As origens do Chassidismo1

The Origins of Hassidism rachel elior Professora da Universidade Hebraica de Jerusalém e do Instituto Van Leer, Jerusalém

Tradução do inglês por Hedy Lorraine Hofmann resumo O presente artigo é uma revisão dos antecedentes abstract The present article reviews the historical históricos que geraram a devastação da comunidade judaica background that had generated the devastation of the na Ucrânia na segunda metade do século XVII e o Jewish community in the Ukraine in the second half of the surgimento do sabatianismo nesse período, que foi seguido 17th century and the rising of Sabbatianism in the period that do início do chassidismo2 no segundo terço do século XVIII. was followed by the emergence of Hasidism in the second A evidência literária, que data de 1650 em diante até o final third of the 18th century. The literary evidence, dating from do século XVIII, revela que os escritores judeus se 1650 onwards until the end of the 18th century, reveals that preocupavam em documentar a devastação trágica que se the Jewish writers were concerned with the documentation seguiu à revolta de Chmielnizki, bem como expressavam of the tragic devastation that followed the Chmielnizki revolt profundas esperanças pela vingança divina, e uma profunda as well as expressing profound hopes for divine vengeance esperança pela redenção messiânica. and a profound hope for messianic redemption. A discussão focaliza duas respostas espirituais para as The discussion is focused in two spiritual responses to the trágicas circunstâncias: o sabatianismo e o chassidismo, tragic circumstances: Sabbatianism and Hasidism, descrevendo a singularidade de cada um dos dois principais describing the uniqueness of each one of the major movimentos místico-messiânico-carismáticos na comunidade mystical-messianic-charismatic movements in the Jewish judaica da era moderna. A discussão inclui uma análise da community of the modern era. The discussion includes an realidade interna da comunidade judaica, cujos líderes eram, analysis of the inner social reality of the Jewish community, com frequência, escolhidos entre os membros das famílias whose leaders were often chosen among the members of mais ricas. A aliança econômico-intelectual criou uma the wealthiest families. The economic-intellectual alliance situação em que uma liderança carismática alternativa foi created a situation where an alternative charismatic escolhida por diversos membros da comunidade judaica, leadership was chosen by many members of the Jewish que estavam desapontados com a liderança rabínica e sua community, who where disappointed with the rabbinic responsabilidade social. leadership and its social responsibility. O artigo apresenta, também, os 12 princípios do pensamento The article presents also the 12 principles of the Hasidic chassídico e descreve as circunstâncias singulares que thought and describes the unique circumstances that afetaram a atividade do Baal Shem Tov em relação aos trinta affected the activity of the Baal Shem Tov in relation to the e cinco libelos de sangue que foram registrados durante a thirty five blood libels that were recorded in his life time in sua vida na comunidade polaco-lituana. Polish-Lithuanian commonwealth. palavras-chave Chassidismo; Sabatianismo; Comunidade keywords Hasidism; Sabbatianism; Polish-Lithuan polaco-lituana; Israel Baal Shem Tov. commonwealth; Israel Baal Shem Tov.

O chassidismo teve origem como uma nova entidade espiritual e social no segundo terço do século XVIII na Podólia [Podole], Volínia [Wolyn], e Galícia orien- tal, as regiões históricas do sudeste da comunidade polaco-lituana, que são as partes oci- dentais central e noroeste da atual Ucrânia. Israel Baal Shem Tov (1698-1760), o funda- dor do movimento, conhecido pelo acrônimo Besh’t, formulou sua visão mística do

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mundo ao ler livros e manuscritos cabalísticos em e resultou no assassinato em massa de milhares de meados da década de 1730. Essa visão do mundo, judeus que foram acusados de serem traidores pe- que pressupunha que a entidade divina mais eleva- los poloneses; c) as incursões contínuas de tártaros da oculta e o mundo inferior revelado seriam in- muçulmanos na Ucrânia a fim de capturar escra- terligados e refletidos no pensamento e na lingua- vos brancos para os mercados no mundo muçul- gem, teve consequências sociais significativas em mano (1660-1699); d) a invasão turca da Podólia todas as comunidades judaicas da Europa Oriental. (1672-1699); e) a “Grande Guerra do Norte” (1700- O Besh’t começou a ensinar suas novas ideias em 1721), travada entre a Rússia e a Suécia em solo Medziboz [Miçdzybóz], na Podólia, onde, nas dé- polonês, sobre a coroação de Augusto II da Saxô- cadas de 1740 e 1750, ele foi convidado a residir nia como Rei da Polônia, apoiada pelo Tzar da pela comunidade judaica como um “Doctor Kabba­ Rússia e rejeitada pelo rei da Suécia. Essa guerra ­lista”, isto é, como um curandeiro herbal do corpo foi seguida de uma guerra interna polonesa, a Guer- e da alma, e professor de textos cabalísticos associa- ra da Sucessão Polonesa, 1733-1738, entre Augusto dos com a tradição mística do século XVI, que afir- III (apoiado pelos russos) e Stanislaw Leszeczynski mava que “Aquele que deseja aprender a Verdadeira (apoiado pelos suecos). A guerra interna polonesa Sabedoria [hokhmat há’emet = Cabala] deve com- foi travada para estabelecer a dominância, dentro portar-se à maneira dos piedosos [derekh hasidut].”3 do reino, entre dois candidatos rivais que eram Pode-se dizer que houve três fatores principais apoiados pelo rei da Suécia, que era protestante, e que caracterizaram e influenciaram esse período o rei da França, que era católico (e cuja irmã era da história judaica, quando o estudo da ‘verdadei- casada com Leszczynski), apoiando uma facção, e ra sabedoria’, acompanhado por ‘viver de acordo pelo Tsar da Rússia, os Habsburgos austríacos e com a maneira dos piedosos’, tinha se dissemina- governantes da Prússia apoiando a outra. Essa si- do: a instabilidade que confundia a vida judaica tuação instável gerada pelas guerras e invasões in- naqueles anos, conforme sentida pelas comunida- findáveis resultou em um colapso econômico ca- des judaicas da Podólia e do sudeste da Polônia, tastrófico e uma desordem social que geraram van- que comemoraram os terríveis eventos da segunda dalismo disseminado e furtos por grupos de cam- metade do século XVII, eventos que incluíram (a) poneses ucranianos, conhecidos como “Hydama- o massacre de comunidades judaicas inteiras, per- kim”, ou Gydamaks, que atacaram bairros e assen- petrado pelos camponeses ucranianos escravizados tamentos judaicos (1734-1744; 1750-1768) e assas- que se levantaram contra os seus senhores polone- sinaram milhares dos seus habitantes. A perda de ses durante uma revolta em 1648-1668, encabeçada vidas dentro da comunidade judaica na Ucrânia e por Bohdan Khmelnitsky (Chmielnizki) (1595-1675) na comunidade polaco-lituana, nos anos de 1648- – os servos ucranianos greco-ortodoxos analfabetos 1768 foi avassaladora pelo grande número de pes- perceberam o levante como parte da revolta nacio- soas envolvidas no decorrer da revolta ucraniana nal contra a opressão da nobreza polonesa católica (mais de cem mil judeus pereceram nas mãos dos e dos seus agentes judeus que eram alfabetizados; cossacos, segundo os historiadores poloneses. Gran- b) a guerra russo-sueca que foi travada para obter des pogroms de judeus também irromperam nas controle do reino polaco-lituano – esse conflito áreas das quais se tinham retirado as forças polo- teve lugar em 1654-1656, na Polônia e na Lituânia, nesas) e nas várias guerras e invasões que se segui-

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ram. Os servos ucranianos greco-ortodoxos anal- e o grande número de pessoas que havia acompa- fabetos e escravizados se revoltaram novamente e nhado a nova mensagem messiânica e seus propo- assassinaram não apenas a nobreza polonesa cató- nentes – tornara-se um fator dominante afetando lica que os mantinha escravos e eram donos de to- a comunidade judaica inteira, no decorrer do sé- da a terra – governando segundo a ordem feudal, culo XVIII (SCHOLEM, 1973). Os ensinamentos tomando a maior parte da sua produção – mas sabatianistas levavam a esperanças messiânicas de também contra os agentes, supervisores e adminis- vingança meta-histórica contra aqueles que haviam tradores judeus desses nobres. Os camponeses em assassinado milhares de judeus indefesos (SCHO- revolta também atacaram e destruíram completa- LEM, 1967, p. 522), bem como esperanças messiâ- mente sinagogas judaicas, escolas judaicas e casas nicas de redenção entre os sobreviventes. O saba- de estudo, aumentando ainda mais a devastação tianismo foi marcado por uma percepção dupla econômica que era a consequência dessa horrenda da vida na qual seus seguidores viviam de maneira sequência de eventos. Os sobreviventes judeus co- judaica religiosa tradicional conforme todas as apa- memoraram esses eventos trágicos em orações e rências externas, ao mesmo tempo em que por ritual e por meio de crônicas históricas, exegese dentro mantinham uma insurgência judaica mes- homilética e literatura mística. Evidências literárias siânica. O sabatianismo enfocava as múltiplas in- a partir de 1650 até o final do século XVIII reve- dagações quanto à natureza da era messiânica – lam que os escritores judeus se preocupavam com pensamentos concernentes ao retorno a uma era a documentação dessa devastação inconcebível e dourada primordial sem lei, ou a construção de trágica, bem como expressavam profundas espe- um novo mundo fundado sobre a graça. Os prin- ranças de vingança divina, professando uma pro- cípios incluíam a vida antes do pecado original e funda esperança de redenção messiânica. a punição divina, a volta esperada ao paraíso, on- O segundo fenômeno que marcou esse período de não haveria mal nem morte, e nenhuma proi- da histórica judaica foi o surgimento do sabatia- bição ou limitações, tudo isso ocorrendo após a nismo, um movimento messiânico profético fun- retificação do pecado original perpetrado por Adão dado por Sabbatai Zevi (1626-1676) no último ter- e Eva através dos ensinamentos de Sabbatai Zevi. ço do século XVII. Sabbatai Zevi era ativamente Também estavam envolvidos em outras especula- apoiado pelo “profeta” Natan de Gaza (1643-1680), ções místicas, anárquicas e antinomianas em suas que afirmava que havia sido restaurado o dom da futuras implicações. As novas indagações intelec- profecia, e que ele tinha sido informado, divina- tuais foram muito afetadas pela literatura cabalís- mente, de que Sabbatai Zevi era o Messias. Saba- tica descrevendo a “Torá da Árvore da Vida” mes- tianismo, ou a crença na incepção de uma nova siânica ideal, uma lei que não incluía proibições, era messiânica profética, consolidou-se na esteira já que foi concedida antes do primeiro pecado e dos massacres judaicos de 1648-1649 do levante de dizia respeito ao futuro messiânico. Igualmente, Chmielnizki na Ucrânia (OZER, 1978, p. 81). O foi dada atenção à tradicional “Torá da Árvore do sabatianismo, formado por dois jovens – Natan de Conhecimento Bom e Mau”, aquilo que diz res- Gaza, de 22 anos de idade em 1665, e Sabbatai Ze- peito à lei do exílio. A primeira concepção foi ado- vi, que ficou chocado com o massacre de 1648- tada pelos sabatianos, enquanto que o costume 1649, ocorrido quando ele tinha 22 anos de idade, aceito, a tradicional Torá da comunidade judaica

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foi rejeitada internamente e observada externamen- ças judias a fim de batizá-las e criá-las como cristãs, te. O duplo movimento anárquico-messiânico-an- falsas acusações contra os judeus em todas as di- tinomiano foi especialmente ativo em Smirna e na mensões econômicas, sociais e religiosas, a publi- Tessalônica no Império Otomano, e seus discípu- cação e disseminação de literatura antissemita e los ensinaram suas inovações na Podólia, conquis- frequentes orquestrações de libelos de sangue as- tada pelos otomanos entre 1672-1699, nos assen- sassinos.4 tamentos ucranianos de Lov (Lwow) e Brody, em No período em que viveu Israel Baal Shem Tov, Praga, Altona na Dinamarca (atualmente dentro aproximadamente de 1698 até 1760, bem como da cidade de Hamburgo) e em muitas outras co- durante a vida dos seus pais no último terço do munidades judaicas. A comunidade judaica no sé- século XVII, foram registrados mais libelos de san- culo XVIII estava dividida entre os círculos que gue do que durante qualquer outro período da his- aderiam às esperanças messiânicas sabatianas em tória. Segundo dois historiadores poloneses con- toda a Europa, enquanto viviam externamente à temporâneos, Zenon Guldon e Jacek Wijaczka, fo- maneira tradicional, e os círculos rabínicos que ram registrados 66 libelos de sangue nos séculos lutavam contra a disseminação da cabala e dos en- XVII e XVIII, na comunidade polaco-lituana (GUL- sinamentos messiânicos ao público maior, e per- DON; WIJACZKA, 1977, p. 99-140). Segundo o seguiam aqueles que acreditavam, e Sabbatai Zevi artigo recente de Wijaczka, “Baseado em pesquisas e seus seguidores, que aderiam à literatura cabalis- recentes podemos concluir que, durante o início ta-messiânica. Deve ser observado que o chassidis- da era moderna, 89 acusações de assassinato e jul- mo começara a sua vida pública “formal” em 1772, gamentos tiveram lugar na Polônia (dentro das quando duras excomunhões contra os seus segui- fronteiras depois da União de Lublin)”. “Isso in- dores, que eram percebidos como heréticos saba- clui 17 no século XVI, 37 no século XVII, e 35 no tianos foram promulgadas na Polônia, Lituânia, século XVIII [...]. Pelo menos 11 acusações e julga- Galícia e Ucrânia por rabinos eminentes que ha- mentos de assassinato ritual tiveram lugar na Li- viam estado envolvidos na perseguição dos saba- tuânia, o que eleva o total a 100 julgamentos den- tianos nas décadas anteriores. tro dos territórios poloneses” (WIJACZKA, 2003, O terceiro fenômeno que afetou a vida judaica p. 208-209). Houve muitos outros incidentes seme- no período da formação do chassidismo foi a “rea- lhantes que não foram mencionados nos documen- ção católica” dentro da Polônia, que ocorreu no tos judiciais poloneses, mas foram claramente ates- último terço do século XVII e na primeira metade tados na literatura judaica contemporânea.5 O pri- do século XVIII. A Igreja Católica na Polônia foi meiro testemunho místico sobre a atividade públi- ameaçada pela disseminação dos ideais da reforma ca de Israel Baal Shem Tov trata dos libelos de san­ protestante em países vizinhos (Alemanha, Prússia, ­­gue nos anos 1740 e 1750. Suécia, Países Baixos e Dinamarca) e iniciou uma A fim de entender melhor o surgimento e a série de medidas para fortalecer a sua posição sa- propagação de dois movimentos místicos impor- grada exclusiva no reino polaco-lituano. Esses pas- tantes que definiam a realidade de diversas manei- sos incluíram instaurar novamente as restrições ras – sabatianismo e chassidismo – é necessário antissemitas medievais, inclusive a conversão coa- lembrar que a comunidade judaica indefesa na co- gida de judeus ao catolicismo, a abdução de crian- munidade polaco-lituana sofreu das tragédias cumu-

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lativas de: a) a revolta ucraniana que devastou a perseguidos eram os que acreditavam no sabatia- comunidade judaica na segunda metade do século nismo, que escolheram seguir as novas crenças mes- XVII; b) a vitória turca sobre a Polônia, que incor- siânicas expressas na Cabala e que eram refletidas porou a Podólia ao Império Otomano Muçulma- em lideranças carismáticas que ofereciam um novo no no último terço do século XVII; c) a conquista mundo messiânico, bem como os seguidores de sueca do reino da Polônia, que custou milhares de Israel Baal Shem Tov, que escolheu as novas ma- vidas judias, já que os poloneses católicos acusa- neiras místicas e lideranças espirituais que ofere- ram os judeus de apoiar o exército sueco protes- ciam uma nova visão de mundo que negava as dis- tante e matou-os como traidores; d) a guerra polo- tinções comuns. Ambos os grupos foram consti- nesa interna da coroação sueca nas primeiras dé- tuídos informalmente por membros que se uniam cadas do século XVIII, que causou uma calamida- a eles livremente e que criaram pequenas comuni- de econômica e distúrbios sociais e gerou vanda- dades alternativas que confiavam nessas novas fon- lismo e roubos; e) a reação católica iniciada contra tes de inspiração para autoridade mística e novas a heresia protestante e a intransigência judaica. formas de liderança carismática. Os novos grupos, A comunidade judaica respondeu a essas duras encabeçados por místicos, pessoas que veem a vida situações de três maneiras: a) por meio da heresia interior como da maior importância e que passam sabatiana radical messiânico-profética, que era ins- a “conhecer Deus” através de uma experiência in- pirada pela literatura cabalística do Zohar; b) fun- terna, não pediram permissão nem buscaram reco- dando o movimento místico chassídico, que era nhecimento das lideranças rabínicas tradicionais inspirado pela literatura cabalista de Safed no sé- eleitas em suas comunidades. O historiador Israel culo XVI; c) criando o estabelecimento conserva- Halperin, editor do The Records of the Council dor rabínico ortodoxo que se opunha vigorosa- of the Four Lands [Pinkas va’ad arba artsot][Acta mente tanto ao sabatianismo como ao chassidismo, congressus generalis Judaeorum regni Poloniae 1580- e impôs severas proibições à disseminação da Ca- 1764], Jerusalém 1945, que apresenta um delinea- bala e à idade em que era permitido estudar a lite- mento maravilhoso da complexidade da vida ju- ratura mística. Essas respostas ocorreram num pe- daica à época da disseminação do sabatianismo e ríodo durante o qual a comunidade judaica sofria, do crescimento do chassidismo, bem como autor com o resto da população lituano-polonesa e ucra- de Jews and Judaism in Eastern Europe, Jerusalem niana, de graves condições socioeconômicas após (1969), observou que menos de 1% de todos os as invasões estrangeiras e guerras internas. Todavia, membros da comunidade judaica eram elegíveis devido aos desenvolvimentos místicos internos que para participar nas eleições ao conselho da comu- geraram o sabatianismo e o chassidismo, a comu- nidade, responsável pela nomeação dos seus líderes nidade judaica perseguida inesperadamente encon- religiosos e laicos. Esses líderes eram os membros trou-se dividida internamente pela primeira vez no das famílias mais ricas e da elite educada que se período moderno. Esse foi um período no qual a casavam entre si, que podiam pagar os mais altos liderança rabínica tradicional estabelecida [conhe- impostos, o que era uma condição prévia para par- cida como mitnagedim – opositores] perseguiu ticipar na eleição.6 Assim que a liderança eleita tra- aqueles que não aceitavam a autoridade normativa dicional deu-se conta de que novos círculos esta- que representava a aceitação da vida no exílio. Os vam buscando formas alternativas de organização

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relacionadas a ensinamentos místicos, e assim que Jacob de Galina, R. Nahman de Busk e Jacob Frank entenderam que uma liderança carismática parale- (SCHOLEM, 1974, p. 68-140). Alguns dos profes- la, nutrida por esperanças messiânicas estava sendo sores sabatianos acima mencionados, na Podólia, formada nesses círculos, ela própria começou a eram antigos alunos de professores sabatianos dis- combatê-los agressivamente. tinguidos nas comunidades judaicas da Moravia. [A] Muitos judeus que seriam conhecidos co- Os professores sabatianos notáveis na Moravia, em mo os seguidores de Sabbatai Zevi, ou sabatianos, Prosnitz [Prosciejow] e Praga foram Rabino Nehe- acreditavam que a única resposta à trágica situação mia Hyon, Rabino Yehudah Leib Prfosnitz e Ra- no duro período entre 1648 e 1768 era ver os even- bino Jonathan Eibeschuetz. tos traumáticos como um período de dores do [B] A resposta rabínica de dentro da sociedade parto messiânico que dera à luz Sabbatai Zevi co- tradicional foi imediata e severa, ao confrontarem mo o messias que revelou tanto uma nova Torá e oprimirem os crentes messiânicos em todos os messiânica, mas também aquele que concedeu no- lugares através da proscrição e excomunhão direta va esperança messiânica para os sobreviventes de- a partir da segunda década do século XVIII. As ex- samparados. Após a morte de Sabbatai Zevi, a cren- comunhões daqueles que acreditavam em Sabbatai ça na nova era messiânica, bem como nas novas Zevi começaram em 1713, continuaram com a lu- leis implicadas em tal evento, foi disseminada por ta contra Rabino Jonathan Eibeschuetz (1690-1764), seu cunhado Jacob Kerido (nos últimos 25 anos um importante estudioso talmúdico que nasceu do século XVII), o irmão mais moço da última es- na Polônia, foi criado em Prosnitz na Moravia e posa de Zevi, Yocheved Philosoph, por seu filho ensinou na Yeshiva Central de Praga. Eibeschuetz Bruchia (nos últimos anos do século XVII e nas era um estudioso talmúdico distinguido e um lí- primeiras duas ou três décadas do século XVIII). der rabínico notável. Serviu como o rabino de Metz A maioria dos crentes que disseminaram o saba- em 1740-1750, e foi rabino das três comunidades tianismo eram rabinos e cabalistas. Eles incluíram alemãs unidas de Hamburgo, Altona e Wandzibeck Nathan de Gaza, Rabino Shlomo Florentin e Ra- entre 1750 e 1764. Era tido como um importante bino Joseph Philosop de Salônica, Rabino Hayim professor sabatiano por seus colegas e alunos na Malakh de Kalish (Kalisz), Rabino Yehuda Hasid Grande Yeshiva em Praga. Eibeschuetz foi perse- de Shedlitz (Siedlce), Rabino Nehamia Hayon de guido pela liderança rabínica da geração de 1726- Sarajevo, Rabino Shlomo Ayilion de Amsterdam 1764, já que os rabinos perceberam que muitos dos e Rabino Shmuel Primo de Adrianópolis. Alguns seus alunos em Praga voltavam para a Podólia e dos seus alunos formaram pequenos círculos saba- Galícia, onde ministravam ensinamentos sabatia- tianos dentro da comunidade judaica ucraniana nos orais e escritos atribuídos a ele. Os livros que na primeira metade do século XVIII, sob a lideran- foram atribuídos a Eibeschuetz foram banidos em ça de Rabino Haym Malakh de Kalish ou Moshe Praga em 1726, e em Brody na Galícia, na frontei- Meir de Kaminka, Yacob Vilna, Elisha Shor de ra da Podólia, em 1751, e seu autor foi excomun- Roha­­tyn, Rabino Zeev Wolf de Nadvorna [Nad- gado na última década da vida de Israel Baal Shem worna], Rabino Eliezer de Aziran [Jezierzany], Ra- Tov, que foi ativo na mesma região geográfica du- bino Fischel de Zlotchov [Zloczow], Rabino Shlo- rante o mesmo período.7 Outras perseguições fo- mo Krakower, R. Moshe David de Podhajce, R. ram instigadas contra o Rabino Moshe Hayim Lu-

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zatto na Itália e na Alemanha, nas décadas de 1730 parentes do Rabino , que era o digno e 1740, mais uma vez retomando as perseguições adversário do Rabino Eibeschuetz, eram os quatro contra Eibeschuetz nas décadas de 1740 e 1750. As líderes “do conselho dos quatro países”, em mea- perseguições aos crentes sabatianos na Podólia e dos do século XVIII, no mesmo período em que na Galícia haviam alcançado um pico sem prece- os sabatianos que eram os alunos de Eibeschuetz dentes, quando os líderes rabínicos do “conselho e seus seguidores foram excomungados na década das quatro terras,” a mais alta autoridade da co- de 1750, quando o chassidismo tinha alcançado munidade judaica na comunidade polaco-lituana uma posição pública sob a influência de Israel Baal decidiu recrutar a ajuda da Igreja Católica e do go- Shem Tov. O único líder judaico em meados do verno ucraniano contras os crentes sabatianos li- século XVIII que expressou um forte ressentimen- tuano-ucranianos liderados por Jacob Frank (1726- to em relação às perseguições rabínicas aos saba- 1791), a partir de 1755, buscando matar ou con- tianos em 1756-1759 foi Israel Baal Shem Tov. verter os seguidores, conforme foi detalhado em [C] A terceira maneira foi o movimento chas- The Records of the Council of the Four Lands, sídico, que foi fundado em meio às perseguições mencionado acima. A liderança rabínica que deu contra os sabatianos. Israel Baal Shem Tov nasceu início àquelas perseguições e hostilidades contra de pais idosos que tinham sido prejudicados pelas os seguidores da ideologia sabatiana na segunda circunstâncias trágicas da segunda metade do sé- década do século XVIII incluía Rabino Moshe Ha- culo XVII, e ficou órfão cedo na vida, alcançando giz de Altoona; Rabino Zvi Ashkenazi (Hakham a maturidade no início do século XVIII. Ele cres- Zevi) de Altoona; Rabino Avraham Broda de Pra- ceu fora dos círculos normativos da comunidade ga; na terceira década incluía Rabino David Op- judaica local, e afirmava que nunca tinha estudado penheim de Praga, Rabino Jacob de em qualquer escola e não tinha tido um professor Lvov e , e Rabino Arie Leib de Amster- formal. Sabe-se de documentos relacionados às duas dam (anteriormente de Rzeszow), Rabino Jacob primeiras décadas do século XVIII que as catástro- Popers de Frankfurt; na quarta década as persegui- fes acumuladas do século anterior tinham causado ções foram encabeçadas por Rabino Hayim Rapo- a devastação de escolas em toda a Ucrânia, e mui- port de Lvov; na quinta década por Rabino Yehez- tas crianças nascidas na virada do século não tive- kel Landau de Praga e Rabino Shmuel Hillman ram ensino segundo qualquer ordem tradicional Heilpern de Metz (nascido na Polônia), Rabino normal. O Baal Shem Tov foi singular no sentido Yaacov Horowitz de Brody, Rabino Nathan Neta de afirmar que tudo que ele sabia lhe fora ensina- b. Arie de Brody; na sexta década Rabino Yaacov do for um mentor celeste, o profeta bíblico Ahiya Emden de Altoona, o filho do Hacham Zevi) e HaShiloni (I Reis 11, 29-30), que foi descrito no seus dois cunhados: Rabino Arie Leib de Amster- (BT Bava Batra 121a), no Zohar (Zohar dam e Rabino Yitzhak ben Meir de Biali (Biala) Hadash, Gen. 29b) e na introdução à Mishne Torá que era filho adotivo de Eibeschuetz; bem como de Maimônides, como uma pessoa que transcen- os três genros de Emden: Rabino Avraham Yoskes dera as fronteiras normais da vida e da morte, ao de Lisa (Leszno), Rabino Avraham haCohen de mesmo tempo que fazia parte da cadeia de trans- Zamotz (Zamosc) e Rabino Baruch ben David de missão da Torá. Os primeiros alunos de Israel Baal Bialy [Biala]. É significativo que todos os quatro, Shem Tov de fato relataram essa circunstância ex-

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traordinária das aulas místicas, nos seus escritos que uma ilusão quando percebida sem reconhecer posteriores sobre seu professor. Israel Baal Shem a fonte viva divina que a cria e a mantém constan- Tov não escreveu livros e deixou apenas algumas temente. Ele afirmou que o mundo inteiro é um poucas cartas atestando a sua capacidade de trans- meio da presença divina, ao mesmo tempo em que cender as fronteiras de tempo e lugar. Ele ensinou acentuou a presença de Deus em cada letra do tex- uma nova visão mística do mundo, baseada em to escrito sagrado, já que, de acordo com a doutri- parte em uma literatura mística judaica autobio- na mística judaica, a fonte da linguagem é divina. gráfica anterior, escrita no século XVI, depois da Israel Baal Shem Tov afirmou que a terra toda está expulsão da Espanha, mas posteriormente fundada universalmente repleta de glória divina infinita, nas suas próprias percepções radicais originais, ins- que todos os lugares estão igualmente repletos de piradas por sonhos e experiências místicas. Auto- centelhas divinas, que cada letra está repleta de ridades rabínicas distinguidas e sábias, como Ra- conteúdo divino infinito ou luz divina ilumina- bino Yaacov Yoseph de Polonnoye [Polonne] (1704- dora e sentido infinito, e que cada judeu que se 1782), que oficiara como rabino nas comunidades concentra nessas suposições pode encontrar Deus importantes da Podólia, Rabino Meir Margaliot em todos os lugares, em todos os momentos, em (1713-1793), a maior autoridade rabínica na Volhy- todos os lugares, dentro de cada palavra e cada fra- nia e Rabino Dov Baer de Mezhirech (Mredzyrzec), se, através de cada pensamento e cada ato, sem notável pregador na Volhynia, conheceram bem quaisquer precondições ou limitações. Esses ensi- Israel Baal Shem Tov no final da década de 1720 namentos foram ouvidos na segunda parte do sé- ou no início da década de 17308 e nas décadas de culo XVIII por seus alunos e seguidores, e foram 1740 e 17509 aceitaram-no como seu mentor ins- explicados detalhadamente em manuscritos, cartas pirador, professor espiritual, e registraram os seus e livros impressos na terceira parte do século XVIII. ensinamentos místicos nos seus livros, apesar do Os livros dos alunos diretos de Israel Baal Shem fato de faltar-lhe qualquer educação formal e não Tov incluíram Jacob Joseph de Polonnoye, Toledot possuir qualquer autoridade reconhecida. Ya’akov yosef (Korets [Korzec], 1780); Dov Baer de Israel Baal Shem Tov formulou uma série de Mezhirech, Magid devarav leya’akov (Koretz, 1781); ensinamentos místicos e argumentos paradoxais Jacob Joseph de Polonnoye, Ben porat yosef (Ko- descrevendo as relações entre a realidade visível e rets, 1781); Aaron ben Tsevi Hirsch Kohen de Opa- o mundo invisível, ou entre a experiência compar- tow [Opatow], Keter shem tov (Zolkiev [Zolkiew] tilhada revelada e a experiência interior oculta. O 1784); [Anônimo] Tsava’at harivash vehanhagot ye­ pensamento místico pressupõe que os mundos mais sharot (Zolkiev 1793) e outros escritos dos alunos elevados e inferiores estejam interligados, e que de seus alunos. Na mente dos seus seguidores chas- exista um significado oculto para todas as dimen- sídicos nos séculos XVIII e XIX, a reputação de Is- sões da realidade revelada. Ele ensinou que a pre- rael Baal Shem Tov elevou-se além dos limites da sença divina invisível oculta por detrás do mundo realidade histórica e adquiriu um status mitológi- revelado, como a alma no corpo, está constante- co, sem limitações de tempo, lugar, registro escrito mente criando o mundo e precondiciona a própria ou evidência biográfica. Pouco tempo após a sua existência de cada momento de realidade. Ele dis- morte, os fatos históricos conhecidos da sua vida cutiu ainda que a existência visível nada mais é do – baseados em parte em testemunhos diretos e em

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parte em fontes escritas – entraram nas tradições cada manifestação material é animada por uma orais que circulavam nos anos 1760 e 1770, e se fonte divina invisível e possui uma manifestação fundiram com as tradições místicas chassídicas na tangível que poderá revelar a raiz divina e assim a literatura homilética que começou a aparecer a par- divindade é transformada em uma entidade per- tir de 1780. Continuaram a ser registrados por es- ceptível, e ainda mais, toda manifestação é ilusó- crito nas décadas que se seguiram e foram publi- ria, se não for iluminada pela única entidade ver- cados na literatura hagiográfica em louvor do Baal dadeira da presença divina. A presença divina in- Shem Tov que começou a aparecer após 1814. finita que anima a realidade é chamada de infinito -ein sof; o que não tem fim), ou abreviada) אין סוף À medida que se disseminava o chassidismo, as ayin) e a realidade corpórea tangível) אין ,dimensões míticas do Baal Shem Tov se expandiam mente na forma de tradições registradas pelas primeiras que oculta a sua raiz divina é chamada de ser, ou -yesh). Contudo, a afirmação hassídica é dialé) יש gerações dos seus discípulos, relacionadas com os seus ensinamentos e sua perspectiva, sua persona- tica: o único ser verdadeiro é o ser divino invisível, lidade carismática, suas práticas místicas, sua ha- enquanto que o mundo físico percebido exclusi- bilidade de iluminar o mundo oculto, e seu talen- vamente pelos sentidos é nada. Ser e nada no chas- to como “mestre do Nome”, com o poder de curar sidismo são conceitos dialéticos e transformativos; através do seu contato com o sagrado, entraram do ponto de vista divino há apenas o ser divino ayin) destituído de qualquer presença אין) nas narrativas orais. Fontes escritas atestaram a infinito “nova maneira pela qual ele iniciava na adoração tangível independente, enquanto que do ponto de a Deus”, seu legado direto e indireto como inova- vista humano limitado (“os olhos da carne”) exis- sem (יש dor religioso, e sua habilidade no uso de parábolas te apenas o ser material corpóreo (yesh para comunicar mensagens religiosas. As várias tra- qualquer presença divina. Correspondente a essa dições a seu respeito rapidamente alimentaram umas unidade de opostos de ser e nada, o esforço huma- às outras, numa torrente que crescia continuamen- no, segundo o ensinamento chassídico, é duplo: -pu) המשכה elevação) e hamshacha) העלאה ”te e obscurecia a linha entre fantasia e realidade. “ha’alah O fundador do chassidismo foi levado a ani- xar para baixo), isto é, elevação do ser para o nada quilar a experiência existencial dos seus contem- infinito, através dos “olhos do intelecto”, envolvi- porâneos e liberá-los das duras restrições da reali- do em contemplação e unificação com Deus; e pu- dade. Contra a situação de desamparo deles, nessa xar para baixo o nada infinito para o ser através época e lugar, ele afirmava que “toda a pessoa de- dos mandamentos assistidos pelos “olhos da car- veria perceber-se como membro do mundo supe- ne”. Esperava-se de todo seguidor do chassidismo rior” e como associado da comunidade angelical que tentasse vencer os “olhos da carne”, a fim de descrita na literatura mística, adotando a perspec- transformar o ser corpóreo em nada através dos tiva divina e imitando o comportamento angelical. “olhos do intelecto”, assim percebendo a presença Ele argumentou que “O Homem é uma escada divina; e transformar o ser divino infinito conhe- Ayin ou Ein Sof) em (אין ou סוף) plantada sobre a terra, cuja cabeça alcança os céus cido como nada yesh), através do seu trabalho יש) e os anjos de Deus sobem e descem nele” (JO­SEPH, um ser tangível 1780 [1973, p. 50]. Ele afirmou ainda que todas as na Torah e Mitzvot que eleva a percepção dos “olhos coisas existem dentro de uma unidade de opostos: da carne”. A primeira fase, transformar um ser tan-

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gível em nada através do esforço espiritual, é chama- formas, bem como uma exigência total de desvin- da de “aniquilação do ser” e de “desvinculação da culação da corporalidade e separação do ponto de corporalidade” (bittul hayesh hafshata migashmiut vista vantajoso existencial: “O homem íntegro, te- -Seguir esse ideal levou o mente a Deus [...] lembra a todo o momento dian .(ביטול היש הפשטה םגשמיוח homem “a ver a si mesmo como se não fosse­­­ [...] te de Quem ele se encontra e se despe da corpora- pensar que ele não faz parte desse mundo” (ANÔ- lidade como se ele estivesse acima deste mundo e NIMO, 1793 [1975], p. 17), ou, como é dito em além da ordem do tempo” (WOLF, 1798 [1968], p. uma formulação sem ambiguidade, “O Homem 39b). Ao abandonar a distinção entre o nível supe- deve ver-se como nada e esquecer a si mesmo in- rior e inferior da realidade, a suposição de onipre- teiramente” (BAER, 1781 [1976, p. 186]). A segun- sença divina fechou a lacuna entre Deus e o homem. da fase, transformar o infinito divino em uma pre- O Homem está ligado à realidade divina – conce- sença física através da adoração corpórea humana, bida variavelmente como centelhas, letras, Shekhi­ é chamada de adoração divina através dos manda- nah (presença divina), Sefirot (esferas divinas) e lu- mentos, ou puxar para baixo a abundância divina, zes – de uma série de maneiras, assim obscurecendo ou abreviada- a distinção entre o humano e o divino. A ideia de (חמשכת השפע hamshachat hashefa) mente, hamshacha. que toda a existência física requer a presença divina Israel Baal Shem Tov, que foi descrito por seus constante – que Deus é a essência que anima a for- alunos como uma pessoa “que está acima deste ma física – exige reconhecimento da abundância mundo e além da ordem do tempo”, era um mís- infinita da vitalidade divina que flui através de to- tico que se interessava em borrar ou obscurecer as das as dimensões do mundo físico. Deus está pre- fronteiras entre as dimensões espiritual e material sente em tudo, em cada ato, em cada fala ou pen- da existência, bem como em transcender as fron- samento. Levado a extremos, essa posição destitui teiras entre a presença divina e a consciência huma- de significado o conceito de realidade como sepa- na. Ele tentou libertar seus seguidores da servidão rado de Deus: tudo é divindade. “Assim os mundos da realidade, colocando-os em uma situação de ver não mantêm em Deus qualquer substância do as- as coisas de maneira nova, na qual o divino ilumi- pecto de sua verdade, na medida em que não há na constantemente o profano, e o mundano anseia nada além dele” (HALEVI, 1821 [1970], vol. II, ga- constantemente pelo divino. Na consciência chas- te 2, chap. 22, p. 42b). A fim de esclarecer essas sídica, a presença divina existe em todos os lugares, ideias a respeito da totalidade da imanência divina cada vez, cada palavra e cada pensamento, e vice- e a-cosmismo consequente, Israel Baal Shem Tov -versa, cada manifestação concreta é percebida co- introduziu doze conceitos relacionados e sobrepos- mo o ocultamento do ser divino que o sustenta. A tos que buscavam criar uma mudança total na cons- fim de consolidar essa nova consciência o Besht’t ciência humana. Alguns desses conceitos, formados afirmou repetidamente que “A terra toda está cheia a fim de instruir os seus seguidores a respeito da de sua glória, e não há lugar onde ele não exista [...] nova maneira contemplativa e adoração espiritual, a divindade está em todo lugar” (BAER, 1781 [1976], eram conhecidos a partir de escritos místicos ante- p. 240). Essa afirmação radical de onipresença di- riores que eram mantidos apenas entre os poucos vina trouxe com ela a obrigação de uma ligação selecionados; outros eram de sua própria inspiração com Deus em todos os momentos e de todas as original. Contudo, a inovação chassídica foi a in-

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trodução de um novo significado para o vocabulá- ma” (BAER, 1781 [1976, p. 62]), que afirmava que rio místico existente, destinado pela primeira vez “tudo foi criado na terra abaixo para fazer coisas a ser utilizado e praticado por todos os homens da grandiosas e maravilhosas [...] para dar a entender comunidade judaica sem qualquer precondição ou que há um mundo superior” (HACOHEN, 1938/ restrição. O denominador comum desses novos en- 1975, p. 24), e que não hesitava em dizer que “to- sinamentos, conforme inicialmente introduzidos do o mundo pode alcançar o nível do nosso profes­ durante o período de 1735-1780, aqueles com os ­­sor Moisés de abençoada memória” (ANÔNIMO, quais o Baal Shem Tov, o Maggid the Mezhirech e 1781 [1976], p. 1c), refletia uma nova percepção Rabino Jaco Joseph de Polonnoye lideraram, ensi- do homem e uma nova percepção de igualdade e naram e escreveram, mas não publicaram, bem co- liberdade­­­ como parte de um ponto de vista que der- mo as tradições variadas que emanavam dos traba- rubou as hierarquias convencionais que discrimi- lhos publicados nos 35 anos que se seguiram (1780- nam entre diferentes pessoas”, com diferente acesso 1814) pelos professores de chassidismo, foi um sen- ao estudo da cabala e a diferentes formas de culto.10 so de inspiração mística e despertar espiritual que Israel Baal Shem Tov cunhou os doze seguintes gerou uma expansão crucial do conceito de culto conceitos místicos que se destinavam a serem en- religioso e responsabilidade social. tendidos, praticados e compartilhados igualmente As ideias chassídicas eram influenciadas pela por todos os homens da comunidade, e através de literatura mística anterior, conforme será observa- todas as formas de culto, em virtude da afirmação do abaixo; contudo, enquanto que a cabala relega- radical de que Deus, que enche o universo com Sua va as práticas místicas a uma pequena elite que se glória está presente no pensamento humano e na separava da comunidade e seguia um modo de vi- fala humana, assim “Deus quer ser servido de to- da piedoso a fim de dedicar-se a questões sagradas, das as formas [...] Deus pode ser servido em tudo.” o Baal Shem Tov via todo judeu como tendo o po- Devekut (unidade com o Santificado, lit. ape- tencial místico de reconhecer a essência divina ani- go ou adesão a Deus) é uma instrução que exige madora que pervade tudo. Seus alunos disseram total devoção a Deus, até o ponto de renunciar às repetidamente que, assim como Deus está presente realidades do mundo material e transcender nosso igualmente em todos os lugares, assim todos po- próprio Eu a fim de entrar no domínio do nada e derão igualmente aproximar-se de Deus através dos alcançar a verdadeira unificação com o divino atra- seus pensamentos e alcançar uma unidade com ele: vés de níveis mais elevados de compreensão espiri- “Todo judeu que contempla [...] como Deus lite- tual. A seguinte definição de adoração divina dada ralmente preenche os [níveis] superior e inferior, pelo Maggid de Mezhirech, o principal aluno de e o céu e a terra, literalmente, o universo todo está Israel Baal Shem Tov, consegue transmitir a reo- literalmente cheio de sua glória” (ZALMAN, 1797 rientação desejada no reino da consciência religio- [1980], p. 120). “Todo o mundo deve orar a Deus sa: “Uma pessoa deve retirar-se de toda corporali- em todas as Suas dimensões, pois tudo é por amor dade, até o ponto de ascender através de todos os ao Altíssimo, porque Deus quer ser servido de to- mundos e alcançar a união com o Santo, Bendito dos os modos [...] Deus pode ser servido em tudo” seja Ele, até que seja transcendido e então é chama- (ANÔNIMO, 1781 [1976], p. 1c). Esse conceito, da de homem” (BAER, 1781 [1976, p. 38]). O au- que via em cada pessoa “uma porção divina de aci- tor explicou a possibilidade do apego humano ao

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divino devido à total presença divina em cada lu- é idêntico à infinita criatividade do divino. gar, cada fala e cada pensamento: “Em verdade, Letras. O Baal Shem Tov afirmava que a in- aonde vão nossos pensamentos é onde se está. Em finitude da linguagem em geral e cada letra do verdade, a Sua glória enche toda a terra e não há idioma sagrado, especificamente, são a localização lugar onde Ele não esteja. Em todos os lugares on- mais obvia da presença divina. Na sua famosa car- de está o homem, é onde ele encontrará apego [atta­ ta a seu cunhado, conhecida como “A Epístola Sa- chment, devekut] ao criador no lugar onde ele está, grada”, escreveu que “cada letra contém mundos pois não há lugar vazio d’Ele [...] em todos os lu- e almas e divindade” (JOSEPH, 1798 [1971, p 128a]). gares está a divindade” (BAER, 1781 [1976, p. 38]). Ele afirmou ainda que cada palavra é uma unida- Israel Baal Shem Tov e seus alunos fizeram da uni- de de opostos contendo um sinal revelado [tevah dade mística uma orientação diária para seus se- = letra/palavra e arca] e um significado misterioso guidores quando proclamaram: “Devemos sempre [janela]. Seus alunos explicaram: “Ouvi no nome estar ligados a Deus com um maravilhoso devekut do Baal Shem Tov que fazer uma janela na arca [de [...] E devemos saber que a nossa adoração e apego Noé] [tevah] significa fazer uma janela a partir da ao Criador, bendito seja o Seu nome, pode elevar palavra [tevah] de Torá e oração, para olhar através todos os mundos.” (BAER, 1781 [1976, p. 240]). dela do início do mundo até o seu fim” (Wolf, Pensamento. Em virtude da sua fonte di- 1798 [1968], p. 57). Cada palavra pode ser uma vina, o pensamento humano consegue vencer os ‘janela’ que permite que a luz da infinidade divina limites da percepção física e reconhecer o nada in- que dá vida, brilhe através dela e revele que coisas finito essencial em ser. “Através do pensamento, o percebidas pelos sentidos como sendo discretas, homem pode alcançar grandes concepções sem li- em realidade fazem parte da totalidade divina. A mites, pois o pensamento também é infinito” (ELI- luz infinita da vitalidade divina no universo, suas MELEKH, 1788 [1952], p. 25a). O Baal Shem Tov centelhas representadas nas letras do idioma divi- afirmava que “quando se pensa sobre o mundo no, é apreendida pelo homem através da lingua- superior, está-se no mundo superior, pois onde es- gem. Linguagem, no pensamento chassídico, é a tão os pensamentos da pessoa, é lá que está a pes- unificação do abstrato e do concreto, o significado soa” (ANÔNIMO, 1781 [1976], p. 224). De acordo infinito e o sinal finito da letra como unidade dos com esse ponto de vista, a habilidade de atingir a opostos: “Afirmamos este princípio: não há lugar perspectiva divina sobre o universo depende uni- vazio Dele e Sua glória enche toda a terra, e todas camente da mente humana. Como um poder di- as falas que são ditas ou ações empreendidas, por vino, o pensamento consegue penetrar até a verda- necessidade contêm as letras da Torá e centelhas de sob e além das aparências: “O Homem deve sagradas que as animam” (Wolf, 1798 [1968], p. acreditar que a glória de Deus preenche a terra, e 126b). Rabino Ya’acov Yosef, o principal expoente todos os pensamentos humanos contêm o seu ser e escritor dos escritos do Baal Shem Tov, explicou e cada pensamento apresenta uma entidade divi- a ligação entre o poder divino de criar e o poder na” (JOSEPH, 1798 [1971, p 50a]). O pensamento humano de abstrair, que estão ligados através das humano criativo, expresso linguisticamente, inte- letras da linguagem divina que unem o oculto ao grando a abstração e faculdades sensuais e imagi- revelado: “Pois assim como há vinte e duas letras nárias, é infinito e, em virtude de sua infinitude, da fala e Torá e oração, assim em todas as questões

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materiais e físicas no mundo há vinte e duas letras bordam de significado e, contudo, são essencial- através das quais o mundo e tudo que está nele foi mente limitados no seu poder de expressar o infi- criado. Dentro dessas letras habita o espírito divi­ nito ilimitado, sem o sinal comunicativo concreto. no, pois a Sua glória enche toda a terra e tudo que Bitul hayesh (lit. “negar o ser” ou “nulifi- contém, e não há lugar vazio Dele, apenas há ocul- cação do ser”) é o esforço de transcender a realida- tação, mas quando aqueles que sabem estão cons- de física a fim de descobrir o elemento divino que cientes dessa ocultação, não é mais ocultação” (JO- o anima. Israel Baal Shem Tov formulou esta abor- SEPH, 1781 [1971, p. 22b]). dagem na sua famosa “parábola das barreiras”: A tradição chassídica muitas vezes cita as pala- “Houve um rei sábio e grande que fazia tudo atra- vras do Baal Shem Tov a respeito da linguagem vés de ilusões, paredes e torres e portões [...] quan- criativa comum a Deus e ao homem, a fonte divi- do o seu filho amoroso fez um grande esforço pa- na das letras e suas eternas forças vivificadoras. “É ra chegar ao seu pai, o rei, e então viu que não ha­ das letras sagradas que derivam a raiz e a animação via barreira que o separava do seu pai, pois era do homem.” Pois aquilo que há na realidade ob- tudo ilusão. Pois quando se sabe que a glória de tém o seu ser e sua existência apenas das letras, a Deus enche toda a terra, e que todo movimento e partir das quais foram criados o céu e a terra, e pensamento vem Dele, então, com esse conheci- tudo que eles contêm. Como se sabe muito bem, mento todas as agências maléficas desmoronam, o Baal Shem Tov explicou o verso “Sempre, ó Deus, pois não há barreira ou cortina que separa o ho­ a Sua Palavra está no céu” (Ps. 119) significando mem Dele [...] já que toda ocultação é apenas uma que, mesmo agora, toda a vida da criação e toda a ilusão. Em verdade, tudo vem da Sua substância.” existência nascem das letras sagradas que são a pa- (JOSEPH, 1798 [1971, p 70c; ver p. 111]) O indi- lavra de Deus sempre presente no céu para dar-lhes víduo deve esforçar-se para entender que a corpo- vida. Pois, senão, tudo voltaria ao caos, já que não ralidade que parece separá-lo de Deus é irrelevante. teria sustento (Hacohen, 1938/1975, p. 16). O elemento físico manifesto é ilusório; apenas o O poder de criar a realidade através do fluxo ser divino infinito oculto é autêntico; Deus é a es- de letras do infinito para o finito, do nada para o sência do ser, a única existência autônoma. Donde ser, do espiritual para o físico, do inconcebível pa- o chamamento chassídico a “distanciar[se] da fisi- ra aquilo que pode ser apreendido, não é o domí- calidade e imaginar que se é apenas animação di- nio exclusivo da divindade. Deus criou e continua vina [...] e perceber a fonte superior de todas as a criar o mundo através da fala e da permutação coisas” (BAER, 1781 [1976], prefácio, p. 6). Rabino de letras, ao inscrever, talhar e combiná-las confor- Schneur Zalman de Lyadi, um dos principais alu- me registrado no Sefer Yetsirah; mas o homem nos do Maggid de Mezeritch, explicou isso clara- também combina letras para criar palavras através mente: “O principal elemento de culto (worship) da linguagem, gerando em sua mente novos signi- a ser desenraizado do lugar da gente, da apreensão ficados e permutações que expandem os limites da sensual humana, unicamente para entender a ver- compreensão e as profundezas do espírito. As le- dade desvestida [...], isto é, acostumar-se a contem- tras que compreendem a linguagem podem ser con- plar a espiritualidade vivificante [...] A principal sideradas uma coincidência de opostos; espiritual apreensão [...] de que toda a realidade e sua apreen­ e físico, abstrato e concreto, oculto e visível, trans- são são nada, e que é a origem de todo o culto

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(worship).”11 Seu principal aluno, Rabino Aharon lidade”). Um processo que expressa o desejo da Halevi de Staroselye, explicou essa posição mística alma divina de transcender a corporalidade por em maiores detalhes: “O principal motivo para al- meio da oração e contemplação e descobre o ele- cançar a auto-aniquilação é que uma pessoa deve mento divino que a anima. “O homem são, temen- realmente se tornar como nada, isto é, não deve te a Deus, [...] lembra a todo o momento diante conhecer ou sentir qualquer essência dentro de si de Quem está, e se desveste da corporalidade como mesma [...] pois a sua essência não tem nenhuma se estivesse acima desse mundo e além da ordem significância para ela, e ela na verdade torna-se um do tempo” (Wolf, 1798 [1968], p. 39b). A palavra vaso preparado para a aceitação da revelação, em olam (mundo; corporalidade; materialidade) é de- si, de Sua substância abençoada” (HALEVI, 1842 rivada homileticamente de he’elem (ocultamento); [1972], p. 58b). desse ponto de vista, o mundo é apenas um ocul- Nefesh elohit (lit “alma divina”) ou “olho tamento da luz divina que torna possível a sua do intelecto”. A alma divina, que todo judeu pos- manifestação. É o elemento divino oculto que ani- sui potencialmente, esforça-se para elevar tudo ao ma a realidade revelada; o elemento físico é mera- nível espiritual, para remover a materialidade a fim mente uma manifestação material que permite a de revelar o elemento divino subjacente à manifes- percepção da realidade divina oculta. Essa cons- tação concreta. Todo indivíduo também tem um ciência afetou a instrução hassídica comum: “Este nefesh behmit (lit. “alma bestial”). A alma bestial, é o caminho que um homem deve escolher para também conhecida como “o olho da carne,” busca si; em qualquer lugar onde ele olhe ou escute, que a descida para o mundo material, para converter ele veja e ouça nada mais do que a divindade ves- o espiritual no físico, em uma tentativa de distan- tida lá dentro” (Wolf, 1798 [1968], p. 7b). ciar-se de sua fonte. “Pois se sabe que há duas al- Hishtav’ut (lit. equanimidade ou indiferen- mas em cada homem, uma alma divina e uma al- ça). A equanimidade é um estado ascético no qual ma bestial [...] A essência da alma é intelecto. Pois todos os valores e conceitos relacionados à existên- a essência da alma divina é intelectual, e está cons- cia concreta deverão ser considerados destituídos tantemente contemplando e percebendo a luz do de significado. A exigência chassídica é que todo Infinito abençoado; não tem outra percepção. Os seguidor trate todas as dimensões da vida material atributos de amor e medo nascem do intelecto e com equanimidade completa: “Equanimidade é daquela percepção, e são chamados de bom impul- um grande princípio, significando que deve ser o so. Semelhantemente, a essência da alma bestial é mesmo para ele se ele é considerado como igno- que ela aplica o seu intelecto à percepção da cor- rante ou como versado na Torá inteira. Isso é cau- poralidade desse mundo e de sua matéria. Esse é sado pelo devekut regular no Criador, abençoado o oposto da alma divina, pois a alma que está ves- seja o Seu nome, de modo que, por causa de sua tida na sua preocupação corporal realmente é o preocupação com o devekut, ninguém tem tempo oposto do intelecto da alma divina, que é o equi- de pensar sobre essas questões, na medida em que valente da sabedoria mais elevada...” (ZALMAN, sempre se está preocupado com ligar-se em nível 1836 [1978], p. 75). elevado a Ele” (ANÔNIMO, 1781 [1976], p. 32, Hafshatat hagashmiyut (lit. “desvin- seção 10). Israel Baal Shem Tov instruiu os seus culação da materialidade”, “remoção da corpora- seguidores a ligar essa prática constante a um ver-

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so bem conhecido que inclui a palavra sempre; é aquele do homem sábio, cujos olhos estão em “Ele diz, ‘eu coloquei [shiviti] Deus diante de mim, sua cabeça (Ecles. 2:14), que fortalece o olho do seu sempre’ [Ps. 26:8]. Shiviti implica equanimidade intelecto para despir-se da corporalidade [...] até [hishtav’ut]. Qualquer coisa que ocorrer deve ser que ele adquira, dentro de si, uma clareza e pureza igual para Ele, que as pessoas O louvem ou des- de visão, de modo que sempre que ele olha e ouve, prezem, e assim também com todas as outras coi- vê apenas a espiritualidade vestida em corporalida- sas [...], deixe o seu pensamento prender-se ao [mun- de” (Wolf, 1798 [1968], pekudei, p. 84a). do] mais elevado [...] e que não se considere de Avodah begashmiyut (lit. “Adoração atra- nenhum modo os assuntos deste mundo, e que vés da corporalidade”). Esse conceito refere-se ao não se pense nada a respeito deles, a fim de sepa- nome para a busca da essência divina na natureza rar-se da corporalidade [...]. Pense-se que se é filho multifacetada da realidade material ou a expansão do mundo superior, e não se deixe que todos aque- do culto religioso a todas as áreas da vida humana, les seres humanos que habitam este mundo tenham ao atribuir um significado religioso a todas as ati- importância a seus olhos, pois todo esse mundo vidades profanas, em virtude do pensamento que não é mais do que uma semente de mostarda com- as ilumina e a intenção que as acompanha. A re- parado ao mundo superior. Assim, ele não deve velação da substância divina no ser requer o reco- importar-se que o amem ou odeiem, pois seu amor nhecimento do seu nada essencial. e ódio não é nada” (ANÔNIMO, 1781 [1976], p. Olam hadibur medaber badam (lit. 2, seções 5-6). ”O mundo da fala [= Shekhinah = presença divina Hitbonenut (lit. contemplação). A medita- representando a comunidade eterna de Israel e a ção sobre a presença divina que é subjacente a ma- lei oral] está falando através da boca de um ser hu- nifestações físicas a fim de ver em tudo “sua supre- mano”). O fundador do chassidismo afirmou, de ma raiz e fonte”. A fim de meditar é necessário maneira sem precedentes, que todo ser humano lembrar que nenhum aspecto da realidade pode ser pode tornar-se um vaso para a voz divina. Nos en- aceito por seu valor nominal, pois cada manifesta- sinamentos do Baal Shem Tov, as palavras faladas ção da realidade oculta a sua essência divina. A do idioma sagrado da oração e da Torá se intersec- existência física é tão somente algo que cobre a luz cionam com o plano divino do “mundo da fala’ infinita, um receptáculo contendo a luz divina. O (olam hadibur) conectado à Shekhinah; quando a Rabino Zeev Wolf de Zhitomir, um dos alunos voz do homem é carregada do idioma sagrado, a mais distinguidos do Maggid, formulou a expec- Shekhinah fala dentro dele. A fala divina e a fala tativa chassídica como foi apresentada pelo Besh’t: humana são intertecidas, pois o “mundo da fala” “Não veja nada no mundo como aparece, e sim é um tipo de caixa de ressonância através da qual levante os seus olhos para as alturas, significando aquele mundo se comunica de dentro. Em outras o aspecto de sua contemplação e estudo, para ver palavras, a fala humana manifesta recitando as Es- apenas a divindade vestida em todas as coisas do crituras Sagradas ou textos sagrados é a revelação mundo. Pois não há nada além Dele, e deve haver concreta da voz divina oculta; a essência da luz centelhas sagradas ocultas em todos os níveis do infinita dentro das letras é revelada na fala huma- ser, outorgando-lhes vitalidade” (Wolf, 1798 [1968]), na. A partir de outra perspectiva: quando uma pes- pekudei, p. 85). Ele explicou ainda: “O princípio soa anula a sua concepção independente e se trans-

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forma (yesh ou ani) em nada (ayin) então sua cons- Gadlut (lit. grandeza de espírito) – uma men- ciência é preenchida pelo espírito de Deus falando te aberta e visões expansivas geradas pelo distan- nela; “Não está no céu” (Deut 30:12): Isto é sua ciamento de preocupações mundanas e pela apro- poderosa Shekhinah que o Santo transmitiu entre ximação maior a Deus e senso de redenção; Kat- nós, nas bocas do seu povo a casa de Israel, como nut (lit. irritabilidade), ou mesquinhez, gerada afirma o sagrado Zohar que a Shekhinah habita por submissão às limitações da realidade que é na boca do homem” (ben DOV BER, 1851 [1973], percebida quando se é um exilado. O fundador do likutim, p. 52b). chassidismo discutiu que viver sem essa consciên- Kavanot (expressões de intenção mística) Yi- cia mística da presença divina sempre-presente que hudim (lit. “unificações”) são meditações místi- conclama o crente a viver conforme a resposta hu- cas que buscam restaurar a unidade final do reino mana dupla descrita acima como Devekut (devo- divino que foi despedaçado no processo da criação ção total a Deus e à Shekhinah, até o ponto de re- numa catástrofe cósmica conhecida como a “que- nunciar às realidades do mundo material) com a bra dos vasos”, ou Shevirat ha’kelim. Esse concei- presença divina por um lado, e indiferença com- to místico que transcende as fronteiras lógicas do pleta ao mundo corporal Hishtavut e bittul hayesh tempo e do lugar é relacionado à projeção cósmica (equanimidade e aniquilação do ser) por outro, do exílio histórico no qual a comunidade de Israel deixa-nos na obscuridade de uma realidade som- é banida do seu lugar no céu e igualmente na ter- bria do exílio governado por poderes diabólicos, ra. O mundo divino é representado na imagem do impondo lentes inferiores de percepção chamadas homem e da mulher separados, O santo abençoa­ katnut. O primeiro estado desejado de Devekut, do seja e sua Shekhinah – a presença divina. O ob- aquele que o Besh’t chamou de grandeza [gadlut], jetivo das unificações é de redimir a Shekhinah é contradito com seu oposto, irritabilidade [kat­ cativa e exilada – a comunidade celeste de Israel, nut], imposta ao espectador que está aprisionado com o Santo, abençoado seja. Yihudim são permu- dentro das limitações da realidade, refletida pela tações de letras sem significado próprio – nomes tristeza e miséria relacionadas à servidão da exis- ou mnemônicos sem valor semântico, funcionan- tência. O Baal Shem Tov instruiu os seus seguido- do em linguagem ritual ou em amuletos, que fo- res a distanciar-se das fronteiras usuais da percep- ram recrutados para esse fim da redenção da Shekhi­ ção governadas pelos sentidos e a afastar-se das nah. Ensinamentos chassídicos que exigiram de normas deste mundo, relacionando-se à realidade todos os seus seguidores que pensassem constan- percebida com total indiferença [hishtavut-] e con- temente sobre a presença divina cativa, a fim de centrando-se sobre a presença divina iluminadora, redimi-la através da sua contemplação e devoção, [gadlut], oculta dentro e além das restrições da rea- tentam integrar a prática esotérica com o munda- lidade [katnut]. O novo mundo conceitual que ele no: “Não há coisa grande ou pequena que esteja consolidara como resultado de sua percepção mís- separada Dele, pois Ele está presente em toda a tica instruiu os seus seguidores a aderir ao ser di- realidade. Portanto, a pessoa perfeita pode alcan- vino e pensar sobre a Shekhinah, aniquilar o ser e çar o Yihudim (unificações) supremo, mesmo nas transformar a realidade em divindade, ignorar com- suas ações físicas, tais como comer e beber, e rela- pletamente a realidade material e preocupações nor- ções de negócios” (JOSEPH, 1781 [1971], p. 474). mativas da vida no exílio e tirar da mente os cri-

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térios do mundo tangível, ao mesmo tempo em mysl 1759; Grodno 1760; Wieclawice, 1761; Lutsk que tentarem manter um estado exaltado de felici- [Luck] 1764.12 dade conhecido como hitlahavut e hitkashrut ou Janusz Tazbir, historiador polonês, que é um entusiasmos e apego como expressão da sua indi- destacado especialista em história polonesa antiga, ferença em relação à servidão humana e às vãs res- resumiu a situação trágica na esteira dos frequen- trições da realidade. tes libelos de sangue no seu ensaio “Julgamentos Israel Baal Shem Tov era admirado por seus antijudaicos na velha Polônia”: “Pareceria que na alunos como um ser humano singular que podia sociedade polonesa antiga o judeu era o que Les- transcender as fronteiras de tempo e lugar, ascen- zek Kolakowski mais tarde chamaria de ‘um ho- der às esferas celestes, falar com o Messias e ouvir mem sem alternativa’. Ele podia ser trazido suma- a voz da Shekhinah; ele foi ainda descrito como riamente ao tribunal como o alegado perpetrador esperando que os seus seguidores ficassem em es- de assassinato ritual; na vida cotidiana ele era um tado de felicidade exaltada, expressando sua liber- palhaço a quem todos, a começar com os moleques tação das preocupações terrenas. Todavia, nem sem- de rua, podiam insultar e respingar de lama. O je- pre é lembrado que essas ideias místicas dirigidas suíta Walenty Peski, respondendo à afirmação de para a felicidade da libertação dos grilhões da vida que a Comunidade de Nações dos Nobres era um dura cotidiana foram ensinadas durante um dos paraíso para os judeus, escreveu: “Eu fugiria de tal períodos mais sombrios da história judaica. Libe- paraíso se tivesse de vestir tais tapetes, pagar taxas los de sangue eram iniciados contra as populações por qualquer trabalho pesado e sofresse persegui- judaicas da comunidade polaco-lituana, em núme- ções até mesmo de crianças pequenas, como é o ros sem precedentes. Nos anos em que os pais do seu destino na Polônia”. Na opinião de Peski, an- Besh’t estavam vivos foram registrados seis libelos tes de comparar a Polônia com o Paraíso, os judeus de sangue: em 1675, 1680, 1683, 1689, 1694 e 1697. poderiam comparar a Polônia com o Egito Bíbli- Nos anos em que Israel Baal Shem Tov viveu (1698- co” (TAZBIR, 1998, p. 245). 1760), esses foram descritos pelo historiador Ra- Tazbir disse claramente: “No século XVIII, a phael Mahler, com uma frase incisiva: “O elemen- Polônia liderava as estatísticas de julgamentos de to político da reação católica trouxe imenso sofri- assassinato ritual” (TAZBIR, 1998, p. 240); “Do mento e miséria aos judeus. Escravismo opressor, ponto de vista tanto da sociedade polonesa como libelos de sangue, perseguições e humilhações eram da população cristã em geral, os judeus pertenciam o destino diário e a experiência comum dos judeus a um grupo ao qual não se aplicavam as normas na Polonia” (Mahler, 1946, p. 329). Foram re- da compaixão humana” (TAZBIR, 1998, p. 244). gistrados 35 libelos de sangue, entre os quais; San- Ele comentou ainda sobre os antecedentes religio- domierz, 1698. 1710; Podhajce, 1699; Opatów 1706, sos da situação horrível e os libelos de sangue fre- 1713; Lovv 1710; Drohobyez 1718; Lub lin 1722; quentes contra os judeus impotentes, que eram Przemysl1722-1723; Lvov 1728; Posen 1736-1740; rotulados como “os judeus cruéis”, no período da Gniezno 1738; Zaslaw 1747; 1760 Swidowka 1748; “reação católica”; “A indignação contra ‘a nação DonijGrad [Dunau-grod] 1748; Zytomierz 1751; de matadores de Deus’ era inflamada pela crença Sandz [Nowy Saez] 1751; Markowa Wlica-Zyto- de que os judeus permaneciam cegos ao esplendor mierz 1753; Jampol 1756-1760; (Stupnica) – Preze- da verdadeira fé em vez de fazer penitência por seu

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crime. Eles tinham cometido o pecado da ingrati- vuot de 1533, quando lhe chegou em Adrianópole, dão e, por isso, Deus, para quem ‘nada é mais feio na Turquia (Werblowsky, 1965; Elior, 2007b, do que a ingratidão’, tinha se afastado deles e trans- pp. 267-319), a terrível notícia do martírio do seu ferido a sua graça, entre outros, aos poloneses” amigo Shlomo Molkho, queimado na fogueira em (TAZBIR, 1998, p. 235). Mantua, em novembro de 1532. A voz divina que Israel Baal Shem Tov foi ativo, publicamente, se apresentara simultaneamente como a voz da como aquele que curava o corpo e a alma, e como Shekhinah, a presença divina de natureza feminina um professor cabalístico e místico inspirador nas na literatura cabalística, a comunidade eterna de décadas de 1740 e 1750, em um período que foi Israel e a representação celeste da lei oral, na cons- definido pelos historiadores poloneses como “o ciência do maior aluno da lei em sua geração, de- ápice da corrupção política e anarquia”, quando a lineou muito detalhadamente um mundo duplo casa real de Vetten, a casa dos reis saxões da Polô- – por um lado havia um regime do mal represen­ nia, que passavam a maior parte do seu tempo em tando o exílio, o mal, o silêncio forçado e uma Dresden, estava perdendo a sua força, a nobreza existência absurda, governada pelo Diabo = Sitra adquiriu direitos em nível sem precedentes, e fez Ahra Samael, o príncipe da morte e da escuridão, o que queria, e a Igreja Católica adquiriu poder representando todos os poderes do mal conforme em nível sem precedentes, quando medidas anti- expressos nas perseguições antissemitas da comu- judaicas severas tinham sido tomadas pelos bispos nidade judaica europeia pela Igreja Cristã, isto é, da Igreja Católica na Comunidade Polaco-Lituana. as frequentes deportações, banimentos e escraviza- O vocabulário místico de Israel Baal Shem Tov, ções, conversões forçadas e silêncio forçado, cati- discutido acima, foi muito afetado pela publicação veiro, discriminação, abdução de crianças, queima da autobiografia mística do Rabino Joseph Karo de livros, e as humilhações diárias de uma minoria (1488-1575), o famoso estudioso de Direito e mís- religiosa perseguida. Por outro lado, a voz divina tico de Safed, autor do Shulchan Aruch – O Có­ introduziu o regime divino que representava a re­ digo da Lei Judaica. Karo manteve um diário pes- denção da comunidade eterna de Israel, conhecida soal entre os anos de 1533-1575, que ele nunca te- como a Shekhinah, a presença divina, “o mundo ve a intenção de publicar. O diário registra as pa- da fala” e a lei oral, e seu consorte, o Santo, aben­ lavras de uma voz divina que havia falado na cons- çoado seja Ele, o criador, Deus da história, repre- ciência de Karo, introduzindo-se como a Shekhi­ sentando a eterna lei escrita. Essa dimensão foi as- nah/Mishnah/neshama, unindo o nome místico sociada com o Messias, o príncipe da vida, espe- da presença divina, a lei oral e a alma de Karo. O rança e liberdade, representando a igualdade, o co- registro da sua voz interior fora publicado postu- nhecimento, a dignidade humana, justiça e verda- mamente sob o título Maggid Meisharim, Lublin de, continuidade da vida, paz e tranquilidade. O 1646, aludindo à palavra medieval Maggid, um lado mau era a projeção da experiência histórica mentor angelical, e ao verso bíblico relacionado à trágica dos judeus na arena celeste que era apresen- voz divina que tem a expressão Magid Meisharim tada como uma zona de combate entre os poderes (Pregador da Justiça), Isaias 45: 19. do mal e os poderes sagrados, ou entre o exílio e A voz divina ou o mentor angelical começou a redenção. A guerra mística entre o lado mau e o a falar na consciência de Karo na véspera de Sha­ lado sagrado foi descrita como a experiência judai-

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ca trágica durante todo o decorrer do segundo mi- ninos eram a Shekhinah – “presença divina”, a co- lênio. A experiência histórica incluiu as tragédias munidade eterna de Israel, o “mundo da fala” re- infligidas pelas Cruzadas, e expulsão dos judeus da presentado no céu identificado com a lei oral e Áustria em 1420, a expulsão da Espanha em 1492, simbolizado pela mais baixa das dez esferas caba- a conversão de massa forçada em Portugal em 1497, lísticas “reino” por um lado, e Kelipha – “uma cas- e a abdução de crianças judias que foram educadas ca vazia”, o poder eterno do mal, repressão, perse- como sacerdotes cristãos em 1487, as perseguições guição e escravidão, por outro lado. A Shekhinah da Inquisição Espanhola no decorrer do século era percebida como sendo atormentada, perseguida XVI, o levante de Chmielnizky e a Revolução Ucra- e aprisionada seis dias da semana sob a Kelipha. niana de 1648-1666, e o massacre de judeus e gran- A Shekhinah é redimida apenas no Shabat, enquan- des números de cativos resultantes, o exílio de país to que a Kelipha era descrita como reinando du- em país devido às expulsões e os horríveis e recor- rante a semana e impotente no Shabat. A inovação rentes libelos de sangue; a inovação da voz divina cabalística era enfocada na afirmação de que ape- de Karo que se apresentou como a Shekhinah, que nas a contemplação humana, a devoção humana é aprisionada na servidão do exílio e perseguida e a unificação, apego humano e pensamento hu- pelo Samael ou lado mau descrito acima, está na mano, tanto espiritual como tangível, acompanha- sua afirmação dupla repetida de que a única ma- dos por atos santos de caridade e responsabilidade neira de apressar a redenção e vencer os poderes comunitária social podem liberar e libertar a Shekhi­ do mal era (a) por devoção constante, Devekut, nah da escravidão do exílio e, por outro lado, toda oferecida pelos alunos da lei, que constantemente preocupação excessiva com questões corporais além aderem ao legislador e pensam sobre “a lei oral”, das necessidades mínimas fortalece os poderes do a Shekhinah, – o Lado Sagrado, enquanto estudam exílio, e todo pecado contribui para a intensifica- e tradição jurídica e mística e rezam com intenções ção dos poderes do mal e a dureza do exílio. Con- e unificações por sua redenção; (b) através da sepa- forme visto acima, todos esses conceitos foram in- ração completa desse mundo mau governado por troduzidos como o vocabulário chassídico em re- Samael – o Outro Lado – o lado da impureza, atra- lação à presença divina. vés de equanimidade, asceticismo, desvinculação A instrução divina explícita ouvida pelo Rabi- da corporalidade e autoabnegação. no Joseph Karo era de separar-se e distanciar-se A distinção dualista entre o exílio representado tanto quanto possível da realidade corporal (Sa­ por Samael (acrônimo do lado do mal, impureza mael/kelipha/mal/morte/reino do exílio/reino do e poluição “Sitra Mesavuta”) e redenção represen- silêncio) [marcada durante sua vida pela dura per- tada pelo lado sagrado, “Sitra de Kedusha”, e o seguição da Inquisição Espanhola que seguiu os Messias, foi ainda expressa pela voz divina de Ka- conversos forçados e executou-os como hereges], ro, que se apresentava como a Shekhinah, por dois tratando-a com total indiferença, equanimidade, conceitos femininos tirados da obra magna judai- autoabnegação e desvinculação da corporalidade, ca, composta no final do século XIII após as Cru- e de aderir de todo o coração e constantemente ao zadas, Sefer HaZohar, o Livro do Esplendor, atri- divino (messias/Shekhinah/cartas/centelhas/mun- buído por um autor anônimo ao sábio Rabino do da fala/poderes de vida/justiça e redenção) por Simon bar Yohai. Os dois conceitos místicos femi- meio de uma adoração divina expressa através da

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contemplação, apego, unificação, intenções, comu­ rael Baal Shem Tov transformou o diálogo pessoal nhão com Deus e aderência à Shekhinah, através da voz divina multivalente em uma instrução co- do estudo constante da lei, bem como da tradição mum, dirigida a todos os judeus, cotidianamente. mística que se concentra na elevação da Shekhinah As ideias chassídicas a respeito da presença abran- da escravidão do exílio. Segundo a voz divina re- gente de Deus que requeriam uma revolução social gistrada no diário de Karo, não há mais chão neu- relacionada à acessibilidade igual para todos os tro ou algum tempo livre: todo esforço contem- homens da comunidade judaica à tradição mística plativo e ação positiva, associados com o estudo ganharam um grande número de seguidores no constante da lei oral e da tradição mística do Zohar último terço do século XVIII, quando o despertar e os mandamentos bíblicos e as intenções e unifi- místico que alterou as concepções do relaciona- cações no momento da oração associada com eles, mento entre o homem e Deus foi disseminado por contribui para o equilíbrio da balança meta-histó- meio de ensinamentos orais e textos escritos pelos rica levando à redenção, enquanto que cada ação alunos do Maggid de Mezeritch, o principal aluno negativa associada com pecados bíblicos e o enfo- de Israel Baal Shem Tov, que ensinou entre 1760 e que sobre as limitações de preocupações mundanas 1772. Gradativamente, tornou-se óbvio que as exi- contribuem para inclinar a balança na direção dos gências místicas dirigidas ao público pelos profes- poderes de exílio e de catástrofe. sores de chassidismo, como parte da luta constan- Israel Baal Shem Tov adotou essa visão concei- te entre o exílio e a redenção, que tinham passado tual dualista do mundo em relação a exílio e re- a depender inteiramente da unificação com Deus, denção, mal e bem, Samael e Messaiah, Kelipha e autoabnegação, desvinculação da corporalidade e Shekhinah, conforme expresso na autobiografia equanimidade, e os outros conceitos místicos des- mística de Karo, bem como o seu vocabulário ati- critos acima, eram exigentes demais para a maioria vo – a parte relacionada ao mundo divino, comu- das pessoas. Essa lacuna entre o ideal místico e a nhão com Deus, contemplação, unificação, apego prática cotidiana foi o pano de fundo da emergên- elevando a Shekhinah; e a parte que é relacionada cia da persona do tsadik (lit. “uma pessoa justa”). à relação apropriada com o mundo mundano: in- O tsadik era uma pessoa que se tornou líder espi- diferença, aniquilação do self, equanimidade, des- ritual, pois era ele que conseguia refletir melhor as vinculação da corporalidade, asceticismo – tudo duas dimensões conforme mencionadas acima – a isso tirado do diário místico de Karo. Todavia, em- denúncia completa do mundo material, refletida bora o diário de Karo, registrando a sua voz inte- na autoabnegação pessoal e indiferença ao mundo, rior, nunca se destinara a ser publicado por seu juntamente com a devoção completa ao mundo autor, conforme mencionado acima, já que era di- celeste ou a comunhão estática com Deus expressa rigido apenas para ele próprio como ouvinte ins- na concentração constante sobre a presença divina pirado das instruções da voz divina, representando em cada aspecto da realidade. O tsadik chassídico a lei oral sempre cultivada pelos estudantes da Ha­ é um líder carismático cuja legitimidade foi con- lakhah (lei rabínica) e a comunidade celeste de Is- ferida por mundos mais elevados. Ele refletia na rael comemorada na literatura mística conhecida sua mente e na sua conduta a unidade divina de como Kabbalah, a voz da sua alma e a representa- opostos que ligam Deus e o homem: a transforma- ção da tradição cabalística do “mundo da fala, “Is- ção entre o ser e o nada, ocultação e revelação, cria-

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ção e aniquilação, abundância e abnegação. Ele nos deram testemunho sobre tais revelações. Nas assumia a responsabilidade dupla por duas comu- décadas de 1780 e 1790 foi desenvolvida por seus nidades: o bem estar material e espiritual da sua discípulos através de escritos e da prática, e ainda comunidade chassídica, bem como a redenção da articulada nas obras publicadas por Jacob Joseph comunidade celeste de Israel, a Shekhinah. O tsa­ de Polonnoye a partir de 1780 e depois. As impli- dik ligou o mundo terrestre dos seus seguidores cações espirituais e sociais desses ensinamentos te- aos mundos sobrenaturais, e transmite a abundân- riam um efeito profundo sobre os vários círculos cia divina do alto para eles. Desde as últimas duas chassídicos. O tsadik representava todos os ideais décadas do século XVIII, a característica mais mar- místicos formulados por Israel Baal Shem Tov, con- cante e provavelmente a mais famosa das comuni- forme descrito acima, através de sua pessoa. Toda- dades chassídicas tem sido a liderança de um tsa­ via, os tsadikim acrescentaram dois elementos im- dik. Tsadikim (plural de tsadik), tais como Elime- portantes a essas orientações gerais: a liderança lekh de Lyzhansk (1717-1786), Jacob Isaac Horo- carismática ou um senso de missão divinamente witz, o vidente de Lublin (1745-1815), e Nahman inspirado e um senso de contato imediato com de Bratslav (1772-1810) estabeleceram as suas cor- mundos mais elevados; uma nova forma de res- tes comunitárias naquela época na Galícia, Ucrâ- ponsabilidade social abrangente; o relacionamento nia e Polônia, como o fez a dinastia Chabad lide- entre o tsadik e seus seguidores – os chassidim – rada por Schneur Zalman de Lyady (1745-1813) na era baseado num nexo abrangente de fraternidade Lituânia. Essa nova liderança que não tinha sido espiritual e responsabilidade social. O tsadik repre- eleita apresentava uma alternativa à liderança elei- sentava a dialética divina de ser e nada (nothing­ ta tradicional e era o produto de uma erupção de ness), que foi mencionado acima. Mas agora era devoção religiosa carismática que obtinha sua le- ele que se tornava responsável pelas duas direções: gitimidade de uma consciência de contato com transformar o ser em nada em prol dos seus segui- reinos superiores que havia emergido das instru- dores, por auto-abnegação e desvinculação da cor- ções acima mencionadas de devoção e autoabne- poralidade, e transformar o nada divino infinito gação fundamentadas na literatura mística. Esses em ser, como em abundância divina, em benefício grupos atribuíam grande importância a experiên- de seus seguidores. Rabino Abraham, conhecido cias místicas que atestavam a comunhão com Deus pelos seus seguidores como “o Anjo”, o filho do e reconheciam a autoridade de visionários que fa- Maggid de Mezhirech, resumiu a vocação dupla lavam dentro do vocabulário chassídico-cabalístico. do tsadik: “Sabe-se que Deus emanou mundos e Surgiram como resultado da ampla disseminação criou o ser do nada, primariamente a fim de que da literatura cabalística com a sua imagem para- o tsadik transformasse ser em nada e elevasse as doxal do cabalista como simultaneamente o con- qualidades do corpóreo à sua fonte” (ben DOV servador de uma tradição santificada antiga e um BER, 1851 [1973], p 52b). Seu colega R. Alimelekh inovador inspirado que recebe a revelação divina de Lyzahansk, que estudou com o Maggid, apre- quando a Shekhinah fala através de sua boca. A sentou sucintamente a responsabilidade dupla sem doutrina do tsadik foi articulada pela primeira vez precedentes dos novos líderes como aqueles que no círculo do Maggid de Mezhirech, na década de estão escutando em suas mentes a palavra de Deus, 1760 e início da década de 1770, quando seus alu- sempre renovada. “O tsadik deve atrair Deus para

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este mundo, a fim de que Ele habite entre nós e sídicas, onde os tsadikim guiados por inspiração nos sustenha, e depois ele deve elevar a Shekhinah” divina assumiam todas as responsabilidades sociais (ELIMELEKH, 1788 [1978], p. 8). Seu aluno Jacob e espirituais dos seus seguidores de maneira sem Isaac Horowitz, “o Vidente de Lublin”, escreveu precedentes. A liderança tradicional prevalente deu-­ na primeira pessoa, fazendo uso de sua própria se conta de que a nova liderança carismática que experiência como tsadik, a respeito da inspiração propagava ideias místicas e ensinava Cabala às mas- carismática que era a base da liderança Chassídica: sas e assumia responsabilidade social e espiritual “A sua moradia deve ser conosco de uma maneira abrangente por seus seguidores, poderia muito bem realize milagres e maravilhas em benefício de Is- minar o status de sua autoridade existente e a jus- rael. Esse é um testemunho de que a Shekhinah tificativa do seu poder dentro da comunidade ju- vive entre nós, a saber, Ele [Deus] responde quan- daica tradicional. Essa elite – os Mitnaggedim (opo­ do chamamos” (HOROWITZ, 1942 [2003], p. 73). sitores) – acusou os chassídicos de grandes e pe- Esperava-se dos chassidim que se ligassem ao tsa­ quenas mudanças na tradição aceita, entre elas: dik enquanto ele estava se unindo às esferas celes- rejeição da tradição asquenasita prevalente no ri- tes, e eles esperavam ser abençoados pela abundân- tual; rejeição da tradição asquenasita prevalente cia divina trazida pelo tsadik do céu para a terra. nas normas religiosas; rejeição das prioridades es- Esse mundo conceitual criou uma nova realidade pirituais asquenasitas prevalentes; desprezo pela social que atraiu muitos seguidores, como sabemos Torá e seus estudiosos; e heresia sabatiana.14 Os da reação dura dos opositores que excomungavam chassídicos responderam às três primeiras acusa- os novos círculos chassídicos e seus líderes entre ções de que todas as suas mudanças eram realizada os anos de 1772 e 1815. O movimento chassídico de acordo com a tradição cabalística sagrada e re- cresceu rapidamente a cada década a partir da se- cusaram completamente as ultimas duas acusações. gunda metade do século XVIII. A partir de 1772, Sobre essas acusações, o Rabino Shneur Zalman a elite rabínica, aqueles membros da liderança con- de Lyady, um discípulo do Maggid que era rabino servadora da comunidade judaica na comunidade na Rússia Branca, célebre estudioso da Halakha e polaco-lituana e na Ucrânia, eles que anteriormen- líder chassídico imerso na Cabala, escreveu: “Quem te estavam envolvidos na dura perseguição aos sa- ouve isso simplesmente não pode conter o riso” batianos – uma ação que culminara na conversão (ELIOR, 1997, pp. 135-177). em massa dos sabatianos ao cristianismo em 1760 Apesar da grande tensão social entre os chassi­ – agora inauguraram uma luta agressiva contra a dim e seus opositores, no final do século XVIII e comunidade chassídica. Os opositores temiam que durante as primeiras décadas do século XIX, a no- os novos círculos chassídicos fossem seguidores va prática de uma comunidade chassídica liderada secretos de Sabbatai Zevi, que justificariam “violar por um tsadik disseminou-se para outras regiões a Torá em prol de Deus” ou que adotassem a ideia onde o chassidismo criara raízes: Karlin-Stolin, da “santidade do pecado”, como estava explicita- Chernobyl, Ruzhin-Sadgora [Ruzyn-Sadagora], Kotsk mente escrito no nome do seu líder, o Gaon Elias [Kock], Izbica, Zhidacov [Zydaczow] e Komarna de Vilna e seus seguidores.13 Os rabinos eram amea- [Komarno], Belz, Munkacs, Satmar [Satu Mare] e çados por expressões sociais que não lhes eram fa- Ger [Gora Kalwaria]. Na época do seu ápice, essas miliares, formadas dentro das comunidades chas- cortes chassídicas demonstraram a inspiração es-

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piritual e o potencial social da comunidade lide- rada pelo tsadik; na época do seu declínio, duran- notas te a última parte do século XIX, quando dinastias rivais estavam lutando entre si, demonstraram os 1 A versão em inglês deste artigo foi publicada seus perigos imprevistos. Mas a liderança do tsadik anteriormente em Scripta Judaica Cracoviensia, vol. 10, 2012, pp. 85-109. A tradução para o português e sua continuou a ser uma característica chave do chas- publicação na revista WebMosaica foram autorizadas pela sidismo ainda no século XXI. autora. A tensão entre o compromisso com o mundo 2 Hassidismo ou Chassidismo – seita religiosa que surgiu da tradição e o desejo de libertar-se da dominação na Europa, no século XVIII. Sua filosofia foi formulada pelo de quadros aceitos determinou e continua a deter- rabino místico Israel ben Eliezer, mais conhecido como o minar o caráter do mundo chassídico. O chassi- Baal Shem Tov (o Mestre do Bom Nome) e tem como dismo no século XVIII permaneceu dentro dos li- característica a alegria de servir a Deus. (NT) mites da norma, ao mesmo tempo em que ansiava 3 Ver a introdução do trabalho do Rabino Jacob Tsemah, por transformar seu significado, e reconheceu o Shulhan arukh shel há’ari, Safed, 1587 [repr. Jerusalem potencial do indivíduo de estabelecer novos limi- 1961]. Sobre Israel Baal Shem Tov, ver Scholem, 1976, p. tes. Todos os mundos foram vistos à luz das vicis- 287-342; Rosman 1996; Etkes, 2005; Elior, 2006. situdes do divino, e toda a existência era entendida 4 Ver Dubnow, 1960, pp. 8-18; Rosman, 1996; Goldberg, 1999. em termos de processos de mudança e mutabilida- 5 Ver R. Elior, Israel Baal Shem Tov and his de. Isso é o que explica o mundo conceitual sin- Contemporaries (em hebraico) (em impressão) gular do chassidismo, a consciência mística sobre 6 Ver Halperin, 1969, pp. 55-60. a qual é fundada, e sua importância social abran- gente. O chassidismo, na sua concepção ideal, ofe- 7 Sobre as perseguições a Eibeschuetz, ver Leiman, 1989, pp. 179-194; 2001, pp. 251-263; 2008, pp. 435-456; receu uma nova abordagem mística aos grandes Leiman;Schwarzfuchs, 2006, pp. 229-249. enigmas do relacionamento entre Deus e o homem nas agruras da história, e ofereceu novas respostas 8 R. Meir Margalyot, conhecido como o autor de Mair Netivim, nascido em Jazlowiec na Podólia por volta de espirituais às tensões entre o plano religioso e o 1713, conheceu Israel Baal Shem Tov na sua juventude, no plano social da existência. Na sua consciência da final dos anos 1720 ou início dos anos de 1730, assim constante presença divina e a palavra de Deus sem- como o fez o seu irmão mais velho, R. Isaac Dov Ber pre renovada, os lideres chassídicos assumiram pa- Margalyot. Ambos os irmãos atestaram a singularidade do ra si a tarefa de fazer uma releitura da história ju- professor que haviam conhecido na sua juventude e a daica em relação ao exílio e à redenção, reinterpre- respeito de sua santidade. Ver M. Margalyot, Sod Yakhim tando a tradição judaica de acordo com a literatu- uvo’az, Ostrog 1794 [repr. Jerusalem 1990], 6a-b; J. Margalyot, Kvutzat Ya’acov, Prezmizel 1897, 51b. ra cabalística que prometeu esperança de redenção bem como a redefinição de Deus, humanidade e 9 Seus outros alunos, Yaacov Yoseph de Polonnoye, R. Dov o mundo, num profundo espírito de liberdade e Baer de Mezhirech, R. Michal de Zlotchov, R. Pinhas de Koretz e outros que são mencionados em Shivchei haBesht, criatividade social. Kopyst, 1814. 10 Sobre a relação entre a tradição mística e o conceito variável de liberdade, ver Elior 2007a.

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