EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA ÚNICA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE - Ref.: PI 1.22.010.000108/2011-21 ICP. MPMG Nº 019409000017-6 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, através de seus representantes adiante firmados, no exercício das funções institucionais que lhe conferem os artigos 127, caput e 129, incisos III e IX da Constituição Federal, art. 6.º, incisos VII, alínea “a”, e XII, da Lei Complementar n.º 75, de 20.05.93, arts. 25, IV, alínea “a”, da Lei nº 8.625/93, e pelos arts. 5º e 21 da Lei nº 7.347, de 24.07.85 c/c os artigos 81, parágrafo único, inciso III, 82, inciso I, e artigo 91, da Lei 8.078/90, vêm propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face do (a) MUNICÍPIO DE CORONEL FABRICIANO, pessoa jurídica de direito público interno, podendo ser citado na pessoa do Prefeito Municipal ou do Procurador-Geral do Município de Coronel Fabriciano, na Praça Dr. Louis Ensch, nº 64, Centro, Coronel Fabriciano/MG; (b) ESTADO DE MINAS GERAIS, pessoa jurídica de direito público interno, podendo ser citado na pessoa do Procurador-Geral do Estado de Minas Gerais, com endereço na Av. Afonso Pena, nº 1901, Funcionários, /MG; (c) UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno, representada pelo Procurador-Chefe da União neste Estado, com endereço na Av. do Contorno, nº 7.069, Santo Antônio, Belo Horizonte/MG, pelos argumentos fáticos e jurídicos a seguir expostos: I. DOS FATOS A presente Ação Civil Pública pretende a prestação da tutela jurisdicional para garantir aos cidadãos residentes em Coronel Fabriciano o amplo e irrestrito acesso à prestação de serviços médicos e hospitalares, aí incluída a prestação de serviço de pronto atendimento e de internação hospitalar. Esta Procuradoria da República instaurou as Peças de Informação nº 1.22.010.000108/2011-21, em virtude de representação feita por Francisco de Assis Simões Thomaz, Prefeito Municipal de Coronel Fabriciano, na qual noticia o colapso do sistema municipal de saúde. Conforme relatado na representação de fls. 02/10, o município de Coronel Fabriciano possui como prestador de serviços hospitalares credenciado para atendimento de baixa e média complexidade pelo Sistema Único de Saúde (SUS), nas quatro clínicas médicas (cirurgia, pediatria, ortopedia e obstetrícia), apenas um hospital, o Hospital Siderúrgica, que, apesar de privado, atende cerca de 80% (oitenta por cento) de seus pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O hospital em questão, que há muito está funcionando com escassez de recursos e precarização dos atendimentos, está na iminência de ser fechado por sua mantenedora, a Associação Beneficente de Saúde São Sebastião (ABSSS). Conforme Ofício nº 042/2011, do dia 24/06/2011, endereçado ao município de Coronel Fabriciano, a mantenedora do hospital comunicou que “(...) cumpre-nos informar que o funcionamento do Hospital Siderúrgica, mantido pela Associação, mesmo com o apoio mensal e contínuo do Município de Coronel Fabriciano, que sempre fez frente a suas obrigações, assim como a manutenção do atendimento à população ficam prejudicados e, não havendo qualquer modificação da situação, o nosocômio poderá encerrar suas atividades em prazo não superior a 20 (vinte) dias” (fls. 14/15). Além da possível má gestão, os recursos financeiros repassados pelo Município de Coronel Fabriciano, pelo Estado de Minas Gerais e pela União Federal mostram-se aparentemente insuficientes para a manutenção do funcionamento da unidade hospitalar. Os atendimentos de clínica obstétrica e maternidade encontram-se suspensos há cerca de um ano. As clínicas cirúrgica e ortopédica não estão atendendo em regime de plantão há aproximadamente 3 meses. A UTI recém implantada, com dez leitos, não entrou em funcionamento em razão da falta de recursos. Verifica-se, assim, que o sistema de saúde do município de Coronel Fabriciano está sofrendo verdadeiro colapso, com prejuízo direto para a população que depende do Sistema Único de Saúde e também para os municípios vizinhos, que não possuem estrutura suficiente para suportar o aumento vertiginoso da demanda decorrente da redução dos atendimentos médico-hospitalares e futuro fechamento do hospital. Em reportagem veiculada no jornal “Diário do Aço” no dia 08 de julho de 2011, página 03, há notícia de que o município de Timóteo, integrante da região metropolitana do Vale do Aço, decidiu suspender o atendimento aos pacientes oriundos dos municípios vizinhos na Unidade do Pronto Atendimento do bairro Olaria e no Hospital e Maternidade Vital . Conforme declarações prestadas pela Diretora Administrativa do HMVB a entidade terminou o mês de junho passado com um déficit de R$700.000,00 (setecentos mil reais) em razão do grande aumento de atendimento causado pela precarização do funcionamento do Hospital Siderúrgica no último ano, agravado pelo anúncio do possível fechamento da unidade. Em razão da deficiência no atendimento público hospitalar em Coronel Fabriciano, o HMVB vem funcionando com 95% da sua capacidade operacional, sendo 85% do atendimento aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), o que inviabiliza financeiramente o Hospital, gerando o passivo já mencionado. Também é preocupante a repercussão da situação médico-hospitalar de Coronel Fabriciano no município de Ipatinga. Com efeito, em reportagem veiculada no referido jornal no dia 10 de julho de 2011, páginas 08/09, é informado pelos gestores públicos municipais que o Hospital Municipal de Ipatinga opera com índice 170% acima da capacidade de atendimento, da mesma forma que o Hospital Márcio Cunha, instituição filantrópica prestadora de serviços hospitalares ao SUS, também já vem operando no seu limite, situação que será fatalmente agravada com o fechamento do Hospital Siderúrgica. As declarações prestadas por Denise Valadão, diretora do Hospital Municipal de Ipatinga (HMI) não deixam dúvidas: “(...) por termos nos tornado a única porta inteiramente aberta do Sistema Único de Saúde (SUS), corremos o risco de enfrentar um verdadeiro colapso em Ipatinga e no Vale do Aço. Milhares de pessoas de municípios vizinhos recorrem a nós para serem tratadas. Não podemos e nem iremos negar atendimento, mas é preciso deixar claro que somos um hospital municipal, não regional” (página 08). Da mesma forma, Mauro Oscar, gerente do departamento médico-hospitalar do Hospital Márcio Cunha (HMC) foi enfático ao afirmar que “(...) não temos condições de suportar aumento, pois já operamos no limite da nossa capacidade” (página 09). Verifica-se, portanto, que as unidades hospitalares da região já estão trabalhando no limite de sua capacidade operacional e com grave comprometimento de sua capacidade financeira. Fica patente, assim, a gravidade da situação do sistema de saúde do município de Coronel Fabriciano e a seriedade da repercussão nos demais municípios integrantes da região metropolitana do Vale do Aço, gerando risco de comprometimento do atendimento em toda a região, impondo-se aos três entes federativos a adoção de providências imediatas para a promoção dos direitos fundamentais à vida e à saúde. O caso envolve, numa análise mais profunda, a má gestão dos administradores públicos e a falta de planejamento e de investimentos no Sistema Único de Saúde, especialmente no município de Coronel Fabriciano. Portanto, a presente ação civil pública tem por fim específico obter provimento jurisdicional que imponha obrigação de fazer à União, Estado e Município de Coronel Fabriciano consistente na adoção de providências tendentes a viabilizar a prestação de serviço de pronto atendimento e de internação hospitalar, sob pena de pagamento de multa diária. II. DAS PRELIMINARES II.1) DA LEGITIMIDADE ATIVA O Ministério Público é uma instituição permanente, cuja função é defender e fiscalizar a aplicação das leis, zelar pelo respeito aos direitos constitucionais por parte dos poderes públicos e pela garantia dos serviços de relevância pública garantidos na Constituição Federal, representando interesses magnos da sociedade. A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Ministério Público campo de atuação bastante amplo, incumbindo-lhe, a teor do art. 127 “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Entre as funções institucionais do órgão do Ministério Público, prevê o art. 129, III, a promoção do inquérito e da ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Com efeito, a presente ação insurge-se contra a omissão dos três entes federativos (União Federal, Estado de Minas Gerais e Município de Coronel Fabriciano) em viabilizar a prestação de serviço de pronto atendimento e de internação hospitalar aos cidadãos em geral, especialmente aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Por conseguinte, essa ação tem por fim último buscar a tutela do direito à vida e à saúde da população, direitos fundamentais insculpidos, respectivamente, nos artigos 5º, “caput” e 6º da Constituição da República, dando assim aplicabilidade aos mesmos. Mister realçar que o direito postulado contém a nota de permeabilidade e dispersão social que o caracteriza, indubitavelmente, como difuso, amoldando-se à discrição legal inserta no inciso I, do parágrafo único, do art. 81, do CDC (interesses ou direitos transindividuais de natureza indivisível de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato). É dizer, o fato de inexistir a eficaz e satisfatória prestação de serviços de saúde à população caracteriza a circunstância que liga todos os que porventura precisem ou venham a precisar de tais serviços, revelando-se, à evidência, sua natureza indivisível. Ademais, o fato em comento, além de ser difusa sua característica, por ser transindividual, reveste-se, demais disso, da nota de indisponibilidade (CF, art. 127), em face da afetação ao interesse público primário, que é o interesse do bem geral, ou seja, o interesse da sociedade ou da coletividade como um todo, potencialmente usuária desse serviço público, e, em sendo assim, sujeita aos efeitos nefastos da falta de prestação do serviço ou de prestação de serviço irregular, em flagrante desrespeito do Poder Público aos direitos assegurados na Constituição Federal, circunstância que confere ao Ministério Público a incumbência da defesa desses direitos através de Ação Civil Pública, em defesa desses interesses transindividuais indisponíveis. Nesse mesmo diapasão, vê-se a seguinte manifestação de Nelson Nery Júnior: “O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, como: a) os que digam respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou ao acesso das crianças e adolescentes à educação; b) aqueles em que haja extraordinária dispersão dos lesados; c) quando convenha à coletividade o zelo pelo funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico” Espancada qualquer dúvida acerca da legitimidade do Ministério Público, passemos à demonstração do possível litisconsórcio entre seus membros. Na esteira do reiteradamente exposto, resulta claro o interesse comum da União, do Estado de Minas Gerais e do Município de Coronel Fabriciano na adoção das providências tendentes a garantir aos cidadãos serviços de saúde adequados. É que a saúde é interesse de toda a coletividade, considerando-se a sua regular oferta e prestação afeta a todas as unidades federativas, e não a uma especificamente. Ademais, o regime do SUS, o qual alavancou a municipalização da saúde, impôs a repartição de atribuições entre os entes federados, devendo aquele ser custeado com recursos destas esferas. Rudimentar, então, que todos estes Entes devem engendrar esforços para a preservação desse direito difuso e qualificado pela nota de indispensabilidade. Em virtude disso, ambas as esferas do Ministério Público (Estadual e Federal) estão legitimadas à assecuração da prestação dos serviços essenciais de saúde, podendo demandar individual ou conjuntamente perante o Juízo competente. Vale colacionar, a propósito, a lição de Édis Milaré, citando Kazuo Watanabe: “Desde que na defesa dos direitos difusos e coletivos esteja dentro das atribuições que a lei confere a um órgão do Ministério Público, a este é dado atuar em qualquer das justiças, até mesmo em atuação conjunto com um outro órgão do Ministério Público igualmente contemplado com a mesma atribuição. A alusão ao litisconsórcio é feita, precisamente, para consagrar a possibilidade dessa atuação conjunta, com o que se evitarão discussões doutrinárias estéreis a respeito do tema e, mais do que isto, um inútil e absurdo conflito de atribuições.. Assim, os Ministérios Públicos Federal e Estadual são partes legítimas para perseguir em juízo os objetivos colimados, sendo a Ação Civil Pública instrumento adequado à tutela pretendida no presente caso. II.2) DA LEGITIMIDADE PASSIVA O grave estado do sistema de saúde pública de Coronel Fabriciano (entenda- se SUS) é imputado solidariamente às três esferas federativas, que possuem responsabilidade conjunta sobre a gestão do sistema. O município de Coronel Fabriciano, como ressai claro, é gestor direto e local do Sistema Único de Saúde, diante do que preceituam os preceptivos constitucionais elencados ao longo desta minuta, bem assim os termos da Lei nº 8.008/90, que regulamentou aquele dispositivo. A legitimidade passiva dos demais réus, União Federal e Estado de Minas Gerais, decorre, em princípio, da própria Constituição Federal, quando assegura a todos o direito à saúde a ser promovida pelo Estado Brasileiro, verbis: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Destarte, tendo os fatos em comento, referente à omissão administrativa em prestar os serviços de pronto atendimento e de internação hospitalar, no âmbito da rede municipal de saúde - órgão integrante da Rede do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo este ramificado nas três esferas da Administração Pública, sem, contudo, perder sua unicidade, vez que as atribuições de um entrelaçam-se com as dos outros, sucessivamente -, de todos os seus gestores (União, Estado e Município) deve, pois, ser exigido que as “políticas sociais públicas” concernentes à proteção da vida e da saúde da população sejam administradas com eficiência, de modo a permitir a plena recuperação dos destinatários deste serviço indispensável e indelegável. No concernente, aliás, ao dever constitucionalmente imposto a cada um dos entes federativos de garantir e promover a saúde, assim se manifestou o Supremo Tribunal Federal: “(...) O preceito do artigo 196 da Carta da República, de eficácia imediata, revela que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. A referência contida no preceito, a “Estado” mostra-se abrangente, a alcançar a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Tanto é assim que, relativamente ao Sistema Único de Saúde, diz-se do financiamento, nos termos do artigo nº 195, com recursos do orçamento, da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Já o caput do artigo informa, como diretriz, a descentralização das ações e serviços públicos de saúde que devem integrar rede regionalizada e hierarquizada, com direção única em cada esfera de governo. Não bastasse o parâmetro constitucional da eficácia imediata, considerada a natureza, em si, da atividade, afigura- se-me como fato incontroverso, porquanto registrada, no acórdão recorrido, a existência de lei no sentido da obrigatoriedade de fornecer-se os medicamentos excepcionais, como são os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. O município de Porto Alegre surge com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do Sistema Único de Saúde, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. Por outro lado, como bem assinalado no acórdão, a falta de regulamentação municipal para o custeio da distribuição não impede fique assentada a responsabilidade do Município. Decreto visando-a não poderá reduzir, em si, o direito assegurado em lei. Reclamam-se do Estado (gênero) as atividades que lhe são precípuas, nos campos da educação, da saúde e da segurança pública, cobertos, em si, em termos de receita, pelos próprios impostos pagos pelos cidadãos. É hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária segura e com um mínimo de conforto suficiente para atender ao valor maior atinente à preservação da dignidade do homem (...) “(Voto do Min. Marco Aurélio, proferido no RE 271.286-8-RS) ( grifo acrescido). Portanto, a exigência de uma prestação de serviços de qualidade, na seara da saúde pública, implica coordenação de esforços das entidades acima referidas, com o fim de bem promover a prestação de serviços médicos e hospitalares em prol da coletividade. Ademais, o colapso na gestão do SUS no Município de Coronel Fabriciano, é fato público, notório e previsível, haja vista que tanto a União como o Estado de Minas Gerais, vêm ao longo dos anos, repassando recursos extraordinários com o intuito de se evitar tal deslinde, porém sem adotar medidas suficientes para resolver definitivamente a questão, o que demonstra a omissão destes entes federativos. II.3) DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL A competência da Justiça Federal está disciplinada no artigo 109, caput, I, §2º, da Constituição Federal, que assim estabelece: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;” Cabe realçar que a competência desta Justiça é facilmente identificada quando se tem em vista o interesse da União para a causa, inclusive a sua condição de ré, porquanto este ente participa do financiamento do SUS, fazendo os repasses respectivos ao Estado de Minas Gerais e, este, por sua vez, ao Município de Coronel Fabriciano, para a devida aplicação nas ações e serviços de saúde colimados. Nesta ordem de considerações, além de o caso envolver a aplicação de verbas federais, há o interesse dos órgãos de controle federal de verificar a regular e eficiente aplicação dos recursos repassados e o cumprimento a contento das finalidades públicas. Ademais, a lei de regência (Lei 8.080/90) contempla as atribuições comuns entre União, Estados e Municípios, numa espécie de gestão e responsabilidade tripartite, consoante dispõem seus arts. 7º, inciso XI, 9º, tanto em matéria de financiamento da saúde, quanto nas ações articuladas, como anteriormente afirmado. Ante o acima exposto, resta evidenciado que, além da União Federal, o Estado de Minas Gerais e o Município de Coronel Fabriciano hão de figurar como parte demandada na presente lide, restando justificado, destarte, nos termos do Art. 109, I, da Constituição Federal, a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento desta ação. III. DO MÉRITO A par dos direitos constitucionalmente assegurados a todos, mormente os concernentes à vida e à saúde, o legislador estabeleceu, em sede constitucional e legal, o dever do Estado, através dos seus diversos órgãos de gestão e de execução, de dispor à sociedade uma prestação de serviço de saúde pública universal e de qualidade. Ao lado da disposição do art. 196, da Constituição da República de 1988, transcrito supra, preconiza o art. 198, caput, incisos I, II e § 1º, também da Carta Magna, que: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; (...) § 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”() . Diante de tão explícita menção, resta, portanto, evidente e indiscutível que a saúde é um direito a ser preservado pelo Estado, em prol da coletividade, e, efetivamente, assegurado através das políticas públicas destinadas a esse fim social. É dizer, a saúde, a exemplo da educação, que possui eficácia imediata, é DIREITO SUBJETIVO DO CIDADÃO, não dependente da reciprocidade, ou seja, o Estado é obrigado a prestar-lhe, independentemente de qualquer contraprestação, sendo-lhe defeso sonegar-lhe tal direito, sob qualquer hipótese. Todavia, no caso que ora se cuida, vê-se que o Estado - entendido esse termo em seu sentido lato - não tem cumprido com seu inalienável e intransferível dever de bem prestar serviço de saúde pública, permitindo o fechamento do único hospital do município de Coronel Fabriciano, responsável pelo atendimento de cidadãos de todo o Vale do Aço, especialmente de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), sem oferecer alternativas de atendimento de boa qualidade aos mesmos na municipalidade, resultando prejuízos irreversíveis à população e aos municípios vizinhos, conforme narrado anteriormente. Por certo, quando se refere, aqui, ao Estado, considera-se igualmente responsáveis, na medida da sua competência, a União, os Estados-membros, o DF, e os Municípios, consoante dispõe o art. 23, caput, II, da CF/88, “in verbis”: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;” Por seu turno, a lei de regência do SUS, Lei nº 8.080/90, estatui, em vários de seus dispositivos, que: “Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). § 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde. (...) Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: (...) XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;” Destarte, in casu, tanto a União, quanto o Estado de Minas Gerais e o Município de Coronel Fabriciano são responsáveis pelo agravamento das condições de saúde e eventuais mortes de pacientes que necessitem de pronto atendimento e internação hospitalar, haja vista que, a rigor, a simples transferência da administração - MUNICIPALIZAÇÃO - da saúde, não desobriga os demais Entes federados da sua responsabilidade. De igual, não é admissível eventual escusa da UNIÃO FEDERAL em assumir a responsabilidade, sob o color de que transferiu ao Município o encargo respectivo. Sob outro viés, registre-se que, por detrás da escusa de realizar as políticas públicas reclamadas pela Carta Magna e pelas leis, prestando devidamente o serviço público de saúde, figura um sutil argumento correntemente usado pelos governantes: a falta de recursos financeiros. Esse argumento fácil, entretanto, não deve ser levado em conta pelo Judiciário. Como é notório, a “Teoria da Reserva do Financeiramente Possível” não pode ser utilizada para obstaculizar a realização do mínimo existencial, núcleo dentro do qual se insere o direito à vida e à saúde, cujo fundamento é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CR). Não é outro o entendimento da jurisprudência brasileira, conforme se vê no brilhante julgado do Superior Tribunal de Justiça: “ADMINISTRATIVO - CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS - POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - MANIFESTA NECESSIDADE - OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). Agravo regimental improvido (AGRESP 200900766912, Relator Ministro Humerto Martins, DJE 21/06/2010)” Com efeito, da leitura do supracita julgado também se verifica a responsabilidade solidária entre União, Estados e Municípios pelo funcionamento do Sistema Único de Saúde, como anteriormente alegado, bem como que o Poder Judiciário é parte legítima para exigir o cumprimento das normas constitucionais e legais, especialmente a realização dos direitos fundamentais, como se pretende na presente demanda. Ao Judiciário, como poder autônomo e independente, cabe não só a administração da Justiça, mas precipuamente a guarda da Constituição, com a finalidade de se preservar princípios e garantias de um Estado Democrático de Direito, sem prejuízo do exercício do direito subjetivo de todo cidadão de exigir da Administração o cumprimento de seus deveres. Se assim é, o Poder judiciário não está invadindo campo do Poder Executivo, mas, tão somente, exigindo o cumprimento das obrigações que lhe foram impostas pela própria lei. Para corroborar esse entendimento, vejamos o acórdão abaixo colacionado: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OMISSÃO DO ESTADO NA MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO DA CADEIA PÚBLICA DE CANOINHAS. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. COMPROMISSO CONSTITUCIONAL DA ADMINISTRAÇÃO COM O ZELO PELO PATRIMÔNIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE DISCRICIONARIEDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. INTROMISSÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM ÁREA DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO EXECUTIVO. INOCORRÊNCIA. RECURSO RECONHECIDO E PROVIDO- O poder discricionário concedido ao Poder Público não pode chegar a ponto de permitir a ele se eximir de seus deveres fundamentais perante os administrados. Não é admissível que a Administração, calcada na discricionariedade, omita-se na manutenção e conservação de bens sob sua responsabilidade, sustentando que é faculdade sua decidir sobre a aplicação de recursos públicos” (TJSC, AC Nº 97.008330-0, Rel. Des. Orli Rodrigues). lV. DO PEDIDO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO Requerem o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS que seja designada audiência de tentativa de conciliação no prazo de 24 horas, com a intimação do Secretário de Saúde do município de Coronel Fabriciano, bem como do Diretor da Gerência Regional de Saúde (representante da gestão estadual na região) e do Secretário de Atenção a Saúde (Ministério da Saúde), para que compareçam pessoalmente ou por meio de representante. Requer-se, ainda, que os representantes dos três entes da federação compareçam munidos dos dados referentes à série histórica (03 últimos anos) de atendimento hospitalar e pronto atendimento, ofertados pelo Município de Coronel Fabriciano, de forma a que se identifiquem quais procedimentos ofertados e em qual quantidade, de modo a estabelecer média histórica mensal. Com efeito, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS solicitam que sejam convidados para tal audiência os secretários municipais de saúde dos municípios de Ipatinga e Timóteo, bem como o provedor da associação mantenedora do Hospital Siderúrgica, para que possam esclarecer dúvidas e colaborar para a possível concretização de acordo. . V. DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA Acaso não seja viabilizado acordo na audiência de conciliação solicitada, e, com fundamento no art. 273, I do Código de Processo Civil, bem assim no permissivo legal expresso no art. 12 da Lei nº 7.347/85, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS vêm a Vossa Excelência requerer a concessão da antecipação de tutela, uma vez que se encontram presentes os requisitos autorizadores de sua concessão. De acordo com o art. 273, caput do CPC, há dois requisitos gerais para a concessão da tutela antecipatória - a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação - e dois requisitos alternativos, elencados, respectivamente nos incisos I e II, tais sejam: fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Busca-se, nesta ação, dada a situação de grave risco, pela própria natureza do direito deduzido, um provimento jurisdicional que assegure initio litis um atuar positivo dos Entes políticos requeridos, consistente numa verdadeira obrigação de fazer, consubstanciada na adoção das providências tendentes a viabilizar a prestação de serviços médicos e hospitalares, aí incluída a prestação de serviço de pronto atendimento e de internação hospitalar em Coronel Fabriciano. A prova inequívoca significa que deve haver certeza (relativa) quanto aos fatos, o que se deduz da prova carreada aos autos. No presente caso, não há mais o que se provar, vez que é público e notório a falta de unidades de saúde capazes de absorver a demanda pela prestação de serviço público em Fabriciano, situação que se agravará com o iminente fechamento do Hospital Siderúrgica, se o Poder Público não tomar imediata providência. A verossimilhança da alegação exprime a relevância ou probabilidade dos fundamentos de direito. No caso posto sub judice, a verossimilhança reside no fato de que o Poder Pública vem se omitindo no seu dever de assegurar a todos, com eficiência, a proteção à vida e à saúde, direitos fundamentais que devem ser realizados conjuntamente pelos três entes da federação. Quanto ao requisito alternativo, a tutela antecipada justifica-se pelo receio de dano irreparável. O thema decidendum é repassado de sensibilidade e graveza - a inação do Poder Público em viabilizar a prestação de serviço público de saúde coloca em risco a incolumidade física e a vida dos cidadãos. A demora em se adotar as providências necessárias acabará por acarretar funestos efeitos, principalmente a morte de pacientes, que é, de todos os danos capazes de afetar o ser humano, o mais irreparável. Por todo o exposto, estão presentes os requisitos legais para o deferimento da antecipação do provimento jurisdicional, que se constitui a medida mais justa para exigir do Judiciário, tão pronto possível, a eficaz intervenção na defesa da vida e da integridade física dos cidadãos e usuários do Sistema Único de Saúde. Ex positis, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS requerem a Vossa Excelência que conceda, liminarmente e inaudita altera parte, a antecipação dos efeitos da tutela, determinando aos réus: (a) que adotem providências para viabilizar a prestação dos serviços de baixa e média complexidade de saúde no Município de Coronel Fabriciano, nas quatro clínicas (cirurgia, pediatria, ortopedia e obstetrícia), aí incluídos os serviços de pronto atendimento, urgência, emergência e internação hospitalar, de modo a assegurar manutenção da média mensal histórica por procedimento; (b) a cominação de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada um dos Entes Federativos, na hipótese de descumprimento à decisão liminar, valor que deverá ser revertido ao Fundo de Saúde do Município de Coronel Fabriciano e necesssariamente aplicado na prestação dos serviços médico-hospitalares descritos no item “a”, seja por meio da compra de tais serviços, seja por meio da assunção dos mesmos e execução direta, sendo expressamente vedada sua utilização para outros fins; (c) após a antecipação dos efeitos da tutela, a citação dos réus, nos endereços constantes nesta inicial, para, por meio de seus representantes legais, contestar a presente, sob pena de revelia e confissão. Ao final, o MINISTÉRIO PÚBICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS requerem a Vossa Excelência que confirme a r. decisão liminar de concessão da antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se, ainda: d. a condenação dos réus, em definitivo, na obrigação de garantir a prestação regular e contínua dos serviços de baixa e média complexidade de saúde no Município de Coronel Fabriciano, nas quatro clínicas (cirurgia, pediatria, ortopedia e obstetrícia), aí incluídos os serviços de pronto atendimento, urgência, emergência e internação hospitalar; (e) a cominação de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada um dos Entes Federativos, na hipótese de descumprimento à decisão definitiva, valor que deverá ser revertido ao Fundo de Saúde do Município de Coronel Fabriciano e necessariamente aplicado na manutenção e melhoria dos serviços de baixa e média complexidade de saúde no Município de Coronel Fabriciano, nas quatro clínicas (cirurgia, pediatria, ortopedia e obstetrícia), aí incluídos os serviços de pronto atendimento, urgência, emergência e internação hospitalar. Embora o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS já tenham apresentado prova pré-constituída dos fatos, requerem provar o alegado por todos os meios de provas judicialmente permitidos, especialmente pela produção de prova documental, testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção judicial, tudo que se fizer necessário ao pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com a apresentação de contestação. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), face à sua inestimabilidade. Nestes termos, pede deferimento. Ipatinga/MG, 13 de julho de 2011.

EDMAR GOMES MACHADO Procurador da República ANÍBAL TAMAOKI Promotor de Justiça MARIA REGINA LAGES PERILLI Promotora de Justiça WALTER FREITAS DE MORAES JÚNIOR Promotor de Justiça