Interciencia ISSN: 0378-1844 [email protected] Asociación Interciencia Venezuela

Nascimento Oliveira Fogaça, Fabio; Rocha Aranha, José Marcelo; Pereira Esper, Maria De Lourdes Ictiofauna do Rio do Quebra (Antonina, PR, Brasil): ocupação espacial e hábito alimentar Interciencia, vol. 28, núm. 3, marzo, 2003, pp. 168-173 Asociación Interciencia Caracas, Venezuela

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Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto ICTIOFAUNA DO RIO DO QUEBRA (ANTONINA, PR, BRASIL): OCUPAÇÃO ESPACIAL E HÁBITO ALIMENTAR

Fabio Nascimento Oliveira Fogaça, José Marcelo Rocha Aranha e Maria De Lourdes Pereira Esper

RESUMO

O presente estudo avaliou a dieta, as táticas alimentares gulhos e nove foram registradas apenas nas coletas. Quinze es- empregadas e a maneira como as espécies da ictiocenose do rio pécies tiveram seu conteúdo estomacal analisado para determi- do Quebra ocupam seus respectivos microambientes. As amostra- nação da dieta e foram agrupadas em cinco guildas tróficas. gens foram feitas através de técnicas tradicionais de coleta (pe- Seis microambientes distintos foram definidos e a maneira como neira, redes, puçá) e complementadas com observações as espécies os ocupavam determinada. No geral houve grande subaquáticas através de mergulho livre (snorkel e máscara). Vin- sobreposição tanto na dieta quanto na ocupação espacial. A te e cinco espécies pertencentes a nove famílias foram guilda “insetívoros com predominância de insetos terrestres” foi identificadas. Quinze espécies foram observadas durante os mer- a única a apresentar segregação espacial clara.

Introdução neotropical, para que se possa pação espacial e as estratégias região foi definido segundo entender melhor a dinâmica alimentares da comunidade Köeppen (in IAPAR, 1978), Ecossistemas são formados de suas comunidades. ictiíca de um trecho do rio do como clima tropical superú- por uma complexa rede de A análise da dieta, comple- Quebra (Antonina, PR). mido, sem estação seca e interações entre fatores bió- mentada pela análise da utili- isento de geadas. As menores ticos e abióticos. Esta com- zação do habitat, proporciona Área do Estudo taxas de precipitação pluvio- plexidade é particularmente uma ótima visualização do métrica ocorrem no mês de acentuada em comunidades funcionamento das comunida- O estudo foi realizado no julho e as maiores no mês de ictiícas neotropicais devido a des ictiícas, abrangendo tanto rio do Quebra (25º13'S, fevereiro. A temperatura mé- sua elevada riqueza. Böhlke et as dimensões tróficas quanto 48º42'W), o qual pertence à dia anual varia de 17 a 21ºC. al. (1978) e Sabino e Castro as dimensões espaciais da bacia Atlântica, sub-bacia de O trecho estudado do rio (1990) ressaltam a necessida- partilha de recursos. Antonina (Maack, 1981), mu- do Quebra é de 3a ordem, de de um maior número de O objetivo deste trabalho nicípio de Antonina, Estado possuindo águas cristalinas estudos em rios da região foi determinar a dieta, a ocu- do Paraná, Brasil. O clima da com ótima visibilidade. No

PALAVRAS CHAVE / Dieta de Peixes / Estratégia Alimentar / Ocupação Espacial / Peixes de Riacho / Recebido: 01/11/2002. Modificado: 18/02/2003. Aceito: 28/02/2003

Fabio Nascimento Oliveira Fo- Zoología (Museu Nacional/ partamento de Zoologia, Setor Maria De Lourdes Pereira Esper. gaça. Biólogo e Mestre em UFRJ). Doutor em Ecologia, Ciências Biológicas Universi- História Natural e Mestre en Zoologia, Universidade Federal Universidade Federal de San dade Federal do Parná, Caixa Zoologia (UFPR). Professora do Paraná (UFPR). Carlos (UFSCar). Professor Postal 19020, CEP 81531, Cu- Adjunta, Departamento de Zo- José Marcelo Rocha Aranha. Bió- Adjunto, Departamento de Zo- ritiba, Paraná, Brasil. e-mail: ologia (UFPR). logo (UNESP). Mestre en ologia (UFPR). Endereço: De- [email protected]

168 0378-1844/03/03/168-06 $ 3.00/0 MAR 2003, VOL. 28 Nº 3 SUMMARY

The present paper studied the feeding strategy and patterns of fifteen species was determined by the analysis of their of spatial occupation in Quebra stream fish assemblage. The stomach contents. Five trophic guilds were determined. Six samples were taken using traditional methods (fishing-nets and microhabitats were defined and the patterns of spatial sieves) and complemented with underwater observations through occupation were determined for each one. In general there was snorkeling. Twenty five species belonging to nine families were a great overlap both in the diet and spatial occupation. The identified. Fifteen species were observed during the underwater guild “insectivorous with predominance of terrestrial insects” observations and nine were registered only by sampling. The diet showed a clear segregation in the pattern of spatial occupation.

RESUMEN

El presente estudio evaluó la dieta, las tácticas alimenticias 15 especies fue analizado para la determinación de su dieta y empleadas y la manera como las especies de peces del Río do fueron agrupadas en 5 categorías tróficas. Seis microambientes Quebra ocupan sus respectivos microambientes. Las muestras distintos fueron definidos y la manera como las especies los fueron hechas con salabardos, redes y complementadas con ocupaban fueron determinadas. En general hubo una gran observaciones subacuáticas con tubo respirador y máscara. sobreposición en la dieta y en la ocupación del espacio. La Fueron identificadas 25 especies que pertenecen a nueve categoría “insectívoro con predominio de insectos terrestres” fue familias; 15 especies fueron observadas con máscara y 9 fueron la única con segregación clara del espacio. certificadas solamente en las colectas. El contenido estomacal de

geral possui fundo arenoso, velocidade era superior a padronização do tempo de ob- Lótico (PLo), Margem (M) e mas também possui poços 0,25m/s. No momento das co- servação em cada microambi- Árvores Terrestres Parcial- com grandes rochas no fundo letas, foi assinalado nesse cro- ente. mente Submersas (ATS). e locais rasos com fundo de qui o local onde os indivíduos Durante as observações cascalho. Na vegetação margi- foram coletados, para auxiliar Resultados subaquáticas, a semelhança nal predominam gramíneas e a análise do habitat preferen- morfológica de determinados árvores de médio porte, mui- cial de cada espécie. Composição específica pares de espécies (D. langei e tas das quais exóticas. A área delimitada para a Astyanax sp., C. lanei e C. realização de observações Foram observadas 25 espé- pterostictum, R. kronei e R. Materiais e Métodos subaquáticas compreendeu um cies; 14 Siluriformes, 6 Cha- lima), tornou muitas vezes trecho com aproximadamente raciformes, 3 Perciformes, 1 inviável a determinação da Os peixes foram capturados 100m de extensão. Symbranchiformes e 1 Cypri- espécie a qual o indivíduo sempre no período diurno, Os conteúdos estomacais de nodontiformes (Tabela I). pertencia. Assim, quando esta através de rede de arrasto no mínimo 5 e no máximo 15 G. brasiliensis, S. marmo- identificação não foi possível, (malha 2mm), peneira (malha indivíduos de cada espécie fo- ratus e P. pappenheimi foram indivíduos pertencentes a es- 2mm) e rede de espera (ma- ram analisados em lupa e mi- apenas observadas, não sendo tes pares de espécies foram lha 0,15 e 0,20). A fixação croscópio, pelo método da capturadas nas coletas, e 9 tratados como “lambaris” (D. foi feita em formol a 10% e a freqüência de ocorrência foram coletadas e não obser- langei e Astyanax sp.), Cha- conservação em álcool a 70%. (Windell, 1968). A análise da vadas diretamente. racidium spp. (C. lanei e C. Foram realizadas duas coletas, similaridade da frequência de Dentre as espécies coleta- pterostictum) e Rineloricaria uma em abril e outra em ocorrência de cada item foi das D. langei, Astyanax sp., spp. (R. kronei e R. lima). agosto de 1999. Durante a calculada pelo método de C. lanei e C. pterostictum fo- Nos microambientes RLA primeira coleta, foi feito um Morisita, modificado por ram as espécies mais comuns, foram observadas poucas es- croqui do trecho de estudo Horn (Smith e Zaret, 1982) e enquanto Crenicichla sp., C. pécies; C. barbatus foi a mais contendo informações sobre o os resultados agrupados pelo facetum, Ancistrus sp. e T. abundante. tipo de fundo (cascalho, areia, método UPGMA (Romesburg, davisi foram as menos fre- Nos microambientes RLC, argila), tipo de margem (bar- 1990), a fim de determinar as qüentes. Characidium spp e “lambaris” ranco, praia), vegetação mar- guildas tróficas. foram os mais freqüentes. Os ginal (arbustiva, arbórea, her- As observações subaquáti- Ocupação espacial “lambaris” permaneceram na- bácea), profundidade e largura cas foram realizadas nos me- dando ininterruptamente nas do rio e velocidade da corren- ses de outubro e novembro, No total foram realizadas 5 porções média e inferior da te (lenta ou rápida). A veloci- através de “snorkeling” e horas de observação, distribu- coluna d’água, enquanto os dade da corrente foi determi- sempre no período matutino. ídas por todos os microambi- Characidium spp ocupavam o nada medindo-se o tempo que Nesses mergulhos observou-se entes do rio. A partir destas fundo e só realizavam desloca- um objeto levava para percor- o comportamento dos peixes observações, os microambien- mentos curtos. Nos trechos de rer uma distância de 1m, deli- com relação ao seu ambiente tes existentes no rio do Que- maior correnteza, Characidium mitada por duas cordas trans- preferencial e as táticas ali- bra (Tabelas I e II) foram di- spp procuravam se abrigar da versais ao leito do rio. A cor- mentares que utilizavam. To- vididos em 6 categorias: Raso corrente atrás de rochas. Neste renteza foi considerada lenta mou-se cuidado para que to- Lótico com Fundo de Areia ambiente foram coletados os quando a velocidade superfici- dos os microambientes identi- (RLA), Raso Lótico com únicos dois exemplares de T. al da água era inferior a ficados fossem observados, Fundo de Cascalho (RLC), davisi que se encontravam no 0,25m/s e rápida quando esta sem contudo ser efetuada uma Poço Lêntico (PLe), Poço meio das rochas, em um local

MAR 2003, VOL. 28 Nº 3 169 bem raso. S. marmoratus é ci- TABELA I tado pela literatura como pos- ESPÉCIES DE PEIXES COLETADAS E/OU OBSERVADAS NO RIO DO QUEBRA suindo hábitos noturnos, po- (ANTONINA, PR, BRASIL), OS CÓDIGOS ATRIBUÍDOS A CADA UMA, rém os três exemplares obser- E OS MICROAMBIENTES ONDE OCORRERAM vados neste microambiente do rio do Quebra estavam ativos Espécie Código Microambientes durante o período diurno, na- dando junto ao fundo por en- ATS M PLe PLo RLA RLC tre as pedras, em locais com SILURIFORMES profundidade em torno de Família Pimelodidae 20cm. Microglanis parahybae (Steindachner, 1880) C Mig X Nos microambientes PLe, as espécies mais abundantes fo- Acentronichtys leptos Eigenmann e Eigenmann, 1889 C Act X X ram C. barbatus, M. microle- Rhamdia quelen (Quoy e Gaimard, 1824) C Rmd X pis e os “lambaris”. C. barba- Pimelodella pappenheimi Ahl, 1921 O Pml X tus permaneceu sempre junto Família Trichomycteridae ao fundo e demonstrou prefe- Trichomycterus davisi Haseman, 1911 C Tri X rência por substrato arenoso. Família Os “lambaris” ocupavam as Hisonotus leucofrenatus (Ribeiro, 1908) C His X X porções média e superior da Pseudotothyris obtusa (Ribeiro, 1911) C,O Pse X X X X coluna da água, enquanto M. Schizolecis guntheri Britski e Garavelo, 1984 C,O Sch X X X microlepis ocupava apenas a Pareiorhina sp C Par X porção superior. Tanto M. mi- subteres Ribeiro, 1908 C,O Kro X X X crolepis quanto os “lambaris” Rineloricaria kronei (Ribeiro, 1911) C,O Rnk XXXXX nadavam ininterruptamente Rineloricaria lima CRnlXXXXX contra a correnteza. Os microambientes PLo Ancistrus sp C,O Anc X X apresentaram grande riqueza Família Callichthyidae de espécies, sendo superados Corydoras barbatus (Quoy e Gaimard, 1824) C,O Cor XXXXX apenas pelo microambiente M. CHARACIFORMES Neste ambiente houve predo- Família Erythrinidae mínio dos “lambaris” que ocu- Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) C Hop X pavam tanto a coluna da água Família Characidae quanto o substrato pedregoso Astyanax sp C,OAstXXXXX do fundo. Rineloricaria spp Deuterodon langei Travassos, 1957 C,O Deu XXXXX também foram freqüentes, per- Mimagoniates microlepis (Steindachner, 1876) C,O Mim X X X manecendo nos espaços entre Characidium lanei Travassos, 1967 C,O Chl X X X X as pedras ou quase totalmente Characidium pterostictum Gomes, 1947 C,O Chp X X X enterrados no substrato areno- PERCIFORMES so. M. microlepis foi a segun- da espécie mais abundante, Família Cichlidae ocupando a porção superior da Cichlasoma facetum (Jenyns, 1842) C Cic X coluna d’água. K. subteres, S. Crenicichla sp C,O Cre X X X guntheri e P. obtusa também Geophagus brasiliensis (Quoy e Gaimard, 1824) O Geo X X X foram observados, o primeiro SYMBRANCHIFORMES em pequenos grupos de dois Família Symbranchidae ou três indivíduos aderidos as Symbranchus marmoratus Bloch, 1795 O Syb X X X pedras do fundo, enquanto que CYPRINODONTIFORMES S. guntheri e P. obtusa foram Família Poecilidae vistos individualmente aderidos Phalloceros caudimaculatus (Hensel, 1868) C,O Pha X X a troncos caídos submersos. O microambiente M apre- C: Coletada, O: Observada. ATS: Árvores terrestres parcialmente submersas, M: Margem, Ple: Poço lêntico, sentou a maior riqueza de es- Plo: Poço lótico, RLA: Raso lótico com fundo de areia, RLC: Raso lótico com fundo de cascalho. TABELA II PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS MICROAMBIENTES DETERMINADOS PARA O RIO DO QUEBRA (ANTONINA, PR, BRASIL)

Código do microambiente RLA RLC PLe PLo M ATS

Velocidade da corrente Rápida Rápida Lenta Rápida Rápida ou Lenta Rápida Profundidade 10-50cm 5-30cm >50cm >50cm Variável <30cm* Substrato predominante Areia Cascalho Rochas c/Ø>50cm Rochas c/Ø>50cm Material vegetal Material vegetal

ATS: Árvores terrestres parcialmente submersas, M: Margem, Ple: Poço lêntico, Plo: Poço lótico, RLA: Raso lótico com fundo de areia, RLC: Raso lótico com fundo de cascalho.* Medida efetuada do ponto de maior imersão dos galhos das árvores marginais até a superfície. Ø = diâmetro

170 MAR 2003, VOL. 28 Nº 3 TABELA III FREQUÊNCIA DE OCORRÊNCIA DOS ITENS AGRUPADOS E O NÚMERO DE ESTÔMAGOS ANALISADOS PARA CADA ESPÉCIE DE PEIXE COLETADA NO RIO DO QUEBRA (ANTONINA, PR, BRASIL)*

Guildas Tróficas** 1 2 3 4 5 Hop Act Deu Mig Chp Chl Mim Par Rnk Sch Pha Pse Kro Cor Ast Núm. Estômagos abertos 1 7 15 9 15 15 15 5 14 15 13 15 15 15 15 Alga unicelular 42 39 42 39 33 38 23 25 Alga filamentosa 17 30 36 27 20 22 17 13 Alga não identificada 8 4 6 3 Outros materiais vegetais 8 4 8 4 10 18 17 12 19

Total Material Vegetal (%) 00804007577948473605257

Ovo de invertebrado 3 13 14 5 Testacea 8 9 3 15 4 Microcrustáceo 8 3 Camarão 50 Insetos aquáticos imaturos 60 69 54 58 62 19 9 12 3 24 26 Insetos terrestres 20 15 31 19 4 3 2 6 Araneae 4 Acarina 20 13 7 7 Restos de artrópodos 8 25 38 51 Escama de peixe 15 8 22 2 Peixe 50 Organismo não identificado 74

Total Material (%) 100 100 92 100 96 100 100 24 22 6 15 26 40 48 43

* Códigos das espécies na Tabela I. ** Os conjuntos de espécies designados pelos números de 1 a 5 representam as guildas tróficas. 1: Carnívoro, 2: Insetívoros com predominância em insetos aquáticos, 3: Insetívoro com predominância em insetos terrestres, 4: Algívoros, 5: Onívoros. pécies. Das 25 espécies captu- luna d’água logo abaixo deste radas no rio do Quebra, 19 microambiente. ocorreram neste microambien- te. P. obtusa, Rhamdia quelen, Dieta A. leptos, H. malabaricus, Pareiorhina sp, H. leucofrena- Foi analisado o conteúdo es- tus e C. facetum só ocorreram tomacal de 184 exemplares nas coletas, não sendo obser- pertencentes a 15 das 25 espé- vados durante os mergulhos. cies encontradas no rio do G. brasiliensis e Crenicichla Quebra. Os itens do conteúdo sp foram vistos no meio de estomacal foram identificados troncos e galhos caídos até o menor nível taxonômico submersos; e P. caudimacula- possível. No total, 45 itens fo- tus encontrava-se no meio da ram identificados. Estes 45 vegetação a exemplo de Cha- itens foram agrupados em 16 racidium spp, C. barbatus e categorias, de forma a permitir “lambaris”. a análise de similaridade da O microambiente ATS é for- dieta. O número de estômagos mado por galhos pertencentes abertos por espécie, bem como as árvores marginais, que en- os itens agrupados encontrados tram em contato com a água em cada uma das espécies en- ficando parcialmente contram-se na Tabela III. A submersos, acumulando todo partir de uma matriz de simi- tipo de detrito que é carregado laridade de dieta foi feita a pela corrente. Neste local fo- análise de agrupamento e ram encontrados os únicos in- construído o dendrograma (Fi- divíduos de M. parahybae gura 1). Figura 1. Dendrograma das guildas tróficas determinadas pelo méto- além de grande quantidade de Foram definidas 5 guildas do de agrupamento UPGMA. 1: Carnívoro, 2: Insetívoros com pre- A. leptos. M. microlepis foi tróficas para as 15 espécies dominância em insetos aquáticos, 3: Insetívoros com predominância observado com frequência na- estudadas (Tabela III e Figu- em insetos terrestres, 4: Algívoros, 5: Onívoros. Códigos das espéci- dando no terço superior da co- ra1): es na Tabela I.

MAR 2003, VOL. 28 Nº 3 171 A. leptos, M. parahybae, sa em potencial, investem so- pécies, os caraciformes foram deve ser a principal causa da D. langei, C. pterostictum e bre a mesma no intuito de bem mais abundantes em nú- baixa ocorrência de espécies C. lanei foram consideradas capturá-la. Characidium spp. mero de indivíduos. neste local (a menor entre to- insetívoras com predomínio e Crenicichla sp foram inclu- As observações subaquáti- dos os microambientes estu- em insetos aquáticos, visto ídas nesta categoria. cas foram de grande valia, dados). Os resultados obtidos que no mínimo 54% dos Espécies escavadoras revol- permitindo complementar os na análise de ocupação espa- itens ocorrentes nestas espé- vem o substrato (normalmen- dados de dieta com dados de cial, no geral, são muito se- cies eram insetos aquáticos. te areia) em busca de ali- estratégia alimentar e ocupa- melhantes aqueles obtidos H. malabaricus foi classifi- mento. C. barbatus e Rinelo- ção espacial, fornecendo as- por Teixeira (1989) e Aranha cada como carnívora por ricaria spp. foram colocados sim um panorama bem mais et al. (1998). apresentar uma dieta consti- nesta categoria. completo da dinâmica da co- As dietas apresentadas pe- tuída exclusivamente de itens Espécies podadoras apre- munidade. Alguns autores las espécies estudadas corro- animais que não insetos. sentam um comportamento têm procurado aliar observa- boram a literatura existente. Dentre as espécies estudadas, caracterizado por mordiscar ções e coletas diretas através Pequenas diferenças nos re- esta foi a única a consumir na superfície do substrato, de mergulho livre aos méto- sultados já eram esperadas, organismos de maior porte seguido de um brusco movi- dos tradicionais (e.g. Sabino pois como Sabino e Castro (camarão e peixe). mento lateral do corpo, per- e Castro, 1990; Aranha et al., (1990) e Lowe-McConnell M. microlepis foi conside- mitindo cortar e arrancar par- 1998). Além de permitir a (1999) ressaltaram, peixes rado insetívoro com predomí- te do perifiton. Apenas os observação da estratégia ali- em geral são euritróficos, nio em insetos terrestres. “lambaris” foram incluídos mentar e ocupação espacial, mudando sua dieta junto com Esta espécie consumiu 19% nesta categoria. outra vantagem dos métodos as mudanças estacionais ou de insetos terrestres e 51% As espécies raspadoras diretos é a obtenção de infor- em seu biótipo. de restos de artrópodos. permanecem junto ao fundo, mações sobre aquelas espéci- Os algívoros alimentaram- Pareorhina sp., R. kronei, raspando a vegetação e os es difíceis de serem coleta- se principalmente de algas S. guntheri, P. obtusa, K. microorganismos que se de- das, mas que podem ser ob- unicelulares e filamentosas, subteres e P. caudimaculatus senvolvem sobre as rochas. servadas. sendo as algas unicelulares foram classificados como C. barbatus e P. obtusa fo- Com relação à ocupação constituídas, em sua maioria, algívoros. Para estas espécies ram vistos realizando esta es- espacial, o microambiente M por exemplares da classe Ba- pelo menos 60% dos itens tratégia. apresentou a maior ocorrên- cillariophyceae e, em número que ocorreram eram vegetais, cia de espécies. Entre os pro- menor, por exemplares da principalmente algas (pelo Discussão váveis fatores que contribu- classe Chlorophyceae. As fi- menos 56%). em para a alta utilização des- lamentosas, na quase totali- Astyanax sp e C. barbatus Apesar do pequeno número te microambiente, estão a dade das vezes, não puderam foram considerados onívoros, de coletas, a riqueza de espé- proteção, oferecida pela ve- ser identificadas ao nível de por apresentarem uma pro- cies do rio do Quebra foi si- getação e a grande disponibi- classe. Quando esta identifi- porção de itens animais e ve- milar, ou até mesmo superior, lidade de alimento para as cação foi possível eram, em getais muito próxima. Além a de outros estudos realiza- espécies algívoras e insetívo- geral, Bacillariophyceae. disso, estas espécies aparen- dos em rios pertencentes a ras. De modo semelhante, al- A espécie K. subteres foi temente não apresentaram Bacia do Leste brasileira. gumas espécies predadoras, considerada algívora (Figura predomínio de determinada Costa (1984) identificou 22 como H. malabaricus, ocu- 1), a despeito de possuir categoria de alimento, suge- espécies em 19 locais de co- pam este microambiente para 40% de itens animais em sua rindo uma dieta generalista. leta na bacia do rio Ubatiba; espreitar possíveis presas. Já dieta (22% escamas de peixe Costa (1987) encontrou 17 os microambientes RLAe e 14% ovos de invertebra- Estratégia alimentar espécies no rio Mato Grosso ATS apresentaram o menor dos). A ingestão das escamas no Estado do Rio de Janeiro; número de espécies. A difi- pode ter sido oportunista, Quanto a estratégia alimen- Teixeira (1989) identificou culdade para ocupar um am- também encontrada por Ara- tar, as espécies foram incluí- 25 espécies em um rio cos- biente de forte correnteza, nha et al. (1998), pois K. das nas 5 categorias já defi- teiro no Estado do Rio Gran- com pouca ou nenhuma área subteres não possui morfolo- nidas em Aranha et al. de do Sul, enquanto Sabino e para abrigo deve ser respon- gia do aparelho bucal que (1998). Estas categorias são: Castro (1990) identificaram sável pela baixa utilização do permita arrancar escamas de catadoras na coluna d’água, apenas oito espécies traba- microambiente RLA. Além outro peixe. Provavelmente predadoras de espreita, esca- lhando em um rio no Estado disso, a forte correnteza alia- estas escamas desprenderam- vadoras, podadoras e raspa- de São Paulo. da a ausência de rochas e ve- se de outros peixes, deposi- doras. Com relação a representati- getação tornam o substrato tando-se no substrato e foram Espécies catadoras na colu- vidade, a ordem Siluriformes muito lavado e provavelmen- ingeridas junto com outros na d’água capturam o ali- (56%) apresentou mais que o te com menor disponibilidade alimentos. O mesmo pode ser mento que é trazido pela cor- dobro do número de espécies de alimentos, dificultando dito quanto à ingestão de renteza. M. microlepis e pertencentes à ordem Chara- ainda mais a ocupação deste ovos de invertebrados. So- “lambaris” encontram-se nes- ciformes (24%). Este predo- microambiente. O microam- mente estudos mais extensos ta categoria. mínio de Siluriformes sobre biente ATS é muito distinto e sobre a alimentação desta es- Espécies predadoras de es- Characiformes também foi exige que as espécies utili- pécie poderão indicar com preita mantém-se junto ao encontrado no Estado do zem basicamente as frestas segurança a importância des- fundo, ou à vegetação margi- Paraná por Wosiacki (1990) e entre folhas e outros materi- tes itens na dieta de K. sub- nal, movendo-se pouco e es- Aranha et al. (1998). Vale ais de origem orgânica depo- teres. perando que a presa surja. ressaltar que embora menos sitados. Esta especialização Os principais organismos Quando identificam uma pre- abundantes em número de es- na utilização do ambiente ingeridos pelas espécies inse-

172 MAR 2003, VOL. 28 Nº 3 tívoras com predomínio em tanto, esta sobreposição não ra). Mesmo estando localiza- Brazil). Brazilian Arch. Biol. insetos aquáticos foram lar- implica, necessariamente, em das em rios próximos e pos- Technol. 43. vas de (Dip- competição pelo alimento. suindo composição específica Böhlke JE, Weitzman SH, Mene- zes NA (1978) Estado atual tera) e ninfas de Ephemerop- Diferenças na ocupação espa- muito semelhante, as comu- da sistemática dos peixes de tera. Isto corrobora informa- cial e/ou nas estratégias ali- nidades ictiícas do rio do água doce da América do Sul. ções da literatura para C. la- mentares podem evitar a Quebra e do rio Mergulhão Acta Am. 8:657-677. nei e C. pterostictum (Aranha competição, mesmo para re- mostraram diferenças na die- Costa WJEM (1984) Peixes Fluvi- et al., 2000), mas diverge cursos que não sejam abun- ta, definindo-se 5 guildas tró- ais Do Sistema Lagunar De para D. langei que foi consi- dantes (Esteves e Aranha, ficas para o rio do Quebra e Maricá, Rio De Janeiro, Bra- sil. Atlântica (Rio Grande) 7: derado como onívoro/algívo- 1999). Além do mais, como 7 guildas tróficas para o rio 65-72. ro por Aranha et al. (1998). Uieda (1983) ressaltou, os Mergulhão. Além disso, Ara- Costa WJEM (1987) Feeding M. microlepis apresentou cálculos de similaridade de nha et al., (1998) concluíram Habits Of A Fish Community dieta com predominância em dieta com os itens alimenta- que as guildas tróficas e es- In A Tropical Coastal Stream, insetos terrestres. A denomi- res agrupados em categorias paciais tiveram diferentes Rio Mato Grosso, Brazil. Stud. Neotrop. Fauna Environ. nação “com predominância taxonômicas mais amplas po- composições específicas no 22: 145-153. em insetos terrestres” se deve dem gerar uma superestimati- rio Mergulhão, sugerindo que Esteves KE, Aranha JMR (1999) ao fato da categoria restos de va no grau de sobreposição estas diferenças possam re- Ecologia trófica de peixes de artrópodos ter sido constituí- alimentar. presentar um mecanismo de riachos. Oecologia Brasiliensis da, em sua maioria, por restos No rio do Quebra as espé- segregação. No rio do Que- 6: 157-182. de insetos terrestres, os quais cies algívoras apresentaram bra, resultado semelhante IAPAR (1978) Cartas climáticas não puderam ser identificados grande sobreposição na dieta, pode ser visto para as espéci- do Estado do Paraná. Institu- to Agronômico do Paraná. com precisão por estarem assim como as espécies inse- es insetívoras, as quais apre- Londrina. 41 pp. muito fragmentados. Este re- tívoras com predominância sentaram diferentes compor- Lowe-McConnell RH (1999) Estu- sultado é corroborado pela es- de insetos aquáticos. A eleva- tamentos alimentares e/ou de dos ecológicos de comunida- tratégia alimentar de M. mi- da transparência da água no ocupação espacial. O mesmo des de peixes tropicais. Edito- crolepis, o qual captura o ali- rio do Quebra deve favorecer não ocorreu com as espécies ra da Universidade de São mento na superfície, tendo, o desenvolvimento da comu- algívoras, que apresentaram Paulo. Brasil. 534 pp. portanto, facilidade para inge- nidade de algas e portanto elevada sobreposição tanto na Maack R (1981) Geografia Física do Estado do Paraná. 2a ed. rir organismos alóctones. manter elevada a disponibili- dieta quanto na ocupação es- Editora José Olympio. Rio de Sabino e Castro (1990) e Ara- dade deste recurso alimentar pacial. Janeiro. Brasil. 450 pp. nha et al. (1998) encontraram para os algívoros (Power, A despeito do pequeno es- Power EP (1984) Habitat quality resultados semelhantes para a 1984). Já as espécies insetí- forço de campo empregado and the distribution of algae- espécie em seus estudos. voras com predominância em neste trabalho, os dados cor- grazing in a panama- nian stream. J. Anim. Ecol. As espécies onívoras inge- insetos aquáticos apresenta- roboraram a literatura exis- 53: 357-374. riram, principalmente, insetos ram, em geral, uma ocupação tente sobre as comunidades Romesburg HC (1990) Cluster aquáticos imaturos entre os espacial diferenciada, obser- ictiícas em geral e mais es- analysis for researchers. Krie- itens animais, e algas unice- vando-se que quando ocupa- pecificamente em pequenos ger, Malabar, Florida, EEUU. lulares da classe Bacillario- vam o mesmo microambiente rios litorâneos. Nestes ambi- 334pp. phyceae entre os itens vege- apresentavam estratégias ali- entes, os trabalhos realizados Sabino J, Castro RMC (1990) Ali- tais. Estes também foram, mentares diferentes. A exem- até o momento apontam para mentação, período de ativida- de e distribuição espacial dos respectivamente, os principais plo disto D. langei e C. pte- uma elevada variação no peixes de um riacho da flores- itens ingeridos por insetívo- rostictum foram as espécies comportamento e estrutura ta Atlântica (sudeste do Bra- ros com predominância em com maior sobreposição de dessas comunidades, o que sil). Rev. Brasil. Biol. 50: 23- insetos aquáticos e algívoros, microambientes. No entanto, pode ser fruto das experiên- 26. fazendo supor que são os enquanto D. langei alimenta- cias evolutivas únicas pelas Smith EP, Zaret TM (1982) Bias in estimating niche overlap. itens alimentares com maior va-se principalmente na colu- quais estas comunidades pas- Ecology 63: 1248-1253. disponibilidade no local. na d’água, C. pterostictum saram. Desta forma, a com- Teixeira RL (1989) Aspectos da H. malabaricus foi a única buscava o alimento no fundo, preensão do funcionamento ecologia de alguns peixes do espécie com menos de cinco garantindo a partilha de re- destes ecossistemas, embora arroio Bom Jardim, Triunfo- exemplares capturados a ter cursos através de diferentes ainda incipiente, só poderá RS. Rev. Brasil. Biol. 49: 183- o conteúdo estomacal anali- estratégias alimentares. ocorrer a partir da análise 192. sado. Na literatura a espécie Portanto, apesar dos dados minuciosa do maior número Uieda VS (1983) Regime alimen- tar, distribuição espacial e é considerada piscívora. Sen- não permitirem afirmar que possível dessas comunidades. temporal de peixes (Teleostei) do a única com esta dieta haja escassez de recursos ali- em um riacho na região de dentre as espécies capturadas, mentares, se esta escassez REFERÊNCIAS Limeira, São Paulo. Disserta- a análise de seu conteúdo es- existir, as estratégias adota- ção. UNICAMP. Campinas, tomacal era muito importante das pelas espécies devem ser Aranha JMR, Takeuti DF, Yos- Brasil. 151 pp. para a determinação da estru- suficientes para garantir a himura TM (1998) Habitat use Windell JT (1968) Food analysis and food partitioning of the and rate of digestion. Em tura tróficas do rio do Que- disponibilidade de recursos fishes in a coastal stream of Ricker WE (Ed.) Methods for bra, onde apresentou dieta para todas. Atlantic Forest, Brazil. Rev. assessment of fish production exclusivamente carnívora (Ta- Aranha et al. (1998) en- Biol. Trop. 46: 955-963. in fresh waters. Blackwell. bela III). controu dieta bem mais gene- Oxford. pp. 197-203. Vários estudos têm de- ralista no rio Mergulhão, o Aranha JMR, Gomes JHC, Fogaça Wosiacki WB (1990) Sobre a icti- FNO (2000) Feeding of Cha- ofauna registrada na reserva monstrado que a sobreposi- qual é próximo ao rio do racidium lanei and C. pteros- florestal de Guaricana (Para- ção alimentar é comum em Quebra e pertence à mesma tictum in a coastal stream of ná). Arq. Biol. Tecnol. 33: peixes de água doce. No en- bacia (bacia do rio Cachoei- Atlantic Forest (Southern 527-534.

MAR 2003, VOL. 28 Nº 3 173