Universidades Lusíada

Catarino, Raquel dos Santos, 1988- Espaço público : a praça na configuração da Baixa de Lisboa http://hdl.handle.net/11067/3128

Metadados Data de Publicação 2017-04-04 Resumo A presente dissertação realiza um estudo sobre a evolução dos espaços públicos na cidade de Lisboa, consistindo, essencialmente na análise e reflexão das praças mais importantes da Baixa Pombalina. O objectivo é entender o aparecimento dos espaços públicos na cidade, dando importância à praça e de modo a equacionar um projecto para a valorização da mesma. È fundamental desenhar e redesenhar praças na cidade, avaliando o seu valor quer como ponto estratégico na reorganização dos traçados urbanos,... Palavras Chave Praças - - Lisboa, Espaços públicos - Portugal - Lisboa Tipo masterThesis Revisão de Pares Não Coleções [ULL-FAA] Dissertações

Esta página foi gerada automaticamente em 2021-10-11T15:18:20Z com informação proveniente do Repositório

http://repositorio.ulusiada.pt

U NIVE RSID ADE LUSÍ ADA DE L ISBO A

Fac uldad e de Arquitectura e A rtes

Mestrado integ rado em Arquitectura

Espaço público: a praça na configuração da Baixa de LLisboa

Realizado por: Raquel dos Santos Catarino Orientado por: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Constituição do Júri:

Presidente: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de OOliveira Braizinha Orientador: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel Arguente: Prof. Doutor Arqt. Fernando Manuel Domingues Hipólito

Dissertação aprovada em: 22 de Maio de 2013

Lisboa

2013

U NIVERSIDADE L U S Í A D A D E L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

Espaço público: a praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino

Lisboa

Janeiro 2013

U NIVERSIDADE L U S Í A D A D E L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

Espaço público: a praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino

Lisboa

Janeiro 2013 Raquel dos Santos Catarino

Espaço público: a praça na configuração da Baixa de Lisboa

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.

Orientador: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Lisboa

Janeiro 2013

Ficha Técnica

Autora Raquel dos Santos Catarino

Orientador Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Título Espaço público: a praça na configuração da Baixa de Lisboa

Local Lisboa

Ano 2013

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação

CATARINO, Raquel dos Santos, 1988-

Espaço público : a praça na configuração da Baixa de Lisboa / Raquel dos Santos Catarino ; orientado por Bernardo d'Orey Manoel. - Lisboa : [s.n.], 2013. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa.

I - MANOEL, Bernardo de Orey, 1969-

LCSH 1. Praças - Portugal - Lisboa 2. Espaços Públicos - Portugal - Lisboa 3. Lisboa (Portugal) - História 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 5. Teses - Portugal - Lisboa

1. Plazas - Portugal - 2. Public Spaces - Portugal - Lisbon 3. Lisbon (Portugal) - History 4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations 5. Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon

LCC 1. NA9072.L57 C38 2013

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Agradecimentos

Quero agradecer à minha família, pelo apoio demonstrado durante a realização do curso de arquitectura. Quero agradecer aos meus colegas, que comigo partilharam bons e maus momentos, durante o percurso académico.

Agradeço simultaneamente ao meu orientador, Prof Doutor Arq Bernardo d`Orey Manoel, que me guiou ao longo do último ano.

Agradeço à entidade Universidade Lusíada de Lisboa pela formação prestada, assim como a todos os docentes, cuja aprendizagem e evolução se deve à simpatia e entusiasmo demonstrado por cada um.

Raquel dos Santos Catarino 5

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 6

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Apresentação

Espaço Público

A Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino

A presente dissertação realiza um estudo sobre a evolução dos espaços públicos na cidade de Lisboa, consistindo, essencialmente na análise e reflexão das praças mais importantes da Baixa Pombalina. O objectivo é entender o aparecimento dos espaços públicos na cidade, dando importância à praça e de modo a equacionar um projecto para a valorização da mesma. È fundamental desenhar e redesenhar praças na cidade, avaliando o seu valor quer como ponto estratégico na reorganização dos traçados urbanos, quer como elemento qualificador da paisagem urbana. A praça reflecte por isso, a essência e sensibilidade de um espaço colectivo que privilegia o encontro e a troca de experiencias individuais e colectivas.

Palavras-chave: Espaço Público, Cidade, Lisboa, Praça Pública Portuguesa

Raquel dos Santos Catarino 7

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 8

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Presentation

Public Space

The configuration of square in Baixa of Lisbon

Raquel dos Santos Catarino

This dissertation conducts a study about public spaces evolution in the city of Lisbon, consisting, essentially, of analysis and reflection of the most important squares of Baixa Pombalina. The aim is to understand the appearance of public spaces in the city, giving importance to the square and to consider a project for the recovery of the same, today. It is essential to draw and redraw the squares in the city, assessing its value both as a strategic point in the reorganization of urban traits, whether a qualifying element of the urban landscape. The square reflects the essence and sensibilities of a collective space that favors the encounter and exchange of individual and collective experiences.

Keywords: Public Space, City, Lisbon, Portuguese Public Square

Raquel dos Santos Catarino 9

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 10

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 1 - Esquiço da proposta para a recriação do espaço público na cidade. (Ilustração nossa, 2011) ...... 27 Ilustração 2- O leito do antigo braço do Tejo abrangia toda a zona da baixa de Lisboa bifurcando depois pelas avenidas actuais da Liberdade e Almirante Reis. Ente elas pode ver-se o Monte de Santa ...... 38 Ilustração 3- “O esteiro do Tejo em tempos pré- de históricos” (Santos, 2005, p.24) ...... 38 Ilustração 4 - Aspecto geral das ruínas do Teatro Romano. (Moita, 1994, p.39) ...... 42 Ilustração 5 - “Conservas de águas romanas da Rua da Prata”. (Moita, 1994, p. 37)...... 42 Ilustração 6 – Escavações Arqueológicas na Praça da Figueira. (arquivomunicipal, 2012) ...... 42 Ilustração 7 – “Prédio com lápides romanas” na Travessa do Almada. (arquivomunicipal, 2012) ...... 42 Ilustração 8 – “Lápide romana encontrada nas obras do Castelo de S. Jorge”. (arquivomunicipal, 2012) ...... 42 Ilustração 9 – “Lisboa Muçulmana”, Martins Barata, 1940 (Araújo, 1940)...... 46 Ilustração 10 – Traçado conjectural da cerca moura. (arquivomunicipal, 2012) ...... 47 Ilustração 11 - “Lisboa – a cidade e as muralhas islâmicas”, desenho baseado num manuscrito existente na biblioteca de Leiden (Leiden, Holanda). (Matos, 1999 p.1) ...... 47 Ilustração 12 – Configuração de uma rua em . (Ilustração nossa, 2011) ...... 50 Ilustração 13– Configuração de uma rua em Alfama. (Ilustração nossa, 2011) ...... 50 Ilustração 14– Configuração de uma rua em Alfama. (Ilustração nossa, 2011) ...... 50 Ilustração 15 - “Cerco de Lisboa. Desenho para as crónicas de Fernão Syva”, Roque Gameiro. (Araújo, 1940, p.32) ...... 52 Ilustração 16 – “Tomada de Lisboa”. (museudacidade, 2008) ...... 52 Ilustração 17 – “Precioso quadro seiscentista que representa a conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques”, fotografia na Câmara Municipal de Lisboa (Lisboa, Portugal). (Vieira, 1939, p.74) ...... 54 Ilustração 18 – Rua nova (3) e Rua dos Ferreiros (5). (Carita, 1999, p. 76) ... 60 Ilustração 19 – “Configurações de partes das fortificações da cidade”. (museudacidade, 2008) ...... 62 Ilustração 20 – Lisbona em 1572. (Vieira, 1939, p. 22) ...... 67 Ilustração 21 – “Palácio Real em Lisboa”. (arquivomunicipal) ...... 68 Ilustração 22 - “Até ao terramoto a Ribeira das Naus era conformada a norte pela Rua dos Ferreiros, aberta nos inícios do século XVI e cujas oficinas davam apoio a este estaleiro naval”, fotografia do Museu Nacional de Arte Antiga (Lisboa, Portugal). (Carita, 1999, p.74) ...... 68 Ilustração 23 – “A reforma urbana manuelina assinalada na planta de Lisboa de João Nunes Tinoco”, 1659. (Carita, 2001, p.17) ...... 69 Ilustração 24 – “Prolongamento da Rua Nova”. (Carita, 1999, p.28) ...... 70

Raquel dos Santos Catarino 11

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 25 – “Perspectiva da Rua Nova dos Mercadores”. (Carita, 1999, p.70) ...... 70 Ilustração 26 – “A abertura da Rua Nova d‟ El Rei e o conjunto de reformas urbanas realizadas em Lisboa na sequência do programa de reordenamento da cidade iniciado em 1498. (Carita, 1999, p. 76) ...... 71 Ilustração 27 - “Planta da cidade de Lisboa”, fotografia do Instituto Geográfico do Exército (Lisboa, Portugal), João Nunes Tinoco, 1650. (Ilustração nossa, 2007)...... 72 Ilustração 28 – Configuração da Rua Nova d‟ El Rei. fotografia do Instituto Geográfico do Exército (Lisboa, Portugal), João Nunes Tinoco, 1650. (Ilustração nossa, 2007) ...... 72 Ilustração 29 – “Formação urbana da Rua Direita de Cata-Que-Farás”. (Carita, 1999, p. 92) ...... 73 Ilustração 30 – Inicio da formação dos traçados de configuração diferente do aspecto irregular do lado oriental da Ribeira. (Carita, 1999, p. 40) ...... 73 Ilustração 31 – “Inícios da urbanização da Vila Nova de Andrade”. (Carita, 1999, p. ) ...... 77 Ilustração 32 – Segunda fase de urbanização de Vila Nova de Andrade”. (Carita, 1999, p.) ...... 77 Ilustração 33 – “Vista de Lisboa (Iluminura - 1ª metade do século XVI)” ...... 79 Ilustração 34 - Pormenor do , Braunio, século XVI. (Dias, 1987, p.12) 80 Ilustração 35 – Pormenor do Terreiro do Paço, Braunio, século XVI. (Dias, 1987, p. 12) ...... 80 Ilustração 36 – Evocação da cidade de Lisboa atingida pelo Terramoto de 1755. (Institutocamões, 2011) ...... 86 Ilustração 37 – “Estudo para o plano-piloto da Baixa-”, Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, 1758. (Rossa, 2004, p.29) ...... 92 Ilustração 38 – “Planta Final para o plano-piloto da Baixa-Chiado”, Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, 1758. (Rossa, 2004, p.29) ...... 92 Ilustração 39 – “Conjunto urbano da Baixa Pombalina – traçado urbano” (Rossa, 2004, p.45)...... 93 Ilustração 40 – Malha da Baixa. (Lamas, 2004, p.56) ...... 93 Ilustração 41 - Conjunto urbano Baixa Pombalina ...... 94 Ilustração 42 – Pormenor da Praça do Comércio em 1876. (Santoa, 2005, p.41) ...... 95 Ilustração 43 – Pormenor da Praça do Rossio em 1876. (Santos, 2005, p.41) ...... 95 Ilustração 44 – “Passeio Público de Lisboa”. (museudacidade, 2008) ...... 100 Ilustração 45 – “Passeio Público, pavilhão, largo e terraço da entrada norte”. (arquivomunicipal, 2012) ...... 100 Ilustração 46 – “Esquema orgânico de Lisboa”. (França, 2009, 480) ...... 101 Ilustração 47 – “Lisboa 1987”. (museudacidade, 2008) ...... 103 Ilustração 48 – “Levantamento de Lisboa de 1911”, Júlio Antonio Vieira da Silva. (Moita, 2004, p. 408) ...... 103 Ilustração 49 - “Panoramica da Praça dos Restauradores e Avenida da Libardade (19?)” (arquivomunicipal, 2012) ...... 104 Ilustração 50 – “Tardes calmas da Avenida”. (Dias, 1987, p.57) ...... 104

Raquel dos Santos Catarino 12

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 51 – Planta da cidade de Lisboa, fotografia do Instituto Geográfico do Exercito (Lisboa, Portugal), José Pires Barroso, 1940. (Ilustração nossa, 2011)...... 105 Ilustração 52 – Planta parcial de Lisboa, representando a nova Avenida (Almirante Reis). (museudacidade, 2008) ...... 107 Ilustração 53 - Esquisso de projecto de uma praça pública. (Ilustração nossa, 2010)...... 109 Ilustração 54 - Pormenor em planta da Praça do Rossio, João Nunes Tinoco, 1650. (Branco, 1969, p.40)...... 1177 Ilustração 55 - Pormenor do Rossio, Braunio, século XVI. (Dias, 1987, p.12) ...... 117 Ilustração 56 - O Rossio num dia de mercado. Zuzarte (Santos, 2005, p. 31) ...... 118 Ilustração 57 - Procissão de um auto-de-fé no Rossio (Moita, 1994, p. 408) 118 Ilustração 58 - Formatura dos Regimentos dos Voluntários Reais do Comércio no início do século XIX, no Rossio (revista monumentos, 2008) ...... 119 Ilustração 59 - O plano para a reconstrução do centro de Lisboa – 1756 (Santos, 2005, p.225) ...... 121 Ilustração 60 - Palácio da Inquisição no Rossio, já depois do incêndio, Vieira da Silva. (Santos, 1990, p. 32) ...... 122 Ilustração 61 - Teatro D. Maria II”. (Flickr, 2011) ...... 122 Ilustração 62 - “O Terreiro do Rossio em 1848” (Santos, 1990, p.32) ...... 123 Ilustração 63 – “Arco do Bandeira”, F.M. Pozal, 1947. (Santos, 1990, p.80) .123 Ilustração 64 – “A Praça de D. Pedro com o tabuleiro ondulado, os bancos, as árvores e os quiosques”, século XIX. (Dias, 1987, p. 153) ...... 124 Ilustração 65 - “Os saloios da Praça D. Pedro IV”, Joshua Benoliel, 1907. (Santos, 1990, p. 50) ...... 125 Ilustração 66 - “Provincianos junto ao bebedouro dos quatro anjinhos”, Joshua Benoliel, 1907. (Santos, 1999, p.51) ...... 125 Ilustração 67 – “Lisboa com sede em 25 de Março de 1907”, Joshua Bendlel, 1907. (Santos, 1999, p.51) ...... 125 Ilustração 68 - “O Rossio após a amputação do tabuleiro ondulado”, 1925. (Dias, 1987, p.158)...... 125 Ilustração 69 - “Chave D‟Ouro no seu cenário do Rossio”. (Dias, 1987, p.112) ...... 125 Ilustração 70 – “Aspecto do Rossio depois das transformações de 1925”. (Santos, 1999, p.81)...... 126 Ilustração 71 – Vista geral do Rossio. (rouxinoldepomaresblogs, 2011) ...... 128 Ilustração 72 – A estátua ao centro na praça. (Ilustração nossa, 2012) ...... 129 Ilustração 73 – As árvores na praça do Rossio. (Ilustração nossa, 2011) .....129 Ilustração 74 – Os bancos que pontuam a praça. (Ilustração nossa, 2011) ..129 Ilustração 75 – Os chafarizes são um elemento caracterizador da praça do Rossio. (Ilustração nossa, 2011) ...... 129 Ilustração 76 – Espaços de estar na Praça do Rossio, em Lisboa. (Ilustração nossa, 2011) ...... 130 Ilustração 77- “Fragmento da planta de Lisboa”, Vieira da Silva, ? (Silva, 1940, p.249)...... 135

Raquel dos Santos Catarino 13

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 78- “Um auto-de-fé no Terreiro do Paço. A cena passa-se defronte do Palácio Real”, João Alvarez de Colmenar, 1707. (Moita, 1994, p.352) ...... 136 Ilustração 79 – “Paço Real e Terreiro do Paço”, fotografia do Museu da Cidade (Lisboa, Portugal), Dirk Stoop, século XVII. (Moita, 1994, p.244) ...... 137 Ilustração 80 – “Cortejo real passando no Terreiro do Paço a caminho da Sé”, fotografia do Museu da Cidade (Lisboa, Portugal), Dirk Stoop, século XVII. (Moita, 1994, p.345) ...... 137 Ilustração 81 – “Eugénio dos Santos e Carlos Mardel: perspectiva da Praça do Comércio”, Gaspar Frois Machado. (Faria, 2008, p.114) ...... 138 Ilustração 82 – “Eugénio dos Santos: planta da Praça do Comércio”. (Faria, 2008, p.114) ...... 139 Ilustração 83 – Nova Lisboa, alçado da ala Norte da Praça do Comércio com um arco do triunfo que monumentaliza a entrada na Rua Augusta”, Eugénio dos Santos e Carvalho. (Ferrão, 2004, p.70) ...... 140 Ilustração 84 – “A Praça do Comércio nos inícios do século XIX representada como lugar privilegiado de actividades comerciais, portuárias, e de transporte duma cidade ribeirinha”, Henry L‟Èveque, 1814. (Faria, 2008, p.55) ...... 141 Ilustração 85 – “Cego na Praça do Comércio”, Henry L‟Èvêque, inícios do século XIX. (Faria, 2008, p.56) ...... 141 Ilustração 86 – “Quiosques e Candeeiros”, fotografia do Arquivo Fotográfico (Lisboa, Portugal), ca. 1890. (Faria, 2008, p.67) ...... 141 Ilustração 87 – “Vendedor de estampas no Terreiro do Paço”, Paulo Guedes, 1902. (Dias, 1902, p.48) ...... 141 Ilustração 88 – “O Terreiro do Paço com árvores”. (Faria, 2008, p.375) ...... 142 Ilustração 89 – “ A Praça do Comércio nos finais do século XIX, já mecanizada e arborizada”. (Faria, 2008, p.56) ...... 142 Ilustração 90 – “Vista da Praça do Comércio”, 2005. (Faria, 2008, p.253) ....143 Ilustração 91 – Planta da Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2011) ...... 144 Ilustração 92 – Alçado frontal da Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2011) ...... 145 Ilustração 93 – Alçado da Praça do Comércio. (França, 2004, p.18) ...... 145 Ilustração 94 – Pessoas utilizam os degraus da base da estátua como espaço de estar. (Ilustração nossa, 2012) ...... 146 Ilustração 95 – Pessoas a usufruirem da passagem no Cais das Colunas. (Ilustração nossa, 2012) ...... 146 Ilustração 96 – Pessoas no Cais das Colunas. (Ilustração nossa, 2012) ...... 146 Ilustração 97 – Exemplo de uma apropriação do espaço por parte dos indivíduos, no Cais das Colunas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 147 Ilustração 98 – Indivíduos no Cais das Colunas. (Ilustração nossa, 2011)....147 Ilustração 99 – Vista para o rio no Cais das Colunas. (Ilustração nossa, 2012) ...... 147 Ilustração 100 – “Praça do Comércio – esplanadas”. (riosiberios, 2011) ...... 148 Ilustração 101 – Café com esplanadas quase vazia, na Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2012) ...... 148 Ilustração 102 – “Planta da reconstrução de Lisboa (Baixa Pombalina)”, Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, século XVIII. (França, 2008, p.8) ...... 152

Raquel dos Santos Catarino 14

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 103 – “Praça das Ervas, cena de mercado”, fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa (Lisboa, Portugal), Nicolas- Louis-Albert-Delerive, 1792. (quemroubouasartes, 2010) ...... 153 Ilustração 104 – “ A Praça da Figueira chegou a ter oito entradas, estando cercada por gradeamento” (quemroubouasartes, 2012) ...... 153 Ilustração 105 – “Perspectiva da Praça da Figueira (bilhete postal)”. (quemroubouasartes, 2012) ...... 153 Ilustração 106 – “Vista de Lisboa – Praça da Figueira”, Serra Ribeiro, 1919. (museudacidade, 2005) ...... 154 Ilustração 107 – “Postais ilustrados da Praça da Figueira”. (Dias, 1987, p.43) ...... 154 Ilustração 108 – “Postais ilustrados da Praça da Figueira”. (Dias, 1987, p.43) ...... 154 Ilustração 109 – Preparação para a demolição do mercado – um tapume rodeia o edfício. (Dias, 1987, p.46) ...... 156 Ilustração 110 –Fase intermédia da demolição do mercado. (Dias, 1987, p.46) ...... 156 Ilustração 111 – Demolição do Mercado. (Dias, 1987, p.47) ...... 156 Ilustração 112 – “A Praça da Figueira transformada em parque de estacionamento” (quemroubouasartes, 2012) ...... 156 Ilustração 113 – “Praça da Figueira, 1961. Construção do pedestral da estátua de D. João I”. (quemroubouasartes, 2012) ...... 157 Ilustração 114 – “Praça da Figueira, 1972”. (quemroubouasartes, 2012)...... 157 Ilustração 115 – Praça da Figueira. (museudacidade, 2005) ...... 158 Ilustração 116 – É constante a presença dos pombos na Praça da Figueira. (Ilustração nossa, 2011) ...... 159 Ilustração 117 – É mais frequente a utilização da praça como espaço de passagem. (Ilustração nossa, 2011) ...... 159 Ilustração 118 – É mais frequente a utilização da praça como espaço de passagem. (Ilustração nossa, 2011) ...... 159 Ilustração 119 – É mais frequente a utilização da praça como espaço de passagem. (Ilustração nossa, 2011) ...... 159 Ilustração 120 – Skater na Praça da Figueira. (sapoblog, 2012) ...... 160 Ilustração 121 – Skater na Praça da Figueira. (sapoblog, 2012) ...... 160 Ilustração 122 – Skater na Praça da Figueira. (sapoblog, 2012) ...... 160 Ilustração 123 – Estudo de projecto dos hotéis e piscinas e, a recriação do espaço público no Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 161 Ilustração 124 – Ortofotomapa da zona em estudo – do Cais do Sodré a Santa Apolónia. (googlemaps, 2003) ...... 164 Ilustração 125 – Proposta para o espaço público no Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 165 Ilustração 126 – Proposta para o complexo de piscinas. (Ilustração nossa, 2011)...... 165 Ilustração 127 – Proposta para o hotel de 5 estrelas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 165 Ilustração 128 – Proposta para o hotel de 2 estrelas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 165

Raquel dos Santos Catarino 15

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 129 – “A praça da Ribeira segundo um painel de azuleijos” fotografia do Museu da Cidade (Lisboa, Portugal). (Branco, 1969, p.142) .....169 Ilustração 130 – Fotografia actual do Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2012)...... 169 Ilustração 131 - Muitos automóveis no Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2011)...... 170 Ilustração 132 – O grande número de automóveis que ocupam a praça, são uma obstrução no caminho à vista. (Ilustração nossa, 2011) ...... 170 Ilustração 133 – Automóveis ocupam, actualmente, o Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 171 Ilustração 134 – Fotografia da vegetação no Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2012) ...... 171 Ilustração 135 – Fotografia de algum mobiliário urbano no Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2012) ...... 171 Ilustração 136 – Desenho da intenção da nova praça pública. (Ilustração nossa, 2011) ...... 173 Ilustração 137 - Desenho da intenção da nova praça pública. (Ilustração nossa, 2011) ...... 173 Ilustração 138 - Desenho da intenção da nova praça pública. (Ilustração nossa, 2011) ...... 173 Ilustração 139 – Esquisso do estudo do espaço público – o pavimento, Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 174 Ilustração 140 – Esquisso do estudo do desenho da praça pública, em corte. (Ilustração nossa, 2011) ...... 174 Ilustração 141 – Desenho da planta da praça pública. (Ilustração nossa, 2011) ...... 175 Ilustração 142 – Desenho da planta da praça submersa pelo rio. (Ilustração nossa, 2011) ...... 175 Ilustração 143 – Corte longitudinal da praça pública. (Ilustração nossa, 2011) ...... 175 Ilustração 144 – Esquiço dos elementos configuradores da praça pública. (Ilustração nossa, 2011) ...... 176 Ilustração 145 – Planta geral da praça pública e elementos configuradores. (Ilustração nossa, 2011) ...... 125 Ilustração 146 – Localização do sítio de implantação do projecto. (googlemaps, 2011) ...... 178 Ilustração 147 – Esquisso de projecto para o complexo de piscinas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 178 Ilustração 148 – Esquisso de projecto – a relação com as ruas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 178 Ilustração 149 – Esquisso do estudo do sistema de rampas. (Ilustração nossa, 2011)...... 128 Ilustração 150 – Cais das colunas como referência para o projecto das piscinas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 179 Ilustração 151 – Render de um percurso público do complexo de piscinas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 129 Ilustração 152 – Render de um percurso público do complexo de piscinas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 129

Raquel dos Santos Catarino 16

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 153 – Desenho da planta do complexo de piscinas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 129 Ilustração 154 – Vista do rio do projecto do complexo de piscinas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 181 Ilustração 155 – Localização do sítio de implantação do projecto. (googlemaps, 2011) ...... 182 Ilustração 156- Esquiço do projecto do hotel de 5 estrelas. (Ilustração nossa, 2011)...... 182 Ilustração 157 – Modelo tridimensional do hotel de 5 estrelas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 182 Ilustração 158 – Render da varanda do hotel de 5 estrelas. (Ilustração nossa, 2011)...... 183 Ilustração 159 – Render do pátio central de 5 estrelas. (Ilustração nossa, 2011)...... 183 Ilustração 160 – Corte do hotel de 5 estrelas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 183 Ilustração 161 – Esquisso da proposta para o hotel de 2 estrelas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 184 Ilustração 162 – Esquisso do pátio interior do hotel de 2 estrelas. (Ilustração nossa, 2011)...... 184 Ilustração 163 – Planta de implantação do hotel de 2 estrelas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 184 Ilustração 164 – Esquisso para o estudo dos pátios do hotel de 2 estrelas. (Ilustração nossa, 2011) ...... 185 Ilustração 165 – Render da “varanda habitável”. (Ilustração nossa, 2011) ....185 Ilustração 166 – Corte longitudinal do hotel de 2 estrelas. (Ilustração nossa, 2011)...... 186 Ilustração 167 – Planta do sistema de praças da cidade. (Ilustração nossa, 2011)...... 188 Ilustração 168 – Praça do Rossio. (googlemaps, 2012) ...... 190 Ilustração 169 – Praça da Figueira. (googlemaps, 2012) ...... 190 Ilustração 170 – Praça do Comércio. (googlemaps, 2012) ...... 190 Ilustração 171 – Praça do Campo das Cebolas – projecto arquitectónico. (Ilustração nossa, 2012) ...... 190

Raquel dos Santos Catarino 17

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 18

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Sumário

1. Introdução ...... 23

2. Espaço Público e Cidade ...... 27

2.1. Lisboa - a Cidade Medieval: Estrutura e Limite ...... 35 2.2. Lisboa – a Cidade Seiscentista: Centralidade e Consolidação ...... 65 2.3. Lisboa – a Cidade Pombalina: Iluminismo e Planeamento ...... 85

3. Espaço Público e Praça...... 109

3.1. Espaço Público – a Praça do Rossio ...... 115 3.2. Espaço Público – a Praça do Comércio ...... 133 3.3. Espaço Público – a Praça da Figueira ...... 151

4. Espaço Público e Projecto ...... 161

4.1. Identidade ...... 167 4.2. Estratégias ...... 177 4.3. Sistema ...... 187

5. Conclusão ...... 193

Raquel dos Santos Catarino 19

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 20

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Digo “Lisboa” Quando atravesso – vinda do sul – o rio E a cidade a que chego abre-se como se do meu nome nascesse Abre-se e ergue-se em sua extensão nocturna Em seu longo luzir de azul e rio Em seu corpo amontoado de colinas – Vejo-a melhor porque a digo Tudo se mostra melhor porque digo Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência Porque digo Lisboa com seu nome de ser e não-ser Com seus meandros de espanto insónia e lata E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro Seu conivente sorrir de intriga e máscara Enquanto o largo mar Ocidente se dilata Lisboa oscilando como uma grande barca Lisboa cruelmente construída ao longo da sua própria ausência Digo o nome da cidade - Digo para ver.

Andresen, Sophia de Mello Breyner – Navegações. 1ª edição. Lisboa: Caminho, 1983

Raquel dos Santos Catarino 21

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 22

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

1. INTRODUÇÃO

O tema Espaço Público: A Praça na Configuração da Baixa de Lisboa constituiu a investigação desenvolvida e apresentada, no âmbito do Mestrado Integrado em Arquitectura (2006-2012), de que é Orientador o Prof. Doutor Arq. Bernardo d‟Orey Manoel.

A presente dissertação aborda a temática do espaço público, aplicado à tipologia da praça, na cidade de Lisboa. Uma vez que o exercício de projecto foi pensado na temática do espaço público e da praça pública, estes vieram a constituir-se como temas centrais da dissertação.

A cidade, organismo vivo, tem sido objecto de análise de diferentes disciplinas, principalmente devido às suas constantes transformações. A sua evolução ao longo dos séculos, confere ao espaço urbano, a justaposição de camadas históricas que revelam o percurso físico e moral de uma cidade. À cidade, associa-se o planeamento urbano, ou seja, a organização e evolução de espaços públicos e privados. É no espaço público que se centra a discussão – o modo como se estrutura, o desenho e a história da cidade, são os principais elementos em análise. Por serem um elemento essencial na cidade, os espaços públicos não podem deixar de ser tidos em conta no processo de concepção de um projecto. O seu desenho potencia e proporciona a harmonia sendo parte integrante da vida urbana. É essencial projectá-lo para a valorização das relações urbanas e sociais que pode criar. O presente estudo procura apresentar os espaços públicos nos projectos de arquitectura, como espaços fundadores e não como espaços acessórios.

O processo de investigação têm assim, como objectivo, estudar a evolução do espaço público, limitado à cidade de Lisboa. Será importante a perspectiva histórica para compreender a sua origem e desenvolvimento.

Para o arquitecto, projectar na cidade pressupõem uma leitura do processo evolutivo do espaço físico e consequente apropriação. Nesta leitura, a história é um instrumento que nos a compreender as transformações sofridas, em diferentes contextos. Ela situa-nos no tempo, identifica-o e aborda-o. Para o arquitecto, esta ferramenta é essencial na compreensão do espaço da cidade em que vai actuar. O exercício da identificação dos factos históricos que nos antecedem, permitem uma melhor capacidade de entender o espaço, projectando um novo elemento que se articulará

Raquel dos Santos Catarino 23

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

com a envolvente. Esta dissertação irá, deste modo, enquadrar o nascimento dos espaços públicos em Lisboa, desde o período medieval até à actualidade.

O processo de investigação centrou-se também na leitura de uma tipologia de espaço público, a praça, pela sua referência no projecto académico. Como referências, foram analisadas três praças notáveis no desenho da cidade de Lisboa, nas quais estão presentes os elementos arquitectónicos e urbanos que as identificam. Cada espaço nasce de uma atitude soberana ou na simples tentativa de criar um centro urbano, proporcionando modos diferenciados de integração na cidade.

Quanto aos procedimentos adoptados na concepção da dissertação, relacionam-se com a procura dos factos históricos através de um conjunto variado de documentos. È de salientar ainda, a análise dos casos de estudo através da recolha, no lugar, de suporte fotográfico e escrito. A visita aos espaços estudados, foi essencial para a concretização do discurso elaborado.

Deste modo, a presente dissertação começa por delinear no capítulo “Espaço público e cidade”, o contexto histórico e urbano de Lisboa, abordando os aspectos referentes à evolução dos espaços públicos lisboetas. Desde os primeiros traçados urbanos de origem Romana, até aos dias de hoje, neste capítulo é realizado um olhar na forma como nasceram e se desenvolveram, assumindo a configuração que actualmente conhecemos. Este contexto é dividido em três momentos históricos, cada um correspondendo a um período de importantes desenvolvimentos a nível do espaço público urbano.

O segundo capítulo “Espaço público e praça”, concentra-se na questão da praça, como o exemplo de espaço público na cidade de Lisboa. A praça é um dos espaços mais importantes da cidade. A ela atribui-se os aspectos estruturantes do tecido urbano, como elemento gerador ou articulador do traçado. Neste sentido, este capítulo apresenta três casos de estudo de praças na Baixa de Lisboa: a Praça do Rossio, a Praça do Comércio e a Praça da Figueira. Primeiro é apresentada a perspectiva histórica de cada uma, como se formou e desenvolveu, seguida da leitura actual. Este último aspecto é focado nas vivências e sensações produzidas na praça e no tipo de emoções que provoca ao utilizador.

No último capítulo “Espaço público e projecto”, é apresentado o projecto de arquitectura, no âmbito da disciplina de Projecto III, do 5º ano. A proposta tem como

Raquel dos Santos Catarino 24

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

programa estipulado a construção de um complexo de piscinas públicas e privadas e dois hotéis, de 5 estrelas e 2 estrelas. O sítio de implantação é o Campo das Cebolas, em Lisboa. Logo, a ideia de projecto baseou-se na requalificação desta zona, atribuindo-lhe um novo desenho urbano. Após a análise do território, onde a configuração das praças da Baixa estão em destaque, surge a intenção de criar o redesenho do espaço público, transformando o Campo das Cebolas numa praça pública. Por isso, explica-se a escolha do conteúdo dos primeiros capítulos desta dissertação, como assuntos essenciais para a elaboração do projecto. Elemento importante na transição da cidade regular para a cidade orgânica, a intenção de projecto é devolver o Campo das Cebolas ao público, convertido em espaço de estar cuja proximidade com o rio, é um aspecto essencial. Na concepção dos projectos, quer o complexo de piscinas quer os hotéis, privilegia a temático do espaço público.

Raquel dos Santos Catarino 25

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 26

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

2. ESPAÇO PÚBLICO E CIDADE

Ilustração 1 - Esquiço da proposta para a recriação do espaço público na cidade. (Ilustração nossa, 2011)

Raquel dos Santos Catarino 27

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 28

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Como foi referido, constitui o objectivo desta dissertação o estudo do espaço público, protagonizado pela praça pública, no contexto da cidade de Lisboa.

Neste primeiro capítulo foi elaborado o desenho de um registo de um espaço público dentro de uma cidade. A Cidade é protagonizada por Lisboa e o Espaço Público, pelos espaços que nela existem.

Primeiro, consideramos uma definição de espaço público: “é o espaço que é fundador da forma urbana, o espaço “entre os edifícios” que configuram o domínio da socialização e da vivência “comum”, como bem colectivo da comunidade”. (Brandão, 2011, p. 34)

O termo Espaço Público utiliza-se para designar um lugar1 cuja característica principal remete para o público, ou seja, o que é visível e comum a todos os cidadãos. Refere- se ao lugar na cidade usado por todos os indivíduos que a habitam, como palco das representações sociais2.

O carácter público conferido a um determinado espaço, depende do uso e acesso livres que qualquer indivíduo possa fazer dele. Habitualmente entendido como o vazio entre os edifícios, o espaço público é muito mais que isso. O seu papel na cidade3 é de extrema importância. Por isso, o tema deste capítulo reflecte a análise do espaço público associado à cidade.

A ideia de cidade nasceu de uma necessidade muito elementar: a de vencer o terrível sentimento da solidão. As pessoas juntam-se precisamente porque têm necessidade de fugir ao isolamento, precisam de comunicar e de se confrontar, precisam de espaços de relação que, com o suporte da história, sabem dar força, estímulos, indicações, também para as transformações futuras. (Botta, 1996, p.95)

1 Lugar é mais que uma simples localização geográfica. É o espaço ocupado, habitado pelo homem e que serve de palco para as suas actividades. O lugar é um espaço dotado de significados e valores que estão na origem da sua identidade. O território, a história e as pessoas que o constituem, tornam-no um lugar único e repleto de memórias. 2 Refere-se ao conjunto de explicações, crenças e ideais que permitem evocar um acontecimento. Estas representações resultam da interacção social, comuns a um determinado grupo de indivíduos. 3 Cidade representa uma área urbanizada, constituída por um vasto conjunto de elementos urbanos e pelo número de população que nela reside.

Raquel dos Santos Catarino 29

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Para falar de espaço público surge a necessidade de falar de cidade. E falar de cidade, que pressupõem a construção do espaço físico, implica falar de arquitectura e urbanismo4. Estas são as ferramentas que actuam sobre os espaços urbanos públicos.

A cidade é a casa do homem, o lugar onde, mesmo pela sua natureza de carácter colectivo, o homem interage com os seus semelhantes. Qualquer arquitectura ambiciona fazer parte da construção, da imagem mais vasta que é a cidade. (Botta, 1996, p.93)

A cidade “encontra-se em constante modificação” (Lamas, 2004, p.111). Ela evolui, modifica a sua forma, altera-se ou transforma-se por completo, devido a razões de catástrofes naturais5. Alves 6refere que ela “é visualizada como uma paisagem aberta na qual são introduzidos” (2003) os componentes urbanos 7 que a caracterizam. Quando é desenhado um projecto, constrói-se “sempre uma parte da cidade, um espaço que encontra razão na sua configuração complexa e interactiva” (Botta, 1996, p.93).

Não é possível entender a cidade como um conjunto circunscrito no tempo; creio que deve necessariamente ser medida com o tempo. Até cidades que tentaram tomar uma forma pela imposição de um desenho unitário, não escaparam à enorme contradição porque, apesar da unidade formal, subsistem nelas carências flagrantes de carácter funcional, pela falta de memória, de história, de raízes. (Botta, 1996, p.94)

Botta8 (1996, p.94) vê a cidade como o desenho de espaços exteriores e de relações. Considera ainda que as relações espaciais dos diferentes volumes que a desenham constituem a sua verdadeira natureza.

4 Entendidas como as disciplinas que projectam e organizam os espaços internos e externos da cidade. 5 Como por exemplo, o caso do Terramoto de 1755 em Lisboa. 6 Fernando M. Brandão Alves 7 Entende-se componentes urbanos como: os edifícios públicos e privados, espaços públicos como ruas, praças, jardins, largos, etc. 8 Mário Botta (1943-) é um arquitecto suíço. Elaborou os seus estudos em Milão e Veneza. Trabalhou com Le Corbusier e Louis Kahn, tendo em seguida, iniciado a actividade de arquitecto por conta própria, na Suíça. As tendências modernistas são uma característica das suas obras, fortemente influenciadas por Kahn e Carlo Scarpa. Na arquitectura de Botta predomina o rigor geométrico e a tentativa de conciliação da arquitectura tradicional com a estética do movimento moderno. A materialidade destaca-se pela preferência do tijolo aparente e a pedra. A sua obra arquitectónica surge como um grande monumento na paisagem.

Raquel dos Santos Catarino 30

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Tudo isto é porém interligado pela memória, que nos remete continuamente para experiências e situações que já conhecemos, porque vividas por outras gerações, povos extintos, que nos precederam. Este conhecimento fica dentro de nós como testemunho de um trabalho, de uma transformação sem fim e enriquece o tecido da cidade com a componente da recordação. (Botta, 1996, p.94)

A cidade revela a característica de sociabilidade. O espaço público é o maior exemplo desta forma de comunicação, quer urbana quer humana. Urbana, porque assume-se como um elemento essencial no desenho da cidade, humana, porque é o “palco” de vivências e emoções do indivíduo que pertence à cidade.

O espaço público assume-se como um elemento de ordenamento e “suporte da dimensão social na vida urbana das cidades” (Almeida, 2004, p.28).

Considera-se o espaço público não como o negativo do que está edificado, mas exactamente o contrário: é algo que tem consistência em si próprio, tem uma estrutura definida pelas ruas, praças, jardins, becos, passagens, … É um modo que se desenha e se define com os edifícios, as árvores que o contornam, […] o chão que se pisa, a iluminação pública que o modela, o mobiliário e a arte urbana que o compõem. (Salgado, p.9)

A sua forma e estrutura são facilmente identificadas pelos cidadãos, que sobre ela aplicam determinado uso e apropriação. Esta por sua vez acolhe-os, protagonizando uma espécie de zona de recepção. O espaço público é um cenário da própria cidade. Logo, o bom desenho urbano valoriza as capacidades do espaço.

Os espaços públicos representam lugares de vida e sociabilização. Representam “áreas de liberdade”. Devem ser espaços de lazer e “agradáveis para viver”. O seu planeamento é um dos aspectos fundamentais para a revitalização e qualidade de vida no meio urbano.

Contudo, os planos urbanos pouco conseguem realizar a organização territorial a que se comprometem. Por isso, a arquitectura precisa de intervir. Não deixar de ter uma visão global do território em estudo, é um aspecto essencial.

A forma da cidade corresponde à maneira como se organiza e articula a sua arquitectura. Entendendo por „arquitectura da cidade‟ dois aspectos: „Uma manufactura ou obra de engenharia e de arquitectura maior ou menor, mais ou menos complexa, que cresce no tempo, e igualmente os factos urbanos caracterizados por uma

Raquel dos Santos Catarino 31

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

arquitectura própria e por uma forma própria‟. Este é também o ponto de vista mais correcto para afrontar o problema da forma urbana, porque é através da arquitectura da cidade que melhor se pode definir e caracterizar o espaço urbano”. (Rossi, 2001 , p.59)

Rossi9 esclarece, de uma forma acertada, a relações entre arquitectura e cidade. O conceito de cidade adquire assim, a construção do espaço urbano10 onde está incluído o espaço público. É essencial a actuação da arquitectura neste contexto.

Por vezes, os edifícios são construídos como objectos independentes e isolados do contexto urbano onde se inserem. Para Alves, “o acto de planear deve prever o diálogo entre os edifícios e o domínio público, entre o cheio e o vazio (…)” (2003). A atitude do arquitecto perante um projecto é saber olhar para a envolvente e procurar uma relação e articulação deste, com a sua criação.

Ao mesmo tempo, em vez de construir uma obra posta sobre a terra, torna-se substância que dela provém, que se desenvolve da sua estrutura, da sua história, da sua memória, para dialogar com os outros elementos presentes, numa espécie de continuidade fluida. (Botta, 1996, p.93)

A cidade torna-se também um projecto, em que cada vez que a arquitectura intervém, enriquece o lugar. Os espaços transformam-se adquirindo novas formas e novas funções. Botta (1996, p.94) considera que “a história da cidade é a história deste crescimento, desta consolidação contínua”.

A Arquitectura e o Urbanismo11, devem assumir a complexidade destes espaços e, com os instrumentos que lhe são próprios, fazê-los “renascer” na cidade. Lamas12

9 Aldo Rossi (1931-1997) foi um arquitecto italiano, conhecido pelas suas formas puras de influência clássica. Foi o autor de um dos textos teóricos mais influentes do século XX, “ A Arquitectura da Cidade”. Neste ensaio reflecte sobre o processo de origem e transformação da cidade. 10 É o espaço da cidade. 11 A Arquitectura e o Urbanismo têm objectivos e objectos comuns. No entender de José Lamas (2004, p.126), ambos transformam o espaço ou o território. Contudo, diferenciam-se pelas práticas. O Urbanismo implica a condução de um plano num tempo mais abrangente, com interferências de agentes políticos, económicos e sociais. A Arquitectura, abrangendo ao projecto singular, liga-se à realização imediata da obra. Contudo, o método do urbanismo implica a arquitectura, isto é, “é o desenho do espaço, qualquer que seja a dimensão geográfica e o processo de realização no tempo” (Lamas, 2004, p.126). 12 José Manuel Ressano Garcia Lamas (1948-), arquitecto português, é licenciado em Arquitectura pelo ESBAL em 1972, e doutorado em Urbanismo pelo Institut d‟Aménagement Régional d‟Aix-en-Provence em 1975. Foi docente das cadeiras de Planeamento Urbano e Projecto de Arquitectura.

Raquel dos Santos Catarino 32

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

(2004, p.44) realça a necessidade de “ter sempre presente que tanto a arquitectura como o urbanismo são disciplinas criativas cujo fim é uma intervenção no espaço, transformando-o”.

Agora volta-se a falar de espaço público, fruto da necessidade de devolver a cidade às pessoas tornando-a aberta, permeável, acessível a todos. Deste modo, o espaço público reflecte a essência da cidade (Salgado, p.9).

Por isso, o capítulo presente, tem como objecto de estudo a cidade de Lisboa. O estudo aborda essencialmente a área da Baixa, por se tratar do centro histórica da cidade “carregado com uma vivência, uma história, que constituem o autêntico património do qual o homem necessita” (Botta, 1996, p.94).

O espaço público do território de Lisboa é observado ao longo dos séculos, de modo a perceber, a sua configuração inicial e constante transformação, por parte da acção de diferentes gerações de indivíduos.

Pretende-se um registo claro, apelando ao sentido do leitor, desafiando-o a experimentar um percurso pelos espaços públicos de Lisboa, desde a presença romana até à actualidade. Iniciaremos este estudo na Lisboa Medieval analisando as principais origens e formação do território. Segue-se a novidade urbana no capítulo da Lisboa Seiscentista e a reconstrução da cidade após o terramoto, na Lisboa Pombalina. Como nasceu e como evoluiu, este é um capítulo que mostra o percurso do espaço público na história da cidade de Lisboa.

Raquel dos Santos Catarino 33

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 34

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

2.1. LISBOA - A CIDADE MEDIEVAL: ESTRUTURA E LIMITE

Lisboa […] a sua fisionomia inconfundível tem um poder mágico de atracção.Deitou- se um dia sôbre um monte; acomodou-se, depois, melhor noutro; espreguiçou-se noutro e noutro, ajeitou em derredor e vinhas, hortas e ferragiais, debruçou- se, a seguir mais para o rio, gostou de ver-se. Compôs o toucado, consertou à luz o perfil, empoou-se de cal, e deixou-se ficar namorada do Tejo. (Macedo et. al, p.13)

Raquel dos Santos Catarino 35

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

2.1.1. DE OLISIPO A AL-UXBUNA – REGISTOS DOS ESPAÇOS PÚBLICOS NA LISBOA ROMANA E MUÇULMANA

Ora, quem foi o primeiro fundador de Lisboa não ousamos dize-lo ao certo no meio de tamanha antiguidade dos séculos; no entanto, mesmo os mais vetustos escritores declaram que ela deve ter sido contada entre as mais antigas cidades de Espanha. Varrão chama-lhe Olisipo, e Ptolomeu Oliosipo. Todavia, vê-se Estrabão afirmar, baseado em palavras de Asclepíades Mirliano, que ela se chamava Ulisseia e fora fundada por Ulisses. (Góis, 1988)

Se sobre a fundação de Lisboa, persistem dúvidas quanto a quem se deve – para alguns autores foi Ulisses13, para outros é sugerido o nome de Elisa14 – não existem dúvidas que é aos Romanos que se ficam a dever os seus primeiros traçados urbanos. É também durante a ocupação romana que a vida cívica da cidade se estrutura e desenvolve.

O território da faixa Atlântica da Península, situado na margem do Rio Tejo 15, foi ocupado pelo Império Romano 16 com exércitos comandados pelo general Décimo Júnior Bruto 17 , em 138 a.C. Há relatos de lutas cruéis com os povos Ibérios, nomeadamente contra os Lusitanos. A guerra fica marcada pelo assassinato do seu líder, Viriato18. Após a conquista da cidade, os Romanos designaram-na Olisipo 19,

13 Autores da Antiguidade Clássica, nomadamente Estrabão, atribuem a Ulisses a fundação da cidade de Lisboa, chamando-lhe de Odysseia. Ulisses é uma personagem mitológica, herói principal do poema homérico Odisseia. 14 Personagem mitológica. 15 È o rio mais extenso da Península Ibérica. Nasce em Espanha e desagua no Oceano Atlântico, por um largo estuário. Nas suas margens situa-se a cidade de Lisboa. 16 Desenvolveu-se a partir da Península da Itálica, durante o período pós-republicano da antiga civilização romana. Após o domínio de toda a península, os romanos partiram para as conquistas de outros territórios. 17 General e político romano do século II a.C. Era próximo de Júlio César. Eleito cônsul em 138 a.C., dirigiu a campanha para estabilizar e castigar as tribos rebeldes do território nas margens do Rio Tejo, Olisipo. 18 Líder do povo Lusitano que confrontou os Romanos na Península Ibérica. Pouco se sabe da data do seu nascimento e onde nasceu. Apenas sabe-se que pertencia à classe de guerreiros. Viriato foi descrito como um homem honesto e justo. Foi reconhecido por ser fiel à sua palavra, nos tratados e alianças que fez. 19 Há diversas teorias sobre a origem do nome, entre as quais a da junção Iys (palavra céltica para Tejo) mais ipo (de origem fenícia) tendo no inicio o prefixo o.

Raquel dos Santos Catarino 36

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

“cidade rica, integrada na província da Lusitânia, beneficiava do Tejo, ancoradouro comercial importante” (França, 1980, p.11).

A Olisipo, foi posteriormente adicionado o nome de Felicitas Julia 20, conferindo um novo e especial estatuto à cidade – a formação de um Municipium Civium Romanorum 21 – dando, segundo Moita 22 , “aos seus habitantes a honra da tão desejada cidadania romana” (1982, p.12), ganhando assim, extensa autonomia. Tal nomeação indica a importância da cidade enquanto centro urbano, dada a privilegiada posição geográfica. Localiza-se na foz do Tejo e toca o Atlântico, facto que influenciou a economia da urbe.

Olisipo desenvolveu um município que tirando partido do sítio, valoriza a componente portuária e piscatória, assim como demográfica e culturalmente, marcará o território para sempre (Gaspar, 1994).

Sede de um vasto território, o município era composto por edificações de equipamentos cívicos, públicos e privados, respondendo às crescentes necessidades da população.

O domínio Romano revelou-se, essencialmente, no traçado dos percursos pela urbe. Conhecemos esse traçado a partir de registos de autores23, cujas obras são baseadas em vestígios encontrados em trabalhos arqueológicos.

O desenvolvimento da cidade deu-se de uma forma rápida, “estendendo-se em forma de avental” (Moita, 1994). Ocupava inicialmente a encosta do Castelo24, estendendo-

20 José Augusto França (2009, p.32) refere o possível significado de Felicitas Julia, aludindo à sorte de armas assim evocadas, em homenagem a Júlio César. 21 Município Cívico Romano 22 Irisalva Moita (1924 – 2009) foi uma historiadora portuguesa. Dedicou quase toda a sua obra à cidade de Lisboa, constituída por artigos, catálogos de exposição, monografias e relatórios de campanhas arqueológicas. A coordenação do Livro de Lisboa, a melhor síntese da história da cidade à conta da Expo 98, foi um marco excepcional. Foi ela a coordenar as escavações pioneiras do Teatro Romano, do Hospital de Todos-os-Santos e da . 23 Desde A. Vieira da Silva, a Irisalva Moita e José Augusto França, todos traçam os percursos da cidade no tempo dos Romanos. 24 Corresponde hoje, à colina de S. Jorge e era o ponto mais alto da urbe Romana. Aqui instalou-se o primeiro povoado que deu origem a Lisboa.

Raquel dos Santos Catarino 37

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

se até à zona ribeirinha, até onde se situa a Casa dos Bicos25. As águas do Tejo penetravam profundamente na zona do vale largo da Baixa, até à actual Praça da Figueira. Toda esta área era uma vasta praia fluvial que estendia cursos de águas por “Valverde e pelo Vale da Mouraria, até , separados pela colina de Sant‟ Ana, recolhendo águas das encostas, em cursos que o tempo diminuiria, por razões naturais ou provocadas” (França, 1980, p.11).

Ilustração 2- O leito do antigo braço do Tejo abrangia toda a zona da Ilustração 3- “O esteiro do Tejo em tempos pré- de históricos” (Santos, 2005, p.24) baixa de Lisboa bifurcando depois pelas avenidas actuais da Liberdade e Almirante Reis. Ente elas pode ver-se o Monte de Santana. (Moita, 1994)

Assim se caracteriza o desenho de Olisipo, protagonizado por dois pólos urbanos de referência – o alto da colina, (onde o novo ocupante desenvolveu um complexo fortificado, adaptando e melhorando as muralhas aí existentes) e o rio, (o elemento físico referencial, aberto a uma navegação mediterrânea) (França, 2009, p.35). Entre estes dois limites estabeleceram-se um conjunto de vias de circulação que percorriam a urbe, ligando as diferentes cotas da cidade, definindo o desenho e uso local do território.

Mais pormenorizadamente, e usando toponímias actuais, no sistema de vias criado, a primeira delas partindo do sítio actual das Portas do Sol-Contador-Mor, circundaria o monte do Castelo a meia encosta, bifurcando-se em Santo André para norte, pela

25 A Casa dos Bicos ou Casa Brás de Albuquerque foi construída em 1523, a mando de D. Brás de Albuquerque. È situada a oriente do Terreiro do Paço. È um dos edifícios mais emblemáticos de Lisboa graças à sua fachada revestida de pedra aparelhada em forma de ponta de diamante, os "bicos". O Terramoto de 1755 destruiu por completo dois andares da casa e o seu proprietário vendeu-a em 1973. Em 1983 foi reconstruída e foi reposta a sua volumetria inicial – foram acrescentados os dois andares que desapareceram na tragédia. Actualmente funciona como Fundação José Saramago.

Raquel dos Santos Catarino 38

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Calçada de Santo André e Olarias, e, para nascente, na direcção de S.Vicente, círculo que seria cortado por uma secante entre a Porta da Alfofa e S.Tomé. (França, 2009, p.35)

No que diz respeito à segunda via, esta também se desenvolvia a partir das Portas do Sol (França, 2009, p.35).

[…] continuaria para poente até à Porta do Ferro, a Santo António da Sé, e seguiria para norte, pela Madalena, S. Mamede e S. Nicolau para S.Domingos, bifurcando-se em S. Nicolau, para atingir o Borratém e prosseguir pela Mouraria e Bemformoso. (França, 2009, p.35)

A este conjunto, junta-se uma terceira via que partia da Porta do Ferro “ para nascente, até à Porta da Alfama e dali pela linha das ruas dos Remédios e do Paraíso” (França, 2009, p.35). O pormenorizado registo, contrapondo com a Lisboa actual, tenta criar uma visão das ruas de Olisipo.

França26 (2009, p.36) refere que o mapa romano era constituído por ruas “labirínticas e imbricadas”, que tendo em conta as adversidades do terreno, “entrecruzavam-se na encosta”, estabelecendo um sistema de ligação entre os diferentes pólos da cidade. Inicia-se então, a construção de uma ideia das linhas geradores do desenho da cidade romana, por conseguinte, o primeiro esboço de Lisboa.

Oh!; quem podesse recompor, fragmento por fragmento, aquele viver antigo!; quem podesse, a luz da Historia, e com documentos, ressuscitar, a formosa Olisipo de dois mil anos atraz!; com o ir e vir do seu povo; com os seus aquedutos!; as suas Termas!; com as suas estatuas!; com o seu teatro!; e principalmente com as suas feições de bárbara romanizada, que tão engraçadas deviam ser os olhos puritanos da madre Roma! (Moita, 1982, p.8)

A composição da urbe, constitui o elemento essencial para a organização cívica da cidade, colocando em evidência, estruturas de maior relevo. É através de alguns

26 José Augusto França (1922-) é um escritor, investigador, historiador e crítico de arte, diplomado pela École d‟Hautes Études de Paris e doutorado pela Sorbonne. Dedicando-se especialmente à investigação e ao ensaísmo, dirigiu o Departamento de História de Arte da Universidade Nova de Lisboa. Foi membro da Academia das Ciências e antigo Presidente da Academia Nacional de Belas Artes, membro honorário do Comité Internacional d‟ Histoire de l‟Art e da Ordem dos Arquitectos e antigo membro do Comité du Patrimoine Mondiel. É autor de muitas obras dedicadas à cidade de Lisboa e participou em milhares de colaborações em revistas e jornais.

Raquel dos Santos Catarino 39

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

vestígios encontrados27, que é possível restaurar com a mente, a composição do núcleo povoado da cidade romana. Fragmentos de um teatro, de templos dedicados a deuses e imperadores, de termas e de vários possíveis fóruns, revelam os vestígios de Olisipo que resistiram ao longo do tempo. Com eles é possível prever um hipotético desenho da Lisboa romana, dando ênfase ao espaço público, o tema central.

Organicamente a cidade pode ser, de forma reduzida, dividida em dois núcleos – o primeiro, o núcleo administrativo, religioso, lúdico e comercial a que correspondia o oppidum28 no alto da colina, o sítio fortificado constituído pelo castellum29 e santuário e o forum30 ou centro cívico, localizado ao longo das encostas com o seu teatro, templo e mercado; e segundo, o núcleo industrial, portuário e de lazer, instalados na zona ribeirinha.

Pelas ruas havíamos de cruzar nos com uma população buliçosa, loquaz, falando latim harmonioso, sim, mas com ressaibos galantíssimos da pativinidade. … Se nos detivéssemos de manha num foro ou praça pública, as horas de bulício, das compras, do tráfego, veríamos passar… (Moita, 1982, p.4)

O centro da cidade, compreendido como a zona mais povoada, revelou o carácter público conferido ao espaço, através do Forum romano. Seria a partir deste núcleo central que toda a estrutura urbana se articularia, naquela que era a lógica de ordenamento da cidade romana. O fórum configurava o lugar natural de encontro e de mercado para a população. Podemos considerá-lo, como primeiro exemplo oficial de praça pública na história de Lisboa.

Atribuiu-se a sua localização, perto do local onde actualmente se situa a Sé de Lisboa e Igreja de Santo António, devido aos vestígios de edifícios públicos importantes encontrados nas mediações. Outras indicações, como a zona de convergência dos principais arruamentos urbanos e vias de saída para fora da cidade, justificam a sua atribuição. Contudo considera-se, conforme França (2009, p.37), que não pode “deixar de supor-se que o fórum da cidade terá sofrido deslocação ou deslocações, no tempo da vida urbana”.

27 Devido aos trabalhos elaborados no âmbito das escavações arqueológicas na cidade de Lisboa. 28 Termo em latim, para designar a principal povoação do Império Romano numa área. 29 Refere-se ao castelo romano. 30 Corresponde ao principal centro comercial da povoação romana. Era o núcleo a partir do qual se desenvolvia toda a vida pública da cidade.

Raquel dos Santos Catarino 40

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

O fórum designa a praça pública da Lisboa romana, configuradora do espaço envolvente. Este espaço revela um conjunto de admiráveis vestígios de importantes monumentos romanos, também eles integrados no círculo público da urbe. O mais significativo desses vestígios que chegaram aos nossos dias, foi o Teatro Romano31 de Olisipo. Sofreu remodelações, foi abandonado, recuperado para fins privados e depois esquecido até à descoberta, após o terramoto, sendo preservado até então. As ruínas foram descobertas “na circunstância da reconstrução da zona de S. Mamede” (França, 2009, p.37).

O Teatro Romano não constitui o único monumento público de que resta vestígios no presente. A ele associa-se um complexo termal32 de origem romana.

31 É um dos edifícios mais emblemáticos da cidade romana de Felicitas Julia Olisipo. O teatro romano, cujos vestígios e pequenos registos permanecem possíveis de admirar no subsolo da cidade, revelou-se próximo das bases do desenho do teatro grego. Para Irislava Moita (1994), os romanos apenas introduziram pequenas alterações no planeamento do edifício, adaptando as linhas fundamentais do teatro grego ao seu próprio teatro, tendo a particularidade de o direccionar no sentido do Tejo. Apesar do seu estado de conservação, o que dele conhecemos permite-nos concluir tratar-se de um exemplar único, tendo constituído um marco no panorama urbanístico da cidade. 32 Surgiram registos da localização de duas edificações. A primeira designada Termas ou Banhos Cassianos e a segunda, a mais conhecida e ainda possível de admirar, as Termas Augustais. Refere-se a esta última, como as Termas Romanas da Rua da Prata, pela sua localização no subsolo da Baixa Pombalina. Irisalva Moita (1982) refere, que este vasto conjunto arquitectónico do Século I, ocupa o subsolo subjacente a grande parte dos quarteirões situados entre as Ruas dos Fanqueiros e Rua Augusta e a Rua da Conceição e Rua de S.Julião. Constitui apenas objecto de visita, o sector referente ao quarteirão que esquina com as Ruas da Conceição e da Prata, a sudoeste.

Raquel dos Santos Catarino 41

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 4 - Aspecto geral das ruínas do Teatro Ilustração 5 - “Conservas de águas romanas da Rua da Prata”. (Moita, 1994, Romano. (Moita, 1994, p.39) p. 37)

A estes majestosos monumentos públicos, que persistiram no tempo quase intactos, acrescem muitos outros. Templos dedicados a deuses como provas de gratidão e cultivo da crença divina, localizados no núcleo público e cívico da cidade; um cemitério que se julga, situado no subsolo da actual Praça da Figueira; um circo romano cujos vestígios foram encontrados a propósito da construção do metropolitano na zona do Rossio; pontes; aquedutos; casas de habitação que cresciam por toda a urbe romana e cujos registos na sua maioria desapareceram; e um grande número de lápides mortuárias que forneceram informações a nível social, administrativo e jurídico, capaz de perfazer um importante repertório da vida do povo romano de Olisipo (França, 2009, p.41,42). Também os pequenos vestígios encontrados contribuíram para voltar atrás no tempo.

Ilustração 6 – Escavações Arqueológicas na Ilustração 7 – “Prédio com lápides romanas” Ilustração 8 – “Lápide romana Praça da Figueira. (arquivomunicipal, 2012) na Travessa do Almada. (arquivomunicipal, encontrada nas obras do Castelo de 2012) S. Jorge”. (arquivomunicipal, 2012)

Raquel dos Santos Catarino 42

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Os conjuntos de edifícios públicos que, constituíam Olisipo, encontravam-se directamente relacionados com a configuração e disposição dos espaços públicos. Quando à habitação, resta a riqueza da imaginação33.

O vasto quadro de referências, contribuiu para a importância da cidade. Embora o título de capital pertencesse a Emerita Augusta34, Olisipo era considerado por muitos como a principal cidade do território romano.

A sua importância deriva da privilegiada posição geográfica e da vida social e pública da cidade, revelada pelos seus edifícios. Os caminhos de Olisipo protagonizam o desenho urbano, interpretada como a primeira imagem urbana de Lisboa. Aos Romanos se deve este facto, elevando o território “a um alto grau de magnificência” (Silva, 1944).

O terramoto de 1755, por ironia do destino, põe a descoberto grande parte dos monumentos romanos, sobrepostos por construções, camada sobre camada, remetidos para o esquecimento (Moita, 1982, p.12). Muitas outras ruínas podem ainda conviver no subsolo da cidade, à espera de serem reconhecidas, valorizadas, aptas para também elas contribuíram para a reconstrução da história da cidade.

Olisipo, a Lisboa Romana, protagonizou os ideais e acção do seu povo, que resultam da “sabia organização político-administrativa, os melhoramentos de ordem material, dos embelezamentos com que enobreceu a cidade e das regalias que concebeu aos seus moradores” (Vieira, 1944). É no período romano que se inicia o verdadeiro conceito de arquitectura e urbanismo, fundadores dos traçados gerais da Lisboa actual.

Nada temos…senão fragmentos, e muito deles sumiram-se; e triste, mas verdadeiro. Marcam-se aqueles poucos monumentos; afirma-se-lhes o lugar, com pequeninas diferenças…Logo, no quadro conjectural de Olisipo, falta ainda muito; Contemplamos as ruínas nas suas descrições; restauramo-las com a mente, e fica tudo por fazer; as soluções de continuidade não as percebemos; e Olisipo continua a esconder-se-nos na sua caligem de vinte séculos. (Moita, 1982)

33 Segundo Moita (1982) “a casa romana, abria-se toda para o seu átrio interno, assim como a vida do Romano se concentrava na família (…) a vida dos seus moradores se expande nas relações sociais externas…”. 34 Emerita Augusta corresponde á actual região de Mérida.

Raquel dos Santos Catarino 43

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Paz e tranquilidade descrevem esta época, enriquecedora ao nível do desenvolvimento industrial e comercial e à expansão da cidade (Vieira, 1944). O quadro harmonioso do complexo urbano de Olisipo, manteve-se durante aproximadamente quatro séculos, alcançando a partir do século V, os primeiros registos que apontaram a queda do império35. Tanto a área como a população do período áureo Romano, foi-se “gradualmente restringido por motivos, ao mesmo tempo de segurança e de declínio demográfico, sendo abandonadas as terras planas a ocidente e a oriente do monte do Castelo” (Santana et.al, 1994, p.509). Surgem então, uma sucessão de invasões por via dos povos bárbaros36.

Em termos de sujeição política, a então chamada Olisipo, sucedeu aos Alanos entre 411 a 418 – embora não haja a certeza se estes alguma vez a ocuparam –, depois aos suevos, de 453 a 456, e de 460 a 469, e por fim, aos visigodos, de 456 a 460 e a partir de 469. (Santana et al., 1994, p.509)

A sucessiva ocupação do território por parte de diferentes povos, terá contribuído para o desaparecimento da vasta urbe romana. Algumas estruturas foram aproveitadas para as necessidades das novas populações que as manipulavam e adaptavam ao seu modo de vida. Deste período, a escassez de vestígios ou a ausência total deles, impede um registo pormenorizado do traçado e da vida da cidade. Sabe-se apenas, que estes povos ocuparam Lisboa, governando o território até à conquista por parte de um novo poder vindo do Sul.

A perda da urbanidade levada a cabo pela permanência dos povos bárbaros, levou à necessidade da “existência de uma potência hegemónica, garantia […] de um poder militar forte, indispensável para assegurar a contenção da cobiça de possíveis vizinhos indesejáveis” (Matos, José S., 2008, p.181). Facto que foi recuperado, renascendo com a conquista da cidade pelos muçulmanos.

Confrontados com uma multiplicidade de povos e de culturas, compostos por populações sedentárias naturalmente muito mais numerosas, os nómadas árabes desenvolvem uma hábil política de captação baseada, sempre que possível, no respeito pelo outro, conseguindo transformar aos poucos a sua língua e a sua religião

35 A partir do século III, o Império Romano começou a mostrar sinais de enfraquecimento. A queda do império refere-se ao fim do império Romano do ocidente, causada por muitos factores, da qual se destaca, as invasões bárbaras. 36 Composto por Alanos, Suevos e Visigodos.

Raquel dos Santos Catarino 44

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

em veículos de unificação, base de um futuro corpo civilizacional, feito da lenta aculturação de influências e tradições […]. (Matos, José S., 2008, p.182)

A presença muçulmana inicia-se a partir de 711. A conquista do território aos visigodos, foi iniciada pela expedição comandada por Tarique 37. Este conseguiu a vitória sobre os visigodos, dando “início a um novo capítulo da história peninsular” (Matos, José S., 2008, p.183). Avançando no território, a bela cidade nascida junto da ribeira do Tejo, foi ocupada por este novo povo, em 714, com a anterior designação de Olisipo – facto, que o novo ocupante, naturalmente procurou alterar, contribuindo também ele para a riqueza do passado léxico que antecede o nome actual de Lisboa. À conhecida Olisipo dos romanos, precedeu a Al-Uxbuna dos muçulmanos, abreviado em Luxbuna e Lixbuna, tendo em conta as variantes ortográficas em árabe (França, 2009, p.50).

Fixada no alto da colina, estendia-se até à ribeira do Tejo, Al-Uxbuna partilhou com a antiga Olisipo a mesma imagem física, estrategicamente bem posicionada. Contudo, sobre ela viveu, introduzindo ajustamentos que deram origem a um novo traçado, uma nova herança que marcou a configuração da cidade.

Como era a Lisboa Muçulmana? Poucos são os elementos que possuímos para a sua reconstituição e, esses mesmos, escassos pormenores nos fornecem. Apesar disso, firmados em descrições de alguns autores árabes […], tentamos essa empresa, na certeza de que se o panorama não ficar perfeitamente recortado, a falta de indicações mais elucidativas nos justificará. (Domingues, 1947, p.84)

No conjunto das descrições dos que viveram naquele tempo, realça-se a expressão criada pelo geógrafo árabe al-Idrisi38. Segundo França (2009, p.51), Al-Idrisi escreveu que “Lisboa era uma noiva na sua alcova nupcial”. No entendimento de Domingues (1947, p.87), a expressão revela “uma cidade de grande beleza e notáveis atractivos, edificada sobre uma elevação que lhe servia ao mesmo tempo de base de pequeno trono”. A expressão revela na perfeição a imagem de Al-Uxbuna.

O desenvolvimento do tecido urbano era espontâneo, construindo-se de forma lenta e orgânica, com malha densa e recortada.

37 Tárique ou Tariq ibn Ziyad (670-720) foi o general do exército muçulmano, na conquistou a Península Ibérica. 38 Geógrafo árabe da Idade Média, famoso pelo desenho de mapas.

Raquel dos Santos Catarino 45

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 9 – “Lisboa Muçulmana”, Martins Barata, 1940 (Araújo, 1940).

O urbanismo muçulmano recuperou e valorizou as potencialidades do sítio: “construção de uma cidade fortificada, segundo os cânones do planeamento islâmico – Alcácer, Medina, hierarquização viária e arrabaldes especializados” (Gaspar, 1994, p.15). Estes elementos estruturam a área urbana da cidade e constitui a matriz base do espaço actualmente existente no centro histórico.

A cidade muçulmana apresentou uma configuração urbana com algumas influências da sua anterior referência. Como herança do desenho Romano, preservava a estrutura com dois pólos principais – o alto da colina para as actividades administrativas e militares e segundo, a zona ribeirinha “trepando pelo flanco do monte, para residência e labuta de uma população de pescadores, artesãos e comerciantes” (França, 2009, p.51).

Contudo, o elemento caracterizador do traçado urbano da cidade muçulmana revela- se na disposição de uma cerca39 que envolve a urbe.

[…] era Lisboa fechada por uma linha de muralhas, que constituíam a chamada cerca moura, e mais tarde cerca velha, fortíssimo recinto que permitiu aos musulmanos resistirem durante quasi quatro mezes, a tropas numerosas, aguerridas, munidas dos mais aperfeiçoados meios de ataque, e alem d‟isso incitadas pelo ódio de religião e de raça. (Silva, 1899, p.21)

39 A sua construção é fruto da difícil fixação dos muçulmanos no território português e, por culpa de conflitos com os povos antecedentes

Raquel dos Santos Catarino 46

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 11 - “Lisboa – a cidade e as muralhas islâmicas”, desenho baseado num manuscrito existente na biblioteca de Leiden (Leiden, Holanda). (Matos, 1999 p.1)

Ilustração 10 – Traçado conjectural da cerca moura. (arquivomunicipal, 2012)

A cerca moura constituía um poderoso sistema fortificado. A sua construção é associada ao povo muçulmano, mas alguns estudos identificam a origem Romana40. Contudo, a cidade actual revela os vestígios de uma muralha 41 reconstruída por Muçulmanos. A cerca consistia numa grande parede cega que, escondia no seu interior, um complexo sistema de vida em comunidade comparada a uma grande residência colectiva (Grande, 2002, p.36).

Para permitir passagens entre o interior e exterior da cintura de muralhas, abriam-se numerosas portas42. Segundo Silva43, no conjunto geral “parece que eram cinco ou

40 Os romanos utilizaram o elemento fortificado em redor das áreas habitadas, no percurso final da sua ocupação. Hoje, muito pouco resta dessa fortificação 41 Em Lisboa, é possível vislumbrar fragmentos dessa muralha. Um deles está situado perto do actual miradouro de Sta. Luzia junto à escadaria que desce no sentido do rio. 42 A mais importante, situada no local da actual Sé, era a Porta do Ocidente (Bab-al-Garbe), designada pelos portugueses como a Porta do Ferro (Domingues, 1947, p.87). Segundo Dr. Garcia Domingues (1947, p.87) “à direita desta porta, na direcção do Castelo, ficava a Porta da Alfôfa (Bab-al-hôha) ou Porta da Fresta. À esquerda e dando para o rio, tínhamos a porta do Mar (Bab-al-bahr) que foi o arco das Portas do Mar. A leste abriam-se duas portas: - a Porta da Alfama (Bab-al-hamma), não longe do rio, e a Porta do Almocavar (Bab-al-macbara). (…) Al- Himiarí não dá notícia de qualquer porta ao Norte da Cidade. No entanto, supomos que deviam aí existir, além da Porta da Traição, aquela a que se chamou a Porta do Moniz.” 43 Augusto Vieira da Silva (1869-1951) dedicou a sua vida ao estudo de Lisboa. Nasceu no , bem no centro de Lisboa. Vieira da Silva fez os estudos secundários na Escola Académica. Em seguida, já na escola Politécnica recebe vários prémios. Realiza o curso de Engenharia Militar entre 1890 e 1893 na Escola do Exército, onde também é premiado pelo seu desempenho escolar. Em 1893, é nomeado alferes do Regimento de Engenharia e em 1895 ascende ao posto de Tenente. A carreira militar de Vieira da Silva progride, prestando vários serviços e sendo colocado em diversos cargos. A sua obra literária,

Raquel dos Santos Catarino 47

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

seis as portas militares da cerca moura” (1899, p.47) apresentando, todas elas uma estreita configuração44.

No interior da linha das muralhas desenvolvia-se um desenho característico do urbanismo árabe, inserido inicialmente num perímetro apertado. Destaca-se as duas áreas principais da urbe muçulmana: a Alcáçova45 (área administrativa e militar) e a Medina (área comercial e residencial que se distribuía pela encosta do Castelo). Estas duas áreas “compreendiam as actuais freguesias de S. Tiago, S. Cristóvão, Sé e parte da Madalena” (Dias, 1987, p. 9).

A Medina, local compreendido entre os dois extremos do traçado urbano muçulmano, definia-se como a área da vida urbana. Era o lugar do espaço público, constituído por edifícios, entre os quais um templo e uma mesquita46 e um mercado47 (França, 2009, p.51). Do espaço da Medina, também faziam parte um conjunto de aglomerados habitacionais48, situadas em ruas de configurações naturalmente estreita e difusa.

Os traçados típicos das aglomerações muçulmanas encontravam-se em Lisboa: ruas tortuosas e estreitas, becos sem saída, largos à margem da circulação, pátios acessíveis por passagens cobertas, balcões saídos sobre as ruelas onde apenas poderiam circular pessoas e animais. (Brito, 1976, p.23)

Um percurso pela malha urbana de Al-Uxbuna revela a sua adequação ao terreno, respeitando a estrutura orgânica das curvas de nível (França, 2009, p.52). O traçado era sinuoso, estreito e repleto de becos. Identificou-se uma via principal “definida por um eixo de tráfego entre as portas do Sol e do Ferro, na qual se situavam as duas mesquitas que a hierarquizavam” (França, 2009, p.52). revela-o como um investigador que contribuiu de modo ímpar para os estudos olisiponenses. Publicou uma vasta obra, constituída por várias monografias e artigos, sobre o seu tema de eleição, a olisipografia. 44 Considera-se a possibilidade de terem existido outras comunicações através das muralhas, “que se tapavam e se disfarçavam em tempo de guerra, porem a este respeito nem sequer se podem fazer conjecturas” (Silva, 1899, p.47). Deste modo, actualmente, pouco ou nada resta da presença destas portas que, ao longo dos tempos, foram “alargadas, chamando-se-lhes então arcos” (Silva, 1899, p.48). 45 Zona de cota mais elevada e mais protegida. Na Alcáçova, residia o “alcaide”. Este espaço revelava-se como o espaço de defesa da urbe muçulmana. 46 A mesquita representava o edifício religioso de maior destaque da urbe, localizada no local da actual Sé. 47 Cujo termo exacto, os muçulmanos apelidavam de “suq”. 48 Segundo José Augusto França (2009, p.51), as casas apresentavam “piso térreo ou um andar assobradado, com quintal para a frente”.

Raquel dos Santos Catarino 48

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

O conjunto traçado pertence ao perímetro urbano de Al-Uxbuna no interior da cerca. Mas rapidamente cresceu a necessidade de expandir a malha urbana para fora desse perímetro. Deste crescimento, resultou o desenvolvimento de áreas designadas por arrabaldes.

Os arrabaldes muçulmanos eram definidos pelo núcleo oriental correspondente à zona de Alfama49, e o ocidental localizado ao longo do esteiro da Baixa. Deste último, destaca-se a primeira acção que contribuiu para o início da ocupação da actual Baixa de Lisboa, antes compreendida como “uma língua de terra, que as aguas contornavam por três lados, constituindo um fosso aquático, largo e profundo (Silva, 1899, p.13). É na Lisboa Muçulmana que esta imagem começa a desvanecer e verificam-se os primeiros aterros sucessivos nesta zona, partindo do antigo limite romano, a Praça da Figueira. O arrabalde ocidental da Baixa protagonizou a zona industrial da urbe muçulmana (Matos, José L., 1999,p. 8).

Alfama, o velho bairro de pescadores, que ainda conserva uma grande parte do seu antigo aspecto. […] nenhum outro lugar lhe pode proporcionar, do aspecto que Lisboa tinha no passado. Tudo aqui evocará esse passado – a arquitectura, o tipo de ruas, os arcos e as escadas, as varandas de madeira, os verdadeiros hábitos do povo que aí vive uma vida cheia de rumor, de conversa, de canções, de pobreza e imundície. (Pessoa, 2008, p.57).

Alfama preserva, actualmente, o traçado urbano muçulmano50. A configuração estreita e tortuosa das ruas e ruelas, a existência de becos e pátios, uns privados, outros do domínio público, revelam uma lógica de desenho do espaço, característica própria do urbanismo árabe (Matos, José L., 1999, p.9).

49 Alfama, constituiu o arrabalde oriental da urbe muçulmana, “assim chamado por aí existirem fontes de águas termais” (Domingues, 1947, p.85). Segundo José Luís de Matos “Alfama tinha sido o centro portuário e mercantil” (1999, p.20) de Lixbuna. Alfama era considerada como o centro da cidade moura. 50 José Augusto França (2009, p.52) refere, que as características urbanas de Alfama e Mouraria, nascida posteriormente e também com influência muçulmana no traçado, podem ser actualmente visitadas. Estes bairros escaparam à catástrofe de 1755 e preservaram o traçado

Raquel dos Santos Catarino 49

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 12 – Configuração de uma rua Ilustração 13– Configuração de uma rua Ilustração 14– Configuração de uma rua em Alfama. (Ilustração nossa, 2011) em Alfama. (Ilustração nossa, 2011) em Alfama. (Ilustração nossa, 2011)

A necessidade de expandir a malha urbana protagonizada pelos arrabaldes revela o constante crescimento demográfico de uma população51 “atraída pelas possibilidades económicas que o rio continuava a assegurar” (França, 2009, p.50).

Dentro e fora das muralhas, o povo dedicava-se “ao comércio e à agricultura, em hortas ou «almoinhas» limítrofes, com casas que se multiplicavam em ruelas estreitas e becos, ou se dispersavam pelos férteis vales vizinhos” (França, 1980, p.12,13). Por sua vez, o rio assegurava as trocas comerciais, contribuindo para o sucesso económico da cidade.

Domingues (1947, p.115) refere-se a Al-Uxbuna, como “uma cidade essencialmente comercial no tempo do domínio árabe.” Cria-se um dia a dia social, onde movimento, trocas comerciais e azáfama rural parecem estar presentes.

Foi esta Lisboa fortemente urbana, com um campo envolvente e rico, tanto no aspecto demográfico como no económico, que caracterizou o domínio muçulmano sobre a capital. Sucedendo a Oilisipo, Al-Uxbuna ergueu-se no alto da colina, criando uma entidade urbana sobre os vestígios do desenho romano. Utilizando os fragmentos de uma muralha tardo-romano, o desenho de Al-Uxbuna tem como grande referência, a Cerca Moura. A cintura de muralhas reforçada pelos muçulmanos serviu de base para todo o desenvolvimento da urbe. Mas nem ela conseguiu travar o avanço da cidade. A visão do interior do cerco e a visão do seu exterior marcaram para sempre a história

51 A população era constituída na sua maioria por árabes, “assimilando a dos Romanos ainda provavelmente restados, dos Suevos e Godos cristianizados, mais aptos a uma convívio pacífico de tutelados, com a sua religião respeitada à sombra da mesquita grande” (França, 2009, p.50).

Raquel dos Santos Catarino 50

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

da Lisboa actual. Deste modo, em relação a Olisipo, Al-Uxbuna traduziu naturalmente uma maior dimensão.

Entre 138 a.C. e 1147, houve mais de quinhentos anos de Roma, mais trezentos de Suevos e Godos, e mais quatrocentos de Muçulmanos – antes que Olisipo e Lixbuna integrassem o definitivo território do reino de Portugal, então recentíssimo, e com a cidade definindo o seu futuro peninsular e europeu. Uma civilização se instalou e desfez, outra dela se aproveitou e uma terceira, com mais capacidades de cultura, nela viveu e deixou memória quotidiana […]. (França, 2009, p.55)

Vários anos passaram, até que de novo as atenções se voltassem para Lisboa. Esse facto foi protagonizado pela conquista de Lisboa aos mouros, dando por terminada, a história da Lisboa Muçulmana (Domingues, 1947, p.98).

2.1.2. A CONQUISTA DE LISBOA – REGISTOS DO ESPAÇO PÚBLICO MEDIEVAL

Várias tentativas fizeram os Reis Christãos para arrancar Lisboa do poder dos musulmanos, mas essa façanha estava destinada para o nosso primeiro Rei que, com o auxílio de tropas que em demanda da terra santa abordaram às costas de Portugal, conseguiu assenhorear-se da cidade, depois de quasi quatro mezes e meio de cerco, o que bem revela o excellente traçado e construção das muralhas, e a excepcional situação escolhida para a cidade. (Silva, 1899, p.89)

O fim do domínio Muçulmano significou a conquista do território, para o definitivo domínio português. O rei português “tomou a cidade em 25 de Outubro de 1147 […] com ajuda de cruzados flamengos, coloneses e ingleses que demandavam a Terra Santa e se detiveram no caminho para esta empresa de reconquista” (França, 1980, p.13).

Contudo, já a partir de 1140, as tropas comandados por D. Afonso Henriques 52 “procurava política e militarmente definir o território de seu direito e ambição” (França, 2009,p.57). Formada a armada de cruzados de diferentes nacionalidades, a história da chegada ao cais e dos eventos do cerco começa, dada por um relato improvável.

52 D. Afonso I de Portugal, mais conhecido por D. Afonso Henriques (1109 (?) –1185), foi o primeiro rei de Portugal, cognominado O Conquistador, O Fundador ou O Grande.

Raquel dos Santos Catarino 51

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 15 - “Cerco de Lisboa. Desenho para as crónicas de Ilustração 16 – “Tomada de Lisboa”. (museudacidade, 2008) Fernão Syva”, Roque Gameiro. (Araújo, 1940, p.32)

Aconteceu, porém, que um participante da expedição deixou um longo relato-carta em bom latim que, em 1832, foi descoberto numa biblioteca da Universidade de Cambridge e recuperado por Alexandre Herculano, vinte e quatro anos mais tarde. Foi a sua autoria logo atribuída a Osberno ou Osberto de Bawdsey, no condado de Suffolk, Grã- Bretanha, por à cabeça do manuscrito figurar o nome de “Osb.De.Baldr”; mas discutiu- se depois se se trata do remetente ou destinatário, sendo então o primeiro um tal “R”, nominativo na construção da frase inicial, e estando em dativo os primeiros termos dela, como se considerou mais usual em formas epistolares. […] Ele acompanha tudo, a par e passo, desde o início da viagem da frota até à rendição e saque da cidade […]. (França, 2009, p.58)

O cruzado R53 é neste registo a principal fonte de informação dos acontecimentos deste tempo. Membro integrante das tropas de Afonso Henriques, é através dos seus escritos, que se pode relatar com alguma certeza, a tomada da cidade e a sua fisionomia.

O alto do monte é cingido de uma muralha circular, e os muros da cidade descem pela encosta, à direita e à esquerda, até à margem do Tejo. Ao sopé dos muros existem arrabaldes alcandorados nos rochedos cortados a pique, e são tantas as dificuldades que os defendem, que se podem ter em conta de castelos bem fortificados. (Alves, 1989, p.35)

53 Identifica-se a alma de escritor do cruzado R, que não se limitou a descrever o simples episódio da queda da Lisboa Muçulmana, perdendo-se “literariamente” com considerações alargadas sobre a viagem e as particularidades lisboetas (Matos, José S., 2008, p.27). O relevo da sua informação podia ser atribuído a um escritor ou historiador importante daquele tempo. Contudo, “ e, primeiro que tudo, R. é um cruzado” (Matos, José S., 2008, p. 43).

Raquel dos Santos Catarino 52

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Na chegada ao cais, pelas águas do rio Tejo, identifica-se o primeiro olhar pela pena do cruzado R (Coelho, 1994, p.85). A Lisboa de domínio muçulmano revela a identidade da cidade fortificada cujo objectivo era causar “espanto aos que vissem” (Oliveira, 1947, p.122).

José Sarmento de Matos 54 (2008, p. 21) refere a importância de tal retrato, “literariamente tão cuidado tem ainda o condão de despertar uma curiosidade pelo menos tão viva quanto aquela que a prosa do cruzado revela ao descobrir a cidade recatada, lá ao fundo, na curva do estuário”.

Vale por isso a pena perder-se algum tempo com este belo retrato, na verdade projectado no ecrã do tempo com uma imagem a três dimensões: primeiro a realidade física da cidade, depois a sua essência funcional, e por fim, as linhas mestras de uma história, sempre intimamente ligada aos condicionalismos de uma específica situação geográfica. (Matos, José S., 2008, p.22)

A referência ao rio, à colina e a sua envolvente são uma constante. Constitui a imagem de marca da cidade que, acompanha-a ao longo dos tempos.

Além da realidade geográfica, a carta do cruzado, revela também a componente social, humana e cultural de dentro dos muros de Lisboa (Matos, José S., 2008, p.38). A diversidade de culturas55 é uma evidência.

Os conjuntos dos escritos do cruzado tornaram-se de extrema importância para a conjuntura daquele tempo. Isto porque é através deles, que hoje conseguimos redesenhar os acontecimentos que marcaram a história de Lisboa. Explica-se, deste modo, o estatuto inesperado do cruzado R.

O território que as tropas de Afonso Henriques pretendiam conquistar, era lido a partir do “núcleo central, envolto em muralhas […] escorregando na linha da encosta em direcção ao rio” (Matos, José S., 2008, p.44). A presença de arrabaldes a ocidente e

54 Autor português. Iniciou a sua vida profissional como técnico do IPPAR, onde foi técnico superior e Director de Serviços de Artes Plásticas. Dedica-se ao estudo sobre a história de Lisboa, essencialmente na perspectiva histórica da arquitectura e urbanismo da cidade, tendo publicado vários estudos sobre a temática olisiponense. 55 Segundo José Sarmento de Matos (2008, p.39) “há cristãos, mais ou menos conformes ao entendimento recente da hierarquia romana, variadas sensibilidades muçulmanas, mais ou menos fundamentalistas, e, em número apreciável, não faltam judeus, indispensáveis em qualquer lugar onde o comércio é a actividade principal.

Raquel dos Santos Catarino 53

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

oriente é também notada. È precisamente um destes arrabaldes – o que ocupa a zona actual da Baixa – o primeiro a ser conquistado56.

Vieira57 (1993, p.17) refere que “três meses vai durar o cerco: desde 28 de Junho até 25 de Outubro deste ano de 1147”.

Ilustração 17 – “Precioso quadro seiscentista que representa a conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques”, fotografia na Câmara Municipal de Lisboa (Lisboa, Portugal). (Vieira, 1939, p.74)

No alto do Castelo onde pouco antes tremulara ao sopro das brisas o Crescente Muçulmano, eleva-se no azul do espaço a Cruz de Cristo, símbolo do Cristianismo triunfante e ao lado dela, símbolo de uma pátria nova, desprega-se ovante, batido dos ventos, banhado de luz, o pendão de D. Afonso Henriques. (Oliveira, 1947, p.140)

Após a conquista, restou à maioria dos cruzados de outras nacionalidades, “amontoaram os despojos nos seus navios e partirem para os seus países” (Vieira, 1993, p.18).

56 O cruzado descreve com maior precisão, o cenário da conquista a partir do arrabalde da Baixa, pelo simples razão de o próprio fazer parte dela. José Sarmento de Matos (2008, p.46) refere, “quantos aos outros, são conquista de alemães e flamengos, a nascente, e do rei e os seus homens, postados a norte”. Compreende-se, desta forma, o desenho do cerco, estrategicamente posicionado. 57 Alice Vieira (1943-) é uma escritora e jornalista portuguesa. É licenciada em Germânicas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Em 1958 iniciou a sua colaboração no Suplemento Juvenil do Diário de Lisboa e a partir de 1969 dedicou-se ao jornalismo profissional. Desde 1979 tem vindo a publicar regularmente livros, principalmente juvenis.

Raquel dos Santos Catarino 54

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Quanto ao povo muçulmano, os que escaparam com vida, optaram, na sua maioria, pela partida em busca de outros lugares. Os que optaram ficar, submeteram-se às condições de Afonso Henriques, incorporando grupos de trabalhadores comuns, fixados na costa ocidental do castelo, onde passaram a viver (Vieira, 1993, p.19). Araújo58 (1947, p.163) refere, que nessa encosta, os mouros estabeleceram “o seu casario modesto, as suas almoinhas, o seu almocavar próprio, mesquita privada, lagares, olarias, tendas. Nascia assim a Mouraria”. A comunidade judaica também constituiu os seus próprios bairros. Ocupavam uma parte da cidade já antes da Conquista, e lá se mantiveram (Araújo, 1947, p.163). Os seus bairros eram “a Judiaria Grande no vale a oeste, e duas Judiarias Pequenas, uma no vale e outra em Alfama” (Santos, 2000, p.29).

Atribui-se a autonomia às Mourarias e Judiarias, “que as identificam como entidades socais autónomas, até ao século XVI no caso das judiarias, e até pelo menos ao século XVIII no que respeita às mourarias” (Matos, José L., 1999, p.11). Grande 59 (2002, p.40) refere que as Judiarias e as Mourarias contribuíram para a consolidação de áreas residuais “deixadas nos limites interiores e exteriores das cercas, servindo assim de embrião a desenvolvimentos posteriores da cidade”.

Tomada que foi Lisboa sarracena, cristianizada a área da cidade na sua zona primitiva cercada de muçulmanos, purificadas as mesquitas, limpas de destroços e imundices a Kassba e a Almedina, […] arrumados os mouros «forros» numa zona da planície noroeste do Castelo, e pelos arrabaldes a Norte – num espírito político de tolerância que nobilita o Rei Conquistador -, uma nova cidade ia surgir da primitiva Lixbuna. (Araújo, 1947, p.144)

58 Norberto de Araújo (1889-1952) foi um jornalista e escritor português e importante olisipógrafo. Araújo era um grande conhecedor do passado da história de Lisboa, razão pela qual, o levou a escrever algumas das principais obras que descrevem com exactidão, a forma como se organizava a cidade ao longo dos tempos. 59 Nuno Grande (1966-) é licenciado em Arquitectura pela Universidade do Porto e doutorado pela Universidade de Coimbra. È docente na disciplina de Urbanística na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. È autor e editor de diferentes publicações no âmbito da Cultura Arquitectónica e Urbana, assim como organiza exposições sobre a Arquitectura Portuguesa.

Raquel dos Santos Catarino 55

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A conquista da cidade revela um novo período da sua história. Identifica-se como sendo o tempo da Lisboa Cristã. Contudo seguiu-se um período conturbado. Pradalé60 (1975, p.21) refere que “a cidade vive ao ritmo da reconquista”61.

[…] o período entre meados do século XII e primeira metade do século XIII parece desenhar-se como uma época de transição entre os valores urbanísticos do legado islâmico e a formação de novos princípios aferidos por uma nova ordem urbana de fundamente estético medieval-cristão. (Carita, 1999, p.22)

Quanto ao novo desenho da cidade, não existe muita informação no que respeita às medidas tomadas pelo novo rei para a adaptação do lugar ao novo ocupante. A verdade é que muito do que existia parece ter sido reutilizado. O desenho de Al- Uxbuna, permitiu a “reconstituição desse pequeno empório social e comercial, que tinha o Tejo por principal razão de ser do seu prestígio” (Araújo, 1947, p.144).

A zona central do poder e administração cristã, o interior da Cerca Moura, foi forçadamente desocupada pelos muçulmanos após a Reconquista. […] O Castelo ou castelejo, a alcáçova ou Palácio Real, a zona militar – actual bairro, de santa Cruz – mudaram de mãos, mas não de funções. Ficou intacta a estrutura urbana, símbolo material de poder. (Matos, José L., 1999, p.19)

No que diz respeito ao desenho da planta, “não houve diferenças fundamentais entre a dos tempos anteriores a 1147 e a dos tempos cristãos” (Santana et al., 1994, p.512). Segundo o mesmo autor, evidencia-se na Lisboa Cristã, “a mesma irregularidade, a mesma rede complexa de ruas estreitas e tortuosas, becos sem saída e falta de espaços abertos” (1994, p.512), herança da Lisboa Muçulmana.

Multiplicam-se as casas, as ruas, travessas e becos. O desenvolvimento da cidade realizava-se segundo as necessidades locais “e obedecendo também a pólos de atracção que eram os conventos 62, as novas paroquias e algumas casas nobres” (França, 1980, p.16).

60 Autor de várias publicações, entre os quais, a descrição da cidade de Lisboa sobre a reconquista cristã após a tomada do território aos muçulmanos. 61 Designa-se o período da Reconquista, que se estendeu aproximadamente até meados do século XIII, uma vez que a cidade tornou-se objecto de ataques por parte de outros povos, mas todos sem efeito (Santana et. al., 1994, p.511). 62 Deste modo, como forma de mostrar o domínio do território, inicia-se a implantação de determinados tipos de estruturas sagradas. As igrejas constituíam o edifício de referência espacial. José Luís de

Raquel dos Santos Catarino 56

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A Lisboa medieval, é entendida “como um emaranhado orgânico de estreitíssimas ruas e becos, confundindo-se com o legado islâmico” (Carita, 1999, p. 19). O seu desenho apresenta modelos urbanísticos característicos do urbanismo árabe. Surge neste período os elementos essências do traçado do espaço urbano definido pelas ruas, travessas, largos, becos e praças.

A cidade crescia 63 a um ritmo acelerado, “estabelecida solidamente, amparada às normas, leis e costumes de Portugal medieval” (Araújo, 1947, p.146).

Da Lisboa social e mercantil do século do primeiro Afonso, circunscrita no aspecto medievo e no semblante naturalmente sarraceno, ao Castelo ou Alcáçova, à cerca civil, à Alfama casquilha, ao bairro dos judeus, começou a surgir uma outra Lisboa, lentamente pelos séculos XII e XIII fora. (Araújo, 1940, p.63)

Se a Lisboa Muçulmana concentrava-se na área correspondente ao interior da cerca e dois arrabaldes que timidamente começaram a surgir, nos séculos seguintes, a cidade expandiu-se além-muros. Pradalé (1975, p.33) refere que “a Este, a Norte mas sobretudo a Oeste da colina do castelo, surgem bairros, em que se desenvolve nova vida”. Lisboa sofreu um desenvolvimento gradual.

A nova imagem apresentava uma cidade edificada em duas colinas, com uma planície intermédia, cuja importância geográfica e económica cresceu, levando à sua ocupação. Por culpa do aumento demográfico, a planície da Baixa foi toda ela densamente povoada 64 , durante os séculos XII-XIII (Santana et. Al, 1994, p.512). Constitui, este aspecto, o aterro mais significativo da época, influenciando o desenho da nova Lisboa.

A cidade, a expandir-se para Ocidente, esquecida já do recinto da Cerca de ruas tortuosas e lombas lageadas […] era uma grande extensão, povoada na parte que hoje diremos da Baixa, mas no seu conjunto quase inteiramente rústica, casa aqui, casa

Matos62 (1999, p.13) refere, que e os edifícios religiosos62 “ocupam e organizam, física e ideologicamente, o espaço”. Identifica-se nesta época, um crescente desenvolvimento dos mesmos. 63 Além do seu crescimento, o território de Lisboa foi governado por diferentes Reis, importantes nos desenvolvimentos urbanos do respectivo reinado. Destaca-se o reinado de D. Dinis, essencial para determinação de certos espaços públicos na cidade. 64 Helder Carita (1999, p.22) refere que termos urbanísticos, este vasto traçado urbano não deve ser entendido como urbanismo medieval realizado após a conquista. Ele é considerado uma preexistência islâmica por se ter dado início à sua ocupação no período muçulmano, vindo a ser em grande parte desenvolvido no período cristão.

Raquel dos Santos Catarino 57

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

acolá, […] Este cenário rústico, contemplativo, visto a distancia, esfumado pelas névoas que subiam do Tejo, contrastava com a agitação urbanística irregular e rudimentaríssima do centro da nova cidade, que extravasava dos muros antigos, e na qual os edifícios se multiplicavam. (Araújo, 1947, p.162)

A nova imagem da Baixa da cidade, apresentava uma forma irregular cujo limite, terminava na orla do rio. Esta zona adquiriu o estatuto de centro da cidade. Nos séculos XII e XIII iria evoluir como centro da cidade e da vida urbana. O centro da organização territorial “desce a colina instalando os seus bairros mais activos na Baixa” (Pradalié, 1975, p.38).

O seu desenho continua a desenvolver-se através de ruas, becos e travessas – as típicas artérias estreitas e contorcidas – que surgem aleatoriamente na cidade, sem uma ordem específica.

O conceito de rua não invocava uma imagem espacial no período medieval. Correspondia a “um percurso que se radica numa experiência vivida e onde espaço e tempo aparecem como que indissociáveis” (Carita, 1999, p.24).

Em vez da rua, os termos azinhaga65 e beco66 têm, segundo Carita (1999, p.26), “uma significação baseada sobretudo numa tipologia de uso conotada a percurso particular”.

Com o aumento da circulação, proporcionado pelo desenvolvimento económico e comercial, tornou-se necessário reformular as aglomerações medievais. Caracterizadas por ruas estreitas, Salgueiro67 (1992, p.166) refere que o alargamento das vias deu origem “às «ruas novas», de que a mais famosa é a de Lisboa”.

65 Relaciona-se com a estrutura urbana muçulmana e refere-se mais a um espaço privado. 66 È entendido como rua sem saída. Hélder Carita (1999, p.26) refere que em alguns documentos encontrados datados de 1313 surge a expressão beco aplicado com a conotação de pátio. 67 Teresa Barata Salgueiro (1948-) é licenciada em geografia urbana e história do urbanismo, tendo o mestrado em recomposição urbana. A sua área de investigação aborda os temas da produção de espaço urbano , habitação, comércio e reabilitação e transformação nas áreas urbanas. É autora de diversas publicações e coordenadora de projectos de investigação.

Raquel dos Santos Catarino 58

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Deste modo, a frente ribeirinha sofreu um processo de remodelação urbana iniciada por D. Dinis 68 . Do seu plano fazem parte uma rua com funções importantes e a construção de uma muralha, ao longo da frente ribeirinha do vale da Baixa.

A configuração da Rua Nova69 era larga e comprida, “com características urbanas diferenciadas das estruturas morfológicas da cidade islâmica” (Carita, 1999, p.29). Apresentava-se como um eixo paralelo às margens do Tejo, desenvolvendo um sentido espacial contínuo. Deste modo, identificamos um novo rumo urbano, com base na noção europeia de espaço diferenciado do urbanismo islâmico.

A estrutura primitiva da Rua Nova, antes da regularização e aumento realizado por D. Dinis, revela imediatamente um sentido de continuidade e abertura, com uma lógica profundamente europeia e cristã. O seu carácter eminentemente comercial radica-se, por outro lado, numa antiga tradição islâmica de centralidade urbana constituída a partir de um grande núcleo comercial. Neste sentido é particularmente significativo que a Rua Nova se forme a partir do antigo núcleo central da cidade, os açougues, assumindo simultaneamente uma orientação para ocidente que imprime uma direcção ao desenvolvimento da cidade. (Carita, 1999, p.29)

A Rua Nova é prolongada para ocidente até à colina de S. Francisco estabelecendo aí um novo cais para a cidade 70 . Este prolongamento define o desenvolvimento de Lisboa para ocidente ao longo das margens do Tejo71.

No século XIV, paralelamente à Rua Nova, é aberta a Rua dos Ferreiros situada do lado de fora da muralha de D. Dinis. O remate das duas ruas é o resultado do aumento do antigo Largo dos Açougues72, reformulado após o avanço dos terrenos sobre as margens do Tejo (Carita, 1999, p.30). Devido à sua posição estratégica, reforça-se como centro administrativo da cidade.

68 Rei de Portugal, dominado com o cognome de o Lavrador. Grande impulsionador das riquezas naturais do país, estabeleceu medidas que valorizavam o comércio e a agricultura. Refere-se aqui a sua importância pelo modo como iniciou a aproximação à frente ribeirinha. 69 Foi a primeira vez que um local específico da cidade de Lisboa recebeu o termo “rua” como nome próprio. Deste modo, a sua entidade é justificada como uma tipologia urbana referente ao espaço público. 70 Aqui desenvolveram-se as novas edificações das Tercenas e uma Judiaria considerada «Judiaria Nova». 71 Um dos desenvolvimentos urbanísticos mais significativo deste período foi o Bairro da Pedreira. A sua evolução partiu da definição de uma rua principal, para a partir desta nascerem perpendicularmente ruas secundárias denominadas travessas. 72 Mais tarde é denominado o largo do Pelourinho.

Raquel dos Santos Catarino 59

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 18 – Rua nova (3) e Rua dos Ferreiros (5). (Carita, 1999, p. 76)

A Rua Nova torna-se no grande centro económico. O Largo do Açougues “tomará a qualidade urbana de centro cívico e administrativo” (Carita, 1999, p.32).

A Baixa reunia assim todo o conjunto dinâmico dos serviços públicos de uma cidade. Inclusive, espaços que antes eram verdadeiros centros cívicos deixaram de o ser. No alto do monte, o Castelo perdeu a sua densidade populacional, e a nova Lisboa a foi ganhando. A Alfama tornara-se no decorrer da monarquia afonsina couto de plebeus, marinheiros e pescadores, «povo meúdo», braços das fainas navais. Toda a importância que possuía se desviou para a Baixa, o sítio onde uma futura grande cidade comercial assentaria (Araújo, 1949, p.65).

Se no início da ocupação romana, atribuía-se à Baixa a conotação de praia fluvial, agora “a terra firme aumenta, em detrimento do solo inundável, quer sob a acção de agentes naturais, quer sob a acção do homem”73 (Pradalé, 1975, p.34).

Nela cresciam importantes espaços públicos, cuja importância, brevemente atingiria um patamar de excelência.

Apesar da sua expansão, o território continuava em risco de ataques vindos do exterior. Deste modo foi construída uma segunda muralha74 com o intuito de proteger os novos bairros. A nova muralha75 surgiu por intermédio do Rei D. Fernando76.

73 Pradalé (1975, p.35) distingue as razões para os agentes naturais, atribuindo este processo ao aluvião dos riachos de Norte e sobretudo ao do próprio Tejo. Na categoria de acções humanas, o autor refere que a construção de uma nova muralha de protecção, necessitou “de ganhar duas braças «contra o mar».

Raquel dos Santos Catarino 60

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Nos últimos decénios do seculo XIV assiste-se em Lisboa à construção dum novo conjunto de muralhas de protecção da cidade: a chamada cerca fernandina. A inclusão de novos terrenos dentro do perímetro destas muralhas, as demolições efectuadas em edifícios, assim como uma nova estrutura de entradas, vai introduzir, naturalmente, no tecido da cidade, novas dinâmicas urbanas. (Carita, 1999, p.37)

Segundo Vieira (1987, p.7) “esta linha de muralhas ficou conhecida por Cerca Nova […] e também por Cerca de D. Fernando ou Fernandina, designações evocadoras do rei que a mandou construir”. Construída para limitar os territórios anexados à área primitiva da cidade, a cerca 77 era constituída por lanços de muralhas – “ Lanço Ocidental e Lanço Orienta, e por Lanços Marginais ou Fluviais, os que corriam ao longo da Ribeira da Cidade” (Vieira, 1987, p.15). A muralha completa-se com o “lanço meridional […], e com o setentrional do Castelo de S. Jorge” (Vieira, 1987, p.15).

74 Foi primeiro, no reinado de D. Dinis, pensada a construção de uma nova frente de muralhas ao longo do vale da Ribeira, unindo a povoada colina de S. Jorge com a colina de S. Francisco. A sua disposição protegia o extenso vale da Ribeira. Contudo, “esta não cumpriu (…), o contrato e a protecção programada ficou interrompida” (França, 2009, p.80). 75 Segundo Vieira (1987, p.7) a nova muralha surgiu “depois do assalto, roubo e incêndio que à cidade havia infligido em 1373 o exército de Rei D. Henrique de Castela”. 76 Foi o último rei de Portugal da primeira dinastia. Foi cognominado como o Formoso ou o Inconstante. 77 A Cerca Nova ou Cerca Fernandina era constituída por torres, portas e postigos. Vieira (1987, p.23) refere que “as Torres eram especialmente as construções defensivas e de flanqueamento dos muros”. No que diz respeito às portas e postigos, designavam “as aberturas ou vãos de serventia abertos nas muralhas da cerca” (Vieira, 1987, p.25). A importância das portas em relação aos postigos era consideravelmente maior.

Raquel dos Santos Catarino 61

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 19 – “Configurações de partes das fortificações da cidade”. (museudacidade, 2008)

Nos dias de hoje, poucos vestígios restam da cerca fernandina. O que existe compreende “troços de muralha, torres […], parte oculta pelo casario ou desfigurada por várias utilizações, e outra parte arruinada” (Santana et. al, 1994, p. 261).

A norte da Baixa, desenvolveu-se um “dos mais importantes centros económicos e sociais de Lisboa – o Rossio” (Santana et. al, 1994, p.512). Este espaço foi rapidamente incluído no novo perímetro de muralhas, com o intuito de defender o território alargado da cidade. França (2009, p. 97) nomeia-o, como o “fórum citadino que naturalmente se elegera, em terrenos vagos, no limite norte da urbe, apto a feiras e folguedos, agora que lhe foram secando as águas do Tejo que durante séculos o tinham invadido”.

A noção de praça ainda não atingia o significado de “tipologia de espaço público, que só se formou no período medieval” (Carita, 1999, p.23).

Nos séculos XII, XIII e XIV o termo comum é açougue, derivado directamente do árabe «as-sõq», ainda hoje o souk das cidades islâmicas. Como estes mercados eram normalmente cobertos, os açougues das cidades portuguesas referiam sobretudo os edifícios de mercado central e fixo, enquanto rossio e praça referiam lugares abertos para comércio itinerante. (Carita, 1999, p.23)

Raquel dos Santos Catarino 62

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A cidade continuava a crescer, ultrapassando limite da segunda muralha. Nos terrenos fora do perímetro da cerca, erguiam-se edifícios soltos na paisagem.

A imagem panorâmica de Lisboa do século XIII era povoada de casas, igrejas, conventos, praças, mercados. Segundo Marques78 (1994, p.101), a “estreiteza das ruas e a tortuosidade da planta, fazia de Lisboa uma cidade apertada e confusa, de circulação interna difícil, que desafogava nos espaços livres”.

Assim, ao findar do século XV, a cidade tinha, não dois mas quatro ou cinco centros ou pólos aglutinadores: a alcáçova, ainda centro militar e político, onde vivia o rei e se situava a corte; a catedral ou Sé, mantendo as suas funções religiosas ímpares, embora ameaçada pela proliferação de mosteiros e conventos mais periféricos; a Ribeira; o Rossio; e a Rua Nova na Baixa. (Santana et. al, 1994, p.512)

Assim, numa primeira fase, começam a formar-se as primeiras definições de espaço público na cidade medieval. Inicia-se a formação de lógicas e modelos urbanísticos do espaço público.

Quando, no inicio do século XIII, se consolida definitivamente aquilo a que, de uma forma provavelmente maniqueísta e redutora, designamos por Reconquista Cristã, dá- se afinal uma síntese extraordinária destes diferentes conceitos de estruturar e limitar a cidade que permanecerão inegavelmente no desenvolvimento urbanístico português durante a Baixa Idade Média. (Grande, 2002, p.37)

As bases que identificam a lógica territorial do período medieval, definem-se primeiro, pela acção de estruturar o território, povoar e habitar, para depois o limitar criando uma linha – as muralhas – definindo a área do núcleo territorial. Cria-se o traço urbano da cidade.

78 António H. de Oliveira Marques (1933-2007) foi um importante historiador português e professor universitário. Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras de Lisboa. As suas obras destacam diferentes temas, muitos relacionados com a Historia de Lisboa.

Raquel dos Santos Catarino 63

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 64

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

2.2. LISBOA – A CIDADE SEISCENTISTA: CENTRALIDADE E CONSOLIDAÇÃO

[…] a época medieval apresenta-se como um fascinante período de conceptualização do espaço urbano e de formação de lógicas e modelos urbanísticos, que manifestam, em paralelo com toda a arte, uma evolução e uma progressiva dinâmica ao longo dos séculos XIV e XV. (Carita, 1999, p.20)

Raquel dos Santos Catarino 65

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

2.2.1. O PROGRAMA URBANÍSTICO DE D. MANUEL – A FORMAÇÃO DOS PRIMEIROS CONCEITOS DE ESPAÇO PÚBLICO URBANO

À entrada do século XVI, Lisboa modificou profundamente a sua estrutura urbana, física e simbolicamente, com a instalação da corte junto ao rio, num novo paço real rapidamente construído para fora da cerca […]. (França, 1980, p.19)

O reordenamento da cidade de Lisboa realizou-se entre 1498 e 1499. Este período promove a implantação de um programa urbanístico que, marca uma grande modificação na zona ribeirinha da cidade (França, 2009, p.129). Nasce uma nova estrutura de espaço público que proporcionará grandes oportunidades urbanísticas.

Na cidade medieval, os espaços públicos urbanos apresentavam-se como pequenos alargamentos de ruas ou terreiros pouco definidos. No século XV, a evolução é tremenda. Os espaços apresentam-se estruturados dando origem a largos ou praças, na maior parte das vezes associadas a edifícios de importância reconhecida79.

O soberano, influenciado pelo espírito mercantil de então, sentia-se atraído pelos carregamentos exóticos. Descia todos os dias do seu ninho, na colina proeminente da cidade – Castelo de S. Jorge – e vinha para junto do Tejo ver o tráfego das especiarias e assistir à actividade dos calafates, dos carpinteiros, dos pintores e ao artilhamento dos galeões e outros barcos. […]. Queria ouvir e admirar aquele constante bulício e estar junto dele; para isso tornava-se necessário ali um refúgio […]. (Nunes, 1976, p. 25)

É devido à vontade do rei D. Manuel I80 em estar perto do sítio onde toda a actividade mercantil do país se desenvolvia, que nasce o novo centro da cidade. O rei abandonou o alto da colina medieval para instalar a sua corte perto do Tejo. Segundo Santos81

79 Referem-se a Igrejas, Conventos, Casa da Câmara ou espaço de comércio. 80 D. Manuel I (1469-1521), foi o rei de Portugal no período de 1495 a 1521. É conhecido pelo cognome de «O Venturoso». Como político, teve sempre em conta o interesse nacional. Os vinte e seis anos do seu reinado, tem como características dominantes a actividade nos domínios da política interna, da política ultramarina e da política externa. 81 Maria Helena Ribeiro dos Santos é uma arquitecta, autora de diversas publicações sobre a arquitectura pombalina e a reabilitação urbana.

Raquel dos Santos Catarino 66

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

(2000, p.29), constrói-se o Paço da Ribeira82, “reforçando a deslocação do centro em direcção ao rio e às zonas ribeirinhas”.

As obras promovidas para Lisboa efectuavam-se numa área em função das margens do rio. A Ribeira era o elemento central do programa de reordenamento e gerador da nova imagem da cidade (Carita, 1999, p.62).

Ilustração 20 – Lisbona em 1572. (Vieira, 1939, p. 22)

Do processo de modificação estrutural de Lisboa no reinado manuelino, França (2009, p.137) identifica o palácio real como a edificação mais significativa. O lar oficial do Rei foi construído de raiz, próximo do rio. Junto a ele, multiplicava-se os edifícios importantes da corte assim como os suportes à actividade comercial e naval.

Carita83 (1999, p.54) salienta que nos terrenos onde iria ser construído o Paço da Ribeira, “situavam-se as antigas tercenas mandadas construir por D. Dinis”. Logo, e

82 O “refúgio” construído para o Rei e a sua corte. Foi o mais importante palácio real do reinado manuelino. Construído perto da Ribeira das Naus e junto da Casa da Índia e do porto de desembarque, indica o interesse pelos negócios que o rei pretendia fiscalizar. José Augusto França (2009, p.143) menciona a existência de outro paço também mandando edificar por D. Manuel, em Santos. A sua localização foi propositada uma vez que o Rei cedo pensou no sitio como elemento intermediário de um desenvolvimento da cidade para o sítio de Belém. Casa da Índia e junto do porto de desembarque, indicando o interesse pelos negócios que o rei pretendia fiscalizar. 83 Helder Carita é um arquitecto formado na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Conclui em 1999, o Mestrado em História da Arte Moderna - Arquitectura e Urbanismo, na Faculdade de Ciências Sociais e

Raquel dos Santos Catarino 67

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

uma vez que estes armazéns eram o suporte do império marítimo, nasce um novo espaço paralelo ao paço real, os estaleiros da Ribeira das Naus84.

Ilustração 21 – “Palácio Real em Lisboa”. (arquivomunicipal) Ilustração 22 - “Até ao terramoto a Ribeira das Naus era conformada a norte pela Rua dos Ferreiros, aberta nos inícios do século XVI e cujas oficinas davam apoio a este estaleiro naval”, fotografia do Museu Nacional de Arte Antiga (Lisboa, Portugal). (Carita, 1999, p.74)

Ao mesmo tempo que o palácio ia sendo construído procedia-se, também aos primeiros trabalhos do aterro do novo centro urbano – o Terreiro do Paço, o novo espaço público da cidade. O paço real e a praça “nascem como uma entidade urbana indissociável e geradora da nova estrutura da cidade” (Carita, 1999, p.54). O futuro Terreiro do Paço é o novo ponto de referência e o elemento urbanístico que estrutura e articula o território.

Um terraço construído depois, abrindo-se sobre o rio, sublinhava essa ligação que alterava a própria vida da cidade, logo ao afeiçoar uma enorme esplanada extramuros num sítio de praia – o Terreiro do Paço, que ia ser centro de vida da corte, complementando com o Rossio, na cidade agora polarizada entre as duas praças. (França, 1980, p.19)

Humana da Universidade Nova de Lisboa, com o tema da sua dissertação «Lisboa Manuelina e a formação de modelos urbanísticos da época moderna». Em 2007 é doutorado em História da Arte Moderna – arquitectura e urbanismo, com o tema «Arquitectura Indo-Portuguesa na Regiãode Cochim e Kerala, modelos e tipologias do séc. XVI e XVII. Divide os seus domínios de investigação entre arquitectura e urbanismo sendo um das suas áreas privilegiadas a arquitectura civil. 84 Segundo Irisalva Moita (1994, p.150) o ambiente que se vivia na Ribeira das Nasceu era frenético. Os carpinteiros, ensebadores, calafates, ferreiros, fundidores entre outros, desenvolviam o trabalho de construção de novas embarcações ou para conserto das danificadas.

Raquel dos Santos Catarino 68

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Nunes85 destaca ainda “a construção de um cais de pedra designado por cais de embarcação” (1976, p.25) que corresponde ao actual Cais das Colunas86.

Segundo Carita (1999, p.194), o programa de reformulação urbana de Lisboa de 1498- 99 “é uma tentativa de reestruturação funcional da cidade medieval com vista a dotá-la de qualidade de capital”. Ao novo centro urbano assinalado com a construção do Paço da Ribeira, inicia-se também obras de melhoramento nas ruas87 principais do centro de Lisboa.

Ilustração 23 – “A reforma urbana manuelina assinalada na planta de Lisboa de João Nunes Tinoco”, 1659. (Carita, 2001, p.17)

A reforma urbanística protagoniza melhoramentos na cidade, sobretudo a nível da comunicação urbana. Várias ligações são estabelecidas e outras melhoradas.

85 Autor do livro “Imagens de Lisboa” e tantos outros ensaios. 86 Elemento caracterizador do Terreiro do Paço, este permite uma relação directa com o rio Tejo. O Cais das Colunas caracteriza-se por dois pilares erguidos na zona ribeirinha da Praça do Comércio e, foi projectado no plano pombalino da autoria de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel. Estes pilares, terminam a escadaria que desce até ao rio. O Cais das Colunas representa a porta de entrada da cidade de Lisboa representando um elemento caracterizador da cidade. 87 Um dos aspectos a considerar foi a alteração de fachadas que os edifícios destas ruas sofreram. O objectivo era a uniformização do conjunto, critério considerado importante no projecto da reforma manuelina.

Raquel dos Santos Catarino 69

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Uma das principais preocupações foi o melhoramento dos arruamentos para ligar a nova praça da Ribeira à Alcáçova no monte de São Francisco88.

Deste centro passam a irradiar cinco novos eixos: Da Ribeira à Alcáçova; da Ribeira ao Alto de São Francisco; da Ribeira para ocidente a caminho de Catar-Que-Farás; da Ribeira para S. João da Praça e Alfama, para oriente, e, por fim, da Rua Nova dos Mercadores, pela Rua Nova d‟ El Rei, para o Rossio. (Carita, 1999, p.195)

Quanto à Rua Nova do reinado de D. Dinis, o nome altera-se no período manuelino, passando a ser designada por Rua Nova dos Mercadores 89 . Elogiada pelo seu movimento comercial, no final do século, esta rua foi envolvida por grades. Por isso “seria, pelo século XVIII dentro, chamada Rua Nova dos Ferros” (França, 2009, p.176).

Ilustração 24 – “Prolongamento da Rua Nova”. (Carita, 1999, p.28) Ilustração 25 – “Perspectiva da Rua Nova dos Mercadores”. (Carita, 1999, p.70)

Além da Baixa com o Rossio convertido em praça urbana, na frente ribeirinha crescia o futuro Terreiro do Paço. O plano urbanístico de D. Manuel procurou uma ligação entre estes dois pontos da cidade.

88 Para facilitar a circulação foram efectuadas demolições de casas. 89 Foi necessário atribuir uma nova designação à Rua Nova formada no reinado de D. Dinis, pois o nome criava confusões com a nova artéria da cidade, a Rua Nova d‟ El Rei,

Raquel dos Santos Catarino 70

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A intenção do projecto, segundo França, é “o terreiro do paço ribeirinho ter ligação directa com o interior da cidade, no seu coração medieval do Rossio” (2009, p.131) por intermédio de um elemento urbano, a rua.

Integrado no plano de reordenamento urbano da cidade de Lisboa de 1498-99, desenvolve-se o processo da abertura dum grande eixo urbano que, atravessando toda a área da Baixa, permitia a ligação da zona da Ribeira com o então chamado Roçio a par São Domingos. Da denominação oficial desta via como Rua Nova de‟ El Rei, transparece nitidamente um conteúdo ideológico, ao associar o poder real e a imagem do rei com as grandes transformações urbanas que se processavam na cidade. (Carita, 1999, p.75)

O novo elo de ligação, considerado por França como “a outra Rua Nova que ia chamar-se d‟El Rei e fazia ângulo recto” (2009, p.131) com a Rua Nova dos Mercadores do tempo de D. Afonso V90.

Ilustração 26 – “A abertura da Rua Nova d‟ El Rei e o conjunto de reformas urbanas realizadas em Lisboa, na sequência do programa de reordenamento da cidade iniciado em 1498”. (Carita, 1999, p.76) A novidade urbana era o prolongamento desta, desde a zona da Ribeira até ao Rossio. O processo de formação urbana da Rua Nova de‟ El Rei 91 determinava a demolição de um conjunto de edifícios pertencentes ao Hospital de Todos-os-Santos.

90 D. Afonso V (1432-1481) foi o 12º Rei de Portugal, cognominado o Africano. Esta nomeação deve-se às conquistas que protagonizou no Norte de África.

Raquel dos Santos Catarino 71

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Enquanto outras ruas da cidade sofreram “obras de rectificação, alargamento ou renovação das fachadas, a Rua Nova de‟ El Rei nasce como uma nova entidade urbana” (Carita, 1999, p.75).

Na análise da planta de João Nunes Tinoco esta rua apresenta-se como um longo percurso urbano formado com trechos de traçado diferenciado. O mais chegado à Ribeira manifesta um desenho serpenteante […]. O segundo trecho, que desemboca no Rossio, apresenta-se com uma estrutura mais rectilínea, o que testemunha a aplicação de novos parâmetros estéticos e urbanísticos no traçado da cidade manuelina. (Carita, 1999, p.77)

Ilustração 27 - “Planta da cidade de Lisboa”, fotografia do Instituto Geográfico do Exército (Lisboa, Ilustração 28 – Portugal), João Nunes Tinoco, 1650. (Ilustração nossa, 2007) Configuração da Rua Nova d‟ El Rei. fotografia do Instituto Geográfico do Exército (Lisboa, Portugal), João Nunes Tinoco, 1650. (Ilustração nossa, 2007)

Do conjunto das reformas urbanas do programa manuelino, a Rua Nova de‟ El Rei é entendido como o eixo estruturante que penetra para o interior urbano. A sua estratégia vai permitir ao Rossio “adquirir uma nova centralidade em termos da estrutura global da cidade” (Carita, 1999, p.78).

A operação de D. Manuel em trocar os Paços da Alcáçova no alto da colina, pelo Paços da Ribeira, valoriza a zona da Ribeira. Segundo Moita será a Ribeira, correspondendo “à zona entre Cataquefarás e o Campo das Cebolas, o lugar mais

91 Actual Rua do Comércio.

Raquel dos Santos Catarino 72

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

apetecido pela nobreza quinhentista” (1994, p.146). A formação da Rua de Cataquefarás92 foi outra novidade urbana na formação de espaço público. A partir dela, novas ruas foram marcadas, segundo traçados distintos.

Ilustração 30 – Inicio da formação dos traçados de configuração Ilustração 29 – “Formação urbana da Rua Direita de Cata- Que-Farás”. (Carita, 1999, p. 92) diferente do aspecto irregular do lado oriental da Ribeira. (Carita, 1999, p. 40)

Uma nova experiência urbanística começava a desenvolver-se no lado ocidental da Ribeira. Exemplos disso foram as primeiras vilas e bairros que se formaram nestes terrenos 93 . Ambos apresentavam a configuração das suas ruas diferentes “das estreitas ruas islâmicas e medievais de Lisboa que encontramos em Alfama, Mouraria e Encosta do Castelo” (Carita, 1999, p.95). A cidade na zona ocidental organizava-se segundo um sistema de quarteirões com variantes dimensões nos lotes.

A Ribeira assumia-se como o centro urbano da cidade – protagonizado pelo Terreiro do Paço – e estabeleceu o desenvolvimento urbano em dois lados distintos.

No lado ocidental e oriental a malha urbana evoluía segundo o programa de reordenamento de D. Manuel. Contudo o mesmo desenho urbano não foi adoptado em

92 Corresponde à actual Rua do Alecrim. 93 Helder Carita (1999, p.95) refere a Vila Nova da Oliveira, construída paralelamente aos quarteirões de Cata-Que-Farás, afastada do centro mas situada na zona ocidental da cidade.

Raquel dos Santos Catarino 73

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

ambos os casos94. O desenvolvimento a ocidente opunha-se ao ordenamento urbano a partir da Ribeira para oriente, formulando dois conceitos opostos de urbanismo95.

Assim, no entendimento de França (2009, p.135) as modificações e a criação de novas artérias são “a inovação maior da urbanização manuelina”.

Os elementos como a rua, a praça, surgem agora como elementos tipológicos da estrutura urbana da cidade. Manifesta-se uma “nova capacidade de exercer uma estratégia de intervenção no espaço urbano, que se desenvolvera lentamente ao longo da Idade Média” (Carita, 1999, p.55). Identifica-se a progressiva conceptualização da rua como entidade abstracta, como analisamos no capítulo anterior, os casos da rua nova, direita e travessa.

O reformismo de D. Manuel I também se expressou através da renovação do espaço urbano […]. Os centros deslocaram-se para espaços de grande acessibilidade, trato comercial e representatividade política – as praças de uma nova centralidade – atraídos por um conjunto de equipamentos novos e renovados. Lisboa, como cidade do príncipe e capital de um império jovem, era o paradigma, tendo na Ribeira o seu vórtice. (Araújo et. al, 2002, p.13)

Lisboa tornou-se uma cidade rica do ponto de vista das suas estruturas (principalmente comercial), tendo no seu porto a razão da sua opulência e grandiosidade.

A Casa da Índia96, os Paços da Ribeira, a Misericórdia97 e a Alfândega98, assim como os espaços públicos de excelência, o Terreiro do Paço, o Terreiro do Trigo e o Cais de

94 D. Manuel assina um conjunto de doações dos terrenos a ocidente da Ribeira, ao longo da rua direita de Cata-que-farás, a grandes armadores e altos funcionários de Estado. 95 Enquanto no lado oriental da Ribeira se desenvolve uma linha contínua de edifícios directamente encostados à antiga muralha, na zona de Cata-Que-Farás desenvolve-se um conjunto de quarteirões rectangulares, formados por uma via central paralelo ao rio, com travessas perpendiculares. (Carita, 1999, p.92) 96 A Casa da Índia foi uma organização portuguesa com o objectivo de administrar os territórios nacionais além mar. Considerava ainda, a gestão de todos os aspectos relacionados com o comércio e navegação com o Oriente. Foi criada em 1503 e assegurava o monopólio régio. 97 98 Era um enorme edifício dependente de pequenos armazéns, pois era o ponto de passagem de tudo o que entrava pelo rio Tejo.

Raquel dos Santos Catarino 74

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Pedra, reformulam a linguagem ribeirinha. Claro que, antes toda a linha da costa foi “ampliada e regularizada à custa de importantes obras de aterragem” (Moita, 1994, p.147).

A cidade manuelina define-se pela sua capital enriquecida e de grande significado. A construção da sede do Poder na margem do Tejo é um facto decisivo para o entendimento dos espaços e da vida de Lisboa em evolução (França, 2009, p.143).

(…) reina então a força criativa de um período ambiguamente grandioso, em termos empíricos de uma vivencia majestosa, espectacular e venturosa, numa modernidade de práticas e de comunicações de que a cidade era necessário reflexo, pensada, porém, como resposta de urgências utilitárias tanto quanto como proposta simbólica dos valores da história em formação. (França, 2009, p.168)

Em 1513, Lisboa regista uma nova campanha que promove novas obras na Ribeira. Lisboa é agora o centro de um novo império marítimo99.

A antiga Ribeira sofreu uma remodelação urbana, configurando-a um conjunto de grandes edifícios de equipamentos administrativo e portuário100. Carita (1999, p.99) destaca a “Alfândega Nova, os Armazéns Reais, Casa dos Contos, Paço da Madeira e Tercenas da Porta da Cruz”. Pretendia-se também, “levantar o extenso alçado da praça virado ao Tejo com mais dois andares, dotando o conjunto duma outra ordem de monumentalidade” (Carita, 1999, p.95).

Se o primeiro plano se concentrou, sobretudo, na renovação e reestruturação urbana do centro da cidade, o segundo vai concentrar-se na criação de uma imagem de cidade imperial, com a construção de grandes edifícios de suporte ao comércio e administração do império. (Carita, 1999, p.99)

Assiste-se a um desenvolvimento do território, que segundo França (1980, p.21), “evoluiu do seu estatuto de meio rural para sítio e depois bairros”.

É a partir da Ribeira que se reestruturaram as «ruas principais» da urbe. O aparecimento deste termo é a grande novidade urbanística do espaço público.

99 O novo projecto para a Ribeira deve-se ao grande sucesso dos Descobrimentos Marítimos Portugueses. A descoberta do caminho marítimo para a Índia e a perspectiva da formação de um império no Oriente, constituíram um motivo claro desse sucesso. 100 André Pires é o responsável pelas novas obras da Ribeira, uma vez que foi nomeado mestre de Obras Reais de pedreira da cidade de Lisboa.

Raquel dos Santos Catarino 75

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Através de um processo que se tinha vindo a desenvolver lentamente ao longo dos séculos XIV e XV, a rua adquire no urbanismo manuelino um valor de entidade abstracta significante em si, estruturada a partir duma entidade formal definida por fachadas, com um princípio, um fim e um nome particular. (Carita, 1999, p.189)

Nos antecedentes do urbanismo manuelino101, o conceito medieval de rua estrutura-se a partir de uma experiência vivida. Carita (1999, p.189) refere-se à rua medieval como um percurso que não tem “a capacidade de definir uma unidade estruturada por um conjunto arquitectónico de fachadas com limites definidos, em termos de início e de fim”. Por outro lado, é no período manuelino que a rua passa a ser entendida como entidade urbana que estrutura o espaço. Ela é, em termos teóricos, identificada como uma tipologia urbana.

Se a rua adquire uma grande importância na organização do espaço urbano, a malha urbana da cidade desenvolve-se segundo novas directrizes.

Num processo de progressiva abstracção, o modelo medieval «de rua-travessa», que se forma ao longo dos séculos XIV e XV (…), cede a uma noção mais abstracta de estrutura em «retícula» com ruas principais e secundárias. Esta rede urbana de ruas principais e secundárias adquire progressivamente um sentido geométrico, com a implementação, ao longo do reinado de D. Manuel, duma arquitectura de programa. (Carita, 1999, p.190)

O modelo rua-travessa, iniciado a partir do século XIV, evolui e deu origem a “um modelo urbano fundamentado numa forma abstracta e geométrica: o quarteirão de base rectangular” (Carita, 1999, p.190). O primeiro modelo não foi abandonado mas reformulado com base nas ciências da aritmética e da geometria.

O novo traçado urbano está presente no lado ocidental da Ribeira na zona de Cata- que-farás102 e no processo urbanístico mais significativo da época: a Vila Nova de Andrade, também designada arrabalde de Santa Catarina e mais tarde Bairro Alto de São Roque 103 . Os princípios urbanísticos baseiam-se num modelo geométrico de

101 «Urbanismo Manuelino» assim como «Período Manuelino» refere-se ao Rei D. Manuel, como o principal responsável pela vontade de modificar a imagem urbana da cidade. 102 Corresponde à actual Rua do Alecrim. 103 Constituiu a estrutura urbana mais significativa da época e o primeiro loteamento moderno a ser construída na cidade portuguesa. O Bairro Alto marca a passagem do século XVI para o século XVII na vida urbana de Lisboa. Revela-se nele a aquisição de uma consciência urbanística e arquitectónica que

Raquel dos Santos Catarino 76

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

quarteirão organizado pelas ruas e travessas, reflexo de uma atitude de modernidade (Carita, 1999, p.106). Este momento reforça o reordenamento urbano e a evolução dos conceitos na cidade de Lisboa.

Ilustração 31 – “Inícios da urbanização da Vila Nova de Ilustração 32 – Segunda fase de urbanização de Vila Nova de Andrade”. (Carita, 1999, p. 102) Andrade”. (Carita, 1999, p.103)

Assim, a cidade desenvolve-se principalmente no centro e para ocidente. Enquanto a baixa adquire um significado administrativo e comercial, o lado ocidental da cidade adquire um valor privilegiadamente habitacional (Carita, 1999, p.194).

O espaço da cidade passa a ser visualizado como um todo homogéneo, submetido a uma única ordem: o poder real. Através duma prolífera legislação, é implementado um discurso sobre a cidade onde o bem da cidade e dos moradores, o proveito geral, ou ainda o bem da República são invocados como argumentos que, submetendo os vários poderes que ao longo da Idade Média se autonomizavam no espaço da cidade, impõem uma nova ordem não só política como urbana. (Carita, 1999, p.193)

Quer a nível urbano quer arquitectónica, a imagem de Lisboa a partir do século XV afasta-se, naturalmente, do retrato medieval. Grandes transformações foram realizadas no período manuelino.

Processa-se a estruturação de um modelo urbano de traçado da cidade (Carita, 1999, p.189). A concepção urbana que estruturou e caracterizou o urbanismo medieval evolui na Lisboa manuelina e sucede-se “um novo conceito de cidade, polarizado em processou-se ao longo de Seiscentos. Nos finais do século XVI era conhecido por Bairro Alto de S. Roque e mais tarde apenas por Bairro Alto. A sua malha urbana assemelha-se à desenvolvida na Vila Nova da Oliveira. O Bairro Alto é um dos mais importantes exemplos de loteamento urbano, ainda no interior do perímetro intramuros.

Raquel dos Santos Catarino 77

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

torno dum ponto nuclear, a praça, centro de poder cívico” (Carita, 1999, p.94). As ruas destacam-se como a tipologia urbana em maior evidência. Manifesta a capacidade da configuração do espaço ainda que, de uma forma abstracta. A nível arquitectónico, destaca-se o rigor geométrico aplicado às fachadas dos edifícios. O objectivo era criar uma lógica igual e ordenada, gerada pelas proporções bem calculadas e pelo rigor das medidas.

A partir do século XVI, é este conjunto urbanístico, no qual alternam palácios com edifícios públicos, mercados e estaleiros, que se vai impor, formando o primeiro plano, em todas as panorâmicas. Seria esse, sem dúvida, o legado quinhentista por excelência, se não tivesse sido duramente atingido pelo Terramoto. (Moita, 1994, p.147)

2.2.2. A CONSOLIDAÇÃO E AFIRMAÇÃO DOS ESPAÇOS URBANOS SEISCENTISTAS

Nos primeiros anos do século XVI, Lisboa circunscrevia-se quase só à área da cidade medieval, cercada pela muralha fernandina construída em finais do século XIV, contando apenas com a intromissão, aqui e além, de uma ou outra edificação no aberrante e incisivo estilo manuelino. (Moita, 1994, p.146)

Moita (1994, p.146) enumera os bairros que constituíam a malha urbana de Lisboa: a Baixa, cuja vocação para centro comercial, artesanal e administrativo já se vinha definindo mas que agora vai ser definitivamente assumido; a Mouraria e Alfama, os dois bairros de raiz popular, em que o primeiro, abandonado como gueto dos mouros vai transformar-se num bairro artesanal e o segundo que, com a elevação do nível económico da sua população de marinheiros e operários, vai adquirir sólidas casas104 que substituem os antigos casebres, mas conserva o seu confuso e pitoresco traçado de origem ou de influência mourisca; e a colina do castelo, o núcleo de povoamento inicial e morada da corte no período medieval, será agora a zona de residência de operários. A Baixa, Alfama e Mouraria constitui o núcleo medieval herdado pela cidade quinhentista (Moita, 1994, p.141).

A imagem da capital foi retratada em documentos gráficos sempre a partir do meio do Tejo. A cidade surge ao observador pela “via natural do rio de que nasceu” (França, 2009, p.157).

104 “Com fundações de pedra que, ainda hoje perduram” (Moita, 1994, p.146).

Raquel dos Santos Catarino 78

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Lisboa apresenta-se numa panorâmica da segunda metade do século XVI. A vista da cidade é apresentada em alçado do lado do rio e realça as colinas, das quais uma delas é coroada por um Castelo, as igrejas e conventos de maior importância e o Terreiro do Paço (Branco, 1969, p.32). As colinas e vales da cidade eram preenchidos pelo casario compacto, entrecortado por ruas pequenas. Estas adequavam-se à topografia de Lisboa. Formavam uma teia “de pequenas ruelas que se cruzavam, estreitas e tortuosas, irregulares na sua largura, cheias de becos e betesgas” (Branco, 1969, p.39).

Ilustração 33 – “Vista de Lisboa (Iluminura - 1ª metade do século XVI)”

Branco105 (1969, p.40) refere a Rua da Ourivesaria da Prata como uma das mais estreitas e tortuosas. Por outro lado, a Rua Nova dos Ferros adquiriu a sua importância por ser um dos mais importantes centros da vida comercial da cidade na época.

A configuração das ruas do século XVI desenvolveu problemas graves a nível da circulação na cidade. Por isso, foram tomadas medidas de modo a solucionar o problema. Estas assentaram em dois princípios base: alargar as ruas estreitas e criar novas artérias (Branco, 1969, p.74). A rua dos Ourives da Prata foi um exemplo de alargamento da rua.

105 Fernando Castelo Branco (1926-) é um escritor, arqueólogo e etnógrafo português, membro da Academia das Ciências e da Academia Portuguesa de História. Foi autor de muitas obras, onde a história da cidade de Lisboa, foi muitas vezes abordado.

Raquel dos Santos Catarino 79

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

No período de Seiscentos regista-se uma ou outra inovação a nível das vias de circulação106. Duas novas artérias foram inauguradas – a rua Nova de S. Boaventura e a rua Nova do Almada. Esta última estendia-se desde a Calcetaria até ao Espírito Santo (Branco, 1969, p.58). As razões para a sua construção devem-se, novamente, ao melhoramento da viação pública, facilitando a comunicação entre a parte da cidade que estende-se pela colina e a área, posteriormente denominada de Baixa.

A Baixa que antecede ao Terramoto, era um verdadeiro labirinto de ruas compreendida entre duas praças “dignas da classificação” (Branco, 1969, p.33). Os restantes espaços públicos constituíam pequenos largos que preenchiam o “interior” irregular da cidade.

O Rossio e o Terreiro do Paço constituíam os dois fulcros essenciais da vida lisboeta, “o primeiro aberto para os campos dos arredores, o segundo debruçado sobre o rio e recebendo o intenso tráfego marítimo que se dirigia à capital” (Branco, 1969, p.33).

Os limites das muralhas medievais formal ultrapassadas e integradas na estrutura urbana. “De entre ruas direitas, rossios e adros – os espaços urbanos determinantes até então – a morfologia e as vivências destacavam a praça. (Araújo et. al, 2002, p.14)

Ilustração 34 - Pormenor do Rossio, Braunio, século XVI. Ilustração 35 – Pormenor do Terreiro do Paço, Braunio, século XVI. (Dias, 1987, p.12) (Dias, 1987, p. 12)

No largo vale da Baixa, limitado a sul pelo Tejo e pelo Terreiro do Paço, de configuração irregular, a norte pelas hortas de Valverde e pelo Rossio, irregular também, a nascente pela Colina do Castelo e a poente pela que se estende de S.

106 Não só as ruas foram melhoradas e alargadas como também as portas que se estendiam pela cerca Fernandina foram modificadas. A maior parte foi alargada, outras foram transformadas em arcos e outras foram totalmente demolidas. Deste modo, desaparecia progressivamente o corpo de muralhas, persistindo alguns vestígios.

Raquel dos Santos Catarino 80

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Francisco ao Carmo, um grande L, descendo do Rossio enviezadamente e dobrando a noventa graus para poente, comanda a malha urbana enredada do conjunto. (França, 1989, p.37)

O desenvolvimento de Lisboa, derivado dos bons resultados do comércio marítimo, obrigou “à abertura de novas frentes de urbanização fora das muralhas” (Salgueiro, 1992, p. 171). Por isso a cidade começou a ultrapassar e muito a cerca fernandina, estendendo-se em todos os sentidos107.

(…) uma nova cidade assentava suas estruturas que subsistiriam na Lisboa de Pombal – numa lógica de relações que pela primeira vez se evidenciava, depois do crescimento medieval. A linha ribeirinha de D. Dinis (e de D. Afonso III) e a nova linha manuelina completavam-se no discurso urbano da capital, sem esquecer o importante esforço já feito inicialmente por D. Manuel para ligar a alcáçova que herdara, à beira rio. (França, 2009, p.131)

Sequeira 108 refere que “quando o século XVI rompeu, a póvoa extravasava para poente e para Sul” (Sequeira, 1929, p. 10).

Não só a nível urbano se promove a vontade de mudança como também a concepção de projectos arquitectónicos de grande envergadura. O levantamento em planta da cidade antes do Terramoto de 1755 que Manuel da Maia recolheu, mostra uma cidade em expansão e com elementos de grande monumentalidade109.

Essas obras110 foram iniciadas no reinado de D. Pedro II111, cuja política praticada visava “a modernização da sociedade portuguesa, para uma aproximação à realidade da Europa mais desenvolvida” (Murteira, 2004, p.52).

107 O processo de urbanização resulta também do forte crescimento demográfico sentido na época. 108 Gustavo de Matos Sequeira (1888-1962) foi um olisipógrafo português, autor e coordenador de diversas publicações. 109 Refere-se os casos de Igrejas e Conventos cuja presença arquitectónico, era notável. 110 Murteira (2004, p.52) enuncia algumas das obras mais importantes do reinado de D. Pedro II: “um novo edifício para a Junta da Companhia do Comércio Real, em São Paulo; um Novo edifício da Casa da Pólvora (…); reformulação do Cais de Belém; abertura de uma via de ligação entre a Rua dos Canos e a Mouraria (…); demolição do baluarte do Terreiro do Paço; construção do Largo da Porta do Sol; construção do Cais da Bica do Sapato; alargamento da Rua dos Ourives da Prata (…) e do Ouro”. 111 D. Pedro II (1648-1706) foi Rei de Portugal da Dinastia de Bragança. Foi nomeado com o cognome de “o Pacífico” pois foi durante o seu reinado, que se assinalou a paz com Espanha.

Raquel dos Santos Catarino 81

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Muitas destas obras, só foram concluídas no reinado de D. João V112. A ideia de monumentalidade e riqueza procurada pelo Rei resultou, igualmente, da importação de arquitectos e projectistas que se fazia pela Europa. Este movimento permite acima de tudo, uma troca de “cultura artística, arquitectónica e urbanística” (Rossa, 2008, p. 41).

A reflexão e produção de projecto de reforma do urbanismo e imagem de Lisboa, que em cerca de meio século antecedeu o Terramoto, teve como suporte e agente principal uma elite em processo de formação e consolidação: os engenheiros militares. (Rossa, 2008, p.42)

Os engenheiros militares desempenhavam um papel fundamental. Constituíam um poderoso grupo, único com conhecimentos científico e tecnológico. Os seus conhecimentos iam desde a arquitectura e construção ao “reconhecimento, cartografia e ordenamento do território, bem como pelo urbanismo” (Rossa, 2008, p.43).

Segundo Murteira 113 “as razões deste emergente protagonismo dos engenheiros militares encontravam-se ligadas à sua sólida formação teórica” (2008, p.52), assim como, à sua experiência em intervenções de arquitectura e do planeamento urbano. A aprendizagem era constituída por um método específico de organização territorial. Os princípios baseavam-se no rigor geométrico, ordem, simetria e composição, em concordância com a topografia e a paisagem.

Por isso e para valorizar a cidade, a época de seiscentos é marcada pelo planeamento e execução de grandes obras que promovessem a ideia de cidade monumental.

A composição pelo raciocínio exercitado no desenho era a principal vantagem da maleabilidade do método. A isso se deve a diversidade morfológica, pois as realizações urbanas diferem muito entre si. Contudo, apresentam características comuns: a sobrevalorização dos espaços públicos, as relações perspectivas da escala urbana e territorial, a diversidade topográfica da implantação, a linguagem formal/arquitectónica unificada, a relação com a paisagem [...]. (Rossa, 2008, p.43)

112 D. João V (1689-1750) reinou em Portugal com o cognome de “o Magnânimo” devido ao luxo e riqueza que caracterizaram o seu reinado. 113 Helena Murteira é historiadora de arte ao serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian. Contribuiu na publicação da revista Monumentos, com o tema, “Lisboa antes de Pombal: crescimento e ordenamento urbanos no contexto da Europa moderna”.

Raquel dos Santos Catarino 82

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Desta forma, “manteve-se activa a engenharia militar portuguesa durante os séculos XVII e XVIII, o que facilitou a reconstrução da Baixa de Lisboa a seguir ao Terramoto” (Salgueiro, 1992, p.174).

Toda a arquitectura foi destruída pelo Terramoto114. A imagem da grandiosidade e magnificência dos edifícios da Lisboa Seiscentista não voltaria a repetir-se posteriormente a 1755. Após o Terramoto pouco restou da Lisboa quinhentista e seiscentista. Apenas a lembrança “reavivada pela sua representação iconográfica” (Moita, 1994, p.147).

Deste período data a estruturação da política de intervenção urbana que D. João V herdou e soube tornar, simultaneamente, mais alargada e precisa, e na qual se haveria de basear o programa de Pombal para a reconstrução da Baixa de Lisboa. (Murteira, 2004, p.52)

114 Refere-se aos monumentos no interior da cidade. Apenas não foram atingidos pelo sismo os monumentos fora do centro da cidade, como o núcleo manuelino de Belém correspondendo às obras mais importantes deste período: o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém.

Raquel dos Santos Catarino 83

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 84

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

2.3. LISBOA – A CIDADE POMBALINA: ILUMINISMO E PLANEAMENTO

Para além da proposta, em geral, um plano é também uma síntese do conhecimento nos domínios disciplinares no âmbito dos quais se desenvolve. È uma simulação do ideal sobre o real, desenvolvido por um grupo restrito que, no fundo, tem consciência de que o maior ou menos grau e sucesso da sua implementação dependerá da vontade e desempenho de outros e da comunidade em geral. Um plano urbano acaba sempre por implicar uma ideia ou mesmo um projecto de sociedade, em especial quando se trata de uma capital. Um plano é, assim, uma formulação sempre utópica de conhecimento aplicado. (Rossa, 2004, p.32)

Raquel dos Santos Catarino 85

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

2.3.1. O PLANO DE RECONSTRUÇÃO DA BAIXA APÓS O TERRAMOTO DE 1755

No primeiro dia de Novembro de 1755, um sábado, dia de Todos os Santos, pelas 9 horas e 40 minutos da manhã, Lisboa foi sacudida por um terramoto de extrema violência. Em poucos minutos, a cidade foi revolvida; a seguir tornou-se pasto de um incêndio que durou seis dias. Ao fim, não restava grande coisa desta capital que vimos desenvolver-se durante seis séculos. (França, 1987, p.59)

O terramoto de 1755115 marcou para sempre a cidade de Lisboa. Causou o caos e destruição das suas principais estruturas. Ao sismo, sucedeu-se um forte incêndio116.

O terramoto não foi o primeiro para Lisboa. Catástrofes similares atacaram o território anteriormente. A diferença está na intensidade e nas graves consequências provocadas. França refere que “a cidade, ficara em parte arrasada pelo sismo e em maior parte foi devastada pelo fogo” (França, 1989, p.9). Da catástrofe resultaram inúmeros mortos e a destruição de casas e edifícios importantes. A zona da cidade “mais sacrificada era também a mais densamente habitada, na baixa central, na encosta ocidental do Castelo e na zona oriental do bairro Alto, o terço da sua área total”. (França, 1980, p.42)

Ilustração 36 – Evocação da cidade de Lisboa atingida pelo Terramoto de 1755. (Institutocamões, 2011)

A Baixa foi, sem dúvida, a principal zona atingida. Segundo França “muito ou quase tudo da cidade dentro das velhas muralhas fernandinas, com o grande incêndio que lavrou entre o rio e o Rossio” (2009, p.345) foi destruído117.

115 Sismo de grande intensidade com o epicentro localizado a oeste de Gibraltar. 116 Foi uma das principais causas (mais ainda que o terramoto) da destruição quase total do centro da cidade. Os incêndios eram um velho flagelo urbano, uma vez que anteriormente à catástrofe de 1755, afectaram o território português, destruindo alguns edifícios públicos e habitações privadas.

Raquel dos Santos Catarino 86

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Muitas casas ficaram destruídas, muitas desapareceram por completo e as poucas que eram dadas como habitáveis, precisavam de reparações. O pânico provocado pela catástrofe levou a população a afastar-se do centro. Todos os lisboetas refugiavam-se “nos pontos menos atingidos e ali acampavam como podiam, ou fugiam para mais longe, fora de portas” (França, 1989, p.11).

O retrato da cidade após a catástrofe era a desordem urbana. Por um lado tratava-se de impedir o desvario de fugas, por outro, o de alimentar uma população subitamente desprovida de tudo (França, 1980, p.42). Era necessária uma solução para alojar a população e reorganizar a estrutura urbana118.

Apesar da catástrofe, o Terramoto viria “ a ser considerado, posteriormente, como providencial na evolução de Lisboa” (Nunes, 1976, p.36). Era do conhecimento geral a ideia de impor uma reforma urbanística global. O Terramoto foi o pretexto para pôr em prática essa vontade.

Assim surge “uma reacção espantosa conduzindo à reconstrução da cidade, ou antes, à «recriação» da cidade” (França, 1987, p.11). A área da Baixa assume uma nova identidade, uma nova arquitectura e preserva a conotação de “zona muito antiga da cidade” (Mesquita, 1959, p.5).

Foram tomadas as medidas de emergência necessárias que culminaram com a reconstrução de Lisboa. O Marquês de Pombal 119 foi quem providenciou essas medidas uma vez que “o Rei estava em Belém quando se deu o terramoto, e lá permaneceu” (Santos, 2000, p.28).

117 França (2009, p.345) enumera os edifícios existentes no denso aglomerado urbano, que ficaram destruídos – no Rossio, o convento de S. Domingos, no Monte Fragoso, o vasto complexo de S. Francisco, os Estaus e o Hospital de Todos-os-Santos; na colina o convento da Trindade e o do Carmo; o paço real da Ribeira desapareceu. Salvou-se o Bairro Alto seiscentista, poupado da destruição. 118 Foi perante o caos total que surge a célebre frase do Marquês “é preciso enterrar os mortos e cuidar dos vivos”. Neste sentido, a atitude foi pensar na rápida recuperação da cidade e da sua sociedade. 119 Título atribuído a Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782). Segundo José Augusto França (1989, p.13) recebeu o título de Marquês em “1770, depois de ter sido feito conde de Oeiras em 1759”. Ocupava o cargo de Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra no reinado de D. José. Ao lado do Marquês, na execução das primeiras medidas para a reconstrução, encontravam-se o duque de Lafões, Regedor das Justiças, o marquês de Alegrete, presidente do Senado camarário, e o de Marialva, Governador das Armas. (França, 1989, p.12)

Raquel dos Santos Catarino 87

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

O desentulhamento das ruas, a drenagem das águas estagnadas, a balisagem das parcelas destruídas, a acomodação dos escombros para nivelamento dos sítios, a medição e tombo das praças, ruas, casas e edifícios públicos, com «exacta descrição» de cada bairro, foram providências de Novembro e Dezembro. (França, 1989, p.13)

Da antiga capital seiscentista preserva-se a memória dos espaços. Os erros do passado não deviam ser repetidos.

O programa e os planos da cidade haviam de ser igualitários, e três engenheiros militares lhe asseguravam o traçado e os «prospectos», homens práticos de obras racionais e económicas, feitas para durar, sem responsabilidades de decoração, que só um assumia por gosto trazido da experiência joanina e de formação centro-europeia. (França, 1994, p.366)

Para Nunes120 (1976, p.36) era óbvio “recorrer à ciência dos homens mais experientes do reino, àqueles que já tinham realizado obras que atestasse a sua competência e o seu saber”. Três engenheiros desempenharam um papel fundamental na reconstrução.

No dia da catástrofe o secretário de Estado tomou medidas que já denunciavam a sua forte determinação em orientar a reconstrução da cidade. Menos de um mês depois, Manuel da Maia, o engenheiro-mor do reino – […] era a escolha natural para a direcção técnica da reconstrução – apresentou um primeiro relatório sobre as diversas implicações urbanísticas da questão, a primeira das três partes da famosa Dissertação. (Rossa, 2004, p.24)

Segundo Salgueiro, “perante a cidade em ruínas, o engenheiro-mor do reino, Manuel da Maia, é encarregado pelo Marquês de estudar uma solução” (1992, p.174) para a reconstrução da Baixa. Ao engenheiro foram “endereçadas as “dissertações” […], com análise da situação da cidade e propostas para seu remédio” (França, 2009, p.352). Moita (1982, p.14) refere-o como “o cérebro motor da planificação geral da reconstrução e o urbanista da recriação da cidade nova”.

O que e notável é que Manuel da Maia era um homem com perto de 80 anos, mas a sua sensatez e a sua larga experiência profissional, aliadas a uma sólida honestidade e a uma inteligência serena, contribuíram para que, com base na sua Dissertação sobre o modo de agira perante a cidade destruída, Pombal e os arquitectos da época pudessem actuar dentro de uma orientação concertada. (Santana et. al, 1994, p. 135)

120 Joaquim António Nunes, autor do livro “Imagens de Lisboa”.

Raquel dos Santos Catarino 88

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Rossa121 refere que a Dissertação122 de Manuel da Maia123 “é o principal guia para o conhecimento do método e processo que conduziu” (2008, p.48) ao plano final para a reconstrução da cidade. Não se trata apenas de um registo, a dissertação é um instrumento activo do processo de reflexão e decisão da proposta.

Antes, foram ainda executadas tarefas por parte do Governo de Pombal. Algumas foram determinantes para o plano final. A realização de um levantamento rigoroso e exaustivo da situação da cidade até à data da catástrofe foi uma das tarefas executadas. Monteiro124 considera que qualquer acção desta natureza “é um factor crítico de sucesso de qualquer plano de reconstrução” (2008, p.86). O plano da Baixa não foi excepção.

Além dos levantamentos, o Governo adoptou medidas e regras125 de controlo para garantir o cumprimento do traçado urbano. Uma das regras proibia a construção fora dos limites antigos da cidade. Outra suspendeu a construção até à definição de um plano urbano. Estes factos permitem entender “a estreita colaboração e coordenação entre o poder e o urbanista” (Rossa, 1998, p.38).

121 Walter Rossa (1962-) é arquitecto pela Universidade Técnica de Lisboa, Mestre em História da Arte pela Universidade Nova de Lisboa e Doutor em Arquitectura pela Universidade de Coimbra. Além do estudo desenvolvido na arquitectura e urbanismo, tem-se dedicado à investigação em Teoria e História da Arquitectura e do Urbanismo, em especial nos domínios da urbanística e reabilitação urbana, da cultura do território e do património do universo português. 122 Foi desenvolvida em três etapas, às quais correspondem as suas três partes: I. “Reconhecida, e observada a destruição da cid.e de Lix.ª he prercizo inventar – se a sua renovação...” entregue a 4 de Dezembro de 1755, um mês depois do Terramoto; II. “Visto parecer que vai tendo algua aceitação a I.ªp.te da minha Dissertação…” entregue a 16 de Fevereiro de 1756, dois meses depois da entrega anterior; III. “Nos ultimo da segunda parte da Dissertação sobre a renovação de Lisboa, prometi esta terceira muy dependente de plantas, e desenhos que não posso executar como costumava fazer…” entregue a 31 de Março de 1756, com um adiantamento datado de 19 de Abril de 1756. (Rossa, 2008, p.48) 123 Manuel da Maia (1672-1768) foi o engenheiro militar encarregado de dirigir a reconstrução da cidade após o Terramoto. Mestre de Campo General, Engenheiro-Mor do Reino com larga experiencia adquirida em obras públicas durante dos reinados de D. Pedro II e D. João V. Destaca-se o Aqueduto das Águas Livres em Lisboa. 124 Claudio Monteiro – “Escrever direito por linhas rectas”, in ROSSA, Walter; TOSTÕES, Ana coord. – Lisboa 1758: o plano da Baixa hoje. 125 Com a implantação destas regras pretendia-se impor uma ordem urbana na cidade. Os riscos destas construções poderiam prejudicar qualquer das soluções adoptadas para a recriação da cidade.

Raquel dos Santos Catarino 89

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A cidade estava a ser planeada como um todo e não com intervenções dispersas ao gosto de cada um. Rossa refere que “pela primeira vez na história, concebera-se e implementava-se um verdadeiro Plano” (2008, p.56).

Os aspectos a ter em conta na reconstrução abordam “os modelos de arquitectura, os aspectos das construções, a segurança dos edifícios e a higiene” (Salgueiro, 1992, p.174). Maia propunha soluções sucessivas, de acordo com a política adoptada. Cinco hipóteses foram apresentadas pelo engenheiro na primeira parte da sua dissertação, todas com o objectivo de recuperar a cidade perdida, para a sua função de capital (França, 1980, p.43).

Havia então que escolher: ou reconstruir Lisboa tal como ela existia na véspera do terramoto, ou corrigir os planos antigos com alargamento das mesmas ruas ou, insistindo neste caso, também com diminuição da altura dos prédios, ou reedificar com planos inteiramente novos a parte central da cidade – ou, finalmente abandonar as ruínas ao seu destino e construir uma nova cidade a poente da antiga, ao longo do rio, cerca de Belém, em zona menos sacrificada pelo terramoto. (França, 1980, p.43)

Para Manuel da Maia, as cinco hipóteses apresentavam vantagens e desvantagens126. Como é de prever, a solução adoptada foi a reconstrução de Lisboa no seu antigo terreno.

(…) na segunda parte do seu texto assinada a 16 de Fevereiro de 1756 a decisão fundamental está tomada: a cidade seria reconstruída no sítio da Baixa destruída, constituindo-se o Palácio Real e equipamentos públicos de índole cívica a ele ligados na zona de /São João dos Bem-Casados, unindo-se ambos os pólos com uma rede viária com características urbanas. (Rossa, 1998, p.39)

A opção de reconstruir a cidade no mesmo local é a evidência da “importância urbana que este sítio adquiria nos séculos anteriores, e o reconhecimento de condições geográficas e ambientais excepcionalmente privilegiadas” (Santos, 200, p.11).

126 O engenheiro-mor considerava os primeiros três modos soluções erradas, porque estavam a ser repetidos os mesmos erros do passado (França, 2009, p.354). O quarto modo tem a vantagem de resolver o problema dos entulhos e dá melhor uso à cidade. O quinto modo é facilitado pelo deslocamento da cidade mas o interesse dos proprietários antigos preocupava Maia (França, 2009, p.355).

Raquel dos Santos Catarino 90

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Segundo Rossa (2004, p.24), “a cidade baixa seria implantada sobre uma plataforma feita com os escombros da antiga”. Os entulhos resultantes das ruínas foram sujeitos a uma operação de alisamento sugerida por Maia.

Para a reconstrução da cidade foram estabelecidas regras definindo uma nova mentalidade urbana. A segunda parte da Dissertação é um registo dessas regras cuja obra a realizar foi colocada “à disposição da imaginação dos arquitectos da época” (Nunes, 1976, p.36). As seis plantas 127 da reconstrução da cidade elaboradas por grupos128 definidos integram a terceira parte da Dissertação.

Entre os seis planos propostos a Pombal, foi o do engenheiro Eugénio dos Santos129 e Carlos Mardel130 que mereceu aprovação (França, 1994, p.367). Nunes (1976, p.37) refere o carácter visionário do plano vencedor em “matéria de espaço, desenhando tão desafogados arruamentos e praças”.

A sua planta propõe a reconstrução da parte central da baixa de Lisboa. Mas sobe também à colina de S. Francisco, “cumprindo soluções idênticas, embora de modo menos rigoroso, conforme o terreno pedia e permitia” (França, 1980, p.45).

127 As três primeiras plantas foram feitas por equipas de um mestre e um ajudante. As suas soluções demonstram “a evolução a partir da preexistência segundo uma racionalização gradual do desenho urbano” (Rossa, 2008, p.52). Outras três plantas “foram elaboradas individualmente por cada um dos mestres com toda a liberdade possível” (Rossa, 2008, p.52). As seis plantas são desenhos urbanos alternativos. Se em alguns casos são respeitadas as pré-existências e o traçado anterior, outros planos adoptam um traçado geométrico estruturado por uma lógica racional. 128 Maia constituiu três equipas, chefiados por Elias Sebastião Poppe, Eugénio dos Santos e Gualter da Fonseca. 129 Eugénio dos Santos (1711-1760) foi um engenheiro militar da reconstrução pombalina. Segundo Leonor Ferrão (2004, p.66) “Eugénio dos Santos teve acesso a uma dupla formação de arquitecto e engenheiro nas estruturas oficiais do ensino da corte”. Frequentou a Aula da Fortificação e Arquitectura Militar e a Aula de Arquitectura Civil da Casa das Obras. O reconhecimento das suas competências intelectuais foi evidenciado com o plano de reconstrução da cidade após o Terramoto. 130 Carlos Mardel (1696-1763) foi um engenheiro e arquitecto húngaro. Veio para Portugal em 1733 e aqui realizou grande parte da sua carreira. Foi medidor das obras das fortalezas da Barra do Tejo e arquitecto colaborador das Águas Livres. Por muitos, é considerado o verdadeiro autor do plano da Baixa e não Eugénio dos Santos. Esta afirmação, relaciona-se com a leitura da estátua do Terreiro do Paço, onde as figuras em relevo presentes mostram a representação do plano, aliado a instrumentos de execução (compasso e esquadro) que denunciam o verdadeiro autor.

Raquel dos Santos Catarino 91

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

O plano vencedor de 1756 foi considerado um ante-Plano131 para a Baixa, uma vez que sobre ele foram apurados aspectos de projecto e de planeamento. Só em 1758 foi legalmente fixado o desenho final com o novo traçado urbano132.

Ilustração 37 – “Estudo para o plano-piloto da Baixa-Chiado”, Ilustração 38 – “Planta Final para o plano-piloto da Baixa- Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, 1758. (Rossa, 2004, p.29) Chiado”, Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, 1758. (Rossa, 2004, p.29)

Um dos aspectos que aqui mais importa destacar em relação à evolução entre o ante- projecto de Abril de 1756 e o plano de Junho de 1758 é o que consiste no considerável aumento da sua área de intervenção. Este último alarga-se a toda a zona central da cidade, tornando bem clara a manutenção da estrutura morfológica de toda a vertente sul-poente da colina do Castelo e do Bairro Alto que, com o rio, se constituem nas balizas da área sujeita a uma integral renovação morfológica do centro. È assim que as áreas do Chiado e São-Paulo surgem, pela primeira vez, integralmente ordenadas em desenho. Daí a insistência […] na designação Baixa-Chiado. (Rossa, 2004, p.30)

O desenho final para a Baixa-Chiado de 1758 confirma a Lisboa ocidental como principal área da renovação. O seu conjunto corresponde à zona mais afectada pelo incêndio. Quanto à Lisboa oriental, o seu traçado medieval não sofreu intervenção do Plano. Segundo Rossa (2004, p.33) o plano “deixa intactas a Mouraria, Alfama, o Castelo, a Graça, etc., dando, implicitamente, esses bairros como consolidados”.

131 Considerado por Walter Rossa (2008, p.49), uma vez que este constitui uma primeira proposta que posteriormente é revista e apresentado a solução final em 1758. 132 Dois anos é a diferença entre o ante-plano e o plano. Neste espaço de tempo, apurou-se o desenho urbano e criaram-se as condições administrativas, jurídicas e económico-financeiras para a viabilização e execução deste.

Raquel dos Santos Catarino 92

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

O Plano caracteriza-se pela sua racionalidade expressa “na regularidade dos traçados das ruas, na simetria das fachadas dos edifícios e na estandardização dos respectivos processos construtivos” (Monteiro, 2008, p.83).

A nova malha urbana era definida por ruas e travessas segundo uma matriz regular e geométrica. Entre elas formaram-se blocos de massa edificada – os quarteirões133. Segundo Rossa (2008, p.62), “os quarteirões são rectangulares e dispostos no seu maior comprimento ao longo das ruas, dando os lados menores às travessas”. Assim, para Lamas (2004, p.73) “a Baixa é identificável como um todo e subdivisível em ruas, praças, quarteirão e edifícios”.

Ilustração 39 – “Conjunto urbano da Baixa Pombalina – traçado urbano” (Rossa, 2004, p.45) Ilustração 40 – Malha da Baixa. (Lamas, 2004, p.56)

Um dos aspectos do Plano é a reinterpretação da estrutura morfológica da cidade. Segundo Rossa a “manutenção da toponímia […] com o reaproveitamento de alguns espaços e elementos arquitectónicos” (2008, p.59) mostram a preocupação relacionadas com questões da memória da cidade. No desenho, o Plano repõe “em localização, hierarquia e função […] as três principais praças: Terreiro do Paço/Praça do Comércio, Rossio e Patriarcal/Município” (Rossa, 2008, p.59).

133 Os quarteirões são abordados como volumes uniformes. Constituem no seu todo o prédio pombalino. Atingem um altura que perfaz quatro pisos (e depois cinco), “podendo ser o térreo, se necessário, abobadado em aresta” (França, 2009, p.419). Cada volume era suportado por fundações constituídas por estacaria. Sobre esta estrutura assentava um “muro de alvenaria de pedra de fundação” (França, 2009, p.419). O piso térreo estava destinado a ser ocupado por lojas e armazéns. O desenho de Eugénio dos Santos para os edifícios pombalinos, “económico e forte, mas sem belezas, devia servir uma cidade «entregue a comerciantes» ” (França, 1980, p.48).

Raquel dos Santos Catarino 93

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A parte principal do plano escolhido define-se entre o Terreiro do Paço e o Rossio134, regularizando as duas praças públicas tradicionais. Segundo França (1980, p.46) entre elas foi criada uma rede de ruas longitudinais e transversais, “num ritmo dinâmico que vitaliza a malha urbana, salvando-a da monotonia aparente”. França refere ainda que o vasto espaço intermédio entre as praças surge “numa espécie de tapete rectangular” (2009, p.365) dominado pela geometria do traçado.

As duas praças fundamentais na história de Lisboa são ali entendidas na sua posição relativa e proporcionadas tal como a tradição as afeiçoara, e era necessário ao tratamento da rede das vias de comunicação entre elas estabelecidas, e entre as colinas, que a nascente e a poente, lhes impunham fronteiras. (França, 2009, p.363)

Se na época anterior ao terramoto existiam duas ruas estruturais – a Rua Nova135 e dos Escudeiros – agora passavam a existir cinco vias longitudinais principais e mais quatro intermédias, que por sua vez todas elas eram cortadas por sete ou nove ruas transversais136 (França, 1994, p.370).

Ilustração 41 - Conjunto urbano Baixa Pombalina – hierarquia viária. (Rossa, 2004, p.40)

134 O Terreiro do Paço foi projectado por Eugénio dos Santos e o Rossio por Carlos Mardel. As duas praças definem a entrada e saída da cidade de Lisboa. 135 Rua criada no reinado de D. Dinis. 136 A lógica de arruamentos definia por sua vez os quarteirões.

Raquel dos Santos Catarino 94

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

O conjunto de ruas137 desenhadas no plano da baixa assumia diferentes estatutos. Segundo França (2009, p.371) estas ruas eram principais, secundárias e terciárias “conforme a sua importância e função de comunicação e por isso também igualmente simbólicas”. A sua hierarquia era definida pela largura138 e usos desta. Assim, a rua constitui um elemento urbano fundamental do Plano.

O Terreiro do Paço estava ligado à cidade através de três principais vias com sentido norte-sul: Augusta, da Prata e do Ouro. Segundo França duas dessas ruas “desembocavam no Rossio e a outra contra a fachada lateral do velho Hospital Real” (1980, p.45) que não fora reconstruído139. Nesse espaço nasceu uma nova praça pública – a Praça da Figueira.

O Rossio em comparação com o Terreiro do Paço tinha uma menor monumentalidade. França refere que “o papel principal da nova Lisboa ia ser definitivamente dado ao Terreiro do Paço” (2009, p.378) envolvido por edifícios do poder municipal e cuja designação viria a ser alterada. O Rossio mantinha o seu papel tradicional de praça popular, “lugar de ócio e de preguiça, cruzamento de toda a população […], sítio de saída para o interior da cidade” (França, 2009, p.377).

Ilustração 43 - Pormenor da Praça do Rossio em 1876. (Santos, Ilustração 42 - Pormenor da Praça do Comércio em 1876. 2005, p.41) (Santoa, 2005, p.41)

137 O nome assumido por cada rua estava relacionado com a natureza do comércio. Como exemplo, a Rua do Ouro correspondia ao comércio dos ourives do ouro, a Rua da Prata ao comércio dos ourives da prata e assim sucessivamente. 138 A largura das ruas constitui uma medida de prevenção, tendo em conta a possibilidade de queda de matérias dos edifícios em caso de sismo. 139 Tanto o hospital como o convento foram excluídos do programa.

Raquel dos Santos Catarino 95

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A Praça do Comércio “é a expressão vitoriosa do processo de renovação de Lisboa” (Rossa, 2008, p.59). Ela “será o novo fórum da nova capital do país” (França, 2009, p.385).

A cidade pombalina projectada e realizada modifica a imagem de Lisboa em comparação com os séculos anteriores. A evolução dos espaços públicos e a sua consolidação é um factor de extrema importância na organização territorial. Uma nova organização e qualidade espacial são factores que revelam a nova cidade.

O terramoto de 1755 modificou-lhe para sempre a feição, estabelecendo limites e consolidando estruturas, criando-lhe uma identidade singular. A criação de um novo traçado urbano na parte central da cidade, iluminista, ortogonal, criava a centralidade comercial e dispersava então para a periferia o pólo do poder político, dando azo a novos bairros e centralidades. (Carvalho, 2007, p.461)

A cidade “foi pensada, programada e edificada” (França, 1980, p.45). A realidade é que “a nova Lisboa, delineada com rara qualidade urbana, foi gerada sobre a perda dramática mas voluntaria de tantos séculos da sua existência maior” (Silva, 2008, p.132).

A cidade foi pensada na sua globalidade, foi organizada funcionalmente e fez no espaço a articulação “das funções simbólicas, sociais, utilitárias” (Tostões, 2008, p.174).

O sucesso da reconstrução pombalina da cidade de Lisboa deve-se de facto à conjugação de esforços nas áreas de concepção, realização, legislação e fiscalização, ocorrência extremamente rara na história do urbanismo e só possível perante a concentração e objectivação do poder. (Rossa, 1998, p.38)

Rossa refere uma das grandes “estratégias para a reforma urbanística de Lisboa […]: a mudança do paradigma de centro e de capitalidade” (2004, p.34). Com o processo pombalino, era o Estado a ocupar o centro da cidade.

O Plano da Baixa que resulta da Dissertação e do debate surdo – que omite, mas nela se reflecte – aponta para uma solução de renovação que, apesar de comprometida com a memória da cidade destruída, avança bem além do seu tempo e do limiar então reconhecido à utopia. Dá-se a aglutinação total entre Arquitectura e Urbanismo, sendo a cidade um organismo cujo controle ideológico exercido pelo desenho e pelos conceitos e aparelho jurídico que o suportam é absoluto. Daí nascerá não apenas uma

Raquel dos Santos Catarino 96

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

cidade, mas também uma sociedade renovada. A qualidade da solução e o sucesso da renovação de Lisboa proporcionado pela catástrofe resultaram da luz emitida na rara fusão entre o poder e o saber. (Rossa, 2008, p.72)

A Lisboa Pombalina foi alvo de críticas por parte de diferentes especialistas que a estudaram. Alguns aspectos foram apontados ao traçado urbanístico da Baixa140 como a “monotonia, pragmatismo, economia de meios, repetitividade, ausência de fantasia e de pontuações originais” ( Leal, 2004, p.7).

Mas a realidade é que o plano para a Baixa-Chiado conservou alguns aspectos relacionados com a memória da antiga cidade.

Pese embora a racionalidade e regularidade, o plano integrou a estrutura e os elementos essenciais da preexistência destruída. Tais são os casos das praças, da articulação das três principais ruas norte-sul com a rua paralela ao rio, por trás da Praça do Comércio – uma reposição da Rua Nova aberta por D. Diniz em finais do século XIII – do arquétipo formal e locativo dos torreões. (Rossa, 2004, p.38)

A relação entre esta planta total da cidade e as suas arquitecturas respectivas tem uma lógica evidente, e o traçado rectilíneo das ruas e das duas grandes praças refeitas explica esteticamente o desenho das fachadas dos prédios que as compõem […]. (França, 2009, p.374)

Em 1978 a Baixa foi reconhecida oficialmente pela sua importância histórica e artística. A “Baixa Pombalina” foi classificada como Imóvel de Interesse Público. Pela primeira vez no país “foi classificada uma área urbana como conjunto monumental” (Santos, 2000, p.20). O valor da Baixa reside no seu património urbanístico, logo é o Plano141 que a gerou, que adquire importância. Sem ele possivelmente a Baixa não seria o que é hoje.

140 O seu carácter considerado repetido “muito deve às tradições da engenharia militar portuguesa, desenvolvida desde o século XVI em articulação com a criação do império marítimo” (Silva, 2008, p.129). 141 A nível da história do urbanismo, o plano da Baixa foi uma peça inovadora, transformando o espaço tal como ele se apresenta nos dias de hoje. Atendendo ao significado da palavra, o plano de 1758 constitui um verdadeiro instrumento de gestão urbana. Isto porque definiu o planeamento do território criando um projecto do domínio do urbanismo. Assumiu-o como um todo urbano. A estratégia adoptada baseia-se nos princípios de reconhecimento, ocupação, ordenamento e exploração. Estas foram as atitudes que definem o plano da reconstrução da Baixa de Lisboa. Além disso, a afirmação espacial da cidade foi um objectivo procurado no reinado anterior. Segundo Water Rossa (2004, p.33), fizeram-se levantamentos e diversos projectos, tendo inclusive o mestre Manuel da Maia como coordenador das tarefas. O

Raquel dos Santos Catarino 97

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

2.3.2. O DESENVOLVIMENTO DE LISBOA – AS

O século XIX constituiu um período de completa abertura da cidade e dos cidadãos a novas concepções políticas, sociais e estruturais […] A Urbanística, disciplina científica que “nasce” no seio desta conjuntura, vai buscar ao desejo de reencontro com o limite urbano e o seu fundamento conceptual; ao restabelecimento da relação harmónica entre cidade e campo a sua doutrina higienista; ao controlo da especulação fundiária e à gestão da circulação a sua acção metodológica. (Grande, 2002, p.99)

A execução da reconstrução da Baixa de Lisboa foi um processo demorado. O plano proposto foi construído ao longo dos séculos XVIII e XIX. Mas, fixado o desenho urbanista para a Baixa, ia existir para além desta zona, a renovação de vários bairros e a realização de novos, segundo um traçado previamente estudados. Por isso, o período oitocentista é caracterizado por intervenções à escala da cidade através de planos urbanos.

Os Passeios Públicos e as grandes Avenidas constituem a grande novidade no desenho urbano do novo século. A sua configuração apresenta ruas dotadas de passeios largos e arborizados. A árvore constitui o novo elemento urbano que qualifica o espaço público.

O quartel do século XIX foi um período decisivo do urbanismo em Lisboa. Em paralelo com importantes trabalhos ao nível das infra-estruturas, assiste-se ao forte crescimento populacional e ao enorme aumento da área do município […]. Aparecem fábricas e oficinas, transportes colectivos, grandes negócios e respectivas fortunas. Altera-se o ambiente social e a própria cidade vai mudar de aspecto. Pela primeira vez, Lisboa deixa de ser a cidade ribeirinha, faixa alongada ao longo da margem sempre fora, e estende-se para norte à conquista dos planaltos, onde as novas avenidas enquadram os negócios imobiliários que suportam a expansão burguesa. (Salgueiro, 1992, p.191)

Depois do Terramoto, o centro da Baixa e as freguesias que a limitavam sofreram o abandono da população. O tempo que a cidade demorou a ser reconstruída e o valor elevado dos prédios pombalinos levaram os lisboetas a procurarem outras zonas da

engenheiro realizou um levantamento da cidade antes do Terramoto. Essa seria a base utilizada para o estudo e desenvolvimento do plano de 1755-1756 para a Baixa-Chiado. Desta forma, o entendimento entre os intervenientes e a produção de um plano em tão pouco tempo, não foi por acaso. Entendemos que a formação e a experiência dos engenheiros militares proporcionada no período anterior, foram determinantes no sucesso do plano de reconstrução de Lisboa.

Raquel dos Santos Catarino 98

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

cidade. A maioria da população instalou-se no “Rato e S. João dos Bem-Casados, na Lapa e na Junqueira até à Ajuda, onde havia abundância de terrenos livres e poucas normas para a edificação” (Silva, 2008, p.139).

Deste modo, o Terramoto gerou duas cidades: a erudita e estatizada, gizada pela Casa dos Riscos e fortemente condicionada na sua concretização; outra, popular e aristocrática, resultante de aforamentos e subaforamentos particulares e de tradições edificatórias que recuavam ao século XVI, quando se delineara o Bairro Alto. (Silva, 2008, p.139)

Na primeira metade de Oitocentos a cidade não registou um crescimento muito acentuado142. Contudo define-se um plano de urbanização para uma “cidade cuja expansão lentamente se preparava ou necessariamente se previa” (França, 1980, p.64).

A realidade é que a organização da cidade era uma questão que preocupava os governantes. Impor um plano de ordenamento geral e de melhoramentos era o principal objectivo. Os planos urbanos pretendiam a realização de ruas, praças, jardins, parques e loteamento de terrenos.

Todo este conjunto de espaços públicos urbanos emerge no desenho da cidade, de forma variada, a partir da concretização da reconstrução pombalina.

Outra realização não programada inicialmente, mas que cedo se efectivou junto do Rossio, foi o Passeio Público, cujas obras se iniciaram em 1764. Localizada nos terrenos de Valverde, estendia-se até ao Salitre e o seu plano foi desenhado pelo arquitecto Reinaldo Manuel. (Salgueiro, 1992, p. 176)

A norte da praça do Rossio existia um pequeno espaço público. Designado de Passeio Público143 pombalino, nasceu na época de setecentos. Primeiro com uma pequena área, o passeio foi sofrendo alterações ao longo dos anos.

142 Factores exteriores contribuíram para este cenário. José Augusto França (1980, p.59) enumera as invasões dos exércitos de Napoleão, a ocupação inglesa, a tensão política dos anos 20, a guerra civil na década seguinte, desacertos do regime e dificuldades institucionais até à Regeneração e ao Fontismo, nos anos 50. 143 Criação pombalina de 1760 pelo arquitecto Reinaldo Manuel. O Passeio Público visava dotar a cidade de um espaço de convivência.

Raquel dos Santos Catarino 99

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Em 1840 foi renovado e tornou-se o espaço público mais importante da Lisboa daquele tempo. Tornou-se mais extenso, civilizado e moderno. Era o “espaço da moda”, frequentando por indivíduos da alta sociedade.

Ilustração 44 – “Passeio Público de Lisboa”. (museudacidade, 2008) Ilustração 45 – “Passeio Público, pavilhão, largo e terraço da entrada norte”. (arquivomunicipal, 2012)

A formação do Passeio Público, integrado na natureza, transmitiu o contraponto ao sistema racional pombalino. Tornou-se um lugar simbólico em Lisboa promovendo a direcção para Norte da cidade. Demolido em 1879, deu origem aos Restauradores144 que antecede a futura avenida que iria ser criada.

A remodelação do Passeio Público resulta dos novos hábitos da população145, levando igualmente, à construção de novos jardins públicos. Santos enumera o “jardim de S. Pedro de Alcântara, o da , e o do Príncipe Real” (2005, p.42), como as construções mais significativas.

Este espaço público limitava a cidade, a norte. Contudo, cresciam constantemente pequenos espaços urbanos cujo acesso viria a ser considerado.

O final do século XIX viu surgir a necessidade de alterar esta situação abrindo novas ruas que, partindo do centro, dessem acesso a esses agrupamentos dispersos, e ao mesmo tempo proporcionassem um desenvolvimento organizado, através da elaboração de Planos. (Santos, 2005, p.43)

144 Actual zona da Baixa de Lisboa, que estabelece a ligação entre o Rossio e a . 145 Influenciados pelo período do Romantismo Liberal.

Raquel dos Santos Catarino 100

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A operação urbana pretendia uma visão de conjunto, pensar o espaço à escala da cidade146.

A primeira realização urbana significativa da época foi a estrada da circunvalação147. O decreto para a construção da estrada é de 1845. Só em 1852 a 1857 é que se inicia o traçado que ficou “por concluir no princípio dos anos 60 e assim ficada, em articulações ocasionais de caminhos” (França, 2009, p.538).

Ilustração 46 – “Esquema orgânico de Lisboa”. (França, 2009, 480)

Tratava-se de uma linha que circundava a cidade, indo da Cruz da Pedra, a nascente, até à Ponte de Alcântara, a poente, num irregular arco de círculo, começado e terminado necessariamente na margem do Tejo, e incluindo dentro delas (…) terras em enorme percentagem ainda rústicas, de quintas à espera de urbanização, quando fosse caso e interesse disso. (França, 2009, p.538)

A época que corresponde aos séculos seguintes, a cidade expandiu-se para norte. Segundo Carvalho148 (2007, p.461) “rasgaram-se as avenidas”. A abertura da Avenida da Liberdade e a urbanização dos terrenos adjacentes no último quartel do século XIX, alterou a forma tradicional da cidade (Salgueiro, 1992, p.83).

146 Influência do plano urbanístico de Paris de Haussmann. 147 Estabelecia os limites da área urbana da cidade de Lisboa. 148 Gabriela Carvalho (2007) – “Lisboa”, in COELHO, Carlos Dias; LAMAS, José, coord. – A Praça em Portugal. Inventário de Espaço Público – Continente.

Raquel dos Santos Catarino 101

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A abertura da Avenida da Liberdade149, iniciada no ano de 1880, é um marco decisivo para a expansão a norte da cidade. O “plano” da “Grande Avenida do Passeio Público do Rossio” foi traçado pelo engenheiro camarário formado em Paris, Ressano Garcia150 (França, 2009, p.575).

A sua implantação derivou da intenção de ligar o passeio público pombalino a São Sebastião da Pedreira. A avenida apresenta-se como um eixo de penetração da cidade terminando numa rotunda “que seria consagrada ao marquês de Pombal” (França, 1980, p.72). Aqui eram lançadas quatro ruas, uma na direcção do Rato, outra na direcção de Campolide e outra para Stª. Marta, com prolongamento previsto para o Campo Grande.

149 A ideia da Avenida veio primeiro de um plano utópico proposto em 1857 por um jovem estudante de Arquitectura, que estudava em Génova. A proposta do estudante Alfredo de Andrade previa rasgar no local uma larga avenida começada por uma vasta colunata e terminada por um arco de triunfo coroado por uma estatuária monumental. A desproporção do projecto em relação ao contexto existente era evidente. Mais tarde a proposta de abrir uma larga rua na continuação do Passeio Público, foi proposta por diferentes personalidades até à sua concretização. 150 Frederico Ressano Garcia (1847-1911) foi um engenheiro, político e administrador, responsável pela expansão e renovação urbana de Lisboa no século XIX. Ressano Garcia foi o autor de diversas construções marcantes na cidade como por exemplo, a Avenida da Liberdade, Praça do Marquês de Pombal, Avenida 24 de Julho, e os bairros de e da Estefânia.

Raquel dos Santos Catarino 102

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 47 – “Lisboa 1987”. (museudacidade, 2008) Ilustração 48 – “Levantamento de Lisboa de 1911”, Júlio Antonio Vieira da Silva. (Moita, 2004, p. 408)

Acima da praça, um conjunto de terrenos livres em declive acentuado definiam um Parque. Baptizado inicialmente de Parque da Liberdade, os terrenos foram ajardinados com projectos sucessivos. Por fim, recebeu a designação final de parque Eduardo VII151.

O desafio do avanço da cidade para norte dos limites rurais da urbe pombalina estava lançado (França, 2009, p.577). Em termos simbólicos, França (1980, p.80) destaca a Avenida como o elo que liga ao “primeiro o segundo estádio da cidade que após 1755 nascera e se desenvolvera”.

A Avenida foi um dos mais importantes melhoramentos da cidade. A abertura de novas e espaçosas ruas facilitavam a comunicação e contribuíam para as questões de higiene pública.

Estabelecida o “grande boulevard”, o Passeio Público foi extinto em 1884, “existindo já a Praça dos Restauradores regularizada” (França, 2009, p.579).

151 O nome do parque, baptizado em 1903, é em honra de Eduardo VII do Reino Unido, uma vez que este visitou o país para reafirmar a aliança entre Portugal e Inglaterra.

Raquel dos Santos Catarino 103

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 49 - “Panoramica da Praça dos Restauradores e Ilustração 50 – “Tardes calmas da Avenida”. (Dias, 1987, p.57) Avenida da Libardade (19?)” (arquivomunicipal, 2012)

«A Avenida» corria paralela às ruas ocidentais que conhecemos na direcção de S. Sebastião, cortava a Praça da Alegria-de-Baixo, eliminando-a, e a Rua do Salitre, e ia gerar dois bairros novos. Um deles nasceu, a poente, […] a caminho do Rato e S. Mamede […]. Ao mesmo tempo, a nascente, definia-se o Bairro Camões […]. Uma Avenida da Índia, havia de subir ao velho sítio da Cruz do Tabuado e da Carreira dos Cavalos, enquanto outra Avenida do Campo Grande (depois de Fontes Pereira de Melo) seguia para Leste […] e dando em terras junto às Picoas – que em 1888 seriam objecto dum estudo aprofundado do engenheiro camarário F. Ressano Garcia, génese das Avenidas Novas do fim do século. (França, 1980, p. 73)

Pela primeira vez, após a reconstrução pombalina, criavam-se ruas novas em Lisboa “inteiramente inventadas, fora de qualquer sujeição a sítios tradicionais que elas atravessavam numa indiferença moderna” (França, 1980, p. 73). A sua inclusão deve- se ao desenvolvimento progressivo da cidade, que cada vez mais, aumentava os seus limites.

Ao plano estabelecida para as Avenidas, Ressano Garcia adicionou uma nova zona. Esta estabelecia um eixo que “seria uma avenida dita das Picoas, indo da rotunda das Picoas (depois Praça do Duque de Saldanha) até ao Campo Grande” (França, 1980, p.80). Era o plano das «Avenidas Novas» que estava a ser criado, aprovado em 1904.

Entretanto, em relação ao primeiro troço do programa que ocupava-se do projecto da Avenida, “havia que completar as linhas divergentes apontadas na rotunda” (França, 2009, p.629). Primeiro definiu-se um eixo “que, passando sobre Andaluz, iria até à Cruz do Tabuado” (França, 1980, p. 81).

Raquel dos Santos Catarino 104

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Para a parte oposta da rotunda tratava-se de desterrar, regularizar e preencher a zona do Vale do Pereiro, com novas ruas rectilíneas, sem prejuízo das vias orgânicas que vinha, uma da Avenida, e era a Rua do Salitre e doutra que partia para Campolide pela Estrada de Entremuros. Da rotunda para cima, o parque terminal da Avenida era ladeado pela Avenida António Augusto de Aguiar e então chamada Avenida do Campo Grande (que foi em 1902 de Fontes Pereira de Melo) que passava […] sobre a velha Rua de S. Sebastião da Pedreira […]. Na área, […], foi traçado o xadrez de bairros de casas, limitado, a norte, pela nova Avenida Duque d‟Ávila. (França, 2009, p.630)

No caminho do Campo Grande, Ressano Garcia teve maior liberdade a nível do traço. O engenheiro projectou um conjunto urbano de um e do outro lado da avenida que tomou o seu nome até à nova designação como Avenida da República. Uma nova malha urbana estava a ser criada, segundo o desenho regular e geométrico à figura da herança pombalina.

Foram ainda projectadas duas outras avenidas que ladeavam a principal de Ressano Garcia. A poente desenhava-se a dita António Maria Avelar e a nascente, a dita Pinto Coelho (França, 2009, p.630). A este traçado longitudinal desenvolveram-se um sistema de ruas paralelas, desde a Duque d‟ Ávila até à antiga Rua do Arco do Cego a poente, e a nascente até à António Maria Avelar, a actual Rua 5 de Outubro (França, 1980, p. 82).

Ilustração 51 – Planta da cidade de Lisboa, fotografia do Instituto Geográfico do Exercito (Lisboa, Portugal), José Pires Barroso, 1940. (Ilustração nossa, 2011)

Enquanto esta vasta zona de Lisboa era objecto de um estudo aturado, outra, incluída no plano de 1903, era definida no outro grande vale da cidade que, pelos Anjos e Campo de Santa Barbara, ia da Baixa a Arroios, terminado nos limites da

Raquel dos Santos Catarino 105

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Circunvalação. Grande futuro estaria reservado para este plano respeitante a uma zona de uso tradicional já. (França, 2009, p.631)

A reconstrução pombalina esboçou um tímido prolongamento da Rua da Palma interrompida pelas ruas e travessas do sítio do Socorro (França, 1980, p.83). Era precisamente a partir deste troço que iria criar-se um novo traçado.

Assim nasceu a nova Rua da Palma que regularizou a Rua Direita dos Anjos até ao Desterro, daí em diante começando uma avenida nova que marginava o Largo do Intendente e seria inaugurada em Julho de 1903, chamada de D. Amélia, até à República, que lhe substituiu o nome pelo de uma das suas vitimas, o Almirante Cândido dos Reis. (França, 2009, p.631)

Paralela à nova avenida, a poente foi traçada a Rua António Pedro. A nascente, desenvolveu-se a Rua Francisco Sanches. Segundo França (2009, p.632), “a nova avenida oriental terminava numa praça, à altura da Circunvalação […] dando ali origem, em 1903, a uma rua que foi nomeada Morais Soares”.

A mudança de regime protagonizada com a Revolução de 5 de Outubro152, trouxe algumas consequências. A nível urbanístico “procedeu-se a mudanças de designações de ruas, as Avenidas da República e de 5 de Outubro foram nomes novos” (França, 2009, p.654). A de Ressano Garcia deu nome a uma das transversais da avenida principal António Augusto de Aguiar e a de D. Amélia foi de Almirante Reis.

152 Dia da implantação da Republica em Portugal, resultado de um golpe de estado organizado e dirigido pelo Partido Republicano Português. A monarquia constitucional foi substituída pelo regime republicano.

Raquel dos Santos Catarino 106

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 52 – Planta parcial de Lisboa, representando a nova Avenida (Almirante Reis). (museudacidade, 2008)

Nas margens das avenidas, bairros eram sucessivamente traçados destinados à população em crescimento acelerado.

Estabelecidas as grandes avenidas, estas garantiram os traçados para a periferia da cidade. O futuro desenvolvimento de Lisboa era assim, assegurado.

A Lisboa de Frederico Ressano de Garcia, o engenheiro-chefe da Câmara Municipal, “implantou as infra-estruturas da cidade moderna – transportes públicos, abastecimento de água, redes de saneamento – e iniciou a ampliação norte de Lisboa” (Silva, 2008, p.127).

No inicio de novecentos, o surto demográfico provocou um movimento de construção imparável. Em 1906 afirmava-se que a área de Lisboa tinha-se desenvolvido consideravelmente, as ruas multiplicavam-se e bairros eram definidos ao longo das vias de circulação. Contudo este crescimento urbano, considerado por França como “algo arbitrário” (1980, p.93), sofria pela ausência de um plano organizador do território. Algumas propostas foram apresentadas na tentativa de contrariar o desenvolvimento desordenado da cidade, mas foram em vão. Lisboa ia crescendo em

Raquel dos Santos Catarino 107

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

“desorientada expansão, com traçados desligados de uma ideia de conjunto” (França, 1980, p.96).

Os centros foram organizados segundo um plano territorial, mas rapidamente as periferias começaram a desenhar-se, sem ordem, na cidade. Os espaços públicos foram considerados nos primeiros planos, para depois voltarem a ser esquecidos.

Actualmente, a consciência para a criação de espaços públicos urbanos em sintonia com o desenho da cidade, começa novamente a ser considerada.

Cada cidade tem o seu jeito, a sua maneira íntima de agradar. Lisboa vive da sua indisciplina, da sua cor e da sua luz, da sua forma e do seu movimento, por subidas e descidas, dos seus becos que acabam em mirantes, dos seus bairros velhos que se atropelam para chegar à margem, num labirinto de sombras e de planos. Estas são as suas feições, e nelas reside o seu carácter, a sua personalidade, e, a sua beleza. (Macedo et. al, 194?, p.13)

Raquel dos Santos Catarino 108

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

3. ESPAÇO PÚBLICO E PRAÇA

Ilustração 53 - Esquisso de projecto de uma praça pública. (Ilustração nossa, 2010)

Raquel dos Santos Catarino 109

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 110

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Após o estudo da evolução dos espaços públicos na cidade de Lisboa, constitui este segundo capítulo, a aproximação ao tema objecto desta dissertação, a praça pública na configuração da Baixa. Assim, são expostos três casos de estudo de praças públicas – a Praça D. Pedro IV (Rossio), a Praça do Comércio e a Praça da Figueira. O estudo pressupõe a análise histórica de cada praça, seguida de um olhar actual da sua utilização.

Antes de iniciar a identificação das principais praças da cidade que constituem este capítulo, é importante referir algumas considerações importantes no âmbito do estudo da praça pública.

A evolução do espaço público ao longo da história contribuiu para as variedades tipológicas 153 que actualmente existem. Alves (2003) considera que os espaços públicos reflectem ainda hoje a multiplicidade de usos e a herança das mentalidades urbanísticas, revelando uma importância fundamental na vida dos cidadãos. A praça constitui umas das mais importantes tipologias de espaço público.

O termo urbano de praça deriva do latim «platea». Através dos registos dos capítulos anteriores verificamos o aparecimento lento da praça, “como local onde se realiza uma actividade – o mercado – sem conter em si a noção duma tipologia de espaço urbano, que só se forma no período moderno” (Carita, 1999, p.23).

A praça invoca um lugar 154 onde o indivíduo é atravessado por uma experiência sensorial que nos relaciona com o espaço em si e a sua envolvente.

Lamas (2004, p.100) considera a praça como um elemento morfológico das cidades ocidentais e distingue-se dos outros espaços pela organização espacial e intencionalidade de desenho. Ao falar em intencionalidade, o mesmo autor refere-se à situação da praça na estrutura urbana, no desenho e nos edifícios que a caracterizam.

153 Existem várias tipologias de espaço público. Cada uma assume diferentes dimensões e características, revelando um papel determinante na cidade. Largos, praças, ruas, avenidas e jardins, são alguns exemplos de espaços públicos. 154 Maria Alexandra Lousada (2008, p.45) define o lugar como um «mundo organizado» e complexo com «múltiplos patamares». A praça é um lugar porque é constituída por várias memórias que desempenham um papel importante na sua identidade, reforçando o “sentido do lugar”.

Raquel dos Santos Catarino 111

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A praça pressupõe a vontade e o desenho de uma forma e de um programa. Se a rua, o traçado, são os lugares de circulação, a praça é o lugar intencional do encontro, da permanência, dos acontecimentos, de práticas sociais, de manifestações de vida urbana […], e, consequentemente, de funções estruturantes e arquitecturas significativas. (Lamas, 2004, p.102)

Elemento fundamental da urbe, a praça é um o símbolo da vida e da cultura citadina e um espaço urbano de excelência. Barbosa 155 (1993) considera-a, “um dos mais complexos espaços da cidade”. A praça resulta de um agrupamento de edifícios à volta de um espaço livre. São estes que definem os seus limites e caracterizam-na, podendo afirmar-se que estamos perante um caso deste tipo de espaço público e colectivo156.

As praças podem assumir diferentes formas geométricas. Desde o quadrado ao rectângulo, passando por triângulos, círculos, semi-círculos. Os exemplos são “inesgotáveis”. Independentemente da forma que a praça adquire, ela “é um elemento de grande permanência nas cidades” (Lamas, 2004, p.102).

Em Lisboa, como foi analisado, desde cedo existem espaços que mais tarde adquirem as características de uma praça. Tradicionalmente, esta tipologia foi caracterizada como “espaços multifuncionais – de trabalho, de lazer, de passagem, encontro e deambulação, de conflito e de festa, de poder e de resistência” (Lousada, 2008, p.45).

Desde cedo que o vocábulo praça é utilizado em Portugal. Designava um espaço funcional e irregular, assumindo diferentes dimensões. Como foi analisado no capítulo anterior, é a partir do século XV que “a praça regular e de grandes dimensões começou a ser pensada como centro funcional, espacial e simbólico da cidade e a ser associada às manifestações do poder régio” (Lousada, 2008, p.46). O século XVII é o início do processo de regularização e geometrização da praça até à sua afirmação, na segunda metade do século XVIII, como elemento essencial no interior de um plano racional.

As praças eram o reflexo de vida das cidades. Como espaço de sociabilidade, ela desenvolve um conjunto de relações. È “a morfologia e a actividade humana que se desenvolve o «cenário de comportamento» ” (Lousada, 2008, p.45). É as acções por

155 Autor da tese de doutoramento “Da praça pública em Portugal” pela Universidade de Évora. 156 Este é um dos aspectos principais e que distingue a praça dos outros vazios da estrutura da cidade.

Raquel dos Santos Catarino 112

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

parte das pessoas e a articulação com as estruturas de suporte, que fazem da praça um lugar repleto de memórias. Neste sentido, os habitantes da cidade “criam” o ambiente urbano através da forma como usufruem o espaço.

As praças foram edificadas nas cidades do passado pela necessidade inerente à vida dos homens e estes estabeleceram entre si relações de convivência e, logo, de comunicação. As praças foram, na Antiguidade, locais insubstituíveis na troca de informação, na transmissão de conhecimentos, no debate de ideias, na expressão de atitudes religiosas, no exercício do comércio ou na simples prática de actividades ligadas ao lazer e ao ócio. (Cunha, 2001, p.238).

Deste modo são distinguidas três praças que se identificam claramente na estrutura urbana da cidade de Lisboa (Rossio, Comércio e Figueira). Ambos são espaços amplos, respectivamente orientados para o interior da cidade e para o rio, no caso da Praça do Comércio.

As praças são pensadas como símbolo da cidade e da sociabilidade urbana. Elas são projectadas porque sabemos que vão ser usadas para a representação de actividades sociais. Contudo, o lugar como espaço de sociabilidade parece ter-se perdido em algumas praças da cidade. Umas caracterizam-se pela sua constante agitação e preservam as relações sociais, outras são vistas como representações estéticas e estruturas de contemplação. São estes os aspectos analisados nos capítulos que se seguem.

Raquel dos Santos Catarino 113

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 114

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

3.1. ESPAÇO PÚBLICO – A PRAÇA DO ROSSIO

Se o Rossio falasse!... muito teria que contar de quando foi testemunha nos largos séculos de história da cidade de Lisboa. Nenhuma outra praça presenciou tantos sucessos de alegria e de dor como este pequeno rectângulo hoje limitado por paredes pombalinas. Velhinho como é, ainda continua a ser o coração de Lisboa, apesar de tudo e de todos os progressos citadinos do incessante crescimento do burgo lisboeta. (Nunes, 1976, p.87)

Raquel dos Santos Catarino 115

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

3.1.1. PERSPECTIVA HISTÓRICA DA PRAÇA DO ROSSIO

O Rossio! Nomeia-se a praça, e está dito tudo. Desaguadouro de gente, ponto convergente da vida alfacinha, estuário de aplausos e de vaias, de curiosidades e de preocupações, de espantos e de surprezas, espreitadouro da opinião do Burgo, a que, oficialmente, é Praça de D. Pedro com a mesma inutilidade com que Terreiro do Paço é Praça do Comércio, este Rossio que foi sempre o mais grado e mais concorrido de Lisboa, está diante dos nossos olhos constantemente. Sabemo-lo de cor. Seriamos, talvez, capazes de enumerar-lhe todos os prédios e todas as lojas, de descrevê-lo com miudezas de amoroso, de o pintar com palavras, sem falta de um traço ou de um esbatimento de cor. (Sequeira, 1951, p.3)

Rocio era uma palavra utilizada em séculos anteriores, “para designar um largo, um espaço público ao ar livre numa cidade ou vila” (Santos, 2005, p.80). Oficialmente, o Rossio é designado por Praça D. Pedro IV mas, o peso do nome tradicional faz com que seja referido pelas pessoas como “o Rossio”. Esta denominação deriva das primeiras designações dadas aos espaços públicos.

O Rossio, “praça interior do centro histórico da cidade [...] desenvolve-se […] a partir de uma pré-existência romana e das vicissitudes de sucessivas reconstruções” (Carvalho, 2007, p.477). A propósito da construção do metropolitano, foram encontrados vestígios arqueológicos que apontavam para a existência de um circo romano naquele espaço. Considerado como um dos principais núcleos da cidade medieval, o Rossio era o fórum popular da urbe (França, 1989, p.17).

Pelos séculos fora, têm sido inúmeras as transformações sofridas. Dos campos de erva, dos eixidos, hortejos e ferragiais primitivos, até os alinhos da fisionomia actual, com placas circulares, estátua, largos monumentos, iluminações […], luxuosos estabelecimentos; das andas e hacaneas medievas aos automóveis de agora, dos pregões cantados dos hortelões e dos moiros forneiros, às buzinas […], vão abismos que só podem ser preenchidos por uma imaginação iluminada. (Sequeira, 1951, p.4)

A sua denominação como praça pública surgiu, a propósito da expansão da cidade para fora da cintura de muralhas da cerca moura. Na ocupação muçulmana, o Rossio era um vasto terreno baldio, dos arrabaldes do norte da cidade.

Raquel dos Santos Catarino 116

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A sua importância começa a ser considerada a partir do século XIII, no reinado de D. Diniz. Segundo Brito157 (1976, p.24) é no seu tempo que se dá “a regularização do Rossio, nele acumulando as funções económicas”. A partir deste momento, a sua condição cresce, principalmente após a conquista cristã, até ser incluído na área limitada pela cerca de D. Fernando, como um espaço da urbe.

O Rossio atinge a sua afirmação espacial158 na fisionomia citadina no período de quinhentos. Outrora espaço informe do arrabalde, o Rossio será a partir deste período símbolo da nova centralidade quinhentista, passando a constituir metáfora de centro (Grande, 2002, p.47). Os seus limites foram sendo construídos de forma arbitrária, ao longo dos séculos e por vontade das populações. É através da diversidade de registos gráficos antigos, que é possível observar a formação deste espaço e as constantes adaptações sofridas, devido ao desenvolvimento da cidade antiga.

[…] o Rossio anterior ao terramoto […], era uma vasto recinto irregular, de forma aproximadamente paralelogrâmica; do lado do norte erguia-se o paço inquisitorial; do nascente o vasto edifício do convento de S. Domingos, e o magnifico hospital de Todos-os-Santos. (Castilho, 1937, p.85)

Ilustração 54 - Pormenor em planta da Praça do Rossio, João Nunes Ilustração 55 - Pormenor do Rossio, Braunio, século Tinoco, 1650. (Branco, 1969, p.40) XVI. (Dias, 1987, p.12)

157 Raquel Soeiro de Brito (1925-) é uma geógrafa portuguesa, doutorada em Ciências Geográficas, pela Universidade de Lisboa. Tem participado e dirigido inúmeros trabalhos de investigação e pesquisa. 158 Afirmação do Rossio enquanto espaço exterior e com diferentes funções. Estabeleceu-se a sua condição de espaço central da cidade.

Raquel dos Santos Catarino 117

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

È em meados do século XV, que a construção de determinados edifícios na envolvente do espaço público, valoriza a praça. A Inquisição159, localizada no lado norte, era caracterizada como um edifício simples, de dois andares, ladeado por duas torres. A fachada do convento de S. Domingos160 também era simples tendo à sua direita ermida da Nossa Senhora da Escada. O Hospital de Todos-os-Santos 161 destacava-se com a sua capela ao centro um tanto elevada em relação ao nível do Rossio e com a sua larga escadaria de acesso ao edifício (Branco, 1969, p. 48). A localização destes edifícios de interesse público, atribuíram o carácter de centro urbano à praça do Rossio.

Os restantes edifícios no lado meridional e ocidental da praça correspondiam a casas de habitação.

No período seiscentista, o Rossio (juntamente com o Terreiro do Paço) era o outro pólo da vida urbana de Lisboa. Enquanto o Terreiro era o espaço da nobreza, o Rossio era do povo.

Segundo França (2009, p.169) a praça “enchia-se de tudo o quanto havia para comprar”. Começou por ser o lugar das feiras e mercados, até tornar-se um lugar significativo da vida citadina.

Ilustração 56 - O Rossio num dia de mercado. Zuzarte (Santos, 2005, Ilustração 57 - Procissão de um auto-de-fé no Rossio (Moita, p. 31) 1994, p. 408)

159 Tribunal eclesiástico cuja função, era examinar e averiguar os acusados de heresia. Os culpados, eram objecto de severos castigos, sendo anunciado durante os autos-de-fé. 160 Fundado em 1242 por Sancho II, ficou destruído, quase na sua totalidade pelo Terramoto de 1755. Situa-se no largo de São Domingos e foi extinto em 1834. Actualmente é a igreja paroquial de Santa Justa. 161 Obra da iniciativa de D. João II mas apenas completada no reinado de D. Manuel, o Hospital de Todos os Santos era o hospital mais importante de Lisboa. Construído em 1492 foi destruído pelo terramoto.

Raquel dos Santos Catarino 118

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 58 - Formatura dos Regimentos dos Voluntários Reais do Comércio no início do século XIX, no Rossio (revista monumentos, 2008)

Pelas suas dimensões e pelo conjunto arquitectónico envolvente, “o Rossio torna-se local de actividades e palco de ocorrências diversas” (Santana et. al. 1994, p.784). Compreendia o largo central da cidade e um espaço de encontro. Foi palco das actividades comercial e lazer, e mais tarde, de acções políticas e revoluções.

No Rossio se concentrava parte da vida lisboeta. Realizavam-se aí certos espectáculos públicos, como as touradas, o que contribuía para a valorização das suas casas, donde comodamente se assistia a tudo que na praça se passasse. E daí a razão de ser destas palavras que D. Francisco Manuel de Melo atribui a um cortesão: «a melhor parte do mundo é Europa; a melhor parte de Europa é Espanha, a melhor parte de Espanha é Portugal, a melhor parte de Portugal é Lisboa, a melhor parte de Lisboa é o Rossio e a melhor parte do Rossio as casas de meu pai, que estão no meio, e vêem os touros da banda da sombra» ”. (Branco, 1969, p. 51)

Ao longo do século XVII o Rossio foi dos espaços públicos da cidade que mais alterações sofreu, na sua envolvência. Fizeram-se obras no palácio da Inquisição, modificaram-se os prédios e reconstruiu-se o Hospital de Todos-os-Santos que fora destruído por um incêndio (Branco, 1969, p.52). Mas tudo acabaria por ser destruído, com a catástrofe de 1755162.

162 Referência ao Terramoto de 1755 que destruiu grande parte do centro da cidade de Lisboa.

Raquel dos Santos Catarino 119

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

O Terramoto de 1755, seguido de múltiplos incêndios, destruiu os edifícios que delimitavam o Rossio. A propósito do plano da reconstrução, a praça foi preservada. Uma nova proposta foi estabelecida para redesenhá-la, tendo na memória a sua anterior configuração.

Antes do terramoto, o Rossio “diferia do actual mesmo na orientação” (Costa, 1951, p.15). O confronto entre a velha e a nova praça do Rossio é referenciado por Branco (1969, p.47). O autor considera a configuração da praça semelhante à de hoje, “embora um tanto oblíqua em relação ao actual traçado”. A face norte correspondia à actual mas a face sul estava deslocada para oriente.

O novo desenho da Praça “tornou-a absolutamente regular e simétrica” (Rossa, 2008, p.60). A urbanização pombalina deu forma regular ao espaço, conforme o plano pombalino 163 , estabelecendo uma relação proporcional com a Praça do Comércio (França, 2008, p.15). A forma da nova praça do Rossio correspondia a um paralelogramo perfeito.

Os arquitectos reedificadores da capital ergueram, em vez da praça antiga, irregular e esguelhada, um formoso paralelogramo de casaria, que foi notabilíssimo progresso. O Rossio alinhado, ornado de uma banda com o arco da Rua dos Sapateiros, e do outro com o edifício da Inquisição, ficou medindo de comprimento 158m,4, e de largura 55m, com área de 8712 metros quadrados. (Castilho, 1937, p.99)

163 Referência ao plano de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel para a Baixa de Lisboa.

Raquel dos Santos Catarino 120

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 59 - O plano para a reconstrução do centro de Lisboa – 1756 (Santos, 2005, p.225)

A sua envolvente ficou determinada pelo conjunto de edificado do tipo pombalino, grande parte habitacional164. Carlos Mardel foi o autor das fachadas dos edifícios – composta por loja e 3 andares –, introduzindo um novo desenho da cobertura. A principal inovação foi “o uso de telhados duplos de origem germânica, diferente do sistema tradicional português utilizado na Baixa” (Santos, 2000, p.38).

Segundo França este desenho “mete as águas-furtadas num telhado diferente, de águas sobrepostas” (2009, p.374) beneficiando o pé-direito. Este sistema de águas duplas suportado por um vigamento diferente denunciava uma influência estrangeira, de origem germânica, de onde Mardel viera (França, 2009, p.374).

Do lado norte da praça, sobre as ruínas do Estaus165, foi construído o palácio da Inquisição. Contudo, em 1836 foi destruído por um incêndio, dando lugar a um novo e

164 Os edifícios a nascente foram construídos onde anteriormente, era o local do Hospital de Todos-os- Santos. 165 O Palácio do Estaus situava-se no lado Norte da praça do Rossio, aproximadamente onde hoje é o Teatro Nacional D.Maria II. Segundo Francisco Santana e Eduardo Sucena “a iniciativa da sua construção é atribuída ao Infante D.Pedro, quando regente na menoridade de D. Afonso V” (1994, 361) contudo já anteriormente tinha sido expressa essa vontade por parte de D. Duarte. O Estaus serviu de alojamento para a Corte, da aposentadoria de embaixadores e de Paço Real. Contudo, a partir de meados do século XVI, o edifício do Estaus ficou mais conhecido como sede do Tribunal do Santo Ofício.

Raquel dos Santos Catarino 121

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

monumental edifício – o Teatro D. Maria II 166 – desenhado por Fortunato Lodi 167 , segundo influências neoclássicas.

Ilustração 60 - Palácio da Inquisição no Rossio, já depois do Ilustração 61 - Teatro D. Maria II”. (Flickr, 2011) incêndio, Vieira da Silva. (Santos, 1990, p. 32)

No topo Sul, o projecto pombalino aproveitou um pormenor da fachada do antigo edifício aí existente. O conjunto do pórtico e o janelão que lhe corresponderam, formam o actual Arco da Bandeira168 (Sequeira, 1951, p.20).

Após a intervenção pombalina, ficou a praça, nomeada de D. Pedro IV169, diferente do Rossio anterior ao terramoto na forma, mas a “função na vida lisboeta continuou a ser semelhante” (Sequeira, 1951, p. 20).

166 Um dos principais teatros da cidade de Lisboa, o Teatro Nacional D. Maria II abriu, pela primeira vez as suas portas ao público, em 1846, durante as comemorações do 27º aniversário da rainha D. Maria II. A este facto deve-se a designação oficial do edifício. Projectado por Fortunato Lodi, o estilo neoclássico está presente no projecto. Contudo, este é uma reconstituição do original, uma vez que, o Teatro Nacional sofreu um violento incêndio que destrui grande parte do edifício. 167 Arquitecto italiano, responsável pelo projecto do Teatro Nacional D. Maria II. 168 Estabelece a ligação entre o Rossio e a Rua dos Sapateiros. Caracterizado pelo desenho pombalino, o Arco da Bandeira foi construído segundo um projecto de Manuel Reinaldo dos Santos. Custeado por Pires Bandeira, foi este o responsável pelo seu nome oficial. 169 Monarca português (1798-1834) ficou conhecido com o cognome “o libertador”. Subiu ao trono português após a morte precoce do seu irmão. Contudo foi no Brasil que viveu grande parte da sua infância, na sequência da primeira invasão francesa. È caracterizado pelo espírito impetuoso e energético.

Raquel dos Santos Catarino 122

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 62 - “O Terreiro do Rossio em 1848” (Santos, 1990, p.32) Ilustração 63 – “Arco do Bandeira”, F.M. Pozal, 1947. (Santos, 1990, p.80)

Esta praça, caracterizada como um espaço alegre, tornou-se um ponto de reunião dos passeantes. No período do , o Rossio “era uma praça de tertúlias das letras e da política” (Pires, 1998, p.20). Um certo ambiente boémio foi vivido no Rossio, no século XIX.

Se de facto, houve intenção de secundarizar o Rossio em favor da Praça do Comércio, essa intenção foi completamente frustrada. Tendo durante séculos rivalizado enquanto espaços de sociabilidade, essa característica vai-se progressivamente esbatendo no que deixou de ser Terreiro do Paço e de modo nenhum se perde, antes se revigora, no Rossio, que, no séc. XIX, retoma a sua função de verdadeira àgora da cidade. (Santana et. al, 1994, p.785)

Estabelecida a sua forma e configuração, o Rossio revela-se, nos séculos seguintes, como um importante espaço de sociabilidade. Apesar de ser constantemente comparado ao Terreiro e de “viver” em função deste, a característica de espaço de estar foi perdendo-se, ao longo do tempo, na Praça do Comércio. Ao contrário no Rossio, onde acentuou-se, ainda mais, essa característica.

Raquel dos Santos Catarino 123

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 64 – “A Praça de D. Pedro com o tabuleiro ondulado, os bancos, as árvores e os quiosques”, século XIX. (Dias, 1987, p. 153)

Em 1848, um passeio calcetado, de mosaico ondulado, foi construído na praça. Outros elementos foram projectados, como por exemplo, o conjunto escultório dedicado a D. Pedro IV170 e fontes monumentais171. O cenário completou-se com a introdução de mobiliário urbano e vegetação.

Este último aspecto consistiu num “plano de arborização, solicitado pelos lojistas locais, com o intuito de criar zonas de sombra […] proporcionando aos habitantes um maior conforto” (Mendes, 2010, p.61). Deste modo, “já com a estátua ao centro e os dois lagos, cheio de árvores e de quiosques, o Rossio era o local mais animado de Lisboa” (Dias, 1987, p.159).

170 A estátua do rei está assente num imponente pedestal, com quatro estátuas colocadas nos extremos. Cada estátua corresponde à Moderação, Fortaleza, Justiça e Procedência. 171 Projectadas na última década do século XIX, as fontes visavam a sensação de frescura aos cidadãos. Esta referência pretendia de certa forma, invocar a relação com rio.

Raquel dos Santos Catarino 124

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 65 - “Os saloios da Praça D. Pedro IV”, Ilustração 66 - “Provincianos junto ao Ilustração 67 – “Lisboa com Joshua Benoliel, 1907. (Santos, 1990, p. 50) bebedouro dos quatro anjinhos”, Joshua sede em 25 de Março de Benoliel, 1907. (Santos, 1999, p.51) 1907”, Joshua Bendlel, 1907. (Santos, 1999, p.51)

A forma como se desenhava a praça do Rossio apelava para a uma determinada apropriação do espaço. A sua constituição oferecia à população a possibilidade de conviver e desfrutar do lugar, algo que se alterou na primeira metade do século XX (Mendes, 2010, p.61). O Rossio sofreu remodelações ao nível do desenho do pavimento. Com a chegada dos automóveis e carros eléctricos, a placa central para passeio, atrapalhava o trânsito. Com o intuito de o reordenar, toda o pavimento central foi fragmentado, na remodelação de 1919-1925. Anunciou-se “que apenas se deixaria ficar uma amostra do passado, rodeando a estátua de D. Pedro” (Dias, 1987, p. 159). Estas modificações no desenho protagonizavam “um novo modo de vida, onde a agitação predominava” (Mendes, 2010, p.61).

Ilustração 68 - “O Rossio após a amputação do tabuleiro ondulado”, 1925. (Dias, Ilustração 69 - “Chave D‟Ouro no seu cenário 1987, p.158) do Rossio”. (Dias, 1987, p.112)

Raquel dos Santos Catarino 125

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 70 – “Aspecto do Rossio depois das transformações de 1925”. (Santos, 1999, p.81)

Em consequência desta acção, as árvores desapareceram para depois voltarem a ser plantadas devido às reclamações dos cidadãos. Os meios de transporte estavam a ganhar importância em relação aos habitantes, facto que teve de ser revisto. Do mesmo modo que eram necessária a implantação das redes de transporte, o espaço público da praça não poderia desaparecer172.

A organização espacial do Rossio continuou a ser entendida para a utilização do cidadão. O passeio central da praça foi recriado, dando origem a uma zona exclusiva de passeio e à imagem actual do espaço. Os transportes circulam só ao redor da praça de modo a não quebrar a vivência central, com o monumento e as fontes laterais. As árvores concentram-se nos passeios junto aos edifícios. As alterações efectuadas, conferem o carácter de espaço público ao Rossio, “conservando-se uma continuidade do privilégio e funcionalidade” (Mendes, 2010, p.63).

Quando ao aspecto físico, tendo em conta o intervalo de tempo entre a reconstrução pombalina e os dias de hoje, ele apresenta alterações significativas. Santana e

172 Por isso, foram elaborados estudos que deram origem à rede de metropolitano.

Raquel dos Santos Catarino 126

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Sucena173 consideram o desaparecimento do edifício da Inquisição, a construção do Teatro e da estátua, os aspectos mais significativos.

Pela sua história, pelo seu sentido como primeira praça da cidade, pela sua importância como palco de diversos acontecimentos sociais, “ o Rossio desempenha na história de Lisboa um papel dominador” (Sequeira, 1951, p.4).

Durante todo o século XIX, o Rossio continuou defendendo o seu prestígio, servindo de terreiro de festas, de adro de procissões, de praça de motins e protestos, de «Forum» de reclamação e de rebeldias, de prato de oferta de aplausos […], de escudela popular de implorações da Justiça. Senhor do vale central da cidade, nesse lugar privilegiado entre todos os que nos oferece a orografia citadina, o Rossio, melhorado pelos homens com lagos ornamentais, um Teatro erguido no estilo construtivo que recorda as decorações do «Império» do tempo de D. Maria II, reclamos luminosos, e, cada dia, novos aperfeiçoamentos ao gosto moderno de edificar, continuará, enquanto Lisboa for Lisboa, a desempenhar um papel principal na vida da Cidade. (Sequeira, 1951, p. 21)

3.1.2. A PRAÇA DO ROSSIO HOJE – A PRAÇA SOCIAL

Chegámos agora à Praça D. Pedro IV, geralmente conhecida por Rocio ou Rossio. È um vasto espaço quadrangular; contornado em todos os seus lados excepto o do Norte por edifícios pombalinos; é o coração de Lisboa, passando por aqui quase todas as carreiras de transporte. No meio da praça fica a estátua de D. Pedro IV, que data de 1870; (Pessoa, 2008, p.39).

A praça do Rossio constitui um claro exemplo do conceito de “praça pública”. Esta definição é explicada pelas características óbvias. O Rossio é uma verdadeira praça “pela sua natureza, como espaço de excepção, definição espacial, conteúdos funcionais, qualidades dos seus edifícios ou mesmo enquanto símbolo de um espaço urbano singular” (Coelho, 2007, p.29).

Desde o começo da sua existência, a praça do Rossio caracteriza-se, como tendo sido, um espaço central na cidade, um espaço de encontro, de actividade comercial, de lazer, das acções políticas e manifestações sociais. Actualmente, o carácter de centro urbano e palco de inúmeras actividades, quer sociais quer culturais, mantêm- se. A definição de espaço de reunião, de estar, de troca de relações e sobretudo de sociabilidade entre os indivíduos é, actualmente, a sua característica mais forte.

173 Autores da obra “Dicionário da História de Lisboa”.

Raquel dos Santos Catarino 127

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Em termos comparativos, nos dias de hoje, a praça mantém o esboço do traço rigoroso da Lisboa Pombalina. Têm, na sua forma rectangular, a configuração de uma praça onde convergem as principais artérias da cidade.

Ilustração 71 – Vista geral do Rossio. (rouxinoldepomaresblogs, 2011)

A praça é encerrada, em todos os sentidos, por volumes arquitectónicos. Estes edifícios revelam a característica comum dos prédios pombalinas cuja fachada é homogénea, influenciando assim, o espaço. Destaca-se, no limite a norte, a presença arquitectónica do edifício do Teatro D. Maria II, dando o ambiente singular à praça.

O desenho da praça é marcado pelo passeio central onde encontram-se os principais elementos urbanos. Nos laterais, distribuem-se os principais serviços públicos e de lazer. As faixas de circulação rodoviária encontram-se entre os passeios e rodeiam a praça. A forma como se organiza o espaço, influência os usos e apropriação do mesmo, por parte dos indivíduos.

Dos elementos urbanos que a constituem, destaca-se a estátua ao centro e os dois chafarizes nas extremidades do pavimento central. A massa arborizada delimita o passeio central e lateral. Alguns bancos pontuam a praça.

Raquel dos Santos Catarino 128

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 72 – A estátua Ilustração 73 – As árvores na praça do Rossio. Ilustração 74 – Os bancos que pontuam a ao centro na praça. (Ilustração nossa, 2011) praça. (Ilustração nossa, 2011) (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 75 – Os chafarizes são um elemento caracterizador da praça do Rossio. (Ilustração nossa, 2011)

Devido à sua localização, qualquer indivíduo que procure ir na direcção do interior da Baixa, passa, quase sempre pela Praça do Rossio. Este espaço pertence ao centro histórico da cidade e, portanto, revela um sentido de lugar único.

A intensidade e vivências da praça, assim como a sua utilização, conferem ao espaço um carácter e identidade próprios. O Rossio é visto como um espaço vivido. Os contactos, as lojas, os diversos consumos, o barulho e a agitação, são características que o definem. Lousada174 define-o com “um ambiente menos ordenado, um espaço

174 Maria Alexandre Lousada é uma professora auxiliar do departamento de História, da Universidade de Lisboa. É licenciada em História pela Universidade de Lisboa e tem o doutoramento em Geografia Humana. Tem como objecto de investigação principal, a sociabilidade e associativismo urbanos.

Raquel dos Santos Catarino 129

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

menos regulado e menos imponente” (2008, p.53) em comparação com outras praças da cidade (o caso da Praça do Comércio).

O Rossio revela-se a praça mais movimentada. Várias actividades são realizadas no espaço. O barulho é intenso. A dinâmica espacial é uma constante.

Logo num primeiro momento, a praça do Rossio apresenta-se sempre “cheia de gente”. Qualquer indivíduo percebe, o forte movimento que se sente no espaço. É o som das vozes das pessoas, dos automóveis e transportes públicos, dos cafés, das conversas de esplanada, dos vendedores ambulantes, da água que dos chafarizes cai, dos pombos que saltitam e poisam no centro da praça. Tudo é estranhamente perceptível.

Deste modo, a primeira leitura caracteriza o Rossio como forte espaço de passagem. Mas, passo após passo pelos passeios laterais e central da praça, identificamos também um espaço de paragem.

Na praça, o indivíduo não tem “medo” de usufruir do espaço. Quase todos os elementos urbanos são utilizados. A estátua ao centro, os bancos e os chafarizes que a constituem, são frequentemente ocupados.

Ilustração 76 – “Espaços de estar na Praça do Rossio em Lisboa” (Ilustração nossa, 2011)

Raquel dos Santos Catarino 130

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A apropriação do espaço é uma constante. As suas características, a paisagem envolvente e os elementos constituintes, envolvem o indivíduo, tornando-o parte integrante dele.

Nos passeios laterais da praça, funcionam os cafés históricos da cidade que trazem dinamismo ao espaço. As esplanadas estendem-se até ao passeio, sendo frequente, vê-las constantemente povoadas.

O retrato histórico do Rossio identificou-o como espaço de actividades culturais e revoluções, facto que se mantém actualmente. Pontualmente, surgem instalações temporárias na praça, com o intuito de promover eventos culturais. O Teatro Nacional desempenha também uma grande função neste aspecto, pois, devido à sua localização, atrai grupos de pessoas. É de salientar ainda, a frequente utilização do espaço como palco de manifestações.

Assim, na Praça do Rossio, os habitantes da cidade e aqueles que a visitam, podem desfrutar de um espaço amplo onde predomina a colectividade.

Raquel dos Santos Catarino 131

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 132

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

3.2. ESPAÇO PÚBLICO – A PRAÇA DO COMÉRCIO

Chego à foz da Rua da Alfândega, vagaroso e disperso, e, ao clarear-me o Terreiro do Paço, vejo, nítido, o sem sol do céu ocidental. Esse céu é de um azul esverdeado para cinzento branco, onde, do lado esquerdo, sobre os montes da outra margem, se agacha, amontoada, uma névoa acastanhada de cor-de-rosa morto. Há uma grande paz que não tenho dispersa friamente no ar outonal abstracto. Sofro de a não ter o prazer vago de supor que ela existe. Mas, na realidade, não há paz nem falta de paz: céu apenas, céu de todas as cores que desmaiam – azul branco, verde ainda azulado, cinzento pálido entre verde e azul, vagos tons remotos de cores de nuvens que o não são, amareladamente escurecidas de encarnado findo. E tudo isto é uma visão que se extingue no mesmo momento em que é tida, um intervalo entre nada e nada, alado, posto alto, em tonalidades de céu e mágoa, prolixo e indefinido. (Pessoa, ?, p.124)

Raquel dos Santos Catarino 133

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

3.2.1. PERSPECTIVA HISTÓRICA DA PRAÇA DO COMÉRCIO

[…] tendo nascido como um terreiro, fora do núcleo primitivo da cidade, inicialmente espaço de feira e de actividades portuárias dada a sua localização, a ida do rei e da corte para lá e a economia imperial transformaram-no em Terreiro do Paço e centro do império. Após o terramoto de 1755 foi redesenhado à luz das novas concepções urbanísticas, o rei deixou daí residir, a Bolsa dos negociantes ficou instalada num dos torreões e foi-lhe dada um nova denominação consentânea aos novos valores urbanísticos e às sua funções económicas entretanto dignificadas: Praça do Comércio. (Lousada, 2008, p.47)

A Praça do Comércio apresenta-se como um “monumental” espaço de entrada da cidade. A sua origem resulta de um gesto soberano. Primeiro como um espaço correspondente a uma praia onde se procediam a trabalhos de construção naval, evolui para um terreiro cuja funcionalidade torna-se real.

A génese da Praça do Comércio é o “Terreiro do Paço da Ribeira, quando no século XVI, D. Manuel I […] abandonou o seu palácio na alcáçova e fez construir junto ao rio um novo palácio” (Carvalho, 2007, p.473). O Rossio era principal praça da cidade. Contudo, ao longo do tempo, o Terreiro do Paço conquistou a sua importância. Cresceu em forma de aterro ganho ao rio. Com a sua implantação, surgiu um novo ordenamento urbanístico desta zona.

Após a fixação das principais estruturas da corte, o Terreiro do Paço adquire uma nova identidade urbana. Segundo Santos (2005, p.80) “era terreiro porque era um largo, e do Paço porque aí existia o Palácio Real”. O Terreiro foi definido e promovido pelo paço manuelino e pela “articulação de espaços na zona da Ribeira” (França, 2008, p.17).

Na sua envolvente localizavam-se o palácio e todos os serviços ligados ao comércio. No lado oriental, situava-se o edifício da Alfândega e no oriental o Paço da Ribeira175. Na face norte alinhavam-se um conjunto “de casas, por certo destinadas à habitação, irregulares no seu aspecto exterior” (Branco, 1969, p. 44). Este tornou-se o espaço mais importante da cidade.

Branco (1969, p.42) descreve-a antes do Terramoto “como uma praça de linhas irregulares, quase rectangular e cujo lado maior corria paralelo ao rio”.

175 O mais importante palácio real de Lisboa do reinado manuelino.

Raquel dos Santos Catarino 134

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 77 - “Fragmento da planta de Lisboa”, Vieira da Silva,? (Silva, 1940, p.249)

Observando a planta desenhada a vermelho e preto, apresentada por Vieira da Silva, o Terreiro do Paço era menos fundo que a praça actual. O limite da linha apresentava- se onde actualmente se ergue a estátua equestre de D. José I176. Contudo, a antiga praça era mais comprida, estendendo-se desde o Paço da Ribeira até ao edifício da Alfândega, situado no alinhamento da actual Rua da Madalena (Branco 1969, p.42).

O Terreiro do Paço transformou-se num dos pólos da cidade e um dos mais importantes sítios da Lisboa deste tempo. Era o centro da vida política e social da urbe.

A configuração do Terreiro manteve-se, até ao início do século XVII. Durante o reinado Filipino177, um novo elemento foi desenhado no espaço. Tratava-se de uma varanda

176 D. José I (1714-1777) foi rei de Portugal da Dinastia de Bragança, desde 1750 até à sua morte. Foi nomeado com o cognome de o “Reformador” devido às reformas que aplicou. Por isso, o reinado de D. José I é marcado pelas reformas políticas do seu primeiro-ministro Marquês de Pombal. O episódio do Terramoto de 1755, ao qual sobreviveu, originou o abandono da sua residência oficial – o Paço da Ribeira no centro da cidade – para o Alto da Ajuda. 177 Corresponde à Dinastia Filipina que reinou em Portugal entre 1580 e 1640. Caracteriza-se como um período de união entre dois países: Portugal e Espanha. Os três reis que reinaram neste período foram Filipe I, Filipe II e Filipe III.

Raquel dos Santos Catarino 135

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

estendida ao longo da margem do Tejo. Assim, o rio e a praça eram separados “por uma muralha de pouca altura, tendo saliente um pequeno baluarte pentagonal” (Branco, 1969, p.45). Claro, que este elemento foi totalmente destruído pelas águas em 1755.

Ao longo do período de seiscentos, o Terreiro do Paço foi palco de acontecimentos de carácter público. Branco (1969, p.47) refere que na praça realizavam-se a diversão predilecta da época – as touradas – e as mais concorridas cerimónias da igreja – os autos-de-fé178. Outras actividades pontuaram a praça, principalmente de natureza real.

Ilustração 78 - “Um auto-de-fé no Terreiro do Paço. A cena passa-se defronte do Palácio Real”, João Alvarez de Colmenar, 1707. (Moita, 1994, p.352)

178 Fernando Castelo Branco (1969) considera os autos-de-fé como o aspecto mais imponente da vida religiosa na Lisboa seiscentista. De todas as festas e comemorações religiosas, os autos-de-fé eram festejados de forma mais grandiosa.

Raquel dos Santos Catarino 136

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 79 - “Paço Real e Terreiro do Paço”, fotografia do Ilustração 80 - “Cortejo real passando no Terreiro do Paço a caminho Museu da Cidade (Lisboa, Portugal), Dirk Stoop, século XVII. da Sé”, fotografia do Museu da Cidade (Lisboa, Portugal). Dirk Stoop, (Moita, 1994, p.244) século XVII. (Moita, 1994, p.345)

A 1 de Novembro de 1775, o Terreiro do Paço foi o cenário da destruição, sobre o qual se viam apenas as ruínas da sua envolvente.

Após a catástrofe, a afirmação urbanística reformula a imagem da praça atingindo “o estatuto das suas congéneres europeias, Place Royal, Plaza Mayor ou Square” (Carrão, 2008, p.35). Um conjunto de decisões no âmbito da reconstrução da cidade, conduziram à delimitação da nova praça, no mesmo local ocupado anteriormente pelo Terreiro do Paço.

Após o terramoto, o velho Terreiro do Paço foi redesenhado e renomeado. Tornou-se uma praça regular de proporções clássicas, majestosas e depurada. Mas manteve-se excepcional, no sentido de fora do comum, pois um dos seus lados, o sul, á aberto ao rio, cenário único deste lugar público que já por si é um cenário urbano. (Lousada, 2008, p.49)

Raquel dos Santos Catarino 137

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 81 - “Eugénio dos Santos e Carlos Mardel: perspectiva da Praça do Comércio”, Gaspar Frois Machado. (Faria, 2008, p.114)

Com a reconstrução pombalina, o Terreiro do Paço recebeu “propostas variadas, de espaço, forma e dimensões, e de relações com o Tejo” (França, 2009, p.364). Seis propostas foram elaboradas pelos intervenientes na reconstrução da cidade após o terramoto. Os planos “previam diferentemente a integração de um novo espaço urbano que substituísse o velho e destruído Terreiro do Paço” (Santana et. al, 1994, p.727).

A sua antiga área, que já originalmente era um aterro ganho ao rio, “quase foi duplicado com o entulho da catástrofe e regularizado em simetria” (Rossa, 2008, p.59). O plano vencedor baseou-se na geometria sob a forma de uma quadrícula, imprimida igualmente na configuração da praça. Assim, um novo espaço público urbano ressurgiu, agora regularizado, “não como adição à malha urbana […] mas como motor e centro psicológico da nova organização, no seio da qual lhe seria reservada, mais do que uma função urbana e social nova, uma função representativa e simbólica” (Pimentel, 2008, p.107).

A Praça do Comércio, construída aquando da reconstrução da cidade depois do terramoto de 1755, insere-se na linha das praças reais europeias, de desenho poligonal regular, com uma das faces completamente aberta sobre a paisagem e o imenso estuário do rio. É composta nas outras faces por uma arquitectura homogénea, criada na época em especial para este espaço, um pombalino de arcadas, nivelado à mesma altura e acabando em dois torreões únicos sem continuação nos edifícios. (Carvalho, 2007, p.473)

Raquel dos Santos Catarino 138

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 82 - “Eugénio dos Santos: Planta da Praça do Comércio” (Faria, 2008, p.114)

Segundo França (2008, p.15), “foi a urbanização pombalina que deu forma regular ao grande terreiro”. A Praça do Comércio é o maior símbolo deste período.

A configuração da praça denuncia um vínculo ao passado, reflectido na própria planta e pelos elementos arquitectónicos que o constituem.

As suas arcarias regulares, o arco de triunfo que dá acesso à cidade, a estátua equestre do rei D. José […], formulam uma «Place royale» de gosto internacional. E ao qual os torreões terminais trazem a lembrança do gosto espanhol de Terzi, ali mesmo afirmado […]. (França, 1980, p.46)

O desenho para a Praça do Comércio segue “o modelo das praças reais europeias regularizando e normalizando a memória do velho Terreiro do Paço” (Silva, 2008, p.128). A configuração da praça é definida por um conjunto de edifícios que seguem a mesma linguagem nas fachadas, dita pombalina. O edificado do alçado norte é marcado por um arco triunfal179, que estabelece a ligação para o interior da cidade. Nos segmentos perpendiculares ao rio, o edificado é marcado pelo alinhamento das arcadas e pelo remate dos torreões.

179 Arco Triunfal da Rua Augusta também designado por Arco da Vitória.

Raquel dos Santos Catarino 139

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 83 - “Nova Lisboa, alçado da ala Norte da Praça do Comércio com um arco do triunfo que monumentaliza a entrada na Rua Augusta”, Eugénio dos Santos e Carvalho. (Ferrão, 2004, p.70)

Estes elementos surgem como memória do antigo espaço, como o caso deste último, uma vez que também um torreão encerrava o lado ocidental do edifício configurador do Terreiro do Paço, projectado por Filipo Terzi180.

Os autores do plano tornaram a praça mais ampla e várias soluções foram estudadas para os alçados dos edifícios. No conjunto arquitectónico do edificado, o piso térreo dos edifícios pombalinos envolventes dominados pelas arcadas, estavam destinados ao comércio. Contudo, apenas alguns se instalaram nas extremidades.

O conjunto de edifícios era composto pelos ministérios e instituições ligadas à actividade mercantil e financeira. O poder real deixou o centro da cidade que agora era ocupado pelo poder governamental. Lousada (2008, p.499 considera que “a separação espacial do centro do poder régio e do centro do poder do governo ficou consagrado até hoje e terá provavelmente contribuído para reforçar o poder dos ministérios”. À praça, não era pretendido que apenas ocupasse uma estrutura visual e simbólica mas sim, que cumprisse funções práticas.

A regularização do seu desenho, direcciona-a para o Tejo, mantêm o cais das colunas como peça importante e pontua a praça com o monumento ao Rei.

A Praça do Comércio, “real” que deixara de ser, embora lhe assumisse formalmente a função urbanística, traduz o esforço mais original da empresa lisbonense. È, ao mesmo tempo, a sua magnificência e o seu símbolo ideológico: ela representa, no esquema mental produzido, o poder do Estado e o espírito da economia burguesa na Lisboa renascida – e as duas coisas encontramos no próprio nome que necessariamente recebeu. (França, 2009, p.385)

À nova configuração da praça, nasce também um novo nome oficial. O novo Plano designa-a, oficialmente, como Real Praça do Comércio, porque se previa aí a construção da Bolsa do Comércio (Santos, 2008, p.80). A nova denominação tinha um

180 Arquitecto italiano responsável por algumas obras de arquitectura em Portugal.

Raquel dos Santos Catarino 140

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

duplo sentido, o de edifício apropriado para a instalação do comércio e de praça. Actualmente, ambas as designações são usadas na linguagem corrente, contudo é mais frequente a referência ao antigo nome.

A Praça do Comércio concentrava todo o carácter monumental da proposta, cujo centro era ocupado pela estátua do rei, prevista no plano pombalino. O desenho da Praça representa o gosto da época. Mas, Salgueiro (1992, p.176) não deixa de salientar a sua “ambiguidade simbólica, pois constrói-se uma praça real quando deixa de albergar o palácio”.

Nos séculos XVIII e XIX, a Praça do Comércio caracteriza-se como um dos lugares mais importantes da sociabilidade pública. Foi espaço de encontro e de troca, tendo em conta as actividades que se desenvolviam nos edifícios envolventes.

Ilustração 84 - “A Praça do Comércio nos inícios do século XIX representada como Ilustração 85 - “Cego na Praça do lugar privilegiado de actividades comerciais, portuárias, e de transporte duma cidade Comércio”, Henry L‟Èvêque, inícios do ribeirinha”, Henry L‟Èvêque, 1814. (Faria, 2008, p.55) século XIX. (Faria, 2008, p.56)

Ilustração 86 – “Quiosques e Candeeiros”, fotografia do Arquivo Fotográfico (Lisboa, Ilustração 87 - “Vendedor de estampas no Portugal), ca. 1890. (Faria, 2008, p.67) Terreiro do Paço”, Paulo Guedes, 1902. (Dias, 1902, p.48)

Raquel dos Santos Catarino 141

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Esta diversidade de funções fez “da Praça do Comércio uma praça concorrida e cheia de gente” (Lousada, 2008, p. 50). A sua localização – ocupava uma posição central – e o ambiente natural – o cenário proporcionado pelo rio – contribuíram para a diversidade das práticas de sociabilidade na praça. Contudo, a área central deixou de ser um espaço favorável ao passeio. A sua dimensão e configuração, assim como o facto de não ser arborizada e de o chão ser revestido de areia, constituíram os principais motivos para a diversificação do centro (Lousada, 2008, p.51).

Assim, na segunda metade do século XIX, a praça recebeu um novo pavimento e implantaram-se árvores nos limites interiores.

Ilustração 88 - “O Terreiro do Paço com árvores”. (Faria, 2008, p.375) Ilustração 89 - “A Praça do Comércio nos finais do século XIX, já mecanizada e arborizada”, (Faria, 2008, p.56)

Na cidade nova vão entrar em conflito os direitos e as práticas tradicionais de uso do espaço público urbano e as novas concepções desse espaço pensadas e expressas pelas elites. Conflito que é praticamente claro no caso das praças. De acordo com esses novos valores de cidade e de espaço público, as ruas e as praças deviam estar limpas e «ordenadas». Para além da limpeza e da retirada dos obstáculos à circulação e da proibição de acções consideradas impróprias, as considerações estéticas estavam cada vez mais presentes. As praças […] deviam ser agradáveis à vista. O que está em causa é, também, a imagem da cidade. […] a representação da cidade estava a mudar. A Praça do Comércio é, a este respeito, exemplar, pois ela é o símbolo da nova cidade. (Lousada, 2008, p.51)

Neste sentido, a Praça do Comércio transforma-se para dar lugar a uma imagem limpa e ordenada, sem qualquer elemento urbano que atrapalhe-se a sua imagem. As práticas sociais tradicionais deixaram de ser vividas na praça. As actividades comerciais e outras funções tradicionais dispersaram-se por outros lugares.

Raquel dos Santos Catarino 142

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Actualmente, somos atravessados por um sentimento que nos leva a utilizar o centro da praça apenas por passagem ou contemplação e até utilização da estátua, como analisamos no capítulo seguinte. Os motivos relacionam-se com a sua configuração – o facto de ser aberta num dos lados, expondo-se aos efeitos desagradáveis do vento – e a sua grande dimensão tornava-a pouco acolhedora (Lousada, 2008, p.51).

Ilustração 90 - “Vista da Praça do Comércio”, 2005. (Faria, 2008, p.253)

As opiniões relativas à Praça pombalina dividem-se. Algumas opiniões consideram-na uma das mais magníficas praças da Europa, outras criticam a relação entre os edifícios e a vastidão da grande praça como sendo desproporcionada (Leal, 2004, p.9). Apesar das opiniões, a Praça do Comércio é um espaço monumental que constitui o símbolo de uma época. A sua forma e posição são propositadas tendo em conta a sua função.

A praça do Comércio, embora típica praça real, detinha, para além disso, uma carga simbólica explícita, porque marcava a entrada da cidade, sobrepondo-se ao antigo Terreiro do Paço, num movimento de substituição paradigmático da política iluminada de Pombal. (Leal, 2004, p.14)

3.2.2. A PRAÇA DO COMÉRCIO HOJE – A PRAÇA CENÁRIO

Chegamos agora à maior das praças de Lisboa, a Praça do Comércio, outrora Terreiro de Paço, como é ainda geralmente conhecida; esta é a praça que os ingleses conhecem por Praça do Cavalo Negro e é uma das maiores do mundo. É um vasto espaço, perfeitamente quadrado, contornado, em três dos seus lados, por edifícios de

Raquel dos Santos Catarino 143

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

tipo uniforme, com altas arcadas de pedra. Os principais serviços públicos estão aqui instalados […]. O quarto lado, ou lado Sul, da praça é bordejado pelo Tejo, muito largo neste sítio e sempre cheio de embarcações. No centro da praça fica a estátua equestre de bronze do Rei D. José I […]. (Pessoa, 2008, p.35)

A Praça do Comércio apresenta-se como um ponto de referência da cidade de Lisboa e, talvez, dos elementos mais importantes da frente ribeirinha. Símbolo máximo da expressão pombalina, todos os elementos arquitectónicos e urbanos, que derivaram da construção desse período, continuam presentes. Por isso, a praça tem uma função histórica e uma forte presença, de modo a ser mais admirada do que vivida.

Praça quase quadrada, com cerca de 180 metros de lado, a sua monumentalidade advém do equilíbrio das suas proporções, do ritmo na repetição dos elementos, dos dois pavilhões terminais junto ao rio, do arco do triunfo que remata a Rua Augusta e do posicionamento da estátua. (Salgueiro, 1992, p.174)

A sua configuração regular e geométrica, apresenta-se como um espaço amplo e de extrema dimensão. A sua posição finaliza a quadrícula de ruas do interior da Baixa da cidade, junto ao rio. A sua forma adquire uma geometria próxima do quadrado e o corpo arquitectónico dispõe-se em forma de «U», marcado pelas fachadas homogéneas. O limite a sul é aberto a uma extensão de água, conferindo um efeito de infinito.

Ilustração 91 - Planta da Praça do Comércio (Ilustração nossa, 2011)

Raquel dos Santos Catarino 144

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 92 - Alçado frontal da Praça do Comércio. (Ilustração nossa, 2011)

Nesta praça coexistem diferentes memórias, vivências, valores, apropriações e projectos. No percurso histórico, percebemos que no passado, este espaço foi palco de diversos acontecimentos e constantes transformações.

Actualmente, a Praça do Comércio apresenta-se como uma praça cenário, onde domina a apreciação estética da paisagem. As constantes abordagens que a definem como a “entrada da cidade” ou a “sala de visitas de Lisboa”, reflectem essa representação (Lousada, 2008, p.53). A envolvente da praça mantém intacta a arquitectura pombalina. A escala monumental do conjunto de edificado, transmite um ambiente próprio ao espaço. Consequentemente, este factor determina o tipo de apropriação por parte do indivíduo.

Ilustração 93 - Alçado da Praça do Comércio. (França, 2004, p.18)

Ao percorrer as ruas simétricas do interior da cidade, chegamos ao quadrado quase perfeito que define a praça. Essa noção é entendida assim como a geometria e regra

Raquel dos Santos Catarino 145

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

que caracterizam a Baixa. Ao passar o majestoso arco da Rua Augusta ou sair de uma das artérias laterais, a praça apresenta-se ao observador e a quem atreve a “experimentá-la”. A sensação é a inevitável fuga para as suas extremidades ou a procurar de refúgio na estátua ao centro ou no cais das colunas.

È neste sentido que a Praça do Comércio assume duas funções. È de passagem, por aqueles que a utilizam para chegar ao interior da cidade ou sair dela. È de paragem, para aqueles que “abrigam-se aos pés” da estátua, nos degraus que compõem a base. Outros preferem caminhar até ao limite sul, o cais das colunas, e aí desfrutam da vista interior – a monumentalidade da praça – ou exterior – a paisagem, tendo o Tejo, como elemento principal.

Ilustração 94 - Pessoas utilizam os degraus da base da estátua Ilustração 95 - Pessoas a usufruírem da passagem no Cais das como espaço de estar. (Ilustração nossa, 2012) Colunas. (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 96 - Pessoas no Cais das Colunas. (Ilustração nossa, 2012)

Raquel dos Santos Catarino 146

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

O centro da praça não se apresenta como um espaço de conforto. Esse papel é desempenhado pelas arcadas e pela estátua do Rei, isto porque oferecem zonas de sombra e são espaços de estar.

È de salientar a presença do eixo de circulação rodoviário que quebrou em tempos a relação imediata com o Tejo. Actualmente, esse elemento foi mais acentuado. O melhoramento das regras de circulação e do pavimento devolveu alguma ordem, contudo, manteve-se a sensação de ter que parar e atravessar algo, para chegar ao rio.

Na realidade, o cais das colunas isolou-se como o único elemento que contacta directamente com a água. È frequente vê-lo ocupado por um grande número de indivíduos que ali repousam e apreciam a paisagem. È frequente encontrar um maior número de pessoas concentrada no cais das colunas, do que na Praça do Comércio.

Ilustração 97 - Exemplo de uma apropriação do espaço por parte dos indivíduos, no Cais das Colunas. (Ilustração nossa, 2011)

Ilustração 98 - Indivíduos no Cais das Colunas. (Ilustração nossa, Ilustração 99 - Vista para o rio no Cais das Colunas. 2011) (lustração nossa, 2012)

Raquel dos Santos Catarino 147

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A apreciação da arquitectura global e paisagem envolvente com o rio como cenário idílico, apresentam-se como os principais usos da praça. È ver, apreciar, e andar. Os acontecimentos sociais que antes caracterizavam o Terreiro, são pouco frequentes. A praça perdeu algumas das suas características que marcaram a sua história.

Timidamente, começam apenas a surgir alguns cafés e restaurantes nas arcadas laterais. Aos poucos, o espaço ganha dinamismo mas, por vezes, até estas estruturas passam despercebidas.

Ilustração 100 - “Praça do Comércio – Esplanadas”. Ilustração 101 - Café com esplanada quase vazia, na Praça do (riosiberios, 2011) Comércio. (Ilustração nossa, 2012)

Quanto aos sons, são vários os que se ouvem mas não de forma intensa. As vozes das pessoas parecem murmúrios. Apesar de estarem todos a usufruir do espaço, parece que ainda não chegaram à praça. Ecoam de uma forma difusa. Como exemplo, imaginamos que estamos num espaço e ouvem-se vozes de alguém que está a chegar através de um corredor. Ouvem-se burburinhos pouco perceptíveis, abafados pela dimensão espacial do lugar. Impera um inesperado silêncio que surpreende pela quantidade de indivíduos que usufruem do espaço público.

Outro som surge, ao fundo, e são os automóveis e eléctricos que circulam junto ao alçado norte. Do lado do rio, outra via de circulação faz-se ouvir. Mas o som de ambos não é intenso. È como uma música de fundo.

Talvez pela dimensão, pela monumentalidade, conseguimos sentir um silêncio na praça, como se um espaço de reflexão se tratasse. Talvez a história e a memória do lugar transpareçam, provocando uma determinada sensação que reflecte determinado comportamento por parte do indivíduo. Qualquer pessoa não fica indiferente à carga emocional que inesperadamente inunda o espaço. A praça absorve, com inteligência e

Raquel dos Santos Catarino 148

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

sensibilidade, um conjunto de experiências cuja reflexão é transmitida pelo programa monumental envolvente.

Como imagem final, a Praça do Comércio configura a identidade do sítio, é o ponto de convergência da cidade e do rio, de acontecimentos espontâneos e espelho permanente e lúcido do processo histórico contemporâneo (Faria, 2008, p.218).

Assim, a Praça do Comércio não é uma praça para se estar, como o Rossio, mas sim um ponto de chegada e abordagem do conjunto envolvente de Lisboa.

Raquel dos Santos Catarino 149

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 150

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

3.3. ESPAÇO PÚBLICO – A PRAÇA DA FIGUEIRA

A praça da Figueira de manhã, Quando o dia é de sol (como acontece Sempre em Lisboa), nunca em mim esquece, Embora seja uma memória vã. Há tanta coisa mais interessante Que aquele lugar lógico e plebeu, Mas amo aquilo, mesmo aqui ... Sei eu Por que o amo? Não importa. Adiante ... Isto de sensações só vale a pena Se a gente se não põe a olhar para elas. Nenhuma delas em mim serena... De resto, nada em mim é certo e está De acordo comigo próprio. As horas belas São as dos outros ou as que não há. (Campos, 2006, p. 10)

Raquel dos Santos Catarino 151

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

3.3.1. A PERSPECTIVA HISTÓRICA DA PRAÇA DA FIGUEIRA

A dois passos a leste do Rossio, descobrirá a Praça da Figueira, que é o mercado central de Lisboa está construído num local outrora ocupado pelo Hospital de Todos- os-Santos, pelo Convento de São Camilo e por outros edifícios. Este mercado e muito popular e animado; é de ferro, com cobertura de vidro, e é composto por um grande número de pequenas lojas e quiosques, voltadas para a rua ou para o interior de edifício. (Pessoa, 2008, p.41)

A Praça da Figueira corresponde ao grupo das praças de Lisboa, ocupando o terreno onde se ergueu um dos edifícios de referência do período de quinhentos. Antes do terramoto, o terreno era ocupado pelo “maior hospital de Lisboa – o Hospital de Todos- os-Santos” (Dias, 1987, p.42). Contudo, após 1755, define-se o destino do terreno a favor do novo mercado, “substituindo aquele que tradicionalmente tinha lugar no próprio Rossio, antes do Terramoto” (França, 2009, p.376).

Ilustração 102 - “Planta da reconstrução de Lisboa (Baixa Pombalina) ”, Eugénio do Santos e Carlos Mardel, século XVIII. (França, 2008, p.8)

A história da Praça da Figueira, entendida como espaço público, surge após o terramoto. O plano vencedor para a reconstrução da Baixa da cidade, elaborou uma proposta para reerguer um novo hospital. Os terrenos foram preparados e nivelados, contudo, a construção do edifício nunca foi concretizada. No local, desenvolveu-se sucessivos usos do espaço, primeiro de forma informal e depois de forma organizada, traduzido num dos maiores mercados abastecedores da cidade. As designações também elas foram diferenciadas – “Horta do Hospital, Praça das Ervas, Praça Nova e Praça da Figueira” (Dias, 1987, p.44).

Raquel dos Santos Catarino 152

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 103 - “Praça das Ervas, cena de mercado”, Ilustração 104 - “A Praça da Figueira chegou a ter oito entradas, fotografia do Arquivo Municipal de Lisboa (Lisboa, Portugal), estando cercada por gradeamento” (quemroubouasartes, 2012) Nicolas- Louis-Albert-Delerive, 1792. (quemroubouasartes, 2010)

De aterro cheio de bancadas diárias passou a verdadeira praça fixa, com barracas arrumadas e poço próprio. Foi arborizada e iluminada em 1834. Em 1849 foi fechada com uma cerca gradeada que tinha oito portas e já era coberta. (Santana et. al, 1994, p.576)

Desde logo, que o espaço da praça da Figueira foi ocupado para a actividade de mercado. No seculo XIX, mais precisamente em 1835, a praça foi arborizada e iluminada e cercado por um gradeamento. Mas o projecto de uma nova estrutura, foi aprovado em 1882.

Ilustração 105 - “Perspectiva da Praça da Figueira (bilhete postal) ”. (quemroubouasartes, 2012)

Raquel dos Santos Catarino 153

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Em Maio de 1885 o Mercado foi inaugurado. O sítio era ocupado por um edifício rectangular coberto, cuja estrutura era metálica. Dias (1987, p.39) refere que o mercado “ocupava 7790 metros quadrados de área, possuindo 95 metros de frente”. A nova construção apresentava ainda quatro cúpulas em cada canto.

Ilustração 106 - “Vista de Lisboa”, Serra Ribeiro, 1919. Ilustração 107 - “Postais ilustrados da Praça da Figueira”. (Dias, 1987, (museudacidade, 2005) p.43)

Ilustração 108 - “Postais ilustrados da Praça da Figueira”. (Dias, 1987, p. 43)

Esta obra deu a Lisboa “um equipamento que, durante 64 anos, seria referência urbana de sítio e costumes” (França, 2009, p.550). O mercado da Figueira, tornou-se um dos mais importantes locais da cidade e ponto de convergência de diversos vendedores e compradores de produtos. Era de notar a variedade de

Raquel dos Santos Catarino 154

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

estabelecimentos e constante multiplicação dos mesmos, beneficiando do grande movimento de pessoas.

A centralidade da praça contribuiu para que, ao longo dos séculos, se tornasse um dos lugares preferidos para os festejos da cidade, nomeadamente os Santos Populares181.

A praça tornou-se “um dos emblemas de Lisboa, pela construção notável para a época e pelo seu carácter de verdadeiro centro da cidade” (Santana et. al, 1994, p. 576).

Em 1947 outros planos foram pensados para o local do mercado. È durante o Estado Novo, que a Praça da Figueira sofreu uma grande remodelação. Os novos princípios urbanistas que se desenvolviam pela Europa, tiveram repercussões em Portugal. Os novos desenhos urbanos visavam dotar Lisboa de novas vias e infra-estruturas, baseadas na visão “higienista”182.

Os mercados começavam a ser modernizados, introduzindo água corrente, modernas bancadas e boas condições de armazenamento. Nenhuma destas condições, foi pensada no sentido de adaptar a praça da Figueira às novas necessidades. Por isso, com esta justificação aliada ao pretexto que a praça estava desactualizada, o edifício do mercado foi demolido183.

181 Actualmente, a Praça da Figueira é um dos locais preferidos para a venda de produtos alusivos aos Santos Populares e ponto de encontro para a maioria daqueles que vão festejar. 182 Inspirada no plano de Paris de Haussmann. 183 Uma vez demolido o Mercado Central da Praça da Figueira, Francisco Santana e Eduardo Sucena (1994, p.576) referem que “os mercados foram sendo instalados em edifícios mais pequenos, no alinhamento das ruas”.

Raquel dos Santos Catarino 155

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 109 – Preparação para a Ilustração 110 – Fase intermédia da Ilustração 111 – Demolição do Mercado. demolição do mercado - um tapume rodeia o demolição do mercado. (Dias, 1987, p.46) (Dias, 1987, p. 47) edifício. (Dias, 1987, p. 46)

Nada mais ali foi criado, a não ser o espaço de praça pública que hoje se apresenta. Apenas intensificou a diversidade de usos do espaço. Os arranjos na superfície deram origem à instalação de um parque de estacionamento para automóveis.

Ilustração 111 - “A Praça da Figueira transformada em parque de estacionamento” (quemroubouasartes, 2012))

Em 1968 assina-se “o contrato para a construção da estátua equestre de D. João I” (Santana et. al, 1994, p.576). A praça tradicional até então despida, recebe o novo elemento colocado no centro, como símbolo do poder. Tentava-se introduzir uma imagem de praça real, mas ela nunca veio a ser.

Raquel dos Santos Catarino 156

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 113 - “Praça da Figueira, 1961. Construção do pedestal Ilustração 114 - “Praça da Figueira, 1972”. (quemroubouasartes, 2012) da estátua de D. João I”. (quemroubouasartes, 2012)

Nos anos seguintes, a praça sofre alterações a nível do desenho da superfície. Projectos para o reordenamento e reequipamento da praça foram elaborados184.

Um novo desenho do pavimento foi estabelecido, a estátua foi alinhada segundo o eixo da Rua da Prata e o espaço restante é utilizado para outras actividades. Esta é a imagem actual da Praça. Um espaço vazio, uma praça pública, cuja actividade e movimento que a caracterizaram no passado, perdeu-se no presente.

3.3.2. PRAÇA DA FIGUEIRA HOJE – A PRAÇA APÊNDICE

A Praça da Figueira representa, no conjunto dos casos anteriormente analisados, aquele que na história, menos impacto teve. Contudo, não deixa de pertencer ao grupo dos espaços públicos da cidade de Lisboa e que várias configurações sofreu, ao longo dos tempos.

Já foi ocupado por um hospital e um mercado, agora é um vazio urbano com a configuração de uma praça pública.

Localizada no centro da Baixa, entre o Martim Moniz e o Rossio, a Praça da Figueira é envolvida por uma sequência de edifícios pombalinos, cuja função é, na sua maioria, habitacional. Alguns cafés e restaurantes pontuam a praça e são poucos, os que se estendem até ao passeio, utilizando-os como esplanadas dos mesmos.

184 Por exemplo, em 2004, é apresentado o projecto de requalificação da Praça da Figueira da autoria do Professor Daciano da Costa e da arquitecta Ana Monteiro da Costa.

Raquel dos Santos Catarino 157

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 115 - Praça da Figueira. (museudacidade, 2005)

O desenho da praça organiza-se segundo um passeio central, delimitando uma faixa de circulação rodoviária, ao redor deste. O trânsito não circula, na sua totalidade, à volta da praça sendo que, parte deste é destinado ao uso exclusivo dos transportes públicos. A presença destes é uma constante, uma vez que na praça também é frequente encontrar pessoas concentradas nas paragens à espera dos autocarros.

No passeio central, a estátua equestre D. João I185 domina o espaço. Curiosamente, perto dela, denunciam-se um aglomerado de pombos (e não pessoas) que por vezes são mais que os próprios indivíduos que por ali passam, com passo apressado. A maioria das pessoas, utiliza a praça só mesmo como passagem para outros locais da cidade e principalmente, porque ao lado desta, encontra-se o grande fórum, o Rossio.

185 D. João I (1357-1433) foi o primeiro Rei da Dinastia de Avis.

Raquel dos Santos Catarino 158

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 116 - É constante a presença dos pombos na Praça da Figueira. (Ilustração nossa, 2011)

Ilustração 117 - É mais frequente a utilização da Ilustração 118 - É mais frequente a Ilustração 119 - É mais frequente praça como espaço de passagem. (Ilustração utilização da praça como espaço de a utilização da praça como espaço nossa, 2011) passagem. (Ilustração nossa, 2011) de passagem. (Ilustração nossa, 2011)

Contudo, a Praça da Figueira, destaca-se pela sua vivência própria. Apesar da característica maior – espaço de passagem – existem actividades próprias que são únicas naquele lugar. Falamos, claramente, da apropriação por parte de um grupo de jovens, através da prática do skate. O som do objecto ecoa pela praça. Claro que quando foi projectada, não era este o tipo de apropriação pensado para o espaço. Contudo, esta é uma praça pública. Os seus usos podem despertar o mais inesperado sentimento e vontade no indivíduo que a experimenta. Esta actividade imprime um dinamismo ao espaço que o torna diferente de qualquer outro.

Raquel dos Santos Catarino 159

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 120 – Skater na praça da Ilustração 121 - Skater na praça da Ilustração 122 - Skater na praça da Figueira. (sapoblog, 2012) Figueira. (sapoblog, 2012) Figueira. (sapoblog, 2012)

A Praça da Figueira transmite uma sensação de abandono. Deste modo, a primeira leitura define-a como um espaço de passagem. Tornou-se uma praça utilizada por skaters e onde dormem os sem abrigo sobre os ventiladores do parque de estacionamento. Pode ser considerada como as “traseiras” da mais cosmopolita, Praça do Rossio. No entanto, pelas suas dimensões e centralidade, assume-se como um espaço público nobre da cidade.

Raquel dos Santos Catarino 160

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

4. ESPAÇO PÚBLICO E PROJECTO

Ilustração 123 - Estudo de projecto dos hotéis e piscinas e, a recriação do espaço público no Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2011)

Raquel dos Santos Catarino 161

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 162

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Realizado o estudo do espaço público na cidade de Lisboa e a análise da praça, o último capítulo refere-se a um novo espaço público redesenhado. Este constitui o projecto de arquitectura realizado no âmbito do trabalho académico.

É objectivo do projecto de espaço público, assegurar o respeito pela identidade da paisagem urbana ou rural, através da promoção dos padrões culturais locais. A paisagem de uma área reflecte a sua história, funções e afinidades com as áreas adjacentes. Respeitar estas características, pode contribuir para aumentar o interesse e riqueza da intervenção. (Brandão, 2002, p.35)

O final do século XX ficou marcado pelo “retorno em força dos espaços públicos como elementos centrais dos projectos urbanos” (Castro, 2002, p.53).

A organização do espaço é um dos principais objectivos do planeamento urbano. Quando é abordado o edifício singular, a sua implantação relaciona-se com a envolvente próxima. A abordagem conceptual deve procurar o equilíbrio e harmonia do espaço.

Nos casos onde o objecto de estudo abrange uma área mais vasta, as ferramentas da arquitectura actuam em conjunto com a visão urbanística. Foi precisamente essa a abordagem utilizada na concepção do projecto de espaço público e edifícios envolventes. Estes projectos devem “saber reconhecer o contexto e identificar as características de cada espaço e a forma como concorrem para a formação de um todo” (Brandão, 2002, p.35).

O espaço público funciona como tema central da proposta conceptual. Tendo em conta o lugar, a envolvente e a história, ele foi trabalhado segundo a tipologia da praça.

O território previsto para o projecto de arquitectura realizado no âmbito da cadeira de Projecto III, aplicava-se à área ribeirinha da cidade de Lisboa, mais precisamente, compreendia a zona entre o Cais do Sodré e Santa Apolónia.

Raquel dos Santos Catarino 163

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 124 - Ortofotomapa da zona em estudo – do Cais do Sodré a Santa Apolónia. (googlemaps, 2003)

O sentido programático do trabalho considerava o projecto para um complexo de piscinas públicas e privadas e um conjunto de dois hotéis de cinco e duas estrelas.

Cedo percebemos que a intenção do projecto de arquitectura não era aplicada apenas ao nível do edifício. Era pedido mais. Era necessária uma visão abrangente. Um todo que se articulava numa lógica do desenho urbano. Por isso, decidimos que o projecto envolveria uma visão urbanística.

A estratégia definiu-se pelo desenho do espaço público. A intenção é a transformação do espaço numa praça pública.

As soluções para as questões referentes à realização do projecto encontram-se já no próprio lugar. “A intervenção torna-se mais simples se se consegue ler e interpretar a vocação da cidade” (Botta, 1996, p.141). A leitura crítica e análise do contexto urbano em que se actuou, representam o primeiro acto projectual.

O confronto entre duas malhas urbanas distintas é evidente. Por um lado, existe a malha do centro da Baixa de Lisboa desenhado ortogonalmente. Por outro, persiste a malha orgânica da colina do Castelo. Esse tornou-se num dos principais desafios na abordagem aos projectos singulares de Arquitectura.

Raquel dos Santos Catarino 164

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 125 - Proposta para o espaço público no Campo das Ilustração 126 - Proposta para o complexo de piscinas. Cebolas. (Ilustração nossa, 2011) (Ilustração nossa, 2011)

Ilustração 127 - Proposta para o hotel de 5 estrelas. (Ilustração Ilustração 128 - Proposta para o hotel de 2 estrelas. (Ilustração nossa, 2011) nossa, 2011)

Tendo em conta a análise do local e a ideia, as questões conceptuais relativas ao projecto foram levantadas; como organizar os edifícios no espaço? Como fazê-lo respeitar um traçado ora geométrico, ora orgânico de um território construído no tempo? Como fazê-lo conviver com a envolvente sem mútuas agressões nem protagonismos desmesurados?

Deste modo, o capítulo que se segue aborda as várias fases do projecto. Inicialmente será analisado o território do Campo das Cebolas como o sítio de implantação dos projectos, revelando a sua história, definição e identidade própria do lugar. Todo o processo é assumido através das estratégias de projecto que culminaram na proposta final. Revela-se por fim, o sistema de praças que constituem o desenho urbano, previamente planeado.

Raquel dos Santos Catarino 165

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 166

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

4.1. IDENTIDADE

Para o arquitecto, projectar na cidade contemporânea pressupõe uma leitura do lento e paradoxal processo de antropização do espaço físico que envolve, já que as cidades são sempre temporariamente contemporâneas e a cada tempo (leia-se a cada estrato histórico) correspondem uma dada contemporaneidade com os seus próprios conceitos e métodos de estruturação. (Grande, 2002, p.19)

Raquel dos Santos Catarino 167

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

4.1.1. LUGAR: O CAMPO DAS CEBOLAS

As características identitárias de um local decorrem da forma como a população se relaciona com o ecossistema e se apropria do espaço, originando padrões de vida específicos que se reflectem na configuração da paisagem. Os locais memoráveis são aqueles que traduzem uma interacção equilibrada entre o homem e o meio, ostentando uma identidade singular que as pessoas reconhecem facilmente. Quando não existem tradições locais significativas, o desafio para criar um local distinto será superior. (Brandão, 2002, p.35)

Como em todo o processo de criação de um projecto de arquitectura, é obrigatório olhar para o lugar. Não apenas olhar mas analisá-lo. Estudá-lo. Perceber o seu funcionamento e a sua identidade própria.

Por isso, perante um território concreto como o Campo das Cebolas, a abordagem realizada partiu da análise global deste espaço. Contudo, a área de estudo envolvia um território mais abrangente, o que permitiu, uma visão global da problemática projectual. A organização espacial e a linguagem territorial foram analisadas e assumidas como elementos estruturantes do projecto.

Neste sentido, os temas abordados nos capítulos anteriores, revelam não só o estudo de um tema específico na área da Baixa – a praça pública – como o conceito do próprio projecto. Personifica o percurso do pensamento conceptual que levou à identificação do problema e à sua resolução.

Siza186 (2009, p.95) refere que “o desenho dos espaços públicos e da arquitectura é influenciado pelo estudo da cidade”. Logo, realizada a abordagem ao tema geral, coloca-se a necessidade de olhar para o lugar de implantação do projecto e, procurar as raízes edificadoras do sítio.

Localizado no centro de Lisboa, mais especificamente a este da Praça do Comércio, o Campo das Cebola é um lugar da história e com memórias únicas.

186 Álvaro Siza Vieira (1933-?) é um arquitecto português, símbolo máximo da arquitectura em Portugal. Iniciou a actividade profissional quando ainda frequentava o curso, por falta de paciência para estudar. Recebeu vários prémios internacionais, assim como recebe convites para elaborar novos projectos arquitectónicos, por parte de vários países.

Raquel dos Santos Catarino 168

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 129 - “A praça da Ribeira segundo um painel de Ilustração 130 - Fotografia actual do Campo das Cebolas. azulejos” fotografia do Museu da Cidade (Lisboa, Portugal). (Ilustração Nossa, 2012) (Branco, 1969, p.142)

As primeiras descrições do sítio datam da época seiscentista em que este aterro era retratado como “o mais importante local de venda de géneros alimentares” (Branco, 1969, p.143). Era então aclamada como praça da Ribeira Velha, junto ao rio e delimitada por casas de habitação, os edifícios da Misericórdia, o Tribunal das Sete Casas e a Alfândega.

O painel de azulejos representado na ilustração 129 confirma a configuração da praça com o rio à direita e, à esquerda, a fila de casas. Encontrava-se entre este conjunto, a célebre Casa dos Bicos que, segundo Branco (1969, p.144), possuía quatro andares “e à qual se prendiam, como às restantes, vários telheiros […], a que chamavam cabanas e que pela frente se apoiavam sobre pilares”. Nas “cabanas” vendiam-se uma grande variedade de produtos187, estendendo-se até ao centro da praça.

«Ribeira Velha» era um mercado como qualquer outro, semelhante ao que foi o da Praça da Figueira ou S. Bento […], com a diferença dos costumes recuados de quatrocentos anos. Ruidoso, confuso e farto, oferecia um cenário análogo a todos os mercados de movimento, de vendedeiras obesas e regateiras, falando pelos cotovelos e gesticulando por nada, de órbitas dilatadas […]. (Nunes, p.17)

Este espaço demonstrava no século XVI, um ambiente de tráfego marítimo, indústrias do mar, comércio natural e grupos de pessoas, abrindo tendas de negócios cujo odor era característico de um mercado livre.

187 Da variedade de produtos destaca-se, segundo Fernando Castelo Branco (1969), a venda de sal, carnes como perdizes, coelhos, galinhas, perus, frangos, pombos, patos e cabritos, e peixe. Vendia-se pão na Ribeira assim como hortaliças. Ainda existia uma “cabana” destinada à venda de marisco e uma de manteiga.

Raquel dos Santos Catarino 169

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

A designação Campo das Cebolas tem um semblante tanto comercial, como aristocrático, pelas casas que dele fazem parte.

O terramoto de 1755 modificou a dinâmica espacial alterando a noção inicial de ribeira.

Em comparação, a figura 130 representa a imagem actual do Campo das Cebolas. O Rio deixou de se ver por aí encontrar-se a doca da Marinha. Aparentemente inactiva, esta constitui uma barreira visual e física que impede a relação com o rio. Agora, predominam no espaço, uma via de circulação para automóveis e um conjunto abundante de vegetação. A presença desta oculta a frente dos edifícios a norte da praça.

Esta área apresenta alguns sinais de ter caído no esquecimento. Perdeu a sua identidade e deixou de desempenhar um papel relevante no desenho urbano da cidade.

A nível de ocupação, actualmente, o Campo das Cebolas é um espaço que não convida à permanência. É essencialmente apropriado para estacionamento, facto que impede “a possibilidade de fruição de uma praça urbana aprazível” (Santos, 2005, p.83).

Ilustração 131 - Muitos automóveis no Campo das Cebolas, (Ilustração Ilustração 132 - O grande número de automóveis que nossa 2011) ocupam a praça, são uma obstrução no caminho à vista. (Ilustração nossa, 2011)

Raquel dos Santos Catarino 170

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 133 - Automóveis ocupam, actualmente, o Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2011)

Quanto ao indivíduo que por lá passa, faz apenas isso mesmo. Passa por qualquer necessidade, sem que lhe ocorra ficar e usufruir deste espaço público. Contudo, através da observação do interior, encontra-se algum mobiliário urbano com o intuito de proporcionar ao indivíduo um momento de pausa. Escondidos no meio da vegetação, quem atravessa o espaço pelos passeios laterais, quase não dá pela sua presença. A ocupação dos mesmos é quase inexistente.

Ilustração 134 - Fotografia da vegetação no Campo das Cebolas. Ilustração 135 - Fotografia de algum mobiliário urbano no (Ilustração nossa, 2012) Campo das Cebolas. (Ilustração nossa, 2012)

Os elementos e as estruturas naturais como a flora, a fauna, o clima, o solo, os rios e o relevo contribuem significativamente para o carácter do espaço e da paisagem. O projecto do espaço público deve privilegiar as soluções que fomentem o equilíbrio entre o ambiente urbano construído e os seus sistemas naturais. (Brandão, 2002, p.47)

Ao estudo das características do lugar, impõem – se a realização da proposta. A intenção de projecto pretendia a reabilitação do Campo das Cebolas como espaço

Raquel dos Santos Catarino 171

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

público. O conceito era recriar a praça pública neste lugar, dando-lhe uma identidade e vivência únicas.

4.1.2. CONCEITO: REDESENHAR O ESPAÇO PÚBLICO

Com o reconhecimento do lugar, o projecto para o Campo das Cebolas privilegia a revitalização do espaço denominado público. Pretende dar-lhe a função de praça, que convida a estar e a permanecer nela. Com a leitura da envolvente, compreendeu-se a proximidade com o Tejo, constituindo este um elemento importante na concepção do projecto. Pela sua história, pela arquitectura envolvente e por pontuar a transição entre a Baixa e Alfama, o Campo das Cebolas merece ser redesenhado, valorizando a sua função.

O principal objectivo foi a criação de uma praça, de uso exclusivo do público. Na sua função, pretende ser mais do que um espaço de passagem. “Deve constituir um lugar em si, cuja função principal se caracteriza pela satisfação interactiva de necessidades humanas […] – como passear, sentar, contemplar, comer, ler, observar, conversar e relaxar” (Alves, 2003, p.82)..

O arquitecto Gregotti disse-me uma vez: é preciso que as pessoas percebam que quando realizamos uma peça não é por acaso. Tudo é pensado, há um critério que se segue. Não há espaço para o arbitrário. (Salgado, 1998, p. 19)

A proposta elimina a presença do automóvel, propondo uma praça que se estende até ao rio Tejo. Substitui-se o estacionamento por um plano de pavimento, limpo, com algumas elevações, de modo a serem usadas como espaços de estar.

A interacção entre o Tejo e a praça do Campo das Cebolas é outro dos objectivos. Lisboa ao longo da sua história foi uma cidade em contacto permanente com a água. Numa primeira fase, pelas actividades piscatórias e expansão marítima. Agora serve como paisagem visual que sugere a sua contemplação à beira-rio, quer pelo percurso paralelo a este, quer por enfiamentos transversais.

Raquel dos Santos Catarino 172

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 136 - Desenho da intenção da nova praça pública. (Ilustração nossa, 2011)

Ilustração 137 - Desenho da intenção da nova praça pública. (Ilustração nossa, 2011)

Ilustração 138 - Desenho da intenção da nova praça pública. (Ilustração nossa, 2011)

Raquel dos Santos Catarino 173

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Deste modo, no Campo das Cebolas, uma barreira visual composta pela Doca da Marinha impede o contacto com o rio. Assim, para estabelecer esta relação, novos limites foram criados.

Pretendeu-se a continuidade da praça pública criada, através de uma plataforma, estendida até ao sítio onde se localiza a doca. Esta operação deve-se à necessidade de manter a via de circulação para automóveis, localizada perto do Tejo. A praça cresceu em comprimento, contudo atribui-se um desenho de pavimento cuja intencionalidade é utilizar o sistema de marés do rio.

Em resume, a presença directa do rio, como sistema natural, constituiu a principal razão para o desenho do pavimento da praça pública.

Ilustração 139 - Esquisso do estudo do espaço público Ilustração 140 - Esquisso do estudo do desenho da praça pública, em – o pavimento. (Ilustração Nossa, 2011) corte. (Ilustração nossa, 2011)

Formulou-se então, uma proposta com um desenho baseado numa geometria, com variações de cotas. Desta forma, consegue-se criar uma praça de água nesta área que, com maré baixa, deixa visível o pavimento188. Esta geometria atribui uma poética ao espaço público requalificado e à arquitectura envolvente. A vivência deste espaço será marcante, seja pelo campo visual ou pelas possibilidades da sua apropriação.

188 A ideia pretendeu integrar o rio no projecto de forma à plataforma diluir-se no mesmo, sem roubar o seu espaço. São duas existências simultâneas. O apelo à memória

Raquel dos Santos Catarino 174

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 141 - Desenho da planta da praça pública. (Ilustração Ilustração 142 - Desenho da planta da praça submersa pelo rio. nossa, 2011) (Ilustração nossa, 2011)

Ilustração 143 - Corte longitudinal da praça pública. (Ilustração nossa, 2011)

Concretiza-se uma grande zona de recepção e reunião que convida à passagem e permanência, sintetizando a sua vocação de espaço público por natureza.

Esta área terá propositadamente a ausência de equipamentos, deixando-a livre, possibilitando o desenvolvimento e apropriação do espaço de forma espontânea.

A configuração da praça compreende os edifícios criados no projecto – o hotel de duas e cinco estrelas e o complexo de piscinas.

Os edifícios pré-existentes a norte completam a sua configuração. A ocidente era necessário criar um novo limite que iria completar-se com o Ministério das Finanças. Por isso, o Hotel de 5 estrelas é implantado estrategicamente nessa posição. A completar o esquema estratégico, a oriente, localizam-se o hotel de 2 estrelas e o complexo de piscinas. A implantação dos projectos dos edifícios é em função do esquema de configuração da praça pública.

Raquel dos Santos Catarino 175

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 144 - Esquiço dos elementos configuradores Ilustração 145 - Planta geral da praça pública e elementos configuradores. da praça pública. (Ilustração Nossa, 2011). (Ilustração nossa, 2011)

Raquel dos Santos Catarino 176

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

4.2. ESTRATÉGIAS

Um arquitecto é simultaneamente um construtor e um observador. Não é possível construir sem se ser profundamente observador, mas o resultado do trabalho do arquitecto é construir, não é produzir. Construir no sentido de articular de modo diferente coisas que observou. (Salgado, 1998, p. 36)

Raquel dos Santos Catarino 177

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

4.2.1. PROJECTO PARA UM COMPLEXO DE PISCINAS

A massa dos edifícios, e relação entre eles é que vai definir o espaço aberto, ao ar livre. O conceito não é: define-se os edifícios e depois vamos tratar do que sobra. O conceito é ao contrário: definimos uma estrutura de espaço público e condicionamos com isto a própria localização do edifício. Para sintetizar, é assim: definimos os edifícios para comportarem o espaço público. (Salgado, 1998, p.10)

Definida a praça, a implantação dos edifícios propostos, estava determinada. O projecto do Complexo de Piscinas foi implantado na área correspondente à Doca da Marinha, actualmente inactiva. A sua posição explica-se pela tentativa de solucionar um espaço sem uso e porque, criada a praça pública, surge a necessidade de estabelecer um dos seus limites.

Ilustração 146- Localização do sítio de implantação do projecto. (googlemaps, 2011)

A ideia do projecto foi intencionalmente direccionada para a criação de espaços públicos e a relação com o rio. Tendo em conta a análise do lugar – predominância da malha orgânica que antecedia o sítio de implantação da proposta – a ideia base era a recriação de espaços públicos internos. Por sua vez, a determinação destes vazios definem o edifício.

Ilustração 147 - Esquisso de projecto para o complexo de piscinas. Ilustração 148 – Esquiço de projecto – a relação com (Ilustração nossa, 2011) as ruas. (Ilustração nossa, 2011)

O primeiro esboço do projecto das piscinas foi algo conceptual e escultural. O trabalho da forma dos edifícios partiu da modelação dos vazios criados pelas ruas que foram

Raquel dos Santos Catarino 178

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

desenhadas. O ponto de partida foi o prolongamento de três ruas que surgem do desenho da cidade. Brandão (2002, p.36) considera que a configuração dos espaços públicos “em continuidade com ruas e espaços existentes, assegura que os edifícios adjacentes se relacionem entre si, que os percursos se interliguem e os espaços se complementem”.

Assegurar a relação com a estrutura urbana existente contribui para a boa vivência do lugar. O processo de extensão das ruas adjacentes permitiu a continuidade da linguagem urbana. As três ruas da cidade definem os três principais percursos públicos do edifício das piscinas, com diferentes dimensões. A sua estrutura deriva da importância e característica morfológica da rua que a antecede. Destas, nascem mais dois percursos secundários que articulam dois dos principais e criam novas perspectivas.

Para cumprir um dos objectivos da proposta – a relação com o rio - uma solução foi criada para as “ruas” do edifício. Estas são desenhadas segundo um sistema de rampas, cuja aproximação ao rio, cria a possibilidade de “este fazer parte do projecto”. Desenvolveu-se um jogo de cotas. O percurso inicia-se na cota da rua, sobe e estabiliza no patamar de descanso. Após esse intervalo, desce em direcção ao rio. A intenção no desenho das ruas em rampa é tirar partido das marés, relacionando rio, projecto e pessoas.

Ilustração 149 - Esquisso do estudo do sistema de rampas. (Ilustração Nossa, Ilustração 150 - Cais das colunas como referência 2011 para o projecto das piscinas. (Ilustração nossa, 2011)

Assim, na maré vazia, os percursos em rampa estão visíveis e podem ser percorridos. Na maré cheia, uma parte do percurso é escondido pelo rio. É de salientar que a evolução deste sistema foi também influenciada pelo conceito e vivência retratada no Cais das Colunas.

Raquel dos Santos Catarino 179

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

O desenho dos percursos em rampa produz uma sensação de profundidade. Os percursos secundários são intencionalmente mais estreitos em comparação com os principais, proporcionando variações de luz. A articulação entre os diferentes canais de circulação apela ao mistério. O mistério que está nas perspectivas surpreendentes que furam o edifício e revelam um retrato do Tejo e da outra margem. A relação com o rio é imperial.

Pretende-se a inquietação por parte do homem. O despertar de sensações para quem percorre o espaço público do edifício. Este dá forma ao próprio projecto. Valoriza-o em termos conceptuais e funcionais.

Ilustração 151 - Render de um percurso público do complexo de Ilustração 152 - Render de um percurso público do complexo piscinas. (Ilustração nossa, 2011) de piscinas. (Ilustração nossa, 2011)

Do mesmo modo que o Cais das Colunas funcionou como uma referência, a forma como se desenvolvem os percursos, consciente (ou inconscientemente), apelam à memória da malha orgânica de Lisboa. As ruas estreitas e difusas estão, de certa forma, representadas nos percursos do projecto das piscinas.

A articulação destas influências é um acto de criação irrepetível. O arquitecto trabalha manipulando a memória, disso não há dúvida, conscientemente mas a maioria das vezes subconscientemente. O conhecimento, a informação, o estudo dos arquitectos e da história da arquitectura tendem ou devem tender a ser assimilados, até se perderem no inconsciente ou no subconsciente de cada um. (Siza, 1998, p.37)

Desenhados os vazios, o edifício que dará corpo ao programa nasce naturalmente em diálogo com a envolvente. O espaço público estrutura o edifício. Dá-lhe forma e função. Seis volumes elevam-se na paisagem, nunca ultrapassando a altura dos edifícios envolventes. Por influência da malha urbana e mantendo a intenção principal

Raquel dos Santos Catarino 180

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

do projecto, todos os volumes sofrem subtracções de matéria, formando assim novos espaços. Estes, por sua vez, articulam-se com os percursos principais.

Ilustração 153 - Desenho da planta do complexo de piscinas. (Ilustração nossa, 2011)

Ilustração 154 - Vista do rio do projecto do complexo de piscinas. (Ilustração nossa, 2011)

O projecto das piscinas é vocacionado para o cidadão através da valorização do espaço público. Privilegia o peão e sua relação com o rio que, anteriormente não existia no local. Contudo, não é realizada a relação directa, por isso o desenho das ruas e hierarquia entre elas. Deste modo, permitiu-me criar diferentes perspectivas sobre a paisagem.

4.2.2. PROJECTO PARA UM HOTEL DE 5 ESTRELAS E UM HOTEL DE 2 ESTRELAS

No que diz respeito ao projecto dos hotéis de duas e cinco estrelas, a sua localização foi lógica. Tendo em conta a intenção de redesenhar o Campo das Cebolas, assumindo a característica de uma praça pública, os hotéis foram desenhados de forma a “criar” os limites da praça.

Raquel dos Santos Catarino 181

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 155 - Localização do sítio de implantação do projecto. (googlemaps, 2011)

O espaço público foi também um tema abordado no desenho singular dos edifícios. Ambos os hotéis são desenhados em torno de um espaço público do hotel, exterior. Este facto mostra que a mesma intenção esteve na base do processo criativo da proposta geral, com as variantes próprias de cada projecto.

O Hotel de 5 estrelas localiza-se a oeste da praça do Campo das Cebolas, em frente ao edifício do Ministério das Finanças. Com este, perfaz um dos alçados que configuram a praça.

A evolução do projecto foi influenciada pelo conceito de espaço público, sempre associado ao conjunto urbano proposto. O objectivo principal consistia em projectar um edifício com presença moderada na envolvente, sem se tornar numa construção sem carácter. Devido à implantação do Ministério das Finanças, este não poderia ser desvalorizado pelo hotel, por isso não atinge a sua altura.

Ilustração 156 - Esquiço do projecto do hotel de 5 Ilustração 157 - Modelo tridimensional do hotel de 5 estrelas. (Ilustração estrelas. (Ilustração nossa, 2011) nossa, 2011)

Na primeira fase, o hotel de 5 estrelas foi projectado em torno de um vazio com determinada característica espacial. A estrutura desenvolve-se em dois volumes paralelos separados por um espaço exterior que funciona como sistema distributivo para as áreas programáticas. Este espaço define as entradas e saídas do edifício, servindo também como espaço de relaxamento e convívio entre os usuários do mesmo. Proporciona ainda, a contemplação com vista para a paisagem, tendo o Tejo como cenário.

Raquel dos Santos Catarino 182

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Sobre um dos corpos, criaram-se três volumes separados entre si, correspondendo, cada um deles, ao conjunto de quartos do hotel. A sua altura varia e o espaço criado entre eles, proporciona agradáveis “varandas” sobre o Tejo.

Ilustração 158 - Render da varanda do hotel de 5 estrelas. Ilustração 159 - Render do pátio central do hotel de 5 estrelas. (Ilustração nossa, 2011) (Ilustração nossa, 2011)

Ilustração 160 - Corte do hotel de 5 estrelas. (Ilustração nossa, 2011)

O objectivo principal do projecto é a relação interior-exterior e a valorização de um “espaço público”, que ao mesmo tempo é privado, por fazer parte do edifício singular.

As constantes relações entre o “entra e sai” é propositado. Contemplar a paisagem é a intenção de projecto do hotel, proporcionando diferentes sensações espaciais.

Quanto ao Hotel de 2 estrelas, configura o alçado do Campo das Cebolas, anterior ao edifício das piscinas. A implantação do edifício estabelece uma relação com a praça. É através dela que se faz o acesso ao hotel.

Raquel dos Santos Catarino 183

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 161 - Esquisso da proposta para o hotel de 2 estrelas. (Ilustração nossa, Ilustração 162 - Esquisso do pátio interior 2011) do hotel de 2 estrelas. (Ilustração nossa, 2011)

O projecto propõe a criação de um volume à qual são subtraídos três espaços, que funcionam como os pátios interiores do hotel. Estes assumem os espaços públicos do edifício, seguindo a lógica do pensamento projectual.

Ilustração 163 - Planta de implantação do hotel de 2 estrelas. (Ilustração nossa, 2011)

O pátio central corresponde à zona que faz o acesso ao interior do edifício. Quanto aos outros dois pátios, correspondem a áreas comuns, de lazer e relaxamento, do hotel.

Raquel dos Santos Catarino 184

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Um novo conceito foi trabalhado no projecto. Tendo como referência o conceito da “varanda habitável”189, uma interpretação do mesmo foi redesenhada e aplicada à imagem formal da proposta. Deste modo, ao longo dos corredores interiores, foram criados espaços alternados (uma espécie de “bolsas”) com diferentes áreas. Estes espaços correspondem a zonas de estar, cuja materialidade – são revestidas a vidro, criando algo a que assemelha-se a uma caixa de vidro – recria o conceito da varanda habitável.

O objectivo do desenho pretendia quebrar alguma monotonia nos acessos de distribuição aos quartos do hotel e, principalmente, criar determinado acontecimento espacial nos pátios criados.

Ilustração 164 - Esquisso para o estudo dos pátios do hotel Ilustração 165 - Render da “varanda habitável”. (Ilustração nossa, de 2 estrelas. (Ilustração nossa, 2011) 2011)

189 Conceito utilizado no projecto do Hotel Aire de Bardenas, da autoria da Arquitecta Mónica Rivera e do Arquitecto Emiliano López. Este conceito foi recriado no projecto do Hotel de 2 estrelas, aplicado à intenção projectual das propostas que constituem o todo.

Raquel dos Santos Catarino 185

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Ilustração 166 - Corte longitudinal do hotel de 2 estrelas. (Ilustração 2011)

Uma vez que os acessos organizam-se à volta do pátio, no interior do hotel, cada varanda habitável é direccionada para o exterior. Assim, cria-se uma nova e diferente vivência em cada pátio. Além da utilização física, a visão em torno do pátio e nas paredes que o configuram, é a de um conjunto de alternados avanços e recuos de “caixas”. Estas são os espaços de estar, onde através do vidro, revelam o tipo de apropriação do espaço, realizado pelo usuário do hotel.

O redesenhar do conceito e a aplicação do mesmo, pretende revelar as constantes relações exterior/interior, pensado ao longo de todos os projectos. Assim, a forma como se constrói o projecto dos hotéis, está consciente ou inconscientemente relacionado com a memória do lugar. Antes de qualquer concretização da proposta, foi feito um percurso pela Baixa, por Alfama, pelo Castelo, pelos miradouros. Estes registos ficaram no pensamento como o conjunto das características daqueles espaços.

Não é por acaso que o tema “espaço público” é retratado e abordado em cada hotel. Contudo, ele é integrado na linguagem de cada edifício singular.

Os espaços exteriores dos edifícios, os pátios, as varandas sobre o Tejo, a “varanda habitável”, todo este conjunto revelam uma reinterpretação das características mais comuns dos espaços em Lisboa. Se não, faremos a articulação… as ruas, os largos, os miradouros, a proximidade entre os edifícios.

Raquel dos Santos Catarino 186

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

4.3. SISTEMA

É, portanto, razoável pensar que as criações do homem são feitas ou em vista do seu corpo, e é este o principio que designamos por utilidade, ou em vista da sua alma, e é isso que ele procura sob o nome de beleza. Mas, por outro lado, aquele que constrói ou que cria relacionando-se com o resto do mundo e com o movimento da natureza, que tendem perpetuamente a dissolver, a corromper ou a perturbar o que ele faz, deve reconhecer um terceiro princípio, que procura comunicar às suas obras, e que exprime a resistência que ele pretende que elas oponham ao seu destino que é perceber. Ele procura, portanto, a solidez ou a duração. (Valéry, 2009, p.71)

Raquel dos Santos Catarino 187

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Alguns dos problemas mais importantes que afectam directamente a sobrevivência do homem em sociedade prendem-se com a falta de planeamento urbanístico das nossas cidades. (Alves, 2007, p.290)

Ao longo da presente dissertação, foi apresentado um estudo relativo a quatro praças públicas de Lisboa.

Três delas estão presentes na cidade desde tempos antigos, tendo como característica a definição de espaço público. A última praça, apesar da sua longa existência, perdeu o seu carácter e definição. Enquanto nos casos anteriores, nenhuma praça perdeu a sua designação – antes pelo contrário, as suas características foram assumidas – o Campo das Cebolas deixou de ser entendida como tal.

È neste sentido, que após a leitura do território, identificou-se um sistema de praças na cidade.

Ilustração 167 – Planta do sistema de praças da cidade. (Ilustração nossa, 2011)

Raquel dos Santos Catarino 188

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Com a intenção de redesenhar o Campo das Cebolas, atribuindo-lhe a tipologia de praça pública, a informação dos espaços que a antecedem no meio urbano foi essencial.

O Rossio marca o ponto de passagem para o norte da cidade pela Avenida da Liberdade. Recebe também quem chega. Personifica o primeiro espaço de excelência que a Baixa apresenta.

Ao lado do Rossio, localiza-se a Figueira. Partilha igualmente a função de chegada e partida, mas no sentido da Avenida Almirante Reis. Comparativamente, o Rossio tem maior importância na cidade, mas habitam as duas lado a lado. A Figueira recebe quem vem do Rossio. O Rossio recebe quem vem da Figueira.

A malhar regular pombalina, culmina na maior e mais importante de todas as praças de Lisboa. A Praça do Comércio estabelece a relação com o rio Tejo e permite a entrada e saída do centro da cidade. Apesar da posição favorável à contemplação da vista que proporciona, esse momento é amplamente proporcionado no Cais das Colunas.

Ao lado da Praça do Comércio, situa-se o Campo das Cebolas como um sítio descaracterizado. Utilizado para estacionamento de automóveis, este espaço perdeu a identidade e importância que teve na História. Deste modo, o projecto de espaço público debruçou-se sobre esta área.

O redesenhar do Campo das Cebolas tem como objectivo a criação de um novo elemento atractivo na cidade, sem tirar o protagonismo à Praça do Comércio. Isso torna-se praticamente impossível, pela sua história e significado na cidade. Qualquer que seja a intervenção próxima da grande praça real, nunca poderá ser comparada à Praça do Comércio. Por isso o desenho do Campo das Cebolas é proposto com características específicas que fazem daquele um espaço de chegada, que convida à permanência. Esta intervenção permitiria a devolução de um espaço de qualidade à cidade, junto ao rio. Durante o processo, procurou-se desenvolver um espaço público qualificável que procura respeitar a memória e história do lugar.

A preservação do vazio e a tentativa de devolver a sua antiga designação, enquanto praça da cidade, foram os pontos de partida de toda a proposta. Ao definir uma

Raquel dos Santos Catarino 189

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

intervenção desta natureza, para além de recriar espaços públicos na cidade, estamos a reconstruir uma parte da cidade.

È neste sentido, que o desenvolvimento do projecto do espaço público para o Campo das Cebolas, necessitou de uma leitura global da cidade.

Estas quatro praças em cumplicidade urbana definem o sistema de espaços públicos estrategicamente relacionados. O sistema criado é a demonstração da relação espacial entre os objectos urbanos.

Ilustração 169– Praça da Figueira. (googlemaps, 2012) Ilustração 168 – Praça do Rossio. (googlemaps, 2012)

Ilustração170 – Terreiro do Paço. (googlemaps, 2012) Ilustração 171 – A praça do Campo das Cebolas – projecto arquitectónico. (Ilustração nossa, 20129

Através de uma ideia, o sítio sofre uma transformação cuja intencionalidade é a criação de um espaço em articulação com o tecido urbano existente. Apelou-se à sensibilidade para a criação de espaços qualificáveis, que tivessem como objectivo uma melhor vivência do espaço urbano.

O redesenhar do espaço público transformando-o numa nova praça pública, foi a estratégia utilizada para melhorar a vivência desta parte da cidade. A articulação com

Raquel dos Santos Catarino 190

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

as já existentes praças, foi um factor determinante que fez ter ainda mais certezas quanto à estratégia de projecto.

Considerar a arquitectura como fenómeno urbano por excelência, como elemento construtivo da cidade mas não coincidente (ou ainda não coincidente) com ela, significa formular hipóteses sobre as relações entre a estrutura e os resultados arquitectónicos que sejam as premissas lógicas para uma investigação no campo específico. (Aymonino, 1984, p. 116)

Raquel dos Santos Catarino 191

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 192

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

5. CONCLUSÃO

Esta dissertação investigou a evolução dos espaços públicos na cidade de Lisboa, sugerindo a tipologia da praça, como elemento gerador do centro urbano.

Os espaços públicos organizam, articulam e relacionam a cidade com o homem. Funcionam como espaços de estar, paragem, passagem, reflexão e animação. A sua apropriação depende da forma como foi projectado e como é feita essa interpretação por parte do usufruidor. Por vezes encarado como o espaço sobrante entre os edifícios, esta é uma ideia errada de espaço público. É urgente que este seja considerado como parte integrante do desenho da cidade. Para além deste facto, a sua importância acresce quando existe a possibilidade de relacionar-se com o edifício envolvente. È como se entre os dois elementos – espaço público e edifício – existisse um diálogo que não pode ser quebrado. Não faria sentido se assim fosse. Por vezes, existem casos em que a edificação torna-se uma consequência do desenho do espaço público e não o contrário.

Iniciou-se no território da cidade de Lisboa, as primeiras configurações do espaço público, consequência do planeamento urbano dos principais intervenientes. A diversidade urbana existente em Lisboa, deriva das ocupações territoriais diferenciadas, ao longo dos tempos. Esta é a marca original de uma cidade e permite compreender por que razão coexiste muitas “Lisboas”, sobrepostas umas às outras. Cada uma revelou personalidades próprias, onde os elementos que as caracterizam, permitem esboçar o retrato de quem as concebeu e habitou.

No estudo do espaço público de Lisboa, foi perceptível a variação e constante modificação dos termos tipológicos. Os centros urbanos ocuparam, ao longo dos tempos, diferentes posições e configurações. De espaços irregulares e construídos arbitrariamente, ao ritmo do desenvolvimento urbano, a espaços geométricos, regulares e previamente planeados, os espaços públicos são parte integrante da paisagem.

As primeiras manifestações de espaços públicos na cidade, apresenta-se sob a forma de organizações orgânicas, espontâneas e irregulares, formadas nas encostas das colinas. Neste período não era definida a designação de uma tipologia de espaço público. Muito menos a referência a praça urbana. Muitos espaços cumpriam as suas funções mas não possuíam as características morfológicas que permite classificá-las

Raquel dos Santos Catarino 193

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

como tal. Lentamente, este processo é implantado na cultura urbanística portuguesa. Em meados do século XV assiste-se a um movimento de renovação, consistindo na reforma, alteração e expansão do desenho urbano da cidade. È neste período que se observa a implantação de espaços regulares no tecido urbano.

Em especial, a praça pública, também sofreu alterações. Primeiro na sua designação, depois na sua configuração, a praça identificou-se como o espaço mais nobre da cidade, com mais história e identidade. É na cidade quinhentista que o centro surge, como espaço modelador. Mas centro é uma definição muito anterior ao século XIV. Este está presente no fórum romano, no suq da cidade islâmica e no rossio da cidade cristã. Em todos estes momentos ele foi identificado como espaço de encontro, de troca, de actividades e ponto de articulação da malha urbana.

O estudo das praças, revelou-se na identificação das principais praças da cidade. A Praça do Comércio, a Praça do Rossio e a Praça da Figueira constituem o sistema de praças mais rico da Baixa Pombalina. Partilham a mesma designação, mas cada uma apresenta a sua história e desempenha o seu próprio papel na cidade. Se a Praça do Rossio representa o espaço social da cidade, onde o movimento e a agitação é a sua maior característica, a “apêndice” Praça da Figueira, caracteriza-se como um espaço de passagem e serve de palco para a prática do skate. A Praça do Comércio é a praça real, a praça cenário onde é possível desfrutar da paisagem, cujo o peso da história domina o espaço.

A criação de uma praça pública no projecto de arquitectura foi a grande referência retirada do estudo dos espaços públicos. Na tentativa de desenvolver e devolver um espaço de qualidade à cidade, a proposta procura redesenhá-lo, em harmonia com a envolvente. Os edifícios que a envolvem e a forma como foram projectados, revelam características próprias do lugar. A abordagem aos casos de estudo, revelaram-se como referências ao desenho da praça. Neste sentido, a pesquisa desenvolvida ao longo da dissertação, tornou-se essencial na concepção do projecto de arquitectura e no entendimento deste com todos os elementos urbanos.

Criaram-se duas situações diferenciadas e vivências distintas mas que relacionavam- se com a linguagem e identidade do lugar. Os dois projectos formam o espaço público que identifica o Campo das Cebolas como praça pública.

Raquel dos Santos Catarino 194

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Assim, a presente dissertação pretendeu, realizar uma reflexão sobre a emergência dos espaços públicos na cidade de Lisboa, avaliando a sua evolução ao longo da história urbana. Concluímos que essa evolução é marcada, pela organização de cheios e vazios, primeiro intencionalmente e depois de uma forma planeada, originando diferentes configurações do espaço e diferentes apropriações do mesmo. Concluímos ainda, a importância do planeamento e desenho dos espaços públicos nas cidades, funcionando como elementos quer fundadores, quer articuladores, da paisagem urbana.

Raquel dos Santos Catarino 195

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 196

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Justino Mendes de (1992) – De Olisipo a Lisboa: Estudos Olisiponenses. 1ª ed. Lisboa: Edições Cosmos.

ALMEIDA, Nuno Guerreiro (2004) – Espaço público e cidade. Arquitectura e Vida. Lisboa. ISSN . (2004) 28-30.

ALVES, José da Felicidade (1989) – Conquista de Lisboa aos Mouros em 1147. Carta de um cruzado inglês. Lisboa: Livros Horizonte.

ALVES, Fernando M. Brandão (2003) – Avaliação da qualidade do Espaço Público Urbano. Proposta Metodológica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

ALVES, João Manuel (2007) – Projecto e Cidade. In DAVID, Ana, coord – Vazios Urbanos, Trienal de Arquitectura de Lisboa. Lisboa: Caleidoscópio. p. 290-291.

ARAÚJO, Norberto de (1940) – Peregrinações em Lisboa. Livro I. Acompanhadas por Martins Barata. Lisboa: António Maria Pereira Editora.

ARAÚJO, Norberto de (1947) – No tempo dos Afonsins. In SEQUEIRA, Gustavo Matos, coord. – Lisboa: Oito Séculos de História. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa. p. 144-164.

ARAÚJO, Renata Malcher; CARITA, Helder; ROSSA, Walter (2002) – Universo Urbanístico Português 1415 – 1822. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.

AYMONINO, Carlo (1984) – O significado das cidades. Lisboa: Editorial Presença.

BARATA, J.P.Martins (1989) – Pensar Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte.

BARBOSA, José Maria da Silva Pinto (1993) – Da praça pública em Portugal. Évora: Universidade de Évora. Tese de doutoramento.

BOTTA, Mário (1996) – Ética de Construir. Lisboa: Edições 70.

BRANCO, Fernando Castelo (1969) – Lisboa Seiscentista. 3ªed. Lisboa:

BRANDÃO, Pedro (2002) – O chão da Cidade. Guia de avaliação do Design de Espaço Público. Lisboa: Centro Português de Design.

Raquel dos Santos Catarino 197

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

BRITO, Raquel Soeiro de (1976) – Lisboa. Esboço Geográfico.

CAMBOTAS, Manuela Cernadas; MEIRELES, Fernanda; PINTO, Ana Lídia (2006) – História da Arte Ocidental e Portuguesa - das origens ao final do Século XX. 2ª ed. revista e actualizada. Lisboa: Porto Editora.

CARITA, Helder (1999) – Lisboa Manuelina e a formação de modelos urbanísticos da época moderna (1495-1521). Lisboa: Livros Horizonte.

CARRÃO, Jorge Vicente de Mendonça (2008) – Estudo da praça como palco, exterior, público e urbano. Lisboa: Universidade Lusíada. Dissertação.

CARVALHO, Gabriela (2007) – Lisboa. In COELHO, Carlos Dias; LAMAS, José, coord. – A Praça em Portugal. Inventário de Espaço Público – Continente. Volume II. Lisboa: Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano. P. 461,462, 473 – 479.

CASTILHO, Júlio de (1937) – Lisboa Antiga. Volume X. 2ª ed. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.

CASTRO, Alexandra (2002) – Espaços Públicos, Coexistência Social e Civilidade. Cidades – Comunidades e Territórios: revista do Centro de Estudos Territoriais do ISCTE. Lisboa. ISSN 1645-0639. 5 (Dezembro 2002) 53-67.

COELHO, António Borges (1994) – O domínio germânico e muçulmano – a conquista de Lisboa. In MOITA, Irisalva, coord. – O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte. p. 85-86.

COELHO, Carlos Dias; LAMAS, José (2007) – A Praça em Portugal. Inventário de Espaço Público – Continente. Lisboa: Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano.

COSTA, A. Celestino da (1951) – A Evolução de uma cidade: Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.

CUNHA, Luiz (2001) – A praça urbana na contemporaneidade. In TEIXEIRA, Manuel coord. – A Praça na Cidade Portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte. p. 237-239.

Raquel dos Santos Catarino 198

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

DIAS, Marina Tavares (1987) – Lisboa Desaparecida. Volume I. Lisboa: Quimera Editores.

DOMINGUES, Dr. Garcia (1947) – Árabes e Moiros. In SEQUEIRA, Gustavo Matos, coord. – Lisboa: Oito Séculos de História. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa. p. 83- 118.

FARIA, Miguel Figueira de (2008) – A praça real do Tejo. In FARIA, Miguel Figueira de, coord. – Praças Reais. Passado, Presente e Futuro. Lisboa: Livros Horizonte. p. 203-218.

FRANÇA, José - Augusto (1980) – Lisboa: Urbanismo e Arquitectura. 1ª ed. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa.

FRANÇA, José - Augusto (1987) – Lisboa Pombalina e o Iluminismo. 3ª ed. Lisboa: Bertrand Editora.

FRANÇA, José – Augusto (1989) – A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina. 3ª ed. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa.

FRANÇA, José – Augusto (1994) – De Pombal ao Fontismo. O urbanismo e a sociedade. In MOITA, Irisalva, coord. – O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte. p. 363-388.

FRANÇA, José - Augusto (2008) - «A Place is a space…». In FARIA, Miguel Figueira de, coord. – Praças Reais. Passado, Presente e Futuro. Lisboa: Livros Horizonte. p.15- 20.

FRANÇA, José - Augusto (2009) – Lisboa: Historia Física e Moral. 2ª ed. Lisboa: Livros Horizonte.

FONTES, Dr. Joaquim (1947) – Nos tempos Pré-históricos. In SEQUEIRA, Gustavo de Matos, coord. – Lisboa: Oito Séculos de História. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa. p. 14-15.

GASPAR, Jorge (1994) – O Desenvolvimento do Sitio de Lisboa. In MOITA, Irisalva, coord. – O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte. p.11-16.

GÓIS, Damião de (1988) – Descrição da Cidade de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte.

Raquel dos Santos Catarino 199

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

GRANDE, Nuno (2002) – O Verdadeiro Mapa do Universo. Uma leitura diacrónica da cidade portuguesa. Coimbra: e|d|arq: Edições do Departamento de Arquitectura da FCTUC.

LAMAS, José M. Ressano Garcia (2004) – Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

LEAL, Joana Cunha (2004) – Legitimação artística e patrimonial da Baixa Pombalina. Revista Monumentos 21. Lisboa. ISSN 0873-6308 (2004) 6-16.

LOUSADA, Maria Alexandre (2008) - Praça e Sociabilidade: Práticas, Representações e Memórias. In FARIA, Miguel Figueira de, coord. – Praças Reais. Passado, Presente e Futuro. Lisboa: Livros Horizonte. p.45-53.

LYNCH, Kevin (1960) – A imagem da cidade. Lisboa: Edições 70.

MACEDO, Luiz Pastor de; SEQUEIRA, Gustavo de Matos (194?) – A Nossa Lisboa. Lisboa: Portugália Editora.

MARQUES, A.H de Oliveira (1994) – Depois da Reconquista. A cidade na baixa idade média. In MOITA, Irisalva, coord. – O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte. p. 89 - 101.

MATOS, José Luís de (1999) – Lisboa Islâmica. Lisboa: Instituto Camões.

MATOS, José Sarmento de (2008) – A Invenção de Lisboa: As chegadas. 1ª ed. Lisboa: Temas e Debates.

MENDES, Joana Carolina de Castro e Silva (2010) – Espaço público e cidadania: o espaço público como factor de coesão e indução de relações sociais qualificadas na cidade. Lisboa: Universidade Lusíada. Dissertação.

MOITA, Irisalva (1982) – Lisboa Romana. Lisboa: Centro Nacional de Cultura.

MOITA, Irisalva (1994) – Das origens Pré-históricas ao Domínio Romano. In MOITA, Irisalva, coord. - O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte. p. 35-68.

MOITA, Irisalva (1994) – Lisboa no Século XVI, a Cidade e o Ambiente. In MOITA, Irisalva, coord. - O Livro de Lisboa. Lisboa: Livros Horizonte. p. 139-167.

Raquel dos Santos Catarino 200

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

MONTEIRO, Claudio (2008) – Escrever direito por linhas rectas. In ROSSA, Walter; TOSTÕES, Ana coord. – Lisboa 1758: o plano da Baixa hoje. Prefácio de António Costa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa. p. 83-100.

MURTEIRA, Helena (2004) – Lisboa antes de Pombal: crescimento e ordenamentos urbanos no contexto da Europa moderna (1640-1755). Revista Monumentos 21. Lisboa. ISSN 0873-6308 (2004) 50-57.

MUSEU DA CIDADE. Exposições. Exposições Permanentes (2008) – Da Olisipona Visigótica à Al-Uxbûna Muçulmana (séc. V – meados do séc. XII) [Em linha]. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa [Consult. 16 Janeiro 2012]. Disponível em www. .

NUNES, Joaquim António (1976) – Imagens de Lisboa (Crónicas). Lisboa: Editorial Minerva.

OLIVEIRA, José Augusto de (1947) – A conquista de Lisboa. In SEQUEIRA, Gustavo de Matos, coord. – Lisboa: Oito Séculos de História. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa. p. 120-140.

PESSOA, Fernando (2008) – Lisboa: o que o turista deve ver. What the tourist should see. 5ª ed. Lisboa: Livros Horizonte.

PIMENTEL, António Filipe (2008) – Da «nova ordem» à «nova ordenação»: ruptura e continuidade na real praça do comércio. In FARIA, Miguel Figueira de, coord. – Praças Reais. Passado, Presente e Futuro. Lisboa: Livros Horizonte. p.105-11.

PIRES, José Cardoso (1998) – Lisboa, livro de bordo. 4ªed. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

PRADALIÉ, Gérard (1975) – Lisboa da Reconquista ao fim do século XIII. Trad. Maria Teresa Campos Rodrigues. Lisboa: Palas Editores.

RAMALHO, Margarida de Magalhães (?) – Lisboa faz-se Cidade. In FAR coord. - Alta de Lisboa – Passado e Presente. Lisboa: Sociedade Gestora da Alta de Lisboa.

REVELAR LX. Acontecimentos entre 0 e 1146 (2005) – Lisboa Árabe Século XVIII – Século XII [Em linha]. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa [Consult. 16 Janeiro 2012]. Disponível em .

Raquel dos Santos Catarino 201

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

REVISTA Monumentos. Dossier: Baixa Pombalina (2004). Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Nº 21 (Setembro 2004). Lisboa: DGEMN.

ROSSA, Walter (1998) – Além da Baixa – Indícios de planeamento urbano na Lisboa setecentista. Lisboa: Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR).

ROSSA, Walter; TOSTÕES, Ana (2008) – Lisboa 1758: o plano da Baixa hoje. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.

ROSSA, Walter (2008) – O Processo da Baixa: no 1º Plano. In ROSSA, Walter; TOSTÕES, Ana coord. – Lisboa 1758: o plano da Baixa hoje. Prefácio de António Costa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa. p. 26-72.

ROSSA, Walter (2004) – Do plano de 1755-1758 para a Baixa Chiado. Revista Monumentos 21. Lisboa. ISSN 0873-6308 (2004) 22-41.

ROSSI, Aldo (2001) – A Arquitectura da Cidade. 2ª ed. Lisboa: Edições Cosmos.

SALGADO, Manuel (1998) – Espaços Públicos. Lisboa: Fundação Banco Comercial Português

SALGUEIRO, Teresa Barata (1992) – A Cidade em Portugal. Uma Geografia Urbana. Porto: Edições Afrontamento.

SANTANA, Francisco; SUCENA, Eduardo (1994) – Dicionário da História de Lisboa. Lisboa: Carlos Quintas & Associados.

SANTOS, Maria Helena Ribeiro dos (2005) – A Baixa Pombalina, Passado e Futuro. Lisboa: Livros Horizonte.

SEQUEIRA, Gustavo de Matos (1929) – Lisboa. Lisboa: Exposição Portuguesa em Sevilha.

SEQUEIRA, Gustavo de Matos (1939) – A Fisionomia de Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.

SEQUEIRA, Gustavo de Matos (1951) – O Rossio: como nasceu e se formou a grande praça de Lisboa. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa.

Raquel dos Santos Catarino 202

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

SILVA, Augusto Vieira da (1944) – Epigrafia de Olisipo (Subsídios para a Historia da Lisboa Romana). Lisboa: Publicações Culturais da Câmara Municipal de Lisboa.

SILVA, Augusto Vieira da (1899) – A Cerca Moura de Lisboa. Lisboa: Revista de Engenharia militar

SILVA, Augusto Vieira da (1987) – A Cerca Fernandina de Lisboa. Volume 1. 2ª ed. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa

SIZA, Álvaro (2009) – Imaginar a evidência. Lisboa: Edições 70.

TEIXEIRA, Manuel (2001) – As praças urbanas portuguesas quinhentistas. In TEIXEIRA, Manuel coord. – A Praça na Cidade Portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte. p. 69-84.

TEIXIRA, Manuel; VALLA, Margarida (1999) – O Urbanismo Português. Séculos XIII- XVIII. Portugal – Brasil. Lisboa: Livros Horizonte.

TOSTÕES, Ana (2008) – Precursores do Urbanismo e da Arquitectura Modernos. In ROSSA, Walter; TOSTÕES, Ana coord. – Lisboa 1758: o plano da Baixa hoje. Prefácio de António Costa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa. p. 170-224.

VALÉRY, Paul (2009) – Eupalino ou o Arquitecto seguido de A Alma e a Dança e Diálogo da Árvore. Lisboa: Fenda Edições.

VIEIRA, Alice (1993) – Esta Lisboa. Lisboa: Editorial Caminho.

Raquel dos Santos Catarino 203

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 204

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Adalberto (1999) – Portugal – Ecos de um Passado Árabe. Lisboa: Instituto Camões.

CASTILHO, Júlio de (1879) – Lisboa Antiga. Lisboa

DIAS, Marina Tavares (1990) – Lisboa Desaparecida. Volume II. 4ªed. Lisboa: Quimera Editores.

FREIRE, João Paulo (1933) – Roteiro da Baixa antes de 1755. Lisboa: Livraria Pacheco.

GARCIA, Carla Alexandra Soares (2000) – A Praça Pública em Portugal no Contexto do Urbanismo Oitocentista. Lisboa: Universidade Lusíada. Dissertação.

GONÇALVES, José Manuel (2006) – Os espaços públicos na reconfiguração física e social da cidade. Lisboa: Universidade Lusíada Editora.

QUINTINO, Catarina Isabel Sereno da Costa (2011) – Reconquista do Espaço Público: o desenho urbano na encosta do Castelo de Lisboa. Lisboa: Universidade Lusíada. Dissertação.

SANTOS, Maria do Rosário (1990) – Rocio/Rossio. Porto: Edições Asa.

SILVA, Augusto Vieira da (1940) – As muralhas da ribeira de Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa.

Lisbon Story [Filme]. Realização de Wim Wenders

Raquel dos Santos Catarino 205

Espaço Público: a Praça na configuração da Baixa de Lisboa

Raquel dos Santos Catarino 206