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1 Ano 5 - Nº 139 – 2 de maio de 2005

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INDICE EDITORIAL...... 3

MATÉRIA DE CAPA ...... 4 à brasileira...... 4 Entrevista com ...... 4 “O jazz tornou-se uma filosofia quando diminuíram as convenções e aumentaram os improvisos”...... 8 Entrevista com Renato Borguetti ...... 8 A música brasileira é influenciada pelo “ódio ao jazz”...... 9 Entrevista com Arnaldo DeSouteiro ...... 9 “Tudo vem e tudo volta para a espiritualidade”...... 12 Entrevista com Airto Moreira...... 12 Uma estética musical que rompeu com o “excesso” ...... 14 Por Luciana Prass...... 14 Jazz, música psicanalítica?...... 17 Por Michel Le Bris ...... 17 DESTAQUES DA SEMANA ...... 20 ARTIGO DA SEMANA...... 20

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2 O pensamento jurídico-político de Heidegger e Carl Schmitt. A fascinação por noções fundadoras do nazismo...... 20 Por Yves-Charles ZARKA ...... 20 MEMÓRIAS ...... 22 André Gunder Frank (1929-2005)...... 22 Por Teothonio dos Santos ...... 22 Augusto Roa Bastos (1917-2005) ...... 24 Autor tirou Paraguai da terra da ficção ...... 25 Por ...... 25 Philip Morrison (1915-2005)...... 26 Físico “arrependido” do Projeto Manhattan ...... 26 DEU NOS JORNAIS ...... 27 FRASES DA SEMANA...... 32 EVENTOS IHU...... 34 IHU IDÉIAS ...... 34 Teologia do diálogo inter-religioso ...... 34 Biodiversidade em crise...... 34 “Temos mais árvores no Brasil do que em todos os outros países do planeta”...... 34 Floresta com Araucária ...... 37 SALA DE LEITURA ...... 38 Ética da Necessidade e outros desafios ...... 38 Por Cecilia Pires ...... 38 I CICLO DE ESTUDOS REPENSANDO OS CLÁSSICOS DA ECONOMIA ...... 39 Por que ler Keynes hoje em dia? ...... 41 Por Bernard Maris ...... 41 III CICLO DE ESTUDOS SOBRE O BRASIL...... 46 ENCONTROS DE ÉTICA...... 46 Pressa, depressa, depressão...... 46 ANTÍGONA É APRESENTADA NA UNISINOS ...... 48 A banalização torna a tragédia atual...... 48 ESPECIALISTAS DISCUTEM RESPONSABILIDADE SOCIAL NA UNISINOS...... 50 SIMPÓSIO INTERNACIONAL TERRA HABITÁVEL: UM DESAFIO PARA A HUMANIDADE...... 50 Os desafios da Terra para a economia contemporânea ...... 51 O direito e a teoria dos sistemas...... 51 A cosmologia de Teilhard de Chardin...... 51 A vida e a obra de Balduíno Rambo...... 52 O diálogo de Heisenberg e Niels Bohr em Copenhagen...... 52 Inscrições ainda abertas...... 52 CINEMA BR EM MOVIMENTO...... 52 Quase Dois Irmãos será exibido no Instituto Humanitas Unisinos...... 52 UNISINOS LANÇA PROJETO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES...... 53 10 MIL PESSOAS NA 10ª ROMARIA DO TRABALHADOR E DA TRABALHADORA EM CAXIAS DO SUL...... 54

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3 IHU REPÓRTER...... 55 BRASÍLIA BERNADETE ROSSON ...... 55

EDITORIAL

O tema de capa da presente edição do IHU On-Line é dedicado à música, de maneira mais específica, ao jazz. O jazz surgiu da fusão de elementos da música européia com elementos da música africana trazidos pelos escravos para a América do Norte. Tem como principal característica a improvisação dos músicos participantes. No jazz, normalmente um tema é apresentado, seguindo-se, então, as improvisações sobre a estrutura harmônica (seqüência de acordes) da peça. A estrutura básica fundamental é o blues, que foi uma evolução dos lamentos dos negros trabalhadores americanos (work songs), que deu origem também a tradições vocais (spirituals) e instrumentais (ragtime). Uma das principais virtudes do jazz é assimilar características tanto de outras culturas como de tendências estéticas contemporâneas, o que lhe permitiu ser uma arte em constante movimento, que sobreviveu a todos os modismos e acabou se firmando como uma das mais destacadas manifestações musicais do século XX. Há, segundo aqueles que ajudam na reflexão do tema de capa, uma forma particular de incorporar o jazz no ritmo brasileiro, dando-lhe uma harmonia inusitada, que criou uma estética alternativa ou um jazz à brasileira. Os músicos Paulo Moura, , Airto Moreira, Arnaldo DeSouteiro e Luciana Prass contribuem com suas reflexões para a discussão do tema, tendo como base suas experiências e seus saberes. Agradecemos especialmente ao Prof. Dr. Fernando Althoff, coordenador do PPG em Geologia da Unisinos, pela sua valiosa contribuição na elaboração do tema de capa deste boletim. Na edição desta semana, lembramos três homens recentemente falecidos: primeiro, o economista André Gunder Frank, que tanto impacto teve no pensamento econômico latino-americano. Em segundo lugar, Augusto Roa Bastos, escritor paraguaio e, por fim, o físico Philip Morrison, membro do Projeto Manhattan. Preparando-nos para o Simpósio Internacional Terra Habitável: Um desafio para a humanidade, o Prof. Dr. Carlos Roberto Dutra Fonseca, da Unidade de Ciências da Saúde da Unisinos, abordará o tema Biodiversidade em crise no IHU Idéias desta semana e concede uma entrevista questionadora para o boletim. Tendo como objetivo pensar a possibilidade e os limites de uma economia social e eticamente regulada, o Instituto Humanitas Unisinos, juntamente com a Graduação em Economia e os PPGs em Administração e Ciências Contábeis da Unisinos, promove o 1º Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia. Nesta semana, o Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho, da UFRGS, apresentará e debaterá a obra de John Maynard Keynes. Uma entrevista dele e um artigo do economista Bernard Maris são publicados neste boletim.

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4 Merece destaque especial a apresentação, nesta semana, aqui na Unisinos, na quinta e sexta-feira, da peça teatral Antígona. Trata-se, sem dúvida, de um momento especial para a nossa Universidade. Entrevistamos a Profa. Dra. Kathrin Rosenfield, responsável pela dramaturgia da peça. Kathrin Holzermayr Lerrer Rosenfield é professora na UFRGS. Aliás, falando em arte, no mês de maio, também teremos, como parte da programação do Simpósio Internacional Terra Habitável: Um desafio para a humanidade, a apresentação da muito premiada peça teatral Copenhague e a exposição Humanitas Arte com a artista Cylene Dallegrave. Completando a programação artística do IHU no mês de maio, teremos a projeção e o debate de dois filmes: Quase dois irmãos e Ato de Fé. Este último já comentado nas páginas do IHU On-Line, por Amir Labaki e Jurandir Freire Costa. A todos e todas uma boa leitura e uma excelente semana.

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MATÉRIA DE CAPA

JAZZ À BRASILEIRA Entrevista com Paulo Moura

Nascido em São José do Rio Preto, em uma família de músicos, Paulo Moura, antes de entrar para a família do sopro, começou tocando aos nove anos de idade, incentivado pelo pai, Pedro Moura, carpinteiro de profissão e clarinetista nas horas vagas. A família já contava com dois trompetistas, os irmãos de Paulo, José e Alberico, e o outro irmão, o Valdemar, no trombone. Com isso Paulo Moura foi para detrás do teclado e estudou dedicadamente piano, até que aos treze anos passou a acompanhar a banda liderada por seu pai em festas e bailes. Aos 18 anos, mudou-se com a família para o onde ingressou na Escola Nacional de Música, estudando teoria, harmonia, contraponto, fuga, composição com grandes mestres como Guerra Peixe, , Paulo Silva e o Maestro Cipó. Tornou-se um dos mais requisitados instrumentistas do Rio de Janeiro, sendo o primeiro clarinetista do Teatro Nacional por dezessete anos e excursionou mundo afora, acompanhando músicos como . Também foi integrante do grupo Zacarias e sua Orquestra. Sua primeira gravação foi ao lado da cantora Dalva de Oliveira, interpretando a canção de , Palhaço. Aos 19, estreou como solista tocando a peça de Weber Concertino para Clarinete e Orquestra, acompanhado da Orquestra Sinfônica Nacional. A lista de participações é enorme e sempre ao lado dos melhores grupos do País, do erudito ao jazz, passando pelos ritmos brasileiros. Foi contratado para integrar a orquestra da TV Tupi, trabalhou ainda com Dolores Duran, Radamés Gnatalli (dedicando todo um LP à obra do mestre), Severino Araujo, , Edson Machado e Sérgio Mendes, entre muitos outros. Entre suas principais gravações, estão os álbuns: Paulo Moura e sua Orquestra de Bailes, Mistura e Manda, seu clássico Confusão Urbana, Suburbana e Rural, participou também do álbum ConSertão ao lado de Heraldo do Monte, Elomar e , e, no começo dos anos 1990, gravou em duo com Raphael Rabello o álbum Dois Irmãos. Paulo Moura concedeu ao IHU On-Line a entrevista a seguir, por telefone.

IHU On-Line - Sua música tem uma grande bagagem erudita, e com ela o senhor transita entre gafieiras e jam sessions. Como o senhor se definiria hoje como músico?

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5 Paulo Moura - Eu tenho me empenhado em aplicar essas técnicas de música erudita contemporânea e do jazz nos meus trabalhos de música, então me considero um músico em formação. Um músico cujo hobby é estudar música.

IHU On-Line - No passado, ao ser criticado por jazzificar o , o senhor explicava que jazz e samba têm uma origem comum na mãe África. O senhor considera que isso hoje já foi assimilado pela crítica? Paulo Moura - Até certo ponto, sim. No passado, em 1970-1980, alguns críticos mais radicais ingenuamente faziam essas críticas sem pensar que estavam desmerecendo nossos músicos em benefício dos músicos do exterior. Mas, hoje o crítico de música está mais consciente de sua importância e pode entender o que é jazzificado ou não. Aquela época foi superada.

IHU On-Line - Existe uma identidade do jazz brasileiro? Paulo Moura-O jazz brasileiro tem uma identidade. É diferente do europeu e do americano. Um fator definitivo nisso é que a diversidade de ritmos que nós temos aqui no Brasil é uma maneira própria de harmonizar, de sentir a harmonia. Esse é o grande diferencial brasileiro.

IHU On-Line - O senhor já participou de festivais de jazz em vários países. Há algum pelo qual o senhor tenha uma afeição especial? Paulo Moura- Participei ultimamente do festival de Roma, mas dois que me deixaram boas lembranças foram os festivais de Montreux e o de Berlim, ambos muito bem organizados, gostei muito. Aqui no Brasil, participei umas quatro vezes do Freejazz que agora não existe mais. O problema desse festival era que favorecia muito os músicos estrangeiros, passando a um segundo plano a música brasileira. Inclusive a parte de fazer o check-in1, o músico americano tinha tempo mais longo e mais atenção e era um simples teste de som. Por outro lado, os convidados para o festival são músicos estrangeiros de muita experiência em shows e no Brasil havia preferência em convidar iniciantes, músicos que pela primeira vez estavam lançando um CD. Isso não é uma política nova para nós, mas era um festival.

IHU On-Line – É possível comparar o Freejazz com estes outros festivais? Paulo Moura - Claro que alguns festivais na Europa têm inúmeros grupos mais importantes, mas em alguns momentos nosso Freejazz foi perfeito. Agora estão tentando fazer voltar. O grande problema desses festivais é a continuidade. Com o tempo, haverá festivais no Brasil de nível tão elevado quanto os grandes festivais do mundo.

IHU On-Line - Que papel tem a improvisação na sua música? Paulo Moura - Na minha música, a improvisação segue a tradição brasileira. O improviso não tem a mesma importância para um músico de outro gênero e para um músico de jazz. A improvisação no Brasil começa de uma paráfrase sobre o tema como faziam Jacó do Bandolim2 e Zé da Velha3, dando importância à parte rítmica brasileira. Se você comparar a improvisação

1 Expressão que designa o período preliminar às apresentações, quando os músicos apuram a afinação dos instrumentos e a qualidade do som (Nota do IHU On-Line). 2 Jacob Pick Bittencourt (1918-1969), violonista, compositor e cantor popular, conhecido como Jacó do Bandolim. Nasceu e viveu no Rio de Janeiro (Nota do IHU On-Line). 3 José Alberto Rodrigues de Matos, conhecido como Zé da Velha. Nasceu em Aracaju (SE), em 1942, mudando-se para o Rio de Janeiro na adolescência. Compositor, flautista, trombonista e saxofonista. Aproximou-se da «velha guarda» do samba, donde vem o seu apelido (Nota do IHU On-Line).

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6 de um Stan Getz4, nesse disco5 que gravou com Tom Jobim6 e João Gilberto7 para nós fica sendo músico “quadrado”. Trata-se de um estilista incrível, mas tocando música brasileira, ele ficava quadrado, não se adaptou muito à nossa rítmica naquele disco. Então a improvisação brasileira deve levar em consideração essa nossa característica rítmica e ser mais controlável em duração e não se afastar tanto, não ser uma composição em si mesma, mas uma avaliação sobre o tema. Se passar da conta, deixa de ser música brasileira. É nesse limite que eu trabalho.

IHU On-Line - Que características tem esse ritmo brasileiro? Paulo Moura - A música brasileira tem dois acentos em dois por quatro. A música popular de muitos outros lugares é de quatro por quatro, em Cuba, Estados Unidos, etc. Outra característica é que existe no segundo compasso uma antecipação do acento. O acento é um primeiro compasso no tempo e do primeiro para o segundo é antecipado. Se não observar essa característica da antecipação, o diálogo com os tambores fica pesado.

IHU On-Line - Quais são as dificuldades do duo, pelas quais o senhor parece ter um certo gosto (Clara Sverner, Raphael Rabello, Yamandú Costa)? Paulo Moura - É sempre mais difícil que tocar em conjunto maior, porque em duo é preciso abrir mão de muitas atitudes. Na maneira como vamos executar, temos que estar equilibrados e, na maneira, de nos comunicar com o público é diferente de quando se toca sozinho ou em grupo, é mais sofrido. Embora o prazer de tocar junto com Clara Sverner8, Raphael Rabello9, Yamandú Costa10, Ivo Santos11, Airto Moreira Lima, um duo que faço com um músico americano que é o Cliff Korman12 vale a pena. Tem aquele chega para cá ou chega para lá um pouquinho para poder haver um resultado, é bastante sofrido porque sempre estamos abrindo mão de algumas coisas em benefício de outras.

4 Sax tenor estadunidense (1927-1991), considerado um dos músicos revolucionários do jazz. Aproximou-se da bossa- nova brasileira (Nota do IHU On-Line). 5 Intitulado Getz/Gilberto, foi gravado pela Verve em 1963 (Nota do IHU On-Line). 6Antonio Carlos Jobim (1927-1994.). Natural do Rio de Janeiro. Considerado um dos mais representativos músicos brasileiros, foi pianista, compositor, arranjador, cantor, violonista e um dos principais compositores da bossa-nova. Fez carreira internacional. Sua composição «Garota de Ipanema», composta em parceria com Vinicius de Morais em 1962, chegou a figurar entre as dez mais executadas do mundo, tendo sido gravada pelo cantor estadunidense Frank Sinatra, entre outros intérpretes (Nota do IHU On-Line). 7 João Gilberto Prado Pereira de Oliveira, conhecido como João Gilberto, violonista e cantor, é considerado um dos pais da bossa-nova brasileira, juntamente com Tom Jobim. Nasceu em Juazeiro (BA), em 1931, mudando-se para o Rio de Janeiro, em 1950. Perfecionista, apresenta-se com sucesso em todo o mundo (Nota do IHU On-Line). 8 Pianista erudita paulista, pesquisadora musical, conhecida por unir a música erudita e a popular (Nota do IHU On- Line). 9 Compositor, arranjador e violonista. Virtuoso, Rafael Rabello (1962-1995) era chamado de «o Mozart do choro». Faleceu precocemente aos 32 anos (Nota do IHU On-Line). 10 Violonista gaúcho, nascido em Passo Fundo, em 1980. Considerado um artista-prodígio, iniciou-se musicalmente interpetrando músicas folclóricas sulinas (Nota do IHU On-Line). 11 Compositor. Co-autor, entre outros, do samba « Eu chorarei amanhã ».gravado em 1958 por Orlando Silva (Nota do IHU On-Line). 12 Pianista, compsitor e arranjador estadunidense, conhecedor e amante da música brasileira. Com Paulo Moura, gravou o CD « The Paulo Moura & Cliff Korman Duo: Mood Ingênuo - Meets Duke Ellington », em 1999 (Nota do IHU On-Line).

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7 IHU On-Line - Por outro lado, o senhor tem parceiros musicais de longa data, ligados principalmente ao choro. O entendimento com outros músicos passa pelo lado espiritual? Paulo Moura - Para mim passa. Pelo menos, é preciso que haja um entendimento, que esse lado espiritual possibilita. Alguns duos que eu já tive e não pretendo repetir mais foi esse lado espiritual que não deu muito certo. Alguns músicos confundem uma apresentação em público com uma competição. A apresentação fica um pouco desagradável. É preciso que espiritualmente as pessoas comunguem para que a música deslanche. O importante é a música.

IHU On-Line - O que o senhor ouve hoje? Paulo Moura - Estou ouvindo mais a música contemporânea. Gosto de tentar descobrir o que vai acontecer daqui a dez anos. Isso tudo está na música contemporânea. Músicos, como Ligeti13, Pierre Boulez14, e outros tantos estão algumas décadas na frente, como aconteceu com Ravel15 e Debussy16. Anos depois, nos EUA, começaram a aproveitar os elementos e sons desses músicos e suas conquistas técnicas e aqui no Brasil, a , com Tom Jobim, começou também a utilizar estes elementos da música impressionista e passou a ser parte da linguagem comum da música popular. Acho que, no futuro, vai acontecer a mesma coisa e gosto de perceber isso. Esse é meu hobby.

IHU On-Line - Em que projetos o senhor trabalha atualmente? Paulo Moura - Fora os convites que recebo, às vezes, para fazer um arranjo, outras para participar de algum show de um solista amigo, estou escrevendo alguns arranjos no meu computador, misturando com sons eletrônicos com planos de gravar um CD com músicas de minha autoria, porque ainda não fiz isso. Ao mesmo tempo, estou estudando um livro sobre música atonal17 de um compositor chamado Allen Forte, que escreveu uma teoria quase toda em números, não em notas. Preocupa-me entender melhor a linguagem da música contemporânea, lendo e ouvindo as relações dos compositores. Quem sabe daqui a uns cinco anos vou ser o músico que gostaria de ser hoje.

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13 György Ligeti, húngaro nascido em 1923, considerado um dos maiores compositores clássicos vivo (Nota do IHU On- Line). 14 Compositor francês, nascido em 1925. Defensor dos métodos de composição de vanguarda (Nota do IHU On-Line). 15 Maurice Joseph Ravel. Compositor francês (1875-1937). Ampliou e abriu o sistema tonal clássico. É autor do conhecido « Bolero » (Nota do IHU On-Line). 16 Claude Achile Debussy (1862-1918). Pianista e compositor francês. Diz-se que a sua música contém as luzes e cores do impressionismo (Nota do IHU On-Line). 17 A música atonal, ou diatônica, composta sem a referência de uma tonalidade ou modo específicos, utiliza as doze notas da escala cromática, sem, contudo, hierarquizá-las deterministicamente. Nenhuma nota tem mais importância do que outra, o que, conseqüentemente, liberta e destitui a composição de forças que contribuam para direcionar o discurso musical a um núcleo tonal centralizador (Nota do IHU On-Line, com informações extraídas do site www.artnet.com.br/~pmotta/3seriali.htm)

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8 “O JAZZ TORNOU-SE UMA FILOSOFIA QUANDO DIMINUÍRAM AS CONVENÇÕES E AUMENTARAM OS IMPROVISOS” Entrevista com Renato Borguetti

Músico “local” com incursões por festivais internacionais de jazz, Renato Borghetti é considerado um dos melhores músicos brasileiros. Borghetti começou na música aos dez anos de idade, tocando uma gaita-ponto (um tipo de acordeom) que ganhou de seu pai. Em pouco tempo, já era atração no Centro de Tradição Gaúcha (CTG) comandado por seu pai e, aos dezesseis anos, subiu ao palco pela primeira vez, em um festival organizado pelos CTGs. Borghettinho (como é conhecido) começou a fazer seu nome no Rio Grande do Sul, e seu álbum tornou-se o primeiro de música instrumental brasileira a ganhar disco de ouro. Esse primeiro trabalho, lhe abriu caminhos para festivais no Brasil e no exterior. Sobre sua personalidade e aparência, o jornalista Arthur de Faria escreveu: “É uma figura fascinante: alto, cabeludo, tímido e dono de uma beleza encantadora pras moças que conseguissem divisar alguma coisa debaixo daquele chapéu invariavelmente inclinado sobre seu rosto. Isso, somado às bombachas surradas e às indefectíveis alpargatas de corda, construiu uma figura mista de roqueiro e gaudério, tão autêntica que demolia a resistência de eventuais inimigos vindos de ambas as frentes”. Renato Borghetti concedeu a entrevista a seguir ao IHU On- Line por e-mail.

IHU On-Line - O seu percurso como músico inicia no CTG 35 e vai ao FreeJazz Festival, passando por vários palcos da Europa, sem violentar o hermético folclore pampeiro (como disse Tárik de Souza no JB). Como o senhor se definiria hoje como músico? Renato Borghetti - Eu continuo sendo um músico que faz musica regional gaúcha. Procuro apenas mostrá-la da forma que sinto, com as influências que adquiro, com as trocas de energia que ocorrem, quando encontro ou toco com outros músicos., mas o meu ponto de partida e a minha meta sempre foi e será o regionalismo.

IHU On-Line - As suas relações com a Europa têm se estreitado. O senhor já tem uma carreira européia separada da brasileira? Renato Borghetti - Quase tudo que faço é no Brasil, seja os shows, seja as gravações, seja as demais atividades. De uns quatro anos para cá, tenho ido para a Europa para alguns trabalhos. Lancei agora um disco lá, mas ainda a fase é de "semear".

IHU On-Line - O jazz, no seu dia-a-dia de músico, pode ser considerado como uma filosofia? Renato Borghetti – Talvez, a partir do momento em que, no meu trabalho, foram diminuindo as convenções e tendo mais espaço para os improvisos.

IHU On-Line - Que papel tem a improvisação na sua música? Renato Borghetti - O meu instrumento é diatônico18, muito limitado, por isso o improviso entrou bem mais tarde no meu trabalho. Foi uma transformação bastante radical e mudou muito a minha música. Ainda hoje procuro aprender para poder improvisar melhor.

IHU On-Line - Existe uma identidade do jazz brasileiro?

18 Ler nota número 17.

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9 Renato Borghetti - Talvez eu não seja a melhor pessoa para opinar sobre isso. Os instrumentistas brasileiros são considerados os melhores do mundo, por sua forma de tocar, aplicando influências regionais, criando uma música muito diferente.

IHU On-Line- O senhor já participou de festivais de música em vários países. Há algum pelo qual o senhor tenha uma afeição especial? Renato Borghetti -Claro que os festivais no exterior têm um sabor diferente, mas eu sou "cria" dos Festivais no Rio Grande do Sul, onde me sinto em casa, em especial a Califórnia da Canção Nativa em Uruguaiana.

IHU On-Line- Apesar de o acordeom constituir linguagens diversas desde a Ar gentina até a Europa Central, muitos acordeonistas estrangeiros são especialmente sensíveis à música brasileira. Na sua opinião, como se opera este encantamento? Renato Borghetti - O acordeom é utilizado em todas as regiões do Brasil, no Sul com as milongas e os vanerões; no Nordeste e Norte, com forrós, frevos e xotes. Isso mostra a versatilidade do instrumento e talvez isso chame a atenção dos outros músicos.

IHU On-Line- Entre acordeonistas, bandoneonistas e "gaiteiros", quais são os músicos que o senhor ouve ou que o influenciaram? Renato Borghetti - Raul Barbosa (Argentina), Astor Piazzola (Argentina), , , , Oswaldinho, Albino Manique, Os Bertussi, Tio Bilia, Gilberto Monteiro, Richad Galliano, Kepa Junqueira, Ricardo Tesi.

IHU On-Line- O senhor se dedica à gaita ponto. Não se trata de um instrumento comum. Onde foi fabricada a gaita que o senhor usa atualmente? Como faz a manutenção? Quais os problemas técnicos de quem se dedica a este instrumento como o senhor? Renato Borghetti - Eu sou patrocinado pela fábrica italiana de acordeões Scandalli, da qual recebo os instrumentos. A manutenção (palheta quebrada, problemas no fole, afinação) eu faço aqui mesmo com o mestre Tadeu , na cidade de Guaíba.

IHU On-Line- Em que projetos o senhor trabalha atualmente? Renato Borghetti -Estou divulgando o meu 1º DVD gravado ao vivo no Theatro São Pedro com o quarteto acústico: Pedro Figueiredo (sax/flauta) , Hilton Vaccari (violão) , Daniel Sá (guitarra) e com a participação do pianista Geraldo Flach. Tenho diversos shows pelo Brasil com o próprio quarteto ou com o sexteto, somando baixo e bateria ao quarteto citado, além de alguns concertos com Orquestra. Retorno à Europa, em junho e em outubro.

IHU On-Line- Por último, uma curiosidade. Por que a Sétima do Pontal tem esse nome? Renato Borghetti -O pontal é uma região da Barra do Ribeiro na beira do Rio Guaíba, e é sétima, porque começa com arpejos, utilizando a sétima do tom de cada acorde.

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A MÚSICA BRASILEIRA É INFLUENCIADA PELO “ÓDIO AO JAZZ” Entrevista com Arnaldo DeSouteiro

Produtor de discos, jornalista, publicitário e educador, Arnaldo DeSouteiro estudou piano clássico e harmonia com sua mãe, a pianista Delza Agrícola. Ainda adolescente, começou a colecionar discos de jazz do selo

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10 norte-americano CTI, de Creed Taylor. A partir de 1979, passou a atuar como crítico de jazz no jornal Tribuna da Imprensa, tendo publicado, desde então, cerca de 1.200 artigos. Assinou artigos para diversos periódicos, como a revista norte-americana New Meeting International Show Business (1979 e 1981), o jornal O Estado do Paraná (1988, 1989 e 1990), a revista espanhola Cadernos de Jazz (1991) e a brasileira Revista do CD (1991 e 1992), entre outros. Em 1981, assinou a produção do projeto Música nas escolas, da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Rio de Janeiro. A partir de 1982, passou a realizar, como freelancer, produção musical para diversas gravadoras. Entre 1982 e 1984, atuou como assessor cultural do Serviço de Comunicação Social da Petrobras. Em 1992, foi responsável pela coordenação geral, roteiro e textos do especial João & Antonio, de João Gilberto e Antonio Carlos Jobim, realizado pela TV Globo e exibido em mais de 10 países. Em 1993, fundou a Jazz Station Marketing & Consulting, passando a atuar, desde então, como diretor presidente da empresa. Atuou como produtor musical de especiais da TV Globo e da TV Manchete. É membro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), membro catedrático titular efetivo da Academia Internacional de Música e membro honorário da Associação Internacional de Educadores de Jazz entre tantas outras atividades, tendo desenvolvido uma intensa atividade relacionada ao jazz em todos estes anos. Em 2001, recebeu, por seu trabalho, como produtor musical, o prêmio de International Man of The Year, concedido pelo International Biographical Centre, de Londres. Foi o primeiro brasileiro a receber essa premiação, dada, anteriormente, a apenas quatro outros produtores. A Jazz Station Records, de sua propriedade, foi considerada uma das cinco melhores gravadoras de jazz do mundo, em relação publicada na edição de dezembro da revista especializada norte-americana Down Beat. DeSouteiro concedeu a entrevista a seguir, por e-mail.

IHU On-Line - A música brasileira e o jazz se encontraram na época da bossa nova. O que resta disso hoje? Arnaldo DeSouteiro - Nos EUA, na Europa e na Ásia, resta muita coisa. A influência da bossa nova sobre o jazz foi, ao contrário do que dizem os puristas, eternos chatos de plantão, muito maior do que a inspiração exercida pelo jazz (e também pela música clássica impressionista, leia-se Debussy e Ravel19 basicamente) sobre alguns dos principais criadores da bossa. Tal influência continua sendo altamente expressiva até hoje na cena jazzística internacional. No Brasil, a história é outra, não resta nada. Os dois maiores compositores da bossa, Antonio Carlos Jobim e Luiz Bonfá, pioneiros na fusão com o jazz, já morreram. João Gilberto, o gênio que cristalizou a estética bossanovista, vive um peculiar caso de exílio musical em seu próprio país, excursionando pelo mundo todo, sendo reverenciado incessantemente no exterior, enquanto é tratado com desprezo e deboche no Brasil, inclusive pelos próprios "colegas" invejosos - afinal, os artistas que "sobraram" se transformaram em pastiches deles mesmos, um fenômeno patético. Como a fonte de inspiração secou, passam o dia inteiro fofocando na Internet, destilando veneno em blogs e "grupos de discussão", repletos de gente frustrada e recalcada. Por volta de 2000 e 2001, houve um pequeno boom de relançamentos de bossa nova no Brasil. Tudo que era de primeira linha foi reeditado, inclusive por mim, à convite da antiga RCA/BMG. Mas agora fica este cenário ridículo, com os "experts de ocasião", sempre medíocres oportunistas, disputando produtos de quinta categoria, tipo "organista que imitava Ed Lincoln". Eu não tenho o menor interesse em brigar por lixo, então saí fora rapidamente.

IHU On-Line - A música brasileira de hoje é influenciada pelo jazz? Arnaldo DeSouteiro - É influenciada pelo "ódio ao jazz"....(rssss) Por mais que, neste momento específico, parte da mídia tente estimular uma retomada de interesse pelo chamado "samba-jazz", isso é um modismo passageiro, infelizmente. A música brasileira atual ignora

19 Ler as notas de número 15 e 16.

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11 totalmente tanto o jazz como a verdadeira bossa nova, sem incorporar elementos jazzísticos na chamada MPB. E nem poderia ser diferente nesta época de "resgate de raízes", na verdade, uma ditadura de samba & chorinho forjada, obviamente por motivações de interesse financeiro, pelos órgãos mais fortes da imprensa. A tal "música instrumental" também fica cada vez mais distante do jazz e da bossa, com seus praticantes mergulhados num delírio esquizofrênico, fazendo música para músicos, carente de criatividade e swing, um mero exercício de malabarismos pseudovirtuosísticos que afugenta o público.

IHU On-Line - O jazz, considerado "a forma de arte do século XX" nos EUA, é tido como "forma de arte tipicamente americana". Mas, considerando que o jazz envolve a improvisação, que depende da bagagem musical e cultural de cada músico, como o senhor vê esta afirmação? Na Europa, por exemplo, existe um jazz "europeu"? Arnaldo DeSouteiro - O jazz é uma forma de arte em permanente evolução, só quem nega isso são os velhinhos tradicionalistas que morreram e esqueceram de deitar, embora ainda fumem charuto. Tal evolução passa pela mistura com músicas de outras culturas, aí residindo a grande magia do jazz, uma música realmente universal. Então, nesse raciocínio, pode-se falar em "jazz europeu", em "jazz brasileiro" (o tal que só existe fora do Brasil, por obra & graça de mestres como Dom Um Romão, Airto Moreira, Flora Purim, Tania Maria, minha esposa Ithamara Koorax, os irmãos Oscar e Mário Castro-Neves, , Gaudencio Thiago de Mello, com sua banda Amazon, Dom Salvador, Luciana Souza, o grupo Azymuth e tantos outros). Na Europa, temos tanto a chamada "estética ECM20", mais próxima do avant-garde, como a cena acid jazz21, que despertou o interesse de uma nova geração que passou a "dançar" jazz nas discotecas e a consumir discos compulsivamente, inclusive redescobrindo artistas que estavam "mortos" comercialmente, mas foram ressuscitados através de remixes.

IHU On-Line - Qual é o "perfil social" do jazz hoje? Quem se interessa por esse tipo de música no Brasil? Há outros identificadores entre eles, como acontece com outros tipos de música que geram quase que um estilo de vida? Arnaldo DeSouteiro - Esta eu prefiro nem responder, porque já fui até ameaçado de morte por causa das minhas declarações contundentes.

IHU On-Line - Como se unem no senhor o produtor de jazz e o educador e, em sentido amplo, como se unem jazz e educação? Arnaldo DeSouteiro - Jazz está diretamente ligado à educação, que, por sua vez, está ligada à cultura, que está ligada à situação política e econômica de um país, ou seja, está tudo interligado. A arte é reflexo até da política. O jazz não teria mesmo como florescer, se desenvolver ou se expandir em um país como este "Brasil 2005". O cool jazz e o bebop22 eram condizentes com um modelo econômico-social, o freejazz23 e o jazz rock24 eram a trilha sonora da rebeldia e do desejo de transgressão existentes em setores da sociedade norte-americana

20 Acorde ao estilo do jazz, com o nome da prestigiosa editora alemã, especializada em CDs e partituras. (Nota do IHU On-Line) 21 O acid jazz, a grosso modo, pode-se definir como uma atualização da fluidez do jazz sob a ótica da moderna e dançante música negra. (Nota do IHU On-Line) 22 O cool jazz é um estilo musical mais simples do que o bepob, menos exigente auditivamente. Já o bepop caracteriza- se por arranjos requintados (Nota do IHU On-Line). 23 No free jazz, a ênfase está na improvisação coletiva (Nota do IHU On-Line). 24 O jazz rock, posteriormente demominado fusion, designa, como o nome sugere, uma aproximação com o rock. Seus críticos sugerem que, na sua evolução, o jazz rock foi perdendo o swing jazístico (Nota do IHU On-Line).

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12 naquele momento. A bossa nova não surgiu na época de JK por acaso. O Brasil atual tem tudo a ver com os breganejos, com o Bonde do Tigrão, com a Tati Quebra-Barraco etc. Tudo isso é fruto desta “glamurização” da pobreza, da violência e do tráfico, que, ao invés de ser efetivamente combatido, é embalado para consumo pela classe média através do cinema, da televisão e da indústria musical. É uma decadência realmente assustadora. Eu, na minha modesta formação, sempre procurei aliar o conhecimento de músico (estudei piano clássico por oito anos, além de harmonia e composição) com o de educador (como primeiro brasileiro membro da International Association for Jazz Education (IAJE), desde 1990), jornalista (como único membro brasileiro da Jazz Journalists Association-NY) e produtor (comandando meu selo JSR/Jazz Station Records, uma divisão da Jazz Station Marketing & Consulting em Los Angeles), além da experiência com publicidade. Para o êxito da minha carreira, cuja discografia já soma mais de 250 títulos, esta combinação de conhecimentos foi fundamental. Permite-me produzir e "divulgar" música de alta qualidade, mas comercialmente viável, que termina por "educar" o público, quando é consumida, quando toca nas rádios. Com isso, eu agrado a mim mesmo, agrado aos músicos, ao público e às gravadoras. Eu estou falando em termos de mercado exterior, claro, porque eu quase não trabalho para o mercado brasileiro, as gravadoras têm horror ao que eu faço - apesar das minhas produções venderem muito bem no Brasil - porque sou perfeccionista obsessivo, exijo ótimas condições de trabalho, cobro caro, só sei fazer bem feito. Os executivos das "gravadoras brasileiras" me vêem como uma ameaça letal, enquanto os patrões deles cada vez solicitam mais os meus serviços. Em 2003, eu produzi 45 discos, entre novos projetos, reedições e compilações. Em 2004, foram 28, porque passei a evitar relançamentos e coletâneas. Este ano, já lancei 15 discos em quatro meses. Então, não posso perder tempo reclamando do Brasil, só por alguns segundos (rssss).

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“TUDO VEM E TUDO VOLTA PARA A ESPIRITUALIDADE” Entrevista com Airto Moreira

Um dos brasileiros mais conceituados entre os músicos de jazz, e vivendo nos EUA desde 1967, Airto Moreira desenvolve trabalhos ligados a worldmusic e é professor de Etnomusicologia na UCLA. Atua também como produtor e educador em diversos países. Reconhecido por produtores e maestros como o percussionista mais popular do mundo, é inegável a sua contribuição para o desenvolvimento e manutenção do alto nível da chamada worldmusic. Airto Moreira nasceu em 1941, em Itaiópolis – interior de Santa Catarina –, e viveu seus primeiros anos em Curitiba. Antes mesmo de, literalmente, andar com as suas próprias pernas já batucava no chão cada vez que ouvia no rádio uma música ritmada. Se isso preocupava a sua mãe, o mesmo não acontecia com a sua avó que reconheceu o seu potencial e o encorajou a se expressar musicalmente. Aos seis anos de idade, já recebia elogios pelo seu modo de cantar e tocar percussão. Em seguida, a emissora de rádio local lhe deu um programa que ia ao ar todas as tardes de sábado. Aos treze anos, tornou-se músico profissional, tocando percussão, bateria e cantando em bandas de baile. Aos dezesseis anos, mudou-se para São Paulo, passando a apresentar-se regularmente em casas noturnas e programas de televisão como percussionista, baterista e cantor. Em 1965, no Rio de Janeiro, conheceu a cantora Flora Purim25. Flora foi para os Estados Unidos, em 1967, e, logo depois, Airto a seguiu. Airto vem promovendo a causa da música percussiva em todo o mundo como membro do Planet Drum Percussion Ensemble, junto com Mickey Hart,

25 Flora Purim nasceu no Rio de Janeiro, em 1942. Violonista, pianista e cantora. Trabalhou com músicos como Stan Gezt . Fez carreira solo e por quatro anos (1994 a 1997) foi escolhida a melhor cantora de jazz pela crítica norte- americana Casou-se com percusionistas Airto Moreira (Nota do IHU On-Line).

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13 baterista do The Grateful Dead. Seu disco solo “Homeless”, lançado em 2000, é considerado um álbum de alta energia com ritmos tribais e continua balançando o chão das casas de dança em todo o mundo. Como professor no Departamento de Etnomusicologia da UCLA, vem abrindo novos horizontes em termos de conceitos musicais e energia criativa. Divide o seu tempo entre as gravações em estúdios, workshops e shows, criando novos projetos, incluindo DVD Surrond Sound , bem como pesquisando novos materiais para futuras performances nos Estados Unidos, Europa, Ásia e América Latina. Confira, a seguir, a entrevista que IHU On-Line realizou com ele, por e-mail, na semana que passou.

IHU On-Line - Além de instrumentos "comuns" de percussão, o senhor utiliza objetos dos quais não se imagina que algum som possa ser tirado. A sua procura por novos sons continua? Que objetos o senhor tem atualmente na sua "mesa de trabalho"? Airto Moreira - Pedras, madeira de tipos diversos, casca de tartaruga e tatu, pios de pássaros de várias partes do mundo, folhas e tiras de metal, partes de geladeiras velhas, brinquedos de criança e outras coisas mais. O que importa é o som, e não o instrumento.

IHU On-Line - O senhor planeja suas apresentações solo ou se detém mais na improvisação? Airto Moreira - Às vezes, faço um roteiro na cabeça antes de entrar, mas o som é improvisado.

IHU On-Line - A música leva à espiritualidade? O que representou o disco The other side of this? Airto Moreira - A música vem da espiritualidade. Aliás, tudo vem da espiritualidade e volta para a espiritualidade.The Other Side of This foi um projeto experimental que fiz há anos atrás, e teve ótima aceitação em hospitais psiquiátricos, maternidades, grupos de yoga, etc.

IHU On-Line - Poderia nos falar sobre sua experiência como professor do Departamento de Etnomusicologia da UCLA? Airto Moreira - Foi uma experiência única para mim como também para os estudantes, pois muitos deles estudavam advocacia, química, ciências, etc. Tive que parar depois de dois anos por causa da minha agenda de concertos que não me dava tempo de lecionar.

IHU On-Line - Como o senhor vê as relações entre o jazz e a música brasileira. Existe uma identidade do jazz brasileiro? Airto Moreira - O jazz tem progressões de acordes que podem fazer os músicos improvisadores viajarem alto, e a música brasileira tem isso, como também o ritmo que todos gostam. O jazz brasileiro eu não conheço bem, mas, no Brasil, existem e sempre existiram grandes músicos improvisadores.

IHU On-Line - O senhor já participou de vários festivais de jazz em vários países. Há algum pelo qual tenha uma afeição especial? Airto Moreira - Não. Eu gosto de tocar em todos eles.

IHU On-Line - Em 2002, o senhor recebeu, junto com Flora Purim, a Ordem de Rio Branco, em reconhecimento à sua contribuição na promoção das relações internacionais do Brasil. Após quase 30 anos nos EUA, qual a sua visão do Brasil? Airto Moreira - O Brasil é o país em que eu nasci, cresci, que amei e ainda amo. Os EUA são o país onde eu vivo desde 1967, e onde eu desenvolvi minha carreira musical e de lá pude sair para o mundo. O Brasil é o país onde as pessoas são as mais criativas do mundo. As coisas

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14 positivas do Brasil são bem mais fortes que as negativas. Você tem que morar lá fora para poder sentir isso com a certeza de quem sabe.

IHU On-Line - Em que projetos o senhor trabalha atualmente? Airto Moreira - Não tenho "projetos". Vivo a vida como ela se apresenta, e meus maiores momentos de liberdade, criatividade e contato com o mundo Maior (espiritual) é quando estou no palco.

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UMA ESTÉTICA MUSICAL QUE ROMPEU COM O “EXCESSO” Por Luciana Prass

Luciana Prass é doutoranda em Etnomusicologia, mestre em Educação Musical e bacharel em Violão pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É professora do Instituto Superior de Música de São Leopoldo e da Fundação Municipal de Artes de Montenegro (FUNDARTE) / Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Como musicista, atuou na Camerata Consort de Violões da UFRGS, entre 1989 e 1994; no Conjunto de Câmara de , em 1995 e 1996 (Prêmio Açorianos de Música 1996, na categoria “Grupo Musical”) e no grupo Corta-Jaca (1995-2000), realizando concertos e shows no Brasil e no Mercosul. Participou do espetáculo “Maria vai com as outras”, do grupo vocal D’Quina Pra Lua” (Prêmio Açorianos de Música 2000 e 2002, nas categorias “Revelação MPB” e “Grupo Vocal”) que em 2002, lançou o CD homônimo, com patrocínio do FUMPROARTE/ Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Atualmente dirige o novo espetáculo do grupo com estréia prevista para o segundo semestre de 2005. Foi colaboradora no Núcleo de Antropologia Visual da UFRGS entre 1999 e 2000. Como produtora de CDs, destaca-se o trabalho do Quarteto ComTrastos de violões, projeto financiado pelo FUMPROARTE/ Prefeitura Municipal de Porto Alegre em 2001, bem como o Cd de lançamento da Orquestra de Mantras Rudráksha. Sua composição Quatro Canções de Werther foi gravada em CD pelo Conjunto de Câmara de Porto Alegre. Foi bolsista de Iniciação Científica do CNPq entre 1990 e 1993, ano em que recebeu o Prêmio Jovem Pesquisador. No mestrado em Educação Musical, em 1998, defendeu a dissertação “Saberes musicais em uma bateria de escola de samba: uma etnografia entre os Bambas da Orgia”, publicada em 2004, com o mesmo título, pela Editora da UFRGS. A professora escreveu o artigo a seguir a pedido do IHU On-Line. Os subtítulos são nossos.

Em primeiro lugar eu gostaria de agradecer à revista IHU On-Line da Unisinos pelo convite em participar deste número dedicado ao jazz. Bem, a Bossa Nova, como posteriormente ficou conhecida mundo afora, é uma tendência que passou a se desenvolver na Música Popular Brasileira especialmente a partir de 1958, e mais ainda de 1959, ano marcado pela gravação icônica de João Gilberto para , de Tom Jobim e . Esta tendência foi levada adiante através de alguns músicos e letristas que viviam no Rio de Janeiro, dentre os quais Nara Leão, , Ronaldo Bôscoli, Vinicius de Moraes, Roberto Menescal, João Gilberto e Tom Jobim, que inventaram uma estética diferenciada para a época, especialmente um ritmo e uma harmonia inusitados que rompiam com um tipo de concepção musical então em voga na música brasileira que, segundo Santuza Cambraia Naves26, estava muito arraigada a tudo que se associava ao “excesso”: excesso nos arranjos orquestrais que desde os anos 30 passaram a substituir os regionais de choro nas gravações, especialmente através das sábias partituras de Pixinguinha e Radamés Gnattali; excesso de performance na

26 Socióloga, professora do Departamento de Sociologia e Política da PUC-RJ, pesquisadora da MPB. Autora, entre outtros, de O violão azul:modernismo e música popular. Rio de Janeiro: FGV (Nota do IHU On-Line).

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15 interpretação dos cantores, que se espelhavam em estilos operísticos, cantando com muita intensidade e usando floreios vocais os mais variados, em apresentações quase teatrais com apelo a figurinos reluzentes. Lembremos de Cauby Peixoto, Marlene e Emilinha Borba, para citar alguns exemplos.

É preciso discutir a influência da Bossa Nova no Jazz A busca experimentalista por uma maneira cool de interpretação vocal e de um esvaziamento orquestral fazia parte das tendências que se desenvolviam no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro e no exterior, principalmente no jazz norte-americano. A criação dessa estética alternativa na música brasileira teve forte influência do jazz requintado que passa a ser desenvolvido nos EUA a partir dos anos 40, especialmente do bepop ao cool jazz. Segundo relato do jornalista Ruy Castro, os bossanovistas ouviam muito Frank Sinatra, Gershwin, Cole Porter, entre outros. Entretanto, hoje a influência do jazz, que tem sido historicamente amplificada pelos mais diversos autores, está sendo questionada, principalmente a partir do relato de algumas personalidades da Bossa Nova ainda vivas. Isto porque os bossanovistas também ouviam Ravel, Debussy e Villa-Lobos (especialmente Tom Jobim e Carlos Lyra), além do bolero mexicano e dos -canções de Dolores Duran e Antônio Maria. Hoje também se discute sobre as possíveis contribuições de Garoto, violonista de Carmem Miranda que a acompanhou nos EUA e que compôs peças instrumentais de violão absolutamente inusitadas em termos de harmonia para a época, provavelmente como decorrência da mistura de sua tradição vinda do choro no Brasil com o jazz que ele passou a ouvir nos pubs norte-americanos. Hoje o que se diz é que a conhecida fala de senso comum de que “a Bossa Nova é o jazz brasileiro” não passa de um exagero retórico, emblemática de nossa condição de terceiro mundistas. Certamente o jazz é uma influência importantíssima na Bossa Nova. Uma, entre outras tantas igualmente importantes. E deveríamos também discutir a influência da bossa nova no jazz. “Thelonius Monk disse que a Bossa Nova deu ao jazz dos intelectuais novaiorquinos o que lhe faltava, isto é, ritmo, balanço e calor latino” (Jobim, 1996, p.11827).

A simbiose João Gilberto-Tom Jobim Polêmicas à parte, João Gilberto foi um dos principais personagens da Bossa Nova, pela releitura que propôs aos sambas-canções brasileiros através da inserção de harmonias peculiares (que incluíam as então chamadas dissonâncias: acordes com sétimas maiores, nonas, décimas terceiras, etc...), em uma “batida” de violão absolutamente diferente aos moldes da época, aliada a uma performance vocal destituída de qualquer intenção “interpretativa”, absolutamente intimista, em constante diálogo com o violão. Tom Jobim é outro personagem fundamental quando se fala em Bossa Nova. Desafinado, canção em parceria com Newton Mendonça, de 1959, quebra com os padrões de escuta musical da época. Para Naves, “no momento exato em que se pronuncia a sílaba tônica da palavra desafino, surge no plano da música um acorde imprevisto, sendo a nota seguinte um semitom abaixo do que seria de se esperar (uma blue note, para empregar a terminologia jazzística). Assim toda a passagem representa uma transgressão aos padrões harmônicos da música popular convencional” (NAVES, 2004, p. 1428). Segundo atestam músicos que participaram do movimento, João teria influenciado Tom para adotar também ele os novos procedimentos estilísticos. Isso faz sentido haja vista ter sido a trajetória de Tom Jobim, até os

27 JOBIM, Helena. Antônio Carlos Jobim: um homem iluminado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. (Nota do IHU On-Line) 28 NAVES, Santuza Cambraia. Da Bossa Nova à Tropicália. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. (Nota do IHU On-Line).

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16 anos 40, bastante eclética, transitando entre composições “eruditas” e “populares”. Tom, que ficou à margem da Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro por preferir aprender com professores particulares, foi aluno de Koellreutter (músico alemão que introduziu o dodecafonismo no Brasil) e Tomás Gutierrez de Terán (músico espanhol radicado no Brasil identificado com o projeto modernista de Villa-Lobos). Tom tocou em bares e boates de Copacabana e depois foi contratado como arranjador da gravadora Continental, segundo ele para tornar-se bicho diurno29. Sua inserção e atuação entre os bossanovistas foi conseqüência de sua abertura a todas as possibilidades expressivas de sua música.

O diálogo bossa-jazz vem sendo reatualizado Sem dúvida, a abertura de caminhos realizada pelos bossanovistas a partir do show histórico no Carnegie Hall, em Nova York, em 1962 que incluiu João Gilberto, Tom Jobim, Luiz Bonfá30, Oscar Castro Neves, Carlos Lyra, entre outros, tem respingos até hoje. Foi a partir deste show - que dividiu a crítica especializada norte-americana entre visões simpáticas e outras nem tanto, dentre as quais a do The New Yorker, que dizia “Bossa Nova go home” – que Tom Jobim decidiu permanecer nos EUA e tratar de editar e divulgar sua música. Ainda em 1962, Desafinado ganhou uma versão do saxofonista Stan Getz. Em 63, grava Antonio Carlos Jobim – The Composer of Desafinado plays, pela Verve e partir daí suas músicas são gravadas por Charlie Bird, Ray Charles, Louis Armstrong, Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Count Basie, entre tantos outros. Hoje, creio eu, toda esta empreitada dos brasileiros no exterior, nos anos 60, especialmente de Tom Jobim, tem facilitado muito a vida musical de artistas brasileiros contemporâneos (no sentido cronológico do termo), como Bebel Gilberto, filha de João, que segue recriando a velha bossa a partir da mistura com batidas eletrônicas e sonoridades sampleadas. Isto para citar apenas um exemplo. Há inúmeros outros artistas que têm constantemente reatualizado o diálogo Bossa – jazz.

Marcas da herança tropicalista Bem, penso que vivemos um momento bastante tropicalista na música popular do Brasil. Tropicalista no sentido da antropofagia instaurada com este movimento do final dos anos 60, especificamente, em 68 e 69. Digo isto porque os tropicalistas buscaram unir as tendências estéticas mundiais da época, no caso da música, especialmente do rock dos Beatles, às informações brasileiras regionalistas, como o baião, os sambas-canções, num grande mix musical (Lembremos de Panis et circensis, com e o arranjo fantástico do maestro Rogério Duprat e suas pessoas na sala de jantar...). Guardadas as devidas proporções, a virada do século XXI tem sido de muitas regravações de músicas antigas com arranjos techno, bossas novas eletrônicas, rock sambado (Refiro-me aos Los Hermanos no refrão“quem se atreve a me dizer do que é feito samba”). Apesar de ter declarado à imprensa recentemente sobre um possível fim da canção, é certo que há canções sendo feitas, outras revisitadas e, possivelmente, temos hoje, em tempos de globalização internáutica um respeito e uma abertura às produções musicais dos brasileiros como talvez tenha sonhado Tom Jobim, enquanto sofria com as viagens de avião aos EUA. Garota de Ipanema é a segunda música mais tocada no planeta. Isso significa alguma coisa...

29 Vale ler a biografia de Helena Jobim que inclui inúmeros trechos de cartas e depoimentos de Tom Jobim. (Jobim, Helena. Tom Jobim: um homem iluminado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996). (Nota da autora) 30 Luiz Bonfá (1922-2001), violonista e compositor de carrerira e prestígio internacionais. Co-autor de composições antológicas como Manhã de Carnaval e Samba de (Nota do IHU On-Line).

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JAZZ, MÚSICA PSICANALÍTICA? Por Michel Le Bris

Reproduzimos o artigo publicado na revista francesa Magazine Littéraire, no 12, novembro de 1967. A tradução foi feita pelo Prof. Dr. Fernando Althoff. Michel Le Bris é ensaísta e jornalista francês.

“A música não é o inconsciente, mas o inconsciente é estruturado como uma música. (...) A interpretação analítica estaria mais próxima da harmonia do jazz, deslizamento perpétuo, busca de dissonâncias nunca resolvidas, desacordo jamais debelado, cadências jamais perfeitas, mas rompidas ou evitadas.” Michel Schneider

Não pode haver música psicanalítica nem mesmo música tendo por objeto a psicanálise. Mesmo se existisse um oratório sobre Freud, nada mudaria na questão: a música é irredutível às palavras, seus poderes não se recobrem. O que nos faz considerar aqui a música negro-americana (o jazz) é a relação extremamente particular que ela mantém com o freudismo. Em poucas palavras, e deixando de lado detalhes futuros, diremos que o jazz é uma cura psicanalítica. As condições de vida que lhes foram impostas colocaram os negros em um encadeamento de contradições intransponíveis. A tensão psicológica só poderia se traduzir por uma psiconeurose generalizada na escala de uma comunidade. Como os negros contiveram o desenvolvimento dessa neurose? Os autores falam com convicção da função terapêutica do jazz: o negro fugiria da tensão cotidiana por meio da festa, que é fuga no imaginário... Mas como é estranha esta festa que consiste em cantar sua infelicidade! O blues ou o negro spiritual, não falam das doçuras de um mundo melhor, mas da mulher infiel ou do trabalho fatigante... Esqueçamos por um instante o sempiterno Old Man River para uso de uma clientela branca e entremos em uma igreja negra. Aí, o pastor interpela os fiéis, perguntas e respostas transmudam-se em um canto pontuado por palmas e, enquanto aumenta a tensão, o pastor procede à confissão dos fiéis. O processo sempre se realiza em três tempos: - o pastor conduz os fiéis a exprimirem o que querem dele, e lhes recusa (o perdão dos pecados, a vida eterna); - em seguida, mesmo assim, ele faz o que a multidão espera (dá uma bênção), mas retardando-a para que a situação se torne angustiante; - ele propõe uma interpretação (explicação das escrituras, prédica) no final da seção, quando culmina a sobreexcitação. Este procedimento reproduz, quase nos mínimos detalhes, a terapêutica dita “teatroterapia” (“improvisação de cenas dramáticas sobre um determinado tema, por um grupo de sujeitos apresentando problemas análogos. Os psicoterapeutas participam do jogo dramát ico orientando e interpretando” D. Lagache, La psychanalyse, PUF). Agora consideremos o blues. Em vez de falar de suas desilusões pessoais, o cantor dá voz aos infortúnios de seu povo, tentando consolá-lo. O canto repete, dramatizando-a, a situação infeliz onde se enraíza a neurose. Não se trata, pelo blues, de explicar cientificamente as suas causas, mas de propor para ela uma organização empírica em sistema. Então, os conflitos se dissolvem, porque eles se realizam segundo uma ordem (o canto) que leva a um desfecho (o transe, que é integração das contradições). A neurose não é curada, mas é canalizada. O

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18 processo que o cantor de blues coloca em ação é um processo-chave da psicanálise: “a ab- reação” (“momento decisivo da cura em que o doente revive intensamente a situação inicial que está na origem de seu problema”. Claude Lévi-Strauss, Anthropologie Structurale, Plon). O cantor é um ab-reator profissional e sua ab-reação induz no doente (o grupo) uma ab-reação de seu próprio problema. Aqui estamos na presença de uma cura próxima da psicanálise, que um povo inventa para suportar sua condição. Não nos surpreendamos: há muito tempo Lévi-Strauss31 sublinhou o paralelismo entre a cura psicanalítica e os ritos mágicos. O cantor de blues e o pastor terão sido os substitutos do feiticeiro ancestral. O gesto do jazz que o exclui da esfera do cultural repete curiosamente o gesto que, em tempos passados, excluiu a psicanálise: ambos falam de maneira muito aberta da sexualidade, e de maneira idêntica. Freud escreveu em 1915: “Parece-me indiscutível que a idéia de “belo” tem suas raízes na excitação sexual, e que originariamente ela designa só o que excita sexualmente, e não outra coisa.” (Três ensaios sobre a teoria da sexualidade). A música negro- americana afirma sua natureza tão cruamente como a definia Freud, ao contrário da arte ocidental que se afasta dela no mito de uma “pureza”. E por que ela teria vergonha da sexualidade, ela que nasceu nos cabarés de Nova Orleans? Neste ponto, o surrealismo a encontra, afirmando que a arte é em essência transgressão. “Reduziremos a arte à sua expressão mais simples, que é o amor.” (André Breton). “Que caia a noite sobre o fosso da orquestra!” gritava André Breton32. Os surrealistas, quando condenaram a música, não conheciam a arte negro-americana, o que é uma pena: jazz e surrealismo estão mais próximos do que pensamos. Os dois são eróticos e afirmam a concepção freudiana do belo, ambos usam a mesma técnica, que faz apelo ao inconsciente: a escritura automática. A improvisação – que é essencial ao jazz - evoluiu pouco a pouco de um jogo baseado nas harmonias de um tema no interior de um quadro rigoroso para uma liberdade absoluta que a identifica com a escritura automática. Ora, essas duas técnicas são a retomada da regra fundamental da cura psicanalítica: “a regra da livre associação”. (Conselho que é dado ao paciente para dizer tudo o que lhe passa pela cabeça... sem nada excluir voluntariamente... é um aprendizado da liberdade na expressão de si e na comunicação com o outro”. Lagache, op. cit). Parece que o jazz e o surrealismo “falam” a mesma linguagem de Freud. Muitos jovens músicos têm consciência disso, e explicitamente afirmam isso em relação à psicanálise e à sua

31 Antropólogo belga nascido em Bruxelas, Bélgica, que dedicou sua vida à elaboração de modelos baseados na lingüística estrutural, na teoria da informação e na cibernética para interpretar as culturas, que considerava como sistemas de comunicação, dando contribuições fundamentais para o progresso da antropologia social. Sua obra teve grande repercussão e transformou, de maneira radical, o estudo das ciências sociais, mesmo provocando reações exacerbadas nos setores ligados principalmente à tradição humanista, evolucionista e marxista. Ganhou renome internacional com o livro Les Structures élémentaires de la parenté (1949). Em 1935, Lévi-Strauss veio ao Brasil para ensinar sociologia na USP. Interessado em etnologia realizou um trabalho pesquisa em aldeias indígenas do Mato Grosso. A experiência foi sistematizada no livro Tristes Trópicos, publicado em 1955 e considerado um dos mais importantes livros do século XX. (Nota do IHU On-Line) 32André Breton, criador do movimento artísitico e literário conhecido como Surrealismo, surgido na França, nos inícios do século XX. Em 1924, André Breton publica o Primeiro Manifesto Surrealista. A sua pretenção é conseguir a escrita automática, o fluxo do subconsciente liberado de todas as pressões sociais e culturais. A influência da psicoanálise e das obras de Freud é evidente, e na sua base reside a idéia de conseguir mudar a sociedade. Para iso, a escrita deve ser pura, refletindo unicamente aquilo que pensamos, sem correções nem retificações impostas pela "autocensura" que todos exercemos. (Nota do IHU On-Line)

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19 música. (O saxofonista J.L. Chautemps escreveu: “Vejo a música como uma exploração do inconsciente, um tipo de psicanálise. É preciso mergulhar sempre mais longe na profundeza do sonho.” Jazz Hot no 187, p. 18). O baixista Charles Mingus dedicou uma de suas obras ao mestre vienense. O gosto pronunciado dos americanos por tudo o que diz respeito à exploração interior tornava inevitável, na música in, após o uso das drogas e as experiências psicodélicas, um encontro com o próprio mestre desta exploração: Freud. Encontro ainda mais certo que o da música pop, que assim como o rock n’roll também é a exploração comercial da arte negro-americana, da qual vimos que sempre esteve muito próxima de uma “sensibilidade psicanalítica”. Entre o tam-tam africano e o frio consultório do psicanalista, o jazz propõe um traço de união inesperado que nos prova que pessoas, às vezes muito afastadas, podem falar a mesma linguagem.

Sugestão de leituras Por Luciana Prass

CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a história e as histórias da bossa nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. JOBIM, Helena. Antônio Carlos Jobim: um homem iluminado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. MOTTA, Nelson. Noites Tropicais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000. NAVES, Santuza Cambraia. Da Bossa Nova à Tropicália. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

Alguns CD importantes Por Fernando Althoff*

Apesar de a multiplicidade de lançamentos tornar impossível uma discografia geral, eis aqui uma lista bastante subjetiva de músicos e discos de jazz sem os quais teríamos um pouco menos de felicidade em nossas vidas. · Art Blakey Jazz Messengers - Caravan (Riverside) · George Benson - Beyond the Blue Horizon (CTI)

· Vitor Assis Brasil - Pedrinho (EMI)

· John Coltrane - Giant Steps (Atlantic); A Love Supreme (Impulse)

· Miles Davis - Kind of Blues (CBS) · Eric Dolphy - Out to Lunch (Blue Note) · Dave Douglas - Charms of ther Night Sky (Winter & Winter) · Duke Ellington - This One’s for Blanton (Pablo) · Dizzy Gillespie - The Legendary Big Band Concerts 1948 (Verve) · Dave Holland - Prime Directive (ECM) · - Rossiter Road (Atlantic) · Lee Konitz - Subconscious Lee (Prestige) · Brad Mehldau - The Art of the Trio, vol. 2 (Warner) · Charles Mingus - Blues & Roots (Atlantic); Pithecanthropus Erectus (Atlantic) · Thelonious Monk - Brilliant Corners (Riverside); Monk (CBS) · Paulo Moura - Hepteto (Relance) · Charlie Parker - The Savoy Recordings, vol. 1 e 2 (Savoy Jazz) · Bud Powell - The Genius of B. Powell (Verve) · Django Reinhardt - Quintet Hot Club (Vogue) · Gonzalo Rubalcaba - Nocturne (com Charlie Haden) (Verve) · Sonny Rollins - The Bridge (RCA); Saxophone Colossus (Prestige) · Wayne Shorter - Juju (Blue Note); Native Dancer (com ) (Columbia) · Henri Texier - Mad Nomad(s) (Label Bleu) *Fernando Althoff é coordenador do PPG em Geologia da Unisinos, foi produtor e apresentador do programa Pílulas de Jazz, na Rádio Unisinos, até abril de 2002. IHU On-Line, São Leopoldo, 2 de maio de 2005 www.ihu.unisinos.br

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DESTAQUES DA SEMANA

Artigo da Semana

O PENSAMENTO JURIDICO-POLITICO DE HEIDEGGER E CARL SCHMITT. A FASCINAÇÃO POR NOÇÕES FUNDADORAS DO NAZISMO Por Yves-Charles ZARKA

O artigo que destacamos na edição desta semana é de autoria de Yves-Charles Zarka e foi originalmente publicado no jornal Liberatión, em 22 de abril de 2005. Yves-Chales Zarka é filósofo e diretor de pesquisa no CNRS. Na edição número 52 do IHU On-Line, de 24 de março de 2003, reproduzimos uma entrevista concedida por Yves Charles Zarka, publicada no Le Mond de 7 de novembro de 2002. Os subtítulos são nossos.

Como compreender que duas das figuras tutelares da filosofia e do pensamento jurídico-político francês sejam dois pensadores cujo engajamento no nazismo foi – isso está agora estabelecido de maneira incontestável – profundo, durável e jamais negado? Heidegger, desde os cinqüenta anos, e Schmitt (1888-1985), na última parte do século vinte, após o desmoronamento do marxismo como teoria econômico-política dominante, exercem uma espécie de magistério intelectual inquietante.

Carl Schmitt Assim, Schmitt conhece, atualmente, um interesse que ultrapassa as clivagens disciplinares em direito, em ciências políticas, em filosofia, etc. Esta paixão é tão inquietante que seu pensamento jurídico-político forjou noções que se tornariam pilares do regime nazista: o Estado de exceção, a decisão, a ditadura, o inimigo (que ele definirá em termos de raça em 1933), a homogeneidade racial da população. Seu engajamento no regime nazista, do qual ele foi um dignitário muito importante, foi profundo e decisivo desde 1933 até o fim da guerra. É como jurista que ele empreende a justificação das leis de discriminação racial de sombria memória do 15 de setembro de 1935. O grande historiador Raul Hilberg via, a justo título, nas leis raciais anti-semitas uma etapa maior no processo que iria desembocar na destruição dos judeus da Europa. A teoria schmittiana do inimigo de raça, inimigo do qual é preciso se proteger, contribuiu incontestavelmente para a justificação dos massacres empreendidos pelo nazismo. Ora, Schmitt não é mais somente um autor reivindicado por correntes de extrema direita, o que é bem natural dado o caráter de seu pensamento, mas também por correntes intelectuais diversas e, em particular, de extrema esquerda. Isso não se pode explicar senão pondo em evidência os modos de reabilitação da qual seu pensamento foi atualmente objeto em particular, porém não somente na França. Alguns pretendem nos fazer aceitar a idéia de que o pensamento de Schmitt seria indispensável para criticar atualmente o liberalismo, o parlamentarismo, a guerra humanitária, ou para dar conta da designação do inimigo, da guerra do Iraque ou da Chechênia. Se isso fosse verdade, seria preciso desesperar da filosofia jurídico-política de nosso tempo. Se fosse preciso retornar a um

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21 conceito belicista da política e a uma concepção da sociedade agressiva para analisar a fraqueza de nossas democracias, então nosso futuro se anunciaria sob sombrios auspícios. Se Heidegger e Schmitt são objeto de uma reverência intelectual, quem pode deixar de espantar-se, quando se consideram as coisas do exterior do Hexágono. Não é preciso imaginar que seria devido ao fato de que estes pensadores seriam, objetivamente, os mais notáveis e os mais poderosos do século. Em primeiro lugar, é preciso distinguir entre a audiência de um pensamento ou sua difusão numa época dada, e a grandeza deste pensamento, ou seja, seu alcance filosófico ou teórico. Não se pode haurir nenhum ensinamento sobre o valor filosófico, fundando-se na adesão de uma época. Em seguida, a audiência repousa com mais freqüência na fascinação que certas personalidades, concepções, teses ou obras exercem num momento determinado. Isso é fascinação malsã.

A adesão de Heidegger e Schmitt ao regime mais bárbaro da humanidade Compreende-se, então, que a verdadeira questão não é tanto a de entender como o nacional- socialismo pôde atrair espíritos da envergadura de Heidegger e Schmitt, porém inversamente, de saber que tipo de espíritos foram Heidegger e Schmitt para terem sido capazes de dar sua adesão plena e inteira ao regime mais bárbaro da história da humanidade. Muitos pensadores alemães, filósofos, romancistas, e eles não eram todos judeus, deixaram a Alemanha numa época em que Schmitt se fazia o herói do acontecimento da Weltanschauung, da visão do mundo nacional-socialista, como se a adesão ao pensamento destes dois autores não revelasse razão, mas crença. O tempo dos mestres pensadores não passou, ele se torna mesmo muito inquietante, quando os que são elevados a este nível são antigos dignitários do nazismo. Pelo que concerne particularmente a Schmitt, eu reteria aqui três procedimentos, geralmente ou ocasionalmente, utilizados para tentar reabilitar seu pensamento.

As razões da adesão se encontram nos textos de Schmitt O primeiro consiste, de um lado, em reconhecer sua implicação no regime nazista e em declarar sua desaprovação, sem reservas, pelos textos de Schmitt que dão testemunho disso, e, de outro lado, em afirmar que a quase totalidade de suas obras sai disso ileso. Retoma-se, de um lado, tudo ou quase tudo o que se fingiu dar ao outro. Por isso mesmo, se quer obstaculizar toda interrogação sobre a convergência entre as teorias schmittianas da decisão, da ditadura, do estado de exceção, do inimigo e do nazismo, que se fundou precisamente sobre a adoção dessas noções. Quer-se impedir de pensar a convergência entre os quadros teóricos preparados por Schmitt, antes mesmo de sua adesão ao Partido Nazista, e a prática do nacional-socialismo, quando ele mesmo sublinhou explicitamente esta convergência. Basta, para torná-lo manifesto, comparar a edição de 1932 do Concept de politique com a edição de 1933: nesta, o inimigo, ou seja, o outro, o estrangeiro, se torna o inimigo de raça, aquele que é “duma outra raça” (andersgeartet). Pode-se igualmente dizer que o único exemplo de regime político suscetível de dar corpo ao conceito schmittiano de política, é o nazismo. As razões da adesão de Schmitt ao nazismo se encontram em seu próprio pensamento.

A distinção entre a teoria e a prática é insustentável O segundo procedimento consiste em operar uma série de distinções entre a teoria (imaculada) e a prática (condenável), entre a obra (luz para nosso tempo) e o pensador (sórdido), enfim, entre o pensamento (sempre são) e o não-pensamento (nazista). Mas, esta série de distinções é insustentável. Ela pressupõe, com efeito, que o nazismo é irredutível ao pensamento, que temas nazistas não podem se infiltrar no pensamento, e mesmo produzi-lo. Acreditar nisso seria

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22 uma ingenuidade perniciosa. Há idéias mortíferas que conduzem às trevas, porque elas servem de justificação, de concessão de crédito a condutas bárbaras que, em seguida, se tornarão reais. As coisas são primeiro pensadas como úteis, desejáveis, ou até necessárias, antes de se tornarem reais. O nazismo se alimentou desse processo. Diversos textos de Schmitt estão aí para testemunhá-lo. Vê-se até que ponto convém recusar a reabilitação dos temas nazistas destilados no pensamento de Schmitt.

A regra da estigmatização O terceiro procedimento volta a afirmar que não se pode aplicar a Schmitt a regra de estigmatização, que ele próprio prescrevia e praticava: jamais citar um autor judeu sem dizer que ele é judeu. Não se deveria, então, indicar o engajamento de Schmitt no nazismo, cada vez que se fala disso. Mas, quem não vê que este paralelo é odioso? Quando Schmitt adiciona o adjetivo “judeu” aos nomes de Spinoza, Mendelsohn ou Strauss, exerce uma estigmatização racial, ao passo que, quando se lembra do engajamento nazista de Schmitt, comentando seus textos, apenas se exerce uma vigilância intelectual e crítica. Este ponto revela muito bem que os schmittianos nem sempre se dão conta do que eles fazem quando eles reabilitam seu pensamento, apresentando-o como suscetível de ser utilizado sem problema, segundo nossa conveniência.

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Memórias

ANDRÉ GUNDER FRANK (1929-2005) Por Teothonio dos Santos

O artigo que segue é de autoria de Theotonio dos Santos, professor titular da Universidade Federal Fluminense e autor de, entre outros, Evolução Histórica do Brasil - da Colônia à Crise da Nova República. Petrópolis: Vozes, 1994; A Crise dos Paradigmas em Ciências Sociais e os Desafios para o Século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999; Economia Mundial, Integração Regional e Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: FGV - EBAPE, 2002; Os Impasses da Globalização - Hegemonia e Contra-Hegemonia. Rio de Janeiro: Loyola - PUC, 2003; Do Terror à Esperança - Auge e declínio do neoliberalismo. Aparecida: Idéias & Letras, 2004. O professor Theotonio ministrou a conferência de abertura do I Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos, dia 10 de março de 2005, e que teve como tema A importância e a atualidade da obra de . Sobre ele, o professor Theotonio concedeu uma entrevista ao IHU On-Line número 131, de 7 de março de 2005.

Quem é o economista mais citado e discutido no mundo? Não perca seu tempo procurando entre os prêmios Nobel e outros muitos promovidos na grande imprensa. André Gunder Frank é, de longe, o mais citado e mais discutido no mundo, como revelam vários estudos sobre o assunto e as mais de 30.000 entradas na Internet. Sua morte, no último sábado, 23 de abril de 2005, produz um vazio no pensamento social contemporâneo difícil de ser substituído. Mas André era bem mais do que isso. Ele era um tipo de intelectual completamente conseqüente com suas idéias. Um lutador permanente pela verdade e pela transformação do mundo.

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23 Embora ele tenha se equivocado muito, como todo ser humano, era fértil e motivador, inclusive em seus erros. Esta é uma qualidade que só os gênios possuem. André se formou, academicamente, na "cova das serpentes": recebeu seu doutorado na Universidade de Chicago e conviveu com a brilhante geração de conservadores, que tanto deformou as ciências sociais nas décadas de 1950 e 1970, para abrir caminho, finalmente, nos anos 1980, à hegemonia do pensamento único, que ainda nos asfixia. Sua crítica aos Chicago boys, que tomaram o controle do Estado chileno no governo fascista de Augusto Pinochet, é, neste sentido, esmagadora e definitiva. Quando o conheci em Brasília, em 1963, ele havia sido convidado por , reitor da recém-fundada Universidade de Brasília, para dirigir um seminário sobre "o estrutural funcionalismo", corrente de pensamento conservador que dominava, naquele momento, as ciências sociais. Ele já havia se distanciado desta corrente majoritária na Universidade de Chicago através de seu contato intelectual com Paul Baran e Paul Sweezy. Seu artigo sobre a remessa de lucros e pagamentos de serviço superiores à entrada de capitais do exterior causou grande comoção e foi o que o levou a ser convidado por Darcy. Em seu seminário, estávamos eu, Ruy Mauro Marini33 e Vania Bambirra34, que seríamos, posteriormente, consagrados como a corrente radical da teoria da dependência. Discutimos muito o tempo todo. Mas não há dúvida de que assumimos um compromisso intelectual e político comum que durou toda uma vida, com os dois exílios políticos do Brasil ao Chile e do Chile ao exterior. E, em nosso caso, numa anistia que nos lançou a um Brasil profundamente comprometido com o capital financeiro internacional. Em sua participação no Seminário Internacional da REGGEN, em agosto de 2003, no Rio, sobre Hegemonia e contra-hegemonia, André teve a oportunidade de ir até Brasília, São Paulo e Santa Catarina. Apesar de sua doença já tão avançada, ele fez questão de deslocar-se até todos esses lugares para deixar testemunho de que a teoria da dependência começou naqueles anos de 1963-64, em nossos debates e acordos dentro desta experiência pedagógica colossal que foi a UnB de Darcy Ribeiro, destruída, em grande parte, pela ditadura de 1964. Exilado no Chile, como nós, André se incorporou, em 1967, ao Centro de Estudos Sócio- econômicos (CESO) da Faculdade de Economia que eu dirigi. Aí estavam, outra vez, Rui e Vania, o que nos permitiu realizar muitos trabalhos conjuntos. Aí se consolidou a recuperação dos ciclos longos como instrumento fundamental para a compreensão da história econômica contemporânea. A experiência do governo da Unidade Popular35 estimulava, de maneira impressionante, o trabalho intelectual. Trata-se de um laboratório fantástico para analisar a mudança social e a revolução. Frank viveu muito profundamente esta realidade, tendo o apoio de sua esposa Marta, de origem chilena.

33 Ruy Mauro Marini (1932-1997) é considerado um dos mais brilhantes intelectuais militantes da América Latina. Destacou-se por sua importante obra que subverteu o pensamento colonizado dominante e por sua militância coerente. Sua vida, marcada por exílios recorrentes, condensa um dos períodos mais intensos da história política latino-americana. Suas teses em torno das características do capitalismo dependente constituem a base para a compreensão não só de nosso continente mas também das diversas formas da super-exploração da força de trabalho e do sub-imperialismo. É autor de diversas obras, entre as quais citamos Dialética da dependência. Petrópolis: Vozes, 2000. (Nota do IHU On- Line). 34 Vania Gelape Bambirra é socióloga, doutora em Economia e professora na Universidade de Brasília e na Universidade Nacional Autônoma do México. É autora de, entre outros, A teoria do socialismo nos clássicos marxistas. Para entender o socialismo real. Brasília: Ed. UnB, 1993. (Nota do IHU On-Line). 35 O autor se refere ao governo de Salvador Allende, no Chile, de 1970 a 1973. (Nota do IHU On-Line)

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24 O golpe no Chile destruiu o CESO e nos dispersou outra vez. Eu e Vania fomos para o México, onde fomos recebidos com uma solidariedade comovedora. André e Rui foram, inicialmente, para a Alemanha. Ruy veio posteriormente para o México e se incorporou ao Doutorado de Economia da UNAM, que eu dirigia. Frank iniciou um périplo pelo mundo, terminando por ficar um bom tempo na Holanda, onde se aposentou. Nesses anos, sofreu muito com a perseguição da imigração estadunidense. Costumava entrar nos Estados Unidos pela fronteira canadense. Sua principal culpa era ter abandonado a nacionalidade americana e retomado sua identidade alemã. Mas ele se sentia, principalmente, um latino-americano, embora não houvesse espaço para ele numa América Latina dominada por ditaduras militares. Depois da morte de Marta, ele continuou seu périplo pelo Canadá e depois pelos Estados Unidos de Clinton, onde pôde trabalhar, mas com restrições imigratórias. Seus últimos dias foram vividos em Luxemburgo, ao lado de Alison, uma mulher de muita fibra e disposição, que o ajudou a enfrentar sua doença por doze anos de grande luta. Sua produção nos anos 1970 é menos conhecida, apesar de sua profundidade e sua força provocante. Ele foi um dos criadores da teoria do sistema mundial, cuja crise analisou em dois livros extremamente impressionantes. Além disso, iniciou o balanço histórico do sistema mundial, que fez retroceder pelos menos até o século quinto antes de Cristo. Seu livro Re- Orient mostrou o papel de liderança que ocupou a China neste sistema mundial, criado em torno da rota da seda. Hegemonia que só perde no século XVIII com a ascensão do poderio marítimo ocidental e com a revolução industrial. Nada há de mais importante que esta revisão da história mundial que sugere André, e que provocou uma polêmica colossal, inclusive no sistema mundial. Seus últimos escritos assinalavam o papel do dólar e do Pentágono na hegemonia norte-americana atual e a crise definitiva que ambos vivem no presente, outra tese polêmica que é, entretanto, mais próxima do enfoque do sistema mundial em seu conjunto. Quantas polêmicas mais não estariam germinando no extraordinário cérebro de André Gunder Frank? Seu filho Paulo Frank conta que ele trabalhou até seu último suspiro. Tenho este sentimento de perda de um intelectual de vanguarda, mas principalmente de um amigo e camarada, porém me dói pensar em como toda uma geração de economistas foi levada a desconhecer esta obra grandiosa pela influência decisiva do chamado pensamento único, que se impôs em várias universidades de todo o mundo. Resta, entretanto, a certeza de que, nos movimentos sociais e no espírito do Fórum Social Mundial, sua obra é uma referência fundamental.

AUGUSTO ROA BASTOS (1917-2005)

O escritor e poeta paraguaio Augusto Roa Bastos, um dos principais autores latino-americanos, morreu no último dia 26 de abril, aos 87 anos, em um hospital de Assunção, segundo informou sua família. Roa Bastos morreu devido a um ataque cardíaco oriundo de complicações da cirurgia a que foi submetido após cair e bater a cabeça em sua casa, dia 22 de abril. Autor de livros como Eu, o Supremo (1974), que retrata a vida do ditador paraguaio Gaspar Rodríguez de Francia e foi considerada pela crítica uma das obras mais importantes da literatura latino-americana, Roa Bastos viveu exilado na Argentina e na França por mais de 40 anos, durante o regime do ditador paraguaio Alfredo Stroessner (1954-1989). Autorizado a visitar o país em três ocasiões durante seu exílio, o escritor foi definitivamente expulso em 1982 e só regressaria após a derrubada de Stroessner -que atualmente vive exilado em Brasília. O ditador paraguaio proibiu a venda de Eu, o Supremo no país - para o público, o retrato que Roa Bastos fez de Rodríguez de Francia, que governou o Paraguai com mão-de-ferro após a

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25 independência do país, em 1811, era tacitamente o de Stroessner. O livro daria ao escritor o Prêmio Cervantes de Literatura em 1989.

O exílio forçado marcou profundamente Roa Bastos. "Mesmo os cães sentem-se mal quando são expulsos de algum lugar. Imagine o que é isso para um homem", disse o autor em entrevista. Sua obra é intimamente ligada à sua terra natal. Nascido na capital Assunção, em 13 de junho de 1917, o escritor passou sua infância na vila rural indígena de Iturbe - retratada em seus livros como Itapé-, onde seu pai, de temperamento autoritário, comandava uma refinaria de açúcar. O gosto pela literatura foi incentivado por sua mãe, que o fez ler a Bíblia e as obras de Shakespeare, além de tê-lo iniciado na arte da narração ao contar-lhe lendas paraguaias no idioma guarani. Roa Bastos também foi marcado pela guerra entre Paraguai e Bolívia (1932-1935), pelo controle da zona desértica do Chaco, na qual participou como assistente de enfermagem, aos 15 anos. Ao fim do conflito, iniciou sua carreira no jornal paraguaio El País, onde chegou a chefe de redação e correspondente em Londres, após a Segunda Guerra Mundial. Paralelamente, ele começou a escrever poemas e publicou, em 1941, sua primeira novela, Fulgencio Miranda. O paraguaio era um leitor apaixonado por autores, como Rilke, Cocteau e Faulkner.

AUTOR TIROU PARAGUAI DA TERRA DA FICÇÃO Por Moacyr Scliar

Reproduzimos o artigo de Moacyr Scliar, publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 27 de abril de 2005.

O escritor norte-americano Donald Barthelme é autor de um conto chamado Paraguay em que diz, a certa altura: "Assim, encontrei-me numa terra estranha". O país latino-americano torna- se, na narrativa, sinônimo de irrealidade. Uma visão ficcional, distorcida se a gente quiser, mas não muito diferente daquela que nós, brasileiros, adquiríamos na escola ao ler sobre a Guerra do Paraguai. Existe, contudo, um Paraguai verdadeiro, um país sofrido e pobre, em cuja capital encontrei, há três anos, esta figura verdadeiramente lendária da literatura hispânica, Augusto Roa Bastos, de biografia tão tumultuada quanto a história de seu país. Nascido em Assunção, era filho de um pai aristocrático e autoritário e de uma mãe suave e gentil, que era grande leitora e o iniciou na literatura. Fugiu de casa e, ainda adolescente, participou de guerra contra a Bolívia. Anos mais tarde, percorreu a Europa, trabalhando como jornalista. Regressou em 1947, mas teve de se exilar por causa da ditadura. Ficou fora de seu país um longo período e exerceu vários ofícios, inclusive de camareiro, vendedor ambulante e carteiro, mas nunca abandonou a literatura, escrevendo para jornais, teatro e cinema. Leitor voraz, Roa Bastos estava familiarizado com as obras de Rilke, Valéry, Cocteau, Eluard, Breton, Aragon e, especialmente, Faulkner. Não surpreende, portando, que cedo tenha se encaminhado para a ficção. Em 1941, publicou sua primeira novela, Fulgencio Miranda, que obteve um prêmio literário. El Trueno entre las Hojas, de contos, foi publicado em 1953. Em 1960, aparece Hijo de Hombre, uma obra sobre os desmandos do poder e à qual se seguiu aquela que é, sem dúvida, sua obra-prima, Eu, o Supremo, baseada na história de Gaspar Rodríguez de Francia, ditador do Paraguai por 26 anos.

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26 Trata-se de uma meditação sobre aquele que é o tema favorito de Roa Bastos, o poder, "uma situação que contraria qualquer lógica e que é o produto de uma sociedade doente", segundo suas palavras. Autodenominado "o Supremo", Francia declarou-se ditador perpétuo e governou o Paraguai como um feudo durante a primeira metade do século XIX. O projeto, iniciado em 1967, nasceu de um convite de Carlos Fuentes e Vargas Llosa para que Roa Bastos escrevesse um capítulo de um livro que se chamaria Los Padres de la Patria e que não chegou a se materializar. Mas a idéia vingou em três obras memoráveis, que incluem, além do livro de Roa Bastos (1974), O Recurso do Método, de Alejo Carpentier (morto recentemente), e O Outono do Patriarca, de García Márquez, na qual a típica figura do caudilho é vista pelo realismo mágico que projetou a literatura do continente nos anos 1960. Eu, o Supremo, com uma redação não convencional, distribuída por vários narradores, não é de fácil leitura, mas se transformou num clássico e consagrou o autor. Não é de admirar que seus livros, mais de duas dezenas, em vários gêneros, tenham sido amplamente traduzidos. O encontro literário ao qual compareci girava, merecidamente, em torno de Roa Bastos. Homem modesto, afável, que, através de sua sofrida vida e de sua grandiosa obra, provou que o Paraguai (ao contrário do que imagina Barthelme) realmente existe.

PHILIP MORRISON (1915-2005) Físico “arrependido” do Projeto Manhattan

O artigo a seguir foi publicado no jornal El País, em 27 de abril de 2005.

O físico Philip Morrison, que ajudou a colocar, com suas próprias mãos, a primeira bomba atômica, como membro do Projeto Manhattan, no laboratório de Los Álamos, e fez campanha durante o resto de sua vida contra as armas que podiam causar tal devastação, faleceu, enquanto dormia, aos 22 de abril de 2005, em seu lar de Cambridge, Massachussetts. Tinha 89 anos de idade. Charles Weiner, historiador da ciência do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), assegurava outro dia que “o mundo perdeu uma das principais vozes da consciência social na ciência”. Philip Morrison nasceu em 1915 em Somerville, Nova Jersey. Quando tinha quatro anos de idade, foi acometido de poliomielite, que o deixou parcialmente incapacitado. Criou-se em Pittsburgh. Estudou no Instituto Carnegie de Tecnologia (agora Carnegie Mellon) e na Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde obteve um doutorado em Física sob a tutoria de J. Robert Oppenheimer. Após breve período de docência, Morrison foi recrutado para o Projeto Manhattan em Los Álamos, que iniciaram os experimentos da bomba atômica. Suas tarefas incluíam perigosas experiências às quais chamavam de “fazer cosquinhas na cauda do dragão”, nas quais os cientistas uniam as peças de uma bomba, para estudar o que ocorria, enquanto se aproximava o momento crítico da montagem. Em pouco tempo, Morrison se encontrava num grupo de físicos enviados à ilha de Tinian para fabricar a bomba que se lançou sobre Hiroshima. Um mês depois do lançamento, fez parte de uma equipe que percorreu a cidade para avaliar os danos. Os bombardeios convencionais haviam destruído outras cidades japonesas, seguindo um padrão de tabuleiro de damas, deixando óxido vermelho entremeado com telhados cinzentos e vegetação, como recordava numa entrevista para The New Yorker. “Logo rodeamos Hiroshima, e só havia uma enorme cicatriz plana, de vermelho óxido, mas nada de verde ou cinza, porque não haviam ficado

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27 telhados nem vegetação”. “Então estava bastante seguro de que nada do que vira depois, me iria afetar tanto”, acrescentou. Embora Morrison aprovasse a criação da bomba ante o temor de que os alemães a construíssem primeiro, ele se sentiu alarmado pela decisão de lançá-la sem prévio aviso. Sua experiência de primeira mão no ciclo completo de criação e apocalipse o marcou por toda a vida, dizia neste fim de semana numa entrevista Kosta Tsipis, físico e expert em controle de armamento do MIT. Em 1946, Morrison abandonou Los Álamos e se uniu a outro chefe de projeto de bomba, Hans Bethe36, em Cornell, onde seus interesses de investigação se orientaram da física nuclear à astrofísica, e dos raios cósmicos à cosmologia. Converteu-se num enérgico defensor do controle internacional de armas, ajudando a fundar a Federação de Cientistas Estadunidenses, escreveu para o Bulletin of Atomic Scientists, indo a reuniões, e assinou declarações contra o militarismo junto a personagens como Albert Einstein e Paul Robinson. Em seus anos de estudante universitário, se filiou ao Partido Comunista, e em Berkeley foi qualificado de “problemático”. Em 1953, Morrison foi chamado a comparecer ante o subcomitê de Segurança Interna do Senado, onde testemunhou que, embora tivesse sido comunista, havia deixado de sê-lo quando era jovem. Cornell logo lhe comunicou que podia conservar seu emprego. Em suas quatro décadas como catedrático de Física do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, para onde se transladou em 1964, Morrison era conhecido como um fascinante orador, inspirador e divulgador científico, o professor original da “física para poetas”. Ele se deu a conhecer ao grande público em 1987, através de sua série para a televisão pública PBS The Ring of Truth e durante um longo e prolífico período como crítico literário, para o Scientific American. Entre seu legado, se encontra a busca de inteligência extraterrestre, originada num breve ensaio, que escreveu para Nature, em 195, com Giuseppe Cocconi, em Cornell. No MIT, escreveu vários livros e estudos sobre controle armamentício, geralmente, em colaboração com seu colega Kosta Tsipis. O mais recente foi Reason to Hope (Razão para Esperança), que debatia as formas de superar a guerra e a superpopulação. Também ajudou a escrever o roteiro e narrou o filme de 1977 Powers of Ten (Poderes de dez), com Charles e Ray Eames, que, em 1992,transformaram em livro. As atividades de Morrison, como divulgador científico, e seu trabalho, como crítico armamentista, eram uma mesma coisa, afirmou Charles Weiner, do MIT, que descreveu seu estilo como apaixonado, porém não elitista.

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Deu nos jornais

EUA investigam MST, revela chefe do Incra A superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Pernambuco, Maria de Oliveira, recebeu em 10 de fevereiro, na sede do órgão no , o cônsul dos Estados Unidos no Estado, Peter Swavely, e o segundo-secretário para Assuntos Políticos da Embaixada dos EUA em Brasília, Peter Thomas Reiter. Eles buscavam

36 Hans Albrecht Bethe (1906-2005), físico alemão que ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1967 por sua descoberta da núcleo-síntese estelar. (Nota do IHU On-Line).

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28 informações sobre o "abril vermelho" de invasões que o Movimento dos Sem-Terra (MST) prometia e queriam saber se o Brasil e Pernambuco estavam preparados para dar uma resposta de atendimento ao movimento. A notícia foi publicada dia 25-4-05, no jornal O Estado de S. Paulo. "Recebi a embaixada porque me pediram uma agenda, mas o encontro realmente se resumiu ao 'abril vermelho'", contou Maria por telefone, de Brasília. A reunião foi sigilosa e surpreendeu a superintendente regional, que nunca havia recebido embaixadores antes. Numa nova reunião, os americanos queriam complementar informações sobre a onda de invasões dos sem-terra em abril. Também buscavam esclarecer notícias veiculadas na imprensa de que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) estariam atuando em Pernambuco, na Fazenda Normandia, em Caruaru, no agreste, onde fica a sede do MST no Estado. Depois, os americanos tentaram novas reuniões com Maria, mas ela decidiu não mais recebê-los e sugeriu que procurassem o Ministério do Desenvolvimento Agrário em Brasília, por considerar que era mais adequado do ponto de vista hierárquico e especialmente por dizer respeito à soberania nacional. O fato veio à tona sábado, dia 23 de abril, em reportagem publicada no Jornal do Commercio, em que a superintendente confirmou o encontro e falou de seu desconforto com isso. "Para mim essa situação de um país buscar informações sobre movimentos sociais de outro país é muito preocupante." Maria disse que se a embaixada sentia a necessidade de ter mais informações deveria procurar o ministério.

Pobreza e superávit primário Nos últimos quatro anos, o governo federal deixou de gastar cerca de R$ 3,2 bilhões do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, criado em julho de 2001 para garantir investimentos adicionais em ações de nutrição, habitação, saúde, educação e reforço da renda familiar. Este montante teve grande serventia para a política econômica: ajudou o governo a fazer o superávit primário. Os R$ 3,2 bilhões representam 20% dos R$ 15,2 bilhões efetivamente gastos com recursos do fundo neste período. A notícia é do jornal O Globo de 24-4-05. Segundo a reportagem, o dinheiro seria suficiente para pagar 3,8 milhões de Bolsas Famílias durante um ano, no valor médio de R$ 70 por família. Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal (Siafi), registrados em 20 de abril, mostravam uma disponibilidade de R$ 3,171 bilhões em recursos do Fundo de Combate à Pobreza na coordenação-geral de Programação Financeira da Secretaria do Tesouro Nacional do Mi nistério da Fazenda.

Vinte anos depois da retomada da democracia, a concentração da riqueza continua igual “É dramática a percepção de que a concentração da riqueza praticamente não se alterou nos últimos 20 anos. Os números falam por si. Em 1985, os 10% mais ricos da população detinham 47,7% da renda nacional; em 2002, último dado oficial disponível, os mesmos 10% detinham 47,0%. Da mesma forma, em 1985, os 50% mais pobres absorviam 12,4% da renda do país; em 2002, esse dado pouco havia mudado: 12,9%. Acresce que o desempenho da economia no período foi muito frustrante. A média anual de crescimento do país entre 1985 e 2004 foi de pífios 2,66%, fato agravado pelo aspecto descontínuo das taxas ano após ano”. Os dados são do editorial do jornal Folha de S. Paulo, dia 24-4-05. Segundo o editorial, “a democracia brasileira ainda parece inacabada. A incorporação social de milhões de pessoas segue sendo seu maior desafio”.

Fazer negócios no Brasil é uma guerrilha, afirma Gerdau “Fazer negócios aqui é uma guerrilha. Convivemos com toda sorte de distorções. Leis em excesso, custo alto do dinheiro e muitos impostos, cobrados de forma errada”, afirma o

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29 empresário Jorge Gerdau em entrevista publicada na revista Veja da semana passada, com a data de 27-4-05. Para ele o melhor país das Américas para fazer negócios é o Chile. Segundo ele, “da mesma forma que os brasileiros, os trabalhadores chilenos abraçam a causa da empresa. Isso não ocorre na América do Norte. Além disso, o Chile também possui todas as vantagens de países como os Estados Unidos e o Canadá: um sistema tributário justo e lógico, juros baixos e pouca burocracia. Isso o Brasil não tem”.

Para Gerdau, é preciso melhorar a gestão dos gastos públicos Para Jorge Gerdau só existe um caminho para reduzir os gastos do governo: “melhorar a gestão, ter mais eficiência”. E ele continua: “Sei que é um assunto chato, ninguém gosta de falar dele, mas tenho de insistir. Não existe segredo. Só não é simples reduzir os gastos do governo por questões políticas. Sob o ponto de vista de gestão, seria fácil cortar despesas em até 50% sem prejudicar os pobres ou piorar a qualidade dos serviços públicos. A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, adepta da qualidade total, atende 4 000 pessoas por dia e tem um custo para o estado de 95 milhões de reais. Outro hospital público em Porto Alegre que oferece um atendimento de pior qualidade, que pertence ao governo federal e atende 4 400 pessoas por dia, custa 495 milhões de reais aos cofres públicos”. Para ele, “o segredo está na tecnologia de gestão. O setor público brasileiro, com raras exceções, vive um apagão de eficiência. Ninguém se concentra em reduzir as perdas e pôr fim a ineficiências. Mas isso é o que mais importa. Estamos encantados com os recentes avanços da economia, mas nos esquecemos de colocar a casa em ordem. O Brasil precisa de gestão”.

1 milhão de pessoas morrem, anualmente, de malária Um milhão. Este é o número de pessoas que morrem, anualmente, por causa da malária, no mundo. Para a revista médica The Lancet, a luta contra a malária feita pelos estados africanos com o apoio da Organização Mundial da Saúde, “não conseguiu alcançar os seus objetivos”. A notícia foi publicada dia 25-4-05, no jornal Le Monde.

Bento XVI segundo Carlo Maria Martini O arcebispo emérito de Milão, Carlo Maria Martini, fala pela primeira vez de Bento XVI, na entrevista publicada dia 26-4-05, no jornal italiano La Repubblica. Ele pôs uma só condição: nenhuma pergunta sobre o que aconteceu no conclave e nenhuma pergunta sobre qual a sua candidatura. “Tenho certeza que Bento XVI nos reservará surpresas no que diz respeito aos estereótipos com que tem sido descrito um pouco rapidamente” – afirma o cardeal Martini antes de regressar a Jerusalém. E Martini justifica citando como exemplo a intervenção feita por Ratzinger quando o então cardeal-arcebispo de Milão celebrava o 15º aniversário de ordenação episcopal. Ratzinger, segundo Martini, disse: “Ninguém se maravilhará se digo que nós dois nem sempre tivemos a mesma opinião. Por temperamento e por formação somos, sem dúvida, muito diferentes um do outro”. E Martini continua: “E depois de ter recordado as razões destas diversidades concluía: “Em todo o caso, estas duas posições não se excluem mas, pelo contrário, se integram e completam mutuamente. Posições e acentos diferentes são necessários para nos permitir que, a partir de aspectos diferentes, nos aproximemos da complexa missão da Igreja neste tempo e de buscar, mais ou menos, desenvolvê-la”. E Martini assegura, mais uma vez: “Estou certo que a grande responsabilidade que pesa sobre as costas do novo Papa o tornará cada vez mais sensível a todos os problemas que agitam os corações dos crentes e não crentes e abrirá, para ele e para nós, estradas não previstas”.

Bento XVI e o ‘distintivo cristão’ segundo Martini

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30 Martini narra que Ratzinger, na mesma ocasião acima referida, dizia: “As minhas primeiras experiências religiosas se referem ao período em que Romano Guardini dava uma prioridade absoluta ao ‘distintivo cristão’, a ‘Unterscheidung des Christlichen (assim se chamava o seu livro de 1935)”. E Ratzinger, diz Martini, depois de ter descrito um período de maior pluralismo depois da segunda guerra mundial, continuava dizendo: “Contudo, depois que a partir de 1968 emergira o perigo de fundir a escatologia com a utopia, reduzindo, desta maneira, a fé a uma práxis de transformação do mundo, tornava-se novamente necessária a busca de um traço distintivo do cristianismo (Unterscheidung des Christlichen), não para fechá-lo entre os muros do gueto, mas para salvaguardar o seu dinamismo, que supera o tempo para atingir o eterno”. “É neste confronto, explica Martini, que Ratzinger reconhece a minha experiência (Lembrança do IHU: Martini foi por longos anos professor e depois reitor do Instituto Bíblico de Roma) ‘na formação dos jovens sacerdotes provindos de todos os continentes foi de outra natureza: aqui se tornavam possíveis outras formas de mediação, sínteses de maior alcance; se tratava de explorar possibilidades ainda não exploradas da realidade católica”.

Bento XVI. A opção por um pontificado breve, segundo Martini O jornalista do La Repubblica pergunta: “Passamos de um Papa eleito aos 58 anos de idade a um Papa com 78 anos. Foi mesmo, como sustentam muitos observadores, uma opção pela transição?” Martini, direto, responde: “Não foi tanto uma opção pela transição quanto o desejo de ter, depois de um pontificado longo, um pontificado um pouco mais curto. Esta regra se observou também no passado”. Martini diz também que o desejo de maior colegialidade é uma necessidade cada vez mais forte de toda a Igreja e “estou certo que o novo Papa a tomará muito a sério e com eficácia”. Martini ainda, afirma que “estou seguro que o novo Papa não será rígido, mas ouvirá e refletirá com coração livre e mente aberta. Ele está, certamente, como todos nós, preocupado em não tornar o evangelho algo aguado. Todos queremos um evangelho forte e corajoso, e que, por isso, não deve ter medo das novidades”.

Equador. O fim do desmantelamento das oligarquias “O que vemos é o fim do desmantelamento daquelas oligarquias. É o que está acontecendo no Equador. Há um confronto entre a oligarquia que governou o país até há muito pouco tempo e que hoje está sendo substituída por uma elite que vem das massas populares. Como agravante, no caso equatoriano, essa massa tem uma diferença étnica com relação à oligarquia”. A análise é da economista Marta Lagos, diretora-executiva da Fundação Latinobarómetro, em entrevista publicada no jornal Folha de S. Paulo, 25-4-05. Segundo ela, “com a democracia, o problema étnico de vários países da América Latina está vindo à tona. A democracia trouxe a incorporação de massas que haviam sido excluídas do sistema. A crise que vemos agora é a conseqüência da maneira como está sendo feita essa inclusão. Não creio que seja possível evitar conflitos nesse processo. Não é uma reforma suave, pois o tema é terrivelmente duro. Em outras partes do mundo, isso poderia gerar revoluções, aqui não. Aqui, os governos caem. E eu prefiro a queda de um governo do que uma revolução”. Marta Lagos vê este desmantelamento das oligarquias em outros países da América Latina. Para ela, “de uma maneira semelhante ao que acontece no Equador, só trocando o problema indígena por um problema social, o mesmo está acontecendo na Venezuela. A Copei (partido democrata-cristão) e a AD (Ação Democrática, social-democrata) governaram de maneira oligárquica, excluindo a massa da população, até que chegasse Hugo Chávez”.

Rede Globo – 40 anos de poder e hegemonia, segundo um professor da Unisinos

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31 Um dos lançamentos, pela editora Paulus, que comenta o papel da Globo na mídia nacional, citado pela Carta Maior é o livro Rede Globo – 40 anos de poder e hegemonia, organizado pelos pesquisadores e professores Valério Cruz Brittos da Unisinos e César Ricardo Siqueira Bolaño da Universidade Federal do Sergipe. O livro reúne uma série de artigos que refletem diferentes aspectos políticos e funcionais das Organizações Globo. A influência política da Globo abordado no livro Rede Globo – 40 anos de poder e hegemonia é rememorado por Venício Lima, professor aposentado da UnB, no capítulo cinco, “Globo e Política: Tudo a Ver”. Nele, Lima, destaca três fatos: 1 - as eleições para governador do Rio de Janeiro, quando a TV Globo se aliou à empresa responsável pela contabilidade da eleição no interior do estado (Proconsult) para subtrair votos atribuídos a Leonel Brizola e repassá-los ao candidato governista Moreira Franco; 2 – a campanha das “Diretas Já”, quando a emissora escamoteou o quanto pôde o festival de grandes comícios que pipocavam pelo país pelo sufrágio universal para Presidente da República; 3 – a nomeação do Ministro da Fazenda (Maílson da Nóbrega) de José Sarney ter tido primeiro o aval de .

Teólogo jesuíta espanhol propõe a volta à figura do papado do 1º milênio “Se, realmente, Bento XVI quer dar passos firmes na direção da descentralização do poder na Igreja, o primeiro que deve mudar é a figura do Papa e temos que voltar à figura do papado do primeiro milênio, que admitia os papados orientais, com sua liberdade e autonomia. Isto seria um passo decisivo para a figura do Papa. Bento XVI sabe isso perfeitamente. Se o diz seriamente, ele dará um virada de 360 graus no papado. Tudo o que leva a descentralizar é bom. Que o poder da Igreja não esteja mais centralizado num só homem, seria muito importante”, afirma José Maria Castillo, teólogo jesuíta espanhol, numa entrevista concedida à rede Canal Sur da Espanha, segundo o Periodista Digital, 28-4-05. O jesuíta manifestou a sua preocupação com a primeira homilia da entronização de Bento XVI. Segundo o jesuíta, o Papa não falou dos pobres, nem da injustiça, nem sobre os direitos humanos. “Outra preocupação é que tem uma visão negativa do humano. Alguns dos seus companheiros de cátedra, como Hans Küng, dizem que está por demais impregnado da visão catastrófica do mundo de Santo Agostinho”, afirma José Maria Castillo.

A esquerda segundo Ernest Laclau, cientista político argentino “A esquerda está reconhecendo que sua missão dentro de um cenário classista tradicional é um túnel sem saída”, afirma Ernesto Laclau, filósofo e cientista político argentino, em entrevista publicada no jornal Página/12, 25-4-05. Laclau, autor de livros importantes sobre o populismo na América Latina, afirma que “se se observa o movimento de esquerda mais importante nos últimos anos, o Movimento antiglobalização, se pode notar um discurso completamente novo. Nos fóruns de Porto Alegre se vê todo tipo de grupos em torno de problemas locais muito específicos. Mas ao mesmo tempo há um objetivo de criar uma linguagem comum que os cruze. Creio que isso é o mais importante que se criou na esquerda desde a crise do marxismo”. “Por outro lado, - continua o intelectual argentino - certo equilíbrio político da América Latina está favorecendo a ascensão da esquerda ao poder. De modo que, evidentemente, já não mais estamos na situação de isolamento em que se encontrava há vinte anos. Isto me parece sumamente importante já não há futuro progressista sem avançar para o mundo multipolar. Um mundo com uma hegemonia americana que não é desafiada por ninguém não gera as condições necessárias para o progresso político. Eu creio que a possibilidade real de um equilíbrio mundial que favoreça as causas do progresso depende de que a União Européia se consolide como um bloco diferenciado frente aos EUA. Neste mapa de ascensão da China como potência mundial também é uma realidade com a qual vamos ter que

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32 contar cada vez mais”. Para ele, “na medida em que tudo isso se vai dando é óbvio que o Mercosul como alternativa tenha mais possibilidades. O perigo está em que todas estas mudanças sejam feitas em termos econômicos. Por exemplo, os últimos países que se incorporaram na União Européia o fizeram por razões estritamente econômicas. A idéia de criar uma identidade européia alternativa se dá somente em alguns deles”. Ernesto Laclau, conclui constando que “podemos afirmar, no entanto, que estamos (a esquerda) num período politicamente muito mais positivo e criativo do que na década de 1990”.

Mudanças no Banco Central. Mais do mesmo Após dois anos e quatro meses de poder, o governo Lula promoveu ontem o primeiro grande rearranjo na equipe econômica. No início da noite, o ministro Antonio Palocci Filho anunciou a saída do secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, que será substituído pelo número 2 da Fazenda, Bernard Appy. Representante do Brasil no FMI (Fundo Monetário Internacional) e ex-assessor de Pedro Malan, ministro da Fazenda no governo FHC, Murilo Portugal vai para o lugar de Appy. “Palocci põe conservador como o 2º da Fazenda” é a manchete de capa do jornal O Estado de S. Paulo, 29-4-05. “Palocci nomeia ex-assessor de Malan” é a manchete de capa do jornal Folha de S. Paulo, 29-4-05. A aproximação de Murilo Portugal com o governo petista não é recente. Em 2002, quando Lula procurava um presidente para o Banco Central, Portugal foi um dos cotados. Representante do Brasil no FMI desde 1998, teve papel-chave na articulação do apoio do organismo ao atual governo. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, “reza a crônica palaciana que, quando Palocci, na formação do governo Lula, depois das eleições de 2002, sugeriu o "tucano" Portugal no BC, Lula cortou a conversa: "Assim é melhor chamar logo o Armínio Fraga". Quando se cogitou fazê-lo ministro do Planejamento, José Dirceu (Casa Civil) e Aloizio Mercadante torceram o nariz.

“Acostumem-se: A Igreja falará em voz alta”, afirma cardeal” “Bento XVI não é um simples defensor da fé: ele tem uma mente criativa e fez muito para repensar o cristianismo em nosso tempo”, afirma, numa longa entrevista, o cardeal Camillo Ruini, presidente da Conferência Episcopal Italiana. A entrevista foi publicada dia 29-4-05, no jornal italiano Corriere della Sera. O jornal italiano pergunta: “Escreveu-se que Bento XVI é o aliado dos neoconservadores norte-americanos e de Bush. Para além de uma radicalização polêmica, lhe parece que há um fundo de verdade?” Ruini responde: “O elemento significativo, me parece, é, sobretodo, este: existe no mundo, e particularmente nos EUA, um movimento de renascimento cristão que vai além das fronteiras das Igrejas, e que acentua um respiro cristão que não pode não ser levado em consideração. E um respiro que aponta para o testemunho e a proposta da fé no Cristo e na visão cristã do homem. Somente neste sentido, tendo presente todas as diferenças, que se pode falar de uma aproximação”.

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Frases da semana

A maior catástrofe geopolítica “A queda da URSS foi a maior catástrofe geopolítica do século XX” – Vladimir Putin, presidente da Rússia - Le Monde, 26-4-05.

Alca. Um carro enguiçado

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33 "A Alca é hoje um carro enguiçado no meio da rua" - Luiz Felipe Lampréia, ex-chanceler brasileiro - Valor, 27-4-05.

A política econômica “Os poucos acertos do governo na área social são anulados por essa política econômica" – Pepe Vargas, ex-prefeito de Caxias do Sul, RS – PT - O Estado de S. Paulo, 25-4-05.

Murilo Portugal no Ministério da Fazenda “Temos de avisar ao Palocci que o Lula ganhou a eleição” – Dr. Rosinha, deputado federal – PT- PR, comentando a nomeação de Murilo Portugal para o Ministério da Fazenda - Folha de S. Paulo, 30-4- 05.

"É um gestor competente. Mas a leitura é que o Brasil não vai mais ao Fundo. O Fundo vem ao Brasil. Para ficar" – Raul Jugmann – deputado federal – PPS/PE - Folha de S. Paulo, 29-4-05.

“Lula tem agora no governo o homem certo para a tarefa de cortar custos: o novo secretário- executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal, que era conhecido no tempo em que ocupou a Secretaria de Tesouro do governo Fernando Henrique como “Murilo Mãos de Tesoura” - Merval Pereira, jornalista - O Globo, 30-4-05

"Será mais do mesmo, as mudanças na equipe só devem aprofundar o caminho que vem sendo trilhado pelo governo na condução da política econômica" - Paulo Rabello de Castro, economista, presidente da SR Rating, agência de classificação de risco - Folha de S. Paulo, 29-4-05.

"Só faltou chamarem o Malan" – Paulo Rabello de Castro, economista, comentando a nomeação de Murilo Portugal para o Banco Central - Folha de S. Paulo, 29-4-05.

"Mantiveram na porta do BC a tabuleta: ‘é proibido pisar economista do setor produtivo’" - Julio Gomes de Almeida, diretor-executivo do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) - Folha de S. Paulo, 29-4-05.

“Tenho uma relação nos EUA com o governo Bush. O que eu posso fazer se há três, quatro anos estabeleci essas relações?" – José Dirceu, ministro Chefe da Casa Civil - Folha de S. Paulo, 29-4-05.

Condoleeza e o governo Lula “O noticiário dos últimos dias foi pródigo em produções ficcionais. Ainda se sabe muito pouco dos pormenores conversados entre Condoleezza Rice e os representantes do governo brasileiro. Mas o pouco que se sabe, sobre o clima geral, é simples e indicativo: as amenidades da secretária ficaram para suas exposições externas” - Janio de Freitas, jornalista - Folha de S. Paulo, 29-4-05.

Bento XVI “Eu creio em milagres. Que Bento XVI volte a ser o teólogo que eu admirava e que suscitava esperança e não medo” – , teólogo - Il Manifesto, 24-4-05.

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34 EVENTOS IHU

IHU Idéias

TEOLOGIA DO DIALOGO INTER-RELIGIOSO

A última edição do evento IHU Idéias, realizada dia 28 de abril, teve como tema Teologia do Diálogo Inter-Religioso. O assunto foi desenvolvido pela Prof.ª Dr.ª Cleusa Maria Andreatta, professora na Unisinos, coordenadora do Programa Teologia Pública, do IHU, e colaboradora do Programa Gestando o Diálogo Inter-Religioso e o Ecumenismo (GDirec), da Unisinos. Cleusa concedeu uma entrevista sobre o tema na 138ª edição do IHU On-Line, de 25 de abril de 2005.

Ecos do evento

“A palestra foi boa no sentido de que ajudou para começarmos a pensar em um diálogo inter- religioso mais amplo. Foi interessante que a Cleusa teve a fé cristã como ponto de partida para falar do diálogo inter-religioso. Discutir esse tema é importante para podermos começar a desenvolver uma cultura de tolerância para com as pessoas que não são iguais a nós em termos de crença”. Cleide Olssom Scheider, pastora luterana em São Leopoldo

“Achei a palestra muito interessante, principalmente na diferenciação que a Cleusa fez entre crenças cristãs e não-cristãs, considerando que Cristo não pregou nenhuma religião. Ele rompeu com o que acontecia na sua época, assim como Lutero e Alan Kardec fizeram. Esses dois também não podem ser considerados salvadores?” Cacique Eloi, de Umbanda, em São Leopoldo.

BIODIVERSIDADE EM CRISE A crise da biodiversidade será tema do IHU Idéias na próxima quinta-feira, dia 5 de maio de 2005. O evento prepara o Simpósio Internacional Terra Habitável: Um desafio para a humanidade a ser realizado nos dias 16 a 19 de maio, na Unisinos. O Prof. Dr. Carlos Roberto Dutra Fonseca, da Unidade de Ciências da Saúde da Unisinos, conduzirá o debate. Fonseca é graduado em Ciências Biológicas (Modalidade Ecologia), pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é mestre em Ecologia pela Unicamp e doutor em Ciências Biológicas pela Universidade de Oxford. O professor obteve três pós-doutorados, sendo um na Macquarie University, outro na UFRJ e outro na Unicamp. IHU Idéias é um evento semanal gratuito, que acontece às quintas-feiras, das 17h30min às 19h, na sala 1G119 do IHU. A entrevista que segue versa sobre o tema do evento e foi concedida, na última semana, no gabinete do professor Carlos.

“TEMOS MAIS ÁRVORES NO BRASIL DO QUE EM TODOS OS OUTROS PAÍSES DO PLANETA”

IHU On-Line – Como se caracteriza a crise da biodiversidade?

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35 Carlos Roberto Fonseca – A biodiversidade engloba não só os organismos vivos, mas também os processos que os unem. Não é uma entidade estática, mas interativa. Ela está em crise por causa da atuação do homem. As pressões, as demandas energéticas, as demandas da agricultura, da indústria, dos vários usos que o homem faz da superfície da terra, isso cria um impacto muito grande sobre a biodiversidade. Atualmente, nós temos taxas de extinção muito grandes. A extinção é um fenômeno natural, mas as taxas atuais são muito maiores do que as taxas-base, falando em milhões de anos.

IHU On-Line – A extinção é um fenômeno normal? Carlos Roberto Fonseca – As espécies que existem no globo, atualmente, são talvez cinco por cento do que já existia. A maior parte das espécies não existe mais, são fósseis... O que vemos é a ponta evolutiva da árvore da vida. Então, a extinção é um fenômeno natural.

IHU On-Line – Independente da ação humana, haveria uma taxa de extinção natural? Carlos Roberto Fonseca – Sim. Acontece que nós estamos apressando esse processo. Não só diminuindo o número de espécies do planeta, mas também limitando o potencial evolutivo. Quando diminuímos a área de uma espécie, quando a deixamos com uma pequena população, ela perde diversidade genética e reduz o seu potencial evolutivo.

IHU On-Line – O senhor fará a sua exposição para um público multidisciplinar. Qual é a sua expectativa? Carlos Roberto Fonseca – Como ecólogo, sou, em parte, responsável pelas iniciativas para reverter ou minimizar a crise. Mas a perda da biodiversidade deve abranger todas as categorias profissionais, que devem fazer alguma coisa. Nós temos uma série de categorias profissionais que atuam na área ambiental, e essa preocupação deve permear essas categorias. No que diz respeito às ciências humanas, há muito, os antropólogos contribuem para o levantamento da biodiversidade, quando, por exemplo, trabalham com culturas indígenas. Fazem um levantamento do uso pelos índios das diversas espécies. Esse tipo de levantamento, inclusive, em termos de prospecção de fármacos tem recebido atenção até fora do Brasil. Esse conhecimento tradicional, acumulado por muitas gerações, contém um potencial de localização de substâncias ativas muito maior do que o método tradicional de tentativa e erro.

IHU On-Line – Qual é a posição brasileira nesse debate sobre a biodiversidade, relativamente ao mundo? Carlos Roberto Fonseca – A nossa responsabilidade é enorme. O Brasil concentra uma grande percentagem da biodiversidade mundial. Temos mais árvores no Brasil do que em todos os outros países do planeta. Estamos em primeiro lugar na quantidade de espécies de sapos, na de mamíferos também nos destacamos, em aves, estamos em terceiro... Mundialmente, temos uma responsabilidade extraordinária quanto à biodiversidade. Um trabalho recente identifica quais os principais países onde se deve concentrar o foco da defesa da biodiversidade, e o Brasil está na ponta, é um dos principais. Uma das regiões onde a situação preocupa mais é a Mata Atlântica, da qual só existe sete por cento. Ela tem uma biodiversidade muito grande. Precisamos preservá-la, manter os sete por cento e adotar uma postura ativa de recuperação de área. Podemos aumentar a área para oito por cento, com programas de restauração. Não podemos nos posicionar negativamente, com o ambientalista se amarrando na árvore para não deixar derrubá-la, ele precisa plantar e convencer as pessoas a plantarem e expandirem a área. Isso é possível. Já foi feito em várias regiões do mundo. Analisemos a atual

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36 cobertura vegetal da Europa, por exemplo, ela foi completamente desmatada no passado e, posteriormente, houve uma grande recuperação da sua área verde.

IHU On-Line – Houve uma recuperação da diversidade? Carlos Roberto Fonseca – Sim. Nesse sentido, estamos desenvolvendo um projeto multidisciplinar, coordenado por mim e pela professora Gislene, no qual estamos avaliando a biodiversidade em florestas de araucárias e comparando-a com florestas de pinus e de eucaliptos. Surpreendentemente, quando essas plantações, essas monoculturas são mantidas um tempo maior do que o normal, em uma escala pequena, se obtém uma representação razoável da biodiversidade dentro dessas florestas, mesmo exóticas. Isso, em parte, nos surpreendeu, mas esse tipo de resposta só foi possível porque esse tipo de plantio difere do tradicional, de grandes extensões e de manejo muito intenso. Isso nos aponta que existem determinados manejos que podem propiciar a manutenção da biodiversidade, enquanto outros são mais deletérios.

IHU On-Line – Uma recuperação parcial? Carlos Roberto Fonseca – Parcial, mas, se pensarmos em um tabuleiro de xadrez, imaginando que a biodiversidade gosta de estar no preto e que ela não gosta de estar no branco, o ideal é que a gente transforme esse branco em cinza. De maneira que as espécies possam caminhar por essa matriz. Temos que aumentar a qualidade dessas áreas. Isso começa desde ter um vasinho com planta em casa ou ter um jardim onde sejam plantadas espécies da região, e não espécies exóticas, por exemplo, até conservar na fazenda o sub- bosque, que é aquela vegetação, muitas vezes, considerada sujeira. Aquilo não é sujeira, ali tem dezenas de espécies de plantas. Aquilo sustenta centenas de espécies de insetos, algumas dezenas de sapos e pássaros. Muitas vezes, isso não influencia na produtividade da plantação e permite que uma série de organismos consiga sobreviver naquela área.

IHU On-Line – Há um modelo no qual o Brasil possa se mirar? Carlos Roberto Fonseca – Em relação à nossa enorme diversidade e às grandes dimensões geográficas do Brasil, são poucos os modelos equivalentes. Nós ainda temos possibilidades de fazer coisas que os outros países não podem fazer mais. Por exemplo, na Amazônia nós temos ainda condições de planejar grandes reservas, com milhões de hectares e determinar que elas permanecerão intocadas ou sofrerão usos menos impactantes. Isso não é mais possível na Europa. Então há questões que são únicas ao Brasil. Outros países, como Costa Rica, têm uma atuação ambiental forte, mas têm dimensões muito pequenas. Nós temos que criar nossos próprios modelos.

IHU On-Line – E o senhor vê perspectivas de criarmos um modelo próprio? Carlos Roberto Fonseca – Estou entre o realismo e o otimismo. Se formos negativos e acharmos que não é possível, não partimos para a ação. Acho que precisamos reverter muitas tendências. Aumentar a conscientização, trabalhar com a educação, a legislação. Mas principalmente com a conscientização, este é o principal instrumento de mudança. É uma coisa progressiva, que não se desenvolve tão rapidamente quanto gostaríamos, mas tem que ser feito. Quando vamos para a Europa e vemos o nível de conscientização que existe lá, é porque eles já estiveram no “fundo do poço”. Espero que não precisemos chegar ao “fundo do poço” para que a população brasileira chegue àquele nível de conscientização. Então, temos que trabalhar para isso.

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37 IHU On-Line – O Brasil é um dos primeiros em biodiversidade. Se fôssemos classificá-lo quanto às providências para preservar a biodiversidade, em que lugar ele ficaria? Carlos Roberto Fonseca – Não saberia dizer, exatamente. O Brasil tem melhorado, a legislação melhorou em diversos aspectos nas últimas décadas, o nível de conscientização também, as crianças, nas escolas, já estão trabalhando com reciclagem, com conservação, preservação de espécies. Elas sabem o que é extinção, conhecem os dinossauros. Isso se reflete, houve grandes avanços, mas temos um longo caminho a percorrer. Temos, por exemplo, que compreender e atuar mais sobre o impacto do fogo no ambiente natural. Aqui no Estado, na região da serra, se coloca fogo todo o ano, simplesmente para limpar o pasto. Isso tem um impacto muito grande. Anteriormente essas áreas eram de campo natural, com uma diversidade grande de espécies, de ervas, de insetos, etc. e todo o ano, continuamos colocando fogo... Precisamos mudar esse tipo de cultura. Também há pouca conscientização sobre a introdução de espécies exóticas. Na Austrália, talvez há mais de dez anos, as pessoas arrancam do jardim tudo o que é exótico e só plantam espécies australianas, isso se tornou cultura. É difícil ver um jardim em Sidney, por exemplo, onde eu morei, que tenha espécies exóticas. Aqui no Brasil, se sairmos a caminhar veremos uma certa preferência, até, por espécies exóticas, com todo o risco que isso traz. Elas têm um grande potencial de se tornarem invasoras e causarem um grande dano ao meio ambiente. Outra questão que deve nos preocupar é a da caça ilegal, macacos e papagaios estão sendo caçados e vendidos...

IHU On-Line – A universidade se abriu para essa discussão, as disciplinas estanques pertencem ao passado? Carlos Roberto Fonseca – Mais ou menos, acho que temos muito a aprender, ainda. Temos poucos fóruns transdisciplinares, multidisciplinares, onde possamos aprender com os outros. A tendência ainda é o fechamento. A Unisinos está tentando reverter isso, com o movimento transdisciplinar. É uma atitude louvável tentar instituir isso como cultura. Essa reversão, porém, deve ocorrer em todas as áreas, não só na universidade, é preciso ter sinalizações claras governamentais, o governo tem que tomar isso como bandeira. No mundo, o Brasil é visto como um dos detentores da biodiversidade, e a nossa imagem é a de que estamos queimando a Amazônia. Deveríamos estar demonstrando que somos responsáveis e vamos poder manejar essa diversidade de maneira adequada. Poderíamos nos tornar líderes nesse sentido, o que seria bom para a imagem do País, para a sua economia.

IHU On-Line – Onde se cruzam os debates sobre a biodiversidade e a transgenia? Carlos Roberto Fonseca – Eu não acho que transgênicos sejam necessariamente maus. A transgenia é uma técnica, e como toda a técnica pode ser usada para o bem e para o mal. A energia nuclear foi usada na bomba atômica, mas nos levou à cura de muitas doenças, por exemplo. O mesmo ocorre com a transgenia. Pode se tornar uma preocupação quando procuramos desenvolver plantas que resistam a todas as pragas e colocamos essas plantas em um ambiente sem estudos como controlá-las, podemos estar produzindo pragas. Por outro lado, temos aspectos positivos, como a produção de remédios. Assim como a indústria farmacêutica precisa fazer uma série de estudos antes de colocar o remédio na prateleira, os experimentos transgênicos deveriam ser acompanhados por uma série de testes científicos, com estudos profundos, antes de liberar qualquer produto para o ambiente.

FLORESTA COM ARAUCARIA A última edição do IHU Idéias no mês de maio está marcada para o próximo dia 12. O tema a ser apresentado será Floresta com Araucária: riqueza faunística e ameaças ao bioma, sob a

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38 responsabilidade do Prof. Dr. Emerson Monteiro Vieira, da Unidade de Ciências da Saúde da Unisinos. Não haverá mais programação do IHU Idéias neste mês, em função da realização do Simpósio Internacional Terra Habitável: um desafio para a humanidade, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos, de 16 a 19 de maio próximos e do feriado do dia 26 de maio.

Sala de leitura A Prof.ª Dr.ª Cecília Maria Pinto Pires, professora no PPG em Filosofia da Unisinos, apresentará o livro de sua autoria, intitulado Ética da necessidade e outros desafios (São Leopoldo: Unisinos, 2004), na próxima edição do evento Sala de Leitura, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos. A palestra ocorrerá amanhã, dia 3 de maio, das 17h30min às 19h, na sala 1G119, junto ao IHU. Cecília Maria Pinto Pires é graduada e mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Fez também doutorado em Filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e obteve pós-doutorado pela Université Paris I, da França. Além da obra que será apresentada, Cecília Pires é também autora e organizadora de diversas outras, entre as quais citamos Reflexões sobre Filosofia Política. Santa Maria: Pallotti, 1986; Cometendo Poemas. Santa Maria: Ed. UFSM, 1993; Ética e Cidadania - Olhares da Filosofia Latino-Americana. Porto Alegre: Dacasa / Palmarinca, 1999 (org.); Vozes Silenciadas. Ensaios de Ética e Filosofia Política. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2003 (org.). O artigo que segue foi elaborado especialmente pela professora Cecília para o IHU On-Line. Confira aspectos da obra que será apresentada amanhã.

ÉTICA DA NECESSIDADE E OUTROS DESAFIOS Por Cecilia Pires

O tema da necessidade articula-se ao conceito de ética, na perspectiva de que há sujeitos sociais que constroem um comportamento regulado pela necessidade, pela carência, pela escassez. Ética da necessidade é um conceito que surge como um desafio teórico-prático, dentre outros desafios na esfera da Filosofia Política. O que é mesmo ética da necessidade? Por que eu assim identifico um certo tipo de comportamento dos humanos pela leitura da necessidade?! Talvez porque a ética nunca se preocupou com a escassez, com a carência, com a necessidade. Desde o discurso virtuoso dos gregos até o revolver nietzschiano da moral, o eixo reflexivo dos que se envolveram com as questões éticas foi a normatividade, a disciplina, o zelo pela virtude, o acatamento aos bons costumes, a obediência aos regulamentos das instituições, mas não há uma referência aos que constroem uma ética pelo viés da escassez. Os humanos podem, nas suas decisões estratégicas, destruir tudo, inclusive uns aos outros. Os que sobreviverem buscarão suprir suas necessidades, dentre elas o alimento e o abrigo serão as primeiras. Este é o registro que referencia e nivela os sujeitos, levando-os a construir formas de vida que garantam a continuidade da espécie. O que interessa destacar é que o sistema de necessidades não pode ser imposto e arbitrado de modo que se criem novas necessidades, de forma pública ou de forma privada. Eliminar as necessidades que fazem do indivíduo um mero meio para outro é um processo de larga duração; é a democracia como trabalho. A coexistência social se solidifica com a descentralização do poder, o que permite a crítica das necessidades, tornando possível o reconhecimento e a satisfação das mesmas sem usar o outro como meio. Como explicito, então, este conceito de ética da necessidade? É uma categoria que construo para identificar o estado de carência real de sujeitos ou de grupos sociais. Tal situação assume uma dimensão dramática na vida dos sujeitos, cujas carências e necessidades agridem a sua

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39 dimensão subjetiva e o seu ser social e produzem um comportamento em que o negativo do valor se configura de modo positivo, numa situação de beligerância e de dissimulação. A ética da necessidade evidencia a racionalização das carências entre os excluídos sociais. Essa racionalização se traduz em fatos: o pobre rouba do pobre e fortalece as ações dos ricos, na medida em que contribui para uma cumplicidade sombria, própria das franjas sociais. Essa caracterização apresenta-se na subjetividade do pobre, do excluído social, que afirma a lógica da necessidade, a qual, por sua vez, produz uma ética da necessidade, ou seja, um parâmetro valorativo regido pela escassez. Há um código de comportamento que orienta, empiricamente, as ações dos excluídos, quando buscam suprir sua falta. Aparece, também, a questão do desejo, nesse conjunto de racionalidades. A ante-sala da violência pode se construir neste cenário. É uma ética cujo fundamento é a superação da escassez, sem um projeto emancipatório e sem um cuidado moral. É o oposto da ética da responsabilidade e da ética da solidariedade. É outro movimento ético, articulado no espaço das subjetividades. Os despossuídos procuram suprir suas faltas de modo imediato, sem atenção a um projeto maior que resgate uma ação cidadã e democrática. É uma ética que se pauta por valores da urgência social, que não tem o tempo da vida e da sobrevivência para se envolver com a formalidade, com o regramento convencional. Postulo a idéia de que, nesse comportamento do excluído social, há valores desconsiderados pelas definições normativas, de bases universalistas ou discursivas. Há que se pensar, também, nesta articulação da convivialidade humana – uma ética vinculada à historicidade das subjetividades sociais, ambientada em determinações econômicas, políticas e culturais, fora das formas clássicas normalizadoras, para que se compreenda a ética como uma experiência dos humanos, nem sempre conformados aos quadros lógicos dos imperativos categóricos. Aparece, então, uma outra racionalidade subsidiada na lógica das carências, e não na lógica das satisfações. Esse imaginário caótico que identifico me induz a postular o conceito de ética da necessidade. Esse imaginário se apresenta reduzido às circunstâncias da falta, cujo pressuposto é a imanência, a imediatidade, a percepção de que há um corpo-consciência faminto, excluído da vida boa e justa, e excluído da vida feliz.

I Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia O tema Compreendendo a teoria de Keynes será apresentado pelo Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho, do Departamento de Ciências Econômicas, da UFRGS, na próxima edição do I Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia, promovido pelo IHU. O economista a ser estudado, John Maynard Keynes, nasceu em 1883 e faleceu em 1946. Sua principal obra é Teoria Geral do emprego, do juro e da moeda, publicada em 1936. O evento acontecerá na próxima quinta-feira, dia 5 de maio, das 14h às 17h, na sala 1G119, junto ao IHU. Ferrari Filho é graduado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Economia pela UFRGS, e doutor em Economia pela USP, tendo sua tese o título O setor externo em um contexto de economia nacional: uma interpretação keynesiana. Em 1996, obteve o título de pós-doutor pela University of Tennessee System, dos Estados Unidos. É organizador, ao lado de Luiz Fernando de Paula, do livro Globalização financeira: ensaios de macroeconomia aberta. Petrópolis: Vozes, 2004. O professor Fernando concedeu uma entrevista, por e-mail, ao IHU On-Line, na última semana. Confira, a seguir.

IHU On-Line - Como acontece a aceitação e, ao mesmo tempo, a crítica do capitalismo no pensamento de Keynes?

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40 Fernando Ferrari Filho - Em momento nenhum, Keynes, ao longo de suas principais obras e/ou através de suas análises e proposições de política econômica como policy adviser do Tesouro Britânico, queria que o capitalismo sucumbisse, muito pelo contrário, queria salvá-lo. A crítica de Keynes sempre foi direcionada aos princípios do capitalismo, ao laissez-faire, quais sejam, regime monetário padrão-ouro, Lei de Say37, auto-equilíbrio e auto-regulação dos mercados e teoria quantitativa da moeda. Como contrapartida, Keynes propõe um capitalismo administrado – liberal socialismo – em que as disfunções do mercado fossem corrigidas pela intervenção do Estado, tanto por políticas públicas quanto por medidas de natureza normativas imprescindíveis para a construção de um ambiente institucional favorável às tomadas de decisão dos agentes econômicos. Os ensaios de Keynes nos anos 1920, tais como The Economic Consequences of Mr.Churchill, The End of Laissez-Faire e Am I a Liberal?, e os acontecimentos econômicos que precederam a Grande Depressão são marcantes para sua idéia de se reformar o capitalismo.

IHU On-Line - Como o autor defendia a idéia do pleno emprego? Qual era sua idéia para que isso pudesse acontecer? Como vê o papel do estado? Fernando Ferrari Filho - Para Keynes, os principais problemas do capitalismo liberal eram o desemprego crônico e a iniqüidade distributiva da renda. No que diz respeito, especificamente, à questão do desemprego crônico, Keynes entendia que uma das características do capitalismo liberal eram as flutuações cíclicas de demanda efetiva e, por conseguinte, do nível de emprego. Portanto, os objetivos da política econômica deveriam estar centrados em dirimir as flutuações cíclicas de demanda efetiva e no arrefecimento da taxa de desemprego. Para tanto, Keynes defendia a adoção de políticas públicas – de cunho fiscal –, políticas monetárias contracíclicas e políticas de renda. Ao Estado caberia não somente operacionalizar políticas fiscais e de rendas, mas, principalmente, criar condições para o desenvolvimento de um ambiente institucional favorável às tomadas de decisões dos agentes econômicos, tanto de gastos de consumo quanto de gastos de investimentos. Em outras palavras, a intervenção do Estado era imprescindível para dirimir as crises de demanda efetiva.

IHU On-Line - Qual é o objetivo da Teoria Geral? Como ela se opõe às idéias do laissez- faire? Fernando Ferrari Filho - Dois são os objetivos da Teoria Geral: por um lado, mostra a lógica de funcionamento de uma economia monetária, negando, assim, o princípio de mercados auto- equilibrantes e auto-regulados; por outro, propõe medidas econômicas que evitem as flutuações cíclicas dos níveis de produto e de emprego. Para Keynes, flutuações de demanda efetiva e no nível de emprego ocorrem, porque, em um mundo no qual o futuro é incerto e desconhecido, os indivíduos preferem reter moeda e, por conseguinte, suas decisões de gastos, seja de consumo, seja de investimento, são postergadas. Essa é a principal oposição teórica à Economia Clássica: na Economia de Keynes, moeda nunca é neutra, ao passo que na Economia Clássica, moeda é neutra.

IHU On-Line - Qual é o principal legado de Keynes? Como ele pode iluminar uma época de globalização econômica? Fernando Ferrari Filho - O legado de Keynes é sua análise revolucionária acerca (1) de quais são as causas e as conseqüências das crises monetárias, (2) do princípio da demanda efetiva e

37 A lei de Say é uma lei econômica, que se manteve como princípio fundamental da economia ortodoxa até a grande depressão de 1930. Foi formulada por Jean-Baptiste Say (1767-1832), economista francês. (Nota do IHU On-Line)

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41 (3) da necessidade de se arquitetar uma ordem econômica mundial, entre outros. Com certeza, a teoria de Keynes nos ajuda a compreender as armadilhas da globalização econômica, caracterizada pelo capitalismo neoliberal e pela “financeirização” do capital. Essas têm sido responsáveis pelos resultados pouco auspiciosos dos indicadores de produção, bem como vêm impondo dificuldades adicionais à geração do emprego e à distribuição da riqueza global.

IHU On-Line - Que releituras contemporâneas considera mais interessantes do aut or e de sua teoria? Fernando Ferrari Filho - Para entender como se estrutura evolutivamente a teoria de Keynes, as leituras recomendadas são as seguintes: A Tract on Monetary Reform, de 1923, A Treatise on Money, de 1930, e a The General Theory of Employment, Interest and Money, de 1936. Dentre os ensaios de Keynes, destaco: The Economic Consequences of Mr.Churchill, The End of Laissez-Faire, Am I a Liberal?, Can Lloyd George Do It?, Economic Possibilities for Our Grandchildren e How to pay for the War, estão reunidos em Essays in Persuasion. The Economic Consequences of the Peace, que é uma leitura muito interessante e foi publicado em 1919.

IHU On-Line - Como o pensamento de Keynes poderia iluminar a realidade econômica e de desemprego vivida atualmente no Brasil? Fernando Ferrari Filho - Inequivocamente, políticas econômicas de cunho keynesiano são imprescindíveis para contrapor-se aos rumos da ortodoxia econômica em curso no País, desde o início dos anos 1990. Nesse particular, um grupo de economistas, todos identificados pela mesma matriz teórica, qual seja, pós-keynesiana, lançou, ao final de 2003, um livro, intitulado Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços38, que sinaliza propostas de política econômica que assegurem estabilidade monetária e crescimento econômico sustentável com inclusão social.

POR QUE LER KEYNES HOJE EM DIA? Por Bernard Maris

Traduzimos o artigo de Bernard Maris, sob o título acima, publicados na revista Alternatives Economiques, n.º 183, de julho-agosto de 2000. Bernard Maris, professor de economia na Universidade Paris V, é autor de vários livros, entre os quais citamos Keynes ou l’économiste-citoyen [Keynes ou o economista cidadão], Presses de Sciences-Po, 1999, e de La Bourse ou la vie [A bolsa ou a vida], em colaboração com Philippe Labarde, ed.Albin Michel, abril de 2000. Uma de suas obras foi traduzida para o português e intitula-se Carta Aberta aos Gurus da Economia que nos Julgam Imbecis. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2000. No ano de 2003 publicou Antimanuel d'économie. Paris: Breal. 2003.

O economista britânico é um dos únicos que expressaram a idéia de que a racionalidade não está no âmago do funcionamento do capitalismo. E a propor que a economia volte, enfim, ao segundo plano, após ter libertado o tempo humano.

38 João Sicsú, José L. Oreiro, Luiz F. R. Paula. (orgs.). Agenda Brasil. Políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de preços. Barueri : Manole e Fundação Konrad Adenauer, 2003. O livro é comporto por artigos de Carmem Feijó, Fernando Ferrari Filho, Fernando J. Cardim de Carvalho, Guilherme Jonas Costa da Silva, Helder Ferreira de Mendonça, Jennifer Hermann, João Sicsú, José Luís Oreiro, Luiz Fernando de Paula, Marco Crocco, Renaut Michel, Rogério Sobreira e Sidney de Castro Oliveira. (Nota do IHU On-Line).

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42 Ler Keynes, simplesmente porque ele propõe duas questões: Por que o capitalismo? E o que existe além? Os economistas não as fazem jamais. Para eles, este sistema bastante jovem na história da humanidade é um dado da análise e, sem dúvida, um dado eterno. Os economistas tratam das escolhas eficazes num sistema de propriedade privada ou pública, ou mista – a questão dos modos de propriedade também não é verdadeiramente fundamental. A busca sistemática de soluções eficazes impede situar historicamente a economia. Procura-se dispor da melhor maneira os peões na caixa. Mas, quem construiu a caixa? Por que a caixa? A forma da caixa é aceitável? Não está ela a ponto de se modificar porque se arranjam os peões no seu interior? São outras tantas questões sobre as quais o economista não gosta de se questionar. O economista moderno é retraído, receoso. Keynes faz soprar um vento de longe. A economia contemporânea não gosta dele, pois ela não gosta dos sistemas globais. Enfim, não os aprecia mais. O equilíbrio geral não conseguiu realizar todas as promessas atendidas em termos de eficácia. Um equilíbrio é, salvo casos muito excepcionais, ineficaz. Em outros termos, ele não é o melhor. Hicks39 escreveu Valor e capital contra Keynes, para tentar demonstrar que a economia estava indo “naturalmente” para um equilíbrio único. Ele propôs o modelo macroeconômico IS-LM, para tentar demonstrar que a “teoria geral” era um caso particular do modelo de equilíbrio geral. Hicks, homenagem lhe seja feita, reconheceu que ele se enganara completamente e que “era Keynes que tinha razão. Nós fomos vencidos.” Tendo feito esta constatação, a economia contemporânea se ensimesmou com um sucesso duvidoso para os equilíbrios parciais: questões (o preço do petróleo, o salário dos executivos, uma zona monetária ótima, a incitação ao trabalho, a cultura empresarial, etc.) que são reguladas por “todas as coisas iguais, por alhures”, este grande axioma do raciocínio econômico. De certa maneira, os mestres da economia contemporânea são gestores, indivíduos que procuram critérios de gestão ótima para problemas parciais. O fim da economia?, é o título de um artigo de Jean-Paul Fitoussi40, publicado em Le Monde há alguns meses41. Eis a resposta: sim, a macroeconomia está a ponto de morrer. Os economistas não existem mais. Lastimável vitória. Eu cito Fitoussi: “O interesse de participar em colóquios é o de aprender alguma coisa nova, mas eu devo dizer que, após já quase dois anos, eu retiro dessas participações uma forte impressão de algo já visto. Eu já não sei mais saber se ouvi tal ou tal proposição em reuniões científicas, ou se a li nos jornais. A distância notável entre as tecnologias complexas e cada vez mais sofisticadas da disciplina e a banalidade das conclusões não cessam de se ampliar.” O que espanta, na economia moderna – predominantemente a dos microeconomistas – é sua incrível banalidade. Ela oscila entre “café do comércio” e jornalismo (um cumprimento na ocorrência). Dixit [Disse-o]. Fitoussi. Eis porque é urgente reler Keynes. Ele foi tudo, salvo banal. E ele foi um economista puro.

O desequilíbrio, estado normal da economia

39 John R. Hicks (1904-1989) Sir John Richard Hicks, economista britânico, considerado uma das figuras mais destacadas do pensamento econômico do século XX, ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1972, dividido com K.J. Arrow, por suas contribuições pioneiras à teoria do equilíbrio econômico geral e a teoria do bem-estar. (Nota do IHU On- Line) 40 Jean-Paul Fitoussi, importante economista francês professor do Institut d'Etudes Politiques de Paris, e secretário geral da Association Internationale des Sciences Economiques. (Nota do IHU On-Line) 41 Este artigo não poderia ser publicado sem um trabalho comum sobre Keynes e Freud, efetuado com Gilles Dostaler, professor na universidade de Montreal, a quem sou grato. Gilles Dostaler é um dos grandes especialistas de Keynes, a quem se devem numerosos artigos e obras sobre o mestre de Cambridge. De Gilles Dostaler o IHU On-Line publicou dois artigos, um sobre Malthus e um sobre David Ricardo, na 138ª edição, de 25 de abril de 2005. (Nota do IHU On- Line)

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43 Keynes é um dos raros pensadores (com Weber42, Marx43, Mauss44 e Schumpeter45) a ter questionado: Por que o capitalismo? Por quê? Porque existe a moeda. Esta moeda que os clássicos e os neoclássicos, obcecados pela neutralidade, isto é, pela naturalidade da economia, ignoram. Repitamos: os neoclássicos construíram uma ciência da economia sem moeda. Era preciso fazê-lo. Quem diz moeda, diz tempo. Quem diz tempo, diz incerteza. Keynes é o primeiro a introduzir o tempo através da incerteza. Como pensar a economia – ainda os neoclássicos! – ignorando o tempo? O tempo e o dinheiro eliminados da realidade econômica... Quando se pensa nisso! Keynes é o primeiro a ter compreendido que o estado normal da economia é o desequilíbrio, e não o equilíbrio; a ter demonstrado que uma racionalidade individual conduzia a uma irracionalidade coletiva (exit [saiu] a mão invisível e, ainda uma vez, a otimização do equilíbrio). Por exemplo: se todo o mundo comprime os salários para reduzir os custos e maximizar os lucros, o sistema desmorona na superprodução. Ele propôs um sistema de mercado antiwalrassiano46, por meio do conceito de “mercado-multidão” (o concurso de fotografias do capítulo XIII da Teoria geral), mercado sem equilíbrio, um conceito que traz frutuosas pesquisas sobre os mercados bolsistas e sobre os mercados em geral. Keynes não apreciava Marx. E ele desprezava “o populacho grosseiro e mal-educado”. Mas, no final da Teoria geral, ele demonstra ser preciso adotar, sem remorso, a teoria do valor trabalho. Que os turiferários da criação de valor pelo corte de “gorduras” reflitam um pouco sobre isso. Acessoriamente, ele estabeleceu as bases das políticas monetárias e da política orçamentária; mas, francamente, isso é muito acessório – embora seja 99% do que é ensinado por Keynes. Ele se esforçou para lançar uma ponte entre o incerto radical e o incerto probabilizável e fracassou – se bem que, segundo o filósofo Bertrand Russell47, sua teoria das probabilidades permaneça profundamente original. Mas, não é por isso que é preciso ler Keynes. Tudo isso se sabe mais ou menos. É porque ele exprime, não em 1936 na Teoria geral, mas antes, uma hipótese que ninguém, a meu ver,

42 Maximillion Weber (1864-1920), sociólogo alemão, considerado um dos fundadores da Sociologia. Ética protestante e o espírito do capitalismo é uma das suas mais conhececidas e importantes obras. A edição brasileira mais recente foi publicada em 2004, pela Companhia das Letras, Rio de Janeiro. Com o título “Max Weber: a ética protestante e o “espírito” do capitalismo”.Cem anos depois”, o boletim IHU On-Line dedicou-lhe a sua 101ª edição,de 17-05-2004 (Nota do IHU On-Line. (Nota do IHU On-Line) 43 Karl Heinrich Marx (1818 – 1883), filósofo, cientista social, economista, historiador e revolucionário alemão, um dos pensadores que exerceram maior influência sobre o pensamento social e sobre os destinos da humanidade no século XX (Nota do IHU On-Line). 44 Marcel Mauss (1872-1950), sociólogo e antropólogo francês. Em sua obra, procurou distinguir uma ciência propriamente social (Nota do IHU On-Line). 45 Joseph Alois Schumpeter (1883 -1950), um dos mais importantes economistas do século XX. Nasceu no império Austro-Húngaro, atual República Checa, foi um entusiasta da integração da Sociologia como uma forma de entendimento de suas teorias econômicas. Seu pensamento estará em debate no I Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos. Será no dia 15 de setembro próximo, com a palestra do Prof. Dr Paulo Basto Tigre, da UFRJ. Antes disso, no dia 13 de agosto, em Porto Alegre, na Livraria Cultura, no evento Quarta com Cultura Unisinos o tema será abordado pelo Prof. Dr. Achyles Barcelos, da Unisinos (Nota do IHU On-Line). (Nota do IHU On-Line) 46 Refere-se a Walras, importante economista. Leon Walras Marie-Ésprit-Léon Walras (1834- 1910) economista francês, considerado por Joseph Schumpeter como "o melhor de todos os economistas". Era associado à criação da teoria geral do equilíbrio. Walras foi um dos três líderes da revolta marginalista, sendo seu maior trabalho, a obra Elements of Pure Economics (1874). (Nota do IHU On-Line) 47 Bertrand Arthur William Russell (1872-1970) considerado um dos mais influentes matemáticos, filósofos e lógicos do século XX. (Nota do IHU On-Line)

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44 ousa retomar, nem mesmo olhar de frente: que a racionalidade não está no coração da economia; que a racionalidade não está no coração do funcionamento do capitalismo.

A acumulação, uma pulsão mórbida Pode-se explicar racionalmente a acumulação? A poupança que se acrescenta à poupança? A sedimentação do capital, interminável, insaciável, ano após ano? Não. Um pequeno rodeio. Keynes era profundamente pacifista. Ele apresentou objeção de consciência em plena guerra de 14-18; ele escreveu As conseqüências econômicas da paz, um livro repleto de fragilidades, mas que é um apelo à União européia e uma advertência, desde 1919, à revanche que não deixaria de ocorrer se a Alemanha fosse estrangulada. Ele indicava que a pressão dos credores tinha qualquer coisa de intolerável e desumano. Sua fera negra é o emprestador, o capitalista, em relação aos quais ele recomenda negligentemente a “eutanásia” no final da Teoria geral. Que o impulso de morte dos homens se expressa na guerra econômica antes do que na guerra pura e simples, porque não! Montesquieu (“o único economista francês digno deste nome” – prefácio à edição francesa da Teoria geral) não está longe disso. Mas, na guerra econômica também, o impulso de morte está presente. Keynes era fascinado pelo mito de Midas, segundo o qual o desejo de riqueza mata o desejoso (Midas). Ele leu Freud. Ele o comentou apaixonadamente com os Woolf, os irmãos Strachey e seus amigos de Bloomsbury. A depressão é também psicológica. A Teoria geral deve mais a Freud que a Marshall48, Pigou ou Say – e não falamos de Walras, que ele finge ignorar. A poupança, o desejo de acumular, a neurose do lucro, “o pão que se transforma em pão até que ele se torne pedra”, têm para ele qualquer coisa de deletério e mórbido: ele duvida que o excesso de poupança e que a atitude poupadora, credora dos franceses e suas conseqüências deflacionárias, (“cidadãos sentados sobre seu pé-de-meia”, diz ele a seu propósito, e sobre o maior monte de ouro do período entre as duas guerras) não engendram uma destruição forçada, pela guerra. O que aconteceu.

Despender para o inútil O excesso de poupança tem algo de fatal. As nações enriquecem e então elas poupam mais, e elas envelhecem e então elas poupam mais ainda. É o que se produz hoje em dia. Regulamentar o problema da poupança excedente antes que as guerras não se encarreguem disso, é uma das obsessões keynesianas. Como? Primeira pista: a parte maldita: “Transformar os tugúrios de Londres em quarteirões magníficos, mais belos que os quarteirões burgueses”. “Esbanjar” em favor da estética, o teatro, as artes, o meio ambiente, etc. Despender para o inútil. Segunda pista: favorecer o espírito empresarial (o devedor) em detrimento do espírito de poupança (o credor). Mas, atenção, Keynes sabe pertinentemente que o empresário é da mesma farinha que o especulador da Bolsa. Não existe o bom empresário e o mau especulador. Isso é a versão para as choupanas socialistas. Um e o outro são jogadores, pessoas que têm necessidade de expurgar sua “abundante libido” na criação da empresa ou no jogo da Bolsa. O capitalismo,

48 Alfred Marshall (1842-1924), considerado um dos economistas mais influentes de seu tempo. Seu livro, Principles of Political Economy (1890) aborda as teorias da fonte e da demanda, da utilidade marginal e dos custos de produção. O pensamento de Marshall será abordado no I Ciclo Repensando os Clássicos da Economia, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos em duas sessões. A primeira será realizada dia 5 de outubro, na Livraria Cultura, em Porto Alegre, ocasião em que o tema A era industrial e a contribuição de Marshall será apresentado pela Profa. Dra. Maria Aparecida Grandene de Souza, da UFRGS. A segunda sessão ocorrerá na Unisinos, dia 20 de outubro, e quem conduz o debate é a Profa. Dra. Ana Lucia Gonçalves da Silva, da UNICAMP. (Nota do IHU On-Line).

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45 financeiro ou não, tem um conteúdo lúdico e cruel. Por que se é capitalista? Porque não se teve a chance, diz ele, de ser um escritor, um artista ou um sábio. Por falta de algo melhor, a gente se torna capitalista. “E é melhor exercer o seu despotismo sobre sua conta bancária do que sobre outrem”. Certo, salvo que o capitalista, engraçado e jogador como ele é, faz trabalhar os outros. Não é a exploração que está em causa, é o fato de que o trabalho é tempo perdido. Tempo perdido para a vida. Uma vida muito cultivada e muito epicurista que Keynes almeja para todo o mundo.

Além do capitalismo É preciso, portanto, que as atividades dos capitalistas sejam circunscritas, que eles tomem o hábito de jogar pouco, que a totalidade do dinheiro não passe por entre seus dedos. O que é preciso amordaçar de uma maneira ou de outra, é a insaciabilidade do capitalismo, insaciabilidade totalmente pueril, que faz com que o capitalismo, instinto de morte em obra, seja também um momento infantil da vida das sociedades. Aí ele encontra Marx: o capitalismo é um estado transitório e é preciso esperar que haja um além, pois o capitalismo não é a civilização. Ele é simultaneamente pueril e mortífero. Uma civilização chama imagens de equilíbrio, de ponderação, de medida, de harmonia. O contrário daquilo que traz o capitalismo. Esse além, contudo, não virá totalmente só, pela finalização da luta de classes. Ele não crê na luta de classes, ou antes, faz tempo que a classe operária a perdeu. Este além deve ser construído. Pode-se repreender a Keynes o seu esteticismo, o seu culto da amizade e das belas coisas da vida, mas não o fato de ele não ter sonhado no além do capitalismo. Keynes era estagnacionista, era antipopulacionista, como Mill. A Teoria geral termina, muito curiosamente, com um elogio de Sylvio Gesell, o teórico da moeda fundante, a moeda que permite a troca e interdita a acumulação. Que audácia, quando se sonha com isso! Ele era a favor da supressão da herança. Não é preciso ver nesta atitude uma enésima provocação, porém um dos meios bem concretos de resolver o problema da acumulação. Se um homem deve despender tudo o que ele acumula, ele acumulará pouco. Para ele, a herança era algo coletivo. Ele amava o passado, a genealogia, os vestígios, os móveis, as mesas, os monumentos. A idéia do patrimônio arquitetônico a legar aos netos o obcecava. E ele também amava as descobertas, as invenções. Ele estava prestes a financiar as idéias mais extravagantes, mas, jamais ele teria associado capitalismo e espírito de descoberta ou de curiosidade. Eis uma coisa muito moderna. Compreender que o espírito de invenção dos homens não está apenas ligado à economia de mercado, nem é amplificada por ela – como ele gostaria de fazer crer. O seu último livro será uma biografia de Newton, com quem ele se identifica. Um espírito universal, curioso de tudo, alto funcionário da moeda como ele, rico e especulador.

A economia de Keynes é lúdica Os economistas deveriam também ler Keynes para nele descobrir um gosto pronunciado pela história, as estatísticas, o empirismo, a intuição, a escritura. Ler Keynes libera, descomplexifica. Um homem que escreveu em substância, no momento de sua primeira lua de mel com Duncan Grant, que as estatísticas lhe dão um “prazer sexual”, não pode ser realmente mau. Um homem que diz, no final do Tratado das probabilidades, que sua obra peca, às vezes, por excesso de intuição e que, em duas ou três passagens, a autopersuasão e a força de convicção têm lugar de demonstração, é realmente um economista como a gente os quer: um economista do alegre saber, honesto, sabendo que a economia é uma retórica, um jogo de palavras, antes de ser

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46 uma ciência. A economia de Keynes é lúdica. Keynes teria adorado a teoria dos jogos por seu lado fútil, inútil e lúdico.

A economia reposta em seu lugar Será que ele realmente propôs um além do capitalismo? Sim, a gente o vê em filigrana na Teoria geral. Ela é uma economia em que a propriedade coletiva é importante, em que a guerra econômica é cuidadosamente controlada num espaço fechado que não pode abarcar toda a vida da sociedade, em que os empresários ganham pouco e jogam pouco, e jogam mais por jogar do que para ganhar. Em suma, uma economia em que o diabo é reposto na caixa. Uma economia em que a economia não é importante, primordial, em que ela é, enfim, restituída ao segundo plano, após ter liberado o tempo humano. Para que acumular, se essa acumulação vem acompanhada dum alcoolismo do trabalho? Esta pulsão mórbida que responde à pulsão mórbida da acumulação, não é ela a prova que o capitalismo, no fundo, é uma neurose? Eis o que pensava do “sempre mais” este homem morto por estafa e que só lastimou uma coisa: não ter bebido mais champanha.

III Ciclo de Estudos sobre o Brasil

O livro O Escravismo Colonial, de Jacob Gorender, foi tema de estudo da última edição do III Ciclo de Estudos sobre o Brasil, realizado dia 28 de abril último, na Unisinos. A obra foi analisada pelo Prof. Dr. Mário Maestri, do PPG em História da Universidade de Passo Fundo (UPF). Confira, na 138ª edição do IHU On-Line, de 25 de abril de 2005, a entrevista que Maestri concedeu sobre a obra de Gorender por ele apresentada.

Encontros de ética

PRESSA, DEPRESSA, DEPRESSÃO O título acima é o tema do evento Encontros de ética a ser realizado no próximo dia 9 de maio, das 17h30min às 19h, na sala 1G119, junto ao IHU. A palestrante será Simone Engbrech, psicóloga e psicanalista, graduada pela Unisinos. Simone é membro associado do Núcleo de Estudos Sigmund Freud (NESF), de Porto Alegre, no qual realizou sua formação em Psicanálise, e no qual é supervisora. Foi também coordenadora do Núcleo da Sociedade de Psicologia/RS, em São Leopoldo, de 1999 a 2001. É autora do livro Aprendendo a lidar com a depressão. São Leopoldo: Sinodal, 2001. Atualmente, Simone trabalha na área clínica, com adolescentes e adultos e coordena grupos de estudos sobre Metapsicologia Freudiana. A seguir, publicamos uma entrevista realizada com Simone, por e-mail, na última semana, na qual ela adianta aos leitores o tema a ser apresentado.

IHU On-Line - "Pressa, depressa, depressão" é como a senhora denominou a exposição que fará no próximo Encontro de Ética. Qual a relação que a senhora estabelece da vida apressada com a depressão? Simone Engbrecht - A depressão, em Psicanálise nomeada como melancolia, é um luto que não conseguiu concretizar-se. Ocorre uma perda cuja ferida não cicatriza. A depressão consiste numa baixa da auto-estima. Para compreendermos, portanto, como se forma a depressão é fundamental compreendermos como se desenvolve a auto-estima. Ela é formada do amor próprio, do amor recebido nas relações com os outros e, ao longo do amadurecimento do

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47 indivíduo, com base na realização de ideais. Este terceiro elemento vai adquirindo uma importância maior quanto mais crescida é a pessoa. Sempre que tornamos real algo planejado por nós, sentimos prazer e fortalecimento de nossa auto-estima. A fim de traçarmos ideais, precisamos construir uma possibilidade de adiamento, de uma flexibilidade em relação às frustrações. É aí que entra a questão da pressa. A impossibilidade de construção de ideais consistentes e uma sustentação dos mesmos ao longo de um tempo de espera é uma das razões para depressão.

IHU On-Line - Como a senhora relaciona esse tema com uma postura ética? Simone Engbrecht - Entendendo que depressão está relacionada à dificuldade em fazer luto e percebendo a dificuldade atual em tolerar as perdas inevitáveis no contato com o semelhante, podemos traçar uma relação entre o tema da depressão e da ética. Considerar as diferenças e a alteridade pressupõe uma postura ética.

IHU On-Line - No mundo contemporâneo, em que medida é possível (sobre)viver sem pressa? Trata-se de uma meta utópica, no melhor sentido da palavra? Simone Engbrecht - Falar em pressa é falar em tempo e velocidade. Sermos rápidos, velozes, é uma necessidade da vida na atualidade. Sermos apressados, porém, pode ser compreendido como estarmos mais envolvidos com o futuro do que com o presente. Essa pressa é que pode tornar a vida sem sentido, ou seja, sem sentirmos nada com ela. Como falei anteriormente, possuirmos ideais nos orienta para o futuro, mas há a necessidade de que o futuro seja uma orientação, e não uma impossibilidade de vivenciarmos o presente porque ele nos angustia.

IHU On-Line - Como preparar as organizações e instituições em geral para adotarem posturas de contenção à pressa daninha? Simone Engbrecht - Preparar, pré – parar. Escutando, numa parada anterior, simples ações. A reflexão sobre nossas ações é fundamental para a construção de conceitos e ideais que, quando realizados, trazem benefícios para a auto-estima dos indivíduos. Parece simples, mas o mais simples precisa de muito tempo, muitas vezes, para ser assimilado. A ligação de cada indivíduo com os ideais de um grupo enquanto trabalha é importantíssimo para sua identidade profissional e pessoal. Como escrevi no livro sobre depressão, precisamos saber, quando corremos com pressa, para onde estamos indo. Se estivermos correndo para fugir deste questionamento, a pressa pode ser “daninha” como vocês formularam nesta pergunta.

IHU On-Line - Qual é o estágio desse debate no Brasil? Qual é a sua posição relativamente ao debate desenvolvido em outras regiões do planeta? Simone Engbrecht - Hoje este é um tema de debate mundial, e cada país o discute em suas especificidades. A Psicanálise comemorou seus cem anos recentemente. Parece muito se pensarmos no tempo de vida de um indivíduo, mas podemos enxergá-la como muito nova ainda se estamos falando em História. Há pouco tempo, nomeamos e entendemos um pouco mais a respeito da complexidade deste tema. Vivemos num tempo onde o valor é dado à aparência e à superfície de tudo, os valores, portanto, não são fixos. O Brasil, o país dos jovens, ocupa-se atualmente com o crescimento da população idosa nos próximos anos. Esta é uma preocupação e uma preparação para novas formas de trabalhos, lazer, constituição dos grupos. Mais pessoas terão mais passado que futuro. Este é um tempo, portanto, de mudança da relação da sociedade brasileira com o tempo e de reflexão com esta questão da depressão.

IHU On-Line - A senhora gostaria de acrescentar outros comentários?

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48 Simone Engbrecht - Tolerar as frustrações e a dor não significa nos anestesiarmos diante da vida, ao contrário, significa utilizar as tensões como veículo propulsor de mudanças. Depararmo-nos com uma tendência à repetição, à estagnação e ao alívio de todas as tensões é nos depararmos com a morte. Por outro lado, possuímos impulsos que buscam prazer através da transformação dos nossos desejos em ideais. Refletir sobre o tema da depressão significa refletirmos sobre como se encontra a mescla entre estas duas tendências na atualidade.

Antígona é apresentada na Unisinos Na próxima semana, dias 5 e 6 de maio, às 19h30min, a Unisinos vai apresentar o espetáculo Antígona, no Anfiteatro Padre Werner. O objetivo do espetáculo é homenagear os calouros que ingressaram no curso de Direito da Unisinos. A atividade também pretende oferecer a todos os alunos a oportunidade de conhecerem esta obra de Sófocles, que apresenta como pano de fundo a discussão entre o Direito Natural e o Direito Positivo. Elogiada pelo público e pela crítica, Antígona conta com a direção de Luciano Alabarse, dramaturgia de Kathrin Rosenfield, tradução de Lawrence Flores Pereira e música especialmente composta por Arthur de Faria. Reunindo 35 pessoas em cena, a montagem traz a trajetória de Antígona, filha de Édipo, e sua determinação em desobedecer às leis tebanas, ditadas por Creonte, no que diz respeito a enterrar o corpo de seu irmão Polinices, considerado traidor da pátria. A peça é uma rara oportunidade de conhecer, na íntegra, um dos maiores textos teatrais de todos os tempos. Reunindo atores de gerações diferentes, com uma equipe técnica que selecionou alguns dos mais destacados profissionais das artes cênicas gaúchas, a peça se transformou em fenômeno de público, desde sua estréia, no ano passado, tendo cumprido temporada no Theatro São Pedro e Teatro Renascença, em Porto Alegre. Antígona é uma superprodução, onde o requinte dos figurinos, das luzes e dos cenários recriam a atmosfera grega da cidade de Tebas. O texto foi encenado na íntegra, sem nenhum corte. Os cuidados com a produção são a marca da montagem, mas a direção privilegia, apesar de todos os requintes visuais, o texto grego de 2.500 anos. Os ingressos para a apresentação do dia 5 de maio, quinta-feira, estão esgotados. Mas a compra antecipada para a apresentação do dia 6 de maio ainda pode ser realizada ao preço de R$ 10,00, na Cultural Store (Galeria Cultural da Biblioteca Unisinos) e nos ARs 1, 2, 3 e 5, localizados no câmpus da Universidade. Se ainda houver ingressos no dia da apresentação, os mesmos serão vendidos ao preço de R$ 10,00, no local, a partir das 18h30min.

A BANALIZAÇÃO TORNA A TRAGEDIA ATUAL

IHU On-Line entrevistou, por e-mail, na última semana, Kathrin Rosenfield, responsável pela dramaturgia da peça Antígona. Kathrin Holzermayr Lerrer Rosenfield é professora na UFRGS. Graduada em Letras pela Université de Paris III (Sorbonne-Nouvelle), da França, é mestre em Antropologia Histórica pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, da França. Sua dissertação intitula-se A reescritura da história na Literatura Medieval. É doutora em Ciência da Literatura pela Universidade de Salzburg, da Áustria, e pós- doutora pela École Normale Supérieure, da França. É autora de diversas obras, entre as quais destacamos História e Conceito na Literatura Medieval. São Paulo: Brasiliense, 1986; A Linguagem Liberada: Estética, Literatura, Psicanálise. São Paulo: Perspectiva, 1989; Grande Sertão Veredas - Roteiro de Leitura. São Paulo: Ática, 1992; Antígona - De Sófocles a Hölderlin. Porto Alegre: L&PM, 2000; e Sófocles e Antígona. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. Confira, a seguir, a íntegra da entrevista:

IHU On-Line - No cenário da dramaturgia, qual é o lugar de Antígona?

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49 Kathrin Rosenfield - É uma das peças mais apreciadas de toda a história do teatro. No entanto, é também uma peça-clichê, na qual o publico e os diretores costumam acomodar suas próprias fantasias políticas, religiosas, ideológicas. Do ponto de vista dramatúrgico, isso levou a encenações que quase sempre polarizam um problema cristão: a oposição nítida do bem e do mal - que representa um padrão estético e ético imposto pelo drama medieval, por um teatro que tinha finalidades de catequese. Na atual encenação de Porto Alegre, é contra o maniqueísmo dramatúrgico e ético que nós trabalhamos. A Antígona que Luciano encenou com base na minha proposta dramatúrgica representa uma inovação em três planos: restitui ao drama trágico o espetáculo (canto, música, dança); parte de uma interpretação que devolve aos dois protagonistas, Antígona e Creonte, sua envergadura trágica sem privilegiar a heroína como boa ou santa; focalizou o problema do paradoxo trágico, isto é, o problema legitimamente trágico do herói que não é nem bom, nem mau, porém reúne traços contraditórios numa figura que nós vemos como "bela".

IHU On-Line - Em tempos de Big Brother, há lugar para "antígonas" na cultura brasileira? Kathrin Rosenfield - Vivemos numa sociedade pluralista, muito fragmentada e mutante. Nesse tipo de sociedade, é sempre um pouco imprevisível o que "pega" ou não. Mas sempre abrem-se espaços... precisamente porque a banalização do tipo Big Brother também se esgota muito rapidamente. Além disso, essa banalização produz um vazio que faz retornar a angústia dos pavores míticos: o medo puro, que é precisamente aquilo que os mitos procuram estancar. Aliás: é notável que precisamente os tempos do Big Brother trouxeram, no cinema, o retorno dos temas míticos prediletos da tragédia (incesto, canibalismo etc.). Provavelmente a própria banalização tornou tão atual a tragédia, aqui e no mundo todo. Quanto à Antígona, dez mil pessoas já viram a peça em Porto Alegre. Isso pode ser pouco com relação ao público que assiste ao Big Brother, mas é um número significativo para o teatro que comprova a atualidade do trágico e de Antígona.

IHU On-Line - Consta que um dos "panos de fundo" de Antígona é a discussão entre o Direito natural e o Direito positivo. Como isso se manifesta na peça referida, em termos dramatúrgicos? Kathrin Rosenfield - Essa problemática desenha-se claramente no primeiro plano da peça: Antígona sente que deve enterrar o irmão morto e defende este costume ancestral que nós incluímos no Direito natural. Creonte tem suas razões de Estado para proibir este enterro: do ponto de vista simbólico, o Estado não pode honrar um traidor, agressor, inimigo... Nesta oposição nítida instala-se o drama cristão do bem e do mal que mencionei acima. No entanto, trata-se de ver que a tragédia de Sófocles é mais do que isso - muito mais: há a questão genealógica: quem pode e deve representar o Estado em Tebas, depois dos sucessivos miasmas que poluíram a cidade: É ai que entram inúmeras sutilezas que atrapalham tanto a solução de Creonte, como a de Antígona. Sófocles criou uma situação que não deixa solução juridicamente válida, para ninguém - eis o paradoxo, eis também o desafio para a dramaturgia: como representar no palco um impasse jurídico que ultrapassa de longe uma única oposição categorial.

IHU On-Line - Na mesma linha de raciocínio da pergunta anterior, também se observa que Antígona aborda o confronto entre a ordem política e os instintos humanos. Como essa contradição se expressa e, dela, quais as lições que se podem extrair para hoje? Kathrin Rosenfield - Hoje, mais do que nunca, sabemos que a política é feita não somente para dominar e limitar os instintos, mas ela é feita com os instintos. Esse é o ensinamento que a

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50 tragédia ousou representar em cena: o melhor que o homem faz para construir a civilização, ele o faz com os seus instintos mais ferozes e baixos. O problema é que nós somos muito indulgentes com nossos instintos e achamos que a tragédia é muito dura e inflexível. Mas a pergunta que ela nos faz: há um caminho do meio? E quando não há - o que fazer?

IHU On-Line - No que diz respeito aos papéis sociais femininos, quais as lições da personagem Antígona úteis à realidade contemporânea? Kathrin Rosenfield - Nesse plano, temos Antígona como grandioso primeiro exemplo de uma liberdade de espírito (não somente da heroína, mas também do poeta Sófocles) que sabe se livrar do terrível preconceito que pesa sobre as mulheres. Ismena é a figura tocante que nos mostra o peso avassalador do desprestigio, da falta de educação, da falta de valorização que transforma a mulher - a mulher que pode ser grandiosa como Antígona, igual a um herói masculino - em covarde e submissa escrava. Acho que a peça de Sófocles é extremamente válida até hoje. Ela mostra como os valores opressivos podem ser interiorizados, escravizando interiormente as mulheres. À revelia da consciência e da vontade, nós, mulheres, nos sujeitamos aos valores, desejos, exigências que nos são impostas pelos costumes que, hoje, estão em toda a parte; devido aos meios de comunicação a escravidão feminina tem malhas mais finas e invisíveis que agem de dentro sobre nós. Ismena e Antígona oferecem uma boa oportunidade para refletir sobre isso.

Especialistas discutem responsabilidade social na Unisinos Refletir de maneira transdisciplinar sobre os princípios teóricos e as práticas de responsabilidade social empresarial, possibilitar à comunidade acadêmica e em geral uma visão teórica e aplicada do que ela vem a ser hoje, bem como debater as oportunidades, dificuldades e perspectivas da sua promoção. Esses são os objetivos aos quais se propõe o Seminário sobre Responsabilidade Social Empresarial: Limites, Possibilidades e Perspectivas, organizado pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU), em parceria com nove cursos de graduação da universidade nos dias 8, 9 e 10 de junho. Uma variada programação com conferências, debates, oficinas e mesas-redondas deve estudar o tema nos seus mais diferentes aspectos. As seguintes universidades e instituições estarão presentes no Seminário: Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ), Unisinos, Unijuí, Univates, Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), Programa de Responsabilidade Social e IBASE. Para conhecer detalhes da agenda do Seminário sobre Responsabilidade Social Empresarial: Limites, Possibilidades e Perspectivas, visite o sítio www.unisinos.br/ihu

Simpósio Internacional Terra Habitável: um desafio para a humanidade Grandes nomes da física, da astrofísica, da biologia, da economia, do direito, da filosofia e da teologia estarão reunidos na Unisinos nos dias 16 a 19 de maio, no Simpósio Internacional Terra Habitável: um desafio para a humanidade. Assim, aqui estará o Prof. Dr. Günter Küppers, físico alemão discutindo o tema A vida no cosmos: auto-organização e caos. O boletim IHU On- Line nº. 122, de 8 de novembro de 2004, intitulado Teoria Quântica: novas concepções de realidade, publicou uma entrevista com o Prof. Küppers sob o título A simples relação de causa e efeito se tornou complexa.

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51 Do Brasil, estarão presentes os físicos Mario Novello, do Centro de Pesquisas Físicas do Rio de Janeiro, debatendo o tema A relatividade, a física das partículas e as origens do Universo. Da UFRJ, estarão presentes os físicos Luiz Pinguelli Rosa e Antonio Augusto Passos Videira. Nos três dias do Simpósio realizar-se-á o curso O caos dedilhado em planilhas Excel, orientado pelo Prof. Dr. Armando Lopes de Oliveira da UFMG. O mesmo professor debaterá a estrutura do universo e seus códigos físicos numa oficina do Simpósio. O Prof. Dr. Carlos Alberto dos Santos – UFRGS, apresentará, em outra oficina oficina, os episódios marcantes da vida de Einstein. Também será lançado um vídeo sobre Einstein durante o evento. Evolução, auto-organização e caos - uma visão filosófica é o tema da conferência magistral a ser proferida pelo Prof. Dr. Carlos Roberto Velho Cirne Lima – Unisinos. Por sua vez, a Profa. Dra. Karen Gloy, da Universidade de Luzerna na Suíça, descreverá os limites e as possibilidades da teoria dos sistemas para pensar a relação da humanidade com a Terra. O astrofísico francês, Jacques Arnould, do Centro Nacional de Estudos Espaciais de Paris, refletirá sobre os desafios para a teologia e a espiritualidade cristã que emergem de uma visão transdisciplinar da Terra. Ecologia e mística é o tema do curso de três dias, que será ministrado pelo Prof. Ms. Carlos James dos Santos do Cias/Ibrades de Brasília nos dias do Simpósio.

OS DESAFIOS DA TERRA PARA A ECONOMIA CONTEMPORANEA Preocupar-se com a habitabilidade da Terra é perguntar pela economia necessária e possível capaz de propiciar este objetivo. Serge Latouche49, da Universidade de Paris-Sul, exporá uma tese polêmica, já discutida nas páginas do IHU On-Line. O economista francês questiona radicalmente o paradigma do atual crescimento econômico. Certamente, a manhã da quarta- feira, dia 18 de maio, tem tudo para ser animada e provocativa. A economista Hazel Henderson, da Flórida (EUA), continuará o debate da manhã, numa outra perspectiva. Um curso de dois dias, sob a orientação do Prof. Dr. Marcel Bursztyn, da UNB, discutirá os fundamentos teórico-práticos do desenvolvimento sustentável. Dele, o IHU On-Line publicou uma entrevista na 100ª edição, de 10 de maio de 2004, sob o título Redefinir as necessidades básicas.

O DIREITO E A TEORIA DOS SISTEMAS Enquanto o Prof. Dr. Vicente de Paulo Barretto, da Unisinos, refletirá sobre o tema Ecoética, direitos humanos e patrimônio comum da humanidade, o Prof. Dr. Leonel Severo Rocha, coordenador do PPG em Direito da Unisinos, apresentará o tema Teoria dos sistemas e direito.

A COSMOLOGIA DE TEILHARD DE CHARDIN A dimensão espiritual da realidade do cosmos a partir de Einstein e Teilhard de Chardin é o sugestivo título da oficina que será ministrada pelo Prof. Dr. Paul Alexander Schweitzer, matemático, professor da PUC-Rio. Além do curso de três dias que aprofundará o debate da obra de Teilhard de Chardin, sob a coordenação do Prof. Dr. Pedro Magalhães Guimarães Ferreira – PUC-Rio, o Prof. Dr. Witold Skwara – UFPE, tratará, em duas oficinas, dos fundamentos cosmológicos de uma ecofilosofia em Teilhard de Chardin.

49 Serge Latouche economista, sociólogo e antropólogo, professor na Universidade de Paris-Sul e presidente da Associação Linha do Horizonte. É autor de, entre outros, Les Dangers du marché planétaire (Os perigos do mercado planetário). Paris: Editora Presses de Sciences, 1998. Latouche concedeu uma entrevista ao IHU On-Line n.º 100, de 10 de maio de 2004, na matéria de capa que tratou do decrescimento e desenvolvimento sustentável. (Nota do IHU On- Line)

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52 Sobre Teilhard de Chardin, também versarão dois minicursos: Teilhard de Chardin: uma leitura pós-moderna do cosmos? e A contribuição de Teilhard de Chardin para uma relação responsável com a terra, ministrados pelo Prof. Dr. Geraldo Luiz de Mori, do CES de Belo Horizonte e pelo Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior, da UFRN, respectivamente. O tema de capa do próximo número do IHU On-Line será a obra e a vida de Teilhard de Chardin, celebrando os cinqüenta anos do seu falecimento. Um vídeo sobre ele será lançado durante o Simpósio.

A VIDA E A OBRA DE BALDUINO RAMBO A vida e a obra de Balduíno Rambo, no centenário do seu nascimento, será o tema do curso de três dias a ser ministrado pelo Prof. Dr. Aldo Mellender de Araújo – UFRGS. Um vídeo sobre o mesmo tema será lançado durante o evento.

O DIALOGO DE HEISENBERG E NIELS BOHR EM COPENHAGEN Durante o Simpósio Internacional Terra Habitável: Um desafio para a humanidade, a Cooperativa Paulista de Teatro apresentará a peça teatral Copenhagen, uma trama de suspense, amizade, mistério e espionagem, tendo a questão nuclear, a ética e a responsabilidade dos cientistas como temas centrais. A peça fala de um explosivo e misterioso encontro que mudou o rumo da história. Em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, os pais da física quântica, Niels Bohr, judeu dinamarquês, e Werner Heisenberg, alemão encarregado do programa nuclear de Hitler, têm uma breve e secreta conversa sobre a construção da bomba atômica, em Copenhagen, então sob ocupação nazista. As diferentes versões deste encontro entre os dois renomados cientistas são revistas com os personagens já mortos, agora com a presença de Margrethe Bohr, mulher de Niels. O espetáculo revela as implicações das decisões humanas e um profundo pensar sobre o mundo e nossas vidas, usando a ciência como metáfora para fortes emoções. Prêmio Estímulo Flávio Rangel 2001 (Governo do Estado de São Paulo) e Prêmios Qualidade Brasil 2001: Melhor Direção e Melhor Espetáculo.

INSCRIÇÕES AINDA ABERTAS Ainda é possível inscrever-se para o Seminário Internacional Terra Habitável: Um Desafio para a Humanidade. Para estudantes o valor é R$ 60,00, e para profissionais, R$120,00. Pessoas físicas e jurídicas podem participar do evento. Maiores detalhes sobre as inscrições e a programação podem ser obtidos no sítio http://www.unisinos.br/simposio/terra-habitavel/

Cinema BR em Movimento QUASE DOIS IRMÃOS SERA EXIBIDO NO INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS

O maior circuito de exibição gratuita de filmes brasileiros, o Cinema BR em Movimento, – patrocinado pela Petrobras Distribuidora, dentro do projeto Petrobras Cultural – realiza, entre os dias 1º e 29 de maio, a sua primeira etapa de 2005, quando comunidades e universidades de todos os estados do País terão acesso gratuito ao melhor do cinema nacional atual. O primeiro longa-metragem a ser exibido este ano, no Circuito Universitário é Quase Dois Irmãos, de Lucia Murat. Nos anos 1970, quando o País vivia sob a ditadura militar, muitos presos políticos foram levados à Penitenciária da Ilha Grande, na costa do Rio de Janeiro, e ficavam nas mesmas galerias que assaltantes de bancos. Ambos estavam submetidos à Lei de

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53 Segurança Nacional. O encontro entre esses dois mundos é parte importante da história da violência que o País enfrenta hoje. Quase Dois Irmãos mostra como essa relação se desenvolveu e o conflito estabelecido entre eles através de dois personagens: Miguel, um jovem intelectual de classe média, preso político na Ilha Grande, e hoje deputado federal, e Jorge, filho de um sambista que, de pequenos assaltos, transformou-se num dos líderes do Comando Vermelho. Entre o conflito e o aprendizado, nasceu o Comando Vermelho, que mais tarde passou a dominar o tráfico de drogas. O filme tem como pano de fundo a história política do Brasil nos últimos 50 anos, contada também através da música popular, o ponto de ligação entre esses dois mundos. Hoje começa um novo ciclo: Miguel tem uma filha adolescente, que fascinada pelas favelas e pela transgressão, envolve-se com um jovem traficante. Na Unisinos, a exibição de Quase Dois Irmãos será no dia 25 de maio, às 16h, na sala 1G119 do Instituto Humanitas Unisinos. A sessão, que será seguida de um debate, é aberta a toda a comunidade universitária.

Ficha técnica Direção: Lúcia Murat Roteiro: Lúcia Murat e Paulo Lins Produção: Lúcia Murat Produção Executiva: Aílton Franco JR e Branca Murat Musica: Gênero: Drama Tempo de Duração: 102 minutos Ano de Lançamento (Brasil): 2004 Censura: 16 anos

Unisinos lança projeto de educação continuada para professores Aconteceu nos dias 26 e 27 de abril, o primeiro Curso de Capacitação dos Professores das Escolas Públicas do Ensino Fundamental - Anos Iniciais, coordenado pelo Núcleo de Formação Continuada de Profissionais da Educação (NUPE) da Unisinos. Professores de 80 municípios de todo Rio Grande do Sul participaram da atividade. O NUPE é constituído por uma equipe de professores, coordenados pela Profª. Flávia Mädche, ligado à Unidade Acadêmica de Educação Continuada da Unisinos, e seu objetivo é proporcionar serviço de capacitação docente para a formação continuada de professores da rede pública do país, em Educação Matemática e Científica, na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. Os professores que participaram do processo de formação na semana passada, retornaram aos seus municípios, organizando grupos de estudos com outros professores que atuam nas escolas. Estes, por sua vez, passarão a integrar a rede de formação, recebendo assessoria à distância por parte da equipe de professores da Universidade. A Unisinos, entre 180 universidades brasileiras que se candidataram a fazer o trabalho, foi selecionada pela qualidade do seu projeto. O trabalho é um convênio entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC), Secretaria de Educação Básica e a Unisinos. No Estado, o projeto vem sendo desenvolvido em parceria com o Conselho de Secretários Municipais de Educação (Conseme) e a Federação dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs). Para obter mais detalhes sobre o NUPE, visite o sítio http://www.unisinos.br/nupe

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54 10 mil pessoas na 10ª Romaria do Trabalhador e da Trabalhadora em Caxias do Sul Num domingo cheio de sol, 10 mil pessoas, vindas de todos os rincões do Rio Grande do Sul, se reuniram, em Caxias do Sul, ontem, dia 1º de maio, para discutir o tema: Trabalho: fonte de dignidade, direito de todos. Segundo a assessoria de imprensa da diocese de Caxias do Sul, “a expectativa de público projetada pela organização da 10ª Romaria do Trabalhador se confirmou: em torno de 10 mil pessoas participaram do evento”. Segundo a diocese, “na abertura da Romaria do Trabalhador, ainda na avenida Rubem Bento Alves, local da concentração, o bispo da diocese de Caxias do Sul, Dom Paulo Moretto, deu as boas-vindas aos romeiros presentes. Na seqüência, falaram ainda o representante da Pastoral Operária do Rio Grande do Sul, Frei Orestes, o Padre Inácio Neutzling, da Unisinos, que fez uma contextualização da Romaria e falou sobre o significado do tema escolhido para a edição deste ano, e o Prefeito de Caxias do Sul, José Ivo Sartori”. Foi, sem dúvida, o maior e mais significativo ato público no Rio Grande do Sul, no dia do trabalhador de 2005. Entidades sindicais do estado e da região, movimentos sociais, populares, pastorais sociais, movimentos eclesiais, comunidades e grupos de jovens estiveram presentes com suas faixas, cartazes, camisetas e material de divulgação. Comunidades do interior de Passo Fundo, por exemplo, durante meses, promoveram chás, jantas e sorteios para financiar o aluguel dos ônibus que trouxeram os romeiros até Caxias. Após uma caminhada de aproximadamente três quilômetros, entremeada de encenações, cantos e palavras de ordem, a multidão se concentrou nos Pavilhões da Festa da Uva. Sete bispos gaúchos presidiram a celebração da eucaristia. A multidão atenta, entremeando cantos, orações e silêncios, celebrou a luta por trabalho. Na abertura da caminhada, foi enfatizado que este primeiro de maio acontecia num momento em que se discute a reforma sindical, preparando a reforma trabalhista. A Romaria assumiu o compromisso de discutir essas reformas na linha da ampliação dos direitos, e não na extensão da precarização das relações de trabalho para todos os trabalhadores. A Unisinos, durante os dois anos que antecederam o evento, assessorou, por intermédio do Instituto Humanitas Unisinos, a diocese de Caxias do Sul na organização e realização da Escola de Formação Política e nos seminários preparatórios para a Romaria. D. Paulo Moretto, bispo de Caxias do Sul, expressou publicamente, durante a celebração eucarística, o agradecimento à Unisinos por esse serviço. Segundo o jornal Estado de S. Paulo, 2-5-05, “em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, mais de 10 mil pessoas participaram da 10.ª Romaria do Trabalhador. O maior evento do Dia Internacional do Trabalho no Estado”. Já para a Zero Hora, jornal da RBS, o evento foi noticiado numa pequena nota, sem falar do número de participantes e do conteúdo da Romaria. Lendo a nota do jornal gaúcho, tem-se a impressão que se tratou de um mero encontro de bispos. Por sua vez o Jornal do Comércio dá, entre os jornais gaúchos, o melhor destaque para a Romaria. Informa que mais de 8 mil pessoas estiveram presentes e que a tônica do evento foi a exigência pela mudança do atual modelo econômico.

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55 IHU REPÓRTER

Brasília Bernadete Rosson

Na edição desta semana, os leitores do IHU On-Line conhecerão aspectos da história de vida da professora Brasília Bernadete Rosson, que ensina nas Ciências Jurídicas e nas Ciências Humanas da Unisinos. Brasília se define como uma pessoa autêntica e reservada, que gosta de ter liberdade para poder fazer escolhas. A professora que tem como hobby a pintura, integrou, por um período, o eixo de concentração Ética, do Instituto Humanitas Unisinos.

Origens – Nasci em Passo Fundo, em uma família de origem italiana. Meus bisavós vieram da região de Belluno, na Itália. Sou a filha mais velha de seis irmãos. Meu pai foi jogador de futebol e, posteriormente, responsável pelas funções administrativas do Clube Esportivo Gaúcho de Passo Fundo. Algum tempo depois, ele se tornou empresário da área de diversões, inclusive como apresentador de shows artísticos. Minha mãe cuidava da casa e dos filhos.

Família e formação inicial – Quando eu tinha cinco anos de idade, meu pai comprou um Parque de Diversões. Em função disso, a família passou a viajar por muitos lugares. Nossa casa era um trailer, onde morei até os 22 anos. Dos 6 aos 7 anos, estudei no Colégio Notre Dame, em Passo Fundo. Depois, estudei em um colégio interno, em Palmeira das Missões, chamado Pio X. Minha vontade era de acompanhar a família com as viagens para onde o Parque de Diversões ia. Então, aos 11 anos, voltei a viajar e conhecer diversos lugares. Nesse período, estudei em várias escolas, até o final do ensino médio, passando, ao todo, por cerca de 75 escolas. Essa mudança constante de ambiente foi muito rica por três razões: a primeira, porque me proporcionou uma visão de mundo e de realidade mais ampla; a segunda porque me ensinou o processo do desapego, em função de deixar amizades feitas em cada local; e a terceira porque me deu facilidade de adaptação em novos ambientes. Foi através das experiências adquiridas nesses lugares e com as pessoas que conheci, que comecei a ter contato com a Filosofia e a Psicologia, por meio de obras de Freud e Gabriel Tarde.

Viés artístico e pintura – Dos 15 aos 20 anos, tive uma experiência no teatro. Aprendi a fazer e montar cenários, fui atriz e até auxiliar de mágico. Foi através dessas vivências que descobri e desenvolvi meu viés artístico. Hoje ele se dá pela pintura. Meu estilo é expressionista (sublime), mas como todo artista tem fases, às vezes, os modelos e as formas dependem do espírito do momento. Pintar, para mim, significa viver momentos de serenidade e equilíbrio.

Formação – Tive a intenção inicial de cursar Psicologia, pois me encantava observando as pessoas no Parque de Diversões. Depois, descobri que não conseguia esclarecer minhas próprias dúvidas, então como iria ajudar os outros? Optei pela Filosofia como um caminho para a busca do autoconhecimento. Em 1979, comecei a graduação em Filosofia na Unisinos, concluindo em 1981. Nessa época, mais da metade dos meus colegas era seminarista.

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56 Também estudei com o professor Justino Adriano da Silva, que hoje é meu colega de docência nas Ciências Jurídicas da Unisinos. Ele me sugeriu que escolhesse alguma disciplina do Direito ao cursar as optativas do curso de Filosofia. Decidi aceitar a sugestão. Gostei e fiquei. De 1980 a 1985, cursei Direito na Unisinos, paralelamente à Filosofia. Em 1992, ingressei no mestrado na PUCRS, e defendi minha dissertação em Filosofia Medieval, em 1997.

Profissão – Em 1982, comecei minha carreira de professora, no Estado, dando aulas de História na Escola Estadual de 2º grau 31 de Janeiro, em Campo Bom. De 1988 a 1996, dei aulas também para turmas de ensino médio na Escola Estadual Sapiranga. A partir de 1985, paralelamente ao magistério, atuei como advogada, por quatro anos, na mesma cidade, junto com o meu irmão, que também é advogado. Em 1989, a Unisinos estava precisando de professores nas Ciências Humanas e eu me candidatei à vaga. Comecei a trabalhar naquele ano. Em 1991, fiz um concurso interno para dar aula também no curso de Direito, onde estou até hoje. Em 1996, deixei o magistério estadual para me dedicar ao ensino superior e ao mestrado.

Relação com os alunos – Para mim, a sala de aula é uma experiência de aprendizado, onde também sou aluna, pois aprendo sempre. A cada nova proposta apresentada aos alunos, sou positivamente surpreendida. Ultimamente, tenho feito experiências enriquecedoras de aprendizado com eles.

Nova morada e opção de vida – Vivi com minha família até o ano passado. Sou solteira por opção de vida, por convicção. Hoje moro em Ivoti, pois me considero provinciana. Gosto de lugares pequenos, onde possa conhecer de verdade as pessoas e construir relacionamentos autênticos.

Viagens – De 1991 a 1998, vivi uma fase de viagens. Foi um período rico, em que tive a oportunidade de pesquisar, obter novos conhecimentos e ir em busca das minhas origens européias.

Autores – David Hume, Umberto Eco, Raimundo Lúlio, Nicolau de Cusa, Edith Stein, São João da Cruz, Donaldo Schüler, Camões, James Joyce, Goethe, Norberto Bobbio, Ronald Dworkin, Carlos Drummond de Andrade, Jean-Yves Leloup.

Livros – A Metafísica do Belo, de Arthur Schopenhauer; e A Farmácia de Platão, de Jacques Derrida.

Filme – Gosto de documentários e filmes biográficos. O documentário que mais me marcou foi Edifício Máster, e as biografias que destaco são as de Giordano Bruno e Lutero. Também gostei muito do filme Paixão de Cristo, tirando o aspecto da violência exagerada.

Um presente – A amizade.

Nas horas livres – Medito, leio, cuido do jardim e pratico algumas atividades manuais e artísticas.

Um sonho – Ter tempo, no futuro, para me dedicar quase que exclusivamente à pintura, e conhecer as cidades de Jerusalém, Istambul e alguns países do extremo Oriente.

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Momentos marcantes – Certa vez, quando eu estava na cidade de Figueras, perto de Barcelona, na Espanha, visitei o Museu de Salvador Dalí. Aquele momento me marcou profundamente. Fiquei deslumbrada com tudo o que vi. Salvador Dalí é mais do que um pintor, é um gênio. Também me marcou meu primeiro dia como professora e algumas situações vividas no período da ditadura militar, quando, às vezes, tínhamos que entrar na Universidade, passando pela guarda armada do Exército, que fazia manobras na porta da Unisinos.

Unisinos – Quando comecei como professora na Unisinos, o sistema universitário da época era compartimentado, isto é, os centros de ensino tinham dificuldades de se comunicarem entre si. Hoje, com essa visão transdisciplinar, adotada com coragem pela Unisinos, vejo realizado um sonho de universidade que coincide com o projeto ideal que tenho de ensino universitário, e pelo qual venho lutando por mais de 10 anos. Hoje, a Unisinos é uma universidade de verdade, completa, que oferece ensino, pesquisa, extensão, formação integral e continuada. Ela merece o título que tem.

Instituto Humanitas Unisinos – Fui representante dos professores das Ciências Jurídicas no Núcleo de Humanismo Social Cristão na Unisinos. Por essa razão, tive o privilégio de integrar a equipe da área de concentração Ética, Ciência, Cultura e Cidadania do Instituto Humanitas Unisinos, quando da sua criação. Hoje essa área de concentração transformou-se no eixo temático Ética. Vejo o IHU como o núcleo da transformação que a Unisinos vive hoje. Ele tem o papel de ponte entre os cursos, como um espaço de discussão transdisciplinar. Além disso, tem uma tarefa social importante, estendendo suas atividades não apenas no plano interno da Unisinos, mas integrando Universidade e sociedade. Essa é uma entre as tantas riquezas do IHU. O aspecto da espiritualidade e da alta produtividade do Humanitas também merece destaque.

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EXPEDIIENTE: IHU On-Line é uma publicação semanal do Instituto Humanitas Unisinos – IHU – , da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. Diretor do IHU: Prof. Dr. Inácio Neutzling ([email protected]). Diretora Adjunta: Profª Dr.ª Hiliana Reis ([email protected]). Gerente Administrativo: Jacinto Schneider ([email protected]). Redação: Inácio Neutzling, Sonia Montaño ([email protected]), Pedro Luiz S. Osório ([email protected]) Mtb 4579, e Graziela Wolfart ([email protected]). Revisão: Profª Mardilê Friedrich Fabre ([email protected]). Consultoria: Agência Experimental de Comunicação (AgexCom). IHU On-Line circula às 2ªs feiras via e-mail e pode ser acessado no sítio www.ihu.unisinos.br. Sua versão impressa circula na Unisinos terças-feiras pela manhã, a partir das 8h. Endereço: Av. Unisinos, 950 – São Leopoldo, RS. CEP 93022-000 E-mail: [email protected] . Fone: 51 591.1122 – Ramais 4121 ou 4128. E-mail do IHU: [email protected] . Ramais: 1173 e 1195.

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