Responsabilidade civil por críticas públicas direcionadas a pessoas notórias

RESPONSABILIDADE CIVIL POR CRÍTICAS PÚBLICAS DIRECIONADAS A PESSOAS NOTÓRIAS Revista Brasileira de Direito Desportivo | vol. 24/2013 | p. 277 - 296 | Jul - Dez / 2013 DTR\2013\10142

Alexandre Lopez Rodrigues de Aguiar Pós-Graduado em Direito Civil pela FGV - GVLAW (2012). Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura de São Paulo - EPM (2010). Membro da OAB (2009) e da AASP (2009). Advogado.

Mariane Virginia de Barros da Motta Peixoto Giordani Estudante do 5.º ano do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Área do Direito: Constitucional; Civil; Processual; Desportivo Resumo: O presente estudo analisa sentença judicial proferida por Juiz de Direito, em ação proposta por um jornalista esportivo em face de um ex-colega de trabalho, intentada em razão de ofensas públicas proferidas em rede nacional pelo réu da demanda, dirigidas diretamente ao Autor. Utilizando-se da aludida decisão judicial, serão analisados os exatos limites em que ofensas públicas proferidas contra pessoas notórias geram responsabilidade civil ao ofensor, baseando-se em casos práticos, doutrina e jurisprudência.

Palavras-chave: Ofensa pública - Pessoa notória - Responsabilidade civil - Dano moral - Direitos da personalidade. Abstract: This study examines judicial sentence handed down by Judge in lawsuit filed by a sportswriter in the face of a former co-worker, brought on grounds of public insults uttered by the Defendant on national demand, addressed directly to the author. Using the aforesaid judgment, will consider the exact limits within which public offenses against people generate notorious offender to civil liability, based on case studies, doctrine and jurisprudence.

Keywords: Public offense - Person notorious - Liability - Moral damage - Personality rights. Sumário:

1.INTRODUÇÃO - 2.CONSIDERAÇÕES SOBRE DANO MORAL - 3.DIREITOS DA PERSONALIDADE - 4.CONCLUSÃO - 5.BIBLIOGRAFIA

1. INTRODUÇÃO

Recentemente, o Juízo da 5.ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros da Comarca de São Paulo proferiu sentença mediante a qual julgou improcedente o pedido indenizatório formulado pelo Autor da demanda, o jornalista esportivo José Ferreira Neto (popularmente conhecido como “Neto”), que se baseava em ofensas em meio de comunicação dirigidas diretamente a ele, pelo Réu, o também comentarista esportivo Benjamin Back (publicamente conhecido como “Benja”).

Segundo a Juíza de Direito Luciana Novakoski Ferreira Alves de Oliveira, as ofensas proferidas pelo jornalista esportivo Benjamin Bach, Réu na demanda, foram dirigidas única e exclusivamente contra o personagem “Neto”, criado por José Ferreira Neto, não contra o cidadão propriamente dito, razão pela qual foi negada a indenização pleiteada, conforme a íntegra da sentença abaixo colacionada:

“Vistos. José Ferreira Neto ajuíza ação de indenização por danos morais c/c pedido de retratação em face de Benjamin Back. Alega, em síntese, que é ex-jogador de futebol e ídolo do Sport Clube Corinthians Paulista. Atualmente, atua como comentarista esportivo na Rede Bandeirantes e na Rádio Transamérica. O réu, por sua vez, também é Página 1 Responsabilidade civil por críticas públicas direcionadas a pessoas notórias

comentarista esportivo em programas de rádio e redes sociais. Sustenta que, sem qualquer motivação aparente, o réu passou a lhe ofender publicamente, tanto no programa de rádio Estádio 97 como via Twitter. Neste último, utilizou expressões depreciativas, referindo-se ao autor como ‘pipoqueiro’, ‘desprezível’, ‘covarde e falso’, ‘sem moral’, que ‘dá nojo’ e ‘não vale nada’. No programa de rádio, ele disse que o autor não tinha moral para criticar o então jogador de futebol Ronaldo e relatou que somente foi despedido da Rede Bandeirantes a pedido do autor, porque, na época, ele bajulava o jogador Ronaldo, reiterando sua fama de ‘pipoqueiro’. Aduz que as ofensas extrapolaram a liberdade de imprensa e de crítica e afirma que tiveram grande repercussão nos meios digitais, afetando sua honra, perante familiares, amigos e o público em geral. Requer, assim, a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, estimada em R$ 100.000,00, e a retratação pública, tanto no programa de rádio como no Twitter. O réu é citado e contesta o pedido. Alega que as partes eram colegas na Rede Bandeirantes e que tiveram desentendimento durante a gravação de um programa, em 06.04.2010. Na oportunidade, o autor questionou a inteligência do réu, que, pouco depois, se desligou da emissora. Traça retrospecto sobre a carreira profissional de jogador e de comentarista esportivo do autor, sempre marcada por polêmicas com outros colegas e com comportamento briguento. Sustenta que as críticas feitas ao autor não se dirigiram à pessoa dele, mas ao profissional. Tiveram por objetivo apenas demonstrar o comportamento conflituoso dele, e não de ofendê-lo. Aduz que tais críticas são inerentes à liberdade de imprensa, sobretudo na crônica esportiva, que mexe com paixões e emoções. Por fim, impugna a ocorrência de danos morais e o montante requerido pelo autor. Requer a improcedência do pedido. Réplica, às f.. Instados a especificarem provas, o autor requer o julgamento antecipado da lide, enquanto o réu pede a produção de provas oral e documental. O feito é saneado, às f. Contra o indeferimento da prova oral, é interposto agravo retido pelo réu. É o relatório. Fundamento e decido. Trata-se de hipótese de julgamento antecipado da lide, uma vez que os autos já estão suficientemente instruídos por documentos, sendo desnecessária a dilação probatória, nos termos do art. 330, I, do CPC (LGL\1973\5). O pedido é improcedente. As partes utilizam-se dos meios de comunicação para expressar suas opiniões e comentários a respeito de futebol. Sendo assim, a lide deve ser examinada sob o primado da liberdade de imprensa. Por consequência, o controle, pela via jurisdicional, há de ser a exceção. Em outras palavras, deve-se verificar se, ao exercer a liberdade inerente a essa atividade, o réu extrapolou os limites do aceitável. Para se fixar tal limite, não basta o exame abstrato das atitudes do réu. É preciso que se situem as críticas por ele feitas no ambiente em que vivem as partes. É necessário que se faça uma análise da conduta que permeia as vidas profissionais do autor e do réu, assim como suas personalidades e seus modos de agir. Pois bem. O autor, é sabido, sempre foi figura envolta em polêmicas, seja na época de jogador, seja como comentarista de futebol. Orgulha-se, em sua atividade mais recente, em passar a imagem de sinceridade, não se furtando em externar suas opiniões, quando necessário, de maneira veemente e, muitas vezes, contundente. Cuida-se de uma linha atual de profissionais da imprensa, que se notabilizaram por criar um certo tipo de personagem, que, aos olhos do público, exala coragem e ousadia. Gabam-se de ‘dizer o que pensam’, não demonstrando grande preocupação com eventual repercussão negativa que isso possa causar. Não vai, aqui, nenhum tipo de crítica a tal espécie de profissional da imprensa. Trata-se apenas de uma constatação. Há quem os aprecie e há quem não os aprecie. Mas, o fato é que o autor faz parte dessa geração de comentaristas que se destacam pela crítica dura e, algumas vezes, feroz. Ora, se isso é verdade, é de causar estranheza que, ao ser criticado com a mesma dureza e ousadia com que atua, o autor se sinta moralmente abalado. Consoante alega, ele entende que as críticas ultrapassaram o limite do razoável e dirigiram-se à sua pessoa, de maneira afrontosa. No entanto, como dito, é preciso que se analisem as palavras do réu sob o contexto da atividade profissional que as partes exercem. Ambos, na verdade, são polêmicos e auferem vantagem com isso. São conhecidos e valorizados, por certa parcela da população, por sua agudeza. Assim, quando o réu utiliza as expressões que usou é certo que não se dirige ao homem José Ferreira Neto, mas sim ao personagem ‘Neto’, que, aliás, é o único

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que o público conhece. Com efeito, quando qualquer do povo escuta críticas ao autor, como aquelas feitas pelo réu, jamais pensa no cidadão José Ferreira que, aliás, sequer conhecem -, mas no comentarista ‘Neto’. Mesmo que os termos utilizados pelo réu tenham sido realmente excessivos, eles se dirigiram a esse personagem, ao comentarista ‘Neto’ e ao modo como ele age. Não é razoável acreditar que alguém, ouvindo tais comentários, os dissocie do comentarista e os associe ao cidadão. Pelo contrário, aqueles acostumados aos termos e jargões utilizados no meio em que vivem as partes sabem distinguir uma figura da outra. Ressalte-se que ao autor, acostumado à crítica dura e ao ambiente nem sempre amistoso em que atua, não é lícito sentir-se moralmente ofendido quando atingido pelas mesmas armas que costuma utilizar. Fosse assim, haveria verdadeira judicialização das relações entre profissionais ligados ao futebol, pois, quase diuturnamente, episódios similares acontecem. Em outros termos, o ora autor, por conta de sua forma de agir, certamente viria a ser réu e assim por diante. Não é isso que se deseja, porém, em um país que se orgulha de uma imprensa livre. No contexto de críticas recíprocas, de palavras duras e de altercações entre as partes, não se mostra razoável condenar qualquer delas pelo uso de expressões mais duras, que, repita-se, se ligam ao personagem encarnado pelo autor, e não à sua pessoa. É evidente que ao utilizar os termos ‘pipoqueiro’, ‘desprezível’, ‘covarde e falso’, ‘sem moral’, que ‘dá nojo’ e que ‘não vale nada’, o réu referiu-se ao comentarista Neto, não à sua pessoa. Da mesma forma que, quando se utiliza de termos fortes, inclusive quando ironicamente mencionou que era ‘tão burro’, enquanto o réu seria ‘muito inteligente’, quem o faz é o comentarista Neto, e não José Ferreira Neto. O autor deve compreender que, como profissional da imprensa, a mesma regra que parece prejudicá-lo agora pode vir a beneficiá-lo no futuro, quando, ao fazer seus comentários, alguém se sinta moralmente ofendido. Enfim, quem escolhe a linha de conduta profissional que o autor escolheu não pode, de maneira incongruente, sentir-se ofendido quando outro age de maneira análoga. Assim, pela análise do contexto em que foram externadas as opiniões do réu, conclui-se que não houve quer a ilicitude, quer o abalo moral. Os fatos permaneceram dentro da esfera de agudeza que marca as condutas profissionais de parte a parte. Ante o exposto, julgo improcedente o pedido, nos termos do art. 269, I, do CPC (LGL\1973\5). Em razão da sucumbência, arcará o autor com o pagamento das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios, que fixo, por equidade, em R$ 5.000,00. P.R.I.C.”1

Pela decisão acima transcrita, é possível notar que a julgadora entende não ter havido o cometimento de nenhum ato ilícito, pelo jornalista Benjamin Bach, na medida em que as palavras proferidas em alusão ao profissional José Ferreira Neto não foram dirigidas ao cidadão, mas sim ao personagem criado por ele, o comentarista esportivo conhecido como Neto.

Da mesma forma, a magistrada, sob o mesmo argumento, salienta que não houve dano moral ao cidadão José Ferreira Neto, sob a ótica de que as ofensas foram expressadas contra o personagem Neto.

Nota-se, assim, que a Juíza de Direito se utilizou da mesma fundamentação para justificar a inexistência do ato ilícito e do dano moral. Melhor explicando, se a magistrada houvesse entendido que as ofensas atingiram o cidadão José Ferreira Neto, teria concluído que o jornalista Benjamin Bach cometeu ato ilícito e, consequentemente, que a pessoa do José Ferreira Neto, destinatária das agressões verbais, sofreu danos morais, mesmo porque a julgadora reconheceu as palavras proferidas como ofensivas e de baixo calão.

Considerando-se a decisão acima mencionada, o presente trabalho analisará importante questão atinente à responsabilidade civil, por críticas públicas direcionadas a pessoas notórias, sob a ótica dos direitos da personalidade, em especial dos direitos à liberdade de expressão, à honra e à imagem.

Conforme se verá, com a aludida decisão, criou-se uma importante problemática, referente às pessoas públicas, especialmente àquelas ligadas à imprensa de um modo Página 3 Responsabilidade civil por críticas públicas direcionadas a pessoas notórias

geral, na medida em que, se a tese utilizada for aplicável a todas as ofensas dirigidas a pessoas públicas e notórias, dificilmente haverá reconhecimento da existência de danos morais contra tais pessoas.

Isto porque, todas as pessoas públicas, de alguma forma, criam um personagem, tendo em vista que o cidadão propriamente dito é pessoa dissociada do profissional, seja ele jornalista, ator, cantor, apresentador etc. Em outras palavras, de forma exemplificativa, obviamente o apresentador de televisão, ainda que seja conhecido por seu nome, quando de sua atuação na televisão, não será efetivamente o cidadão, mas sim o profissional que, naquele momento, estará atuando em prol do desenvolvimento da sua atividade profissional.

Nota-se, assim, que os direitos da personalidade da pessoa pública, se levado a efeito o fundamento adotado na sentença, ficam limitados, de modo a torná-las menos suscetíveis de sofrerem danos morais.

A grande problemática que se cria, destarte, é se efetivamente há limitação à violação dos direitos da personalidade das pessoas públicas e até que ponto tal limitação poderá ser aceita.

A meu ver, conforme será demonstrado no decorrer deste trabalho, a decisão acerca desta limitação, ou seja, da violação ou não dos direitos da personalidade, será definida levando-se em consideração o conteúdo da crítica e o seu objetivo, sendo certo que, uma vez definidos estes critérios, poder-se-á, com facilidade, concluir-se pela responsabilização civil ou não daquele que expressa o seu pensamento.

Portanto, o presente estudo tem o condão de analisar esta problemática existente, a qual apenas restou patente na decisão proferida pela Juíza de Direito, de forma que se defina se há limitação em relação ao tema e em que grau esta limitação ocorre. 2. CONSIDERAÇÕES SOBRE DANO MORAL

Como dito, o presente estudo versará sobre a responsabilidade civil por críticas públicas dirigidas a pessoas notórias, de modo que será verificado se efetivamente há limitações em relação a tal responsabilidade, justamente por se tratar de pessoas notórias, que estariam sujeitas a estas críticas.

No caso tratado neste trabalho, a ocorrência do ato ilícito é intimamente ligada à do dano moral. Explica-se.

Como a magistrada prolatora da sentença bem reconheceu, houve ofensas, mediante a utilização de palavras de baixo calão, proferidas pelo jornalista Benjamin Back, contra o comentarista esportivo José Ferreira Neto. No entanto, a Juíza de Direito, baseada em todo o histórico do comentarista esportivo citado, bem como no fato de ter entendido que foram ofensas dirigidas ao personagem ‘Neto’, fundamentou que o cidadão José Ferreira Neto não sofreu danos morais, o que, consequentemente, excluiu a existência de ato ilícito do jornalista esportivo Benjamin Back.

Ou seja, o ato ilícito está intimamente ligado ao dano moral, na medida em que, se houvesse sido praticado ato ilícito pelo jornalista esportivo Benjamin Back (ofensa ao cidadão José Ferreira Neto), o dano moral estaria configurado, ao passo que, se não estivesse presente o ato ilícito (ofensa destinada somente ao personagem ‘Neto’), não estaria presente o dano moral.

Portanto, para análise do tema, é imprescindível tecer considerações acerca dos danos morais, requisito da responsabilidade civil, o qual está vinculado à violação dos princípios da personalidade, a fim de concluir-se quais elementos efetivamente deverão ser estabelecidos, para que se conclua pela ocorrência ou não de danos morais, em relação às pessoas públicas e notórias. Com isso, a existência do ato ilícito será uma consequência lógica da ocorrência dos danos morais. Página 4 Responsabilidade civil por críticas públicas direcionadas a pessoas notórias

Sabe-se que o instituto do dano moral é caracterizado pela “violação à personalidade da pessoa, como direito fundamental protegido, em seus vários aspectos ou categorias, como a intimidade e privacidade, a honra, a imagem, o nome e outros, causando dor, tristeza, aflição, angústia, sofrimento, humilhação e outros sentimentos internos ou anímicos.”2

Ou seja, o dano moral não atinge efetivamente o patrimônio do indivíduo, mas o seu elemento subjetivo, de forma que, de alguma maneira, esta pessoa internamente se sente lesada em algum de seus direitos da personalidade.

Tem-se, assim, que os direitos da personalidade, presentes na Constituição Federal (LGL\1988\3) e no Código Civil (LGL\2002\400) de 2002, quando violados, causam ao indivíduo o dano moral, o que fatalmente dará a ele o direito à devida reparação civil.

No entanto, o que se discute, quando a vítima dos danos morais é uma pessoa famosa aos olhos do público, é justamente até que ponto há limitações à caracterização de violação aos direitos da personalidade destas pessoas. Ou seja, as pessoas públicas, em que pese teoricamente não possuírem nenhuma diferença em relação aos anônimos, são obrigadas a suportar determinadas situações, as quais os cidadãos comuns não são.

Com efeito, para que uma pessoa pública possa alegar a violação de algum dos seus direitos da personalidade, a ofensa moral deverá ser muito mais grave do que aquela dirigida a um cidadão anônimo.

Diante da diferenciação acima apontada, é imperiosa a análise dos direitos da personalidade mais relevantes, para constatação da ocorrência ou não de danos morais em pessoas públicas e notórias, de modo a definir-se a responsabilidade civil do ofensor, o que será feito utilizando-se a sentença colacionada na Introdução, apenas para direcionamento do estudo. 3. DIREITOS DA PERSONALIDADE

Inicialmente, é imperioso apontar e analisar os direitos da personalidade, contemplados pela Constituição Federal de 1988, os quais serão importantes para a discussão do tema proposto.

O renomado doutrinador Carlos Alberto Bittar,3 um dos maiores especialistas do país no tema, subdivide os direitos da personalidade em (a) direitos físicos, (b) direitos psíquicos; e (c) direitos morais. Confira-se:

“Nessa classificação toma-se, de início, a pessoa como ser individual, destacando-se seus dotes físicos, ou atributos naturais em sua composição corpórea (ou conformação física). São os elementos extrínsecos da personalidade. Ao depois, volvendo-se para o seu interior, encontram-se os direitos psíquicos, ou atributos da inteligência ou do sentimento. São os elementos intrínsecos ou íntimos da personalidade (que compõem o psiquismo humano).

De outro lado, à vista da consideração da pessoa como ser social, localizam-se os direitos morais, correspondentes a qualidades da pessoa em razão de valoração na sociedade, frente a projeções ou emanações (ou manifestações) em seu contexto. Respeitam, pois, a atributos da pessoa em sua conceituação pela coletividade.”

Note-se, assim, que os direitos da personalidade físicos são aqueles que se referem exclusivamente ao corpo do indivíduo. Em contrapartida, os direitos psíquicos dizem respeito à mente do indivíduo, aos seus sentimentos, às suas emoções, etc. Por fim, os direitos da personalidade morais englobam a impressão da sociedade em relação ao sujeito.

Feitas as diferenciações necessárias, cumpre esclarecer que no trabalho em questão serão interessantes apenas os direitos da personalidade psíquicos e morais, não sendo Página 5 Responsabilidade civil por críticas públicas direcionadas a pessoas notórias

aqui relevante a análise dos direitos físicos.

Em relação aos direitos da personalidade psíquicos, têm-se como mais importantes para este estudo a liberdade (de expressão), ao passo que, no que tange aos direitos morais, serão analisados os direitos à honra e à imagem.

Esclareça-se que os aludidos princípios estão expressamente contidos no art. 5.º, IX,4 e X,5 da CF/1988 (LGL\1988\3).

Portanto, passa-se a analisar a seguir os aludidos direitos da personalidade, separadamente, em relação às pessoas públicas e notórias. 3.1 Direitos da personalidade morais

3.1.1 Direito à imagem

Em primeiro lugar, em referência aos direitos da personalidade das pessoas públicas e notórias, é imprescindível analisar o direito à imagem.

A renomada Regina Beatriz Tavares da Silva6 diferencia o direito à imagem de outros direitos da personalidade, da seguinte forma:

“O direito à imagem é autônomo, não se confundindo com a honra e a intimidade. Muito embora haja quem classifique como imagem-retrato e imagem-atributo, a primeira como aparência física, ou forma plástica de pessoa, e a segunda como a imagem social, que é o conjunto de caracteres que a pessoa apresenta socialmente, preferimos destacar um direito do outro, reservando à imagem a ‘projeção física ou plástica do indivíduo’ e à honra, nos seus mais variados aspectos, dos pessoais aos profissionais, ‘o conjunto de atributos cultivados pela pessoa, reconhecidos socialmente’ ou ‘visão social do indivíduo’, inclusive quando reproduzida por meio de biografia.”

Com todo o respeito à opinião emanada, a meu ver, o direito à imagem não se resume ao aspecto físico da pessoa (visão interna), englobando também a forma com que o sujeito é visto externamente, isto é, perante a sociedade (visão externa).

Sobre o tema, Rui Stoco7 muito bem se pronunciou, ao afirmar que “A segunda visão é o juízo que terceiro faz de determinada pessoa (visão ou plana externa), sendo certo que nem sempre a impressão que este terceiro faz de nós coincide com o conceito que fazemos de nós mesmos”.

No caso utilizado como parâmetro para a elaboração do presente estudo, certamente o comentarista esportivo José Ferreira Neto, até que se prove o contrário, possuía uma imagem, perante o público, isenta de quaisquer queixas em relação à sua índole.

Veja-se que, aqui, não se desconsidera todos os episódios polêmicos dos quais o comentarista esportivo fez parte, tendo em vista que estes episódios são reconhecidos pela sociedade.

Ocorre que, apesar de todo o seu histórico de polêmicas, o comentarista em debate não tinha uma imagem, perante terceiros, de pessoa “desprezível”, “covarde e falso”, “sem moral”, que “dá nojo” e que “não vale nada”, mas sim de um profissional que, ainda que polêmico, possui valores positivos, muito diferentes daqueles apontados pelo jornalista Benjamin Bach.

O fato é que o jornalista Benjamin Bach, ao proferir as palavras ao jornalista José Ferreira Neto, fugiu da esfera opinativa em relação ao profissional, na medida em que se voltou única e exclusivamente à pessoa, ao cidadão.

A magistrada julgadora entendeu que as críticas foram dirigidas ao “personagem” criado pelo jornalista José Ferreira Neto (“Neto”), e não ao cidadão, o que a fez concluir, com todo o respeito, equivocadamente, que tais adjetivos não afetariam a imagem do Página 6 Responsabilidade civil por críticas públicas direcionadas a pessoas notórias

cidadão perante a sociedade.

Contudo, a julgadora não considerou que quase a totalidade das pessoas não desassocia o jornalista do cidadão. Melhor explicando, o público, ao tomar conhecimento das supostas ofensas, carregadas de qualificações negativas, proferidas pelo jornalista Benjamin Bach, não concluirá que o José Ferreira Neto é um cidadão de bem, íntegro e honesto, ao passo que o “personagem” Neto sim é covarde, falso, digno de nojo, etc. O público, de uma forma geral, entenderá que a imagem do José Ferreira Neto por si só, presente na televisão, é de uma pessoa cujas características são extremamente negativas, do ponto de vista moral.

É bem verdade que as pessoas públicas e notórias, em geral, de fato têm a imagem mais sensível aos olhos do público, motivo pelo qual obviamente há uma limitação, quando a discussão diz respeito à configuração de danos morais a estas pessoas.

Ademais, as pessoas públicas e notórias admitem, com a sua exposição pública, uma proteção menor, em relação à sua imagem, razão pela qual é muito mais complexo admitir-se um prejuízo à sua imagem, quando o assunto é a ocorrência de eventual dano moral.

No entanto, esta limitação não pode extrapolar o limite da atuação da pessoa pública e notória enquanto tal, sendo certo que, se eventual ofensa ou agressão se dá contra o cidadão, totalmente dissociado do “personagem”, criado pela fama, e da atuação profissional deste “personagem”, fatalmente configurar-se-á sim um dano à imagem.

Em outras palavras, o apresentador pode ser ofendido publicamente enquanto apresentador; o jornalista pode ser agredido verbalmente por sua atuação como jornalista; o ator pode ser desrespeitado se a discussão tratada for acerca de sua atuação; porém, o apresentador, o jornalista, o ator ou qualquer outra pessoa pública e notória não pode ser agredida, ofendida e desrespeitada em relação à sua índole, integridade moral ou caráter pessoal.

Dessa forma, se a ofensa se refere à atuação deste profissional, em razão do exercício desenvolvido que o levou a tornar-se conhecido do público, obviamente haverá a limitação ao seu direito de imagem, uma vez que a pessoa aceitou a publicidade de sua imagem, para determinada atividade, e, portanto, deve arcar com eventuais ofensas e/ou agressões atinentes ao desempenho desta atividade, ofensas estas que obviamente também virão publicamente.

Para melhor elucidação, citamos um processo em que o um político processou o Jornal “Independente”, que veiculou matéria afirmando que o Autor estaria fazendo propaganda antecipada, o que é vedado, além de orientar seus leitores a não votarem neste possível candidato, sendo que tal matéria foi inspirada por uma camiseta utilizada pelo próprio Autor.

Ajuizou a ação entendendo ter sido vítima de danos morais, contudo, entendeu o Desembargador, em consonância com nosso entendimento, que o “simples exercício do direito de crítica de pessoa pública não caracteriza ofensa e não rende ensejo à indenização”, fundamentando que:8

“Nesses termos - e considerando ter havido, de um lado, propaganda eleitoral irregular, porque fora do prazo previsto na legislação, e, de outro, simples exploração de uma ideia aceita, anteriormente, pelo apelante -, conclui-se que o pedido é improcedente, porque, como já assinalado, as supostas ofensas caracterizam-se como simples exercício do direito de crítica, de externar opinião”.

Em contrapartida, ainda que o cidadão comum tenha concordado em se tornar figura pública, por força do exercício de determinada atividade, não pode ele ser compelido a aceitar um dano à sua imagem, causado por ofensa e/ou agressão totalmente dissociada dessa atividade desempenhada, sob pena de obrigar as pessoas públicas e notórias a Página 7 Responsabilidade civil por críticas públicas direcionadas a pessoas notórias

aceitarem, compulsoriamente, qualquer ofensa, desrespeito e/ou agressão, emanada contra si, ainda que dirigida exclusivamente à sua índole pessoal.

Caso se admitisse que a pessoa pública e notória pudesse ser ofendida moralmente, seja em relação ao desenvolvimento da atividade em que o fez ser reconhecido publicamente ou não, estar-se-ia suprimindo o direito dela, em qualquer hipótese, de alegar o sofrimento de danos à imagem.

Portanto, é inevitável a conclusão de que, eventuais ofensas dirigidas à pessoa pública e notória pelo exercício da atividade que a fez tornar-se pública, devem sim ser aceitas, impondo-se a limitação do direito à sua imagem, ao passo que agressões voltadas contra a pessoa pública e notória, totalmente desassociadas da atuação que a levou a se tornar famosa, não podem ser permitidas, pois configurar-se-á prejuízo à imagem e, consequentemente, gerará dano moral. 3.1.2 Direito à honra

Assim como com o direito à imagem, também é de fundamental importância o debate sobre o direito à honra das pessoas públicas.

Como dito, o caso discutido nos autos se trata de uma situação em que o jornalista Benjamin Bach ofende moralmente o jornalista José Ferreira Neto, em rede nacional, com palavras de baixo calão, o que causou indignação ao ofendido, de modo que, dentre outros, acusou-se a violação do direito à honra de José Ferreira Neto.

O jurista Carlos Alberto Bittar,9 autoridade no assunto, diferencia duas espécies de honra do indivíduo, quais sejam a honra objetiva e a honra subjetiva. Veja-se:

“O reconhecimento do direito em tela prende-se à necessidade de defesa da reputação da pessoa (honra objetiva), compreendendo o bom nome e a fama de que desfruta no seio da coletividade, enfim, a estima que a cerca nos seus ambientes familiar, profissional, comercial ou outro. Alcança também o sentimento pessoal de estima, ou a consciência da própria dignidade (honra subjetiva) (…)”.

Assim, resumidamente, a honra objetiva emana da opinião de terceiros sobre o indivíduo, ao passo que a honra subjetiva é a própria impressão do indivíduo sobre si mesmo.

No caso em tela, em relação à honra subjetiva do comentarista José Ferreira Neto, a sua violação é discutível, tendo em vista que as ofensas proferidas pelo jornalista Benjamin Bach não são capazes de fazer o ofendido se questionar acerca de seu caráter e de sua índole.

Entende-se, portanto, que não houve a violação à honra subjetiva do jornalista José Ferreira Neto, advindas das agressões verbais proferidas pelo jornalista Benjamin Bach, assim como, em regra, não haverá ofensa à honra subjetiva de pessoas públicas e notórias, em razão de eventuais agressões verbais sofridas publicamente.

Em contrapartida, a conclusão acerca da violação à honra objetiva do ofendido é distinta, na medida em que ela independe da impressão do próprio ser, tendo em vista que o seu acontecimento vem externamente.

Diante disso, obviamente, a honra objetiva do jornalista José Ferreira Neto foi afetada, tendo em vista que parte da sociedade, inevitavelmente, colocará em dúvida a sua boa fama e o seu bom nome.

Vale salientar que, ainda que se dissesse, como o fez a magistrada prolatora da sentença, que as críticas foram dirigidas ao personagem criado pelo apresentador, mesmo assim fatalmente a conclusão será a mesma, de que houve ofensa à honra objetiva do indivíduo, na medida em que verificou-se acima que a honra objetiva tem

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relação direta com a boa fama e o bom nome do sujeito no seu ambiente professional.

Assim, na pior das hipóteses, as ofensas proferidas contra o jornalista José Ferreira Neto, contra o cidadão ou contra o personagem, afetarão a reputação profissional do cidadão, o que espanca qualquer possibilidade de afastamento da violação à honra objetiva dele.

A bem da verdade, de uma forma geral, a regra para a caracterização da violação à honra objetiva do sujeito ofendido seguirá as mesmas diretrizes utilizadas ao tratar-se do direito à imagem, isto é, caso a ofensa se refira à atuação profissional da pessoa pública, obviamente a sua honra objetiva será limitada, uma vez que, ainda que afetada, o será porque o indivíduo se dispôs a exercer atividade que o fez se tornar pessoa pública, devendo suportar eventuais ofensas morais recebidas publicamente.

Todavia, no que concerne a eventuais agressões proferidas contra o cidadão, dissociado da atividade exercida pelo profissional, certamente, em regra, haverá prejuízo à honra objetiva do sujeito ofendido, em função da valoração negativa que a sociedade passará a ter da pessoa, o que acarretará danos morais a ela e, consequentemente, a obrigação de reparar.

Conclui-se, pois, que, em regra, eventuais agressões verbais publicamente dirigidas a pessoas públicas notórias não afetarão de forma alguma a honra subjetiva do ofendido, porém, afetará sim a sua honra objetiva, caso as ofensas hajam sido proferidas ao cidadão, sem que tenha qualquer ligação com a atividade que este desempenha, pela qual adquiriu notoriedade. 3.2 Direitos da personalidade psíquicos

3.2.1 Direito à liberdade

Provavelmente, o direito da personalidade mais importante, para o presente trabalho, é a liberdade do indivíduo, especificamente a liberdade de expressão, na medida em que esta sempre servirá de argumento para que o ofensor possa se furtar da sua responsabilização civil e, consequentemente, do seu dever de indenizar.

Carlos Alberto Bittar10 define a liberdade do sujeito da seguinte forma:

“O bem jurídico protegido é a liberdade, que se pode definir como faculdade de fazer, ou deixar de fazer, aquilo que à ordem jurídica se coaduna. Vale dizer: é a prerrogativa que tem a pessoa de desenvolver, sem obstáculos, suas atividades no mundo das relações. O ordenamento jurídico confere-lhe, para tanto, a necessária proteção, nos pontos considerados essenciais à personalidade humana, como a locomoção, o pensamento e sua expressão, o culto, a comunicação em geral e outros, inclusive em nível internacional, nas Declarações citadas”.

Trazendo o conceito geral de liberdade, colocado pelo brilhante jurista, para o campo específico da liberdade de expressão, pode-se afirmar que esta é a liberdade de o indivíduo expressar o seu pensamento dentro dos limites da ordem jurídica.

Nota-se, portanto, que a definição é clara ao mencionar como requisito essencial à liberdade de expressão a adequação do expressado ao ordenamento jurídico. Ou seja, o indivíduo efetivamente poderá se expressar livremente sempre, desde que não infrinja alguma regra juridicamente protegida.

O art. 5.º, IX, da CF (LGL\1988\3), é expresso ao dispor que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Ou seja, de fato, a Constituição Federal (LGL\1988\3) concede ao cidadão a liberdade de expressão da atividade de comunicação.

Contudo, o inc. X, imediatamente seguinte àquele que garante a liberdade de expressão,

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define que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Com efeito, partindo-se da premissa de que a liberdade de expressão é livremente autorizada, desde que não vá de encontro a uma regra jurídica, é indubitável a conclusão de que a expressão do pensamento não poderá violar os direitos da personalidade do indivíduo, especialmente a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, sob pena de responsabilização civil.11

Na demanda aqui analisada, não restam dúvidas de que o comentarista Benjamin Bach proferiu ofensas publicamente, com palavras de baixo calão, ao jornalista José Ferreira Neto, ao defini-lo como “desprezível”, “covarde e falso”, “sem moral”, que “dá nojo” e que “não vale nada”.

Diante disso, resta verificar, sob a ótica da liberdade de expressão, se Benjamin Bach extrapolou os limites, ao proferir a sua opinião a respeito do antigo colega de trabalho José Ferreira Neto.

Em caso bastante similar envolvendo duas personalidades públicas, o ex-jogador de futebol e atual comentarista esportivo Marcelo Pereira Surcin (notoriamente conhecido como “”) moveu ação indenizatória por danos morais, em face do técnico de futebol Vanderlei Luxemburgo da (publicamente conhecido como “Vanderlei Luxemburgo”), em razão de ofensas públicas proferidas pelo réu daquela ação, em face do autor. Naquela oportunidade, Vanderlei Luxemburgo se referiu da seguinte forma a Marcelinho Carioca:

“Do Marcelinho Carioca eu não tenho o prazer de ser amigo dele nem quero ser”.

“Eu não te deixo falar porque você é safado. Você é safado. Eu te conheço como cidadão há muito tempo. Você não vale nada. Você é safado. Você é moleque. Você é moleque e você é safado. Você é moleque e você é safado. Eu posso falar para você que eu tirei mulher do seu quarto. A tua religião foi a ponte para você se proteger até hoje. Eu falo isso na tua cara. Você é moleque e você é safado”.

Percebe-se claramente que Vanderlei Luxemburgo expressou publicamente a sua opinião, em programa televisivo, que nenhuma vinculação teve com a sua impressão sobre a antiga ou a atual carreira de Marcelinho Carioca, atividade que o tornou pessoa pública e notória, mas sim contra a sua pessoa, o cidadão.

Por essa razão, a Juíza de Direito desta ação entendeu procedente o pedido formulado por Marcelinho Carioca, destacando o seguinte:12

“Ao invés de fazer uma crítica técnica à opinião dos entrevistadores, passou a dizer que o autor não vale nada, chamando-o de safado e moleque, comentários que obviamente fugiram totalmente do contexto da entrevista, que se limitava à opinião dos entrevistadores quanto aos técnicos de futebol, opiniões estas manifestadas em palavras cordiais, sem ofensa à pessoa do réu.”

“Já as palavras do réu fugiram totalmente do contexto da entrevista e causou constrangimento a todos do programa, inclusive ao âncora, que tentou acalmar o réu, que não parava de ofender o autor.”

“Poderia o réu responder aos questionamentos na mesma altura das palavras do autor, ou seja, com argumentos técnicos e de forma educada.”

Ou seja, a magistrada daquele caso levou em consideração a liberdade de expressão, tanto é que suscitou que havia a possibilidade de Vanderlei Luxemburgo se dirigir a Marcelinho Carioca com críticas técnicas, porém, entendeu as críticas pessoas como situação avessa ao contexto da entrevista, de modo que entendeu completamente Página 10 Responsabilidade civil por críticas públicas direcionadas a pessoas notórias

extrapolado o direito à liberdade de expressão.

Em suma, para o julgador, a liberdade de expressão efetivamente existe, até o momento em que viola direitos da personalidade do ofendido e, no caso envolvendo Marcelinho Carioca e Vanderlei Luxemburgo, como este agrediu verbalmente a pessoa daquele, sem que tenha havido nenhuma vinculação com a entrevista, isto é, com a profissão deles, que os fez se tornarem pessoas públicas e notórias, houve prejuízo à honra e à imagem de Marcelinho Carioca.

Outra importante decisão judicial, mencionada aqui para comparar situações distintas, se deu em Ação Indenizatória por Danos Morais movida pelo jornalista esportivo José Carlos Kfouri (conhecido publicamente como “Juca Kfouri”), em face de Vanderlei Luxemburgo, por força de entrevista concedida pelo ex-técnico de futebol para rádio e televisão, mediante a qual expressou a sua opinião, no sentido de que a imprensa deveria se preocupar apenas com as disputas de jogos de futebol, não à conduta pessoal dos jogadores, sob pena de se tornar “um Juca Kfouri da vida”.

Neste caso, é notório que Vanderlei Luxemburgo estava emitindo a sua opinião em relação à imprensa, dizendo que esta não poderia analisar condutas pessoais de jogadores, mas sim a atuação profissional deles. Para ilustrar, citou o jornalista Juca Kfouri como exemplo de um desses profissionais do jornalismo, o que, para Vanderlei Luxemburgo, é extremamente negativo.

Ou seja, Vanderlei Luxemburgo, ainda que de forma pejorativa, expressou claramente uma crítica sobre Juca Kfouri, em relação à sua profissão de jornalista, que o fez tornar-se pessoa publicamente reconhecida no Brasil. Grosseiramente comparando, é como se Vanderlei Luxemburgo houvesse falado que Juca Kfouri é um péssimo jornalista, porque se preocupa em analisar a conduta pessoal dos jogadores de futebol, e não as partidas das quais estes participam.

O Juiz de Direito desta demanda entendeu da mesma forma, razão pela qual julgou improcedentes os pedidos iniciais, fundamentando a decisão na inexistência de abuso, pelo fato de Vanderlei Luxemburgo ter manifestado a sua crítica a respeito de Juca Kfouri, única e exclusivamente em relação à sua atuação enquanto jornalista esportivo, o tendo citado como exemplo de profissional do jornalismo que deveria se preocupar em dar mais ênfase ao evento esportivo, do que à vida privada dos jogadores que disputavam o evento. Veja-se trecho da sentença que demonstra claramente o entendimento do magistrado:13

“Assim, resta apenas a análise das declarações proferidas pelo réu à imprensa, para verificação da ocorrência ou não de abuso e, consequentemente, da caracterização de responsabilidade pelo ressarcimento de eventual dano causado. Neste prisma, basta mera leitura do trecho transcrito pelo autor a f. para verificar que as palavras do réu visavam a explicar determinada conduta que havia sido divulgada anteriormente, em relação a jogadores que foram por ele dirigidos, bem como a manifestar a opinião pessoal do declarante no sentido de que a imprensa deveria estar focada nas questões relativas às disputas esportivas do futebol, e não às condutas pessoais dos respectivos participantes.

Foi neste contexto que o réu se referiu ao autor utilizando a expressão ‘um Juca Kfouri da vida’, com nítida intenção de apenas exemplificar um jornalista que, na opinião dele, adotava a conduta equivocada de buscar fatos relativos à conduta pessoal dos participantes, em lugar de se ater às disputas esportivas.

Não se trata aqui de dar razão a esta ou àquela opinião, mas apenas de reconhecer que o réu tem tanto direito quanto o autor de manifestar seu pensamento, respondendo pelas consequências de eventual ofensa, que, neste caso, não existiu na expressão acima analisada, qual seja ‘um Juca Kfouri da vida’.”

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Abrangendo estes posicionamentos, devemos citar a recente decisão proferida no processo movido pelo Senhor Abravanel (conhecido do grande público como Silvio Santos) em face da TV Bandeirantes, pleiteando o recebimento de indenização por danos morais, em razão do personagem criado pelo humorista “Ceará”, integrante do programa “Pânico na TV”.

Neste sentido, o Desembargador relator manteve a decisão que condenou a Ré. Contudo, deixou claro que o fez em razão de uma específica cena, na qual foram utilizados truques de edição que acrescentaram som à movimentação dos lábios do Autor, sugestionando que ele teria proferido palavras de baixo calão, tendo o Desembargador considerado esta manipulação técnica como ilícita.

Já em relação à paródia, como um todo, o desembargador afirmou que o humorista Ceará vale-se da imagem de Silvio Santos enquanto personalidade pública, apresentador de programa de televisão, sem utilizar qualquer referência a aspectos de sua intimidade ou privacidade, afastando, assim, a indenização:14

Portanto, voltando à ação judicial que originou a ideia de elaboração do presente trabalho, deveria ter sido aplicada a mesma regra, isto é, Benjamin Bach, ao manifestar a sua crítica a José Ferreira Neto, abusou da sua liberdade de expressão, na medida em que as críticas ultrapassaram o limite aceitável, haja vista que não disseram respeito à vida, à atitude ou à característica profissional do ofendido, mas sim à sua pessoa, ao cidadão comum, o que efetivamente violou direitos da personalidade do destinatário das críticas.

Ademais, reitere-se que, como restou mencionado acima, por não ter sido emanada contra o profissional da televisão José Ferreira Neto, mas ao cidadão, não há como concordar com a visão da magistrada, que considerou que as ofensas foram dirigidas ao personagem Neto, assim como, nas decisões ilustrativas utilizadas nos presentes estudo, não há como se considerar que as críticas sofridas por Marcelo Pereira Surcin não foram direcionadas a ele, e sim ao Marcelinho Carioca, bem como que a crítica não foi direcionada ao personagem Juca Kfouri, mas ao cidadão José Carlos Kfouri Amaral.

Destarte, é certo que, no conflito entre a liberdade de expressão e o direito á honra e a imagem, indubitavelmente estes prevalecem, uma vez que, como a própria Constituição Federal (LGL\1988\3) dispõe, essa liberdade de pensamento jamais poderá violar os direitos da personalidade, dentre eles a honra e a imagem.

Tal entendimento é pacífico na jurisprudência brasileira, de forma que podemos citar uma ação judicial em que o Autor pleiteia o recebimento de indenização em razão de uma reportagem a ele destinada, vinculada no jornal do Sindicato dos condutores de veículos rodoviários, denominada “Como identificar um pau mandado na empresa”.

Neste sentido, acertadamente, o Desembargador fundamentou em sua decisão que:15

“A regra do art. 220, § 1.º, da Carta Magna (LGL\1988\3) agasalhou o respeito à privacidade do indivíduo como uma das limitações à liberdade de informação, isto é, de uma parte, há a liberdade de informação; por outra, o interesse que toda pessoa tem de salvaguardar sua intimidade, o segredo de sua vida privada.

(…)

A imprensa precisa ser livre, porque sem liberdade ela não cumprirá sua missão. Contudo, essa liberdade não pode permitir que o veículo de comunicação social agrida outros diretos atribuídos à pessoa, mesmo porque nenhum direito é completamente absoluto”.

É certo que a liberdade de informação e a liberdade de expressão são essenciais a um Estado Democrático de Direito, contudo, mais certa é a necessidade de que sejam preservadas a honra e a imagem de todos os cidadãos, independente das consequências Página 12 Responsabilidade civil por críticas públicas direcionadas a pessoas notórias

geradas por suas profissões, no caso do presente estudo, a notoriedade e o conhecimento de todo o grande público. 4. CONCLUSÃO

Após a análise de todas as demandas judiciais aqui comentadas, bem como das respeitáveis posições dos juristas citados, tem-se que, efetivamente, a limitação, em relação à responsabilidade civil por ofensas proferidas contra pessoas públicas e notórias existe exclusivamente em relação ao conteúdo desta ofensa.

Assim, se um cidadão ofende publicamente uma pessoa notória, se referindo unicamente à atividade desenvolvida por esta pessoa notória, de fato o ofensor não poderá ser responsabilizado publicamente.

Isto porque, a pessoa notória se sujeita a exercer determinada atividade publicamente, o que a torna famosa aos olhos do público, de modo não poderá se voltar contra eventuais críticas, ainda que severas, dirigidas contra o exercício desta atividade.

A bem da verdade, se a ofensa é destinada à atividade exercida pela pessoa famosa, atividade esta que proporcionou ao cidadão tornar-se pessoa pública, é legítimo que, tanto elogios, quanto críticas ofensivas sejam emanadas publicamente. Vale dizer que, indiretamente, a própria pessoa pública, ao aceitar esta condição, se dispôs a receber críticas públicas, muitas vezes ofensivas.

Em contrapartida, caso a ofensa esteja relacionada com a vida pessoal da pessoa pública, totalmente estranha à atividade exercida por ela e que a levou a tornar-se pessoa notória, a responsabilização civil do ofensor não poderá ser evitada, tendo em vista que a ofensa está inteiramente desassociada da pessoa pública, atingido o âmbito do cidadão propriamente dito, o que inevitavelmente causará a violação dos direitos da personalidade tratados neste trabalho.

Portanto, no caso envolvendo os jornalistas José Ferreira Neto e Benjamin Back, que balizou a elaboração deste artigo, é certo que, indubitavelmente, as ofensas foram pessoais e completamente estranhas à atuação profissional do jornalista esportivo José Ferreira Neto, considerando que disseram respeito tão somente ao cidadão, à pessoa, não guardando nenhuma relação com o profissional notória e publicamente conhecido como “Neto”.

Desta forma, efetivamente a decisão proferida pela Juíza de Direito da 5.ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros da Comarca de São Paulo mostrou-se equivocada ao não reconhecer o dano moral sofrido pelo jornalista esportivo José Ferreira Neto e, consequentemente, o ato ilícito praticado pelo jornalista Benjamin Back, que levou à falta de responsabilização civil deste, uma vez que foram sim violados os direitos da personalidade do cidadão José Ferreira Neto. 5. BIBLIOGRAFIA

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 5. ed. : Forense Universitária, 2001.

Constituição Federal de 5 de outubro de 1988: LGL\1988\3. Disponível em: [www.revistadostribunais.com.br].

JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada. São Paulo: Ed. RT, 2000.

SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Responsabilidade civil na Internet e nos demais meios de comunicação. São Paulo: Ed. RT, 2007. Capítulo Sistema Protetivo dos Direitos da Personalidade. Série GVLaw.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, Página 13 Responsabilidade civil por críticas públicas direcionadas a pessoas notórias

2007.

1. Sentença proferida pela Juíza de Direito Luciana Novakoski Ferreira Alves de Oliveira, da 5.ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros da Comarca de São Paulo/SP, na ação judicial movida por José Ferreira Neto contra Benjamin Back, Processo 0011027-61.2011.8.26.0011.

2. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 1683.

3. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 64.

4. “IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

5. “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

6. SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Responsabilidade civil na Internet e nos demais meios de comunicação. São Paulo: Saraiva, 2007. Série GVLaw. Capítulo “Sistema Protetivo dos Direitos da Personalidade”, p. 25.

7. STOCO, Rui. Op. cit., p. 1640.

8. Acórdão proferido pelo Des. Theodureto Camargo, da 8.ª Câm. de Direito Privado do TJSP, na ação judicial movida por José Antonio Jacomini contra Indepentende, Processo 0132946-29.2006.8.26.0000.

9. BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 129.

10. Idem, p. 101.

11. JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada. São Paulo: Ed. RT, 2000. p. 154-158.

12. Sentença proferida pela Juíza de Direito Tonia Yuka Kôroku, da 13.ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP, na ação judicial movida por Marcelo Pereira Surcin contra Vanderlei Luxemburgo da Silva, Processo 0207414-18.2007.8.26.0100.

13. Sentença proferida pelo Juiz de Direito Gustavo Antonio Pieroni Louzada, da 3.ª Vara Cível do Foro da Comarca de Santos/SP, na ação judicial movida por José Carlos Kfouri contra Vanderlei Luxemburgo da Silva, Processo 583.00.2007.207414-9.

14. Acórdão proferido pelo Des. Paulo Alcides, da 6.ª Câm. de Direito Privado do TJSP, na ação judicial movida por Senor Abravanel contra Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda., Processo 0008025-52.2012.8.26.0011.

15. Acórdão proferido pelo Desembargador Mendes pereira, da 7.ª Câm. de Direito Privado do TJSP, na ação judicial movida por Daniel Caldeira e outras contra Sindicato dos Condutores de Veículos Rodoviários e outros, Processo 0041624-38.2009.8.26.0576.

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