Mai. 2016 Mai
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www.rascunho.com.br Mai. 2016 193 ARTE DA CAPA: HALLINA BELTRÃO 2 | | maio de 2016 translato | EDUARDO FERREIRA UMA PITADA DE SI NA TRADUÇÃO fundado em 8 de abril de 2000 á pelas tantas, na tra- Como atravessar essa neblina Traduziria como quem produz Rascunho é uma publicação mensal dução do Crime e densa para tocar e sentir o texto, texto postiço. Nem original nem tra- da Editora Letras & Livros Ltda. castigo, de Dostoié- identificar-lhe os sentidos? dução, mas outra coisa qualquer. Ter- Caixa Postal 18821 Lvski, por Paulo Bezer- À falta de conhecimento ceiro tipo de texto. Escritura fingida. CEP: 80430-970 ra, há uma passagem interessante de regras básicas de sua própria Fingia traduzir, mas, na realidade, es- Curitiba - PR sobre tradução. O personagem língua materna, punha cada vez crevia cada vez mais de sua própria Razumíkhin, que ganhava um mais de si. Cada vez mais “coi- cabeça. Coisas suas. Usava a criati- [email protected] dinheirinho como tradutor, reve- sas suas”. O texto saía melhor vidade, preenchia as lacunas com www.rascunho.com.br la que punha “cada vez mais coisa ou pior, afinal? Idiossincrático natural desfaçatez. O original mal minha no texto”. Confessava-se ao extremo, incompreensível? lhe dava uma ideia do que escrever. ruim em ortografia e “às vezes Texto autoral, na melhor das hi- Acendia a centelha, apenas. O resto EDITOR simplesmente um fracasso” em póteses. Texto simplesmente po- vinha de si mesmo. Rogério Pereira alemão (língua de que traduzia bre, na pior. O papel em branco? Nem lhe para o russo). Ainda assim, afir- Não podia decidir-se, metia medo: espaço de projeção de Editor-assistente Samarone Dias mava restar-lhe o consolo de ver Razumíkhin. Buscava alguém desbragada invenção. A tradução co- que o texto saía “melhor”, para que pudesse ajudá-lo, ou busca- mo campo de irradiação duma cria- logo corrigir-se com uma dúvi- va ajudar alguém (Raskólnikov)? tividade alheia ao autor. Alheia ao Mídias Sociais Lívia Costa da: “vai ver que ele talvez não saia Alguém que fizesse traduções em original. Alheia, mesmo, às próprias melhor mas pior”… seu lugar. Alguém que também, regras da língua de chegada. Colunistas O trecho traía o desleixo e talvez, se dispusesse a pôr algo de Como enxergar através dessa Affonso Romano de Sant’Anna o desprezo do tradutor pelo ori- si, coisas suas, na tradução. névoa compacta? A língua do outro Eduardo Ferreira ginal. A superação das deficiên- Raskólnikov não seria exa- se erguia como barreira a vedar-lhe Fernando Monteiro cias técnicas — conhecimento tamente a melhor aposta. “Não acesso aos significados. A solução? João Cezar de Castro Rocha insuficiente tanto da língua-al- preciso… de traduções...”, res- Contornar a névoa. Deixar-se levar José Castello vo como do idioma original — pondia. Deixava os três rublos pelo devaneio. Pôr um pouco mais Nelson de Oliveira pelo voluntarismo: “ponho cada (quando valeria isso?). Saía cor- de si. Não se deixar tolher por uma Raimundo Carrero vez mais coisa minha no texto”. rendo, descendo as escadas. Su- noção estreita de sentido. Ali estava Rinaldo de Fernandes A mercantilização da tradução, mia na rua, fugindo de um ofício o texto novo. Parecia sustentar-se só, Rogério Pereira no pior sentido: em troca de uns duro e mal pago. sem auxílio do original. Quem é que Tércia Montenegro trocos, um texto torto, ainda que Sozinho com seu texto e conhecia alemão? Quem se daria ao Wilberth Salgueiro passável. Quem se importa? os três rublos, teria de encarar trabalho de comparar original e tra- Punha cada vez mais de si, ele mesmo, Razumíkhin, a tra- dução? Quem reclamaria, se a tradu- Projeto gráfico e programação visual à falta de contato direto com o dução do texto alemão? Sozinho ção afinal parecesse coerente? Mesmo Rogério Pereira / Alexandre De Mari original. A nuvem do desconhe- com seu russo deficiente (não só que apenas com o título do original? cimento tornava pouco nítido o na ortografia, talvez) e, ainda por Ao menos o título. O resto preencho Colaboradores desta edição original. O que quer dizer mes- cima, a cerração espessa sobre eu mesmo. Punha cada vez mais de si. Adriano Koehler mo esta palavra aqui? Esta frase o original alemão. Teria, certa- E não é que o texto se sustentava? Va- André Argolo aqui? Qual será o contexto? Algo mente, de colocar cada vez mais lia uns rublos. Não o deixava escorre- André Caramuru Aubert que me guie, pelo amor de Deus! coisa sua na tradução. gar para a miséria. Claudia Nina Clayton de Souza Evando Nascimento Gisele Barão Gisele Eberspächer rodapé | RINALDO DE FERNANDES Henrique Marques Samyn Luiz Horácio Marcella Lopes Guimarães Marcos Pasche ANOTAÇÕES SOBRE Martim Vasques da Cunha Maurício Melo Júnior Nelson Patriota ROMANCES (33) Paula Dutra Rafael Zacca Richard Hugo Vivian Schlesinger romance O pên- haver ‘certos vazios que a história ras, os trilhos, as veredas tristes por ILUSTRADORES dulo de Eucli- não registra e que só a ficção po- onde passam, nesta hora, admirá- Bruno Schier des, conforme de dar conta’. Perguntado sobre a veis de bravura e abnegação’. Na se- Carolina Vigna ainda os pesqui- lacuna histórica que o mobilizou gunda, o mesmo autor escreve que a Dê Almeida O Fábio Abreu sadores Adenilson de Barros e mais para a escrita do romance, Guerra de Canudos ‘foi, na signifi- Gilmei Francisco no livro Ca- explica ter sido ‘o enigma de Eu- cação integral da palavra, um crime. FP Rodrigues nudos — conflitos além da clides da Cunha. Quando exata- Denunciemo-lo’”. Em O pêndulo Hallina Beltrão guerra: entre o multiperscpec- mente, em que momento de sua de Euclides, ademais, o narrador se José Luiz Tahan Rafa Camargo tivismo de Vargas Llosa (1981) vida, ele tomou aquele choque identificaria profundamente com o Ramon Muniz e a mediação de Aleilton Fon- de significados e começou a mu- próprio autor: “Os dois apresentam- Robson Vilalba seca (2009), “expõe as caracte- dar de posição’. O enigma a que se como intelectuais interessados em Tereza Yamashita rísticas históricas atuais da região se refere Fonseca pode ser verifi- desvendar mistérios da temática ca- Tiago Silva e dos habitantes de Canudos à cado se comparados, por exem- nudense, viajaram ao lugar dos con- Theo Szczepanski procura de respostas para um as- plo, um trecho do artigo ‘A nossa flitos, construindo suas impressões e sunto que ainda não está encerra- vendeia’ com a nota preliminar seus aprendizados”. Enfim, comCa - do”. Vale a pena citar um trecho de Os sertões. No primeiro, Eu- nudos — conflitos além da guerra: do livro em que os pesquisadores clides da Cunha se refere às ‘hos- entre o multiperscpectivismo de Apoio: indicam o “enigma de Euclides tes fanáticas do Conselheiro’ e Vargas Llosa (1981) e a mediação da Cunha” — ou o “choque de aos soldados da República talvez de Aleilton Fonseca (2009), Adenil- significados” — que teria leva- não percebidos ‘através das ma- son de Barros de Albuquerque e Gil- do Aleilton Fonseca à escrita do tas impenetráveis, coleando pe- mei Francisco Fleck dão uma ótima romance: “Em entrevista à rádio los fundos dos vales, derivando contribuição para os estudos do ro- Unesp, Aleilton Fonseca afirma pelas escarpas íngreme das ser- mance histórico sobre Canudos. maio de 2016 | | 3 11 15 19 40 A nudez como retórica Nosso futuro transcendente Escritores laterais A segunda metamorfose Tércia Montenegro Nelson de Oliveira Fernando Monteiro Nelson Patriota eu, o leitor quase diário [email protected] | AffONSO ROMANO DE SANT’ANNA GRANDES POETAS Grato ao André Caramuru brilhante tradução REVISÃO DA ARTE, de Anne Waldman [edição 192, abril]. After les fleurs, poema lírico extraordinário cuja estirpe remete a Emily Dickinson e Frost. Mais uma PAulO COELHO, vez obrigado por nos apresentar tão grandes e desconhecidos poetas. J. Fausto Toloy • Campina da Lagoa – PR MuRILO MENDES A SUBJETIVIDADE DO GOSTO Como podemos qualificar um texto que não Globo faz uma página que foi criada a cadeira de literatura in- traz em si o rastro de uma intelecção originária? a partir do fato de que fantojuvenil e que ela foi chamada para Talvez como medíocre; no entanto, por ocupar uma leitora ameaçou dar o primeiro curso. Foi a primeira vez certo espaço de prestígio melhor seria qualificá-lo Otocar fogo nos seus li- que isso ocorreu numa universidade. como inepto; enfim, não é este o assunto. Como vros porque nenhuma instituição queria Daí as teses hoje existentes. sentencia o autor do texto referido [edição de aceitar a doação. Falei com o jornal, ini- No meu lançamento de A se- fevereiro], o senhor Nelson de Oliveira, o gosto ciou-se uma campanha de doação e li- dução da palavra, em Brasília, Mar- é subjetivo. Mas o que vem a ser gosto? E valor? vros, mais de 300 pedidos por dia. co Maciel pede que seu filho vá pegar E estético? E o Belo? Não há sombra de nenhum Jack London1 (especialista em in- um autógrafo. Tenho aqui um cartão destes conceitos no longuíssimo texto do senhor formática) encomendou-me um “hi- do senador a propósito daquela crôni- Oliveira. Utiliza-se apenas de rótulos, tal como pertexto” para a revista eletrônica que ca sobre a necessidade de delicadeza3. em casas mais humildes as senhoras utilizam as tratará da Arte Moderna hoje: neces- Um cartão delicado, fraterno. Ele é latas de leite para guardar o feijão e as garrafas sidade de revisão. É um projeto antigo uma figura respeitável. de refrigerante para pôr água na geladeira, com meu que tenho que desenvolver. a única diferença de que as senhoras encontram, 01.05.2001 no melhor espírito de reciclagem, uma nova 22.04.2000 Aeroporto de Lisboa: 14 horas, utilidade para os objetos, enquanto que o Estou fazendo para a revista ele- vindo do Rio, indo para a Ilha da Ma- senhor Oliveira, aparentemente, não sabe do trônica Hipertexto (do Jack London) deira para um encontro sobre culturas que está falando.