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A Ascensão de Donald J. Trump e o embate ideológico nos EUA

The Ascension of Donald J. Trump and the ideological clash in the USA

La ascensión de Donald J. Trump y el embate ideológico en EEUU

Ariel Finguerut Doutor em Ciência Política pela Resumo: A proposta deste capitulo é Unicamp, mestre em sociologia pela fazer um retrato político e ideológico a UNESP (campus de Araraquara), partir das ideias e das discussões pesquisador do Grupo de Trabalho suscitadas por Donald John Trump Oriente Médio e Mundo Muçulmano em sua candidatura à presidência da Universidade de São Paulo (GT dos EUA na eleição de 2016. OMMM), e do Projeto Sem Diplomacia Propomos a partir de Trump estudar – Uma parceria entre o Instituto de a emergência de um movimento Estudos Econômicos e Internacionais nativista nos EUA que dialoga com (IEEI) e a Assessoria de Comunicação tradições políticas americanas como o e Imprensa da UNESP. populismo progressista dos anos de E-mail: [email protected] 1920 e 30 até a re-emergência de movimentos nacionalistas e nativistas nos anos de 1990. Nosso objetivo é não só ter ferramentas para discutir Trump em termos ideológicos, como entender suas estratégias eleitorais explicitando suas influencias e características ideológicas buscando uma discussão mais ampla sobre os rumos do poder americano e suas sustentações ideológicas no limiar do século XXI.

Palavras-Chave: Donald J. Trump. Movimentos Nativistas. Progressismo. Paleoconservadores.

Abstract: The proposal of this project is to make a political and ideological portrait of Donald Jay Trump working since his ideas and discussions raised during his candidacy until the end of his 84

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais presidency. We argue that Trump presidente como Trump para o poder represents the emergence of a nativist americano no século XXI. movement that dialogues with different political traditions from the Nossa tese de partida aponta U.S. From the progressive populism para uma inflexão no of the 1920s and 1930s to the emergence of nationalist and nativist conservadorismo americano e para movements that reemergence in the um momento de crise no espectro 1990s. Throughout the development of the project we will discuss Trump's ideológico que tradicionalmente ideology and his electoral strategies aplicamos para estudar os fenômenos by explaining his influences and ideological characteristics in a broad políticos estadunidenses. Vivemos debate, considering the paths and the um momento de descrédito das ideias ideological support of the American power in this 21th century. e anti-intelectualismo aumenta um

clima de polarização política e certa Keywords: Donald J. Trump. Nativism. Progressive Movement. paranoia nos termos Richard Paleoconservatives. Hofstadter, que por vez se alimenta

1. Introdução da ansiedade diante de um declínio do poder americano e de todas as Nossa proposta é discutir as mudanças porvir. E ao debatermos os estratégias, ideias e conjuntura rumos do poder americano, ideológica que nos ajudam a entender discutiremos a tese do declínio do os rumos do poder americano a partir poder americano pelo menos 4 da ascensão das ideias representadas frentes: Declínio da presença militar; e trazidas pela eleição de Donald J. isolamento e descrédito das Trump. Para tanto um ponto de Organizações Políticas Internacionais; partida é encontrarmos chaves Perda de prestígio e atraso explicativas para a emergência e a tecnológico na liderança da transição vitória do fenômeno Trump. Em econômica; Instabilidade doméstica, seguida discutiremos o conceito de segregação e conflitos raciais, nativismo mostrando e discutindo conflitos religiosos e polarização autores e personalidades da história política, descrédito na democracia e política dos EUA que nos ajudam a nas instituições políticas. entender tal classificação. Frente ao debate doméstico Passaremos para algumas sobre polarização e a geografia do consequências e nuanças de um voto faremos uma revisão 85

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais bibliográfica somada a pesquisas de resposta a campanha de Obama campo realizadas entre 2014 e 2016. lançou souvenires com a certidão de No terceiro momento deste artigo nascimento de Obama. A própria faremos o debate sobre o poder relação de Trump com o Partido americano a partir da retórica Republicano é bastante frágil, há nativista de Donald Trump. entrevistas de 200478 no qual ele se Para entender a ascensão de diz mais próximo dos democratas do Donald Trump como um fenômeno que dos republicanos. E Trump político que podemos classificar como também mostra-se relutante em nativista precisamos discutir sua aceitar, caso não ganhasse as retórica e suas estratégias políticas primárias, apoiar o escolhido e não para entender o agravamento e sair candidato de qualquer modo. desprestígio político, recuo militar e Contudo, Trump chegou ao final de crise econômica - que os EUA 2015 como o pré-candidato mais periodicamente têm passado. Assim, forte, atingindo 23.3% na média das entender seu impacto e sua pesquisas de setembro de 2015. Em construção como líder populista nos poucos meses de campanha Trump permite avançar no debate sobre fez declarações que suscitaram tradições, embates e construções e polêmica em diferentes setores, das contradições ideológicas nos Estados mulheres, negros e latinos passando Unidos. por acusações de islamofobia, fascismo e apologia à violência. 2. A Ascensão de Donald J. Trump Seria Trump, um candidato

Donald Trump demorou a ser próprio de uma linhagem populista? levado a sério como pré-candidato. Ou como argumenta Gallagher Em 2012 ensaiou lançar-se e na (2016), Trump seria um típico ocasião ganhou notoriedade centrista, na qual o foco não é nem a (negativa) ao insistir em reproduzir as direita ou a esquerda, mas o teorias dos birthers que argumentam radicalismo do meio que foca na haver uma fraude na trajetória classe média e busca defende-la pessoal de Barack H. Obama que o diante dos interesses mais impediria de ser presidente dos EUA 78 Cf. Entrevista em < http://edition.cnn.com/2015/07/21/politics/donald- por ter nascido em outro país. Em trump-election-democrat/ > Acessada em 13/10/2015. 86

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais poderosos? Walter Russell Mead Sem desconsiderar estas (2002) faz uma tipologia já abordagens discutiremos aqui a ideia intensamente debatida da tradição de Donald Trump como um candidato política própria dos EUA e e presidente, nativista e inserido argumentara por exemplo que Trump numa tradição de populismo da se parece com os Jacksonianos, uma história política dos EUA. O recorte tradição com raízes profundas que geográfico é importante pois o remetem a Andrew Jackson, cujo conceito de populismo tem outros movimento que liderou de forte viés significados em outras regiões do populista foi decisivo para a criação mundo. A América Latina em do Partido Democrata, ou mesmo particular tem uma cara e longa movimentos como o Kun Klux Klan discussão sobre a tradição (KKK) que em seu auge nos anos de populista81. 1920 teve milhões de filiados79, Segundo Lyons e Berlet (2000) inclusive Harry Truman que depois a linhagem populista/nativista dos em 1945, já não mais filiado, torna-se EUA sustenta-se num tripé formado presidente dos EUA. por um movimento de mobilizado de Para alguns biógrafos de base, uma retórica antielitista Trump, a questão pode ser mais (alimentada por uma lógica de simples, apresentando o presidente identificar e projetar todos os dos EUA como uma pessoa que problemas um “bode expiatório”) e nunca deixou de pensar e agir como ataques em grupos sociais uma criança de 6 anos80. Para outros historicamente oprimidos. Em como o professor de psicologia Dan P. termos históricos há marcos do McAdams (2016), Trump deve ser movimento populista como o discutido como um caso patológico de movimento Know Nothing, que em narcisismo. 1850 ganhou como nos mostra Desmond (2012) eleições em cidades importantes como Salem, Boston e 79 Cf. discussão mais detalhada em: Bellant, Russ. Old Nazis, the , and the Republican Party: cidades também da Nova Inglaterra. Domestic fascist networks and their effect on U.S. cold war politics. Ed. South End; 3a edition. 1991. Na retórica dos candidatos Know 80 Cf. em < http://edition.cnn.com/2016/03/04/opinions/president- 81 Cf. por exemplo: FERREIRA, Jorge (org). 2001. O trump-six-year-old-with-nuclear-weapons-dantonio/ > populismo e sua história – debate e crítica. Rio de Acessado em 15/12/2016. Janeiro: Civilização Brasileira. 87

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Nothing, segundo Desmond (2002), de pessoas, tinha forte retórica enfatiza a retórica de purificação, populista com influência de ideias pregando uma América livre da antissemitas82. Nos anos de 1950, a influência dos católicos em geral e em (JBS) que particular contra os imigrantes denunciava a infiltração comunista irlandeses. Na mesma linha com foco no governo americano e entendia que nos estados sulistas, as diferentes o crescimento do Estado levaria uma ondas do KKK – cujo marco inicial é tirania nos EUA, foi extremamente 1860 – é uma referência populista popular, em seu auge, em 1960, central. como nos mostra Mulloy (2014), A ênfase retórica de Trump em passou de cem mil membros. Trump “construir o Muro” e, indiretamente surge em meio a outra crise, a de expulsar pessoas (imigrantes, financeira de 2008 e a crise militar ilegais, refugiados, mexicanos ou (Iraque, Afeganistão, Síria, Iêmen, criminosos) lembra casos históricos Líbia), não é radialista mas de movimentos nativistas como apresentador de Reality Show, o alvo classificava Richard J. Hofstadter não são os chineses mas talvez a (1960) nos quais movimentos China, a retórica não é exatamente populares, geralmente organizados antissemita é uma mescla de em pequenas cidades rurais, misoginia, racismo, islamofobia, mobilizavam - se politicamente, mas teóricas conspiratórias e associação expressando - se sobretudo pela dos latinos a crimes violentos, violência. Um KKK seria um exemplo estupros, preguiça, e em síntese, o e outro caso exemplar foi o fim do sonho americano. movimento que tentou expulsar Trump surge como uma imigrantes chineses de cidades caricatura de líder do povo que americanas, conhecido como Anti- promete soluções meramente Chinese Crusade, cujo auge ocorreu confiando em si mesmo e com uma em 1880. Em 1930, em meio à crise retórica que manipula anseios, medos financeira, e grande instabilidade e desejos de uma população de classe social, a figura do padre católico média, branca que já votou em Charles Coughlin, que em seus candidatos progressista, moderados, programas de rádio atingia milhões 82 Cf. Baldwin (2013). 88

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais conservadores e até mesmo Obama, o do estágio do capitalismo atual, que primeiro presidente declaradamente busca ao mesmo tempo a negro dos EUA, mas que segue, diferenciação e a distinção seja contudo, desiludida. Neste ponto é através do consumo de luxo seja na interesse notar a discussão de Larry busca por status. Trump é um baby Diamond, Marc F. Plattner e boomer mas poderia tranquilamente Christopher Walker (2016) que ser um millennials, como bem lembra coordenaram uma extensa pesquisa Andrew Ferguson83 ,Trump sempre comparando regimes autoritários trouxe a imagem que mescla como Venezuela, Rússia, Irã e Arábia elementos típicos de uma elite, que Saudita e agora se veem no desafio de estudo nas melhores escolas, mora entender Trump frente a este nos melhores lugares com elementos fenômeno de recrudescimento dos de uma “ baixa classe média”, que regimes autoritários. Seria Trump sempre frequentou as páginas dos parte deste fenômeno mundial? Ao Tabloides, que tem uma linguagem apostar num candidato populista o vulgar, dado a escândalos e que se debate cresce junto com as achou como “celebridade de reality incertezas. show” e gosto pela exposição e Diante do século XXI muitos obsessão pelo seu “nome” e por sua estrategistas tanto da economia, da imagem. política como do campo de estudos Para Ferguson (2016) esta estratégicos ligados a segurança se dualidade “elite vs. baixa classe perguntam se Trump não seria a média” fez de Trump o interlocutor inflexão que colocaria o poder ideal de um sentimento mais amplo americano em rota de declínio. de rejeição a Hillary Clinton e de Donald Trump poderia ser explicado esgotamento com o politicamente com auxílio do debate de Jean correto e multiculturalismo da era Baudrillard (2014) como um fruto da Obama. Contudo, para outros sociedade de consumo; portanto fruto autores como Galtung (2009), a de uma transformação social mais transformação social e a ascensão de enraizada. Vivendo em suas mansões um líder “reality show” reforçam o e coberturas em prédios com seu 83 Cf. entrevista no Hoover Institution em < nome, Trump é também um símbolo http://www.hoover.org/research/donald-trump-and- conservative-intellectuals > Acessado em 15/12/2016. 89

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais risco do autoritarismo e conservadores a sensação de que os consequentemente crise da políticos eram cínicos no sentido de democracia nos EUA. Se Trump ou não acreditarem exatamente no compromete a democracia americana, que diziam no sentido que não os riscos de acelerar o declínio do entregavam quando eleito aquilo que modelo americano, já apontados prometiam nas campanhas. como de fácil instabilidade por autores clássicos como Tocqueville 3. O embate ideológico nos EUA são concretos. A democracia No debate intelectual, Jon A. americana resistirá a Donald Trump? Shields e Joshua M. Dunn (2016) Trump pode ser visto mais mostram que o politicamente correto como um comunicador do que como na ânsia de educar, corrigir e moldar um político. Sua forma de se o debate acaba criando ideias e comunicar com um grande público discursos inofensivos e o que fica de certamente é algo a destacar e que concreto não é a importância (e nos ajuda a entender sua ascensão. consequências) das ideias, mas o fim Uma linguagem que soa mais direta e de policiar o discurso e punir certas próxima da coloquial fez de Trump ideias e manifestações. Segundo um candidato identificado como um Shields e Dunn (2016), o inimigo aberto e declarado do protecionismo tático promovido pelo “Politicamente Correto”. Como politicamente correto alimenta um argumenta Robert Hughes (1993) o pensamento patológico que por sua discurso político nos EUA desde dos vez só piora um quadro já anos 70 é visto como distante e disseminado de ansiedade e indiferente a realidade da maioria dos depressão entre os jovens americanos. Esta falta de sintonia universitários e cria e alimenta entre o discurso da classe política e “grupos” nos quais é mais fácil ser os anseios e aspirações do grande excluído do que incluído. Como eleitorado criou tanto entre os sintetiza Beres (2015)84, acreditar que democratas, e candidatos aliados a censurar algo ou simplesmente não temas considerados de esquerda assim como entre os candidatos 84 Cf. texto em < republicanos, identificados como http://www.revistas.usp.br/malala/issue/view/8183/sho wToc > Acessado em 15/12/2016. 90

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais falar de algo irá resolver alguma coisa “Guerra Cultural” e de “Polarização é como achar que basta não passar Política”. A ideia destes autores é que num lugar onde se foi assaltado para é possível ganhar com a divisão. Nos não ser mais assaltado. termos de Buchanan (2012, p. 55): Hughes (1993) argumenta que “se rasgarmos o país pela metade, o politicamente correto é um sintoma podemos ficar com a metade maior” da crise da esquerda da qual ela é (Apud. Hughes (1993, p. 56)). Mas ao vítima, mas também protagonista de contrário dos anos 90 quando o sua manipulação. A direita e mais recorte era religioso ou mesmo se especificamente o conservadorismo deslumbrava uma polarização mais americano, contudo não está isento. clara entre esquerda (liberais) / Se a esquerda manipula o direita (conservadores), agora o Politicamente Correto a direita recorte seria de classe ou, no limite, manipula o que Hughes classificou com forte ênfase da conjuntura como Politicamente Patriótico. A econômica no qual a elite liberal, ideia conservadora é tal como o multicultural, cosmopolita, politicamente correto, manipular e acadêmica, feminista, socialmente controlar os discursos e o debate liberal estaria em contraponto ao visando um recorte patriótico, ou “povo” ao folk, a classe média branca, seja, é preciso sempre enfatizar a classe média baixa que um dia já elementos como a Constituição dos foi operária e que hoje habita cidades EUA, os Pais Fundadores e o orgulho fantasmas sem emprego e sem da história (conservadora) dos perceptiva de melhora de vida. Estados Unidos. Este fenômeno de reação contra Trump enfatizou sua cruzada uma elite que Trump (2016) soube anti-Politicamente Correto, mas nem muito bem classificar como: esnobe, sempre se colocou como um arrogante, cheia de segredos, contra Politicamente Patriótico. Sua os interesses dos trabalhadores e no capacidade de mobilizar e ao mesmo poder ad eternum é o que aqui ofender multidões fez analistas como estamos classificamos como a Ponnuru (2016) enxergarem na ascensão nativista. campanha de Trump a volta das teses Nesta ascensão de Trump, um populares dos anos de 1990 de dos primeiros alvos foram os 91

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“formadores de opinião” se mostrando povo” e não temer ferir o hostil aos valores culturais da elite politicamente correto, isso cria a ideia vigente. O fenômeno não é novo, de que “estão falando aquilo que as autores como Daniel Bell, Edward elites intelectuais não querem ouvir”. Shils, Seymour Lipset e Richard Hochschild, uma socióloga feminista, Hofstadter (1966) discutem o que chama atenção por exemplo pela a classificam como anti-intelectualismo simpatia que muitas mulheres na tradição política americana desde sulistas têm por , um dos anos de 1950. A ideia básica é dos criadores e propagadores do que os valores das elites e de sua voz, termo “feminazi”, a mistura de a elite intelectual, não traduzem os feminismo com nazismo para retratar valores reais da sociedade americana. as feministas ou mulheres como A ideia como xenofobia, racismo, Hillary Clinton. misoginia, antissemitismo, O escritor George Saunders islamofobia são tabus para muitos da (2016) que a convite de uma revista elite cultural, muitos intelectuais acompanhou alguns dos comícios e agem como se o cidadão comum fosse eventos de campanha de Donald uma criança a ser tutorada por Trump e chama a atenção também intelectuais que lhe ensinariam o para o anti-intelectualismo. Segundo correto, muitas vezes o “politicamente Saunders, o efeito que Trump produz correto”. em seu público é de agitar a massa, Arlie Hochschild (2016) que de empolgar. Trump não está ali para saiu de sua confortável universidade persuadir para argumentar, mas para em Berkeley trabalhando com colegas se juntar a massa dentro de um liberais e de esquerda no movimento (em torno de si) expurgar Departamento de Sociologia para as ansiedades, as culpas, e gritar fazer trabalho de campo no Louisiana coisas como “Construa o Muro” ou e Mississippi constata que, em boa “Prenda Hillary” e “o inferno para o medida, o sucesso de radialistas Estado Islâmico”. conservadores com forte viés Esta plataforma abre a populista como Rush Limbaugh, possibilidade de pensarmos a tese e está na clássica do historiador da proposta de falar “a linguagem do Universidade de Columbia, Richard 92

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Hofstadter (1964) do estilo paranoico húngaro, Frank Furedi argumenta da tradição política estadunidense. que, assim como o conceito de anti- Esta tese tem sido usada desde dos intelectualismo, a ideia de populismo, anos de 1970 para explicar o foi usado de tal forma que ele hoje conservadorismo americano e sua serve mais para a defesa dos críticos tomada do partido republicano a – intelectuais anti - populistas – do partir de (1963). A que como chave explicativa para de mistura de teorias conspiratórias85, fato entender um fenômeno social, anti - intelectualismo e desilusão cultural e político. A tese de (com o establishment e sobretudo Hofstadter (1964) ainda tem com as elites culturais e econômicas) relevância diante de Trump? para explicar a radicalização da O analista da The Weekly direita ganha nova proporção com Standard, Mat Continetti lembra que Trump. no conservadorismo americano a A tese do estilo paranoico historicamente uma briga entre duas poderia ser usada para explicar o teses que apontam para duas conservadorismo de George W. possíveis estratégias políticas. Uma Bush86 ou mesmo para explicar seria tese do conservadorismo como movimentos como o Tea Party87 de um movimento intelectual, mas que 2009/10 ou mesmo a própria ganha poder em aposição e ocupando candidatura do adversário de Trump, o espaço dos intelectuais de , mas ganha nova relevância esquerda. Esta seria a tese defendida no caso de Trump. Na discussão de por movimentos intelectuais como o Richard Hofstadter (1964) o estilo de William F. Buckley Jr. nos anos de paranoico está diretamente ligado a 1950 ou mais recentemente dos uma tradição anti-intelectual. Quase neoconservadores em torno de Irving cinquenta anos depois, o sociólogo Kristol ou mesmo a lógica de Think Thanks como o American Enterprise

85 No caso de Trump, na campanha até final de maio de Institute e Cato Institute. Em 2016, o site Alternet já tinha contabilizado 58 teorias conspiratórias em falas, conservador que aposta na estratégia discursos ou declarações do candidato Donald Trump. de criar um movimento de base que 86 Cf. Finguerut (2014). 87 Cf. Debate de Theda Skocpol e Vanessa Williamson chega ao poder “de baixo para cima”. (2013) 93

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E a estratégia defendida por exemplo para solucionar (rapidamente) por nos anos de 1960 problemas estruturais. ou como argumenta Continetti Trump rapidamente tornou-se (2009), por Sarah Palin entre 2007 e um candidato populista ao se 2010 e agora com Donald Trump. apresentar como líder de si mesmo e Nossa escolha é pela tese do capaz de ser a reação desejada pela populismo/nativismo com certa nação contra esta ideia de elite, ressonância com as teses de contra o pluralismo, contra o Hofstadter (1964), argumentamos que multiculturalismo, contra o Trump não é conservador, mas sim, politicamente correto. Todavia, ao um populista/nativista. Tal escolha contrário de outros movimentos teórica pode soar como alarmismo. similares que discutiremos ainda Alertar para a ascensão do populismo neste artigo, Trump ao apelar para nos EUA pode ter o significado de, seu status de celebridade, de depois de “gritar lobo” tantas vezes, godfather, de “empresário bem agora que de fato podemos estar de sucedido”, de autor de best sellers, fato avistando um “lobo”, os acomoda seu eleitorado numa intelectuais – como bem lembra o posição passiva, como dizendo “pode próprio “lobo”, Trump88 avisou – confiar em mim, eu sou a solução, e parecem que estão desacreditados. você me conhece já me viu na O populismo de Trump pode televisão” basta votar em mim que ser estudado a partir de uma pronto, a “América será Grande tipologia que desenvolvemos que cria Novamente”. três tipos de tradições populistas na O populismo tem forte história história das ideias políticas nos EUA. também ligada à tradição de Há o populismo progressista, esquerda nos EUA. William Jenning produtivista e o nacionalista. O Bryan é amplamente estudado, tanto primeiro tem foco nos temas sociais, por historiadores progressistas até o segundo na gestão e o terceiro Karl Rove (2016). Bryan era do busca soluções e atalhos econômicos Nebraska e ganhou a convenção

democrata três vezes. Sua principal 88 Cf. artigo de Donald Trump sobre a derrota dos eleição foi a de 1896 quando perdeu “comentaristas políticos”, intelectuais e “especialistas” em Acessado em 15/12/2016. 94

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais um forte retórica anti - elite, defendia pontos centrais do movimento reformas sociais inspirados mobilizado por Norman Thomas, princip0almente na atuação de fundador do American Civil Liberties grupos religiosos num contexto no Union90e no final dos anos de 1920 qual os EUA recebiam muitos um dos líderes do Partido Socialista imigrantes e a diversidade religiosa nos EUA. Thomas conquistou perto ganhava força. Apesar do impulso de um milhão de votos na eleição de “povo” contra “elites” ou a “America 1932, concorrendo como socialista. Rural” contra as “Grandes Cidades”, Thomas argumentava que os EUA Rove (2016) lembra que o slogan da não deveriam entrar na I Guerra campanha de McKinley era de forte Mundial. viés populista também: “The People Robert M. La Follette de Against the Bosses”. Wisconsin, era senador em 1906 e Eugene v. Debs, de Indiana coloca-se contra os banqueiros e estava preso por participar de uma propunha uma “frente progressista” greve e de um boicote contra a para defender o povo contra as elites. empresa Ferroviária de Chicago e não Em 1924, La Follete teve cinco pode votar em Bryan. Mas torna-se milhões de votos concorrendo à socialista e funda em 1897 o Social presidência pelo Partido Progressista. Democratic Party que depois torna-se Nos anos 30, o senador o Socialist Party of America pelo qual democrata pelo estado do Luisiana, foi candidato a presente em 1900, Huey Long, longe de ser socialista, 04,0889, 12 e em 1920 quando defendia o “homem comum” contra os atingiu a marca de 1 milhão de votos, grandes interesses, contra os mesmo terminando preso novamente, poderosos. Em 1936 no seu famoso desta vez em Atlanta. Debs era discurso "Every man a King91" Long recorrentemente acusado de ser defendia ideias como a redistribuição espião, mas acabou solto com perdão da riqueza, o confisco de heranças e o presidencial em 1921. limite/teto para fortunas. Huey Long O sentimento que as elites 90 Até hoje é um dos articuladores mais importantes da levam a nação a Guerra foi um dos esquerda nos EUA. Cf. em Acessado em 15/12/2016. 89 Vale lembrar que em 1910, Theodore Roosevelt 91 Cf. Integrado do discurso em buscando um terceiro mandato criou o Partido Acessado em 16/12/2016. 95

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais nos dias de hoje seria uma mistura democratas e mesmo entre quase 50/50 entre Bernie Sanders republicanos. com Donald Trump. Interessante notar que Trump Nos anos de 1940 surge a se apropriou da ideia de America America First Committee (AFC). O First, embora definitivamente não ponto central era evitar que os EUA seja pacifista, mas oscila entre interviessem na II Guerra Mundial. A argumentos de ênfase igualitária com AFC chegou a ter 800 mil filiados argumentos autoritários. Trump fala tanto com simpatizantes de à classe trabalhadora, sua base que o movimentos socialistas como os elegeu não exatamente conservadora, ligados a Debs e Thomas como mais a mas credora do meio oeste direita como os simpatizantes do americano, o conhecido “rust belt”, sacerdote católico Thomas J. região formada por estados como Coughlin. A AFC perdeu força depois Michigan, Ohio, Pensilvânia, Indiana do ataque de Pearl Harbor em e parte de Illinois e Virginia dezembro de 1941. Ocidental. Todos estes estados Nas últimas décadas figuras historicamente são da base como Ralph Nader, Ron Paul e democrata, são estados mesmo Bernie Sanders e Elizabeth historicamente ligados a Warren dialogam com esta tradição. industrialização a indústria Muitas vezes enfatizando que o automobilística e aos mineiros e a fracasso do sonho americano é no indústria química. Para este fundo o fracasso dos sonhos da eleitorado a retórica de Trump flerta classe trabalhadora estadunidense. com a ideia de justiça social e abusa De certa forma a ideia de de metáforas para explicar distorção síntese entre pacifismo/ não no poder econômico. Basicamente intervencionismo, progresso social e Trump argumenta que a culpa é de antielitismo caracterizam o “establishment”, de uma elite e que populismo de esquerda nos EUA, portanto o povo, os outsiders embora ele não seja exclusivo de deverem se unir na figura do Trump partidos minoritários como os para assim “A América voltar a ser socialistas. Ele esteve com força entre Grande”. É o magnata de Nova Iorque prometendo reverter a 96

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais industrialização. Antes dele, Huey revolução, ao contrário, eles querem Long não hesitava em prometer reafirmar e até chegam a radicalizar intervenção estatal evitando em os valores do mainstream. última instancia o “colapso do Sonho Obama prometia que o sonho Americano” nos termos de Long. americano seria para todos e que era Trump promete colocar “America preciso resgatá-lo do First” e fala com descrédito de conservadorismo social e do organizações internacionais como a neoconservadorismo da política ONU ou considera conflitos como o externa. Já Trump argumenta que o da Síria um “problema dos russos”, sonho americano - o mesmo de assim como muitos populistas antes Obama - precisa ser resgatado de de Trump consideravam as Guerras uma “elite” multiculturalista, Mundiais um “problema dos politicamente correta e voltar a europeus”. incluir os homens brancos, O próprio Trump se comparou heterossexuais e a classe média de e citou muitas vezes Bernie Sanders forma mais ampla. Tanto Trump especialmente para conquistar como Obama foram candidatos eleitores democratas/ de esquerda. outsiders que conseguiram em dois Tal como Bernie Sanders, a retórica momentos distintos (2008 e 2016) de Trump poderia muito bem se apresentar respostas para os anseios encaixar nesta tradição populista de populares. esquerda de William Jenning Bryan Na política externa Trump em 1896 até Ralph Nader e sua luta sinaliza para uma lógica que todo pelos consumidores contra as acordo comercial deve ser “justo” grandes corporações em 2000. para os EUA. Sinaliza que pretende Outra comparação que pode sair ou renegociar o Nafta, parecer insólita é pensarmos como especialmente na relação EUA - Trump “imita” e muitas vezes soa México, por entender que é um com um discurso que parece com o acordo injusto com os EUA e que de Barack H. Obama em 2007/08 favorece o México. Trump argumenta apesar de ser direcionado para outro que “empregos” americanos estão público. Trump em 2016 assim como indo para outros países como México Obama em 2008 não propõe uma e China em especial e promete como 97

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais presidente “defender” o trabalhador do início do século XX retratavam a americano e os interesses dos EUA vida nas grandes cidades como o em “primeiro lugar”. espaço para a proliferação de A ideia de um membro da elite perversões e comportamentos que se volta contra seu grupo se desviantes. O homossexualismo, por aliando com o povo e passa a agir em exemplo, era retratado como uma nome do povo visando uma nova elite forma de desvio, de corrupção moral, tem raízes profundas em toda como uma forma de degeneração, história política dos Estados Unidos. como um comportamento não É inevitável começarmos lembrando civilizado e, portanto, como um mal a de Henry Ford. Trata-se da tipologia ser combatido. O combate viria pela que classificamos o populismo lei, tornando o homossexualismo um produtivista. crime. Os homossexuais eram Nos EUA do início do século desviantes, degenerados e sobretudo XX, ideias como eugenia e progresso pervertidos por fugirem da lei moral e guiado pela intervenção estatal eram biológica básica que pressupunha ser hegemônicas. Theodore Roosevelt, natural apenas atração sexual entre presidente dos EUA entre 1901 e homens e mulheres (e vice-versa) 1909 demonstrava grande sendo as mulheres dependentes dos preocupação com a “evolução da homens. sociedade” acreditando que caberia Neste contexto o êxito ao governo combater os males da industrial de Henry Ford o levou a se sociedade como, por exemplo, o interessar também por medicina, alcoolismo, a prostituição e o política e sociologia. Com fortuna que homossexualismo. Posteriormente, o colocava na época como o homem Woodrow Wilson, presidente dos EUA mais rico do mundo, Ford passou a entre 1913 e 1921 acreditava que a investir em campanhas informativas política externa dos EUA deveria ter e em projetos políticos. um caráter civilizacional no Em 1919, Henry Ford era o hemisfério. editor do jornal Dearborn Independent Como nos mostra o trabalho de que, segundo Baldwin (2013), era Terry (1999) o pensamento e a uma publicação de imensa postura dos médicos estadunidenses penetração e que divulgava ideias 98

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais antissemitas, defendendo o controle presidência dos EUA em 1920. A da entrada de imigrantes nos EUA situação mudou com o envolvimento tendo inclusive sido um dos dos EUA na II Guerra Mundial. responsáveis pela divulgação dos No auge da Guerra Fria Protocolos dos Sábios de Sião nos entre os anos de 1940 1950, o EUA. Em 1920 Ford financiou a senador Joseph R. McCarthy –não publicação de meio milhão de copias exatamente um homem de negócios – em quatro volumes de alguns destes apresentava-se como um populista textos numa serie intitulada The produtivista argumentando que os International Jew. EUA precisavam combater a Ford, ao longo dos anos de subversão, entendida como 1930 – quando os EUA mergulharam americanos que estavam a serviço ou na Grande Depressão com que simpatizavam com as ideias desemprego alto nas indústrias de comunistas ou com a União Soviética manufatura – estreitou relações com (URSS). Atuando como senador, à a Alemanha Nazista chegando a ser frente da temida the Republican-led condecorado pelo regime nazista em House Un-American Activities 193892. Ford estava convencido da Committee, e no seu segundo degeneração da sociedade americana mandato a frente do Committee on e do inimigo judeu e apostava que Government Operation, McCarthy com sua fortuna e influencia poderia entrevistou e interrogou cerca de mudar os rumos dos EUA. Para Ford duas mil pessoas buscando encontrar todos os problemas sociais passavam e demonstrar que comunistas e/ou pelo “problema judeu”. As Greves nas espiões da URSS estavam infiltrados fábricas eram organizadas por no governo dos EUA. Manipulando o judeus, as crises financeiras eram sentimento de que o governo é manipuladas por banqueiros judeus sinônimo de uma elite que não pode etc. Ford, segundo a historiadora ser confiada, movimentos populares Hasia Diner (2012), era um ótimo como o KKK e a John Birch Society orador e cogitava lançar-se a (JBS) cresceram e o sentimento de

desconfiança em torno do status quo 92 Trata-se do prêmio da Grande Cruz da Águia Alemã. da Guerra Fria se estendeu para a Segundo Hasia Diner (2012), Henry Ford era uma referência pessoal para Adolf Hitler e sua empresa a Ford seria uma referência para a alemã Volkswagen. 99

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Indústria Cultural93 e para tentar ter vantagens nas forças Organizações Políticas Internacionais armadas além de ser acusado de agir como as Nações Unidas, que desde de forma vergonhosa e vexatória em sua fundação em 1945 é alvo de uma rede nacional. Segundo Schrecker campanha difamatória alegando se (2001), McCarthy não suportou a tratar de um exemplo de “vergonha” tal como submetia a cosmopolitismo ou de postura pró – muitos de seus investigados e acabou URSS que feriria os interesses vitais falecendo aos 48 anos, em 1957. dos EUA. Ao mesmo tempo em que a Na política mais censura e “medo vermelho” crescia, contemporânea – considerando os uma postura “corretiva” / educativa últimos 50 anos – o movimento era defendida e incentivado por populista/nativista nos EUA segue grupos de bairros ou de “senhoras94” forte. Nos anos de 1990 a formação que se sentiam ofendidas pela ideia do chamado Movimento Patriótico de pornografia nos filmes ou de que mescla um discurso nacionalista propaganda comunista no cinema. (antiglobalização) com elementos Segundo Ellen Schrecker variados de xenofobia, racismo e (2001), historiadora da era antissemitismo. Um marco desse McCarthista, o declínio de Joseph movimento como nos mostra Lyons e McCarthy foi rápido – como ocorrem Berlet (2000), ocorreu em 1995, com os populistas – e em boa medida quando 167 pessoas foram mortas e é fruto de sua grande exposição. 650 feridas num atentado terrorismo Conforme seus interrogatórios em Oklahoma City. Segundo Lyons e passaram a ser televisionados em Berlet (2000), o ataque de Oklahoma 1954, sua credibilidade e apoio City se insere numa rede de popular declinaram. Ao tentar movimentos de linhagem populista confrontar o exercício americano, entre eles o movimento de milícias, o McCarthy foi acusado de no passado movimento de patriotas, o movimento religioso racista, Christian Identity,

93 O Código Hays era uma forma de censurar e além do recrudescimento de controlar a produção cultural. Vigorou entre 1934 e 1966. Cf. mais em movimentos neonazistas e Acessado em 16/12/2016. 94 O partido republicano tinha por todo país os Country Women’s Republican Club. Cf. Critchlow (2005). 100

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Em comum esses movimentos patriótica (anti-globalização), um falavam pela perspectiva da projeção discurso anti-sindical enfatizando o de um “povo” ou do “individuo” indivíduo e se apresentando como um oprimido e manipulado por uma elite “Chefe Leal”, alguém que poderia se (liberal, socialista, judaica etc.) e que voltar contra sua própria classe para seria tempo de reagir, seja via defender os trabalhadores e que milícias, seja denunciando essa elite poderia falar pelo povo. (com autores que “denunciam as Tanto Buchanan – um grandes conspirações95” e as “elites outsider que desafio a reeleição de globais”) ou lutando eleitoralmente, Bush nas primárias republicanas – participando da política partidária e como que de fato impediu concorrendo a cargos públicos. Na sua vitória demonstram uma base luta partidária Trump poderia ser o eleitoral formada para um discurso herdeiro de movimento populista – populista que reforça o estilo patriótico dos anos 1990, cujo marco paranoico (Hofstadter, 1964) e que político inicial seria Patrick J. reverbera um discurso anti-elite, com Buchanan (2012), como voz bode expiatório claro e que infla o neoisolacionista no contexto de auge sentimento patriótico e nacionalista. da retórica “nova ordem mundial” E a possibilidade de termos tanto dos governos de George H. W. novamente um Clinton e um Bush na Bush como de Bill Clinton (1993- disputa reforça o clima de volta aos 2001). Como nos mostra Souza anos 90 e Donald Trump parece (2014), Buchanan como pré- transitar por essa linhagem candidato nas primárias de 1992, populista. propunha limitar a imigração de A começar que seu negros, latinos e asiáticos, sintetizada principal mote campanha é um plano a divisão social dos EUA em termos anti-imigrantes96. Para Trump há um de Guerra Cultural. No mesmo ano, claro perfil na migração que vem do Ross Perot foi candidato México para os Estados Unidos, independente conquistando quase 20 trata-se de criminosos que viriam milhões de votos com uma retórica para o lado dos EUA incentivado pelo

96 Cf. Proposta detalhada em 95 Cf. por exemplo: Skousen, W. Cleon. The Naked Acessado em 13/10/2015. 101

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais governo mexicano. Trump também United We Stand: How We Can Take pretende expatriar imigrantes ilegais Back Our Country como “cartão de que forem presos ou que já foram visita”, já Trump faz o mesmo com presos e estão foragidos e quem for seu Trump: The Art of the Deal e de pego tentando entrar nos EUA ficara certa forma ambos fazem referência a preso e somente sairá para voltar ao Henry Ford que não chegou a pleitear seu país de origem. Por fim, Trump a Casa Branca, mas como nos mostra pretende acabar com a nacionalidade Baldwin (2013), usou de sua fortuna por nascimento97 e quer uma lei e influencia para divulgar suas ideias nacional para garantir prioridade – no caso antissemitas – e também para contratar trabalhadores com imagina que poderia mudar a política nacionalidade estadunidense98. americana a partir de um livro, no Em certo sentido, Trump caso o The International Jew - The retoma o discurso antiglobalização de World's Foremost Problem, publicado Buchanan, é nativista ao escolher os em grande escala a partir de 1920. imigrantes mexicanos como bode Trump também tem tentado expiatório (alega que são criminosos e mostra-se “defensor do mais fraco” oportunistas) e se aproxima de outros contra as elites ou mesmo tenta se populistas históricos como o colocar como uma porta voz do povo movimento Know Nothing (de 1850) contra as elites. Em entrevista ao ao projetar nos imigrantes as causas programa Meet The Press da NBC em dos problemas sociais nos EUA. 04/10/2015 Trump diz ter armas e Interessante também o paralelo entre sim, às vezes anda armado e que não Donald Trump e Ross Perot. Ambos acredita na solução de proibir armas se apresentam como “empresários” de fogo. Para o candidato, proibir o bem-sucedidos e técnicas acesso às armas não soluciona nem “revolucionárias” de negociações e de evita problema como de massacres administração. Perot usava seu livro provocados por atirados ao contrário, para Trump estando armado poderia

97 Regra que da nacionalidade estadunidense a quem se evitar massacres. A discussão nascer nos EUA, independentemente de os pais terem ou não nacionalidade plena. sobre a 2ª emenda, que garante o 98 Trump chama a proposta de hire American workers direito e ter e portar armas de fogos é first. Cf. em 102

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Movimento Patriótico. Portanto nesse A retórica de Trump como ponto, Trump esta dialogando candidato não o coloca como um diretamente com esses movimentos conservador. Trump não discute o que acreditam haver uma Estado, seu tamanho, seu caráter e conspiração em jogo para proibir e seu papel. Não se mostra desarmar os cidadãos. preocupado com temas como “o É interessante notar que futuro da liberdade” e não fala em na formação do gabinete ainda em termos de “virtude” ou “moral” como 2016, Donald Trump direciona suas faria um candidato conservador seja escolhas para os “mais ricos e mais de um espectro que pode ir do poderosos” priorizando CEOs e conservadorismo de com Generais no primeiro escalão. ênfase na tradição e no papel da Segundo reportagem de Claudia religião ou de Murray Rothbard com Trevisan (2016) o gabinete de Trump ênfase na liberdade e no livre será o mais rico da história dos EUA. capitalismo. Neste ponto a única Segundo a reportagem (2016) somado aproximação de Trump ao o primeiro escalão de Trump chega-se conservadorismo pensando de forma a uma fortuna na ordem de seis mais amplo como um direcionamento bilhões de dólares. político para o Estado americano é E na política externa através de sua retórica populista interessante notar que Trump nacionalista. sinaliza para um comandante-chefe Uma agenda conservadora que manterá sempre todas as clara para um candidato republicano, possibilidades abertas. Conforme a seja tendo como referência Ronald lógica da Rússia de Vladmir Putin, Reagan ou outros mais centristas cercado de segredos, de reuniões como Nixon ou George W. Bush teria secretas e como bem sintetizou o que se sustenta no tripé: cortes de especialista Peter Pomerantsev, tal imposto; uma visão conservadora dos como na Rússia de Putin, nos EUA de temas sociais e ênfase no liberalismo Trump: Nada é Verdadeiro e Tudo é econômico. Tem sido assim nos Possível99. últimos quarenta e oito anos. A

99 No original: Nothing Is True and Everything Is https://www.youtube.com/watch?v=5Au332OG-M4 > Possible. Discussão em < Acessado em 15/12/2016. 103

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais começar por Barry Goldwater em cheque esta elite que não é só 1964 até Mitt Romney em associada aos “Clinton´s” mas 2012. Trump organizou sua também inclui vários establishments plataforma no tripé: nacionalismo como as elites que controlam o econômico; controle das fronteiras e Partido Republicano, as elites uma política externa entre o políticas que controlam o Congresso e nacionalismo e o isolacionismo. A as elites intelectuais (tanto candidatura de Trump, contudo se conservadores como liberais) nas carece de lastro conservador não mídia e nas Universidades. carece de lastro político no sentido de , que trabalhou ter o apoio de um movimento político. com Nixon e Reagan, e entrou para a E este movimento político é melhor política nos anos de 1990 apresentou definido como populista. Trata-se de em sua plataforma de pré-candidato um movimento político na medida nas primárias do Partido Republicano que mobiliza pessoas, movimenta algumas ideias que hoje voltaram ideias e questiona um determinado com força com Trump. Buchanan foi status quo. É um movimento de o principal antagonista de George poder e que almeja o poder. H.W. Bush nas primárias de 1992 e O movimento de Trump tem conquistou na época 3 milhões de como alvo não exatamente o votos. Buchanan propunha uma capitalismo como muitos movimentos aliança contra as elites visando do século XIX. Como argumenta proteger a classe média e em sentido Timothy Shenk (2016) seu foco é mais amplo “colocar os EUA em mais gerencial, pois ele se coloca primeiro lugar”. Sua plataforma de como um gestor, um homem de 1996 quando foi pré-candidato negócio, um manager seu alvo está novamente pelo partido Republicano não no sistema como um todo, mas enfrentando desta vez o senador Bob na gestão. Seu argumento é que há Dole tinha como base a ideia de algo de errado, de ilícito de viciado “America First”, ênfase numa política nas elites vigentes - o que nos de econômica protecionista e uma 1950 o sociólogo Charles Wright Mills retórica anti-imigrantes. Buchanan chamaria de power elite - e portanto (2005) argumentava que com o sua ascensão ao poder colocaria em aumento dos imigrantes os brancos 104

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais deixaram de ser “maioria” e acabaria resumidas na ideia do colapso do pagando as contas de todos os outros Sonho Americano. Este colapso seria sejam de outras religiões, seja de culpa das elites, do mainstream outras raças ou de outros países. intelectual, político, cultural, Neste ponto a crítica que burocrático, político e econômico. O Buchanan (2012) faz ao estado de problema com estas elites dentro do bem-estar social pode tangenciar a movimento populista de Trump seria crítica que os conservadores também de gestão, faltaria aos EUA um boss, historicamente fazem contudo o um godfather como ele próprio que se recorte e a ênfase na identidade / diz capaz de discernir o bem do mal, raça branca o aproxima mais da o “nós” (estadunidenses) “deles” velha direita sulista com ênfase na (outros) e que ,sem descanso iria supremacia racial do que por trabalhar para os americanos exemplo na crítica que nos (brancos de classe média) expelindo neoconservadores fazem do Estado de dos EUA os parasitas, preguiçoso, Bem-estar Social. Trump surge neste incompetentes, anti-patriotas todos ponto apontando uma crise na elite aqueles seja da elite ou não que são americana e flerta com a crise de viciados, trapaceiros e não confiáveis. identidade do homem branco, Ao fazer o diagnóstico que “as protestante, nascido nos EUA e de coisas vão mal” – e Trump usou na classe média. campanha vários adjetivos e Trump se aproxima de sinônimos para deixar esta ideia bem Buchanan ao enfatizar o sentimento clara -o passo seguinte foi mostrar de anti-esperança. Trata-se de uma empatia às vítimas, aqueles que ideia que manipula o medo frente a sofreram nas mãos e com a mudanças, seja mudanças culturais manipulação dos mais poderosos e da (como da contracultura dos anos de elite corrupta. Neste ponto é 1960), mudanças políticas (como o interessante retomarmos as ideias de fim da Guerra Fria), mudanças Pat Buchanan (2005) pois ele faz sociais (como o multiculturalismo) ou exatamente o mesmo movimento. mudanças demográficas (como a Apenas nomeia a elite que o Trump ascensão dos millennials). Todas apenas qualifica (suja, corrupta, estas mudanças podem ser trapaceira etc.). Para Buchanan a 105

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais elite que causa o sentimento de anti- exceções como John R. Bolton – e se esperança tem nome, religião e diz um opositor da Guerra do Iraque clareza ideológica. São os – mesmo sendo possível sem esforço neoconservadores, um grupo encontrar declarações no contexto do relativamente pequeno de 11/09/01 no qual ele apoiava a intelectuais, judeus que defendem guerra. Trump aproximou-se de uma política externa intervencionista movimentos anti-intelectuais – que em nome da democracia. Em síntese ganharam a classificação de a alt- os neoconservadores seriam right, a direita alternativa em imperialistas democráticos. Em nome tradução literal. da democracia os neoconservadores, A alt-right / Direita Alternativa a elite no poder nos anos George W. critica o internacionalismo Bush colocou os EUA numa cruzada democrático dos anos Bush e, muitas pautada por intervenções, guerras e vezes, é abertamente antissemita alianças infundadas. Buchanan flertando com posturas isolacionistas. (2002) enfatiza que a aliança entre Assim como é abertamente crítica do EUA e Israel colocaria o poder multiculturalismo da era Obama e americano a serviço da hegemonia de defende posições abertamente a favor outra nação, uma nação que estaria a do privilégio ou mesmo de uma serviço do declínio dos EUA. suposta supremacia racial branca. A Trump por seu lado ainda não ideia alt right remete tanto a uma deixou claro se pretende ser de fato “alternativa” ao conservadorismo isolacionista, mas, é tão crítico aos mainstream como também a ideia de neoconservadores quando Buchanan uma substituição. Trump se encaixa (2002). Em boa medida seu êxito perfeitamente como alt right, pois ele popular está em conseguir ser crítico critica o mainstream conservador e se tanto do legado de George W. Bush apresenta como uma solução e, como de Barack H. Obama. Trump portanto, estaria pronto para com sua forma peculiar de se substituí-la. Trump é alt right ao comunicar consegue traduzir a seu questionar os formadores de opinião, público seu questionamento quanto os especialistas que desfilam pela aos valores da elite. Trump não teve grande mídia. Ele questiona a própria apoio dos neoconservadores – com ideia de Opinião Pública, um conceito 106

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais acadêmico, caro a intelectuais como ou desejam os intelectuais do Walter Lippmann que nos anos de establishment. 1920 propunha ferramentas para Trump não se declara racista entender as ideias e percepções de nem defende abertamente a uma sociedade em grande supremacia racial branca, mas um transformação como os EUA. Trump dos seus assessores políticos mais parece seguir o ditado de Wall Street: próximos, , foi editor do “Compre os rumores para vender as portal de notícias e notícias100”. também outros tantos abertamente Neste ponto é interessante a defensores da supremacia racial ideia de Trump como um articulador branca (dentre eles o histórico Ku da Direita Alternativa, uma espécie Klux Klan) apoiaram abertamente de movimento político que emerge Trump sem qualquer desaprovação das profundezas da internet e que se ou tentativa de distanciamento por propõe a destruir a esquerda parte da candidatura republicana. americana e ser como um Neste ponto Trump demonstra conservadorismo em cruzada contra o como a demagogia funciona na politicamente correto. manipulação de seu nativismo. Como Trump não deixa de filia-se a nos mostram Berlet e Lyons (2000) o Direita Alternativa ao se apresentar populismo pode ser tanto igualitário como alternativa ao establishment como totalitário. Inclusivo ou político – tanto liberal como Exclusivo. Pode projetar o futuro ou conservador – e ao se colocam ao lado fazer um revisionismo histórico. A povo e falam em nome do povo contra retórica antiesperança pode ser os intelectuais que os querem apocalíptica (a extinção dos brancos interpretar, diagnosticar e orientar. nos EUA, a islamização da América Trump questiona os valores e as etc.) pode demonizar seus adversários ideias da elite de uma perspectiva (como , Ted Cruz, Paul Ryan anti-intelectual e mostra que a ou sobretudo, Hillary Clinton). A Opinião Pública e o gosto popular demagogia tem sua lógica quando podem ser diferentes do que projetam opera através de teorias conspiratórias e em cada cenário, cada narrativa tem seus diferentes 100 No original: “Buy the rumors. Sell the news.” 107

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“bodes expiatórios”. Neste processo a Trump desta forma revela-se poucas a se confiar por isso no uma mistura de George Wallace, ex- populismo à figura do líder governador do Alabama e candidato carismático e de certa forma fraternal pró-segregação racial em 1968 (carinhoso e afetuoso) tem um papel quando obteve quase 10 milhões de fundamental. votos - com Barack Obama - primeiro O líder populista é aquele que presidente negro dos EUA que em irá resolver (sozinho) e é o unido em 2008 conquistou 96% dos votos dos meio a uma elite corrupta e uma eleitores negros. Trump se parece classe intelectual viciada a qual o com Wallace como o candidato da povo pode projetar e dar seu apoio e anti-esperança que fala dos sonhos confiança incondicional. Em troca o perdidos, de uma era de líder promete derrotar e mudar a elite ouro irrecuperável. Ao mesmo tempo, e dar e ser a voz do povo e apresenta-se como o candidato da governando em simbiose com o povo. mudança, contudo uma mudança Neste ponto a postura “agressiva”, dentro o establishment ou em outras que não teme o confronto, palavras, de um establishment por politicamente incorreta, que tal como outro. Como Wallace em relação aos o povo, usa linguagem chula, às brancos sulistas, Trump fala aos vezes é machista, misógino ou mesmo homens brancos e heterossexuais de racista e antissemita ou islamofóbico classe média com uma retórica reforça esta tentativa de elo direto exclusivista enfatizando que eles com uma ideia de “povo” e de um perderam status, poder e privilégios. movimento político antielitista e anti- E como Obama, Trump fala a este intelectual. Nos termos de Strauss: mesmo eleitorado masculino, branco e de classe média lembrando-o do Numa democracia a o respeito ao estado de direito, a constituição e sonho americano, com promessas e se tenta estabelecer um balanço nostalgia permeadas por soluções entre as classes sociais e os grupos de pressão popular. O populismo é rápidas - como erguer um muro na ambíguo. Ele promove o povo e fronteira com o México - para suas denuncia a elite, contudo neste processo, o populismo pouco se aflições econômicas, sociais e importa com as leis e foca nos resultados. (STRAUSS, 2016, sem políticas. Para muitos conservadores paginação) a promessa da reforma no Plano de

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Saúde (conhecido como Obamacare) notícias, mentiras, teorias soava tão absurda e anti americana conspiratórias além de memes e quanto a ideia de Trump de murar a piadas de cunho racista, antissemita fronteira com o México. e islamofóbico. Trump propôs uma resposta à Como nos mostra Christian pelo menos quatro temores/medos Rudder (2015), um estudioso da distintos: o medo dos imigrantes chamada big data – (latinos) e refugiados (muçulmanos); as informações de comportamento e o medo da desigualdade de reação de milhares de pessoas (principalmente com a perda do poder anônimas online – a opinião aquisitivo e do status); o medo da controversa, a polêmica, o debate corrupção sistêmica (os liberais e em polarizado pode atrair mais do que as especial os Clinton a tanto tempo no boas fontes, boas referências e boas poder estariam envolvidos numa rede críticas. Rudder (2015) mostra que profunda de corrupção) e o medo da online somos atraídos mais para um crise financeira ( que poderia filme com crítica dividida do que para derrubar os EUA e enriquecer países aquele filme francês cinco estrelas como a China, Israel ou Arábia segundo os “especialistas”. O mesmo Saudita). valeria segundo Rudder (2015) nos Estes medos podem ser sites de namorado. Mulheres com sintetizados na tese da avaliações polarizadas atraem mais antiglobalização e na manipulação homens do que mulheres avaliadas que o movimento nativista de Trump sempre como “perfeitas”. Na política, faz das frustrações de seu eleitorado. a analogia não pode ser transposta A estratégia política de Trump para diretamente mas o sucesso de Trump ser efetivo como mensageiro da anti- no mundo virtual, principalmente no esperança e ser claro na mensagem Twitter - segundo Rudder (2015) a antiglobalização precisou transitar rede social mais populista da internet como candidato entre momentos de - onde tem milhões de seguidores, arrogância (mostrando-se disposto a traduz esta estratégia de manipular assumir posturas autoritárias), foi as frustrações, desqualificar a ideia misógino, antiliberal, xenófobo além de “Opinião Pública” - eis que surge a de dar voz e disseminar falsas pós-verdade e a desilusão com o 109

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais mainstream - e criar um movimento Na política externa esta postura populista em torno de sua liderança. “nacionalista” pode significar tanto A manipulação das grandes uma aproximação ou tentativa de temas que geram ansiedade e isolacionismo que no caso dos EUA frustração é segundo Barry Strauss significaria basicamente o (2016) uma característica histórica do afastamento de Organizações nativismo/populismo, cujas raízes Políticas Internacionais (OPI) tanto de remetem ao auge do Império Romano viés estritamente políticas como as quando figuras como Tibério Graco Nações Unidas (ONU), como com foco (133 a. C) como um bom orador e econômico, como a Organização cheio de carisma falava diretamente Mundial do Comércio (OMC). O mais ao povo contra a elite lembrando que arriscado é pensar nos riscos de em Roma poucos tinham terra mas recuo em organizações de foco na muitos viviam na pobreza, e esta segurança, como a Organização do pobreza seria a riqueza da elite, Tratado do Atlântico Norte (OTAN), portanto mantendo a elite se neste caso países que são manteria o status quo no qual pouco dependentes da segurança tinham liberdade, prosperidade e proporcionada pelos EUA, como o felicidade. Strauss lembra que muitos Japão na Ásia ou os estados do populistas da era Romana viraram Báltico na Europa podem significar ditadores colocando a Assembleia uma nova corrida armamentista e popular contra o Senado e muitas pode significar novos e perigosos vezes fazendo do povo algo a conflitos de média e grande manipular conforme os caprichos intensidade101. egoístas do líder. Strauss lembra que todos os “populares” como eram 4. Conclusão chamados estes líderes em Roma Alguns poucos analistas viram terminaram assassinados. Quando se como algo “positivo” a vitória de promete poder ao povo ou uma Trump. Um dos aspectos positivos é revolução em nome do povo o risco de pensar que com Trump a política uma elite seja nova ou não apenas aumentar a frustração já vigente é 101 Cf. Debate promovido pelo Think Thank CSIS em: grande. < https://www.csis.org/events/alliances-and-american- leadership-project-launch > Acessado em 14/12/2016. 110

MUNDO E DESENVOLVIMENTO Revista do Instituto de Estudos Econo micos e Internacionais americana volta a ser real mais Numa conjuntura política próxima do povo e em linguagem de crise, seja ela real ou manipulada mais popular. Como lembra como “medo de declínio”, Trump Schopenhauer: surge como um outsider, um “líder forte”, alguém com apelo pessoal e As pessoas comuns têm profundo respeito ante os especialistas de carismático junto ao eleitorado todo gênero. Ignoram que quem faz propõe solucionar esta “crise” de de um assunto sua profissão não ama o assunto em si, e sim o lucro forma radical, quase “mágica” , como que ele lhe dá; e que aquele que ele mesmo declarou em abril de 2016: ensina um assunto raras vezes o conhece a fundo, porque àquele que “Se eu ganhar, tudo de ruim que o estuda a fundo não resta, em geral, tempo para dedica-se ao existe nos EUA será ensino. (SCHOPENHAUER, 2014, revertido102”.Trump não propõe p. 165) revitalizar o partido Republicano, não E força os intelectuais e propõe rearticular os conservadores buscarem análises mais objetivas, ou libertários e muito menos se que saiam de suas “zonas de conforto propõe a ser um mediador entre ideológicas” nas quais apenas como democratas e republicanos. Ele se “Jeremias modernos” repetindo em apresenta como a solução. Neste ciclos infinitos os mesmos ponto Trump se encaixa nas clássicas argumentos, as mesmas teses e teses populistas. O líder é o projeto, o alertando dos mesmos perigos. nacionalismo como suporte teórico, o Trump foi um candidato nativista e povo como conceito tampão e revela-se um presidente populista em manipulado pelo líder que boa medida como espólio da crise personaliza o poder. Neste ponto cultural e do próprio papel dos Trump declara “amores” tanto ao intelectuais nos EUA. Trump “povo” quando ao “poder” onde se basicamente escolheu quatro temas sente bem e flerta com o em toda campanha: o politicamente autoritarismo. correto; a falta de respostas da Tal perfil faz de Trump esquerda / dos progressistas/ dos como presidente algo imponderável. liberais; o anti-intelectualismo e a 102 No original: “If I win, everything bad in US will be nostalgia do excepcionalismo reversed”. Cf. contexto da declaração em < http://thehill.com/blogs/ballot-box/gop- americano. primaries/274966-trump-if-i-win-everything-bad-in-us- will-be-reversed > Acessado em 15/12/2017. 111

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Muitos pesquisadores do povo. Este povo pode ser tanto os conservadorismo americano, dentre mineiros da Virginia Ocidental, como eles este autor, não conseguiram os “supremacistas brancos” em prever ou mesmo, encaixar Trump no protesto em Charlottesville, basta espectro conservador apoiar Trump, neste caso, todos são contemporâneo103. O que nos fica aceitos e estarão fazendo a América claro é que a crise contemporâneo Grande Novamente. nos termos de Žižek (2017104) gera Bibliografia uma “redistribuição geral ideológica e política” e neste ponto notamos um BALDWIN, James. Black Antisemitism and retorno, uma nostalgia, ao auge de Jewish Racism. Ed. Vintage, NYC. 2013. movimentos nativista nos EUA entre BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de o final dos anos de 1920 e 1930 onde Consumo. Ed. Edições 70, BH, 3 ed. 2014, um discurso nacionalista serve como BERLET, Chip. ‘Trumping’ Democracy: guarda-chuva ideológico para outras Right-Wing Populism, Fascism, and the Case for Action. Political Research Associates, manifestações nativistas como a novembro de 2015. Disponível em http://www.politicalresearch.org/2015/12/1 xenofobia, o racismo e a ascensão de 2/trumping-democracy-right-wing-populism- um discurso que foca na autoridade fascism-and-the-case-for- action/#sthash.6MAJUpb2.dpuf Acessado que se sobrepõe a polarização em 12/15/2016. conservador/progressista. Neste BERLET, Chip e LYONS, Matthew. Right- ponto, o eleitor “frustrado” troca o Wing Populism in America. Ed. The Guilford Press, NYC. 2000. partido democrata pelo partido BUCHANAN, Patrick J. The Death of the republicano, não por que virou West: How Dying Populations and “conservador”, mas por que comprou Immigrant Invasions Imperil Our Country and Civilization. Ed. St. Martin's Griffin, o discurso nativista que propõe um NYC. 2002. governo autoritário, mas em nome do ______. Where the Right Went Wrong: How Neoconservatives Subverted the Reagan Revolution and Hijacked the Bush 103 Cf. parte deste debate em < Presidency. Ed. St. Martin's Griffin, NYC. https://www.newyorker.com/culture/cultural- comment/why-havent-conservative-thinkers- 2005. denounced-trump > Acessado em 12/12/2017. 104 Cf. entrevista em < https://news.vice.com/story/far- ______. Suicide of a Superpower: Will left-philosopher-slavoj-zizek-explains-why-he- America Survive to 2025? Ed. St. Martin's suppored-trump-over-clinton > Acessado em Griffin, NYC. 2012. 12/12/2017. Cf. também discussão mais detalhada em: < https://blogdaboitempo.com.br/2016/11/08/zizek- BUTLER, Judith. Quem são os eleitores de hillary-trump-e-o-mal-menor/ > Acessado em Trump? Blog da Boitempo, 11/11/16. 15/12/2017. 112

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