THE BEAUTIFUL PEOPLE: O ESPETÁCULO DO GROTESCO ATRAVÉS DO VIDEOCLIPE

Orientando: Antonio Marcos da Silva Borges Orientador: Dr. Wesley Pereira Grijó

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA

Antônio Marcos da Silva Borges

THE BEAUTIFUL PEOPLE: O ESPETÁCULO DO GROTESCO ATRAVÉS DO VIDEOCLIPE

São Borja/RS 2015

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ANTONIO MARCOS DA SILVA BORGES

THE BEAUTIFUL PEOPLE: O ESPETÁCULO DO GROTESCO ATRAVÉS DO VIDEOCLIPE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Públicas, Ênfase em Produção Cultural, da Universidade Federal do Pampa, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Relações Públicas.

Orientador: Dr. Wesley Pereira Grijó

São Borja/RS 2015

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer primeiramente a Deus, por ter me concedido o suporte espiritual necessário para conseguir seguir em frente com os meus objetivos, no decorrer de todo o período acadêmico. Agradecer aos meus amigos e familiares, que de maneira direta ou indiretamente sempre me estimularam a continuar, mesmo com todas as dificuldades que no decorrer do curso, foram aparecendo. Aos meus professores, que desde o início da jornada em 2011, foram atenciosos e compreensivos ao entenderem várias situações que aconteceram na minha graduação. Agradecer o meu professor orientador Wesley Grijó, por ter sido paciente ao me orientar, e mesmo sem antes termos trabalhado juntos, conseguiu entender e conduzir meu trabalho final da maneira como eu havia planejado. E, é claro, a Martiele Prestes e Jorge Campos, que me proporcionaram parceria, amizade, discussões e grandes momentos de descontração e riso, vocês deixaram tudo mais divertido. O meu sincero obrigado a todas as pessoas que participaram comigo de mais uma vitória em minha vida.

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RESUMO

Este trabalho tem como proposta abordar o papel da cultura da mídia inserida numa sociedade do espetáculo para a criação de celebridades como produto de consumo. Para melhor entender essa questão, toma-se como objeto de análise a banda de Shock Horror, e busca-se encontrar elementos de grotesco na carreira da banda a partir da Muniz Sodré e Raquel Paiva (2003) e como a banda usa todos esses recursos para atrair o público consumidor. Apoia-se ainda na obra Guy Debord (1967) criando um diálogo junto Douglas Kellner (2001) para inserir o produto audiovisual nesse contexto e como essa ferramenta é disponibilizada nos dias atuais, auxiliando e influenciando na vida cotidiana. Os procedimentos metodológicos partem de uma perspectiva qualitativa, utiliza-se as pesquisas bibliográfica e documental, afim de analisar os videoclipes da banda e o que já foi publicado sobre a temática. Assim, identifica-se como a banda Marilyn Manson usa a cultura midiática, auxiliando na construção de sua identidade grotesca, abordando a trajetória artística da banda, com foco principal no produto audiovisual The Beautiful people.

Palavras-chave: Cultura da mídia; Marilyn Manson; Grotesco; Videoclipe.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 7 2 VIDEOCLIPE: BREVE HISTÓRIA DO PRODUTO AUDIOVISUAL ...... 18 3 ESPETÁCULO MIDIÁTICO: O GROTESCO EM MARILYN MANSON ...... 25 3.1 A metodologia para o estudo do grotesco nos videoclipes...... 27 3.2 O grotesco na banda Marilyn Manson ...... 29 3.2.1 Portrait of an American Family (Era 1990-1995) ...... 31 3.2.2 (Era 1995-1996) ...... 37 3.2.3 Nasce o (Era 1997) ...... 40 3.2.4 The Beautiful People – O grotesco crítico ...... 43 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 61 REFERÊNCIAS ...... 64

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INTRODUÇÃO

Escolhemos fazer esta pesquisa a partir da temática do grotesco quando inserida nos produtos audiovisuais, com foco no trabalho e na carreira da banda Marilyn Manson até o álbum Antichrist Superstar (1997), onde ela alcança o ápice de sua popularidade. Assim, queremos compreender com clareza como o grupo usa essa ferramenta estrategicamente, atraindo o público e estimulando a construção de identidade do consumidor, e como no decorrer da carreira usa simbologias e imagens chocantes, criando identidade e se diferenciando no mundo da indústria fonográfica. A proposta da pesquisa é de cunho intelectual, decorrente do desejo de conhecer mais profundamente o assunto abordado, usaremos o conhecimento já obtido sobre o assunto pesquisado para estimular a curiosidade e a criatividade na produção acadêmica. Nossos procedimentos metodológicos partem de uma perspectiva qualitativa, que hoje em dia ocupa um reconhecido lugar entre as várias possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem a sociedade e as relações sociais estabelecidas em diversos ambientes. Entende-se que nos procedimentos metodológicos: “(...) inclui simultaneamente a teoria da abordagem (método), e os procedimentos de operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)” (MINAYO, 2007, p.14). Ou seja, a coleta de dados produz textos que nas diferentes técnicas analíticas são interpretados uniformemente. Utilizamos as pesquisas bibliográfica e documental, afim de analisar material publicado que ainda não receberam um tratamento analítico com vista a uma interpretação nova ou complementar do conteúdo. Para Gil (2007, p. 44), os exemplos característicos sobre a pesquisa bibliográfica são sobre investigações, sobre ideologias ou aqueles que se propõem à análise das diversas posições acerca de um problema. A pesquisa bibliográfica foi feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho cientifico inicia-se por uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto. Existem porém, pesquisas cientificas que

7 se baseia unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referencias teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual procura resposta. (FONSECA, 2002, p.32) A partir de uma pesquisa inicial exploratória em textos acadêmicos na área, constatamos que há pouco material publicado com a temática do grotesco e a produção audiovisual (videoclipe), o que nos impulsionou a explorar essa ferramenta midiática e como ela teve sua evolução, transformando-se em uma estratégia de divulgação e promoção de artistas do meio musical e das artes em geral. Assim, a pesquisa busca entender como um gênero/estilo, inserido na mídia de massa, pode auxiliar na construção de identidade e da diferença. Esse estudo se torna importante para refletir sobre como a relação entre música e videoclipe ocorre atualmente, em sites, emissoras de televisão, canais específicos de compartilhamento de vídeos, e como o público se identifica com o artista, passando a “copiá-lo” construindo sua identidade, ao mesmo tempo em que busca a sua diferença. Devido ao pouco material publicado sobre a temática do grotesco inserido em produtos audiovisuais, esta pesquisa para o meio acadêmico terá boa relevância para os estudos voltados ao grotesco e a cultura da mídia, podendo assim, auxiliar em questões em que ambas teorias se encaixam, em uma visão diferente das já abordadas. Com isso, este trabalho tem como proposta, abordar o papel da cultura da mídia na “criação de celebridades como produto de consumo, partindo da ideia de que uma celebridade é uma construção midiática inserida na indústria do entretenimento” (MATTA, 2009, p. 1). Para melhor entender essa questão, usaremos como referência, a banda de Shock Horror, Marilyn Manson, que ganhou notoriedade na indústria fonográfica pelo uso da estética grotesca em seu contexto artístico, e a maneira que o grupo usa o produto audiovisual (videoclipe) para se promover e atrair o público, intermediando uma construção de identidade, influenciando o comportamento e o perfil desse público, promovendo o surgimento de tribos urbanas, onde cada indivíduo mesmo na coletividade social, procura integrar-se e distinguir-se, numa relação de identidade e diferença.

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Para esse estudo, usaremos como objeto empírico, a forma como a banda Marilyn Manson utiliza o produto audiovisual (videoclipe) para se inserir no mercado fonográfico, se destacando pela performance de “circo dos horrores”, maquiagem pesada no rosto e o uso de vestuário feminino nos integrantes da banda, criando uma dualidade a partir do “feio” e o “belo”. Nesse sentido, nossa observação enfoca principalmente o videoclipe The Beautiful People, pois consideramos que ele melhor contextualiza nossa proposta, nos auxiliando a dialogar como o audiovisual ganha notoriedade na indústria cultural1 e se insere na mídia de massa. Para contemplar nossa proposta de pesquisa, o marco teórico é alinhado epistemologicamente à visão de Guy Debord, em A Sociedade do Espetáculo (1967), que define o espetáculo na sociedade capitalista contemporânea, estimulando o consumo, produção e exibição de mercadorias, e quais efeitos atingem os sujeitos. Partindo das reflexões filosóficas de Debord, formularemos um diálogo com as teorias de Douglas Kellner que explica a Cultura da Mídia (2001), e como os meios de comunicação são utilizados por essa sociedade de espetáculo, moldando a vida cotidiana, alterando comportamentos e proporcionando novas maneiras de identificação. E o belo e o bom combinam eticamente, transformando-se em ideal de vida (ibidem, p. 18), Sodré e Paiva ainda nos explicam que para Platão, o belo seria da origem da simetria ou proporção algo supra sensível, do qual dependem das coisas empíricas para serem belas, e que para Aristóteles, seria o belo, a qualidade positiva das coisas, em termos morais sociais e perceptivos (ibidem, p. 18) Em contra partida, os autores explicam o gênero feio, que é tradicionalmente identificado como “mau”, exemplificam citando que o objeto pode causa repulsa e estranhamento ao primeiro momento, mas que não necessariamente seja feio. Um bom exemplo está nos perfis desenhados por Leonardo Da Vinci (Esboços Fisiognômicos), em que a presença de distorções expressivas – faces humanas com aparência de macaco, leão e águia – é capaz de provocar efeitos de antagonismo no contemplador, apesar disso, este

1 Indústria cultural, foi termo concebido pelos teóricos da escola de Frankfurt, mesmo nossa proposta de trabalho não seguir a linha Frankfurtiana, se faz necessário entendermos. A indústria cultural, segundo Adorno e Horkheimer consiste em “moldar” toda a produção artística e cultural, de modo que elas assumam os padrões comerciais e que possam ser facilmente reproduzidas. (COSTA, 2003, pag. 3)

9 poderá encontrar beleza na sua força de expressão, na plenitude vital que neles se manifesta (ibidem, p. 19).

Com efeito, não se trata ai do mero feio, mas do grotesco, um tipo de criação que as vezes se confunde com as manifestações fantasiosas da imaginação e que quase sempre nos faz rir. É algo que se tem feito presente na Antiguidade e nos tempos modernos. (SODRÉ; PAIVA, 2002, p. 19).

Ao analisar o trabalho e carreira da banda Marilyn Manson, iremos encontrar e os gêneros e espécies, citados por Sodré e Paiva (2002) e abordar como Manson se apropria o grotesco representado e atuado, e as espécies escatológicas e teratológicas em sua obra audiovisual, “o grotesco funciona por catástrofe, não a mesma dos fenômenos matematicamente ditos como “caóticos” ou da geometria fractal, que implica irregularidade de formas, mas dentro dos padrões de uma previsível. Trata-se de uma mutação brusca, da quebra insólita de uma forma canônica, de uma deformação inesperada” (ibidem, p. 25) No capítulo 1, enfocamos na relação entre cultura midiática e o espetáculo do grotesco a partir da indústria contemporânea do entretenimento. No capítulo 2, abordamos como o gênero nasceu, e foi ganhando espaço, se moldando no decorrer dos anos e da necessidade do público por novas opções de entretenimento. Passando pelos musicais dos anos 50, criação da emissora MTV, e sobre como o Youtube que se tornou o site com maior visualização de videoclipes na atualidade. Como o produto audiovisual teve sua evolução, se tornando também, uma ferramenta midiática de promoção e divulgação de artistas, não apenas do mundo fonográfico, mas também das artes em geral. No capítulo 3, analisamos como a banda Marilyn Manson tem seu início no final dos anos 1980 e como a banda chama a atenção do cenário musical local por suas apresentações e por seu contexto. Na Era Portrait of na American Family, onde o grupo começa a dar os primeiros passos para definir sua identidade, com um álbum cheio de letras críticas a sociedade. Em Smells Like Children, a banda começa a investir mais em seu visual gótico grotesco, ganhando atenção da mídia ao lançar o que seria seu maior hit, Sweet Dreams (are made of this), apresentando a banda num manicômio abandonado com

10 maquiagens horrendas e personagens bizarros. Marilyn Manson começa a se apropriar do grotesco, se diferenciando dos artistas do mundo fonográfico, mas é no capítulo Nasce o Antichrist Superstar Que Manson nasce para o mundo, com um visual totalmente grotesco, letras ácidas a cultura superficial americana e um álbum conceitual e pesado, o mais intenso até então na carreira da banda. The Beautiful People – o grotesco crítico, é o foco principal desse trabalho, nesse sub capitulo, abordamos o produto audiovisual mais denso da carreira de Manson, o trabalho que lançou a banda ao mainstream, onde achamos e nos apoiamos em referências da obra O império do grotesco (2002) para identificar os gêneros e espécies dentro do videoclipe. Analisamos como o trabalho da banda se insere na obra de Debord (1967) e como Manson usa o espetáculo como mercadoria dentro do mercado fonográfico, nos apoiaremos na Cultura da Mídia (KELLNER, 2001), para dialogar sobre como o produto audiovisual se torna uma ferramenta midiática na promoção e divulgação das bandas, com ênfase no clipe The Beautiful People. A partir de Silva (2000) dialogamos como Marilyn Manson cria sua identidade grotesca, se diferenciando dentro do concorrido mercado fonográfico mundial, e influenciando grupos distintos e tribos urbanas.

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1 O ESPETACULO DO GROTESCO NA CULTURA DA MÍDIA

Dentro da perspectiva do produto audiovisual estar inserido na cultura midiática, fruto de uma sociedade do espetáculo que tem na imagem, sua mercadoria, podemos citar dentro dessa perspectiva, o grotesco como gênero a ser analisado. Para tal fim, buscamos maior compreensão na obra O império do grotesco (SODRÉ; PAIVA, 2002). Sodré e Paiva nos explicam.

Gosto em Kant, é conceito de sentido muito amplo, que designa a disposição para uma atitude estética. Em sentido mais restrito e mais formal-funcional, essa disposição capacita o indivíduo a desfrutar de uma obra-de-arte e atribuir-lhe valor por meio de juízos, que costumam girar em torno da beleza do objeto contemplado. (SODRÉ; PAIVA, 2002, pag. 17).

Para os autores, na verdade, havia diferentes tipos de beleza:  To Kalon - que seria a beleza estética, harmoniosa e decorativa e;  To Prépon – que seria o belo efetivo, ligado a um saber e um poder persuasivos, práticos. Para Debord (1967), a sociedade é constituída de espetáculos, um conceito que descreve a mídia e consumo, que abrange imagens, mercadorias e eventos culturais. Incluindo o videoclipe nesse discussão, sabemos que este produto audiovisual está incluso em diferentes meios de comunicação, com canais de televisão e programação pensada estrategicamente para promoção e divulgação de videoclipes, MTV2, Multishow3, VH14, e com a velocidade de informações na internet, que variam de canais de vídeo a compartilhamento em postagens nas redes sociais, a chamada mídia de massa. Dessa forma, o espetáculo tornou-se um dos principais alicerces para a economia, política, sociedade e na vida cotidiana. Trazendo o produto audiovisual para o espetáculo, é possível notar a constante evolução na vinculação de clipes, e como gêneros distintos se destacam na indústria. Desta forma, destacaremos como proposta de estudo, uma abordagem de produções que, à primeira vista, são diferentes da estética “padrão” do videoclipe. A banda Marilyn Manson está inclusa nesse modelo

2 Canal de televisão a cabo e satélite Norte Americano, dedicado a exibição de videoclipes, criado em 1981 3 Canal de televisão por assinatura da operadora brasileira Globosat, criado em 1991 4 Canal de televisão por assinatura americano, criado em 1985

12 diferenciado de produzir. Com maquiagem horrenda, automutilação e simulação de sexo ao vivo no palco, entre outras aberrações, que, hipoteticamente, contribuem para a identificação do grotesco na proposta da banda. Observamos também esse fenômeno a partir da ideia de grotesco de Muniz Sodré e Raquel Paiva (2002) em inúmeras performances na obra da banda; aqui, ele é interpretado como tudo que foge do convencional social, é algo que a primeira vista causa estranhamento, mas não se julga necessariamente feio, porém em muitas vezes é. Na trajetória da banda Marilyn Manson, podemos identificar várias referências que remetem ao grotesco em seus clipes, visto que criam identidade, um mundo sombrio, desafiam a estética social considerada “normal”, causando impacto e a sensação de desconforto ao olhar pela primeira vez uma imagem ou um vídeo do grupo. Essa estética grotesca é difundida nos meios de comunicação, pela sua excentricidade, ganhando espaço na indústria cultural, é nesse ponto que criamos um diálogo com Douglas Kellner (2001), que pensa que a cultura vinculada pela mídia fornece material para a construção de identidades, inserindo indivíduos na sociedade contemporânea. Essa cultura midiática é construída e difundida pelos meios de comunicação como rádio, cinema, televisão, imprensa (jornais e revistas), e recentemente a internet, inserindo-se na chamada "civilização das imagens" (JOLY, 2006). Assim, estudamos a cultura vinculada pela mídia, permeada sons, imagens e espetáculos, especificamente por meio de um produto audiovisual. A característica grotesca que a banda vende em suas imagens, acaba auxiliando o público consumidor a construir a sua identidade, consequentemente criando diferença. Partindo da arte que Marilyn Manson vende, encontramos na obra Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais (SILVA, 2000), um auxílio para nosso estudo para entendermos como o artista promove sua imagem por meio dos videoclipes, e como ao consumir o público se identifica e constrói uma identidade. Para Wooward (2000), a identidade é marcada diretamente pela diferença, pela simbologia e pelo social. A autora aponta dois tipos de identidades: a essencialista – concebe a identidade como algo homogêneo (geralmente ligado a etnia, nacionalidade ou

13 questões biológicas) partilhado por todos do grupo e não sofrendo alterações – e a não essencialista – que trata a identidade como processo, sofrendo alterações e ligada diretamente a diferença. Ao abordarmos diversas teorias, podemos constatar o pouco material publicado com a temática grotesca inserida no contexto do videoclipe, o que nos estimulou e se tornou fator determinante para a realização desse estudo. No artigo “Breve história do videoclipe”, Laura Josiani Andrade Corrêa (2007) faz uma introdução à história do videoclipe: no seu início na década de 1950, com filmes e documentários musicais; na década de 80, com a criação da MTV (Music Television); e como o videoclipe se tornou a principal ferramenta de promoção de músicos para divulgação dos álbuns, sua evolução diante de novos meios de comunicação e a maneira utilizada como ferramenta midiática pelos artistas, produtores e gravadoras nos dias atuais. A partir dos anos 2000, há uma grande mudança no cenário mundial, no que diz respeito a uma nova cultura do espetáculo, que implica diretamente numa nova configuração de economia, na sociedade na política e no cotidiano, envolve nova cultura e modo de interação social. Isso acaba produzindo uma nova cultura de espetáculo, com megaespectáculos e espetáculos interativos fica muito evidente dentro do novo milênio, construindo assim uma espécie de cultura global. Nas últimas décadas, houve uma grande multiplicação dos espetáculos, o entretenimento sempre foi um dos principais campos para o espetáculo; assim, estudaremos esse fenômeno com foco nos produtos audiovisuais produzidos pela banda Marilyn Manson, e como a realização de videoclipes se insere dentro da “Sociedade do espetáculo (DEBORD, 1967)”, dentro de uma sociedade baseada em consumo de imagens. A noção de Sociedade do Espetáculo, difundida por Debord (1967) foi muito vinculado aos meios de comunicação e utilizado como marco teórico em pesquisas acadêmicas e culturais. Para nossa proposta, iremos contextualizar a Sociedade do espetáculo e como a mídia e a sociedade de consumo descritas por Debord são inseridas nos meios de comunicação atuais, introduzindo o debate com foco principal no videoclipe The Beautiful People, da banda Marilyn Manson.

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O entretenimento popular há muito tempo vem sendo modificado conforme novos meios de comunicação e novas tecnologias estão avançando e sendo apresentadas ao mercado, e a velocidade de informação nos novos meios acelerando a propagação de espetáculos midiáticos. Contemplando a sociedade contemporânea, Debord (1967) define uma sociedade de consumo, moldada pelo espetáculo. Assim, a sociedade se torna de consumo, organizada na produção e circulação de imagens, os eventos culturais, os grandes acontecimentos políticos, as inúmeras guerras e a indústria da música e televisão se tornam mercadorias dentro do que ele descreve como espetáculo. Para entender o conceito de Debord, buscamos relacionar como o produto audiovisual (videoclipe) se insere na indústria cultural e se tornou um produto de consumo. Com as apresentações musicais cada vez mais espetaculares, artistas utilizam as ferramentas da comunicação para expandir suas imagens na cultura do espetáculo. Para compreender a relação da banda Marilyn Manson com à sociedade do espetáculo e à cultura da mídia, recorremos a um diálogo com os estudos de Kellner (2001). Ao estudar o fenômeno Madonna5, o pesquisador aborda como uma artista da música pop se destaca e como ele mesmo explica: “está situada no olho de um furação de controvérsias” (KELLNER, 2001, p. 335). Ele aponta como a cantora consegue produzir legiões de fãs e admiradores no decorrer dos anos de sua carreira e como ela se “transforma” se adaptando as novas tendências de mercado musical. Esse trabalho de Kellner nos auxilia a melhor compreender como um artista do mundo musical com sua obra e popularidade atrai o público. Nas últimas décadas, a maneira como vemos e ouvimos música vem se modificando, novos artistas todos os dias são apresentados aos espectadores, alguns permanecem até os dias atuais, outros se tornam apenas viroses na “moda”, novas tendências, novos estilos, novas bandas e novas propostas musicais são apresentadas diariamente. E dentre alguns que permanecem na vasta lista da indústria fonográfica, Marilyn Manson ainda exerce influência dentro do universo Rock, alvo de elogios e críticas diante do público, gira em torno de polêmicas e escândalos, perseguido por grupos religiosos que tentam

5 Louise Ciccone, 1958, é uma cantora, compositora, atriz, dançarina, empresária e produtora musical norte americana.

15 proibir a exibição de seus shows nas cidades que fazem parte da sua turnê, aclamado pelo público, em sua maioria adolescentes que se identificam com as letras, com o visual horror gótico ou com a ideologia com que a banda ganhou fama ao vender. O Reverendo Manson, como gosta de ser chamado, é uma máquina de marketing, além de músico, Marilyn Manson também é pintor, e flerta com o cinema, fez participações em filmes “B” pouco conhecidos. Idolatrado por fãs, Manson ganha uma pequena gama de admiradores que o seguem, imitando sua imagem, estilo e identidade. Para os conservadores, ele é a representação do que a sociedade tem de pior, perturbador, com sua mensagem anti religião, afronta igreja e governo, com palavras de ordem e ódio. No mundo globalizado e com a velocidade da informação em tempo real, a mídia está inserida culturalmente na vida cotidiana da sociedade, nos meios de comunicação (revistas, jornais, rádio, televisão, imprensa, na internet e nas chamadas novas mídias), nos espetáculos que ela proporciona são atrativos e sedutores, de maneira que o indivíduo a utiliza imperceptivelmente, de uma forma quase mecânica, sem perceber que a está usando. Ao ouvir rádio, olhar um programa de televisão preferido, ao assistir a um filme no cinema, ou até mesmo ao “curtir” postagens nas redes sociais, tudo está ali, no dia a dia de cada pessoa, o videoclipe se insere nesse cotidiano também, vinculado em canais específicos de televisão e na internet. Sendo assim, Kellner também aborda que a mídia “(...) molda a vida diária, influenciando o modo como às pessoas pensam e se comportam como se veem e veem os outros e como constroem sua própria identidade” (KELLNER, 2001, p.10). Ao usufruir dos meios de comunicação, cada indivíduo, na visão de Kellner, tem seu tempo de lazer dominado pelas mídias, que fornecem padrões estéticos, senso de bom ou mau e apresentam modelos daquilo que seria ser homem ou mulher, forte ou fraco, bem sucedido ou fracassado. Essa cultura veiculada pela mídia, expõe material a ponto de criar identidade para que o indivíduo consiga se inserir na sociedade, produzindo uma nova forma de globalização da cultura. A partir da obra de Kellner, buscamos elementos de como a banda Marilyn Manson constrói sua identidade a partir das imagens que produzem, iremos analisar a carreira e como o grupo se destacou no mercado da indústria

16 musical com o produto audiovisual que criaram, o início em 1989, a ascensão com o lançamento de um álbum polêmico e repleto de simbologias o qual os inseriu dentro do mercado competitivo da música, e os graves problemas com a censura e acusações de que o grupo induziria com sua arte, a violência. Atualmente, nossa sociedade cria novos espaços para consumidores, tornando o consumo algo padronizado que é moldado na relação entre os indivíduos. Os consumidores estão mais interessados no significado que um determinado produto possa ter do que a funcionalidade da própria mercadoria. A sociedade pós-moderna é uma sociedade de consumo, onde cada indivíduo é visto como consumidor. Por isso, nosso estudo, visa entender o conteúdo desses videoclipes e as questões presentes nessas imagens e como podem ser usadas para produzir sentidos a serem assimilados posteriormente pelo público/fã.

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2 VIDEOCLIPE: BREVE HISTÓRIA DO PRODUTO AUDIOVISUAL

Para melhor compreensão do nosso trabalho, há a necessidade de explanar uma breve história sobre o videoclipe, como que ele surge e como se torna uma das ferramentas midiáticas de maior importância para promoção e divulgação de produtos musicais criados por artistas, sejam do mercado fonográfico, bem como das artes como um todo; sua evolução: da exibição em programas televisivos, até a criação de uma emissora especifica para sua divulgação, passando atração televisiva à canais de compartilhamento online. Porém, nossa análise foge à tentativa de classificação do videoclipe em gênero e subgêneros, por ser uma área própria para experimentações, tarefa essa torna-se difícil, quando não insuficiente.

Quando nos remetemos ao videoclipe, estamos tratando de um conjunto de fenômenos de criação nos meios de comunicação de massa angariados na ideia do hibridismo. Como gênero televisual pós moderno que é, o videoclipe agrega conceitos que regem a teoria do cinema, abordagens da própria natureza televisiva, ecos da retórica publicitária e dos sistemas de consumo da música popular massiva (SOARES, 2004, p. 01).

Segundo o teórico do cinema Noel Burch (2008), afirma que durante a evolução do cinema, produtores sentem a necessidade de acompanhamento sonoro no filmes da época, por que o silêncio junto as imagens deixava um certo desconforto no espectador de maneira a quase se tornar insuportável, pesquisadores tentaram suas primeiras tentativas em meados de 1877 com a criação do fonografo, que não funcionou de maneira satisfatória. Entre os anos 1900 à 1913 houve um consenso de que música seria o acompanhamento ideal para o frenesi das imagens. Em 1920 os mega estúdios da Warner Brothers e Fox Film Corporation, apresentam aparelhos que conseguiam sincronizar imagem e som, e em 1927 sai o primeiro filme “cantado” no mundo da sétima arte, O cantor de jazz, com Al Jolson. Nos anos de 1940 os estúdios Disney produzem o desenho animado Fantasia, o qual foi o mais próximo de imagem e música que até então haviam chegado. Na apresentação do trabalho sobre a Breve história do videoclipe, encontramos informações que a partir da década de 1950, as produções do cinema e da televisão foram marcados com inúmeros filmes e programas

18 musicais, rendendo lucratividade para o mercado fonográfico, na Inglaterra é lançado um programa chamando “6’5 Special”, exclusivo para musicais. Nessa mesma época há o surgimento do ícone da indústria musical até os dias atuais, o Rei do Rock, Elvis Presley, que lança vários musicais, entre um dos mais famosos, Love me tender, de 1956, e outros vários trabalhos populares na década, incluindo um documentário em 1972 sobre seus shows. O ano de 1964 foi marcado com o lançamento do filme A Hard Day’ Night, da banda The Beatles. Além do filme, a banda gravava inúmeros vídeos, que se classificavam de “promo”, da abreviação de promocional, devido à grande popularidade do grupo e da necessidade de estarem em vários programas ao mesmo tempo, eram feitas essas filmagens para que houvesse a possibilidade de apresentação em vários canais simultaneamente, sendo assim, o videoclipe começa a ganhar espaço na televisão e cinema, dando seus primeiros passos. Ainda na década de 1970, a banda Queen lança o que estudiosos dizem ser o primeiro videoclipe lançado intencionalmente, Bohemian Rhapsody, produzido com intenção de divulgação do disco da banda, seguindo o novo conceito do que seria o produto audiovisual, conceito esse alcançado com sucesso, pois com a frequente exibição da banda nos programas de televisão, fez com que o disco chegasse ao topo das vendas. No Brasil a exibição do primeiro videoclipe ocorreu em 1975, no programa Fantástico da Rede Globo, a canção se chamava América do Sul, interpretada por Ney Matogrosso. Nesse período, houve grandes lançamentos no cinema voltados a musicais de grande sucesso, Os embalos de sábado à noite, 1977, Abba – O filme, 1977 e Grease, nos tempos da brilhantina de 1978, e no Brasil, programas de televisão são marcados por videoclipes, FM-TV (extinta Rede Manchete), Videograma (Record) e Clip Clip no programa do Fantástico (Globo). Foram muitos os filmes musicais e os programas televisivos que exibiam semanalmente documentários sobre música, mas foi durante a década de 1980 que a maneira de consumir a música começa a ser diferenciada, transformada pelo videocassete e pelo videoclipe. A partir dessa nova empreitada, os clipes são inseridos na indústria fonográfica e audiovisual. A criação da MTV (Music Television), no ano de 1981, foi de relevante importância para o cenário. Emissora de TV exclusiva para exibição, promoção e divulgação de

19 videoclipes, primeiramente era canal a cabo, depois canal aberto. Partindo da mudança na maneira de se ouvir música e diversidade de gêneros e estilos, houve a necessidade de criar um canal especifico para exibição dos clipes, e isso mudou o cenário da indústria fonográfica, a partir dessa nova ferramenta e dessa nova realidade ao consumir música através da imagem, artistas como Marilyn Manson começam a utilizar os clipes para divulgação de seus trabalhos. A partir dos anos 1980, o videoclipe ganha notoriedade e a expressão começa a ser popularizada. A palavra “clipe” surge de clipping, um recorte, que possivelmente se refere a técnica midiática de recortar imagens e fazer colagens, que com as adaptações e necessidades, acaba ganhando a forma de narrativa em movimento com o vídeo, esse produto audiovisual surge na forma de pacote vendável completo, onde encontramos a possibilidade de vender não somente a música, mas também agregado a ela, a imagem do artista, sendo vastamente usada como ferramenta de forte apelo mercadológico. Em seu início, era produzido de forma para que se tornasse rápido e instantâneo, geralmente com prazo de validade, utilizado exclusivamente apenas para divulgação musical, para sua produção. Não havia uma preocupação para que na sua narrativa houvesse uma história linear com início meio e fim; em sua grande maioria, eram apenas imagens frenéticas que pudessem ser usadas para vender o produto, nesse caso, a música, podendo ser utilizado para ditar tendências e moda.

O videoteipe é outra coisa. Uma das razões é que a indústria se desenvolveu de forma sinuosa, sem sempre seguindo as predições e receita dos fabricantes e publicitários, as pessoas ficam surpresas com o que ele é capaz por que não foram avisadas. Além disso, as pessoas geralmente adquirem um senso imediato do surpreendente potencial do vídeo – não vai demorar muito tempo para vermos que sua evolução pode, literalmente mudar o mundo (MURRAY, 1975, p. 8-9)

Por ter essa liberdade, o roteiro é outro aspecto técnico que pode variar bastante nos clipes. Por exemplo, a narrativa não é item obrigatório em um videoclipe, ele pode contar a história da música, seguindo e dando sentido a parte literal, como pode inserir novos elementos e conceitos não relacionados à letra, podendo também ser totalmente contrária a ela. Com todos os recursos

20 citados, ainda tem o desempenho dos músicos, seja com coreografia, muito utilizada no universo pop; ou em bandas de Heavy Metal, que se apropriam de um visual mais denso, usando maquiagem, tachas e sangue artificial, com intuito de chocar o telespectador, fazendo referências aos primórdios do videoclipe. E, em meio ao tudo isso, é claro, também há a possibilidade de não utilizar nenhum desses elementos e flertar com a experimentação, já que esse gênero audiovisual permite inventividade, criatividade e uso abusivo de imaginação.

John Lack, considerado um dos principais idealizadores da MTV, afirma que considerou que a MTV representaria uma oportunidade para artistas e gravadoras, anunciantes e a própria TV a cabo. Além disso, a MTV seria uma emissora que não demandaria grandes custos, visto que os videoclipes seriam fornecidos pelas gravadoras que se beneficiariam do marketing que naturalmente o videoclipe representaria (HOLZBACH, 2012, p. 269-270)

Esse produto audiovisual obteve uma crescente importância, não só para artistas do meio musical:

A MTV levou para a televisão características do rádio, transmitindo na TV a cabo lógica baseada na programação dos rádios FM: música (no caso da emissora de televisão, o videoclipe) intercalada com spots publicitários que na maioria das vezes eram da própria emissora” (BELO, 2014, p. 2)

Além disso, o videoclipe é influenciado também pelas as artes como um todo, pois flerta com as artes plásticas e as artes cênicas.

Ao lançar um álbum, além da música de trabalho e do single, era necessário também pensar na parte “visual” das canções. A televisão, principalmente a MTV, foi a grande articuladora do videoclipe no cenário da indústria cultural durante décadas de 1980 e 1990 (HOLZBACH, 2009, pág. 51).

Com a criação da MTV (Music Television)6, emissora de televisão dedicada apenas à divulgação de produtos audiovisuais, o videoclipe ganha maior espaço nas mídias televisivas, e assim, produtores, diretores e músicos

6 Fundada em 1981 como um canal a cabo norte americano, a MTV é hoje considerada a maior rede de televisão do mundo. Dados do Ibope de 2000 revelavam que o canal que atua no Brasil desde 1990, atinge cerca de 3.5 milhões de pessoas no pais, na faixa etária de 15 a 29 anos (FRIDMAN, 2001).

21 passam a ter maior preocupação na produção e qualidade do produto, investindo em novas maneiras e técnicas para a criação do clipe, tornando o videoclipe uma peça principal na divulgação dos trabalhos de músicos, que o usam como vídeos “promo” (abreviação de “promocional”) para apresentar teasers das faixas do disco, ou como músicas de trabalho, apresentando canções escolhidas para divulgar o lançamento do álbum.

Não há como negar a importância de uma emissora como a MTV (Music Televison) muito menos o gênero de produto por ela veiculado, o videoclipe, concebido, a grosso modo, como uma forma de apresentação da canção traduzida em sinais audiovisuais eletrônicos para ser consumida dentro da estrutura mercadológica da música pop. Sua origem não escondem uma das funções básicas que exerce no mercado musical até hoje: um meio de divulgação da canção desenvolvido pela indústria fonográfica que alia a imagem aos textos poéticos e sonoro da canção numa estrutura de linguagem, visando aproximar-se do consumidor cultural de maneira paralela e suplementar ao disco e a fita cassete, formas mercantis típicas nesse mercado (GOODWIN, 1993, p. 24)

Pensando nessa estratégia comunicacional, muitos empresários e indústria do entretenimento investem valores altos e criatividade na produção de seus videoclipes, criando identidade e características próprias, como forma de se destacar na indústria da música. Por isso, como objeto de estudo, delimitamos uma das bandas mais controversas já lançadas no mainstrem para averiguar como ela se apropria dessa ferramenta para fazer suas críticas e polêmicas, analisando em especial, o impacto que o videoclipe The Beautiful People causou na indústria da música e se tornou um divisor de águas na carreira da banda.

O videoclipe assume, então, um lugar evidenciador de suas lógicas produtivas da mídia: a música popular massiva e a televisão. Dos sistemas da música popular massiva, estabelece a ligação entre artistas, diretores de audiovisuais e diretores de arte e de marketing da indústria fonográfica com a finalidade de se configurar como objeto de divulgação de uma faixa musical. Determina a compreensão do lugar do artista na indústria fonográfica para a ingerência deste na dinâmica produtiva do clipe, acarretando assim, na configuração dos produtos em circulação (SOARES, 2007, p. 2)

Dentro da perspectiva mercadológica, Marilyn Manson se sobrepõe diante de artistas musicais pelo seu apelo visual nomeado de grotesco. Hoje em dia, o grotesco está inserido não apenas nas artes, mas na sociedade, ele

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é caracterizado pela possibilidade de um mundo de seres humanos e seres não humanos deformados, inseridos num mundo de fantasias, normalmente o grotesco está ligado diretamente ao choque, sendo esse, um dos efeitos criados pelo gênero. Torna-se importante entender compreender como era expressado o grotesco em seu surgimento, e como a percepção foi alterando e se moldando com o passar das épocas. Hoje em dia encontramos facilmente o grotesco em programas de auditório, cinema, pinturas e na música, que é o elemento que junto ao produto audiovisual, se torna foco da nossa pesquisa. Com a web 2.07, o surgimento de um novo consumidor e de sites de compartilhamento de vídeos, a MTV acaba perdendo a hegemonia na divulgação de videoclipes. Em 2013, a MTV Brasil anuncia seu fim, passou por uma reformulação e sendo nos dias atuais um canal pago com atrações para público de 15 a 30 anos. O Youtube8 acaba sendo o maior distribuidor desse gênero audiovisual. Podemos analisar a forma como o ciberespaço foi se apropriando e sendo apropriado da indústria fonográfica, tentando entender qual função estratégica mercadológica utilizada pelas gravadoras. Nesse site e em sites semelhantes, é possível encontrar uma variedade enorme de videoclipes, desde os bem produzidos pela indústria fonográfica e gravadoras, e até do circuito musical independente ou mesmo vídeos caseiros e de artistas desconhecidos O Youtube foi fundado em 2005, por três ex-funcionários do site de e- commerce Paypal9. O Youtube possuía inovações tecnológicas, mas ao mesmo tempo se tornava simples e de fácil acesso aos usuários, facilitando o upload e a visualização (dentro dos limites dos navegadores e velocidade de conexão internet disponibilizados na época); em 2006, a empresa Google compra o site por U$ 1,65 bilhões de dólares e “no começo de 2008, de acordo com vários serviços de medição de tráfego na web, já figurava de maneira

7 Web 2.0 é um termo popularizado a partir de 2004 pela empresa americana O'Reilly Media1 para designar uma segunda geração de comunidades e serviços, tendo como conceito a "Web como plataforma", envolvendo wikis, aplicativos baseados em folksonomia, redes sociais, blogs e Tecnologia da Informação. 8 YouTube é um site que permite que seus usuários carreguem e compartilhem vídeos em formato digital. Foi fundado em fevereiro de 2005 por três pioneiros do PayPal,2 um famoso site da internet ligado a gerenciamento de transferência de fundos. 9 PayPal é um sistema que permite a transferência de dinheiro entre indivíduos ou negociantes usando um endereço de e-mail, assim, evitando métodos tradicionais como cheques e boleto bancário. A empresa que criou e rege tal sistema situa-se em São José na Califórnia.

23 consistente entre os dez sites mais visitados do mundo” (BURGESS; GREEN, 2009,pág. 18). O Youtube representa uma quebra nos modelos midiáticos atuais, e surge como um novo espaço da mídia. Segundo Rafaela Belo (2014), no artigo O novo lugar do videoclipe, um novo mercado com um novo público consumidor exige novas formas de exibição, interação e novas estratégias de divulgação. A indústria fonográfica modifica-se seguindo as tendências tecnológicas e mercadológicas, o ato de escutar música transforma-se em “assistir música”, evoluindo da ação auditiva pra uma experiência visual, através dos videoclipes presentes do ciberespaço. A venda e o compartilhamento de singles ultrapassa a venda de álbuns físicos “fechados” como o CD e a interação artista-consumidor se torna mais dinâmica (BELO, 2014, p. 8). Ou seja: “As formas de espetáculo evoluem com o tempo e a multiplicidade dos avanços tecnológicos. (KELLNER, 2006, p. 121), Kellner explica que com os avanços tecnológicos, o espetáculo rompe barreiras e ganha proporções globais, podendo ser observado na televisão, rádio e internet. O próprio site Youtube permite que grandes espetáculos sejam transmitidos ao vivo ou que o usuário dono de uma conta possa fazer o upload e disponibilizar na rede mundial.

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3 ESPETÁCULO MIDIÁTICO: O GROTESCO EM MARILYN MANSON

Para Debord (1967) “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. (p. 14), seguindo a perspectiva usada por Debord, podemos analisar que a criação de Manson, uma figura bizarra que mescla o belo e o feio como tema principal de trabalho como músico, está diretamente ligado a criação da diferença em seu contexto. Através de imagens e videoclipes grotescos, Manson alcança uma gama de espectadores que se identificam com as mensagens contra sociedade, moralidade e religião, juntamente com espetáculos cada vez maiores e mais teatrais e chocantes, “o espectador reativo e consumidor de um sistema social baseado na submissão, no conformismo e no cultivo da diferença rentável (KELLNER, 2006, p. 123).

Na cultura da mídia globalizada, as celebridades são divindades fabricadas e administradas. São ícones midiáticos, e deuses e deusas da vida cotidiana. Para se tornar uma celebridade, é necessário o reconhecimento como uma estrela no campo do espetáculo, seja com esportes, entretenimento, negócios ou política. As celebridades possuem assessores e agentes de imagem para garantir que continuem a ser vistas e percebidas positivamente pelo público (KELLNER, 2006, pág. 126)

Nem sempre Marilyn Manson é visto positivamente pela crítica e público, porém, ao explorar a identidade grotesca na música, imagem, shows e produto audiovisual, ele acaba ganhando o reconhecimento que Kellner cita, seja pela qualidade musical, seja pelas polêmicas que envolvem o grupo. Podemos afirmar que a cultura midiática é “industrial, organiza-se com base no modelo de produção de massa e é produzida para a massa de acordo com os tipos (gêneros), segundo formulas, códigos e normas convencionais. É portanto uma forma de cultura comercial e seus produtos são mercadorias” (KELLNER, 2001, pag. 9). Esta característica grotesca que a banda vende em suas imagens, acaba auxiliando o público consumidor a construir a sua identidade consequentemente criando diferença. Partindo da arte que Marilyn Manson vende, encontramos na obra do autor SILVA, 2000, um auxílio para nosso estudo para entendermos como o artista vende sua imagem por meio dos videoclipes, e como ao consumir o público se identifica e constrói uma

25 identidade. Wooward (2000) explica como a identidade é marcada diretamente pela diferença, pela simbologia e pelo social, para Woodward existem dois tipos de identidades: a essencialista – concebe a identidade como algo homogêneo (geralmente ligado a etnia, nacionalidade ou questões biológicas) partilhado por todos do grupo e não sofrendo alterações – e a não essencialista – que trata a identidade como processo, sofrendo alterações e ligada diretamente a diferença.

O social e o simbólico referem-se a dois processos diferentes, mas cada um deles é necessário para a construção e a manutenção das identidades. A marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido a práticas e a relações sociais, definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído é por meio da diferenciação social que essas classificações da diferença são “vividas” nas relações sociais (WOODWARD, 2000, p. 14)

Silva (2000) aborda a identidade e diferença como produto de linguagem, “a identidade e diferença estão, pois, em estreita conexão com a relação de poder: o poder de definir a identidade e de marcar a diferença não pode ser separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a diferença não são, nunca, inocentes” (SILVA, 2000, p.81). Dessa forma, por serem criações linguísticas, a identidade e a diferença também adquirem características de vacilante, indeterminada e instável atribuídas à língua. Já Hall (2000) aborda o motivo pelo qual seres humanos se submetem à identidade, mesmo com prejuízo de suas vontades. Nesse aspecto, a identidade é como processo, necessitando sempre “(...) daquilo que lhe falta – mesmo que esse outro que lhe falta seja um outro silenciado e inarticulado (...)” (HALL, 2000, p.110). Assim, neste capítulo, abordamos os procedimentos metodológicos utilizados no estudo e a análise do objeto empírico.

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3.1 A metodologia para o estudo do grotesco nos videoclipes

A pesquisa é concebida a partir da abordagem qualitativa, pois trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, crenças, dos valores e das atitudes, esse conjunto de fenômenos é entendido. Esse tipo de pesquisa dificilmente pode ser mensurado com números e indicadores quantitativos pois se aprofunda no mundo dos significados, precisa ser exposta e interpretada em primeira estancia, pelos próprios pesquisadores. (MINAYO, 2007).

Considerando que a abordagem qualitativa, enquanto exercício de pesquisa, não se apresenta como uma proposta rigidamente estruturada, ela permite que a imaginação e a criatividade levem os investigadores a propor trabalhos que explorem novos enfoques. Nesse sentido, acreditamos que a pesquisa documental representa uma forma que pode se revestir de um caráter inovador, trazendo contribuições importantes no estudo de alguns temas (GODOY, 1995, p. 23).

Para que haja melhor compreensão sobre a pesquisa qualitativa e como pode ser utilizada, abordaremos alguns conceitos que auxiliam na interpretação e aplicabilidade da pesquisa, que é baseada em preposições, hipóteses, métodos e técnicas, esse tipo de linguagem é construída de forma a desenvolver um ritmo de produção particular, esse ritmo é denominado ciclo de pesquisa (MINAYO, 2007), subdividido em etapas, mas para nossa proposta, iremos nos apoiar em dois.  Fase exploratória - produção do projeto de pesquisa e de todos os procedimentos para preparar para execução dela. Para Minayo, é o tempo que será dedicado ao trabalho, onde deve haver empenho e investimento, para poder definir e delimitar o objeto a desenvolve-lo teórica e metodologicamente e colocar hipóteses ou algum pressuposto para seu encaminhamento. Nessa fase foi feito o balanço e a escolha de um cronograma de ações, para a delimitação do espaço e da amostra qualitativa.  Análise e tratamento de material empírico e documental - momento de procedimentos para a valorização, compreensão e interpretação dos dados empíricos, afim de casá-los com as teorias fundamentadas no projeto, ordenando e classificando os dados e

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partindo para a análise propriamente dita. Esse material conduz uma busca da lógica interna do que estamos estudando, se tornando item fundamental para o pesquisador. A pesquisa qualitativa não se resume apenas a classificação de opinião dos informantes é: “(...) a descoberta dos códigos sociais a partir de falas, símbolos e observações” (MINAYO, 2007, p. 27).

Para nosso trabalho, foi fundamental partimos da metodologia de análise documental, nesse ponto, a palavra documentos pode ser estendida de uma forma ampla, incluindo os materiais escritos, jornais, revistas, sites, bibliografia, obras literárias, cientificas, técnicas. Ou “os elementos iconográficos, como por exemplo imagens, fotografias, filmes (GODOY, 1995, p 22). Esses documentos são classificados como primários, quando a pessoa vivencia diretamente o que está sendo estudado, ou secundário, quando coletados por pessoas que não estavam presentes na ocasião da ocorrência.

Algumas dificuldades, no entanto, cercam as pesquisas de caráter documental e devem ser apontadas. Muitos dos documentos por ela utilizados não foram produzidos com propósito de fornecer informações com vistas a investigação social, o que possibilita vários tipos de vieses. Exemplificando: documentos autobiográficos ou artigos de jornais podem distorcer muitos pontos na tentativa de construir uma boa história (GODOY, 1995, p.22)

Assim, pudemos ter os subsídios metodológicos que, aliados ao marco teórico, serve de alicerce para compreensão do fenômeno do grotesco nos videoclipes da banda estudada.

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3.2 O grotesco na banda Marilyn Manson

É possível observar a mídia abrangendo diversos gêneros e estilos, “pode-se, entretanto, rir do terrível ou das desproporções escandalosas das formas, transformando-os em veículos de irrisão e de provocação aos cânones do esteticamente correto” (MUNIZ; PAIVA, 2002, p. 9). Diante disso, para nosso trabalho, iremos abordar um gênero que teve seu início desde o Renascimento (Antiguidade Clássica) e que encontramos com maior vinculação nos dias atuais. Na obra “O Império do grotesco” (MUNIZ; PAIVA, 2002), o gênero é um conceito muito relacionado à estética e, em geral, sempre esteve associado ao mau gosto e ao repulsivo, ao fantasioso, sem sentido e alheio a realidade. Essa repulsa, no entanto, pode ser a estratégia de artistas para surpreender ou simplesmente chocar o espectador, chamar a atenção. Para a banda Marilyn Manson, essa é a ferramenta principal para sua divulgação, criando o feio, o horrível, o monstruoso em sua arte. Em sua biografia “Long Hard Road Out of Hell”( A Longa e Difícil Estrada Para Fora do Inferno, 1997), Manson com a ajuda de Neil Strauss da revista , nos ajuda a pensar essa relação com a mídia e como o videoclipe pode se tornar poderosa arma de divulgação e promoção dos artistas. A biografia do líder da banda inicia em 05 de janeiro de 1969, quando nasce na pequena cidade de Canton, Ohio, interior dos EUA. Brian Warner, como foi nomeado, passa por uma infância conturbada, sofria bullying na escola e abusos sexuais por parte de um vizinho. No fim da adolescência e início da fase adulta, os pais decidem se mudar para a Califórnia, onde Brian começa a trabalhar como jornalista em uma revista especializada em música. Nessa época: Conheci o guitarrista (Daisy Berkowitz) e ele tinha algumas composições sem letra e como experiência decidimos nos juntar. Acabamos escrevendo músicas como Dogma e My Monkey, que foram as primeiras faixas que escrevemos que estão no álbum. Esse foi o nascimento da banda Marilyn Manson and The Spooky Kids10 (Entrevista à Revista Black Market, 1994)

Sua formação artística - no final dos anos 1980 início dos 1990 - teve forte apelo visual e uma mescla de música gótica com rock pesado,

10 Mais tarde chamada apenas de Marilyn Manson.

29 rapidamente ganha popularidade na região se destacando com seu show de horrores, gênero intitulado de Shock Rock. “Eu tendo a procurar coisas que as pessoas consideram feias, achar coisas que a sociedade decide que são bonitas e torna-las não atrativas” (Entrevista à Revista Black Market, 1994) Utilizando-se dos nomes de dois ícones pop: da norte-americana, Marilyn (Monroe), vedete famosa na década de 60; e (Charles) Manson, serial killer, Marilyn Manson elabora uma encenação que é um paralelo entre o glamour e horror, usa maquiagem pesada e assombrosa, peças íntimas femininas, vestidos rasgados e coturnos militares. Em sua performance há a dualidade humana expressadas no “belo” (Marilyn, mulher) e no “feio” (Manson, homem); com o visual grotesco, desafia a sociedade com suas críticas ácidas a superficialidade da cultura americana, violência, sexo, drogas e muitas músicas contém mensagens anti-religião, seu comportamento muitas vezes ultrapassa as linhas da moralidade.

Me pergunto por que a sociedade precisa de algo como Marilyn Manson, é uma das minhas perguntas. Fui educado na cultura Americana, sou um produto da América. Então é completamente injustificável as pessoas acharem que estou fazendo algo errado. Sou um sintoma de um problema que eles criaram. Eu vim deles e eles não podem culpar ninguém, a não ser eles mesmos” (Entrevista à Revista Black Market, 1994).

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Tudo começou em 1990, quando eu estava escrevendo. Eu não chamaria aquilo propriamente dito de letras, eu estava apenas algumas ideias que eu tinha. Eu não tinha nenhuma ambição de formar uma banda, por que eu nunca pensei que seria ideal pra mim. E o nome Marilyn Manson foi algo que surgiu de um casal de opostos. Eles (Marilyn Monroe e Charles Manson) foram duas celebridades dos anos 1960. A um nível filosófico, achei interessante juntar dois extremos e coloca-los juntos formando uma área “cinza” que realmente transcendeu as fronteiras do que eu estava escrevendo, do que eu vivia no momento, bem, era o certo para mim. O nome realmente define meu propósito e o que eu quero (Entrevista à Revista Black Market, 1994)

Desde o surgimento da banda, os nomes de palco usados por cada membro representava um conceito que era considerado central para a banda: a dicotomia do bem e do mal, e a existência de ambos, juntos, em todas as pessoas. "Marilyn Monroe tinha um lado obscuro", explicou Manson na sua autobiografia, "do mesmo modo que Charles Manson tinha um lado bom e inteligente". Os Spooky Kids' ganharam popularidade na área e suas performances eram feitas com visuais incomuns e chocantes. A banda costumava tomar elementos grotescos e teátricos, misturados com elementos de desenhos animados em seus shows. Eles continuaram a se apresentar e gravar fitas - encurtando o nome da banda para Marilyn Manson apenas, em 1992 - até o verão de 1993, quando ganharam a atenção de Trent Reznor11 que na época abriu sua própria gravadora, a .

3.2.1 Portrait of an American Family (Era 1990-1995)

Segundo a banda, os albuns lançados marcam uma “era” que a banda cria ou passa, Marilyn Manson começa a era Portrait of an American Family em seu lançamento em 1993. Cada integrante usa nomes ficticios para se identificar, sempre composto por um ícone pop e um serial killer.

11 Michael é um músico estadunidense, cantor, produtor musical, e multi- instrumentalista. Reznor é o fundador e principal força criativa por trás da banda de rock industrial, .

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Da esquerda para direita, nome e significado de cada um integrante:  Marilyn Manson – (vocalista) nome verdadeiro Brian Warner. Seu nome é composto de dois ícones americanos da cultura pop, Marilyn Monroe (atriz) e Charles Manson (serial killer).  – (baixista) nome verdadeiro Jeordie White. Seu nome é composto por Twiggy (modelo dos anos 60) e Richard Ramirez (serial killer)  Madonna Wayne Gacy – (tecladista) nome verdadeiro Steve Bier. Seu nome é composto por Madonna (cantora) e Wayne Gacy (assassino confesso de 33 pessoas)  – (baterista) nome verdadeiro Frank Wilson. Seu nome é composto por Ginger Roger (atriz e dançarina) e Albert Fish (assassino canibal de crianças)  - (guitarrista) nome verdadeiro Michael Nastasi. Seu nome é o único não composto por dois ícones pop, a palavra é de origem hebraica que significa “o anjo enviado para fazer o trabalho sujo de Deus”. Marilyn Manson ganha popularidade local e o convite para shows em clubes e casas noturnas aos poucos se multiplica. Em uma dessas apresentações, a banda toca junto a Jack of Jill, grupo formado apenas por mulheres, na noite de apresentação, Manson foi acusado pela Coligação Cristã da cidade de violar os termos de entretenimento adulto. A vocalista de foi acusada de solicitação e oferta para participar de atos libidinosos. Os dois cantores foram presos por "delitos leves". Aqui já podemos observar que Manson começa a dar seus “primeiros passos” para o que se tornaria um produto de grande impacto na industria fonográfica. Durante o início da banda, os Spooky Kids ganharam popularidade na área e suas performances eram

32 feitas com visuais incomuns e chocantes. A banda costumava tomar elementos grotescos e teátricos, misturados com elementos de desenhos animados em seus shows O álbum ganha singles e três vídeo clipes: , o primeiro lançado, a banda faz uma alusão as escrituras sagradas, mensagens subliminares e prováveis profecias tiradas do livro Apocalipse, observadas durante a rolagem do vídeo. Os fragmentos que aparecem podem ser relacionados com aborto, procura por morte e uma sugestão do que pode ser feito por quem pratica isso. Para Muniz e Paiva (2002):

[...] em sua modalidade crítica, o grotesco não se define como simples objeto de contemplação estética, mas como experiência criativa comprometida com um tipo especial de reflexão sobre a vida. Em cada imagem ou em cada texto, há uma ponte direta entre a expressão criadora e a existência cotidiana (Muniz; Paiva, 2002, p. 72)”

A crítica de Manson está diretamente relacionada ao assassinato do Dr. David Gunn12 no ano de 1994, na Flórida, Estado Unidos, na letra, Manson manifesta exatamente os opostos, “... A pró vida, eu assassinarei” (trecho da canção Get You Gunn), a partir dessa perspectiva, podemos notar a direta crítica ao movimento Pró-Vida Cristão13. Durante o refrão da música, os fragmentos que aparecem são citações retiradas da bíblia. Percebam o momento cantado com as imagens abaixo.

(Get You Gunn) (Pegue sua arma) “Pseudo morals work real well “Pseudo-moralistas trabalham muito bem On the talk shows for the weak Nos talk shows para os fracos But your selective judgements and good guys Mas seus julgamentos seletivos e prêmios de bom bagdes garoto Don’t mean a fuck to me” Não significam porra nenhuma pra mim”

Quadro: Refrão da canção “Get Your Gunn” (1993) Fonte: Letras Traduzidas Site Terra

12 Gunn era médico americano a favor do aborto, foi assassinado em 1994 na Pensacola, Flórida , por um anti-abortista Michael F. Griffin ,originalmente alegou estar agindo "por Deus". 13 São denominados pró-vida movimentos que se declaram em defesa da dignidade da vida humana, conhecidos principalmente por sua oposição à prática do aborto induzido.

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Imagem: Frame do videoclipe “Get Your Gunn” Fonte: Site Mechanical Christ Brasil

“E naqueles dias os homens buscarão a morte, e não a acharão, e desejarão morrer, e a morte fugirá deles” Apocalipse 9:6

O video também mostra vários planos fechados (closes) de um documento bíblico ensanguentado, possivelmente um folheto desdobrado Pró- Vida Cristão, evocando à violência do aborto e do trágico assassinato de Gunn.

Imagem: Frame do videoclipe “Get Your Gunn” Fonte: Site Mechanical Christ Brasil

O segundo single lançado se chama Lunchbox, uma espécie de história biográfica que Manson conta sobre os mal tratos que recebia quando criança. A história gira em torno de um menino que é intimidado por valentões da

34 escola, e que ao chegar em casa, acaba alimentando o que recebeu dos valentões, raspando sua cabeça e preparado para alguma retalhação futura. Devido a pouca verba, o clipe se torna simples e foi pouco divulgado, um dos poucos em que aparece Manson sem maquiagem, apesar de ter tido uma boa repercusão. Na capa do single, Manson aparece nu, pintado de batom14. “Quando voltado apenas para provocação superficial de um choque perceptivo, geralmente com intenções sensasionalistas, o fenômeno pode ser classificado como “grotesco chocante. (MUNIZ; PAIVA, 2002, p. 69)

Imagem: Single para a música “Lunchbox” (1993) Fonte: Mechanical Christ Brasil

Nesse momento, a banda começa a ganhar visibilidade diante de público e crítica, suas letras, suas ideologias e seu visual grotesco ganha espaço no mercado da música, porém, entre os integrantes estava havendo brigas e discuções, gerando climas tensos durante as aparesentações. Em uma ocasição durante um show, Manson ateia fogo na bateria e no baterista durante a canção Lunchbox, o que ocasionou o afastamento de Sara Lee Lucas por brigas constantes com Manson.

14 A palavra “cunt” escrita no peito de Manson significa em tradução livre, “vagina”

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Os membros da banda se vestem com roupas e maquiagens estranhas e se comprometem a chocar intencionalmente, tanto no palco quanto fora dele. No passado, suas letras recebiam críticas frequentes por seus sentimentos anti-religião e referências ao sexo, à violência e às drogas. As performances da banda eram constantemente chamadas de ofensivas e obscenas, principalmente por religiosos e conservadores e, em várias ocasiões, protestos e petições foram feitos para banir suas apresentações. O terceiro e último single trabalhado na Era Portrait é , o videoclipe é uma alusão direta ao filme de 1971 Willy Wonka & the Chocolate Factory (A fantástica fábrica de chocolates); no clipe, a banda anda em um barco num túnel psicodélico, cheio de cores e imagens bizarras enquanto navegam com com crianças a bordo e alguns personagens “Oompa Loompas”.

Imagem: Frame videoclipe “Dope Hat”, 1993

Com a produção do , a criação da Era Portrait , filmagens dos videoclipes, Manson que desde sua experiencia como jornalista musical, sentia a necessidade de um “Marilyn Manson” na industria musical, consegue aos poucos criar sua identidade, se diferenciando dos demais grupos, bandas e cantores do início dos anos 1990. Para Silva:

a identidade, tal como a diferença, é uma relação social. Isso significa que sua definição – discursiva e linguistica – esta sujeita a vetores de forla, a relação de poder. Elas não são simplesmente definidas, elas são impostas. Elas não vivem harmoniosamente lado a lado, em um campo de hierarquia, elas são disputadas” (SILVA, 2000, p. 81).

Manson já havia percebido a “falha” na disputa de poder no mercado fonográfico, e se aproveitando do conhecimento adquirido na resvista musical

36 que trabalhou, teve êxito ao compor a banda, mesclando o espetáculo teatral de David Bowie15 da década de 1970, com a hostilidade do metal do inicio dos anos 1990. Dope Hat encerra a Era Portrait of an American Family, com Manson conhecido no cenário underground da Florida, começa a trabalhar em seu nosso projeto, sua nova Era.

3.2.2 Smells Like Children (Era 1995-1996)

Imagem: Capa do álbum Smells Like Children, 1995

Nasce, em 1995, Smells Like Children, o álbum de quinze faixas de covers, remix do album Portrait e sons bizarros, incluindo a versão da banda de Sweet Dreams (Are Made of This)16, que foi, provavelmente, o primeiro hit legítimo de Marilyn Manson. Foi também nesse tempo que a banda começou a experimentar maquiagens góticas e mais visuais bizarros. O single de trabalho Sweet Dreams (are made of this) ganhou um video promocional, o que ajudou a impulsionar a popularidade de Manson ao redor do mundo, com o clipe passando diversas vezes na MTV. No clipe, a banda se apresenta em um manicômio destruído, abandonado, decrépto, o que dá o

15 Referido como "Camaleão do Rock" pela capacidade de sempre renovar sua imagem, tem sido uma importante figura na música popular há cinco décadas e é considerado um dos músicos populares mais inovadores e ainda influentes de todos os tempos, sobretudo por seu trabalho nas décadas de 1970 e 1980, além de ser distinguido por um vocal característico e pela profundidade intelectual de sua obra 16 Canção escrita e interpretada pelos britânicos de música new wave duo Eurythmics (Annie Lennox e David A. Stewart), lançada originalmente em 1983.

37 clima doentio nas imagens, que tem um ligeiro efeito de desfoque, enquanto a banda usa vestuário sujo e rasgado com pinturas fortes no rosto. Durante o clipe, Manson usa pombos em seu ombro, deixando-o sujo de dejetos, e um porco que usa para “passear”.

Imagem: Frame do videoclipe “Sweet Dreams (are made of this)”, 1996

Imagem: Frame do videoclipe “Sweet Dreams (are made of this)”, 1996

Imagem: Frame do videoclipe “Sweet Dreams (are made of this)”, 1996

Sodré e Paiva (2002) explicam que no trabalho apresentado por Marilyn Manson desde o seu início, em 1989, com Marilyn Manson and the Spooky Kids (Marilyn Manson e as crianças fantasmagóricas) houve:

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O rebaixamento, operado por uma combinação insólita e exasperada de elementos heterogêneos, com referência frequente a deslocamentos escandalosos de sentido, situações absurdas, animalidade, partes baixas do corpo, fezes e desejos – por isso, tida como fenômeno de desarmonia do gosto, que atravessa as épocas e as diversas conformações culturais, suscitando um mesmo padrão de reações: riso, horror, espanto, repulsa (Sodré; Paiva, 2002, p. 17)

Sweet Dreams (are made of this) encerra esta Era, que começa desde a primeira encarnação do Marilyn Manson como "Marilyn Manson & the Spooky Kids", em 1989, através do lançamento do primeiro grande lançamento da banda e LP, Portrait of an American Family e se estende para o lançamento do Smells Like Children EP. Esta Era envolveu uma abordagem mais selvagem em seus temas e um tom menos grave, muitas vezes cômico. Durante a maior parte da época, a banda tinha usado pouca ou nenhuma maquiagem, e os figurinos extravagantes e performances da banda viria a ser conhecido somente em seus estágios iniciais. A maioria dos temas abordados envolvia crianças, inocência, ficção, religião e América. Durante esta época, a banda ainda tinha que alcançar a fama internacional, já que estava sendo conhecida apenas no cenário musical underground da Flórida, mas não tinha nenhum reconhecimento significativo fora de sua área local. Isso, no entanto, mudou com o lançamento do cover da banda Eurythmics lançamento em 1983. A música e seu notoriamente horrível vídeo foram fundamentais para lançar carreira da banda para o mainstream. Após sete meses de turnê do álbum Smells Like Children, abrindo os shows de Nine Inch Nails, a banda compõe o que seria o maior marco na carreira de Marilyn Manson, o álbum mais conceitual e pesado até então, Antichrist Superstar.

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3.2.3 Nasce o Antichrist Superstar (Era 1997)

Imagem: Capa do álbum “Antichrist Superstar”, 1997

Em uma resenha sobre Marilyn Manson e o álbum AS, o site Whiplash17 descreve.

Em 1996, o mundo não estava preparado para a explosão de uma das mais controversas e polêmicas personagens da história da música contemporânea, se não a maior de todas. Em oito de outubro de 1996, Brian Warner, mais conhecido como Marilyn Manson, lançava sua obra prima, e considerada seu álbum mais ambicioso e pesado até hoje. “O mundo abria suas pernas” para Antichrist Superstar, assim como Manson declama em Little Horn, a quinta faixa da obra anticristã mais sedutora de todos os tempos (Érico Ferry, resenha site Whiplash, 2013)

O conceito para a Era de Antichrist Superstar foi marcado por uma viagem da banda nas áreas mais obscuras da mente e da sociedade, temas esotéricos e seu primeiro passo para o que mais tarde se tornaria o Triptych18. A concepção do álbum foi durante uma viagem na turnê de Smells Like Children, no interior do ônibus com Twiggy usando um violão depois de uma bebedeira e de usar metanfetamina, como revelado na biografia lançada por Manson, durante essa época que a banda ganhou notoriedade em todo o mundo, devido aos protestos contra os concertos de Manson por cristãos

17 O Whiplash.net é um site da internet, na língua portuguesa com notícias sobre rock em geral, e, mais especificamente, hard rock e heavy metal. 18 É uma obra de arte (geralmente uma pintura ou um painel, mas nesse caso é o lançamento de 3 álbuns na carreira de Manson) que é divido em 3 seções.

40 fundamentalistas em toda a América. A mensagem de Manson foi amplamente mal interpretada pela mídia mainstream. O senador Joseph Lieberman19, que rotulou Marilyn Manson como: "o grupo mais doente já promovido por uma gravadora mainstream"20. Nessa Era, Manson teve ameaças de cancelamento de seus shows nas cidades que passava, ameaças de bomba, e até mesmo ameaças de morte. (Fonte, Manson Wiki). Para nossa proposta de trabalho, iremos abordar e analisar com mais detalhes a obra Antichrist Superstar, para que possamos melhor compreender como chegamos a The Beautiful People, que lança Marilyn Manson ao topo da indústria mainstream para ser aclamado e odiado pela crítica e público. É a partir de experiências vivenciadas por Manson durante a infância e a adolescência, os pontos pelos quais Manson esteve envolvido durante toda a sua vida, que parte a premissa do Antichrist Superstar, uma obra auto biográfica, na qual Marilyn Manson autonomeado o "Anticristo Superstar", declarando guerra a todas as hipocrisias da sociedade norte americana e à sua “ética cristã” em um jogo de músicas muito bem amarrados e com tantos significados e conceitos por trás de suas letras que tornam o álbum uma obra extremamente complexa e de difícil análise, sendo por diversas vezes rejeitado pela maioria e provocando desconforto e êxtase ao mesmo tempo naqueles que absorvem sua mensagem dilacerante (FERRY, 2013). O álbum encontra- se dividido em três ciclos distintos: "O Hierofante", "A Inauguração do Verme" e "A Ascensão do Desintegrador". Esses ciclos compreendem as seguintes faixas:

Ciclo I - O Hierofante 1. "Irresponsible Hate Anthem" - 4:17 (Berkowitz, Gacy) 2. "The Beautiful People" - 3:38 (Ramirez) 3. "Dried Up, Tied and " - 4:16 (Manson, Ramirez) 4. "Tourniquet" - 4:29 (Berkowitz, Ramirez) Ciclo II - A Inauguração do Verme 5. "Little Horn" - 2:43 (Ramirez, Reznor) 6. "Cryptorchid" - 2:44 (Gacy) 7. "Deformography" - 4:31 (Ramirez, Reznor) 8. "Wormboy" - 3:56 (Berkowitz, Ramirez) 9. "Mister Superstar" - 5:04 (Ramirez)

19 Político dos Estados Unidos, senador independente pelo estado de Connecticut desde 1988. 20 Matéria sobre os 10 anos do lançamento do álbum , revista Kerrang, 2011

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10. "Angel with the Scabbed Wings" - 3:52 (Manson, Ramirez, Gacy) 11. "Kinderfeld" - 4:51 (Ramirez, Gacy) Ciclo III - A Ascensão do Desintegrador 12. "Antichrist Superstar" - 5:14 13. "1996" - 4:01 14. "Minute of Decay" - 4:44 15. "The Reflecting God" - 5:36 16. "" - 6:10 "Track 99" - 1:39

Cada uma destas partes corresponde a uma fase da vida de Manson, ao mesmo tempo em que correspondem à um passo a mais na degradação moral e corrupção mental do Superstar, objetos de repudio e ao mesmo tempo idolatria para a sociedade americana, tudo isso baseado numa analogia ao super-homem de Nietzsche21. Manson organizou magistralmente as faixas em uma ordem que narram a sua vida e trajetória na sociedade norte americana aonde vai tomando seus baques através das irregularidades do sistema em que se encontra condicionado, e assim, ao longo das músicas ele vai encarnando o Anticristo tema do álbum, e cumpre bem a sua missão ao mostras que esse, é na verdade o reflexo e resultado direto de uma moral cristã cheia de falhas. Érico Ferry, em resenha para a revista Whiplash, nos ajuda a melhor compreender o conceito articulado por Manson. Ele explica que O ciclo I O Hierofante 22 abre com a voz do Anticristo ditando a uma multidão: “And all the children sing: We hate Love! We love hate!" (E todas as crianças cantem: Nós odiamos amar! Nós amamos odiar!"). É um início apoteótico, e que sintetiza bem toda a contradição cultural norte americana além de se basear no princípio da dualidade que permeia toda a carreira de Manson. Guitarras distorcidas e pesadíssimas, seguida de uma bateria violenta abrem o disco com uma das músicas mais corrosivas de todas, Irresponsible Hate Anthem (Hino do ódio irresponsável), com frases ácidas, diretas e acima de tudo, reais, nos preparando para a inquietação que irá nos perseguir ao longo da jornada.

21 Foi um filósofo, crítico cultural, poeta e compositor alemão do século XIX. Ele escreveu vários textos críticos sobre a religião, a moral, a cultura contemporânea, filosofia e ciência, exibindo uma predileção por metáfora, ironia e aforismo. 22 O Hierofante no tarot mitológico, é o revelador da Luz, o Instrutor, O grande mestre dos testes da vida. É ainda, o termo usado para designar os sacerdotes da alta hierarquia dos mistérios da Grécia e do Egito.

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3.2.4 The Beautiful People – O grotesco crítico

A segunda faixa, The Beautiful People, entra com uma bateria militar em ritmo de marcha, com o propósito de apresentar à ditadura fascista da beleza que governa a vida do ser humano moderno. Nela discorre a respeito da busca pelo corpo ideal, e toda a rejeição que Manson sofreu na adolescência por não fazer parte desse seleto grupo de "pessoas bonitas". A música é como um hino para os "oprimidos" e não é à toa que se tornou um os maiores clássicos de Manson. O primeiro single do álbum, fez um grande impacto nos gráficos de música alternativa. O vocalista da banda apareceu na capa da revista Rolling Stone, que também premiou a banda como Artista Revelação, em 1996. Um semestre depois, "" foi a turnê mais longa e mais vasta que o grupo já tivera até a época. Enquanto isso, nos Estados Unidos, a banda recebia mais atenção do que nunca antes havia recebido, e nem toda de uma forma positiva.

Imagem: Fotos promocionais da Banda Marilyn Manson, 1997 Fonte: Site Mechanical Christ Brasil

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O conceito do clipe surgiu baseado na realidade da sociedade contemporânea a Manson, em que cada vez mais as individualidades perdem espaço para os comportamentos padrões, a moda tem uma importância forte na formação do caráter e consumo da sociedade.

The Beautiful People As Pessoas Bonitas

And I don't want you and I don't need ya E Eu não quero você e eu não preciso de você Don't bother to resist, or I'll beat ya Não tente resistir, ou eu baterei em você It's not your fault that you're always wrong Não é sua culpa que você estar sempre errado The weak ones are there to justify the strong Os fracos estão aí para justificar os fortes.

The Beautiful People, The Beautiful People As pessoas bonitas, as pessoas bonitas It's all relative to the size of your steeple É tudo relativo quanto o tamanho do seu penis You can't see the forest from the trees Você não pode ver a floresta pelas árvores And you can't smell your own shit on your knees E você não sente o cheiro da sua própria merda nos seus joelhos . There's no time to discriminate, Não há tempo para discriminar Hate every motherfucker that's in your way! Odeie todos os filhos da puta que estão no seu caminho!

Hey, you, what do you see? Ei, você, o que você vê? Something beautiful, something free? Algo bonito, algo livre? Hey, you, are you trying to be mean? Ei, você, está tentando ser mesquinho? You live with apes man, it's hard to be clean Você vive com os macacos, cara, é difícil estar limpo.

The worms will live in every host Os vermes viverão em cada hospedeiro It's hard to tell which one ate the most É difícil dizer qual eles comerão mais The horrible people, the horrible people As pessoas horríveis, as pessoas horríveis It's all anatomic as the size of your steeple É tão anatômico quanto o tamanho do seu penis.

Capitalism has made it this way, O capitalismo deixou as coisas desse jeito Old-fashioned fascism will take it away! Fascismo fora de moda, vai acabar com isso!

Hey, you, what do you see? Ei, você, o que você vê? Something beautiful, something free? Algo bonito? Algo livre? Hey, you, are you trying to be mean? Ei, você, está tentando ser mesquinho? You live with apes man, it's hard to be clean Você vive com os macacos, cara, é difícil estar limpo.

There's no time to discriminate, Não há tempo para discriminar Hate every motherfucker that's in your way Odeie todos os filhos da puta que estão no seu caminho.

The Beautiful People, The Beautiful People As pessoas bonitas, As pessoas bonitas The Beautiful People, The Beautiful People As pessoas bonitas, As pessoas bonitas The Beautiful People, The Beautiful People As pessoas bonitas, As pessoas bonitas The Beautiful People, The Beautiful People As pessoas bonitas, As pessoas bonitas Quadro: Letra da música The Beautiful People, 1997 Fonte: Letras traduzidas Site Terra

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Para que possamos compreender melhor a forma que The Beautiful People se torna um marco na história do produto audiovisual grotesco, precisamos entender um pouco mais o conceito trabalhado por Sodré e Paiva. No livro, O império do grotesco (2002, p.66): “entende-se como modo ou maneira de representação do fenômeno”, mostra-se genericamente como representado e como atuado (vivido). a) Representado – Trata-se das cenas ou situações pertinentes aos diferentes tipos de comunicação indireta. Ele pode ser se apresentar como suporte escrito, encontrado na literatura e imprensa, ou ainda como suporte imagístico, encontrado nas artes como um todo, pinturas esculturas, arquiteturas, desenhos, fotografias, cinema e televisão; b) Atuado – Trata-se das situações de comunicação direta, vividas na existência comum ou nos palcos, interpretadas como grotesco, de natureza: espontânea – episódios ou incidentes da vida cotidiana, geralmente expostos na mídia, apontam para o rebaixamento espiritual ou a irrisão (absurdos da realidade, ridículo advindo de exagero), característicos do grotesco – natureza: encenada – também chamada de “burlesco” é o grotesco que pode revelar-se em peças teatrais ou quaisquer jogos cênicos. Neste caso, destaca-se um modo de atuar que busca a cumplicidade do público por meio de gestos corporais risíveis, e finalmente aquele impudente descaramento, aqueles olhares livres, aqueles meneios indecentes, aquela falta de propriedade, de decoro, de pudor, de polícia e de ar nobre que tanto alvoroça a gente desobediente e petulante. (p. 67), e para finalizar a natureza: carnavalesca – aparece nos ritos e festas regidos pelo espirito carnavalesco e circense, desde festejos populares até o carnaval propriamente dito, de festividades religiosas com forte participação popular. (p. 68) A partir dessa perspectiva, Sodré e Paiva (2002) acrescentam que há diferentes tipos de grotesco, tanto nas formas representadas quanto nas atuadas, o grotesco assume espécies (modalidades expressivas) diversas: a) Escatológico: expõe tudo que é desprezado pelo homem (vômitos, fezes, gases) e pela “civilização” - aqui o termo se refere

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a civilização ocidental moderna (órgãos sexuais, coito e sua consequente exibição pública); b) Teratológico: é a exposição de aberrações, monstruosidades, deformidades, animalidades e escândalos; c) Chocante: inserido nas duas formas anteriores, e tem o objetivo de provocar no espectador um choque perceptivo, podendo ser chamado também de grotesco chocante, geralmente com intenções sensacionalistas; d) Crítico: quando o grotesco presente no objeto visado, além de expor a percepção sensorial sobre o objeto, é exposto o que se tenta ocultar (ideias), normalmente provoca inquietação nas situações estabelecidas. Nesse caso, o grotesco dá margem a um discernimento formativo do objeto visado. É assim um recurso estético para desmascarar convenções e ideais, ora rebaixando as identidades poderosas e pretenciosas, ora expondo de modo risível ou tragicômico os mecanismos de poder abusivo. Dessa forma, o grotesco causa um impacto e estranhamento na arte e no cotidiano social, “[...] pode surgir na visão de quem sonha, de quem exprime uma visão desencanada da existência (...) desta maneira pode assumir formas fantásticas, horríficas, satíricas ou simplesmente absurdas”. (SODRÉ; PAIVA, 2002, p.55) A mente criativa do vocalista Manson junto com a fotógrafa e diretora Floria Sigismondi23, responsável pela direção do vídeo resultou em um trabalho com imagens surreais, perturbadoras, fantasmagóricas, criaturas estranhas, cenários darks, aparelhos ortopédicos e odontológicos bizarros, vermes e referências ao fascismo, sem glamour. Floria conseguiu definir com imagens, toda a sonoridade massiva que Manson representava na geração anos 1990, sendo ela a principal responsável por relacionar a imagem do grotesco ao Mr. Manson, embora nos dias atuais, Manson ter uma imagem e postura mais gótica e menos grotesca, ela representou um marco na exploração da estética

23 Floria Sigismondi (1965) é uma fotógrafa e diretora italiana, Além de seus outros trabalhos como fotógrafa, ela é mais conhecida por escrever e dirigir The Runaways, estrelado por Kristen Stewart e Dakota Fanning. Floria também dirigiu videoclipes de artistas como Justin Timberlake, Christina Aguilera, Katy Perry, David Bowie, Marilyn Manson, P!nk, Björk, Muse.

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O videoclipe de "The Beautiful People" tem sido descrito como "o mais apavorante dos vídeos assustadores"24. Filmado no Goodenham e Worts, uma destilaria abandonada em Toronto, no Canadá, o videoclipe mostra a banda se apresentando com seus instrumentos em meio a um cenário sombrio, abandonado e sujo, com próteses médicas e equipamentos de laboratório, usando esse recurso estético. Seguindo a lógica de Sodré e Paiva (2002), Manson usa essa performance para desmascarar convenções sociais, ultrapassando o limite de belo e feio, e quais os limites que as pessoas usam para se tornarem “belas” perante uma sociedade superficial.

Imagem: Frame do videoclipe The Beautiful People, 1997

Imagem: Frame do videoclipe The Beautiful People, 1997

O vídeo é recheado de recursos que interferem diretamente na dinâmica da música, não apenas a criação de imagens que auxiliam a letra da música, complementando o vídeo, mas podemos observar desfoque nas lentes,

24 Site The Marilyn Manson Wiki.

47 aceleração e redução de velocidade em locais e momentos estratégicos da música. Manson sobre pernas de pau, vestindo um traje longo, parecendo um vestido sombrio, óculos de aviador, e maquiagem protética, fazendo-o parecer com careca e grotescamente de altura.

Imagem: Foto promocial, single The Beautiful People, 1997 Fonte: Site Mechanical Christ Brasil

Depois de ter sido colocado neste traje por atendentes semelhantemente vestidos, ele aparece em uma janela para uma multidão em uma cena que lembra de um comício fascista, e mais tarde fica no centro de um círculo, enquanto as pessoas marcham em torno dele fazendo a saudação ao nazista Adolf Hitler.

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Imagem: Frame do videoclipe The Beautiful People, 1997

Outras cenas rápidas incluem planos fechados (closes) de rastejar minhocas, cabeças e mãos de manequim, as botas de pessoas marchando, flash dos membros da banda em trajes bizarros, e Manson com um aparelho odontológico, que retrai a carne de sua boca com ganchos, expondo dentes metálicos.

Imagem: Frame do videoclipe The Beautiful People, 1997

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Imagem: Frame do videoclipe The Beautiful People, 1997

Nesses dois pontos podemos verificar claramente o que Sodré e Paiva (2002) explicam sobre o grotesco teratológico: mostrando imagens bizarras e monstruosas, Manson usa a modalidade expressiva citada pelos autores como suporte principal de sua crítica a “indústria da beleza” nos padrões americanos, expondo de maneira agressiva a necessidade da sociedade em se encaixar em grupos, em especial os das “pessoas bonitas”, chegando ao ponto de transformar o corpo para poder ser aceito socialmente, a imagem de altura sobre-humana e dentes metálicos, deixa explicito a crítica do artista de: “até que ponto nos modificamos para podermos ser aceitos num contexto social politicamente aceitável?”.

O feio (tradicionalmente identificado com “mau”, assim como o belo era tido como “bom”), por sua vez, não é um simples contrário do belo, porque também se constitui em um objeto a qual se atribui uma qualidade estética positiva. Ou seja, se retirarmos do belo um traço positivo que o constitui como tal (por exemplo, a proporção ou a harmonia), não produziremos automaticamente o feio. Esta última qualidade tem seu modo específico de ser, requer uma produção particular, que não é o puro negativo do belo (Sodré; Paiva, 2002, p. 19)

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Sendo assim, Sodré e Paiva explicam que um objeto pode causar repulsa ou estranhamento do gosto e não ser necessariamente feio. É o que podemos perceber no videoclipe em que Manson faz sua crítica ácida à cultura da beleza, em que os limites estão sendo ultrapassados a procura do corpo perfeito e de poder se encaixar no seleto grupo das “pessoas bonitas”. Podemos perceber no videoclipe The Beautiful People, elementos descritos por Sodré e Paiva amplamente usados por Manson. O grotesco aqui é aplicado como representado com suporte imagístico, por ter uma fotografia densa e pesada, com ligeiro desfoque, deixando o vídeo com aspecto irreal, de sonho, devaneio ou pesadelo, suporte atuado espontâneo, por apresentar um episódio ou incidente da vida cotidiana, aqui representado nos aparelhos odontológicos e cirúrgicos que Manson usa para criticar as mudanças corporais para poder se encaixar em grupos e alcançar a juventude e beleza “eternas”, natureza encenada, que pode usar elementos circenses para causar o estranhamento, como quando é usado pernas de pau para deixar os personagens com altura fora do comum e uma simulação de comício fascista, efetuando gestos corporais de deboche, risíveis. Mas, principalmente, no videoclipe The Beautiful People, há a predominância, tanto da forma representada quanto atuada, do grotesco abordado por Sodré e Paiva (2002), em suas modalidades expressivas, é carregado da espécie escatológica, na letra da música, quando ouvimos: The Beautiful people, the beautiful people, It’s all relative to the size of Your steeple (as pessoas bonitas, as pessoas bonitas, tudo é relativo quanto o tamanho do seu pênis); trata-se do rebaixamento espiritual, assim como quando comparado na estrofe The Horrible people, the horrible people, It’s all anatomic as the size of Your steeple (as pessoas horríveis as pessoas horríveis, é tão anatômico quanto o tamanho do seu pênis), incluindo referência aos órgãos genitais masculinos. Na música, o homem é considerado “bonito” ou “horrível” conforme o tamanho e anatomia de sua genitália. O teratológico, por mostrar uma monstruosidade, como a imagem de Manson com aparelho odontológico, mostrando dentes metálicos.

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Imagem: Foto promocial, single The Beautiful People, 1997 Fonte: Site Mechanical Christ Brasil

Nessa imagem também encontramos o que os teóricos denominam de grotesco chocante, por causar desconforto ao admirar e ter o intuito apenas de provocar um choque perceptivo, e como objetivo principal de Manson para The Beautiful People, o crítico, “obtendo efeitos de inquietação pela surpresa e pela exposição ridicularizante das situações estabelecidas (SODRE e PAIVA, 2002, pág. 69), nesse caso, as cirurgias plásticas e superficialidade da sociedade. O vídeo estreou na MTV em 22 de setembro de 1996, e foi nomeado para três categorias em 1997, Video Music Awards (Melhor Vídeo de Rock, Melhor Efeitos Especiais, Melhor Direção de Arte), apesar de não ganhar qualquer um desses prêmios. O vídeo está disponível no Lest We Forget (The Best of) DVD bônus, assim como sobre a compilação VHS Deus está na TV. A sequência do álbum segue com a terceira faixa do disco, "Dried Up, Tied And Dead To The World": uma das músicas mais autobiográficas, e fala a respeito da relação materna de Manson. Ele narra toda a superproteção de sua mãe, e nos mostra que não havia uma total reciprocidade de sentimentos por parte dele, uma vez que ela não compreendia as angústias do jovem e

52 perturbado filho, e é então que Manson começa sua jornada pelo mundo das drogas para tentar amenizar a pressão interna que sentia. Tudo isso fica evidente pelo clima sujo e agonizante dos vocais da música. O primeiro ciclo chega ao seu fim com "Tourniquet", retrata a superficialidade das relações humanas que tanto enojam o cantor, sendo assim, ele tenta construir uma criatura que venha a suprir suas necessidades afetivas e sentimentais. Isso pode ser relacionado ao período conturbado pelo qual se passava o casamento de seus pais. A música segue em um ritmo lento, porém, crescente, cantada de uma maneira quase apaixonada do criador pela sua obra. Há finalmente o amadurecimento do verme que Manson encarnou, sua metamorfose tem início, ele se envolve em um casulo aonde irá começar a crescer, rumando a se tornar algo maior. O verme se transforma, o anticristo está cada vez mais próximo. "Tourniquet" apresenta uma série de imagens grotescas dentro de um ambiente escuro e surreal. As imagens são principalmente concentradas em torno de um humanóide estranho, sugerido pela letra da criação de Manson, apoiado em rodas para se mover. Ele tende a sua criação, com a ajuda de outra criatura, representada como uma criança ao longo do vídeo.

Imagem: Frame do videoclipe Tourniquet, 1997

O vídeo igual The Beautiful People foi dirigido por Floria Sigismondi, a parceria entre Manson e Floria proporcionou popularidade para ambos, Floria mostra ao mundo o grotesco e horripilante Manson, e Manson apresenta ao

53 mundo Floria, uma diretora e fotógrafa que soube extrair exatamente o que a banda queria expor ao mundo fonográfico.

Imagem: Frame do videoclipe Tourniquet, 1997

Imagem: Frame do videoclipe Tourniquet, 1997

Em sua resenha belíssima e detalhada sobre o álbum “Antichrist Superstar”, Érico Ferry (2013) nos ajuda a entender como Manson concilia a nova fase de seu visual grotesco, junto ao álbum conceitual que o jogou do anonimato ao mercado mainstream. O ciclo II, "A inauguração do Verme" se inicia com "Little Horn". A música chega com uma fúria assustadora, vocais gritados com um ódio

54 extremo, com referências à chegada do apocalipse e a célebre frase "O mundo abre suas pernas para outra estrela" (Little Horn), na sequência das faixas do álbum, encontramos “Cryptorchid", uma faixa diferente das outras, com um clima calmo e denso ao mesmo tempo, e um andamento macabro, onde o verme adquire o poder e autocontrole, através da seguinte frase recitada em uma contagem de fundo onde evoca o número 7, que simboliza o poder na tradição Católica. A música se encerra em um coro com a frase: Prick Your finger it is done, the moon has now eclipsed the sun, the angel has spread its wings, the time has come for the bitter things (Espete seu dedo e então está feito, A lua fez um eclipse no sol agora, O anjo abriu suas asas, Chegou a hora de coisas melhores) Anunciando assim que o verme morreu, ele encontra-se metamorfoseado em um ser superior, ele abriu suas asas.

Imagem: Frame do videoclipe Cryptorchid, 1997

Nota: os órgãos sendo puxados pra fora do corpo imita a morte de Deus no filme Begotten25, onde o vídeo de Cryptorchid é uma recriação parcial do mesmo, essa irradiante alegoria de uma vida prévia se encaixa na temática da maturação constante e da transformação do verme.

"Deformography" segue a linha de sua antecessora, com uma melodia doentia, ela narra a transformação do jovem Brian em um Rock Star, apagando todos os rastros do seu passado, e a realização de seu sonho de se tornar uma estrela. "Wormboy" também continua nessa linha, com um ritmo nervoso e industrial ela continua abordando as difíceis mudanças pelas quais Brian Warner passou, retratando o medo que ele tinha de mostrar sua verdadeira

25 Begotten é um filme experimental/Filme de terror de 1991, escrito e dirigido por E. Elias Merhige. O filme lida fortemente com religião e com a história bíblica do Gênesis e da Criação

55 face e personalidade em razão da opressão social e religiosa. Em "Mister superstar", Brian Warner já encontra-se morto e é de fato Marilyn Manson naquele momento. Um superstar desejado por todos, como fica explícito nos versos da música. Ele mostra toda a adoração em torno da celebridade e o poder de controle sobre seus adoradores, expondo a controvérsia dos valores americanos, e percebe que se tornou tudo o que repudiava. "Angel With The Sacabbed Wings" chega com uma ira aterrorizante, continuando a debater o medo e repúdio que sente por ser idolatrado. Ele se mostra como o anjo caído, de azas cicatrizadas, afundado em drogas, completamente desvinculado de seu passado e acima de tudo furioso com toda a situação. Eis que então chegamos ao final do segundo ciclo e um dos momentos mais assustadores, sombrios e atraentes do disco, "Kinderfeld". O último ciclo, "A Ascensão do Desintegrador", chega como um soco na cara do mundo, o Anticristo é recebido com uma multidão a gritar em coro e saudar sua chegada, ele mostra a sua transformação total, o seu poder de controle, e ironiza a sociedade que joga pedras nele apesar de ela mesma o ter colocado nessa posição. Ele anuncia a vingança avassaladora que ele trouxe para a terra que se segue na próxima música, um dos momentos mais violentos do disco.

Imagem: A esquerda Manson rasgando a bíblia no meio da canção Antichrist Superstar, a direita, usando perna de pau para demonstrar “superioridade”, 1997 Fonte: Site Mechanical Christ Brasil

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Imagem: Dead to the World Tour, 1997 Fonte: Site Mechanical Christ Brasil.

Na faixa "1996" (em alusão ao ano em que o disco estava sendo lançado), o Anticristo declara guerra total contra a sociedade e seu ódio por tudo, atacando todas as coisas, sejam elas à seu favor ou não. O Anticristo está aqui para se vingar de tudo, e de todos, o grande final está cada vez mais próximo, segundo a música. Em "Minute Of Decay" temos uma amenização no ritmo feroz que o álbum vinha empregando, porém, ao contrário do que se sugere, este é um momento de extrema confusão vivida pelo Anticristo, em que ele lamenta por ter abandonado sua identidade, e ter chegado à um ponto que não sabe mais quem é, tudo isso para conseguir se elevar ao nível do Anticristo. O que fica evidente nos versos finais da música é que ele decide perpetuar sua realidade por mais tempo, aceitando seu destino de Anticristo e Desintegrador. A música termina, o teclado ecoa, anunciando o poderoso final.

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"The Reflecting God" inicia em um misto de canto raivoso e explicativo, em que Manson se utiliza dos preceitos do Satanismo LaVeyano26, corrente filosófica e não um culto à um mito antropomórfico de que não há um Deus acima de nós; essa corrente crer que somos os nossos próprios deuses e assim devemos continuar sendo, nós somos os condutores principais de nossas vidas e nós decidimos como a vivemos. Essa talvez seja a faixa que condensa tudo aquilo que Manson quis passar ao longo do disco, na qual apresenta uma sociedade suja e mesquinha, que se aproveita, se utiliza e abusa de nós sem dó nem piedade, mas que podemos evitar e passar por cima dela, afastando-a cada vez mais. A música possui um pré-refrão apoteótico, como quem anuncia o apocalipse vindo para nos separar desse mundo grotesco. Manson recita "No Salvation! No Forgiveness!" em looping dizendo que o mundo em que vivemos já está perdido e fadado ao fracasso devido à péssima administração do homem, ao ponto em que a bateria enlouquece, as guitarras gritam em sons estridentes e o teclado explode. Acontece o silêncio, a multidão gritante do início do álbum saúda o anticristo em completa vibração, a voz deste entra cantando melodicamente: I went to God just to see, and I was looking at me, saw heaven and hell were lies, when I’m God, everbody dies (Eu fui até deus apenas para ver, E eu estava olhando para mim, Vi que o céu e o inferno eram mentiras, Quando eu sou deus, todos morrem), tudo isso acompanhado pela calmaria de um violão. Os anjos soam trombetas, o Anticristo dá seu último grito de fúria, o peso retoma, a música explode, a ira do Desintegrador é descontrolada. Eis que então chegamos ao fim do último ciclo, e o fim da obra por completo com "Man That You Fear". Com um piano bem leve, e uma batida cansada a música desemborca no momento mais emocionante do álbum, uma bela faixa, onde o Anticristo mistura todas as personagens apresentadas ao longo da jornada, relembrando de seus vários momentos, assim como a batida pressupõe, cansado, triste, porém ainda sarcástico, e como é sarcástico esse

26 O Satanismo LaVeyano ou Satanismo de LaVey foi fundado em 1966 por Anton LaVey. Sua crença se baseia na idéia de que Satã é um arquétipo (e não um ser) positivo. Seus ensinamentos também são baseados no individualismo, na auto-indulgência e na moral da lei de talião, com influências dos rituais e cerimônias do ocultista Aleister Crowley e dos filósofos Friedrich Nietzsche eAyn Rand.

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Anticristo criado por Marilyn Manson. Com uma voz chorada ele nos anuncia que estamos sozinhos no mundo, e não há ninguém para ouvir nossas preces. O teclado enlouquece mais uma vez, zumbidos, ruídos e sussurros de crianças como pequenos anjos recitam incansavelmente: We know when Your wishes are granted, many of Your Dreams will be destroyed (Saiba que quando seus desejos forem concedidos, Muitos de seus sonhos serão destruídos). Na sequência do álbum e das faixas, as vozes cessam da última canção e há um silêncio. Se você estiver escutando o álbum físico em uma edição original, nesse momento o contador do aparelho de som começará a pular as faixas em sequência, realizando uma contagem que para na faixa secreta de número 99, que nos remete ao começo do álbum novamente, simbolizando o renascimento do verme. Ao final de toda essa jornada hipnotizante pela mente de Brian Warner, estamos certos de que nos encontramos diante de um dos álbuns mais pesados, complexos, sarcásticas e poderosos da história do rock e da música; obra cujo criador consegue provocar tantas emoções distintas nas pessoas (seja por meio do seu instrumental, das suas letras ou pela sua aparência) que conseguiu conquistar um grande exército de seguidores ao mesmo tempo em que possui o ódio supremo e feroz de muitos outros que discordam de sua mensagem. Com o lançamento de Antichrist Superstar, Manson embarcou em uma turnê mundial que ficou marcada pelos incontáveis protestos e tentativas de evangelização por parte de religiosos nas filas de seus shows, uma vez que o álbum cumpre bem sua função de expor os podres da sociedade cristã, podres tão grotescos que chegam a doer naqueles que os possuem e não os admitem. Marilyn Manson marcou toda uma geração e continua a provocar admiração em várias outras, seja apor meio da música ou de seus outros projetos artísticos como sua exposição de quadros em aquarela que já rodou uma boa parte do mundo e recebeu elogios da crítica especializada, e esse seria somente o primeiro capítulo de uma jornada de três álbuns conceituais interligados em ordem decrescente, sendo esses "Mechanichal Animals" (1998) e "Holy Wood: In The Shadow Of The Valley Of Death" (2000). Em seu álbum conceitual, pesado, insano, carregado de sentimentos de ódio, desilusão e violência, Manson consegue criar o grotesco em sua

59 totalidade, seja com os vídeos bizarros, cheios de tensão e personagens monstruosos, letras que remetem o rebaixamento espiritual, e nas imagens promocionais do álbum. Chocando os espectadores menos avisados. Ao final da jornada do Anticristo, o até então pouco conhecido Brian Warner se tornaria uma das figuras mais célebres e polêmicas de seu tempo, o Anticristo Superstar.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse trabalho, abordamos como o produto audiovisual nasceu, se moldando no decorrer dos anos. Citando os musicais dos anos 50, criação da emissora MTV, e do site Youtube, que atualmente é o maior vinculador de videoclipes, sejam caseiros, pessoais, da cena musical local ou das grandes industrias da música, e como esse produto audiovisual se torna uma ferramenta midiática de promoção e divulgação dos artistas, do mundo da música, ou das artes em geral. Analisamos a banda Marilyn Manson, desde seu início no final dos anos 1980, até o lançamento do álbum conceitual que transformou a história da banda. Passando pelas Eras, Portrait of na American Family, Smells Like Children, e o aclamado, Antichrist Superstar, com esse trabalho, a banda investe pesado no visual grotesco e bizarro, até chegarmos no videoclipe The Beautiful People, o foco principal desse trabalho, que lançou a banda ao mainstream. Trabalhamos com a análise de como o trabalho da banda se insere na sociedade do espetáculo, usando sua imagem como mercadoria. Dialogamos sobre como o produto audiovisual se torna uma ferramenta midiática na promoção e divulgação das bandas, e percebemos como que a Marilyn Manson cria sua identidade grotesca, se diferenciando dentro do concorrido mercado fonográfico mundial. A oportunidade de analisar de forma mais teórica e detalhada os clipes que foram apresentados no trabalho foi gratificante. Poder compreender um pouco mais toda a simbologia e contexto da banda Marilyn Manson, a qual, por ser fã, me impulsionou a tal estudo e analise. Acompanhar a trajetória da banda desde o final dos anos 1989, e como foi a evolução, tanto literal quanto visual. Saímos do senso comum de belo e feio na obra da banda, e conseguimos por meio da pesquisa qualitativa e documental, nos aprofundar na mensagem passada por Manson em cada videoclipe, Get Your Gunn nos remete a uma sociedade hipócrita que defende a vida, sendo contra o aborto, e ao mesmo tempo, um extremista do grupo Pró vida (ironicamente) acaba assassinando um renomado médico americano por ele defender o aborto, cada detalhe estudado no videoclipe mostra um Marilyn Manson preocupado não apenas em “aparecer”, mas em realmente fazer a diferença entre os artistas, no videoclipe de Lunchbox podemos analisar um tema que atualmente é muito

61 abordado e repudiado, que é o bullying entre os jovens, mesmo sendo com imagens simples e sem grande produção, o clipe consegue transmitir de modo claro, que não podemos nos deixar oprimir por “valentões” e que precisamos estar preparados para os imprevistos que possam acontecer. Dentro da Era Portrait há uma crítica ainda tímida, explorando contexto familiar, e relações sociais. A partir da Era Smells Like Children podemos perceber um Marilyn Manson mais ousado, mais crítico, debochado e mais dedicado a criação da identidade grotesca, começa em 1996 a se destacar dentro do mercado fonográfico ao lançar o clipe do cover Sweet Dreams (are made of this), mostrando a mídia mundial uma banda suja, grotesca em um manicômio abandonado, causando um estranhamento no público espectador. Manson ganha popularidade fora do contexto underground da música, tendo seu videoclipe passando na MTV. No estudo podemos compreender vários elementos novos que ainda não haviamos observado, com o olhar apenas de espectador, mas com o olhar crítico podemos perceber e analisar. Dentro da Era Antichrist, que o tema grotesco é abordado em sua totalidade, a maneira como a banda usa sua imagem e videoclipe para criticar, principalmente a cultura americana, usando imagens fortes, letras ácidas e comportamentos imorais em seus shows e fora dos palcos. O mundo surreal ambientado em seus clipes e mensagens subliminares se tornam, ao mesmo tempo que assustam os espectadores menos avisados, encantam os fãs da banda, com a quebra da simetria estética “padrão” nos produtos audiovisuais, inserindo no mundo fonográfico, um novo elemento de produção. Uma nova forma de ver a sociedade. Dentro da perspectiva da sociedade do espetáculo, percebemos a grande importância que Manson teve dentro da música e na produção de seus videoclipes. A própria banda se transforma na mercadoria que o espetáculo vende, investindo nas fotografias promocionais cada vez mais elaboradas e chocantes, seus shows mais grandiosos, com troca de figurino e muita encenação por parte da banda. Usando o grotesco como inspiração principal, o gênero se torna a forma mais importante de sua divulgação e venda. Nos dias atuais, não conseguimos falar de Manson sem o relacionar com o grotesco.

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Por causa de seu apelo mercadológico, o público se identifica, não apenas com o vestuário gótico grotesco, roupas pretas, coturnos e maquiagem pesada no rosto. Mas sim pela ideologia que Manson vende, suas letras com críticas a sociedade, religião, sexo, drogas e relações sociais, temas esses que a própria sociedade prefere não abordar, a banda expõe de maneira atrativa, principalmente a jovens com formação de personalidade, que estão procurando se encaixar em grupos sociais distintos, buscando sua identidade e diferença na sociedade. É a forma que esse público encontra de também expor seus pensamentos e sentimentos. Marilyn Manson se torna uma poderosa ferramenta midiática, podendo ser estudado, analisado e aplicado de várias maneiras. Para o profissional de relações públicas se torna um campo fértil para entender as relações sociais, a comunicação de massa, as mídias eletrônicas e os estudos culturais. Com a criação de imagem e identidade, e compreender como esses elementos se tornam ferramentas midiáticas, que podem influenciar e modelar a vida cotidiana do indivíduo. Esperamos ter conseguido alinhar os autores de maneira que o diálogo tenha sido claro. Que esse trabalho seja relevante para pesquisas futuras sobre como o gênero grotesco se insere na cultura midiática, modelando o cotidiano do consumidor e gerando identificação de grupos e tribos urbanas.

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