1 Bazinga! a Desconstrução Do Ritual De Gift Giving Segundo O Discurso
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Bazinga! A Desconstrução do Ritual de Gift Giving segundo o Discurso Racional de Sheldon Cooper Autoria: Carolina Rezende Pereira, Renata Andreoni Barboza Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar, utilizando o método da desconstrução, o que envolve o ritual de oferecimento de presentes, por meio do modelo teórico de Gift Giving de Sherry (1983) e a Teoria da Dádiva. Para tal, utilizamos na análise o discurso racional do personagem Sheldon Cooper, do seriado “The Big Bang Theory”. Percebemos que seu discurso racional é desconstruído quando ele ganha um presente inesperado, e seu discurso utilitarista não condiz com uma prática dadivosa, uma vez que quando ele não tem o controle da situação e precisa demonstrar a retribuição infindável que sente. 1 1. Introdução O Gift Giving é uma prática histórica que já ocorria na Roma e na Grécia antigas, em dia das saturnais, ocasião para celebrações quando os amigos deveriam ser visitados e presenteados com as sigilaria (figuras de terracota ou prata) e com pequenas velas de cera, talvez para representar a volta do sol com sua luz (Leite, 2006). O conceito de Gift Giving pode ser compreendido originalmente dentro de uma abordagem antropológica, a partir do estudo seminal de Marcel Mauss (2003) e sua Teoria da Dádiva. O autor revela que os habitantes das sociedades do Pacífico praticavam a oferta de presentes, de forma voluntária e gratuita e, ao mesmo tempo, interessada e obrigatória. Nessa prática ocorria não só a troca de presentes, mas também de cerimônias, de economia, de casamento, por exemplo. O tema central de estudos da Dádiva é desvendar como os vínculos sociais podem ser reforçados ou não, a partir dos atos de dar-receber-retribuir (Mauss, 2003, Godbout, 1999, Caillé, 1998, 2002). Esses atos são imprescindíveis para o desenvolvimento de relações dadivosas, já que “dar” algo a alguém, implica em alguém receber esse bem e que haja em algum momento oportuno uma retribuição do receptor ao doador. O Gift Giving é considerado como parte de estudos sobre a Teoria da Dádiva, pois as trocas dos presentes, a relação entre doador e receptor envolve os preceitos dadivosos. O ato de Gift Giving é definido como um processo de troca entre o presenteador e o receptor do presente e como tal, traz grandes e importantes consequências econômicas para o mercado consumidor, fazendo dele um ritual de grande interesse para o marketing (Rugimbana, Donahay, Neal & Polonsky, 2003). Além de exercer papel muito importante na economia em termos de vendas no varejo (Sherry, 1983), o ato de Gift Giving também tem o papel de manter relacionamentos interpessoais, uma vez que são expressões intangíveis dos mesmos (Pépece, 2002). Para Lourenço e Rezende (2012) a pesquisa sobre Gift Giving é relevante para os estudos de consumo e, consequentemente, para os varejistas, pois a partir dela podem-se entender vários fatores que levam o comprador a se comportar de determinada maneira. Conforme vemos em Sherry (1983), estudar a prática de presentear é importante, tanto pelo seu valor representativo na economia quanto pelo simbolismo de seu papel. No Brasil podemos encontrar algumas pesquisas que abordam o assunto como a de Farias, Dias, Benevides, Pereira e Bezerra (2001), Pépece (2002), Santana, Carvalho e Fagundes (2006) e Almeida e Lima (2007). Estas pesquisas observam o Gift Giving sob uma perspectiva psicológica, diferente da proposta deste artigo que observa o Gift Giving em sua dimensão total, ou seja, como um ciclo de interações dos sujeitos no meio social, contribuindo então com esta lacuna presente na literatura. Este artigo tem como objetivo analisar o que envolve o ritual de oferecimento de presentes – Gift Giving – a partir do modelo de Sherry (1983), utilizando como análise a desconstrução do significado pelo discurso racional do personagem Sheldon Cooper, do seriado “The Big Bang Theory”. Os episódios analisados apresentam situações mundanas de presenteamento como aniversário, casamento e Natal. A escolha do personagem Sheldon Cooper é em razão do seu comportamento ser o antônimo de reações usuais nas trocas de presentes, isto é, o discurso racional de Sheldon contraria aquilo que não é velado no ritual de Gift Giving e, por isso, se mostra como um importante artefato para analisar a contrariedade dos discursos racionais e dadivosos que acontece no mundo cotidiano. Uma vez que, ao presentearmos alguém podemos ter a dualidade de equivaler à relação como se fosse um troco econômico (visão utilitária) ou que seja encorajada nas pessoas que continuem no ciclo dadivoso (Pereira, Strehlau, & Huertas, 2013). O que o seriado “The Big Bang Theory” faz é brincar com essas situações para repensarmos como nós reagimos perante as situações de 2 presenteamento. No Comportamento do Consumidor podemos analisar esses episódios como a dualidade do consumidor, ou seja, há a presença dos discursos e práticas racionais, porém o Gift Giving está presente nas conjecturas dos atos de presentear alguém. Um diferencial deste artigo é se utilizar de um seriado televisivo para apresentar uma teoria, o que é pouco usual nos estudos de Marketing. Nesta pesquisa será apresentada a Teoria da Dádiva que embasa o Gift Giving, o ritual do Gift Giving, o papel das trocas de bens e sua influência na trama dos vínculos sociais. Posteriormente, será apresentado o método da desconstrução que visa à exposição de contradições ou dicotomias presentes em um determinado texto, e em seguida serão analisados três episódios do seriado “The Big Bang Theory”, sob a perspectiva do ritual do Gift Giving. A última seção apresenta as considerações finais do estudo. 2. O Gift Giving na Dádiva O Gift Giving é uma teoria advinda da Antropologia, especificamente da Teoria da Dádiva (Mauss, 2003). O aspecto principal da Dádiva é compreender a gênese dos laços sociais e como eles se manifestam por meio dos símbolos, dos bens e dos rituais. Para que os vínculos sociais permaneçam, é imprescindível que os atos de dar, receber e retribuir circulem entre os indivíduos, para que eles sempre se sintam intencionados a gerar esses atos e torná- los um ciclo (Pereira et al., 2013). Concomitante, é necessário que as pessoas possuam certas características para que os vínculos sociais permaneçam, como por exemplo, liberdade e risco, prazer do gesto, ação desinteressada, interação e sociabilidade, não equivalente, dívida moral e valor simbólico (Godbout, 1999, Caillé, 2002). Cada característica em particular será detalhada a seguir para melhor compreensão das ações dos sujeitos numa relação dadivosa. A essência da Dádiva está na liberdade e no risco, pois não há regras de comportamento, por isso as pessoas envolvidas nos vínculos sociais podem correr o risco de que não aconteça a retribuição ou até mesmo de não querer retribuir, logo, a liberdade é uma característica essencial para que a Dádiva ocorra. Portanto, as pessoas são agentes sociais na trama dadivosa. Ademais, é preciso que esses sujeitos sintam prazer no gesto de seus atos, e por isso, ela não pode ser obrigatória, no sentido de ser um encargo ou um compromisso. O sentido da Dádiva é de uma ação desinteressada, pois o interesse é livre, deve partir dos sujeitos para que os vínculos sociais aconteçam. A interação entre doador e receptor se dá por meio das trocas sociais, o que gera entre eles sociabilidade. Uma relação dadivosa não pode ser equivalente, já que ela não visa um ideal utilitário, próprio do paradigma do individualista. Nesse último, a sua ideologia é sempre colocar as relações com um fim calculista, ou seja, deve-se findar e evitar que haja dívidas entre os sujeitos. Porém, a dívida na Dádiva não é utilitarista, é preciso que haja a dívida moral para que os vínculos sociais continuem a acontecer, já que é preciso que um sempre sinta que deve “dar” ou “retribuir” mais que o outro. E por fim, a lógica da Dádiva não está no valor monetário ou racional das ações, e sim, no seu valor simbólico. Os estudos de Gift Giving tiveram influência a partir do artigo de Marcel Mauss intitulado “O Ensaio da Dádiva” em 1924, com essa teoria várias áreas do conhecimento, além da Antropologia, como a Psicologia Social e o Comportamento do Consumidor, começaram a utilizá-la para compreender o fenômeno das trocas não econômicas envolvidas entre as pessoas. Devemos nos atentar que os preceitos já explicitados na Dádiva, como os atos de dar-receber-retribuir e suas características, devem fazer parte da análise do Gift Giving. Os estudos de Gift Giving no Comportamento do Consumidor tiveram maior intensidade a partir da década de 1970. A Figura 1 ilustra o crescimento dessa teoria por 3 décadas e sua evolução da temática a partir de artigos clássicos para a compreensão do fenômeno do ato de presentear. Gift Giving nas décadas Temas Década de 1970 Função do Gift Giving, a sua influência no consumo e o relacionamento entre doador e receptor (Belk, 1976, 1979; Banks, 1979, Tigert, 1979) Década de 1980 Consolidação teórica (Sherry, 1983) e pesquisas empíricas que relacionam Gift Giving com outros tópicos como a sua influência na cultura (Cronk, 1989), análises cross-cultural (Reardon, 1984), ocasiões festivas como o Natal (Hite & Bellizi, 1987; Cutler, 1989) Década de 1990 Surgimento de outros tópicos como o de gênero (Otnes & Ruth, 1994), o significado do Gift Giving nas relações interpessoais (Belk & Coon, 1993; Komter & Vollebergh, 1997). Década de 2000 Diferenças de gênero (Saad & Gill, 2003), as marcas (Parsons, 2002; O´Cass & Clarke, 2002) e compra de presentes (Trebay, 2004). Figura 1. Temas sobre Gift Giving por décadas A década de setenta foi o período inicial de pesquisas sobre Gift Giving, e os estudos de Belk (1976, 1979) foram primordiais para o entendimento das relações sociais envolvidas no presenteamento e no consumo. A década de oitenta pode ser considerada como aquela que consolida a teoria, uma vez que três modelos teóricos foram propostos para a análise do fenômeno do Gift Giving (Belk, 1976, Banks, 1979, Sherry, 1983).