 15 abr. 1919. Instituto de Psiquiatria – IPUB/UFRJ. Instituto de Psiquiatria – IPUB/UFRJ. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil. Reprodução de Jaime Acioli. Reprodução de Jaime Acioli. CULTURA E ARTE 127 Athos Bulcão e o mundo ao seu redor:

Do real ao onírico Ensaio fotográfico por Vismar Ravagnani

A obra de Athos não é coisa de se isolar em museus. É arte orgânica, que do mundo exterior extrai sua razão de ser e a ele se integra de forma inseparável. A arte de Athos é também arquitetura. Muitas ve- zes, é estrutural, escultural, é forma exterior. É também arte acessível, que ocupa os espaços públicos e os conforma de maneira definitiva. Por isso, a capital federal em construção foi o cenário perfeito para o seu desenvolvimento artístico e para a consolidação de sua obra. Brasília não era apenas um cenário a ser decorado; era muito mais uma tela em branco. Dessa forma, as obras de arquitetura e os painéis de Athos Bulcão se fizeram ao mesmo tempo, como partes inseparáveis de um todo. O resultado foi o patrimônio que conhecemos hoje.

As fotografias deste ensaio foram produzidas em câmera digital por meio de técnicas variadas, incluindo dupla exposição, “flash” e espelhamento de imagem, sem pós-produção significativa. Pretendeu-se, com isso, obter um resultado autoral que refletisse a integração das obras de Athos ao mundo à sua volta, in- cluindo objetos de arte e de arquitetura, assim como elementos naturais. CULTURA E ARTE 129

Legendas: (1) Cobertura do Anexo II do Palácio Itamaraty (“Bolo de Noiva”); (2) Passarela entre os Anexos I e II do Palácio Itamaraty; (3) Treliça de madeira na Sala dos Tratados, Palácio Itamaraty; (4) Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, SQS 307/8; (5) Memorial JK, parede que circunda o jazigo de Juscelino Kubitschek; (6) Passarela entre os Anexos I e II do Palácio Itamaraty; (7) Parede do Teatro Nacional. CULTURA E ARTE

Carlos Chambelland – Retrato de Manoel de Oliveira Lima – 1913 131 Um estadista brasileiro no país do sol nascente: um pioneiro da diplomacia pública

Daiki Inaba1

Em 2015, celebramos 120 Pioneiro da diplomacia como requisito essencial ao pro- anos das relações diplomáticas pública cesso de aprofundamento das re- entre o Brasil e o Japão e, em lações entre as duas nações. 2018, marcam-se 110 anos da imi- Foi a excessiva diferença so- Empenhou-se, portanto, em gração japonesa ao Brasil. No de- ciocultural entre o país do orien- promover o melhor entendi- correr da história da relação entre te e o da América do Sul que fez mento do povo brasileiro sobre os dois países, sua cooperação foi com que Oliveira Lima percebes- o Japão através, por exemplo, se aprofundando em ampla gama se a utilidade da cultura como da publicação de seus relatos de de áreas. Analisando os primór- um instrumento diplomático em viagem e impressões quanto ao dios dos laços entre as duas prol da aproximação dos dois país do oriente, desempenhando nações, vislumbra-se um esta- países. Segundo seus relatos, o papel de construtor de pontes dista brasileiro: Manuel de Oli- seria imprescindível estabele- culturais e pessoais entre os dois veira Lima. O diplomata, nascido cer o intercâmbio de conheci- países. Também não se olvidou no , em 1867, serviu como mentos entre os dois povos, pois de fomentar o entendimento dos chefe da Delegação do Brasil no esse intercâmbio se apresentava japoneses sobre o Brasil: em Tó- Japão entre os anos 1901 e 1903 e, durante este período, realizou uma pesquisa de campo sobre o cenário natural, bem como sobre o ambiente sociocultural e polí- tico japonês. Inicialmente, a pes- quisa resultou em relatórios para o Ministério das Relações Exte- riores, mas, posteriormente, foi publicada no Rio de Janeiro, em 1903, como o primeiro livro es- pecífico sobre o Japão divulgado no Brasil, com o título No Japão – Impressões da terra e da gente. Carlos Chambelland – Retrato de Manoel de Oliveira Lima – 1913

1 Diplomata do Japão. Em 20016, foi estudante de intercâmbio no Instituto Rio Branco. CULTURA E ARTE

quio, no dia 10 de março de 1902, impressionante a sensibilidade critores europeus e americanos em conferência realizada no Ge- do estadista quando afirma que, por quem, aliás, o Japão tem sido tsu Yo Kai (“Clube da segunda- para fomentar a compreensão revolvido e pesquisado exaus- -feira”, do grupo de senhoras da da sua própria cultura, antes de tivamente, em tudo quanto não alta sociedade japonesa), Olivei- tudo, deve-se entender profun- constitui o domínio propriamen- ra Lima concedeu palestra sobre damente a cultura do outro. Oli- te psicológico, o qual até certo seu país de origem, englobando veira Lima manteve sempre sua ponto é ainda uma incógnita. inúmeros temas como a história conduta humilde e respeitosa Não tive seguramente a preten- da formação do Brasil, a situação ao país que o acolhia, fato este são de resolvê-la em vinte e um do país em termos da economia que corrobora seu pioneirismo meses de estada, para isso faltan- doméstica e da política, a cultu- na prática da diplomacia públi- do-me o instrumento principal ra, as crianças brasileiras, as in- ca. Essa postura resultou em ou- de penetração moral”, escreveu fluências negativas dadas pela tro convite para palestrar no Ge- Oliveira Lima no prefácio do li- opressão colonial à sociedade tsu Yo Kai, realizada no dia 15 de vro No Japão – Impressões da ter- brasileira, entre outros. dezembro do mesmo ano. ra e da gente. Ao promover a cultura bra- No entanto, ao contrário de sileira, Oliveira Lima não deixa- Penetração na cultura suas palavras, parece que o di- va de atentar àquilo que tinha japonesa plomata brasileiro conseguiu relação com o país onde se en- adentrar até o nível profundo na contrava, e, neste ponto, obser- “Ignorando o Japonês, mi- sociedade japonesa da época. Tal va-se seu sentimento de res- nhas leituras viram-se forçosa- fato pode ser constatado anali- peito ao país interlocutor. É mente quase confinadas aos es- sando o teor de sua compreensão

Tsukioka Yoshitoshi Tsukioka Yoshitoshi Tsukioka Yoshitoshi Inaba Mountain Moon Chang E Flees to the Moon Rising Moon over Mount Nanping 133 quanto ao significado da Lua, A Lua abrange o sentido es- do sol nascente, descrevendo-o à um dos elementos que descre- pecial enraizado na vida dos ja- maneira que os próprios japone- vem a cultura japonesa. Segundo poneses. Na literatura e na poe- ses o pensam. Oliveira Lima, “A Lua, símbolo sia japonesas, através da cena da de poesia e tipo de sublimidade, Lua (na cultura japonesa existem Lições úteis para a diploma- diante da qual se extasiam ato- cerca de nove expressões para a cia contemporânea res e guerreiros, homens de pen- Lua, e temos também uma sé- samento e homens de ação, astro rie de nomes para ela corres- Antes que Joseph Nye apre- sentasse o conceito de “soft que as crenças apontam como pondendo às quatro estações do power” para a diplomacia, exis- exclamações de alegria e que as ano), a personagem reflete a sen- tia, como vimos, um diplomata mulheres contemplam com uma sação, a emoção, o pensamen- brasileiro que o tinha adotado. expressão langorosa dos seus in- to, a paixão, entre outros. Como Nos dias atuais, por detrás de teligentes olhos negros, apenas japonês, posso afirmar que o crescentes meios de comunica- sacode os seus véus para ilumi- significado e a representativida- ção como as redes sociais, a im- nar cenas de meiguice, de paz de da Lua somente podem ser portância da utilidade da diplo- na natureza, e de caricato entre plenamente compreendidos no macia pública vem aumentando. os homens. Ela não sabe mais do seio da cultura japonesa. Diante Oliveira Lima foi um homem de que se enternecer ou mofar. Co- disso, o brilhante diplomata per- seu tempo, mas suas lições acer- bre-se discretamente quando as nambucano, apesar de ter vivido ca da prática diplomática per- paixões se acendem e a natureza por apenas vinte e um meses no duram ao mesmo tempo em que é poluída pela ferocidade e pela Japão, conseguiu adentrar nos lançam luz aos diplomatas con- matança”. costumes e nas crenças do país temporâneos.

Tsukioka Yoshitoshi Tsukioka Yoshitoshi Tsukioka Yoshitoshi e Gion District Musashi Plain moon e Spirit of the Komachi Cherry Tree CULTURA E ARTE

Hans Holbein the Younger – e Ambassadors 135

“Os Embaixadores” de Hans Holbein e a desordem mundial

Guilherme Fernando Rennó Kisteumacher

O quadro universalmente os astros, ler os mapas, conhecer implicações para a relação entre conhecido como “Os Embaixa- as leis, discutir os filósofos, deci- diplomacia, cultura e arte. Isso dores”, de Hans Holbein, o Jo- frar os poetas, dominar o latim e porque a lógica prevalecente em vem (1497-1543), é continuamen- os idiomas das cortes e das ruas, “Os Embaixadores” é a lógica do te reinterpretado por diversos desenhar com precisão, tocar ao ocultamento, daquilo que está autores, com o objetivo de de- menos um instrumento musical, escondido em uma cena aparen- cifrarem sua simbologia e seus usar a espada, conversar com en- temente banal. Os principais in- supostos “segredos”. Exposto na genho e graça, distinguir entre dícios de que essa lógica predo- National Gallery de Londres des- vinhos e temperos, dançar com mina na obra são encontrados em de 1890, o quadro foi finalizado elegância, falar em 1533, encomendado por Jean com eloquência de Dinteville, embaixador da e saber quando França junto à corte de Henri- convinha o cicio que VIII da Inglaterra. O quadro e quando cabia a representa Dinteville e o bispo, e voz alta. Dele se também embaixador, Georges de queria que pudes- Selve, por ocasião da visita deste se discorrer sobre a Londres. qualquer assunto Por retratar dois diplomatas, e que mostrasse considera-se que os instrumentos nas terras que não dispostos no cenário imaginário a sua que esta, da casa de Dinteville representa- fosse ou não po- riam não somente os principais derosa, era, antes elementos daquela carreira, mas de mais nada, cul- também as habilidades que se- ta. Representava- riam exigidas dos diplomatas ao -se, sendo”. exercerem sua função de repre- No entanto, sentar seu país no exterior. Como o quadro de Hol- afirma o Embaixador Alberto da bein nos permi- Costa e Silva, em O Itamaraty na te ainda outra cultura brasileira: “Eis a imagem interpretação, canônica do diplomata (...). Espe- uma que tam- rava-se dele que soubesse olhar bém apresenta Holbein o Jovem – Autoretrato – 1542-1543 CULTURA E ARTE

Detalhe da obra – Alaúde e hinário – Globo terrestre e livro de aritmética

dois elementos: a enorme caveira desunião pelo qual passava a Eu- guém menos que Erasmo de Rot- humana em perspectiva anamór- ropa no século XV, com a Refor- terdam, trabalharia para Thomas fica, no centro da pintura, eo ma Protestante e crescentes con- More e seria designado pintor da pequeno crucifixo escondido no testações à legitimidade do poder corte de Henrique VIII. canto superior esquerdo, detrás da Igreja Católica Apostólica Ro- Essa interpretação ganha da cortina verde que delimita mana. Um primeiro fundamento ainda mais força à medida que pano de fundo. Tanto a caveira para essa concepção decorre do percebemos os pequenos deta- quanto a cortina introduzem a fato de que, no posto em que ser- lhes que Holbein procurou in- noção de que existe uma dimen- via, Dinteville deveria reportar serir nos próprios instrumen- são que o observador não conse- a Paris os desenvolvimentos na tos que estão retratados sobre gue imediatamente ver, mas que, corte de Henrique VIII, no mo- a mesa. Por exemplo, o hinário, com atenção (ou, no caso da ca- mento em que este, desejando perfeitamente detalhado, re- veira, com uma alteração da po- anular seu casamento com Ca- produz versão conhecidamente sição do observador), torna-se tarina de Aragão e casar-se com traduzida por Martinho Lutero; perceptível. “Os Embaixadores” Ana Bolena, procurava formas de o alaúde possui uma corda rom- constitui, assim, uma obra que romper com o princípio da pri- pida, que tem sido interpretada pretende transmitir uma mensa- mazia do poder do Papa. Ressal- como representação visual da gem não propriamente indireta, te-se que a própria vida de Hol- ideia de “discórdia”; no livro de mas implícita em certos detalhes. bein fora afetada pelo impacto da aritmética, é possível ler texto As referências parcialmen- Reforma, de modo que, em 1526, que se inicia com a palavra “divi- te ocultas à morte e à religião deixou a Suíça e mudou-se para são”; no globo terrestre, o conti- podem ser interpretadas com re- a Inglaterra, onde, com carta de nente europeu encontra-se cen- lação ao contexto de guerras e de recomendação escrita por nin- tralizado, indicando a concepção 137 da época em relação ao centro plomacia pareciam estar quebra- Nesse sentido, como relembra do poder mundial; no globo ce- dos, incapazes de contribuir para Chales Hill em Grand Strategies, lestial, Holbein indica a latitude o entendimento entre os povos. se Dinteville e de Selve tives- de 42º N, que era, de acordo com Dessa forma, a análise de “Os sem vindo à corte inglesa após os registros da época, a estimada Embaixadores” nos permite re- os acordos da Paz de Vestfália latitude de Roma; por fim, o chão tirar ao menos uma lição valiosa (1648), a situação seria diversa. representado no quadro segue o sobre a relação entre legitimida- Sob as regras do sistema de Ves- próprio padrão daquele da Aba- de internacional e ordem mun- tfália, uma solução diplomática dia de Westminster. dial: em momentos de significa- seria mais facilmente alcançá- Alguns autores argumentam tiva divergência sobre o conceito vel do que naquele contexto, no que, dada a obsessão de Holbein de legitimidade que estruturaria qual concepções religiosas ainda em representar os mínimos de- o sistema internacional de de- tinham seu lugar na mesa de ne- talhes dos objetos, certos equí- terminada época, os instrumen- gociações. vocos dos instrumentos cientí- tos tradicionais da diplomacia “Os Embaixadores” ilustra, ficos naquela obra teriam sido podem parecer ineficazes para portanto, que questões relacio- causados pela imprecisão de seu restabelecer o equilíbrio da or- nadas ao sistema internacional conselheiro, Nicholas Katzer. dem mundial. Sem um consenso, nunca estão demasiado longe Entretanto, precisamente devi- mesmo que parcial e provisório, das preocupações subjacentes do à fama de Holbein como um entre as principais forças políti- à perspectiva dos artistas. Mes- “artista dos detalhes”, esses “de- cas quanto aos critérios que de- mo um simples registro de uma feitos” parecem propositais, no veriam orientar os princípios, as formalidade protocolar poderia sentido de passarem uma men- regras de conduta e a arquitetura revelar os principais sinais da sagem específica. A mensagem da ordem mundial vigente, o ce- ordem (ou da desordem) mun- implícita, dessa forma, seria a de nário em que terá de trabalhar dial da época, com profundas que, no contexto das violentas o diplomata torna-se progressi- implicações para os temas que guerras religiosas que assolavam vamente marcado por conflitos mais afetam o cotidiano da di- a Europa, os instrumentos da di- e disputas violentas pelo poder. plomacia.

Henrique VIII os 49 anos de idade – 1540 Retrato de Erasmo de Rotterdam – 1523 Retrato de Sir omas More – 1527 CULTURA E ARTE

O INÍCIO DOS AMORES Império e militarismo na poesia amorosa de Ovídio

Hudson Caldeira Brant Sandy Agradecimentos à Professora Sandra Bianchet

Venus consolando a Cupido, François Boucher (1751) 139

Os Amores são a série de poemas eróticos com também a primeira palavra da Eneida de Virgílio, os quais Públio Ovídio Nasão iniciou sua carrei- criando a expectativa (imediatamente frustrada) ra de poeta. Os poemas são uma leitura divertida, de um épico. A intervenção de Cupido lembra que permite entrever um retrato provocante da também a sexta das Églogas de Virgílio, um épi- Roma do século I a.C. Nos Amores, Ovídio ex- co transformado por Apolo em poesia pastoral. pressa em primeira pessoa os temas tradicionais O Cupido pretende afastar o poeta dos conflitos do gênero elegíaco: flertes, declarações de amor, violentos e levá-lo aos prazeres amorosos, mas, encontros, discussões, crises de ciúmes, reclama- ao longo da obra, o amor revela uma natureza que ções contra os caprichos da amada, traições. Di- também pode ser competitiva, violenta e destrui- ferentemente dos elegíacos que o antecederam, dora, como a guerra. A militia amoris, um topos Ovídio parece menos preocupado com a força tradicional da elegia erótica, começa a se dese- das emoções em si e mais com a investigação das nhar no primeiro poema como algo tão inescapá- características aparentes e ocultas das palavras e vel quanto contraditório. das ideias. Em resumo, os Amores são 49 poemas divi- didos em trêslivros. A maioria dos poemas des- A Expansão de dois Impérios creve episódios amorosos de vários tipos, mas os dois primeiros são diferentes dos demais. Fun- O primeiro poema dos Amores mostra um ho- cionando como uma espécie de programa para o mem que se apaixona; sob a superfície, retrata que virá a seguir, esses dois poemas introduzem também um romano que questiona a própria na- o grande tema da obra, o amor erótico, e seus tureza do Império. Na Roma de Augusto, o dever possíveis significados para um romano. Para isso, militar e o controle do homem sobre si mesmo Ovídio introduz um jogo de contrastes e aproxi- eram valores morais fundamentais. O poeta dos mações entre o amor e ideias fundamentais da Amores reconhece esses valores, mas falha em identidade romana de seu tempo: virilidade, mo- ambos, abandonando o serviço militar (ao deixar ral, militarismo e império. de lado o tema das armas e guerras) e perdendo o Nos primeiros versos dos Amores, o poeta controle de si (ao ser dominado pelo desejo amo- afirma que estava compondo um poema sobre roso). No ápice do poder de Roma, o poeta é um “armas e guerras violentas”, com versos adequa- cidadão romano que se descreve como desarma- dos para esse tema solene (versos de seis pés). do e incapaz de se defender. Entretanto, quando o Cupido rouba um pé de A comparação entre os impérios de Cupido e cada par de versos, surgem dísticos elegíacos de Roma sugere reiteradas vezes que as conquis- (pares em que o primeiro verso tem seis e o se- tas de ambos são semelhantes. Ovídio afirma que gundo tem cinco pés). Isso transforma o poema, seria absurdo um deus ou uma deusa governar que seria um épico guerreiro, em uma leve ele- os domínios de outro. O sexto dístico pergunta: gia erótica. A primeira palavra da obra, arma, é “Quem equiparia Febo, famoso por sua cabeleira, CULTURA E ARTE

com uma lança afiada, enquanto Marte toca a lira na anterior, é bem menos presente nos Amores. E aônia?” Assim, Ovídio lembra o leitor de que cada mesmo no segundo poema, onde ele é mais eviden- divindade tinha um reino próprio, com fronteiras te, há uma inovação radical: o eu-lírico não aceita o definidas, e apenas Cupido não se contenta com servitium para servir à amada (como elegíacos ante- seus domínios. O reino de Cupido é um império em riores), mas para servir ao próprio amor. A diferen- franca expansão, como Roma. Suas fronteiras esta- ça, superficialmente sutil, é uma indicação inicial belecidas já teriam sido ultrapassadas. O eu-lírico de que o amator (amante) em Ovídio é diferente de diz que que até os vales do Hélicon (montanha as- seus antecessores, os amatores de Catulo e Propér- sociada às Musas e à poesia) já foram dominados cio, pois, para servir ao amor, ele não precisaria se pelo deus do amor. O monte Hélicon é uma mon- manter fiel a uma única amada (e certamente não tanha na Grécia, cerca de 60 km a oeste de Tebas. se mantém ao longo da série de poemas). Assim, o Durante a vida de Ovídio, os vales helicônios per- pathos recorrente da elegia erótica latina é recupe- tenciam a Roma, que subjugara os gregos no século rado apenas para ser subvertido. As intensas expe- anterior. E os romanos tinham invadido o Hélicon riências amorosas dos elegíacos anteriores tornam- não apenas no sentido geográfico, pois, no século I -se, em Ovídio, algo muito mais volúvel. a.C., Roma já tinha poetas como Virgílio ou o pró- A referência a Vênus e Marte, no segundo po- prio Ovídio, capazes de rivalizar com seus modelos ema, é muito interessante. Vênus, deusa do amor e de língua grega. mãe de Cupido, era a esposa do deus Vulcano, que No poema seguinte, Cupido celebra um triun- não é sequer nomeado no poema. O deus que rece- fo militar. O triunfo era o ritual máximo com que be destaque, ao lado de Vênus, é Marte, patrono da Roma ostentava suas conquistas, uma prática polí- guerra, com quem Vênus mantinha relações adúl- tica e cerimonial em que o corpo do cativo era ex- teras. No nono dos Amores, Ovídio aludirá à narra- posto como um dos recursos expropriados de um tiva homérica sobre Vulcano surpreendendo Vênus território recém-conquistado. Ovídio oferece uma e Marte “em chamas” (in flagranti). Por que é Mar- descrição detalhada de um triunfo romano nos te, e não Vulcano, quem oferece o carro triunfal a Tristes (poema 4,2). Em Roma, ser exposto em um Cupido? Seria o deus da guerra o verdadeiro pai do triunfo era a humilhação suprema. Ainda assim, Desejo? Ao evocar a relação adúltera entre o amor temos nos Amores um eu-lírico que aceita tornar- e a guerra, o poeta reafirma o paradoxo central dos -se cativo, exposto no triunfo do deus do amor. Se Amores. A imagem da carruagem da guerra puxada Cupido faz aqui o papel de um conquistador expan- pelas pombas do amor parece prenunciar poemas sionista, semelhante a Roma, o eu-lírico é um ro- vindouros, em que os amantes se tornam hostis um mano que, subjugado pelo amor, assemelha-se mais ao outro. ao estrangeiro dominado. De certa forma, todo o O último dístico do segundo poema compara segundo poema trata do servitium amoris, o ideal explicitamente Cupido e Júlio César, chaman- elegíaco de servidão completa do amante à amada. do-os de parentes (a família de César, gens Julia, O servitium, tema central na poesia elegíaca roma- seria descendente de Vênus). Esse parentesco, 141 com Vênus como ancestral comum, apresenta Os Dois Primeiros Poemas ainda outra implicação. A deusa era também a mãe do herói Enéas, fundador mítico de Roma. Os dois primeiros poemas dos Amores são Assim, não apenas o Império é semelhante ao apresentados a seguir em uma tradução poética reino de Cupido. O próprio povo romano, per- em português e uma tradução em prosa em in- sonificado em César, é como Cupido, pois am- glês. bos têm sua origem na relação adúltera entre o Nas traduções abaixo, versos dodecassílabos amor e a guerra. Nos dois primeiros poemas dos (ou alexandrinos) substituíram os solenes he- Amores, Ovídio mostra que o reino do Desejo era xâmetros latinos e decassílabos substituíram os um espelho de tudo o que Roma representava. O pentâmetros latinos. Os dodecassílabos dos po- eu-lírico, que a princípio resistia à vontade de emas traduzidos são todos acentuados na sexta Cupido, agora jura fidelidade ao poderoso domi- e na décima segunda sílabas; já os decassílabos nador. Ao se tor- são ora heroicos nar um cativo, o “Embora o latim e o português sejam (acentuados na poeta não pode línguas próximas, traduzir poesia de uma sexta e na décima) mais se identificar para outra é muito desafiador. O sistema ora sáficos (acen- com o modelo de tuados na quarta, cidadão romano, métrico da poesia latina era baseado na na oitava e décima viril e militarista. duração das sílabas, enquanto o português sílabas). A tradu- Ainda assim, ele é baseado em sua tonicidade” ção para o portu- se torna o cidadão guês tem exata- de outro Império. Em nome da Roma invertida, mente o mesmo número de versos que os poemas ele conquistará e espoliará, pois, como se diz no originais, mantendo intacto, tanto quanto possí- nono poema dos Amores, “todo amante é um sol- vel, o conteúdo essencial de cada dístico – permi- dado”. tindo, assim, uma leitura justalinear do original em latim e de sua tradução em português. Não foram empregadas rimas na tradução, uma vez que esse recurso era desconhecido (ou delibera- damente evitado) na poesia clássica em latim. A tradução inglesa aqui apresentada é rigida- mente fiel ao conteúdo dos originais, ainda que isso resulte em uma prosa algo pedante. À sua maneira, cada tradução consegue recuperar algo dos poemas de Ovídio.

Eugène Delacroix – Ovid among the Scythians – 1862 CULTURA E ARTE

Amores, livro 1, poema 1 Armas em tom solene e guerras violentas Meu verso se ergue firme na primeira linha, eu preparava em versos adequados, para logo depois amolecer. todos do mesmo tamanho. Mas o Cupido E o que fazer com versos leves, se eu não riu e – dizem – roubou-lhes um pedaço! tenho Malvado! Quem te deu poder sobre o poema? moço ou moça de bela cabeleira? Somos vates das Musas e não teus! Eu reclamei. Cupido folgou sua aljava, Ou se Vênus tomasse as armas de Minerva, escolheu flechas para dar-me fim com Minerva seu fogo iria arder? e curvando seu arco fortemente, disse: Alguém cultivaria Ceres na floresta, “Aceita, vate, o que possas cantar!” deixando os campos férteis a Diana? E quem daria a espada a Febo cabeludo, Pobre de mim! As flechas voaram certeiras. enquanto Marte tira um som da lira? Queimo e no peito fundo reina o Amor. Teus reinos são imensos, rapaz cobiçoso. Que o poema se eleve e depois perca a força. Por que desejas dominar mais um? Adeus, guerras de ferro e vossos ritmos! Ou, como tudo mais, a poesia é tua? Enfeita teus cabelos qual noiva, ó Musa: Já não é só de Febo toda a lira? Serás louvada em versos desiguais.

Amores, livro 1, poema 2 O que é isso, que a colcha parece O povo clamará triunfo e tu, no carro, tão dura, guiarás habilmente as aves presas. nossas mantas não param sobre O seguirão, cativos, os jovens e moças, a cama, e a procissão será o teu triunfo. A noite atravessei, tão longa, sem Eu, há pouco ferido, minh´alma tomada, dormir Serei presa recente nos grilhões. e no corpo revolto os ossos A Consciência irá de mãos atrás das costas, doem? ela, o Pudor e todos contra o Amor. Pois eu perceberia se o Amor me tentasse... Estendendo-te os braços, todos temerão; Ou o esperto penetra às escondidas? “Viva! Triunfo!” o povo gritará. Que seja! Flechas leves no meu coração Ao teu lado, Carícias, Engano e Loucura, e no peito possesso o Amor selvagem. conduzem multidões a tuas terras. Rendo-me ou luto e acendo esse fogo imprevisto? Com soldados assim vences homens e deuses: Rendo-me, pois com jeito a carga é leve. sem tais vantagens estarias nu. Já vi chamas jogadas arderem voando Do Olimpo a mãe feliz aplaudirá seu filho, e, sem agitação, as vi morrer. jogando rosas para o triunfante. Bois presos que de início não querem servir Nas asas uma joia, nos cabelos outra: apanham mais que os que gostam do arado. dourado irás em teu carro dourado. Cavalos bravos se ferem na embocadura; Então também não poucos queimarás, se o sei. se adequando, mal sentem os estribos. Então também farás muitas feridas. O Amor oprime mais perfurante e feroz Não cessarão as flechas, mesmo que tu queiras. os rebeldes que escravos assumidos. A chama queima tudo ao seu redor. Eu confesso, Cupido! Já sou tua presa. Baco venceu da mesma forma lá no Ganges: Nossas mãos derrotadas te pertencem. montava os tigres qual tu montas aves. Basta de guerras! Rogo por graça e por paz: Se posso então ser parte do sacro triunfo, Vencido inerme, não sou glória alguma. não desistas de mim, ó vencedor! Enfeita-te que teu padrasto e mãe darão Observa as boas armas de teu primo César: carruagem puxada pelas pombas. a mão que os venceu protege os vencidos. 143

Marte e Vênus com o Cupido e um cachorro, Paolo Veronese (1580) DIVERSOS

Alexandre Marchetti / Itaipu Binacional

Na Itaipu, o traço todo da diplomacia

Maria Eduarda Paiva

Em 2016, a cidade de Foz do Iguaçu foi o ter- Foz do Iguaçu também é, para a maior parte ceiro destino turístico mais visitado do Brasil. dos turistas, uma oportunidade de vivenciar a ro- Existem razões de sobra para que a cidade do oes- tina de uma tríplice fronteira. É possível incluir, te catarinense, localizada na fronteira com o Para- na programação de um único dia, uma visita a Ciu- guai e a Argentina, atraia uma legião de visitantes. dad del Este e a seus famosos centros comerciais e Foz do Iguaçu é a porta de entrada para o Par- um jantar na cidade de Puerto Iguazu, com direito que Nacional do Iguaçu, que não apenas abriga a a um típico asado argentino. Além disso, Foz do maior área remanescente de mata atlântica do sul Iguaçu, em tempos de discussões sobre muros e do país, como também abarca os 275 saltos d´água fronteiras, exibe ao turista uma diversidade que do rio Iguaçu. Eleitas como uma das Sete Novas vibra. Abarca, além de paraguaios e argentinos, a Maravilhas da Natureza, as célebres cataratas do Iguaçu demandam aos visitantes pelo menos dois segunda maior comunidade de origem árabe do dias de viagem: um para o lado brasileiro, outro país, formada principalmente por sírios, libaneses para o lado argentino. e egípcios. 145

O passeio a Foz do Iguaçu não estaria completo adversidade que são superados pela ação de indiví- sem a visita à usina de Itaipu, localizada a apenas 17 duos atentos ao interesse nacional e à necessidade quilômetros da tríplice fronteira. Maior hidrelétri- de realizar concessões. Caso alguém se proponha a ca do mundo em geração de energia limpa e reno- realizar semelhante estudo na diplomacia brasilei- vável, a Itaipu Binacional segue colecionando uma ra, certamente a construção de Itaipu Binacional fi- série de êxitos. Em 2016, foi a primeira hidrelétrica gurará entre as histórias a serem recontadas. Entre do mundo a ultrapassar 100 milhões de megawatts- os atores importantes do enredo, destacam-se cer- hora (MWh) de geração anual. Com um total de tamente os Embaixadores Guimarães Rosa, Mário 103.098.366 MWh, a usina superou o recorde de Gibson Barboza e Ramiro Saraiva Guerreiro. 98,8 milhões de MWh estabelecido pela chinesa Três Gargantas, em 2014, e recuperou o primeiro Guimarães Rosa e a Divisão de lugar mundial em produção anual de energia limpa Fronteiras do Itamaraty e renovável. Desde quando começou a operar, em maio de 1984, já gerou mais de 2,4 bilhões de MWh, Itaipu surgiu de um dissídio fronteiriço. O Tra- o que seria suficiente para abastecer todos os países tado de Limites de 1872, bem como o instrumento do mundo por 40 dias, duas horas e 45 minutos. complementar de 1927, gerava interpretações dis- Itaipu Binacional é, igualmente, um sucesso em tintas sobre como se daria a demarcação da fron- termos de sustentabilidade ambiental. Desde 2003, teira entre Brasil e Paraguai por meio do Rio Para- estabeleceu como missão institucional contribuir ná. Durante a década de 1960, o Paraguai passou efetivamente para o desenvolvimento sustentável. a contestar a posse do Salto de Sete Quedas, cujo Com o Programa Cultivando Água Boa, Itaipu pro- potencial hidrelétrico já se mostrava evidente. No moveu a formação de uma rede de proteção dos re- intuito de solucionar a questão de maneira pacífica, cursos da bacia hidrográfica do Paraná 3, localizada foi instituída a Comissão Mista de Limites e Carac- no oeste do Paraná, na confluência dos rios Paraná e terização da fronteira Brasil-Paraguai. Iguaçu. Trata-se de um movimento de participação Desde 1956, a Divisão de Fronteiras do Minis- comunitária permanente, em que Itaipu, além de tério das Relações Exteriores era local de trabalho mitigar e corrigir passivos ambientais, trabalha em de um imortal: o embaixador-escritor João Guima- conjunto com a sociedade para promover valores de rães Rosa. Ele era o responsável por coordenar as sustentabilidade. Atualmente, são desenvolvidos 20 demarcações de fronteiras com os países vizinhos, programas e 65 ações, que vão desde a recuperação além de supervisionar os trabalhos das duas Co- de microbacias e a proteção das matas ciliares e da missões Demarcadoras de Limites (com sede em biodiversidade, até a disseminação de saberes que Belém e no Rio de Janeiro). Conta-se que o em- contribuem para a formação de cidadãos. baixador Rosa aceitara o trabalho porque haviam Um turista menos atento pode considerar que lhe garantido que o Barão do Rio Branco já havia Itaipu destaca-se tão somente como obra grandiosa demarcado todas as fronteiras do Brasil. Com isso, de engenharia. Sua construção, no entanto, depen- seria possível dedicar-se com mais afinco a seu uni- deu em grande medida da atuação da diplomacia verso literário. Ele não poderia estar mais engana- brasileira. Em seu livro Getting our way, o embaixa- do quanto a sua rotina de trabalho. dor britânico Christopher Meyer narra 9 feitos his- Em 1962, a questão das fronteiras meridionais tóricos protagonizados por diplomatas britânicos. estava oficialmente reaberta, quando o Paraguai As histórias têm em comum contextos de grande enviou nota de protesto ao Brasil, informando que DIVERSOS as quedas d’água do rio Paraná ainda não haviam aos dois países razões de litígio ou desavença, sido demarcadas. Em junho de 1965, o Paraguai seja entre eles um elo de união, como sempre desejaram os anteriores governos do Brasil, e protestou contra a presença de um pequeno desta- firmemente deseja o atual.” camento militar brasileiro na localidade de Porto Coronel Renato, considerada área contenciosa pelo O entendimento da nota do embaixador Guima- país guarani. Cabia, nesse momento, ao diplomata rães Rosa foi consubstanciado, em junho de 1966, na Guimarães Rosa elucidar a questão para o governo assinatura da Ata das Cataratas pelos Chanceleres brasileiro. Juracy Magalhães e Raúl Sapena Pastor. Constava Em artigo para o jornal Folha de S. Paulo, o em- no acordo a possibilidade de aproveitamento con- baixador Luiz Felipe de Macedo Soares relata que, junto do potencial do Rio Paraná. A implementação em janeiro de 1966, o Itamaraty promoveu uma série do projeto, no entanto, é tema de novo capítulo de de reuniões, com distintos órgãos governamentais, nossa história diplomática. para discutir a crise lindeira – que quase chegou ao conflito armado. Coube a Guimarães Rosa, na Sala “O litígio submerso”: a participação dos Índios da antiga sede do Ministério das Relações do embaixador Gibson Barboza na Exteriores, dissertar sobre as fronteiras entre Bra- solução do dissídio sil e Paraguai. “Foram três horas de uma descrição que mostrava seu conhecimento metro a metro da A nota do embaixador Guimarães Rosa lan- fronteira e sua intimidade com os negociadores e de- çou as bases para a possibilidade de aproveita- marcadores desde os tempos do Tratado de Madri”, mento conjunto dos recursos hídricos do Salto relata o embaixador Macedo Soares. de Sete Quedas. Era necessário, no entanto, que Eram também de responsabilidade do embai- a proposta fosse de fato capitaneada pelo Brasil. xador Guimarães Rosa as notas de resposta ao go- Isso se deu, em grande medida, pela atuação do verno paraguaio, em que foram discutidas, de ma- embaixador Mario Gibson Barboza, que favoreceu neira minuciosa, questões de cartografia, geografia a cooperação durante sua chefia de Posto na Em- e direito internacional. Seu mais notável expedien- baixada do Brasil em Assunção e durante seu pe- te sobre o tema– no qual resta evidente seu espírito ríodo como Ministro das Relações Exteriores. Em conciliatório e humanista- é a nota de 25 de março Na diplomacia, o traço todo da vida, o seu livro de de 1966, que discute a possibilidade de exploração memórias, a questão ocupa espaço fundamental, conjunta do potencial energético de Sete Quedas: em capítulo poeticamente intitulado “Paraguai: li- “O Brasil está, como sempre esteve, disposto tígio submerso”. a encetar negociações em torno de tão impor- O embaixador Gibson relata que, ao chegar em tante questão, e a promover, em conjunto com Assunção, em 1966, o Brasil “encontrava-se à bei- o Paraguai, os planos necessários à utilização ra de uma guerra com o Paraguai”. Afinal, “sobre prática, não só do enorme potencial energético esse diferendo de tão modestas dimensões físicas decorrente do salto das Sete Quedas, como de todas as possibilidades que oferecem, à agricul- pairava, contudo, ameaçador, o problema magno da tura e à navegação, as águas do Paraná; de tal soberania, esta palavra mágica, em nome da qual se sorte que esse grande rio, ao invés de oferecer mata e se morre”. Havia sido convidado para assu- 147 mir a chefia da Embaixada para buscar resolver o li- a única, a meu ver, que poderia levar à pacificação tígio de uma maneira que não prejudicasse as fron- dos ânimos e a estabelecer as bases duradouras de teiras reconhecidas pelo governo brasileiro. Desde um entendimento”, relatou. O representante bra- o início de sua missão, no entanto, ele entendeu sileiro foi intransigente quanto às fronteiras de- que uma solução definitiva passava pelo aproveita- marcadas, afirmando que o governo não iria ceder mento conjunto de tamanho potencial hidrelétrico nenhuma fração de seu território consolidado. Pro- no Rio Paraná. “Para mim, nessas condições, o que punha, ainda assim, a solução construtiva ao chan- tínhamos de fazer era procurar tecer uma teia de celer paraguaio: “por que não unimos nossas forças, interesses entre Brasil e Paraguai de tal porte que em vez de levarmos adiante uma disputa tão estéril, gerasse efetivos benefícios aos dois países e trans- e fazemos um grande empreendimento conjunto formasse o diferendo territorial em algo de impor- no rio Paraná, com enorme benefício para os dois tância secundária”, relembra. países e que nos vai unir para sempre? ”, indagou. Com a busca de um consenso em mente, o em- baixador Gibson Barboza buscou discutir questão Sapena Pastor aprovou a ideia, que envolvia o ala- com Sapena Pastor, chanceler do Paraguai. “Eu es- gamento do território em litígio por meio da cons- tava firmemente convencido de que nossa posição trução de uma usina hidrelétrica binacional. Era tinha de ser de conciliação, sem, ao mesmo tempo, o início da Comissão Binacional Conjunta sobre a conceder qualquer fração do território brasileiro. viabilidade do projeto, prenúncio da construção da Posição certamente mais difícil de se defender, mas usina de Itaipu.

Alexandre Marchetti / Itaipu Binacional DIVERSOS

Com a solução do dissídio parcialmente Ao longo da gestão de Gibson Barboza na encaminhada, o embaixador Gibson Barboza voltou Chancelaria, o ápice do conflito teve como palco as à Secretaria de Estado e, em seguida, foi designa- Nações Unidas. Em duas Assembleias-Gerais su- do para ser chefe da Embaixada em Washington. cessivas, a delegação argentina conseguiu aprovar Acabou por ficar no cargo por pouco mais de um resoluções que promoviam o chamado princípio da consulta prévia com efeito suspensivo, que tinha ano, visto que aceitou o convite do General Médi- por objetivo obstar a construção de uma usina hi- ci, escolhido para assumir a Presidência pela junta drelétrica sem o consentimento argentino. Era sa- militar, para tornar-se Ministro das Relações Exte- bido que a Argentina apresentaria um terceiro pro- riores. jeto de resolução sobre o tema. Para garantir uma Ao assumir o cargo de Chanceler, o embaixa- solução bilateral, o governo brasileiro trabalhou em dor Gibson Barboza buscou negociar de maneira duas frentes ao longo da Assembleia-Geral de 1972: definitiva um acordo que propiciasse a integração entendimento direto entre o chanceler Gibson Bar- energética entre Brasil e Paraguai. O governo pa- boza e o chanceler argentino, Brigadeiro MacLau- raguaio mantinha a posição de que ainda havia um ghlin, e negociação entre as delegações brasileira conflito fronteiriço a ser resolvido, enquanto que, e argentina. “Durante quatro dias e quatro noites, no Brasil, diversas vozes eram contrárias à criação as duas delegações discutiam o problema sem in- de uma usina hidrelétrica binacional. Ainda assim, terrupção, sob a chefia diretados dois Chanceleres. as partes iniciaram negociações para elaboração Foi enormemente cansativo, cansaço agravado pela tensão em que nos encontrávamos. As discussões do futuro tratado de Itaipu. “Dir-se-á, então, que começavam cedo e entravam noite adentro. Ofere- o Tratado foi, para nós, de fácil negociação. Muito ciam-se alternativas, propunham-se projetos que pelo contrário, foi uma negociação dificílima, em não eram aceitos. E a discussão recomeçava. Era que as duas partes defenderam acirradamente os um exercício frustrante, pois o fulcro do problema, respectivos interesses nacionais, mas sempre sem a obrigatoriedade da consulta prévia, permanecia perderem de vista a meta final, que era obter-se um sem solução. Era uma feroz luta diplomática, em acordo durável e sólido, isto é, vantajoso, equitati- que nós, brasileiros, parecíamos derrotados, na ma- vamente, para ambas as partes”, afirmou o embai- temática previsível da votação na Assembleia”, re- xador Gibson Barboza em seu livro de memórias. latou o ex-chanceler. Foi nesse período que a Argentina passou a de- Na quarta noite de negociação, pouco antes monstrar descontentamento em relação ao projeto do prazo final para a propositura de resoluções à incubado por seus vizinhos. O principal argumen- Assembleia Geral, o embaixador Gibson Barboza to do país platino era de que a construção de um requisitou ao chanceler argentino uma conversa grande empreendimento hidrelétrico em rio in- privada. No encontro, o Chanceler brasileiro bus- ternacional demandava consulta prévia aos países cou dirimir todas as dúvidas em relação a Itaipu e potencialmente impactados. Havia interesse em dissipar todos os medos, que iam de um possível influenciar os critérios técnicos para a construção rompimento da barragem com potencial de atingir da barragem da futura usina, a fim de viabilizar a Buenos Aires à disseminação de esquistossomose construção de uma usina hidrelétrica argentino- na fronteira argentina por conta da dimensão da -paraguaia a jusante de Itaipu – denominada usina área alagada. Conforme relata, foi um diálogo fran- de Corpus Christi. co, no qual ele chegou a afirmar que “todas as ob- 149

Alexandre Marchetti / Itaipu Binacional

jeções levantadas pela Argentina são irrazoáveis e No entanto, a solução definitiva das discordâncias puramente negativas”. Ao concluir que o Brasil não com a Argentina dependeria da habilidade de outro desistiria de sua nova usina, o chanceler Gibson ator importante da diplomacia brasileira, o embai- Barboza pediu que eles chegassem a um acordo: xador Ramiro Saraiva Guerreiro. não transferir o debate para um foro multilateral, buscar um entendimento construtivo entre parcei- Ramiro Saraiva Guerreiro: a atuação ros regionais, por meio de negociações bilaterais. Foi firmado, assim, o chamado “Acordo de Nova de um “empregado do Itamaraty” York”: um projeto de resolução capitaneado por Argentina, Brasil e Paraguai, que foi aprovado sem Em “Lembranças de um empregado do Itama- nenhum voto contrário. A resolução 2.995/72 des- raty”, livro de memória do embaixador Ramiro Sa- cartava o princípio de consulta prévia e assegurava raiva Guerreiro, a resistência argentina em relação o da informação prévia, que garantia à Argentina à construção de Itaipu tem papel de destaque. Isso informações sobre os dados técnicos do novo em- porque, segundo seu ator, “a América Latina e, em preendimento hidrelétrico. particular, a América do Sul estão e sempre estarão Com isso, estava aberto o caminho para a assi- no centro das preocupações da chancelaria brasi- natura do Tratado de Itaipu, em 26 de abril de 1973. leira. É uma prioridade óbvia”. DIVERSOS

Quando o embaixador Saraiva Guerreiro foi Washington Pastor. “Durante os drinques nos reu- nomeado ministro das Relações Exteriores, a so- nimos a sós e cada qual puxou do bolso um pedaço lução do desentendimento com o vizinho era uma de papel e verificamos que todos os três tínhamos das prioridades da política externa brasileira. Se- anotado os mesmos dados do acordo. Combinamos gundo afirma em seus relatos, a solução da questão aí, levando em conta a agenda dos três, a data de 17 Itaipu-Corpus era uma demanda do próprio presi- de outubro, três semanas mais tarde, a assinatura dente do Brasil à época do regime militar, General do acordo. Foi possível manter reserva até quase a João Figueiredo, que estava disposto a ir pessoal- data da assinatura”, contou o ex-chanceler brasilei- mente a Buenos Aires para dirimir o conflito. Mes- ro. mo após o Acordo de Nova York, a Argentina conti- Em meados de outubro de 1979, os chancele- nuou a defender a tese de que o início das obras de res Pastor, Nogués e Saraiva Guerreiro assinaram Itaipu dependeria de consultas prévias aos países em Ciudad del Este – então Ciudad Stroessner – o ribeirinhos localizados a jusante do Rio Paraná, o acordo tripartite de compatibilização entre as usi- que, para o governo brasileiro, não era respaldado nas de Itaipu e Corpus. Esse ato internacional esta- pelo Direito Internacional. “Entendíamos, no fun- beleceu as regras para o aproveitamento dos recur- do, que o princípio geral de direito internacional de sos hídricos no trecho do Rio Paraná, desde o salto responsabilidade por danos causados era suficiente das Sete Quedas até a foz do rio da Prata. Restavam, garantia”, relatou o Embaixador Saraiva Guerreiro. com isso, estipulados os níveis do rio e as variações O contexto de negociações se complicava porque, permitidas para os diferentes empreendimentos em 1978, Brasil e Paraguai optaram por incluir duas hidrelétricos na bacia comum aos três países. turbinas no projeto original da usina binacional. Logo após a cerimônia, os dignitários cruzaram Em seus primeiros atos como chanceler, o em- juntos a ponte da Amizade e brindaram o êxito em baixador Saraiva Guerreiro consultou a área téc- Foz do Iguaçu. Por fim, concluíram a comemoração nica do Ministério de Minas e Energia e de Itaipu em Puerto Iguazu, ao atravessarem em balsa o rio sobre a importância das duas turbinas adicionais. Iguaçu e almoçarem em um hotel argentino com Ao tomar conhecimento de que elas eram prescin- vista para um bosque. Com a construção de Itaipu díveis para a geração eficiente de energia, estabe- ainda em curso, encerrava-se a complexa obra di- leceu a posição negociadora brasileira: em última plomática. Eram bons presságios de um período em instância, seria possível abrir mão do equipamento, que a integração regional seria a regra. Nossa vizi- em prol de um acordo com a Argentina. “Era tão nhança deixaria de ser um território de desconfian- importante fazer o acordo que, mesmo que per- ça e animosidade para tornar-se um terreno fértil dêssemos algo marginalmente, ao desistir das duas de cooperação e desenvolvimento. turbinas, o preço seria pouco”, recorda. Foi, novamente, às margens da Assembleia Ge- O Resultado ral da ONU que os três países envolvidos na ques- tão obtiveram novo entendimento. Alberto Nogués, A construção de Itaipu Binacional iniciou-se chanceler do Paraguai, ofereceu jantar ao chanceler em 1974, com a chegada das primeiras máquinas ao Saraiva Guerreiro e ao chanceler argentino Carlos canteiro de obras da futura usina. Foi a única obra 151

Alexandre Marchetti / Itaipu Binacional

de grande porte a sobreviver à crise econômica do Em maio de 1984, quando uma das 20 unida- final dos anos 1970, sendo fundamental para a ga- des geradoras previstas no projeto entrou em ope- rantia da segurança energética brasileira. No perío- ração, Itaipu passou a gerar energia que seria fun- do mais crítico de construção da barragem, Itaipu damental para o crescimento e desenvolvimento de passou a empregar cerca de 40 mil trabalhadores. Brasil e Paraguai. Certamente, esse grande esforço Em novembro de 1982, os chefes de Estado do Bra- de engenharia não seria possível sem o trabalho de sil, João Figueiredo, e do Paraguai, Alfredo Stroes- muitos diplomatas, tanto na linha de frente das ne- sner, acionaram o mecanismo que libera a água gociações quanto nos bastidores. Os Embaixadores represada do Rio Paraná e, com isso, inauguraram Guimarães Rosa, Gibson Barboza e Ramiro Saraiva oficialmente a usina hidrelétrica binacional de Itai- Guerreiro representam bem os intensos esforços pu, que permanece a maior do mundo em geração de nossa diplomacia nacional para a construção de de energia limpa. Itaipu. DIVERSOS

Protesto contra a OMC em Seattle, 30 de novembro 1999. Foto por Steve Kaiser

A OMC em águas turbulentas

Pedro Gazzinelli Colares

A Organização Mundial do Co- governamentais quanto de acadê- ou bilaterais. Por outro lado, defen- mércio (OMC), como se sabe, foi micos, jornalistas e membros da sores da OMC e do sistema multi- constituída em torno de três pila- sociedade civil. De fato, nos últimos lateral de comércio têm apontado res fundamentais: o negociador; o tempos, multiplicaram-se declara- para o fortalecimento de tendências de solução de controvérsias; e o de ções, reportagens e artigos contun- contrárias à globalização como cau- monitoramento. Todos são funda- dentes contra a Organização. No sa tanto das críticas quanto das di- mentais para o bom funcionamento Brasil, a questão normalmente é ficuldades atualmente enfrentadas do sistema multilateral de comér- vinculada à avaliação de que o país pelo sistema. cio. Nenhum conseguiu escapar das teria dedicado energia excessiva ao Embora sedutora, a ideia de críticas, cada vez mais frequentes, âmbito multilateral e se descuida- atribuir os problemas enfrentados provenientes tanto de autoridades do da busca por acordos regionais pelo sistema multilateral de comér- 153 cio à recente onda de populismo e co à agricultura de países desenvol- No pilar de solução de contro- nacionalismo vivenciada por partes vidos, como os EUA. Divergências vérsias, a tentação de culpar a Ad- importantes do mundo é, no míni- entre os Membros quanto ao gatilho ministração Trump pela grave crise mo, enganadora. A verdade é que a para a autorização de salvaguardas aberta no ano de 2017 é grande. O Organização Mundial do Comércio especiais (mecanismo que autori- bloqueio pelos EUA do processo de (OMC), instituição central do sis- zaria países em desenvolvimento a seleção de novos árbitros para o Ór- tema multilateral de comércio, tem elevar tarifas para lidar com surtos gão de Apelação da OMC resultou enfrentado dificuldades há pelo me- inesperados de importação ou que- na redução do número de árbitros nos uma década. das de preços) impediram, contudo, em exercício no órgão principal do No pilar negociador, as difi- um desfecho positivo. Desde então a sistema de solução de controvérsias culdades enfrentadas pela Rodada crise econômica internacional, o re- da OMC de 7 para 4. A redução pre- Doha mesmo antes do seu lança- crudescimento de protecionismos e judica significativamente a capaci- mento ilustram claramente a pro- divergências entre os Membros pra- dade de funcionamento do órgão, fundidade dos desafios enfrentados. ticamente bloquearam o pilar ne- que julga as disputas trazidas pelos O ciclo de negociações que ficou gociador da OMC, excetuados ape- Membros em turmas compostas por conhecido como a “Rodada de Doha nas alguns êxitos pontuais, como a três árbitros sorteados a cada caso. para o Desenvolvimento” deveria aprovação do Acordo de Facilitação Esse número limitado de árbitros ter sido lançado na 3ª Conferência do Comércio em Bali (2013), ou a provoca atrasos consideráveis no Ministerial da OMC, realizada em aprovação da Decisão sobre Com- cronograma de julgamentos de dis- Seattle em 1999, mas protestos em petitividade nas Exportações em putas comerciais que envolvem re- larga escala contra a globalização Nairóbi (2015), que proibiu subsí- gras centrais do sistema multilateral impediram qualquer desfecho posi- dios agrícolas à exportação. A 11a de comércio e interesses significati- tivo para a Conferência. Como con- Conferência Ministerial da OMC, vos dos Membros da OMC. Como sequência, a rodada só seria iniciada realizada em dezembro de 2017 em o mandato do árbitro originário de dois anos mais tarde, em Doha, no Buenos Aires não foi capaz de supe- Maurício se encerra em outubro de Catar. rar esse quadro de paralisia. 2018 o Órgão de Apelação chegará Embora o lançamento tenha sido celebrado, até o momento os Membros da OMC fracassaram em concluir as negociações, que já du- ram 16 anos. Ainda mais preocupan- te é que a última vez que um desfe- cho positivo para as negociações esteva “à vista” foi durante a nego- ciação do “July Package” de 2008. Naquele momento, países em de- senvolvimento, como o Brasil, pare- ciam dispostos a aceitar cortes ho- rizontais significativos de tarifas de bens não agrícolas em troca de cor- tes significativos no apoio domésti- Google driverless vehicles: Veículo autônomo da Google . Crédito da foto: © Waymo. DIVERSOS ao fim do ano com apenas três árbi- fera econômica ou comercial. Nesse profecia encontra-se plenamente tros, caso o bloqueio americano seja sentido, a reflexão sobre o sistema realizada. Há poucos séculos o sis- mantido. Isso significa que todos os internacional, o seu funcionamento tema internacional estava restrito à casos submetidos ao Órgão de Ape- e as práticas discursivas que o legi- Europa e a um número limitado de lação a partir dessa data deverão ser timam pode contribuir para a com- Estados nacionais. Após expressiva julgados pelos mesmos indivíduos. preensão dos desafios enfrentados expansão espacial e numérica, hoje A partir de dezembro de 2019, quan- pelo sistema multilateral de comér- ele cobre todo o globo terrestre e é do outros dois mandatos terminam, cio e pela OMC. composto por, pelo menos, 193 Esta- o Órgão se tornaria inoperante, efe- Em “Genealogia da Soberania”, dos (número de integrantes da ONU tivamente suspendendo a instância publicado em 2001, Jens Bartelson em 2018). revisora do mecanismo de solução apresenta uma leitura interessante A promessa de transcendên- de controvérsias e prejudicando do processo histórico de formação, cia, por sua vez, tem relação com a consideravelmente a consistência por um lado, dos Estados-nação e, fundamentação moral desenvolvida do sistema. por outro, do sistema internacional. para justificar o Estado. A metáfora Jornais de todo o mundo de- No livro, o autor discute extensiva- do contrato social justifica o Estado nunciaram a postura iliberal e na- mente as transformações filosófi- com base na pacificação de conflitos cionalista do Governo Trump e a cas, históricas e políticas que teriam internos na sociedade; o Estado re- sua antipatia pela OMC. O Financial permitido o surgimento de uma presenta uma alternativa a um su- Times publicou, em 26 de janeiro nova forma de organização política, posto estado de natureza conflitivo. de 2018, artigo em que afirmava que centrada na Soberania e que cria si- Contudo, a “pacificação” promovida “O sr. Trump há muito sinaliza o seu multaneamente o Estado nacional e pelo Estado nacional apenas trans- descontentamento com a OMC, re- o sistema internacional. Nesse arti- põe o problema para uma ordem su- clamando repetidamente que os EUA go, os detalhes desse processo im- perior em que os Estados passam a perdem muitas batalhas na institui- portam menos que suas consequên- ocupar a posição de indivíduos em ção sediada em Genebra”. O mesmo cias discursivas. Segundo Bartelson, um novo “estado de natureza” ou, artigo noticiava que Wilbur Ross, o sistema internacional nasce am- como preferem teóricos de relações Secretário do Comércio dos EUA, parado discursivamente por dois internacionais, em uma estrutura teria dito que o país estava “ansioso “futuros”, a “profecia de expansão” anárquica. A resposta discursiva para forçar mudanças fundamentais e a “promessa de transcendência”. para essa solução manifestamente na OMC”. Não se deve esquecer, no A realização de um desses futu- incompleta é a promessa de trans- entanto, que as críticas estaduni- ros e a não-materialização do outro cendência, segundo a qual também denses a um suposto ativismo judi- ajudam a compreender os desafios o sistema internacional evoluirá no cial do Órgão de Apelação datam de enfrentados pelo sistema multilate- sentido da superação dos conflitos. administrações anteriores e torna- ral de comércio e pela OMC. Essa promessa está implícita em ram-se mais incisivas já no Governo A profecia de expansão deriva diversos dos textos legitimadores Barack Obama. da ideia (ou do discurso) de que o do sistema internacional, como a Se as dificuldades enfrentadas Estado constitui a melhor forma co- “Paz Perpétua” de Kant, e em dis- pela OMC não são conjunturais, nhecida de organizar politicamente cursos em favor de uma ordem in- torna-se necessário considerar que uma sociedade, o que leva as diver- ternacional baseada em regras e elas possam estar relacionadas com sas comunidades e povos a adota- valores compartilhados e ancorada questões estruturais mais amplas rem progressivamente a forma esta- em organizações internacionais, no do sistema internacional, questões tal de organização, multiplicando o multilateralismo, na diversidade, na estas que não estão limitadas à es- número de Estados nacionais. Essa tolerância e no diálogo. No entanto, 155 a promessa de transcendência, ao Membros com graus de desenvol- cumprir a promessa de transcen- contrário da profecia de expansão, vimento extremamente diversos. A dência. Desde a Rodada Uruguai os ainda não se materializou. paralisação da agenda negociadora países em desenvolvimento recla- é compreensível quando se leva em mam que o sistema multilateral de Os desafios causados pela conta a enormidade da tarefa repre- comércio foi estruturado de forma universalidade sentada pela busca de denominador a beneficiar desproporcionalmente comum entre as necessidades de so- os países desenvolvidos. A Rodada A profecia de expansão ampliou ciedades tão díspares quanto as que de Doha, não por acaso intitulada enormemente o número de atores integram a OMC. O desafio aumenta a Rodada do Desenvolvimento, foi envolvidos e engajados no sistema quando se considera a complexida- lançada com o objetivo declarado multilateral de comércio. No inter- de adicional provocada pela quanti- de melhorar a situação de países em valo de poucas décadas, o GATT, dade de temas em discussão: bens, desenvolvimento e de atender seus que contava com pouco mais de 22 serviços, propriedade intelectual, pleitos por maior abertura agrícola membros originários, evoluiu para a agricultura, facilitação de comércio, e por regras e mecanismos que le- Organização Mundial de Comércio, regras de origem, comércio eletrô- vem em consideração as diferenças que conta hoje com 164 membros. A nico, normas técnicas e fitossanitá- de desenvolvimento entre os Mem- maior quantidade de membros sig- rias, entre outros temas relevantes. bros, bem como as necessidades nifica também uma maior heteroge- especiais de países em desenvolvi- neidade. A OMC inclui, atualmente, Os desafios causados pela mento e de menor desenvolvimento países nos mais variados graus de promessa de transcendência relativo. desenvolvimento e, portanto, pre- O fracasso desse esforço nos úl- cisa contemplar interesses e econo- A promessa de transcendência, timos 16 anos contribuiu para o sur- mias muito distintos. por sua vez, impõe desafios ainda gimento de uma crise de legitimi- A universalidade alcançada maiores ao sistema multilateral de dade e de confiança. Essa crise, por pelo sistema multilateral de comér- comércio. Os Estados, e mais do que sua vez, ensejou críticas e reflexões cio é, evidentemente, reflexo do eles, as pessoas, cada vez mais se sobre a capacidade do sistema in- próprio sucesso. O sistema multila- conscientizam de que o sistema in- ternacional de resolver problemas teral do comércio é uma faceta im- ternacional precisa contribuir para que vão muito além de meras ten- portante do sistema internacional a melhoria das condições da vida dências populistas ou nacionalistas, e, assim como ele, passou por uma humana. O sistema multilateral de embora certamente as alimentem. onda considerável de expansão des- comércio e o liberalismo não são O risco de perda de legitimidade da de o fim da II Guerra Mundial. Esse fins em si, mas meios para a conse- OMC e do sistema multilateral, por- crescimento acelerado, contudo, cução de objetivos como a elevação tanto, aumenta à medida que cresce não deixa de criar desafios impor- dos níveis de vida e de renda, busca a percepção, por parte dos diversos tantes para o sistema, para os quais do pleno emprego ou do desenvol- atores relevantes, quer sejam re- não há resposta simples. vimento sustentável. É a percepção presentantes governamentais, quer O principal deles é o da coor- de que um sistema de comércio in- sejam membros da sociedade civil, denação da ação coletiva. É neces- ternacional livre produzirá um am- como empresários, de que a OMC é sário definir que OMC queremos, e biente de maior intercâmbio e efi- ineficaz. É sintomática, nesse senti- como chegar a um consenso (dado ciência econômica para todos que do, declaração de Vera Thorstensen, que esse é o princípio orientador da fundamenta o sistema. diretora do Centro de Comércio tomada de decisão na Organização) Infelizmente, o sistema inter- Global da Fundação Getúlio Var- em um universo negociador de 164 nacional ainda não foi capaz de gas, dada à Folha de São Paulo em DIVERSOS

2013, no contexto da Conferência Um exemplo claro de atribui- res. Uber e Google testam veículos Ministerial de Bali. Perguntada so- ção indevida foi apontado pelo Di- autônomos em diversas cidades dos bre o futuro da OMC no caso de fra- retor-Geral da OMC, o embaixador EUA e prometem ofertar serviço de casso da conferência, afirmou: “Um Roberto Azevedo, em palestra no transporte sem motorista até o final fracasso da conferência de Bali vai Instituto Rio Branco em 2016: a li- da década. Não há dúvidas de que mostrar que o multilateralismo como beralização do comércio interna- essa seja uma questão importante mecanismo de criação de regras para cional e a globalização (e, portanto, e com implicações transnacionais. o mundo acabou. Não só no comér- a OMC) são, com frequência, acu- Nesse sentido, é natural esperar al- cio, mas nas negociações de clima e sadas de serem responsáveis pelo gum tipo de solução internacional até na ONU. É uma crise de gover- desaparecimento de milhares de para o problema. Esperar, contudo, nança global.”. postos de trabalho nos países desen- que a OMC seja capaz de produzir A percepção de que a OMC é in- volvidos. Esses postos, supostamen- uma solução para a questão é irrea- capaz de cumprir os objetivos para te, estariam sendo transferidos para lista. Considerá-la culpada pelo fe- os quais a organização foi criada é países como a China ou o Vietnã. O nômeno, que nada tem a ver com o extremamente perigosa e traz da- argumento, contudo, desconsidera comércio internacional, é incorreto. nos graves à imagem da entidade. os impactos sobre a existência de Contudo, a organização enfren- postos de trabalho provocados por O caminho a ser percorrido ta um problema adicional que, de transformações econômicas e tec- certa maneira, também está rela- nológicas que não tem relação com a Traçar um curso seguro nes- cionado à transcendência. É que, OMC, como a automação. Inteligên- sas águas turbulentas não é tarefa além das críticas legítimas ao fun- cia Artificial, robótica e “Big Data” simples. É inegável, contudo, que cionamento da organização e à sua estão provocando transformações a OMC segue sendo instituição re- incapacidade, até o momento, de sistêmicas sobre a economia e o levante e necessária para o bom realizar plenamente a promessa de emprego; eles possibilitam a auto- funcionamento do sistema interna- um sistema multilateral de comér- mação não apenas de indústrias, cional. Há indiscutíveis ganhos de cio justo, equilibrado, que promova mas também de setores de serviços eficiência na regulação de diversos o desenvolvimento sustentável e a intensivos em mão de obra como aspectos do comércio internacio- prosperidade de todos, a OMC en- transporte e varejo. Ameaçam, nal no plano multilateral. A queda frenta também o desafio de manejar portanto, a própria existência de de custos de transação decorrentes expectativas. Para a maior parte da profissões que empregam grandes da harmonização de normas técni- população, as capacidades e com- contingentes como é o caso de mo- cas e fitossanitárias, por exemplo, petências de cada componente do toristas ou caixas de supermercado. cria ganhos de eficiência econômica sistema internacional nem sempre Os efeitos desse processo já são sen- importantíssimos, contribuindo de são claras ou relevantes, de modo tidos em diversas partes do mundo modo significativo para o aumento que expectativas são depositadas e devem se acentuar rapidamente dos níveis de desenvolvimento dos sobre a OMC independentemente nos próximos anos. Nos Estados diversos países. Ao contrário, o co- da capacidade ou das atribuições da Unidos, a Amazon inaugurou re- lapso do sistema multilateral e a sua Organização. Dessa forma, a OMC, centemente, em Seattle, supermer- substituição por uma infinidade de uma organização internacional com cado automatizado que conta com regimes bilaterais ou regionais traz mandato sobre comércio interna- apenas um funcionário, localiza- complexidade excessiva para o co- cional, precisa, com frequência, en- do na sessão de bebidas alcoólicas, mércio internacional, com inegável frentar críticas decorrentes de pro- para cumprir a determinação legal prejuízo para o volume de comércio blemas econômicos mais amplos. de checar a idade dos comprado- e para a eficiência econômica. 157

Um sistema multilateral de co- desejados. É irônico que a crença à entidade. É necessário, contudo, mércio baseado em regras, como é na promessa de transcendência e os que os Membros da Organização o da OMC, é ainda mais importante sucessos obtidos nessa busca até o demonstrem maturidade política para países em desenvolvimento, momento tenham contribuído para para compreender o que está em como o Brasil, privados de recur- a aceleração da profecia de expan- jogo e busquem formas de atender sos de poder capazes de rivalizar são e, nesse sentido, ampliado os às expectativas que suas sociedades os das principais potências. Regras desafios de coordenação existentes depositam sobre a entidade. multilaterais fornecem não apenas atualmente. Dezenas de países em Concessões de todos os envol- segurança jurídica e previsibilida- desenvolvimento aderiram à Orga- vidos serão certamente indispensá- de ao sistema, mas uma garantia nização e esperam que ela contri- veis e é preciso preparar a própria contra medidas unilaterais e abu- bua para a superação de problemas sociedade para aceitá-las. A aber- sos por parte de países mais ricos sérios enfrentados por suas socie- tura comercial e a intensificação ou poderosos. dades; que as ajudem a escapar da dos fluxos de comércio, embora re- Como se viu, o desafio criado pobreza e a melhorar as condições sultem em melhorias de bem-estar pela promessa de transcendência de vida de sua população. É neces- para a sociedade em geral, não pro- é, efetivamente, uma questão de sário realizar esforço de atendi- duzem efeitos uniformes. Ajustes legitimidade. Estados e sociedades mento destes anseios. Os desafios são necessários e setores específicos investiram tempo e dinheiro no de- relacionados com uma negociação (geralmente aqueles menos prepa- senvolvimento de uma organização que envolve 164 membros não são rados para lidar com a concorrência internacional amparados na crença menores, mas tampouco podem internacional) são adversamente de que ela seria capaz de contribuir servir de pretexto para o abando- afetados. Aceitar a necessidade de para seus objetivos. A relevância de no do projeto multilateral e para a concessões, portanto, não pode sig- qualquer organização internacio- adoção de medidas unilaterais e nificar o abandono daqueles setores nal, incluindo a OMC, está predica- protecionistas. É justamente nesse e daquelas pessoas negativamente da, portanto, na sua capacidade de momento que a diplomacia, a dis- impactados e que mais precisam continuamente atender a essas ex- posição para o diálogo e a busca de de ajuda. A promessa de transcen- pectativas. Não há dúvidas de que o construção de consensos se tornam dência renovada continuamente sistema multilateral de comércio e a mais importantes do que nunca. pelo sistema às sociedades que o OMC contribuíram significativa- Nesse contexto, há certamente estabeleceram não se sustenta se mente para o grande ganho de pros- um elemento de manejo de expec- parcelas da população ou setores peridade e desenvolvimento perce- tativas, no sentido de conscientizar econômicos forem simplesmente bido por todo o mundo nos últimos a sociedade de um modo geral sobre ignorados. Os governos em parti- 70 anos. É, contudo, necessário con- as dificuldades do processo. É pre- cular, mas também todos aqueles tinuar avançando. ciso impedir que esperanças desme- envolvidos na preservação e no su- O caminho a ser percorrido não suradas estimulem um sentimento cesso da OMC precisam fazer mais é fácil. Os desafios concretos colo- de frustração indevido que alimenta para ajudar na adaptação daqueles cados diante da OMC são de difícil discursos populistas ou isolacionis- que sofrem as consequências da in- resolução. A busca por maior equi- tas e mina o apoio à Organização. É tensificação do sistema multilateral líbrio entre os anseios de países de- igualmente relevante resguardar a de comércio. Só assim será possível senvolvidos e em desenvolvimento OMC contra a perda da legitimida- à OMC superar as dificuldades que ainda não alcançou os resultados de decorrente de fenômenos alheios a afligem e realizar o seu potencial. DIVERSOS

O Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI): uma proposta brasileira

Pedro Barreto da Rocha Paranhos

No dia 28 de julho de 2017, o primeiro Acordo vestimentos, os acordos de promoção e proteção de de Cooperação e Facilitação de investimentos (ACFI) investimentos (APPIs). O que é mais importante, o da história entrou em vigor internacional. O instru- ACFI com Angola significa a concretização, no pla- mento, que estabelece regime de investimentos entre no do Direito Internacional, da alternativa brasileira Brasil e Angola, passou a ter eficácia jurídica inter- aos modelos tradicionais de APPI. Trata-se de mo- na a partir de sua promulgação pelo Decreto Presi- delo que propugna a ideia de que o regime de inves- dencial n. 197, de 11 de outubro de 2017. Em termos timentos entre duas ou mais partes deve ser um jogo de política externa, a vigência do ACFI com Angola de soma positiva. representa quebra de paradigma histórico de recu- Antes de entrar em detalhes sobre o modelo bra- sa do Brasil em ratificar tratados que regessem in- sileiro, cabe uma breve retrospectiva sobre os APPIs, o

Marginal of Luanda Crédito da foto: Paulo César Santos. Wikimedia Commons 159 regime internacional de investimentos a que deram ori- forço multilateral para o estabelecimento de regime de gem e a sua discussão no Brasil. investimentos. A proteção de investimentos é tema recorrente da O principal resultado desse esforço foi a Conven- relação entre Estados desde o século XVI. Os Acordos ção para a Resolução de Diferendos Relativos a Inves- de Amizade, Comércio e Navegação garantiam privi- timentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados légios de acesso a mercados por capitais estrangeiros. (Convenção de Washington, de 1965). A Convenção ins- Os regimes especiais de investimentos, que conferiam titui o Centro Internacional para a Arbitragem de Dis- a investidores metropolitanos direitos quase soberanos, putas sobre Investimentos (CIADI), com o objetivo de foram crescentemente contestados. A expropriação de facilitar a conciliação e a arbitragem entre investidores empreendimentos, a limitação da remessa de lucros e a privados estrangeiros e Estados. O CIADI, que integra a moratória do pagamento de dívidas foram os principais estrutura do Banco Mundial, tem o propósito de ser foro meios de resistência a tais regimes, a qual ocorreu a ele- isento de interferências políticas. O Brasil não ratificou vados custos políticos. Como é sabido, a doutrina Drago, a Convenção de Washington, pois o Congresso Nacio- elaborada pelo chanceler argentino Luis Maria Drago nal não aprovou seu texto, no entendimento de que o em face da ameaça de intervenção militar alemã, britâ- novo regime não só concedia privilégios ao investidor nica e italiana na Venezuela por motivo de cobrança de estrangeiro, como também limitava o espaço regulatório dívida, contestou a possibilidade de ação militar para a do Estado. proteção de propriedade privada. Ademais, na Améri- O conceito de espaço regulatório do Estado permeia ca Latina, consolidou-se também a doutrina Calvo, que as discussões sobre as regras internacionais para inves- preconiza a igualdade jurídica entre nacionais e estran- timentos até hoje. Trata-se da possibilidade de um ente geiros, propondo que os investimentos destes deveriam privado influenciar a formulação de políticas públicas submeter-se ao regime jurídico daqueles. por motivações particulares, em detrimento do interes- Em contexto de retirada dos administradores me- se público. Essa influência dá-se, em larga medida, por tropolitanos, por um lado, e, por outro lado, da possibi- meio do sistema de solução de controvérsias investidor- lidade de nacionalização de empreendimentos estran- -Estado (em inglês, Investor-State Dispute Settlement geiros pelos então recém-formados Estados, a proteção – ISDS), que foi consolidado pelos APPIs. de investimentos tornou-se o foco da elaboração de um Novo período de disseminação de APPIs ocor- conjunto de regras sobre a matéria. Em ambiente domi- reu nos anos 1990, na sequência da queda do muro de Berlim e do colapso da União Soviética. Note-se que a nado por tensões políticas, colocava-se o desafio de des- preocupação subjacente à formulação de tais acordos vincular contenciosos entre investidores estrangeiros era similar à dos períodos anteriores: desvincular dispu- (em sua maioria particulares) e os Estados das disputas tas entre atores privados e Estados recém-formados da entre soberanias. conjuntura de separação política, oferecendo garantias Os APPIs contemporâneos são, em larga medida, de proteção ao capital estrangeiro. resposta ao fenômeno da descolonização da segun- Na atualidade, o regime internacional de investi- da metade do século XX. Considera-se que o primei- mentos tem por fundamento uma miríade de APPIs (de ro APPI foi o firmado entre Alemanha e Paquistão, em acordo com a edição de 2017 do World Investment Re- 1959. De fato, as independências de Estados coincidiram port1, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio com aumento no investimento estrangeiro direto (IED) e Desenvolvimento – UNCTAD –, são 3.324 em vigor), relacionado à exploração de recursos naturais e à pres- que se pautam pelo mecanismo ISDS, que, como visto, tação de serviços públicos. Episódios de expropriação, permite aos investidores estrangeiros o acesso direto como a dos ativos da Anglo-Iranian Company, e de na- cionalização, como a do Canal de Suez, levaram a es- 1 http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2017_en.pdf DIVERSOS a arbitragem internacional. Os diversos mecanismos quer que seja o resultado das discussões na UNCITRAL, de ISDS previstos pelos APPIs não são homogêneos. É é evidente a crescente demanda por mudança nas regras possível identificar as principais cortes internacionais sobre solução de controvérsias em investimentos. de arbitragem, como o CIADI, a Câmara Internacional A despeito de não ter participado da formação do de Comércio de Paris, a Corte Permanente de Arbitra- regras tradicionais de investimentos, seja por não ade- gem de Haia e o Centro Internacional de Arbitragem de rir à Convenção de Washington, seja por não ratificar Singapura, dentre outras. Pode-se notar, também, es- APPIs, o Brasil foi e é um dos principais destinos de forço, em nível multilateral, de padronização de regras IED no mundo. O World Investment Report3, da UNC- relativas à arbitragem em investimentos. As Regras de TAD, indica que o País foi o sétimo maior receptor de Arbitragem (1976) da Conferência das Nações Unidas IED em 2017. Há que se considerar, também, que o Bra- sobre o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL) sil se tornou, a partir dos anos 2000, um exportador de e o Mapa do Caminho (Roadmap) para a Reforma do Re- capitais. A crescente atividade de empresas brasileiras gime Internacional de Investimentos (2014), da UNC- no exterior, além de representar mudança de paradig- TAD, são exemplos de tais esforços. ma, evidenciou desafios, principalmente no que concer- O mecanismo de ISDS deu margem a série de deci- ne à proteção de ativos. São casos notórios, nesse senti- sões consideradas arbitrárias, tanto por não seguirem li- do, a nacionalização dos ativos da Petrobrás na Bolívia, nha de coerência jurisprudencial quanto por limitarem em 2006, e a ocupação de instalações da Odebrecht no o espaço regulatório dos Estados. Em anos recentes, o Equador, em 2008. número de disputas envolvendo ambos autores e réus O Brasil negociou e assinou 14 APPIs na década de de países desenvolvidos vem aumentando. Trata-se de 1990 (Alemanha, Bélgica e Luxemburgo, Chile, Coreia mudança de paradigma, na medida em que desloca a do Sul, Cuba, Dinamarca, Finlândia, França, Itália, Paí- ênfase no dualismo países industriais e países em de- ses Baixos, Portugal, Suíça, Reino Unido e Venezuela). O senvolvimento para a realidade de disputas entre paí- Congresso Nacional não aprovou os textos negociados, ses desenvolvidos. É significativo, nesse sentido, que, e, em consonância com as atribuições de competências de acordo com a UNCTAD2, aproximadamente 1/5 das previstas na Constituição Federal de 1988, os APPIs fo- arbitragens relativas a investimentos iniciadas em 2017 ram retirados. 4 foram iniciadas por um investidor de um país membro De acordo com Vivian Rocha Gabriel , foram diver- da União Europeia contra outro país membro do bloco sas as motivações para a recusa de aprovação dos APPIs pelo Congresso Nacional. Em primeiro lugar, tratou- regional. Os casos entre países da UE representam apro- -se da inconstitucionalidade da indenização por desa- ximadamente 19% das 855 arbitragens com base em me- propriação de modo imediato, em moeda conversível e canismos de ISDS. livremente transferível, conforme o texto dos acordos A mudança da natureza das disputas em mecanis- assinados. No Brasil, há duas possibilidades em que o mos ISDS, envolvendo crescente número de contencio- investidor nacional não faz jus ao pagamento líquido e sos entre países desenvolvidos, vem suscitando debates imediato, quais sejam as relativas à desapropriação de acerca da necessidade de reforma do mecanismo. Foi re- propriedade em solo urbano não edificado em que não instituído, em 2017, no âmbito da UNCITRAL, o Grupo seja cumprido o dever do proprietário de atribuir-lhe de Trabalho III, com o intuito de discutir possível re- função social e à desapropriação por interesse social forma de ISDS. Nesse contexto, uma das propostas que para fins de reforma agrária (em ambos os casos a com- mais ganha fôlego, ainda que sofra forte resistência por pensação é feita por meio de títulos específicos), previs- importantes atores, é a europeia, que defende a institui-

ção de uma corte internacional de investimentos. Qual- 3 http://unctad.org/en/PublicationsLibrary/wir2017_en.pdf 4 GABRIEL, Vivian Daniele Rocha. A proteção jurídica dos investi- 2 http://investmentpolicyhub.unctad.org/News/Hub/Home/1580 mentos brasileiros no exterior. São Paulo: Lex Editora, 2017. 161 tas pelos artigos 182 e 184 da CF/88, respectivamente. lo brasileiro (107ª Reunião do Conselho de Ministros da Em segundo lugar, argumentou-se que o compromisso CAMEX, 5/5/2015). de celeridade e liquidez estabelecido pelos APPIs po- deria inferir com o princípio da ordem cronológica dos ACFIs assinados pelo Brasil1 precatórios, previsto pelo artigo 100 da CF/88. Em ter- Data de País Status ceiro lugar, no que concerne à possibilidade de recurso assinatura a mecanismos de ISDS, argumentou-se que poderia ser Moçambique 30/3/2015 Aguarda ratificação violada a obrigatoriedade de esgotamento dos recur- Angola 1/4/2015 Em vigor sos jurídicos internos, ferindo, assim, a soberania esta- México 26/5/2015 Aguarda ratificação tal. Em anos subsequentes, o Brasil deixou de negociar Maláui 26/6/2015 Aguarda ratificação APPIs, decisão reforçada pelo processo político interno Colômbia 9/10/2015 Tramitação Congresso Nacional e pelo crescente número de processos em que países vi- zinhos, em particular a Argentina, tornaram-se réus em Chile 23/11/2015 Em ratificação mecanismos ISDS. Peru2 29/4/2016 Aguarda ratificação Considerando a sua crescente atividade de exporta- MERCOSUL3 7/4/2017 Tramitação Congresso Nacional ção de capitais, o Brasil envidou esforços para desenvol- Etiópia 11/4/2018 Aguarda ratificação ver alternativa aos APPIs. O resultado foi a elaboração Suriname 2/5/2018 Aguarda ratificação do Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimen- 1 Para acompanhamento da tramitação de acordos assinados pelo Brasil, tos (ACFI). recomenda-se a ferramenta de consultas Concórdia, do MRE, disponível ao Em 2012, a Câmara de Comércio Exterior (CA- público em: https://concordia.itamaraty.gov.br. 2 Trata-se do Capítulo 2 (Investimentos) do Acordo de Ampliação MEX) deu ao Grupo Técnico para Estudos Estratégicos Econômico-Comercial entre a República Federativa do Brasil e a República do Peru. em Comércio Internacional (GTE) um mandato para a 3 Trata-se do Protocolo de Cooperação e Facilitação de Investimentos Intra- elaboração de novo modelo de acordo de investimentos MERCOSUL (PCFI). a ser adotado pelo Brasil. O ACFI resulta, portanto, de trabalho de equipe interministerial que, liderada pelo Conforme Cozendey e Cavalcante5, o modelo bra- MDIC, teve representantes do MRE, da Fazenda, do sileiro parte da concepção de longo prazo de que os Banco Central e da Secretaria-Executiva da CAMEX, Estados devem cooperar para auxiliar a realização e a em consultas a outros órgãos e entidades, bem como ao expansão de investimentos recíprocos. O modelo brasi- setor privado – em particular por meio da Confederação leiro preconiza a instituição de mecanismos que facili- Nacional da Indústria (CNI) e da Federação das Indús- tem o acesso de investidores estrangeiros ao mercado trias do Estado de São Paulo (FIESP). O documento em- nacional. Ademais, o ACFI enfatiza a necessidade de brionário do modelo brasileiro foi a Ata da 96ª Reunião cooperação como fator determinante para a atração de do Conselho de Ministros da CAMEX, de 16/7/2013, em investimentos. O ACFI é também uma resposta à de- que foi aprovado o texto do Acordo e recomendada a sua manda por uma revisão dos APPIs tradicionais, prin- negociação com países africanos. Cabe notar que, na fase cipalmente no que concerne ao sistema de solução de inicial de desenvolvimento do ACFI, buscou-se dar uma controvérsias. resposta à mencionada crescente internacionalização Os objetivos de cooperação e de facilitação do ACFI de empresas brasileiras e ao aumento de investimentos efetuam-se por meios institucionais e pela previsão de nacionais no exterior. Após a assinatura dos ACFIs com composição de agenda temática pelas partes signatá- Angola, Moçambique e Maláui, foi decidida, também no

âmbito do Conselho de Ministros da CAMEX, a amplia- 5 COZENDEY, Carlos Marcio Bicalho; CAVALCANTE, Pedro Mendon- ção do mandato negociador brasileiro para todos os paí- ça. Novas Perspectivas para Acordos Internacionais de Investimentos – ses interessados em concluir acordo com base no mode- o Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI). Cader- nos de Política Exterior, Brasília, v. 1, n. 2, out. 2015. p.89. DIVERSOS rias. Os principais meios institucionais previstos pelo melhoria do seu ambiente de investimentos. Trata-se, Acordo são o Comitê Conjunto e o Ponto Focal Nacio- portanto, de meio para definir projetos de cooperação nal. O Comitê Conjunto é instância consultiva, na qual que respondam a desafios específicos de determinada participam funcionários de governo das partes, com as relação bilateral (ou plurilateral, como no caso do PCFI, funções de supervisionar a implementação do Acordo, de que são signatários Argentina, Brasil, Paraguai e Uru- disseminar oportunidades de investimentos, auxiliar guai). Em particular, o conceito de agenda temática pro- no processo de prevenção de controvérsias e promover posto pelo ACFI responde a anseio do setor privado em consultas ao setor privado e à sociedade civil em assun- ter melhores condições de realização de seus empreen- tos específicos. dimentos no exterior, principalmente no que concerne O Ponto Focal Nacional, também denominado om- à procedimentos burocráticos. Na prática, as agendas budsman nos ACFIs assinados e ombudsperson na ver- previstas nos ACFIs assinados pelo Brasil definem ob- são mais recente do texto-padrão, pode ser considerado jetivos relacionados a procedimentos como pagamentos o elemento mais inovador do modelo brasileiro. Ainda e transferências, concessão de vistos, regulamentos téc- que tenha alguns antecedentes, notadamente o modelo nicos e ambientais, bem como inciativas de intercâm- de ombudsman sul-coreano, o ACFI prevê a instituição bio institucional. Ademais, as agendas identificam áreas de pontos focais em todos os países signatários. No Bra- de cooperação, como a capacitação de mão-de-obra, a sil, foi instituído o Ombudsman de Investimentos Dire- transferência de tecnologia, a promoção do desenvolvi- tos (OID) pelo Decreto 8.863/16, com funcionamento na mento sustentável, dentre outras. Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior Em relação às possíveis controvérsias decorrentes (SE-CAMEX). Cabe destacar importante aspecto de ar- do acordo, o ACFI promove mudança fundamental de ticulação interna, pois, para cumprir com as funções de foco, ao especificar que a prevenção de litígios deve es- facilitar o acesso de investidores estrangeiros a instân- truturar o tratamento do tema. Isso não equivale a dizer cias burocráticas internas, seja para a obtenção de in- que o modelo brasileiro não trate de solução de contro- formações, seja para a submissão de documentos, o OID vérsias, mas, sim, que busca priorizar meios preventi- requer complexo nível de interlocução entre os órgãos vos em relação a meios judiciais. A prevenção dá-se de governo cujas atividades se relacionem com a efeti- vação do investimento (concessão de licenças, autori- por meio dos mecanismos de governança institucional, zações, tributação, dentre outras). A interlocução vem quais sejam o Comitê Conjunto e o Ponto Focal Nacio- sendo efetivada por meio de reuniões de Rede de Pon- nal descritos acima. O primeiro possibilita a consulta tos Focais do OID, que conta com mais de 30 órgãos da permanente entre as partes acerca da implementação Administração Pública. Trata-se de duplo desafio: por dos compromissos assumidos no Acordo. Esse processo um lado, promover o engajamento das partes envolvi- de consultas pode contar, como no caso do ACFI com das no OID e, por outro lado, executar os compromissos Angola, com a participação de organizações não gover- assumidos pelo Brasil em instrumento jurídico inter- namentais (ONGs) em assuntos nos quais seja necessá- nacional. No momento de redação do presente artigo, ria a participação da sociedade civil. O Ponto Focal, por estão em vias de elaboração uma cartilha de normas de sua vez, viabiliza a identificação de áreas que possam investimentos e um sítio eletrônico do OID no âmbito tornar-se problemáticas e, eventualmente, objeto de rei- da SE-CAMEX. vindicações litigiosas por empresários estrangeiros. De O ACFI estabelece, também, agenda temática fato, uma das funções do Ponto Focal é buscar prevenir (Agenda para a Cooperação e Facilitação de Investi- disputas em assuntos relativos a investimentos, em co- mentos), que é o instrumento pelo qual as partes po- laboração com as autoridades de governo competentes dem identificar quais áreas técnicas são prioritárias na e entidades privadas pertinentes. 163

Caso uma controvérsia não possa ser evitada, o lidade social corporativa do ACFI dialogam com os prin- ACFI estabelece mecanismo de solução de controvér- cípios de conduta empresarial responsável da OCDE. sias entre Estados. O fato de o processo para a solução Apesar das diferenças entre o ACFI e os APPIs tra- de controvérsias não ter sido detalhado nos primeiros dicionais, pode ser identificada uma interoperabilida- acordos firmados (Moçambique, Angola e Maláui) levou de6 entre os modelos, o que permitiu ao Brasil negociar a interpretações de que o ACFI não trataria do assunto. com países que têm portfólios de APPIs. A assinatura Não obstante, os acordos com Chile, Colômbia e Peru de um ACFI não corresponde ao abandono do formato têm disposições específicas sobre procedimentos de tradicional de acordos de investimentos por tais países, arbitragem entre Estados. Cabe ressaltar que a solução mas, sim, à adesão a propostas como a de facilitação de de controvérsias investidor-Estado é sempre excluída. investimentos. De fato, o ACFI propugna definição de De modo geral, a possibilidade de arbitragem é prevista facilitação que perpassa a concepção de promoção de em caso de esgotamento dos dispositivos de prevenção oportunidades de investimentos (cuja execução cabe de controvérsias. O ACFI estabelece a constituição de às agências de promoção de exportações e investimen- tribunal arbitral ad hoc, bem como os critérios para a tos). No modelo brasileiro, a facilitação diz respeito à escolha de árbitros pelas partes. Ademais, são listadas melhoria do ambiente de investimentos e do acesso de matérias que não podem ser objeto de arbitragem como investidores aos órgãos de governo pertinentes. Esse é o exceções de segurança, medidas sobre a luta contra a entendimento de facilitação de investimentos que vem corrupção e a ilegalidade, e medidas sobre saúde, meio orientando a atuação brasileira na Organização Mun- ambiente e assuntos trabalhistas. Trata-se, portanto, de dial do Comércio, onde o País é um dos patrocinadores preservar o espaço regulatório do Estado e manter coe- da iniciativa de diálogo estruturado sobre o tema, acor- rência com a posição histórica brasileira. dada na Reunião Ministerial de Buenos Aires no último O ACFI também difere de APPIs tradicionais pela mês de dezembro. linguagem que busca, de uma parte, garantir o princí- Atualmente, um dos principais desafios do modelo pio da não discriminação e, de outra parte, promover brasileiro é comprovar a sua eficácia. Nesse sentido, a o desenvolvimento sustentável em seus três pilares: o vigência do ACFI com Angola é um passo importante, econômico, o social e o ambiental. A não discriminação na medida em que motiva a efetivação dos dispositivos é possibilitada por dispositivos sobre o tratamento na- institucionais e das iniciativas de cooperação do Acor- cional e a nação mais favorecida. São dispositivos que do. Mas o teste maior de eficácia virá com a capacidade seguem conceitos amplamente acolhidos pelo sistema de os ACFIs incrementarem os fluxos de investimentos multilateral de comércio e que buscam estabelecer teor entre as partes signatárias, em um jogo de soma positiva, politicamente menos controverso do que as cláusulas no qual medidas de facilitação, iniciativas de coopera- sobre expropriação direta e arbitragem investidor-Es- ção e esforços para a prevenção de controvérsias sejam tado presentes nos APPIs. A promoção do desenvolvi- determinantes para a relação entre as partes signatárias. mento sustentável dá-se por meio de dispositivos sobre Essa capacidade somente será comprovada à medida a reponsabilidade social corporativa, que se coadunam em que mais acordos forem negociados e entrarem em com a preocupação em estabelecer parâmetros de in- vigor. Efetivamente, a negociação e a assinatura de no- vestimentos condizentes com a legislação ambiental, vos ACFIs têm sido um objetivo constante da política trabalhista, de saúde e de segurança dos Estados recep- externa brasileira nos últimos anos. tores. Ademais, os ACFIs apresentam dispositivos sobre o combate à corrupção e às práticas ilícitas. É possível 6 HEES, Felipe e MORAES, Henrique Choer. “Breaking the BIT mould: Brazil’s pioneering approach to investment agreements”. Disponível afirmar, nesse contexto, que as cláusulas de responsabi- em: https://www.asil.org/blogs/welcome-ajil-unbound. No prelo. Do outro lado do Atlântico: vista de praia em João Pessoa (PB), um dos pontos mais a leste do território brasileiro. Créditos da Imagem: Archdaily ENGLISH VERSION 165

SS, Primeiro Ato” e “O início dos Amores”. In kaleidoscope, which, with its multiple refrac- LETTER FROM THE EDITORS a certain way, Juca is the sum of what we were, tions, far from seeming awkward, reveals a what we are and what we aim to be. colorful, disconcerting unity. The release, with no discontinuity, of Ju- Letter from ca’s 10th edition is a cause for celebration. Good read! Many magazines perished before their 10- the Editors year existence. Juca, by its turn, persevered. The editors Year after year, a team of diplomats learned Portuguese version page 01 the basics of editing, frequently with no pre- — vious experience, to practice one of the main conquests of the 1988 Constitution: freedom of The impacts of the 1988 “Each ideia of a country results from an expression. The result adds up to the effort of ideological construction”. With these provoc- its predecessors and, we hope, stimulates the Constitution in social ative words, Ambassador Rubens Ricupero, in next generations to move forward. We wish a his book “A diplomacia na construção do Bra- pleasant reading to all! policies sil”, discusses the formation of national iden- tity. If the bases of our external actions were, Portuguese version page 07 to a great extent, consolidated by the Baron of DOSSIER — Rio Branco, our newest “idea of a country was Camilla Corá, Isadora Loreto and Maria very influenced by the Federal Constitution Eduarda Paiva of 1988. An outcome of a euphoria stemming Presentation from the end of the authoritarian regime, the Redemocratization and the 1988 Constitution is the image of a society that aims Portuguese version page 05 Constitution to be democratic, pacific and promoter of so- — cial equity”. It was October 5th 1988, just before three When engaging with the simbolic of the The choice of the Constitution as the thirty in the afternoon. Ulysses Guimarães, Charter, the tenth edition of the Juca Magazine theme of this JUCA Dossier was easy up to president of the National Constituent Assem- proposes to discuss the actual advances of the a point. It is not only that anniversaries were bly; José Sarney, President of the Republic; Constitution following the celebration of its consolidated, throughout the magazine’s ten- and Rafael Meyer, president of the Supreme 30th birthday. Besides discussing this process year history, as a criterion when it comes to Federal Court, gathered in front of the Nation- and interviewing relevant political actors, we its most important section. It is also because, al Congress, where they were greeted by can- question ourselves: we consider that the stu- despite 2018 being a prodigal year in terms non shots e by a performance of the national dents-diplomats, expanded along pages and of relevant celebrations – as proven by the anthem. After a review of the troops, the three pages of Juca, are inescapable consequences of centennial of the end of World War I and the presidents went up the Congress ramp, where the 1988 Constitution. Thus, reflecting about 50 years of the youth rebellions that shook up they were hailed with fireworks. it is deliberate about Brazil’s external action, the world –, the 30 years of the Constitution In the Chamber of Deputies, the president about the paths of internal and about is a subject which relates very closely to us, of the Constituent Assembly and the president our role in a democracy that, although a grown- young diplomats, as much due to a geographi- of the Senate, Humberto Lucena, were the first up, faces a day—to-day struggle to be consol- cal affinity as to a generational one. It is not an ones to arrive to headline the session. The en- idated. Writing about the 1988 Constitution exaggeration to say that we are the children of trance of the authorities in that which was the ends up being self-centered: it is to understand the Constitution, of the Brazil it reflected and main stage of the great debates of the Assem- a little bit about us. it dreamt of, past and present intertwining in bly was followed by a round of applause. With Just like its former editions, the Juca Mag- the multiples possibilities of a present we are the arrival of presidents Sarney and Meyer, led azine continues to be an effort to represent the permanently constructing. to the session by the leaders of the political new members of Brazil’s diplomatic corps. It However, besides paying homage to a parties, the Federal Constitution of 1988 was also ends up reflecting institutional changes in deep-rooted editorial tradition, choosing this promulgated. the training course of the new Brazilian diplo- specific anniversary comes in handy for a rea- All those who were present stood up for mats. Due to the reduction of the course dura- son that the very theme of this Dossier cel- the national anthem. Afterwards, deputy Ul- tion, the efforts to publish Juca start during the ebrates. We are a diverse class, with diverse ysses Guimarães signed five original copies of break from the first lessons of “International interests and views, and we have the convic- the new Constitution. It was ten to four when Politics I”, but only end during our first position. tion, which the ’88 Charter elevated to an the deputy declared the Constitution promul- This affects the themes discussed in the maga- organizing principle of our democracy, that gated, through an improvised speech, which zine: articles such as “Cooperação em saúde no diversity should be celebrated and promoted, conveyed his emotion: “I declare the document BRICS: símbolo de um novo ciclo de atuação never repressed. The Constitution is Brazil of liberty, of dignity, of democracy, of social do agrupamento” and “A Plataforma para o Bio- and the world, a mirror and a compass, an en- justice in Brazil, promulgated. May God help futuro e a nova diplomacia brasileira da bioen- cyclopedia and a user guide. All at once, all in us. May this be fulfilled.” ergia” are the result of an intellectual curiosity the same pact. Therefore, dear reader, as you Although it is undeniable that the Consti- that stems from the daily work of the new diplo- read, in the next pages, about social policy, tution was a political cornerstone for a coun- mats in their respective offices. There are, equal- economics, the environment, and , we try that for the last twenty years hadn’t known ly, articles that show a former professional life suggest that you do not think of an assortment democracy, it wasn’t clear, at the time, what of their authors, such as “Relações Brasil-UR- of issues searching for a north. Think of a would be the contribution of this new text for ENGLISH VERSION those who were poor – the large share of the available data evidenced the precarious living maid in Brasília. The situation was already population that had never seen itself as holder conditions of a large part of the population: in different by the time her daughters were born: of rights. In this aspect, the constitutional text 1980, life expectancy was only 60 years old; Dalva was able to count on the Sistema Único of 1988 both amplified social rights and guar- child mortality was 88 for every thousand de Saúde’s support for the births and follow antees and created brand new social policies. born alive; and illiteracy in the population 15 up of mother and children. Dalva also became The subject of social rights was the main inno- years old or older reached 25%. a beneficiary of the Bolsa Família program, vation of a Constitution that wanted to be for One of the biggest accomplishments of the which allowed her to complement her family’s the citizens, which determined the objectives 1988 Constitution was introducing in Brazil’s income so that her daughters wouldn’t have to of the Chart: legal framework the concept of social security, follow in their mother’s footsteps by accumu- “To institute a democratic state, destined which, according to article 194, “comprehends lating schoolwork and a job. In 2016, Suellen to ensure the exercise of social and individual an integrated set of actions by the public ad- – Dalva’s oldest daughter – was accepted into rights, of liberty, of security, of wellbeing, of ministration and by the civil society, destined university to become a nurse, a path that Dalva development, of equality and of justice as su- to ensure the rights to health, to social security hopes the others will follow. preme values of a society that is fraternal, plu- and to social assistance”. Certain social rights The improvement in Dalva and her fami- ral and free of , founded upon social are, for the first time, seen in an integrated ly’s living conditions was made possible by the harmony […].” manner, as a necessary measure towards coun- guarantees brought about by the 1988 Constitu- Thirty years after the Constitution was tering situations of vulnerability. This inno- tion. The Brazilian system of social protection, approved, one could say that, although the im- vation is even more important in light of the created from the constitutional framework of plementation of social policies is an ongoing principles that rule social security: universality 1988 and later incremented and regulated, can process with distinct levels of success, there of coverage and service; uniformity and equiv- be analyzed through the definition of José Cel- have been undeniable advances. Not only are alence of the benefits and services for urban so Cardoso Jr. and Luciana Jaccoud in “Políti- the innovations in social work, health, educa- and rural populations; democratic and decen- cas sociais no Brasil: organização, abrangência tion and the fight against extreme poverty no- tralized administrative management; among e tensões da ação estatal” (2005), according to ticeable, but also is the staying power of a large others. The Constitution oriented the necessity whom the state action in federal terms can be part of the original normative framework. In a of integrated, comprehensive and intersectoral divided into four structuring axes: labor and text that has been amended ninety nine times care for a largely unassisted population. ; social assistance and the fight since 1988, amidst several political and eco- It is noticeable, thus, that the 1988 Consti- against poverty; unconditional rights; and so- nomic crises, it is surprising how many con- tution sought to dismantle the selective logic cial citizenship and infrastructure. The first axis stitutional advances in terms of social policies of social policies by adopting a redistributive included social security, worker support poli- have stayed. model. It wasn’t an obvious choice to make: cies and agrarian and land ownership policies. In order to understand the significance of the Brazil of the 1980s was undergoing one of The second included social assistance, food the 1998 Constitution for social policy, one its more severe economic crises, and establish- and nutrition, as well as actions regarding the must look at the legislation that preceded it. ing the manner by which to budget the social fight against hunger and income transference. The Brazilian system of social policies was ambitions of the Constitution was one of the The third included health and basic education; created, essentially, in 1930, with new legis- toughest struggles of the Constituent Assembly. and the fourth, housing and sanitation. This list lation that increased benefits in social care, re- This debate was, of course, not limited to Brazil: of policies is not complete, as one could also tirement and labor, and, mainly, with the role the role of the state was being questioned in the add a series of policies regarding racial equali- of the state as the mediator of a new social biggest economies of the world, with a penchant ty and policies for women, for instance. pact. However, the systems that were formed towards theories of a minimal state. Adopting In what pertains to the second axis, which were quite selective and aimed at a small comprehensive and universal social policies is the main focus of this article, the 1993 Or- number of beneficiaries. This limitation is wasn’t a natural movement, one which demand- ganic of Social Assistance defined the more evident in health, in which, until 1988, ed great political capital from its defenders. actions of social assistance through four cate- access to hospital services was restricted to A Constitution is not an exact portrait of gories: benefits (continuous and eventual), ser- people formally inserted into the labor mar- society, but a path to its future. The implemen- vices (treatment or shelter of children, young ket, with the rest of the population depending tation of the Citizen Constitution has certainly people, the elderly, people with special needs, on philanthropy. not been easy and remains, to this day, a work etc.), care programs and projects (in the ar- Before 1988, access to most social ser- in progress. Still, the explicit commitment to eas of eradication of child labor and combat vices was essentially based upon the citi- inclusion and to poverty reduction brought of the sexual exploitation of children, for in- zen’s employment. This logic is perverse, positive results that must be celebrated in the stance). It is noteworthy that, with the Citizen since it stimulates an almost unbreakable cy- wake of the Charter’s 30-year anniversary. Constitution, the social assistance policy was cle of poverty. Those who weren’t formally decidedly bound to the state, which character- employed – that is, those who belong to the Social policies of the 1988 Constitution izes a major difference from the previous ap- most marginalized layers of society – had no proach based on philanthropic intervention and support net from the state that could provide The new constitutional provisions directly transference of resources to private charities. means to overcome poverty in the medium impacted the lives of millions of , These policies, once dispersed and fragment- term. Since the poorest were necessarily the such as Dalva Gomes and her family. Having ed, became more consistent, and the decade of least protected ones, there was barely any grown up in the 1980s, Dalva had little access 2000 inaugurated the adoption of federal in- social mobility. According to Jorge Abrahão to an effective social protection network. It was come transfer policies, such as Bolsa-Escola, and José Aparecido Ribeiro, in “As Políticas in this context that, at 15 years old, she left the Bolsa-Alimentação, Auxílio-Gás and, later on, Sociais de 1888: conquistas e desafios”, the city of Cristino Castro, in Piauí, to work as a Bolsa-Família. 167

Among the policies mentioned, the Bolsa works and Sunday lunch. Disagreements are a must be horizontal and demand-driven, Brazil Família program has a prominent role, due to healthy expression of a democracy that has had started acting not only as a receiver, but as a its reach and transformative potential. Institut- its first contact with the design of broad scope provider of cooperation in those areas where ed in 2003, through the unification of the pro- social policies for the unattended population. the biggest internal successes were identified. cedures of the income transfer actions created The debate must not, however, ignore the Thus, the Constitution gave not only the legit- during the Fernando Henrique Cardoso gov- considerable results in people’s lives: the con- imacy, but also the means for Brazil’s external ernment, its main goal is to contribute to the cern about the redistributive character of the action, by enabling successful social programs fight against poverty and social inequality in 1988 Constitution and the social policies adopt- to become examples of good practices shared the country. The program is based on the com- ed thereafter were one of the main factors that with other countries. plementation of family income, in sums that determined the improvement in the per capita In this context, the Fome Zero network, vary depending on the social vulnerability and family income; the Gini index; and the levels which included the Bolsa Família program, the number of family members. of poverty and extreme poverty in Brazil in the was the undeniable highlight. Although it is Every month, women from all over Brazil following decades. According to Paulo de Mar- difficult to pinpoint the exact number, World – who were prioritized by the Program and thus tino Jannuzzi in “Pobreza, Desigualdade e Mu- Bank data from 2016 indicates that initiatives make up over 90% of family representatives – dança Social: trajetória no Brasil recente (1992 in the format of Bolsa Família had been im- are able to withdraw the income complement a 2014)” (2016), between 1992 and 2014, the plemented in 52 countries. Brazil’s Ministry of transferred by the program in banks or lotter- average per capita family income went from Social Development (MDS) claims to have re- ies, through a personal and non-transferable 541 reais to 1.058 reais. The Gini index went ceived, between 2011 and 2015, over 400 dele- magnetic card. This mechanism prevents, in a from 0.61 in 1993 to 0.59 in 2001 and 0,52 in gations from almost 100 countries, all interest- way, the personalism of many previous social 2014. Extreme poverty (the share of population ed in learning how the program worked. One policies, in which receiving care or aid depend- with per capita family income lower than R$ of the most noticeable examples of an initiative ed, essentially, on the goodwill of a municipal 70) affected 13% of the Brazilian population directly inspired by the Brazilian model – and manager. By making the selection of benefi- in 1992, reaching 8.2% in 2003 and 2.5% in the first conditional cash transfer program in ciaries and the transfer of income impersonal, 2014. Poverty (per capita family income of up the United States of America – was “Opportu- Bolsa Família humanized social policies. to R$ 140) went from 31% in 1992 to 24% in nity NYC”, founded by the New York admin- Bolsa Família’s greatest innovation seems 2003, reaching 7% in 2014. istration in 2007 in order to benefit families in to have been its integration to uncondition- situations of vulnerability in the city. al social policies: health, basic education and The impacts in Brazil’s external action The examples – which include countries social assistance, whose access is, in theory, from Latin America, Africa and Europe – show universal. Both health and basic education be- It is difficult to separate the impact of the that the so-called “social technology” devel- came, according to the Constitution, a part of social policies introduced or made possible by oped in Brazil quickly became an element of those inalienable rights of every citizen and a the 1988 Constitution in foreign policy from soft power in foreign policy. Therefore, there duty of the state. A series of challenges in both those originated from the very process of de- has been significant growth not only in- Bra areas, however, remain to be resolved, since mocratization. The new Constitution regulat- zil’s presence, but also the very amount of universal coverage is segmented and character- ed, in unprecedented fashion, the direction of international instruments geared towards the ized by a variable amount of services offered Brazilian foreign policy, namely in its Article fight against hunger. These include the Action by the state. 4, which ranks, among the principles that rule Against Hunger and Poverty, launched at the In order to maintain the financial benefits the international relations of Brazil, the “prev- , in 2004, through a partnership of Bolsa Família, the families must comply alence of human rights”, the “repudiation of between Brazil, France, Chad and Spain, and with the conditionalities, which include vacci- terrorism and racism” and the “cooperation the IBAS Fund for Poverty and Hunger Relief, nations and school attendance. By guarantee- between peoples for the progress of humani- created in the same year, in partnership with ing that poor children and teenagers will access ty”. According to Polveiro Jr., in “As relações India and South Africa. the public networks of health and education, internacionais na Constituição de 1988 e suas Although there are many sectors, one must Bolsa Família helps to form a generation that is consequências na política externa brasileira”, highlight Brazil’s international action in health. healthier and better educated than its predeces- from the approval of the Citizen Constitution Still under the umbrella of the Action Against sor – and, thus, more able to break the poverty on, there was a new perception of foreign poli- Hunger and Poverty, in 2007, Brazil, France, cycle. Conditioned income transference also cy as an instrument for the achievement of the Chile, Norway and the United Kingdom generates an important demand for the public Republic’s fundamental objectives, as ranked launched the International Drug Purchase Fa- sector: offering the necessary services so that in article 3 of the Charter: “i) building a free, cility (UNITAID), aimed at increasing access the beneficiaries of the program can effectively just and solidary society; ii) guaranteeing na- to high quality medication and to the diagnosis comply with conditionalities. This demanded tional development; iii) eradicating poverty of illnesses such as HIV/AIDS, tuberculosis bigger investment in schools, health centers and marginalization and reducing social and and malaria. Brazilian diplomacy, anchored and social assistance. regional inequalities; and iv) promoting the in the internal treatment of the issue of HIV/ Although Bolsa Família is far from being wellbeing of all, with no prejudice of origin, AIDS medication, pushed for the discussion of the only social program created after the 1988 race, sex, color, age or any other form of dis- the issue of patents in the World Health Orga- Constitution, it is a major symbol of how social crimination”. nization and supported South-South coopera- issues gained relevance in the last few decades. The most direct effects of social policies tion projects in Africa and in South America, Conditioned income transference to the poor- in post-1988 Brazilian foreign policy can be under the concept of “structuring cooperation est was, for a long time, the most discussed perceived in the realm of international coop- in health”, created by the Fiocruz Center of In- social program in political debates, social net- eration. Based on the notion that cooperation ternational Relations to encompass the need to ENGLISH VERSION build internal capacities for development. cess of social inclusion. On the other, ignoring lar of the regime. Even so, one cannot help but The social policies of the Citizen Con- the poorest would mean fragmenting the social acknowledge significant facts such as the in- stitution were accompanied by fundamental fabric and opening up space for conflicts that crease in the average income of the Brazilian changes in the international scenery in regards would disaggregate society. In times of intense worker, from 17% to 28% of that of the Ameri- to the influences of Brazilian foreign policy political debate, we must listen to voices – such can worker, between 1964 and 1978. post-democratization. The so-called “decade as Dalva and her daughters’ – that remind us Despite such strong economic growth, of conferences”, in the words of Ambassador that the Constitution should serve everyone. Brazil’s distribution of income and social de- Lindgren Alves, coincided with the moment in velopment indices stood among the world’s which Brazil aimed to “pay its dues” in foreign worst in the mid-1980s. The country’s Gini policy, which set the scene for its increased index hovered around 0,60 in 1985, one of the participation – and liability – in international Antieconomic social highest at that time. In the same year, an as- conferences and about social contract? The tounding 83% of the Brazilians had but a pri- themes. At the same time, Brazilian foreign mary education; life expectancy at birth was th policy couldn’t shy away from the openness ambiguous relation 64,4, the 170 among 221 countries; and 42% promoted in other domestic sectors, and thus of the population were poor, while 18% were began to value the dialogue with Non-Govern- between the Federal extremely poor. With the political opening and mental Organizations (NGOs) and with civ- the incorporation of the great mass of excluded il society in general. In this sense, the social Constitution and the people into the electoral process, this scenario agenda became ingrained with the more note- came to be considered intolerable. It was not worthy international agendas, such as the one economy possible anymore to divide up the cake only for regional integration, in the case of Mercos- when it is fully grown. The state should enact Portuguese version page 14 ur and, later, UNASUR and CELAC. a host of actions whose motto, as laid out by — These observations notwithstanding, it must President José Sarney, was “Everything for the Arthur Cesar Lima Naylor social policy.” Not that economic growth had be noted that, like everything else in foreign ceased to be important. Brazil, after all, was policy (and politics), there was no consensus “I declare it promulgated. The document far from being a developed country. But, be- regarding the policies described here. Accord- of liberty, dignity, democracy, and social jus- tween growth and distribution, the priority of ing to Monica Hirst and Letícia Pinheiro, in “A tice of Brazil.” With these words, Ulysses the democratic Brazil was clear. Ulysses’ con- política externa em dois tempos”, the first few Guimarães handed to the Brazilians, on the spicuous omission had a plausible explanation. years after 1988 saw intense debates regarding already historic October 5th, 1988, the Con- the future of Itamaraty and of Brazil’s role in stitution which, more than being a definitive Redemocratization, poor economic the international scenery. Since then, the only institutional milestone of contemporary Bra- performance, and institutional possible consensuses have arisen from those zil, represents the promise of a new era for the strengthening principles ranked in article 4 of the Charter. country. It does not seem purposeless that so Still, the case of the social policies inaugurated few qualifiers were chosen to present an exten- Indeed, what one can notice since rede- after 1988 and implemented in the following de- sive, 245-article-long Charter. The first three, mocratization, in terms of socioeconomic de- cades, which benefitted millions of Brazilians, pertaining to the same semantic field, refer as velopment, is a sort of negative of the military such as Dalva, and of their reflex on Brazilian much to the authoritarian legacy to be elimi- regime’s photograph. Thus, great strides have foreign policy, demonstrates the undeniable role nated as to the plural society to be built. The been made in terms of income distribution – of foreign policy as public policy. fourth one speaks of the historic debt to be paid with the Gini index falling from 0,60 in 1998 to to the enormous part of the population kept 0,52 in 2012 – and of poverty reduction, with The new paths of social policies away from the benefits of the economic growth the fall from 24,4% to 10,2%, between 2003 Brazil experienced throughout the 20th century. and 2011, of the Brazilian population below 30 years after the approval of the Consti- It is hard not to notice, however, the absence of poverty line. Besides, massive investments tution, it is hard to remember the fully packed one item in this statement of purpose. were made in education, which led to an in- session of the National Congress and the voice Since the 1930s at least, economic devel- crease of roughly 5 years in the average period of “Doctor Ulysses” announcing the new rules opment has been at the center of the Brazil- of study of a Brazilian citizen between 1980 of democracy. The current voices frequently ian state’s priorities. This was reflected in the and 2010 (from 2,5 to 7,5 years), compared to emphasize the need to revise the Constitution, country’s as well as in the government’s the modest 1-year advance between 1950 and by arguing that the text can be improved in or- actions, shaping everything from economic 1980 (from 1,5 to 2,5 years). In healthcare, the der to become more appropriate for the coun- to foreign policy. Throughout the military re- Constitution created the SUS (“Sistema Único try’s political reality. With the recent discus- gime, whose authoritarian institutions the new de Saúde”), a public, universal healthcare sys- sions regarding fiscal balance, it is natural and constitutional order sought to bury, Brazil grew tem which, despite its shortcomings, represents necessary that social policies be reevaluated, in at a fast pace, narrowing the distance which great progress relative to the no-support sce- order to become more efficient and sustainable. kept it apart from the rich countries. It was nario in which big part of the population lived In this process, however, it is fundamental a fragile sort of growth, based on favorable before 1988. One must also mention the con- to maintain a dialogue with those who are most demographic dynamics – in which high rates struction of a social safety net, consolidated vulnerable – voices that our political system of population growth and urbanization were through initiatives such as Programa Bolsa began to listen to after the democratization. combined – and on strong state intervention in Família (a cash transfer scheme) and Continu- On the one hand, it is certainly challenging to the economic domain, which bred distortions ally Given Benefit, the latter set up by the Or- make adjustments without interrupting a pro- that would eventually tear down the very pil- ganic Law on Social Assistance (LOAS). 169

On the other hand, economic growth rates tutions, which took it upon themselves to ma- The reason is that, as democracy creates elec- were little more than modest. Between 1985 terialize and, through the typical reiteration of toral incentives for the demands of all social and 2012, Brazil’s Gross Domestic Product the institutional action, ever-deepen society’s sectors to be met, and not only those of the (GDP) per capita average growth was only adherence to the idea of a “fiscally sound social elite with direct access to power, the state ends 1,4%, below the average rate for emerging inclusion”. Given these conditions, it would up overburdened, becoming dysfunctional to countries, even when fast-growing countries only be a matter of time for Brazil to make the the point of crippling the country’s economic like China and India are excluded. The reasons transition from a “limited access order” to an growth. Nothing that different, therefore, from for this poor performance seem easy to spot, “open access order”, in the typology of Dou- the scenario painted a few paragraphs above, and it is hard not to associate them with the glass North, and from “extractive institutions” when the dynamics that keep Brazil’s econom- institutional order, the Constitution at the fore- to “inclusive institutions”, in that of Daron Ac- ic growth so low were described. front, and the social dynamics in vogue in the emoglu and James Robinson. But Mendes takes a step further in attribut- country since the redemocratization. Multiple But how does the ‘88 Constitution fit into ing to inequality a key role in this equation. For demands which had been repressed during the the scheme of Alston, Melo, Mueller, and Perei- the author, the more unequal a country, the more authoritarian regime came to light with the re- ra? A Constitution is, at once, the codification of violent its distributive conflict. As inequality is turn of democracy and saddled the Brazilian the beliefs in vogue at the time of its making and very high in Brazil, the rent seeking phenome- state with a heavy fiscal burden. In this sense, a living organism, open to changes that meet non is supposed to be particularly strong in our it is symptomatic that, in 1984, the federal the society’s ever-renewing cravings. There- country, with each social group demanding ever government’s expenditure was just 8% higher fore, instead of speaking of a Constitution, the more from the state: the rich, tax breaks and sub- in real terms than it was in 1980, coming to authors choose to talk of a “constitutional mo- sidies; the middle classes, generous pensions for be 46% higher in 1986. That is: beginning in ment”, which extends for the ten years between public servants and free public universities; the 1985, the year of redemocratization, the pub- the beginning of the Constituent Assembly, in poor, cash transfer programs and public health lic spending curve inflects decisively upwards, 1987, and the end of the constitutional amend- and education services. Where Alston, Melo, reaching, in 2012, a level 600% higher than ing process which resizes the role of the state in Mueller, and Pereira see a society which, de- in 1980. To finance this dizzying increase in the economy, in 1997. The reason for this ap- spite its conflicts, would have reached a basic spending, Brazil has had to continually increase proach is the fact that, by the time of the original agreement on the direction to give the country, its tax burden, which has grown from 24,5% to constituent process, only the political and social Mendes sees an essentially conflictive dynamic, 33,5% of GDP between 1991 and 2011, well beliefs that now prevail were already dominant one whose result might not be as inclusive as above the average for developing countries. As in society: participatory democracy, rule of law, the constant fall in the Gini index since the late a consequence, public sector savings became and social inclusion. It took a decade of hyper- 1990s seemed to suggest. Written in 2013, the structurally negative, giving way to recurrent inflationary process for the now-dominant eco- book refers to the fact that, by 2012, official sta- nominal deficits, which translate into high in- nomic belief, that of economic responsibility, to tistics already pointed to a strong slowdown in terest rates and low investment levels. be adopted by Brazilians and incorporated by the fall of inequality. More recent studies, such Though bleak at first glance, this scenario the country’s institutions. as the ones from Marcelo Medeiros, Pedro de is seen by some experts as a temporary and su- Brazil evolved, thus, from the “populist Souza, and Fábio Castro (2013) and from Marc perficial expression of a trajectory which would inclusion” stage, where redistribution, in be- Morgan (2017), which show inequality to have turn Brazil into a developed country within a ing neutralized by inflation, proves to be only remained unchanged, or at least to not have had few years. This is the argument made by Lee J. temporary, to the “dissipative inclusion” one, quite the fall one would have expected, seem to Alston, Marcus André Melo, Bernardo Muel- where, despite the crises and inefficiencies – vindicate Mendes’ thesis. ler, and Carlos Pereira in Brazil in transition: inevitable fruits of a complex dynamic of dis- This does not mean the economist does not beliefs, leadership, and institutional change. tributive rearrangement –, the process flows in see a light at the end of the tunnel. Unlike the Exploring the fecund border zone between a much consistent way. The next stage is that of authors of Brazil in transition, to whom Bra- the new institutional economics – developed an “efficient inclusion”, when dominant beliefs zil already is on the “critical transition” route, by, among other economists, the winner of are so consolidated and institutions operate in Mendes sees the end of the journey as a much the 1993 Nobel Prize in Economics Douglass such an attuned way that crises are ever less more open affair. It could be that the strong North, they achieved popularity with the re- frequent, and social conflicts come to have low distributive conflict in a democratic, unequal lease of Why nations fail (2012), by professors levels of intensity. Though they do not risk say- society such as the Brazilian one produces a Daron Acemoglu (MIT) and James Robinson ing when it is going to happen, the authors say neutral effect, that is, the maintenance of the (Chicago University) – and political science, Brazil is on its way there. great distances which separate social groups in the authors make use of an arsenal of concepts Brazil. That would keep Brazil tied up to what to make the case that Brazil is on a virtuous The promise of growth at the crossroads economists call “medium income trap”, with track heading toward a “critical transition” to the dynamics of “low growth with dissipative the exclusive club of developed countries. In Not all analysts, however, agree with such redistribution” projecting itself indefinitely the authors’ narrative, since redemocratization, an optimistic diagnosis. In Why does Brazil into the future. But it could also be that, how- Brazilian society, especially its “dominant net- grow so slow?: inequality, democracy and ever dissipative, redistribution narrows, little works”, that is, the country’s politically most slow growth in the country of the future, econ- by little, social distances in Brazil, formatting relevant actors, has slowly adhered to the be- omist Marcos Mendes makes the case that the an essentially middle-class society where so- lief of a “fiscally sound social inclusion”. combination of high inequality and participa- cial conflicts would be way milder. For Brazil Such belief, held as adequate for countries tory democracy condemns Brazil, at least in to take the second route, instead of the first, it that aspire to make the “critical transition”, the short- and medium-term, to a dynamics of will take correct political choices, a credible was later incorporated by the country’s insti- “slow growth with dissipative distribution”. leadership and, why not, a bit of luck. ENGLISH VERSION

race, color, national or ethnic origin, which Thus, general legal statements, such as the may or may not be expressly manifested by abovementioned Article 1, would be preferable On racial those who feel it. , in to specific ones. turn, occurs when individuals or groups are According to Article 1 of the ICERD, in in international law denied the equal treatment they are entitled to order for racial discrimination to materialize, receive. In addition, racial discrimination pro- an action is necessary. This action can be ex- and in Brazil’s Federal motes exclusion measures against people con- pressed by a distinction, an exclusion, a restric- sidered to be foreign to the group with which tion or a preference between human beings. Constitution of 1988. the discriminator identifies. These four acts show that only concrete mea- sures – and not simply a feeling of prejudice Portuguese version page 18 Racial discrimination in international law – may constitute racial discrimination. — Racial discrimination, constituted by ac- Ramiro Januário dos Santos Neto Bearing in mind that racial discrimination tion, generates inequality among human be- is a type of racism, one must look at how in- ings, which directly violates the main human Since the adoption of the 1988 Constitution ternational law defines it. The definition of rights conventions ratified by hundreds of of the Federative Republic of Brazil (CF/88), racial discrimination is enshrined in the 1965 states, including Brazil. In accordance with the fight against racism has significantly pro- International Convention on the Elimination of the International Covenant on Civil and Polit- gressed in the country. The constitutional defi- All Forms of Racial Discrimination (ICERD). ical Rights (article 2, 1) and the International nition of racism as a crime strengthened the Article 1, 1, of the Convention defines racial Covenant on Economic, Social and Cultural criminal prosecution of racist acts. Such acts discrimination as follows: Rights (article 2, 2) all human beings should had been subject to sanctions since the Afonso Article 1. enjoy fundamental rights precisely because Arinos Law, of 1951, which had defined them 1. In this Convention, the term “racial they belong to the human species. Therefore, as criminal contravention, but it was not un- discrimination” shall mean any distinction, there should be no restriction on the enjoyment til the enactment of the Caó Law, in 1989 – exclusion, restriction or preference based on of these rights. In this sense, one of the pur- thus, under the rule of the 1988 Constitution –, race, color, descent, or national or ethnic origin poses stated in the Charter of the UN (Article that tougher penalties for acts of racism were which has the purpose or effect of nullifying 1, 3) is to encourage and promote the respect established. From 2000 onwards, policies de- or impairing the recognition, enjoyment or for human rights and fundamental freedoms signed to fight racism are no longer restricted exercise, on an equal footing, of human rights for all, without distinction as to race, sex, lan- to negative obligations (non-discrimination) and fundamental freedoms in the political, guage or religion. The occurrence of discrim- and evolved towards affirmative-style actions. economic, social, cultural or any other field of ination based on the distinctions listed in the Examples include the Racial Equality Statute public life. Charter (and in the International Covenants), (Law 12.288/2010) and admission quotas (res- Firstly, one must analyze what constitutes if substantiated, is at odds with the notion that ervation of a percentage of spots for people of grounds for racial discrimination: according to all human beings are equal to enjoy and uphold a certain race/ethnicity) in federal universities the 1965 Convention, racial discrimination can human rights. (Law 12.711/2012) and federal public service be based on race, color, descent and national or (Law 12.990/14). This article will present the ethnic origin. Thus, the ICERD member States, Racial discrimination in the CF/88 definition of racial discrimination and the char- which negotiated the Convention under the aus- acteristics of this phenomenon according to pices of the United Nations, chose not to limit In Brazilian law, the characteristics of ra- international law and the CF/88. the basis of discrimination to racism in a strict cial discrimination are expressly defined in At the international level, racism is un- sense (based exclusively on the alleged existence article 5 of the CF/88 and in Law 7.716/1989 derstood as an offense against the principle of of biological races). Other grounds – such as skin (the Caó Law). The latter – which defines the equality, since it promotes, through actions that color, national or ethnic origin – were accepted, crimes resulting from racial discrimination or threaten human dignity, the understanding that which indicates a consensus on the understand- racial prejudice based on race, color, ethnicity, certain individuals or groups are not equal to ing of racism, for the purposes of international religion or national origin – spouses the broad- others. According to Ambassador Silvio Albu- law, as derived racism (several grounds may be er understanding of racism (derived racism). querque, member of the United Nations Com- given for discriminatory acts). Indeed, the ori- The fight against racism is one of the fun- mittee on the Elimination of Racial Discrim- gin of the ICERD was influenced by the racial damental principles of the CF/88 and one of ination (CERD), the right to equality and the practices of Nazism in the 1930s and 1940s, es- the main objectives of the Brazilian Republic principle of non-discrimination are at the basis pecially anti-Semitic practices, and by the devel- (Article 3, line IV, of the CF/88). In Brazil’s of the international legal architecture of human opment of the institutionalized racial segregation external relations, it is present as one of the rights, as recognized by the International Bill known as apartheid, in South Africa. In the first principles governing the country’s foreign pol- of Human Rights, which is composed of the case, there was racism based in ancestry, and, in icy (Article 4, line VIII, of the CF/88). Article Universal Declaration of Human Rights, the the second, in ethnic origin and race. 5 of the CF/88 states the legal meaning of the International Covenant on Civil and Political During negotiations of the ICERD, the practice of racism, which can manifest itself Rights and the International Covenant on Eco- Brazilian and the US delegations defended, as racial discrimination and racial prejudice. nomic, Social and Cultural Rights. unsuccessfully, that an explicit reference to According to line XLII of this article, the prac- In Brazilian law, racism can manifest it- anti-Semitism should be included in the con- tice of racism is a crime for which bail cannot self either as racial prejudice or as racial dis- vention. Those contrary to the proposal argued be granted and for which there is no statute of crimination. Racial prejudice is an imaginary that it was impossible to exhaustively enumer- limitations; it is subject to the penalty of con- affective disposition towards stereotypes about ate the specific forms of racial discrimination. finement, under the terms of the law. 171

The first possible observation is that racism Both international law and Brazilian leg- international agenda, it was nowhere near a is considered a crime, which means that cases islation expressly state the characteristics of sufficient one. Many were the reasons which of racial discrimination and racial prejudice racial discrimination, which significantly con- got the environmental issue to command at- are treated under penal law. In Norberto Bob- tributes to the adoption of measures for fight- tention within the debate that was unfolding bio’s understanding, this protection granted by ing racism. In Brazil, the adoption of the Caó at that moment. First, one should mention the criminal law is an innovative aspect of the so- Law and the introduction of the crime of racial great environmental tragedies of those years, called “third stage” of the affirmation of human insult to the Penal Code show that the norms such as the mercury poisoning of fishermen rights, that of specification, in which, in addi- created to combat racism are in line with the in Minamata, Japan, or the shipwrecking of tion to concretely determining the recipients of third stage of affirmation of human rights, that the oil tanker Torrey Canyon, in 1967, near legal protection, the law provides for measures of specification, thereby promoting the princi- the coast of Cornwall, in England. Also note- aimed at stopping the violation of rights. ple of equality. The use of this legislation by worthy was the publishing of a series of books Box 1: According to Norberto Bobbio, in Brazilian citizens has demonstrated both its calling attention to the environmental issue, The Age of Rights, the affirmation of human usefulness and its necessity, as well as the ful- such as Silent Spring (1962), by Rachel Car- rights occurs in three stages: establishment, fillment, by the Brazilian State, of the constitu- son, and This Endangered Planet (1971), by generalization and specification. The first stage tional objective of promoting the well-being of Richard Falk. refers to the transformation of the value of the all without distinction of any kind. But perhaps more determinant than any human person into positive law. The second is other factor were the decades of rapid eco- characterized by the legal affirmation of equality nomic growth in the central countries starting before the law, followed by its logical corollary, with the end of World War 2, a period known the principle of non-discrimination. Finally, in Many shades of green: by historiography as “the golden age” or “les the third stage, the norm becomes applicable to environment’s long and trente glorieuses”. Satisfied in its basic needs, specific recipients, such as women, children and the middle class in the developed nations could victims of racism, rather than to generic recipi- bumpy road until the turn its attention to more abstract agendas, ents, such as human beings or citizens. ones whose effects were more diluted in time. The second comment about line XLII re- Constitution It did not take long for the environmental cause fers to the imprescriptible nature of the crime to turn from a progressive sectors’ banner into of racism. Considering this quality, a victim Portuguese version page 22 a generalized concern in the central countries, can press charges against racist practices at any — a phenomenon of which the gathering of great time after their occurrence, provided that the Arthur Cesar Lima Naylor industry moguls in the Club of Rome is an ex- act has taken place after the entry into force of ample. the Caó Law, in 1989. The inclusion of environmental issues into The United Nations Conference on Human The Caó Law, which regulates the penal- the 1988 Constitution has its origins well be- Environment (UNCHE), which took place in ties and fines resulting from the crime of rac- fore the work of the National Constituent As- Stockholm, in 1972, is the main expression of ism, received this name in honor of Deputy sembly (NCA) began. In the 1960s, in a context how the environment acquired centrality in the Carlos Alberto de Oliveira, also known as Caó, of détente in the Cold War bipolarity, a long international agenda. Since then, it was a mat- a congressman whose work in the Constitu- agenda of issues hitherto stifled by the preoc- ter of time for the issue to be incorporated into ent Assembly became known for elevating the cupations with peace and security was allowed national legislations, achieving constitutional fight against racism to a constitutional norm. to flourish on the international scene. The two status in then-democratizing countries, such Oliveira believed that the introduction of line models in conflict start to be questioned – no as Greece (1975), Portugal (1976) and Spain XLII in Article 5 of the CF/88 would allow for longer by one another, but from within, starting (1978). As Herman Benjamin puts it, “in law’s the creation of effective measures to promote from the rise of new patterns of behavior and a history few values or goods had such a spectac- the principle of equality, which is enshrined in renewed disposition to question the structures ular trajectory, going, in few years, from a sort the same article and which is one of the hu- of power. of legal nothing to the apex of the normative man rights violated by racist practices. The 1968 is, at the same time, the culmination , creeping outstandingly in national existence of the crime known as racial insult of this process and the zero mark of an array political pacts.” (Article 140, §3, of the Brazilian Criminal of developments that would make international Code) also aims to implement the constitution- relations more complex in the following years. A gradual greening al mandate to fight racism, providing for the In the specific case of the environmental agen- punishment of those who offend the subjective da, what was once a source of concern only for The integration of the environment into or objective honor of the victims based on ra- a few sectors in developed countries’ civil so- the Brazilian normative architecture is also a cial prejudice. ciety converted itself into a mobilizing agenda product of the “Stockholm spirit”. One rep- Box 2. In a survey carried out by the au- from ’68 onwards. The main expression of this resentative example of this process, born just thor with the São Paulo Department of Public new scenario was the growth of the so-called one year after the UNCHE and brought about Security, it was verified that, in this state alone, green movement, which, in countries like West by the initiative of such an environment-wary 9.976 victims of racial insult reported this type Germany, turned into a relevant political force regime as the military, was the creation of of crime to the police between 2011 and 2016. in a relatively short time. the Special Secretariat for the Environment With regard to racial discrimination, typified If a more distended international scene, (SEMA), within the Interior Ministry. In by the Caó Law, 706 people went to the São one less stuck in the monothematicism of the 1981, even before the redemocratization, Law Paulo Police to report this type of crime be- hot period of the Cold War, was a necessary 6938 creates the National Policy for the Envi- tween 2012 and 2016. condition for the rise of a more diversified ronment, a true mark in the transition for a le- ENGLISH VERSION gal-economic paradigm that gives centrality to did not occur without the shock of impactful which puts it in line with the main documents the environmental issue. But it would be only accidents, such as the great fire caused by about the environment published at the inter- after the return of democracy and the forging a gasoline leak in an industry in Cubatão, in national level since the Stockholm Conference. of a new political pact that the environment 1984, and the tragic event of Caesium 137, in This is how “ecologically balanced environ- would be completely integrated into Brazilian Goiânia. But the determinant factor seems to ment” (art.225, caput), for the first time in our legal order. also have been that, after two decades of rapid constitutional history, appears as the object of a Many previous Brazilian constitutions had growth, a robust middle class could voice de- subjective right, furthermore one of collective provisions which, to a certain extent, touched mands which went beyond the satisfaction of entitlement, not anymore as a mere scenery on the environmental issue. They dealt with immediate basic needs. where economic activities under state supervi- aspects such as the preservation of the natural sion take place. Besides, as if to enunciate the heritage; the Union’s competence to legislate An environmental constitutional order transversality of the environmental issue in the on forests, animal hunt and water manage- Charter, provisions on the environment are not ment; and the inclusion of lakes, the continen- According to Marina Silva, the successful restricted to Chapter VI (On the Environment) tal platform and indigenous lands among the insertion of the environment into the consti- of Title VIII (On the Social Order), but encom- Union’s goods. This was, however, an indirect tutional text stems from the front strategy set pass articles ranging from the general princi- approach, one in which the environmental is- up during the National Constituent Assembly. ples of economic activity (art. 170, VI) to the sue figured secondarily among the legislator’s The Green Parliamentary Front, just like many definition of the social value of rural property concerns, appearing as a backdrop to the gen- interest groups organized within the NCA, (art.186, II). eral organizing of the state. It was only with had a non-partisan nature, but, contrary to the It is worth observing the paradigm shift the 1988 Charter that the environment became majority of those groups, it cross-cut the ideo- represented by the introduction of the envi- a directly addressed issue, at constitutional lev- logical spectrum to unite the most advanced ronment in the Constitution as a collectively el, due to a deliberate effort of the Constituent sectors both in the left and in the right. Be- entitled subjective right. According to Herman Assembly. sides that ideological ecumenism, other factors Benjamin, there are at least three significant A series of events on the eve of redemoc- which empowered the adhesion to the Front changes in relation to the classic constitutional ratization, both at the international and the were society’s active engagement, which for paradigm, something he calls a “triple frac- domestic level, conditioned that reception. its part was stimulated by public hearings all ture”: the dilution of the border between credi- Internationally, the strengthening of the Unit- over Brazil; the novelty of the issue and the tors and debtors of the legal obligation, insofar ed Nations Environment Programme (UNEP), opportunity for the constituent congressmen to as everyone has the right to a balanced envi- created in 1973 in the wake of the Stockholm constitutionalize it for the first time; and even ronment and it falls on everybody to care for Conference, helped to organize and project the the fact that, because it was still seen as a mere the preservation of this balance; the decrease environmental issue within the UN. That con- statement of purpose, the constitutionalization in relevance of the distinction between public tributed to renew the purpose of an institution of the environment was not viewed by those and private subject, due to the fact that both which, at various moments during the Cold potentially hostile to the concept as a threat to are potentially responsible for environmental War, had its relevance questioned. It was the economic growth. degradation; and the weakening of the separa- UNEP which invigorated the discussions about The provisions on the environment went tion between the subject and the object of the the ozone layer, which would result in the Vi- through significant changes until the final ver- juridical relation, as the power of disposition of enna Convention (1985) and the Montreal Pro- sion. The final report of the Sub-Commission the dominant over the dominated is shortened. tocol (1987), perhaps the most successful ex- responsible for the issue featured, for example, By altering the constitutional paradigm, amples of multilateral environmental treaties. an article about the creation of an “environment the incorporation of the environment into the In parallel to that, in 1983, the World Commis- conservation and restoration tax”, to be enforced Charter transcends current contingencies and sion on Environment and Development gath- on every natural or legal person who uses or ex- projects itself into the future, serving as refer- ered and went on to redefine the parameters of plores, with profit goals, environmental resourc- ence for institutional and legislative develop- the environmental debate with the consecration es of any sort. It also featured an article about ments going forward. It is not a coincidence of the concept of sustainable development in its the creation of a budgetary floor of 1% of the that, after 1988, an array of environmental final report, Our Common Future, from 1987. annual revenue of the Union, the states and the institutions were created in Brazil, such as Domestically, a series of initiatives showed municipalities, to be applied in environmental Ibama (1989), the Ministry of Environment that the Brazilian society, ever freer to express protection. None of these provisions made the (1992), and ICMBio (2007). In the same way, its opinions in an opening regime, gave the en- Charter’s final text. In a second phase of discus- laws such as 9433/97 (Waters Law), 9605/98 vironmental agenda an increasing importance. sions, at the Social Order Commission, the level (Environmental Crimes Law), and 9985/2000 The appearance of the rubber tappers move- of opposition to the environment chapter was (Conservation units National System) detail ment in Acre, under Chico Mendes’ leadership, already higher, particularly in relation to restric- and systematize how different aspects of the in the beginning of the 1980s; the creation of tions on nuclear installations. At the Systematiz- environmental agenda are addressed, pointing the SOS Mata Atlântica NGO, in 1986; and ing Commission, the one in charge of giving the to the maturity of the issue amid Brazilian so- the founding of the Green Party, in the same text its final form, the antagonism of potentially ciety. With much already accomplished, but year, are all examples of how, even before be- affected economic interests manifested itself much yet to be accomplished, Brazil has found ing incorporated by the Constitution, the en- pretty virulently, which almost resulted in an in the ’88 Constitution an adequate platform vironment had already converted itself into a altogether wipe-out of the environmental issue to meet the challenges posed by such an im- mobilizing force for political action in Brazil. from the Constitution. portant 21st century agenda. It does not seem an As had happened abroad two decades earlier, Despite the assaults it came under, the fi- overstatement to say that, at least, we already the rise of Brazilian environmental conscience nal text displays a notable degree of integrity, count on an environmental constitutional order. 173

Filipe Nasser, editor of JUCA nº 1 involved were really impressed by it. We saw SPECIAL 10 YEARS OF JUCA that the whole magazine could be that way: I. THE DEVELOPMENT more colorful, artisanal, experimental and I am from the first large class – the “class “playful”. In that spirit, a colleague brought Celebrating “fictions of 100” –, which joined the foreign service in me a painting of the “Juca” jellybeans – an ad- 2006, in the context of enlargement the Ita- mittedly sardonic self-referential thing. After of memory”: affective maraty staff. We felt that there was a lot of re- all, that was the prevailing spirit. There was a memories of JUCA’s pressed energy among the new students, there debate as to whether the first issue would run in was some electricity in the air, one that had black-and-white with more copies or in color, tenth anniversary not yet been channeled. I think the spirit of the with fewer copies. We ended up opting for the group reflected a special moment of Brazilian color, with the undisputed goal of “making a Portuguese version page 26 foreign policy and of Itamaraty, which coincid- splash”. I want to believe that it worked ... — ed with the reception of so many new diplo- By Camilla Corá, Maria Eduarda Paiva mats precisely to give musculature to Brazil- V. THE RELEASE and Wallace Medeiros de Melo Alves ian diplomatic action. There was a plethora of The ceremony for the release of the first projects in consideration at the beginning of edition was very exciting. We had the pres- our experience at the Rio Branco Institute. And ence of then chancellor of Brazil, Ambassador I whisper to myself: one of the ideas that came to life, among oth- ; Ambassador João Clemente “It’s all imagination!” ers, was to produce a magazine. Baena Soares, who had been Secretary Gener- But I know that everything is memory… al of the OAS; several other Ambassadors and Cecília Meireles II. THE NAME heads of the House [an informal synonym for The then director of the Rio Branco Insti- “Itamaraty”], everyone my class; and the next When Ambassador Alberto da Costa e tute, Ambassador Fernando Reis, fostered the class, who had just joined the Rio Branco In- Silva decided to transform his autobiography creation of the magazine, by guaranteeing even stitute, and whom we were trying to motivate into prose, he called the fruits of this literary the financial and operational feasibility of the to carry the magazine ahead. There were many venture “fictions of memory.” The character- project, which gave us peace of mind to work. people in the auditorium of the Institute. There ization could not have been more timely. The Initially, we held an assembly to discuss, first are pictures of that day that, when I see them, trustworthy reconstitution of our lives and and foremost, the willingness to do the maga- still make me emotional. That night, we went their remarkable events is, of course, illusory. zine, and then we began to discuss the possi- to a “samba” party, organized by a classmate, Our memory is composed of fragments, often ble names, themes, editorial structure, and its in which we celebrated the release with our reinterpreted and reinvented by the passage of periodicity. Some of the names proposed were closest friends. It really is a life memory – as time. We narrate our past, in the light of the very conventional. There wasn’t one that ac- well as a professional one – that I’m going to present, in order – albeit unconsciously – to curately reflected the energy and pulse that the carry with me. convey an apparent linear and teleological people transmitted in class and in events out- sense to our choices. It becomes, in a way, side of class. So, in a way, we chose the name VI. THE SPIRIT difficult to differentiate the reconstitution of “JUCA”, which is youthful – while, at the JUCA did not seek to challenge the for- our memories from the work of a fictionist. same time, evoking the memory of the Baron eign policy of the moment, the traditions of To commemorate the tenth anniversa- [of Rio Branco] – and aligned with the spirit of Itamaraty. Nor did it mean to convey that its ry of JUCA Magazine, and in the spirit of the class. rites were outdated. That was not the intention. finding new meaning for the past, we have It was to renew the blood of the House. The interviewed the nine previous editors of the III. THE AUTONOMY idea was to create a space where colleagues publication and offered them the chance of re- The idea was that the magazine should not could reflect, write, publish, experiment in membering their period in the coordination of be too preoccupied with neutrality. In fact, what subjects of Brazilian diplomacy or culture was interesting is that the Direction of Rio Bran- JUCA. We were in search of affective memo- without many constraints. We worked on two co itself encouraged us not to make it that way. axes: we wanted the magazine to become a his- ries, to try to reconstitute the spirit of the new The class really took on this mission: we took torical document about what the new classes diplomats who, year after year, participated in seriously the order to be, let us say, a little un- were thinking at the time of their formation – the magazine. We then turned the interviews disciplined, rebellious, perhaps even iconoclas- the third secretaries who would spend the fol- into small stories and testimonies, in order to tic – even though there is a certain paradox in lowing decades in Brazil’s service at Itamaraty make the line between memory and fiction an “orientation” for us to be free. Therefore, the -; and we tried to promote the recovery of the even more tenuous. magazine’s visual identity is a bit aggressive: it Brazilian diplomatic memory, especially the In paying this well-deserved tribute to the is colorful; it plays a bit with the canon of FUN- memories that were a little hidden, that are not generations of diplomats who preceded us in AG and Itamaraty’s publications in general. And part of the daily narrative. It was part of our the decennial tradition of JUCA, we also re- it was well received that way. spirit to dig up stories that are not told or – if cord our affective memories in an unpreten- they are – not expressed in a larger circulation. tious way and with the sole commitment of IV. THE COVER This fortunate cycle of interviews that you being authentic ourselves. These memories Everything about JUCA was a collective have promoted with the editors of the previous will certainly be open to the re-reading of construction. The editorial team got the con- issues of JUCA ends up, somewhat metalin- time as a reflection of what we were and what tact of an excellent graphic designer, who di- guistically, reinforcing these two vocations that we aspired to be as young diplomats. agrammed an article as a sample. The people we conceived back then. ENGLISH VERSION

Felipe Krause Dornelles, editor of JUCA nº 2 ple did not feel fully represented by them and national diplomacy. In a way, it would be an wanted to contribute with innovations. There opportunity to meet the more mature genera- I. BETWEEN INNOVATION AND TRADI- was a sense that our colleagues would not tion of the career. It was also a way of promot- TION contribute to JUCA, if it had been “neutral” ing a dialogue between a young diplomat and We are part of a very traditional corpora- or “impartial”. Many of us were interested in a more experienced colleague: one generation tion. Intelligence and creativity are, of course, proposing innovations. passing on experience and knowledge. In these valued, but what is even more valued is the interviews, we also had the opportunity to meet ability to know how to defend the govern- V. ITAMARATY’S LITERARY TRADITION other sides of colleagues, who showed inter- ment’s positions. We had this very much in It is impossible to deny that Itamaraty has est in several fields of knowledge. The idea of mind. We considered that, ultimately, it would always had a literary tradition. The inclusion writing a profile of Ambassador Francisco Al- be almost impossible not to be an “impartial” of poems and literary texts in JUCA is a natural vim, one of the greatest living Brazilian poets, publication, but we really wanted JUCA to be reflection of the vocation of many colleagues. came from a colleague who also wrote poetry. as creative a project as possible. It was a thin We had and still have several writers. Not only The magazine is, in essence, very personal. line to walk, in that limit of possibilities: to be here, but also in several countries in Latin creative and to formulate some sort of politi- America. Mexico and Chile, at least, have two IV. WHAT IS JUCA? cally innovative idea. great former diplomat writers, [Pablo] Neruda JUCA is a picture of what we were thinking and Octávio Paz. about at that time. We tried to do something with II. THE IMPULSE a little more freedom: book reviews, art reviews, One of JUCA’s greatest influencers was Laís de Souza Garcia, editor of JUCA nº 3 poetry writings... I did not want to be the kind of Ambassador Fernando Reis, who fostered the editor who would control the expression of our elaboration and publication of the first edition. I. THE IMPULSE FOR THE NEW JUCA colleagues. What I find interesting about JUCA He was very aware of the importance of young At the beginning of the [Rio Branco Insti- is that one becomes very exposed. Someone diplomats to the institution and he appreciat- tute] training course, the two previous JUCA who publishes an article shows a certain vul- ed this reference to the Baron [of Rio Branco, editors went to the Institute to talk with the nerability: “this is what I have to express”, at a whose name was José Maria da Silva Paranhos new class of diplomats in order to explain the time when you are not sure what it means to be Júnior] as a young man, when he was known as magazine’s proposal. I decided that I had an a diplomat. I believe that the period at the Rio “Juca”. With youth, there is this idea of creativ- interest in continuing the project and proposed Branco Institute is an adjustment between what ity, of being innovative, of thinking, but also of a meeting to discuss the new JUCA. We then a diplomat is and what he or she intends to be. renewal. This constant reinventing is something began to think collectively about what the pub- JUCA, by its turn, is a way of combining one’s of a tradition as well. I remember Ambassador lication should be. There was already an idea, past with one’s present. Fernando Reis stressing that JUCA was sup- in previous editions, that JUCA could become posed to be experimental, to convey a spirit of a tradition; a mark of the “classes of 100”; an Bruno Carvalho Arruda, editor of JUCA nº 4 joviality. It should not be outdated or too mature. opportunity for students to express themselves. Depending on the tone of the magazine, it could Moreover, after a period of intense study for I. THE MEANING OF JUCA have sounded pretentious, unauthentic. “You’re the admission exams, it would be an oppor- For us, JUCA had several roles. As a pub- not a diplomat yet. Calm down, you just entered tunity to publish articles that did not relate so lication, it allowed for the recovery and pres- the service ... be genuine”, he would say. I think directly to foreign policy. ervation of important chapters that form our that was the intention. diplomatic history, besides registering so many II. JUCA, CAJU (“Cashew” in Portuguese) diverse influences that make up the diplomatic III. THE BEHIND THE SCENES All publishers face serious image use is- corps. As an exercise during the training course One of the most difficult tasks related to sues. We weren’t able to find a cover photo [at Rio Branco Institute], it allowed us to get JUCA was to keep demanding that classmates for JUCA number 3 that we could reproduce to know each other better and learn to work deliver the materials on time. Several deadlines without having to pay royalties. While we were together – after all, it is a very intense expe- were missed before people met them. I remem- thinking about this dilemma, we remembered rience, a construction that depends on several ber very well having to keep pressuring people. that, in Portuguese, JUCA is an anagram of efforts. There, we had, as professionals, a first Raphael Nascimento [the executive director] “cashew”, a typically Brazilian fruit. The cov- contact between colleagues. For many of us, it and I tended to adopt the “good cop, bad cop” er of the first edition of JUCA, with a reference was also the first experience with a manner of strategy. I was trying to be the good guy: “Oh, to candy (“Juquinha” jellybeans), had already public expression. In this case, with the speci- that’s nice what you’re doing, we’re looking for- shown that we could be witty and experimen- ficity that the result is, in large measure, turned ward to your contribution.” Then I would say tal. With that in mind, we looked for a picture inwards: we published something that would to Raphael, “That person has already missed the of a cashew on the Internet and manipulated it be read and evaluated by our peers. In this deadline by two months. For God’s sake, give until it became our own. The black-and-white sense, it was also an exercise in responsibility. him/her a little nudge.” We adopted this strate- cover was a personal taste that was reflected in gy a lot. It worked, but it was funny. the magazine. As it turned out, everything was II. THE COMPANIONSHIP a bit experimental. During the first moment of ’JUCA s elab- IV. THE REBELLIOUSNESS oration, we had no idea what we were going I think our class had a more independent, III. THE SYMBOLISM OF THE INTER- to do. We had no idea how we would need to more rebellious spirit. I mean this in a good VIEWS organize ourselves, the steps we would have to way: in the sense that we were entering this Many students were interested in the possi- take to materialize that magazine, but we were long-lived House of traditions, but many peo- bility of interviewing great personalities of our excited with the possibility of working on the 175 project. From then on, the magazine began to Diogo Ramos Coelho, editor of JUCA nº 5 expression of new ideas. We understood, how- take shape. During the brainstorming of topics ever, that, despite being a free space, it was we could address, it was clear that our class was I. INITIAL SETBACKS something that would circulate throughout the very diverse and that this was valuable, some- Ever since we started our classes at Rio Ministry. Nevertheless, at no time did the board thing that made us stronger. Tainá [Guimarães Branco Institute, JUCA was introduced to us at Rio Branco Institute participate in content ed- Alvarenga], the editor-in-chief, was as much a as a project run and produced exclusively by iting, delimiting themes or imposing limits. For chief-editor as I was, and I think that this double the students – a “rite of passage”, an already us, JUCA was about preserving a space in which perspective only enriched the project. traditional publication initiated by the “classes the initial memory of the years of Rio Branco of 100”. We were the last class of 100 and we Institute could be portrayed and demonstrating III. INVISIBLE COUNTRIES FORMING A were interested in continuing to produce the a little of our personal upbringing. After all, we DOSSIER magazine; however, at that time, the budget did not arrive at the Institute without a back- During the elaboration of JUCA’s Dos- constraints of the Ministry were an issue and, ground. If I could define our spirit, it was the sier, the ideas [for the articles] appeared first, therefore, there was some uncertainty about following: to have an open space of expression, and, throughout this process, it became clear whether we would be able to publish the JUCA where numerous voices, styles and interests of to us that the different proposals would form of the class of 2010-2012. When the adminis- the students could be reflected. the panorama of a country. They were different tration confirmed the budget allocation for the visions of our country; this was the substance magazine, we set up a steering committee and V. ANECDOTES that tied those articles together. We then re- started to work. We had serious problems with the printing membered the plot of Ítalo Calvin’s book, “In- company that won the bid. At the time, the bid- visible Cities,” in which Marco Polo tells sev- II. THE COVER ding was combined: the printer would also for- eral stories about the empire to describe it to A colleague took the picture of the helical mat the layout of the entire magazine. We were the emperor himself. It was a time when there stairs of the Palace. We thought it was a singu- completely desperate, because the company were many international events happening in lar image of Itamaraty’s space. Is there a more initially did a careless job. It was a company Brazil; it was a very vibrant context from a representative symbol than that staircase? from Goiânia. The executive director, Michael diplomatic perspective. We had a lot of contact Thus, we decided to illustrate the cover with [Nunes Lawson], and I took a car and spent a with foreign delegations and we were able to the image from the top of the staircase due to whole weekend in Goiânia to try and edit the exchange these impressions with them, asking the symbolism that it brings, representing the layout. In very little time, we had to become them how they perceived Brazil. unique perspective of the Rio Branco Insti- experts in graphic design: we checked spacing, tute’s students about diplomacy in general and text division, everything, page by page. We IV. REMINISCENCES the upbringing of diplomats. For this reason, stayed almost until dawn in the graphic com- It is very difficult to highlight only a few we try to portray one of the most traditional pany, so we could finish the magazine on time. articles in our JUCA, since each one had its symbols of Brazilian diplomacy from a com- In later editions, I see a more standardized de- history. I think a very remarkable one was the pletely unexpected angle. sign. Nonetheless, I think our final design had profile of Ambassador Paulo Nogueira Batis- a purpose too, which was to show a plurality of ta. Lucas [Oliveira Barbosa Lima] traveled III. THE DOSSIER perspectives. to interview the Ambassador’s wife, Elmira The idea was that the fifth edition of JUCA Nogueira Batista, who provided us with photos would have a central theme, which would lead Danilo Vilela Bandeira, editor da JUCA nº 6 of him. It was almost an investigative work. to the production of some specific texts. In [Lucas] really took on this role of recovering other sections, the space for contribution was I. 26 DIPLOMATS, A MAGAZINE AND A a diplomatic memory in depth, in all its most free. In the Dossier, we decided to discuss the PARTY interesting aspects. Another article worth men- formation of diplomats and the debate between The class of 2011 marks the end of “classes tioning is of the one about women in diploma- generalists and specialists. Moreover, as we of 100”. We were 26 diplomats. Still, not pub- cy – many of the challenges evoked in this long were 108 students – a very large group –, the lishing JUCA was not an issue we discussed. history are still present and need to be over- idea was to create an open space, so that all col- We understood the importance of the magazine come. This kind of record becomes diplomat- leagues would feel comfortable to contribute as an opportunity to get to know the reality of ic memory. I should also like to mention the with whatever they found interesting. Consen- the work of Itamaraty, to talk with other dip- photographic essay by Milena [de Medeiros, sus and uniformity was not something we were lomats. Besides, we did not want to be known deceased in 2011], who imprinted her artistic able to obtain. We were interested in presenting as the class that ended JUCA. But we had a sensitivity in JUCA. A very dear person who any topics that sparked the interest of the col- hard time preparing the magazine with a small was gone too soon. leagues – articles, poems, photographs, visual number of people and paying for the costume Throughout this process, I remember that, arts. We wanted to put forward a kaleidoscope party for a class of 100 when we were only 26 in order to reconcile our routine at the Rio of perspectives and demonstrate that, in the ourselves. We were adapting to a new reality. Branco Institute and our internships, we some- Brazilian Foreign Service, there are also poets Fortunately, we managed to release JUCA and times had to work until dawn in JUCA. For me, and fictionists, analysts and thinkers, academi- we did not go bankrupt financing the party. this is a good memory: it was not something we cians and chroniclers, painters and artists. were doing out of obligation, unwillingly. We II. THE RESULT OF ABSURD IDEAS were involved; we had a sense of a common IV. ASPIRATIONS I remember writing the editorial for JUCA. project. This collective commitment is one of The path to a more experimental and free The motto of our issue was absurd ideas. I my best memories. It is the pleasure of working magazine was natural. The students always saw think that, in the text, there are about twenty together despite the difficulties. the magazine as an open space, a means to the synonyms for the term “absurd”. Unwitting, ENGLISH VERSION nonsensical, unreasonable. Our editorial was been written, but were not. Many are thought III – THE BEGINNERS’ VOICE supposd to combine all of the issues present in of and not executed. For example, we had a lot JUCA is one of the few opportunities we the magazine, and to give it a guiding thread. It of interest in doing a story about Rio+20, the have – as third-secretaries, as beginners in our seemed to me that the ambitious undertaking of summit in which our class worked [during the career – to talk about what we really think. The interviewing all presidents since the redemoc- Rio Branco course]. The article about Rio+20 authors understand that the Magazine is also ratization should gain prominence. After all, it turned out to be an interview with the chief institutional, and that it is not our job to, for was a successful task. Unfortunately, we were negotiator of Brazil, Ambassador Figueiredo, instance, question the principles of Brazilian unable to interview all the presidents person- future Minister of Foreign Relations. The pro- foreign policy. The idea, in fact, was to bring ally: Fernando Collor and Lula da Silva sent legomena about the class, right after the edito- new perspectives and new ways of thinking. In their respective replies in writing. In the cases rial, came about because we had been thinking the case of the article on the concept of public of Fernando Henrique Cardoso and José Sar- about telling little stories about the class. We diplomacy, there were not many publications ney, we were able to ask them our questions were afraid that such a project would become on the subject, so we decided to try to elaborate directly. We interviewed Cardoso at the Insti- dated, so we decided to recount important our own concept. It was an excellent experi- tuto FHC, in São Paulo. Sarney, at the time, events, such as our trip to Buenos Aires. ence. After the release of our edition of JUCA, was president of the Senate. In both cases, we the Itamaraty Press Office (AIG) quoted our had the help of senior diplomats to arrange the Luiz de Andrade Filho, editor da JUCA nº 7 article, on more than one occasion, when dis- meeting. Sarney’s international adviser was cussing the subject. We must use this opportu- minister Bernard Klingl; in Fernando Henrique I. THE DOSSIER nity to say what we think, and to show that we Cardoso’s case, Ambassador Lamazière, who We were a bit apprehensive about dealing also think. had been a spokesperson for the Planalto Pal- with the coup d’état in the Dossier: “How will ace, got us this interview. we touch this wound? How will we approach IV. THE INTERVIEWS memory and truth in Itamaraty?” Personally, We conducted several interviews and even III. WITH THE WORD, THE MINISTER I think that public opinion still had the under- questioned if the number had not been exces- The previous edition, Juca number 5, had standing that the institution protected informa- sive. With the final result, we saw that, in fact, not interviewed the then Minister of Foreign tion and that the state was used to coordinate the interviews added value to the other articles. Relations, Ambassador Antonio Patriota. Ours actions among Latin American countries that The one with Paulo Sérgio Pinheiros, who was ended up, in a way, being the first edition of were experiencing similar moments. When we very involved in the Truth Commission, was JUCA with the new minister and, for us, it was began to investigate the theme, we understood amazing. The interview with the then Minis- an inescapable interview. During the first meet- that it was an opportunity to highlight another ter of Foreign Relations, Ambassador Luiz ing on the subject, we decided that an interview side of history: how Itamaraty has acted to re- Alberto Figueiredo, is practically a legacy, as on foreign policy would not be an innovation, spond to the policies of memory and truth. there weren’t, to my knowledge, any articles since the main topics of interest of the then in which the new chancellor expressed his Minister Patriota were already known. We II. RENOVATION IS THE TRADITION thoughts on different foreign policy issues. It therefore tried to create a more personal inter- As editor, I was very excited to do some- was also very enjoyable to interview Brazilians view. And Ambassador Patriot loved the idea, thing completely different. We saw that JUCA in prominent positions in multilateralism. The so much so that this interview was the last arti- demanded relatively dense academic work, but idea was to create a thread for the all inter- cle to be finished, because he kept sending us a no one knew what the repercussion was: “Are views, demonstrating what the Brazilian peo- series of pictures to illustrate it. people really reading JUCA?” We asked our- ple contribute to these international organiza- selves this question. Therefore, we searched tions and to international politics. IV. WITH THE WORDS, THE PRESIDENTS for a variety of ways to insert ourselves into The conversations with the presidents were the Brazilian academic environment. One of V. JUCA AND THE PRESIDENCY the culmination of our edition of JUCA. We them was through partnerships with academ- A great memory related to JUCA Magazine felt that we were participating in a unique ini- ics, who participated as coauthors of a few was having the opportunity to deliver the mag- tiative. Initially, Fernando Henrique Cardoso articles. Another strategy was to insert JUCA azine to then-President Dilma [Rousseff]. That had declined the invitation, due to scheduling in academic events. We also understood that was our goal, mainly because her life history reasons. We then turned to Ambassador La- JUCA should be read in countries whose popu- was linked to the dictatorship. The 2013 Hu- mazière. In order to interview him, we went lation did not speak Portuguese. Therefore, the man Rights Award ceremony seemed to be our to São Paulo. Initially, we had half an hour magazine’s team made the decision to translate only chance. I put a copy of the magazine un- scheduled, but FHC spoke for almost two the content into English. I remember that we der my arm and said, “I’m going.” At the end hours about the foreign policy initiatives of even had issues of a bureaucratic nature, as the of the event, I was able to give a copy of JUCA the government. Sarney was also very proud budget included only a certain number of pag- to the President. She was actually surprised of his foreign policy initiatives, such as the es, which could not be surpassed by the trans- that we even had a publication. We were so rapprochement with Argentina. This became lation, but we did everything to get the idea off happy with the idea that the magazine reached clearly evident throughout the interview. the ground. We decided to write a magazine the highest level of politics, the Presidency of that was a little shorter, but that contained the the Republic, as well as the smallest insertions V. PROLEGOMENA translation. The support, in proofreading, of of the magazine and articles that reverberate to The printed version of JUCA is the surviv- [Rio Branco Institute English] teachers Sara this day. The fondness of people towards JUCA ing product of a long process of cuts and even Walker and Susie Casement was fundamental makes me remember the experience with great failures. There are many stories that could have to make the idea happen. affection. 177

Felipe Neves, Editor da JUCA nº 8 IV. THE MEMORIES edited by a certain class. Thus, there are as One remarkable interview was with [Martti many continuities – passing the responsibility I. THE FIRST INTERACTIONS Antero] Koskenniemi, a law professor at the on from class to class, with one class decid- Our group eventually divided up tasks, University of Helsinki who came to give a lec- ing to start texts into English and the others forming two groups: those responsible for the ture at the University of Brasília. We sent him maintaining the practice, for example – as of the party [Party WG] and the an email proposing the interview, and he accept- there are group specificities, a context of its editors of JUCA Magazine [JUCA WG]. We ed. The interview was in a bar in Brasilia and own. Perhaps the main mark of our edition is always held meetings between classes, or at was very fun. In order to interview [professor to have a thematic thread from the beginning lunchtime. It was an opportunity to listen to Antônio Augusto] Cançado Trindade, we went to the end, while the predecessors followed the the suggestions for articles and to assemble to his house in Brasilia. The Minister of Foreign Dossier model accompanied by a collection of the other sections of the magazine. We decid- Relations at the time, Ambassador Mauro Viei- other subjects – and I do not think one format ed, for example, to innovate when creating ra, received us in the lower floor of his office. It is better than the other, for the record . Another an International Politcs section. On the other was a very informal interview. He talked to us as peculiarity is that our edition was made by a hand, we maintained traditional sections, such equals, and he also arranged to help us contact group of 19 people, one of the smallest classes as art. The WG people were very involved in one of the students of the first class of Rio Bran- of the ministry in a long time. JUCA was creat- the elaboration of JUCA, so much so that in co, [Gilberto] Chateaubriand. A group of about ed in the time of the “classes of 100”, a reality the process of writing the articles, they exceed five students from the Rio Branco Institute went that no longer exists. So, early on, there was the available number of pages. Because they to Rio de Janeiro specifically to conduct this in- an understanding that everyone would need to were excited about their respective themes, terview. We managed to travel on an extended contribute in order to make it happen. everyone decided to write a lot. Throughout holiday, paid for our tickets and accomodation the process, we also took advantage of the tal- out of pocket, and went to his house. II. THE INSPIRATION ents in the class, such as Vismar [Silva], who The previous editions of JUCA followed is a photographer, and João Marcelo [Costa V. A DIVULGAÇÃO the pattern of celebrating an ephemeris. The Melo], who had been a journalist. People Buscamos difundir a JUCA, para que ela most talked about issues during our time were wanted to innovate. Many of us saw JUCA as não ficasse excessivamente autocentrada e vol- the Olympics and Paralympic Games, the final a kind of business card for the class and the tada para o Instituto Rio Branco e o Ministério. events of the Brazilian sports decade, which Rio Branco Institute itself. Para isso, lançamos mão da página do Facebook also had milestones such as the Pan American da JUCA. Fizemos concurso cultural, lançáva- Games and the World Cup. The selection of the II. THE DOSSIER mos fotos das entrevistas que estávamos reali- theme, however, was not purely about sport, Regarding the Dossier, people sponta- zando. Sentíamos que a JUCA era um meio de but also about highlighting its connections neously talked about what interested them in divulgar a profissão de diplomata, e isso impul- with international relations, history, diplo- the United Nations. We had a class at the Rio sionou um colega a escrever a matéria sobre macy and culture. Hence, from that proposal, Branco Institute that dealt specifically with Postos D. Queríamos mostrar que a profissão everyone was finding hooks to address their international organizations, and some authors não era apenas glamour. Tentamos dar um toque favorite subjects. The result, I believe, was a took advantage of the engagement in this de realismo que seria importante para a eventual magazine that reflects the personal interests of class to deepen their knowledge in a certain escolha da carreira. the authors, the differences of taste and even area and write to JUCA. There was a careful the generational differences, although there is a choice of titles, which showed commitment in V. THE MARKETING thread to unify the texts. I hope that, instead of the elaboration of the articles and concern for We sought to disseminate JUCA, so that it a monothematic edition, a “samba of a single the final aspect of the magazine. The article did not become too self-centered and focused on note”, that a sense of unity has prevailed in our on the International Monetary Fund is called, the Rio Branco Institute and the Ministry. To do edition. for example, “The Fireman and the Archi- this, we used the JUCA Facebook page. We held tect”. People worried about presenting inter- a cultural contest, and we also took pictures of the III. COOPERATION IN THE 21ST CENTU- esting stories to the reader. interviews we were doing. We felt that JUCA was RY a means of publicizing the profession of diplo- We finished [the training course at] Rio III. THE COLLABORATION macy, and this encouraged a colleague to write Branco [Institute] and did not want to postpone JUCA is a great experience of coordina- the article on the category “D” Posts [Embassies the publication, so there was not a great dis- tion in the class. For diagramming issues, we and Consulates considered the most challenging, tance between the previous edition and ours. often met on Saturday mornings. It is in these regarding living and working conditions, accord- As we had to do the magazine in parallel with small stories that one can see the engagement ing to the Brazilian Ministry of Foreign Affairs’ our newly initiated professional life at the Sec- with JUCA: people were present at the meet- classification system]. We wanted to show that retariat of State, the contacts of the JUCA WG ings, even though the dates and times were the profession was not just glamor. We tried to during its production were carried out mainly not very convenient and the meetings were bring a touch of realism that would be important remotely, such as messages from Whatsapp. scheduled at the last minute. The people who for the eventual choice of this career. Despite the title of editor-in-chief, I did not were part of the JUCA WG were very partic- feel at any time as if I was anyone’s boss. After ular about the quality of the work. Often, the Pedro Dubra, Editor da JUCA nº 9 all, we are all colleagues, in the same parity. resolution of an image or the title of an arti- What I did try to do was to propose ideas on the cle gave rise to a great discussion among the I. CONTINUITIES AND SPECIFICITIES agenda and to be in constant dialogue with the members of the group. It was really a collec- JUCA is as much a regular publication of rest of the WG. The magazine was made in an tive effort. the Rio Branco Institute as a unique magazine extremely horizontal way. ENGLISH VERSION

IV. THE WRITERS’ FREEDOM OF IDEAS its openness to demands for more social justice for the Defense of the Environment and the The Ministry of Foreign Affairs has an in- in Brazil. Committee of Foreign Affairs and National stitutional discourse, but this does not prevent However, the Constitution is also characterized Defense – and I presided over the latter. This JUCA from being an initiative also character- by an understanding of the relations between was a subject with which I was familiar. I have ized by our own ideas. There is room for one’s state and society which has defined Brazilian always been aware of the relevance of foreign own voice without jeopardizing the principles life for decades and has become outdated. For affairs in the lives of the Brazilian people and of the Ministry, its unwritten rules, practices, that reason, a substantial revision has been of the relevance of Brazil in the world. Because and routines. I think our magazine reveals a made, especially under President Fernando of that, the invitation from the President was personal diction. At the same time, it does not Henrique Cardoso. very natural to me. deviate from the Ministry’s rhetoric on, for Another relevant aspect, especially for those Besides, at Itamaraty there are public servants example, foreign policy, sports cooperation or dealing with foreign affairs, is that the Consti- of the highest qualification, which I found Brazilian culture. tution has parameters for our diplomatic action very promising. You are diplomats recruited and foreign policy, which can be mainly found by a very difficult selection, who have with- under its article 4, among others. stood many different administrations, during INTERVIEWS In brief, this is a Constitution which shall with- different periods of your careers. Let us say stand the test of time. It is committed to de- you represent the continuity of our foreign pol- mocracy and inclusiveness, which I believe to icy, despite differences in emphasis, which is be permanent values in Brazil. normal in a democracy. As I am not a career “Being the Minister of diplomat, the Ministry’s institutional memory JUCA: Let us move on to a more recent pe- and the traditions you cherish allow me to act Foreign Affairs is being riod, when you became Minister of Foreign confidently. Affairs. How was the invitation from Pres- engaged in high politics ident Temer? Did you promptly accept it? JUCA: In the speech you gave during our What did you take into account at that mo- graduation, on Diplomat’s Day, in 2017, – out of which I obtain ment? you recalled a suitable lesson by Joaquim great satisfaction”: An MFA: I had been a very active member of Nabuco, our first ambassador to the United the opposition to both President Lula’s and States. He said that “one does not get big interview with Minister President Dilma’s governments, and I had led by jumping. The only way to look big is by my party (PSDB) in the Senate. There was being it”. The quotation seemed to refer to Aloysio Nunes Ferreira no doubt I was a Senator who had actively a debate between those who favor modera- opposed the President who had just been im- tion as the right way to conduct diplomacy Itamaraty Palace, February 23rd, 2018 peached. Nonetheless, even before the trial, I and those who advocate for an active foreign was convinced I should help the constitutional policy. Did you have that contrast in mind at Portuguese version page 36 government which would take office, that of that moment? — the Vice-President. I should help him to over- MFA: I think foreign policy has to be active: it By Isadora Loreto da Silveira, João come the challenges inherited from the previ- cannot be at a standstill. However, the concrete Soares Viana Neto, Maria Eduarda Paiva ous administration. For having participated in possibilities of reaching our goals must be and Ramiro Januário dos Santos Neto the impeachment process, I had the ethical and taken into consideration. We have to consider political obligation to participate in tackling Brazil’s real capabilities for meeting the objec- JUCA: Minister Aloysio Nunes, we thank problems, based on the program my party had tives which are established over different peri- you for receiving us. This edition of JUCA submitted to President Temer, which contained ods of time. We cannot do things that are not is dedicated to the 30th anniversary of the elements regarding foreign policy. From that genuine, that are fake, otherwise we can make Federal Constitution. As Vice-Governor of moment, we had given our support to the new mistakes. I repeat: it does not mean we will be the most populous state of the federation, government. satisfied with little. We can make an effort to member of the Chamber of Deputies and of The most difficult moment coincided with the be big, because we are big in many domains, the Federal Senate and now as Minister of approval of the debt ceiling, the change of the and each one of them characterizes our inter- Foreign Affairs, you have had the chance to legal framework for the exploration of the pre- national profile. Brazil is a peaceful country, a actively participate in the implementation of salt layer, and I was invited by President Temer country which values negotiated solutions and the Constitution. How successful has it been, to lead the Government in the Senate. After- equality between states. We are a country with 30 years on? wards, I was invited to join the administration an independent foreign policy, a country at the Minister Aloysio Nunes (MFA): The Federal as Minister of Foreign Affairs, which was not forefront on values that are very dear to the in- Constitution of 1988 was the consolidation of a strange invitation, since Minister José Serra ternational community, such as the promotion a very tough fight against the military dicta- had to resign due to health problems, as you of human rights and the protection of the envi- torship. The law comprises a very large list of know. ronment. I cannot imagine, however, that Bra- demands that had been denied by the authori- In that context, when President Temer invited zil has the power to settle the conflicts in the tarian regime. In that context, besides its legal me, I accepted it without a second thought. I Middle East, for instance. We must act based content, it has a democratic one, with many have always been interested in foreign affairs. upon our capability, not upon vain activism. different socioeconomic needs. In other words, During the time I was in the Senate, I actively We are not an imperial country: we have no we have a social-democratic Constitution, due participated in three committees: the Commit- old empire to defend, such as the Ottoman to its commitment to political democracy and tee of Constitution and Justice, the Committee Empire or the Russian Empire. We have never 179 had colonies, so we do not have ties such as and of the French Communist Party. My social emerged from the dismemberment of others? those between France and some African coun- and political activities allowed me to take root There have been many changes in the inter- tries, which were French colonies and to whose in a certain way. Similarly, in France I found national arena which the United Nations must markets the French have better access. We are exiles from Greece, Portugal, Spain, who had reflect – otherwise its effectiveness will be not a military power. Our defense industry is already been there for two generations – politi- compromised. Not only is it essential to reform important, but it is not as powerful as the Rus- cal and economic exiles. That experience orig- the Security Council, but also to improve the sian one, for instance, for, unlike Russia, we inated my concern over immigrants’ security, functioning of the organization as whole. The have never been a world power, in a hegemon- certainly acknowledging the country’s need for reform is an objective our diplomacy has been ic position. All these are circumstances which security and for controlling the influx of peo- pursuing for a long time – it is a permanent hinder our international action. We are really ple. Our previous law, the Statute of Foreign- course of action. Moreover, we take part in good at some issues. At others, not so much, ers, was characterized by cautiousness and the G-4, a group of countries aiming at the same but these are not vital to us. We do not want idea of excluding foreigners, who used to be goal, whose members are Brazil, Germany, In- to be a world military superpower: we want to seen, in a certain way, as a threat to national se- dia and Japan. We know, however, that reform have the instruments to defend ourselves and to curity. By law, even a beauty contest could be will not be easily put in place, for those who defend our sovereignty. dealt with as a danger to national security! So I benefit from the status quo will not relinquish proposed some legal changes to my colleagues their power, will they? That is why we have to JUCA: You participated in the introduction in Parliament, with whom I debated this issue. operate with stealth and encourage more grad- of the Law on in Brazil. Did your I would highlight Ibrahim Abi-Ackel, who ual reforms in the functioning of the organ, un- experience in exile influenced your involve- had been Minister of Justice under President til we achieve our objective. ment? In your view, how successful has its Figueiredo, and Almino Afonso, who had been implementation been? a member of the João Goulart administration JUCA: However, should any reform be im- MFA: Yes, my years in exile were important. and had experienced life in exile. In 1995 or plemented, it is difficult to imagine Brazil The law was passed in 1997, after the project 1996 I asked Almino to put forward a proposal out of a reformed Council, is it not? was introduced by the President of the Repub- for change. He came up with a draft, but a new MFA: I believe Brazil’s presence in a reformed lic – Fernando Henrique Cardoso at that time. legislature was elected and his project did not Council would be very natural, but this is not In the Chamber of Deputies, I was designated move forward. something we are discussing now, not as an im- by the speaker, Luís Eduardo Magalhães, to When I returned to Congress as Senator, I mediate goal. report on the bill. My 10-year experience as a pushed the idea again. The bill passed easily in was essential for my task at that mo- the Senate. In the Chamber of Deputies, I had JUCA: Let us continue on to the outlines ment, including because of the contacts I had some very important support, such as that of of our foreign policy. Let us talk a little at the UNHCR [United Nations High Commis- Deputies Bruna Furlan (PSDB-SP) and Orlan- about human rights, whose prevalence is sioner for Refugees], whose representative in do Silva (PC do B-SP), besides the assistance enshrined in the Constitution as one of the South America, Guilherme Lustosa, had been of Tarciso Dal Maso, who is one of the Senate’s principles governing the international re- my colleague at university. Guilherme had legal advisors. However, when the law was to lations of Brazil. How do you evaluate the been a refugee himself and he is still very much be promulgated, I was surprised by xenophobic role of Itamaraty in promoting them, both respected at the UNHCR. During the legisla- attacks against myself. There were some pro- abroad and domestically? tive process, he was the person who suggested tests in front of my house, in São Paulo. They MFA: When it comes to human rights, Brazil that I introduce a legal definition of a refugee said I was opening the doors to more than a has to also adopt a defensive posture, because in the text. It was difficult to approve the proj- million terrorists. They said I was Islamizing violations are committed in different states of ect then, for there was much resistance from Brazil! This has been promoted by right-wing the federation. Cases can be brought before many different areas in the Government,- in extremists on social networks. I admit I was the Human Rights Council, the Inter-American cluding Itamaraty, the Ministry of Defense and surprised and I am worried that this kind of Court of Human Rights and the Inter-Ameri- the Ministry of Justice. That happened because thing might haunt us again. can Commission on Human Rights. Nonethe- I proposed to broaden that definition, in order less, whenever charged with violations, Brazil to make it comprise not only those suffering JUCA: Minister, now we would like to turn is always eager to help with the investigation. individual persecution, but also those caught the conversation to the characteristics of There is no black box. We offer suggestions to up in a situation of widespread violation of Brazil’s international presence. One of other countries as well as hearing them when human rights, due to wars, general persecu- them, which is very important, is the coun- there is a human rights violation in Brazil. We tion and ethnic or religious hatred. This was an try’s commitment to reforming the interna- also try to inform the bodies which monitor important change in our legislation, which has tional status quo. This has been an objective the implementation of recommendations. The aroused much curiosity and interest in other of different administrations, with different Ministry of Foreign Affairs, as you know, is a countries, where our definition has been adopt- nuances and emphases. This goal has often key element. It is the governmental institution ed since. been expressed in the defense of the reform that defends and represents Brazil in different Recently, as you know, another important law of the United Nations Security Council. How fora where human rights violations are debated has been discussed: the Migration Law. Hav- do you see this objective? and investigated – and our cooperative pos- ing lived in another country has contributed to MFA: This is a goal that we will continue to ture should be highlighted. While Brazil easily my concern for issues such as documentation, pursue, because the United Nations Security welcomes special rapporteurs, they are barred conditions for social inclusion and access to Council reflects a postwar reality, from 1945. from entering many other countries. In summa- public services, for example. In France, in ex- How many independent countries were col- ry: our role is to answer to accusations, present ile, I was a member of the union of professors onies then? How many new countries have our defense (whenever appropriate) and take ENGLISH VERSION criticism, being open to changes and sugges- Minister of Planning, in order to discuss ways guese-speaking countries in the first place. I tions that might be made. of attracting international funding to finance would also highlight the countries with which public and private concessions. As to transport we have a historic relation due to the slave JUCA: Minister, since the democratization, infrastructure, the MERCOSUR waterway, trade, such as Benin, for instance, where Bra- every President has emphasized regional in- for example, has some regulatory hurdles. In zil’s presence is felt to this day. South Africa tegration as a foreign policy directive. They order to surmount them and use the Río de la is certainly very relevant, for being a great have certainly been influenced by the sole Plata basin, a great deal of effort is required. democracy and an important economic power paragraph of article 4 of the Constitution. With Bolivia, we have the energy integration in the continent. Along with Brazil and India, However, the definition of a successful re- through the pipeline, which is really important. it takes part in IBSA [the IBSA Dialogue Fo- gional integration process has varied from With Paraguay, we have Itaipu, which is a great rum], an instrument we are revitalizing. More- government to government, and so has the binational company. This is something to high- over, we have a trade agreement with Egypt, strategy to achieve it. What do you consider light: a binational company of considerable through MERCOSUR, and we are negotiating to be the most effective means to an -effec magnitude which works very well. with Morocco – at least preliminary contact tive regional integration? Is MERCOSUR a I also point out another facet of MERCOSUR, has been made. There are many initiatives. priority? which is its ambition to integrate its members As to our relations with African countries, MFA: Our action in MERCOSUR has been into the world. Besides negotiations with the cooperation in agriculture is really important. based on trying to reconcile the respect for its European Union, which had been dragging There is much interest from them. They are original raison d’être as an economic and com- along for 18 years, in March [2018] we are interested in the kind of cooperation we offer, mercial bloc with other parameters, such as the starting to negotiate the association agree- which is one whereby we aim at developing democratic clause enshrined in the Ushuaia ment between MERCOSUR and Canada. The projects in accordance with our partners. We Treaty and the constitutional principle of the MERCOSUR-EFTA association is already do not take a ready combo, it is not prêt-à- prevalence of human rights. This led us to take underway too. With India, there are efforts to porter: it is tailor-made and puts emphasis on actions aiming at suspending Venezuela from diversify trade and increase tariff preferences. our strengths. We are good at family farming, the bloc, for instance – due to human rights Moreover, CAMEX [Brazil’s Foreign Trade agricultural extension, tropical farming. We violations and the breakdown of democratic Chamber] has already authorized an explor- also have great solutions for social problems. institutions in that country. atory understanding with South Korea, aiming The human milk bank, for example, is a great As to making MERCOSUR function as a plat- at the conclusion of an agreement between success: it costs little and has a major social form for economic integration between our MERCOSUR and that country, which could be reach. Embrapa [Brazilian Agricultural Re- countries and for our insertion in South Amer- either a free-trade agreement or one on tariff search Corporation] is always asked to provide ica and the world, we had the task of removing preferences. In short, under this administra- technical advice, to solve serious problems, obstacles between member states and creating tion, we have been trying to meet the objective whose solution is actually relatively simple. I new instruments of integration. Because of of turning MERCOSUR into a platform for the remember one case in Malawi, where a plague that, we have eliminated some 80 barriers of world. MERCOSUR has become a coveted was affecting the wheat crop. In Brazil, we different kinds, which had been hampering free partner. fight it through biological means, let us say: we trade between our countries. We might have simply use a natural predator. So it was enough eliminated 80% of those restraints, maybe JUCA: This is important, especially in this to send the country three researchers from Em- more. We have become closer to the countries international context, right? brapa with that biological technology, and we of the Pacific Alliance, with whom we now MFA: Indeed, in this international context of helped to solve a problem of the utmost gravity have a greater integration. In South America, growing protectionism. And, of course, con- in Malawi. We certainly do not have China’s we have signed many different agreements sidering the members of MERCOSUR, there power: the Chinese arrive in those countries of- over the last years, which have ensured that we is great interest in Brazil, because our GDP is fering highways, hydroelectric plants, airports. have a sort of free-trade area, as far as tariffs substantial – bigger than Russia’s, for instance. We have very effective solutions, though, are concerned. Because of that, with these negotiations we which are highly appreciated. However, we want other instruments of inte- must also be cautious, because there is more gration as well, such as investment protection sensitivity on our side. In the short term, Bra- JUCA: Does the recent conclusion of the agreements and government procurement zil’s costs are higher than those of our partners. constitutional agreement of the IBSA Fund agreements. Besides, we are interested in In the medium and long term, however, we all improve relations with these countries? stimulating the participation of small and me- concur that these agreements are highly bene- MFA: It does, of course. It is also an import- dium-sized enterprises in trade between our ficial to the and to the econ- ant instrument for political understanding. countries. There is also interest in promoting omy of the bloc’s member states, for we do be- India, Brazil and South Africa are three great regulatory convergence in the region. All these lieve in trade openness as a means to economic democratic and developing countries. There is issues have gained momentum since a meeting growth and development. a rather broad political agenda to be imple- we held in Buenos Aires, in April [2017], which mented. resumed the agenda drafted in Lima, one year JUCA: Minister, besides Brazil’s most obvi- earlier. We are now working to turn it into real- ous area of interest, which would be South JUCA: Minister, we are approaching the ity, and we have had great progress with some America, there is the African continent, end of this interview. You have just complet- countries, such as Colombia. Moreover, we which you have visited more than once since ed one year in charge of the Ministry… move towards greater integration in the fields assuming the Ministry. What is Africa’s MFA: It was in February, March, right? I do not of energy and transport infrastructure. Today place in Brazil’s foreign policy? remember anymore. I remember some embar- [February 23rd] there was a meeting with the MFA: In Africa, I would underline the Portu- rassing situations, which always happen when 181 one is considered for a ministerial position. And sues such as water, electricity and waste man- I have experienced it many, many times… agement; later, it was about childcare. Then, I “I have never seen, joined the Feminine Department and we be- JUCA: Do people start asking for inter- came interested in domestic issues, because views? in Brazil, a moment it was the woman who would stay home, get MFA: No, it is not that! I mean rather an water, do laundry, wash the dishes and send the embarrassing situation, actually a classic as rich as that of the children to school. It was difficult to get chil- one. You are walking in Congress, or along dren to go to school, they were so far away… a street, and suddenly someone shouts: “Min- National Constituent So our organization began with those demands ister!” [Laughter] So you do not know what Assembly[...]. It was and needs from our community. to do, whether you turn around or not… It Another issue was the urbanization of the fave- is a classic! I have been through this many very emotional.” la. We had our organization and, afterwards, times, after being considered for a Ministry. there was an organization of the people who On some occasions, I have really assumed the Interview: Benedita lived there. So, politically – and this is not par- job. On others, not at all. ty-related –, all favelas suffer from the same sit- da Silva uation of class and space, which makes things JUCA: Our question is whether you can difficult for us, even in terms of accessibility. evaluate your legacy, one year on… Portuguese version page 44 Think about people in the favela, up high with MFA: No, that is for people who are leaving! — no water, no electricity, no waste management. Translation: Camilla Corá Now, think about someone with a disability, or JUCA: In that case, what would you say morbid obesity, because these things exist [in you have learned? You might have arrived Deputy Benedita da Silva, 75, received the the favelas]. These people couldn’t leave the here with some expectations and with cer- interviewers from JUCA on a busy day in Con- hillside (“morro”), because there was no ur- tain ideas about the Ministry and its possi- gress. In a few moments, she would be asked banization. Ambulances couldn’t reach them. bilities… to proceed to a plenary session, which could It was a very intense fight, an education of life. MFA: As I told you in the beginning, the Min- end our interview at any time. However, she We took this experience to a political party, so istry was not a stranger to me. In my political answered all questions at an unhurried pace that the Party could embrace these issues we action, even before the Senate, I have always and shared with us stories about her personal defended. That is where my education comes been interested in foreign policy. Besides, I and professional lives and the challenges that from, the basic ecclesiastic communities. We am crazy about history. History is my personal led her to politics. Benedita was the first black worked a lot with Leonardo Boff and Frei Bet- Disney World, and Brazil’s history is the histo- woman in Brazilian history to occupy the fol- to, even though I myself am evangelical. ry of its foreign policy. As a politician, being in lowing positions: councilor of the city of Rio Throughout this period, I always wanted to be Itamaraty is highly stimulating, since foreign de Janeiro, in 1982, Senator, in 1994, and Gov- a doctor, ever since my son became ill with policy is about politics, essentially. It is about ernor of the State of Rio de Janeiro, in 2002. meningitis. I told myself I would go to school debating, talking and seeking understanding. After being elected Deputy for the National and become a doctor one day. I wasn’t able to, Many times it is about controversy too. It is Constituent Assembly in 1986, she served in so I became a nursing assistant. For me, it was about pure politics, and I have a political soul. a subcommittee of Congress that brought, in about helping people, because I saw how ten- In my view, being the Minister of Foreign Af- an unprecedented fashion, demands from the derly my son was cared for. After that, I decid- fairs is being engaged in high politics – out of black movement, women, indigenous people, ed to go into social work, since it is related to which I obtain great satisfaction. LGBTs and people with disabilities to the cen- the issues I defend politically. I was forty years ter of the parliamentary debate. Many articles old. That is when I was able to go to college, JUCA: We would like to ask you one last of the Brazilian Constitution which uphold hu- me and my daughter. I was in a different phase question. Your life story is very rich and co- man rights are the result of Benedita’s intense of life, and I was able to go to college, even incides with interesting moments of national struggle to adopt truly democratic legislation though I worked two jobs, day and night. [ ] history. Would you consider writing an au- during the Assembly. When I graduated, I was so happy. I was doing tobiography? Interviewers: Elaine Cristina Pereira all that not because I wanted to, because what MFA: My wife insists I should write one. May- Gomes; Igor Goulart Teixeira; Rafaela Seix- I really wanted was to be a doctor, but so that I be I could write down some memories. Maybe as Fontes; Ramiro Januário dos Santos Neto; could improve my education and serve people I could do what Serra did, with his book, Fifty Rodrigo Cruvinel Barenho e Rodrigo Ponciano better at what I did, which was politics. Years Tonight. I think when you start recalling Guedes Bastos dos Santos your memories, things just sprout. There is JUCA: How was the process to get elected also the involuntary memory, which is a very JUCA: How would you describe your path, for the Constituent Assembly in 1986? precious source of feelings and helps to make both personal and professional, towards en- BS: I had been working for four years at the forgotten things emerge. When I finish my po- tering politics? City Council, when the Constituent Assembly litical career – and I do not know when that Benedita da Silva: I’ve always lived a polit- was approved. Everyone started encouraging will happen –, maybe I could devote myself ical life, because, when you live in the favela me to run, to leave the dimension of the city to that exercise – after all, I have come a long as I did, you need to have some level of orga- and go to the federal one, because I would be way, right? I went into politics at the beginning nization in order to obtain any public service. exclusive, I would bring issues that wouldn’t of the 60s and I have not stopped since. Maybe We had needs in terms of basic sanitation, so normally be raised in Parliament, and bring a the time has come. my fight in the community began around is- new voice to the Constituent Assembly. I was ENGLISH VERSION hesitant, because I wondered who would ever had, and that is where we started to work po- no paid time off; you have no end of the year vote for me. I told my colleagues no one would litically in order to support our parliamentary bonus; you have no unemployment security, vote for me, because no one knew who I was. representatives. I was in Parliament at the time nothing. But the favela knew me. So it was them, the and I was part of the Council, and the Council Some people said that wasn’t a subject for the favelas, who gave me that first push. They in- had goals for the future, such as to present pub- Assembly. I told them that it was, that it was sisted so much that I became convinced, after lic policies that could be adopted by the gov- a racial subject, that we should look at the sit- speaking with the black, the religious and the ernment. But we also had to deal with a sexist uation of Brazilian black people and ask why women’s movement. I spoke with all religions conscience, this is the truth. For those in gov- they are not present in such and such places. – Catholic, Jewish, Evangelical, those of Af- ernment, it was more than enough that we even They need opportunities, and a domestic work- rican origin –, because we were about to dis- had a National Council for Women’s Rights. er will never have opportunities, because she cuss a Constitution that was supposed to be for But we wanted much more, we wanted polit- doesn’t have means and because she has no everyone. I couldn’t just bring my own vision ical participation and policies visibly geared time to study, she has to be in the kitchen all and defend what I believed. I could, and I did, towards women, and not just a mishmash of the time. Not that that is not a valid occupation, defend my principles, but I couldn’t arrive at policies. There was no policy for indigenous or I myself am a great cook, and I’ve made mon- the National Constituent Assembly without black women, for example. We struggled for a ey cooking for other people, but that is not the hearing from people from outside my own long time to have a ministry, from the time of case of most domestic workers. So those were Party, because everyone was so hopeful about the Assembly until 2003. the things that shook up the Assembly: gender the Brazilian Constitution. I myself had expec- politics, indigenous politics, land delimitation tations, because I had been fighting racism, JUCA: How was the process of creating the and agrarian reform. violence against women, based on what I had Assembly’s “Black Caucus”, of which you lived and what I saw in my life. That is the en- were part, along with Edimilson Valentim, JUCA: Each member of the “Black Caucus” vironment in which I was raised. Alberto Caó and Paulo Paim? What were was also part of the working groups of the I went to the National Constituent Assembly your main demands and acting spaces? Commission of Social Order. What were the and invited people from all over the country, BS: To tell you the truth, Caó, Paim and Ed- main challenges you faced when you partic- from indigenous communities, from quilombos, imilson, all three came from the syndicate. ipated in the Subcommission of black and and we gave these people who had never been I was the only one who was involved with indigenous people, people with disabilities to more than a political rally the opportunity to the black movement, but they were all very and minorities? sit with their representatives and discuss their committed. When we started to defend black BS: Well, there was an idea that was ingrained ideas, what should the law be. It was a fantastic issues, they became involved and, now, they in the laws and the policies towards people experience, which made us see how much prej- are recognized for it. There was the Caó Law, with disabilities: they generalized these people udice there is in the Brazilian society. which passed because we were able to work to- and treated them as if they were worthless. I We realized that, in the Assembly, we had to gether. I was in charge of presenting proposals, think it was a major advance that we were able give people the right to debate whatever they and we would divide them. Then, a second mo- to, through the Constitution, guarantee those wanted to. So much so that we guaranteed the ment was when we passed the criminalization rights for people with disabilities, and, after- participation of those in favor of and against of racism. It was difficult, because they wanted wards, their own Statute, like the [Statute] of abortion, those who were homosexual and those to keep the law we already had, the Afonso Ari- children and teenagers. who weren’t, because that is where the balance nos Law, and we had to say no, that we wanted Through these statutes, an enormous horizon of of society lies. I have never seen, in Brazil, a to criminalize this practice. That we didn’t sim- possibilities is opened. You start to discuss ac- moment as rich as that of the National Constit- ply want the person to apologize and that was cessibility in transport, buildings, bathrooms, uent Assembly, because it involved people from it, because that encourages hate. as well as concerns about working relations. everywhere. It was very emotional. That was something that achieved good results, A person with a visual disability, for example, racism being considered a crime without pos- would no longer suffer unemployment, because JUCA: In August 1986, the “National Meet- sibility of bail. It wasn’t easy. We were able she would have access to education through the ing of Women Constituents” took place, to achieve a lot, but [the criminalization of necessary instruments and equipment. For the with your presence as member of the Na- racism] was important. Then, we passed leg- hearing impaired, there is sign language. We tional Council for Women’s Rights. What islation regarding the lands of the remaining still depend on public policies, but we began were the main resolutions brought from the inhabitants of the quilombos, the delimitation to see entrepreneurs in that area as well. From meeting to the Constituent Assembly and to of indigenous land. What we couldn’t achieve the time of the Assembly, I started to meet peo- the President? was agrarian reform, which was also an inter- ple who have businesses based in prosthetics, BS: Well, all the ideas of the feminist, the est of the quilombola and indigenous commu- others in mobility, in adaptation of spaces. Not black and the indigenous movement regarding nities. We obviously failed and, even today, to mention the fact that you must now have, at gender. These segments had their own speci- that is a difficult subject, in which there are few least, five or ten percent of people with disabil- ficities, which is how we discussed women’s small advances. ities in every company and institution. rights in the Assembly. That’s why I said that In the Assembly, there was the so-called “cen- We had problems with minorities in general, we invited those pro and those against abor- trão” (“center caucus”), which could block any because they treated black people as a minori- tion, for example, because, in society, there are legislation, so we had to stand up to them re- ty. Black people are not minorities, we are the segments who defend one thing and others who garding social issues. We were able, however, largest part of the population [in Brazil]. So defend another. So this enabled us to present a to pass legislation regarding domestic workers, we excluded black people from this minority minimum of proposals. considering that most of them are black wom- and treated only the racial issue, not the popu- Regarding the National Council for Women’s en. We compared it to slave labor: you have a lational one. They treated us as minorities, but Rights, that was the first instrument that we set time to start, but no time to finish; you have the indigenous people are a minority. We also 183 dealt with individual and collective rights. In decision to drop out of chemistry to study law terms of individual rights, we dealt with sexual with the goal of entering the diplomatic career. orientation and the segment that is now LGBT. “Do you know any black My father – a pragmatic, humanistic and ex- They were so humiliated; it was difficult for me tremely objective doctor – reacted very badly. to deal with these issues. I had to gather ener- Brazilian diplomats?”: He asked me if I was actually considering drop- gy and strength, spiritually, because I couldn’t ping out of chemical engineering at the Federal stand to watch what people said to them, in Interview with University of Rio to take a new entrance exam total disrespect of their individuality. Noth- to both the law course and the diplomatic ca- ing that was being asked was capable of, you Ambassador Silvio José reer. And he added sarcastically, “do you know know, breaking the Brazilian ethical and moral Albuquerque any black Brazilian diplomats?” code. It was about things you see every day, Neither my father nor I had ever seen any dip- such as LGBT people being victims of physical e Silva to JUCA lomats in our lives, white or black. I had never and sexual violence. even visited the Itamaraty Palace on Marechal It happens a little less now, but there is always magazine Floriano street. someone who wants to expose others, and the A few days later I found a copy of the book things that happen are barbarian. For those Portuguese version page 50 “O Negro no Rio de Janeiro”, a classic by who work with human rights, and I have been — L.A. Costa Pinto, on by bed. The bookmark a state Secretary in that area, it is very difficult! By João Soares Viana Neto led me to the page where the author describes And sometimes they will blame evangelical or the interview that, in the early 1950s, President catholic people, but the reality is that this is JUCA: Last year you completed 30 years in Getúlio Vargas granted to my grandfather – a part of Brazilian sexism that we have absorbed. the diplomatic service. Why did you choose parliamentarian, journalist, writer and human I know people who are neither evangelic nor diplomacy as a profession? Were you influ- rights activist from the late 1930s to the early catholic who act the exact same way. enced by anyone? 1960s – on the reasons for the lack of black So, they faced those things, but they walked Ambassador Silvio Albuquerque: My class people in the diplomatic career. away much stronger to pursue their fight. They from the Rio Branco Institute sat the 1985 In practice nothing came of the interview. saw that the most we could do was make sure exam, which was a year of profound transfor- But knowing the admirable public life record, the Constitution stated that no one can be dis- mation in the political life of Brazil. We took as well as the pride and temperament of my criminated against based on sexual orientation. the Rio Branco course at the end of more than grandfather, I can only imagine the tone of the two decades of authoritarian rule, institution- conversation he had with Getúlio. JUCA: How were discussions regarding al impasse and de-politicization of politics. It Well, after reading that excerpt from the book, article 5, XLII, of the Constitution, which was a moment of transition to democracy, of all doubts about the decision to take the exam states that racism is a crime with no possi- great civic effervescence, that would affect all to enter the diplomatic career disappeared. I bility of bail? When one looks at the final dimensions of life in the country. never found out whether it had been my moth- text which was approved, one notices that I believe that my decision to enter the diplomat- there were several changes from the original er or my father who left the book on my bed. ic career is linked to this historic moment. Be- proposal which was made by the Subcom- So, answering your question, my grandfather, fore the age of 20, with the typical audacity of mission you were part of. José Bernardo da Silva, a man from youth, I believed that joining a state career was BS: In this house, you never vote the initial who lived in Niterói and passed away in 1963, tantamount to the possibility of contributing to version of anything. There is a process which was the decisive influence in my decision to doesn’t strip away the basic characteristics, but long-desired changes in Brazilian society. become a diplomat. also doesn’t leave any project intact. The text In hindsight, I am aware that the option for Ita- I like to think that he planted a seed, in that of this article, for some reason, ended up being maraty was a conscious one, which reflected a audience with Getúlio, that would germinate a approved, because they were more focused on predilection for the themes of the international few decades later, not with my entry into Ita- other things. Later, we created the Statute of agenda, foreign languages and a distant admi- maraty, but with the adoption of the first affir- Racial Equality, exactly because of this article ration (stemming from the regular reading of mative action policies related to the access to about racism being a crime with no possibility Jornal do Brasil during boat rides from Niterói the diplomatic career. of bail. to Rio, where I went to high school and did my undergraduate courses) for the professional JUCA: A recurrent theme in your profes- JUCA: During the works of the Assembly, trajectory of ambassador Ítalo Zappa, whom I sional career is the defense of human rights, was the issue of quotes for black people at never had the opportunity to meet personally. which is one of the principles that govern work ever raised? How did that discussion Of course, such motivation reflected a certain Brazil’s international relations, according take place? degree of idealism and a great lack of knowl- to article 4 of the Federal Constitution. In BS: This issue was raised, but we weren’t able edge of the typical gears of a hierarchical, tra- October, the Constitution will also be 30 to materialize it, because it was eliminated in ditional and, in many ways, conservative insti- years old. In your opinion, in terms of hu- one of the subcommissions that were organiz- tution such as Itamaraty. man rights, are there more achievements to ing all the proposals. That is why we introduced My decision to take the entrance exams was be celebrated or challenges to be overcome? this matter later on, because, in the Constituent not sudden. Having studied chemical engineer- SA: A society that lives with more than 60,000 Assembly, it became too difficult. Afterwards, ing at UFRJ for just over a year, I quickly dis- murders a year, with 25.4% of its citizens below through the legislation that regulates the arti- covered that my vocation was far away from the poverty line (more than 50 million people), cles [of the Constitution], we started to raise the laboratories and periodic tables. I remem- with a systemic pattern of inequality between this matter again. ber talking to my father and telling him of my white and black people as well as men and ENGLISH VERSION women, with shameful numbers of violence possibility of embryonic stem cell research, the I would say that affirmative action policy was against the LGBT community, with an appall- racial quotas for university admission, the ho- already necessary in 1986, when I joined the ing reality in its prisons and with a profound moaffective union (recognized as stable union Rio Branco Institute. Back then it was a moral inequality in the distribution of income cannot or family entity) and the continuous demarca- imperative. With the promulgation of the 1988 be considered respectful of human rights. tion of indigenous lands (Raposa Serra do Sol). Constitution, which has a visceral commitment Nevertheless, it would be a mistake to analyze I would recall that, in celebrating the 25th an- to equality, such measures became a legal im- the degree of respect of a country or a society niversary of the Federal Constitution, as Presi- perative. It is worth remembering that the con- for human rights from the presentation of cold dent of the Court, Joaquim emphasized the role stituent legislators understood that Brazilian numbers. It is essential to analyze this reality played by the STF, through its decisions, in con- society was – and remains – profoundly asym- based on a vision of human rights not as a his- solidating the Constitution as a guarantor of hu- metric and unequal, and it is up to the state and tory of conquest or defeat, but as an endless man rights, by welcoming diversity and build- to society to combat such issues through pos- struggle. I appreciate it when Flávia Piovesan ing a freer, fairer and more supportive society. itive actions. recalls a reflection by Joaquín Herrera Flores In summary, our absolute numbers on the degree I am amazed by how educated Brazilians some- on the history of the construction of human of disrespect for human rights are staggering. times ignore their own Constitution. Many do rights. For him, this history has been moved by And they make me think about what our famil- not even bother to read articles 1 and 3, which processes that open and consolidate spaces of iarity with atrocities in the field of human rights deal with the foundation and objectives of the struggle for human dignity, which is the princi- says about who we are and who we aim to be. Republic. It is where the dignity of the human ple and fundamental value that gives meaning These numbers, which are shocking or should person, the construction of a free, just and sol- and outreach to the constitutional rights en- shock any Brazilian, represent more than a le- idary society, the eradication of poverty and shrined by the Brazilian constituent legislator. gal or political task: they are a civilizing chal- marginalization are put forward. And of the The Federal Constitution of 1988 is the in- lenge. I say this in order to agree once more promotion of the well-being of all, without strument that assured the country the longest with Herrera Flores when he writes that human prejudice of any kind. period of institutional stability in republican rights are the main challenge for humanity in The one who recalled this in a transparent way history. And this is no small feat in light of the the beginning of the 21st century. In the case was Professor Carmen Lúcia Antunes Rocha, turbulence we have been going through. of Brazil, this is even more true. It makes no current president of the STF. In 1996, she Influenced by my experience in the Federal Su- sense to speak of the advancement of judicial wrote a precious article entitled “The demo- preme Court (STF), and limiting myself to the guarantees in the country whilst ignoring the cratic content of the principle of equality.” In subject of the question, it seems inevitable to framework of inequality and the system of val- it, Minister Carmen Lúcia described affirma- praise the role that the Court has played in ad- ues, that is, our circumstances, which, in the tive action as “one of the enabling instruments vancing the protection of human rights in Brazil. end, are regulated by the norms. As if the rules for overcoming the problem of non-citizens, Recently, Minister Luís Roberto Barroso re- and circumstances were different sides of the those who do not participate politically and called that Supreme Courts play three essential same coin. That is clearly not the case. democratically as provided for in the letter of roles in democracy: (i) the counter-majoritar- the fundamental law because they are not given ian, clearly expressed in our Constitution; (ii) JUCA: Within the Federal Government, effective means to be equal to other citizens. “ the representative, in response to pressing so- Itamaraty pioneered the implementation of This digression, as well as the quotes from Mil- cial demands not attended to by the Legislative affirmative action policies aimed at promot- ton Santos and Minister Carmen Lúcia, are in- and the Executive; and (iii) the enlightenment, ing racial equality in 2002. How do you as- dispensable to reaffirm an assumption without which, in the appropriate definition by -Bar sess these initiatives? Were they successful? which it becomes impossible to answer your roso, has contributed to “pushing history for- SA: One interviewer once asked Milton San- question. The affirmative action policies imple- ward”, sometimes overlapping with the com- tos how he saw the issue of quotas reserved for mented by Itamaraty – the African-American mon sense. And he cited the example of the black students in Brazilian universities. The diplomatic candidates scholarship program and decision of the United States Supreme Court scholar from – and, worth recalling, Vau- the racial quotas in the career entry exam – are in Brown v. Board of Education (1954), which trin Lud prize laureate – replied that the way fully constitutional, in addition to being in har- declared the unconstitutionality of racial segre- this type of question was repeated was symp- mony with the provisions of the International gation in schools. tomatic of a desire to establish a false debate. Convention on the Elimination of All Forms of Joaquim Barbosa – who honored me with the in- He went on: “the question posed is not exactly Forms of Racial Discrimination. Both from the vitation to be his chief of cabinet in his tenure as about quotas. The question is: does Brazil want perspective of distributive justice and of pro- president of the STF – said, about a year ago, in to incorporate black people, helping them to motion of diversity and pluralism in the diplo- a ceremony in his homage held in the white hall have a normal place, so to speak, within soci- matic career, these policies are fully justifiable. of the Supreme Court, that he was honored to ety? Does the country, in the construction of its They must not remain in force indefinitely, but be one of the eleven Ministers during the years future, want to consider that black people must for a definite term. Their application shall be in which the greatest advances in the individual participate in this future in an equal manner?” ceased when the reasons for their enactment and collective rights of Brazilian citizens were I agree with Milton Santos, who was never a are no longer present. achieved in republican history. In saying this, militant, but an intellectual, a man of ideas, in For all this, I say with great serenity and con- he referred to cases in which the Supreme Court considering his argument as the central ques- viction that the measures pioneered by Ita- ruled on issues of great social sensitivity and le- tion of the debate raised by your question. Like maraty are more than justifiable: they are indis- gal complexity related to human dignity. Milton, I think there is a great deal to be done pensable for the promotion of justice. They do Among the leading cases mentioned by Joa- for the full integration of black people in Bra- not conflict with republican meritocratic val- quim were the legitimacy of the interruption zilian society and, in particular, in spaces of ues. Quite the contrary, they complement them. of pregnancy in the case of anencephaly, the power, both private and public. Whether they were successful or not is anoth- 185 er discussion. I believe that they took a long JUCA: Last June, you were elected to the The CERD is probably far more politically im- time to be implemented, despite Itamaraty’s United Nations Committee on the Elimina- portant today than it was in all its history. This pioneering spirit. In saying this, I would like tion of Racial Discrimination (CERD) for motivates me and, at the same time, increases to clarify that I have always been a support- the 2018-2021 mandate. What are your ex- the level of concern and responsibility of all er of deepening affirmative action policies, pectations for your work as a CERD expert? members of the Committee. through the temporary implementation of ra- SA: The expectations are positive. I feel moti- cial quotas, believing that the mere granting vated and prepared for the challenge. JUCA: Going back a bit in your career: out- of scholarships would be incapable of both But I have no illusions. There is a limit to the side the Itamaraty, you worked in the Spe- promoting equal opportunity in career access action of independent experts of the UN human cial Secretariat for Human Rights, within and reducing, in an effective and rapid way, the rights treaties monitoring bodies. The limit is the Office of the Presidency of the Republic, structural and historical inequality in the edu- precisely the real willingness of the State par- in the Superior Court of Justice (STJ) and cational background of the candidates, putting ties to implement the provisions of the conven- in the STF. Do you think your diplomatic black youngsters at a disadvantage. Despite the tions. After all, as Cançado Trindade has clear- background and performance have helped pioneering initiative of Itamaraty in the adop- ly put, the future of the international system you to better carry out your work in these tion of a specific modality of affirmative action for the protection of human rights depends on institutions? as of 2002 (not by chance, the year after the national mechanisms of implementation. SA: I am convinced that it did. Durban World Conference), a recent academic Without such commitment by States, every ef- My experience is not isolated. Many fellow study that I had access to points out that such fort of the experts and monitoring bodies is se- diplomats have been and are currently in the policies increased the percentage of African riously undermined. The lack of commitment service of other bodies of the different powers descendants in the diplomatic career to little has been expressed in a number of ways, in- of the Republic. As a rule, we are seen as high- more than 2% in the decade of 2000. Hence, cluding not only delays in the delivery of peri- ly qualified servants, members of a respect- the challenge is still a great one. odic reports but also the reprehensible practice able, structured and hierarchical career, with a of some governments of softening the serious- Nevertheless, I have no doubts in affirming that clear sense of our role as servants of the state in ness of the problem of racial discrimination in we are on the right track. I fully support the a democratic society. their jurisdictions. Add to that the budgetary policies of quotas implemented in the entrance The skill in the art of negotiation, a basic pre- and financial crisis once again experienced by exam to the diplomatic career. requisite in the formation of a good diplomat, the bodies of the United Nations system. Yet I would pinpoint a serious fact. Today was a fundamental instrument in positions Despite all this, I agree with Lindgren Alves, there is a concrete threat to the continuity of such as that of chief of staff of the president whose trajectory in defense of human rights such policies. I fear for their continuity and of the , whose agenda within the United Nations is admirable, when effectiveness in the face of the attack against during the period in which I was in the Court he says that so-called treaty bodies, given their the Rio Branco Institute by a specific segment brought together topics of enormous political unique characteristics of independence, auton- of the Federal Public Ministry and the black omy and specialization, are much more effec- sensitivity. Bearing in mind the respective movement. They misinterpret the mechanisms tive today in the fight for human rights. In the proportions, it was not different from the ex- of construction of the Brazilian racial identity case of the CERD, it has proven more effective perience in the office of the Defense Minister and, consequently, the logic of racial discrimi- in the fight against racial discrimination than nor in the international area of the Civil Office nation in Brazil. They fall into the trap of what inter-state bodies. of the Presidency of the Republic. Nor was it Anthony Appiah calls racial fixation and seek But the challenges before the CERD are gigan- easy to be the Deputy Special Secretary for to limit the benefit of affirmative action policies tic. In few areas the current crisis is as dramat- Human Rights. If it is already difficult to deal to candidates with strictly black or dark brown ic for people’s real lives as in the manifesta- with the issue of human rights on the foreign racial profiles, in breach of the provisions of tions of racial discrimination and intolerance affairs agenda, imagine what it is to be one of Law 12.990/2014 and Normative Guideline n. that proliferate around the four corners of the those responsible for such an agenda internally, 3, dated August 1, 2016, from the Secretariat of world. A contemporary expression associated dealing with the magnitude of the daily prob- Personnel Management and Labor Relations in with these phenomena is particularly disturb- lems of violence and arbitrariness throughout the Public Service of the Ministry of Planning, ing: the intellectual and political legitimacy of the country. Development and Management. racism and discrimination. I am convinced that every diplomat should, at In my opinion, their reading, even if well inten- Given the size of the challenges, I am convinced least once in his or her career, have the expe- tioned, is exclusive and highly detrimental to of the importance of the CERD in strengthen- rience of carrying out the activities of a civil the struggle for the promotion of racial equality ing the fight against racial discrimination. I see servant in another public body. It is an extraor- in the public service in general, and, in particu- the 1965 Convention as a living instrument, dinary opportunity to learn about the public lar, in Itamaraty. It is also conflicting with the permanently oxygenated by the Consolidated machine and its gears. It brings us closer to im- STF’s unanimous deliberations in the Action for General Observations of the Committee. portant stakeholders in the treatment of institu- Non-compliance with Basic Precept 186 (racial It is always good to remember that the CERD tional issues of interest to the country and our quotas in entering public universities) and in is the oldest of the human rights treaty mon- own institution. It can diminish residual preju- Declaratory Action of Constitutionality 41 (ra- itoring bodies. 177 States are subject to its dice against members of the Brazilian Foreign cial quotas in contests for the filling of effective scrutiny. Only 17 UN Member States are not Service, which results from a lack of knowledge positions and public jobs). We run the risk – the Parties to the Convention. It is obvious that it is about who we are and what we do – something Rio Branco Institute and Itamaraty – of becom- not enough to join the Convention and to cross that is largely generated by ourselves, often- ing hostages of such misreading. This is why I arms waiting for its dispositions to be imple- times involuntarily. And, as importantly as all advocate that the institution should resort to the mented in the domestic sphere by inertia. This the previous factors, we start to see Itamaraty highest court to reverse this interpretation. requires strong political will. and our own career with different eyes. ENGLISH VERSION

JUCA: Out of the missions you participated ed by former Bahia Governor Jaques Wagner, Therefore, I recommend the young diplomats in during these three decades, which one are to whom I am grateful for the opportunity, I to take risks, leave the comfort zone and pro- you most proud of? believe I have contributed to strengthening the pose new readings of reality and innovative SA: All of them. ties between civilians and the military, as well strategies for the insertion of Brazil in the I often tell close friends of my luck in having as to building bridges with Itamaraty on sensi- world. Never lose hope that you can make a spent the initial years of my career in the then tive issues. I miss the friends I left in the Armed difference. In this process, do not make the called Division of Africa II, headed by the late Forces and the Ministry. I served at a difficult mistake of ignoring the new constituencies Guilherme Arroio. There, we witnessed the time in the Civil Office. Once again, the ex- that have come to influence the way we, pub- unfolding of the long struggle of the Angolan perience acquired as a diplomat was of great lic agents, act in the defense of the interests of people for independence, the creation of Na- value in defending the interests of Itamaraty the state and in the promotion of individual and mibia as an independent state, the confronta- with the Presidency of the Republic. Finally, it collective rights. tion with the apartheid regime in South Africa was an honor to have been at the Special Sec- and the liberation of Nelson Mandela. For a retariat for Human Rights, at the invitation of young diplomat, the almost five years spent in my friend Flávia Piovesan, a humane character DIPLOMACY AND INTERNAL POLICY the Department of Africa – you see, the same without equal and a sophisticated intellectual, headed in the mid 70’s by Ítalo Zappa – were genuinely committed to the rights of the most an unforgettable and remarkable experience. vulnerable people. The biofuture platform In the last two cases (Namibia and South Afri- ca), I was posted in the Human Rights Division JUCA: Would you give any advice to those and the new brazilian – DDH (1999-2002). Then, the contacts be- who have just started the diplomatic career? bioenergy diplomacy tween us, diplomats, and Brazilian parliamen- SA: First of all, take pride in the career you tarians in the effort to dismantle racism were have embraced. I am very grateful to Itamaraty intense. Accompanied by my friend Antonio Proposed by Brazil, the initiative, which gath- for everything that it has provided me over Pedro, then head of the DDH, I had the honor ers 20 countries, seeks to promote biofuels and more than 3 decades of work. I hope that young of meeting with the then senator Abdias do Na- the advanced bioeconomy as fundamental and colleagues will have the same sense of appreci- scimento to discuss the subject of the boycott necessary measures for the transition towards a ation for the institution when they look back on of South Africa. We heard him strongly criti- low carbon economy. their career in the future. cizing Itamaraty for past positions in support Always have the exact notion of the personal of the Salazarist regime in Portugal and its par- Portuguese version page 58 and family sacrifices imposed by the profes- ticipation in international events on the issue of — sion you have embraced. And, however con- race. Nevertheless, we succeeded in building a By Adriano Bonotto servative this recommendation might be, I am common strategy for political and diplomatic not reluctant to do it: value your family and action with the support of Senator Abdias. The energy sector accounts for about two- The process of preparation for the World Con- friendship ties. They will always be indispens- thirds of global greenhouse gas emissions. ference against Racism, held in Durban in Sep- able to bear the strides generated by voluntary Consequently, any consistent effort to mitigate tember 2001, allowed for the largest discus- exile and its effects on the spirit. emissions necessarily involves the promotion sion in Brazilian history of the issue of race, On this matter, when abroad, read Vinícius’s of the global energy transition. Nevertheless, ensuring visibility of the central themes of the poem entitled “Olhe aqui, Mr. Buster”, dedi- the expansion of renewable energy has been meeting to important sectors of society. Being cated, according to him, to “a friendly, extro- rather unbalanced, since most of the invest- present in this process, as a young diplomat verted and filthy rich American” who could ments are concentrated in the power sector, of the DDH, was another gift of fate. Sever- not understand how he, Vinicius, had decided while the transport sector has so far received al colleagues participated in this effort, which to return to Brazil, with great financial losses, little attention – even though it represents marked the Itamaraty and the Brazilian State leaving the Consulate in Los Angeles, when he about one quarter of the total emissions from in ways difficult to measure. How I learned could still have stayed an extra year in the post. the energy sector. There are indeed few viable from each of them! In addition to Minister I especially like the end of the poem. alternatives to fossil fuels, especially in the Lafer and ambassador Osmar Choffi, then Sec- Coming out of poetry and coming into the short and medium term, therefore making it retary-General of the Ministry, I would recall “Canudos” reality, as my friend Tadeu Va- imperative to use all available options, includ- ambassadors Gilberto Saboia, Marcos Pinta ladares refers to the world today, it is inevitable ing promoting advanced biofuels, whether first Gama and Tadeu Valadares, and the ministers to point out that young people who have just or second-generation. Alexandre Porto and Claudia Maciel. It is nev- entered their career are immersed in unique Incidentally, second-generation biofuels er too much to point out that we have learned a times. Zygmunt Bauman was precise in saying have the potential to play a prominent role in great deal from each representative of the civil that mankind lives a crisis with signs of long the transition towards a low carbon economy. society who participated in the process. permanence. Perhaps no other time since 1945 Since they are based on lignocellulosic feed- More recently, I have had immense pride and have we faced challenges in areas as diverse stocks, they contribute to settle the food ver- immeasurable luck in working alongside my as the growth of inequality in the distribution sus fuels. Moreover, they can be produced in friend Joaquim Barbosa as his chief of staff in of wealth, the rebirth of protectionism, climate countries that, unlike Brazil, do not present the Presidency of the STF. I have developed change, the resurgence of populism and xeno- favorable natural and territorial conditions for several friendships within the Court, which phobia, the strengthening of nativism and of large scale sustainable production of conven- has a staff of assistants of exceptional value. In right-wing parties, and the doubts about the tional biofuels. In addition, the potential of this the Ministry of Defense, to where I was invit- value of multilateralism. new bioeconomy is not restricted to biofuels, 187 since biorefineries allow for the integration of A low institutionalization organizational centers – as well as between the different in- different biomass conversion processes, mak- model was chosen to provide the necessary ternational initiatives dedicated to renewable ing it possible to achieve the maximum use of flexibility to get actions started. After identify- energy. In this context, a Biofuture Platform resources and the production of electric energy, ing key players – bearing in mind their poten- side-event took place during the 2nd Ministe- biochemicals and biomaterials. tial or interest in promoting the sector –, a lim- rial Meeting of the “Mission Innovation” ini- This promising technology is already ited number of countries were invited to join tiative and the 8th Clean Energy Ministerial, in the commercial stage, but currently faces the initiative, in order to ensure the necessary held in Beijing on June 8, 2017. Moreover, the challenges in overcoming remaining technical cohesion to achieve its objectives. In addition I Biofuture Platform Conference (“Biofuture difficulties, increasing scale and gaining com- to Brazil, the following 19 countries make up Summit”), which brought together representa- petitiveness. For this to happen, it is necessary the Biofuture Platform: Argentina, Canada, tives of member countries, international agen- to promote adequate policies that contribute to China, Denmark, Egypt, the United States, the cies, the private sector and academia, was held the expansion of investments and the improve- , Finland, France, India, Indonesia, in São Paulo, from October 24 to 25. ment of processes in the different stages of the Italy, Morocco, Mozambique, the Netherlands, In order to stop global warming from production chain. This is, after all, an infant Paraguay, Sweden and Uruguay. reaching critical levels, biofuels and the low industry whose transformative potential is The activity schedule of the Biofuture Plat- carbon bioeconomy are inescapable parts of still largely unknown to energy policymakers form has been intense. The initial action plan, the solution. Due to its potential and proven around the world. approved at a focal point meeting on January expertise in the bioenergy sector, deriving from The consolidation of an international market 19, 2017, in Abu Dhabi, comprises three main natural advantages, as well as from decades of and the development of convergent national pol- lines of action. The first is to prepare and re- investments, Brazil meets all the requirements icies are fundamental to overcoming these chal- lease a report on the state of the advanced low to spearhead this process. lenges. Due to its investment history, accumulated carbon bioeconomy, currently under develop- experience and great potential, Brazil possesses ment. The objective of the study is to gather, all the attributes to play a significant role in this in a comprehensive document, the dispersed process. In this sense, Brazil’s “ethanol diplo- information regarding policies to promote the macy” moves towards becoming a “bioenergy advanced bioeconomy in the member coun- Cooperation in diplomacy”, with a broader scope, encompassing tries, in order to subsidize the definition of the concept of bioeconomy, including biorefiner- priorities and identification of the main gaps health among BRICS ies and its diversified range of bioproducts, which and opportunities in the sector, as well as to countries: symbol of a also constitute sustainable and low carbon alter- provide relevant inputs to the other activities natives to petroleum products. of the initiative. new cycle of cooperation Thus, effective global scale expansion of The second line of action is to elaborate a biofuels and the advanced bioeconomy will “vision statement”, affirming the engagement for the group require raising awareness among countries, as of the member countries to the Paris Agree- well as concerted action. It will require raising ment commitments, as well as their aspirations Portuguese version page 62 awareness, inasmuch as the biofuels and bio- related to the development of the advanced — energy topic still raises many concerns, which bioeconomy by 2030. The report and the dec- By Ramiro Januário dos Santos Neto and often result from misinformation or decontex- laration were conceived as complementary Isadora Loreto da Silveira tualized generalizations about their impact on actions: while the former is a picture of the food production. It will also require concerted present, the latter consists in the projected, en- Since the establishment of their high-lev- action, since the international governance of visioned future. el meetings in 2009, BRICS countries have renewable energy is characterized by signif- Following successive negotiation rounds, shown that the group’s dynamic of action goes icant fragmentation. There are a multitude of which included contributions from member far beyond the economic-financial cooperation fora, each with their own leadership, and each countries, as well as from international agen- and the political coordination fronts. A third promoting specific priorities, sometimes with cies and climate and energy experts, the final front,that of sectoral cooperation, covers more little dialogue and often with little consider- version of the vision statement, entitled “Scal- than 30 areas, including health. ation of the potential of bioenergy. ing-up the low carbon bioeconomy: an urgent For Brazil, health cooperation is one of the Having identified these gaps and challeng- and vital challenge”, was announced on No- great vectors of BRICS’ action, symbolizing a es, Brazil conceived, planned, negotiated and vember 16, 2017, during Brazil’s official event new type of partnership between the group’s executed, in collaboration with other countries, in the high-level segment of the UNFCCC countries. This new cycle of coordination, com- the Biofuture Platform, launched in November COP-23 in Bonn, Germany. The statement was plementary to what has already been done in 16, 2016, during the high-level segment of the endorsed by 19 member countries – the sole the economic and political spheres, is based on UNFCCC COP-22, in Marrakesh. Consider- exception was the United States, which could the idea of facing common challenges that af- ing the fragmented international governance not endorse the document, but remains as a fect middle income nations, impacting the daily of renewable energy and the little attention member of the initiative. lives of the populations of the five countries. paid to bioenergy, the fundamental objective The third line of action is to organize con- This article will thus present the main as- of the initiative is to build bridges between the ferences and participate in events of renewable pects of health cooperation among the BRICS different actors – public and private – and the energy fora. This action line is part of the Bio- through a structure comprised of the following various existing fora, providing a platform to future Platform’s broader objective of promot- sections: (i) right to health as a human right; leverage the -so far dispersed – efforts to pro- ing dialogue and collaboration between actors (ii) Brazilian foreign policy regarding health; mote biofuels and the advanced bioeconomy. – governments, the private sector and research (iii) BRICS health cooperation: what has been ENGLISH VERSION done; (iv) perspectives for BRICS cooperation which replaced the Millennium Development In 1996, in order to reduce the cost of uni- in health. Goals, includes the right to health, encompass- versalization and free access to antiretroviral ing the goal of achieving universal health cov- drugs to public coffers, Brazilian diplomacy Right to health as a human right erage by ensuring access to essential quality started negotiating with the pharmaceutical health services and to essential, safe, effective, laboratories responsible for patents on the The right of everyone to the enjoyment of quality and affordable medicines and vaccines antiretroviral drugs purchased by the govern- the highest attainable standard of physical and for all, based on the principles of equity and ment. After lengthy negotiations, Brazil decid- mental health is a human right reflected, inter non-discrimination. ed to break the patents of those laboratories. alia, in the Universal Declaration of Human The announcement of Brazil’s intention to Rights (1948), the International Covenant on Brazilian foreign policy regarding health break patents was, in a significant part of the Economic, Social and Cultural Rights (1966) cases, sufficient to achieve considerable price and Convention on the Rights of the Child In 1988, the promulgation of the Feder- reductions. Drug costs fell dramatically in the (1989), as well as, in regards to non-discrim- al Constitution symbolized the beginning of years that followed, and several developing ination, in the International Convention on the a new political-institutional phase in Brazil. countries, particularly in Africa, benefited from Elimination of All Forms of Racial Discrimina- The “Citizen Constitution” marked the rees- Brazilian diplomatic action. In addition, Bra- tion (1965), the Convention on the Elimination tablishment of the democratic rule of law and zil’s external action was essential to ensure the of All Forms of Discrimination against Women inaugurated a comprehensive social protection inclusion of intellectual property in the WHO’s (1979) and the Convention on the Rights of policy. In this context, health – regarded as a agenda and to ensure the dissemination of Persons with Disabilities (2006). The right to social right of all citizens – was recognized flexibilities in the Trips Agreement and other health is a corollary of the concept of inherent and included in the list of public responsibility international agreements, taking into account dignity of the human person and is consolidat- actions aimed at ensuring social welfare and public health imperatives and the principle of ed in the Declaration on the Right to Develop- justice. The new Constitution determined that the right to health. ment (1986), which establishes, in its Article 8, the State would be henceforth legally obliged Internationally recognized for its leader- that States must adopt, in the domestic sphere, to promote actions and provide health services ship in tobacco control, Brazil coordinated the all necessary measures for the realization of the aimed at building a new social order. This em- process of elaborating a multilateral agreement right to development and should ensure equal phasis on health was embodied in the creation on the subject between 1999 and 2003. The opportunities for all in their access to basic re- of the Unified Health System (SUS), which WHO Framework Convention on Tobacco sources, such as health services. guaranteed universal and free access to health Control (FCTC/WHO) is the first international In 1948, in the wake of the discussions that to all. Thus, since 1988, a significant set of health treaty of the World Health Organization had been launched at the San Francisco Con- laws, ministerial ordinances and administrative and represents the response of 192 member ference three years earlier, the World Health actions have been passed in order to discipline countries of the World Health Assembly to the Organization (WHO) was created. In its pre- and complement the proposed project in the growing epidemic of smoking worldwide. The amble, the WHO Charter defines health as “a health area. FCTC/WHO was adopted by the World Health state of complete physical, mental and social From an external point of view, since its Assembly in 2003 and entered into force in well-being and not the mere absence of disease democratization, Brazil has adopted a proac- 2005. Since then, it has been the treaty that has or infirmity.” The WHO’s overriding objective tive stance in global health. Among the topics gained the largest number of members in the is to ensure the fundamental right of all per- related to health issues in which Brazil has history of the United Nations. At the forefront sons, regardless of race, religion, political po- played a prominent role are: the dissemination of the negotiation process of the convention sition or social and economic status to achieve of good practices in relation to the fight against and a reference in its implementation, Brazil the highest attainable standard of health. HIV/AIDS and the negotiations that resulted in has reinforced its image as a promoter of health In 2007, through the signature of the Oslo the breaking of patents of antiretroviral drugs; issues in the international arena through its de- Declaration by the foreign ministers of Brazil, the formulation of a global anti-smoking pol- fense of an international anti-smoking policy. Norway, France, Indonesia, Senegal, South icy; and the formulation of an international In addition to its high-profile work with Africa and Thailand, health was unequivocal- public health agenda, with emphasis on the de- the World Health Organization, Brazil has led ly assumed as a foreign policy issue. On the fense of universal coverage. discussions on the right to health within the occasion, the need for overall coordination of Between the early 1980s and 1990s, in the framework of the General Assembly and the efforts was reiterated in the form of -interna Latin American region, Brazil stood out as the UN Human Rights Council. In 2002, the man- tional cooperation at all three levels (bilateral, country with the most cases of people infect- date of the Special Rapporteur on the right to regional and multilateral); and the importance ed with HIV. Following the recognition of the health was created and defined in the context of health as an item of the development agen- seriousness of the epidemic and the creation of the Commission on Human Rights (“Spe- da towards the achievement of the Millennium of the SUS, in 1996, then president Fernando cial Rapporteur on the right of everyone to the Development Goals. Henrique Cardoso enacted a law guaranteeing enjoyment of the highest attainable standard Moreover, the 2030 Agenda, adopted free access to antiretroviral drugs, which were of physical and mental health”), based on a during the United Nations Summit on Sustain- fundamental in controlling the virus. In addi- Brazilian initiative. Within the Council, eleven able Development, held in September 2015 at tion to the free supply of medicines, extensive other resolutions on this subject have already the UN headquarters in New York, addresses, campaigns targeting risk groups and drug users been adopted, including ten by consensus. in its Sustainable Development Objective no. were launched in subsequent years by Brazil. Through its role in the Council, in addition to 3, the issue of health (“to ensure a healthy life The Brazilian experience has been widely rec- its continuing support for the mandate of the and promote well-being for all, at all ages”). ognized as a success story by international or- special rapporteur on the right to health, Brazil The new Sustainable Development Agenda, ganizations, such as UNAIDS. has been promoting the debate on issues such 189 as access to medicines, rights of people living For each priority area, the BRICS Health results for: i) the improvement of the Brazilian with HIV/AIDS and mental health. Ministers approved an action plan and desig- population’s quality of life; ii) the promotion The area of international health has increas- nated national focal points. However, the ex- of innovation in the national pharmaceutical ingly expanded both in scope and in the num- ecution of the plans has been decentralized, industry; iii) and the provision of top-of-the- ber of forums in which it is discussed. Brazil is which makes it difficult to assess the progress line medication to all. Brazil believes that it is active in the international health agenda, way in their implementation and to review their particularly important to address, within the beyond its actions in the WHO – which is the objectives, if necessary. Thus, cooperation in BRICS, issues related to communicable diseas- main forum for the discussion and the produc- some areas has advanced more than in others, es, such as tuberculosis, HIV/AIDS and viral tion of norms on the subject –, and in other as is the case of research collaboration for tu- hepatitis, as well as non-communicable diseas- UN agencies, including a series of intergovern- berculosis, which has produced a tangible out- es, such as smoking. The group’s fight against mental groupings (CPLP, G20, BRICS, among come: the establishment of the BRICS Tuber- tuberculosis, for example, gains relevance in a others), regional bodies (Mercosur, UNASUR, culosis Research Network. CELAC) and mixed governance entities (UNI- The network’s first technical meeting took context in which 50% of all global cases of tu- TAID, GAVI Alliance). Amongst the most im- place in Rio de Janeiro in September 2017. On berculosis occur in BRICS countries. In 2015, portant topics on the international health agenda the occasion, specialists from BRICS countries nearly one and a half million people died from of recent years, one may mention the implemen- defined the range of activities of the network, the disease worldwide, including 170,000 chil- tation of the International Health Regulations, which will cover research and development of dren. access to medicines, health emergencies, an- diagnosis, vaccines and treatment for the dis- In the fight against HIV/AIDS, Brazil con- timicrobial resistance and the strengthening of ease. The second meeting took place on the siders it important to carry out actions compat- national health systems. margins of the First Global Ministerial Con- ible with the Sustainable Development Goals ference on Tuberculosis (Moscow, Novem- (SDG) agenda and with the relevant 90-90-90 BRICS health cooperation: what has been ber 2017). In 2018, three new meetings were targets, which were proposed by UNAIDS to done scheduled: the first in New Delhi (February promote the end of the HIV/AIDS epidemic 2018), regarding the subject of new vaccines; BRICS sectoral cooperation in health be- by 2030. Regarding the treatment of smoking, the second in Cape Town, (June 2018), about gan in 2011, when the group’s leaders decided Brazil believes that the BRICS countries can the development of new drugs; and the third in to “strengthen dialogue and cooperation in the work together to promote the full implemen- China (September 2018). For Brazil, the net- fields of social protection, decent work, gender tation of the FCTC/WHO, which is a target set work is a successful project that can inspire the equality, youth, and public health, including forth in SGD 3. creation of similar initiatives for the treatment the fight against HIV/AIDS”, as per the Sanya Given the identified potential for coop- of other diseases, especially HIV/AIDS and Declaration. eration in health among BRICS countries, non-communicable diseases. In line with this mandate, the first BRICS In 2017, the BRICS Health Ministers also some suggestions could be considered. First, Health Ministers Meeting was held in Beijing it would be possible to replicate, in the short in 2011. On the occasion, BRICS countries approved the establishment of a mechanism for the promotion of regular consultation among term, the experience of the tuberculosis re- identified common health challenges, such as search network to contribute to the treatment inequitable access to health services and med- the five countries in multilateral health forums, of other diseases that affect the five countries. icines; increasing health costs; high incidence especially the WHO. This decision was en- Second, it would be important to promote reg- of infectious diseases, such as tuberculosis; and dorsed by BRICS leaders at the Xiamen Sum- increasing rates of non-communicable diseases. mit in September 2017. Thenceforth, the rep- ular contacts between the national focal points In this context, BRICS Health Ministers resentatives of the BRICS countries in Geneva designated for the priority areas of cooperation committed themselves “to collaborate in order have frequently met to coordinate positions. in health. In this sense, the focal points’ meet- to advance access to public health services and Moreover, since November 2017, the ings could be part of the annual schedule of goods in our own countries and deliver more BRICS’s cooperation at the WHO has gained activities of the BRICS rotating presidency. cost-effective, equitable and sustainable solu- considerable momentum, as nationals of the Third, the BRICS sectoral dialogue on tions for common health challenges. We are five countries have joined the team of Direc- health could be used as a first step to identi- also committed to support other countries in tor-General Tedros Adhanom. In this context, fy health subjects that may be better discussed their efforts to promote health for all”(Article BRICS countries could keep a constructive di- by Brazil in its bilateral relations with BRICS alogue with their nationals at the WHO Lead- 8 of the 2011 Beijing Declaration). countries. Fourth, it would be interesting to ership Team so as to stimulate the discussion Since 2011, seven meetings of Health Min- identify common issues to be addressed by the isters and six informal ministerial meetings of topics relevant to the five countries in the BRICS at the WHO with a view to strengthen- on the margins of the World Health Assembly organization. It should also be noted that the ing the five countries’ individual positions in were held. In the 2016 Delhi Communiqué, the BRICS joint statement on tuberculosis, which BRICS Health Ministers defined eight priority was read at the 142nd session of the WHO Ex- the organization. areas for cooperation in health: (i) health sur- ecutive Board, can be considered one of the The BRICS’s cooperation in health has veillance system; (ii) traditional medicine; (iii) first results of the coordination in Geneva. been useful and it is at an early stage regarding antimicrobial resistance; (iv) chronic non-com- the technical discussion of most topics. Thus, municable diseases; (v) regulation; (vi) drug Perspectives for BRICS cooperation in the partnership can be further strengthened, discovery and development; (vii) research health which will certainly foster the development of collaboration for tuberculosis, HIV/AIDS and new techniques, treatments and medicines to malaria; and information and communications Cooperation in health is a priority for Bra- combat diseases that affect BRICS countries’ technology in healthcare. zil, since it has the potential to produce tangible populations. ENGLISH VERSION

COSUR has created permanent organs in dif- Brazil took on the semi-annual rotating ferent cities, such as the Institute of Public presidency of MERCOSUR on July 21, 2017, Policies on Human Rights (IPPDH) and the at the Mendoza Summit, in a context of con- “MERCOSUR and Support to Social Participation Unit (UPS) in vergence among the member states to reeval- Venezuela: Current Buenos Aires; the Social Institute of MER- uate the bloc’s founding objectives: trade and COSUR (ISM) and the Permanent Court of economic integration, democracy and human Information, Law and Review (TPR) in Asunción; and the Parliament rights, as well as the articulation of the region- of MERCOSUR (PARLASUR) and the MER- al market with the global economy. In the first Democracy” COSUR Secretariat (SM) in Montevideo. semester of 2017, during the pro tempore pres- According to article 1 of the Ouro Preto idency of Argentina, important positive results Disclaimer: This article does not necessarily Protocol on the Institutional Structure of MER- were achieved, such as the conclusion of the reflect the opinion of the Brazilian Ministry of COSUR, the intergovernmental decision-mak- intra-MERCOSUR Cooperation and Facilita- Foreign Affairs. ing bodies of MERCOSUR are the Common tion Investments Protocol and the promotion Market Council (CMC), the Common Market of the external agenda of MERCOSUR, with Portuguese version page 68 Group (CMG) and the MERCOSUR Trade negotiations with the European Union, among — Commission (MTC). Therefore, MERCOSUR other regional and extra-regional partners. By RIANE LAÍS TARNOVSKI makes its decisions through these three bodies: In the current context of adjustments and the CMC, the highest body of MERCOSUR, search for tangible results in MERCOSUR, MERCOSUR was conceived as a Common which conducts the process of political inte- the Brazilian Pro Tempore Presidency sought Market by the 1991 Treaty of Asunción, with gration; the CMG, which oversees the daily to continue initiatives started by the Pro Tem- the purpose of promoting the commercial and operation of the bloc; and the MTC, which is pore Presidency of Argentina, prioritizing the economic integration of the member states. responsible for administering common trade new MERCOSUR Public Procurement Pro- The Protocol of Ouro Preto, signed in 1994, es- policy instruments. There are more than 300 tocol, the effective treatment of barriers to tablished the institutional structure responsible forums serving these bodies, which are com- intra-MERCOSUR trade, and the application for shaping the Common Market and provided posed of representatives of each member state, of more dynamic and pragmatic approaches to MERCOSUR with organs and bodies with po- and promote initiatives to be considered by de- regulatory issues of the bloc. Other important litical, legal and social attributions, in view of cision-making bodies. ongoing processes were the strengthening of the role of these dimensions in consolidating MERCOSUR, with more than 25 years of FOCEM and the preparations for Bolivia’s ac- the regional integration process. existence, is the most comprehensive region- cession to the bloc. Since its creation, MERCOSUR has pro- al integration initiative in Latin America. Its The MERCOSUR Agreement on Applica- moted democracy and economic development members (Brazil, Argentina, Paraguay and ble Law on International Consumption Con- as fundamental pillars of integration. Based Uruguay, founding countries, and Venezue- tracts was negotiated at the Brasília Summit on these principles, agreements were reached la, which completed its accession process in (12/21/2017), as well as the MERCOSUR on migratory, labor, cultural and social issues, 2012), combined, are equivalent to the world’s Public Procurement Protocol, which had been with important impacts on the daily lives of its fifth largest economy, with GDP of approxi- negotiated since 2006. The new protocol is the inhabitants. These agreements reflect the civil, mately US$ 2.7 trillion. Since its foundation, result of the revitalization of MERCOSUR’s social and productive integration dimensions trade within MERCOSUR has multiplied by economic and trade agenda, and it reinforces of the bloc. It has also been necessary to adapt more than 12 times, rising from US$ 4.5 billion the bloc’s credibility and strengthens the cus- and expand the institution’s structure through- in 1991 to a peak of US$ 57 billion in 2013. By toms union. It will allow member states to open out the region, as well as to equip the bloc with 2017, data up to July show a 22.1% increase in their public bidding markets to one another, financing mechanisms such as the Structural Brazilian exports (US $ 13 billion) and a 53% that is, the companies of one member state will Convergence Fund for MERCOSUR (FO- increase in Brazil’s trade balance with the bloc be able to be suppliers of the public institutions CEM). FOCEM, which has an annual budget (US$ 5.9 billion) compared to the same period of the others. This will generate more oppor- of over 100 million dollars, finances projects of 2016. In addition, MERCOSUR is the main tunities for the private sector, contributing to that seek to promote competitiveness, social recipient of Foreign Direct Investment (FDI) in more and better jobs, and expanding the uni- cohesion and the reduction of asymmetries the continent. In the last two years, it received verse of suppliers to our government agencies, among members of the bloc. 47% (2015) and 46% (2016) of FDI in Latin reducing costs for public administration. MERCOSUR’s potential in the area of in- America and the Caribbean and 65% (2015 and In short, the bloc can be characterized as tegration is auspicious considering the territo- 2016) in South America, according to UNCT- a customs union in a consolidation phase, al- ry of the bloc (12,789,558 km²) and the great AD data. though it is not limited to that. In addition variety of natural resources, such as available Within MERCOSUR, Brazil has signif- to the economic-trade aspect, MERCOSUR water, biodiversity, energy resources and fer- icant and high quality trade partners with is based on a political and strategic integra- tile lands. Its greatest asset, however, lies in its high added value products, which contributes tion project. In its origin, there is the process people: a population of over 275 million, with to technological development and generates of approximation between Brazil and Argenti- an invaluable heritage of cultural, ethnic, lin- skilled jobs in Brazil. The bloc is central to the na, started in the 1980s and reinforced by the guistic and religious diversity, which coexists industrial activity of member states. In 2016, re-democratization in the region. Currently, harmoniously and transforms MERCOSUR about 84% of Brazilian exports to MERCOS- democracy and human rights are fundamental into a region of peace and development. UR were of industrialized goods. In compari- principles of MERCOSUR, as well as the un- With time and due to the effects of the son, our exports of industrialized goods to the derstanding that economic development must implementation of its regional policies, MER- world represented 56% of the total. be followed by the improvement of social in- 191 dicators, so that there is, in fact, better living The Venezuelan government’s decision conditions for the population. to continue with the election of members of Two great principles that guide not only a constituent assembly in violation of its own Brazil and the Gulf Brazilian foreign policy, but also the intra constitutional order has made the decision by and extra bloc relations of MERCOSUR are the founding countries of MERCOSUR on the Cooperation Council the rule of law and the defense of democracy. suspension of Venezuela for violation of dem- Based on the first principle, Venezuela´s rights ocratic institutions even more urgent. Countries History and in MERCOSUR were suspended in December As the main objective of the application of Propective Relations 2016, due to non-compliance with fundamen- the suspension of Venezuela under Ushuaia is tal commitments set forth in its Protocol of Ac- to press for the restoration of democratic order, Portuguese version page 68 cession to the bloc. the decision of the member states establishes — Venezuela has failed to incorporate 80% of measures to minimize the negative impacts of By Al-Anoud Al-Sabah1 the agreements and 20% of MERCOSUR’s de- the suspension on the Venezuelan people. cisions into its domestic legal order, an essen- As for commercial aspects, the application This article aims to approach the general tial step for them to be in force in the country of the suspension under the Ushuaia Protocol milestone of the Brazilian foreign policy for and for Venezuela to be effectively part of the will not reach Venezuela with regard to ACE- the Middle East, within which the Gulf coop- bloc. Some of the norms and agreements which 18, which is the MERCOSUR free trade agree- eration Council (GCC) is inserted as one of failed to be incorporated include the Econom- ment registered within the Latin American the most relevant blocks in the region. Brazil, ic Complementation Agreement N. 18 (the Integration Association (ALADI), since Ven- as a rising power in the international system, backbone of MERCOSUR); Decision CMC ezuela has not yet fulfilled its commitment to has pursued a more active role in the guidance N. 01/09 (which defines the origin regime used accede to the aforementioned Economic Com- of instabilities of the Middle East, such as the for the bloc’s trade benefits); the Asunción plementation Agreement. Arab-Israeli conflict, and most significantly in Protocol on Commitment to the Promotion and The lifting of the suspension shall only the Iranian nuclear negotiations. On the other Protection of Human Rights of MERCOSUR take place when, in the judgment of the found- hand, the GCC is an entity that has emerged (2005) and the Agreement on Residence for ing member states, the full democratic order as a leading bloc as the aftermath of the Arab Nationals of MERCOSUR Member States has been restored. Among the preconditions Spring in 2011 and has played a significant role (2002). for this return are the release of political pris- within the Arab League and other internation- Regarding the principle of democracy, oners, the restoration of legislative powers, the al platforms to overcome regional impasses, the recent implementation of the mechanism resumption of the electoral calendar and the whose most recent example is the outbreak of provided for in the Ushuaia Protocol began annulment of the convocation of the constitu- the crisis of GCC in June 2017. on April 1, 2017, when the foreign ministers ent assembly. Besides the economic and commercial of Argentina, Brazil, Paraguay and Uruguay As soon as the democratic order is restored dimension, which remains at the core of the found that the Venezuelan constitutional order in Venezuela and the country incorporates all relationship between Brazil and the GCC, this had been repeatedly broken by actions of the MERCOSUR agreements and norms into its article also seeks to address other issues. Does Maduro administration. domestic legal order, the founding members Brazil have a policy towards the GCC? Will During the Mendoza Summit, on July 21, will evaluate the conditions for the full return Brazil’s non-intervention policy prevail in the 2017, the foreign ministers of the member of Venezuela to the South American integra- ongoing conflicts of the Middle East and GCC? states invited then Venezuelan Foreign Min- tion mechanism. This research will also address challenges that ister, Samuel Moncada, to hold a consultative Until then, in the judgment of the four might face Brazil in dealing with the instabil- meeting under the Ushuaia Protocol, in Brasil- members, sanctions will be imposed, ranging ity in the region: combating terrorism and the ia. Also during the Summit, the MERCOSUR from the suspension of Venezuelan participa- treatment of conflicts between GCC and Iran member states and associated members ap- tion in the bloc’s organs, which already occurs, and the crisis in the core of GCC. proved a “Declaration on the Situation in the until the suspension of its rights and obliga- It also aims to describe the current fields of Bolivarian Republic of Venezuela”, which reit- tions resulting from the MERCOSUR integra- cooperation between Brazil and the six GCC erated the call for the cessation of violence and tion process. countries in the following topics: political, the dialogue between government and opposi- It should be mentioned that the application economy and trade, food security and others. tion in that country. of the democracy clause strengthens the coun- In the face of Venezuelan refusal, the pro- tries’ commitment to the defense of democracy Historical Background posed consultations were unsuccessful, open- in the region. The leniency of the states before Brazil’s diplomatic relations with the six ing the possibility of the suspension estab- recent events in Venezuela, especially those Arabian Gulf States commenced with Kuwait lished in Ushuaia, which effectively occurred related to the establishment of a new National and Saudi Arabia in 1968, subsequently ex- on August 5, 2017, at a meeting held in São Constituent Assembly, such as arbitrary deten- tended to Qatar, to United Arab Emirates and Paulo, with the presence of the foreign minis- tions, illegal dismissals of public office and vi- to Oman in 1974 and, finally, to Bahrain in ters of the four founder states. olence in repression of the opposition, would 1980. The suspension of Venezuela is the sanction undermine democracy as the fundamental In the period of 1970-1979, Brazil was the imposed by the founding states of MERCOSUR pillar of the integration process. MERCOSUR, main importer of oil in the developing world. under the Ushuaia Protocol on the actions of the therefore, has demonstrated once again that the Nicolás Maduro administration and a call for defense of the democratic rule of law is a sine 1 Exchange student at the Rio Branco Institute, in an immediate process of political transition and qua non condition for participating in South 2016, and international relations researcher at the restoration of the democratic order. American integration. Kuwait National Security Bureaun for 11 years. ENGLISH VERSION

As a result of the oil crises of 1973 and 1979, terest in the region, bearing in mind that other de Janeiro, so in March 2016 the government according to Paul Amar, in his book “Bra- superpowers are increasingly involved in this enacted a counterterrorism bill that defines zil and the Arab World”, “Brazil pursued a strategic surrounding. and criminalizes terrorist activity, including model of economic development that led it to terrorist recruitment and financing, as well as strengthen its ties with the Middle East (Saudi President Dilma (2008-2016) promotion of terrorism. In the months leading Arabia and Iraq) (…) securing its supplies as a Brazil supported Palestine’s accession to up to the August 2016 Olympic Games in Rio crucial issue for Brazil”. Thus, Brazilian for- UNESCO in 2011, as well as its participation de Janeiro, ISIS extremists ramped up Portu- eign policy was reframed to fulfil its economic as an observer member at the UN in 2012. The guese-language propaganda online and called diversification model. close relationship it maintains with Palestine for attacks at the games. Between 1982 and 1986, financial diffi- does not make Brazil’s bilateral relations with Since June 2017, the solidarity and unity of culties compelled the Brazilian government to Israel unfeasible, which are in line with politics the GCC political structure faced its major cri- undertake several ministerial visits to the Gulf and economic circumstances. sis since the invasion of Kuwait in 1990. Saudi region, in order to deepen economic coopera- Brazil is home to more than 4 million Bra- Arabia, Emirates and Bahrain, with the support tion. The visits of the Foreign Minister, Ramiro zilian descendants of Syrians and has consis- of Egypt, announced that they were cutting dip- Saraiva Guerreiro, to Saudi Arabia in 1982 and tently advocated for a political solution to the lomatic ties with Qatar for the second time in the Minister of Finance, Antonio Delfim Neto, Syrian crisis in accordance with the principles three years and decided to boycott and isolate a to Kuwait in 1983, were examples of this re- of the Geneva Statement 1, of 30 June 2012, in GCC member country, Qatar. They also closed newed Brazilian activism in the Middle East. line with resolutions 2254 and 2258 to address their borders, airspace and waterways. Among From 1989 to 1991, the region faced the the humanitarian situation. the objectives of the siege survey, it was possi- first Gulf War, the end of the Cold War and Since the beginning of the Yemeni crisis, bly to shut down Qatari-owned broadcaster Al the second Gulf War (the invasion of Kuwait). the Brazilian Government has argued that only Jazeera, bearing in mind that Doha is a capital Although Brazil condemned the invasion of an inclusive political process could lead to the that hosts the biggest American military base Kuwait, it did not participate in the US-led co- reconciliation among the parties involved and in the Middle. In the face of this crisis, Brazil alition, based on UN resolution 678. Brazil’s therefore, put a definitive end to the conflict, supported Kuwait’s mediation initiative led by economic and energy partnership with Iraq in accordance with Resolution 2216 of the UN Amir Sheikh Sabah Al-Ahmad Al-Sabah, ac- limited its manoeuver to respond to the inva- Security Council. During the ASPA conference cording to the statement released on the For- sion of Kuwait. in Riyadh, in November 2015, the Riyadh dec- eign Ministry website: At the end of the 1990’s, the Brazilian laration reaffirmed the Arab and South Amer- “The Brazilian Government continues to foreign policy towards the Middle East and ican countries’ commitment to the sovereign- follow the recent developments in the diplo- the GCC bloc started to change, from a basic ty, independence and territorial integrity of matic crisis in the Gulf and the Arabian Penin- economic relation to a broad socio-econom- the Republic of Yemen and emphasized their sula with attention. Brazil renews its call on the ic and political one. Brazil began mobilizing support for the legitimacy the President of the parties involved to overcome their differences its Arab and Islamic heritage to attract more Republic of Yemen Abd Rabbo Mansour Hadi. through dialogue with a view to achieve sta- cooperation with Middle Eastern and Islamic bility in the region, and supports mediation ef- Countries. President Temer (2016-2017) forts initiated by Kuwait’s emir Sheikh Sabah After a year of his mandate, president Te- Al-Ahmad al-Jaber al-Sabah.” President Lula (2003-2011) mer is faced with important political and eco- Unfortunately, the Kuwaiti mediation with President Lula became the first Brazilian nomic challenges. Despite internal difficulties, the support of the International community is President, in the republican period, to visit the the Middle East continues to be relevant in the taking longer than expected and the region is Middle East, allowing Brazil to become the Brazilian foreign policy agenda. still living very difficult times with the Yemeni first Latin American country to become an ob- An elucidative example of Temer’s foreign humanitarian situation worsening and the di- server member in the Arab league. Since 2003, policy for the Middle East was highlighted by vide between Ali Abdullah Saleh and Alhouthi. President Lula pushed for the establishment of the recent visits of Brazil’s Minister of Agri- The GCC finds itself in a very delicate situa- The Summit of South American-Arab Coun- culture, Blairo Maggi, to Saudi Arabia, to the tion, and Brazil’s trade and distribution of its tries (ASPA), a mechanism for South-South United Arab Emirates, to Kuwait and to Qatar, products from Dubai to other GCC countries cooperation and policy coordination in multi- which were related to the effort to resolve out- could be affected by this security situation. lateral fora. standing concerns about the import of Brazil- The most significant Middle Eastern issue ian meat. These visits underscored Brazil’s role Economy and Trade that is tackled in all international platforms is in guaranteeing food security in the Arab coun- Trade remains at the core of the relation- Arab-Israeli conflict. The GCC countries are tries, which increasingly invest in agricultural ship between Brazil and the GCC bloc. Both devoted to implement the two-state solution projects abroad to ensure adequate supplies to the GCC and Brazil have been greatly affected on the borders of 1967, a position shared by their markets. by low oil prices. Political uncertainties and Brazil. In the Iran dossier, Brazil supported, It is important to mention that Brazil, like accusations of corruption involving Petrobras with Turkey, the negotiations that led to the all the countries in the world, suffers from have contributed negatively to the Brazilian Declaration of Tehran in 2010 as a peaceful terrorism threats from international groups, economy. approach to resolve the nuclear issue of the which makes it sensitive to the problems that The GCC aims to compensate the delay Persian country. afflict countries in the Middle East, such as with economic reforms, with the purpose of In other words, Brazil’s policy calls for Syria and Iraq, where the self-declared Is- reforming and diversifying the economy, ex- peace in the Middle East seek to avoid tragic lamic State is present. Brazil received threats panding the flow of investment and also focus- humanitarian catastrophes and to protect its in- from ISIS during the Olympic Games in Rio ing on the sustainability of alternative energies. 193

Most members implement budget restraint Energy Most of the GCC countries have signed measures, following steps similar to those un- In 2015, Brazil was the 9th oil producer memorandums of understanding in fields of dertaken by the new 2030 Arab Vision, adopt- in the world, with 3183 thousand barrels per culture, education, sports, and most signifi- ed by Saudi Arabia. day, and the 8th largest energy consumer in the cantly transport. In terms of air interconnec- In this impulse of rapprochement between world as well. It has 15 billion barrels of oil tion, Qatar and the United Arab Emirates are Brazil and the GCC, the Brazil-Arab Chamber reserves, 90% of which are off shore. In 2014, the two countries that have direct flights to and of Commerce is recognized as an important fa- energy consumption exceeded its production. from Brazil and Etihad, and Emirates and Qa- cilitator for the exchange of economic and in- Brazil’s oil import comes 68 % from Africa tar airlines are all aiming to increase the num- and around 27% from the Middle East (mainly vestment information between the two regions, ber of seats to São Paulo. Furthermore, Brazil from Saudi Arabia). with a view to increasing opportunities for is sharing its experience in logistics and securi- In 2014, Qatar Petroleum International mutual business growth. The Arab-Brazilian ty with Qatar in the preparations for the World spent US$ 1 billion to purchase Shell’s stake news agency, established in 2003, also forms Cup 2020. a news network on investment laws, connects in Parque das Conchas Oil Project, in Brazil. companies with similar interests, and provides In addition to fossil fuels, there is great po- Conclusion educational and cultural information. tential for cooperation between the GCC and Brazil and the GCC are entering a new era Brazil has signed economic and financial Brazil in the field of renewable energy. of political and economic cooperation which cooperation agreements with almost all the According to data by the UAE-based Inter- will depend on the policies of President Michel GCC countries, such as Kuwait and Saudi Ara- national Renewable Energy Agency (IRENA), bia (1975), the United Arab Emirates (1988), with its head office in United Arab Emirates, Temer and his political party. Thus, one can Qatar (2010) and Oman (2013). In addition the member countries of the Gulf Cooperation suggest that the Brazilian Policy towards the to this network of agreements already estab- Council (GCC) will invest USD 5 billion in the GCC countries is in a developing stage. lished, there are also the negotiations between Renewable Energy sector until 2020. Brazil The balance of trade between GCC and the GCC countries and Brazil in the implemen- has the means to apply a technical cooperation Brazil looks promising, as it surpassed 5 bil- program through joint projects or providing tation of the Free Trade Agreement between lion USD in the first half of this year. The eco- technical support via Brazil Cooperation Agen- the GCC and Mercosur. nomic reform of the GCC countries in the case cy (ABC). Brazil opened Banco do Brasil’s subsidiary of budget cuts and allocations and National in Dubai and inaugurated the Brazilian Trade funds loss, in the case of Qatar, for example, Food Security and Investment Promotion Agency (Apex-Bra- has not affected direct investment projects. The GCC countries need to secure their sil) in this city, in 2000, which works to pro- One can state that Brazil is a stable economic food and water as the region depends heavily mote Brazilian products and services abroad and agricultural partner to the GCC. on water distillation and importation of foods. and attract foreign investment to strategic sec- According to the Economist Intelligent Unit The geopolitics of the Middle East and the tors of the Brazilian economy. 2010, the population of the GCC will be 53.5 Gulf countries might, however, hamper the im- Most recently in 2016, Brazilian imports million by 2020, around a 30% growth since plementation of Brazil’s neutral peaceful for- for GCC countries amounted to $2.6 billion 2000. eign policy in the cases of Syria, Iran, Yemen while Brazilian exports for GCC countries Brazil’s agricultural business has grown in and the GCC crisis. amounted to $6.5 billion. Saudi Arabia regis- recent years due to technological advancement Brazil and the GCC have large oil reserves. tered the highest number of exports to Brazil such as direct seeding, renewable water, har- Advances in Brazil-GCC-Africa trilateral co- at $1.3 billion, which was followed by Qatar vesting technologies and so forth. It also has a operation would shape promising projects in at $532 million, the United Arab Emirates at large livestock sector that plays a major role in the energy sector. $366 million, Kuwait at $287 million, Oman at agribusiness, especially with the Arabian Gulf. The GCC countries could increase their $95.6 million and Bahrain at $88 million. It is particularly adventurous the GCC and investments in Brazil’s agricultural industry Brazil retains more than 60% of the GCC’s Brazil work together in direct investment in ag- and strengthen cooperation with Brazil’s Co- trade with Latin America. Brazil’s exports to ricultural infrastructure and , operation Agency to develop agricultural tech- the region consist of sugar, chicken, meats, as well as a distribution mechanism with the nology, as has been done by the Brazilian gov- fisheries, iron ore, electronics, wood, dairy GCC that is able to maintain continuous supply ernment in Asia or Africa. Such collaboration products, fruits and vegetables, automobiles of foodstuffs at reasonable prices. spare parts and pharmaceuticals. Brazil’s im- would be essential to ensure food and water security in an accessible and reliable way to ports from the GCC consist mainly of oil and Other cooperation GCC countries. fertilizers, in addition to cement and other pet- Saudi Arabia and Brazil have signed a rochemicals. memorandum of understanding about Industri- Brazil can also focus on military training Brazil has received a humble amount of al-Military Cooperation during the visit to Bra- and cooperation with the GCC since it has investment from the GCC countries. The Ku- zil of Minister of Defense and Aviation, Prince the best weapons and technology in Latin wait Investment Authority has 3 billion USD Sultan Abdul Aziz al Saud, in 1984. Riyadh has America. in stocks and bonds in Brazil until June 2016. been one of the main buyers of military weap- Finally, strengthening political and eco- Today the UAE has more than 11 billion USD ons and technology from Brazil. In addition, nomic dialogues could be facilitated through in investments in Brazil. In addition, in the be- the United Arab Emirates have signed a similar the creation of an educational and research ginning of 2016, Qatar Airways bought around agreement with Brazil in 2010 during the visit mechanism to strengthen GCC ties to Brazil. 10% of the share of LATAM, the biggest air- of the Ministry of Defense, Nelson Jobim, to line in Brazil and Latin America. the country. ENGLISH VERSION

Charter of the United Nations – not only in the cess ran contrary to family morals. Bertha Lutz DIPLOMATIC MEMORY preamble, as many already know, but also in ranked first and took office as a researcher, for Article 8. which she needed the favorable opinion of a There was no consensus that facilitated this man, Dr. Raul Penido. Who was Bertha Lutz? achievement, not even among the women who Still in 1919, Lutz founded the League for participated in the San Francisco Conference. the Intellectual Emancipation of Women. The Brazil as a pioneer in The intransigence of the women delegates of entity sought the recognition of women’s rights major powers – such as the United States –, and to increase their participation in public life. the defense of gender which defended the omission of gender issues, In the same year, she was chosen to represent was met with resistance from the delegates the Brazilian government during the Interna- equality: lessons in from the “periphery”, such as Brazil’s Bertha tional Labor Organization’s (ILO) Internation- Lutz and the Dominican Republic’s Minerva al Women’s Council, as a member of the Ex- progress from the Bernardino. Against all odds, the latter’s pro- perts Commission on Women’s Labor. posal prevailed. periphery Due to the significance of her work in the The political movements San Francisco Conference for the Brazilian The year 1922 was especially important for Portuguese version page 68 foreign policy, with consequences for all mem- Bertha Lutz, who was invited to participate in — bers of the United Nations (UN), this article the Pan-American Conference on Women, in By CAMILLA CORÁ E SARAH VENITES will focus, essentially, on Lutz’ life and career Baltimore. There, she bonded with American up until 1945. feminist Carrie Chapman Catt, leader of the Feminism doesn’t seek, of course, to deny League of Women Voters – the main sponsor of the psychological and physiological differenc- A multifaceted and cosmopolitan personality Lutz’ trip to the United States. The organization es between men and women, and it recognizes Bertha Maria Júlia Lutz was born in São defended a moderate feminist line of action, the influence that individual and societal rela- Paulo on August 2nd 1894, where she lived until in contrast with the National Women’s Party tions should have on those differences that are her adolescence. Her secondary studies, howev- (NWP), considered, at the time, to be more ex- truly irreducible. Feminism doesn’t, however, er, were completed in Europe. The daughter of tremist. The feminists of the NWP would lead a believe that these differences indicate superi- Brazilian-Swiss scientist Adolfo Lutz and En- series of clashes involving Bertha Lutz, in occa- ority on one side and inferiority on the other; glish nurse Amy Fowler, Lutz graduated in Bi- sions such as the 1933 Montevideo Conference thus, it contends that they should only be taken ology from University Paris-Sorbonne in 1918. and the 1945 San Francisco Conference. in consideration in those cases when they are in When she was growing up in England, she A few months later, Lutz founded the fact relevant, and may be disregarded in other became aware of the suffragist movement. In Brazilian Federation for Women’s Progress cases when their role is insignificant or null. France, she became acquainted with the fem- (BFWP), with the purpose of articulating a inist movement and met Jerônima Mesquita, consensus among feminists in order to advance Gilberta Lutz (Pseudonym adopted by Bertha from , who offered to join efforts the national political agenda and to seek com- Lutz), What is feminism?, Rio Jornal, april in Brazil and with whom Lutz would found the mon action in the public sphere. Still in 1922, 1919 (free translation). Brazilian Federation for Women’s Progress the newly-founded BFWP promoted the First (BFWP), in 1922. International Feminist Congress, where Lutz In 1918, Lutz returned to Brazil and began engaged in a collaboration with the US ambas- A large part of the Class of 2015-2017 of her work in favor of a – still embryonic – femi- sador to strengthen Pan-Americanism in Brazil the Rio Branco Institute was faced with this nist movement. According to Rachel Soihet, in – examples of which include the celebration question in the last few months, when they Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas of the Pan-American Day at the Engineering announced that Bertha Lutz would be their lutas pela conquista da cidadania plena, Lutz Club, in 1925. The event was repeated in the patron. sought to increase women’s participation in following years and was held at the Itamaraty The class is composed of 8 women and 22 public spaces, for which she suffered great re- Palace in 1938. men. If the numbers spoke for themselves, they sistance, both from men and women. In order Along the 1920s, Lutz and the feminists wouldn’t justify the name “Bertha Lutz Class”. to overcome this challenge, she proposed, as the of the BFWP were able to consolidate relevant The choice (and the acceptance) of Bertha Lutz axis of public policy, the promotion of women’s political alliances. Such was the case of Sena- reflects a new time, in which the work of men education in a broad sense, not only through ba- tor Juvenal Lamartine, one the first politicians and women, united, makes it possible to sur- sic schooling but also through the fostering of who joined the feminist cause in Brazil. He mount anachronisms and . The work their social and political awareness. manifested, in his political platform, in 1927, of Lutz, however, is not over. There are still In this goal, Bertha led by example. She that he not only favored women’s suffrage challenges ahead and, in the past, we may find was the second woman to ever be part of the but also their participation in political life, as inspiration to go forward. Brazilian public administration – following public servants and legislators. He managed to We will present a small part of the long Maria José de Castro Rebello Mendes, ap- include, in the state of Rio Grande do Norte’s and fruitful trajectory of Bertha Lutz. This text proved for the position of third official of the legislation, the establishment of equal political can’t help being, in some measure, biographi- State Secretariat of External Relations, in 1917 rights between the sexes, which favored new cal, although not exclusively so. Lutz’ personal –, after being approved in the entry test for movements by the BFWP. According to Soi- life was enmeshed with the fruits of her work, the National Museum, in 1919. Fellow candi- het, when the 1930 Revolution came about, which helped conform her perspectives on as- dates for the position were defiant: one of them the BFWP had branches in 13 Brazilian states, pects of the Brazilian foreign policy. One of mailed a letter to the Museum director stating and 10 states already accepted women’s right them is the inclusion of gender equality in the that the participation of a woman in the pro- to vote. 195

Conquering spaces ed in official conferences as a technical advisor mountain which other women, propelled by With the Revolution of 1930, important po- of the Brazilian delegation. The differences stronger impulses, have overcome. We must, litical figures that supported the feminist move- between the women present at the Conference on the contrary, take advantage of their expe- ment lost their positions, both in the federal were noticeable – between American delegates rience, their advice, their victories and their Legislative power and in state governments. and between them and a few Latin Americans. defeats. […] We will expose the path that our There was great apprehension about the pos- The leader of the NWP, Doris Stevens, even in- sisters followed, compare the different ways sibility that feminist advances would be taken sulted Bertha Lutz and the American Sophonis- this movement can present itself, as well as its back. According to Yolanda Lôbo, in Bertha ba Breckinridge by calling them “despicable an- objectives, its results and the means through Lutz, along the decade of 1930, however, Bra- imals”. Still, Lutz’ reports to the Brazilian press which we can thrive. And we are convinced zilian feminists changed their perception of the omitted these divergences, as she considered that the Brazilian woman, with her lively intel- Getúlio Vargas government – especially after that internal differences should not be shared ligence and her right intuition, will know how the President demonstrated his openness to with the general public, lest one undermine the to avoid the pitfalls that can deviate her from social and labor reforms that included women. credibility of the feminist movement. her path, that she will know the means to her One example of this adaptation is that, ac- Despite opposition, two of Bertha Lutz’ ends and that they will correspond to the no- cording to Teresa Cristina de Novaes Marques, proposals were approved with the support of blest of interests, to those of the man that is her in Bertha Lutz (Perfis parlamentares), still the Brazilian delegation. Firstly, the commit- partner and to those of the Nation. during the temporary government, in 1932, ment that governments should appoint women Gilberta Luz, New Era, Rio Jornal, march Bertha Lutz wrote to her American friend Car- as plenipotentiary delegates in the following 1919 (free translation). rie Catt referring to Vargas as a “dictator”. A conferences. Secondly, the proposal to rewrite few years later, in 1936, however, she called the statute of the Inter-American Commission According to Maria Luiza Viotti and Dan- him “a man without prejudices”. Thus, she be- on Women – an organization created in 1928 iela Poppius Brichta, in Nações Unidas: uma gan to see herself as a “creature of the Revolu- and incorporated, 20 years later, to the Orga- perspectiva de gênero, the Charter of the Unit- tion of 1930”, in contrast with other feminists, nization of American States (OAS) – in order ed Nations conferred a larger political profile who, due to their rejection of Vargas, chose to to confer an executive character to it, with the to the international concern regarding gender abandon the political movements. power to oversee the working conditions of equality. The word “women” is cited only The gradual rapprochement of Bertha Lutz women in the Americas. twice in the document: in the preamble, refer- to Vargas’ government rendered her good po- In Brazil, Lutz was elected as a substitute ring to equal rights between men and women; litical transit domestically. In 1932, she was under the Autonomist Party in Congress, taking and in Article 8, affirming that the UN shall not chosen to represent the feminist demands in office in 1936, following the passing of Depu- distinguish between men and women regarding the Organizational Commission for the Draft ty Cândido Pessoa. In her post, she advocated their eligibility for any position. Four other ar- Constitution, created in that same year, after a for projects in education, science, culture and ticles (first, 13, 55, 76) also reaffirm the Orga- referral from the women of the BFWP and oth- health, and one of her main concerns was the nization’s commitment towards human rights er associations. As a result, Soihet recalls that issue of maternity and childhood assistance. and fundamental freedoms, with no distinction, feminists had most of their pleas materialized She helped to write the project for the Statute inter alia, of sex. in the 1934 Constitution, such as article 108, of Women, which was never approved due to The explicit inclusion of women’s rights which explicitly recognized women’s right to the closing of the National Congress in 1937 in the Charter cannot be perceived neither as a vote, which consolidated the change brought after the “Estado Novo” coup. natural result of negotiations nor as a consen- about by the 1932 Electoral Code. The following year, her father’s health de- sual choice. In San Francisco, only 3% of del- The humanization and regulation of wom- teriorated. Adolfo Lutz’ death, in 1940, took egates were women, and an even smaller pro- en’s labor became one of the main principles a heavy emotional toll on Bertha Lutz. She portion had voting rights. Bertha Lutz, along defended by Bertha Lutz. She attempted to started, from then on, to work on restoring and with Minerva Bernardino, from the Domini- raise the awareness of Brazilian women re- organizing her father’s memories, as well as can Republic; Virginia Gildersleeve, from the garding the advances made in the internation- those relative to the BFWP. United States; and Wu Yi-fang, from China, al scene. These included the Versailles Peace Lutz’ temporary political hiatus didn’t, were the only women to sign the Charter. Of Treaty, which recognized several of women’s however, alienate her from social life, espe- the four, unlike the popular narrative, only the rights in the League of Nations, and the Gen- cially her influential friendships. According to two first ones defended the inclusion of wom- eral Labor Conference, which established the Esmeraldino de Souza, her colleague at the Na- en’s rights in the document. principle of equal pay for equal labor and the tional Museum, she had meetings with Getúlio In a recent study that helped to promote the mandatory nature of a female technical consul- Vargas every Thursday. She held a close rela- recovery of Bertha Lutz’ memory, research- tant in each delegation when discussions were tionship with the then President and his wife, ers Fatima Sator and Elise Luhr Dietrichson, related to women’s interests. as well as with the then US Ambassador in from the University of London, dispute two In 1933, Lutz obtained a Bachelor’s de- Brazil. Bertha Lutz’ scientific and social pres- theories: one, that the fight for gender equality gree in Law from Faculdade do Rio de Janeiro, tige reflects the respect she earned throughout was a constant among all the women delegates; which was later incorporated to the Federal Uni- her life and afforded her the nomination as two, that the leadership of this movement came versity of Rio de Janeiro (UFRJ), and published plenipotentiary delegate for Brazil at the San from the countries in which women’s rights “The nationality of the married woman”, about Fracisco Conference, in 1944. were consolidated. In fact, it was up to Lutz women’s loss of citizenship when they married and Bernardini – representatives from so- foreign men. In the same year, she returned to The San Francisco Conference called “backward” countries – to face the re- this theme at the VII Inter-American Confer- We must not lose courage just because sistance of colleagues from countries such as ence, in Montevideo, where she first participat- we find ourselves in the foothills of a steep the US and the United Kingdom. Lutz recalls, ENGLISH VERSION in her report of the Conference, that it seemed Bertha Lutz’ leadership role in the Confer- ideas come from elsewhere than the West, they impossible to make them understand that there ence receives even greater significance in the tend to be ignored. This shows, according to were still many women in other countries context of the general participation of women the researchers, a political bias in the descrip- with few or no rights. She highlighted that it in the event. When describing the roles of fe- tion of historic facts. seemed to be an attempt by the women whose male delegates, Lutz pointed out that almost all prerogatives were already recognized to block of them worked at ECOSOC, “precisely where One question, many answers the advance of others, in a “strange paradox in you would expect men to put women dele- The question in the title of this article has which often those who are emancipated by the gates”. She further highlighted that the (many) multiple answers. Bertha Lutz was a biologist effort of others don’t recognize the source of countries who hadn’t sent any women to the and a public servant. She was also a lawyer, a their freedom”. Conference – such as Russia – justified their politician and a feminist. Although she wasn’t The delegates from Latin America faced position by saying that the trip over the polar a diplomat – and she hardly could have been unexpected opposition both in the defense of regions was too strenuous for women. She one, since women were forbidden by law to the language in the preamble and in Article added, ironically, that “the same allegation was enter the diplomatic service in Brazil between 8. In the discussions regarding the preamble, made by every country which had no women in 1938 and 1954 –, she represented Brazil as a Gildersleeve considered that it wouldn’t be their delegation, mutatis mutandis of course as delegate in several international conferences, necessary to mention women, as the expres- to the part of the globe to be flown over”. among those the one that originated the UN. sion “rights of men” would be sufficiently Despite the reluctance of most countries Between 1953 and 1959, she served as Pres- broad. Lutz reacted by arguing, successfully, regarding the presence of women delegates, ident of the OAS Inter-American Comission that although it was possible to think that way, Lutz considered that, during the debates, the on Women. In 1965, she received the title of it was also true that the usage of “men” to im- men seemed “anxious” to recognize women’s honorary professor at UFRJ. In 1975, a year ply women as well helped to perpetuate their rights and to cooperate with them, including before her death, she was invited by Itamaraty exclusion from public issues. those from Middle Eastern countries. Accord- to be part of the Brazilian delegation to the first The Brazilian delegate led, furthermore, ing to her, the British delegation changed po- International Congress of Women, in Mexico, the demand for an amendment that would al- sition after their women delegates went home where she was honored. low women to be elected for any position – and stated their support for their inclusion of Still, it is not uncommon for the public, not just in the Secretariat, as defended by the women’s rights in the Charter. foreign policy students and even career dip- American and British delegates –, which was These accounts demonstrate that, unlike lomats to be unaware of Bertha Lutz’ name materialized in Article 8 of the Charter. On the what many authors say, the small presence of and legacy. Lutz herself, noting the need to one hand, Lutz and the other Latin American women at the Conference was not compensat- take control over the way she wanted to be re- women were conscious of their role as repre- ed by an effort to unite in support of women’s membered, documented the feminist struggle, sentatives of what nowadays is known as the causes. On the contrary: often, the greatest re- her personal achievements and those of the global South. On the other hand, they were sistance came from the other women delegates. BFWP. Marques underscores that, although it considered, by Gildersleeve and British dele- Thus, according to Sator and Dietrichson, was common for people to store and register gate Ellen Wilkinson, to be spokespeople for combining the work of the women around the their memories, Lutz had additional reasons backwards countries, and, thus, that the scope topic of feminist demands, with no regard for to do so: with no next of kin, and after the of their demands would be limited. In her re- their actual individual positions at the Confer- passing of her closest friends, she knew this port, Lutz recalled her and Bernardino’s fight ence, enforces the generalization of their per- task would be unlikely to be completed by by defining Article 8 of the Charter as a “Latin formance as a product of their gender and the third parties. With that in mind, she record- American contribution to the Constitution of disregard for their differences of opinion. ed her project for a book in celebration of the the world”. In Lutz’ perspective, the Latin American 50 years of the BFWP, which was never pub- At the Conference, Brazil also proposed to women seemed, at the time, to be more pro- lished. In the 1970s, she gave historian Rachel create a commission on women’s rights, whose gressive than those in whose countries their Soihet access to the basement where she kept composition should include female represen- right to vote had been conquered long before. her files and narrated her history. tatives. Lutz clarified, in her speech, that this On this point, she concluded that there was Nevertheless, Lutz’ memory seems to have proposal was not based on hostility towards an overwhelming conservative current among received little interest over the years, until a men, but on fairness, since the commission British and American women. According to recent wave of rediscoveries was started, both would benefit women and would entail burden- her, the international feminist movement was in Brazil and abroad – sometimes with great- some work. When explaining the need for this influenced by the internal divisions in each er visibility than in Bertha Lutz’ own country. institution, she highlighted discrimination suf- country, which hampered the unified effort of Until the finalization of this article, outstand- fered by women in all countries, naming only women in international conferences. ing national initiatives included an exhibition Germany under the Nazi regime. According to One must not overlook the relevance of and a book release at the Brazilian Congress; Lutz, there were 34 speeches in favor of this the fact that, even though the “Western” wom- a seminar by Alexandre de Gusmão Founda- position, and almost all male delegates support- en were the biggest opponents of the fight for tion (FUNAG) with lectures by Sator and Diet- ed the initiative. The proposal, as underlined women’s rights at the Conference, they were richson, in 2017; and a feature in the National by Viotti and Brichta, was later reflected in the later recognized as their biggest proponents, Action Plan on Women, Peace and Security, of creation of the UN Commission on the Status often in detriment of Latin American women. the same year. This process, however late, is of Women (CSW), under the umbrella of the Even Eleanor Roosevelt, who was not present necessary and positive, both for the study of Social and Economic Committee (ECOSOC) at the San Francisco Conference, is often cred- Brazilian foreign policy and for the acknowl- and presided, in 2017 (61st session), by Ambas- ited for the advances led by Lutz. For Sator and edgement of Brazil’s international role in is- sador Antonio Patriota. Dietrichson, this is evidence that, when good sues related, but not limited to, gender equality. 197

to establish itself as a powerhouse in its own This essay will seek to recall, in the mem- right, without the need for applause or the con- oirs of our former ambassadors to the US (and 3006 Massachusetts venient booing of Washington. those of prominent diplomats who passed It is no wonder that the two canonical par- through Washington in the course of their ca- Avenue adigms in the historiography of Brazilian for- reers), references to their respective passages eign policy are precisely the universalist – that through the city, especially those that are re- Brazil and United States is, the search for relations with the rest of the vealing of a historical turning point or the Zeit- world, especially with the Third World, often geist of our foreign policy of each period. relations in the memoirs at odds with Washington – and alignment with *** the hegemonic power, known in academic lit- It was in Washington that Brazil installed of Brazilian diplomats erature as “bandwagoning” and, in the political its first embassy, in 1905. Until that time, we lexicon, as pro-American or, worse, sellout. had a Legation in the American capital, just Portuguese version page 89 Looking from the other side of the fence, like in every other country where there was — Brazil rarely captured the attention of the Unit- apermanent diplomatic representation. The dif- By Filipe Nasser e Wallace Alves ed States – at least not in the same proportion ference, in practice, was that the head of the as Brazil cared about the “Great Brother of the legation belonged to a plenipotentiary minister, The United States was often given the pole North.” Being under Washington’s radar, how- whereas the one who headed an embassy was, position in the matter of recognizing Brazil’s ever, was not one of the worst things that could not surprisingly, an ambassador. The distinc- independence, despite a tasty controversy that have happened to our international insertion: tion makes no sense nowadays, as all Brazilian conferred the prerogative unto Benin. New re- on the one hand, on occasions when Brazil lit permanent diplomatic representations in capi- search credits Argentina with being the actual a red light in the Washington basements, the tals of foreign countries are called embassies. pioneer in recognizing Brazilian emancipation, result was not necessarily beneficial; and being At the time, however, elevating our representa- on June 25, 1823, outpacing by a year the mis- excluded from a list that outlines the likes of tion in Washington was a gesture of enormous sion that Silvestre Rebello – our first head of Cuba, Guatemala, Vietnam, Afghanistan, Pa- distinction to the United States. Far from a bu- mission in the American capital – would make kistan, Iraq, Iran, China and the Soviet Union reaucratic or administrative measure, it was a to the United States to guarantee the recogni- allowed Brazil to assert itself as an emerging strong political message that echoed in Europe tion of Brazilian sovereignty by Washington power without much fanfare. and Latin America. It was no wonder that the (WIESE RANDIG, 2017). The United States watched our recent rise first US mission to be anointed as an embassy Historiographical controversies aside, one with a mixture of support and indifference, was the old US legation in Rio de Janeiro. cannot deny the symbolism of the American rec- only realizing that Brazil acting as a global For the United States, the Baron of Rio ognition of Brazilian independence, in a gesture player was indeed positive for the internation- Branco sent as our first Ambassador none other that would be seconded by European powers, al order after the fact was basically consum- than Joaquim Nabuco – figurehead of our pol- including the old Portuguese metropolis, and mated. If there is still, in Washington, a lack itics and diplomacy and one of the pioneering would dispel fears of potential recolonization. of pro-Brazilian feelings (or if Brazil still fails thinkers of modern Brazil. Nabuco, who held The quasi-bicentennial history of bilateral to attract the same amount of spotlight and the leadership of the Brazilian embassy until relations between Brazil and the United States headlines on the Beltway as China and India), his death in 1910, argues that the gesture of el- reveals a high degree of cyclothymia and com- neither does Brasilia seem to be trembling at its evating the status of diplomatic representation plexity. History records show distancing and knees at every Department of State, Treasury “certainly gave to President [Theodore] Roo- or White House sneeze. sevelt the first thought of relying on Brazil in rapprochement; “unwritten alliance,” an ex- *** South America (…) it gave the American gov- pression coined by Bradford Burns; affirmation The Brazilian embassy in Washington, ernment the impression that the United States on the one hand and, on the other, indifference; D.C. – located at 3006 Massachusetts Avenue could rely on the sincere friendship of Brazil interference, provocation, rivalry, mistrust and Northwest, also known as Embassy Row1 - was and the conformity of our political views with partnership. one of the stages in which this complex bilat- respect to the Monroe Doctrine” (NABUCO, As it is known, it was the Baron of Rio eral relationship translated concepts into facts 2011, pp. 90). Branco who shifted the axis of foreign policy or in which passages of our diplomatic history The prestige gained by the hero of aboli- from the Old to the New Word, on the dawn shaped the «deep forces» of our foreign policy. tionism in the US capital soon became an in- of the last century. The diplomatic strategy – In diplomatic activity, the human dimen- fluence for the country. Nabuco attributes to rather than pure exercise of subservience to sion cannot be neglected, at the risk of ascrib- himself, in an unabashedly self-praising man- Uncle Sam – rested upon the understanding ing to structural factors alone the responsibility ner, the presence of Secretary of State Elihu that the then ascendant power (in this case, the for the course of history. The several Brazilian Root at the Third Pan American Conference US) could challenge the prevalent Eurocentric ambassadors who succeeded in leading the held in Rio de Janeiro in 1906: “At dinner with world-view. country’s representation in the US capital have President [Roosevelt] (…), [he] told me that if For much of the twentieth century, Brazil’s known, over time, how to strengthen Brazil’s I had not come to Washington, Mr. Root would international identity was forged in relation to dialogue with the US government and to ad- not go to Brazil because his resolution to go or in opposition to that of the United States. vance our national interests, according to the was based on the impression I made on him” Autonomy, in the jargon of Brazilian foreign prevalent analysis of each period, with a part- (ALENCAR, SANTOS, 1999, pp. 17). policy, used to mean independence from the ner with whom we maintain a bilateral relation- The history of the bilateral relationship United States – the exemption of a Washington ship which, without being naturally inclined to does not advise it to be described as linear: green light to act on the affairs of the world. conflict or cooperation, does not lend itself to between hemispheric solidarity and the recip- Perhaps more recently, Brazil has managed simplification. rocal estrangement between the two giants, ENGLISH VERSION diplomacy was the guarantor of an inevitable the most powerful men in the United States, a and asked: “What your president wants is us to relationship. Osvaldo Aranha, ambassador to well-known friend of ours, recalled [to Dean sit around a table and discuss these issues?” I Washington from 1934 to 1938, said: “(...) I Acheson] the convenience of visiting Brazil, answered, “The initial idea is just this: to es- fear that the intimacy that always existed be- to which he replied, mockingly: ‘What for?’” tablish an atmosphere of trust across the Amer- tween Itamaraty and the Department of State, (NABUCO, 2001). ican hemisphere.” I immediately saw that he which only existed between these two chancel- Following his return to Brazil and having was not in good will, but said: I am ready, but leries, could be spread to other countries. And met with President Vargas, Nabuco recounts: let’s appoint a representative, establish a work so that secular tacit alliance between Brazil “I suggested that he leave the Embassy unoccu- agenda for this understanding. I will write to all and the United States would be diluted, and it pied for a period of six months, something un- the presidents of the continent. On the part of was strong because to us it worked as securi- usual in a capital that houses the most eminent the United States, there is no objection.” And ty against any unexpected attack, and, to the diplomatic corps in the world. I explained that finished. By the way he spoke, I felt thathe Americans, it was important due to the mor- as long as Dean Acheson persisted in his pet- did not receive it well (AMARAL PEIXOTO, al support we gave policies in the very places ty policy, we had no interest in holding such a 1986, pp.414). where they were more contested”. (Letter 17 high representation in the White House. Getúlio As it is known, Juscelino Kubitscheck’s to the Ministry of Foreign Affairs, January 15, Vargas took my suggestion. And, in view of the OPA is considered the embryo of the Alliance 1935, Apud Stanley Hilton, op cit, pp.215). delay in appointing my successor, the State De- for Progress, an initiative that Eisenhower’s It should be remembered that Osvaldo partment began to be concerned. The gauleiter, successor, John F. Kennedy, launched to usher Aranha, who would be the Foreign Minister always nervous, was asking God and the whole in a new phase in the relationship with Latin of the Vargas’ administration at the time of the world when a new ambassador would come. Af- America. The creation of the Inter-American declaration of war on the Axis (1942), was part ter all, Dean Acheson decided to come to Bra- Development Bank (IDB) and the Latin Amer- of the government wing that defended Brazil’s zil. Immediately after this change of orientation ican Free Trade Association (predecessor of adherence to the allied side in the war effort. and after the Embassy was vacated during half the Latin American Integration Association) is Aranha argued: “There is no doubt that many a year, Walter Moreira Sales was selected to re- also due to the OPA. accuse us of systematically pursuing a policy place me and treated as the high representative Given the gravity of the historical moment of solidarity with the Government of Washing- of Brazil.”(NABUCO, 2001, pp.257). – and also because of the strength of the am- ton, implying that we follow its policy with- In the 1950s, when he said goodbye to bassador’s prose, not always guided by mod- out hesitation (...). Everyone needs to see that then Foreign Minister Macedo Soares to take esty – the management of Roberto Campos as our orientation often coincides with that of the over the leadership of the Brazilian Embassy the head of the embassy in Washington (1961- United States, but that we do not adopt it with in the United States, Amaral Peixoto received 1964) would deserve a chapter on its own. At a purposeful desire to follow it, but because our the following instructions: “You will be am- the height of the Cold War, Brazil did not es- interests and ideals are most similar”. (Letter bassador to Washington, a position among the cape the global dispute of influence among the 13 to the Ministry of Foreign Affairs, January most important! If we have a war with Argen- superpowers. Campos predicted that: “(...) The 14, 1935, Apud Stanley Hilton, op. cit. pp.214). tina, that’s where we’ll have to buy weapons!” ‘loss of Brazil’ would be as serious, if not more The entry of the United States into World (AMARAL PEIXOTO apud MARQUES serious, than the so-called ‘loss of China’ for War II ushered in a new period in Brazil-US MOREIRA, 2001, pp.54). Maoism” (CAMPOS 2001, page 447). relations. Hugo Gouthier, in charge of the eco- The Foreign Minister’s blague on Wash- Against this backdrop, Campos describes nomic sector of the Embassy in Washington at ington’s angle of the trilateral relationship – what he understood to be his mission as a Bra- the time, followed the impacts of the war on then having Argentina as its adversary and the zilian representative in the American capital: the morale of the country. United States as a safe haven – would sound “The diplomat is essentially an image creator If the Americans received with hate the at least curious these days, as the relationship (...). Creating images can lead to strange para- news of the attack on Pearl Harbor, they did with Buenos Aires has evolved, especially in doxes. As João Goulart’s ambassador in Wash- not translate this hatred into frantic gestures of the last thirty years, almost to an alliance. ington, I had to demonstrate that João Goulart protest. They focused on the disciplined and ef- The close relationship with the United was not a leftist radical, but only a ‘reformist’, ficient action that, from the beginning, presid- States did not occur at the expense of the Latin if admittedly a confused one” (CAMPOS, ed over the construction of this great country American commitment of the Brazilian for- 1994, pp.459). (...). On Monday, Garibaldi Dantas and I had eign policy. An example of this, in the negoti- In the preparations for the official meet- a meeting scheduled at three in the afternoon ations around the creation of the Operation Pan ing between João Goulart and John Kennedy, at the Ministry of Agriculture. We thought that American (OPA) in 1959, the Brazilian activity held in April 1962, Campos recalls that, upon with the declaration of war, the meeting would focused on incorporating, in the anticommu- entering Kennedy’s office, alongside Moreira be cancelled. To our amazement, not only was nist concerns of the United States, the agenda Salles, he was received “with good humor and it maintained at the same time, but the Amer- of promoting development in the region. “Un- a joke that seemed to me in bad taste; – ‘Now’, icans also concentrated on the negotiations of developed areas are potentially occupied by [Kennedy] said, ‘we’re going to make a good cotton with the shrewdness and firmness of al- the enemy,” said the Bossa Nova President. deal for the workers. Previous agreements were ways. As if they were a case of life or death. Presenting the Brazilian OPA proposal to good especially for bankers and industrialists.’ The intentions of placing Brazil on the President Dwight Eisenhower, Amaral Peixoto Moreira Salles and I, who had both been ne- radar of the Department of State were often reported: gotiators of these agreements under the Jânio counteracted by the indifference of US diplo- (...) Very few were the ambassadors that Quadros administration, looked at each other macy. Mauricio Nabuco, who, like his father, Eisenhower received, and it was natural, be- a bit shocked (...). Moreira Salles was ready to commanded our representation in the Amer- cause if he was to receive everyone who came rebuke the claims, arguing that the negotiations ican capital (1948-1951), recalls: “shortly af- to Washington... I delivered the letter, with the had favored both bankers and industrialists as ter assuming the Department of State, one of translation to English, and Eisenhower read it well as workers. Faced with this answer, Ken- 199 nedy smiled a little embarrassedly, and, short- Brazilian domestic affairs, in the manner that And he, in that polished but determined style, ly after, invited us to the dining room, patted used to be practiced in other countries of the re- turned and went at a rapid pace, to the horror Walther on the shoulder and commented, ‘Well gion, it also seems true, on the other, that these of the secret service, which ran after him, in a done, Walther’” (CAMPOS, 1994, pp.477). In- are the factors that keep Brazil relatively low in sprint (...). On the way, the secret service rented cidentally, Walter Moreira Salles had preceded the hierarchy of US priorities in Latin America an exclusive train car. They were horrified that Campos in the position, having occupied the and the Caribbean. This is clear from the state- we would take the train”(MARQUES MOREI- head of the Brazilian representation in Wash- ment that Leitão da Cunha attributes to Presi- RA, 2001, pp. 226). ington between 1959 and 1961. dent Harry Truman: “If Brazil gives me three or On the relations of deep interdependence After the Missile Crisis, Campos recalls four senators, like senators from the neighbor- between Brazil and the United States, the de- that he met Kennedy and, this time, the Bra- ing American states of Mexico, I can do some- mand for support has not always followed the zilian ambassador was the one responsible for thing”. (LEITÃO DA CUNHA, 2004). , 178). one-way path from Brasilia to Washington. In the joke: Also a former Foreign Minister, Antônio fact, in recognition of the positive contribution “And you, personally,” Kennedy asked Francisco Azeredo da Silveira synthesizes the that Brazilian diplomacy pays in the stability me, “how do you feel here in Washington in pendulum motion that guided the historical re- and peace of South America, the United States the cross hairs of the Russian projectiles? I, at lations between Brazil and the United States: has required, in key moments of its history, least, have the underground of Camp David...” “there has always been an attraction between Brazil’s political support to reach regional “I would seek shelter in the Embassy cellar,” I the two countries and, at the same time, a very consensus. In the aftermath of September 11, said, “for I believe in the French proverb: ‘Be- deep feeling of competition.” There was, ac- Rubens Barbosa recalls the White House’s re- tween calamity and catastrophe there is always cording to Silveirinha, a latent fear that Brazil quest that President Fernando Henrique Cardo- room for a glass of champagne’. Kennedy would become the “’Japan of South America.’ so seek to persuade Hugo Chávez to support laughed heartily and asked one of his assistants And they [the United States] say that, some- the application of the Inter-American Treaty of to write down the joke...” (CAMPOS, 1994, times unintentionally. It jumps out of their Reciprocal Assistance (TIAR) in the Organiza- pp.498). mouths”. In the strategic calculation of our tion of American States (OAS). Brazilian diplomacy sought to reach a ambassador in Washington between 1979 and I also talked to President Fernando Hen- higher status of influence in the eyes of the 1983, rather than alignment or submission, it rique and explained to him the urgency and im- American establishment. At times, the coun- is the reduction of asymmetries and relative portance of his interference. “Contrary to what try’s global projection was recognized as ex- positions of the two countries that increases Americans think, I do not have that influence tending beyond Latin America and the Carib- the bargaining power of Brazil. “The more on Chavez,” he joked. Still, he was willing bean. According to Roberto Campos: important Brazil is, the more they will wait” to speak with the Venezuelan president. Car- At the end of the negotiations, during Gou- (AZEREDO DA SILVEIRA, 2010, pp.359). doso called me afterwards, telling me that the lart’s visit, I was summoned by Dean Rusk to The transition from bipolarity to the inter- conversation with Chávez had been positive the Department of State, first alone, and then regnum of unipolarity was accompanied by and that he would consider it. The following accompanied by San Tiago Dantas, for confi- the Brazilian quest to pay off the “liabilities” morning, when I went to the airport to meet dential and urgent discussion. It was about the inherited from the military regime and to re- with Minister Celso Lafer to accompany him conflict in Angola (…). The United States was habilitate its image with the international com- to the OAS meeting, I happened to meet the not in a position to engage in dialogue with munity. Ambassador Marques Moreira points ambassador of Venezuela, who was also there Portugal on the matter without compromis- out that “it only had one trump-card, democ- to greet his Foreign Minister. I heard from him ing the Western defense system (...). Brazil, ratization, which brought a new Brazilian le- that President Chávez had changed his position however – said Rusk – for its historical roots, gitimacy.” The challenges were not, however, and would not cause any problems during the could hold a dialogue with Portugal and per- contemptible, and were associated with the dis- meeting of the American countries (BARBO- haps develop the Luso-Brazilian Community torted image of the country grounded in stereo- SA, 2011, pp.20-1). that would include, besides Angola, other Af- types that “presented Brazil as a pariah coun- Upon his arrival in Washington, Rubens rican colonies, as an instrument of pacification try, and this was a bit recurrent: in the foreign Barbosa noted that the US authorities were (CAMPOS 2001, pp. 486-7). debt, we were deadbeat; in the pharmaceutical granting distinct treatment to foreign ambas- It is possible to assume that the theme of area, we were pirates; in respects to women, sadors. As Barbosa puts it, access to the in- alignment with the US – its justification or we were murderers; in the case of the Indians, stances of the US government was facilitated its opposition – was the guiding thread of the we were genocidal; in the forests, incendiaries” to the plenipotentiary diplomats of industrial- relationship for much of the twentieth centu- (MARQUES MOREIRA, 2001, pp.155). ized nations or countries considered problem- ry. Vasco Leitão da Cunha, our representative Moreira reproduces an episode that occurred atic. However, “the representatives of the other in Washington between 1966 and 1968, after on the occasion of former President Fernando countries [who were not categorized within leaving Itamaraty’s leadership in the Castello Collor de Mello’s trip to the United States. After these two classifications], about 180, were in a Branco’s administration – a man of unsuspect- fulfilling his agenda in NewY ork, Collor drove fierce contest to stand out and seek recognition. ing sympathetic pro-Americanism – said: “(...) to the airport with Moreira to travel to Washing- Brazil, without major political problems with we should not be afraid to maintain our alli- ton. “There was also the Consul General in New the United States and not a threat to American ance with the United States, because they have York, who jokingly said, ‘Excuse me, Marcílio, national security, was part of the latter group.” never treated us like the Spanish-speaking are we going by plane? You prefer the train...’ (BARBOSA, 2010, pp.232). countries, starting with Mexico”. “(LEITÃO The president heard that and was silent (...). Barbosa’s conclusion allows for an updat- DA CUNHA, 2004, 178). After a one hour and a half delay, the president ed interpretation on the state of the bilateral If, on the one hand, the distance (and, sup- turned to me and said: ‘Ambassador’ – he is relationship between the two largest countries posedly, greatness) discouraged an admittedly very formal – , ‘aren’t you the one who likes the in the Western Hemisphere. On the one hand, interventionist attitude of the United States in train?’ I said, ‘Yes, sir.’ ‘Let’s go by train then.’ Brasilia is neither a first-time ally nor a “prob- ENGLISH VERSION lem” for Washington – and this double con- história do país. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: dition is probably positive for Brazil; on the Record, 2001. other, without ever claiming to deny the place CUNHA, Vasco Leitão da. Diplomacia em Diplomacy, sovereignty occupied by the United States in the current in- alto-mar: depoimento ao CPDOC. 2. ed. ternational order, Brazil no longer defines its Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas: and strategy: the Baron course vis-à-vis Washington. Fundação Alexandre de Gusmão, 2003. *** FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO. of Rio Branco’s strategy Reversing the infamous phrase attributed Centro de História e Documentação to Juracy Magalhães (ambassador in the US Diplomática. Joaquim Nabuco, embaixa- in the Acre Issue (1902- capital from 1964 to 1965) – “what is good dor. Rio de Janeiro: Fundação Alexandre for the United States is good for Brazil” –, de Gusmão, Centro de História e Docu- 1903) Rubens Ricupero, another of our ambassadors mentação Diplomática, 2011. in Washington (1991-1993), postulates that: GOUTHIER, Hugo. Presença. Brasília: Portuguese version page 98 “Everything that is done to strengthen Brazil Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. — will be done to strengthen the interests of the HILTON, Stanley E. Oswaldo Aranha: uma By Guilherme Fernando Rennó Kisteu- United States” (RICUPERO, 2010, pp. 166). biografia. Rio de Janeiro: Objetiva, 1994. macher By putting aside Magalhães’ exaggerated LAMPREIA, Luiz Felipe. O Brasil e os ven- memórias de cinco décadas pro-Americanism, the assertion of the United tos do mundo: THE ACRE ISSUE represented one of na cena internacional. Rio de Janeiro: Ob- Nations Conference on Trade and Develop- the main strategic challenges of the Brazilian jetiva, c2009. ment’s (UNCTAD) former secretary-general First Republic’s foreign policy. The escala- echoes the spirit of a time when the external LAMPREIA, Luiz Felipe. Luiz Felipe Lam- preia: depoimento ao CPDOC. Rio de Ja- tion of tensions after the revolt of Brazilians agendas of the two countries converged, rath- that inhabited part of the Acre region, recog- er than diverged, with respect to maintaining neiro: Fundação Getúlio Vargas, 2010. LIMA, Paulo Tarso Flecha de. nized as Bolivian by Brazil and Bolivia since a liberal international order, based on multilat- Caminhos diplomáticos: 10 anos de agenda inter- 1867, culminated in drastic measures from eralism and the rule of law. As evoked by the nacional. Rio de Janeiro, R. J.: Francisco reminiscences of Brazilian diplomats passing both sides. Bolivia, after having its troops de- Alves, c1997. through Washington, historical relations be- feated, would lease the territory to an interna- MOREIRA, Marcílio Marques. Diplomacia, tween Brazil and the United States alternate tional consortium and organize a military ex- política e finanças: de JK a Collor 40 anos cycles of cooperation and confrontation, re- pedition to crush the rebellion. Brazil, largely de história por um de seus protagonistas. vealing complexities and contradictions char- responding to events that it did not wish for Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. acteristic of a dialogue between two great in that delicate moment of the history of its NABUCO, Carolina. A vida de Joaquim Na- countries, similar and different in their own buco. São Paulo: Companhia Editorial Na- First Republic, made use of significant dis- way, located in the same part of the world. cional, 1929. suasive means: it imposed a naval commer- In an exercise of optimistic futurology, it NABUCO, Mauricio. Reflexões e reminiscên- cial blockade over the Amazon River and its is possible that the memories of our future am- cias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. tributary streams and, afterwards, sent troops bassadors in Washington escape the paradigms PEIXOTO, Amaral; CAMARGO, Aspá- to the region. of both Magalhães and Ricupero, portraying sia. Artes da política: dialogo com Am- The strategy implemented by Brazil was the diplomatic daily life of a relationship built aral Peixoto. Rio de Janeiro: Nova Fron- largely elaborated and executed by the Baron upon cooperation and overcoming differences teira, c1986. of Rio Branco. The then Brazilian Minister by means of a dialogue between two co-lead- RICUPERO, Rubens. Diário de Bordo – A of Foreign Affairs used the mobilization of ing powers in a complex, potentially turbulent Viagem Presidencial de Tancredo. São troops to usher Brazil and Bolivia to a nego- and essentially multi-polar international order. Paulo: Imprensa Oficial, 2010. tiated agreement, a method that could be de- SILVEIRA, Antônio Francisco Azeredo da; Bibliography SPEKTOR, Matias. Azeredo da Silvei- scribed as “coercive diplomacy” or even “stra- ALENCAR, José Almino de; SANTOS, Ana ra: um depoimento. Rio de Janeiro: Ed. da tegic coercion”. Nevertheless, his underlying Maria Pessoa dos (Org.). Meu caro Rui, FGV, 2010. objective was the resolution of the complex meu caro Nabuco. Rio de Janeiro: Casa de WIESE RANDIG, Rodrigo. Argenti- Acre Issue through diplomatic means, within Rui Barbosa, 1999. na, primer país en reconocer la indepen- international law, in order to achieve a com- BARBOZA, Mario Gibson. Na diplomacia, dencia de Brasil, Archivos del Presente. position of interests that could last in time and o traço todo da vida. Rio de Janeiro: Re- Revista Latinoamericana de Temas Inter- did not create future resentments. Contrary cord, c1992. nacionales, 2017. to the tendency of attributing to the Baron a BARBOSA, Rubens. O dissenso de Washing- bellicose intent in the conduction of the issue, ton. São Paulo: Agir, 2011. the strategy developed by him was one that, CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. 4. 1 The Brazilian chancellery in Washington, pragmatically, avoided greater conflict and, ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Topbooks, housed in a modernist building created by probably, a war between Brazil and Bolivia. 2001. the Brazilian architect Olavo Redig Campos CORREA, Manoel Pio. O mundo em que and inaugurated in 1974, is located adjacent If the Baron was not completely pacifist -re vivi. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, to the residence of the ambassador of Brazil, garding the means he deemed adequate to the 1995. a neoclassical house designed by the import- resolution of the Acre Issue, he was a realist COSTA, Sergio Corrêa da. Brasil, segredo ant American architect John Russell Pope and regarding the possible conditions to achieving de Estado: incursão descontraída pela acquired by the Brazilian government in 1934. a state of lasting peace in the region. 201

The Acre crisis (1899-1903) with a drastic measure: it declared a blockade stationing of Brazilian troops in the Northern Brazil’s concerns in the Acre region hark in the Amazon River, a “natural consequence” Acre region, with the aim of avoiding the esca- back to the period of definition of the nation- from the difficulties created by the Bolivian lation of hostilities in the region. al borders of the South American countries. In government with the Acre lease and from the The first action of Rio Branco towards this 1867, aiming at partially solving border dis- Brazilian government’s decision to withdraw goal would be the reinterpretation of the bor- agreements, and needing the Bolivian govern- the 1896 Treaty from Congress (which also ders between Brazil and Bolivia, as established ment’s goodwill regarding the Triple Alliance meant the withdrawal of the Brazilian consent in the Ayacucho Treaty. The “true intelligence” War, Brazil concluded with Bolivia the Treaty of regarding the “provisory state” of free traffic of the 1867 Treaty would establish, according Friendship, Limits, Navigation, Trade and Ex- through the Amazon streams). Diplomatic pro- Rio Branco, the demarcation of bilateral bor- tradition (the Ayacucho or Muñoz-Neto Treaty). tests were widespread and immediate. In addi- ders in the parallel 10º20” (ten degrees and Nevertheless, in January 1899, the Wilm- tion to Bolivia, France, Germany, the United twenty minutes), which had the practical ef- ington gunboat incident sparked a series of Kingdom, Switzerland and the United States fect of putting the Acre territory under dispute events that would create a climate of suspicion lodged complaints against the measure. between two sovereignties. According to the regarding Bolivia’s intentions in Acre. The Baron, in a note sent to Bolivia, the measure revelation of a proposed agreement between Enter the Baron (1902-1903) was a response to two actions of the Bolivian Bolivia and the United States, in which the When he took charge of the Brazilian Min- government: the preparations for the military US would reinforce Bolivian sovereignty over istry of Foreign Affairs, in December 1902, in expedition headed by president Pando and the Acre, the Purus and the Iaco rivers (even the Rodrigues Alves administration, the Baron the resistance of the Bolivian government to considering the possibility of war with Brazil) of Rio Branco understood the precariousness consider that the terms of the lease contract in exchange for Bolivian customs’ revenues, of Brazil’s position. Since 1866, the Brazilian with the Syndicate were “incompatible with sparked what can be called the “Acre crisis” Empire allowed free navigation through the the American continent”. With this reinterpre- (1899-1903), a period in which the Brazilian Amazon River and its streams, avoiding pres- tation, Brazil could not only justify the pre- government began to worry about the interven- sures from other countries, particularly the for- ventive military occupation of the region, but tion of foreign powers in the region, eventu- eign powers of the time. In addition, pressures would also acquire the international legitimacy ally with the Bolivian government’s consent. for a resolution of the issue were mounting, to negotiate the Acre Issue simultaneously with These worries seemed to be confirmed in 1901 especially with the beginning of a new revolt Bolivia and the Syndicate. The Baron’s strate- with the signature of the Aramayo-Whiteridge in Acre, led by Plácido de Castro. In January gy had officially begun. contract between Bolivia and an international 24 1903, after the capitulation of the Bolivi- consortium named Bolivian Syndicate, for the an troops in Puerto Alonso, Castro would be On the negotiating table (1903) contract leased the territory of all of the Boliv- acclaimed “Governor of the Independent State In February 1903, diplomatic negotiations ian Acre to the consortium and authorized it to of Acre”. Two days after the acclamation, the regarding the Acre territory, now in dispute, organize its own police force in the region. Bolivian president, General José Manuel Pan- began in La Paz. For Rio Branco, Brazil’s main Therefore, in 1902, with Campos Salles do Solares, began preparations for an expedi- objective in the negotiations was obtaining the as President of the Republic and Olyntho de tionary force, personally headed by him and Bolivian government’s consent regarding the Magalhães as Minister of Foreign Affairs, the with the participation of his Minister of War, in provisional occupation of the disputed territory Brazilian government sought to negotiate with order to subdue the rebellion in Acre. For Rio by Brazilian troops in exchange for the lifting Bolivia the severance of that contract. Faced Branco, these developments could only lead to of the Amazon blockade. Nevertheless, as Rio with the impossibility of rescinding it, Brazil one of two possible outcomes: either a signif- Branco made clear to the Brazilian Minister requested, at least, its modification so that it icant Bolivian debacle, with the defeat of the in La Paz, Eduardo Lisboa, the deployment of no longer allowed the Syndicate to maintain country’s president by insurgents of Brazilian troops would be a necessary measure to avoid ground and naval forces in the Acre region. The nationality, or the slaughter of Brazilians by the escalation of hostilities started by General Brazilian Minister in Bolivia, Eduardo Lisboa, Bolivian troops. Pando himself. even suggested the possibility of approving the President Pando’s aim of marching to Acre The negotiations evolved quickly. Inter- 1896 Brazil-Bolivia Treaty of Amity, Trade frustrated the ongoing negotiations that Ita- ested in the immediate lifting of the Amazon and Navigation of 1896 (then pending in Bra- maraty was conducting since the Olyntho de River blockade, only six days after Rio Bran- zil’s Congress) and the completion of the bi- Magalhães administration, in which Brazil’s co’s instructions to Lisboa, the Bolivian gov- lateral borders’ demarcation. Nevertheless, his main purpose was to use the Amazon River ernment informed its acceptance of the de- impression was that Bolivia was resorting to blockade as bargaining chip. For the Baron, the ployment of Brazilian troops to the disputed stalling tactics, so that the Syndicate could take presence of troops on the ground was increas- territory, provided that, “as a proof of friend- possession of the territory during diplomatic ingly necessary. Even before receiving news of ship to this country”, Brazil lifted the block- talks, thus creating a fait accompli. the Bolivian capitulation in Puerto Alonso, he ade and gave Bolivia a stake in the revenues of In response, Brazil decided to start a strate- estimated, in a letter sent to then president Ro- the region eventually occupied by the troops. gy of retaliation. In April 1902, Campos Salles drigues Alves, the number of troops that should Having accepted these terms, Brazil reestab- withdrew from the Brazilian Congress the be sent. Rio Branco decided, therefore, to set lished, in February 20, the free traffic through Treaty signed in 1896, arguing that the lease in motion a strategy that would combine di- the Amazon River, keeping in place, however, contract with the Syndicate had altered the con- plomacy, the respect for international law and the prohibition of arms trade to Bolivia through ditions in which that Treaty was signed, which the strategic deployment of troops. Soon after the River and its streams. could not predict “such a radical change in the assuming the Ministry, he started actions to Still in that month, as the Brazilian gov- administration of the Acre territory”. In July exchange the lifting the Amazon River block- ernment was preparing to send troops to Acre, 1902, Brazil decided to increase the pressure ade for Bolivia’s authorization regarding the Rio Branco was successful in definitively re- ENGLISH VERSION moving the Syndicate from the issue. For him, centration of forces in vulnerable portions of man in Strategic Coercion, presents similar as- the Syndicate represented the “first attempt of the Brazil-Bolivia border. South of the 10º20” pects, but it involves explicit threats of the use introducing in our continent the African and parallel, the orders were specific: Plácido de of force, something that the Baron did not resort Asian system of Chartered Companies”. To Castro should continue to maintain his de fac- to at any moment. What Rio Branco effectively achieve this goal, he abandoned the previous to authority, and the Acreans should remain at did, in March 1903, was increase Bolivia’s stra- Brazilian position that modifications in the arms, but on the defensive. tegic costs in adopting the attitude of military lease contract would be sufficient to “conjure confrontation that it intended to since launching the dangers, close or remote” of that situation. The coercive diplomacy (or strategic coer- the military expedition led by its president The attempt to alter the contract, still pursued cion) of the Baron By implementing a coercive diplomacy in the Olyntho de Magalhães administration, The Baron of Rio Branco’s strategy was strategy, Rio Branco placed the Bolivian gov- now gave place to “opportune” diligences of guided by the imperatives of avoiding a war ernment in the position of choosing the lesser the Brazilian Missions in Washington, London and of achieving a negotiated solution to the of the possible evils in the military scenario es- and Berlin in order to frustrate the Syndicate’s Acre Issue. Nevertheless, this peaceful objec- tablished in the Acre. As he insisted in recalling efforts to draw participants into its venture. The tive did not meant that, after the crisis began, to his counterparts, the position of the Bolivian diplomatic pressures only reinforced a scenario with potential to drawing Brazil and Bolivia government in the issue was unstable because in which the revolution led by Plácido de Cas- into an armed conflict, Rio Branco would not of factors that ranged from geopolitics (“Acre tro and the Amazon blockade had already made use all available strategic resources to disen- is too far away from populated centers of Bo- the execution of the Aramayo-Whiteridge gage all sides. Without abandoning calls for livia. It is not surprising, therefore, that it can- contract difficult. Therefore, in February 26, a diplomatic solution, constantly recalled by not maintain its authority there without great in New York, the Syndicate signed acts of re- the Brazilian Minister in his communications and sterile sacrifices”), economic realities (“It nunciation of the lease contract with Bolivia, with the Bolivian government, Rio Branco did is not convenient for Bolivia to maintain this obtaining an indemnity of 110.000 sterling not forgot the realistic conditions for achiev- far-away territory, inhabited solely by foreign- pounds, paid in full by Brazil. ing such an end. As stated by Moniz Bandeira, ers who are opposed to it. The small income Even with these initial successes, Rio “Rio Branco did not want war, but he knew that could be received from it would not even Branco, in line with the fundamental objectives that, in order to avoid it, it would be necessary cover expenses for its military occupation”) to of his strategy, held a position of resistance to to prepare for making it.” According to Am- History (“Bolivians have fought for their inde- new demands made by Bolivia in that juncture. bassador Rubens Ricupero, in A Diplomacia na pendence against Spain: they should therefore Probably emboldened by the negotiation that Construção do Brasil, “The preference that he understand that a population which is not of its rendered the reopening of the Amazon River, expressed for negotiation and direct agreement nationality also rejects foreign domination”). the Bolivian government assessed that it was already suggested the trust he deposited in his With the strategic setting shifted, Rio Bran- time to request the Brazilian government’s in- political craftsmanship, that is, in the ability co could use the tactics and power resources tervention to disarm the forces of Plácido de to resort to all legitimate means of power to stemming from the legitimate presence of Bra- Castro. In February 25, the Bolivian Chancel- impose on the adversary solutions that were in zilian troops in Acre. A first example would oc- lor requested that Brazil halted Castro’s march accordance with Brazilian interests” (p. 299). cur during the negotiations of a modus vivendi towards the Beni River. The negative answer Rio Branco’s fundamental trump in the Acre between Brazil and Bolivia in March 1903. from Rio Branco, however, came the follow- Issue would be the presence of Brazilian troops Referring to the disagreement regarding the ing day, not without mentioning a fundamental in the region, creating, in contemporary terms, a Brazilian proposal for an article on the location reality of that episode in the remote region of “buffer zone” between the Bolivian forces and of Brazilian troops in the region, Rio Branco Acre: “We still don’t have action over Plácido those of Plácido de Castro. The intention of us- informed that, in case Bolivia could not agree de Castro. He keeps doing what he wishes”. ing this source of power was part of his strategy with Brazil’s draft text, it could be substituted Rio Branco could not act otherwise. Before since he was nominated Minister and decided to by another, which would state that “the forces the arrival of the Brazilian troops in Acre, and bargain the lifting of the Amazon River block- of Plácido de Castro will garrison the positions with the expedition led by General Pando still ade for the Bolivian consent regarding the sta- that in this article were destined to the Brazil- marching in that direction, the time was not for tioning of Brazilian troops in Acre. The Baron’s ian forces”. It was a significant pressure tactic: concessions. The risk of conflict and escala- strategy, therefore, could be best understood as having the Brazilian troops fortified its military tion, in a situation that would be impossible to a form of “coercive diplomacy” (or a “strategic positions on the margins of the Acre River, the scale back, was still very much present. coercion” with implicit threats), for, without the Brazilian alternative would represent, if not a For that reason, at the same time that Rio use of force or direct threats from Brazil, Rio territorial advance by the Brazilian Acreans, at Branco refused to disarm the Acreans, the Branco considerably increased the probable least a fortification of their defenses, since it is Brazilian government would start the second costs of the option, by the Bolivian government, unlikely that the Brazilian Army would leave its phase of the Baron’s strategy: sending troops of attacking the Brazilian nationals in Acre. In compatriots without ammunition or resources to to the region. That year, Brazil would send two this context, the concept of “coercive diploma- continue the defense of the disputed territory. brigades to Acre (one to the North and other cy”, coined by Alexander George in Forceful The conclusion of the modus vivendi, in to the South), reinforce militarily the borders Persuasion: Coercive Diplomacy as an Alter- March 21 1903, would consolidate three grand between and Bolivia, send infan- native to War, is more suited, since it describes strategic objectives of Rio Branco’s coercive try battalions to Manaus and order the North- a defensive strategy in which the objective is diplomacy: a) it guaranteed the status quo in ern Naval division in the direction of Puerto to make an adversary arrest an action by them Acre, establishing, in a binding instrument, the Alonso (before receiving the news that the in- started (in the Acre Issue, the mobilization of positions that should be assumed by both the surgents had already taken it). Additionally, de- troops by General Pando). The concept of “stra- Brazilian and the Bolivian troops in the terri- ployments of infantries followed a plan of con- tegic coercion”, as defined by Lawrence Freed- tory; b) it legitimated the presence of Brazilian 203 troops according to the limits previously set- ately. Given the concentration of Brazilian Brazil’s resources of force and the moderation tled bilaterally; and c) it gave the opportunity forces in the region, if it were its objective, the regarding the use of the Brazilian power were for a broader diplomatic negotiation with aims Brazilian government of that time could have predominant factors. Facing so many legal, po- of achieving a sustainable and long-term res- inflicted a significant military defeat on the -Bo litical and strategic challenges in the Acre re- olution of the Acre Issue. The modus vivendi livian government, especially due to the pres- gion, the Baron’s “coercive diplomacy” seems also achieved another important immediate ob- ence of the President and the Minister of War to have been the best alternative for obtaining jective: avoiding an attack of Plácido de Cas- of that country in the forces sent to subjugate a peaceful and sustainable resolution to the is- tro’s forces on the Bolivian troops stationed on the insurgents in Acre. The Brazilian territo- sue. If disputes regarding such a complicated the margins of the Orton River, in Puerto Rico, rial expansion, or even the capitulation of the border issue did not escalate into an all-out war for the leader of the insurgency would cancel Bolivian government, was within reach of the between Brazil and Bolivia in that historical the attack after receiving news of the signature Brazilian power, but its government chose not juncture, we must recognize the importance of of Brazil and Bolivia’s agreement. to use it to its full extent in order to preserve its a carefully crafted strategy, executed in a co- In any case, we should stress the effect of long-term objectives. herent and incremental manner, combing the Rio Branco’s strategy on the configuration of Even when the Brazilian press of the time respect for international law, the defense of the Bolivian government’s options. Bolivia was claiming for it, Rio Branco continued to sovereignty and strength in order to achieve also sought an honorable way out of the im- fiercely oppose the deliberate use of force to a successful conclusion to one of the greatest passe, and the negotiated solution with Brazil solve the issue, arguing that this option would diplomatic crises ever faced by Brazil. seemed to be the best (if not the only) available be, besides a violation of international law and alternative. Therefore, the implementation of of the 1891 Brazilian Constitution, the source the modus vivendi of March 1903 was praised of accusations of Brazilian imperialism and by the Bolivian authorities, including by pres- of future antagonisms with Bolivia. When in- Brazil-USSR relations, ident Pando himself, and its execution would forming the Brazilian Minister in La Paz of occur without problems, a fact that would con- the deployment of troops, he stressed that the first act: the brazilian tribute to a lasting resolution to the Acre Issue. objective of the Brazilian expedition was “that In November 17 1903, in the city of Petrópolis, we are prepared to do whatever is necessary”, diplomacy before the Baron’s coercive diplomacy strategy would but that he did not want a spark of hostilities: “I the double russian render its final success. consider a great disgrace for me if there is con- flict, for I have always been a man of peace!”. revolution of 1917 Conclusion: the moderate use of power In addition, Rio Branco did not seek to Brazil’s role in the Acre Issue has its critics help Plácido Castro’s troops in despoiling Bo- Portuguese version page 108 even today. In extreme positions, it is argued livia’s territory, as it was claimed at the time. — that the Brazilian government was either ex- All evidences suggest that the Baron himself By Marcelo Laraburu cessively belligerent, annexing part of the ter- wrote the preliminary instructions regarding ritory that it already recognized as Bolivian, or the conduct that should be adopted by the Bra- The political profile of the brazilian first excessively peaceful, with lack of care for its zilian troops in the Acre, under the command republic led to the swift recognition of the pro- interests in a territory occupied by Brazilians, of General Olympio da Silveira. And they were visional government arising from the february in which the Bolivian administration could not clear: the occupation “should end as soon as revolution, accompanied by the refusal in es- establish itself. As we intended to suggest, Bra- there is a definitive solution to our issue with tablishing relations with the bolshevik govern- zil’s role in Acre was significantly nuanced. Bolivia (...) The authority of this acclaimed ment constituted months later On the one hand, it is undisputed that the Governor [Castro] will only be exercised south strategy set in motion by the Baron was effi- of the 10º20” parallel, with the tolerance that It is no exaggeration to say that the Russian cient in achieving its main strategic objectives, the Federal Government expects to obtain from Revolution is an event of seminal importance especially by obtaining a peaceful and negoti- Bolivia during the ongoing negotiations for a to the history of the twentieth century. Virtually ated outcome for the Acre Issue. It is doubtful definitive agreement on the new borders be- all major world events were influenced directly that, without the presence of Brazilian troops tween the two Republics (…) The Command- or indirectly by the revolution: the instability stationed in the region, the Bolivian govern- er [Silveira] will use all his influence to avoid of the international system after World War I, ment would have accepted an indemnity and conflicts between the Acreans that obey this the rise of totalitarian regimes in Italy and Ger- removed the Bolivian Syndicate. It is also un- acclaimed Governor and the Bolivian troops”. many, the onset of World War II and, above all, likely that Bolivia would have accepted an ex- Afterwards, Olympio da Silveira, overstepping the outbreak of the Cold War, in 1947. change of territories with Brazil, as it would be the instructions drafted by Rio Branco, would Similarly, Brazil was also deeply affected: agreed in the Treaty of Petrópolis, if Rio Bran- depose Plácido de Castro from his de facto au- the Vargas government faced the challenge of co did not adopt the strategy of making the Bo- thority and dissolve his forces (in the episode communism, expressed internally, above all, livian option of clashing with the Brazilians in known as the “Good Faith coup”), causing by the participation of the Communist Interna- Acre even more onerous. In fact, both options strong reprehensions from the Brazilian gov- tional in the 1935 uprisings, which would serve were already offered to Bolivia by Eduardo ernment and leading to his demotion as the as one of the justifications for the institution of Lisboa in La Paz, even before the Baron as- Brazilian commander. Estado Novo (1937-1945). In addition, an ex- sumed the Ministry of Foreign Affairs. Rio Branco’s role in the Acre Issue was, pressive part of our foreign policy in the period On the other hand, Rio Branco did not re- therefore, characterized by the implementation was guided by the idea of anti-communism and linquish the resources of force that Brazil had of a defensive strategy, in accordance with in- the need for continental security against the in that context, although using them moder- ternational law, in which the strategic use of ideological frontiers of the time. ENGLISH VERSION

The study of the first act of this history al- Carneiro do Nascimento Feitosa, Brazil’s En- Moreover, the recommendation and the ex- lows for a better understanding not only of the voy Extraordinary and Plenipotentiary in St. ample of the great powers, especially of Wash- development of diplomatic relations between Petersburg, was on a five month leave since ington, also contributed to Lauro Müller’s de- Brazil and the Union of Soviet Socialist Re- January 31, 1917. cision. The US State Department contacted the publics (USSR), but also of Brazilian foreign With the outbreak of the movement, Vian- Brazilian government at the time, encouraging policy during the First Republic. na Kelsch sent the following telegram to the it to recognize the Provisional Government, in headquarters of Ministry of Foreign Affairs, in order to reinforce the prestige of the “demo- THE REVOLUTION OF FEBRUARY 1917 Rio de Janeiro: “Very busy events took place cratic revolution” in a context of strong inter- Russia, at the beginning of the 20th centu- last days [period] According to telephone com- nal disturbances in Russia. Once again, Lauro ry, was increasingly becoming a foreign body munication from the mayor of Petrograd His Müller “marched accordingly” to Washington, within the European system. The extreme con- Majesty the emperor abdicated for himself and to use a phrase used by the chancellor himself servatism of the Romanovs was at odds even his heir in favor of his brother Grand Duke in famous instruction sent years before to the with the already undemocratic standards of Michael who in turn did not accept the throne Brazilian ambassador in Washington, Domício European monarchies. Until 1905, Tsar Nich- leaving the nation to elect by universal suffrage da Gama. olas II ruled an autocratic state, which showed government to be constituted [period] Current Despite the international recognition, the little difference from the absolutist states of the executive power formed by a committee of fif- provisional government was not able to en- past. During that year, however, in the wake teen members of the Duma and a ministry also sure a minimum level of political and social of the Russian defeat in the war against Japan of members of the Duma [period] Request to stability. A month later, on May 20, the Bra- (1904-1905), social and political upheavals, order delegation in London to telegraph urgent zilian chargé d’affaires sent a telegram to Rio through instruments such as general strikes sum Your Excellency will consider expenses de Janeiro, reporting the situation, along with and an aborted revolutionary attempt, would necessary to be aware of the events.” newspaper clippings and a proclamation of the be able to obtain some reforms such as the cre- After three days, Chancellor Lauro Müller Kerensky government, which would generate a ation of the Duma – the Russian Legislative commented on the telegram and ordered a re- major popular uprising in Russia and would be Assembly. The Tsar, however, was not inclined sponse, emphasizing budgetary issues and the one of the causes of his fall. “Dear Minister, I to pursue liberalizing reforms: the Duma was pointlessness of sending information obtained have the honor to hand over to Your Excellency, closed a few times, and the secret police con- from news agencies, a seemingly perennial in the enclosed annex, the proclamation of the tinued to persecute revolutionaries, who were problem of the chancelleries: “It seems to me Russian Provisional Government, dated April mostly comprised of intellectuals, students and there is no need to put any amount at the dis- 9, which gave rise to the recent disturbances workers, dispersed among several groups, the posal of G. Kelsch, since the telegrams either in Petrograd, as well as other documents and Bolsheviks (“maximalists” in the Brazilian Western will pay or they will be paid later. statements of the competent Power and respon- documents of the time) and the Mensheviks There is no budget for this.” sible men, who will provide Your Excellency (“minimalists”) being the most important ones. A few weeks later, Brazil decided to rec- with the necessary elements to form a reason- In this context of growing political and ognize the Provisional Government, as tran- ably exact judgment of Russia’s current con- social instability, the First World War was the scribed by Moniz Bandeira in “O ano vermel- ditions. I am very much aware that Your Ex- last straw for the overthrow of the tsar. Rus- ho: a revolução russa e seus reflexos no Brasil”: cellency’s attention is more directly concerned sia’s successive failures during the Great War “Wenceslau Braz Pereira Gomes, President of with matters that closely affect us, but in the increased the antipathy of much of Russian so- the United States of Brazil. His Excellency the certainty that the presentation of a summary ciety against the monarch, including portions President of Russia: Great and good friend. I would not eliminate the importance of reading of the Duma’s aristocracy, the army, and liberal am pleased to recognize the provisional gov- these documents and statements, I refrain from parliamentarians. ernment of Russia, assuring Your Excellency doing so. I would also take this opportunity to On February 23, 1917, the first revolution that I will make every effort to contribute as renew to Your Excellency, Dear Minister, the of that year began, with strikes in armament far as I can to maintain the most cordial rela- assurances of my respectful consideration. factories and popular revolts against the fam- tions of friendship with this Government and sign. G. de Vianna Kelsch (Itamaraty Histori- ine. Orders to repress the movement, however, the Russian people. I take this opportunity to cal Archive, Petrograd to MOFA, 1917). would be progressively ignored by the troops. express to you the expression of my sincere During the approximately 8 months of On March 2, amid pressure from his generals wishes for the happiness and prosperity of the the provisional government, second-secretary and leading Duma members, the tsar abdicated Russian nation. Palace of the Presidency in Rio Gustavo de Vianna Kelsch remained as head in favor of Grand Duke Michael, his brother, de Janeiro, April 9, 1917. sign. Wenceslau Braz of the Brazilian legation. During this time, who also did not accept the throne. One of the O. Gomes ref. Lauro Muller.” Nilo Peçanha assumed the Brazilian Ministry oldest monarchies in Europe, founded in 1617, The swift recognition of the Provisional of Foreign Affairs on May 7, 1917, in part be- and one of the main actors of the internation- Government demonstrates the Brazilian appre- cause of Lauro Müller’s decision to only break al system, found its end in a melancholic and ciation for the fall of the Russian monarchy, diplomatic relations with Germany, and not to abrupt way. considered barbarous and backward by an ex- declare war on it, as increasingly demanded by During these momentous events, the Bra- pressive number of Brazilian republicans. In ad- the national public opinion, the press and the zilian diplomat Gustavo de Vianna Kelsch, who dition, the decision derived from the acknowl- political elite. had been moved from Great Britain to Russia edgment that Kerensky’s moderate government In this context of growing popular mobi- on February 16, 1916, was heading the Brazil- indicated that Russia would remain engaged in lization in favor of the breakup of neutrality, ian legation. At the time, the second-secretary the war against the central empires, at a time of the torpedoing of Brazilian ships by the acted as chargé d’affaires ad interim, since the when Brazil was inclined to break its neutrality German submarines and of the confiscation of head of the legation, Minister Augusto Brienne and adhere to the allies of the Triple Entente. ships from the latter country, it was natural that 205 the conflict on the European front of the war self, possibly motivated by the lack of financial terpreted the birth of the Bolshevik govern- would become the focus of our foreign poli- resources at the time, requested the legation ment, it is natural to suppose that the chargé cy for the European continent. Accordingly, not to incur in telegraphic expenses, especially d’affaires believed in the return of Kerensky’s the focus of the correspondence between Bra- when comprised of information rebroadcast by provisional government and the defeat of the zil and Europe, from March to October 1917, news agencies (it should be noted that the costs Bolsheviks. Firstly, because Brazil continued would be the issue of the war with Germany. of telegraphic dispatches at the time were con- to recognize the Russian diplomat Alexan- President Venceslau Brás aimed to show the siderable even for developed countries). der Scherbatskoy, Envoy Extraordinary and Allies, a group that included the Kerensky Secondly, as has also been reiterated, Min- Minister Plenipotentiary of the Kerensky gov- government, that Brazil was struggling to over- ister Augusto Feitosa, Envoy Extraordinary ernment, as Russia’s representative in Rio de come internal resistance, in order to break neu- and Plenipotentiary, was on vacation at the Janeiro. Since the Communists had already trality and take part in the military campaign time. It is possible that the second-secretary seized power, the Russian diplomatic repre- against Germany. On June 8, 1917, secretary Gustavo Kelsch did not have the same politi- sentative constantly requested funds from the Kelsch informed the Kerensky government of cal and diplomatic contacts of Minister Feitosa Brazilian government to stay in the country, the Brazilian law that would revoke the coun- in Petrograd, and thus could not obtain more which were granted by the government of Nilo try’s neutrality. The Russian Minister of For- information than those already retransmitted Peçanha, on the grounds that there was hope eign Affairs, Michel Terechtenko, praised the by the news agencies. In addition, secretary that the Bolsheviks would be defeated. Sec- decision. On July 12, Kelsch reported the result Kelsch, being new to his career and occupying ondly, because Itamaraty maintained relations of the congressional vote in that regard and the the position ad interim, may have felt uncom- with Michel Terechtenko, former Minister of Russian minister once again praised the Brazil- fortable about sending telegrams with opinions Foreign Affairs of the Kerensky government, ian decision. and analyses. a sign that Brazil was not betting on the sur- Thirdly, the technical difficulties of the vival of Lenin’s government. As proof of this, THE OCTOBER REVOLUTION AND time were also an obstacle: the Brazilian rep- one can consult, in the documentation of the THE BRAZILIAN LEGATION IN resentative may have felt compelled not to Historical Archive of Itamaraty, the exchange PETROGAD: REASONS FOR THE retransmit information that would invariably of messages between the legation in Petrograd, SILENCE arrive with a long delay and would already be the Brazilian chancellery and the Russian Min- The provisional government of Alexander widely known nationally through the press. istry of Foreign Affairs. On August 8, 1917, Kerensky, a moderate socialist, was not able And lastly, there is a simpler and more im- Minister Nilo Peçanha appointed Luiz Guim- to remain in power for a number of reasons: portant fact: the workers of the telegraph sta- arães Filho to the post in Petrograd. On August the extremely unpopular decision to continue tions in Russia went on strike and, shortly after, 31, the Russian government informed the Bra- Russian engagement in the Great War; the June these stations were taken by Bolshevik forces. zilian representative, Vianna Kelsch, private- offensive, a failed military maneuver, about Thus, even if the three previous factors did not ly, that it could not accept the appointment of which Kerensky was directly responsible; exist, communications would face formida- Guimarães Filho. Kelsch communicated, in a the conflict of attributions with the soviet of ble obstacles, as evidenced by the difficulties telegram dated September 3, 1917, that he did Petrograd, created even before the abdication of Nicholas II; the various unfulfilled political faced by the chancelleries of developed coun- not know the reasons for the refusal. Some promises in the midst of economic and social tries such as the United States and the United time later, the chargé d’affaires in the Brazil- chaos; among others. Amid these events, Lenin Kingdom. It may be argued, therefore, that it ian legation sent an encrypted telegram to Rio returned from exile, helped by the Germans, was not for lack of sensibility and historical in- de Janeiro, on February 26, 1918: Michel Ter- interested in increasing the already serious po- tuition that the Petrograd legation did not pro- echtenko refused the concession of agrément, litical and social disturbances in Russia, which duce telegrams regarding the Red October – as because it considered Luiz Guimarães Filho was at war with Germany. The Bolsheviks’ a hasty interpretation might indicate –, but for a “Germanophile”. It should be noted that all messages of peace and land to the peasantry much more trivial reasons. these negotiations took place at a time when and self-determination to the different peoples On November 3, 1917 (still in October, the Kerensky government, in practice, no lon- of the Russian Empire were too tempting not to according to the Julian calendar), the new For- ger existed. be heard. So it was, and on October 25, 1917, eign Minister, Nilo Peçanha, communicated to Thus, if the prevailing political regime the Bolsheviks seized power. the Russian Ministry of Foreign Affairs that during the Brazilian First Republic favored The importance of primary sources for any Brazil declared war on the central empires. the rapid recognition of the provisional gov- historiographical investigation is undeniable. There was no answer, and four days later the ernment after the fall of the Romanov dynas- In this particular aspect, the Itamaraty archive Bolsheviks would seize power. Contacts be- ty, the same did not apply to the Bolshevik is particularly frustrating: the last telegrams tween the Brazilian Ministry of Foreign Affairs government arising from Lenin’s revolution. from the period date back to the first half of in Rio and the Brazilian legation in Petrograd Despite the almost non-existent primary docu- 1918; therefore, it would be reasonable to sup- would only be resumed on February 9, 1918, mentation produced by the Petrograd Legation pose that there would be reports on the October when, in the last correspondence with the lega- – mainly due to budget constraints and lack of Revolution relating events from the standpoint tion, the Ministry informed Kelsch of his pro- personnel –, it can be argued that, in the Bra- of the Brazilian representative in Petrograd. motion to first-secretary, published on January zilian government, as it was the case in many Unfortunately, this is not the case. 31, 1918. other countries, the opinion – and expectation Some reasons can be conjectured about Although there are no other telegrams – that the Bolsheviks would end up being de- this documentary non-existence. Firstly, as al- that could allow a more detailed view of how feated and the Red October reverted prevailed ready mentioned, the Brazilian Chancellery it- the Brazilian Ministry of Foreign Affairs in- at the time. ENGLISH VERSION

having an honest conversation with a friend. faço voto de silêncio REVIEWS Her imagery is simple yet powerful, almost mas na sacralização horária cinematic, which suggests that the author be- da respiração eu penso gan to write poetry because, according to her, que apesar da sala de cassino “I would cross the city “making movies would be much more expen- abrigo da gigante roleta do medo sive”. apesar dos golpes de gmt-3 by bicycle just to see The Portuguese language is the main char- apesar da fita de seda que fica acter in “Jockey”. Although it includes some ondulando sua medida de 7.800 km you dance”: review of poems in English, fruit of the Matilde’s cos- estamos dando utilidade ao amor mopolitanism and of a stay in London, and it alargando os braços das amendoeiras “Jockey” by Matilde has a strong influence of Whitman’s free verses alargando os braços dos jacarandás Campilho, Editora 34, and of the American poets of the beat gener- partindo as inúteis linhas de fronteira ation, the book finds in the musicality of the e fazendo do mundo 2015. Portuguese one of its strengths. The poems in a gigante floresta .” prose mix the intensity and the lightness of the Portuguese version page 114 language in both form and content. The author — argues that the connection between Brazil and By Isadora Loreto da Silveira Portugal is present in her life and work and that, as the two countries are bound by practi- Review: Madame The first book by Matilde Campilho, a Por- cally family-like ties, it would not make sense President – The tuguese poet with an accent from Rio de Janei- to “translate” from one Portuguese to another, ro, was hailed by the Portuguese critic Gustavo as some have suggested. The language, she extraordinary journey Rubim as “a wind of pure savagery” and even a says, is “the same, only with different colors.” “precious event in Portuguese language”. Bra- The themes present in the book range from of Ellen Johnson Sirleaf zilian poet Chacal, in turn, described Matilde those universal and timeless, such as love and as “a unique case of poetic shorthand.” “Jock- longing, to those that at first sight seem con- Portuguese version page 118 ey,” and even the writer’s broader poetic rep- crete and localized in time, such as the power of — ertoire, which includes the videos in which globalization or the impact of newspaper news. By Mariana Marshall Parra she recites other personal works, portrays a The inspiration of the poet seems to come from constant swing between Brazil and Portugal, both what is deepest in terms of reflection and The act of portraying, in a reliable and un- more specifically between Rio de Janeiro and raw feeling, as well as from what is most vul- biased manner, someone whose path is filled Lisbon. Launched first in the native land, then gar and mundane in everyday things, merging with symbolisms is an inglorious challenge. in Matilde’s second home, shortly before the these extremes in a subtle yet fierce way. When the biographer comes from a country implementation of the ortographic agreement, The book took a year to write, and was ravaged by two wars and an Ebola epidemic the book mixes the two countries’ Portuguese born not only from the author’s daily practice and the subject cannot be dissociated from this usage and vocabulary. There is “chávena” and of writing but also from her experiences in Rio very country’s history, the mission must seem has “pirilampo”, but also has “metrô” and de Janeiro and Lisbon or between the two cit- nearly impossible. That was the endeavor un- “cara”. There are infinitives and gerunds coex- ies. Matilde, who has an immense thirst for life dertaken by Helene Cooper in “Madame Presi- isting side by side. and who believes that the poet has to be out on dent: the Extraordinary Journey of Ellen John- As Brazilian philologist Claudio Cezar the street to be able to write, intends to digest son Sirleaf”. The book describes the formative Henriques has put it, “spelling is a political, the first book and to seek new stories before process and the experience in power of the first administrative decision, and does not interfere dedicating herself to the next one. We are left woman to be democratically elected president with language.” The reform is important to waiting for more of this mixture of here and of an African nation: Liberia. simplify the language, promote the integration there, which erodes borders and exposes differ- The complexity of the task taken up by of Portuguese-speaking countries and facili- ent ways of using and feeling the Portuguese Cooper resides in the conflict that arises be- tate the diffusion of Portuguese throughout the language. tween, on the one hand, the elements that make world, but the different “Portuguese” continue Ellen Johnson Sirleaf’s journey extraordi- to coexist in all other spheres of the language Excerpt of the poem “Rio de Janeiro-Lisboa” nary; and, on the other hand, the cracks that and (fortunately!) continue to mix. After all, will inevitably show on the personality and on homesickness, summer days and the life that “(...) the attitudes of any human being with a de- passes by are not so different on this side and um dia você diz que me a*** cades-long track record on the public sphere. on the other side of the Atlantic. eu ***-te Cooper seems aware of the impasse between Matilde’s poetry contains a deep love for no dia seguinte the just praise of Sirleaf’s actions and the nec- the language and for the human condition. So- a amendoeira se expande essary critical analysis of her way of doing nority and rhythm matter far more than met- e floresce cinco folhas mais politics, her occasional complacency towards ric or any rhyme. The poems seem to have nesse dia reparo the leader’s missteps notwithstanding. She is stemmed from a conversation at the bar, from que estamos contribuindo not oblivious, however, to the idiosyncrasies a walk by the sea, from a morning newspaper você e eu of Sirleaf’s relationship with Liberian women, read. When reading Matilde, the orality is so para o florestamento da cidade a constituency as loyal as it proved challeng- striking that it is possible to imagine yourself de duas cidades ing. From this relationship results the best syn- 207 thesis provided by the author on the triumphs The ordinary Liberian woman had no al- mission of cleaning up the urban landscape. and obstacles on the way to bringing a country ternative: not only was she subject to violence, The “market women” did not appreciate being from absolute ruin to some sort of civilization- she was also the sole responsible for maintain- removed from their workplace against their al progress. If Ellen Johnson Sirleaf’s elec- ing some level of economic activity, while men will, thus repeatedly challenging Madame’s tion as president of Liberia was possible and and boys were busy in battle. The market wom- determinations as imposed by Mary Broh. The necessary precisely due to the role played by en would leave their homes as the sun rose, women were not the only ones to obstruct the Liberian “market women”, some of the main searching for anything that could be sold, walk- mayor’s actions: Broh suffered all kinds of po- struggles endured by Madame once in power ing long distances and taking life-threatening litical attacks up until the point when she was derived from the same agents. risks, in order to sell whatever they found and simply hindered from working. The underly- The book shows how Sirleaf, destined to to provide some nourishment to their homes. ing message is loud and clear: in Liberia, act greatness according to the words of a local Although they did not make war, they were its strictly within the law and you will be sure to wizard during her birth, went from a victim most strongly affected victims. Their bodies accomplish nothing. of domestic violence with few perspectives were violated, their children were kidnapped, Perhaps it would not be possible to expect – such as most of her compatriots – to a Har- their husbands left to fight, returning – if they Helene Cooper to be unbiased: the author has vard-educated international executive hired by ever did – as different men, transformed by the too much in common with her subject. Both large banks. All that before facing the biggest conflict and uncooperative in the management women carry the scars of people who have challenge in her life: ruling her country, an un- of the home. For those women, the possibili- seen their country plunged into all sorts of trag- governable Liberia by the time of her election. ty of voting on another woman for President edy, while, at the same time, both have enough As Sirleaf climbed up the ladder of her was the crack through which they could en- reason to feel foreign in their own motherland, successful career and became a cosmopolitan visage some possibility of relief from all those having built their lives beyond Liberian bor- woman, Liberia plunged into chaos and vio- burdens. It did not matter that Madame was a ders. It is not surprising that the author aims lence, resulting from two civil wars intertwined sophisticated figure according to Western stan- her harshest criticisms precisely at the aspects with ethnical conflicts, systemic corruption, dards, in contrast with their extreme poverty: of Madame’s personality that she, most likely, veiled interference by foreign countries and the she was a woman; a mother; a grandmother. recognizes on herself: a seriousness that con- devastating exploitation of natural resources. Besides being relatable as a woman, Sirleaf trasts with the exuberance of her constituency; Although she spent many years living abroad, was a highly qualified professional who had her extreme concern with attracting and secur- Sirleaf remained involved with the develop- spent years working with finance applied to the ing foreign investment, hiding or even failing ments in Liberia: she served the governments least developed countries. The “market wom- to grasp the rawness of the national problems; of William Tolbert and Samuel Doe; she ran en”, independent survivors and managers of her delayed and clumsy first response to the as a vice-president for Jackson Doe in 1985, their own homes, could not accept the idea of Ebola outbreak, followed by her attempts to being imprisoned on charges of sedition on the Madame losing the presidential race to a foot- attract international attention to the problem. same year, after publicly insulting members ball player who did not have a grasp on how to Maybe the cost of making Liberia intelligible of Doe’s government; she was arrested once fix Liberia. Therefore, they set up a remarkable and moving to Western eyes is drifting away more, in the context of the attempted coup car- mobilization in order to elect Madame, even from Liberian reality, in order to perceive it in ried out by Thomas Quiwonkpa; she supported resorting to less than legal resources. broader terms. Maybe it is simply impossible, the rebellion started by Charles Taylor against In her approach to the ethically question- from a mental health and operative capacity Samuel Doe’s regime, helping bring to power able actions taken by Sirleaf or on her behalf, standpoint, to focus on the aspects of the life a man as murderous and corrupt as his prede- throughout years of public activity, the author of the ordinary citizen, when this very sense cessor, and against whom Madame would later did not try to hide her inclination in favor of of citizenship has been shattered by the war. turn; and finally, she won the 2005 presidential Madame. From the support showed to Charles Madame picked her battles, possibly because elections, facing a runoff with George Weah, a Taylor once he started a rebellion against Sam- she realized, early on, that it would be impos- Liberian football player whose career had been uel Doe to the controversial appointment of her sible to embrace all the areas that demanded built in Italy. own son as head of the national oil company, her attention. As she narrates the time prior to Sirleaf’s the stains on Sirleaf’s résumé were minimized Regarding the situation of women, her candidacy, Cooper punctuates the political or attributed to external agents and circum- work deserves all the praise it has received, events that shook Liberia with horror stories stances, if not measured against acts of barba- including 2005 Nobel Peace Prize. Sirleaf experienced by ordinary Liberian women. Re- rism committed in Liberia by men who did not made a point of associating gender equality to gardless of which side had the advantage in the receive any punishment. Cooper even insists the habilitation of women as citizens, voters, conflicts that ravaged the country, women were on the example of Mary Broh, mayor of Mon- candidates, and decision makers. She defend- constantly brutalized, with rape being used as rovia during Sirleaf’s first term, and known ed the centrality of the role of women role in a weapon of war, perpetrated even by the vic- for being extremely tough regarding the law, post-conflict reconstruction and pushed for the tims’ own sons, assimilated as child soldiers to in what appears to be an attempt to illustrate criminalization of rape, a crime as terrible as serve the warlords who had robbed them of their the impossibility of accomplishing anything in it is trivial in Liberia, even after the pacifica- childhood. Madame lived through persecution, Liberia without giving in to corruption, lethar- tion. Before Sirleaf’s election, Liberian men fear and even incarceration, but she never had gy, or to the not always ethical or reasonable felt that at least the women remained subject- direct contact with the sort of experience that pleas posed by the many groups of interest ed to them; that was the only power they had her fellow Liberian women had to endure on a within Liberian society. When Madame decid- left, when war had stripped them of all the rest. daily basis. She was able to flee the country and ed to remove the stalls operated by the “mar- Thanks to Madame, women started to develop live a decent life elsewhere when the risks to her ket women” from the streets and send them to a sense of self-worth as citizens with rights, life and integrity became too high. a commercial area, Mary Broh embraced the and men started to become minimally aware ENGLISH VERSION that their female fellow citizens have a voice lifetime, he was better known for the succes- the approach of the subject since the mid-19th and deserve respect. sive polemics in which he was involved rather century, when the Pedro II Hospice was inau- The task of solving the problems of a coun- than for the quality of his books. At that time, gurated, to the beginning of the First Repub- try that has never known a functional democra- some considered that Lima Barreto would be- lic, when settlements for the alienated were cy – and where human dignity has never been come an outdated writer, with little to offer established to take care of beggars and unem- considered a value – is arduous and requires for the next generations. The Conquest, from ployed people. She also returns to the subject decades. The very act of assuming this project Coelho Neto, for instance, would have more to narrate the two psychiatric hospitalizations demands an abnormal dose of idealism, as well artistic value. Lima’s contemporaries did not of Lima Barreto. as of detachment, since one will experience know that, while the “prince of prose writers” One might claim that Schwarcz’s book is mistakes, frustrations, criticisms and attacks would be slaughtered and buried by Brazilian aimed at those who want to reflect about the in a much higher volume than recognition and Modernists, Lima Barreto would reappear as landscape and about the details of the land- encouragement. some sort of key author for those who wish to scape. This is the reason that justifies its 500 The year in which Liberia elected a new understand Brazil. pages. In this sense, this is not a linear and typ- president, who is a man, after Madame’s 12 2017 was certainly a year of rediscovering ical biography, in which themes are discussed years in power, was also the year in which Lima Barreto’s work. Apart from the tribute only when they directly interfere with the reali- Brazil adopted the National Action Plan on paid to the author at the Paraty International ty of the subject. If one desires a more straight- Women, Peace and Security. In this context, which is also made up of so many civilization- Literary Festival, the books “The cemetery of forward narrative, the excellent biography al setbacks, both in Brazil and abroad, the ex- the living” and “Diary of the Hospice”, with of Lima written by Assis Barbosa is already traordinary journey of Ellen Johnson Sirleaf is notes from the original edition, were repub- available. Lilia Schwarcz, in turn, searches for a valuable testimony as to how far women have lished. Regarding biographies, the publishing expansion. She is concerned with the conse- come and how much remains to be done. house Autentica released a new edition of The quences of urbanization, the swelling of sub- Life of Lima Barreto (1959), by Francisco urbs and the resulting urban mobility difficul- Assis Barbosa, a book that was essential for ties, with then popular racial theories and with the rediscovery of the “enfant terrible” thir- the editorial market focused on the publication ty years after his death. This effort towards of a handful of established authors. Lima is, in Review: Lima Barreto – the dissemination and redefinition of Lima’s this sense, the speaker for complaints. He is works complements the release, by Compan- the visionary that denounces all of these issues, Sad Visionary, by Lilia hia das Letras, of Lima Barreto – Sad Vision- even before they were considered issues. And, ary, written by Lilia Moritz Schwarcz. in a certain way, he is sad because he is com- Moritz Schwarcz Sad Visionary is an intellectual effort that pletely lonely in his claims. demanded 10 years of research from the au- Lima Barreto was constantly accused by Portuguese version page 122 thor. This intellectual accumulation, that is his contemporaries of only producing nov- — not restricted to Lima’s biographic informa- els “à clef”, intended to hurt his opponents. By Maria Eduarda Paiva tion, is perceived by the reader in each page When Isaias Caminha was released, the few of the book. A depiction of the Limana – Lima reviews published about the book highlight- He was born in the 19th century and Barreto’s personal library – becomes an anal- ed its vitriolic and poorly imaginative traits, raised in a poor family, when slavery was still ysis of the most relevant authors of the 19th since the characters were based on real-life in force in Brazil. He experience racial preju- century and the beginning of the 20th centu- stories. Over the years, it is evident that Lima dice since he was young, for he was a mulatto ry. It also entices pages of comparisons be- Barreto produced a work of art that endures during the glory days of Lombrosian thesis of tween the works of Lima Barreto and Macha- throughout the years and that the targets of the racial degeneration. He lost his mother at his do de Assis. The author adopted this strategy time essentially did not matter. Criticism of infancy and, at a very young age, he was a throughout the whole book: the chapters’ ti- the shallow praise of academic titles (“bacha- source of income for his family. He worked tles are, in reality, an opportunity to discuss relismo”), of the scourges of our politics, and as a journalist and as a civil servant, but his a vast array of themes. Chapters such as of violence against the black population re- immense talent definitely flourished in his lit- “Living in the Alienated Colonies at Ilha do main up-to-date – dreadfully up-to-date. The erature. Governador”, “Central do Brasil: a symbol- distinct shades of the literary work produced This short biographic narrative depicts ic line that separates and unites the suburbs by Lima Barreto are present in Sad Visionary, with precision two great names of our nation- and the center” and “Politics from and among which aims to interpret the interpreter of our al literature: “cariocas” Machado de Assis doctors” are anthropological perspectives of first republican experience. and Lima Barreto. If their social origins and Brazil during the First Republic. In some sit- I believe that the main reservation about public jobs were similar, their destinies could uations, Lima Barreto is the protagonist. In Sad Visionary is that it is a book written by not have been more distinct. While the Cosme many other cases, he emerges as one of the an anthropologist, and not by a literary critic. Velho wizard became one of the great names supporting actors of his time. This is what For that reason, Lima’s style and his narration of , Lima Barreto endured happens when Schwarcz describes the medi- strategies are scarcely debated. The author ostracism, having experienced two mental in- calization of madness at the beginning of the prioritizes the narration of Lima’s book plots, stitution hospitalizations and a persistent al- Republic, when Lima was a 12-year-old boy with large excerpts from Lima Barreto in each cohol addiction. He was not able to achieve and his father was yet to be diagnosed with one of her descriptions. This ultimately fits his full potential in Literature and, during his mental illness. Even then, the writer discusses for the reader who is not familiarized with 209

Lima’s texts, but it might repel those who al- relation between the two countries, their cooper- ready read his literary work and search for an CULTURE AND ART ation has deepened in several areas. Considering in-depth analysis. Schwarcz also repeats quo- the origins of the ties between the two nations, tations, biographic information and anecdotes one Brazilian statesman stands out: Manuel de throughout her book. This strategy works Athos Bulcão and the Oliveira Lima. The diplomat, born in Recife, in perfectly in a referential work, in which chap- 1867, served as head of the Brazilian Delegation world all around: to Japan between 1901 and 1903 and, during ters are read according to a specific demand. this period, carried out a field research on the Nonetheless, in case readers decide to read From reality to natural landscape, as well as on the Japanese so- the full biography, it is most likely that, at ciocultural and political environment. Initially, times, they are taken by a déja-vu sensation. phantasy the research resulted in reports to the Brazilian Still, Schwarcz’ contribution is evident: giv- Ministry of Foreign Affairs; afterwards, howev- en the amount of information researched and Portuguese version page 126 er, it was published in Rio de Janeiro, in 1903, as provided to the reader, and given the chapters — the first book specifically on Japan published in that unfold in a variety of themes, there are Photo essay by Vismar Ravagnani Brazil, with the title No Japão - Impressões da multiple possibilities of interpretation, allow- terra e da gente (In Japan – Impressions of its ing the text to support a plurality of studies Athos’ work is not something to be isolat- land and people). ed in museums. It’s organic art, which draws concerning the work of Lima Barreto and the its raison d’être from the outer world and inte- First Republic. A pioneer of public diplomacy grates itself to it in an inseparable way. Athos’ At the end of Sad Visionary, I was most- It was the significant sociocultural differ- art is also architecture. Many times, it’s struc- ence between the Oriental and the South Amer- ly taken by a feeling of compassion towards tural, sculptural, it’s an outward-oriented shape. ican country that made Oliveira Lima perceive Lima Barreto’s life. He was most certainly an It’s also an accessible type of art, that occupies the usefulness of culture as a diplomatic in- irascible figure when alive, with his regular public spaces and shapes them in a permanent strument for bringing the two closer. Accord- drunkenness and his justifiable and unjusti- manner. For this reason, the federal capital un- ing to his reports, it would be indispensable to fiable hatreds. He also was an inexhaustible der construction was the perfect stage for his ar- establish an exchange of knowledge between source of contradictions. While he wrote Clara tistic development and for the consolidation of the two peoples, for this was an essential pre- do Anjos, a beautiful novel that denounced his work. Brasilia was not only a cityscape to be requisite to the deepening of relations between the oppression against black suburban wom- decorated; it was much more like a blank screen. the two nations. en in Rio de Janeiro, he struggled against the In this way, the architectural works and Athos Therefore, he dedicated himself to promot- rising feminist movement, addressing person- Bulcão’s panels were made simultaneously, as ing the understanding of Japan by the Brazilian al attacks to its leaderships. He also mocked inseparable parts of a whole. The result is to- people through, for instance, publishing his Brazil’s Literary Academy, but this did not day’s well-known heritage. voyage reports and his impressions regarding prevent him from running for a seat in the This essay’s photographs were shot with a the country of the Orient, performing the role of a constructor of cultural and personal bridg- institution in three different times. Still, even digital camera using different techniques, in- es between the two countries. He also did not with his sickness, even being a target of prej- cluding double exposure, flash and image mir- forget to foster the understanding of the Jap- roring, without relevant post-production. udice, he managed to write a vibrant and nec- anese people regarding Brazil: in Tokyo, in The aim was to produce an authorial re- essary work to understand Brazil. March 10 1902, in a conference at the Getsu sult that would reflect the integration of Athos’ The ostracism that Lima Barreto suffered Yo Kai (“Monday club”, a group of ladies from and the difficulties he encountered when try- work to the world around it, including art and the Japanese high society), Oliveira Lima gave ing to publish his works brought me back to architecture objects, as well as elements from a speech on his country of origin, encompass- Saramago’s speech, when he received the the natural landscape. ing various themes, such as the history of Bra- Nobel Prize for Literature. In his speech, he zil’s formation process, the country’s domestic praised Luis de Camões, who had to beg for economy and political context, its culture, its his masterpiece to be published. Saramago children, the negative influences from the colo- considered it a valuable lesson “the proud A Brazilian statesman nial oppression, among others. humility of an author who goes knocking at As he promoted Brazilian culture, Oliveira Lima also observed the elements that pertained every door looking for someone willing to in the land of the rising to the country where he was in at the moment, publish the book he has written, thereby suf- sun: a pioneer of public and from this we can assess his respect for the fering the scorn of the ignoramuses of blood country to which he was posted. The statesman’s and race, the disdainful indifference of a king diplomacy sensibility is remarkable when he stresses that, and of his powerful entourage, the mockery in order to promote the understanding of one’s with which the world has always received Portuguese version page 130 own culture, we must, before all, deeply un- the visits of poets, visionaries and fools. At — derstand the culture of the other. Oliveira Lima least once in life, every author has been, or By Daiki Inaba always kept his humble and respectful conduct will have to be, Luís de Camões, even if they towards the country that hosted him, a fact that haven’t written the poem Sôbolos Rios”. Like In 2015, we celebrated 120 years of diplo- corroborates his pioneering role in the practice Camões, Lima Barreto also had to beg to be matic relations between Brazil and Japan, and, of public diplomacy. This conduct led to another listened. Reading Sad Visionary is a tribute to in 2018, we celebrate 110 years of Japanese invitation to lecture at the Getsu Yo Kai, which this cry for help. . During the history of the occurred in 15 December of the same year.

Penetration into Japanese culture ENGLISH VERSION

“Ignoring the Japanese language, my read- the upper left corner, behind the green curtain ings were almost forcibly confined to the Eu- that demarcates the background. Both the skull ropean and American writers by which, by the Hans Holbein’s “The and the curtain introduce the notion that there way, Japan has been exhaustively circled and is a dimension that the observer cannot imme- researched in everything that does not consti- Ambassadors” and diately see, but, when looked at closely (or, tute the psychological domain, which remains in the case of the skull, from another vantage a mystery. I surely did not have the pretension world disorder point), it becomes perceptible. “The Ambassa- of solving it in twenty and one months of stay- dors” constitutes, thus, a work that intends to ing here, since I lacked the main instrument Portuguese version page 134 send a message, not indirectly, but implicitly in of moral penetration for that”, wrote Oliveira — certain details. Lima in the preface of the book No Japão - Im- By Guilherme Fernando Rennó Kisteu- The partially hidden references to death and pressões da terra e da gente. macher to religion can be interpreted with relation to Nevertheless, contrary to his words, it the context of wars and disunity through which seems that the Brazilian diplomat was able to The painting universally known as “The Europe traversed in the 15th century, with the enter into the deepest levels of the Japanese so- Ambassadors”, by Hans Holbein the Younger Reformation and the sprawling revolt against ciety of then. This fact can be assessed when (1497-1543), is continuously reinterpreted by the legitimacy of the power of the Roman Cath- we consider his comprehension of the meaning many authors, with the purpose of deciphering olic Apostolic Church. A first foundation for of the moon, one of the elements that charac- its symbology and its alleged “secrets”. Housed this idea stems from the fact that, in the country terize Japanese culture. According to Oliveira at London’s National Gallery since 1890, the where he was posted, Dinteville had to report Lima, “The moon, a symbol of poetry and of painting was completed in 1553, ordered by back to Paris the developments in Henry VIII’s a sort of sublime, in front of which actors and Jean de Dinteville, ambassador of France to the court, right at the time when the English king, warriors enrapture themselves, men of thought court of Henry VIII of England. The painting desiring to annul his marriage to Catherine of and men of action, celestial body to which portrays Dinteville and the bishop and ambas- Aragon and marry Anne Boleyn, was looking beliefs point as exclamations of joy and that sador Georges de Selve on the visit of the latter for ways to break with the principle of papal women contemplate with a languish expres- to London. primacy. Holbein’s own life was affected by the sion of their intelligent dark eyes, only shakes By portraying two diplomats, it is consid- Reformation’s impact, which made him leave its veils to illuminate scenes of tenderness, of ered that the instruments displayed in the imag- Switzerland in 1526 and move to England, peace in Nature, and of caricature among men. inary setting of Dinteville’s house represent where, with a recommendation letter from none It does not know more than to fill itself with not only the main elements of that career, but other than Erasmus of Rotterdam, he would affection or to mock. It discreetly covers itself also the abilities that would be required from work for Thomas More and be designated the when passions light up and Nature is polluted diplomats when posted abroad with the task of official painter of the court of Henry VIII. by ferocity and by slaughter.” representing their country. According to Ambas- This line of interpretation becomes stronger The moon encompasses the special mean- sador Alberto da Costa e Silva, in O Itamaraty ing rooted in the life of the Japanese people. In when we notice the small details that Holbein Japanese literature and poetry, through scenes of na cultura brasileira: “Here is the canonical im- inserted in the very instruments displayed on the moon (in Japanese culture, there are around age of the diplomat. (…) It was expected that he the table. For instance, the hymnbook, per- nine expressions for the moon, and we also have would know how to look at the stars, read the fectly detailed, reproduces a version known to a series of names for it according to the four maps, know the laws, debate the philosophers, be translated by Martin Luther; the lute has a seasons), the characters reflect the feeling, the decipher the poets, dominate Latin and the lan- broken string, which has been interpreted as emotion, the thought, the passion, among others. guages of the courts and of the streets, draw with the visual representation of “discord”; in the Being Japanese, I can assure that the meaning precision, play at least one musical instrument, arithmetic book, it is possible to read a text that and the representativeness of the moon can only use the sword, carry on a conversation with begins with the word “divide”; in the terrestrial be understood inside Japanese culture. There- inventiveness and grace, distinguish between globe, the European continent is in the center, fore, the brilliant diplomat from , wines and spices, dance with elegance, talk with indicating the conception of the epoch regarding despite living only twenty and one months in eloquence and know when it was convenient to the center of world power; in the celestial globe, Japan, was successful in entering into the cus- whisper or to speak loudly. Of him was expect- Holbein indicates the 42º N latitude, which cor- toms and beliefs of the country of the rising sun, ed the ability to talk at length about any subject responded, according to writings of that time, to describing it in the same manner as the Japanese and to show, in the lands that not his own, that the estimated latitude of Rome; finally, the floor people think about their country. his country, powerful or not, was, before all else, depicted in the painting follows the same pattern cultured. He represented, being”. that is found in Westminster Abbey. Useful lessons for contemporary diplomacy Nevertheless, Holbein’s painting allows Some authors argue that, given Holbein’s Before Joseph Nye presented the concept us to draw yet another interpretation, one with obsession with representing every tiny detail of of “soft power” to diplomacy, there was, as we implications to the relationship between diplo- objects, certain mistakes observed in the scien- have seen, a Brazilian diplomat who had adopt- macy, culture and art. This is because the pre- tific instruments would be caused by the impre- ed it. Nowadays, behind increasing means of vailing logic in “The Ambassadors” is the logic cision of his advisor, Nicholas Katzer. However, communication such as social networks, the sig- of concealment, of that which is hidden in an precisely due to Holbein’s fame as an “artist of nificance of the usefulness of public diplomacy apparently ordinary scene. The main signs that the detail”, those misrepresentations seem inten- is increasing. Oliveira Lima was a man of his this logic is predominant in that artwork are to tional, conveying a particular message. The im- time, but his lessons to the practice of public di- be found in two elements: the enormous human plicit message, therefore, would be that, during plomacy live on at the same time that they shed skull in anamorphic perspective, in the center the violent religious warfare that was ravaging new lights for contemporary diplomats. of the painting, and the small crucifix hidden in Europe, the instruments of diplomacy seemed to 211 be broken, incapable of contributing to the mu- of the elegiac genre: flirtations, declarations Ovid asserts that it would be absurd for a god tual understanding between peoples. of love, encounters, discussions, jealousy out- or goddess to rule over the domains of anoth- Therefore, the analysis of “The Ambassa- bursts, complaints about the whims of the be- er. The sixth couplet, for example, asks: “Who dors” allows us to draw at least one valuable loved, betrayals. Unlike other elegiac poets, would equip Phoebus, famous for his hair, with lesson on the relation between international Ovid is not terribly concerned with the power a sharp spear, while Mars plays the Aonian legitimacy and world order. In times of signifi- of emotions themselves. His main interest is lyre?” Thus Ovid reminds the reader that each cant divergence over the concept of legitimacy to explore both the apparent and hidden qual- deity had a kingdom with definite borders – that would structure the international system ities of words and ideas. only Cupid is not satisfied with his original do- of a given epoch, the traditional instruments of Most of the poems in the Amores are de- mains. Cupid’s kingdom is a booming empire, diplomacy can appear ineffective in reestablish- scriptions of various episodes of a love affair. not unlike Rome. Its once established boundar- ing the balance of world order. In the absence But the first two poems are something quite ies had already been overcome. The poet says of a consensus, however partial and provisory, different. Working as a kind of program for that even the valleys of Helicon (a mountain between the main political forces regarding the what will come next, these two poems intro- associated with poetry and the Muses) now criteria that should guide the principles, the rules duce the work’s great theme, erotic love, and belong to the god of love. Mount Helicon is of conduct and the framework of world order, the what it could mean for a Roman. To this end, a mountain in Greece, about 60 km west of scenario in which the diplomat will have to work Ovid sets up a game of contrasts and similar- Thebes. During Ovid’s lifetime, the Heliconi- in will progressively be marked by conflicts and ities between erotic love and the fundamental an valleys very much belonged to Rome, who violent disputes for power. In this sense, as notes tenets of Roman identity in his time: virility, subdued the Greeks in the previous century. Charles Hill in Grand Strategies, if Dinteville morals, militarism and empire. And the Romans had invaded the Helicon in and de Selve had come to the English court after In the first verses of the Amores, the poet more than one sense, for in the first century the Peace of Westphalia (1648), things would be states that he had been composing a poem on BC, Rome already had poets like Virgil and rather different. Under Westphalian rules, a dip- “weapons and violent wars.” He also says that Ovid himself – poets capable of rivaling their lomatic solution would be more reachable that in he was making verses with six poetic feet, Greek-language models. that context, in which religious conceptions still which were suitable to such solemn a theme. In the following poem, Cupid celebrates a had their place at the negotiation table. Yet, when Cupid steals one foot from every military triumph. The triumph was the ultimate “The Ambassadors” illustrates, therefore, other verse, his poems take the form of elegi- ritual in which Rome showed off its conquests. that issues related to the international system are ac couplets (in which the first verse is six and It was a political and ceremonial practice in never too far away from the underlying concerns the second is five feet-long). This changes the which the bodies of captives were displayed as of the artist’s perspective. Even a simple portrait poem from warlike epic to light erotic elegy. but another resource looted from a newly con- of a protocol formality could reveal the main The first word of the work, arma, is also the quered territory. Ovid offers a detailed descrip- signs of the prevailing world order (or disorder) first word of Virgil’sAeneid , creating the (soon tion of a Roman triumph in the Tristia (poem of the time, with deep implications to the themes overturned) expectation of an epic. The inter- 4,2). In Rome, to be displayed in a triumph was that affect the most the everyday of diplomacy. vention of Cupid is reminiscent of the sixth the supreme humiliation. Still, we find in the of Virgil’s Eclogues, an epic turned by Apollo Amores a persona that accepts to become cap- into pastoral poetry. Cupid intends to take the tive, exposed in the triumph of the god of love. poet away from violent struggles, bringing him While Cupid’s kingdom is shown as an expan- instead into amorous pleasures. Throughout sionist empire, the poet’s persona is a Roman THE BEGINNING OF the poems, however, love shows itself to have who, having fallen in love, bears more resem- a competitive, violent and destructive nature, blance to a conquered foreigner. In a way, the THE AMORES like war. The militia amoris, a traditional topos second poem’s theme is the servitium amoris, Empire and militarism of erotic elegy, begins to unfold here as some- the elegiac ideal of complete servitude of the thing as inescapable as it is contradictory. lover to the beloved. The servitium, a central in Ovid’s love poems theme in previous Roman elegiac poetry, is The Expansion of Two Empires much less present in the Amores. And even Hudson Caldeira Brant The first poem of the Amores shows a man in the second poem, where it is most evident, falling in love; beneath the surface, it also de- there is a radical innovation: the poet does not Sandy picts a Roman who questions the very nature of accept the servitium to the beloved girl (as in the Empire. In Augustus’s Rome, military duty earlier elegiacs, who presented the lover as a Portuguese version page 138 and a man’s control over himself were funda- slave to the beloved); he accepts to serve love — mental moral values. The poet recognizes these itself. The difference may seem subtle, but it is With thanks to Professor Sandra Bian- values, but fails both, abandoning military ser- an early sign that the amator (lover) in Ovid is chet vice (by neglecting the subject of weapons and different from his predecessors, the amatores wars) and losing control of himself (by submit- of Catullus and Propertius, for to serve love, The Amores (“the Loves”) are a series of ting to love’s desire). At the height of Rome’s he would not need to remain faithful to a single 49 erotic poems with which Publius Ovidius power, the poet is a Roman citizen who de- beloved (and he certainly does not throughout Naso began his career as a poet. The poems scribes himself as disarmed and incapable of the series of poems). Thus, the recurrent pa- are an amusing read, and allow us to glimpse defending himself. thos of Roman erotic poetry is introduced only at a provocative portrait of Rome in the first The comparison between the empires of to be subverted. The intense love experienced century BC. In the Amores, Ovid speaks in the Cupid and Rome repeatedly suggests that the by earlier elegiacs becomes something much first person to express the traditional themes conquests of one resemble those of the other. more fickle in Ovid’s work. ENGLISH VERSION

The reference to Venus and Mars in the sec- Sapphic verses’, where the fourth, eighth and creep in and make wounds with a hidden ond poem is remarkable. Venus, goddess of love tenth syllables are stressed. The Portuguese artifice? and mother of Cupid, was the wife of the god translation has the exact same number of vers- So be it: faint arrows cling to the heart, and Vulcan, who is not even named in the poem. es as the original poems, keeping, as much as violent Love shakes the conquered chest. Do The god who does stand out, next to Venus, is that is possible, the essential content of each we surrender, or do we inflame this sudden fire Mars, patron of war, with whom Venus had an couplet intact. This allows for a side-by-side by fighting it? Let us surrender: the load- be adulterous relationship. In the ninth poem of the reading of the Latin original and its Portuguese comes light if well carried. I have seen flames Amores, Ovid alludes to the Homeric narrative translation. Rhyming verses were not used in that were thrown out grow with the movement, of Vulcan finding Venus and Mars “in flames” the translation, as rhymes were unknown (or and I have seen them die with no one to shake (in flagranti). Why is it Mars, and not Vulcan, deliberately avoided) in classical Latin poetry. them. Whips are more punishing to the oxen the one who offers the triumphal car to Cupid? The English translation presented here is that immediately repel the yoke, than they Was the god of war the true father of Desire? strictly faithful to the contents of the original are to those who enjoy pulling the plow. The In evoking the adulterous relationship between poems, even if that makes for somewhat pe- wayward horse bruises its mouth on the rough love and war, the poet reaffirms the central par- dantic prose. In their own way, each translation jagged bit; one who adapts itself to the equip- adox of the Amores. The image of the chariot manages – I hope – to capture something of ment feels the reins less. Love oppresses the of war being drawn by the doves of love seems Ovid’s poems. unwilling more intensely and far more fiercely to foreshadow later poems, in which lovers be- than those who admit that they endure slavery. come hostile to one another. Amores, Book 1, Poem 1 Look, I confess! I am your new prey, Cu- The last couplet of the second poem openly I was preparing to sing about weapons and pid! We offer defeated hands to your judgment. compares Cupid to Julius Caesar, even calling violent wars, in solemn rhythm, with a subject No work for war! We pray for mercy and peace. them relatives (Caesar’s family, gens Julia, appropriate to the measure. The lower line was And I will not bring you glory, having been de- claimed to descend from Venus). This kin- identical – Cupid would have laughed, they feated by unarmed arms. Bind your hair with ship, with Venus as a common ancestor, has say, and stole a foot from it. Who gave you this myrtle, yoke your mother’s doves. Your step- yet another implication. The goddess was also power over poems, cruel boy? We are prophets father himself will give you the triumphal car, mother to the hero Aeneas, mythical founder of the Muses, not yours. as he should. And you will be in the given car, of Rome. Thus, it is not only the Empire that What if Venus were to take up the arms of with the people shouting triumph, and you will is like Cupid’s domains. The Roman people blond Minerva – would blond Minerva fan the move the gathered birds with skill. Captured themselves, personified in Caesar, are like torches ablaze? Who would approve of Ceres lads and captured girls will be taken: this pro- Cupid, for both Romans and the god of desire reigning in the mountainous forests while the cession will be a magnificent triumph for you. originated from the adulterous relationship be- fields are tilled under the law of the virgin with I myself, a recent prisoner, will have a recent tween love and war. In the Amores’ first two a quiver? Who would equip Phoebus, famous wound and will bear my new chains with a cap- poems, Ovid makes the point that the domains for his hair, with a sharp spear, while Mars tive mind. of Desire mirror everything that Rome stood plays the Aonian lyre? Common Sense will be led with hands tied for. The poet’s persona, who at first resisted You have great kingdoms, boy, and exces- behind her back and also Modesty, and anyone Cupid’s will, now swears allegiance to the sive powers. Why do you want, ambitious one, who opposes Love’s barracks. All will fear mighty conqueror. By becoming a captive, a new duty? Or is it already yours, like every- you, extending their arms to you. The people the poet can no longer identify with the model thing else? Are the Heliconian valeys yours? will sing aloud “Yo! Triumph!” Caresses and Roman citizen, virile and militaristic. Yet, he Even the lyre of Phoebus is no longer entirely Mistake and Madness will be your compan- becomes a citizen of another Empire. In the his. While the first verse rises well on a new ions, having assiduously followed the crowd to name of Cupid’s Rome he will conquer and page, the next one softens my vigour. And I do your dominions. With soldiers like these you plunder, for, as it is said in the ninth poem of not have a suitable subject for the lighter vers- overcome both men and gods; should these the Amores, “every lover is a soldier.” es, be it a boy or girl with braided hair. advantages be taken from you, you would be I had complained; he immediately dropped naked. The First Two Poems his quiver, picked up arrows made for my ruin, From the summit of Olympus, the happy Presented below are the first two poems strongly bent his curving bow on his knee and mother of the triumphant will applaud him and of the Amores. In Portuguese, I opted to make said “accept, prophet, a work that you can sing!” sprinkle the roses offered to her upon his face. a poetic translation. In English, I prepared a Woe is me! That boy had sure arrows. I With a jewel in your feathers and another in translation in prose. burn, and Love reigns in my empty chest. Let your hair you will go – a golden one on golden Even though Latin and Portuguese are re- my work rise in six feet and fall again into five. wheels. lated languages, translating poetry from one to Farewell, iron wars with your rhythms! Adorn Then too you will burn not few, if we know the other is a considerable challenge. The Latin your golden brow with seaside myrtle, Muse: you well. Then too in passing you will give verse relies on syllable duration, while the Por- you shall be measured in eleven feet. many wounds. The arrows cannot cease, even tuguese verse relies on syllable stress. In the if you want it. The torrid flame hurts with the Portuguese translations below, twelve-syllable Amores, Book 1, Poem 2 heat that surrounds it. Such was Bacchus, when verses replaced the solemn Latin hexameters. What would I say this to be, that the mat- the land of the Ganges was conquered: you are Ten syllable verses replaced the Latin pentam- tress seems so hard to me, and our blankets carried by birds as he was by tigers. eters. In all the twelve-syllable verses, the sixth do not rest on the bed, and I went through the Therefore, since I can be part of the sacred and twelfth syllables are stressed. Most ten-syl- night (how long it was!) void of sleep, and the triumph, avoid losing your strength in me, o lable verses are ‘Portuguese heroic verses’, tired bones of the turning body ache? victor! Observe the happy weapons of your where the sixth and tenth syllables are stressed, In fact, I would know, I think, if I was kinsman Caesar: he protects vanquished ones but many ten-syllable verses are ‘Portuguese tempted by Love... Or does the sly one with the very hand that vanquished them. 213

Itaipu is also a success in terms of environ- ro). Rumor has it that Ambassador Rosa accept- DIVERSE mental sustainability. Since 2003, contributing ed the job because colleagues assured him that effectively towards sustainable development has Baron of Rio Branco had already established all been one of Itaipu’s institutional mission. With the Brazilian borders. Thus, he would be able In Itaipu, the whole the institution of the Good Water Cultivation to be deeply dedicated to his literary universe. Program, Itaipu promotes the development of He could not have been more mistaken about his trait of diplomacy a network for protecting natural resources from work routine. the Paraná 3 basin, located in Western Paraná, In 1962, the issue of the Western borders Portuguese version page 144 in the confluence of the Paraná and Iguaçu Riv- was officially reopen, when Paraguay sent Bra- — ers. The Good Water Cultivation Program is a zil a protest note, stating that the waterfalls from By Maria Eduarda Paiva permanent movement of community participa- the Paraná River had not yet been demarcated. tion in which Itaipu, aside from mitigating and In July 1965, Paraguay protested against the In 2016, the city of Foz do Iguaçu was correcting environmental liabilities, works with presence of a small Brazilian military deploy- the third most visited touristic destination in society to promote a sustainability ethos. Cur- ment in the village of Porto Coronel Renato, Brazil. There are plenty of reasons that justify rently, there are 20 programs and 65 actions in considered a disputed area by Paraguay. At that the attraction of a legion of tourists to the city course, ranging from the recovery of micro-ba- time, it was Ambassador Guimarães Rosa’s job located in the East of . Foz do sins, the protection of gallery woods and biodi- to clarify the issue to the Brazilian government. Iguaçu is the entrance door to Iguaçu National versity to the dissemination of knowledge that In an article published by the newspaper Park, which not only harbors the main reminis- contributes to the formation of citizens. Folha de S. Paulo, Ambassador Luiz Felipe de cent area of Mata Atlântica in the South of the A distracted tourist might consider that Macedo Soares narrated that, in January 1966, country, but also encompasses 275 waterfalls Itaipu stands out only as a magnificent piece Itamaraty promoted a series of meetings, with of the Iguaçu river. Elected as one of the Sev- of engineering. However, its establishment was various institutions from the public sector, to en new Natural Wonders, the famous Iguaçu largely dependent on Brazilian diplomacy. In discuss the border crisis – which almost esca- Waterfalls demand from their visitors at least his book “Getting our way”, British Ambassa- lated to an army conflict. Guimarães Rosa was a two-day trip: one for the Brazilian side, the dor Christopher Meyer narrates nine historic responsible for presenting the border issue be- other for the Argentinian side. achievements led by British diplomats. The tween Brazil and Paraguay at the Indian Room Foz do Iguaçu is also an opportunity for stories have in common contexts of great ad- of Itamaraty’s old headquarters. “The descrip- most part of the tourists to experience the rou- versities overcome by the action of individuals tion took three hours and it showed his me- tine of a triple frontier. It is possible to add, in that were attuned to national interest and to the ter-per-meter knowledge about the border and a one-day schedule, a visit to Ciudad del Este need to compromise. If someone ever decides to his familiarity with negotiators and demarcation and its well-known shopping centers and a din- produce a similar study of Brazilian diplomacy, technicians since the times of the Madrid Trea- ner at Puerto Iguazu, with the chance to taste the creation of Itaipu will certainly be one of the ty”, accounts Ambassador Macedo Soares. a typical Argentinian asado. Furthermore, in stories to be told. Among the important actors of Ambassador Guimarães Rosa was also re- times of discussions about walls and borders, this plot one can surely highlight Ambassadors sponsible for writing notes in response to the Foz do Iguaçu shows the tourist a vibrant di- Guimarães Rosa, Mário Gibson Barboza and Paraguayan government, in which he thorough- versity. Besides the presence of Paraguayan Ramiro Saraiva Guerreiro. ly discussed matters of cartography, geography and Argentinian citizens, the city encompasses and international law. His most remarkable the second main Arab community of the coun- Guimarães Rosa and Itamaraty’s Borders work about the issue – in which his conciliatory try, mainly formed by Syrians, Lebanese and Office and humanist spirit remains evident – is a note Egyptians. Itaipu was born from a border disagreement. from 25th March 1966 that discusses the possi- A trip to Foz do Iguaçu would not be over The 1872 Treaty of Limits, as well as its 1927 bility of common use of Sete Quedas Waterfall’s without a visit to the Itaipu dam, located at just complementary instrument, engendered dis- energy potential: 17 kilometers from the Triple Frontier. As the tinct interpretations about how Brazil and Par- “Brazil is, as it has always been, willing to main hydroelectric power plant in terms of aguay would define borders along Paraná River. engage in negotiations about such an important generating clean and renewable energy, Itaipu During the 1960s, Paraguai began to reclaim the issue, and to promote, together with Paraguay, Binacional collects a series of achievements. possession of the Sete Quedas Waterfall, whose the necessary plans towards the practical use In 2016, Itaipu was the world’s first hydroelec- hydroelectric potential was already evident. In of the Paraná River, not only of the enormous tric power plant to surpass the annual gener- attempt to address the issue by pacific means, energy potential stemming from the Sete Que- ation of 100 million Megawatts-hour (MWh). Itamaraty created the Brazil-Paraguay Bination- das Waterfall, but also of all the possibilities it Reaching a total of 103.098.366 MWh, the al Committee of Limits and Border Character- offers to agriculture and to navigation; in such a power plant broke the record of 98,8 MWh es- ization. way that this great river, instead of offering both tablished in 2014 by China’s Three Gorges and Since 1956, the Borders Office of the Min- countries reasons to litigation and disagreement, reclaimed its first place in terms of annual gen- istry of Foreign Affairs was the workplace of would be a point of union between them, as for- eration of clean and renewable energy. Since a member of Brazil’s Literary Academy: the mer Brazilian governments always intended to, the beginning of its operation, in May 1984, Ambassador-writer João Guimarães Rosa. He and as the current government firmly wishes.” Itaipu has already generated 2,4 billion MWh, was responsible for coordinating border demar- In July 1966, Foreign Ministers Juracy which would provide enough energy to all the cations with neighboring countries, besides su- Magalhães and Raúl Sapena Pastor consolidat- countries in the world for 40 days, 2 hours and pervising the work of two Border Demarcation ed the understanding of Ambassador Guimarães 45 minutes. Committees (located in Belém and Rio de Janei- Rosa’s note with the signature of the Cataratas ENGLISH VERSION

Agreement, where the possibility of common enormous benefits to both countries and that government played on two fronts during the use of the Paraná River potential was laid down. will forever unite us?”, he inquired. Sapena Pas- 1972 General Assembly: direct understanding The implementation of this project, however, tor approved the idea, which involved the flood- between Foreign Minister Gibson Barboza and is a theme for a new chapter of our diplomatic ing of the disputed territory in order to build a the Argentinian Foreign Minister, Brigadier history. binational hydroelectric power plant. It was the MacLaughlin, and negotiations between the beginning of the Joint Binational Committee on Brazilian and Argentinian delegations. “During “The submerged litigation”: the participa- the viability of the project, a prelude to Itaipu’s four days and four nights, the two delegations tion of Ambassador Gibson Barbosa in the creation. discussed the issue without interruption, under solution of the conflict With the partial channeling of the litigation, the command of both Foreign Ministers. It was Ambassador Guimarães Rosa’s note laid Ambassador Gibson Barboza returned to the tremendously tiresome, a tiredness aggravated the foundations of the possible common use Ministry of Foreign Affairs and, afterwards, he by the tension in which we found each oth- of water resources of the Sete Quedas Water- was designated as Head of Mission at Brazil’s er. The discussions began early and continued fall. However, Brazil would have to advocate Embassy in Washington. He ended up staying through the night. Alternatives were offered, for such a proposal. This was mainly possible less than a year in this position, since he accept- projects were proposed and not accepted. And due to the actions of Ambassador Mario Gib- ed an offer to become Minister of Foreign Af- the discussion was resumed. It was a frustrat- son Barboza, who favored cooperation during fairs from General Médici, whom the military ing exercise, since the core issue, the necessity his leadership of Brazil’s Embassy in Asunción junta had chosen to become the next Brazilian of previous consultation, remained unsolved. It and during his term as Foreign Minister. In his president. was a ferocious diplomatic struggle, in which memoir “In Diplomacy, the whole trait of life”, After taking office as Minister of Foreign we, Brazilian diplomats, seemed defeated, con- the issue occupies a central position, in a chapter Affairs, Ambassador Gibson Barbosa tried to sidering the predictable calculus of the voting titled “Paraguay: a submerged litigation”. negotiate a final agreement that would foster en- at the General Assembly”, narrated the former Ambassador Gibson narrates that, when he ergy integration between Brazil and Paraguay. Foreign Minister. arrived in Asunción, in 1966, Brazil “was on the The Paraguayan government maintained the During the fourth night of negotiations, just verge of a war against Paraguay”. After all, “the position that there was a border conflict to be before the end of the deadline for the submis- main issue of sovereignty, this magic word for solved, and in Brazil several voices were against sion of draft resolutions to the General Assem- which people die and kill, laid under this quarrel the creation of a binational hydroelectric power bly, Ambassador Gibson Barboza requested a of such modest physical dimension”. Ambassa- plant. Still, the governments started to negotiate private talk with the Argentinian Foreign Min- dor Gibson had been invited to lead the Brazil- the draft of the future Treaty of Itaipu. “People ister. During the meeting, the Brazilian Foreign ian Embassy in order to solve the litigation in a might say that the Treaty was easy for us to ne- Minister tried to clarify all the doubts related to way that would not disrupt the border already gotiate. Quite to the contrary, it was an extreme- Itaipu and to dispel fears, which ranged from an recognized by the Brazilian government. How- ly difficult negotiation, in which both parties eventual rupture of the dam that would poten- ever, since the beginning of his mission, he un- vigorously defended their respective national tially hit Buenos Aires to the spreading of schis- derstood that a final solution would include the interests, without losing sight of the final target, tosomiasis through the Argentinian border due common use of the massive hydroelectric po- which was a permanent and solid agreement that tential of the Paraná River. “To me, under these was equally advantageous to both parties”. to the size of the flooded area. As narrated by circumstances, what we had to do was to build a By that time, Argentina started to show him, it was a frank dialog, in which he reached network of interests between Paraguay and Bra- disapproval towards its neighbors’ project. Ar- to the point of having to say that “all the ob- zil in such a proportion that it would generate gentina’s main argument was that the building jections raised by Argentina are unreasonable real benefits to both countries and it would turn of a major hydroelectric enterprise in an inter- and purely negative”. When Ambassador Gib- the border litigation into something of second- national river demanded previous consultation son Barboza concluded that Brazil would not ary importance”, he recalled. to the potentially affected countries. There was give up on the new power plant, he proposed With a future consensus in mind, Ambas- an interest in influencing technical criteria for a deal: to not transfer the debate to a multilat- sador Gibson Barboza tried to discuss the issue the building of the future power plant’s dam, eral forum, to search for a constructive under- with Sapena Pastor, Paraguay’s Foreign Min- in order to enable the building of a Paraguay- standing among regional partners, by means of ister. “I was firmly convinced that our position an-Argentinian hydroelectric power plant locat- bilateral negotiations. Thus, the so-called “New had to be towards conciliation, while, at the ed downstream of Itaipu – to be named Corpus York Agreement” was signed: a draft resolution same time, not granting any fraction of the Bra- Christi. promoted by Argentina, Brazil and Paraguay zilian territory. A stance that was certainly diffi- During Gibson Barboza’s term at the Min- that was approved by consensus. Resolution cult to defend, but, in my point of view, the only istry of Foreign Affairs, the apex of the conflict 2.995/72 ruled out the principle of previous one that could lead to pacifying the spirits and to had the United Nations as its stage. In two con- consultation and assured the principle of pre- establishing a solid ground for understanding”, secutive General Assemblies, the Argentinian vious information, which guaranteed Argentina he described. The Brazilian representative was delegation managed to approve resolutions that information about the technical data of the new adamant about the demarcated borders, stating promoted the so-called principle of previous hydroelectric enterprise. that the government would not concede any consultation with suspensory effects, which With this agreement, the path to signing the fraction of the established territory. Still, he pro- aimed at hindering the building of a hydroelec- Treaty of Itaipu was opened in April 26, 1973. posed a constructive solution to Paraguay’s For- tric power plant without Argentinian consent. However, the definitive solution of the disagree- eign Minister: “Instead of prolonging a sterile It was known that Argentina would present a ments with Argentina would depend on the abil- dispute, why don’t we join forces and build a third draft resolution on the subject. In order ity of another important player in Brazil’s diplo- major joint enterprise in the Paraná River, with to guarantee a bilateral solution, the Brazilian macy, Ambassador Ramiro Saraiva Guerreiro. 215

Ramiro Saraiva Guerreiro: the action of an agreed to sign the agreement in 17 October, “employee of Itamaraty” three weeks later. We were able to maintain In “Memoirs of an employee of Itamaraty”, some reservations until almost the day of the The WTO in Ambassador Ramiro Saraiva Guerreiro’s mem- signing”, reports the former Brazilian Minister. oir, the Argentinian opposition towards the In mid-October 1979, Foreign Ministers troubled waters building of Itaipu receives major attention. This Pastor, Nogués and Saraiva Guerreiro signed in is because, according to the author, “Latina Ciudad del Este –then Ciudad Stroessner- the Portuguese version page 152 America and, in particular, South America are Tripartite Agreement for the compatibility be- — and will always be at the center of concerns of tween the power plants of Itaipu and Corpus. By Pedro Gazzinelli Colares the Brazilian Ministry of Foreign Affairs. It is This international act established the rules for the obvious priority”. the use of water resources in a stretch of the The World Trade Organization (WTO) is When Ambassador Saraiva Guerreiro was Paraná River, from the Sete Quedas Waterfall to built upon three fundamental pillars: it acts as designated Minister of Foreign Affairs, a solu- the mouth of the Prata River. With this act, the a negotiation forum for trade rules; it solves tion to the dispute with our neighbor was one of water level of the rivers was stipulated, as well disputes through the Dispute Settlement Body the priorities of the Brazilian foreign policy. As as the allowed variations to different hydroelec- (DSB); and it monitors and reviews the trade he narrates, the solution to the issue Itaipu-Cor- tric enterprises in the common basin of the three policies of its Members. Each of these are essen- tial for the proper functioning of the multilateral pus was a demand from the Brazilian president countries. trading system. None is immune to mounting himself at the time of the military regime, Gen- Soon after the ceremony, the dignitaries criticism coming from government authorities, eral João Figueiredo, who was willing to travel crossed together the Amizade Bridge and toast- academics, journalists and from civil society. In to Buenos Aires in order to settle the dispute. ed the achievement in Foz do Iguaçu. Finally, fact, statements, reports and news articles harsh- Even after the New York Agreement, Argentina they completed the celebration in Puerto Iguazu, ly criticizing the WTO have become more and insisted on defending the thesis that the begin- by crossing the Iguaçu River on a ferry and hav- ing lunch in an Argentinian hotel with a view more frequent lately. In Brazil, this criticism is ning of construction works of Itaipu depended normally voiced along with the view that the on previous consultations to the riparian coun- of the woods. While the building of Itaipu was still an ongoing process, the complex diplomat- country has focused too much on the multilater- tries located downstream the Paraná River, ic work was finished: good omens of a period al arena and neglected regional or bilateral trade which, for the Brazilian government, was not when regional integration would be the rule. agreements. Supporters of the WTO and of the in accordance with International Law. “We un- Our neighborhood would no longer be a terri- multilateral trading system, on the other hand, derstood, in essence, that the general principle tory of suspicion and would turn into o fertile point to increasingly strong anti-globalization in International Law of liability for damages ground for cooperation and development. tendencies as both motivating the criticism and caused was a sufficient protection”, narrates causing the difficulties faced by the Organiza- Ambassador Saraiva Guerreiro. The negotiation tion. The Result context was becoming more complex, since, While appealing, the idea of dismissing the The construction of Itaipu began in 1974, in 1978, Brazil and Paraguay opted to add two problems faced by the multilateral trading sys- when the first machines arrived at the working more turbines to the original project of the bina- tem as a mere by-product of the recent wave site of the future power plant. It was the sole of populism and narrow-minded nationalism tional power plant. large-scale work to survive from the economic washing over important parts of the world is, to In one of his first actions as Minister of crisis of the late 1970s, being fundamental to say the least, misleading. The truth is the WTO, Foreign Affairs, Ambassador Saraiva Guerreiro ensure Brazil’s energy security. During the most which is the central institution of the multilateral consulted the technical sector of the Ministry critical period of the dam construction process, trading system, has been facing problems for at of Mines and Energy and of Itaipu about the Itaipu employed approximately 40,000 workers. least a decade. necessity of two additional turbines. When he In November 1982, the then Chiefs of State of acknowledged that they were not necessary for When it comes to trade negotiations, the dif- Brazil, João Figueiredo, and of Paraguay, Alfre- ficulties faced by the Doha Round even before it efficient energy generation, he established Bra- do Stroessner, enacted the mechanism that re- zil’s negotiating position: ultimately, it would be began illustrate the seriousness of the challenges leased water from the dam in Paraná River and, before the WTO. This latest cycle of trade nego- possible to give up on the equipment in favor of with this action, officially inaugurated the Itai- tiations, also known as the Doha Development an agreement with Argentina. “It was so import- pu binational hydroelectric power plant, which Agenda, should have been launched during the ant to make a deal that, even if we lost some- remains the world’s biggest generator of clean third WTO Ministerial Conference, which took thing marginally, when abandoning the two tur- energy. place in Seattle, US, in 1999, but large-scale bines, the price would be low”, he recalls. In May 1984, when one of the 20 generating protests against globalization made it impossi- It was, yet again, on the sidelines of the units foreseen in the project started to operated, ble to achieve any positive outcome. Because of UN’s General Assembly that the three countries Itaipu began to generate energy, which would be this, not until two years later, in Doha, Qatar, involved in the issue managed to strike a deal. fundamental to the growth and development of could the round be officially launched. Alberto Nogués, Foreign Minister of Paraguay, Brazil and Paraguay. Certainly, this huge effort Despite positive reactions, at the time, to the offered a dinner to Foreign Minister Saraiva of engineering would not be possible without beginning of a new round of trade talks, Mem- Guerreiro and to Argentinian Foreign Minister the work of various diplomats, who worked bers have so far failed to conclude negotiations, Carlos Washington Pastor. “During the wel- in the front rank as much as in the backstage. which have lasted for 16 years. Even more wor- come drinks we assembled in privacy and each Ambassadors Guimarães Rosa, Gibson Barbo- risome is the fact that the last time a positive of us pulled a piece of paper and checked that za and Ramiro Saraiva Guerreiro represent the outcome to the negotiations was even in sight the three of us had written down the same data intense effort of our national diplomacy towards was during the “July Package” of 2008. At that of the deal. Then, considering our agenda, we the creation of Itaipu. time, developing countries, like Brazil, seemed ENGLISH VERSION willing to accept significant horizontal cuts to at the WTO”. It should not be forgotten, howev- higher level in which states now occupy the po- tariffs on non-agricultural goods in exchange er, that American criticism of what it considers sition previously taken by individuals in a new for expressive reductions in the agricultural do- judicial activism by the AB predates the current “state of nature” or, as described by academics mestic support granted by developed countries, Administration and became more pronounced in the field of International Relations, in an an- like the USA. However, disputes regarding the under President Barack Obama. archical (international) structure. The discursive requirements necessary to invoke special safe- If the difficulties faced by the WTO are not solution to this manifestly incomplete answer guards (a provision that would authorize devel- circumstantial or incidental, it then becomes to the problem of the “state of nature” is the oping countries to raise tariffs above their con- necessary to consider that they might be related “promise of transcendence” according to which solidated rates in order to deal with unforeseen, to broader, structural issues or tendencies of the the international system will also evolve to- sudden and sharp increases in imports) prevent- international system as a whole. Thus, it makes wards the elimination of conflicts. This promise ed an agreement. Since then, the international sense to think about the ways in which the inter- is implicit in works such as in Kant’s “Perpetual financial and economic crisis, increasing levels national system works and about the discourse Peace” and in speeches and texts that support a of protectionism and Members’ conflicting -in underlying its legitimacy, as it might contrib- rule-based international order based on shared terests have, in effect, paralyzed the negotiating ute to a better understanding of the challenges values, multilateralism, diversity, tolerance and track of the WTO, with the exception of spe- threatening the multilateral trading system and dialogue as well as supported by international cific achievements, such as the signing of the the WTO. organizations. Unlike the “prophecy of expan- Trade Facilitation Agreement in Bali (2013), or In “A Genealogy of Sovereignty”, published sion”, however, this “promise of transcendence” the Decision on Export Competition (Nairobi, in 2001, Jens Bartelson presents an interesting has yet to pass. 2015), which prohibited agricultural export sub- view of the historic process culminating in the th sidies. The 11 WTO Ministerial Conference, emergence of the nation-state and the interna- The challenges of universality which took place in December 2017, in Buenos tional system. In the book, the author analyzes The “prophecy of expansion” helped to con- Aires, was unable to overcome this gridlock. the philosophical, historical and political chang- siderably increase the number of actors involved When it comes to dispute settlement, it is es that brought about a new form of political or- in the international trade system. After a few hard to resist the temptation to blame the Trump ganization based on the idea of Sovereignty and decades, the General Agreement on Tariffs and Administration for the grave crisis that befell which simultaneously creates the nation-state Trade (GATT), which counted little more than the Dispute Settlement Body during 2017. The and the international system. Here, the details twenty original contracting parties, has evolved US has blocked the selection process for new of this process are less relevant than its conse- into the WTO, which today has 164 Members. members of the Appellate Body (AB), causing quences in terms of discursive legitimation. Ac- More Members also mean a more heteroge- a reduction in the membership of the main or- cording to Bartelson, the international system neous scenario. Today the WTO is comprised of gan of the WTO dispute settlement system from was developed, over the decades, with the help Members with varied degrees of development seven to four individuals. This reduced number of a discourse that promised two “futures”: the and, thus, must contemplate the interests of a markedly impairs the functioning of the AB, “prophecy of expansion” and the “promise of very diverse set of economies. which hears appeals brought by Members in di- transcendence”. visions composed of three individuals selected The fact that one of these futures came Os desafios causados pela universalidade randomly for each case. The reduced member- about, but not the other, is helpful to the effort of The universality that characterizes the mul- ship causes considerable delays to the time- understanding the challenges ahead of the multi- tilateral trading system is, clearly a reflex of its tables of trials concerning disputes about the lateral trading system and of the WTO. own success. The multilateral trading system is most important rules of the multilateral trading The prophecy of expansion is a conse- an important aspect of the international system system and involving significant commercial in- quence of the idea (or discourse) that the state of states and, like it, has been through a con- terests of the Members. With the nearing end of is the most efficient manner to organize - aso siderable “growth spur” since the end of the II the term of Shree Baboo Chekitan Servansing, ciety known to men, leading to its increasing World War. This accelerated growth, however, from Mauritius, in October 2018, the AB will adoption by communities and societies around brings with it important challenges, for which soon be reduced to only three members. That the world. This prophecy has already been ful- there are no simple answers. means that the same individuals would have to filled. A couple centuries ago, the international The main one is the issue of coordinating col- hear every appeal brought to the AB from that system of states was restricted to Europe and to lective action. It is imperative to agree on what is date onwards. After January 2019, when two a limited number of nation-states. Since then it expected of the WTO and on how to achieve con- other mandates expire, the AB would cease to went through a massive expansion both in terms sensus (the guiding principle of decision-making function. The lack of a reviewing body would of the number of nation-states and in terms of in the WTO) in a negotiating scenario comprised certainly bring notable harm to the consistency geographical coverage. Today it encompasses of 164 Members with very different develop- of the WTO dispute settlement system. all continents and is composed by, at least, 193 ment levels and needs. The paralysis of the ne- Newspapers from all over the world report- states (the number of states that are members of gotiation’s agenda is easier to understand when ed on the protectionist tendencies of the Trump the United Nations). one takes into consideration the enormity of the Government and its dislike of the WTO. In an The “promise of transcendence” is linked task represented by the need to find a common article published in January 26th, 2018, the Fi- with the moral foundation developed to justify denominator among the needs of such diverse so- nancial Times claimed that “Mr. Trump has long the state. The “social contract” metaphor justi- cieties as those that comprise the Organization. signaled his displeasure with the WTO, grum- fies the state as a way of pacifying conflicts with- To complicate things further, an important array bling repeatedly that the US loses too many of in a society; the state represents an alternative to of complex themes must be negotiated: trade in its trade fights at the Geneva-based institution.” an imagined “state of nature” which is defined goods, trade in services, intellectual property, ag- The same article also mentioned that, according as being in permanent conflict. However, the riculture, trade facilitation, rules of origin, e-com- to Wilbur Ross, US Secretary of Commerce, pacification promoted by the state can only be merce, technical, sanitary and phytosanitary bar- “the US was eager to force fundamental change achieved by transposing the problem to a new, riers to trade, among others. 217

The challenges of transcendence able development and prosperity for all, is legit- cal, sanitary and phytosanitary norms and reg- The “promise of transcendence” impos- imate. But the WTO faces an additional problem ulations, bringing about efficiency gains and es even bigger challenges to the multilateral which, in a way, is also related to the “promise meaningfully contributing to the development trading system. States, but also individuals, in- of transcendence”: that of managing expec- of several countries. The collapse of the mul- creasingly demand that the international system tations. For most people, the capabilities and tilateral trading system, in the other hand, and effectively contribute to the improvement of hu- competences of each component of the interna- its replacement by a myriad of bilateral and re- man condition. The multilateral trading system tional system are not always clear or relevant. gional regimes would make international trade and liberalism are not ends in themselves, but In this sense, it is not unusual for expectations an excessively complex endeavor, resulting in means towards the fulfilment of goals such as regarding the WTO, an organization tasked with reduced trade volumes and economic efficiency. the raising of living standards, full employment managing international trade, to be overblown A rule-based multilateral trading system is or sustainable development. It is the very idea and related to larger economical issues. even more important for developing countries, that a free international trading system will cre- A clear example of such unwarranted attri- like Brazil, deprived of the capabilities and re- ate a scenario of exchanges and economic effi- bution was given by the WTO Director General, sources necessary to compete with the main ciency for all that sustains the system. ambassador Roberto Azevedo, during a speech powers. Multilateral rules provide not only legal Unfortunately, the international system still given in Instituto Rio Branco in 2016: global- certainty and predictability, but also protection has not been able to fulfill the “promise of tran- ization, trade liberalization and, thus, the WTO against unilateral measures and . scendence”. Developing countries have been are frequently blamed for the disappearance of In conclusion, the challenge posed by the complaining since the Uruguay Round that thousands of jobs in developed countries. The promise of transcendence is, in effect, a legiti- the multilateral trading system favors devel- theory is that these jobs are allegedly being macy issue. States and societies invested time oped countries more than they do developing transferred to countries like China or Vietnam. and money to develop an international organi- ones. Not surprisingly, this round, which is also However, it completely disregards the impact zation because they believed it would help them known as the Doha Development Agenda, was of economic and technological transformations achieve their goals. Therefore, the relevance of launched with the stated goal of improving the that are unrelated to the WTO, such as automa- any international organization depends on their situation of developing countries. It was sup- tion. Artificial Intelligence, robotics and “Big ability to continuously live up to those expecta- posed to seek to address their calls for a more Data” are responsible for systemic changes in tions. It is clear that the multilateral trading sys- open international trade of agricultural products, the economy and the jobs market; they make it tem has contributed significantly to the consid- for rules and mechanisms that more fully take possible to automate not only factories, but also erable growth of the world economy during the into account the different levels of development labor intensive service sectors such as transpor- past seventy years. Nevertheless, it is necessary among Members, including the special needs of tation and retail sales. They threaten the very to keep moving forward. the least developed countries. existence of professions that employ a huge The path ahead is not an easy one. The prob- The failure to bring about such advances number of people such as drivers or cashiers. lems faced by the WTO are difficult to solve. in the past sixteen years has contributed to the The effects of this process can already be felt So far it has not been possible to find the proper formation of a crisis of legitimacy and trust. in several parts of the world and will only get balance between the interests of developing and The criticism that sprouted since the beginning stronger. As an example, Amazon has recently developed countries. It is ironic that the belief of this crisis regarding the ability of the inter- opened an automated supermarket in Seattle in the promise of transcendence and gains made national system to solve problems cannot be in which customers can interact with only one in that area during the Cold War years have ac- blamed solely on the wave of populist thinking employee, responsible for overseeing the liquor celerated the fulfilment of the prophecy of ex- experienced in the past few years, even though department and checking customers’ ID as man- pansion and, in that sense, helped create the co- this phenomenon probably helps to feed it. As dated by US law. Meanwhile Uber and Google ordination challenges affecting the WTO today. several relevant stakeholders, such as govern- are testing autonomous vehicles in several US Dozens of developing countries have joined the ment representatives, members of civil society cities and promise to offer driverless transpor- WTO hoping that it would help them overcome or business executives, increasingly perceive tation before the end of the decade. There is no the many challenges faced by their societies; the WTO as becoming ineffective, its legitima- doubt that these are challenging transformations expecting that the organization would aid them cy – and that of the multilateral trading system – with transnational implications. It is natural, in escaping the poverty trap and in improving suffer.A statement by Vera Thostensen, director therefore, to hope for some sort of international the living conditions of their population. It is of the Centro de Comércio Global of Fundação coordinated response. It is not realistic, howev- imperative to try and meet those expectations. Getúlio Vargas, made in an interview with Fol- er, to expect that the WTO should be the one Coordinating a negotiating effort involving 164 ha de São Paulo in 2013, during the WTO Min- to come up with a solution. Blaming the orga- Members is not a minor task, but it cannot serve isterial Conference held in Bali, is particularly nization for a phenomenon that was not caused as an excuse for the abandonment of the multi- illustrative: “A failure of the Bali Ministerial by international trade is, in this sense, incorrect. lateral track and for the adoption of unilateral, Conference will show that multilateralism as a protectionist measures. It is in precisely such mechanism for rule-making is over. Not only in The Way Forward moments that diplomacy and consensus-seeking trade, but also in climate negotiations and even Setting a course in these troubled waters become more relevant than ever. at the UN. It is a global governance crisis.”. isn’t an easy task. It is, nevertheless, undeniable It is certainly important to manage expec- The perception that the WTO is incapable that the WTO is still a relevant institution that tations and raise awareness to the difficulties of of fulfilling its goals is extremely dangerous and plays an indispensable role in the proper func- the multilateral track. It is necessary to prevent negatively impacts the Organization`s image. It tioning of the international system. There are unrealistic hopes from turning into frustration is true that the criticism regarding the function- undisputable efficiency gains derived from the and from feeding populist frenzies that under- ing of the WTO and its failure, so far, to achieve multilateral regulation of international trade. mine the Organization. It is equally vital to pro- the promise of a fair and balanced multilateral Transaction costs, for example, are lowered as tect the WTO`s image from the negative effects trading system, capable of promoting sustain- a consequence of the harmonization of techni- of phenomena over which it has little or no con- ENGLISH VERSION trol. Nonetheless, WTO Members must show regime between two or more parties should be Centre for Settlement of Investment Disputes political maturity and understanding of what is a positive-sum game. (ICSID) with the goal of facilitating the con- at stake in order to meet the legitimate expecta- Before going into the details of the Brazil- ciliation and the arbitration between foreign tions of our society. ian model, the present article shall provide for private investors and States. The ICSID, which Concessions by every stakeholder will sure- a brief retrospective of the BITs, an analysis integrates the structure of the World Bank, is ly be necessary and it is essential to prepare of the international investment regime that re- intended to be a forum free from political in- people to accept them. Opening up trade makes sulted from such treaties and a summary of the terference. Brazil did not ratify the Washington society as a whole better off, but that doesn’t debate on BITs in Brazil. Convention, since the National Congress did mean they affect everyone equally. Adjustments Investment protection has been a recurring not approve its text, on the understanding that are necessary, and specific sectors (usually theme of the relationship between states since the new regime not only granted privileges to those less equipped to deal with international the 16th century. The Friendship, Trade and the foreign investor, but also limited the regu- competition) are adversely impacted. Accept- Navigation Agreements guaranteed foreign latory space of the state. ing the need for concessions, therefore, cannot capital privileges in the access to domestic The concept of regulatory space permeates mean abandoning those sectors and those peo- markets. However, special investment regimes, discussions about the international investment ple negatively affected by them. The promise which gave metropolitan investors almost sov- rules to date. It deals with the possibility of a of transcendence that the international system ereign rights, were increasingly contested. Ex- private entity influencing the formulation of continuously makes to the societies that estab- propriation of enterprises, limits to the remit- public policies for particular reasons in det- lished it cannot be upheld if people or industries tance of profits, and moratoria on payment of riment to the public interest. Such influence affected by it are simply ignored. Governments debt were the principal means of resistance to largely results from the Investor-State Dispute in particular, but also all those invested in the such regimes. Needless to say, such resistance Settlement mechanism (ISDS), which has been preservation and success of the WTO must do took place at high political costs. The Drago consolidated by the BITs. more to help those that have not been able to doctrine, elaborated by the Argentine chancel- A new wave of dissemination of BITs oc- adapt to the fiercer competition caused by inter- lor Luis Maria Drago considering the threat of curred in the 1990s, in the aftermath of the fall national trade. That is the only way to overcome German, British and German military inter- of the Berlin Wall and the collapse of the So- the challenges faced by the WTO and to unlock vention in Venezuela for reasons of debt col- viet Union. It should be noted that the concern its full potential. lection, challenged the possibility of military underlying the wording of such agreements action for the protection of private property. was similar to that of previous periods: to dis- In addition, the Calvo doctrine was also con- sociate disputes between private actors and solidated in Latin America, advocating legal newly formed states from the context of polit- The Cooperation and equivalence between nationals and foreigners ical separation, whilst offering guarantees of and proposing that all investments be subject protection to foreign capital. Facilitation Investment to the former´s legal regime. At present, the international investment In the context of the withdrawal of metro- regime is based on a myriad of BITs (accord- Agreement (CFIA): A politan administrators, on the one hand, and, ing to the 2017 World Investment Report of on the other hand, the possibility of nation- the United Nations Conference on Trade and Brazilian proposal alization of foreign enterprises by the newly Development (UNCTAD), 3.324 are in force). formed states, the elaboration of a set of invest- All BITs establish some sort of ISDS, which Portuguese version page 158 ment rules was focused on protection. In an allows foreign investors direct access to inter- — environment dominated by political tensions, national arbitration. The various mechanisms By Pedro Barreto da Rocha Paranhos the challenge was to separate disputes between of ISDS provided by the BITs are not homo- foreign investors and states from disputes be- geneous. Nevertheless, it is possible to identify On July 28, 2017, the first Coopera- tween sovereignties. the main international arbitration courts, such tion and Facilitation Investment Agreement Contemporary BITs are, to a large extent, a as the ICSID, the Paris International Chamber (CFIA) in history entered into force. The legal response to the phenomenon of decolonization of Commerce, the Permanent Court of Arbi- instrument, which establishes an investment in the second half of the 20th century. In fact, tration in The Hague and the International Ar- regime between Brazil and Angola, has had it is generally accepted that the first BIT was bitration Center of Singapore, among others. internal legal effectiveness as of its promul- the one signed between Germany and Pakistan, One can also note the effort, at the multilateral gation by Presidential Decree n. 197 of Oc- in 1959. Indeed, the independence of states level, to standardize rules on investment ar- tober 11, 2017. In terms of foreign policy, the coincided with an increase in foreign direct bitration. The Arbitration Rules (1976) of the validity of the CFIA with Angola represents investment (FDI) related to the exploitation of United Nations Conference on International a shift of the historical paradigm of Brazil’s natural resources and the provision of public Trade Law (UNCITRAL) and UNCTAD’s refusal to ratify treaties that regulate invest- services. Events such as the expropriation of Roadmap for the Reform of International In- ments, the agreements for the promotion and the Anglo-Iranian Company and the national- vestment Agreement Regime (2015) are exam- protection of investments (also known as bi- ization of the Suez Canal led to a multilateral ples of such efforts. lateral investment treaties or BITs). What is effort to establish an investment regime. The ISDS mechanism has paved the way more important, the CFIA with Angola rep- The main outcome of such effort was the for a series of decisions considered arbitrary, resents the concretization of the Brazilian al- Convention on the Settlement of Investment both because they do not constitute a body of ternative to the traditional BIT models in the Disputes between States and Nationals of jurisprudence and because they limit the reg- domain of International Law. The CFIA is a Other States (Washington Convention, 1965). ulatory space of states. In recent years, the model based on the idea that the investment The Convention establishes the International number of disputes involving both plaintiffs 219 and defendants in developed countries has investor is not entitled to liquid and immediate mandate for the elaboration of a new model of been increasing. It is a paradigm shift, as the payment: the expropriation of urban land in investment agreement to be adopted by Bra- emphasis is moving away from the disputes which the owner has the duty to assign it a social zil. Hence, the CFIA results from the work of between nationals of industrial countries and function and the expropriation for the purpose an interministerial team that, led by the Min- developing states to the reality of differences of agrarian reform (in both cases the compen- istry of Industry, Foreign Trade and Services between developed countries. In fact, accord- sation is made by the issuing of specific public (MDIC), had representatives from the Min- ing to UNCTAD, approximately 1/5 of the in- bonds), provided for in articles 182 and 184 of istry of Foreign Affairs, the Ministry of the vestment-related arbitrations in 2017 were ini- the Federal Constitution of 1988 (CF/88). Sec- Treasury, the Central Bank and the Executive tiated by an investor from a member country of ondly, it was argued that the commitment of ce- Secretariat of CAMEX, in consultations with the European Union against another member lerity and liquidity established by the BITs could other agencies and entities, as well as with the of the regional bloc. Cases between EU coun- interfere in the chronological order of payments private sector – in particular through the Na- tries represent approximately 19% of the total owed by the state, provided for in article 100 of tional Confederation of Industries (CNI) and 855 arbitrations based on ISDS. CF/88. Thirdly, with regard to the possibility of the Federation of Industries of the State of São The shift in the nature of disputes based using ISDS, it was argued that the mandatory Paulo (FIESP). The embryonic document of on ISDS has sparked the debate on the need exhaustion of domestic legal remedies could the Brazilian model came out of the minutes of for reform of the mechanism. For example, be violated, thus hampering state sovereignty. the 96th Meeting of the Council of Ministers UNCITRAL reinstated its Working Group III In subsequent years, Brazil ceased to negoti- of CAMEX, of July 16, 2013, which approved in 2017, in order to discuss the possibility of a ate BITs, a decision reinforced by the internal the text of the Agreement and recommended its reform of ISDS. In this context, the European political process and by the increasing number negotiation with African countries. It should proposal of an international investment court is of cases in which neighboring countries, in par- be noted that, in the initial phase of the CFIA, one of the options on the table, albeit strong- ticular Argentina, have become defendants in the idea was to respond to the aforementioned ly opposed by important actors. Whatever the ISDS mechanisms. growing internationalization of Brazilian com- outcome of the UNCITRAL discussions, the Considering its growing capital export ac- panies and the increase of national investments growing demand for change in the rules of dis- tivity, Brazil has made efforts to develop an abroad. After signing the CFIAs with Ango- pute settlement is evident. alternative to BITs. The result was the elabora- la, Mozambique and Malawi, the Council of Despite not having participated in the for- tion of the Cooperation and Facilitation Invest- Ministers decided to extend the Brazilian ne- mation of the traditional investment rules, both ment Agreement (CFIA). gotiating mandate to all countries interested in by not adhering to the Washington Convention In 2012, the Chamber of Foreign Trade concluding an agreement based on the Brazil- and by not ratifying BITs, Brazil has been one (CAMEX) gave its Technical Group for Stra- ian model (107th Meeting of the Ministers of of the main FDI destinations in the world. Ac- tegic Studies in International Trade (GTE) a CAMEX, May 5, 2015). cording to UNCTAD’s 2017 World Investment Report, Brazil was the seventh largest recipient of FDI in 2016. Moreover, Brazil has been an CFIAs signed by Brazil exporter of capital since the 2000s. In addition Country Date of signature Status to representing a paradigm shift, the growing activity of Brazilian companies abroad has Mozambique 30/3/2015 Awaiting ratification come across a few challenges regarding asset Angola 1/4/2015 In force protection. Cases such as the nationalization of Petrobras assets in Bolivia in 2006 and the oc- Mexico 26/5/2015 Awaiting ratification cupation of Odebrecht facilities in in Malawi 26/6/2015 Awaiting ratification 2008 are examples of these challenges. In the 1990s, Brazil negotiated and signed Colombia 9/10/2015 Under examination by the National Congress 14 BITs (Germany, Belgium and Luxembourg, Chile 23/11/2015 Awaiting ratification Chile, South Korea, Cuba, Denmark, Finland, France, Italy, Netherlands, Portugal, Switzer- Peru 29/4/2016 Awaiting ratification land, United Kingdom and Venezuela). The Na- MERCOSUR 7/4/2017 Under examination by the National Congress tional Congress did not approve the negotiated texts, and, in accordance with the attribution of Ethiopia 11/4/2018 Awaiting ratification competences foreseen in the Federal Constitu- tion of 1988, the BITs were not ratified. Suriname 2/5/2018 waiting ratification According to Vivian Rocha Gabriel, of the University of Sao Paulo, in “A proteção jurídica According to Cozendey and Cavalcante, in facilitate the access of foreign investors to the dos investimentos brasileiros no exterior”, there “Novas Perspectivas para Acordos Internacio- national market. In addition, the CFIA empha- were several reasons for the refusal of BITs by nais de Investimentos – o Acordo de Cooper- sizes the need for cooperation as a determining the National Congress. Firstly, the nature of ação e Facilitação de Investimentos (ACFI)”, factor for attracting investments. The CFIA is compensation for expropriation (immediate, in the Brazilian model departs from the long- also a response to the demand for a review of convertible and freely transferable currency) term conception that states should cooperate traditional BITs, in particular with regards to foreseen by the text of the signed agreements in order to help the realization and expansion the dispute settlement system. was considered unconstitutional. In Brazil, of reciprocal investments. The Brazilian mod- The cooperation and facilitation objectives there are two possibilities in which the national el defends the institution of mechanisms that of the CFIA are carried out by institutional ENGLISH VERSION means and by the establishment of a themat- related to procedures such as payments and development in its three pillars: economic, so- ic agenda by the signatory parties. The main transfers, granting of visas, technical and envi- cial and environmental. Non-discrimination is institutional means provided by the Agreement ronmental regulations, as well as institutional guaranteed by provisions on national treatment are the Joint Committee and the National Fo- exchange initiatives. In addition, the agendas and most-favored-nation. These are provisions cal Point. The Joint Committee is an advisory identify areas of cooperation, such as technical that reflect concepts widely accepted by the body, in which government officials of the par- training, technology transfers, sustainable de- multilateral trading system and seek to establish ties have a seat, with the functions of super- velopment promotion, among others. politically less controversial contents than the vising the implementation of the Agreement, Regarding the possible controversies aris- clauses on direct expropriation and ISDS that disseminating investment opportunities, as- ing from the agreement, the CFIA promotes are characteristic of BITs. The promotion of sisting in the process of dispute prevention and a fundamental change of focus in relation to sustainable development is granted by articles promoting consultations with the private sector BITs, defending that the prevention of disputes on corporate social responsibility, which seek to and civil society on specific issues. should structure the treatment of the issue. This establish parameters of investments in line with The National Focal Point, also called om- is not to say that the Brazilian model does not the environmental, labor, health and safety leg- budsman in the signed CFIAs and ombudsper- deal with the settlement of disputes, but that it islation of the receiving States. In addition, the son in the most recent version of the standard seeks to prioritize preventive means in relation CFIAs have provisions on combating corruption text, can be considered the most innovative to judicial means. The institutional governance and illicit practices. In this context, it is possible element of the Brazilian model. Although mechanisms, namely the Joint Committee and to affirm that the corporate social responsibility it has a number of precedents, notably the the National Focal Point described above, play clauses of the CFIA mirror the principles of re- South Korean ombudsman model, the CFIA a major role in the prevention of disputes. sponsible business conduct of the OECD. provides for the establishment of focal points The first allows for continuous consultation Despite the differences between the CFIA in all signatory countries. In Brazil, the Om- between the parties on the implementation of and traditional BITs, one can identify an in- budsman for Direct Investments (ODI) was the commitments made in the Agreement. This teroperability between the models. Such in- established by Decree 8.863 of 2016, and it consultation process can count, as in the case teroperability has allowed Brazil to negotiate is institutionally located in the Executive Sec- of the CFIA with Angola, with the participation with countries that have BIT portfolios. The retariat of CAMEX. It carries an important of non-governmental organizations (NGOs) in signing of an ACFI is not tantamount to the function of internal mobilization: in order to matters in which civil society participation is abandonment of the traditional format of in- fulfill the functions of facilitating the access necessary. The Focal Point, in turn, allows for vestment agreements by such countries, but of foreign investors to internal bureaucratic the identification of areas that may become rather to their adherence to proposals such instances, whether in obtaining information or problematic and subject to litigious claims by as the facilitation of investments. In fact, the in submitting documents, the ODI requires a foreign investors. Indeed, one of the functions CFIA puts forward a definition of investment complex level of interaction between govern- of the Focal Point is to seek to prevent disputes facilitation that goes beyond the function of ment bodies whose activities are related to the on investment matters in collaboration with promotion of investment opportunities (the ex- implementation of the investment (licensing, relevant government authorities and relevant ecution of which is carried out by the agencies authorization, taxation, among others). Such private entities. that promote exportation and investments). dialogue has been carried out through meet- If a dispute cannot be avoided, the CFIA In the Brazilian model, facilitation means the ings of the Focal Points Network of the ODI, establishes a mechanism for settling disputes improvement of the investment environment which has more than 30 public institutions. between States. The fact that the dispute set- and of the access of investors to the relevant This presents a double challenge: on the one tlement process was not detailed in the early government bodies. Such conception of invest- hand, to promote the engagement of the parties agreements (Mozambique, Angola and Mala- ment facilitation has been underlying Brazil´s involved in the ODI and, on the other hand, to wi) led to interpretations that the CFIA would participation in the World Trade Organization, implement the commitments assumed by Bra- not address the issue. Nevertheless, the agree- where the country is one of the sponsors of the zil in an international legal instrument. At the ments with Chile, Colombia and Peru have structured dialogue initiative on the theme that time of writing of this article, a comprehensive specific provisions on arbitration procedures was agreed upon at the Ministerial Meeting of portfolio of investment rules and procedures, between States. It should be noted that the pos- Buenos Aires last December. as well as an ODI website within CAMEX are sibility of ISDS is always excluded. In general, Currently, one of the main challenges of in the process of development. arbitration is provided for in the event of the the Brazilian model is to prove its effective- The CFIA also establishes a thematic agen- exhaustion of the provisions for the prevention ness. In this sense, the entry into force of the da (Agenda for Investment Cooperation and of disputes. In such cases, the CFIA establishes CFIA with Angola is a most important step Facilitation), which is the instrument used by the constitution of an ad hoc arbitral tribunal, given that it will kick-start the implementation the parties to identify technical areas that are as well as the criteria for the choice of arbitra- of the institutional arrangements and coopera- most important for the improvement of their tors by the parties. In addition, there are certain tion initiatives of the Agreement. Yet the great- investment environment. The Agenda is, there- matters that can not be subject to arbitration, er test of effectiveness shall be the ability of fore, a means to define cooperation projects such as security exceptions, measures related CFIAs to increase investment flows between that respond to specific challenges of a bilat- to the fight against corruption and illegality, as the signatory parties in a positive sum game in eral relationship (or plurilateral, as in the case well as measures on health, environment and which facilitation measures, cooperative initia- of the PCFI). In particular, the concept of the labor matters. Therefore, the CFIA preserves tives and efforts to prevent disputes are deci- thematic agenda proposed by the CFIA re- the regulatory space of the State and is consis- sive for the relationship between the signatory sponds to the demand of the private sector to tent with Brazil´s historical position. parties. This capacity will only be proven as have better conditions to carry out its business The CFIA also differs from traditional BITs more agreements are negotiated and enter into abroad, especially with regard to bureaucratic in the use of language that seeks, on the one hand, force. In fact, the negotiation and the signing of procedures. In practice, the agendas set forth in to guarantee the principle of non-discrimination new CFIAs have been a constant goal of Bra- the CFIAs signed by Brazil define objectives and, on the other hand, to promote sustainable zilian foreign policy in recent years.