Cidade Moderna

Maxambomba de Iguassu: de fazenda à cidade

Lúcia Silva Universidade Federal Rural do (UFRRJ) [email protected]

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Resumo A atual sede do município de Nova Iguaçu, situada na região metropolitana da Cidade do Rio de Janeiro, até 1916 era denominada de Maxambomba, nome de uma antiga fazenda que ocupava parte da região e da estação que se tornou determinante no desenvolvimento do lugar. A Estrada de Ferro Central do Brasil, inaugurada em 1858, ainda no Império, dinamizou e rearticulou a economia da Baixada Fluminense, que antes estava voltada para o escoamento da produção do interior do estado pela Baia de Guanabara. Este trabalho visa analisar a distribuição espacial da população da antiga freguesia de Iguassu no século XIX e inicio do XX, incluindo aí os quilombos existentes durante o tempo da escravidão.

Introdução O atual município de Nova Iguaçu dista 40 quilômetros do centro do Rio, atualmente ocupa 521,2 km2 e faz parte da região metropolitana do Rio de Janeiro, possuindo 796.257 habitantes (IBGE, 2010). No período tratado neste trabalho, a área estudada ocupava todo o entorno da cidade, o lado ocidental da baía de Guanabara, englobando os atuais municípios de Duque de Caxias, Nilópolis, São João de Meriti, Mesquita, Belford Roxo, Queimados e Japeri. Inicialmente, o território que hoje ocupa Nova Iguaçu era composto de duas freguesias do Termo da Cidade do Rio de Janeiro (Piedade de Iguassu e Santo Antonio da Jacutinga), separando-se em 1833 quando se tornou município tendo como sede a Vila de Iguassu, as margens do rio do mesmo nome. Maxambomba era então uma fazenda localizada no sopé do maciço de Gericinó, distante da sede, portanto, longe da região mais dinâmica economicamente do município, aquela voltada para os serviços de escoamento/circulação de mercadorias advindas da região do ouro e depois do café como era o caso da vila de Iguassu. A área do entorno da sede estava se especializando em ser passagem de comércio, cujo eixo era os Rios e a própria Baia, tal como descreveu o viajante Kidder no inicio do século XIX. Iguaçu é atualmente a localidade próspera do recôncavo – ou seja, o circulo de montanha que circunda a baia. Está situada a cerca de dez milhas da foz do rio de igual nome, que a serve. Este rio vai até a serra dos órgãos, e apesar de muito sinuoso é navegável por lanchas grandes até à vila. Há vinte anos passados esse lugar era insignificante e não contava mais que trinta casas. Aos poucos porem os fazendeiros do interior foram se convencendo de que para eles era mais interessante em Iguaçu o café, o feijão, a farinha de mandioca, o toucinho e o algodão: daí era mais econômico mandar as mercadorias para o mercado por via marítima que por terra. Por outro lado os negociantes estabeleceram aí depósitos de sal, produtos manufaturados, fazenda e vinhos, para mais facilmente servir os lavradores. Assim é que o lugar se foi desenvolvendo rapidamente e agora é considerado como a vila mais prospera da província do Rio de Janeiro com uma população de cerca de mil e duzentos habitantes (Kidder, 2001: 170)

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De região pobre como também descreveu Saint Hilaire em 1822 à economia pujante já na década de 1830, Iguassu seria transformado em município em 1833/36. A descrição do francês, anos antes, contrastava com a do americano, aparentemente em função do rápido crescimento econômico da região. A Baixada, desde a abertura do Caminho Novo (1704) era utilizada como o principal eixo de comunicação entre as minas e a cidade do Rio. Ainda que fosse uma região agrícola com muitas fazendas de cana e principalmente de mandioca, o grande tráfego pelos caminhos que iam para o interior exigia uma logística que a área estava se especializando em oferecer. Com a construção da linha férrea e a inauguração da estação em 1858, o dinamismo econômico da região das terras alagadas voltar-se-ia para as terras firmes, área onde se localizava Maxambomba, consolidando-se depois da proclamação da República com a transferência da sede do município de Vila de Iguassu para o povoado, que teria o seu nome trocado para Nova Iguaçu, em 1916. É este processo que será descrito neste trabalho.

De Machambamba a Maxambomba A região que se estende desde o sopé da Serra do Gericinó até a Serra do Mar (Serra do Tinguá), desde o século XVIII era denominada de terra firme, devido a estrada do mesmo nome (também chamado de caminho Novo do Tinguá, 1728), ainda que sofresse com as enchentes tanto quanto a área mais próxima da Baia. Longe das principais vias de ligação com as minas, já que a área próxima a baia a era mais utilizada, a região era recortada por várias fazendas. Pouco se sabe sobre a região. No momento da chegada dos europeus, viviam na área os Jacutingas, índios da tribo dos Tamoios que eram inimigos dos Temiminós, ambos Tupinambás. Vivendo as margens dos rios Sarapui, Iguaçu, Cachoeira (Prata ou Santo Antonio) e Botas, ou seja, toda a margem ocidental do Rio Iguaçu, os Jacutingas foram exterminados pelos portugueses ainda no século XVI, por terem lutado ao lado dos franceses. Depois da derrota, iniciou-se a ocupação da Baixada pelos portugueses com as doações de sesmarias. Dos 136 engenhos conhecidos na década de 1630, 39 ficavam na região, embora no sopé do Gericinó se tenha notícia apenas de uma fazenda denominada de Santo Antonio, vendida em 1641 pelo capitão Manoel Homem Albernaz e sua esposa Maria Cubas ao também capitão Bento do Rego Barbosa; na referida fazenda havia uma moenda e uma caldeira, 36 bois e 12 escravos. Todas as demais fazendas seriam frutos da fragmentação da Santo Antonio (Abreu, 2010: 347, vol.1).

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Quadro 1. Fazendas levantadas na Freguesia de Jacutinga entre 1640 e 1680

Década/ano Nome/localização N de escravos 1640 Santo Antonio/Freguesia de Jacutinga 12 1650 Nossa Senhora da Batalha/Freguesia de Jacutinga Jacutinga/Freguesia de Jacutinga São Miguel/Taitimana Meriti/ Jacutinga 1660 Nossa senhora da Conceição e santa Cruz/Freguesia de Jacutinga 1670 Nossa Senhora do Rosário e Santo Antonio/Freguesia de Jacutinga 1680 Maxambomba/Freguesia de Jacutinga. 26

Dados extraídos de Abreu (2010)

Administrativamente, segundo a Relação do Marques do Lavradio feita em 1779, a região de Maxambomba estava inserida no distrito de (incluído aí a força policial – milícia) na Freguesia de Santo Antonio de Jacutinga. Dez anos depois (1789), as freguesias de Jacutinga e N Senhora da Piedade de Iguassu possuíam, juntas, 5722 habitantes, destes 3357 eram escravos (58% da população), a região permaneceria isolada, ocupada pelos engenhos, pelas fazendas de cana e de mandioca. Na relação do Marques do Lavradio, a freguesia de Jacutinga possuía 253 fogos enquanto a de Iguassu 204, e juntas produziram 35.000 alqueires1 de farinha, 1400 de feijão, 1400 de milho, 20.000 de arroz, além da produção de 100 caixões. Jacutinga possuía 7 engenhos enquanto Iguassu apenas duas engenhocas. Na Relação de Lavradio, a fazenda Machambomba era de propriedade do sargento mor Martim Correa Vasques, possuía 12 escravos e produzia 15 caixas de açúcar e 4 pipas de aguardente. Não era a maior propriedade da região, já que a vizinha Cachoeira, do então capitão Manoel Correa Vasques, tinha 80 escravos produzindo 60 caixas de açúcar e 30 pipas de aguardente. Machambomba era ladeada então pelos engenhos de Madureira, da Posse e da Cachoeira, além do maciço de Gericinó. No inicio do século XIX, a produção de açúcar da fazenda era escoada pelo riacho (ou canal) Maxambomba ou pelo rio Cachoeira. O pequeno povoado se instalou na periferia do engenho, mas próximo ao riacho (chamado pelos índios de Apeterei, que em tupi significa rio do meio, pois ficava entre os rios Botas e o Cachoeira), no pequeno porto da fazenda.

1 Alqueire é antiga medida de capacidade, equivale a aproximadamente 36 litros

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Maxambomba é uma espécie de grua utilizada para levantar as pesadas mercadorias para as barcaças, já que o canal era muito raso. A antiga fazenda ocupava os atuais bairros de Califórnia e Vila Nova, além da casa grande (ficava no alto da colina no atual bairro Califórnia) existia uma capela dedicada a Nossa Senhora de . As margens do riacho o pequeno arraial foi descrito por Pizarro (1820) da seguinte forma: “Na vizinhança da Matriz, tem formado o povo um pequeno arraial com casas cobertas de telhas onde se alojam os seus proprietários, e que vivem todo ano alguns moradores por motivo de mercancia”. No início do século XIX, a região onde se localizava Machambomba era citada nos documentos oficiais em função das constantes inundações do rio sarapuí e da encruzilhada formada pelas estradas da Policia e do Tinguá. Enquanto Iguassu prosperava, Machambomba revelava todas as mazelas de uma região periférica. Luccock foi o viajante que melhor conheceu a região, quando ele excursionou pelo “ocidente do Rio de Janeiro” (título do capitulo de seu livro de Luccock, 1942) indo da ao Tinguá, passando por Jacutinga em 1813. Por terra firme ele fez a viagem descrevendo tudo que via. Em seu relato, o que sobressaiu foi a fertilidade das terras por onde passava chamando a atenção para a diversidade de cultura nas poucas terras cultivadas, pois ele descrevia muitas matas intocadas. No início do século XIX, a ocupação ainda era esparsa. O solo, conforme se poderia mesmo esperar de sua situação. É extraordinariamente rico e, nos trechos suficientemente secos, produz safras volumosas de açúcar, milho e mandioca (...). Nossa senda prosseguia por amenas colinas e entre fazendas recentemente abertas, para povoação de Santo Antonio de Joatinga, agradavelmente situada em terreno montante e em orla de floresta densas ainda, embora tornando-se dia a dia mais ralas. Alimentam essas matas grandes variedades de caças, e os veados se fizeram tão confiados, em meio ao progresso do povoamento que chegam a se acercar das residências (Luccock, 1942: 192). Terras intocadas, mas com dono, as grandes propriedades exigiam um tipo de ocupação que o inglês considerava pouco produtiva, na medida em que garantia a posse, mas não o trabalho na terra. Para ele a solução de empregar agregados nas divisas das fazendas com agricultura de subsistência apenas para garantir a propriedade era contraproducente, principalmente porque quando demarcada, os trabalhadores não ficavam, já que preferiam a liberdade das áreas de fronteiras. Para Luccock aquela região estava sendo ocupada intensamente naquele momento, daí dar ênfase as densas florestas e as muitas fazendas recém abertas que ele via. Na freguesia de Jacutinga viviam em 1789, 3540 habitantes, destes 2138 eram escravos, representando 60,39% da população. Em 1840, a freguesia já contava com 6061

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moradores; destes 3913 eram escravos, representando 64,59% da população. A proporção entre livres e cativos manteve-se praticamente estável, mas na prática houve 71% de aumento da população em função da abertura das florestas e da ocupação mais acelerada da região, tal como descreveu Luccock. Dentro da região, ainda que não fosse a área de pujança econômica, a estrutura produtiva assentava-se nas muitas fazendas de cana, café e mandioca, tocada com mão de obra escrava. Administrativamente, em 1850, a freguesia fazia parte do município que pertencia a comarca de Niterói. A sede, a Vila de Iguassu ocupava todos os esforços financeiros da província. Através da lei de terras foi possível rastrear o número de fazendas em Santo Antônio e conhecer seus proprietários. Na região, praticamente todas as terras estavam demarcadas em 1850 e a fazenda Machambomba pertencia então, segundo o registro de terras, aos herdeiros de João da Costa Pereira e Francisco de Bastos, apesar do plural, o proprietário era Thomas Dionísio de Castro e a fazenda especializara-se em cana de açúcar. A freguesia de Jacutinga possuía aproximadamente 55 proprietários. O povoado de maxambomba comunicava-se com a sede através da estrada maxambomba – Pilar (30 km) de grande trafego, pois era considerada estrada de 3ª ordem (col. de leis, decretos e decisões da província, 1886: 287). Até a inauguração da Estrada de Ferro o escoamento da produção era feito pelos rios ou pela estrada da Polícia, mas o que sustentava a economia do município era a estrutura voltada para o escoamento do café do vale do Paraíba. A economia voltada para a logística centrada nos milhares de muares e pessoas necessários à circulação de mercadorias (indo/vindo) para o interior teria uma dupla transformação a partir de 1850: o deslocamento dessa estrutura que antes se centrava na conservação das estradas e rios (portos, atracadouros e assoreamento) passou a se organizar em torno da manutenção da estrada de ferro; a outra espacial, já que rios e a baia seriam substituídos pelo antigo caminho de terra firme (estrada da Polícia), mudando o eixo de passagem. Em termos de espacialização, a Baixada depois de 1858 começaria na Central do Brasil, ou seja, na cidade do Rio, em função da dinâmica que o trem exercia nas áreas em que cortava. A atual Central do Brasil foi inaugurada como Estada de Ferro D Pedro II em 29 de março de 1858 na estação da Aclamação (Corte) juntamente com as seguintes estações: Venda Grande (), Cascadura, Maxambomba (Nova Iguaçu) e Queimados. O trecho inicial Aclamação – Belém (Japeri inaugurada em 1859) contava ainda com as seguintes estações: São Cristóvão (1858), Quinta (exclusiva da família do imperador, 1858) e Sapopemba (Deodoro inaugurada em 1859). A ferrovia chegou ao Vale do Paraíba em 1864, passando a ser a principal via de escoamento do café.

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Se no inicio do século XIX demoravam-se três dias para chegar ao Vale do Paraíba, com a ferrovia este percurso passou a ser feito em torno de seis horas. Saint Hilaire, em sua segunda passagem pela região fez o primeiro pernoite em Inhaúma e o segundo em Iguaçu Velha, ou seja, alcançou a Baixada em dois dias, Ribeyrolles (1858) demorou uma hora e 10 minutos para chegar a Maxambomba. No ano de inauguração da ferrovia Ribeyrolles anunciava a decadência da sede do município. Foram-se os tempos de Saturno para a minha pobre vila, dizia ele a um dos meus companheiros, Iguassu corre para a sua ruína. E essa decadência de que procede? Da terra ou dos habitantes? Da estrada de ferro. Iguassu tem sido durante um período maior de vinte anos o império desta parte da província. Seu pequeno porto embarcavam anualmente para o Rio, cerca de dois milhões e quinhentas mil arrobas de café, e presentemente esse algarismo acha-se reduzido a metade, e logo que a estrada de ferro de Minas entroncar com a de Belém, tudo ali afluirá (Ribeyrolles, 1858:80). A ligação direta de uma parte da região com a cidade do Rio dinamizou antigos serviços existentes, como o de fornecedor de lenha e de gêneros alimentícios, e incrementou novos setores como depósitos e toda a estrutura de manutenção da ferrovia (pregos, dormentes, lenhas e água). Para o que cabe aqui, basta lembrar a descrição do relatório da secretaria de policia da província de 1870 dando conta de como a lenha da área iguaçuana, comercializada pelos taberneiros, mas extraída pelos quilombolas, era muito apreciada em na zona sul da cidade, chegando diariamente pelos vagões da Central. O almanaque Laemmert de 1860 informava o horário das duas saídas diárias para Belém dando conta da passagem e do frete das mercadorias que eram transportadas pela ferrovia. A tarifa ministrada pela estrada de ferro era diferenciada, pois o preço do frete do interior para a cidade era mais barato que o inverso, deixando claro que se esperava o escoamento da produção da região, inclusive a lenha. A lista de preço incluía uma gama de mercadoria, desde material de construção como telha (na região existiam muitas olarias) e vidro, até alimentos (hortaliças e gado). Em 1868, o trem já privilegiava o transporte de passageiro para o subúrbio (até Sapopemba) com quatro saídas diárias e, embora tenha diminuindo o tempo de percurso para a região da Baixada (45 minutos), já que entre a Corte e Maxambomba havia apenas uma parada em Sapopemba, o número de viagem ficou reduzido a uma saída diária, não influindo na dinâmica do escoamento da produção, mas influenciando no deslocamento da população. Ribeyrolles achava estranho que só a existência da ferrovia pudesse ser a causa da ruína da velha Iguaçu “pois então, será preciso que o vosso Iguassu feche as portas como uma estalagem sem hospedes só porque uma estrada passa a três léguas de distancia?” (Ribeyrolles, 1858: 80)

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Ribeyrolles foi para Iguassu fazendo o percurso de trem até Maxambomba, pois era o caminho mais rápido. Segundo ele, “machambomba a Iguassu contam-se duas léguas do país, o que é sinônimo de quatro léguas francesas. A terra é fecunda, porem algum tanto paludosa”. (Ribeyrolles, 1858: 80). Entre a nova e a velha Iguaçu, a diferença das duas localidades seria descrita e a linha do trem teria papel fundamental na construção da nova espacialização da região, mas não era a única razão da decadência. Ambas as localidades eram agrícolas, mas Iguassu vivia do comércio de seu porto, era no escoamento do café que a velha Iguaçu concentrava sua economia e sua força política. Transcrevendo a conversa que tivera com amigo apontava para a única razão de existência da vila, sede do município a capacidade de seu porto, e este já não tinha capacidade de dar vazão às mercadorias. Com olhar aguçado, rapidamente o viajante concluiu que não era somente a linha do trem que iria causar a ruína da velha Iguaçu, mas as condições ambientais provocadas pelos inúmeros assoreamentos do rio que inviabilizavam o transporte das mercadorias vindas do interior. Com a chegada do trem à Barra do Pirai em 1864 as tropas desapareceriam e os dois dias de viagem seria feitos em apenas em seis horas. O mesmo rio descrito por Saint Hilaire (2002) como cômodo e navegável, trinta e cinco anos depois não comportava os barcos e achava-se obstruído. O dinamismo da sede em função do rio e do escoamento do café seria transferido para Maxambomba, estação da Central da Brasil. Antes da inauguração da estrada de ferro, o povoado tinha apenas algumas repartições ligadas ao judiciário e ao governo da província, além das fazendas de cana. A nova estação, parada obrigatória do trem porque tinha um pátio e desvio para reparos, incrementou a vida do lugar. Uma das primeiras transferências foi a igreja matriz da freguesia em 1862, que antes ficava as margens do rio Prata/Cachoeira e foi transferida para o povoado de Maxambomba (que deixaria de ser escrita com o ch – machambomba).

De maxambomba a Nova Iguassu O Almanaque Laemmert informava em 1860 a permanência de um vigário na freguesia, uma escola pública de primeiras letras e três particulares, médicos e boticários, além muitos negociantes (21) e toda uma gama de serviços urbanos existentes no povoado, como ferreiros, sapateiros, alfaiates, casa de pastos, hospedarias, padarias, olarias, e muitos fazendeiros de cana (14), que formavam a elite local, e os de café e mandioca. Maxambomba era fazenda de cana, logo não plantava café nem mandioca, como a famosa fazenda Morro Agudo do Comendador Soares.

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Dez anos antes, o mesmo almanaque só informava a existência das muitas fazendas, algumas repartições provinciais e do vigário itinerante. Em 1860, a estação funcionava com um agente, um fiel (assistente) e um conferente. Com duas viagens diárias (uma pela manha e outra a tarde) a estrada cumpria a função de transportar a população (1, 2 classe e a terceira classe era para os descalços) e as cargas. A chegada do trem ao Vale do Paraíba causou impacto ao município, não só regionalmente por redirecionar o escoamento, que preferencialmente se fazia ao litoral e à Corte, mas porque passou a ser enviado também para o interior, como internamente com a abertura de estradas locais à estação, incrementando a vida da freguesia. Esse florescimento de pequenas estradas locais, se por um lado ligou quase toda freguesia ao trem, tornou-se via de acesso às doenças que antes ficavam restritas as populações ribeirinhas. A primeira grande epidemia na região se deu na década de 1840, mas as que vieram depois de 1860 foram mais freqüentes. Segundo Pereira (1970), a cólera, varíola e malária grassaram a população iguaçuana, principalmente essa última, em função das terras pantanosas.

Quadro 2. População de Santo Antonio de Jacutinga segundo a condição social e sexo Condição /Ano 1789* 1840** 1872*** 1890**** Homem Mulher total Homem Mulher total Homem Mulher total Homem Mulher total livre 909 493 1402 1024 1124 2148 2341 2117 4458 3316 3248 6564 escravo 1762 376 2138 2328 1585 3913 1072 1016 2088 - - - total 2671 869 3540 3352 2709 6061 3413 3133 6546 3316 3248 6564

Dados extraídos de: *Memórias Publicas e Econômica da Cidade de S Sebastião do Rio de janeiro para uso do Vice rei Luiz de Vasconcellos **Relatório do Presidente da província do Rio de Janeiro *** Censo de 1872 **** Censo de 1890

A partir da década de 1850, os governos provinciais tomaram para si a tarefa de dissecação das áreas alagadiças em função das muitas epidemias, identificadas com a geografia do lugar. Uma das medidas tomadas foi a cobrança de impostos sobre a passagem de carros e carroças em 1857 (Decreto 1071 de 14/11/1857) para financiar a drenagem das áreas mais pantanosas. Foi em um momento de surto de varíola que ocorreu a transferência da sede do município de Iguassu para o povoado de Maxambomba, já na republica, justamente porque o povoado canalizava a vida econômica da região. O almanaque laemmert informa em 1870, que a

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fazenda Maxambomba tinha abandonado a agricultura da cana e voltado a sua produção para o café e a mandioca. O número de comerciantes tinha permanecido o mesmo, mas aumentou o numero de fazendas de café na região na proporção em que diminuiu as de cana. Em 1880, o Laemmert informava que município contava com 1305,47 Km2, pois havia perdido parte de seu território para Estrella, e possuía naquele momento 14.081 moradores livres, destes 4458 viviam em Jacutinga. O povoado, diferente de 1870, já possuía 16 inspetores de quarteirão e muitos lavradores que não eram grandes fazendeiros (52), o número de fazendeiros da região diminuiu, tanto os de cana (10) quanto os de café e mandioca (7). Em compensação, a quantidade de comerciantes que se estabeleceu na região aumentou, concorrendo para uma diferenciação social entre eles, na medida em que em 1860 todos se apresentavam indistintamente como negociantes, em 1880 se dividiam em comissário de gado, capitalista, negociantes e negociantes notáveis. A partir do Laemmert é possível distinguir as diversas localidades que se conformavam na freguesia de Santo Antonio de Jacutinga. Maxambomba era o povoado, mas havia Brejo (atual Belford Roxo), Pantanal, Riachão, Morro Agudo, Posse, Rangel, Prata e Madureira. Brejo dividia com Maxambomba uma pequena estrutura urbana e a estrada entre as duas localidades era a mais freqüentada da região. O ano de 1891 marcaria a transferência da sede do município da Vila de Iguassu (decreto 204 de 1/5/91), já em processo de decadência, para o povoado de Maxambomba. A nova sede do município tornou-se cidade logo depois da transferência (decreto 263 de 19/6/91). No ano seguinte, já com grande parte das repartições em Maxambomba, duas famílias doaram uma faixa de terra (430m x 3m) junto a estação solicitando em troca o direito de abastecimento da estrada de ferro, no que foi prontamente atendido. Um ano antes, 1890, o censo informava que existiam 6564 habitantes em Jacutinga e 19.709 em todo o município. As duas quadras em torno da estação rapidamente foram ocupadas dos dois lados da margem da ferrovia, e embora concentrasse o comércio e a vida administrativa do município, a região ainda era eminentemente rural voltando-se para a produção de laranjas. A mudança do nome de cidade de Maxambomba para Nova Iguassu ocorreu em 1916, marcando também a criação da prefeitura, já organizada em torno da nova dinâmica econômica assentada na citricultura.

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Um pouco de história da população negra de Jacutinga A História da população negra em Maxambomba nesse período se confunde com a da produção local, em função da existência de mão de obra escrava e dos muitos quilombos. A proliferação dos quilombos na região aparece na documentação das autoridades como fruto da geografia do lugar. As áreas alagadiças com muitos mangues e de difícil acesso facilitavam a existência e a perenidade dessas comunidades. Na Freguesia, a localização de alguns corrobora com a interpretação de Gomes (2005) acerca das características dos lugares escolhidos pelos quilombolas, principalmente no tange a ocupação de “terras devolutas não muito isoladas. Embora procurando a proteção geográfica, tinham como estratégia ficar próximos aos engenhos, propriedades, estradas e/ou às áreas economicamente ativas. Tal estratégia garantia, entre outras coisas, as trocas mercantis, propiciando ainda mais solidariedade com taberneiros e com cativos das plantações” (Gomes, 2005: 347). Gomes (2006) levantou 4.500 registros de prisões de escravos fugidos encontrados nas regiões vizinhas da corte entre os anos de 1810 e 1830. Nessa documentação, alguns lugares aparecem de forma recorrente, tais como Bomba (Maxambomba), Gabriel (afluente do Iguaçu), Iguassu e Pilar. Os quilombos e mocambos são configurações espaciais onde a população negra se estabelecia, mas não era única já que as muitas fazendas empregavam mão de obra escrava, formando aquilo que o autor designou de comunidade de senzala. A dificuldade de análise da distribuição espacial da população negra na freguesia se dá pelos poucos trabalhos investigação sobre a região. Na documentação, a população negra aparece ora como mão de obra das fazendas ou como quilombolas, a dificuldade está em estabelecer onde e como viviam os negros livres, já que os grandes quilombos, como o de Iguaçu, estão documentados. A região de Iguaçu era alvo das preocupações dos governos provinciais justamente pelo conhecimento da existência dos inúmeros mocambos e das estratégias construídas por eles para se manterem nos lugares por muito tempo. Desta forma, o estudo sobre a evolução da população negra na região, e principalmente na freguesia de Jacutinga, é incipiente, mas é possível acompanhar, ainda que preliminarmente o seu desenvolvimento populacional. Em 1840, a população negra representava 85,34% da população total dos 6061 habitantes, perfazendo 58,51% da população livre. Entre os livres, o maior contingente estava entre as pardas (521), diferente dos escravos, onde os homens pretos, braços das diversas lavouras, estavam em maior número (2229). Em 1872, a freguesia possuía 6546 habitantes, destes 61,65 % eram negros. Ainda que fossem a maioria, representavam 43,69% da população livre. Entre os livres o maior contingente eram o dos homens brancos (1362), enquanto entre os escravos também a população masculina (1072) era dominante. O número de negros escravos era superior

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(2088) aos de negros livres, que perfaziam 1948 pessoas. A população negra livre tenha aumentado, pois saíra de 1257 em 1840 para 1948 em 1872, a queda se deu em função da drástica diminuição do plantel escravo, seja pelas epidemias que assolavam a região, ou pela transferência para a região cafeicultura do vale do Paraíba, através da venda depois do fim do tráfico em 1850. Os habitantes de cor (preto, mestiço/pardo e caboclo) na freguesia de Jacutinga em 1890 ainda era a maioria da população, perfazendo 62,29% da população total. As inúmeras epidemias do período, inclusive aquela que levaria à transferência da sede do município para Maxambomba, dizimariam parte dos moradores do município de Iguassu, entretanto não alteraram a composição populacional da região de Maxambomba. O censo de 1900 contabilizava em todo o município (inclusive com o território anexado do extinto município de Estrela) 18.629 habitantes, menos que em 1890, que contava então com 19.709 moradores.

Quadro 3. População da Freguesia de Jacutinga segundo a cor e o sexo

ano 1840* 1872** 1890*** Cor/sexo Homem Mulher total Homem Mulher total Homem Mulher total branca 459 426 885 1362 1148 2510 1249 1160 2409 Negra (pardo, preto e caboclo / 2890 2280 5170 2051 1985 4036 2067 2088 4155 mestiço) indígenas 3 3 6 ------Total 3352 2709 6061 3413 3133 6546 3316 3248 6564 Dados extraídos de: *Relatório do Presidente da província do Rio de Janeiro de 1840 ** Censo de 1872 *** Censo de 1890

Ainda algumas considerações As pesquisas ainda estão na fase inicial, mas é possível apontar que a região da Baixada Fluminense, atualmente conhecida pela criminalidade e pela ausência de estrutura urbana, sempre esteve ligada à cidade do Rio de Janeiro, Baixada é uma noção vaga para designar uma grande porção de terra, e comporta vários territórios, um deles, as terras de Maxambomba, dentro da antiga Freguesia de Jacutinga, daria origem ao atual município de Nova Iguaçu.

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Nova Iguaçu, quando era apenas Iguassu, ocupava o que atualmente é a Baixada Fluminense. Naquele período, o que hoje é sede do município era uma fazenda que dava nome ao lugar: Maxambomba, localidade de muitas fazendas e quilombos. A chegada da estrada de ferro, faria da distante freguesia de Jacutinga uma região pujante, ainda que voltada para a agricultura (citricultura). Seus moradores, a maioria negra, entrariam no século XX tendo que conviver com as epidemias, as enchentes e a falta de estrutura urbana. A intensa migração depois dos anos de 1940 não alteraria a composição populacional da região e muito menos a precariedade da estrutura material do município. Conhecer as formas pretéritas da organização espacial da região permite entender atualmente as mazelas e os problemas que enfrentam cotidianamente seus habitantes.

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Bibliografia de referência ABREU, Mauricio de Almeida. 2010. Geografia Histórica do Rio de Janeiro (1502-1700). Rio de Janeiro: Andréa Jakobsson estúdio, 2 vols ALVES, José Cláudio Souza. 2003. Dos barões ao extermínio: uma história da violência na baixada Fluminense. Duque de Caxias: APPH/CLIO BRASIL. Diretoria Geral de Estatística. 1876. Recenseamento Geral do Brazil de 1872. Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger/Tip. Commercial BRASIL. Diretoria Geral de Estatística. 1898. Synopse do recenseamento de 31 de dezembro de 1890. Rio de Janeiro: Officina da Estatistica GOMES, Flávio dos Santos. 2005. A Hidra e os pântanos: mocambos, quilombos e comunidade de fugitivos no Brasil (séculos XVII - XIX). São Paulo: Unesp/polis. GOMES, Flávio dos Santos. 2006. História de Quilombolas: mocambos e comunidade de senzalas no Rio de janeiro séculos XIX. São Paulo: Cia das letras. IBGE. 2010. Censo demográfico 2010. Disponível em www.ibge.gov.br KIDDER, Daniel. 2001. Reminiscências de Viagens e permanência no Brasil. Brasília: Senado Federal. LUCCOCK, John. 1942. Notas sobre o Rio de Janeiro, partes meridionais do Brasil tomadas durante uma estada de dez anos no país 1808/1818. São Paulo: Livraria Martins. MEMÓRIAS PÚBLICAS E ECONÔMICAS DA CIDADE de São Sebastião do Rio de Janeiro para o uso do Vice-rei Luiz de Vasconcellos por observação curiosa dos anos de 1779 até o 1789. 1884. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo XLVII, Rio de Janeiro: Tipografia Universal H Laemmert e Cia. NOVA IGUAÇU. 2004. Atlas Escolar da cidade de Nova Iguaçu. Nova Iguaçu: PCNI. PEREIRA, Waldick. 1970. A mudança da vila: historia iguaçuana. Nova Iguaçu: Arsgrafica de D de Caxias/ IHGNI PIZARRO e ARAUJO, Jose de Souza Azevedo. 1820 Memória Histórica do Rio de Janeiro e das províncias anexas a jurisdição do vice-rei do Estado do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Régia, 9 vols. RELAÇÃO DO MARQUES DO LAVRADIO. 1917. In do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LXXIX, ano 1916. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. RELATÓRIO DO PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO, o conselheiro Paulino José Soares de Souza na abertura da 1.a sessão da 3.a legislatura da Assembléia Provincial, acompanhado do orçamento da receita e despesa para o ano de 1840 a 1841. 1851. 2 ed. Niterói: Tipografia de Amaral & Irmão. RIBEYROLLES, Charles. 1858 Brazil Pittoresco: História, descripções, viagens, instituições e colonização. Acompanhado de um álbum de visitas, panoramas, paizagens, costumes etc.etc. por Victor Frond. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 3 vols. SAINT-HILAIRE, Auguste de. 2002. Segunda viagem a São Paulo e quadro histórico da Província de São Paulo. Brasília: Senado Federal.

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Mapas

Mapa de localização do Município de Nova Iguaçu. Extraído de Nova Iguaçu (2004)

95 I Congresso Histórico Internacional. As cidades na História: População

Mapa da Baixada Fluminense a partir das informações extraídas de Pizarro (1820)

Mapa do Antigo Município de Iguassu a partir das informações do relatório do presidente da província do Rio de Janeiro em 1840

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97 I Congresso Histórico Internacional. As cidades na História: População

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