A Paisagem Do Pontal Do Paranapanema - Uma Apreensão Geofotográfica

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A Paisagem Do Pontal Do Paranapanema - Uma Apreensão Geofotográfica A paisagem do Pontal do Paranapanema - uma apreensão geofotográfica Messias Modesto dos Passos Departamento de Geografia, Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, 87020-900, Maringá, Paraná, Brasil. RESUMO. O desmatamento irregular de mais de 240 mil hectares da Grande Reserva do Pontal, entre 1945 e 1965, para a implantação de grandes fazendas de gado ou de pequenos sítios de 5, 10 e 15 alqueires, em torno de núcleos urbanos, ao lado da preservação da Reserva Florestal do Morro do Diabo como verdadeiro enclave, assim como a implantação da Destilaria de Álcool Alcídia S/A, com cerca de 15 mil hectares de terras próprias, a construção das grandes usinas hidrelétricas de Taquaruçu, Rosana e Porto Primavera e a atuação do MST pela Reforma Agrária no Pontal do Paranapanema, criam um mosaico de paisagens e feições regionais em uma área originalmente homogênea e que agora oferece uma gama de aspectos e problemas muito interessantes, em função de suas diferenciações antrópicas. Neste artigo abordaremos o processo de construção da paisagem a partir de uma leitura fotográfica/imagem e da apreensão das unidades básicas diferenciadas, sobretudo, a partir da ação antrópica e, ainda, em um esforço de síntese, os fluxos que contribuíram para a evolução paisagística nessa parcela do território paulista. Palavras-chave: Pontal do Paranapanema, paisagem, geofotografia. ABSTRACT. The landscape of Pontal do Paranapanema - a geo-photography apprehension. The irregular deforestation of more than 240 thousands of hectares from Grande Reserva do Pontal, from 1945 to 1965 for the implementation of large cattle farms or small farms of 5, 10 and 15 acres around urban locations; the preservation of Reserva Florestal do Morro do Diabo - as a real clasp; the implementation of Alcohol Distillery Alcídia S.A.(around 15 thousand hectares of land); the construction of the large hydroelectric plants of Taquaruçu, Rosana and Porto Primavera and the MST´s (Brazilian Landless Rural Workers Movement) action for the agrarian reform in Pontal do Paranapanema create a mosaic of landscapes and regional features in an originally homogeneous area. This area offers a set of very interesting aspects and problems because of its anthropic differentiation. In this paper, the landscape construction process will consider a photographic/image view and the apprehension of the differentiated basic units, mainly from the anthropic action. In a synthesis effort, the flows that contributed to the landscape evolution in this region will also be approached. Key words: Pontal do Paranapanema, landscape, geo-photography. O recorte geográfico englobando os atuais municípios de Mirante do Paranapanema, Sandovalina e Marabá Paulista O Pontal do Paranapanema ocupa a porção constituíam um espaço paulista marginalizado e que extremo oeste do Estado de São Paulo. É uma preferimos chamar de “Grande Pontal”. “mesopotâmia”, limitada ao norte pelo rio Paraná, Os “plantadores e pioneiros” do oeste paulista ao sul pelo rio Paranapanema, a oeste pela caminharam junto à linha de ferro que se confluência desses dois rios. O seu limite leste estabeleceu ao longo dos espigões. Foram surgindo, deslocou-se ao sabor do avanço da fronteira assim, cidades como Presidente Prudente (1917), agrícola. Atendendo às características do processo Presidente Bernardes (1919), Santo Anastácio de ocupação, optamos pelo ribeirão das Anhumas - (1920), Presidente Venceslau (1921) e Presidente vertente do rio Paraná - e pelo ribeirão do Engano Epitácio (1922), esta última na barranca do Rio ou Santo Antônio - vertente do rio Paranapanema -, Paraná. Dessa forma, a porção sudoeste distante da como seu limite leste (Figura 1). ferrovia ficou marginalizada e, vagamente, Podemos chamar essa área acima delimitada de denominada de Pontal. “área core do Pontal”, tendo em vista que, no início da década de 40, uma porção territorial maior, Acta Scientiarum. Human and Social Sciences Maringá, v. 26, no. 1, p. 177-189, 2004 178 Passos LOCALIZAÇÃO DA ÁREA EM ESTUDO Destilaria de Álcool Alcídia S/A, com cerca de 15 mil hectares de terras próprias, a construção das grandes usinas hidrelétricas de Taquaruçu, Rosana e Porto Primavera e a atuação do MST pela Reforma Agrária no Pontal do Paranapanema, criam um São Paulo mosaico de paisagens e feições regionais em uma Presidente área originalmente homogênea e que agora oferece Ve nces lau MATO GROSSO DO SUL uma gama de aspectos e problemas muito Presidente Prudente interessantes, em função de suas diferenciações antrópicas. Mirante do UHE Paranapanema Lagoa Bonita Porto Primavera Lagoa São Paulo AS RESERVAS FLORESTAIS DO EXTREMO Teodoro OESTE DO ESTADO DE SÃO PAULO Sampaio Presidente Epitácio UHE Capivara Presidente Venceslau UHE Taquaruçu UHE Rosana ESCALA Porecatu PARANÁ SP 40 km - F 0 20 Grande Reserva do Pontal 27 E 0 P Organização: Messias Modesto dos Passos A S Digitalização: Jailton Dias A Reserva Florestal do Morro do Diabo Presidente Prudente Figura 1. Localização do Pontal do Paranapanema no sudoeste ESCALA do Estado de São Paulo. 0 102030 km A S A o P n a E g F n E o d o ã r i e b 9 i 2 Morro do R 4 - Diabo P Teo doro S Com a chegada da fronteira agrícola (1940) na Sampaio área do atual município de Mirante do N Paranapanema, teve início o processo de FONTE: Procuradoria do Patrimônio Imobiliário Organização: Messias Modesto dos Passos Digitalização: Jailton Dias desmatamento e ocupação agrícola, com base e Cadastro (Presidente Venceslau) essencialmente na cultura do algodão e do Figura 2. As reservas florestais do Pontal do Paranapanema. amendoim. Nesse momento, a fronteira agrícola não ultrapassou os ribeirões de Santo Antônio e das Neste artigo, abordaremos o processo de Anhumas, que passaram, assim, a limitar duas construção da paisagem a partir de uma leitura porções de ocupação bem diferenciadas: a leste, uma fotográfica/imagem e da apreensão das unidades ocupação agrícola que provocou uma morfogênese básicas diferenciadas, sobretudo, a partir da ação muito agressiva, resultando num rápido exaurimento antrópica e, ainda, em um esforço de síntese, os do solo, com erosão e assoreamento dos córregos e, fluxos, que contribuíram para a evolução a oeste desses ribeirões, a mata semidecídua, que paisagística nessa parcela do território paulista. somente mais tarde passou a ser substituída pelas pastagens (1945-1965), com uma evolução dinâmica Por uma leitura fotográfica da paisagem característica, diferenciada da anterior. “ ...J´ai découvert que lire un paysage, c´était lire le Na verdade, a “área core do Pontal” passou a se temps” diferenciar do “Grande Pontal”, sobretudo a partir P. Chaunu, 1988 de 1941, quando o Governo Estadual se interessou pelas suas matas e as transformaram em Reserva A fotografia e a paisagem Florestal. Nesse momento, eram cerca de 284 mil A fotografia, desde o seu aparecimento, entrou hectares reservados, visando “à conservação da flora na paisagem. Sua invenção, consecutiva à e fauna estadual e o futuro estabelecimento de valorização do quadro pictural, veio para contribuir florestas protetoras, remanescentes ou modelos”, na na renovação de um sistema de representação em forma prescrita pelo Código Florestal de 1934 mutação. A fotografia não tomou unicamente o (Figura 2). lugar da pintura, ela, ao mesmo tempo, modificou as Desses quase 284 mil hectares, hoje só restam especificidades operatórias, o caráter do dispositivo cerca de 35 mil, concentrados na Reserva Estadual de artealização. Nossa sensibilidade em relação aos do Morro do Diabo, que foi convalidada pela Lei de lugares foi afetada. Nossa cultura paisagística Terras e editada por meio do Decreto-Lei 14.916 de passou a ser informada de maneira diferente. A agosto de mil novecentos e quarenta e cinco. qualidade do nosso olhar se modificou. O desmatamento irregular de mais de 240 mil A generalização e o uso utilitário da fotografia hectares da Grande Reserva do Pontal, entre 1945 e constituíram, ao longo dos anos, uma ferramenta de 1965, para a implantação de grandes fazendas de registro e de restituição das paisagens. gado ou de pequenos sítios de 5, 10 e 15 alqueires, Quando o geógrafo Jean Brunhes e o mecenas em torno de núcleos urbanos, ao lado da preservação Albert Kahn lançaram a operação “Arquivos do da Reserva Florestal do Morro do Diabo, como um Planeta”, não deixaram nenhuma dúvida sobre a verdadeiro “enclave”, assim como a implantação da Acta Scientiarum. Human and Social Sciences Maringá, v. 26, no. 1, p. 177-189, 2004 A paisagem do Pontal do Paranapanema 179 finalidade dessa operação: realizar um inventário em geral, de não visualizar uma paisagem tal qual fotográfico da superfície do globo ocupada e ela é, mas, de preferência, de representar uma certa organizada pelo homem, tal qual ela se apresentava idéia dessa paisagem. A interpretação, no início do século XX. Jean Brunhes se inscreveu contrariamente ao que se poderia acreditar, não é no coração do projeto científico da geografia totalmente aberta, mas priorizada para certas clássica, herdeira direta do paradigma da vue conclusões. Essa manipulação da imagem da raisonnée vidaliana: observar para classificar e paisagem, como da imagem de todo objeto de estudo pensar as famílias dos fatos geográficos. Ele científico, faz parte da atitude de pesquisa e está a produziu um sentido científico a partir da jusante da fase de apresentação dos resultados: “a observação fotográfica. prática experimental passa pela pesquisa de um Poderia se identificar duas maneiras de ponto de vista, de um olhar orientado sobre os fotografar uma paisagem, a primeira, considerando o objetos [...]. E para desvendar, construir, produzir registro poético, levaria a apresentação de uma seus objetos científicos os pesquisadores passam seu “realidade em gênese”. A segunda maneira seria tempo a arranjar objetos de laboratório (imagens, simplesmente uma atividade de arquivagem do real. instrumentos, fichas...) e a realçar os espaços de Se esta última maneira se presta a um estudo visibilidade” (Mallard, 1993). relevante de uma aproximação científica, a primeira Essas reflexões conduzem não a uma defesa da se coloca diretamente sobre a experiência de foto, que ainda é uma formidável ferramenta de explicitar, de forma simbólica, a paisagem.
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