UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

MILENE RIBAS DA COSTA

O ESTADO E A SUDENE: TRAJETÓRIA DO PLANEJAMENTO REGIONAL NO BRASIL

CAMPINAS, 2016

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 28/03/2016, considerou a candidata Milene Ribas da Costa aprovada.

Profª Drª Arlete Moysés Rodrigues IFCH-UNICAMP

Prof. Dr. Carlos Antonio Brandão UFRJ

Profª Drª Rita de Cássia C. Gomes UFRN

Prof. Dr. Humberto Miranda do Nascimento IE-UNICAMP

Prof. Dr. Valeriano M. Ferreira Costa IFCH-UNICAMP

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

ii

Aos meus pais e aos meus irmãos.

AGRADECIMENTOS

Ao longo dos quatro anos de elaboração desse trabalho, muitas pessoas se fizeram presentes no meu caminho e algumas delas serão aqui lembradas, mas a todas eu gostaria de expressar o meu muito obrigada.

Primeiro, gostaria de agradecer a minha orientadora Arlete Moysés Rodrigues, pelo estímulo, paciência, confiança, respeito e pelos comentários sempre instigantes e desafiadores. Gostaria também de agradecer ao grupo de orientandos da “professora” Arlete, com os quais pude compartilhar algumas inquietações, além de contar com considerações e sugestões sempre pertinentes, nos nossos deliciosos Colóquios mensais, que tinham no tempero carinhoso do almoço preparado pela “Lourdeca” um mais importante toque de conforto.

Dentre os amigos que fizeram parte dessa trajetória, gostaria de agradecer à

Rita Lopes, ao Ernesto Lopes, à Lívia Coelho, à Pauline Lefebvre, à Beatriz

Capelasso, à Elizete Capelasso, ao Othman Kouba, à Nuria Rodrigues que, mesmo sem entenderem muito bem o que eu falava, sempre achavam tudo muito interessante e, o mais importante, contribuíram para tornar essa caminhada mais leve. Agradeço ainda ao professor Julián Durazo Herrmann pela acolhida na

UQÀM, que tornou a minha estada em Montreal mais fácil, e pelos comentários e contribuições ao desenvolvimento desse estudo.

Sou grata também ao CNPq e à CAPES, por viabilizarem o desenvolvimento desse trabalho, e aos meus colegas do departamento de pós-graduação em

Ciências Sociais da Unicamp, com os quais pude cursar importantes disciplinas para minha formação, além de desenvolver instigantes e divertidas discussões.

Quero registrar os meus agradecimentos aos professores Valeriano M. Ferreira

Costa, Amélia Cohn, Rita de Cássia C. Gomes, Humberto Miranda do Nascimento e

Carlos Antonio Brandão, que participaram do exame de qualificação e de defesa dessa pesquisa e fizeram comentários e sugestões importantes e construtivos ao

andamento do estudo, restando a minha expectativa de ter conseguido incorporá- los ao resultado final do trabalho que segue.

Como a minha caminhada no mundo do pensamento social iniciou-se há algum tempo, quero registrar, in memoriam, os meus agradecimentos ao meu orientador de mestrado, o professor Eduardo Kugelmas, com quem iniciei o contínuo processo de aprendizagem e de conhecimento do real, que não é estático, que se faz na travessia e que, ao se concluir, deixa sempre em aberto novas possibilidades de aprendizagem e de conhecimento.

Por fim, ainda que no começo de tudo, quero agradecer aos meus pais, Cida e

Juracy, e aos meus irmãos, Leonardo e Hugo, que sempre me ofereceram o carinho, a compreensão, a confiança, a paciência, o bom humor e o chão, tudo o que é absolutamente indispensável para a realização de qualquer empreitada. A vocês dedico esse meu trabalho!

... Um está sempre no escuro, só

no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente

é no meio da travessia.

(João Guimarães Rosa)

RESUMO

A SUDENE é criada em 1959 como tentativa de resposta e solução aos problemas que se colocavam de forma agudizada no Nordeste e sua criação estava alinhada ao padrão de atuação econômico-político-social do Estado desenvolvimentista, que respondia às necessidades específicas daquele estágio e fase do desenvolvimento capitalista no Brasil. Esta tese defende que a trajetória da instituição, que surge como experiência pioneira de planejamento regional no Brasil, só pode ser compreendida em consonância com essas necessidades. Nesse sentido, seu surgimento em 1959, seu padrão de atuação durante o regime militar, seu enfraquecimento nas décadas de 1980 e 1990, sua extinção em 2001 e seu ressurgimento em 2007 foram analisados sob a ótica do planejamento do Estado, que é um processo essencialmente político e que se efetiva dentro de possibilidades históricas concretas permeadas por lutas, interesses, conflitos e contradições, que atravessam o Estado e se materializam nos seus diversos aparatos. O Estado, por meio de sua “autonomia relativa”, ao responder às necessidades específicas de uma dada fase do desenvolvimento capitalista – alterando o seu próprio padrão de atuação –, cria, extingue e ou altera o poder de influência de seus aparatos, sendo a SUDENE aqui analisada como resultante desse processo. Argumenta-se que as condições de efetivação do planejamento regional elaborado pela instituição, nas suas dimensões social, econômica e política, só podem ser compreendidas quando constritas nas possibilidades históricas concretas, que constroem caminhos mais ou menos obstaculizados para que o Estado exerça sua “autonomia relativa”. Embora a literatura atual aponte para a fragilidade da instituição como mecanismo de planejamento do desenvolvimento regional, analisa-se aqui o seu papel como peça inserida numa engrenagem maior. A SUDENE contribui para a reestruturação da economia regional e para sua inserção e articulação com a economia nacional e, a despeito de sua importância para o planejamento regional com vista à correção ampla dos desequilíbrios promovidos pelo desenvolvimento capitalista no Brasil, incluindo-se as dimensões sociais e políticas, as limitações impostas ao seu poder de atuação não podem ser avaliados como evidências de sua fragilidade, mas como elementos constitutivos do planejamento de Estado, que é uma “forma transformada de conflito social” inserida num estágio específico do desenvolvimento capitalista.

Palavras-chave: Estado; SUDENE; Nordeste; planejamento regional; política nacional de desenvolvimento regional.

ABSTRACT

SUDENE was created in 1959 as an attempt to answer and resolve the severe problems that arose in ‟s Northeast region. Its creation was in line with the economic, political and social operating standards of the developmental state, which responded to the specific needs of that stage and phase of capitalist development in Brazil. This thesis argues that the institution‟s history, a pioneering experience of regional planning in Brazil, can only be properly understood in accordance with these specific needs. In this sense, its emergence in 1959, its activity during the military dictatorship, its weakening in the 1980s and 1990s, its extinction in 2001 and its revival in 2007 were analyzed from the perspective of state planning, which is an essentially political process that is effective within concrete historical possibilities permeated by struggles, interests, conflicts and contradictions that sweep across the state and materialize in its various apparatus. By meeting the specific needs of one particular phase of capitalist development –altering its own standards of operation– the state, by way of its "relative autonomy," creates, extinguishes and/or alters the power of influence of its apparatus, with SUDENE serving as a result of this process. It is argued that the achievement conditions of the regional planning elaborated by the institution, in its social, economic and political dimensions, can only be understood when constrained in concrete historical possibilities, which build more or less hindered ways for the state to exercise its "relative autonomy." While the current literature points to the fragility of the institution as a mechanism of regional development planning, here the institution‟s role as a component of a larger machine is analyzed. SUDENE contributes to the restructuring of the regional economy and to its integration and cooperation with the national economy, and –despite its importance to regional planning that aims to correct the inequalities promoted by capitalist development in Brazil, including social and political dimensions– the limitations imposed on its power of activity cannot be taken as evidence of its weakness, instead as constituent elements of state planning, which is a "transformed form of social conflict" inserted at a specific stage of capitalist development.

Keywords: state; SUDENE; Northeast; regional planning; national regional development policy.

RELAÇÃO DE FIGURAS

Figura 5.2 - Ilustração sobre objetivo-fim, objetivos-meio e opções

estratégicas da “nova” SUDENE 151

Figura 6.1 - Índice de evolução dos gastos dos programas da PNDR,

inscritos nos PPA 2004-2007 e 2008-2011, no

período 2004-2010 189

Figura 6.2 - Modelo de governança proposto pela PNDR 193

RELAÇÃO DE TABELAS

Tabela 6.1 - Evolução do PIB nacional (2003-2010) 172

Tabela 6.2 - Previsão de investimentos regionais do PAC no período

de 2007-2010 (em R$ bilhões) 175

Tabela 6.3 - Previsão de investimentos regionais do PAC no período de

2007-2010 (em R$ milhões) 176

Tabela 6.4 - Número de Operações Contratadas pelo FNE (2000 a 2009) 181

Tabela 6.5 - Comparação valor orçado, empenhado e liberado 182

Tabela 6.6 - Projetos aprovados e contratados (em R$) – FDNE 182

Tabela 6.7 - Renúncia Tributária – IRPJ e IOF (em R$) 183

Tabela 6.8 - Matrículas no ensino superior no Brasil e regiões 196

Tabela 6.9 - Participação da Região Nordeste no PIB Nacional e Peso

da População Regional no Brasil 2000-2010 (em %) 199

Tabela 6.10 - Participação das Macrorregiões no PIB Nacional –

2002-2010 (em %) 199

RELAÇÃO DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADA Agência de Desenvolvimento da Amazônia

ADENE Agência de Desenvolvimento do Nordeste

AI Ato Institucional

ALCA Área de Livre Comércio das Américas

BNB Banco do Nordeste do Brasil

BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CEPAL Comissão Econômica para América Latina

CHESF Companhia Hidrelétrica do São Francisco

CIESP Centro das Indústrias do Estado de São Paulo

CNI Confederação Nacional da Indústria

CVSF Comissão do Vale do São Francisco

DNOCS Departamento Nacional de Obras contra as Secas

FDNE Fundo de Desenvolvimento do Nordeste

FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

FINAM Fundo de Investimentos da Amazônia

FINOR Fundo de Investimentos do Nordeste

FMI Fundo Monetário Internacional

FNDR Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional

FNE Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste

FPE Fundo Constitucional de Participação dos Estados

FPM Fundo Constitucional de Participação dos Municípios

GTs Grupos de Trabalho

GTDN Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste

GTI-SUDENE Grupo de Trabalho Interministerial para Recriação da SUDENE

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Serviços

II Imposto sobre Importação

IOF Imposto sobre Operações Financeiras

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

IR Imposto de Renda

IR-PJ Imposto de Renda Pessoa Jurídica

ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros

IVA Imposto sobre Valor Agregado

MCMV Minha Casa Minha Vida

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

MI Ministério da Integração Nacional

MP Medida Provisória

MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

MTur Ministério do Turismo

OGU Orçamento Geral da União

ONU Organização das Nações Unidas

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PCB Partido Comunista Brasileiro

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PDS Partido Democrático Social

PDT Partido Democrático Trabalhista

PEC Proposta de Emenda à Constituição

PFL Partido da Frente Liberal

PIB Produto Interno Bruto

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

PNDR Política Nacional de Desenvolvimento Regional

PP Partido Progressista

PPA Plano Plurianual

PPP Parceria Público Privada

PPS Partido Popular Socialista

PSB Partido Socialista Brasileiro

PSD Partido Social Democrático

PT Partido dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

PRN Partido da Reconstrução Nacional

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

SDR Secretaria de Desenvolvimento Regional

SELIC Sistema Especial de Liquidação e de Custódia

SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

SUDECO Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste

SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

SUDESUL Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul

SUMOC Superintendência da Moeda e do Crédito

UDN União Democrática Nacional

UDR União Democrática Ruralista

TJLP Taxa de Juros de Longo Prazo

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 17

2 O ESTADO CAPITALISTA 31

2.1 O Estado capitalista: forma política, função e formato 32

2.2 O Estado no Brasil: caminhos para a constituição de um

Estado capitalista 50

3 A CRIAÇÃO DA SUDENE 63

3.1 Criação da SUDENE: possibilidades e limitações para o

enfrentamento do problema 64

3.2 Sismógrafo da crise: conjuntura social, política e econômica 76

4 FORMATO DO ESTADO E A SUDENE 89

4.1 Parte de um todo: a SUDENE no período militar 90

4.2 A SUDENE nos anos de 1980 e 1990: perda de

funcionalidade? 100

4.3 Facetas da batalha: entre o capital produtivo e o financeiro,

Entre a cooperação e a competição, entre o global e o local 120

5 O ESTADO E A VOLTA DAS QUESTÕES REGIONAIS 134

5.1 Articulação de forças: o nacional, o regional e o desenho

do ideal 135

5.2 Embate de forças: o ideal e o possível 145

6 O RESSURGIMENTO DA SUDENE 164

6.1 Estado fortalecido: o regional abrigado pelo nacional 165

6.2 SUDENE e PNDR: possibilidades e limites de atuação 178

7 CONCLUSÃO 201

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 206

ANEXO A 215

ANEXO B 216 17

1 INTRODUÇÃO

A SUDENE é criada em 1959, durante o Governo de Juscelino Kubitscheck

(1956-1961), num contexto social, político e econômico marcado por conflitos, significando sua criação uma tentativa de resposta e solução aos problemas que se colocavam de forma agudizada. A concepção do novo órgão, com vista ao desenvolvimento regional, foi fortemente influenciada pelo pensamento econômico da

Cepal que, por sua vez, embasava a própria atuação macroeconômica do Estado brasileiro no período.

Os países da periferia do sistema capitalista começaram a tentar romper, desde os anos de 1930, as amarras impostas pelo pensamento econômico liberal clássico que lhes impunha um papel pré-definido no âmbito das relações econômicas mundiais. Sob a égide das “vantagens comparativas”, o desenvolvimento equilibrado do sistema consistia na especialização da produção, cabendo aos países periféricos o papel de fornecedores de bens primários ao centro do sistema, por sua vez, especializado na produção industrial (Fonseca & Mollo, 2013; Oliveira, 1993a).

No entanto, com a crise de 1929 e com a Segunda Guerra Mundial, alguns países da periferia, e dentre eles o Brasil, ingressam num processo de industrialização, como alternativa e resposta à conjuntura econômica mundial, adotando o que se convencionou a chamar de modelo de “substituição de importações”. O processo enseja crescimento e desenvolvimento das economias periféricas, ainda que num contexto de crise mundial, transformando-se num modelo que vai encontrar na Cepal, pouco tempo depois, o respaldo teórico para sustentá-lo.

Assim, as concepções críticas cepalinas relacionadas à “deterioração das relações de troca” e à dualidade estrutural do sistema capitalista mundial (arcaico versus moderno) indicavam que o subdesenvolvimento não correspondia a uma etapa do processo do desenvolvimento e que este só ocorreria a partir de ações deliberadas com fins à superação do subdesenvolvimento. Para tanto, o papel do Estado, como ator e árbitro, 18 tornava-se indispensável e é nesse caldo, formado pelos resultados concretos pós-

1930 e por concepções teóricas inovadoras, que surge o padrão de ação desenvolvimentista do Estado. Obviamente o processo de desenvolvimento econômico pressupunha um paradigma, que nesse contexto vai ser o da industrialização, e a ele lançam-se Estado e burguesia industrial, a princípio nacional.

O Brasil ingressa, sob orientação do Estado, num processo de industrialização, entretanto, o processo não ocorre de forma distribuída e homogênea pelo território nacional, ao contrário, em função de condicionantes histórico-econômicos específicos, concentra-se na região centro-sul do país, sobretudo em São Paulo (Furtado, 2003).

Os efeitos sociais, políticos e, principalmente, econômicos perversos dessa concentração vão se manifestar de forma aguda em fins da década de 1950, quando a

SUDENE surge como resposta dada pelo Estado ao enfrentamento do problema

(Furtado, 1989).

A instituição, concebida sob influência teórica da Cepal, transferia às relações de troca internas aqueles mesmos problemas e barreiras que se colocavam nas relações internacionais, exigindo, portanto, uma ação mais efetiva do Estado para superá-los. Desse modo, a SUDENE surge como órgão de planejamento do Governo

Federal responsável pela coordenação, articulação e fiscalização dos recursos federais na Região e os projetos industriais viabilizam-se a partir da renúncia fiscal, por meio do IR-PJ, de modo a estimular a industrialização no Nordeste.

A concepção do órgão pressupunha reformas estruturais relacionadas não apenas à necessidade de fomentar a industrialização regional, mas também apontava para a necessidade de reformas mais amplas (políticas e sociais), cujos resultados dependiam, em grande parte, de tempo, prática e experimentação. No tocante às reformas estruturais, o próprio processo de industrialização dependia de mudanças na estrutura agrária regional, herdeira da formação histórica colonial (Furtado, 1989;

GTDN, 1959). Entretanto, o resultado concreto desviou-se e distanciou-se do

19 inicialmente planejado, cabendo aqui uma breve, mas importante, discussão sobre o planejamento em sociedades capitalistas.

A caracterização de planejamento relaciona-se a um “processo social” que adota a forma de controle social inovador, racional, especializado, centralizado e de inclusão pluridimensional – em sintonia com o processo de acumulação e avanço do conhecimento e das técnicas no campo das ciências sociais (Pereira, 1970). Desse modo, a escola cepalina, valendo-se dessa caracterização, adota a ideia de planejamento, enquanto “técnica neutra”, como sendo capaz de compensar as deficiências do mercado nas economias subdesenvolvidas, por meio de cálculos racionais executados pelas ações deliberadas do Estado (Oliveira, 2003b). O planejamento é desenhado a partir do máximo controle de variáveis que interferem num dado resultado sobre o real, assim, por meio desse controle, é possível prever o impacto de uma determinada ação no universo ao qual ela se destina.

Sem entrarmos nos méritos da questão “sobre quem planeja os planejadores”1,

é importante destacar que o planejamento, sobretudo aquele direcionado ou com impacto relevante na esfera econômica, é fundamentalmente uma questão política, que envolve caminhos e opções diferenciadas sobre “possíveis historicamente dados”, mas que se efetiva a partir de um jogo de lutas e acomodação entre interesses conflitantes que ocorrem dentro do Estado (Pereira, 1970). Sendo assim, a viabilidade e execução do planejamento dependem de lutas políticas que ocorrem dentro dos aparelhos do Estado capitalista e envolvem atores políticos, lobistas, burocracias, entidades de classe de modo geral, permeadas cada uma dessas representações pelos diversos e divergentes interesses de classe (Poulantzas, 2000). Como destaca

Oliveira,

1 Essa é a essência da preocupação do clássico estudo de Karl Mannheim sobre planejamento e das possibilidades e riscos de sua articulação com o poder, de modo a ameaçar a liberdade e, consequentemente, a democracia. Assim, o autor volta-se aos caminhos possíveis para se preservar e se reforçar a liberdade por meio de uma planificação democrática. (Mannheim, 1972).

20

o padrão „planejado‟ não é, desse ponto de vista, senão uma forma transformada do conflito social, e sua adoção pelo Estado em seu relacionamento com a sociedade é, antes de tudo, um indicador do grau de tensão daquele conflito, envolvendo as diversas forças e os diversos agentes econômicos, sociais e políticos (Oliveira, 1993a: 23).

Assim, a instituição da SUDENE, enquanto órgão de planejamento do Estado com vista ao desenvolvimento regional, insere-se nesse universo de possibilidades e limitações da ação planejada, efetivando-se num momento de tensão acentuada, o que pressupunha ação do Estado, e, obviamente, efetiva-se como forma racionalizada da reprodução ampliada do capital, de modo a reiterar e validar o papel essencial do

Estado capitalista com o modo de produção no qual está inserido e do qual é resultante (Hirsch, 2005; Oliveira 1993a).

A instituição surge, então, como resposta ao conflito de classes em fins dos anos de 1950 e a amplitude das questões que o órgão objetivava enfrentar foi, na prática, estreitada num curto espaço de tempo, não em função de um planejamento falho, mas sim em função da luta de classes no período e das possibilidades que ela engendrava, seja como ameaça à reprodução e à acumulação do capital, seja como alternativa para o fortalecimento e ampliação do capitalismo. Ainda que na sua concepção a SUDENE agrupasse o sentido de desenvolvimento econômico e social – a partir de uma base teórica que apontava o desenvolvimento econômico (agrupado na ideia força de industrialização) como indutor do desenvolvimento social, que se faria por meio da necessária ampliação do mercado consumidor que, por sua vez, só se efetivaria com melhor distribuição de renda, conforme a teorização da Cepal indicava –, na prática, a atuação do órgão, em consonância com as diretrizes econômicas do Estado nacional, voltou-se ao econômico, num processo de luta pela hegemonia nacional da classe burguesa industrial.

Como resultado, o Nordeste engatou na dinâmica econômica nacional e industrializou-se, sendo a atuação da SUDENE indispensável para esse processo,

21 porém, apenas parte do planejado efetivou-se, confirmando as condicionantes do planejamento, enquanto “processo social” inserido num jogo político de interesses e conflitos de classe que conformam o Estado capitalista (Araújo, 1997).

A importância do órgão à reprodução ampliada do capital evidencia-se pelo seu longo período de existência – surge em 1959, vai existir até 2001 e ressurgir alguns anos depois (2007) –, que atravessa Governos de diferentes colorações partidárias e diferentes regimes políticos. Inclusive, é no período militar que o modelo SUDENE, baseado num mecanismo de incentivos fiscais ao desenvolvimento regional, vai se estender para outras regiões do país, reiterando sua importância ao sistema, ainda sob forte padrão de atuação estatal desenvolvimentista (Oliveira, 2003b).

Nesse ponto, cabe aqui discutir a funcionalidade do mecanismo de incentivos fiscais ao sistema. O atraso da economia nordestina no momento de criação da

SUDENE não se colocava como barreira ao crescimento econômico do país, como supunha a Cepal, ao contrário, havia uma complementaridade entre o pólo atrasado e estagnado da economia (Nordeste) com o pólo moderno e dinâmico (Centro-sul), decorrente de um “desenvolvimento desigual e combinado”; entretanto, o processo de integração nacional há tempos em curso – nome oficial dado pelo Estado que nada mais era do que a integração do mercado nacional – ao romper com o formato de

“ilhas regionais” (economias regionais isoladas), acaba interferindo no padrão de dominação local, de modo que a estrutura local existente não é mais capaz de garantir suas condições de reprodução, além de ser ameaçada pela força dos agentes que lhe contestam (In: Tavares, 2000; Oliveira, 1993a; Cohn, 1976).

Assim, a hegemonia do capital industrial concentrada na região centro-sul, para tornar-se nacionalmente hegemônica, precisa sobrepujar as elites regionais, de modo a nacionalizar seu comando e a criar condições para o avanço da reprodução do capital industrial por ela liderado. Com essa finalidade, o mecanismo de incentivos fiscais, conhecido como 34/18-FINOR – que nada mais era do que uma forma de transformar a mais-valia captada pelo Estado, por meio da arrecadação de impostos,

22 em pressupostos da reprodução do capital – funciona como financiador da expansão industrial, comandada pelo Centro-sul, à Região. A funcionalidade e importância do mecanismo de incentivos fiscais para a hegemonia nacional da burguesia industrial, que primeiro destinou-se à região Nordeste, onde o padrão local de dominação dava sérias mostras de seu esgotamento, é comprovado pela extensão do mecanismo a outras regiões, selando, portanto, o processo de expansão capitalista (Oliveira 1993a).

Antes de avançarmos na exposição do tema e de sua problemática, consideramos importante sinalizar aqui o entendimento adotado sobre o conceito de região. A despeito das várias possibilidades teóricas para sua definição e das especificidades regionais, sobretudo culturais, adotaremos aqui o conceito de região enquanto espaço socioeconômico, onde a reprodução do capital se processa de forma particular, engendrando uma luta de classes que lhe é específica (Lencioni, 2009;

Oliveira, 1993a). Assim, conforme destaca Oliveira, o processo de hegemonização do capital, em busca de espaços onde possa impor seu comando e, consequentemente, encontrar condições favoráveis à sua reprodução, tende a conduzir a um processo de homogeneização dos espaços que, sob a ótica econômica, significa a destruição do regional e sua, consequente, inserção no nacional (Oliveira, 1993a). Em outras palavras, o processo de integração nacional dos mercados, ao romper as “ilhas regionais” e o padrão de comando resultante delas, coloca sob a mesma batuta diferentes regiões que, apesar de suas peculiaridades, ligam-se a uma mesma dinâmica econômica nacional (Oliveira, 2003b). Com a SUDENE, e os demais mecanismos de incentivos regionais nela inspirados, o país passa a ter uma economia nacional regionalmente localizada, mas engatada a uma mesma dinâmica nacional (In:

Tavares, 2000). A região coloca-se como parte de um todo, com suas peculiaridades e especificidades, o que não significa dizer que o todo, formado pelas partes, nesse caso regiões, seja simples somatória, influência, das partes que o compõem (Lencioni,

2009).

23

A SUDENE cumpre seu papel no processo de expansão e hegemonia do capital em âmbito nacional, em sintonia com o padrão econômico-político-social do

Estado nacional que, em se tratando de um Estado capitalista, tem como função garantir as condições da reprodução das relações de produção capitalista. Nesse sentido, sob o padrão do desenvolvimentismo, o órgão desempenha importante papel no processo de consolidação do capitalismo monopolista no Brasil, entretanto, “é bem verdade que o papel do Estado em relação à economia modifica-se não somente no decorrer dos diversos modos de produção, mas também segundo os estágios e fases do próprio capitalismo” (Poulantzas, 2000: 16).

Desse modo, as transformações pelas quais a instituição passa ao longo do tempo são reflexos das próprias mudanças ligadas ao papel do Estado na economia.

Ao longo da década de 1980 e, principalmente, nos anos de 1990, a importância do papel da instituição no planejamento, coordenação e articulação é, pouco a pouco, enfraquecida. Sob o padrão de atuação que se convencionou a chamar de

“neoliberal”, a atuação do Estado na economia passa a ser outra, uma vez que sai de cena seu papel de planejador, indutor e interventor, cabendo ao mercado desempenhar esse papel. Assim, as políticas de desenvolvimento regional perdem o sentido e com isso a própria existência dos órgãos federais que as concretiza, aspecto que explica a extinção da SUDENE em 2001.

Diante desse cenário, e para explicitar os objetivos desse estudo, entendemos que a SUDENE, na condição de aparelho do Estado, cumpre sua função, enquanto parte, no padrão de atuação que orienta o todo, a despeito das contradições e conflitos que se manifestam nas partes e, consequentemente, no todo. Desse modo, o retorno da instituição em janeiro de 2007, ocorre num momento em que o padrão econômico-político-social do Estado nacional passa novamente por mudanças, distanciando-se do modelo “neoliberal”, stricto sensu, e aproximando-se do que a

24 literatura tem tratado como “novo-desenvolvimentismo”2. Obviamente essas mudanças, conforme destaca Poulantzas, estão relacionadas aos estágios e fases do próprio desenvolvimento capitalista, que engendra, de forma imanente ao seu processo de desenvolvimento, crises, conflitos e contradições, cabendo ao Estado, portanto, intervir no sentido de garantir as condições de reprodução do sistema e, no bojo dessa garantia, a sua própria existência.

Sendo assim, entendemos que um estudo sobre a instituição só é possível na medida em que o seu papel no desenvolvimento regional estiver articulado ao próprio papel do Estado nacional na economia. Entretanto, tendo em mente que seu surgimento, como forma de resolução de um conflito de classe, cumpre o papel de acelerar e consolidar nacionalmente a hegemonia burguesa, de modo a inserir e a engatar a economia regional na dinâmica nacional, significando, conforme aponta

Oliveira, a homogeneização dos espaços que, sob a ótica econômica espacial, significa a destruição do regional, qual o sentido do ressurgimento da SUDENE?

Nesse ponto, cabe destacar que os estudos mais recentes sobre a “nova”

SUDENE, no geral, voltam-se aos efeitos produzidos pela atuação da própria instituição e às possibilidades e limitações para sua atuação no cenário regional, com destaque aos mecanismos de incentivos fiscais, à retomada do planejamento regional no Brasil, à necessidade de se ajustar escalas do macro ao micro-regional, ao envolvimento dos Governos estaduais com o órgão, à fraqueza da instituição dentro de um cenário econômico-nacional marcado pela “guerra fiscal” e à validade do mecanismo de incentivos num contexto em que a discussão sobre a reforma tributária converte-se numa quase aporia.

Porém, entendemos que o ressurgimento da instituição precisa ser problematizado não na linha dos efeitos que ela produz ou pode produzir, mas na sua articulação com o estágio do desenvolvimento capitalista no Brasil em que ressurge,

2 Entre outros autores, ver: Fonseca & Mollo, 2013; Diniz, 2011; Erber, 2011; Sicsú, de Paula & Michel, 2007.

25 sendo ela própria, portanto, efeito desse processo. Para isso, não apenas o estágio do desenvolvimento capitalista, mas, sobretudo, os conflitos de classe que ele engendra, carecem de investigação, a exemplo do que os estudos clássicos, sobre o momento de criação do órgão, fizeram – em particular o de Amélia Cohn (1976) e o de Francisco de Oliveira (1993a).

A título de hipótese, entendemos que o desenvolvimento econômico capitalista no Brasil, inserido no paradigma da industrialização, cumpriu sua trajetória, acompanhado de significativos índices de crescimento, sobretudo durante parte do regime militar. Entretanto, o processo, ainda que inserido numa concepção teórico- cepalina desenvolvimentista, confronta a teoria ao concretizar-se, uma vez que a expansão capitalista ocorre aprofundando a exclusão socioeconômica no país. O desenvolvimento e crescimento industrial ocorrem dentro de um padrão concentracionista que encontra na exclusão o elemento vital de seu dinamismo, viabilizando, desse modo, um processo de “superacumulação” capitalista (Oliveira,

2003a).

Diante da crise econômica que se abre nos anos de 1980 e das ações implantadas pelo Estado nos anos de 1990, que, por um lado, atendem aos imperativos do mercado, por outro, não resolvem a exclusão social, chegando, em alguns casos, a acentuá-la, tornam-se necessárias medidas capazes de assegurar a expansão capitalista por meio do acesso ampliado da população ao mercado, ao consumo, já que o padrão anterior, do bolo que não se dividia nunca, tinha dado mostras de sua eficiência ao sistema, mas também de suas limitações.

É nesse contexto que, pela primeira vez na história do Brasil, um Governo de esquerda chega ao posto mais alto do comando político do Estado. É sob os dois mandatos do Presidente Lula (PT) que a discussão sobre planejamento e necessidade de uma política nacional de desenvolvimento regional vai ganhar força e encontrar mecanismos de concretização, seja por meio de políticas explícitas, ou seja, diretamente ligadas às “questões regionais” e que vão encontrar maior dificuldade de

26 efetivação, seja por meio de políticas implícitas, que, apesar de não possuírem um desenho regional a priori e voltarem-se aos problemas nacionais de forma ampla

(sociais, econômicos e infraestruturais), vão apresentar impacto positivo significativo em algumas dinâmicas regionais3.

Assim, nossa hipótese é a de que o retorno da SUDENE, num contexto em que o Estado nacional dá sinais de mudanças no seu padrão econômico-político-social de atuação, retomando os pressupostos teórico-cepalinos de desenvolvimento econômico-capitalista – a ponto de ser discutido hoje pela literatura econômica como um Estado “novo-desenvolvimentista” –, indica a retomada do planejamento, enquanto

“forma transformada de conflito social”.

Desse modo, o retorno do padrão de transferência de parte da mais-valia arrecadada pelo Estado à reprodução do capital, acompanhado pela tentativa de coordenação, articulação e fiscalização, cumpre o papel de fortalecer o setor produtivo regional, que deixado às regras do livre mercado dos anos de 1990 enfraqueceu-se em virtude da debilidade do mercado regional para inserir-se num cenário global competitivo, acentuando ainda mais a exclusão social. Nesse sentido, a SUDENE ajusta-se à nova política econômica, no sentido de fomentar, ampliar e reforçar a estrutura produtiva regional e, ao mesmo tempo, mostra-se alinhada a uma política econômica mais abrangente que retoma o papel do Estado como indutor do crescimento e desenvolvimento econômicos.

***

Quanto à estrutura do texto que segue, no capítulo 2 discutimos a forma política, função e formato do Estado capitalista para, em seguida, discutirmos o

3 É importante sinalizar que a presente pesquisa estende-se até o ano de 2010, ou seja, a discussão sobre a retomada do planejamento e a recriação da SUDENE levará em consideração os dois mandatos presidenciais de Lula, encerrando-se, portanto, no último ano de seu Governo.

27 processo de formação desse Estado no Brasil, com algumas de suas especificidades e peculiaridades. Entendemos que a discussão é necessária por duas razões em especial: a primeira é que a SUDENE pode ser definida como uma política de Estado de cunho econômico, logo, torna-se indispensável a discussão sobre o que vem a ser o Estado capitalista – a discussão é realizada na chave teórico-marxiana; segundo, no processo de constituição do Estado capitalista no Brasil, na forma como ele ocorre, o processo de desenvolvimento engendra um conflito de classe, que, na sua aparência apresentava-se como “crise regional”, mas, na sua essência, era reflexo do próprio processo de acumulação e expansão nacional do capital, que requeria uma intervenção do Estado, por meio do planejamento, para sua resolução, sendo a

SUDENE, portanto, resultado desse processo.

No capítulo 3 discutimos a criação da SUDENE como resposta ao conflito deflagrado. Primeiro seguimos na linha cepalina para a apresentação e discussão do problema, ao que chamamos de leitura “quase oficial”, na medida em que a solução vislumbrada, em grande medida, mostrava-se alinhada ao próprio padrão econômico- político-social do Estado desenvolvimentista do período, entretanto, já discutimos nessa parte as dificuldades que a política encontra para sua viabilização, sinalizando, desse modo, os conflitos entre frações de classe que marcavam o período e que se manifestam dentro dos aparelhos de Estado. Em seguida, ampliamos a problematização dos conflitos engendrados para sinalizar que não era na variável econômica, na necessidade de industrialização do Nordeste – conforme indicava a abordagem cepalina –, que se punha o principal problema da questão, mas sim na quebra do padrão de dominação local, atrelado às estruturas da região, à impossibilidade regional de reprodução do capital. Desse modo, a burguesia industrial do Centro-sul, no seu processo de expansão e que conduz a economia regional à crise, precisa de mecanismos capazes de garantir seu processo de hegemonia, submetendo a economia ainda com traços de economia regional, ao seu comando. A

SUDENE, como solução ao problema, insere o Nordeste no emblemático processo de

28 integração nacional, que, obviamente, pressupõe um comando hegemônico, nesse caso, do Centro-sul.

No capítulo 4, discutimos, sobretudo, o pós-SUDENE. Nesse sentido, a compreensão da atuação “planejada” do órgão só se faz possível a partir de algumas pontuações sobre a mudança na composição orgânica do grande capital, aspecto que explica alterações no mecanismo de incentivos fiscais da instituição (34/18-FINOR).

Na parte inicial do capítulo, discutimos os desvios em relação ao que foi planejado pela instituição e ao que se concretizou. Nesse sentido, indicamos que a execução do planejamento, enquanto “forma transformada de conflito social”, depende das forças sociais, entendidas aqui como frações de classe, que exercem seu poder hegemônico nos núcleos de comando do Estado capitalista que, por sua vez, segue um padrão econômico-político-social de atuação em consonância com o estágio do desenvolvimento capitalista em curso. Na parte final do capítulo discutimos como alterações nesse estágio de desenvolvimento, requerendo outro padrão de ação do

Estado, portanto, interferem na instituição de planejamento, momento em que já não cabe mais ao Estado acioná-lo como “forma transformada de conflito social”, mas sim entregar ao mercado as possibilidades de sua resolução, culminando no fim da instituição de planejamento regional.

No capítulo 5, discutimos como o padrão de atuação político-econômico-social neoliberal do Estado, em vigência desde a década de 1980 e que chega ao seu ápice na década de 1990, apresenta sinais de esgotamento no início do século XXI, mais precisamente a partir do Governo Lula, quando é retomado o debate sobre o papel do

Estado no planejamento do desenvolvimento nacional e regional. Naquele contexto, de baixo crescimento econômico, de alto endividamento dos setores público e privado e de altas taxas de desemprego, a “questão regional” deixava de ser exclusividade de uma região em especial, e multiplicava-se em “questões regionais”, exigindo a retomada da discussão, por parte do Estado, sobre um projeto nacional de desenvolvimento regional.

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Desse modo, e a partir de uma nova coalizão de forças entre frações de classe no poder, retoma-se a prática do planejamento público, enquanto “ação precípua e intransferível do Estado”. Inicia-se, portanto, no primeiro mandato do Presidente Lula, o debate sobre o retorno da SUDENE e a retomada de políticas nacionais de desenvolvimento regional. Entretanto, tais iniciativas, inseridas num Estado-relação, onde se chocam e se entrecruzam núcleos e redes de poder, encontram dificuldades de concretização, na medida em que esbarram nos interesses conflitantes inseridos dentro dos diversos aparatos de um Estado organizado sob o modelo federativo.

Por fim, no capítulo 6, apresentamos a “inflexão” no padrão de atuação político- econômico-social do Estado, no sentido de aproximá-lo de um modelo “novo- desenvolvimentista”, e as implicações dessa mudança nas “questões regionais”. É no segundo mandato do Presidente Lula que o Estado vai retomar de forma mais contundente seu papel de planejador e indutor do desenvolvimento econômico e social.

O ressurgimento da SUDENE em 2007 – assim como a aprovação da PNDR enquanto política oficial de Governo – indica a concretização de esforços que existiram ao longo do primeiro mandato presidencial de Lula, entretanto, seu ressurgimento insere-se num contexto político e econômico bastante diferente daquele de outrora, quando da sua criação em 1959. Nesse sentido, a instituição ressurge fragilizada política e financeiramente e os resultados obtidos no tocante ao enfrentamento das

“questões regionais” resultam muito mais de políticas implícitas de Governo, que se voltaram ao enfrentamento do problema das desigualdades regionais no país, do que propriamente de políticas explícitas, capitaneadas pelas Superintendências Regionais vinculadas ao Ministério da Integração. Embora os estudos que objetivavam respaldar a recriação do órgão apresentassem e defendessem um amplo leque de atuação para a “nova” SUDENE, de modo a impactar e modificar as condições estruturais da

Região, sua atuação ficou mais restrita à administração de fundos constitucionais e à concessão de benefícios fiscais ao setor privado, restringindo, portanto, sua ação no

30 cenário regional e limitando sua função no planejamento, entendido aqui como “forma transformada de conflito social”.

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CAPÍTULO 2:

O ESTADO CAPITALISTA

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2.1 O ESTADO CAPITALISTA: FORMA POLÍTICA, FUNÇÃO E FORMATO

O Estado, tal como existe na atualidade, é manifestação moderna, capitalista, já que em formatos anteriores não havia uma separação entre domínio econômico e domínio político – de modo geral, eram as mesmas classes que se sobrepunham no poder. No capitalismo abre-se a separação entre o político e o econômico, mas esse apartamento não acontece por acaso, já que a reprodução capitalista só se torna possível a partir de sua separação da esfera estatal, em outras palavras, a causa da separação é a necessidade da reprodução do capital. Assim, enquanto a sociedade capitalista se caracteriza por sustentar-se materialmente e desenvolver-se com base na produção e propriedade privadas, no trabalho assalariado e no intercâmbio de mercadorias, o Estado, como forma de dominação, conforma-se a partir de um aparato de poder centralizado e aparentemente autônomo, separado da sociedade e da economia. “O aparato antigo é „Estado‟ dos senhores. O aparato moderno é Estado sobre todos” (Mascaro, 2013: 59).

Desse modo, a apropriação do produto da força de trabalho e dos bens não necessita mais da força bruta ou da violência exercida individualmente, já que sua produção e circulação não dependem mais de cada burguês, mas sim de uma instância separada de todos. A concentração do aparato coercitivo, numa forma separada de todos os indivíduos e classes sociais, constitui a separação entre economia e política, entre Estado e sociedade civil. O Estado evidencia, então, sua necessidade ao sistema, ao se colocar como garantia da troca de mercadorias e da própria exploração da força de trabalho, convertida em mercadoria sob a forma assalariada. Mas, “o Estado não é apenas aparelho de força, pois nele expressa-se ao mesmo tempo a comunidade política da sociedade capitalista –, embora de modo fetichizado e coisificado”, uma vez que se apresenta como Estado neutro, garantidor e defensor do bem-comum, do interesse geral. (Hirsch, 2010: 32 – grifos do autor).

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Só é possível compreender a razão de ser do Estado a partir da dinâmica das próprias relações capitalistas, posto que ele se constitui como um derivado indispensável à reprodução do capital, a forma política Estado é uma derivação da forma-mercadoria que se instaura no capitalismo, sendo estranho a cada burguês e a cada trabalhador, individualmente tomados, ele transfigura relações de exploração e, ao mesmo tempo, uniformiza e unifica os sujeitos de direito, juridicamente denominados e individualizados, sob o signo de uma pátria ou nação.

Se partirmos da ideia de que a sociedade civil, em suas características estruturais, se reproduz a si mesma por meio de leis objetivas (formas sociais) 4, que se impõem pelas costas dos indivíduos, é possível entender de modo mais claro a

“particularização” do Estado, posto que se torna necessário eliminar formas do emprego imediato da violência, de dominação, de dependência pessoal no interior do processo econômico, a exemplo do que ocorria no feudalismo. Desse modo, a instauração formal da liberdade e da igualdade civil entre indivíduos – ocultando aquelas diferenças de lugar social outrora explícitas e motivadoras de revolução – torna-se imperativo necessário à continuidade da reprodução das relações sociais capitalistas de produção5. O Estado é um complexo de relações sociais, tal como a mercadoria e o dinheiro, é expressão de relações sociais antagônicas e contraditórias.

4 Denominam-se „formas sociais‟ os objetos externos e alheios aos seres humanos, nos quais se manifestam suas interrelações sociais de forma desfigurada e irreconhecível de imediato e só por meio delas é possível a sociabilidade nas condições econômicas imperativas. As formas sociais básicas, nas quais se objetivam as interrelações sociais no capitalismo, são o valor, que se expressa no dinheiro, e a forma política, que se expressa no Estado separado da sociedade – ambas, na condição de formas sociais, são coisificadas e objetivadas, colocando-se independente da vontade dos indivíduos, quase como naturais e não como um constructo de um dado processo histórico, ou seja, a efetivação do capitalismo como forma de reprodução, é a forma do político sob as condições da sociabilidade capitalista (Hirsch, 2005). 5 Entretanto a liberdade e a igualdade civil também estão imersas no contexto social capaz de garantir as condições de reprodução do capital; são componentes que obscurecem a dimensão de classe do regime, mas não são cláusulas pétreas dele, já que num contexto limite de crises abre-se “a possibilidade permanente da utilização aberta da violência no interior do processo de produção e de reprodução, bem como a eliminação da liberdade formal e da igualdade civil (Estado autoritário, fascismo)” (In: Reichelt, 1990: 151).

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“Ele é gerado e reproduzido pelos indivíduos ativos, mas sob condições que fogem à sua consciência imediata e ao seu controle” (Hirsch, 2010: 19).

Enquanto o valor de troca, incorporado no dinheiro, compõe a unidade social da produção, independentemente da vontade dos indivíduos, faz-se necessária, ao mesmo tempo, uma instância distinta deles e que lhes seja contraposta como algo estranho, mas capaz de garantir as condições sociais da produção e da reprodução capitalista. A consolidação do produto social num poder objetivo sobre a sociedade, que se emancipa de seu controle, constitui um dos principais momentos do desenvolvimento histórico capitalista, uma vez que a partir da contradição entre o interesse particular e o comum, “o interesse comum assume uma forma independente, como Estado, separado dos interesses reais dos indivíduos e dos interesses de todos”

(In: Reichelt, 1990: 146).

Para além desta “particularização”, a forma Estado é resultante dos elementos determinantes, funcionais e específicos do próprio processo dinâmico de reprodução do capital. Desse modo, a continuidade assegurada do processo de reprodução capitalista requer duas garantias: condições materiais para a produção, demanda impossível de ser atendida no plano dos capitais singulares, como infraestrutura, por exemplo, e intervenção no processo de reprodução quando este for ameaçado, seja pela atuação de capitalistas singulares ou de trabalhadores (momento em que a forma jurídica entra em ação como garantia da ordem do direito civil), seja pelas contradições imanentes ao próprio processo (queda da taxa de lucro). Neste último caso fazem-se necessários os incentivos tributários, regulamentação e subvenções econômicas, desregulamentação de direitos, até então garantidos, como trabalhistas, por exemplo, entre outros modos de intervenção. Ambas as condições, “pressupõem um aparelho independente com relação ao processo de reprodução e aos seus agentes, dotado de meios específicos de organização, principalmente a possibilidade de empregar a força física” (In: Reichelt, 1990: 150).

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As instituições jurídicas, consolidadas a partir do aparato estatal, ao individualizar e igualar explorados e exploradores em sujeitos de direitos e autônomos para formularem contratos, deformam a relação de exploração. O Estado, na sua forma jurídica e política, apresenta-se como um “terceiro” na relação entre capital e trabalho, do contrário, haveria dominação direta por parte do capital. O contrato coloca-se como elo entre trocas de mercadorias e para que não se configure como imposição, ou algo unilateral, os indivíduos são tomados como sujeitos de direito e o aparato estatal, estranho aos contratantes, garante a qualidade jurídico-relacional. Os mecanismos sociais, que agem às costas dos indivíduos, são também resultado de relações concretas entre indivíduos, grupos e classes, as formas são imanentes às relações sociais, mas não são estanques no tempo, já que as interações sociais capitalistas forjam formas que lhes são específicas e necessárias (Mascaro, 2013).

A forma econômica, política e jurídica estão entrelaçadas, conformam uma totalidade, mas a expressão dessas formas ocorre em campos de objetivação específicos e necessários, sendo prejudicial o entendimento de que o político e o jurídico estruturam-se a partir do econômico, uma vez que essas formas se estabelecem no mesmo todo das relações de produção, sendo seus pilares, portanto.

Articuladas às relações sociais capitalistas, que instituem formas sociais tais como forma-valor, forma-mercadoria, forma-sujeito de direito, a forma jurídica e a forma política revelam-se quando seus atributos internos dimensionam suas variantes, enquanto sua posição no contexto das relações sociais indica sua causa, identidade e existência. Assim, o poder político no capitalismo não é originado pelas instituições, mas, ao contrário, passa por elas.

As formas econômica, política e jurídica caracterizam o modo como a sociedade capitalista alcança coesão, continuidade e desenvolvimento, a despeito das contradições antagônicas, mas, por meio delas. Assim, mercado, direito e Estado complementam-se, estão umbilicalmente relacionados. Se, por um lado, a ação do

Estado tende a suprimir o mercado, por outro, ele depende de que o processo de

36 valorização do capital no mercado continue, já que os impostos retirados das relações de produção, mais-valia apropriada pelo Estado, é o que garante, assegura o funcionamento da máquina estatal, ou seja, a existência do Estado depende do mercado. Em outras palavras, a existência do Estado capitalista depende da existência do modo de produção no qual ele surge e se insere. Assim, o Estado, em sua forma social específica, só consegue manter-se na medida em que garante as condições de reprodução econômica como valorização do capital. Mas política e

Estado não conformam uma interrelação funcional que se auto-regula sem atritos. A

“particularização” do Estado também se produz por meio de lutas políticas e sociais e

é frequentemente questionada por elas, sobretudo quando se estabelecem aproximações exageradas entre o Estado e grupos de interesses particulares do capital e as decisões estatais são dirigidas, de forma unívoca, por tais interesses privados.

Enquanto pilares estruturais da lógica de reprodução capitalista, forma jurídica e forma política conformam-se e apóiam-se mutuamente. A essência da forma jurídica

é o sujeito portador de direitos, enquanto a da forma política é o poder separado do capital, que só consegue manter-se por meio da reprodução social a partir de um aparato específico, o Estado, que se coloca, portanto, como elemento indispensável à constituição e à garantia da própria dinâmica da mercadoria e da relação entre o capital e o trabalho.

Colocando-se como uma ligação estrutural e relacional das ações capitalistas de troca mercantil e de exploração produtiva, a forma política não se coloca como elemento neutro diante do todo social, ao contrário, o Estado apresenta-se como o momento da condensação de forças sociais específicas, resultante dos padrões de sociabilidade. Seu aparato institucionalizado é um determinado instante e espaço dessa condensação, entretanto, esse aparato só funciona dentro da necessária relação com estruturas de valorização do capital. Assim, não é partindo da forma do

Estado que se entenderá sua utilização ou não pela burguesia, mas é partindo da

37 estrutura de reprodução do capital que é possível entender a forma e função de um aparato político específico, relativamente separado das classes, que chamamos de

Estado – não é o Estado que dá origem ao capitalismo, mas o contrário. E é dentro de condições históricas específicas de relações sociais de produção que ele se modela e se remodela continuamente, preservando sua função a partir de transformações no seu formato concreto.

Dentro da lógica das relações de produção, o Estado alimenta a dinâmica de valorização do valor, bem como a interação social entre capital e trabalho, porém, de forma contraditória, já que há contrastes de interesses entre as frações de classes burguesas e há lutas dos trabalhadores, ainda que muitas delas, inseridas na lógica da mercadoria, corroborem a própria reprodução contínua do capital. Desse modo, a atuação do Estado, atendendo reivindicações parciais e fragmentadas de classes, preserva a lógica do valor. O processo de reprodução do capital é estrutural e global, independente do compromisso deliberado ou não dos dirigentes do Estado com a manutenção do sistema.

A materialidade institucional estatal surge apenas quando se estabelecem a forma-mercadoria e a forma jurídica, uma vez que há no Estado uma forma política que é constituída e que constitui necessariamente o tecido das relações sociais de reprodução do capital. Na totalidade social o primado do econômico se realiza em conjunto com o político, constituindo uma unidade na multiplicidade, uma totalidade estruturada. Mas a correspondência entre economia capitalista e Estado não ocorre de forma repentina, linear e automática, essa relação surge de forma ora harmônica, ora conflituosa, já que tanto a forma econômica, quanto a forma política estão permeadas pela luta de classes e de frações de classe. A derivação da política a partir da economia no capitalismo é material, concreta e relacional, decorrente de dinâmicas sociais contraditórias, sustentadas em classes, grupos sociais e indivíduos em oposição e concorrência – há um encontro histórico de relações, explorações,

38 dominações, lutas, demandas, expectativas, instituições, poderes, costumes, valores e ideologias.

Inserido nessa dinâmica, o papel da política, das classes burguesas e das classes trabalhadoras é bastante relevante, já que se desenrolam na medida das possibilidades de legitimação, consolidação, resistência ou confronto diante da própria reprodução do capital. Desse modo, a compreensão da luta de classes é fundamental para dar conta das diversas relações existentes no seio das sociedades capitalistas e ela revela o momento específico do político e do econômico dentro da estrutura capitalista. A forma política estatal, ao se colocar como um poder separado dos próprios agentes econômicos, pode, eventualmente, ser disfuncional e contrária aos interesses do capital, já que o Estado é atravessado por pressões e conflitos, assim, a separação do econômico e do político permite a valorização do valor, mas isso ocorre num processo contraditório em decorrência da própria separação e apoderamento divididos.

Por meio de um processo dinâmico, o Estado, agindo de maneiras variadas, reconfigura a sociedade, ao passo que também é reconfigurado por ela. As diversas

“autonomias relativas” em seu interior fazem com que as crises estruturais do capitalismo imponham reorganizações constantes e peculiares aos aparelhos políticos e às suas funções, alterando, inclusive, seu poder de influência na “ossatura estatal” 6.

É o conflito que concretiza, pressiona e altera as formas do aparato político estatal.

Nesse sentido, não é possível pensar numa inteligência geral do capitalismo orientando seu fluxo e estabelecimento, a forma estatal origina-se a partir de uma junção e processamento de conflitos, contradições, arranjos e lutas. Como consequência, nem sempre a forma instituída é aquela mais funcional ao capitalismo,

6 Conf. Poulantzas, 2000.

39 porém, em ultima instância, o econômico determina o desenvolvimento social geral, uma vez que há salvaguarda na geografia institucional para que isso ocorra7.

A “ossatura estatal”, identificada a partir de sua materialidade institucional, evidencia a complexidade dos aparelhos de Estado, traduzida nas suas funções, (inter e intra) relações e organização, atravessadas por conflitos. Obviamente as decisões que passam por esses meandros têm implicações na produção e reprodução do capitalismo, entretanto, a despeito de suas respectivas influências, não se pode perder de vista a distinção entre poder real e poder formal, assim, “o fato de a esquerda ocupar o governo não significa forçosa nem automaticamente que a esquerda controle realmente os, ou mesmo alguns, aparelhos de Estado.” Além disso, “a organização institucional do Estado permite à burguesia, no caso do acesso das massas populares ao poder, permutar os lugares do poder real e poder formal”. Em outras palavras, “a unidade centralizada do Estado não reside numa pirâmide na qual bastaria ocupar o cume para garantir seu controle” (Poulantzas, 2000: 141). A geografia institucional permite à burguesia trocar o papel dominante de um aparelho por outro, onde houver salvaguarda, seja burocrática, seja jurídica, que possibilite a garantia não apenas dos interesses do grupo hegemônico, mas do sistema como um todo.

A materialização da forma política ocorre a partir das instituições políticas, que se apresentam como poderes múltiplos e divididos, perpassados por órgãos governamentais específicos e especializados. Entretanto, mesmo havendo alta correspondência, a forma política e as instituições políticas não são a mesma coisa, em outras palavras, a forma não pode se confundir com as instituições que a materializam – “a forma política estatal não se caracteriza a partir de tais instituições, tomadas em sua internalidade, mas sim em sua externalidade, a partir de

7 Embora todas as classes sociais estejam presentes nos aparelhos de Estado, enquanto a relação do Estado com a classe dominante ocorre na chave da dependência recíproca, na medida em que o Estado depende de informações econômicas e “é obrigado a demonstrar certa disposição de cooperação com as empresas para ter êxito nas suas estratégias políticas”, com as classes dominadas não há essa dependência imediata, elas se colocam como “clientes” atendidas pelo Estado (Hirsch, 2010:57).

40 determinadas formas de relações sociais” (Mascaro, 2013: 31). As instituições se configuram e são reconfiguradas pelas dinâmicas sociais, num entrelaçamento estrutural contínuo, mais do que as atribuições das instituições ou sua operação interna e seus mecanismos apenas imediatos, é a forma política que explicará sua posição material e estrutural.

Como a relação entre forma política e instituições políticas é atravessada pela luta de classes, grupos e indivíduos, há instituições diferentes em Estados capitalistas e que possuem dinâmicas próprias e diferenciadas de interação social, portanto, não há um conjunto institucional padrão à forma política estatal. Se a forma política estatal

é necessária à reprodução do capital, o mesmo não se pode dizer sobre especificidades do seu conjunto institucional, sobre sua ossatura e articulação, uma vez que Estados capitalistas, dependendo de seu momento de interação social, podem existir sob o formato democrático de direito ou sob o formato ditatorial, por exemplo.

Desse modo, o Estado desdobra seu aparato em múltiplos órgãos e instituições, muitas vezes contraditórios e até mesmo opostos, condensando a forma política do capitalismo. O governo compõe o núcleo de poder dirigente do Estado, enquanto a administração pública conforma seu corpo burocrático. Visto a partir de sua forma política, o Estado apresenta-se relativamente autônomo em relação à totalidade social, já que, de fato, existe uma separação entre o poder político e o poder econômico, aspecto essencial à reprodução do capitalismo, na qual os agentes econômicos, tanto burgueses quanto trabalhadores, estão apartados do poder político, entretanto, tal autonomia ocorre numa cadeia específica de relações sociais, capitalista.

Por um lado, o Estado é autônomo mediante condições de reprodução capitalista, por outro, uma vez que sua forma é capitalista, sua posição existencial e estrutural depende dessa contínua reprodução. Desse modo, “sendo uma entidade relacional, condensando específicas dinâmicas sociais, o Estado não é autônomo

41 diante dessa estrutura geral das relações do capitalismo, daí a relatividade de sua autonomia.” (Mascaro, 2013: 44). Há, então, determinadas funções que devem ser cumpridas, de modo a assegurar, simultaneamente, a continuidade de um modo de produção definido e como conseqüência a existência do próprio aparelho estatal, a despeito das formas históricas concretas do Estado, enquanto forma política, que sofrem transformações decorrentes de conflitos, contradições e antagonismos inseridos nas relações sociais e de classe (Hirsch, 2010). Em outras palavras, a função permanece, mas o formato concreto apresenta-se em contínua transformação.

Os diferentes aparatos estatais estabelecem e representam relações com todas as classes e grupos, mas o modo como elas se estabelecem é diferenciado e seletivo, conforme a capacidade dos aparatos para garantir e impor interesses. As funções do Estado estão incorporadas na sua materialidade institucional, porém, a especificidade das funções requer especialização dos aparelhos que as desempenham, o que resulta em formatos particulares de divisão social do trabalho dentro da própria “ossatura estatal” 8. Os vínculos entre os aparatos estatais e as classes e grupos não são estáveis, eles modificam-se conforme a correlação de forças e os conflitos sociais. Esse aspecto exige do Estado uma capacidade constante para adaptar seus aparatos às modificações resultantes das contradições e conflitos sociais, assim, sua capacidade para garantir o processo de produção e reprodução capitalista e desenvolvimento social é continuamente desafiada. As contradições econômicas e sociais estão inseridas no aparato do sistema político e se expressam nas instituições de poder, como conflitos entre diferentes aparatos estatais, contradições entre burocracia, grupos de interesse e partidos.

8 Ainda que os aparelhos de Estado proporcionem uma unidade social ao corpo burocrático, as contradições de classe estão inseridas no seu modelo organizacional, onde se expressa a divisão social do trabalho com “incumbência ou lugar de classe burguesa para as altas esferas desse pessoal, pequena-burguesia para os escalões intermediários e subalternos dos aparelhos de Estado” (Poulantzas, 2000: 157).

42

Sendo assim, dentre os elementos históricos que compõem o Estado, podemos deduzir alguns particularmente importantes ao entendimento sobre sua separação da esfera econômica e, ao mesmo tempo, sua “relativa autonomia”: obstáculos formais

(legais) que não permitem aos portadores imediatos do poder estatal coordenar os meios de produção; manutenção do aparelho estatal a partir da arrecadação de impostos; fragmentação das esferas do direito (Constitucional, Administrativo e Civil – demarcando os limites entre a esfera privada e pública, de modo a camuflar as relações de classe); surgimento de funcionários e políticos profissionais, ocultando o pertencimento de classe; desenvolvimento do sistema representativo parlamentar, como esfera mediadora entre a sociedade civil e os aparelhos de Estado.

Apesar de necessária, essa forma é também contraditória, uma vez que precisa legitimar-se a cada passo, no interior de um processo de disputas e interesses conflitantes. Ao mesmo tempo em que é um Estado de classes não instrumentalizado por uma classe, sua “particularização” e “autonomia relativa” o convertem num espaço de mediação, de conciliação e de promoção de equilíbrios sociais, sem os quais a sociedade capitalista não poderia perdurar. Dentro dele e por meio de seu aparato conforma-se uma política comum das classes e das frações de classe dominantes, que, simultaneamente, competem, combatem entre si e se rivalizam e esta política, ao mesmo tempo, estabelece marcos institucionais capazes de pacificar coercitiva, ideológica e materialmente as classes dominadas (Hirsch, 2005).

Poderes executivo, legislativo e judiciário, forças armadas, polícia, ministérios, esferas de poder com seus respectivos aparelhos regionais municipais, estaduais e centrais e aparelhos ideológicos estão todos perpassados por circuitos de disputas, que representam com frequência, conforme as diversas formações sociais, interesses absolutamente divergentes e conflitantes entre eles e ou entre alguns componentes do bloco no poder. Por exemplo, pode haver grandes proprietários de terra dispostos em determinados circuitos, enquanto frações do capital não-monopolista (divididas entre comercial, industrial e financeiro) distribuem-se em outras esferas, ao mesmo tempo

43 em que estão obviamente presentes nesses circuitos e esferas o capital monopolista

(com suas ramificações de predominância financeira ou industrial), além dos choques de interesse entre burguesia internacionalizada ou burguesia interna, atravessando esse emaranhado de interesses – todos presentes no seio Estado.

Desse modo, há sempre uma aliança conflitual entre frações de classe, que se desdobra nas contradições internas dos diversos aparelhos do Estado. Entretanto, “é o jogo dessas contradições na materialidade do Estado que torna possível, por mais paradoxal que possa parecer, a função de organização do Estado” (Poulantzas, 2000:

136). A “autonomia relativa” do Estado não se efetiva em face de frações do bloco no poder, ela não advém da capacidade do Estado de se manter exterior a elas, mas é resultante do que se passa dentro do Estado, por meio de sua materialidade institucional. O estabelecimento de uma Política do Estado só pode ser compreendido como resultante de contradições que o atravessam, que se colocam dentro de um

“Estado-relação”. Em outras palavras, um Estado que se coloca como campo estratégico, onde se entrecruzam e se chocam núcleos e redes de poder. Sua política

é uma

linha de força geral que atravessa os confrontos no seio do Estado. Nesse nível, essa política é certamente decifrável como cálculo estratégico, embora mais como resultante de uma coordenação conflitual de micropolíticas e táticas explícitas e divergentes que como formulação racional de um projeto global e coerente (Poulantzas, 2000: 139).

Se o processo de acumulação do capital pauta diretamente a ação do Estado, ele só se traduz no seu seio quando articulado e inserido na sua política de conjunto.

Assim, toda medida econômica do Estado tem um conteúdo político, não apenas no sentido geral de uma contribuição para a acumulação do capital e para a exploração, mas também no sentido de uma necessária adaptação à estratégia política da fração hegemônica. As classes dominadas e dominantes, com suas respectivas frações,

44 distribuem-se na materialidade institucional do Estado, a partir de critérios de importância para a reprodução do capital, bem como conforme a efetividade de poder

(formal versus real), entretanto, aqueles aparelhos mais impactantes à reprodução do sistema e, obviamente, dotados de poder real, como o econômico, por exemplo, está salvaguardado pela fração monopolista hegemônica. “Certamente, esse aparelho econômico de Estado é atualmente um dos focos privilegiados da fração monopolista detentora da hegemonia no seio do bloco no poder, e isso não é por obra do acaso.”

(Poulantzas, 2000: 173).

Nota-se com isso que os aparelhos de Estado organizam e unificam o bloco dominante no poder, ao mesmo tempo em que desorganizam e dividem as classes dominadas. A materialização das classes dominadas no poder, seja em aparelhos menos impactantes para a ordem econômica, seja a partir de uma inserção dentro da lógica da divisão social do trabalho, não ocorre da mesma forma que a da classe ou frações de classe dominante. De todo modo, caso as classes dominadas não fossem inseridas no seio do Estado, a despeito da especificidade desse modo de inserção, as contradições entre dominantes e dominados significariam contradições entre o Estado e as massas populares. “As contradições internas do Estado não passariam de decorrências das contradições entre classes e frações dominantes, a luta das classes dominadas não seria uma luta presente no Estado, consistindo simplesmente em pressões sobre o Estado”, mais propriamente sobre um Estado representante da classe dominante, aspecto que invalidaria sua “particularização” (Poulantzas, 2000:

143).

Entretanto, a forma política do capitalismo não se confunde com o aparato do

Estado, uma vez que este é apenas uma exteriorização institucional das estruturas sociais. As formas sociais, enquanto determinações capitalistas – econômica, política, jurídica –, manifestam-se em todos os âmbitos da sociedade e marcam tanto as burocracias estatais como o sistema político, os grupos de interesse, os meios de comunicação, as instituições econômicas e sociais. Assim, a forma política,

45 materializada institucionalmente no aparato estatal, depende da forma dinheiro e capital, ao mesmo tempo em que representa uma contradição em relação a eles. O dinheiro necessita de garantias fornecidas pelo aparato coercitivo do Estado, portanto, deve ser controlado e regulado por ele, mas não é de sua criação, uma vez que é gerado na estrutura e dinâmica do processo de valorização do capital. Isto impõe limites claros à política monetária do Estado. Quando não há estabilidade monetária e há processos inflacionários, coloca-se em risco a forma dinheiro. Assim, esta separação entre política e economia, Estado e sociedade, significa que a sociedade capitalista não pode dispor de um centro regulador que alcance e controle toda a sociedade em seu conjunto.

Capitalismo e Estado relacionam-se no nível das formas e das estruturas, não no nível de uma eventual captura do poder pela classe burguesa. O Estado é atravessado pelos movimentos contraditórios das lutas de classe e não se altera apenas por conta das decisões de seu próprio poder ou de suas funções internas, mas, principalmente, por conta das imposições de demandas estruturais externas a ele. A forma estatal não surge de modo alheio “ao tecido social”, ao contrário, instaura- se com ele. Assim, se em certo momento histórico, um padrão econômico-político- social se impõe – liberalismo, desenvolvimentismo, neoliberalismo, novo- desenvolvimentismo –, esse momento não é de omissão do Estado, ao contrário, é um momento de empenho estatal para a manutenção da reprodução das relações de produção capitalista. “É bem verdade que o papel do Estado em relação à economia modifica-se não somente no decorrer dos diversos modos de produção, mas também segundo os estágios e fases do próprio capitalismo” (Poulantzas, 2000: 16).

O Estado capitalista sempre é um Estado intervencionista, mas sem poder fundir-se com a sociedade – eles estão, ao mesmo tempo, separados e ligados e esta relação simbiótica se estabelece por meio de permanentes conflitos sociais. Estado e sociedade formam, então, uma unidade contraditória e para ambas há uma

“autonomia relativa”, já que na sociedade capitalista o Estado não é um instrumento

46 criado conscientemente pela classe dominante, nem é a materialização de uma vontade popular democrática e também não é um sujeito dotado de autonomia. Ele é mais que uma relação entre indivíduos, ele é a condensação de uma relação de forças e reflete na sua estrutura organizativa essas relações, mas, ao mesmo tempo, também as modela e estabiliza. O Estado é uma totalidade necessária à reprodução capitalista, entretanto, essa totalidade é composta por partes contraditórias que conformam o todo social. Ou seja, as contradições que existem na sociedade se condensam nele

(Hirsch, 2005).

Desse modo, o Estado intervém continuamente no processo de reprodução social com objetivo estabilizador, mas obviamente sem alterar suas estruturas essenciais que, por excelência, também o constituem. Suas intervenções conservam as estruturas socioeconômicas ou as adaptam a condições modificadas, o que pressupõe margem de ação diante das forças sociais que se modificam constantemente. Sua atuação não é o mero resultado de ações estratégicas de atores individuais – partidos, grupos de interesse, movimentos sociais –, mas se constitui a partir das dinâmicas sociais e de classe que se expressam no conjunto do aparato político. Se o Estado não pode atuar diretamente quando o processo de valorização do capital corre riscos, os conflitos e conciliações sociais devem ser equilibrados no sistema político de modo a apresentar compatibilidade com este processo. O Estado capitalista é intervencionista e, em grande medida, impositivo, já que os recursos que o mantêm vêm do processo de produção capitalista e quando este entra em crise, segue-se também a crise financeira do Estado, o que limita sua capacidade de ação.

As contradições que atravessam a sociedade capitalista se manifestam dentro dele, que, exceto em condições extremas, nunca é absolutamente capturado apenas por uma classe ou grupo, entretanto, a distribuição de organismos estatais a várias classes, a importância maior ou menor de cada um, exprime o poder relativo deles no todo social. Além disso, a burocracia não se revela como um bloco unificado de contraste com a sociedade civil, já que a dinâmica das contradições sociais se

47 completa no próprio Estado. O Estado não processa o conflito social em termos de classe, ao contrário, vale-se do arsenal jurídico para processá-lo na chave do indivíduo-cidadão, fazendo com que a contradição de classe transfigure-se e restrinja- se às demandas individuais, aos direitos dos sujeitos-cidadãos.

Existe uma via de mão dupla, ou seja, a economia capitalista não existe sem uma forma política estatal correspondente e esta só pode existir nas condições de reprodução econômica capitalista, mas tal relação está repleta de contradições. Como no capitalismo as formas de sociabilidade se estruturam em relações de exploração, dominação, concorrência, antagonismo entre grupos e classes, o conflito e a crise são as marcas inexoráveis da reprodução social e o Estado, inserido nessa totalidade, emerge nelas e delas. É, sobretudo, nos processos de crise e de reorganização que se manifestam a “particularização” e a “autonomia relativa” do Estado.

O Estado pode planejar o desenvolvimento, pode antecipar a troca de modelos econômicos, mas também pode comprometer condições de estabilidade à reprodução, ao preservar arranjos políticos, sociais e culturais que emperram o próprio desenvolvimento. Assim, as crises capitalistas têm origem tanto nas crises de acumulação quanto nas crises de regulação, calcadas nas decisões do Estado, e podem irromper tanto por meio de fraturas meramente econômicas, como por meio de desarranjos políticos e sociais significativos. Desse modo, “as crises do capitalismo não são excepcionais a esse modo de produção, mas sim suas características estruturais” (Mascaro, 2013: 125).

Num regime ancorado na exploração, composto de inúmeros agentes na produção e na troca, marcado por profundas desigualdades e por lutas entre classes e grupos, atravessado por formas sociais e instituições que, embora necessárias, apresentam-se como estranhas aos interesses dos próprios agentes, há, obviamente, múltiplas contradições, tanto no plano econômico quanto no plano político, e o Estado tem papel fundamental na constituição das crises, na medida em que é forma necessária desse modelo de reprodução social. Diante delas, a economia e a política

48 reagem e elaboram alterações e propostas reformistas para o modelo no qual a crise se originou com o objetivo de manutenção do regime. “Como elemento fundamental da reprodução dinâmica capitalista, o Estado é menos um meio de salvação social do que, propriamente, um dos elos da própria crise” (Mascaro, 2013: 127).

A necessidade concreta do Estado pode ser evidenciada a partir dos contextos de crise das relações de produção e reprodução do sistema capitalista, que resultam em movimentos políticos. Nesse processo as barreiras que o próprio capital cria para si no decorrer do seu processo de valorização e os modos históricos peculiares que ele adota para se impor colocam-se como ponto de partida central para uma análise sobre as configurações especiais e formatos do Estado, as quais são influenciadas pelos diferentes níveis de acumulação e pelas condições de valorização de capitais, resultantes de condições sociais especiais, naturais e históricas, sendo possível explicitar também os limites históricos de um mecanismo capitalista de reprodução influenciado pelo intervencionismo estatal.

***

A discussão empreendida até aqui teve como objetivo desenvolver um arcabouço teórico capaz de nos auxiliar na discussão sobre a trajetória da SUDENE.

Desse modo, o aparelho do Governo Federal, respaldado pelo manto da forma planejamento, tem seu percurso marcado por lutas e contradições inseridas nos estágios do desenvolvimento capitalista no Brasil, sendo o Estado um componente estabilizador imprescindível à resolução dos conflitos e à manutenção segura do sistema.

Como veremos a seguir, a SUDENE é concebida como resposta a uma crise desse estágio, que, na sua aparência, colocava-se como “crise regional”, mas que, na sua essência, ameaçava o padrão político, social e econômico de dominação capitalista, requerendo, portanto, uma intervenção do Estado capaz, não apenas de

49 proporcionar condições materiais à produção do capital, mas, principalmente, de garantir condições de reprodução ameaçadas pelas próprias contradições imanentes ao processo de desenvolvimento capitalista. Obviamente a resposta encontrada insere-se nos limites históricos em que um mecanismo capitalista de reprodução, influenciado pelo intervencionismo estatal, coloca-se como alternativa, em estreita conexão com o próprio padrão econômico-político-social de atuação do Estado capitalista.

Os conflitos, lutas e contradições entre frações de classe – que revelam um momento específico do político e do econômico dentro da estrutura capitalista – acompanham a trajetória da SUDENE, passando pela sua concretização como resposta do Estado a esse processo e pela sua efetivação como aparelho de planejamento, coordenação e fiscalização; passa também pela sua extinção, num momento cujo padrão econômico-político-social de atuação do Estado sofre profundas mudanças; chegando ao seu ressurgimento, quando esse padrão sofre novamente alterações e ajustamentos – todo esse processo se desenrola de forma articulada e sintonizada com os estágios e fases do desenvolvimento capitalista.

Por fim, é na conjuntura de crise do período de fins dos anos de 1950 que a

“autonomia relativa” do Estado pode ser percebida, entre outras, por meio de uma resposta que, além de criar um novo aparelho para enfrentar o problema, impõe reorganização à constelação de aparelhos que já operavam na região Nordeste, alterando o poder de influência que estes possuíam na “ossatura estatal”.

Passemos agora à discussão sobre o processo de constituição do Estado capitalista no Brasil, mais propriamente às lutas e contradições que engendram a crise para a qual a SUDENE vai ser concebida como resposta.

50

2.2 O ESTADO NO BRASIL: CAMINHOS PARA A CONSTITUIÇÃO DE UM

ESTADO CAPITALISTA

O debate desenvolvido até aqui partiu de uma teoria ampla sobre o Estado capitalista e transitou por abordagem marxiana ampla sem voltar-se às peculiaridades do desenvolvimento capitalista, seja nas sociedades de capitalismo avançado, seja naquelas de desenvolvimento tardio. Desse modo, a discussão sobre Estado na

América Latina, e em particular no Brasil, carrega especificidades históricas que não podem ser desconsideradas na compreensão desse desenvolvimento, de modo que nessa contínua relação entre o passado, o presente e o devir jaz a chave para as possibilidades e limitações de um processo de transformação social que, por excelência, carrega conflitos e contradições, muitas vezes arrefecidos e adiados a partir de condicionantes político-econômicas.

Antes de avançarmos na discussão, como destaca Charles Bettelheim, vale lembrar que no momento em que os países “avançados” industrializam-se, não há concorrência, eles se colocam como desbravadores de um novo modo de produção e de relações comerciais advindas e necessárias ao desenvolvimento desse novo modo, enquanto os países de desenvolvimento tardio e dependente, nesse mesmo momento, estão sob o jugo da dominação política, na condição de colônias, e da dominação econômica, uma vez que sua produção é orientada pelo e voltada ao mercado externo

(In: Pereira, 1973).

Em linhas gerais, há uma abordagem sobre o desenvolvimento capitalista na

América Latina que destaca a fragilidade da burguesia local frente à poderosa burguesia internacional da metrópole. Diante da dificuldade de impor sua hegemonia, na medida em que a própria burguesia local é pressionada, instaura-se um padrão autoritário de dominação que conduz ao empobrecimento das massas, tendo em vista a extração e a apropriação do excedente pela metrópole, de um lado, e o empenho da

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“burguesia” local para manter seu status quo, por outro9. Entretanto, ao discutir o peso da influência externa, essa abordagem não discute o papel da luta de classes local, do desenvolvimento capitalista resultante dela e da autonomia do Estado, bem como os caminhos do transbordamento dessa luta para dentro de seus aparelhos (Carnoy,

1988).

Se o desenvolvimento capitalista é tardio, nos moldes dos países avançados, a colonização do Brasil está inserida no momento de constituição do mercado mundial capitalista. Entretanto, a extensão desse momento à colônia lhe impõe e a limita a um papel dependente e coadjuvante. O capitalismo comercial europeu em expansão instaura a grande propriedade agrária, a escravidão moderna – possibilitando lucros no comércio de humanos – e a monocultura de exportação – com o intuito de abastecer o mercado europeu – como os pilares do sistema colonial. E os dividendos desse peculiar e contraditório tipo de empresa capitalista, assegurados pelo monopólio da metrópole, acabam por viabilizar sua economia. Obviamente há uma articulação e um rebatimento entre relações de exploração, assim, os setores externos articulavam e impunham seus interesses aos setores locais que, por sua vez, os purgavam na exploração interna. Entretanto, a corda que junta mecanismos de exploração (externo e interno) e dependência externa quando esticada demais pode romper. Em outras palavras, a peculiar empresa capitalista colonial sufocava as possibilidades de transformações tecnológicas e sociais que o capitalismo engendrava na Europa, porém, a constante pressão da metrópole para ampliar seus despojos vai gestando, pouco a pouco, o embrião da rebeldia que, ao rebentar, rompe com um dos elos da dependência, a política10.

9 Conf. Frank, 1978. 10 Caio Prado Júnior em “Formação do Brasil contemporâneo: colônia”, ao buscar nexos entre a situação colonial e a situação nacional do Brasil de seu tempo, num diálogo com o passado, o presente e o futuro, dentro de um processo de longa duração, entrega ao pensamento social brasileiro uma importante, e indispensável, interpretação do Brasil – para um entendimento acerca desse momento crucial (colonização) ver a obra do autor (Prado Júnior, 2006).

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A independência política internaliza o processo decisório, já que o destino político e a organização do novo país passam a ser pensados a partir de dentro.

Entretanto, o novo não está apartado do antigo, já que a dependência econômica continua, a despeito do espólio não ser mais capturado diretamente pela metrópole

(apropriação local do excedente produzido) – continua na condição de país agrário- exportador com sua economia voltada às necessidades e interesses externos e na condição de país consumidor de produtos industrializados da metrópole, muitos deles passíveis de enquadramento na categoria de supérfluos restritos aos segmentos sociais mais abastados. Embora a economia esteja inserida na lógica capitalista, não é possível falar de um Estado capitalista no sentido anteriormente discutido, uma vez que se preserva a lógica do “Estado dos senhores”, com a manutenção do trabalho escravo e consequente ausência de mecanismos de participação política, ou seja, com a independência política não se instala uma sociedade de classes, mas preserva-se a ordem estamental (Fernandes, 2006; In: Pereira, 1973).

Ao longo do século XIX e na primeira metade do século XX a ordem social, política e econômica sofre profundas mudanças, de modo a, pouco a pouco, delinearem e instaurarem um Estado capitalista, em outras palavras, um Estado que vai se distanciando do modelo estamental, “Estado dos senhores”, e constituindo-se num “Estado sobre todos” 11. Entretanto, essas mudanças sempre tiveram o Estado como variável chave, seja como indutor das transformações necessárias, seja como

11 Em 1850, a Lei de Terras já se coloca como um demonstrativo desse processo, uma vez que redefine relações não capitalistas em relações capitalistas, na medida em que a mercadoria terra passa a fazer parte do mercado. Ademais, a participação dos imigrantes na vida social, cultural e econômica do país – a partir do emprego de mão-de-obra livre – a abolição do trabalho escravo, a mudança do regime político, o deslocamento do eixo produtivo para o centro-sul do país e o processo de industrialização colocam-se como importantes elementos que compõem o quadro de transformação. Obviamente, cada uma dessas transformações implicou novas mudanças no panorama social, político e econômico do período, sem, no entanto, romperem definitivamente com tradições passadas. Na verdade as mudanças, resultantes de condicionantes internos e externos, ocorriam de modo a preservar uma relação simbiótica entre o moderno e o arcaico, sem desconsiderarmos aqui o efeito perverso desse padrão de relação – sobre essas transformações e suas implicações ver: Fernandes, 2006; Furtado, 2003; Martins, 1979.

53 objeto de disputa, quanto ao seu núcleo dirigente, de modo a possibilitar as mudanças almejadas e entendidas como necessárias por segmentos específicos do poder econômico (frações de classe).

É na primeira metade do século XX, mais precisamente a partir de 1930, e numa conjuntura internacional específica e tumultuada, que o intervencionismo estatal amplia-se, acompanhado de uma complexificação dos aparelhos de Estado (criação de diversos órgãos e institutos) e de uma participação ativa na produção industrial. À medida que outros segmentos sócio-econômicos urbanos começam a ganhar força no cenário econômico nacional (burocracia militar e civil e burguesia industrial), intensifica-se o descontentamento com os rumos das diretrizes econômicas, ou seja, as políticas de valorização do café, bem como com a excessiva influência dos grupos cafeeiros junto ao Governo Federal, sendo possível falar de um aprisionamento do

Estado pela elite cafeicultora, sobretudo do Estado de São Paulo, desde a descentralização republicana – não por acaso são aqueles segmentos sociais urbanos descontentes que vão se colocar como importante base de apoio do primeiro Governo de Getúlio Vargas instaurado em 1930 a partir de um Golpe Militar.

Com a crise de 1929 e o consequente impacto negativo na exportação dos produtos primários nacionais, sobretudo do café, carro chefe da economia no período, uma nova estratégia econômica é trilhada, sob o modelo de “substituição de importação” – intensificado no período da II Guerra Mundial. Vale destacar que, diferentemente do período precedente, “a primeira metade do século XX está marcada pela progressiva emergência de um sistema cujo principal centro dinâmico é o mercado interno” (Furtado, 2003:242). Assim, durante pouco mais de quatro séculos, havia no país “ilhas regionais” articuladas muito mais para fora do país do que para dentro, logo, a dinâmica dessas “ilhas” era definida pelo mercado externo; com as mudanças iniciadas ainda na primeira metade do século XX, houve uma internalização do comando, acompanhado de articulação da economia nacional e de hegemonia do mercado interno nesse processo (In: Tavares, 2000; Oliveira, 1993a).

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Essa nova estratégia, nomeada de desenvolvimentismo, cuja participação ativa do Estado é crucial, pode ser definida como uma ideologia de transformação da sociedade baseada num projeto econômico voltado à industrialização como caminho de superação da pobreza e do subdesenvolvimento, a partir de um entendimento de que isso não pode ocorrer espontaneamente por meio das forças do mercado. Assim, torna-se indispensável a ação indutora do Estado, seja como planejador desse desenvolvimento, seja como investidor direto (Fonseca & Mollo, 2013).

Importante salientar, contudo, que, a despeito das matrizes teóricas que tratam do desenvolvimentismo, com seus respectivos modelos macroeconômicos e especificidades, é consenso que a estratégia desenvolvimentista não se volta apenas ao crescimento da produção, mas abrange mudanças estruturais essenciais a um modelo sustentável de longo prazo, além de mais justo na sua dimensão distributiva.

Obviamente, há significativas nuanças na atuação do Estado, de governos considerados desenvolvimentistas, no que diz respeito à defesa da industrialização, aos limites do intervencionismo pró-crescimento e ao nacionalismo, delimitando e subordinando o capital estrangeiro a um “projeto nacional” 12. Se num primeiro momento, frente ao impacto da crise, as medidas emergenciais não evidenciam clareza quanto ao projeto futuro de desenvolvimento para o país, os resultados advindos delas vão, paulatinamente, fortalecendo um projeto nacional de industrialização – a criação em 1941 da primeira empresa estatal voltada diretamente

à produção, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), já evidencia a intencionalidade desse projeto para uma economia, até então, marcadamente agrário-exportadora13.

12 As políticas de desenvolvimento econômico no Brasil, assim como na América Latina, de modo geral, são tributárias de diferentes concepções teórico-econômicas. Sobre estas influências ver síntese realizada por: Fonseca & Mollo, 2013. 13 A mudança na matriz econômica, de país agrário-exportador para país em processo de industrialização não passou ilesa de fortes embates entre as frações de classe dominantes no período, sobretudo quando levamos em consideração a imposição consentida, por parte das elites nacionais, de inserção da ex-colônia na economia mundial a partir da lógica da Divisão Internacional do Trabalho, com sua preconizada bandeira das “vantagens da especialização”, divisão que açambarcava as ex-colônias da América Latina e segundo a qual cabia a estes

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Embora fuja do escopo desse trabalho entrar nas nuanças de uma estratégia que vigorou quase meio século no Brasil, é importante sinalizar alguns pontos cruciais para o debate que objetivamos empreender14.

O processo de industrialização desencadeado a partir da Crise de 1929 culmina na plena formação das bases técnicas indispensáveis à autodeterminação da acumulação capitalista. Até então, é possível falar de um “crescimento industrial” resultante do processo de urbanização, entretanto, tratava-se de uma produção voltada ao consumo popular e regionalmente articulada. Com a crise, inicia-se um

“processo de industrialização”, no qual há participação decisiva do Estado brasileiro, de modo a viabilizar um setor produtivo de meios de produção (Draibe, 2004).

Ao mesmo tempo em que passa a existir um movimento de constituição das bases materiais de poder da burguesia, há um processo de complexificação das estruturas políticas do Estado15, por meio das quais o poder burguês vai se expressar e se exercitar como um poder unificado – locus onde passa a se expressar a luta política a partir de então. Contudo, os interesses apresentavam-se heterogêneos e fragmentados, inclusive dentro das mesmas frações de classe. Desse modo, as relações de força eram instáveis e ajustadas a interesses conjunturais e é nesse cenário, de incapacidade hegemônica das classes sociais, que ganha força a

“autonomia relativa” do Estado, sobretudo quando levamos em consideração o fortalecimento de sua “ossatura”, com consequente aumento da sua capacidade de países o fornecimento de bens primários às economias industrializadas. Os fortes embates entre Eugênio Gudin, defensor do modelo agrário-exportador, e Roberto Simonsen, defensor da industrialização, apresentam-se como bastante simbólico-representativos do período e podem ser vistos, entre outros, no trabalho de Cepeda, 2003. 14 Sonia Draibe desenvolve um rico e minucioso trabalho sobre o Estado e o processo de industrialização no Brasil, no período que vai de 1930 a 1960. A autora mostra como “a estruturação do Estado, entre 1930 e 1960, não pode ser entendida como um processo linear e contínuo de expansão e centralização. Constituiu antes um movimento desigual, descontínuo, e se fez sob uma forma particular, exprimindo a ação histórica concreta dos setores sociais em conflito, nos distintos e sucessivos „equilíbrios de poder‟ entre forças políticas heterogêneas” (Draibe, 2004: 45 – grifos da autora). 15 Apesar de mais acentuado no Governo Federal, nas Unidades da Federação também houve, ao longo do período, um maior aparelhamento e complexificação das estruturas estaduais (Campello de Souza, 1990).

56 regulação e intervenção. Se, por um lado, cabia ao Estado reequilibrar dentro de suas estruturas os interesses conflitantes, por outro, essa ação era limitada não apenas pelas formas de dominação existentes, nas quais estava assentado, mas também pela necessidade de atender a interesses particulares, divergentes e fragmentados.

A “autonomia relativa” permitia ao Estado dotar de “sentido” sua ação, a partir da elaboração de ações, programas, metas e prioridades de caráter geral e universal – muitos, inclusive, apresentados como sendo de interesse nacional – e assim o Estado conseguia legitimar seu poder perante todos, agora agrupados na ideia força de nação. A Presidência apresentava-se, ela própria, como uma força política chave no período, na medida em que imprimia um “sentido” à ação do Estado. Entretanto, a força da Presidência fundava-se no campo político dos interesses instáveis que lhe proporcionava sustentação, aspecto que explica as nuanças existentes entre os governos desenvolvimentistas do período, quanto ao processo e ritmo da industrialização (Draibe, 2004).

De uma à outra fase da industrialização, com autonomia, força e capacidade de iniciativa, o Estado brasileiro planejou, regulou e interveio nos mercados, e tornou-se ele próprio produtor e empresário; através de seus gastos e investimentos, coordenou o ritmo e os rumos da economia e, por meio de seus aparelhos e instrumentos, controlou e imiscuiu-se até o âmago da acumulação capitalista. Do ponto de vista social e político, regulou as relações sociais, absorveu no interior de suas estruturas os interesses sociais e se transformou numa arena de conflitos, todos eles „politizados‟, mediados e arbitrados pelos seus agentes (Draibe, 2004: 15-16).

Entretanto, o processo simultâneo de aparelhamento do Estado e de mudança paulatina da atuação produtiva, de agrário-exportador para país em “processo de industrialização” – combinado com a urbanização, e as questões sociais advindas desse processo, e com a própria questão agrária, e a relação desse setor produtivo com o novo “processo de industrialização” – apesar de apresentar resultados positivos no período e de indicar soluções bem sucedidas no enfrentamento da Crise de 1929 e

57 do período da II Guerra Mundial, fez emergir novos desafios a serem enfrentados pelo

Estado. Dentre eles, o crescimento e o desenvolvimento alcançado no período seguiram um padrão regional concentracionista bastante significativo, com impactos diferentes nas regiões do país, sobretudo nas duas mais populosas, Sudeste e

Nordeste16. “Com efeito, a participação de São Paulo no produto industrial passou de

39,6 para 45,3, por cento, entre 1948 e 1955. Durante o mesmo período a participação do Nordeste (incluída a ) desceu de 16,3 para 9,6, por cento” (Furtado, 2003:

247).

Quando se rompe o isolamento econômico, do tipo “ilha regional”, e inicia-se um processo de articulação e relações econômicas entre as regiões do país, entra em cena a problemática da “questão regional”, momento em que a sociedade percebe-se diante do processo desafiador da construção nacional, tendo-se em mente as grandes diferenças e as respectivas dinâmicas econômico-regionais. Entretanto, como o grosso da produção industrial concentrava-se no Sudeste, o padrão de relação econômica era tipicamente comercial, uma vez que se produziam no pólo dinâmico as mercadorias que circulavam nas demais regiões (Guimarães Neto, 1997).

Embora esse padrão existisse entre o Sudeste, sobretudo São Paulo, e as demais regiões, seu efeito perverso ganha mais destaque na região Nordeste, tendo- se em mente o caráter peculiar de sua economia, marcadamente primária, as relações de produção e de trabalho e a concentração fundiária, problemas agudizados quando

16 Importante destacar que apenas em 1970, por meio de decreto lei, há a oficialização das cinco macro-regiões brasileiras, que já vinham sendo discutidas e consideradas desde 1967. A nova divisão regional (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) ficou mais alinhada àquela tratada pela SUDENE, uma vez que o Estado da Bahia foi incorporado à macro-região Nordeste; a região centro-sul, bastante presente na literatura do período, não existia, tratava-se de uma aproximação para referir-se aos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, presentes na região Leste, e São Paulo, presente na região Sul. Desse modo, o centro-sul será tratado aqui como região Sudeste, na intenção de facilitar o entendimento da discussão – a região centro-sul será preservada apenas nas citações. Sobre a divisão regional brasileira e as concepções que orientaram as revisões de agrupamento macro-regional, ver Magnago, 1995.

58 levamos em consideração a sua significativa concentração populacional17, inclusive em áreas mais brutalmente afetadas pela seca, já que esta se coloca como outro problema peculiar e histórico da região. Vale destacar que algumas iniciativas do

Governo Federal de “integração” entre regiões, com abertura de estradas, acabaram por acentuar o efeito perverso das relações. A rodovia Rio - Bahia, por exemplo, permitiu que a produção têxtil paulista adentrasse o mercado nordestino em vantagens competitivas, já que sua produção era mais moderna que a local, aspecto que contribui para que a produção têxtil nordestina entrasse em profunda crise18.

Obviamente não é possível falar de um esquecimento da região por parte dos

Governos Federais do período, entretanto, a atenção dada e a forma de enfrentamento do problema alcançavam, no limite, resultados paliativos e imediatos.

Assim, enquanto os investimentos federais na região Sudeste dinamizavam a economia, o setor produtivo, na região Nordeste eles estavam mais restritos ao enfretamento da seca, com as famigeradas obras hidráulicas, executadas por grandes

Frentes de Trabalho, sobretudo no período de seca. Tal padrão de atuação não permitia um salto de desenvolvimento, ao contrário, perpetuava uma situação que só seria superada a partir de transformações estruturais19. Entretanto, as medidas paliativas saciavam a elite oligárquica nordestina, grande beneficiária deste padrão de atuação e lhes proporcionava uma situação bastante confortável. Além de essa elite ser a grande beneficiária direta de obras realizadas pelo DNOCS, os grandes proprietários rurais eram desonerados da folha de pagamento nos períodos de seca, uma vez que as Frentes de Trabalho federais proporcionavam renda de sobrevivência ao trabalhador, que retornava, nas mesmas condições, ao trabalho quando o período

17 Em fins da década de 1950 a população estimada da região era de 25 milhões de habitantes, correspondendo a quase um terço da população nacional – 31,1% (Cohn, 1976). 18 A rodovia, integrando o mercado do Sudeste com o Nordeste, foi realizada durante o governo de Juscelino Kubitscheck (In: Tavares, 2000). 19 A criação da Inspetoria de Obras Contra a Seca data de 1909 e em 1945 é transformada no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), que, a partir da Constituição de 1946, passa a contar com a obrigatoriedade de vinculação de 3% da receita federal ao combate das secas (In: Tavares, 2000).

59 de estiagem findava. Em outras palavras, não havia nem motivações, nem interesse para uma transformação a partir de dentro da região, ao contrário, nesse cenário, a atuação do Governo Federal beneficiava as elites e, ao mesmo tempo, arrefecia o potencial de luta dos explorados, garantindo-lhes renda de sobrevivência. O impulso teria de vir de fora, como veio (Governo Federal), mas encontraria resistências, como encontrou, já que afetava a zona de conforto da tradicional oligarquia regional.

As condições concretas de desequilíbrio social e econômico vão se intensificar na década de 1950, sobretudo em 1958, em razão de uma grave seca que afeta a região – acompanhada de significativo fluxo migratório de “retirantes” rumo ao Sudeste

– com o agravante de um cenário político que indicava para uma perda de controle social, principalmente por parte do Governo Federal20.

Os problemas agudizavam-se, ao passo que o modo usual de enfrentamento dos problemas, com políticas emergenciais e assistencialistas, evidenciava seu fracasso frente aos problemas recorrentes e contava com um clima de opinião pública nacional bastante desfavorável21.

Juscelino Kubitscheck, então Presidente (1956-1961), diante das críticas recebidas com relação aos gastos em curso com a construção da nova capital federal em Brasília, com a concentração de gastos infraestruturais no Sudeste do país – políticas componentes de seu Programa de Metas, apresentado na campanha eleitoral de 1955 – e com a insatisfação de políticos nordestinos, que sentiam a região desassistida, resolve organizar um Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do

Nordeste (GTDN), como forma de responder às críticas, mas também com a intenção

20 Os resultados eleitorais de 1958 e a organização das Ligas Camponesas são exemplos emblemáticos dessa possibilidade de perda de controle e serão discutidos mais adiante. 21 O jornal carioca “Correio da Manhã” envia ao Nordeste, em 1959, o jornalista Antônio Callado com o objetivo de fazer reportagens sobre a situação na região e sobre projetos do Governo Federal em andamento. As reportagens realizadas contribuíram para fortalecer o apoio da opinião pública do Sudeste a uma nova alternativa política para o Nordeste, uma vez que a série de reportagens denunciava a miséria do povo e os abusos e desvios de verbas federais, de modo que na região era possível encontrar uma sui generis classe social nomeada pelo jornalista de: “os industriais da seca” (Furtado, 1989).

60 de indicar uma preocupação diferenciada, capaz de incorporar a região na imagem de um Governo que trabalhava pelo desenvolvimento e integração nacionais.

Vale destacar aqui que, no plano internacional, com o fim da Segunda Guerra

Mundial, tem-se um conjunto de políticas de reconstrução e de desenvolvimento, que resultam na construção de novos órgãos internacionais e de planos de ajuda, além de reflexões teóricas e de estudos sobre desenvolvimento econômico, desenvolvimento regional e urbano e planejamento econômico (In: Tavares, 2000). A criação, em 1948, da Cepal, uma agência da ONU, que tinha como finalidade o estudo e formulação de alternativas econômicas para a região, é reflexo desse novo momento histórico. Os trabalhos realizados pela Cepal contribuíram para a construção e difusão de conceitos inovadores, que contrariaram a interpretação liberal clássica das “vantagens comparativas”, segundo a qual o desenvolvimento equilibrado residia na especialização da produção, cabendo às ex-colônias latino-americanas especializarem-se na produção de bens primários (vocação agrícola dos países da periferia e vocação industrial dos países do centro).

Com o economista argentino Raúl Prebisch inicia-se a grande mudança conceitual na forma de se pensar e problematizar a América Latina. A partir de seu conceito-chave de “deterioração das relações de troca” há um confronto direto com a interpretação reinante das “vantagens comparativas”. , que passa a integrar a Cepal em 1949, também traz contribuições valiosas na forma de se pensar a

América Latina e de se vislumbrar caminhos de superação do status quo. Para o economista brasileiro o subdesenvolvimento não era uma etapa para se chegar ao desenvolvimento, conforme visão mais corrente na época, mas era resultado de uma formação histórica específica, que preservava resquícios do sistema colonial com uma estrutura agrária arcaica, monocultura exportadora, dualidade da estrutura produtiva e das relações de trabalho e consequente concentração de renda.

Assim, diante da fraqueza da burguesia nacional para formular um projeto nacional e do entendimento de que o desenvolvimento coloca-se como objetivo

61 coletivo e superior, a superação do subdesenvolvimento só poderia se viabilizar a partir da racionalidade e do planejamento do Estado. Em outras palavras, largada às condições de mercado e dentro de suas debilidades históricas, os países subdesenvolvidos não superariam esta condição e o distanciamento entre nações ricas e pobres continuaria a aumentar. A alternativa colocava-se, então, num processo de luta pela racionalidade na política, sendo o Estado ator e árbitro indispensável a este processo. Por fim, essas contribuições da Cepal alteraram profundamente o pensamento sobre a questão nacional e regional de países subdesenvolvidos, tornando-se, como destaca Francisco de Oliveira, uma “ideologia” que passou a orientar as discussões e as pautas dos programas econômicos em países da América

Latina, sobretudo (In: Tavares, 2000). É nessa fonte, de revisão de modelos econômicos e de participação do Estado nesse processo, que o desenvolvimentismo vai inspirar-se.

Se, por um lado, o Estado no Brasil já vinha há algum tempo perseguindo um caminho de superação do modelo das “vantagens comparativas”, a partir da estratégia de industrialização como força propulsora do desenvolvimento, por outro, a despeito de resultados positivos, os problemas enfrentados nas relações econômicas entre centro e periferia eram transferidos para o nível nacional, num padrão dual de relações entre regiões, sobretudo na relação entre Sudeste, pólo dinâmico industrial, e

Nordeste, pólo estagnado agrícola.

Em 1958 Celso Furtado desliga-se da Cepal e retorna ao Brasil, assumindo uma diretoria no BNDE e, no mesmo ano, passa a dirigir o GTDN22 e formula o estudo

“Uma política de desenvolvimento para o Nordeste”, de onde saem as diretrizes que vão estruturar a SUDENE, instituição criada com a finalidade de planejar e coordenar a ação do Governo Federal na região, de modo a enfrentar os problemas sociais,

22 O grupo de trabalho fora criado em 14 de dezembro de 1956 (Decreto nº 40.554) e estava diretamente ligado à Presidência da República, já que a ela respondia (Pedroza Júnior & Andrade & Bonfim, 2011). .

62 econômicos e políticos, há muito recalcitrantes. E assim o Estado, sob comando da

Presidência de Juscelino Kubitscheck, entregava à nação uma proposta diferenciada, referendada por um economista de prestígio internacional, para o enfrentamento da

“questão regional”. Furtado indicava em seu diagnóstico e de forma bastante ousada, na medida em que batia de frente com a política regional hidráulica, que o problema do Nordeste não era a seca, mas a reconfiguração do desenvolvimento nacional e a forma como a região inseria-se nele. Assim, ou se alteravam as estruturas, enraizadas na formação histórica da região, ou não se enfrentava a questão.

63

CAPÍTULO 3:

A CRIAÇÃO DA SUDENE

64

3.1 CRIAÇÃO DA SUDENE: POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES PARA O

ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA

A convite da presidência, Celso Furtado passa a integrar o GTDN e elabora o projeto de desenvolvimento para a região que daria origem à SUDENE23. Obviamente o projeto dialogava com o modelo de Estado Desenvolvimentista do período, cujo papel do Estado como planejador e propulsor do desenvolvimento era central. O diagnóstico presente no relatório do GTDN, a partir de uma abordagem histórica, apresentava as enormes disparidades entre Nordeste e Sudeste e as situavam num processo cumulativo que poderia se intensificar na falta de uma política concreta e efetiva de reestruturação regional. Os principais pontos do documento sinalizavam que24:

 A política cambial e de controle das importações, que subsidiava a

industrialização do Sudeste, prejudicava as exportações nordestinas;

 Uma vez que o Nordeste também exportava as mesmas mercadorias

para o Sudeste (açúcar e algodão, sobretudo), as condições de cambio

e de comércio interregional apresentavam-se perversas às relações de

troca entre regiões, sendo o Nordeste prejudicado nessa relação;

 As medidas tributárias adotadas pelo Governo Federal na região

contribuíam à transferência de capitais regionais privados que eram

investidos em outras regiões e só em parte eram compensados por

23 Celso Furtado assume em 1958 uma diretoria no BNDE dedicada ao Nordeste e assume a direção dos trabalhos realizados pelo GTDN, onde formula o relatório “Uma política de desenvolvimento para o Nordeste”. Após conhecimento e divulgação do relatório, Juscelino Kubitscheck lança no início de 1959 a Operação Nordeste (OPENO) e cria por decreto o Conselho do Desenvolvimento do Nordeste (CODENO), sob direção de Celso Furtado, que deveria adiantar-se no que fosse possível e conforme a legislação autorizasse nos trabalhos no Nordeste, enquanto a proposta de criação de um novo órgão na região, da qual nasceria a SUDENE, enviada ao Congresso Nacional pelo presidente não fosse aprovada (Vieira, 2004; Furtado, 1989). 24 Conf. GTDN, 1959.

65

transferências federais, sendo que essas transferências, atreladas à

política hidráulica, não contribuíam para o desenvolvimento produtivo da

Região;

 A política hidráulica, sobretudo a construção de açudes, beneficiava

mais os grandes proprietários e não impactava nas causas estruturais.

O diagnóstico elaborado pelo GTDN, sobre os problemas estruturais da região, indicava também a baixa produtividade da agroindústria açucareira concentrada nas áreas úmidas, as limitações ecológicas do semiárido, a necessidade de se estender para o Maranhão a fronteira agrícola da Região e de se ampliar as áreas irrigadas nos vales úmidos do São Francisco, sobretudo, e também na zona da mata, bem como apontava a fragilidade e a obsolescência da estrutura industrial nordestina. Por fim, após diagnóstico, o relatório propunha alternativas às regiões da zona da mata e do semiárido, assim como a expansão das áreas irrigadas e incentivos à industrialização: Em linhas gerais:

 Na zona da mata a baixa produtividade poderia ser compensada por

meio de melhores técnicas e apoio financeiro do Governo Federal, com

isso, seria possível liberar áreas mais férteis para cultivo de alimentos,

voltado ao mercado regional / local, além de disponibilizar essas áreas

a um futuro projeto de reforma agrária;

 No semiárido era preciso deslocar significativo contingente populacional

(aproximadamente um milhão de pessoas) para projetos de colonização

no Maranhão e para vales úmidos irrigáveis. Diante das condições

ecológicas dessa área, em vez de fragmentação, era necessário

aglutinar propriedades, além de aperfeiçoar o conhecimento e a

exploração das culturas a ela indicadas. Com isso, objetivava-se reduzir

66

o impacto das secas, que se fazia forte, sobretudo nessa região – efeito

agravado pela concentração populacional;

 A irrigação deveria pautar-se por projeto de lei que a direcionasse aos

interesses sociais (colonização e produção alimentar) e deveria ser

seguida por estudos técnicos sobre o potencial hídrico da região;

 Já a industrialização previa a constituição de um Centro Autônomo

Manufatureiro com o objetivo de implantar uma política regional de

importações. Para tanto, era necessária a implantação de uma pequena

siderúrgica, estímulo à instalação de indústrias mecânicas simples,

aproveitamento de matérias primas locais, sobretudo minerais, além de

recuperação das indústrias já existentes, principalmente a têxtil. As

propostas voltadas à industrialização tinham como objetivo o

atendimento, produção local, das principais demandas nordestinas, de

modo que a Região não continuasse tão dependente da produção

industrial externa (nacional ou internacional), e previam, ainda,

incentivos e investimentos do Governo Federal, além disso, objetivava-

se a promoção de uma mentalidade industrial na região.

O documento, que pressupunha a criação de uma nova instituição, apontava as limitações e fragilidades da política federal usual para o Nordeste, assim como o efeito regional perverso de políticas de incentivo industrial voltadas à região Sudeste.

Baseada em técnicas de pesquisa e de planejamento, a alternativa para se romper o círculo regional vicioso impunha racionalidade, controle, articulação, cooperação e fiscalização entre atores econômicos e políticos na região e no Governo Central. Por meio de uma nova instituição, comprometida com essas variáveis, seria possível superar o processo cumulativo negativo e vicioso que imperava no Nordeste.

De modo a expressar a gravidade que afetava a região e sua repercussão ao restante do país, Furtado afirmava que o atraso da região Nordeste trazia fortes

67 ameaças de fragmentação ao país, na medida em que promovia migração em massa rumo ao Sudeste impactando negativamente na questão salarial das regiões mais desenvolvidas. Em seminário realizado no ISEB, em 1959, o autor enfatiza que se não houvesse enfrentamento urgente da questão, “a formação de grupos regionais antagônicos poderá ameaçar a maior conquista de nosso passado: a unidade nacional” 25 (Furtado, 1959: 16).

Em pesquisa sobre os problemas que se agravam no Nordeste, ao longo da década de 1950, Amélia Cohn investiga aspectos sociais, políticos e econômicos que contribuíram para a criação da SUDENE, como solução ao impasse político- institucional nordestino. Valendo-se de interpretação econômica diferente acerca da situação regional e de sua relação com o desenvolvimento econômico nacional, inserida na chave do “desenvolvimento desigual e combinado”, a autora destaca que, embora a crise residisse num problema regional, sua solução só poderia ocorrer no plano nacional, não por que o desenvolvimento do Nordeste se colocasse como necessário ao desenvolvimento do país, como indicavam as abordagens cepalinas, mas sim por que o atraso econômico da região ameaçava a “manutenção do padrão de integração do sistema político e social nacional” (Cohn, 1976: 64). Nesse sentido, o fortalecimento das Ligas Camponesas, a grave seca de 1958 e o resultado eleitoral desse mesmo ano – que fortalecia a oposição ao Governo Central no Executivo de importantes estados – compunham um quadro político bastante delicado, sobretudo quando se considera a penetração de lideranças populistas e de forças de esquerda junto às massas26.

25 A questão federativa e a alternativa encontrada como resposta à ameaça de ruptura da unidade nacional vão ser tratadas em outra parte do texto. Sobre o conteúdo do seminário realizado, ver: Furtado, 1959. 26 Quanto aos resultados do pleito de 1958, eles “já refletem importantes mudanças ocorridas ao nível sócio-econômico que significam, no âmbito regional, a queda da oligarquia agrária que até então detinha inquestionavelmente o poder, e, no âmbito nacional, a derrota da tradicional aliança PSD/PTB, em detrimento dos „coronéis‟ e em favor da expansão do PTB” (Benevides, 1979: 124).

68

É importante destacar que o Governo Kubitscheck apresenta-se no período como aquele de maior estabilidade política. Conforme tese de Maria Victoria

Benevides, a estabilidade é alcançada mediante importante aliança partidária entre

PSD-PTB, que funciona como uma conciliação entre o velho, marcado pela influência das oligarquias rurais, e o novo, sob o processo de urbanização e industrialização, e apoio das Forças Armadas, em torno do Programa de Metas (Benevides, 1979).

Segundo a autora, a convergência e apoio no Congresso foram possíveis na medida em que não contrariavam interesses de bases, em outras palavras, “o Programa de

Metas não envolvia mudança estrutural na sociedade, deixando intacta a estrutura de poder no campo, o que correspondia aos interesses do PSD rural”, ao passo que o processo de industrialização agradava e fortalecia o PTB nos núcleos urbanos

(Benevides, 1979: 77).

Na estabilidade do período, destacam-se as “administrações paralelas” que garantiam eficiência e controle do Executivo Central sobre as políticas alinhadas ao

Programa de Metas e, ao mesmo tempo, liberavam sua implantação e execução dos entraves do sistema político-legislativo27. Os GTs compunham parte importante das

“administrações paralelas” e eram formados por técnicos qualificados, responsáveis pela elaboração de propostas, regulamentações e projetos de lei encaminhados ao

Congresso sem verniz partidário, na medida em que eram elaborados por técnicos. Os

GTs permitiam a estabilidade e conciliação uma vez que não se sobrepunham aos

órgãos existentes controlados pelos interesses político-partidários. “A administração paralela era, portanto, um esquema racional, dentro da lógica do sistema – evitando o imobilismo sem ter que contestá-lo radicalmente –, uma vez que os novos órgãos funcionavam como centros de assessoria e execução, enquanto que os antigos

27 O que Benevides chama de “administrações paralelas” também é tratado pela literatura como insulamento burocrático. Nesse sentido, “o insulamento burocrático é percebido como uma estratégia para contornar o clientelismo através da criação de ilhas de racionalidade e de especialização técnica” atuando dentro do Estado (Nunes, 1997: 34).

69 continuavam a corresponder aos interesses da política de clientela ainda vigente”

(Benevides, 1979: 225).

Entretanto, o Projeto de Lei de criação da SUDENE, que é desenvolvido pelo

GTDN, alinhado, portanto, ao Programa de Metas, propõe mudanças que interferem naquela convergência de interesses; o excerto abaixo, apesar de longo, é bastante elucidativo.

Os Governadores seriam „convidados‟ a tomar assento no Conselho Deliberativo do novo órgão, com direito a voto. Criava-se um complexo sistema de contrapesos. Por um lado, cada Governador controlava os demais para que a repartição de recursos não o prejudicasse; por outro, os Governadores do partido de oposição exerciam vigilância para que os ligados ao governo federal não levassem vantagem. Demais, como os planos seriam formulados tendo na devida conta o esforço realizado pelos Estados, o governo federal disporia de instrumentos para influir na aplicação desses recursos, fazendo prevalecer uma ótica regional. Meu propósito era fortalecer os Governadores, expressão mais legítima da vontade popular em cada Estado, e ao mesmo tempo introduzir o espírito regional em todos os debates e liberar a aplicação dos recursos federais da politicagem local (Furtado, 1989: 50-51).

Assim, a SUDENE não objetivava apenas a modernização econômica, mas também a modernização política da Região, em outras palavras, a primeira não seria possível sem a segunda. Furtado também destaca que nas regiões menos desenvolvidas apenas os interesses das elites político-econômicas encontravam meios de expressão e, consequentemente, de atendimento. O projeto proposto tinha como objetivo construir um espaço político mais democrático, já que os Governadores representavam interesses que não conseguiam fazer-se representar no cenário federal. Por fim, como muitas vezes os Governadores seriam convidados a debater problemas que não lhes afetavam diretamente, o Conselho acabava por incentivar uma visão da região como um todo – a intenção era criar uma instância regional de governo, capaz de fortalecer a cooperação entre os nove Governadores nordestinos.

70

Frente às transformações que objetivava alcançar, contrariando fortemente velhos interesses e usanças, travou-se uma verdadeira batalha para que o projeto fosse aprovado. A principal dificuldade estava nas forças políticas nordestinas presentes no Congresso. Era necessário articular forças de outras regiões, além de angariar apoio junto da opinião pública nos principais centros urbanos do país. A essa tarefa Furtado lançou-se. A lei foi aprovada “contra a maioria das bancadas nordestinas, graças ao apoio dos deputados do Centro-Sul 28” (Furtado, 1989: 80 – grifos do autor).

A classe dirigente e a elite política da região nada fariam para modificar o quadro estrutural existente. Sem pressão de fora, as velhas estruturas continuariam a reproduzir-se, até que, um dia, explodisse a caldeira. Fosse o Nordeste um país, sua evolução histórica seria similar à das repúblicas centro-americanas, onde a via para a mudança tem sido frequentemente a violência. Somente porque não era um país, cabia pensar em uma „revolução dirigida‟, graças a apoios obtidos em outras regiões (Furtado, 1989: 66 – grifos do autor).

E assim, conforme consideração de Francisco Oliveira, a SUDENE entrava em ação como uma proposta de “federalismo regionalizado” (Oliveira, 2003b). Após a aprovação da lei nº 3.692, em 15 de dezembro de 1959, que a institui, Celso Furtado é nomeado pelo Presidente Juscelino Kubitscheck superintendente da instituição29. Em

28 Em linhas gerais, os argumentos acionados pelas forças políticas contrárias à aprovação da nova instituição transitavam pela crítica ao excessivo controle que o Governo Federal passaria a ter na região, por meio de um órgão de planejamento e coordenação, e pela priorização dada à questão da industrialização, em detrimento da urgência de resolução dos problemas sociais ocasionados pela seca. Assim, os opositores destacavam que verbas seriam direcionadas a um programa de fomento à indústria, que traria resultados num médio prazo, e sacrificaria as verbas destinadas às obras de combate à seca, que, quando ocorria, implicava problemas urgentes e imediatos de solução. Mas, por trás das críticas, estava o receio de que a criação do novo órgão interferisse significativamente no padrão usual de direcionamento e apropriação de recursos federais pela oligarquia agrária nordestina, com o agravante de que o novo órgão também teria o importante papel de fiscalizar o uso das mesmas (Furtado, 1989). 29 A área de atuação da SUDENE, no período, compreendia os seguintes Estados: , Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, , Piauí, Rio Grande do Norte, e mais uma pequena faixa do norte de Minas Gerais – com características semelhantes às do sertão nordestino. Enquanto os Estados do Piauí e, principalmente, do Maranhão cumpriam a função de expansão da fronteira agrícola, as demais se inseriam (pelo menos parte de seu território)

71 maio do ano seguinte (1960), o Presidente encaminha ao Congresso o projeto do I

Plano Diretor da instituição. O projeto cobria os seguintes setores de atuação e prioridades:

eletrificação, transportes, aproveitamento dos recursos hídricos, reestruturação da economia rural, melhoria das condições de abastecimento, levantamento e prospecção mineralógicos, levantamento cartográfico, serviços de abastecimento de água das cidades do interior, acesso das populações a condições mínimas de instrução e incentivos aos investimentos privados no setor industrial (Furtado, 1989: 82).

Entretanto, o I Plano Diretor levou mais de um ano e meio para ser aprovado, a mesma resistência para aprovar a criação da SUDENE manifestava-se na aprovação do Plano. Entre engavetamentos na Câmara e no Senado e tentativas de alterações, ele foi aprovado em 14 de dezembro de 1961 (lei nº 3.995) – a Presidência já tinha mudado, mas Celso Furtado fora mantido como Superintendente da instituição pelo

Presidente Janio Quadros (1961), pelo Primeiro Ministro Tancredo Neves (1961-1962) e pelo Presidente João Goulart (1961-1964). O tempo de tramitação, no entanto, permitiu alterações na proposta inicial do Plano realizadas pela própria SUDENE, uma vez que as variáveis econômicas, nas quais o sistema de incentivos e captação de recursos foi pensado, sofreram alterações.

Se, por um lado, a concepção da nova instituição ocorrera sob influência teórico-cepalina, segundo a qual o dual-estruturalismo impunha uma camisa de força ao desenvolvimento tecida na relação entre o setor moderno da economia e o setor atrasado (centro e periferia), situação que não poderia ser superada nas condições de livre mercado, requerendo uma ação efetiva do Estado, por outro, a aplicação dessa

no polígono das secas. Conforme destaca Oliveira, “como quase sempre acontece, o Nordeste da SUDENE assume os contornos da ideologia da classe dominante da „região‟ da indústria”, ideologia constituída a partir do momento em que os fluxos migratórios para São Paulo intensificam-se, sob forte associação com as secas – aspecto que explicaria a inclusão de uma pequena faixa do norte de Minas Gerais na área de atuação do novo órgão (Oliveira, 1993a: 38).

72 teoria a regiões de uma mesma nação impunha limitações, uma vez que “a diferenciação de fronteiras internas não pode ser formalizada por medidas de política cambial, tarifária e outras, salvo as relacionadas às políticas de incentivos regionais”

(In: Tavares, 2000:103).

Assim, a princípio, frente aos incentivos cambiais gerais que favoreciam as regiões industrializadas, haveria compensação de pelo menos 50% do valor de ágios arrecadados com a venda de divisas originadas na exportação de mercadorias nordestinas, entretanto, a resolução 204 da Superintendência da Moeda e do Crédito

(SUMOC), datada de 1961, desmantelava todo o sistema de incentivos cambiais e, consequentemente, o sistema de incentivos/ compensação no qual se estruturava a

SUDENE. Desse modo, por meio de emendas no Plano original, estruturou-se outro sistema de incentivos capaz de tornar a região viável e atrativa à industrialização.

Nesse contexto, inspirada na legislação italiana da Cassa Del Mezzogiorno, o artigo 34 da lei nº 3.995, de 14 de dezembro de 1961, abria a possibilidade para pessoas jurídicas e de capital 100% nacional deduzirem até 50% na declaração do imposto de renda, desde que a importância deduzida fosse destinada ao investimento em indústria considerada, pela SUDENE, de interesse ao desenvolvimento da região.

Este foi o passo inicial de uma política de incentivos fiscais à industrialização, que pouco tempo depois vai sofrer mais outra alteração, condicionada pelos imperativos econômicos e políticos do período. A lei nº 4.239, em seu artigo 18, instituída em 27 de junho de 1963, altera a anterior em dois pontos: os incentivos também poderiam ser aplicados às atividades agrícolas e o incentivo não se restringia mais ao capital

100% nacional, podendo ser utilizado por empresas de capital estrangeiro. O sistema que ficou conhecido como 34/18, fazendo referência aos artigos das respectivas leis, vai vigorar por bastante tempo, como veremos adiante, tornando-se o foco de atenção, o principal atrativo, da instituição que, na sua concepção original, tinha uma gama bastante variada de atuação e prioridades.

73

Vale destacar aqui que Celso Furtado, ciente das necessárias transformações estruturais na região, acreditava ser possível formar e/ou fortalecer a classe industrial nordestina, de modo que esta fosse capaz de fazer frente à tradicional elite agrária.

Assim, a concepção original de captação de recursos, por meio de compensação de

ágios, seria capaz de fortalecer essa classe, entretanto, as transformações efetuadas por meio do sistema 34/18 acabaram desvirtuando a proposta inicial. Se, conforme o artigo 34, da lei 3.995, o empresário que apresentava o projeto à SUDENE não podia ser o mesmo optante pelo não-pagamento do imposto sobre a renda, aspecto que contribuía para formar uma classe industrial nordestina, na medida em que se buscava viabilizar e incentivar a formação de um investidor-empresário nordestino, com o artigo

18, da lei 4.239, abriu-se a possibilidade para que optante fosse também investidor, ou seja, “quem fazia a opção para o sistema de incentivo apresentava um projeto à

SUDENE, era aprovado, e esse optante fazia uma filial da sua indústria no Nordeste”

(In: Tavares, 2000: 79). Com isso, transfere-se à região frações de capital industrial concentrados na região mais industrializada do país (Sudeste), principalmente em São

Paulo.

Mas não foi apenas no sistema de captação de recursos que a instituição teve que se reajustar ou viu parte de seu planejamento inicial frustrado. A intenção inicial que previa investimentos na produtividade da agroindústria açucareira, de modo a liberar terras para projeto de reforma agrária também sofreu impactos condicionados pelo cenário internacional, sobretudo. A princípio o setor vinha sofrendo impactos frente à concorrência do açúcar produzido no interior de São Paulo (de maior produtividade), à baixa elasticidade do mercado e à concorrência antilhana, no cenário internacional. Desse modo, havia um enfraquecimento econômico dos produtores nordestinos que abria possibilidades de diálogo e de mudança. Entretanto, com a

Revolução Cubana e a ruptura de relações comerciais entre este país e os Estados

Unidos, o setor açucareiro nordestino ganhou força com a súbita expansão de mercado ao seu produto, uma vez que os Estados Unidos passaram a comprar o

74 açúcar brasileiro em substituição às importações cubanas. Com isso houve um fortalecimento do setor que inviabilizou as tentativas de reestruturação agrícola, conforme projeto inicial.

O projeto de deslocamento da fronteira agrícola rumo ao Maranhão também teve de dar conta de problemas a princípio desconhecidos. Quando equipes da

SUDENE chegaram ao local inicialmente pensado como área para colonização, depararam-se com uma população de aproximadamente 50.000 pessoas vivendo em condições de absoluta precariedade e com técnicas agrícolas predatórias. Assim, antes de colocarem em prática o projeto inicial, tiveram de dar conta do problema, ou seja, de como proporcionar assistência mínima à população local, que sequer possuía existência oficial.

Porém, entre percalços conjunturais e embates políticos, a instituição seguia seu trabalho. Além dos recursos nacionais, a instituição também contava com parcerias internacionais, de países como Estados Unidos, França, Japão, Israel, além de aportes de instituições internacionais, voltadas ao desenvolvimento da América

Latina, algumas ligadas à ONU. Na parte de formação, além da aquisição de bolsas de estudo no exterior, para áreas consideradas de interesse ao desenvolvimento regional, a SUDENE também promovia cursos de capacitação profissional aos servidores públicos estaduais e cursos mais básicos de formação, e mesmo de alfabetização, aos trabalhadores do campo – muitos deles em parceria e supervisão dos Estados Unidos, que passava a atuar no continente sob a bandeira da “Aliança para o Progresso”

(Furtado, 1989).

Os trabalhos da instituição federal transcorriam bem, com amplo alcance na região, e o número de projetos em andamento, assim como os recursos administrados, em fins de 1963, era bastante significativo. “O número e a diversidade dos projetos industriais não deixavam dúvida sobre a afluência para o Nordeste de recursos, assinalando a reversão da velha tendência à fuga de capitais” (Furtado,

1989: 174). Além disso, a SUDENE conseguira trazer uma nova mentalidade para a

75 região e gozava de boa imagem, como agência séria e eficiente, diante da

Presidência, agora de João Goulart, e da opinião pública, de modo geral – a despeito do desagrado de forças nordestinas tradicionais. Porém, na condição de instituição pública federal, o torvelinho do Golpe Militar de 1964 a afeta já de imediato. Poucos dias após o Golpe, a Superintendência da instituição é retirada de Celso Furtado e entregue a um militar – o ex-superintendente tem seus direitos políticos cassados.

Por fim, a SUDENE surgira como instituição voltada a centralizar e a orientar as ações político-econômicas na região, de modo a superar a dualidade que se manifestava nas relações de troca interregionais, com impactos sociais bastante negativos. Obviamente todo o desenho da instituição foi arquitetado sob a influência do pensamento cepalino, órgão no qual seu mentor, Celso Furtado, participou durante anos. Desse modo, a superação do subdesenvolvimento regional e da consequente

“deterioração das relações de troca”, passava necessariamente por transformações estruturais, que só poderiam ocorrer a partir de uma atuação racional e planejada do

Estado e de suas diferentes formas de intervenção. Furtado acreditava que a atuação da SUDENE no Nordeste fundava-se “na ideia de que as forças dominantes do

Centro-Sul do país [estavam] decididas a apoiar iniciativas de mudanças estruturais na região, cuja modernização também favorecerá as atividades industriais do Centro-Sul, abrindo-lhe novos mercados”, uma vez que a conjuntura nacional permitia pensar em tais mudanças no âmbito regional sem rupturas institucionais, era possível pensar numa “revolução dirigida”, a partir de ímpeto modernizante vindo de fora (Furtado,

1989:119).

76

3.2 SISMÓGRAFO DA CRISE: CONJUNTURA SOCIAL, POLÍTICA E ECONÔMICA

Até aqui desenvolvemos uma leitura da SUDENE que, sob alguns aspectos, aproxima-se de uma leitura oficial, ou seja, a região Nordeste constitui-se em fins da década de 1950 como “região problema” e a proposta formulada pelo GTDN, tendo a sua frente o economista Celso Furtado, insere-se numa chave econômica, de inspiração cepalina, que não contraria os interesses da burguesia industrial emergente no Brasil do período, apesar de contrariar os interesses da oligarquia agrária nordestina. Nas palavras de Francisco de Oliveira:

Tratava-se de uma luta de interesses em escala internacional, e a teoria da Cepal vem dizer „vocês estão certos, é por aí mesmo‟, e estruturou um arcabouço teórico que se transformou numa arma ideológica importante, que pautou a ação de cada governo latino-americano, liberal, conservador ou progressista (Oliveira, 2003b: 47).

Antes de avançarmos nessa discussão, é importante destacar que a preocupação com uma mudança no modo de atuação do Governo Federal no

Nordeste não surge brusca e repentinamente em 1959. Já em 1948 são criados dois importantes órgãos federais na região, CVSF e a CHESF, entretanto, não é possível dizer que a criação destes órgãos estivesse orientada ao desenvolvimento stricto sensu, uma vez que era necessário facilitar a comunicação nacional por via fluvial no contexto da Segunda Guerra Mundial, que prejudicou a navegação de cabotagem.

Importante ressaltar apenas que não havia comunicação, tampouco coordenação entre a atuação do DNOCS, da CVSF e da CHESF na região, aspecto que dificultava o controle do Governo Federal. Em 1952 é criado o BNB, este sim já inserido num novo paradigma que enxerga os problemas da região como sendo de cunho econômico, e não somente de engenharia hidráulica. Assim, o BNB já se pauta pela concepção de que era importante dar apoio à estrutura produtiva regional (Cohn,

1976). No momento de criação da SUDENE, as forças favoráveis e contrárias à sua

77 instituição manifestavam-se dentro desses aparelhos federais, de modo que o BNB e, principalmente, a CHESF foram os aparelhos federais que mais apoiaram a criação de um novo órgão de planejamento e coordenação na região, contribuindo com estudos, informações e compartilhamento de corpo técnico30 (Furtado, 1989).

Conforme destaca Amélia Cohn, embora o Presidente Vargas tivesse advertido em 1951 que o progresso das regiões mais vigorosas do país não podia ser comprometido por um sentimento de igualitarismo (tratamento igualitário e distributivista), Rômulo Almeida31 afirma em entrevista destacada pela autora que uma instituição como a SUDENE poderia ter surgido alguns anos antes, caso o Governo de

Vargas não tivesse caído, uma vez que já havia o entendimento sobre a necessidade de um programa coordenado para a região (Cohn, 1976: 62-63). Além disso, em 1953, a pedido do BNDE, o economista e consultor da ONU, Hans W. Singer desenvolve um estudo32 sobre o Nordeste e apresenta um diagnóstico e soluções essencialmente econômicos aos problemas regionais. Enfim, estas iniciativas que marcam o início da década de 1950 já indicam uma sensibilidade maior para a Região na linha da necessidade de se superar seu subdesenvolvimento.

Entretanto, é preciso ir além da esfera econômica para compreender a configuração do Nordeste no período como “região problema”. No panorama social do período ganha destaque, em 1954, o movimento camponês. Em Pernambuco, no

Engenho Galiléia, surge um movimento espontâneo de lavradores que lutam contra o despejo arbitrário das terras onde viviam há tempos. Em 1955, com o apoio de

Francisco Julião, o movimento passa a ter estatuto jurídico e transforma-se em

30 As frações de classe e seus respectivos interesses faziam-se representar dentro desses aparelhos do Estado. Assim, enquanto na CHESF e no BNB já havia manifestação de uma mentalidade industrializante para a região, no DNOCS, sobretudo, prevalecia a mentalidade tradicional da oligarquia agrária nordestina, no que diz respeito ao enfrentamento dos problemas sociais e econômicos da região. 31 Filiado ao PTB, foi nomeado presidente BNB em 1953 (Pedroza Júnior & Andrade & Bonfim, 2011). 32 Título do trabalho: Estudo sobre o desenvolvimento econômico do Nordeste (apud Cohn, 1976).

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Sociedade de Fins Beneficentes. Francisco Julião, deputado estadual por Pernambuco e advogado torna-se figura proeminente na luta, uma vez que coloca à disposição do movimento, ao mesmo tempo, o instrumento político e jurídico. A iniciativa espalha-se pelo Nordeste e rapidamente ganha destaque e vulto, inclusive de repercussão internacional, sob a identificação de Ligas Camponesas. “A mobilização é rápida, sobretudo pelo seu caráter reivindicativo – e, nesse sentido, as Ligas se caracterizam por serem agentes de mudança de cunho muito mais reformista do que revolucionário”

(Cohn, 1976: 75).

O movimento, surgido em Pernambuco, espalha-se também pela Paraíba, Rio

Grande do Norte, Ceará, Piauí e Bahia e, embora fosse de cunho reformista e ansiasse por resultados práticos e imediatos de melhorias nas precárias condições de vida e de trabalho no campo, coloca-se como terreno fértil e passível de exploração pelas forças de esquerda. Esta possibilidade era, inclusive, explorada pelos líderes do movimento e, com o passar do tempo, pelos próprios camponeses, uma vez que essa possibilidade transferia caráter de urgência às suas reivindicações. De todo modo, o movimento estremecia a pax agrariae regional – incêndios realizados em canaviais, de autoria dos próprios senhores de engenho, cujo objetivo era culpar as Ligas e pressionar por providências das autoridades federais, seguramente contribuíam para elevar o clima de tensão local.

O movimento não assustava e preocupava apenas a oligarquia nordestina, mas indicava uma turbulência que merecia atenção nacional e mesmo internacional, dado o contexto da época. A América Latina tornava-se foco de atenção norte-americana, com preocupação redobrada após a Revolução Cubana, aspecto que explica a formulação da política internacional de apoio para a região do continente abrigada na bandeira de “Aliança para o Progresso”. Inclusive a atuação desta política se fez mais notável na região Nordeste, sobretudo na área da educação – o controle ideológico se fazia imprescindível à manutenção do imperialismo norte-americano, sobretudo nos

79 locais onde a penetração de ideias revolucionárias de esquerda podia encontrar caminho mais fácil33.

Para além daquele olhar diferenciado à Região que se inicia na esfera federal, a reunião dos Bispos do Nordeste, realizada em 1956 e que contou com a participação da Presidência da República, também expressa grande preocupação com a situação de fome nas áreas rurais. O documento elaborado pelo encontro faz poucas referências aos problemas que afetam os núcleos urbanos, mas destaca a exploração agrária e a necessidade de ser repensado o acesso à terra nos locais aproveitáveis de açudes públicos, nas entrelinhas, a Igreja Católica também manifesta pressão sobre o

Governo Federal no sentido deste implantar medidas reformistas capazes de atenuar injustiças sociais e acalmar o clima de efervescência. Obviamente o encontro realizado um ano após o surgimento das Ligas Camponesas indica uma preocupação da instituição com o movimento que começa a se organizar no campo, de modo que alguns padres envolvem-se diretamente com a sindicalização dos trabalhadores rurais, num movimento contrário e de competição com as Ligas. Importante destacar que ambos, Ligas e sindicalização, surgem fora do controle da elite agrária.

Desse modo, seja por meio da organização em Ligas, seja por meio da sindicalização, havia um movimento em marcha que reivindicava melhores condições de trabalho no campo, o direito ao contrato de trabalho, ao assalariamento, além de melhores remunerações. Enquanto nas áreas rurais havia um clima reivindicativo, nas

áreas urbanas a situação também se apresentava preocupante. O desemprego e o subemprego eram bastante significativos – no , por exemplo, capital mais

33 Para muito além do discurso de interesse e de apoio à SUDENE, manifestados pela política da “Aliança para o Progresso”, havia uma prática operada nas entranhas da conjuntura do período que boicotava, às vezes “deliberadamente”, os esforços da instituição. Conforme destaca Francisco de Oliveira, “a ação da USAID no Nordeste visava concretamente minar a própria autoridade da SUDENE, oferecendo ajuda diretamente aos governos estaduais julgados capazes de se contraporem politicamente às forças políticas populares rotuladas de „radicais‟” (Oliveira, 1993a: 122). A iniciativa, obviamente, tinha um duplo objetivo: encontrar um caminho mais fácil para enfrentar o “radicalismo”, além de enfraquecer e melindrar relações, na medida em que nessas ocasiões o papel coordenador e planejador da SUDENE era posto em xeque.

80 industrializada da região, estima-se para o período que 1/6 da população estivesse desempregada, além disso, as condições de moradia eram absolutamente precárias, aproximadamente metade da população do Recife residia em mocambos / palafitas, sendo que quase 1/3 dela estava na condição de “desemprego disfarçado”. Com o agravante de que os indicadores econômicos (a estagnação da região) não apresentavam indícios de capacidade para absorver o excedente de mão-de-obra, excedente ampliado em períodos de estiagem (Cohn, 1976).

No cenário político, aquela estabilidade, da qual nos fala Benevides, mantida, entre outras, por meio da aliança PSD-PTB, apresenta fortes sinais de esgotamento na região a partir da eleição de 1958 (Benevides, 1979). Primeiro, no plano político- partidário, o cenário local já apresenta ruptura significativa entre as siglas, agrupando- se no PSD os setores mais tradicionais da oligarquia rural e, portanto, mais resistes à mudança, e no PTB, setores mais progressistas e sensíveis às necessidades de mudanças estruturais na região, mais forte nas áreas urbanas. Além disso, a UDN, principal partido de oposição ao Governo de Juscelino Kubitscheck, ganha força na região, elegendo a maioria dos Governadores, incluindo-se aí estados mais estratégicos no cenário político-social, como Pernambuco e Bahia34. Pelo próprio formato da disputa, a eleição majoritária para o Executivo estadual imprimiu um tom nas campanhas em sintonia com os problemas mais prementes da população. Desse modo, os Governadores eleitos apresentaram promessas de desenvolvimento, geração de empregos, melhorias nas condições de vida, de modo geral, que dificilmente seriam cumpridas na conjuntura econômica do período – o tom populista apresentou-se como a tônica das disputas35. Como destaca Celso Furtado, os

34 A sigla conseguiu eleger no pleito de 1958 Governadores em cinco dos nove Estados nordestinos: Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco e Sergipe. 35 Embora não seja objetivo do presente estudo discutir o populismo presente na política do período, consideramos importante destacar que fazemos uso corrente do termo conforme estudos clássicos do fenômeno. “O populismo foi um modo determinado e concreto de manipulação das classes populares mas foi também um modo de expressão de suas insatisfações. Foi, ao mesmo tempo, uma forma de estruturação do poder para os grupos dominantes e a principal forma de expressão política da emergência popular no processo de

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Governadores eleitos não demorariam em buscar ajuda do Governo Federal, de modo a viabilizar parte de seus respectivos projetos (Furtado, 1989).

Assim, levando em consideração o clima social efervescente, com graves problemas nas áreas rurais e também urbanas, e o fortalecimento da oposição, com a eleição de Governadores oposicionistas em importantes estados nordestinos, delineava-se uma conjuntura de difícil diálogo e controle por parte do Governo

Federal. Somam-se a isso a grave seca de 1958, os intensos fluxos migratórios e um clima de opinião nacional bastante crítico ao padrão habitual de ação federal na

Região. Com o agravante de que o projeto desenvolvimentista de Juscelino

Kubitscheck, vigente no Programa de Metas, que vinha sofrendo críticas devido aos gastos com a construção de Brasília, acionava o discurso do desenvolvimento e da integração nacional, mas não dispensava grande atenção à região Nordeste nos moldes desenvolvimentistas. No período o Governo Federal vinha realizando importante obra hidráulica na Região, com a construção do Açude de Orós no Ceará, entretanto, a atuação dialogava com a tradicional política hidráulica, que era alvo de duras críticas, uma vez que não contribuía para a superação e reestruturação do quadro econômico e social da região.

Logo, havia um contrassenso no discurso político, pois, ao mesmo tempo em que o Governo Federal destacava os trabalhos voltados ao desenvolvimento e à integração nacional, parte significativa do território nacional, onde residia aproximadamente 1/3 da população do país, enfrentava uma crise, de modo a ensejar um discurso político-intelectual que apontava para os riscos de se comprometer a unidade nacional, caso medidas urgentes não fossem tomadas.

Desse modo, a instituição da SUDENE apresenta-se como o “tipo de solução encontrado para uma região-problema, que se configura como tal em termos essencialmente sociopolíticos, foi econômica, dentro do mesmo padrão de ação

desenvolvimento industrial e urbano” (Weffort, 1980: 62-63). Sobre o fenômeno ver também: Laclau, 2013.

82 nacional” (Cohn, 1976: 154). Entretanto, a dimensão econômica do problema carece de maior problematização, uma vez que, como nos mostra Francisco de Oliveira, a abordagem cepalina, dentro da lógica do dual-estruturalismo, ajustava-se aos interesses da nova burguesia industrial emergente no Brasil, tornando-se, nas palavras do autor, “arma ideológica poderosa” (Oliveira, 2003b: 47).

Se, por um lado, a forma como se dá o desenvolvimento industrial no Brasil é concentracionista e prejudicial à região Nordeste, como aponta o diagnóstico do

GTDN, por outro, não é possível afirmar que a região colocava-se como entrave ao desenvolvimento nacional, ao contrário. Embora a estrutura agrícola arcaica comprometesse a atratividade da região para o setor industrial, uma vez que ela não contribuía para a formação ampliada de um mercado consumidor, o Nordeste cumpria seu papel na divisão regional do trabalho, portanto, estava inserido na lógica do desenvolvimento nacional.

Sendo assim, não é possível aceitar a tese do “dual-estruturalismo”, segundo a qual o setor atrasado coloca-se como entrave à expansão do moderno, uma vez que no processo do desenvolvimento capitalista, no geral e em particular naquele que analisamos aqui, prevalece o “desenvolvimento desigual e combinado”, no qual há especificidades na divisão regional do trabalho. O Nordeste do período colocava-se como locus de produção de capital com vista à acumulação que ocorria no Sudeste, seja por meio do fornecimento de matérias-primas a baixo custo ao pólo dinâmico, seja por meio da apropriação de divisas ao Estado nacional com a exportação de bens primários. Além disso, a Região tinha o importante papel de fornecer mão-de-obra barata ao Sudeste, reiterando seu papel no processo de acumulação. Com o agravante de que os investimentos privados da elite local no setor produtivo, quando ocorriam, eram muitas vezes realizados no Sudeste, contribuindo ainda mais para a fuga de capitais regionais. Assim, os setores atrasados da economia (agrícola) e os setores modernos (industriais) estavam articulados, a região Nordeste, enquanto parte de um todo, estava inserida na lógica do desenvolvimento capitalista, ainda que seu

83 modo de inserção lhe fosse prejudicial, enquanto parte, cumpria seu papel no desenvolvimento do todo (Oliveira, 2003b).

Conforme aponta Amélia Cohn,

a crise regional nordestina não pode ser explicada por uma referência direta às exigências globais do processo de acumulação capitalista no Brasil – a não ser na medida em que as tensões sociopolíticas regionais sejam encaradas como ameaças potenciais à integridade e sobrevivência do sistema global (Cohn, 1976: 159).

As tensões sociopolíticas, resultantes das condições estruturais regionais e impossibilitadas de serem resolvidas neste plano, requerem, portanto, uma ação do

Governo Federal, não por que ela ameaçasse diretamente o desenvolvimento econômico nacional, mas sim por que a impossibilidade de resolvê-la no plano regional e o seu repique no padrão de ação e controle da esfera federal de Governo ameaçavam a manutenção do sistema político-institucional do período e apresentavam-se como ameaça potencial ao sistema capitalista nacional.

Ainda segundo Cohn, a instituição da SUDENE, enquanto solução nacional a uma problemática regional, efetiva-se marcadamente no plano econômico, por meio do planejamento, em outras palavras, a ação política ocorre conforme as regras do econômico, ajustando-se à política nacional, corporificada no Programa de Metas – para o qual a industrialização e a integração nacional eram essenciais. Nesse ponto e retomando a discussão do econômico, é importante salientar que antes da criação da

SUDENE, já havia tanto na região, quanto fora dela, uma nova mentalidade sendo gestada para os problemas regionais, mentalidade que respaldava a proposta de industrialização, com reforço e ampliação da estrutura existente. Vejamos.

Em 1957, uma missão organizada pela FIESP-CIESP a convite da CHESF e da

Federação de Indústrias de Estados da Região elabora um documento no qual é possível perceber que para a classe empresarial do Sudeste a preocupação é muito

84 mais orientada pelo seu próprio papel de liderança no processo de desenvolvimento nacional, e o desenvolvimento da região inserido nesse processo, do que propriamente com as tensões político-sociais. Assim, a classe empresarial do Sudeste não apenas apóia políticas desenvolvimentistas para a região, como também se coloca totalmente contrária ao auxílio de capitais estrangeiros nesse processo. É a posição hegemônica desta classe que está em jogo e que, em parte, vai encontrar alento no sistema 34/1836.

Mas não era apenas fora da Região que havia movimento da classe empresarial. Tanto o encontro de Salgueiro, organizado pela Comissão da Área das

Secas da Assembléia Legislativa de Pernambuco, realizado em 1958, quanto o seminário de Garanhuns, organizado pela Confederação Nacional da Indústria, realizado em meados de 1959, também destacavam a necessidade de desenvolvimento industrial do Nordeste. Importante sinalizar que esses encontros e iniciativas indicam uma nova e diferente organização de forças na Região, uma vez que comungam os interesses dos industriais (locais e nacionais) e retiram da pauta as velhas e frequentes queixas da oligarquia agrária.

Se, por um lado, o modo de inserção do Nordeste na economia nacional, com sua respectiva participação na divisão regional do trabalho, era resultante do processo da expansão capitalista comandada pelo Sudeste, por outro, esse processo de expansão que rompe aquele formato de “ilhas regionais” existente até os anos de

1930 – onde prevaleciam economias regionais isoladas com seus respectivos padrões de dominação – interfere e enfraquece sobremaneira o padrão de dominação local.

Assim, as tensões sociais, que irrompem na década de 1950, e as manifestações de uma nova mentalidade industrial para a Região são resultados de um processo de integração nacional já em curso, mas que, para se completar, precisa sobrepujar o regional (Oliveira, 1993a).

36 A discussão sobre as mudanças no mecanismo de incentivos (34/18), inserida na própria transformação na composição orgânica do grande capital, será feita mais adiante.

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Desse modo, a hegemonia do capital sob a batuta da burguesia industrial do

Sudeste, num primeiro momento, consegue coexistir com elites e economias regionais, porém, o seu processo de expansão pressupõe o enfraquecimento gradual e contínuo do regional, até o momento em que as classes dominantes regionalmente fechadas não conseguem mais garantir o padrão de dominação, em outras palavras, não conseguem mais reproduzir as relações sociais de dominação, momento em que a abertura da região, a sua total integração nacional, requeria o controle das classes dominantes locais por outras. A ação planejada do Estado se faz necessária quando

a luta de classes chega a um ponto de ruptura, em que não apenas a estrutura existente não tem mais condições de continuar a reproduzir-se, como se vê seriamente ameaçada pela emergência política dos agentes que lhes são contrários (Oliveira, 1993a: 52 – grifos do autor)

O caso do DNOCS e toda a discussão que se fez em torno do órgão tornam-se emblemáticos nesse ponto. Segundo Cohn, não foi a proposta de industrialização que mais enfrentou resistência no Legislativo, que reagia conforme os interesses da oligarquia agrária, mas sim a subordinação do DNOCS, criado em 1945 e mantido com recursos federais, à SUDENE, ao novo órgão. Era o uso, o controle e a fiscalização de verbas federais que se colocavam como o pomo da discórdia entre grupos contrários e favoráveis a esta medida, já que a subordinação fortaleceria o controle e a capacidade de atuação do Governo Federal na região e, ao mesmo tempo, enfraqueceria a situação das elites agrárias regionais, que faziam uso da verba, sobretudo em período eleitoral, para manter-se no poder. Mas o uso político do

DNOCS pela elite tradicional, sua funcionalidade mais imediata para a manutenção do poder político, gestava sua própria ruína, na medida em que o uso das verbas do

Estado, mesmo que entendidas como investimentos na região, não significam transformação na estrutura produtiva e, consequentemente, nas relações sociais de produção, ao contrário, reforçavam o status quo (Oliveira, 1993a).

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A SUDENE surge como desfecho de um processo agudo de transformações e conflitos sociais, políticos e econômicos, com suas respectivas implicações, tornando o Estado produtor também no Nordeste, à exemplo do que já ocorria no Sudeste. No plano do discurso, a problemática era traduzida como “questão regional”, “região problema”, “conflitos interregionais” e “ameaça à unidade nacional”, no plano político- prático, a questão foi resolvida sob o manto da neutralidade do planejamento, com vistas à integração nacional e mesmo, num momento mais intenso do debate, à segurança nacional37. A solução econômica dada ao problema, obviamente, respondia

à necessidade de “nacionalização” do capital, por meio da integração dos mercados sob o controle hegemônico da região que assumira o processo de industrialização, de modo a garantir a segurança da expansão capitalista no Brasil (Oliveira, 1993a).

Entretanto, o planejamento, como forma de “intervenção do Estado sobre as contradições entre a reprodução do capital em escala nacional e regional”, consubstanciado na SUDENE, revela as contradições da luta de classes e de frações de classes por todos os lados (Oliveira, 1993a: 29). Não é apenas na luta pelo controle do DNOCS que podemos observar o conflito entre frações de classe dentro dos aparelhos do Estado, mas é principalmente no processo de aprovação do novo órgão que esta luta se manifesta de forma emblemática. Assim, “aqueles [parlamentares] que provêm de estados mais ricos e mais industrializados tenderam, em sua grande maioria, a ser favoráveis à íntegra do projeto de lei”, enquanto os parlamentares nordestinos, ligados aos interesses da oligarquia agrária, foram contrários (Cohn,

1976: 148). Enquanto os parlamentares nordestinos buscavam reformulações no projeto que assegurassem, em algum grau, garantias ao status quo, os parlamentares

37 Vale destacar aqui que em 1959, diante das denúncias sobre a malversação das verbas federais no Nordeste, o presidente Kubitscheck envia à região o coronel Ramagem para conferir a situação, o documento elaborado, que ficou conhecido como Relatório Ramagem, foi mantido sob sigilo por algum tempo, embora apenas confirmasse o que já era de conhecimento da opinião pública. Importante apenas salientar que o Exército, ciente da miséria na região e preocupado com o clima de subversão que daí podia surgir, colocou-se como importante base de apoio à aprovação da SUDENE, uma vez que percebia nela uma proposta, dentro da ordem, para o enfrentamento do quadro (Furtado, 1989).

87 do Sudeste estavam em sintonia fina com interesses da burguesia industrial num processo, já irreversível, de hegemonia nacional, que só ocorreria por meio da destruição da economia regional e de sua integração ao sistema capitalista nacional, sob a bandeira da integração nacional.

Com isso, a criação do novo órgão ajusta-se perfeitamente ao discurso desenvolvimentista e integracionista de Juscelino Kubitscheck, preservando, ao mesmo tempo, seu padrão de ação, ou seja, a SUDENE surge como um novo órgão centralizador, superpondo-se aos já existentes, embora estes ficassem a ele subordinados, sem que houvesse alteração ou extinção de órgãos já existentes e sem que houvesse, de imediato, quaisquer mudanças na estrutura agrária da região. Ainda que seu surgimento acenasse para mudanças e despertasse esperanças, além de simpatias e estímulos a um comportamento cooperativo entre Governadores, ainda que regionalmente corporativo, acenando para um novo modelo federativo,

“federalismo regionalizado”, os resultados econômicos, mais imediatos, não foram suficientes para arrefecer o clima tenso do período.

A nova geografia institucional permitia à burguesia industrial, nesse caso do

Sudeste, trocar o papel dominante de alguns órgãos federais que operavam na região

– e onde se manifestava e se preservava o poder da oligarquia agrária – por outro aparelho, a SUDENE, onde passava a haver salvaguarda, burocrática, jurídica e econômica, possibilitando a garantia não apenas dos interesses do grupo hegemônico do Sudeste, mas do sistema como um todo, ainda que em contradição com os interesses da oligarquia tradicional.

Entretanto, a solução encontrada atendia aos interesses da burguesia industrial, no seu processo de hegemonia nacional, mas os resultados sociais, caso o planejamento integral da nova instituição fosse implementado, só viriam em médio ou longo prazo, tanto no plano social, como no político. A urgência da problemática social-regional, relacionada ao uso da terra, pode ser percebida nas reivindicações práticas e imediatas das Ligas Camponesas, por exemplo. Desse modo, é possível

88 dizer que o sucesso da SUDENE, no enfrentamento da questão, teve alcance limitado, uma vez que se restringiu ao pilar econômico de interesse da grande burguesia industrial, sem conseguir arrefecer o clima de conflitos e lutas sociais, que denunciavam a situação de miséria em que vivia a ampla maioria da população nordestina, sobretudo no meio rural.

Por fim, e retomando a nossa discussão inicial, vale destacar que a forma política estatal é necessária à reprodução do capital, sendo que o mesmo não é possível dizer sobre as especificidades do seu conjunto institucional, sobre sua ossatura e articulação, como vimos. Além disso, Estados capitalistas, dependendo de seu momento de interação social, podem existir sob o formato democrático de direito ou sob o formato ditatorial, por exemplo. Desse modo, a alternativa encontrada ao clima de efervescência social, que já não era mais regional, mas sim nacional, vai ocorrer no plano do formato desse Estado capitalista no Brasil. A sua forma e função são preservadas, mas seu formato sofre profundas mudanças, mudanças que seguramente interferiram no padrão de ação de seu novo aparelho no Nordeste, de modo a distanciá-lo daquele planejamento inicial, que vislumbrava mudanças sociais e políticas, mesmo que num médio ou longo prazo.

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CAPÍTULO 4:

FORMATO DO ESTADO E A SUDENE

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4.1 PARTE DE UM TODO: A SUDENE NO PERÍODO MILITAR

Antes de avançarmos na discussão, é importante destacar aqui algumas mudanças importantes na composição orgânica do grande capital no Brasil e que, como destaca Wilson Cano, não foram devidamente dimensionadas pelo documento elaborado pelo GTDN, que pautou a criação da SUDENE. A proposta que objetivava estimular a industrialização no Nordeste, por meio de incentivos fiscais, não levava em consideração as mudanças que operavam a industrialização nacional a partir de meados da década de 1950 e que a distanciava do modelo inicial, que ensejou o processo, de “substituição de importações” (In: Tavares, 2000).

Assim, até meados de 1950 o processo de industrialização seguia por meio de aliança entre Estado e capital privado interno, sobretudo, uma vez que o capital estrangeiro tinha participação pequena no processo, tanto que a maioria das empresas que formaram o núcleo inicial do processo de industrialização era nacional

(setores de tecidos, alimentos e bebidas) – o que se convencionou a chamar de

“nacional-desenvolvimentismo” pela literatura. Porém, num contexto político- econômico turbulento e diante da necessidade de continuar o processo em curso, é promulgada, durante o governo de Café Filho (1954-1955), a Instrução 113 da

SUMOC que tinha como objetivo principal aumentar a importação de bens de capital sem criar problemas à balança de pagamentos, de modo a modernizar rapidamente a indústria nacional38. Tal medida contribuiu para a internacionalização da economia nacional, colocando-se como importante passo para o capital produtivo estatal, o privado nacional e o estrangeiro associarem-se no processo de industrialização

(Caputo & Melo, 2009).

38 Na prática, a Instrução convertia-se em instrumento cambial favorável ao capital estrangeiro, “permitindo que a importação de máquinas e equipamentos fosse registrada como investimento direto estrangeiro, na base de câmbio livre, e que as remessas de lucros fossem feitas a uma taxa de câmbio preferencial mais baixa” (Caputo & Melo, 2009: 519). Como destacam as autoras, a medida contribuiu para elevar significativamente a taxa de retorno do investimento estrangeiro, transformando a economia brasileira numa das mais atrativas da América Latina.

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Mas é durante o Governo Kubitscheck que o uso da instrução 113 da SUMOC vai ser ampliado, com mais incentivos ao capital estrangeiro, de modo a viabilizar o

Programa de Metas. Assim, o documento do Programa destacava quatro metas que passariam a receber equipamentos sob a referida política cambial: alumínio, cimento, indústria automobilística e construção naval. “A Instrução 113 teria então uma participação no alcance das metas, já que era o dispositivo legal que permitia a entrada das máquinas e equipamentos sem cobertura cambial, na forma de investimento direto estrangeiro” (Caputo & Melo, 2009: 519). Como resultado, as taxas mais altas de crescimento industrial, no período 1955-1964, ocorreram onde o capital estrangeiro era predominante, sendo a indústria automobilística a mais favorecida39.

Desse modo, as políticas econômicas adotadas durante a década de 1950 contaram, por um lado, com o comprometimento e investimento do Estado, provendo os insumos básicos ao processo de industrialização, por outro, com incentivos e facilitações cambiais, estendidas ao capital estrangeiro, que serviram como impulso ao crescimento industrial. É nesse momento que se instalam grandes empresas multinacionais no país, com as quais algumas empresas nacionais aliam-se. Esse processo que muda a composição dos grandes capitais no Brasil, e que altera o perfil industrial nacional, explica aquela alteração realizada em 1963 no sistema de incentivos à industrialização do Nordeste (sistema 34/18), uma vez que a partir dela empresas de capital estrangeiro também puderam fazer uso do mecanismo de incentivos. O temor da burguesia nacional, de que empresas estrangeiras tomassem a dianteira no processo de desenvolvimento da região, em parte se confirmava,

39 Nesse ponto, vale destacar que para o capital estrangeiro a América Latina já não era mais vista sob a ótica das “vantagens comparativas”, ao contrário, a região colocava-se como espaço de investimento industrial. Entretanto, até meados da década de 1970, a aplicação ocorre no espaço, por meio de instalação de grandes plantas industriais, sendo que depois, sobretudo a partir da década de 1980, quando se afirma o capital financeiro, o investimento direto no espaço deixa de ser o padrão usual de investimento.

92 entretanto, os tempos eram outros e abriam a possibilidade de desenvolvimento associado, ainda que dependente40.

Diante desse movimento do capital, de um lado, e dos conflitos e reivindicações sociais, do outro, que no Nordeste já encampavam, sobretudo, a luta pela Reforma Agrária – âmago da problemática regional e questão agrária irresoluta –, preserva-se a forma do Estado capitalista alterando-se seu formato. O caminho encontrado mais uma vez reitera a tradição nacional de simbiose entre o arcaico e o moderno, num contínuo processo de “modernização conservadora” que solapa as possibilidades de efetivação de uma revolução burguesa – opta-se pela

“modernização econômica sem revolução burguesa” (Fernandes, 2006; Oliveira,

2003b:113). A burguesia industrial, aliada à burguesia internacional e também à oligarquia agrária sustenta a ruptura do regime democrático-representativo. Com o

Golpe Militar de 1964, o Estado resolve por meio da força, da suspensão de direitos e da repressão o clima social que ameaçava o padrão de reprodução do capital, passando a proporcionar-lhe condições seguras e mais favoráveis não apenas de reprodução, mas, principalmente de acumulação e concentração.

A mudança no formato do todo atinge e precisa atingir também as partes e a

SUDENE, na condição de aparelho federal, submerge nesse processo, para emergir

40 Conforme estudo clássico desenvolvido por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto – que trouxe importante contribuição à discussão sobre desenvolvimento capitalista dependente –, aquelas oposições teórico-cepalinas, que viam oposições entre os interesses econômicos externos e nacionais, foram contestadas, na medida em que as especificidades e ambiguidades na periferia do sistema abriam possibilidades de articulação e associação no sistema capitalista. Desse modo, na luta travada entre as classes sociais pelo poder e da debilidade da “burguesia nacional”, há um processo de associação desta burguesia com o sistema dominante, dentro das frestas oferecidas em proveito do desenvolvimento, de modo que na linha do “desenvolvimento associado” a participação das multinacionais proporciona condições para um maior crescimento (Cardoso & Faletto, 1970). Por fim, dentro desse quadro, a política de crescimento com poupança interna estava inviabilizada, logo, o crescimento ocorre com poupança externa, residindo nesse aspecto o elemento chave para manter dependentes os países em desenvolvimento, que, por um lado, tinham rompido o quadro das “vantagens comparativas”, por outro, colocavam-se como lócus para a expansão do sistema sem autonomização, sem internalização do núcleo de comando, uma vez que permanecem reféns das decisões do núcleo do capitalismo avançado, e com assimilação de tecnologia.

93 de forma mais sincronizada à nova ordem. A seguir veremos algumas dessas mudanças no plano político, social e, por fim, no econômico.

No plano político, a cassação dos direitos políticos de Celso Furtado, acompanhada de nomeação imediata de um militar para o cargo de Superintendente já anuncia os novos, sombrios e longos tempos do porvir. Se, por um lado, a instituição da SUDENE significou um fortalecimento do poder central na região, por meio de maior controle e coordenação de seus órgãos atuando no Nordeste, por outro, o Conselho Deliberativo da instituição, constituído por representantes do Governo

Federal (ministérios e órgãos federais) e pelos Governadores dos estados da região, colocava-se como importante espaço de debate e diálogo quanto às decisões e projetos a serem implementados pelo órgão. O objetivo, nas palavras de Furtado, era introduzir um “espírito regional” nos debates, que, com o tempo e a prática, fomentariam um federalismo cooperativo, ainda que de corte regional. Além disso, pelo formato da disputa eleitoral, a disputa majoritária impunha aos representantes do

Executivo estadual uma sintonia mais fina com as carências da população, facilitando e forçando o processo de accountabilty nos ciclos eleitorais.

Se, durante a vigência do regime democrático, a instituição da SUDENE recebeu críticas de alguns dos opositores à sua aprovação, na medida em que fortalecia o poder do Governo Central na Região, com o Golpe, e, sobretudo a partir de 1966 com o AI-3, quando os Executivos estaduais passam a ser indicados pelo

Governo Central e referendados pelas Assembléias Legislativas estaduais, o poder do

Governo Central torna-se supremo, a despeito das formalidades federativas mantidas durante o regime militar. O Pacto Federativo estava desfeito e com ele a possibilidade de um federalismo cooperativo, democrático e representativo. Já não havia mais ambiente para debates e críticas, que seguramente viriam novamente, ainda que de outro lado. A SUDENE torna-se correia de transmissão dos interesses do Governo

Militar – governo sustentado por aquelas mesmas forças que ampararam o Golpe –

94 não havendo mais mecanismos, portanto, de sintonia entre representantes estaduais e o povo. O órgão perde, portanto, seu caráter autônomo democrático de debater e planejar soluções às questões que afetavam as dimensões sociais e econômicas da

Região, tornando-se executor de decisões tomadas fora dela, embora sintonizadas com interesses econômicos, agora nacionais.

No plano social, os movimentos no campo, em particular as Ligas

Camponesas, foram séria e duramente reprimidos, de modo que a estrutura fundiária permaneceu “aparentemente” inalterada41. Poucos projetos e pesquisas iniciais de solo e de irrigação, nos vales úmidos do São Francisco, renderam frutos, estruturando na região de Petrolina (PE) um forte setor de fruticultura voltado à exportação, com destaque também para o Vale do Açu (RN). A ampliação de irrigação em áreas do semiárido, utilizando água represada em açudes federais, não se ampliou como o planejado inicialmente pela SUDENE, com o agravante de que nos locais mais restritos, onde a experiência mostrava-se bem sucedida, a produção não estava voltada ao mercado regional, de modo a reduzir os custos da reprodução da força de trabalho, mas sim ao mercado externo, aumentando o desvio em relação às intenções iniciais.

A proposta de diversificar a produção nas áreas mais férteis, o que pressupunha reforma agrária, não ocorreu. O deslocamento da fronteira agrícola para o Maranhão, que supunha ação organizada da SUDENE, de modo a reduzir o adensamento populacional no Semiárido nordestino, também se converte em proposta engavetada, uma vez que o deslocamento da fronteira ocorre do Centro-oeste para o lado oeste do Rio São Francisco (incluindo a porção oeste da Bahia e o sul do

Maranhão e do Piauí) e o padrão da agricultura que se insere nessas áreas segue a mesma organização perversa daquela já existente na região, com concentração de

41 Utilizamos o termo “aparentemente” por que com o Pró-álcool (1975) há ampliação da concentração de terra na Zona da Mata. “A cana tinha ficado mais hegemônica do que era antes, depois do Pró-Álcool. Então, em vez de Pernambuco ter 250 mil hectares plantados de cana, tinha 500 mil.” (In: Tavares, 2000: 81).

95 terra e produção monocultora voltada ao mercado externo (nacional e internacional) – era o padrão conservador militar de expandir a fronteira agrícola, sem reforma agrária, sem a inclusão dos nordestinos do Semiárido, no limite, “incluindo gaúchos”, expulsos de suas terras, e assim mantinha-se intocada a estrutura fundiária nordestina (Araújo,

1997).

Nesse ponto e já como evidência do aprisionamento da SUDENE pelas classes dominantes nacionais, vale destacar que a associação mais ampla e automática que se faz às propostas do órgão, criado em 1959, referem-se à industrialização, paradigma do desenvolvimento econômico do período, entretanto, torna-se necessário salientar que sua proposta reformista era mais ampla, estendendo-se à dimensão econômica, mas também às dimensões sociais e políticas, curiosamente, mas não por acaso, estas últimas apresentam-se como aquelas em que a instituição “logrou” maiores desvios do planejamento inicial e, se assim se pode dizer, fracassos, do ponto de vista de reformas mais amplas. Tendo em mente que a SUDENE, desde a sua concepção, pauta-se pela ideia de planejamento, de atuação racional do Estado, antes de passarmos à análise de alguns pontos da dimensão econômica no período envolvendo o órgão, cabe aqui uma citação destacada por Oliveira em seu estudo clássico sobre o tema, apenas para nos lembrarmos de que o Estado em questão tem uma forma e função que lhes são próprias: “não é o planejamento que planeja o capitalismo, mas é o capitalismo que planeja o planejamento” (Paul Baran apud

Oliveira, 1993a: 25).

Desse modo, é nas proposições econômicas da SUDENE, mais propriamente no que se refere à industrialização baseada no sistema 34/18, que o regime militar vai preservar e exacerbar a atuação do aparelho na região. Por um lado, o Nordeste engrena e passa a seguir a dinâmica econômico-nacional, por outro, o quadro de misérias permanece inalterado42. A partir de meados da década de 1960 inicia-se um

42 Como destaca Araújo, a partir dos anos de 1980 o movimento entre as regiões Sudeste e Nordeste passa a ser sincrônico, ou seja, quando uma região vai bem a outra também vai ou o

96 processo de “modesta desconcentração” industrial no país, processo que amplia as manchas de desenvolvimento também para outras regiões. Nesse ponto cabe destacar que o mecanismo de incentivos fiscais adotado para a região é copiado, estendido, para outras regiões e setores da economia43. Como destaca Francisco de

Oliveira, a SUDENE pós Golpe Militar “é muito mais resultado da forma de resolução do conflito de classes em escala nacional do que regional” (Oliveira, 1993a: 125).

O sistema de incentivos fiscais no geral, e em particular o sistema 34/18, torna- se importante forma de financiamento da expansão monopolista no Brasil, com ele transfere-se às regiões a hegemonia da burguesia industrial do Sudeste, agora

“internacional-associada”. Entretanto, a integração nacional hegemônica via mercado ocorre sem eliminar, ou mesmo sem alterar, os enclaves da dominação arcaica nordestina, resguardada pela concentração de terras – tendo-se em mente os efeitos sociais, políticos e econômicos dela resultantes. Assim, as frações de classe dominantes, preservando seus respectivos papéis no processo de reprodução do capital, colocam-se como pilares de sustentação do regime militar, que, em contrapartida, proporciona garantias econômicas e jurídicas por meio de uma atuação compressora e repressora sobre as potenciais forças que pudessem, eventualmente, ameaçar o padrão de acumulação que se instaura.

Com o mecanismo de incentivos fiscais inúmeros projetos industriais foram instalados na região – em fins da década de 1960, dos 16 subsetores da estrutura industrial instalada no país, 11 deles estavam reproduzindo-se no Nordeste. Segundo

Oliveira, a instalação de empresas, cuja matriz operava no Sudeste, em grande parte,

inverso. “Não há mais possibilidade de se dizer o que se dizia antes: uma região vai bem e a outra vai mal”. (In: Tavares, 2000: 80). 43 O mesmo mecanismo de incentivos fiscais foi estendido para outras regiões, por meio da SUDAM, criada em 1966, da SUDECO, criada em 1967, e da SUDESUL, criada em 1967, além delas, os setores de pesca, reflorestamento e turismo também passaram a operar com incentivos fiscais (Oliveira, 1993a). Cabe destacar que, com esta extensão de incentivos, aqueles investimentos anteriormente destinados exclusivamente ao Nordeste distribuíram-se pelo território nacional, de modo a contribuir ainda mais para o processo de hegemonização do grande capital.

97 não significava competição entre as novas plantas instaladas e as já existentes, mas indica que “algumas empresas estão não somente tentando manter suas posições no mercado brasileiro como um todo, mas adiantando-se a possíveis expansões de demanda, para o que a implantação de unidades no Nordeste pode ser estratégica no sentido de ganhar uma porção ainda maior no mercado nacional” (Oliveira, 1993a: 128

– grifos do autor). Ainda como destaca o autor, a participação do capital estrangeiro nesses novos empreendimentos era bastante significativa, seja na composição orgânica integral da multinacional, seja na associação com o capital nacional44. Desse modo, a expansão industrial não ocorreu por meio de investidores locais, ao contrário, a maioria das empresas incentivadas fazia parte de grandes grupos econômicos extra- regionais, num processo de avanço oligopolista do capital, sendo que coube aos empresários nordestinos, aqueles que conseguiram aproveitar-se do sistema e, consequentemente, permanecer ativos, o controle dos empreendimentos de menor porte (Araújo, 1997).

Além disso, nos anos de 1970, mais precisamente em 1974, o II PND, cuja proposta central era a de imprimir novo rumo ao desenvolvimento nacional, priorizando o aumento da capacidade energética e da produção de insumos básicos e de bens de capital, significando estímulo e mudança significativos no modelo anterior, período do

“Milagre Econômico” (1968-1973) – cuja prioridade voltava-se aos bens de consumo duráveis –, trouxe investimentos importantes e impactantes no Nordeste (Fonseca &

Monteiro, 2008).

O Programa, que foi capaz de segurar a dinâmica da economia nacional num contexto internacional de crise, reiterando o papel chave do Estado nesse processo, implantou, através da Petrobrás, o Pólo Petroquímico de Camaçari (BA); através da

Companhia Vale do Rio Doce, o complexo de Carajás (PA) localizou parte de suas operações no Maranhão; além de investimentos mais distribuídos do sistema da

44 Para um detalhamento mais preciso sobre os subsetores instalados na região, a composição do capital, assim como montantes investidos, ver capítulo final da obra do autor (Oliveira, 1993a).

98

Eletrobrás. Desse modo, seguindo o ritmo de crescimento nacional, entre os anos de

1967 e 1989, houve um crescimento da participação da indústria na composição do

PIB regional, passando de 22,6% para 29,3%, enquanto o setor de serviços passou de

49,9% para 58,6%, já a agropecuária reduziu sua participação, no mesmo período, passando de 27,4% para 12,1% (Araújo, 1997).

Entretanto, o crescimento industrial pelo qual passou o Nordeste, seguindo agora de perto a dinâmica nacional, fez-se à custa de intensa concentração de renda em âmbito nacional, sendo que esse efeito teve no Nordeste o efeito mais perverso, frente à estrutura fundiária regional e seus impactos históricos contínuos nefastos, sobretudo quando se leva em consideração o peso populacional da área rural nessa região – no início dos anos de 1990, quase metade da população rural brasileira (46%) estava no Nordeste.

Oliveira, em análise clássica sobre o processo de desenvolvimento nacional do período, tece “crítica à razão dualista” cepalina, uma vez que, primeiro, conforme esta vertente teórica, os setores atrasados impunham-se como entraves ao desenvolvimento do moderno, ao passo que o que ocorrera no Brasil desde 1930, e de modo mais acelerado durante o período militar, demonstrava uma simbiose peculiar e complementar dessas duas dimensões, na linha de um “desenvolvimento desigual e combinado”; segundo, conforme discurso desenvolvimentista de raiz cepalina, a industrialização conduziria a melhores condições de vida, uma vez que o processo culminaria numa melhor distribuição de renda, contudo, não houve “divisão do bolo”. A prerrogativa cepalina supunha que, com a industrialização, haveria a necessidade de expansão do mercado consumidor, que só ocorreria com o incremento da renda, entretanto, “o mercado para os produtos industriais dos novos ramos assentava-se exatamente numa distribuição extremamente desigualitária da renda, a qual estava muito longe de constituir-se em obstáculo ao crescimento” (Oliveira, 2003a: 96).

A concentração da renda era parte integrante e constitutiva do processo de acumulação, “superacumulação” na verdade, e, para tanto, o arrocho salarial do

99 período, os incentivos fiscais concedidos pelo Estado à atividade industrial e a alguns setores da economia, assim como os investimentos estatais diretos na realização de grandes obras, entre outros, cumpriram essa finalidade.

Ao analisar os aspectos que contribuíram para o crescimento da economia nacional, Oliveira identifica neles a própria contradição do processo, sem entrarmos nos meandros dessa análise e das possibilidades que ela engendra na perspectiva do autor, vale destacar que:

o acesso das grandes massas da população aos ganhos da produção foi sempre uma condição sine qua non da expansão capitalista, mas a expansão capitalista da economia brasileira aprofundou no pós-ano 1964 a exclusão que já era uma característica que vinha se firmando sobre as outras e, mais que isso, tornou a exclusão um elemento vital de seu dinamismo (Oliveira, 2003a: 118).

Desse modo, a parte que se realiza da proposta inicial da SUDENE é aquela voltada à industrialização, porém, realiza-se de forma radicalizada e a revelia das intenções iniciais. Na agricultura, as áreas que se dinamizaram não estavam voltadas ao mercado da região, apenas reproduziam o padrão anterior e, ainda que tenham possibilitado ganhos diretos e indiretos à economia nordestina, a implantação distanciou-se do planejamento inicial. A industrialização ocorreu, entretanto, praticamente não houve formação de uma classe empresarial local capaz de fazer frente à oligarquia agrária, ao contrário, a economia nordestina “nacionaliza-se” com a entrada do capital industrial internacional-associado, que, por sua vez, torna-se nacionalmente hegemônico, valendo-se das facilitações do sistema 34/18, mas liga-se

à elite local tradicional para sustentar um Estado capitalista autoritário capaz de proporcionar segurança e garantias às condições de acumulação do capital. Com o agravante de que o tipo de indústria que se instala no Nordeste, longe de seguir a lógica de “substituição de importação” local, está, na sua maioria, voltada para fora. A região engrena na economia nacional e industrializa-se, mas o quadro de miséria

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permanece.

No início dos anos de 1990, pesquisa realizada pelo IPEA revelava que dos 32 milhões de indigentes no Brasil, 55% deles estavam na região Nordeste e dessa população, cerca de 58% estavam concentrados na área rural, enquanto que dos indigentes urbanos, quase 46% estavam na região (Araújo, 1997). Essa era uma das faces do planejamento planejado pelo capitalismo.

4.2 A SUDENE NOS ANOS DE 1980 E 1990: PERDA DE FUNCIONALIDADE?

As décadas de 1980 e de 1990 são marcadas por profundas mudanças sociais, políticas e econômicas, decorrentes, em grande parte, dos choques do petróleo nos anos de 1973/1974 e 1979 e das consequentes medidas econômicas de contenção adotadas pelo Estado45. As estratégias postas em curso, para enfrentar o estrangulamento externo, afetaram a base de sustentação do regime militar, na medida em que “a política governamental foi considerada recessiva, inflacionária e

„injusta‟, pois transferia todos os custos do „ajuste‟ para os agentes econômicos domésticos, principalmente para os assalariados e para as empresas estatais, evitando onerar os credores externos” (Sallum Jr., 2003:37).

Ao distanciar-se dos pilares da aliança desenvolvimentista, as políticas adotadas fizeram com que dirigentes e funcionários de empresas estatais, mesmo que de forma velada, em função do regime autoritário, se colocassem contrários às diretrizes econômicas, havendo resistência burocrática aos comandos do Governo; o setor privado empresarial, dividido em duas frentes, opunha-se à estratégia governamental de ajuste num movimento mais amplo de defesa nacionalista e industrializante, enquanto uma porção menor mostrava-se mais atraída por ideias liberalizantes – de todo modo, para ambas as partes do setor privado empresarial a

45 A gravidade do impacto torna-se mais compreensível quando se leva em consideração que “o país dependia do petróleo importado para suprir cerca de 80% de suas necessidades energéticas” (Fishlow, 1988: 142).

101 forma de o Estado intervir não agradava (Sallum Jr., 2003). Ainda que o discurso oficial sustentasse a ideia de “Brasil potência”46 e a intenção fosse manter o crescimento econômico nos níveis do período do “Milagre Econômico”, as condições adversas do cenário internacional desfiguravam as políticas adotadas, que até conseguiram apresentar resultados positivos num curto prazo, porém, o endividamento do Estado não foi capaz de assegurá-los por muito tempo, resultando em limitação da capacidade de investimento estatal e em processo inflacionário, o que comprometeu sobremaneira os rendimentos da classe trabalhadora (Fishlow, 1988).

Para dar conta, ao mesmo tempo, da importação de petróleo, a alto custo, e da execução de algumas políticas com vistas ao crescimento num cenário internacional de crise, presentes no II PND, sobretudo – que dialogavam com o ideário de “Brasil potência”, mas cujos resultados, apesar de objetivarem um novo patamar de desenvolvimento industrial, exigiam investimentos de longo prazo de maturação47 –, o

Estado recorreu a frequentes empréstimos externos, num cenário a princípio favorável ao crédito. Entretanto, com a mudança da conjuntura econômica internacional, agravada pelo segundo choque do petróleo em 1979, culminando em recessão nos países centrais e elevação recorde nas taxas de juros internacionais, o país passa a enfrentar sérios problemas com o balanço de pagamentos, comprometendo a poupança interna com o pagamento da dívida, em detrimento de investimentos, num cenário interno de processo inflacionário acelerado48 (Araújo, 1997; Fishlow, 1988).

46 Ideologia baseada na doutrina de Segurança Nacional, formulada pela Escola Superior de Guerra, que enfatizava o binômio ordem-crescimento econômico como objetivo máximo a ser alcançado pelo Governo Militar (Diniz, 2011). 47 No plano das políticas urbanas, o II PND propugnava modernização das áreas urbanas, com destaque às cidades de porte médio e das metrópoles. Como destaca Rodrigues, “é, no período da ditadura (1964-1985), que a urbanização, como um „motor‟ do desenvolvimento, ganha destaque com a socialização capitalista da exploração da força de trabalho, por meio da política habitacional, que se consubstancia como política urbana” (Rodrigues, 2013: 6). 48 Com a moratória mexicana no início dos anos de 1980, o fluxo de empréstimos externos para o Brasil, e outros países devedores da América Latina, foi suspenso até o final da década, acarretando num acirramento da crise econômica na qual estavam submersos (Sallum Jr., 2003).

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A “autonomia relativa” do Estado permitia-lhe executar sua função a revelia dos interesses que, até então, proporcionavam-lhe sustentação, a ponto de, antes mesmo do segundo choque do petróleo, “em 1978, alguns destacados empresários paulistas declararem-se favoráveis ao retorno a um governo civil” (Fishlow, 1988: 160). Desse modo, o formato estatal em vigor, resultante de conflitos, contradições e arranjos anteriores, já não se colocava mais como adequado à reprodução das relações de produção capitalista. A insatisfação surgida no interior da classe empresarial, nas empresas estatais e na classe trabalhadora favoreceu a atuação oposicionista no

Congresso, que não poupou esforços para mobilizar forças na luta contra o regime militar. “O cerne da crise do Estado desenvolvimentista brasileiro foi, do ângulo econômico, a incapacidade de fazer frente aos pagamentos da dívida externa no início da década de 1980, colocando em xeque o padrão costumeiro de relacionamento do

Brasil com a ordem capitalista mundial” (Sallum Jr., 2003: 36).

O Estado estava diante de um fogo cruzado. Externamente sofria pressões para implantar medidas de ajustes alinhadas à ortodoxia econômica e, internamente, as pressões de classe intensificavam cobranças orientadas pela cartilha desenvolvimentista, requerendo investimentos e incentivos que o Estado não se encontrava em condições de realizar, em função de seu endividamento. Nesse cenário, os ajustes fiscais, considerados brandos sob a ótica externa, foram suficientes para abalar o suporte sociopolítico interno.

Diante dessa conjuntura, a abertura democrática lenta, gradual e segura, sob controle do regime autoritário, foi acelerada na eleição de 1982, quando o partido de sustentação do regime (PDS) perdeu a maioria absoluta na Câmara dos Deputados e dez Estados, dentre os quais São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná, passaram a ser governados por oposicionistas49. As forças de oposição, agora mais

49 Em 1979, com a Emenda Constitucional nº 11, que revoga os atos institucionais e complementares decretados desde 1964, abre-se caminho para a revogação do sistema partidário em vigor. Desse modo, a lei nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979, extingue o sistema bipartidário e reforma vários dispositivos da Lei Orgânica dos Partidos Políticos,

103 apoderadas dentro dos aparelhos do Estado, não hesitaram em dar voz e a fortalecer movimentos da classe trabalhadora (classes médias e populares), processo que culminou na campanha pelas “Diretas Já”, em 1984. Sob entendimento de que não havia democracia sem participação popular e que esta pressupunha liberdade plena de associação e de manifestação de demandas coletivas, a campanha das “Diretas

Já” redefine o espaço legal e legítimo da política no país, anunciando um novo momento do Estado, orientado por valores democráticos.

Embora a eleição de 1985, para Presidente, tenha sido indireta, o processo de democratização em curso era irreversível e, a despeito da crise econômica e das medidas adotadas para enfrentá-la, é possível dizer que o clima de liberdade política colocou num primeiro plano as necessidades de reforma política do aparelho do

Estado, relegando as reformas econômicas – que poderiam afetá-lo e, consequentemente, os interesses econômico-dominantes – a um segundo plano. Esse aspecto vai se manifestar de forma mais explícita no processo Constituinte de 1988, quando é possível perceber como a “ideologia” desenvolvimentista ainda se fazia forte e orientava as opções políticas.

Já na disputa indireta pela Presidência em 1985, enquanto o candidato do regime, Paulo Maluf (PDS), aproximou-se de um projeto liberal, em sintonia com os interesses de associações comerciais e com o setor agrícola de exportação, o candidato vitorioso da oposição, Tancredo Neves (PMDB), apresentou propostas desenvolvimentistas, sintonizadas com os interesses do empresariado industrial – no plano político, ambos defenderam a redemocratização do país. O resultado do pleito evidenciou quais eram os interesses econômico-dominantes e estabeleceu as linhas gerais do novo Governo (Sallum Jr., 2003).

estabelecendo critérios para a formação de novos partidos políticos. No início de 1980, seis novos partidos são organizados (PDS, PMDB, PP, PT, PTB e PDT). “O novo sistema partidário fora originalmente projetado para a disputa das eleições gerais de 15.11.1982, nas quais, pela primeira vez desde 1965, deveriam ser novamente eleitos por voto direto os Governadores de todos os estados da federação, conforme estabelecido pela Emenda Constitucional nº 15, de 19.11.1980” (Schmitt, 2000: 52).

104

Durante o Governo de José Sarney (1985-1990), que assumira em decorrência da morte de Tancredo Neves antes mesmo de tomar posse, os pilares político- institucionais de um Estado democrático-representativo foram estabelecidos e a ampliação e fortalecimento da participação política culminaram na Constituição de

1988, como coroamento do processo em curso50. Sem entrarmos na riqueza dos detalhes e focando apenas em alguns aspectos, sobretudo naqueles que se mostram mais relevantes para a presente discussão, vale destacar que a nova Constituição – elaborada numa atmosfera cujo imperativo era afastar muitas das sombras político- institucionais do regime militar – ampliou o poder de ação do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público, tornando-o um aparelho independente dos três poderes do

Estado e incumbido de assegurar o cumprimento dos direitos à cidadania.

Obviamente uma das preocupações que acompanhava os Deputados constituintes era limitar ações do Executivo, de modo a dotar os demais aparelhos de capacidade jurídico-institucional visando o cerceamento daquelas decisões. Essa preocupação com o rearranjo dos aparelhos de Estado não orientou apenas as relações intra-governamentais do Governo Central, mas também aquelas entre os aparelhos central e estaduais, num intenso movimento orientado por ideias federativas de descentralização político-administrativa, no qual democratização e descentralização apareciam de forma bastante interligada, mas que só poderiam viabilizar-se mediante revisão da engrenagem fiscal em vigor (Goulart, 2013).

Assim, nesse panorama de mudanças e preocupações com a nova arquitetura do Estado, tornava-se necessário rever a centralização fiscal imposta pelo regime autoritário a partir 1966/1967, quando a capacidade de arrecadação tributária da União foi ampliada, em detrimento da dos estados. As medidas adotadas no período reforçaram a dependência dos estados menos desenvolvidos, “receptores da maior

50 Entre outras mudanças promovidas pelo Governo Sarney, destacam-se aquelas de desobstrução da participação popular: eleições diretas para Presidente, para Prefeito das capitais dos estados; representação direta para a Câmara dos Deputados e para o Senado; liberdade de organização partidária; liberdade de ação e organização às classes trabalhadoras, sem o controle direto e repressão do Estado (Sallum Jr., 2003).

105 parcela das transferências do Fundo de Participação dos Estados” (FPE) e limitaram

“a autonomia administrativa dos governos estaduais, ao atribuir ao Senado a fixação das alíquotas do ICM, sua grande fonte de receita própria” (Kugelmas & Sola, 2000:

67). Desse modo, a descentralização política e administrativa requeria o fortalecimento fiscal das unidades em detrimento da União, aspecto que foi contemplado pela

Constituição de 1988, tornando-se um marco no padrão de organização federativa brasileiro altamente descentralizado, inclusive com a menção explícita no texto constitucional (artigo 18) do município como ente federado51.

A autonomia fiscal almejada, por meio de desconcentração fiscal dos recursos tributários e transferência de encargos da União aos entes federados, foi conquistada a partir de embates entre estados mais e menos desenvolvidos; enquanto os primeiros estavam interessados em expandir suas receitas próprias, os menos desenvolvidos buscavam aumentar sua participação nas receitas transferidas pela União. Embora houvesse divergência entre representantes estaduais no tocante ao processo de desconcentração industrial, havia um ponto em comum, já que todos buscavam ampliar recursos fiscais, aspecto que viabilizou uma coalizão de apoio ao processo de descentralização fiscal52 (Goulart, 2013; Kugelmas & Sola, 2000).

Além dessas mudanças, inseridas na chave político-institucional, mas com significativos desdobramentos político-econômicos, seja para o mercado, seja para o

Estado, como veremos adiante, a Constituição de 1988 também foi pautada pela

“ideologia” desenvolvimentista, agora numa vertente democratizada, na medida em que se amplia a autonomia das empresas estatais e as restrições ao capital estrangeiro, o Estado passa a ter mais controle sobre o mercado, e os servidores

51 Importante destacar que antes mesmo do processo constituinte que revisa o sistema fiscal, a “aprovação da emenda Passos Porto em 1983” eleva “os percentuais dos Fundos de Participação e também modifica os critérios de cálculo de forma favorável aos entes subnacionais” (Kugelmas & Sola, 2000: 68). 52 Sobre as esferas competentes da arrecadação tributária – IPI, Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), com base ampliada tornando-se ICMS, entre outros – e seus percentuais transferidos, seja aos Fundos de Participação, não apenas ao FPE, mas também ao FPM, seja entre os entes federados, ver: Kugelmas & Sola, 2000.

106 públicos e outros trabalhadores passam a contar com mais estabilidade e benefícios.

Porém, a versão democratizada do desenvolvimentismo, que tinha como objetivo impulsionar o crescimento e melhorar a distribuição de renda, de modo a superar a crise na qual o Estado estava mergulhado, não foi bem sucedida.

O cenário internacional permanecia adverso, em vez de o mercado internacional colocar-se como fonte de recursos, por meio de empréstimos ou investimentos, o movimento era contrário, uma vez que os recursos nacionais eram drenados por ele, com o pagamento da dívida externa. Assim, ao mesmo tempo em que se processava o avanço das conquistas políticas, com os movimentos sociais reivindicando atendimento imediato de suas carências, o Estado, comprometido em honrar compromissos sistêmicos firmados, não dispunha de base material adequada para processar a variedade de demandas53 (Sallum Jr., 2003).

Nessa conjuntura, a importância das empresas estatais como propulsoras do desenvolvimento é comprometida pela necessidade de produzir insumos a preços mais baixos, de modo a combater a inflação e a auxiliar o setor privado a obter saldos crescentes no comércio externo. A despeito dos esforços, acompanhados de sucessivos planos econômicos54, o controle inflacionário não se efetivou na década de

1980, assim como o crescimento acompanhado de melhor distribuição de renda.

Sendo possível dizer que no período o controle da “inflação substituiu o desenvolvimento como questão política básica” (Sallum Jr., 2003: 40).

Como resposta à crise financeira do Estado, que surge nos anos de 1970 e se agrava nos anos de 1980, busca-se, sobretudo, na mudança do formato estatal a resolução dos problemas. Entretanto, no espaço aberto nos anos de 1980 para manifestações de interesses de classe, resultantes de conflitos e contradições, as alternativas encontradas para o enfretamento da crise não se efetivam, sendo que

53 Apesar do empenho, a moratória da dívida externa decretada pelo Estado em 1987 complica ainda mais a situação no cenário externo, impedindo o acesso a novos recursos e empréstimos (Sallum Jr., 2011). 54 Sobre Plano Cruzado (1986) e Plano Bresser (1987), ver: Bresser-Pereira, 1988.

107 algumas das mudanças conquistadas nesse processo acabam por intensificá-la, na medida em que o enfraquecimento do Estado central ocorre de forma simultânea com o fortalecimento e ampliação do espaço democrático. Além disso, amplia-se o espaço onde as diversas frações de classe expressam demandas, ao passo que a crise financeira estatal limita a sua capacidade de ação.

Diante disso, o padrão econômico de atuação desenvolvimentista do Estado dava fortes indícios de que não se colocava mais como adequado à reprodução das relações de produção capitalista, carecendo, portanto, de outro padrão. É nesse contexto que a ortodoxia econômica começa a ganhar força entre as frações de classe dominantes, em sintonia com um movimento mundial correlato de

“transnacionalização” do capital 55. As ideias neoliberais já grassavam pelo país desde os anos de 1970, mas é a partir de fins dos anos de 1980 que se intensificam numa plataforma programática mais definida, com críticas ao intervencionismo estatal e em defesa da desregulamentação econômica, apresentando a necessidade de se atrair o capital estrangeiro, de se privatizar empresas estatais, entre outras. “Assim, embora o liberalismo econômico no Brasil só tenha se tornado politicamente hegemônico nos anos de 1990, essa hegemonia começou a ser socialmente construída ainda na segunda metade da década de 1980” (Sallum Jr., 2003: 41).

No plano econômico nacional mais concreto, a redução de investimentos do

Estado ao longo dos anos de 1980, por meio de suas empresas, teve impactos diferentes nas regiões, em função da importância dos mesmos para cada uma delas.

Na região Nordeste os investimentos públicos tiveram um papel muito importante e a instalação de grandes empresas estatais, sobretudo daquelas componentes do II

PND, contribuíram para o crescimento e para o processo de “desconcentração

55 O neoliberalismo começa a ganhar força com as experiências dos Governos inglês (Margareth Thatcher) e norte-americano (Ronald Reagan) e depois com a atuação das agências multilaterais como o FMI e o Banco Mundial. “O reformismo neoliberal adotava (e adota) uma perspectiva puramente mercantil, que tinha em vista a produtividade e a rentabilidade do capital, tendo como horizonte uma economia globalizada” (Sallum Jr., 2011: 264).

108 industrial”, que é interrompido com a crise do Estado. Como destaca Araújo, “o setor público tem no Nordeste um peso maior na formação bruta de capital fixo total do que na média nacional. Investindo, produzindo, incentivando, criando infraestrutura econômica e social, o Estado se faz presente com grande intensidade na promoção do crescimento da economia nordestina.” (In: Álvares Affonso & Silva, 1995: 131). Assim,

é possível afirmar que o setor público teve papel chave no crescimento das atividades econômicas da Região nas décadas de 1960 e 1970, sobretudo.

Em relação ao impacto da crise no mercado, mais especificamente no setor industrial, observa-se no período diferenças relacionadas às especificidades da estrutura produtiva. Os ramos industriais produtores de bens de capital e de consumo duráveis, mais concentrados na região Sudeste do país, foram mais afetados no período. Já o Nordeste, especializado na produção de bens intermediários destinada, principalmente, para fora (à região Sudeste e/ou à exportação, destino intensificado no período de crise) foi menos afetado – vale destacar nesse ponto que, no período que vai dos anos de 1960 até fins dos anos de 1970, foram os segmentos produtores de insumos aqueles que mais receberam incentivos provenientes da SUDENE, por meio do sistema 34/18 - FINOR56. Além disso, a moderna agricultura de grãos (porção oeste da Região) e aquela desenvolvida nas margens do São Francisco, pólo de fruticultura, puderam enfrentar melhor, ainda que de forma mais localizada, a crise do período, uma vez que a produção, voltada à exportação, pode enfrentar melhor a retração da demanda interna (In: Álvares Affonso & Silva, 1995).

Se, a partir da criação da SUDENE, a economia nordestina engata na economia nacional, seguindo as mesmas tendências gerais de crescimento e de

56 Antes da implantação da SUDENE, o setor industrial voltava-se à produção de bens não duráveis (têxtil e alimentar, sobretudo) voltado ao mercado regional, a partir dos anos de 1960 a região vai se especializando no setor de bens intermediários, “com destaque para a instalação do pólo petroquímico de Camaçari, na Bahia, e do complexo minero-metalúrgico, no Maranhão, sem falar do pólo de fertilizantes de Sergipe, do complexo de Salgema em Alagoas, da produção de alumínio no Maranhão, dentre outros”, voltados e articulados, em grande parte, ao mercado externo, nacional ou internacional (In: Álvares Affonso & Silva, 1995: 130).

109 retração, a melhoria dos indicadores sociais não ocorre na mesma proporção, evidenciando o forte padrão concentracionista de renda. Além disso, o crescimento e a diversificação da economia nordestina ocorrem também de forma concentrada em algumas regiões, formando o que se convencionou a chamar na literatura de “pólos dinâmicos” e/ ou “manchas de desenvolvimento” – com destaque para o pólo petroquímico de Camaçari, na Bahia, o pólo têxtil e de confecções de , o complexo minero-metalúrgico do Maranhão e os pólos agroindustriais de Petrolina

(PE), Juazeiro (BA) e a porção sul do Piauí e do Maranhão, incluída também a porção oeste da Bahia (Araújo, 1997).

Entretanto, os espaços da Região que desenvolveram atividades econômicas modernas convivem com regiões onde prevalece a resistência à mudança. Dentre elas, as zonas canavieiras e o sertão Semiárido destacam-se no período como áreas estagnadas e mesmo quando houve modernização, caso da região da cana durante o programa PROÁLCOOL, nos anos de 1970, ela ocorreu nos padrões tradicionais de dominação, agravando ainda mais o quadro social.

Desse modo, cabe aqui destacar que, a exemplo do que ocorrera durante o regime militar, no processo constituinte de 1988 a estrutura fundiária do país permaneceu praticamente intocada. Assim, por meio de articulações conservadoras entre empresários agrícolas e proprietários de terra, articulados, sobretudo, na UDR – aspecto que evidencia a pluralidade de forças presentes no Congresso Constituinte, uma vez que havia forças de esquerda em defesa da reforma agrária –, os direitos de posse da terra foram amplamente assegurados, sendo que é neles que reside um dos principais pilares de sustentação das recalcitrantes estruturas socioeconômicas e políticas de dominação (Goulart, 2013; Sallum Jr., 2003; In: Álvares Affonso & Silva,

1995).

Se, por um lado, no período que vai até meados dos anos de 1980 há melhorias de alguns indicadores sociais, tais como expectativa de vida, mortalidade infantil, níveis educacionais, abastecimento de água, eletrificação, trabalhadores com

110 carteira assinada, entre outros, quando comparados aos indicadores do período anterior ao de criação da SUDENE, por outro, a melhoria nos índices não acompanhou, na mesma proporção, os índices de crescimento econômico da Região, nem a melhoria deles nas regiões Sul e Sudeste do país, ampliando, portanto, as disparidades sociais entre regiões e evidenciando o padrão concentracionista do crescimento econômico. Assim, “enquanto os 40% mais pobres tiveram reduzida sua participação na renda gerada na Região de 8,8% em 1970 para 7,8% em 1988, os 5% mais ricos ganharam participação, indo dos 38,8% para os 42% no mesmo período”

(In: Álvares Affonso & Silva, 1995: 149).

No início da década de 1990 a região Nordeste apresentava dinamismo econômico concentrado em alguns “pólos”, com um quadro de miséria ampliado, tanto nas áreas urbanas, quanto nas rurais. Assim, dos 19,4 milhões de pobres (famílias com renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo) em 1970, a região passa a um patamar de 25,8 milhões em 1988 – sendo que nas áreas urbanas esse contingente passa de seis para 10 milhões –, e, como destacado anteriormente, a estrutura fundiária intocada contribui para o agravamento da situação no campo, onde segundo o Mapa da Fome, feito pelo IPEA, “dois terços dos indigentes rurais do país estão no Nordeste” 57 (In: Álvares Affonso & Silva, 1995: 137).

***

O final da década de 1980 é marcado pela primeira eleição direta para presidente, num contexto em que as ideias neoliberais ganham força no cenário nacional e internacional.

No plano interno, Fernando Collor de Melo (PRN), Presidente eleito que governou entre os anos de 1990 a 1992, contou com o apoio da classe empresarial, parte da classe média, segmentos do movimento sindical, grandes proprietários de terra, além do apoio de grandes empresas de comunicação de massa. Durante o

57 Os resultados do estudo realizado pelo IPEA foram divulgados em 1993.

111 primeiro turno da disputa essas forças dividiram-se em apoio aos candidatos com plataforma liberalizante (Fernando Collor, Mario Covas, Guilherme Afif Domingos, entre outros), porém, no segundo turno, migram em apoio a Collor. Essa fragmentação de apoio no primeiro turno da disputa demonstra como as forças dominantes estavam dispersas, sem que houvesse um candidato capaz de aglutiná-las num projeto hegemônico para o país.

A migração e a coesão de apoio no segundo turno ocorrem, primeiro, por que a plataforma de governo apresentada por Collor mostrava-se ajustada aos interesses dessas classes e frações de classe, segundo, por que o candidato oponente, Luiz

Inácio Lula da Silva (PT) apresentava uma plataforma em sintonia com um nacional- desenvolvimentismo renovado, que objetivava romper relações “espúrias” entre empresas estatais e empresas privadas e ampliar a participação democrática nas esferas de poder, além de propor reorientações nas políticas de Estado para a redistribuição da renda e defender uma “verdadeira” reforma agrária (Sallum Jr.,

2011).

Importante destacar que o padrão vigente de relação entre Estado e mercado encontrou apoiadores nas múltiplas agências econômicas do Estado e em alguns segmentos empresariais mais dependentes do protecionismo, mas, apesar da resistência ao reformismo liberal apresentado por alguns candidatos, a defesa do

“velho desenvolvimentismo” apresentou-se de forma fragmentada e enfraquecida na disputa eleitoral, sem alento, inclusive, nas forças políticas de esquerda (PT, PCdoB,

PCB) e de centro-esquerda (PMDB e PDT), que defendiam a sua renovação, em vez de continuidade do “velho” padrão (Sallum Jr., 2011).

No plano internacional, no mesmo ano da disputa eleitoral (1989), ocorre na capital dos EUA um seminário acadêmico internacional, com economistas especialistas em América Latina que recomendam um conjunto de políticas econômicas, formuladas a partir de uma perspectiva neoliberal, a serem adotadas pelos Governos latino-americanos. As recomendações do que ficou conhecido como

112

“Consenso de Washington”, em linhas gerais, definiam “que a melhor estratégia de enfrentamento da crise, por parte dos países periféricos, seria desregulamentar suas economias como forma de atrair novos investimentos externos e possibilitar a livre mobilidade dos capitais” (Mattei, 2013).

Quanto ao Governo Collor, o apoio interno do empresariado ao seu Governo começou a se enfraquecer já nos últimos meses de 1990, na medida em que se aprofundava a recessão, a política econômica não conseguia conter a inflação e a equipe econômica dava sinais de novos experimentos heterodoxos. “Com o Plano

Collor II, lançado em 31 de janeiro de 1991, os temores se confirmaram e acentuou-se o distanciamento – e a oposição cada vez maior – do empresariado em relação à política econômica. Dizia-se que o governo Collor era politicamente esquizofrênico, o mais liberal e o mais intervencionista da história brasileira” 58 (Sallum Jr., 2011: 280).

Desse modo, o empresariado manteve uma relação dúbia com o Governo, uma vez que apoiava suas medidas liberalizantes, consagradas na nova política industrial de “integração competitiva”, que entregava à iniciativa privada a força propulsora do desenvolvimento, de modo a reduzir as funções empresariais do Estado, e abria a economia nacional ao mercado externo, mas, ao mesmo tempo, os empresários mostravam-se avessos à dimensão intervencionista e recessiva da política macroeconômica.

No plano das reformas liberalizantes, o Governo Collor colocou termo no modelo do Estado varguista de “substituição de importações”, na medida em que eliminou as restrições tarifárias e o poder “do governo para autorizar exportações e licenciar importações; pôs fim à lista de cerca de 1500 produtos que era de importação proibida para reservar o mercado à produção nacional” (Sallum Jr., 2011: 273). Por outro lado, e como compensação, lançou políticas de apoio à indústria59, de modo a

58 Sobre o Plano Collor, ver: Carvalho, 2006a. 59 Entre as políticas implementadas, destacam-se a Política Industrial e de Comércio Exterior (PICE), o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) e o Programa de Competitividade Industrial (PCI) (Sallum Jr., 2011).

113 fortalecer a “integração competitiva”. Entretanto, diante do quadro econômico recessivo, não foi possível para grande parte dos setores industriais brasileiros a renovação de seus parques tecnológicos produtivos, aspecto que contribuiu para que muitas empresas nacionais perdessem a sua participação no mercado, distanciando a política de “integração competitiva” de seus objetivos iniciais, com o agravante de que o novo padrão econômico de entregar ao mercado o papel de dinamizar a economia, retirando do Estado sua ação empresarial, engessava a atuação do BNDE, de modo que a possibilidade de empréstimos para modernização do setor produtivo nacional estava inviabilizada.

Seguindo a linha de proporcionar condições competitivas de mercado ampliadas à indústria nacional, “em 1991, o Brasil e a Argentina, acompanhados do

Uruguai e Paraguai, constituíram o MERCOSUL como espaço econômico regional a ser convertido em União Aduaneira no final de 1994” (Sallum Jr., 2011: 273). A intenção do acordo comercial não era apenas ampliar o espaço econômico das empresas nacionais, mas também atrair empresas multinacionais, de modo a expandir a participação do país no sistema produtivo mundial. Além disso, a política indicou importante inflexão no modelo econômico “fechado” ao mercado interno, vigente por décadas, e sinalizou um reposicionamento do país no plano internacional.

Por fim, como destaca Brasilio Sallum Jr., o governo Collor foi marcado pelo reformismo liberal e por algumas políticas de cunho neoliberais, como a política de privatização, porém, não é possível enquadrá-lo sob moldura neoliberal, stricto sensu, seja em função das políticas econômicas heterodoxas, seja em função de políticas industriais desenhadas pelo Estado, tanto voltadas ao plano nacional, quanto ao plano internacional. Embora as políticas liberais e mesmo as neoliberais tenham contado com o apoio da classe empresarial, o quadro recessivo, o descontrole da inflação, a adoção de políticas econômicas intervencionistas – ameaçando a segurança jurídica da propriedade privada – somadas com as denúncias de corrupção e a perda de legitimidade diante da opinião pública, ao fragilizarem demasiadamente o Governo,

114 que não dispunha de base política ampla no Congresso, culminaram no processo de

Impeachment, obrigando o então Presidente a renunciar em dezembro de 1992 para evitar a cassação de seu mandato (Sallum Jr., 2011).

O vice, Itamar Franco (PRN), assume a Presidência num quadro político- econômico bastante instável, no qual o controle inflacionário colocava-se como imperativo e a popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhava força, tornando- se forte candidato à disputa de 1994. Esse cenário contribuiu para que a crise de hegemonia, existente desde a década de 1980, fosse superada e se articulasse uma base de apoio “entre partidos de centro e de direita em torno da continuidade de reformas liberais, da estabilização da economia e da tomada do poder político central”

(Sallum Jr., 2003). A nova equipe econômica nomeada por Itamar Franco em 1993, que tinha à sua frente o então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, envolveu-se na elaboração de uma política com o objetivo da estabilização econômica.

Sem entrarmos nos detalhes que a política econômica operou, cabe destacar que o bem sucedido Plano Real, lançado em 1994, foi capaz de superar definitivamente a crise hegemônica do período, culminando na eleição de Fernando Henrique Cardoso

(PSDB), no mesmo ano de lançamento do Plano, à Presidência da República (Sallum

Jr., 2003; Kugelmas & Sola, 2000).

A partir de 1995, quando o novo Presidente assume, inicia-se uma nova etapa no padrão de atuação econômico-político-social do Estado, que não vai mais oscilar entre reformismo liberal e intervenções autocráticas no mercado, mas que vai fazer do binômio estabilização econômica e reformas estruturais as linhas mestras desse padrão. Desse modo, mas lembrando que em sociedades capitalistas o Estado é intervencionista por excelência, o padrão de atuação vai radicalizar aquela vaga neoliberal presente no Governo anterior de Fernando Collor, de modo a colocar em prática as “recomendações” do Consenso de Washington, cuja execução implicou uma profunda reforma do Estado capitalista no Brasil. Amplos programas de privatizações e de abertura comercial, liberalização dos fluxos financeiros e disciplina fiscal foram

115 colocados na ordem do dia. “Inspirando-se na matriz teórica da economia neoclássica e apoiando-se na hegemonia do neoliberalismo em escala mundial, o Governo redireciona o país de forma a introduzir uma nova ordem centrada no primado do mercado” (Diniz, 2011:498).

Fernando Henrique Cardoso assume a presidência respaldado pelo prestígio do Plano Real e por uma ampla aliança política de centro-direita, aspectos que viabilizam a execução do novo projeto neoliberal hegemônico. Como a estabilidade da moeda pressupunha o combate aos desequilíbrios fiscais, inicia-se um processo que altera a correlação de forças entre Governos estaduais (fortalecidos pós Constituição de 1988) e Governo central. O endividamento dos estados, agravado pela elevação dos juros promovida pelo Plano Real, por um lado, e a autonomia que possuíam para contrair empréstimos junto aos bancos estaduais, por outro, configuravam uma situação que colocava em risco o sucesso da estabilização. Para resolver o problema o Governo central enquadra os estados em leis que os obrigam a limitar gastos e os comprometem com percentuais pré-definidos de despesas, de modo a forçar a responsabilidade fiscal e, para completar o programa, os bancos estaduais são privatizados60.

O modelo desenvolvimentista de Estado foi sendo superado, então, a partir de um redirecionamento antiestatal e internacionalizante da economia que conduziu a transferência de quase todas suas funções empresariais ao mercado, por meio de um amplo programa de privatizações61, da liberalização econômica, expansão das funções reguladoras do Estado (agências reguladoras) e articulação com a economia mundial, priorizando as relações com o MERCOSUL. Entretanto, a manutenção de

60 Sobre as mudanças na legislação fiscal, ver: Abrucio, 2005. 61 Durante os dois Governos de Fernando Henrique Cardoso, ocorreram várias privatizações de empresas que atuavam em setores bastante estratégicos da economia nacional. Dentre os setores afetados pelo programa de privatização destacam-se: empresas do setor de telecomunicações, setor financeiro (bancos estaduais), setor energético (energia elétrica e petróleo), setor de mineração e petroquímica e setor de transporte e logística (malha ferroviária e portuária), dentre outras. Sobre as privatizações do período e a forma como se realizaram ver: Biondi, 2003.

116 juros elevados (atraindo capital especulativo) e cambio valorizado, como partes integrantes do programa de estabilização, privilegiaram a esfera financeira, em detrimento das esferas produtivas, e agravaram ainda mais as dívidas do Estado

(interna e externa). “Isso mostra haver nítida afinidade entre o predomínio do fundamentalismo liberal no bloco político hegemônico e a fase da „financeirização da riqueza‟ que caracteriza o capitalismo mundial contemporâneo” (Sallum Jr., 2003: 46 – grifos do autor).

Nesse cenário, e seguindo a risca as “recomendações” propostas pelos países desenvolvidos e pelas agências multilaterais (FMI e Banco Mundial), a estabilidade foi alcançada sem que houvesse a retomada do desenvolvimento e, na tentativa de estimulá-lo, o Estado recorreu à poupança externa, aspecto que fragilizou ainda mais a economia nacional (Mattei, 2013). Como resultado, para evitar o esgotamento de reservas de moeda estrangeira que ancoravam o Real, o governo recorre em 1998 a um acordo com o FMI, após “ter obtido grande empréstimo dos Estados Unidos para se defender com mais segurança da fuga de capitais externos” 62, empréstimo que implicou novos cortes e ajustes com o intento de alcançar o superávit primário exigido pelos credores (Sallum Jr., 2003: 46).

Em fins da década de 1990, já sob o segundo mandato de Fernando Henrique

Cardoso, reeleito em 1998, o padrão de atuação econômico-político-social hegemônico começa a dar mostras de enfraquecimento. A despeito da estabilidade alcançada, o desempenho da economia em seu conjunto apresentava baixas taxas de crescimento, alto índice de desemprego, ampla desnacionalização econômica, queda da produção industrial, alto endividamento interno e externo e dependência externa 63.

Nesse cenário abre-se espaço para se pensar num novo padrão de atuação do Estado e, a partir daí, para a formação de outro sistema hegemônico de poder. Soma-se a

62 A fuga de capitais especulativos vinha ocorrendo desde a crise financeira do México (1994), mas se acentuou com a crise Asiática (1997) e a moratória russa (1998). 63 A taxa média de crescimento, durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, foi de 2,7 % a.a. Em 2002, último ano de seu governo, a taxa média anual de desemprego foi de 11,7% – Fonte: IPEADATA.

117 esse cenário uma nova produção teórico-econômica mundial crítica ao modelo imposto pelo “Consenso de Washington”, tomando como referência o desempenho econômico de países asiáticos que não seguiram as recomendações do “Consenso”

(Diniz, 2011; Sallum Jr., 2003).

***

Cabe agora pontuar algumas implicações do modelo neoliberal hegemônico da década de 1990 sob a ótica regional. Primeiro, a crise econômica dos anos de 1980, sob a roupagem de crise fiscal nos anos de 1990, reduziu os investimentos públicos significativamente, seja por meio das empresas estatais, seja por meio de políticas setoriais. Com a Reforma do Estado nos anos de 1990 a situação se agravou, uma vez que a primazia do mercado, ao imprimir a lógica da competitividade internacional- globalizada, insere os “pólos dinâmicos”, minoria, na economia mundial, enquanto as regiões menos dinâmicas ou estagnadas, maioria, sucumbem. Segundo, o próprio

Estado opera em sintonia com a lógica do mercado, direcionando seus investimentos a estes “pólos”, sob pretenso entendimento de que o dinamismo da minoria estimularia o desenvolvimento da maioria, aspecto que não se confirmou.

Conforme aponta Araújo, o programa do Governo de Fernando Henrique

Cardoso “Brasil em Ação”, voltado à infraestrutura, estava direcionado à integração competitiva dos “pólos dinâmicos” ao mercado externo e, além de privilegiar os espaços já competitivos, concentrava-se nos corredores de integração econômica com o MERCOSUL, mais ao Sul e ao Sudeste, portanto (Araújo, 1997). Desse modo, há uma fragilização econômica nas regiões mais distantes do corredor de integração, dentre as quais o Nordeste, com consequente enfraquecimento das políticas de desenvolvimento regional planejadas e coordenadas pela SUDENE.

Obviamente não falamos aqui de ausência de investimentos estatais no período, até por que eles são imprescindíveis à reprodução do capital, falamos de outro padrão de atuação. Se, durante o período do desenvolvimentismo o Estado tinha um papel planejador e de antecipação em relação ao mercado, ou seja, suas ações

118 implicavam alterações na dinâmica econômica, ainda que dentro dos limites de interesse do capital, com o novo padrão de atuação neoliberal, o Estado passa a ter um papel reativo, ou seja, sua atuação responde aos imperativos de mercado, formando um círculo vicioso, na medida em que o capital busca as regiões economicamente competitivas e o Estado, por sua vez, direciona investimentos para estas mesmas regiões.

Num cenário de baixo crescimento econômico, de taxas crescentes de desemprego, de abertura ao capital externo (instalação de multinacionais), de ausência do Estado com políticas regionais de estímulo às regiões fora do eixo dinâmico combinado com a descentralização fiscal estabelecida pela Constituição de

1988, segundo a qual cada estado passa a ter o poder de estabelecer autonomamente as alíquotas de ICMS, abre-se uma perversa situação de competição entre estados subnacionais, na tentativa de atrair o capital privado e de colocar-se ou aproximar-se dos “pólos dinâmicos” competitivos.

O processo conhecido como “guerra fiscal” passa a apresentar efeitos nocivos ao sistema federativo, na medida em que os estados competem entre si, além disso, compromete ainda mais os recursos estaduais, uma vez que se baseia em renúncia fiscal, ao mesmo tempo, proporciona vantagens significativas ao mercado, com redução de impostos proporcionada por estados onde, muitas vezes, a empresa já estava decidida a se instalar desde o início, valendo-se do mecanismo para obter mais vantagens. “Portanto, a guerra fiscal é fomentada pela internacionalização, na medida em que a disputa por capitais externos obriga a crescentes concessões dos estados.

Na origem estão as desigualdades regionais do país e a limitação de recursos internos para investimentos capazes de atenuar tais desigualdades” (Dulci, 2002: 97).

Dentro desse padrão de atuação do Estado os aparelhos federais de planejamento regional perdem força, uma vez que as cartas são dadas pelo mercado, com o agravante de que num cenário de competição entre estados estes aparelhos têm o seu papel coordenador neutralizado. Assim,

119

em 1996, um documento elaborado pela Secretaria Especial de Políticas Regionais do Ministério do Planejamento reconhecia explicitamente o esvaziamento e enfraquecimento da SUDENE, atribuindo-os às transformações da economia mundial e nacional, ou, mais precisamente, a fatores como „a abertura política, a crise fiscal da União, o desmantelamento da administração pública brasileira (sic) e a superação do paradigma protecionista, intervencionista e estatizante que prevaleceu no passado (Carvalho, 2006b: 84).

Ainda que algum tempo depois e aproveitando-se de um cenário bastante desfavorável à imagem da instituição – na medida em que denúncias de corrupção envolvendo a SUDENE tornavam-se de conhecimento amplo e que estava em curso uma Comissão Parlamentar de Inquérito do FINOR iniciada em 18 de abril de 2000 para investigá-la –, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso edita a MP nº

2.146-1, no dia 04 de maio de 2001, extinguindo a SUDENE, antes mesmo das conclusões da CPI em curso. De forma concomitante ao processo de extinção, segue- se a criação da Agência Nacional de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE), com indicações de encaminhamentos a serem tomados, na prática, a ADENE tornou-se uma agência esvaziada, restando como instrumentos de promoção de políticas regionais os Fundos Constitucionais criados pelo Congresso Constituinte de 1988

(Carvalho, 2006a).

4.3 FACETAS DA BATALHA: ENTRE O CAPITAL PRODUTIVO E O FINANCEIRO,

ENTRE A COOPERAÇÃO E A COMPETIÇÃO, ENTRE O GLOBAL E O LOCAL

A discussão desenvolvida nesse capítulo teve como objetivo delinear mudanças no padrão econômico-político-social de atuação do Estado nas décadas de 1980 e de 1990 e o impacto dessas mudanças no que se refere ao desenvolvimento regional, de forma mais ampla, e o seu rebatimento na SUDENE.

Entretanto, entendemos que falta incorporar à discussão alguns pontos relevantes,

120 na medida em que também sinalizam para o enfraquecimento da instituição no seu papel de planejamento e coordenação, no tocante à elaboração de políticas de desenvolvimento regional. Entendemos que esses aspectos nos permitem analisar o processo real de perda de funcionalidade da instituição.

Primeiro, é importante destacar as mudanças que ocorrem no sistema de incentivos fiscais, iniciadas já em 1963, com a aprovação do II Plano Diretor da instituição e que continuam na década de 1970, intensificando-se nos anos de

199064.

Como anteriormente discutido, o artigo 18 da Lei 4.239 de junho de 1963, que institui o sistema 34/18, altera os mecanismos de incentivos originariamente concebidos ao incorporá-los também às atividades agrícolas, ao estendê-los a empresas estrangeiras e ao permitir que o optante fosse o próprio investidor – aspecto que contribuiu para que empresas do Sudeste se deslocassem para a

Região. Nesse sentido, o objetivo inicial da SUDENE de formar um setor industrial nordestino forte e capaz de fazer frente à oligarquia agrária iniciou sua fragilização que, como vimos, intensifica-se durante o regime militar, quando passa a existir uma acomodação de interesses entre frações de classe.

A criação da SUDAM e SUDECO, já no período militar, contribuiu para a pulverização de recursos que, até então, voltavam-se exclusivamente à região

Nordeste. De modo a agravar a situação, dois programas criados nos anos de 1970 passaram a drenar metade dos recursos destinados à instituição. O Programa de

Integração Nacional (PIN), criado em 1970, passou a contar automaticamente com

64 Não temos a pretensão de esgotar a discussão sobre as complexas alterações no mecanismo de incentivos fiscais que atravessam a história da instituição e que, pouco a pouco, deslocam o eixo da discussão dos resultados econômicos clássicos alcançados pela SUDENE (PIB, geração de emprego, entre outros) para o eixo da financeirização do sistema de incentivos fiscais, tornado o fundo de investimento para políticas de desenvolvimento regional (FINOR) a grande vedete da discussão em fins dos anos de 1990. Entretanto, entendemos que essa dimensão, ao estar alinhada ao próprio movimento global do capital, merece, ainda que de forma breve, ser pontuada na presente discussão. Para uma abordagem mais detalhada do tema ver tese de Carvalho, 2006a.

121

30% dos recursos destinados à SUDENE, enquanto o Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA), criado em

1971, passou a contar com 20% do montante. Para piorar, as corretoras que operavam o sistema 34/18 cobravam altas taxas de comissão, o que contribuía para intensificar a escassez de recursos (Nabuco, 2007).

Diante da fragilidade do sistema, é criado por meio do Decreto Lei nº 376 de dezembro de 1974 o FINOR. Com essa mudança o contribuinte deixava de fazer a opção por um projeto específico no momento da declaração de IR-PJ e passava a escolher um fundo no qual desejava aplicar, tornando-se um quotista, nesse caso do FINOR65. “De outro lado, o investidor (beneficiário do FINOR), após ter seu projeto aprovado, passaria a ter o direito de emitir ações para a carteira do fundo, em troca de um montante correspondente às liberações” (Carvalho, 2006a: 21).

As ações eram lançadas na Bolsa de Valores, em leilões especiais, o que restringia a operacionalização do sistema a empresas de capital aberto, excluindo desse processo empresas de pequeno porte. Entretanto, apesar do sistema passar a operar com empresas de grande porte, muitas delas não eram conhecidas pelos contribuintes o que contribuía para constantes desvalorizações da carteira de ações do Fundo. Com isso o sistema FINOR-Ações deu origem a novas distorções, uma vez que as próprias empresas beneficiadas pelo Fundo recompravam as ações, permitindo que o mercado acionário do FINOR se transformasse “em um mercado cativo, na verdade uma ficção do mercado de capitais” (Oliveira apud Carvalho,

2006a: 22).

Nesse ponto vale destacar que essa mudança ocorrida no sistema que operacionaliza o mecanismo de incentivos fiscais, e que acontece no mesmo ano em que o Governo Militar lança o II PND, indica mudanças substanciais na cadeia relacional que envolve optante, SUDENE e investidor. Até então, com o sistema

65 A opção podia ser por projetos selecionados, supervisionados e fiscalizados pela SUDENE, nesse caso o optante escolhia o FINOR, ou por projetos sob orientação da SUDAM, quando a opção se daria pelo FINAM – fundos simultaneamente criados.

122

34/18, os recursos eram diretamente alocados no espaço e havia escolha prévia do optante por projeto e setor específico contemplados pelo investimento e supervisionados pela SUDENE. Com o FINOR-Ações, o investimento direto no espaço deixa de ser o padrão usual e, ainda que o recurso esteja voltado ao setor produtivo, desloca-se o eixo do capital produtivo para o capital financeiro, uma vez que o optante não se volta mais a um projeto concreto e específico, mas sim a um fundo de investimentos.

Diante do descrédito e desvalorização do FINOR-Ações, acompanhado de problemas orçamentários, o então Presidente Fernando Collor de Melo suspende em 1990 a opção por tais incentivos fiscais, entretanto, os resultados apresentados pelo corpo técnico da SUDENE 66 em defesa da continuidade do mecanismo fazem com que o Governo volte atrás da decisão (Carvalho, 2006a; Carvalho, 2001).

Apesar da manutenção dos incentivos, a lei 8.167 de dezembro de 1991 transforma o FINOR-Ações em FINOR-Debêntures, passando a admitir duas formas de aplicação, que na verdade faziam uma mescla dos dois sistemas anteriormente existentes. Assim, o optante podia fazer uma aplicação não- vinculada, ou seja, aplicava diretamente no FINOR, ou podia vinculá-la a projeto próprio. Além disso, o sistema deixou de operar exclusivamente com ações e passou a trabalhar com debêntures, que continuavam a apresentar problemas com altas taxas de corretagem. Obviamente a aplicação vinculada, ao garantir os recursos necessários aos projetos próprios, transformou-se numa forma de drenagem dos recursos do FINOR.

66 “A SUDENE, prevendo que coisa boa não estava por vir, havia preparado uma contra- proposta e um estudo em que mostrava que 67% do IPI e do ICMS arrecadado pelas empresas do Nordeste eram de empresas beneficiárias do FINOR, o que causou interesse por parte da equipe do Governo, a qual solicitou um tempo para análise. A comissão, então, concordou em não acabar com o Fundo, desde que ficasse com o BNB (que fazia parte do Ministério). A briga, então, deixou de ser técnica, para ser de poder. A partir daí, começou-se a trabalhar (SUDENE e Ministério) em torno das mudanças do Fundo. Em 15 de dezembro, a Ministra Zélia Cardoso encaminhou o Projeto de Lei que modificava o FINOR, mantendo a responsabilidade para as duas instituições.” (CARVALHO, 2006a: 23).

123

Ao longo dos anos de 1990 o fundo enfrentou constantes problemas orçamentários, agravados, entre outros fatores, pelo seu descrédito no mercado, o que desvalorizava significativamente suas ações, pela redução do valor de dedução do IR-PJ de 50% para 40% (Decreto Lei nº 2.397 de 1987), pela diminuição de alíquota efetiva do IR-PJ sobre o lucro real, pelo estímulo governamental a declarações baseadas em lucro presumido, aspecto que contribuía para o atraso nos repasses efetuados pela Receita Federal do Brasil, implicando “antecipação de títulos” pelo fundo.

Diante das dificuldades, a instituição passou por um processo de recuperação financeira e de “moralização” durante a superintendência do General

Nilton Moreira (1994-1998) que, obviamente, não agradava em nada aos empresários beneficiários dos incentivos fiscais, sendo afastado do cargo, apesar dos resultados positivos que trouxe para o órgão, ainda que insuficientes.

Soma-se a esses fatores negativos a força do “discurso oficial” do período, alinhado à Reforma do Estado, em defesa da lógica da “eficiência”. Nesse sentido, com a intensificação de denúncias de corrupção envolvendo SUDAM e SUDENE na segunda metade da década de 1990, a grande mídia tornou-se porta voz do discurso da “eficiência” e contribuiu para que houvesse um clima de opinião pública bastante desfavorável a essas instituições 67.

O Governo Federal, cuja política de desenvolvimento regional voltava-se, sobretudo, aos pólos dinâmicos dos corredores do MERCOSUL e que adotara a postura regulatória, entregando ao mercado a função do planejamento, mostrava-se mais simpático às reivindicações e queixas do empresariado do que propriamente

67 Os problemas de desvios de verba pública e de falta de “eficiência” eram dirigidos sem diferenciação às duas instituições e eventuais falhas de uma eram estendidas à outra. Independente dos problemas concretos envolvendo as respectivas Superintendências, ganhava força na grande mídia a ideia de que os órgãos, além de ineficientes, serviam apenas para drenar recursos públicos. A título de curiosidade, mas como exemplo do intenso processo de destruição da imagem pública de ambas, um programa televisivo humorístico do período referia-se, num dos seus quadros, às instituições como “FURTAM” e “FURTENE” (Carvalho, 2006a).

124

às queixas e problemas da instituição, cujas raízes estavam, em grande parte, fincadas na inadimplência dos empresários beneficiados pelo sistema.

De modo a indicar de que lado o Governo realmente estava, um ano antes da edição da medida provisória que vai alterar as regras do FINOR, o “mercado” já parecia ter a informação de que haveria renegociação da dívida, na medida em que o calote no pagamento das debêntures intensificou-se significativamente, complicando ainda mais a saúde financeira do fundo (Nabuco, 2007; Carvalho,

2006a).

Assim, diante das constantes denúncias midiáticas de corrupção envolvendo os órgãos de planejamento regional, SUDAM e SUDENE e os seus respectivos fundos (FINAM e FINOR), instaura-se em 2000 uma CPI de investigação e em setembro do mesmo ano o então Presidente Fernando Henrique Cardoso edita a

MP nº 2.058 que modificava a Lei 8.167.

Se, até então, as empresas eram obrigadas a comprar 30% das ações correspondentes ao montante que haviam recebido do fundo quando o projeto era concluído, aspecto que garantia algum retorno do dinheiro concedido e investido, com a edição da MP nº 2.058 e a conversão de 100% das ações sem obrigatoriedade de compra pelo beneficiário, o governo abriu mão da possibilidade de receber parte do financiamento concedido pelo FINOR. Com o agravante de que as ações das empresas ligadas a projetos financiados pela SUDENE apresentavam deságio histórico de aproximadamente 96%. “Isso significou, em „bom português‟, que tais medidas representaram nada menos que um grande „perdão‟, ou mesmo um enorme calote aos cofres públicos” (Carvalho, 2006a: 44 – grifos da autora).

Num contexto de intensificação de denúncias de corrupção envolvendo o

Governo Federal e sua bancada de apoio no Congresso Nacional e antes mesmo da conclusão dos trabalhos da CPI, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) edita nova medida provisória (MP nº 2.146-1, maio de 2001) extinguindo SUDAM e SUDENE e transformando-as em agências de desenvolvimento regional (ADA e ADENE) a

125 serem regulamentadas por medidas legais posteriores 68. Em outras palavras, se o desvio de verbas públicas motivou o processo investigativo, a forma como é decretada a extinção do órgão acaba por beneficiar e validar os desvios, impossibilitando o retorno dos recursos aos cofres públicos. O Governo mostrava- se “eficiente” ao utilizar-se do fim da SUDENE, instituição desajustada do modelo de atuação econômico do Estado, como conveniente mensagem para a opinião pública de que seu Governo não tolerava corrupção, ainda que o “perdão” concedido funcionasse, no mínimo, como um gesto condescendente com tal prática, para não dizer incentivador e/ ou estimulador.

A MP nº 2.146-1 que extinguiu a SUDENE também extinguiu o FINOR e criou o FDNE, como fonte de financiamento de políticas de desenvolvimento regional, não mais lastreado no IR-PJ, mas em dotação orçamentária e nos fundos constitucionais.

Outro ponto que merece atenção nesse debate diz respeito ao modo como ocorreu o processo que extinguiu a SUDENE. Enquanto a criação da instituição nos idos de 1959 foi orientada por intenso debate favorável e contrário à sua criação, acompanhado de mobilização política, com respaldo de estudos sobre a economia

68 A CPI que investigou SUDAM e SUDENE, e seus respectivos fundos, passou por diversos momentos de desencontro de informações e de números, que vazavam sem a devida averiguação, mas que cumpriam o papel de fornecer munição à imprensa. Tais episódios implicavam grande esforço por parte dos funcionários da instituição para, primeiro, corrigir números e montantes vazados e, segundo, para tentar separar SUDAM e SUDENE no processo investigativo, uma vez que os desvios e resultados envolvendo a Superintendência da Região Norte mostravam-se mais gravosos. Ao final do processo, quando as instituições já estavam extintas, a CPI conclui que as cifras e falhas envolvendo a SUDENE não eram tão grandes e negativas quanto se supunha. Vale destacar a passagem no relatório final sobre a gestão do FINOR em que a Comissão afirma: “Sem uma agência de desenvolvimento forte, atuante e moderna entendemos ser a caminhada rumo a um Nordeste mais dinâmico e socialmente justo muito mais difícil, senão impossível. A sobrevivência da SUDENE e do FINOR na região significa para o nordestino a esperança de que o Brasil ainda tem sim uma política de desenvolvimento regional. E que é possível crescer. Mas, para tanto, faz-se necessário reformá-la em sua estrutura e seus procedimentos operacionais e administrativos” (apud Carvalho, 2006a – grifos nosso). Nota-se certo esforço da Comissão para “ainda” acreditar numa política de desenvolvimento regional, mesmo que tal política seja orientada por uma “agência” (indício de aceitação da extinção) “moderna”, já que a “velha” SUDENE não combinava mais com os novos tempos.

126 nacional e regional, seu fim não se orientou por qualquer debate sobre política de desenvolvimento regional e sobre a criação de sua substituta, prevalecendo apenas intensa campanha midiática difamatória, que enfatizava o combate à corrupção e a necessidade de eficiência do Estado. A ADENE não se baseava em estudos sobre seu ajustamento às necessidades regionais, tampouco no conhecimento e aprovação das forças políticas da região, a “legitimidade” da nova agência consistia num discurso vazio que enfatizava a necessidade de uma agência moderna, ágil e eficiente para a região, nada mais que isso.

Como destaca Carvalho, surpreende o descaso dos Governadores nordestinos para com o fim da SUDENE. Assim, a mobilização tardia dos mesmos, que em certa medida validava a necessidade de reestruturação da autarquia, parece evidenciar que eles “haviam abandonado a ideia de se pensar o Nordeste em seu conjunto e entraram na fase do „cada um por si‟ e do „salve-se quem puder‟”

(Carvalho, 2006a: 69 – grifos da autora).

Entretanto, a fragilização da instituição, enquanto espaço de debate e planejamento macrorregional, não ocorre abruptamente, ao contrário, parte do processo que é iniciado com a Constituição de 1988 e que se intensifica ao longo da década de 1990.

Como exemplo desse processo, vale destacar que as reuniões do Conselho

Deliberativo contaram com inúmeras ausências ao longo do período. Durante os anos do governo de Fernando Collor de Melo, por exemplo, o Governador de

Alagoas praticamente ausentou-se das reuniões da SUDENE, ocorrendo o mesmo com os Governadores do Maranhão e do Ceará durante os Governos de Fernando

Henrique Cardoso, principalmente no segundo mandato. Ao longo dos anos de

1990 o número de reuniões, que contaram com a presença de todos os

Governadores do Nordeste, foi extremamente baixo – durante os dois mandatos de

Fernando Henrique Cardoso apenas duas reuniões contaram com presença integral

127 dos mesmos (1995)69. Desse modo, o distanciamento dos Governadores parece indicar a possibilidade deles se dirigirem diretamente ao Governo Federal, na intenção de obterem investimentos para os seus estados, sem passar pelo espaço político da instituição (Carvalho, 2006a).

Por um lado, a autonomia dos Governos estaduais pós Constituição de 1988 para determinar a alíquota de ICMS, por exemplo, ensejou o conhecido e prejudicial processo conhecido como "guerra fiscal”. Com isso a ideia inicial de planejamento regional, baseado numa lógica cooperativa regionalizada, voltado a uma visão macrorregional, cedeu espaço para uma lógica competitiva em que cada governo buscava atrair investimentos para seu próprio estado por meio de incentivos fiscais

– o mercado ganhou, a sociedade perdeu, na medida em que as concessões significavam perdas fiscais e menor capacidade de investimento e provimento de serviços públicos por parte do Estado (Nabuco, 2007).

Por outro lado, a Reforma do Estado nos anos de 1990, imprimindo um novo padrão político-econômico-social de atuação estatal, sob a ótica neoliberal, traz no seu bojo novas “modas”, cujos termos, orientações teóricas e formas de associação tinham como objetivo enfraquecer o Estado Nacional, que passa a atuar sob o manto da “eficiência” e apequenado diante de um poderoso mercado, que se apresenta como a panacéia do fim do século.

Nesse sentido, “com a fragilização ou mesmo ausência do Estado no final do desenvolvimentismo, várias experiências surgem, através de diferentes formas de planejamento regional ou territorial” (Guimarães Neto, 2010: 62). Surgem planos de desenvolvimento sustentável para vários estados e microrregiões do país, às vezes orientado pelo MI e sob responsabilidade de diversas instituições governamentais, não governamentais e secretarias.

A Constituição de 1988, ao reconhecer também o município como ente federativo, dotado de autonomia político-administrativa, abre um importante espaço

69 Ver dados em Carvalho, 2006a.

128 de ação política que, combinado com o padrão político-econômico-social do Estado

– alinhado à lógica de competitividade dos “pólos dinâmicos” –, estimula novas iniciativas relacionadas ao desenvolvimento, não mais sob a ótica regional, mas, em grande parte, sob a ótica local.

Presencia-se, então, no período uma valorização exacerbada do “poder local”, com ênfase no “protagonismo local”, “associativismo local” e na capacidade de “desenvolvimento endógeno”, como se não houvesse nexo entre o “local”, o regional e o nacional, ou seja, como se o desempenho e os resultados de iniciativas locais estivessem desconectados de fatores exógenos. Nesse ponto, o excerto abaixo é bastante elucidativo:

Para atingir seus objetivos – os dos países centrais, é claro – o neoliberalismo desencadeou profundo ataque ao Estado nacional, enfraquecendo-o nos vários planos de sua atuação. Uma das armas usadas foi a „teoria do poder local‟, criando as falsas ideias do desenvolvimento local da cidade (ou da região) competitiva, emanadas de ações locais ou regionais. Seus apressados seguidores parecem não perceber que o propalado poder local não conta com as prerrogativas necessárias à formulação e execução de uma política de desenvolvimento, que são os instrumentos básicos da política econômica (Brandão, 2012: 25 – grifos do autor).

Sendo assim, a antiga abordagem do desenvolvimento regional centrada nas Superintendências – que privilegiava abrangência macrorregional e cujo objetivo principal era o combate às desigualdades regionais, adotando como prática a articulação e integração das economias macrorregionais periféricas aos centros mais desenvolvidos e industrializados da economia nacional – passa por um intenso processo de enfraquecimento no contexto de fim do desenvolvimentismo, de crise econômica, de abertura política e de redemocratização do país.

Multiplicam-se e fragmentam-se os olhares sobre o território, da escala macrorregional passa-se à microrregional, sem que haja uma política de desenvolvimento nacional orientando, articulando, coordenando e costurando

129 iniciativas, cujo interesse de “dinamizar” a economia local coloca o município e/ou o estado em conexão com uma economia globalizada, relação que se estabelece conforme os interesses de mercado, mas desacompanhada da proteção e do respaldo do Estado nação.

Obviamente no bojo da “abertura econômica” ingressou no país “novas abordagens, com diferentes visões teóricas e ideológicas que, presentes noutros países, passaram a fazer parte da discussão sobre o planejamento territorial e regional no Brasil” (Guimarães Neto, 2010: 71)70. As políticas oriundas dos supostos e famosos modelos “top-down” (de cima para baixo) passaram a ser alvo de críticas constantes e, ainda que muitas iniciativas em defesa da participação da sociedade no processo de implementação de políticas públicas apresente resultados positivos, a radicalização das “novas abordagens”, acompanhada de interpretação que, via de regra, vilaniza o Estado – que seria por excelência o lugar da corrupção, sem que esta seja discutida na sua imbricação e complementaridade com o próprio mercado –, deixa nas entrelinhas de sua crítica unidirecional o seguinte questionamento: para que serve o Estado?

***

Ao concluir este capítulo, entendemos ter delineado o longo processo de mudança no padrão político-econômico-social de atuação do Estado que, ao se amoldar ao movimento global do capital, forja novos formatos que lhe são necessários para garantir o processo de reprodução do capital e destrói ou transforma aqueles que não se mostram mais ajustados às suas necessidades

(Mascaro, 2013).

70 Em “Território & Desenvolvimento”, Carlos Brandão faz um ótimo quadro resumo sobre as principais vertentes teóricas que defendem a abordagem e escala locais, destacando a “vertente teórica/ analítica”, os “principais autores e obra seminal” e o “eixo de análise e ideia- força”. Sobre esse importante mapeamento, ver obra do autor, em especial o primeiro capítulo (Brandão, 2012).

130

Obviamente esse processo é permeado por conflitos e contradições, uma vez que os aparatos estatais estabelecem relações com todas as classes e grupos, mas seu estabelecimento depende da sua capacidade de se colocar como o lócus de representação, imposição e validação de interesses. É o conflito que concretiza, pressiona e altera o formato do aparato político estatal. Nesse sentido, como vimos, a SUDENE, pouco a pouco, deixa de ser esse lócus, na medida em que o movimento do capital requer e impõe novos padrões relacionais, traduzidos em novas materialidades institucionais.

Entendemos que nesse processo o Estado, dentro da sua “autonomia relativa”, foi se fortalecendo por meio de um arsenal e estratégia diferenciados, de modo a atender às necessidades de reprodução ampliadas do capital

“transnacional”.

No plano econômico, a fração de classe empresarial que se valia dos incentivos fiscais para atuar na região Nordeste poderia colocar-se como força de resistência à extinção do aparato, entretanto, o “perdão” benevolente do Estado, concedido aos empresários beneficiários do mecanismo de incentivos (MP 2.058), funcionou como um fator de desarticulação e desestímulo a eventuais resistências.

No plano político, a Constituição de 1988 abre uma importante brecha para a atuação autônoma e individualizada dos Governadores, no tocante à atração de investimentos privados, sem passar pelo espaço político da SUDENE (autonomia para estipular a alíquota do ICMS, por exemplo). Essa postura desconectada do compromisso com o desenvolvimento da Região, num contexto de baixo crescimento econômico e de desemprego ampliado vai se radicalizar no processo de “guerra fiscal”, deixando de lado o ideal de cooperação federativa regional e transformando-se em competição entre entes federativos. Para além da relação direta entre estados e mercado, o próprio Governo Federal, ao conceder benesses

àqueles Governadores politicamente próximos e alinhados aos seus interesses,

131 enfraquece contínua e sistematicamente o órgão federal voltado ao planejamento regional.

Além disso, a ênfase no “desenvolvimento local”, combinada com a autonomia político-administrativa dos municípios pós-constituinte vai contribuir para o surgimento de diversas iniciativas locais de desenvolvimento, numa tentativa desenfreada de aproximar-se e ou tornar-se “pólo dinâmico” – aspectos que também vão dificultar o planejamento do desenvolvimento regional, além de desafiar a capacidade de articulação e de coordenação de uma instituição em franco processo de fragilização.

No plano teórico e ideológico, necessário para legitimar um clima de opinião favorável ou contrário ao modo como a ossatura estatal se apresenta à sociedade, o discurso que enfatizava a racionalidade do Estado, em fins dos anos de 1950, de modo a estimular o desenvolvimento econômico industrial regional, e que foi acionado para viabilizar a criação do aparato da SUDENE, inserida num movimento específico da reprodução do capital e das suas necessidades de expansão, vai transformar-se em fins dos anos de 1990 no discurso da necessidade de eficiência do Estado, cujo objetivo era a modernização estatal nos moldes mercadológicos. O novo discurso, amplamente alardeado pela mídia, expunha a instituição como um aparato antigo e desconectado de necessidades modernas de competitividade e de

“autogestão”, valendo-se do argumento da corrupção para legitimar a extinção do

órgão – o discurso acionava a corrupção passada sem conectá-la às necessidades de correção no presente e/ ou futuro, ou seja, era o fim da instituição que ocupava o centro do debate e não o retorno aos cofres públicos dos recursos investidos e desviados pelo setor privado.

E assim a instituição perdia sua funcionalidade no padrão econômico de atuação do Estado, já que o planejamento regional chocava-se de frente com a primazia do mercado e com a supremacia da auto-regulação. No domínio do neoliberalismo, não cabia mais ao Estado planejar, mas ao mercado, planejamento

132 sob a ótica de uma economia globalizada, orientado, portanto, pela ligação entre pólos competitivos mundiais. O foco estava na interação entre o local e o global, e quanto mais livre de intermediações do Estado nacional fosse essa interação, mais moderna e eficiente ela seria, sem esquecer aqui da pergunta mágica: eficiente para quem? Não era mais o interesse nacional que estava em jogo, mas sim o interesse do capital

“global” dos países centrais.

Logo, não fazia mais sentido preservar um órgão de planejamento regional quando o próprio Estado havia abandonado a política de desenvolvimento nacional.

Se outrora o capitalismo precisava do Estado como agente ativo do processo de planejamento, nos novos tempos a atuação passava pela postura passiva e reativa frente ao mercado, afinal, o Estado é sempre necessário, mas “é bem verdade que o papel do Estado em relação à economia modifica-se não somente no decorrer dos diversos modos de produção, mas também segundo os estágios e fases do próprio capitalismo” (Poulantzas, 2000: 16).

Como resultado, o processo de “desconcentração industrial”, que existiu até a década de 1970 e que começa a se estancar a partir da crise econômica dos anos de

1980, sofre um forte golpe com a extinção da SUDENE em 2001. Por fim, Araújo indica que nos anos de 1990 o processo de concentração industrial nos estados mais desenvolvidos, ou melhor, nos “pólos dinâmicos” desses estados é retomado (In:

Tavares, 2000). Assim, chega-se ao final do século XX com os seguintes dados de participação estadual no PIB nacional:

Em 1999, conforme informações do IBGE, São Paulo participava com 34,95% e o Rio de Janeiro com 11,75% do PIB brasileiro; juntamente com Minas Gerais e Rio Grande do Sul, esses estados concentravam 64,08% de tudo o que o Brasil produzia. Já a participação dos estados nordestinos era pouco expressiva ou, até mesmo, insignificante; a Bahia contribuía com 4,32% para o PIB nacional, Pernambuco com 2,67%, o Ceará com 2,0%, a Paraíba com 0,82%, o Maranhão com 0,81%, o Rio Grande do Norte com 0,79%, Alagoas com 0,66% e Sergipe com 0,56% (Carvalho, 2006b: 86).

133

Entretanto, o processo de mudança no padrão político-econômico-social de atuação do Estado, em curso desde os anos de 1980, estava também permeado de contradições, na medida em que a abertura e a inserção do país na economia

“transnacional”, em consonância com as necessidades do capital global, num primeiro momento apresentaram resultados positivos, sobretudo no que se refere ao controle inflacionário. Mas o receituário do “Consenso de Washington”, bastante voltado ao movimento do capital financeiro internacional, para o qual o Estado nacional não podia colocar-se como empecilho, tinha suas limitações.

Nesse sentido, países asiáticos que não seguiram à risca as recomendações do “Consenso” e que preservaram um Estado forte e intervencionista apresentavam resultados econômicos de crescimento bem mais positivos no início do século XXI, enquanto aqueles países que enfraqueceram o papel do Estado na economia, imprimindo-lhe uma atuação reguladora (como o caso do Brasil), apresentavam crescimento bastante modesto, com ampliação do desemprego e do quadro de miséria, entre outros indicadores negativos.

Assim, a SUDENE é extinta num momento em que o padrão vigente de atuação estatal já dava mostras de esgotamento, ameaçando o processo de reprodução das relações sociais capitalistas de produção e ensejando novos conflitos e, consequentemente, novas coalizões entre frações do capital, no sentido de mais uma vez promover mudanças no papel do Estado na economia.

134

CAPÍTULO 5:

O ESTADO E A VOLTA DAS QUESTÕES REGIONAIS

135

5.1 ARTICULAÇÃO DE FORÇAS: O NACIONAL, O REGIONAL E O DESENHO DO IDEAL

Como já mencionado anteriormente, entendemos que a trajetória da SUDENE está fortemente ligada ao padrão de atuação do Estado, passando pela sua criação, extinção até o seu ressurgimento. Desse modo, a elaboração desse capítulo pressupõe uma discussão sobre o padrão de atuação político-econômico-social do

Estado no início do século XXI, mais precisamente a partir do Governo Lula, quando é retomado o debate sobre o papel do Estado no planejamento do desenvolvimento nacional e regional.

Vimos no capítulo anterior que o contraponto de ação ao processo intensificado de transnacionalização do capital nos anos de 1990 colocou-se no âmbito do local, desacompanhado de nexos entre o local e o nacional (Brandão, 2012). Entretanto, essa estratégia fragmentada de desenvolvimento, ocupada em se conectar com o global e que se desenvolveu no bojo da retirada do Estado de seu papel de planejador do desenvolvimento regional, acabou por inviabilizar o próprio desenvolvimento da nação.

Como resultado desse processo, verifica-se no inicio do século XXI um cenário em que a “questão regional” deixa de ser exclusividade de uma região em especial, e, como destaca Araújo, multiplica-se em “questões regionais”, inviabilizando não apenas a integração de mercados, mas sua própria existência, diante dos “bolsões de miséria” espalhados pelo país, em parte, resultantes da lógica de atenção direcionada aos

“pólos dinâmicos” da economia (Araújo, 1997).

Assim, a articulação direta dos espaços dinâmicos e competitivos para fora do país, comprometendo os laços de solidariedade com o restante do território nacional, apresentava outra face, a segregação dos espaços não competitivos, que, no limite, apontava para o risco de “desintegração nacional” (Amparo, 2014). A situação impunha, então, a necessidade de se repensar o desenvolvimento do país,

136 necessidade que deveria levar em consideração o todo e retomar a discussão sobre um projeto nacional de desenvolvimento, de modo a reconstruir os nexos entre o local e o nacional, a partir de um fortalecimento do papel do Estado nesse processo. Vale destacar as palavras de Celso Furtado sobre os rumos que o país estava tomando:

Em um país ainda em formação, como é o Brasil, a predominância da lógica das empresas transnacionais na ordenação das atividades econômicas conduzirá quase necessariamente a tensões inter-regionais, à exacerbação de rivalidades corporativas e à formação de bolsões de miséria, tudo apontando para a inviabilização do país como projeto nacional (Furtado, 2000: 12).

Lembrando que a ideia de nação não necessariamente se contrapõe às necessidades do desenvolvimento capitalista, ao contrário, o projeto nacional desenvolvido por um Estado capitalista está em consonância com as necessidades de produção e reprodução do capitalismo, residindo nesse projeto o fortalecimento de sua legitimidade diante de todos (agrupados na ideia força de nação), uma vez que sua forma, sob aparência de Estado neutro, é reforçada. Aliás, o projeto nacional pode ser desenvolvido, inclusive, por setores privados hegemônicos sem a participação direta do Estado, não sendo esse o caso do Brasil, dado o papel chave histórico deste no processo de desenvolvimento capitalista nacional e a incapacidade dos setores privados para formulá-lo (Mascaro, 2013).

Nesse sentido, a experiência vivenciada nos anos de 1990 de desregulamentação da economia e de abertura ao capital externo, se, num primeiro momento, mostrava-se alinhada aos interesses de frações dominantes do capital, sobretudo à fração hegemônica do capital financeiro, num segundo momento, deu mostras de esgotamento, num cenário de baixo crescimento econômico, de alto endividamento dos setores público e privado (decorrentes, em grande parte, da política econômica de juros elevados e da desvalorização cambial em 1999), de

137 déficits na balança comercial, de altas taxas de desemprego e de um quadro ampliado de miséria (Moraes & Saad-Filho, 2011).

A campanha presidencial de 2002 vai se desenrolar nesse cenário de descontentamento ampliado e de busca por novos modelos de atuação econômica do

Estado, de modo a garantir as condições da reprodução das relações de produção capitalista.

Já em fins da década de 1990 a burguesia industrial, capitaneada por entidades representativas como FIESP e CNI, entre outras, tecia críticas à política econômica vigente, críticas que alcançavam algum grau de convergência com aquelas vindas de entidades representativas da classe trabalhadora, Central Única dos

Trabalhadores (CUT) e Força Sindical, por exemplo. A confluência do descontentamento em relação à política econômica, que privilegiava sobremaneira a fração hegemônica do capital financeiro (na sua ramificação nacional e internacional), vai abrir espaço para o fortalecimento da principal candidatura de oposição, a de Luís

Inácio Lula da Silva (Boito Jr., 2006).

Formava-se, desse modo, uma nova coalizão de forças, composta por frações de classe, e à qual se somava o setor do agronegócio, que já havia ganhado espaço durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, na medida em que contribuía para aliviar o saldo comercial do balanço de pagamentos, e que ganha mais força no

Governo Lula, quando o cenário econômico internacional mostra-se bastante favorável

à exportação de commodities – com destaque para grãos e minérios. Entretanto, não se pode afirmar que a fração hegemônica da classe burguesa ligada ao setor financeiro tenha perdido espaço no poder. Nesse sentido, é possível dizer que houve uma acomodação de interesses, com espaço de influência ampliado para setores ligados à industria e ao agronegócio71.

71 Apesar de muito instigante, o aprofundamento dessa discussão foge das intenções do escopo desse trabalho. Sobre esse debate ver, entre outros: Boito Jr., 2006; Sallum Jr. & Kugelmas, 2004.

138

Vale lembrar que a vitória da oposição no pleito presidencial de 2002, conduzindo o principal partido de esquerda do país ao posto mais alto do comando político do Estado, não passou incólume de pressões do mercado financeiro. Ainda durante a campanha eleitoral, quando as pesquisas indicavam a vitória de Lula sobre o candidato governista, José Serra (PSDB), a movimentação no mercado financeiro, implicando intensa fuga de capitais (especulativos) e significativa desvalorização do

Real frente ao Dólar, obrigou o candidato líder das pesquisas eleitorais a publicar a famigerada “Carta ao Povo Brasileiro”, na qual assegurava o compromisso de seu governo com os contratos estabelecidos e com os pagamentos externos da dívida e, obviamente, nas entrelinhas, acalmava o mercado, oferecendo garantias de segurança ao capital financeiro doméstico e internacional72.

Assim, no caminho trilhado pelo principal candidato da esquerda à Presidência já observamos os conflitos entre frações do capital, conflitos que, com a vitória de

Lula, vão se fazer representar dentro dos aparelhos do Estado. Lembrando que “o fato de a esquerda ocupar o governo não significa forçosa nem automaticamente que a esquerda controle realmente os, ou mesmo alguns, aparelhos de Estado”, em outras palavras, “a unidade centralizada do Estado não reside numa pirâmide na qual bastaria ocupar o cume para garantir seu controle” (Poulantzas, 2000: 141).

Os aparelhos mais essenciais à fração hegemônica do capital, nesse caso a financeira, continuaram sob influência da ortodoxia neoliberal, uma vez que economistas ligados à Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, escola de forte orientação ortodoxa, ocupavam posições-chave no Ministério da Fazenda e o Banco

Central continuava a ser dirigido por ortodoxos e profissionais oriundos do mercado

72 A crise especulativa forçou os principais candidatos a firmarem compromisso público de respeito aos contratos vigentes e de apoio ao programa de auxílio prestado pelo FMI, firmado pelo governo que findava. “Esse programa concedia um grande empréstimo para evitar o estrangulamento cambial, e continha as habituais cláusulas restritivas às políticas monetária e fiscal a serem implementadas pelo futuro governo. Na sua „Carta‟, Lula comprometeu-se em implementar o programa do FMI e cumprir seus condicionantes” (Moraes & Saad-Filho, 2011: 510).

139 financeiro. Preservava-se o tripé econômico herdado do governo anterior, com política monetária determinada pelas metas de inflação, câmbio flutuante e uma política fiscal recrudescida, visando manter um superávit primário que compensasse o déficit nominal das contas públicas (Moraes & Saad-Filho, 2011).

Essa “opção” não passou ilesa de críticas, ao contrário. Muitos intelectuais próximos e ou ligados ao PT teciam críticas e sugestões ao modelo econômico e

“insistiam que as políticas neoliberais eram incompatíveis com políticas industriais e de transferência de renda promovendo a retomada do crescimento econômico e a redução da desigualdade de renda e riqueza” (Moraes & Saad-Filho, 2011: 511)73.

Nesse sentido, era o próprio programa de governo de Lula que estava em jogo.

Não é possível nos aprofundarmos nas propostas apresentadas pelo então candidato petista e sua execução ou não após a chegada ao poder. Analisaremos apenas alguns pontos que consideramos importantes para o nosso debate, destacando de antemão apenas que, a despeito de possíveis frustrações no tocante à política macroeconômica, houve esforço do governo para implementar várias propostas de campanha, cuja possibilidade de concretização deve ser avaliada sob a perspectiva de um Estado-relação, onde se entrecruzam e se chocam núcleos e redes de poder.

Antes de avançarmos na análise mais pontual do “Programa de Governo 2002:

Coligação Lula Presidente”74, consideramos importante ressaltar que a ideia de Nação, no seu desdobramento nacional, está presente do início ao fim do documento. Seja na problemática social, uma vez que os “bolsões de miséria” haviam se espalhado pelo país, seja na problemática econômico-industrial, quando se apresenta a necessidade

73 Moraes & Saad-Filho apresentam um bom panorama sobre as críticas formuladas à política macroeconômica do primeiro Governo Lula, com destaque para aquelas vindas do Instituto de Economia da Unicamp, e sinalizam a inflexão desta política no segundo Governo Lula, como veremos adiante. Para um apanhado sobre o conteúdo dessas críticas ver: Moraes & Saad- Filho, 2011; Paulani, 2003. 74 Para efeito de citação pontual de trechos do “Programa de Governo 2002: Coligação Lula Presidente” adotaremos a sigla “PG Lula”. O documento pode ser consultado no site: http://novo.fpabramo.org.br/uploads/programagoverno.pdf – acessado em novembro de 2015.

140 de recuperação do parque industrial nacional e da integração nacional de cadeias produtivas, seja na problemática política, quando se apresenta a proposta de não apenas democratizar a relação entre Estado e Sociedade, mas também a relação entre entes federativos, ou então nas políticas voltadas à agricultura, diante do problema nacional da fome, ou ainda na perspectiva das relações comerciais externas, quando se apresenta a proposta de articulação da política de desenvolvimento nacional aos interesses e fortalecimento do MERCOSUL, inclusive como forma de se fortalecer a “soberania nacional”, já que somente dessa maneira o interesse nacional poderia prevalecer sobre a ALCA, entre outras diversas áreas de atuação do Estado onde o nacional tornava-se o predicado necessário às propostas apresentadas. Por fim, obviamente quando a “questão regional”, pluralizada, aparece no debate, as alternativas propostas são apresentadas a partir da articulação e integração entre o regional e o nacional.

Entendemos que a força da dimensão nacional no Programa deve-se, por um lado, à necessidade de formulação de um projeto nacional capaz de atender às necessidades de produção e reprodução do capitalismo, ainda mais num cenário em que frações da classe burguesa nacional mostravam-se descontentes com os rumos adotados pelo núcleo político que estava à frente do Estado, por outro, entendemos que sob o manto “neutro” da ideia força de Nação era possível costurar um amplo leque de apoio, composto por diferentes frações de classe (trabalhadores, industriais, sem-terra e agronegócio) 75.

75 Nesse ponto, vale lembrar que o Estado pode planejar o desenvolvimento, assim como pode antecipar a troca de modelos econômicos, mas também pode comprometer condições de estabilidade para a reprodução do capital. Assim, as crises do capitalismo podem se originar tanto nas crises de acumulação quanto nas crises de regulação, calcadas nas decisões do Estado (Mascaro, 2013). Entendemos que as decisões tomadas pelo Estado, ao longo da década de 1990, ao estarem bastante orientadas à fração hegemônica do capital, criaram as condições para que houvesse a construção de uma nova coalizão de forças entre frações não hegemônicas, de modo a intensificar a luta por um padrão de atuação do Estado diferenciado, no qual essas frações passariam a ter maior poder de influência nas decisões econômicas.

141

Na apresentação do Programa há o reconhecimento de que era necessário mudar o rumo que o país vinha tomando e, ao longo do documento, há o esforço explícito para distanciar as propostas apresentadas dos dois modelos de atuação econômica conhecidos e experimentados no país: “nosso governo manterá distância tanto do velho nacional-desenvolvimentismo das décadas de 1950, 1960 e 1970 quanto do novo liberalismo que marcou os anos 90” (PG Lula, 2002: 52). Recusava-se o “velho” modelo, na medida em que ele teria estimulado “práticas clientelistas, às custas de subsídios e benefícios distribuídos às empresas, sem preocupação com a competitividade e sem a definição de cronogramas e metas”. Por outro lado, o “novo” modelo teria provocado a “corrosão do tecido industrial, com perdas de elos importantes das cadeias produtivas, enfraquecendo a capacitação interna e ampliando a vulnerabilidade externa do País” (PG Lula, 2002: 52).

O programa econômico apresentado estava estruturado a partir de duas dimensões, a social e a nacional, sendo que a nova política industrial planejada nacionalmente só teria condições de se efetivar a partir das potencialidades regionais e na sua articulação com as políticas de “infraestrutura e desenvolvimento sustentável”, sendo que no bloco onde se trata especificamente desta área, e onde está inserida a “nova política nacional de desenvolvimento regional”, tem-se como um dos pilares básicos a ideia de que o “planejamento público é ação precípua e intransferível do Estado. O novo governo retomará a prática do planejamento estratégico, tanto nacional como regional, como instrumento para a definição de ações práticas em todos os setores de infraestrutura” (PG Lula, 2002: 53).

Essa redefinição do papel do Estado na economia, retomando seu papel ativo de agente planejador e de indutor do desenvolvimento, articulada aos problemas regionais, aparece logo na introdução do documento, quando a relação entre os entes federativos é problematizada e apresenta-se a proposta de um novo “pacto federativo”, uma vez que só a partir dele seria possível promover uma relação mais equilibrada e respeitosa entre União, estados e municípios:

142

Somente um novo pacto federativo poderá corrigir as históricas desigualdades regionais, agravadas nos últimos oito anos, quando a União descentralizou atribuições e encargos administrativos para estados e municípios, ao mesmo tempo que concentrou recursos em Brasília. O novo pacto deverá observar os seguintes princípios: a. uma política tributária justa; b. pleno cumprimento do orçamento federal; c. novos critérios de financiamento compatíveis com o modelo de desenvolvimento que buscará a integração equilibrada do País; d. respeito à diversidade e às especificidades regionais e locais nas suas dimensões econômica, social, política, ambiental e cultural; e. reconstituição de agências regionais encarregadas de aplicar políticas de desenvolvimento. Os problemas regionais têm de ser entendidos como questões nacionais, que pedem um esforço do Estado e de toda a sociedade brasileira para resolvê-los. (PG Lula, 2002: 03)

Como podemos observar, o enfrentamento dos problemas regionais estava inserido num amplo leque de propostas, cuja consecução passava pela dimensão tributária, orçamentária, financeira, setorial – envolvendo os três entes da federação – e pela proposta, ainda genérica neste ponto do documento, de reconstituição das agências regionais. Nesse ponto vale destacar a articulação da proposta de “novo pacto federativo” à de “Reforma Tributária”, que seria apresentada já no primeiro ano de mandato e que, dentre outros objetivos, visava simplificar o ICMS, tornando-o

“amplo e de uma legislação unificada e com poucas alíquotas”, e propunha a criação do IVA (PG Lula, 2002: 17).

Passemos agora à análise do documento no ponto em que se apresenta a proposta de “Nova Política de Desenvolvimento Regional”.

A proposta formulada tinha como objetivo equacionar a recalcitrante “herança de desigualdades” que atravessava a realidade espacial brasileira, a partir de uma atenção combinada e voltada às regiões desenvolvidas e industrializadas e àquelas imensas regiões onde a pobreza e o atraso econômico, social e cultural faziam-se

143 marcas emblemáticas. Já no primeiro parágrafo do tópico apresenta-se a necessidade de se discutir uma “Política Nacional de Desenvolvimento Regional” (PNDR) capaz de estimular o avanço e integração das regiões e de sua inserção no mundo globalizado.

Entretanto, a viabilização dessa política passava pela necessidade de diálogo entre

União, estados e municípios, com o objetivo de se explicitar e compreender as potencialidades e dificuldades das regiões ao pleno desenvolvimento e “inserção na economia internacional”.

Levando em consideração a base produtiva regional já instalada, a ampliação da mesma passava pela necessidade de: “redução sistemática das desigualdades regionais”, “investimento em eficiência e competitividade”, “enfrentamento das tendências à fragmentação”, “combate à disputa predatória entre estados e municípios”, “desconcentração das bases produtivas” e “criação de um Conselho

Nacional de Políticas Regionais”.

A redução das desigualdades estava relacionada à “equidade como princípio estratégico”, perseguido por meio de luta contra as desigualdades de renda e pela

“ampliação das oportunidades e melhoria das condições de trabalho em todas as regiões do País” (PG Lula, 2002: 56). O investimento apresentava-se como essencial para o planejamento regional, de modo a garantir uma estrutura produtiva capaz de conquistar o mercado interno e externo num contexto cada vez mais competitivo.

Na discussão sobre o enfrentamento de tendências de fragmentação e de combate à disputa predatória, é a própria relação entre entes federativos que deve ser repensada e reavaliada, a partir de uma participação ativa da União nesse processo.

Assim, há o reconhecimento de que algumas regiões e sub-regiões já possuíam capacidade de integração nos mercados internacionais, porém, a inserção de algumas não podia ser acompanhada pela marginalização das demais e pela consequente condenação ao atraso permanente. Explicita-se, então, a necessidade de se desenvolver políticas que complementassem a integração e respeitassem a

144 heterogeneidade e a diversidade das regiões, que podiam ser mensuradas a partir de indicadores espaciais, entre outros.

Outro ponto essencial à consecução dos objetivos de integração e de cooperação estava relacionado ao enfrentamento da “guerra fiscal” entre estados e municípios, o que pressupunha a implementação de um modelo descentralizado e coordenado capaz de levar em conta o fortalecimento do papel da União no planejamento de médio e longo prazo e na elaboração de políticas de desenvolvimento regional. A qualificação das agências regionais, como forma de auxílio e amparo aos Governadores e Prefeitos, é vista como instrumento necessário para o enfrentamento da disputa predatória entre entes federativos.

A desconcentração de bases produtivas pressupunha uma nova classificação das regiões em cinco categorias: (I) áreas dinâmicas, (II) em processo de reestruturação, (III) estagnadas, (IV) com potencial pouco utilizado e (V) faixas de fronteira, com atenção especial para as três últimas.

Por fim, a Criação de um Conselho estava acompanhada da proposta de instituição de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) capaz de viabilizar objetivos e metas relacionados à redução das desigualdades regionais.

Assim, enquanto caberia ao Conselho analisar e adaptar propostas setoriais às necessidades regionais, com suas especificidades, caberia ao FNDR e a outros fundos específicos oferecerem apoio suplementar como forma de corrigir o direcionamento histórico de recursos para “pólos dinâmicos” e para áreas mais competitivas, aspecto que, na ausência de complementações corretivas, continuaria a produzir desequilíbrios regionais crescentes.

Dentre as ações prioritárias no plano regional, o documento enfatiza a prioridade dada a duas macrorregiões: Amazônia, pela sua importância estratégica, e a Nordeste, por conta do “enorme déficit social”. Nesse ponto do documento há o compromisso explícito de se recuperar e se “restaurar” a capacidade de planejamento e articulação das extintas SUDAM e SUDENE.

145

Desse modo, a proposta de recriação da SUDENE era componente de uma complexa engrenagem consubstanciada numa “nova política nacional de desenvolvimento regional”. Nas visitas que Lula fez à região Nordeste, durante o período de campanha eleitoral, houve ênfase no seu compromisso com a recriação do

órgão. Os principais candidatos da disputa também se comprometeram com o restabelecimento da SUDENE – a proposta parecia materializar um suposto olhar diferenciado e uma preocupação especial com o Nordeste, principalmente (Carvalho,

2006a).

Entretanto, a proposta de Lula não funcionava apenas como uma “proposta de efeito”, ela estava articulada a um desenho ousado de PNDR que, por um lado, se mostrava ajustado às necessidades reais de desenvolvimento nacional e regional, por outro, acionava diferentes aparatos do Estado para se viabilizar, residindo aí o seu maior desafio, como veremos adiante.

5.2 EMBATE DE FORÇAS: O IDEAL E O POSSÍVEL

Quando assume em janeiro de 2003, o governo Lula encontra as instituições e os instrumentos criados em décadas anteriores para a promoção do desenvolvimento regional sucateados. O MI, responsável pelas políticas de desenvolvimento regional, foi entregue a um aliado político, Ciro Gomes (PPS), e incumbido de desenvolver os trabalhos que viabilizassem o cumprimento de duas propostas de governo: a recriação da SUDENE e a elaboração da PNDR76.

76 Ciro Gomes (PPS) tinha disputado o primeiro turno da eleição presidencial de 2002 e no segundo turno declarou apoio à candidatura de Lula. Como destaca Araújo, essa gestão coloca-se como um interregno (2003-2006), já que mais adiante o MI vai ser entregue novamente ao PMDB, que havia estado à frente do Ministério ao longo do governo de Fernando Henrique Cardoso. “O fato merece destaque porque, nos governos do PT, o „núcleo duro‟, ou seja, os ministérios considerados estratégicos, não foram entregues aos aliados” (In: Sader, 2013: 167). Vale ainda destacar que, durante os dois mandatos de Lula, todos os ministros nomeados para o MI provinham da região Nordeste ou nessa região construíram a sua carreira política, como é o caso de Ciro Gomes.

146

Assim que assumiu, o novo Presidente criou por meio de decreto (fevereiro de

2003) o GTI-SUDENE, que tinha como objetivo elaborar o estudo que viabilizasse a recriação do órgão, no prazo de 60 dias úteis. Em março do mesmo ano uma portaria do Ministro da Integração Nacional, define que o GTI-SUDENE “seria composto por um representante do próprio MI (Tânia Bacelar, que também seria coordenadora do

Grupo de Trabalho), além de dois representantes (um titular e um suplente) da Casa

Civil da Presidência da República; do Ministério do Meio Ambiente; do Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão; e do Ministério da Fazenda” (Carvalho, 2006a:

151-152). Definia-se também que o GTI contaria com a participação de consultores de diferentes áreas.

Enquanto a extinção da SUDENE foi decidida de cima para baixo, de forma unilateral, sem que houvesse qualquer debate público sobre seu fim e sobre a validade da agência que viria a substituí-la, o debate e a formulação da proposta de recriação do órgão contaram com participação social. Ao longo dos 60 dias de trabalho do GTI-SUDENE, foram organizados vários seminários no país, principalmente na região Nordeste, que tinham como objetivo não apenas garantir a participação social, mas também incorporar sugestões e demandas sociais e fortalecer o apoio ao ressurgimento do órgão. Além da participação de Governadores, Prefeitos, empresários, acadêmicos, entidades da classe trabalhadora, ONGs e da opinião pública, nos seminários realizados no Nordeste, vale destacar também a realização de dois seminários em São Paulo, realizados na Universidade de São Paulo e na FIESP, e um no Rio de Janeiro, realizado na sede do BNDES.

Após a conclusão do trabalho, a proposta de recriação da SUDENE foi formalmente entregue ao Presidente Lula em julho de 2003. Ao motivar o Projeto de

Lei Complementar, Ciro Gomes fundamenta a recriação do órgão na necessidade de

“retomada do planejamento no país e do compromisso com o combate às desigualdades regionais – o que justificaria, portanto, o caráter de urgência constitucional para sua aprovação pelo Congresso Nacional” (Carvalho, 2006a: 153).

147

O Presidente envia, então, ao Congresso Nacional, em regime de urgência constitucional, o Projeto de Lei Complementar nº 76/2003. Era uma proposta de campanha, do Programa de Governo, que ganhava corpo já no primeiro ano de mandato e que entrava na pauta do jogo político para concretizar-se.

Obviamente o contexto econômico no qual se desenvolve o debate sobre a recriação da SUDENE é muito diferente daquele no qual a instituição foi criada. O

Nordeste havia se industrializado e diversificado a sua produção nos três setores econômicos, enfim, havia engatado no movimento de crescimento (ou retração) da economia brasileira. No período de crise fiscal e financeira do Estado, a partir da década de 1980, período acompanhado na década de 1990 pelo ápice da adoção de políticas neoliberais, a região havia preservado “ilhas” dinâmicas e arranjos produtivos de iniciativa local haviam surgido, ainda que fragmentados e desconectados de uma integração territorial mais ampla e ou nacional. Desse modo, o ressurgimento da instituição tinha que dialogar com essa nova realidade, no sentido de fortalecer e ampliar a inserção da economia regional na dimensão nacional e também internacional, num contexto globalizado, e, ao mesmo tempo, dar conta de incluir um imenso espaço do território nordestino alijado desse processo de desenvolvimento econômico, competitivo e predatório, e assolado pela consequencia mais dura da desigualdade regional brasileira, a miséria urbana e rural.

Ao analisar a versão final do documento formulado para embasar a recriação do órgão77, nota-se que a proposta não está mais centrada no mecanismo de incentivos fiscais, mas parte de uma proposta mais ampla de intervenção territorial, tendo como objetivos a inclusão social, o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de competitividade da economia regional. Nesse sentido, é possível

77 “Bases para a recriação da SUDENE: por uma política de desenvolvimento sustentável para o Nordeste”, versão final, junho de 2003, Ministério da Integração Nacional, GTI – Grupo de Trabalho Interministerial para a recriação da SUDENE. Para efeito de citação pontual de trechos do documento, utilizaremos a sigla GTI-SUDENE. O documento pode ser consultado no site: file:///C:/Users/Vista/Downloads/Sudene_-_%20(2).pdf – acessado em julho de 2015.

148 dizer que os objetivos norteadores do planejamento regional a serem perseguidos pela nova SUDENE aproximam-se daqueles objetivos formulados na concepção do órgão em 1959.

O texto do documento divide-se em dois grandes blocos. No primeiro bloco, compreendido por três capítulos, há, de um lado, a articulação entre os objetivos da nova instituição com as propostas do Programa de Governo de Lula, no que se refere não apenas à retomada do planejamento regional, mas também ao enfrentamento da problemática social, do outro, há uma radiografia da região, relacionada à realidade da base econômica regional (urbana e rural), ao dinamismo e vulnerabilidade econômicos das sub-regiões nordestinas, à fragilidade da base científica e tecnológica, à relação declinante do Nordeste com o comércio internacional e interregional e à “fratura política regional”, que, na ausência de uma política nacional de desenvolvimento regional, encontrou na forma da “guerra fiscal” uma alternativa ao desenvolvimento.

No segundo bloco, compreendido pelos capítulos quatro e cinco, os objetivos regionais a serem alcançados pela nova SUDENE são apresentados e para tanto são definidas as linhas estratégicas, assim como as macro-diretrizes de sua atuação. Ao final do documento, o formato da instituição é apresentado junto de sua missão “de articular e fomentar a cooperação das forças sociais representativas, para promover o desenvolvimento includente e sustentável do Nordeste e a integração competitiva da base econômica da Região nos mercados nacional e internacional” (GTI-SUDENE,

2003:03).

No primeiro capítulo, a necessidade e a validade da nova instituição são discutidas de acordo com os novos tempos, assim, a nova SUDENE é distanciada de uma estrutura meramente burocrática e enfatiza-se sua dimensão deliberativa, a partir de um Conselho Deliberativo e de outras instâncias democráticas decisórias, desde que seja estimulada a participação de diversos agentes sociais e políticos. Desse modo, o “planejamento participativo praticado pela SUDENE deve levar a formas novas de gestão do desenvolvimento, baseadas em uma co-responsabilidade entre a

149 administração pública em seus diversos níveis, o setor empresarial, os representantes dos trabalhadores e da sociedade em geral” (GTI-SUDENE, 2003: 06). Destaca-se ainda a necessidade de que o órgão de planejamento regional conte com “recursos humanos qualificados, com grande capacidade técnica e negociadora, e de instrumentos de investimento e de indução direta, que lhe facultem operar como força catalisadora” (GTI-SUDENE, 2003: 06).

Mais adiante, ressalta-se que a nova SUDENE deve ser o instrumento político para o fortalecimento do Nordeste, como um “território organizado”, visando uma presença mais forte do Governo Federal na região, e assumindo o papel de sujeito ativo no processo de um desenvolvimento sustentável que leve em conta, entre outras:

1. O fortalecimento de iniciativas que tenham como objetivo distribuir

ativos estratégicos à população regional (terra, outros meios de

produção, conhecimento, novas tecnologias da informação, recursos

financeiros, etc.);

2. A priorização de cadeias produtivas com potencial competitivo, em

especial aquelas com grande capacidade de geração de emprego;

3. Estímulos às iniciativas de âmbito local, capazes de valorizar a

cooperação, implicando em atenção especial às médias, pequenas e

micro empresas.

O parágrafo conclusivo do primeiro bloco expõe o entendimento de que o desenvolvimento sustentável da região, promovido a partir da retomada do planejamento participativo, entendido como um processo “claramente político”, que envolve negociações, conflitos e cooperação no processo de tomada de decisão, deve ter como objetivo central e imediato a recuperação, fortalecimento e ampliação da base produtiva regional:

150

Tudo isso mostra a urgente necessidade de um tratamento específico para o desenvolvimento da base produtiva do Nordeste, sem o que somente um número pouco significativo de segmentos econômicos e espaços regionais poderá inserir-se, com sucesso, na economia nacional e mundial (GTI- SUDENE, 2003: 31).

A recuperação e a ampliação da base produtiva regional colocavam-se como objetivos essenciais para a “superação do hiato entre a base demográfica (28% da população) e a base econômica (16% do PIB)”, além desse desafio a ser superado a partir da retomada do planejamento, era necessária também a “superação da elevada concentração dos ativos produtivos” (GTI-SUDENE, 2003: 33).

Todo o trabalho realizado no primeiro semestre de 2003 pelo GTI-SUDENE, que tinha como finalidade embasar não apenas a proposta de recriação da instituição, mas construir a base moderna da retomada do planejamento regional e que foi sintetizado no documento que ora analisamos, tinha como finalidade última promover a “inclusão social”, “objetivo-fim” bastante alinhado ao Programa de Governo do então

Presidente Lula. A figura 5.2, exposta no documento, permite uma boa síntese e visualização desses objetivos e das opções estratégicas para alcançá-los:

151

Figura 5.2 - Ilustração sobre objetivo-fim, objetivos-meio e opções estratégicas da “nova” SUDENE

Fonte: GTI-SUDENE, 2003: 35

Obviamente a política “explícita” de desenvolvimento para o Nordeste pressupunha sua inserção numa política nacional de desenvolvimento regional e “na falta de tal política, prevalecerão as políticas regionais implícitas, que canalizam o principal das atenções e dos recursos governamentais para as regiões economicamente mais desenvolvidas e politicamente hegemônicas no País” (GTI-

SUDENE, 2003: 32 – grifo nosso).

Quanto ao objetivo-meio de ampliação da base econômica regional, o documento destaca a necessidade de se fortalecer a competitividade e o adensamento de diversos segmentos e cadeias produtivas regionais, de modo que a região se torne atraente ao investimento privado, uma vez que sem essa transformação o Nordeste ficaria refém de uma base produtiva subsidiada ou que teria viabilidade apenas por meio de apoio ou programas governamentais, práticas recusadas por sinalizarem, no longo prazo, um desenvolvimento “insustentável”.

152

A inserção competitiva, a integração cooperativa e a distribuição de ativos estratégicos compunham, então, três grandes eixos estratégicos que se viabilizariam por meio de políticas capazes de fomentar a:

1. Construção da competitividade: a partir da capacitação para o

trabalho, tendo em vista profissões e ocupações consideradas

estratégicas para o desenvolvimento da Região; inovação e capacitação

tecnológica, levando em consideração as necessidades das cadeias

produtivas já instaladas e daquelas com potencial de desenvolvimento;

ampliação e modernização da infraestrutura econômica (energia,

inclusive considerando o uso de fontes alternativas) e hídrica (aumento

da oferta para vários fins);

2. Ampliação e adensamento das cadeias produtivas e de outras

atividades prioritárias: a partir da complementação e fortalecimento

dos elos das cadeias produtivas e arranjos produtivos, aspecto que

dependia de estudos, pesquisas e mobilização dos agentes envolvidos

na produção; financiamento, por meio de linhas de crédito e também de

incentivos fiscais; assistência técnica, comercial, organizacional e

administrativa aos empreendimentos prioritários para a região;

3. Distribuição de ativos estratégicos: a partir de política de difusão do

conhecimento, passando pelo acesso mais básico à educação formal e

pelo acesso aos níveis mais altos de ensino; política de redistribuição

de terra e água, acompanhada de financiamento, investimentos,

assistência técnica, entre outros; política de ampliação do acesso aos

serviços sociais básicos, tais como saúde, habitação e saneamento

básico.

153

Como macro-diretrizes estratégicas, orientando a atuação do novo órgão, o documento destaca ainda a:

1. Concentração das atenções na articulação política;

2. Valorização da sustentabilidade ambiental;

3. Mobilização para a recuperação da capacidade de investir do Nordeste;

4. Adoção da capacitação e da inovação como focos da promoção de um

desenvolvimento sustentável;

5. Tratamento em múltiplas escalas.

Fica assim justificada a necessidade de reconstrução do órgão de planejamento regional, cuja “missão” orientava-se para a dimensão político- institucional e também para a socioeconômica e cultural. A justificativa passa, entre outros fatores, por sua atuação como: agente articuladora das forças sociais representativas da região; agente do Sistema Nacional de Planejamento; negociadora e integradora regional das políticas nacionais e dos recursos federais voltados ao

Nordeste; promotora e difusora de conhecimento sobre as potencialidades econômicas regionais; indutora e apoiadora de iniciativas de capitação de recursos técnicos e financeiros; apoiadora e integradora de iniciativas de desenvolvimento local; definidora de prioridades para utilização de recursos financeiros; agente de promoção de capacitação e inovação; articuladora de políticas públicas sociais e culturais.

Por fim, consideramos importante destacar os instrumentos fiscais e financeiros indicados pelo documento que embasa a proposta de recriação do órgão. Nesse ponto vale ressaltar que a origem dos recursos não apresenta grandes mudanças em relação àqueles já operados pela ADENE, dividindo-se em três fontes: orçamentária, renúncia fiscal e creditícia.

Da fonte orçamentária, destacam-se, entre outros, o FDNE e Fundos

Constitucionais, que seriam redesenhados a partir do FNDR, acoplado a PEC nº 41-

154

2003 do Sistema Tributário Nacional a ser debatido no Congresso Nacional. Da fonte de renúncia fiscal, destacam-se o Fundo de Apoio às Atividades Produtivas do

Nordeste, modalidades de aplicação direta, benefícios com base em dedução de IR-PJ e benefícios lastreados no II, IPI, IOF, entre outros. Quanto à fonte creditícia, indica-se tão somente o crédito sob forma favorecida aos projetos de iniciativa local. Além do

FNDR, os recursos de renúncia fiscal na modalidade de aplicação direta e os benefícios com base em dedução de IR-PJ também careciam de regulamentação legal, enquanto os demais ou já se encontravam em vigência ou em condições de funcionamento. A proposta de isenção de II e de IPI voltava-se para a importação de máquinas e equipamentos, que já tinha existido nos primórdios da SUDENE, e o seu retorno também requeria regulamentação legal.

Embora o Projeto de Lei Complementar nº 76-2003 de recriação da SUDENE tenha sido enviado em caráter de urgência constitucional ao Congresso Nacional, sua tramitação enfrentou dificuldades. De imediato destacou-se sua baixa priorização por parte dos congressistas, evidenciando a ausência de mobilização política para o enfrentamento da problemática regional, e alguns meses depois foi retirada sua urgência constitucional, já que o projeto sofre algumas mudanças, como veremos adiante (Carvalho, 2006a).

Antes de darmos sequencia à tentativa de recriação da SUDENE durante o primeiro mandato do Governo Lula, consideramos importante pontuar, ainda que brevemente, a PNDR, na medida em que

a proposta apresentada em 2003 era parte integrante de uma estratégia mais ampla que previa também a criação das novas SUDAM e SUDENE, a criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) e o redesenho dos programas regionais sob gestão do Ministério da Integração Nacional (PNDR em dois tempos, 2010: 12) 78.

78 “A PNDR em dois tempos: a experiência apreendida e o olhar pós 2010”, versão final, novembro de 2010, Ministério da Integração Nacional, Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional. Para efeito de citação pontual de trechos do documento,

155

Havia, assim, um tripé sustentando a retomada do planejamento regional, a ser concretizada numa política nacional de desenvolvimento regional, ou seja, a recriação dos órgãos de planejamento, o FNDR (fundo constitucional e sem prazo de encerramento) e o fortalecimento do MI, no tocante à articulação e à coordenação, colocavam-se como bases fundamentais para essa retomada (Amparo, 2014). A

PNDR destacava que a questão regional tinha deixado de ser exclusividade de uma ou outra região do país e tornado-se uma questão nacional, uma vez que todas as regiões apresentavam sub-regiões com indicadores de baixo desenvolvimento e carentes de atenção diferenciada, conforme tipologia desenvolvida pelo MI79 – aspecto que justificava a validade e a urgência do projeto de lei80.

A PNDR, o FNDR e a recriação das instituições de planejamento regional compunham propostas articuladas do Programa de Governo de Lula anteriormente analisado. Desse modo, a retomada da política nacional de desenvolvimento regional dependia de um complexo jogo de negociação que envolvia diferentes aparatos do

Estado, passando pela União e pelos estados.

Como já discutido, o documento base de recriação da SUDENE, apesar de considerar o FNDR como uma fonte de recursos, apresentava outros instrumentos financeiros e fiscais que, embora limitados, viabilizavam o ressurgimento do órgão, mesmo que numa perspectiva de atuação restrita, já que seus instrumentos seriam praticamente os mesmos da ADENE, centrados nos mecanismos de incentivos fiscais

(Carvalho, 2006a).

utilizaremos a sigla “PNDR em dois tempos”. O documento pode ser consultado no site http://www.mi.gov.br/documents/10157/c5460640-8b23-43de-ba2a-1fd0ee391aa0 - acessado em julho de 2015. 79 A tipologia desenvolvida pelo MI e sua distribuição espacial pelo território nacional podem ser vistas no Anexo A deste trabalho. 80 Segundo a classificação do IBGE, duas variáveis compunham o indicador da tipologia desenvolvida pelo MI: rendimento domiciliar médio e o crescimento do PIB per capita. A partir desse indicador as sub-regiões foram agrupadas em quatro categorias: baixa renda, estagnadas, dinâmicas e alta renda – sendo as duas primeiras aquelas de atenção prioritária (Amparo, 2014).

156

Entretanto, a constituição do FNDR apresentava-se como elemento central da

PNDR, já que só a partir destes recursos o MI passaria a ter condições efetivas de executar as diretrizes formuladas pelo documento apresentado ao Executivo Nacional em fins de 2003 e que, embora não tivesse se transformado em projeto de lei em tramitação, já orientava a atuação do Governo (Amparo, 2014). Para o MI a aprovação do FNDR era condição sine qua non para a concretização dos objetivos estratégicos da PNDR, mas também daqueles formulados pelo GTI-SUDENE, havendo resistência do Ministério para eventuais aprovações que desconsiderassem essa fonte de recurso.

E assim a viabilização das propostas centrais da política nacional de desenvolvimento regional do Programa de Governo de Lula vai gravitar por longo período em torno da discussão sobre as fontes de financiamento. A discussão sobre o

FNDR agigantou-se no Congresso Nacional em 2004, no bojo da PEC da Reforma

Tributária, que também fazia parte do pacote de políticas necessárias para o bom andamento de uma política nacional voltada ao desenvolvimento regional, na medida em que se colocava como essencial para dar cabo à “guerra fiscal”.

De imediato já se observa desentendimento entre União, estados e MI, uma vez que no projeto apresentado pelo Governo, o FNDR seria originado a partir da destinação de 2% da arrecadação do IR e do IPI para um fundo nacional voltado ao desenvolvimento das regiões menos desenvolvidas do país (Norte, Nordeste e Centro-

Oeste), enquanto os Governadores destas regiões concordavam com a proposta, o MI resistia a essa restrição, uma vez que, conforme o próprio documento formulado para embasar a PNDR, a questão regional tinha deixado de ser exclusividade de algumas regiões, havendo sub-regiões estagnadas e de baixa renda por todo o território nacional e que deveriam, portanto, ser cobertas pelo novo fundo constitucional.

Se, por um lado, os Governadores nordestinos aprovavam a restrição regional do Fundo, por outro, discordavam que a gestão do mesmo fosse feita pela SUDENE, conforme indicava o GTI-SUDENE, em sintonia com a PNDR, já que viriam daí os

157 recursos capazes de viabilizar a execução dos objetivos estratégicos. A discordância se agravou no contexto de tramitação da PEC nº 41-2003, da Reforma Tributária, havendo exigência explícita dos Governadores de que o Fundo fosse gerido diretamente pelos próprios estados (Amparo, 2014).

Além disso, havia discordâncias com relação ao destino do Fundo e nesse ponto o entendimento do MI e dos Governadores apresentavam algum grau de alinhamento. Os Governadores defendiam que os recursos não fossem destinados ao setor privado, que já contaria com outros mecanismos de incentivos, mas que fossem repassados como “transferência de capital”. O entendimento dos Governadores era de que, com a Reforma Tributária, implicando uniformização nas alíquotas do ICMS, os estados perderiam o principal mecanismo de atração de investimento privado, assim, a autonomia para gerir os recursos do FNDR era compreendida como uma compensação que, ao ser repassado como “transferência direta”, permitiria a utilização do recurso para investimento em infraestrutura, como forma de atrair novos investimentos.

A disputa em torno do fundo expunha a dificuldade para a retomada do planejamento regional e para a possibilidade de um federalismo cooperativo regionalizado, já que os Governadores discordavam de um instrumento chave para garantir essa retomada e disputavam o uso “estadualizado” e descoordenado do recurso. O imbróglio em torno da negociação do FNDR era mais uma faceta da

“guerra fiscal” que se objetivava superar com a PEC da Reforma Tributária.

Diante da exigência dos Governadores, o Ministério da Fazenda, que tinha à sua frente Antonio Palocci (PT), tendia a concordar com o repasse direto aos estados, mas não como “transferência de capital”, já que isso teria implicações substanciais no superávit primário, sugerindo, então, o repasse direto à título de empréstimos. A sugestão não teve acolhida entre os Governadores e como o Governo precisava avançar em outras medidas importantes, como a Reforma Previdenciária, por exemplo, Palocci apresentou a proposta de acabar com o FNDR (Carvalho, 2006a).

158

Apesar do esforço do Poder Executivo, a própria PEC da Reforma Tributária nem chegou a ser submetida à votação no Congresso Nacional, dada a batalha hercúlea para sua aprovação, da qual os desentendimentos em torno do destino e gestão do

FNDR era apenas uma peça no mosaico, ainda que importante, na medida em que mobilizou Governadores nordestinos e suas respectivas bancadas estaduais (Amparo,

2014)81.

Enquanto travava-se uma batalha em torno do principal recurso financeiro para a viabilização da PNDR, o Projeto de Lei Complementar nº 76-2003, que objetivava recriar a SUDENE, tramitava no Congresso, desacompanhado do caráter de urgência constitucional, solicitação retirada pelo Poder Executivo desde outubro de 200382. O deputado Zezéu Ribeiro (PT-BA), relator do projeto, articulava negociações com o

Poder Executivo para garantir recursos financeiros estáveis à nova SUDENE, já que o

81 A Reforma Tributária, tal qual idealizada, não foi aprovada, mas “no final de 2003, o Congresso Nacional aprovou a proposta da minirreforma tributária do governo federal, cujos principais pontos foram: a introdução de dois regimes de arrecadação do Programa de Integração Social (PIS) e da Cofins, com incidência cumulativa ou não cumulativa de alíquotas tributárias diferenciadas; a extensão do PIS e da Cofins para as importações; e a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) por mais quatro anos, isto é, até o final de 2007” (Barbosa & Souza, 2010: 04). 82 Com o objetivo de acelerar a aprovação do Projeto de recriação da SUDENE, no Congresso Nacional, foi criado em 2004 o Movimento Acorda Nordeste (MANO), que buscava evidenciar a importância da participação da sociedade no encaminhamento das negociações na Câmara e no Senado. O MANO, sob coordenação do professor e técnico em planejamento Leonides Alves da Silva Filho, contou com o apoio de outras instituições, tais como Associação dos Servidores da SUDENE (ASS), Sindicato dos Servidores Públicos Federais do Estado de Pernambuco (SINDSEP-PE), Centro de Estudos do Nordeste (CENOR), entre outras. O documento “Recriação da SUDENE: retrato de uma luta”, de abril de 2008, traz um registro, a partir de inúmeros informes, sobre as negociações entre Executivo e Legislativo e sobre a tramitação do Projeto nas Casas Legislativas, o documento cobre quase cinco anos de luta pela recriação do órgão. Nesse período, além de mobilizar forças, de dialogar com lideranças políticas, o MANO também apresentou propostas para a reformulação do Projeto de Lei Complementar nº 76/2003, dentre elas, destaca-se a possibilidade de que os antigos funcionários da extinta SUDENE, realocados em outros órgãos do Governo Federal com a criação da ADENE, tivessem a possibilidade de optar pelo retorno à nova instituição. Mas, apesar de considerada e debatida pelas Comissões do Senado, a proposta não foi incorporada ao Projeto final. O documento pode ser consultado no site: http://www.inad.com.br/publicacao/arquivos/20120730144000p_MANO_FINAL_2ed.pdf - acessado em dezembro de 2015.

159

Ministro da Fazenda tinha sinalizado positivamente à reivindicação dos Governadores sobre a gestão do FNDR.

Se, por um lado, havia empenho do relator para encontrar novos instrumentos de financiamento estável ao novo órgão, havia pressão do MI para que a recriação da

SUDENE continuasse condicionada ao FNDR sob gestão da instituição regional, aspecto que evidencia luta e divergência entre esse Ministério e o Ministério da

Fazenda. Apenas em agosto de 2004 o substitutivo do Projeto, que fora enviado pelo

Executivo em julho de 2003, é enviado ao Senado para apreciação, com alterações nas fontes de recurso e desconsiderando o FNDR.

Nessa casa, onde vai tramitar novamente por mais de um ano, o Projeto é encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), cuja relatoria fica a cargo do então senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) e que, após meses de avaliação, vai sugerir que o novo substitutivo seja também apreciado pela Comissão de Desenvolvimento Urbano e Regional (CDR), cuja relatoria fica a cargo do então senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Após apreciação da CDR, as duas Comissões do Senado formulam juntas um substitutivo para votação no plenário da Casa.

Embora as Comissões mantivessem os principais pontos do Projeto aprovado na Câmara, as alterações acrescentavam mudanças no arranjo institucional da nova

SUDENE, com a criação de novos conselhos, propunham que o órgão elaborasse o

Plano Regional de Desenvolvimento (que deveria ser votado por lei específica no

Congresso), acrescentavam a regionalização do orçamento federal e indicavam mecanismos de não contingenciamento ou restrição dos recursos orçamentários destinados à instituição. A aprovação do substitutivo em dezembro de 2005 implicou retorno da matéria à Câmara para nova apreciação das alterações formuladas no

Senado.

De um lado, a análise do lento processo de tramitação do Projeto no

Congresso Nacional, com decisões que chegam a parecer protelatórias, indica a pouca prioridade do mesmo, mas também a possibilidade política de acirrar

160 desentendimentos entre os aparatos do Estado, sob o comando do PT; do outro, não se pode perder de vista o contexto desfavorável que o Governo Lula enfrentava no

Congresso, com a paralisação de importantes projetos em tramitação (PPP, Lei de

Falências, Emendas Constitucionais de natureza tributária, entre outros). A paralisia era resultado de uma crise política que o governo enfrentava desde 2004, com ameaças da saída do PMDB da base de apoio no Congresso, enquanto o próprio PT mostrava-se dividido, já que havia descontentamento por parte da bancada com os rumos da política macroeconômica. A crise enfrentada vai acentuar-se em 2005, com denúncias de corrupção envolvendo o Governo.

Nesse cenário turbulento e já num contexto agitado pela disputa eleitoral de

2006, o Projeto de Lei que recria a SUDENE é aprovado na Câmara dos Deputados, seguindo para sanção presidencial, que fica para o segundo mandato de Lula, como veremos no próximo capítulo.

***

Ao longo desse capítulo vimos como o estabelecimento, ou restabelecimento, de políticas, implicando reestruturação dos aparatos do Estado, é marcado por lutas e contradições que atravessam e se fazem representar dentro do Estado capitalista. O

Programa de Governo de Lula, apesar de estar sintonizado com as necessidades de mudança mais prementes que marcavam o início do século XXI, no que se refere à necessidade de uma política nacional de desenvolvimento regional, vai buscar concretização de seu Programa dentro de um Estado-relação, marcado pela correlação de forças entre frações de classe.

As limitações impostas ao primeiro Governo de esquerda no Brasil já se manifestam antes mesmo da chegada ao poder, quando o então candidato presidencial compromete-se com a permanência das macro-diretrizes econômicas do país. Embora a questão regional, pluralizada, tivesse recebido bastante atenção na

161 formulação de seu Programa de Governo e tivesse havido empenho do Presidente

Lula para implementação de políticas voltadas a esse fim, já no início do primeiro mandato, o controle dos aparatos estratégicos pela fração hegemônica do capital, dentre outros fatores, desvirtuou o ideal.

Enquanto o MI foi entregue a um aliado político, Ciro Gomes (PPS), já funcionando como uma evidência de que o desenvolvimento econômico nacional e regional teria seu foco prioritário em outros aparatos do Estado, o Ministério da

Fazenda permaneceu com o “núcleo duro”, uma vez que sob o comando de Antônio

Palocci (PT). Entretanto, a forma como o núcleo hegemônico do capital, nesse caso o financeiro, impõe seus interesses, obriga o Governo a ceder nas suas propostas, já que os interesses dominantes, devidamente salvaguardados na arquitetura institucional, impõem uma meta recrudescida de superávit primário – um dos fundamentos macroeconômicos da política neoliberal da década de 1990 – que inviabiliza a concretização do principal instrumento financeiro da PNDR, o FNDR.

Além disso, a recriação da SUDENE estava inserida num complexo jogo de interesses que atravessava os Poderes, com seus respectivos interesses político- partidários no Executivo e no Legislativo, mas também entre entes federativos, pois o interesse da União, de restabelecer o planejamento do desenvolvimento regional, conflitava, em alguma medida, com os interesses estaduais. Era a dificuldade de se acabar com a “guerra fiscal” que estava posta.

O resultado desse jogo passou pela “autonomia-relativa” do Estado, que resulta dessas contradições e conflitos que atravessam a sua materialidade institucional, marcada por choques e entrecruzamentos de núcleos e redes de poder, como pudemos observar. A alternativa passa então pelo processamento e acomodamento de interesses dentro do Estado, desde que os interesses dominantes estejam a salvo.

Desse modo, não se cogita a redução da meta de superávit primário, mas, num primeiro momento, se aceita o repasse do FNDR, a titulo de empréstimo, diretamente aos estados e sem o controle e gestão da SUDENE, num segundo momento, quando

162 a moeda de troca compensatória não é aceita pelos Governadores, encerra-se a discussão sobre o FNDR.

Vale problematizar ainda a força do MI dentro e frente aos outros aparatos do

Estado, uma vez que a necessidade de articulação entre políticas setoriais colocava- se como aspecto essencial à PNDR. Assim, pode-se supor que o acesso e o poder de influência de um aliado político, seja em aparatos estratégicos, seja naqueles menos impactantes aos interesses hegemônicos do capital, encontram um caminho mais tortuoso, ainda mais por que o PPS não oferecia ao Governo uma substanciosa base de apoio no Congresso.

Se, em 1959 a criação da SUDENE contou com bastante repercussão nacional e apoio político, na medida em que dialogava com os interesses diretos da fração hegemônica do capital – naquele momento industrial e que via na instituição do órgão os mecanismos capazes de nacionalizar sua hegemonia –, a tentativa de recriá-la a partir de 2003 não apresentava mais um potencial de interesse claro às frações do capital, ainda que do ponto de vista do desenvolvimento nacional e regional seu ressurgimento se colocasse como necessário.

Além disso, o fim último perseguido pela nova SUDENE, conforme vimos no

GTI-SUDENE, o de “promover a inclusão social” não necessariamente se viabilizaria apenas a partir do ressurgimento do órgão. Assim, se, por um lado, as políticas implementadas por um Estado capitalista devem estar articuladas à manutenção e ao fortalecimento do modo de produção no qual está inserido, havendo para tanto mecanismos jurídico-institucionais que salvaguardam os aparelhos econômicos mais impactantes à produção e reprodução do capital, por outro, a alteração no equilíbrio de forças, a partir de um controle mais efetivo de alguns aparelhos por forças de esquerda, resulta na reorientação e implementação de políticas sociais mais abrangentes e impactantes, também resultantes de conflitos, e que não necessariamente se colocam como ameaça ao padrão de dominação capitalista.

163

Assim, o controle menos constrito de alguns aparatos do Estado por forças de esquerda vai significar um redirecionamento das políticas sociais. Se as políticas explícitas de desenvolvimento regional não vingaram ou foram fragilizadas sobremaneira (SUDENE, PNDR e FNDR), as políticas implícitas começaram a impactar positivamente no cenário regional nordestino, marcado pela miséria no início do século XXI. Dentre essas políticas, destacam-se aquelas de transferência direta de renda, capitaneadas no primeiro mandato do Governo Lula pelo programa “Fome

Zero”, a política de valorização do salário mínimo e a introdução e difusão do crédito consignado. Além disso, retoma-se na região a execução de grandes obras, como o

Projeto de Integração do São Francisco e a Ferrovia Transnordestina, impactando significativa e positivamente na geração de empregos.

Ao fazer um balanço da atuação do MI, ao longo do Governo Lula, Tânia

Bacelar vai destacar que a atuação do Ministério “continuou a ter nas obras hídricas seu foco central, enquanto as políticas regionais explícitas foram modestas” (In: Sader,

2013: 167-169), enquanto Paulo Pitanga do Amparo, coordenador geral de planejamento estratégico da SDR (MI), validando de certo modo essa leitura, vai destacar que, com a inviabilização do FNDR, “a gestão do MI tendeu a voltar-se prioritariamente, desde 2004, para investimentos setoriais, como o Projeto de

Integração do São Francisco (PISF) e a Ferrovia Transnordestina” (Amparo, 2014:

187).

164

CAPÍTULO 6:

O RESSURGIMENTO DA SUDENE

165

6.1 ESTADO FORTALECIDO: O REGIONAL ABRIGADO PELO NACIONAL

O contexto econômico no qual o candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva

(PT) chega ao poder é bastante diferente daquele de 2002. De um lado, o Presidente

Lula havia conquistado a confiança de milhões de brasileiros, que tinham percebido melhorias nas condições de vida, sobretudo no que se refere à retomada da geração de emprego e do aumento da renda familiar, do outro, havia também conquistado a confiança dos mercados (nacional e internacional), já que em 2005 “o governo federal tomou a decisão de quitar sua dívida junto ao FMI com um pagamento total de US$

23,3 bilhões”, dívida contraída no final do mandato do então Presidente Fernando

Henrique Cardoso (Anderson, 2011; Barbosa & Souza, 2010: 08). Nesse sentido, num cenário econômico nacional e internacional mais favorável, era possível desenhar um

Programa de Governo menos pressionado pelos interesses do mercado financeiro e mais comprometido com o papel do Estado no crescimento e desenvolvimento econômicos.

Se no Programa de Governo de Lula de 2002 o termo nacional colocava-se como predicativo estratégico para as propostas apresentadas, no Programa de 2006 o termo vai ser desenvolvimento, como já podemos observar na epígrafe do documento:

“o nome do meu segundo mandato será desenvolvimento. Desenvolvimento com distribuição de renda e educação de qualidade” (PG Lula, 2006: 05) 83. Ainda que a proposta de desenvolvimento esteja atrelada à necessidade de um “projeto nacional de desenvolvimento”.

A discussão sobre o modelo de atuação macroeconômica do Estado, que foi alvo de críticas durante os três primeiros anos do Governo Lula, vai sofrer uma

“inflexão” a partir de 2006, ganhando mais destaque no segundo mandato do

83 O documento, “Programa de Governo 2006: Lula de novo com a força do povo”, poder ser consultado no site: http://novo.fpabramo.org.br/uploads/Programa_de_governo_2007-2010.pdf - acessado em novembro de 2015. Para efeito de citação pontual de trechos do documento, adotaremos a sigla “PG Lula”.

166

Presidente reeleito. Morais e Saad-Filho apresentam a importância dessa crítica, vinda de economistas de diferentes orientações teóricas (keynesiana, marxista, estruturalista) fora do mainstream, e destacam que as análises passavam principalmente pelo questionamento sobre a manutenção do tripé econômico, que se colocava como uma barreira para a implementação de políticas “assessórias” necessárias ao crescimento (políticas de crédito, industrial, etc.). “As análises com esse objetivo acabaram fundando uma nova proposta de política econômica, denominada pelos seus autores como „novo-desenvolvimentismo‟ (ou

„neodesenvolvimentismo‟)” (Moraes & Saad-Filho, 2011: 509 – grifos dos autores).

Vale destacar que a formulação teórica do novo-desenvolvimentismo, de orientação keynesiana, distancia-se do “velho desenvolvimentismo” ao rejeitar a

ênfase no protecionismo estatal, na medida em que o modelo de substituição de importação teria falhado ao ter incutido no empresariado doméstico uma exagerada mentalidade protecionista, ao comprometer a competitividade das empresas nacionais e ao não ter se baseado na absorção de tecnologia. Já os teóricos “neoestruturalistas cepalinos”, além de também enfatizarem as falhas do “velho” modelo que assimilou tecnologia, destacam ainda a concentração de riqueza preservada nos países latinos que se desenvolveram industrialmente.

O cerne da crítica formulada pelos “heterodoxos” do novo-desenvolvimentismo,

à atuação macroeconômica vigente no período, consistia no questionamento sobre a eficiência e o impacto de uma política econômica comprometida com a meta da inflação e que adotava a política de juros elevados como instrumento único de controle inflacionário. Entre outros fatores, essa atuação baseava-se no entendimento de uma inflação de demanda, desconsiderando os efeitos da deficiência de oferta, assim como dos choques externos, e, ao seguir à risca as recomendações do FMI, expunha o país

à contínua e permanente ameaça de recessão econômica. Desse modo, os críticos destacavam que a continuidade das políticas neoliberais mostrava-se incompatível

167 com políticas industriais e de transferência de renda, comprometendo o crescimento econômico e a redução das desigualdades.

Como destacam Morais e Saad-Filho, independentemente da orientação teórica dos críticos, é possível agrupar as ideias defendidas pelos teóricos do novo- desenvolvimentismo em quatro teses84:

1. Necessidade de Estado e mercado fortes: Estado capaz de regular o

mercado; mercado capaz de abrigar pequenas e grandes empresas e “que

mantenha aberto o acesso à concorrência”, preservando a equidade de

oportunidades aos produtores e consumidores;

2. O crescimento sustentável só pode acontecer a partir do fortalecimento do

Estado e do mercado com a implementação de políticas adequadas que

não estejam comprometidas exclusivamente com a “estabilidade

monetária”, mas que sejam capazes de promover “estabilidade

macroeconômica”, necessitando, portanto, de uma atuação mais ampla do

Estado – atuação capaz de se libertar das amarras neoliberais;

3. Mercado e Estado fortes só podem existir dentro de um projeto de

desenvolvimento nacional que articule crescimento e equidade social.

Nesse sentido, destacam que, enquanto a globalização seria um projeto de

desintegração nacional, as relações comerciais internacionais deveriam

propiciar ganhos de divisas, de conhecimento, de emprego e de bem-estar

para o país;

4. A desigualdade social só pode ser reduzida a partir de crescimento

econômico com taxas elevadas e contínuas.

Diante dessa síntese, consideramos importante apontar uma diferença entre os

Programas de 2002 e o de 2006, na medida em que ela funciona como um indicativo

84 Conf. Moraes & Saad-Filho, 2011.

168 da “inflexão” no padrão de atuação macroeconômico do Governo que estaria novamente à frente do comando do Estado. No Programa de 2002 há empenho explícito para distanciar o futuro Governo do “velho nacional-desenvolvimentismo” e do

“novo liberalismo”, enquanto no Programa de 2006 observa-se uma crítica mais intensa ao modelo neoliberal, que seria representado pelas forças “do passado”, mais especificamente pela candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) – ainda que o Programa não expresse verbalmente o nome do candidato, há menção explicita à coligação

PSDB-PFL. Se as forças “do passado” apresentavam ameaças às recentes conquistas e colocavam-se como risco de retrocesso, o Programa de 2006 reforça a necessidade de se dar continuidade ao “projeto nacional de desenvolvimento” e de se fortalecer a capacidade de iniciativa do Estado, de seu potencial indutor do desenvolvimento.

O documento reconhece que o crescimento da economia deveria ser mais acelerado e acompanhado de combate à pobreza e de inclusão social, além da

“continuidade da redução das taxas reais de juros”. Entretanto, há também o comprometimento com a manutenção de pilares do tripé macroeconômico neoliberal, já que o crescimento deveria ser alcançado “com preços estabilizados, equilíbrio fiscal e redução da vulnerabilidade externa” (PG Lula, 2006: 10).

De um lado fica evidente o diálogo do Programa com as teses formuladas pelos teóricos do novo-desenvolvimentismo, sobretudo no que se refere à força do

Estado, ao fortalecimento do mercado, à necessidade de um “projeto nacional de desenvolvimento” e à equidade, apresentada no Programa pela proposta de “inclusão social”:

Nosso Governo continuará em sua tarefa de constituir um grande mercado de consumo de massas, o que vincula de maneira indissociável crescimento com distribuição de renda. Esse propósito requer prioritária diretriz governamental voltada para a elevação substancial dos investimentos, especialmente públicos e nacionais, bem como privados e estrangeiros. Pressupõe ainda o fortalecimento da iniciativa do Estado, das empresas estatais e do sistema

169

financeiro público, por sua capacidade indutora do desenvolvimento (PG Lula, 2006: 10).

Do outro, o compromisso com a manutenção dos pilares macroeconômicos neoliberais apresentava-se como uma deformação da orientação teórica novo- desenvolvimentista, identificada no Programa, na medida em que se colocava como inviabilizador de “políticas adequadas” à concretização do novo modelo teórico formulado. Apesar das incompatibilidades, vale ressaltar que “ao ser transformada em política econômica, uma proposta teórica sofre inevitavelmente uma série de modificações e adaptações próprias das restrições e constrangimentos da ação política” (Moraes & Saad-Filho, 2011: 516).

Ainda que não seja possível desconsiderar o poder e a influência da fração hegemônica do capital (capital financeiro), expressos na manutenção do tripé macroeconômico, já que o processo de reprodução do capital é estrutural e global, há uma reconfiguração de forças no segundo mandato do Governo Lula, seja em função do fortalecimento do setor industrial nacional e do agronegócio, seja em função da maior influência exercida por entidades representativas da classe trabalhadora, ou ainda pela confiança e credibilidade ampliadas no Governo que passava a comandar novamente o Estado e cuja imagem passava a destacar-se positivamente não apenas no cenário nacional, mas também no cenário internacional 85 – é possível dizer que passa a existir no período um clima de auto-estima bastante positivo, clima para o qual a quitação da dívida com o FMI havia contribuído no sentido de fortalecer o sentimento de recuperação da soberania nacional.

85 O destaque e o respeito conquistados pela figura política do Presidente Lula no cenário internacional resultaram, entre outros fatores, do sucesso alcançado pelas políticas sociais de combate à fome e à pobreza, mas também em função de uma nova postura do Estado brasileiro no tocante às relações exteriores, uma vez que a Política Externa do país teve como objetivo fortalecer as relações do MERCOSUL – inclusive como forma de resistir à ALCA – e também as relações Sul-Sul, entendidas pelo Governo Lula como atuação estratégica para enfrentar a “globalização injusta” imposta pelos países de desenvolvimento avançado do Norte (In: Sader, 2013).

170

Com isso, dentro da equipe econômica do Governo, passa a ganhar força a defesa de um maior protagonismo do Estado, por meio de estímulo fiscal e monetário para acelerar o crescimento, do desenvolvimento social, alcançado por meio de valorização do salário mínimo e dos programas de transferência direta de renda, além do aumento do investimento público e da recuperação do Estado no planejamento de longo prazo. Como apontam Barbosa e Souza, a “inflexão” na política econômica a partir de 2006, ao não poder ser considerada novo-desenvolvimentista stricto sensu, uma vez que se mesclou às políticas macroeconômicas neoliberais, deve ser caracterizada como “híbrida” (Barbosa & Souza, 2010) 86.

Essa hibridização deve ser vista como resultante da “particularização” e

“autonomia relativa” do Estado, que o convertem num espaço de mediação, de conciliação e de promoção de equilíbrios sociais, sem os quais a sociedade capitalista não consegue perdurar. É dentro e por meio do aparato estatal que se conforma uma política comum das classes e das frações de classe dominantes, que competem, combatem e se rivalizam entre si, e esta política, formulada a partir do processamento dessas contradições que se manifestam dentro do Estado, estabelece marcos institucionais capazes de pacificar coercitiva, ideológica e materialmente as classes dominadas (Hirsch, 2005).

Desse modo e como já destacava o Programa, havia condições no país para avançar no “caminho do desenvolvimento”, de modo a alcançar e ou manter:

crescimento sustentável, estabilidade monetária e responsabilidade fiscal, redução da vulnerabilidade externa, expansão do investimento, da produção e da produtividade, ampliação do mercado interno e externo, crescimento e formalização do emprego, aumento da massa salarial real e expansão do

86 É importante destacar que os autores dessa interpretação de atuação econômica “híbrida” – sendo um deles importante policymaker, já que Nelson Barbosa integrava a equipe econômica do Governo Lula – não apontam as formulações teóricas do novo-desenvolvimentismo como influenciadoras da “inflexão” das ações governamentais, ainda que fique patente essa influência no Programa de Governo de Lula 2006 e na atuação do Governo ao longo do segundo mandato (Moraes & Saad-Filho, 2011; Barbosa & Souza, 2010).

171

crédito, redução da fome, da miséria e das desigualdades, por meio da ampliação dos programas sociais (PG Lula, 2006: 06).

Diferentes instrumentos foram acionados para o alcance desses objetivos e as metas foram desdobradas em programas setoriais do Governo. Não cabe aqui fazermos uma análise aprofundada desses programas, entretanto, consideramos importante pontuar os principais instrumentos acionados.

A expansão do crédito, tanto ao consumo, quanto à produção, ocorreu por meio do controle estratégico do Estado de aparelhos financeiros, como Caixa

Econômica Federal (CEF), Banco do Brasil (BB) e BNDES. A redução de juros e o acesso ampliado e facilitado ao crédito obrigaram os bancos privados a repensarem seus parâmetros de atuação. O controle estratégico da Petrobrás também se colocou como essencial para o alcance das metas de crescimento e desenvolvimento, já que o impacto do investimento da estatal na economia nacional é altamente significativo.

Além disso, ao orientar sua atuação para o planejamento de longo prazo, o Governo retomou a execução de obras de infraestrutura logística em todo o país (estradas, portos, aeroportos, ferrovias e hidrovias); infraestrutura energética (geração e transmissão), seja por meio do incentivo à pesquisa e produção de novas matrizes energéticas, seja por meio da construção de novas hidroelétricas, sobretudo na região

Norte do país, ou ainda por meio de investimentos no setor de petróleo e gás natural87; infraestrutura social e urbana, com projetos voltados ao saneamento, habitação, transporte urbano, entre outros; infraestrutura hídrica, com revitalização e integração

87 A política enérgica vinha recebendo atenção diferenciada do Governo Lula já desde o primeiro mandato, tendo-se em mente a crise que o setor vinha enfrentando, amplamente conhecida por meio dos “apagões” durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso. Com o processo de privatização nos anos de 1990, “grupos privados, muitos deles estrangeiros, controlam hoje importantes empresas elétricas que foram privatizadas, mas isso não trouxe ao país os benefícios econômicos prometidos”, ao contrário, após o processo, houve aumento das tarifas e queda na qualidade do serviço, uma vez que a expansão do setor foi menor que o aumento da demanda, com o agravante de que “o governo deixou a expansão do setor elétrico quase exclusivamente à mercê de decisões do mercado, e isso não garantiu investimentos necessários” (In: Sader, 2013: 180).

172 de bacias, destacando-se a Bacia do São Francisco, mas também voltada ao abastecimento e à irrigação (In: Sader, 2013; Franco, 2012).

Os investimentos, ora exclusivamente estatais, ora resultantes de PPP, também contaram com incentivos fiscais e desonerações tributárias a setores produtivos estratégicos, como o da construção civil, por exemplo, dada a sua grande capacidade de geração de emprego, e com redução da TJLP, essencial para estimular investimentos de maturação de longo prazo (Franco, 2012).

Boa parte dessas iniciativas e programas, alinhadas ao Programa de Governo de 2006, estava acoplada ao PAC, lançado em janeiro de 2007, no início do segundo mandato do Governo Lula. O Programa intersetorial, acompanhado pela Secretaria do

Programa de Aceleração do Crescimento (SEPAC), ligada ao MPOG, contava com recursos orçamentários da União, de empresas estatais federais e do setor privado.

A combinação dessas iniciativas capitaneadas pelo PAC, acompanhada pela continuidade da política de valorização real do salário mínimo 88 e pela ampliação de

Programas Sociais, com destaque para o programa Bolsa Família, não demorou a apresentar resultados econômicos bastante positivos. Dentre eles, destacam-se o crescimento do PIB89, a significativa geração de empregos formais90, a ampliação do

88 “O salário mínimo cresceu 57%, em termos reais, entre 2002 e 2010, atingindo o maior patamar desde o começo dos anos 1970, quando do chamado „Milagre Brasileiro‟, o que significou um acréscimo significativo da massa salarial e do consumo de bens-salário” (Fonseca & Cunha & Bichara, 2013: 409 – grifos dos autores). 89 Segundo os dados abaixo (em % ao ano), podemos observar o crescimento do PIB nacional no período de 2003 a 2010, sendo que a retração em 2009 deve ser avaliada sob o impacto da crise econômica internacional, que eclodiu em setembro de 2008, já impactando no desempenho econômico nacional no último trimestre desse mesmo ano:

Tabela 6.1 - Evolução do PIB nacional (2003-2010) ANO 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

PIB 1,1 5,7 3,2 4,0 6,1 5,2 -0,3 7,5 Fonte: Ipeadata/IBGE, In: Sader, 2013. 90 Segundo Pesquisa Mensal de Emprego (PME), realizada pelo IBGE, a taxa média anual de desocupação (nas regiões metropolitanas) em 2002 era de 12,6%, enquanto a mesma taxa em 2010, último ano do Governo Lula, era de 6,7%.

173 mercado de consumo de massas e a redução da miséria e da desigualdade no país91.

Os resultados positivos, resultantes de uma política econômica “híbrida”, permitiram ganhos amplos a diferentes frações de classe, o Brasil crescia e, ao mesmo tempo, reduzia sua desigualdade.

Obviamente o desempenho da economia brasileira não pode ser desconectado de um cenário econômico mundial favorável aos “países emergentes”, de um modo geral. Nesse sentido, torna-se necessário destacar as condições favoráveis de liquidez internacional e o crescimento e importância do mercado chinês para a pauta de exportação das commodities brasileiras92. Vale ainda apontar que, apesar dos resultados positivos, o desempenho da economia do país não passou ileso de críticas que, se os reconheciam, apontavam os riscos para sua sustentabilidade no longo prazo. Nesse sentido, um ponto da crítica transitava pela “fragilidade” do crescimento, uma vez que comprometida com a poupança externa, num cenário mundial de liquidez favorecida; enquanto outro ponto passava pelo peso e ampliação dos produtos primários (commodities) na pauta de exportação, acompanhados pela redução das exportações de produtos industriais. Havia também críticas ao saldo declinante das transações correntes do balanço de pagamentos (negativos nos anos de 2008 e 2009) e resultantes, em grande parte, da política de valorização do Real no cenário internacional (aspecto que comprometia a competitividade externa dos produtos nacionais), à baixa formação bruta de capitais, à persistência das pressões

91 O coeficiente de Gini – indicador que varia de zero a um, medindo a desigualdade de um determinado universo populacional (quanto mais próximo de um, mais desigual é esse universo) – aponta para uma importante redução da desigualdade de renda no Brasil entre os anos de 2001 a 2009, uma vez que o coeficiente caiu de 0,596 para 0,543, evidenciando uma reversão no tradicional e excludente crescimento econômico brasileiro (Fonseca & Cunha & Bichara, 2013). 92 Destaca-se a importância do mercado chinês para as exportações brasileiras. Segundo Curado, “até o ano 2000 a China não constava nem mesmo entre os 10 principais países de destino das exportações brasileiras no período. Entretanto, desde 2005 ela consta entre os três principais destinos das exportações do país, se tornando líder no ano de 2009 e respondendo por um volume aproximadamente 50% superior ao dos EUA no primeiro semestre de 2010” (Curado, 2011: 101).

174 especulativas nos mercados de renda fixa, dentre outros fatores (Fonseca & Cunha &

Bichara, 2013; Curado, 2011).

Tanto os resultados positivos quanto os elementos da crítica devem levar em consideração que as políticas implementadas por um Estado capitalista resultam mais de “uma coordenação conflitual de micropolíticas e táticas explícitas e divergentes [do] que como formulação racional de um projeto global e coerente” (Poulantzas, 2000:

139). Além disso, e a despeito da relevância e validade das críticas, é possível dizer que as políticas econômicas e sociais implementadas pelo Governo Lula foram capazes de construir uma base fortalecida para o enfrentamento de um cenário econômico internacional adverso. Assim, em setembro de 2008, com o advento da crise internacional, cujo estopim foi a quebra do banco norte-americano Lehman

Brothers, a economia brasileira sofre forte impacto, devido à grande restrição de crédito na economia mundial e à significativa redução no preço das commodities, mas retoma sua trajetória de crescimento já a partir de 2010.

Para o enfrentamento da crise o Governo adotou medidas expansionistas nas

áreas fiscal, monetária e creditícia. Houve aumento de liquidez, redução da taxa Selic, a rede de proteção social, assim como os investimentos públicos, dentre os quais se destaca o PAC, foram mantidos, houve ainda desonerações tributárias temporárias e permanentes, aumento de crédito por parte de bancos públicos e aumento de investimento público no setor de habitação (In: Sader, 2013).

O investimento no setor habitacional já vinha ocorrendo por meio do PAC, com recursos voltados à infraestrutura social e urbana, mas intensifica-se a partir de 2009 com o lançamento do Programa MCMV. Para além do alto déficit habitacional do país, que exigia maior atenção social por parte do Governo, o Programa tinha como objetivo estimular o crescimento da construção civil, setor com alta capacidade de gerar emprego, que não carecia de significativas importações para se viabilizar, configurando-se, então, como importante instrumento para geração de emprego e de renda (Franco, 2012; Barbosa & Souza, 2010).

175

Se o papel mais ativo do Estado já vinha demonstrando bons resultados econômicos, a manutenção e o fortalecimento dessa atuação num cenário mundial de crise econômica mostraram-se essenciais não apenas para enfrentar a tormenta, mas para retomar o rumo do crescimento pouco tempo depois, rumo que, ao preservar emprego e renda, encontrou no aquecimento do mercado interno de consumo de massas a força motriz para continuar crescendo.

A “inflexão” no padrão de atuação macroeconômica do Estado discutida até aqui, ao estar orientada por uma concepção nacional de desenvolvimento, teve um alcance amplo no território nacional, conforme podemos verificar na tabela 6.2:

Tabela 6.2 - Previsão de investimentos regionais do PAC no período de 2007- 2010 (em R$ bilhões)

REGIÃO LOGÍSTICA ENERGÉTICA SOCIAL E TOTAL URBANA

Norte 6,3 32,7 11,9 50,9

Nordeste 7,4 29,3 43,7 80,4

Sudeste 7,9 80,8 41,8 130,5

Sul 4,5 18,7 14,3 37,5

Centro-Oeste 3,8 11,6 8,7 24,1

Nacional* 28,4 101,7 50,4 180,5

TOTAL 58,3 274,8 170,8 503,9 * Projetos de característica nacional, que não estão localizados em uma única região Fonte: PAC, 2007-2010, material para a imprensa

Enquanto a previsão de investimento em infraestrutura hídrica para o mesmo período foi:

176

Tabela 6.3 - Previsão de investimentos regionais do PAC no período de 2007- 2010 (em R$ milhões)

REGIÃO HÍDRICA

Norte 359

Nordeste 11.759

Sudeste 218

Sul 151

Centro-Oeste 171

TOTAL 12.658 Fonte: PAC, 2007-2010, material para a imprensa

Desse modo, houve desdobramentos regionais bastante positivos, não apenas relacionados aos investimentos em infraestrutura, mas também às políticas sociais de transferência direta de renda (Bolsa Família), à política de valorização real do salário mínimo, à geração de emprego e ao acesso facilitado ao crédito. Outro importante aspecto presente no Programa de Governo de 2006 (conforme já sinalizado na epígrafe do documento) foi o compromisso assumido pelo Presidente reeleito com a

área da educação. Sem nos estendermos nesse aspecto, vale ressaltar que, dentre outras importantes formas de atuação, houve significativa ampliação das

Universidades Federais no país, ampliação acompanhada pela interiorização das novas unidades. Em 2002 o país tinha 43 campi de universidades federais em funcionamento, em 2010, após a implantação do Programa de Apoio a Planos de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), esse número havia saltado para 230 campi (In: Sader, 2013).

Analisar os resultados obtidos ao longo do segundo mandato do Governo Lula

– análise que iniciamos com o Programa apresentado pelo então candidato à reeleição

– significa dialogar com conflitos, contradições, lutas e arranjos político-econômicos que se processaram dentro de um Estado-relação, onde se entrecruzam e se chocam núcleos e redes de poder. Nesse ponto, entendemos que a forma como o

177

“desenvolvimento regional” é tratado desde a formulação do Programa de Governo de

Lula (2006) só pode ser compreendida à luz desse entendimento de um Estado- relação.

Enquanto no Programa de 2002 a “Nova Política Nacional de Desenvolvimento

Regional” foi apresentada dentro de um amplo leque de propostas que passavam pela esfera econômica e também pela esfera política, ao apontar a necessidade de um

“novo pacto federativo”, no de 2006 não há apresentação de propostas diretamente relacionadas à esfera política, mas é reafirmada a necessidade de aprovação do

FNDR, de recriação da SUDAM e da SUDENE e de defesa da continuidade da implementação da PNDR, com reconhecimento das categorias sub-regionais orientando a atuação e as prioridades das políticas implementadas.

Observa-se que ao longo do Programa de 2006 a temática regional aparece diluída nas diversas propostas setoriais formuladas e inserida numa lógica de

“desenvolvimento nacional”. A importância da recriação dos órgãos de planejamento é justificada pela necessidade de “articulação regional”, sem, no entanto, que essa articulação esteja expressamente vinculada às políticas setoriais do Governo Federal.

A experiência vivenciada no primeiro mandato, marcada por uma multiplicação de conflitos, lutas e contradições, envolvendo uma ampla e complexa rede de poder, explicitou os limites para a atuação do Governo, no que se referia às políticas de desenvolvimento regional. Lembrando que, por um lado, a atuação do Estado não é o simples resultado de ações estratégicas de atores individuais – partidos, grupos de interesse, movimentos sociais –, mas se constitui a partir das dinâmicas sociais e de classe que se expressam no conjunto do aparato político. Por outro, se o Estado não pode atuar diretamente quando o processo de valorização do capital corre riscos, os conflitos e conciliações sociais devem ser equilibrados no sistema político de modo a apresentar compatibilidade com este processo (Poulantzas, 2000).

Entendemos que as propostas de recriação da SUDAM e da SUDENE e a de criação do FNDR não se colocavam necessariamente como um risco ao processo de

178 valorização do capital, tampouco em conflito com interesses regionais, sua inviabilização no primeiro mandato foi decorrente, como vimos, da articulação de ambas com a proposta da Reforma Tributária. Desse modo, a PEC nº 41-2003 era uma proposta de Governo sem condições de processamento dentro do Estado, ainda que tenha havido empenho por parte do Executivo para aprová-la, uma vez que o

Governo avaliava sua aprovação como necessária para eliminar o mecanismo que engendrava a “guerra fiscal” e que comprometia a possibilidade de um federalismo cooperativo. Entretanto, a manutenção desse mecanismo, assim como a de um federalismo competitivo e predatório, não estava em desacordo nem com o processo de valorização do capital nem com os interesses de grupos regionais.

Por fim, nos parece bastante sintomático desse desalinhamento de interesses entre Governo e frações de classe inseridas dentro dos diversos aparatos do Estado, ao longo do primeiro mandato do Governo Lula, que a proposta expressa de Reforma

Tributária tenha desaparecido do Programa de Governo de 2006.

6.2 SUDENE E PNDR: POSSIBILIDADES E LIMITES DE ATUAÇÃO

A mudança no padrão de atuação econômico-político-social do Estado nacional, em consonância com as necessidades do estágio do desenvolvimento capitalista, por um lado, preserva a forma e a função do Estado capitalista, por outro, implica alterações no seu formato, com o surgimento de novos aparelhos e alterações no papel de alguns deles dentro da “ossatura estatal”. É nesse contexto que a SUDENE ressurge, enquanto órgão federal especializado, voltado ao planejamento, à coordenação e à fiscalização de políticas de desenvolvimento regional.

Logo que assume o Governo, o Presidente reeleito sanciona, em 03 de janeiro de 2007, o decreto de Lei Complementar nº 125, instituindo a SUDENE. A autarquia especial, administrativa e financeiramente autônoma, passava a integrar

179 o Sistema de Planejamento e de Orçamento Federal, permanecendo com sede em

Recife (PE) e vinculada ao Ministério da Integração Nacional, conforme redigido no artigo primeiro da Lei93.

A atuação do órgão na região Nordeste, que também cobre alguns municípios dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo94, tem como finalidade a promoção do desenvolvimento includente e sustentável, além da integração econômica, nacional e internacional, competitiva da base produtiva regional. Dentre outras competências, cabe à SUDENE na sua área de atuação:

1. A definição de metas econômicas e sociais capazes de promover o

desenvolvimento sustentável;

2. A formulação de planos e diretrizes para o desenvolvimento em

consonância com a PNDR e articulados aos planos estaduais e

locais de desenvolvimento;

3. Propor diretrizes para definição da política industrial regionalizada;

4. Articulação e propostas de programas e ações nos Ministérios

setoriais para o desenvolvimento regional;

5. Articulação de ações dos órgãos públicos operantes na sua área de

atuação;

6. Fomento à cooperação das forças sociais representativas;

7. Auxiliar, juntamente com o MI, o MPOG na elaboração do PPA, da

Lei de Diretrizes Orçamentárias e do OGU, tendo em vista os

projetos e atividades de sua competência;

93 O documento pode ser consultado no site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp 125.htm. Ao mesmo tempo em que a SUDENE é recriada, extingue-se a ADENE – acessado em setembro de 2015. 94 A área de atuação da SUDENE abrange os nove estados nordestinos e alguns municípios do norte de Minas Gerais, do Espírito Santo e do Vale do Mucuri inseridos na chamada área do Polígono das Secas e ou que sofrem com o fenômeno.

180

8. Estímulo e apoio, por meio de incentivos e benefícios fiscais, aos

investimentos privados prioritários, às atividades produtivas e às

iniciativas de desenvolvimento sub-regional, seguindo as definições

de seu Conselho Deliberativo.

Como instrumentos de ação, a Lei Complementar nº 125 apresenta o Plano

Regional de Desenvolvimento do Nordeste (a ser encaminhado ao Congresso

Nacional para apreciação e deliberação); o FNE, o FDNE e prevê outros instrumentos a serem definidos em lei. No parágrafo primeiro do artigo quinto, ressalta-se que os “recursos destinados ao desenvolvimento regional de caráter constitucional, legal ou orçamentário integrarão o plano regional de desenvolvimento do Nordeste, de forma compatibilizada com o PPA do Governo

Federal”95. Como fonte de receitas a SUDENE conta com dotações orçamentárias do OGU, com transferências do FDNE, equivalentes a 2% do valor de cada liberação de recursos, e com outras receitas previstas em lei.

A instituição passa a ser composta pelo seu Conselho Deliberativo, Diretoria

Colegiada, Procuradoria-Geral, vinculada à Advocacia-Geral da União, Auditoria-

Geral e Ouvidoria. O Conselho Deliberativo, que se reúne trimestralmente ou sempre que convocado por sua Presidência, é composto pelos Governadores dos nove estados nordestinos mais os Governadores dos estados de Minas Gerais e

Espírito Santo (na ausência desses, somente podem ser representados pelos respectivos vice-governadores), pelos Ministros de Estado da Fazenda, da

Integração Nacional e do Planejamento, pelos demais Ministros de Estado das demais áreas de atuação do Executivo Federal (quando ausentes, somente podem ser substituídos pelo Secretário-executivo do respectivo Ministério), por três representantes dos municípios, por três representantes da classe empresarial e três representantes da classe trabalhadora, todos de sua área de atuação, pelo

95 Conf. Lei Complementar nº 125 – 2007.

181

Presidente do BNB e pelo Superintendente do órgão (nomeado pelo Presidente da

República).

A despeito de seu amplo leque de competências, a atuação da SUDENE ficou condicionada à administração dos Fundos e à adoção de políticas de incentivos fiscais, aspecto que, como discutido no capítulo anterior, devia ser evitado, já que considerado insuficiente para o alcance dos fins aos quais a nova

SUDENE lançava-se96. Apesar de ter sua atuação muito próxima daquela exercida pela ADENE, nota-se que houve um incremento na quantidade de projetos e nos recursos administrados pela instituição.

Em relação ao FNE, por exemplo, que atende de forma ampla os setores da economia, independente do porte dos tomadores de recursos do Fundo, observamos um significativo aumento no número de operações contratas pela instituição entre os anos de 2000 a 2009, sobretudo nos anos de 2005 e 2006, quando as operações ainda eram contratadas pela ADENE:

Tabela 6.4 - Número de Operações Contratadas pelo FNE (2000 a 2009)

ANO FNE

2000 47.621

2001 16.583

2002 25.093

2003 24.899

2004 173.486

2005 531.557

2006 619.404

2007 371.316

2008 329.272

2009 380.421

Fonte: “A PNDR em dois tempos: a experiência apreendida e o olhar pós 2010” (MI, 2010: 51).

96 Conf. GTI-SUDENE.

182

Quanto ao FDNE, que direciona os recursos provenientes do OGU para a infraestrutura econômica e para projetos estruturadores na Região, nota-se o incremento contínuo do orçamento do Fundo,

Tabela 6.5 - Comparação valor orçado, empenhado e liberado

ANO ORÇAMENTO FDNE EMPENHO LIBERAÇÃO FDNE FDNE

2007 1.156.105.543 50.626.664

2008 1.278.477.434 432.333.753 70.559.612

2009 1.479.713.302 1.479.713.302 196.122.072

Total 2.758.190.736 1.912.047.055 266.681.684

Fonte: “A PNDR em dois tempos: a experiência apreendida e o olhar pós 2010” (MI, 2010: 56).

Sobre as liberações do FDNE efetuadas no período, observa-se, no entanto, a concentração dos recursos em poucos projetos, com destaque para o setor de energia eólica:

Tabela 6.6 - Projetos aprovados e contratados (em R$) - FDNE

SETOR QUANTIDADE VALOR FDNE INVESTIMENTO VALOR DE PROJETOS TOTAL LIBERADO

Cerâmica 1 47.987.358 92.893.448 26.420.000

Energia 4 528.649.077 886.605.127 240.261.684 Eólica

Transporte 1 2.672.400.000 5.340.164.854 -

Total 6 3.249.036.436 6.319.663.429 266.681.684

Fonte: “A PNDR em dois tempos: a experiência apreendida e o olhar pós 2010” (MI, 2010: 55).

Em relação aos mecanismos de renúncia tributária, baseados em IR-PJ e no

IOF, também houve no período (2003-2009) considerável aumento na concessão de isenções aos setores considerados prioritários para a economia da Região e que apresentaram projetos de instalação, ampliação, modernização ou diversificação de planta e ou atividade:

183

Tabela 6.7 - Renúncia Tributária – IRPJ e IOF (em R$)

ANO SUDENE

2003 835.305.419

2004 1.279.100.108

2005 1.694.414.098

2006 1.591.137.506

2007 1.843.040.753

2008 2.239.244.688

2009 2.493.859.905

TOTAL 11.976.102.477

Fonte: “A PNDR em dois tempos: a experiência apreendida e o olhar pós 2010” (MI, 2010: 57).

Se, por um lado, houve incremento nos recursos administrados pela instituição, por outro, houve dificuldades para se implementar planos e ações que objetivavam promover a interação, integração e coordenação de políticas de corte territorial voltadas ao desenvolvimento regional. Como exemplo, o decreto de Lei

Complementar nº 125 estabeleceu como instrumento de ação do órgão o Plano

Regional de Desenvolvimento do Nordeste, cuja finalidade era orientar as estratégias e ações de desenvolvimento, assim como a promoção de iniciativas voltadas às áreas prioritárias, conforme estabelecido pela PNDR, e que deveria ser encaminhado ao Congresso Nacional para avaliação e aprovação da Lei. Porém, diante das dificuldades enfrentadas, inclusive no que se refere ao quadro técnico da instituição, não foi possível dar cumprimento à Lei durante todo o segundo mandato do Presidente Lula (Amparo, 2014).

A instituição ressurgia, mas preservava-se o distanciamento entre o planejado e as suas possibilidades reais de concretização. A atuação da “nova”

SUDENE ficava novamente restrita ao econômico. No plano político, o objetivo de promover desenvolvimento a partir de um federalismo regionalizado cooperativo esbarrava nos diversos aparatos do Estado, nas suas ramificações estaduais e

184 municipais. No plano social a limitação e os condicionantes para a utilização dos recursos disponíveis fragilizavam e apequenavam a sua atuação.

Desse modo, fortalecia-se o mecanismo capaz de promover o retorno do padrão de transferência de parte da mais-valia arrecadada pelo Estado à reprodução ampliada do capital, de modo a recuperar e reestruturar o setor produtivo regional e sua infraestrutura econômica, que deixados às regras do livre mercado dos anos de

1990 enfraqueceram-se sobremaneira, em virtude da debilidade do mercado regional para inserir-se num cenário global competitivo.

A SUDENE colocava-se, então, como uma peça importante para o novo padrão de atuação econômico-político-social do Estado nacional, no sentido de fomentar, ampliar e reforçar a estrutura produtiva regional, na medida em que se mostrava alinhada a esse padrão de atuação, que retomava o papel do Estado como indutor e protagonista do crescimento e desenvolvimento econômicos.

***

O debate sobre a retomada do planejamento do Estado e sobre a implementação de políticas nacionais voltadas ao desenvolvimento regional deve também levar em consideração a PNDR, na medida em que essa Política coloca-se como eixo central dessa retomada, que vinha ocorrendo desde o primeiro mandato do Governo Lula, pois era entendida como peça-chave para a reconstrução do país, para a redução das desigualdades econômico-sociais e para a retomada do crescimento. Desse modo, entendemos que a recriação da SUDENE, assim como de outras Superintendências regionais, coloca-se como peça indispensável ao funcionamento de uma engrenagem maior prevista pela PNDR, inserida, por sua vez, no padrão de atuação do Estado, que responde às necessidades específicas de um dado estágio do desenvolvimento capitalista. Assim, esse novo padrão de atuação do Estado, a recriação da SUDENE e a PNDR estão inseridos e constritos

185 num universo de “possíveis historicamente dados”, permeado por lutas, interesses, conflitos e contradições.

Em 22 de fevereiro de 2007, o Presidente Lula decreta a PNDR (Decreto nº

6.047), que, embora já viesse orientando a atuação do Governo federal no que se refere às políticas de desenvolvimento regional, se torna política oficial de Governo apenas no início do segundo mandato97.

A PNDR tem como objetivo orientar os programas e as ações federais no território nacional, articulando ações que, no seu conjunto, tenham como objetivo promover melhor distribuição da ação e dos investimentos públicos, com foco particular nas microrregiões de ação prioritária, conforme a tipologia de múltiplas escalas desenvolvida pelo MI e validada pelo Decreto de implementação da

Política. Na escala macrorregional, devem ser elaborados Planos Estratégicos de

Desenvolvimento, com prioridade para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, sob coordenação das Superintendências Regionais98. Os planos, programas e ações da PNDR, assim como as políticas de desenvolvimento macrorregional, devem estar articulados ao PPA e, consequentemente, à Lei de Diretrizes

Orçamentárias.

Além disso, a PNDR apresenta como áreas de tratamento prioritário o Semi-

Árido, a Faixa de Fronteira e as Regiões Integradas de Desenvolvimento (RIDE‟s), bem como outras áreas consideradas relevantes, a partir de impacto territorial previsível decorrente de investimentos estruturantes, a serem promovidos pelo

Governo Federal.

Quanto aos instrumentos financeiros fiscais, a Política dispõe do OGU,

Fundos Constitucionais das Regiões (Norte, Nordeste e Centro-oeste), Fundos de

97 O documento pode ser consultado no site: http://www.mi.gov.br/documents/10157/c5460640- 8b23-43de-ba2a-1fd0ee391aa0 - acessado em novembro de 2015. 98 A SUDAM também foi recriada na mesma data de recriação da SUDENE, por meio de Lei Complementar nº 124, 03 de janeiro de 2007. Já a recriação da SUDECO demorou um pouco mais, a Superintendência ressurgiu dois anos mais tarde, por meio de Lei Complementar nº 129, 08 de janeiro de 2009.

186

Desenvolvimento, recursos dos Agentes Financeiros Oficiais, incentivos e benefícios fiscais, além de outros fundos de desenvolvimento regional que venham a ser criados. Vale ressaltar que não há condicionalidade, tampouco menção, ao

FNDR.

O documento enfatiza a importância da “interação” da Política com as políticas setoriais do Governo e, para tanto, cria a Câmara de Políticas de

Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, cuja atribuição, além de promover a articulação com as políticas setoriais, de modo a alcançar a convergência das mesmas às áreas prioritárias da PNDR, é também estabelecer diretrizes para operacionalização da PNDR, propor critérios e aprovar diretrizes para a aplicação dos recursos financeiros necessários à Política e apreciar os relatórios de monitoramentos dos planos, programas e ações implementados99.

Além dessa instância decisória e coordenativa e das Superintendências Regionais, a Política também pressupunha a criação de fóruns e agências de desenvolvimento no nível sub-regional.

Com a instituição da SUDENE, de outras Superintendências de desenvolvimento regional e com a PNDR as políticas explícitas de desenvolvimento regional adquiriam corpo institucional formal, entretanto, surgiam fragilizadas de recursos suficientes para implementar seus respectivos programas e planos de ação. Em 2008, ainda que a Reforma Tributária não tivesse sido proposta expressa do Programa de Governo de Lula (2006), o Governo inicia novamente negociações no Congresso Nacional relacionadas à PEC 31 e à aprovação do FNDR. Mais uma vez o Fundo entrou na discussão como moeda de troca apresentada pelos

Governadores, que exigiam gestão e repasse direto aos estados. Pouco se avançou na discussão, mais uma vez inviabilizada pelos interesses conflitantes entre os diversos aparatos do Estado, desdobrados, nesse caso, no modelo federativo de organização do Estado brasileiro (In: Sader, 2013).

99 Conf. Decreto nº 6.047-2007.

187

Sem a aprovação do Fundo, tanto a ação do MI quanto das

Superintendências Regionais ficou enfraquecida e dependente dos Fundos

Constitucionais já existentes e de incentivos e benefícios fiscais 100. Com isso, ações que não se enquadravam nas linhas ofertadas pelos Fundos, como, por exemplo, infraestrutura econômica, promoção da inovação, capacitação de recursos humanos, assistência técnica e outras, entendidas como necessárias à transformação das dinâmicas produtivas regionais, ficaram dependes de negociações orçamentárias ad hoc e ou de negociações com programas setoriais do Governo (Amparo, 2014).

Enquanto coube à SUDENE administrar, aprovar e fiscalizar projetos beneficiados por incentivos fiscais, sobretudo, coube ao MI coordenar projetos com orçamentos aprovados no PPA, como o Programa de Promoção da

Sustentabilidade de Espaços Sub-regionais (PROMESO)101, CONVIVER102,

Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF)103, entre outros104. Uma das grandes contribuições da PNDR foi estabelecer uma tipologia “sub-regional” do território nacional, dividido em quatro categorias espalhadas por todas as macrorregiões do país (baixa renda, estagnadas,

100 Os Fundos Constitucionais funcionam como os principais instrumentos de incentivo para financiamento de atividades produtivas, nas respectivas macrorregiões do país, mas pressupõem a iniciativa do setor privado. “Os Fundos Constitucionais emprestam recursos aos diversos setores da economia e a tomadores de todos os portes, desde o agricultor familiar e a microempresa até o grande produtor e os grandes projetos estruturantes.” (PNDR em dois tempos, 2010: 48). 101 O PROMESO, “incentiva a interface entre as diversas ações do governo em espaços específicos, as Mesorregiões Diferenciadas, as quais envolvem regiões de um ou mais estados, regiões essas que compartilham características comuns em aspectos culturais, socioeconômicos, políticos e ambientais” (PNDR em dois tempos, 2010: 22). 102 O Programa CONVIVER, voltado ao Semiárido, “busca a sustentabilidade econômica da região e a integração das ações do Governo Federal direcionadas para essa que é reconhecida nacionalmente como umas das regiões brasileiras mais carentes de intervenção estatal” (PNDR em dois tempos, 2010: 26). 103 O PDFF “tem como orientação a mudança no padrão de intervenção pública federal das últimas décadas na região (...) e propõe um novo paradigma na relação do Brasil com seus vizinhos no continente americano” (PNDR em dois tempos, 2010: 29). 104 O cartograma com as áreas prioritárias de atuação da PNDR pode ser visto no Anexo B deste trabalho.

188 dinâmicas e alta renda), assim, na interação do MI com outros Ministérios e programas setoriais, houve empenho para que as políticas a serem implementadas levassem em consideração essa tipologia na fase de planejamento de sua atuação territorial105.

Ainda sobre os recursos orçamentários com os quais contava o MI, vale destacar que em 2008 o Governo lança o Programa Territórios da Cidadania, do

MDA e sob coordenação da Casa Civil, cuja ação voltava-se exclusivamente às

áreas rurais enquadradas na tipologia de baixa renda com natureza social. Os objetivos do Programa, que contavam com recursos do OGU, alinhavam-se “à tendência geral do Governo Lula de privilegiar o combate à pobreza” e estavam direcionados àquelas regiões de ação prioritária da PNDR (Amparo, 2014: 190).

Desse modo, passou a haver concorrência entre recursos e finalidades perseguidos pelos Ministérios, uma vez que a atuação do Programa do MDA centrava-se na

área social, sem passar pela dimensão dos investimentos estruturantes que se colocavam no foco de atuação da PNDR.

Como consequencia, os recursos dos quais dispunha o MI para os programas anteriormente apontados (muitos deles de base territorial coincidente com o Programa Territórios da Cidadania) sofrem significativo impacto a partir de

2008, como podemos ver na figura 6.1, evidenciando o contínuo enfraquecimento da Política ao final do segundo mandato do Presidente Lula:

105 A tipologia desenvolvida com sua disposição pelo território nacional pode ser vista no cartograma que consta no Anexo A deste trabalho.

189

Figura 6.1 - Índice de evolução dos gastos dos programas da PNDR, inscritos nos PPA 2004-2007 e 2008-2011, no período 2004-2010

Fonte: PNDR – avaliação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional, 2011.

Se, por um lado, faltavam recursos orçamentários suficientes à SUDENE e ao MI para implantar programas e ações de impacto na estrutura produtiva regional

– sem que esses passassem pela solicitação e iniciativa do setor privado –, por outro, os investimentos do PAC, presentes em todas as regiões do país, desempenhavam esse papel. No Nordeste, em especial, destacam-se no período os investimentos realizados pelo Projeto de Integração do São Francisco, pela

Ferrovia Transnordestina, pelo Programa MCMV, pelo Programa Luz Para Todos

(extensão da rede de luz elétrica para áreas não atendidas), pela ampliação de crédito às pessoas físicas e jurídicas. Além disso, mudanças no padrão de atuação da Petrobrás, alinhadas ao PAC, também trouxeram impactos regionais positivos: o estímulo em sua política de compras aos produtos nacionais contribuiu para o renascimento da indústria naval no país, com a instalação de estaleiros em

Pernambuco, Alagoas, Bahia e Maranhão; também houve mudança no padrão espacial de investimento em novas refinarias, com destaque para a Refinaria Abreu e Lima, em Suape (PE), que atraiu investimentos para esse complexo portuário- industrial, impactando na dinâmica econômica da região (In: Sader, 2013).

190

Sobre as tentativas de interação e coordenação entre políticas setoriais de corte territorial, o MI também buscou diálogo com o Ministério do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio Exterior (MDIC), uma vez que esse Ministério era responsável pelos chamados Arranjos Produtivos Locais (APLs). Essa importante iniciativa, que envolvia vários órgãos federais, tais como BNDES, Banco do Brasil, Ministério da

Ciência e Tecnologia, SEBRAE, entre outros, dialogava com a diversidade econômica regional brasileira e tinha como objetivo estimular ações empreendedoras de micro e pequenas empresas que se valem, na maioria das vezes, de tradicionais especializações produtivas locais e são capazes de gerar emprego e renda.

Com o Ministério do Turismo (MTur) também houve iniciativa de diálogo, de modo que o Plano Nacional de Turismo (PNT), desdobrado em programas de regionalização do turismo, intitulado “Programa Roteiros do Brasil”, levasse em conta a tipologia elaborada pelo MI, já que pela “sua transversalidade e capacidade de ativar e dinamizar economias regionais, o Programa é visto como significativo para o desenvolvimento regional” (PNDR em dois tempos, 2010: 36).

Entretanto, apesar das iniciativas e canais de diálogo estabelecidos com diversos aparatos do Estado, prevaleceram as dificuldades de planejamento e coordenação intersetorial, além disso, não houve “apoio consistente de capacitação institucional dos fóruns e agências de desenvolvimento sub-regionais para que pudessem assumir as funções de articulação e coordenação que lhes havia sido atribuída” (Amparo, 2014:187).

A Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, por exemplo, que tinha como objetivo promover a interação da PNDR com as políticas setoriais do Governo e que havia se reunido algumas vezes entre 2003 e

2006, antes, portanto, que a Política se tornasse oficial, entra em inatividade a partir daquele ano, “não sendo mais convocada ao longo de todo o 2º mandato do

Governo Lula” (Amparo, 2014: 188).

191

Diante dos problemas enfrentados, em 2010 o MI lança o documento intitulado “A PNDR em dois tempos: a experiência apreendida e o olhar pós 2010”, cujo objetivo era fazer um balanço dos trabalhos realizados desde 2003 e entregar

à equipe que chegaria ao Governo em 2011 propostas e indicativos quanto às dificuldades enfrentadas e aos aspectos que o Ministério considerava necessários à implementação da PNDR. As mudanças sugeridas agrupavam-se em torno de três eixos:

1. Transformação da PNDR em política de Estado;

2. Estabelecimento de um modelo institucional (“modelo de

governança”) capaz de garantir articulação, coordenação e

integração das ações federais no território;

3. Criação do FNDR.

Quanto ao primeiro ponto, apresentado como “carro-chefe”, o documento destaca que, diante das desigualdades regionais do país, a PNDR não pode ficar refém de mandatos governamentais e aponta a necessidade de transformá-la de política de Governo para política de Estado. Segundo a proposta, após amplo debate com a sociedade e consulta pública, o Projeto de Lei seria encaminhado ao

Congresso Nacional, de modo que a PNDR se tornasse um compromisso do “povo brasileiro”.

Em relação ao “modelo de governança”, o documento reconhece as dificuldades típicas de um federalismo de três entes, dotados de autonomia política e administrativa, para a implementação de políticas nacionais de desenvolvimento regional. Se o MI e, consequentemente, a SUDENE já enfrentavam dificuldades de interação com órgãos federais de atuação territorial, essa dificuldade torna-se ainda maior quando se leva em consideração as esferas estaduais e municipais de

Governo. Nesse ponto, vale destacar que a tipologia espacial formulada pela PNDR

192 não necessariamente convergia com as tipologias estabelecidas pelos Governos estaduais para orientar suas ações prioritárias no espaço.

De modo a garantir articulação, coordenação e integração das ações no território, propunha-se um desenho institucional composto por quatro instâncias de deliberação e gestão. Duas delas no âmbito federal, o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Regional e a Câmara Interministerial de Gestão Integrada de

Políticas Regionais. Enquanto caberia ao Conselho

definir as estratégias nacionais de desenvolvimento regional; propor e rever critérios para aplicação de recursos em programas e ações com impacto para o desenvolvimento regional; aprovar o plano de ação plurianual para implementação da PNDR e avaliar periodicamente a condução dos programas e ações (PNDR em dois tempos, 2010: 94),

Caberia à Câmara Interministerial assessorar técnica e administrativamente o Conselho, além de conduzir “o trabalho de coordenação e convergência das programações dos ministérios e agências com atuação regional, inclusive do MI, de forma articulada com as Unidades da Federação”, evitando, desse modo, a superposição de ações e a pulverização de recursos (PNDR em dois tempos, 2010:

94).

A terceira instância, os Comitês Estaduais de Gestão de Políticas no

Território, de âmbito estadual, entre outras funções, teria como objetivo central promover a compatibilização entre a atuação federal e a atuação estadual, além de contribuir para a elaboração da abordagem territorial do plano de desenvolvimento estadual, acompanhando e fiscalizando sua implementação.

Por fim, haveria as Instâncias Representativas de Interesses Sub-regionais, em cada Estado da Federação, cuja função seria participar dos núcleos regionais dos Comitês Estaduais de Gestão de Políticas no Território, propondo e elaborando projetos de interesse dos Comitês, além de participar da definição de prioridades de

193 aplicação dos recursos e colaborar com a avaliação dos planos e programas executados. A figura 6.2 ilustra bem o papel e a articulação das quatro instâncias de gestão e deliberação propostas pelo documento:

Figura 6.2 - Modelo de governança proposto pela PNDR

Fonte: “A PNDR em dois tempos: a experiência apreendida e o olhar pós 2010” (MI, 2010).

Já a proposta de criação do FNDR tinha como objetivo criar um instrumento capaz de viabilizar financeiramente os planos e programas constitutivos da PNDR, mas que também tivesse uma abrangência maior que os Fundos Constitucionais existentes, “voltados exclusivamente para o setor produtivo das macrorregiões

Norte, Nordeste e Centro-Oeste” (PNDR em dois tempos, 2010: 85). A proposta de criação do Fundo estava atrelada à proposta de Reforma Tributária, que objetivava dar cabo à “guerra fiscal” e que propunha alterar e simplificar a arrecadação de vários impostos federais num imposto único (Imposto de Valor Agregado – IVA), e adotava como base de cálculo para a composição do FNDR os mesmos critérios do

FPM e FPE106. O Fundo proposto também poderia ser utilizado como incentivo para o setor produtivo e poderia também ser transferido aos fundos estaduais de fomento ao desenvolvimento regional, desde que os projetos e programas estaduais estivessem alinhados à PNDR, mas, o mais importante, estaria sob

106 No contexto de elaboração do documento, a PEC nº 31 da Reforma Tributária ainda tramitava no Congresso Nacional.

194 gestão do MI e estaria livre das condicionantes dos fundos regionais já existentes para desenvolver programas de cunho social e econômico nas regiões prioritárias de atuação da Política.

O documento propositivo formulado em 2010 foi acolhido pela equipe dirigente que assume o MI no início de 2011, após disputa eleitoral que conduziu

Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República. Novas negociações foram retomadas com a Casa Civil e uma nova proposta de PNDR, fase II, começou a ser formulada pela SDR. Novos mecanismos de financiamento da Política foram propostos, como, por exemplo, a vinculação de parte dos royalties do petróleo à

PNDR, já que a aprovação do Fundo, atrelada à Reforma Tributária, enfrentava dificuldades para aprovação no Congresso.

No início de 2012 foi realizada a 1ª Conferência Nacional de

Desenvolvimento Regional, que contou com participantes da sociedade civil de todas as unidades da Federação. O documento formulado no Encontro, que deveria ser transformado em projeto de lei a ser encaminhado ao Congresso Nacional no ano seguinte, propunha, além da ampliação das fontes de recurso, a consolidação de um “Pacto de Metas” capaz de assegurar a convergência da ação do Governo no território, levando em consideração a tipologia sub-regional da PNDR.

Entretanto, as negociações e os desentendimentos entre Governo e sua base política de apoio no Congresso enfraqueceram a relação do PSB, que conduzia o MI na ocasião, culminando na saída do Ministro, do Secretário

Executivo e do Secretário da SDR em fins de 2013, “entrando, em consequencia, a

PNDR mais uma vez em compasso de espera” (Amparo, 2014: 192)107.

107 Até o momento em que finalizamos essa pesquisa, pouco se avançou na discussão. A PNDR fase II ainda não percorreu todos os trâmites legais para se converter em Lei. Como consequencia, tanto a PNDR quanto as Superintendências Regionais continuam a enfrentar dificuldades no que se refere às fontes de financiamento e aos mecanismos de governança, capazes de viabilizar financeira e institucionalmente a realização de programas, metas e ações voltadas ao desenvolvimento regional planejado, articulado, coordenado, sinérgico e cooperativo. Entre atores sociais, pesquisadores e especialistas envolvidos com o assunto, permanece o entendimento de que o FNDR é uma fonte de recurso ideal para o financiamento

195

***

Ao longo desse capítulo discutimos a mudança no padrão de atuação econômico-político-social do Estado e a sua relação com políticas nacionais de desenvolvimento regional. A “inflexão” desse padrão, aproximando-se do modelo novo-desenvolvimentista, ainda que adotando características “híbridas”, foi capaz de promover a retomada do crescimento econômico do país com redução de desigualdades sociais.

O Estado voltou a investir em infraestrutura, ampliou e implementou programas sociais, adotou políticas econômicas amplas de incentivo ao crédito, de valorização real do salário mínimo, houve significativa geração de empregos e retomou seu papel de indutor do desenvolvimento e crescimento econômicos por meio do planejamento, impactando na melhora dos indicadores de desigualdade social. Vale destacar que houve, no período, significativos investimentos na área da educação, ampliando, por exemplo, o acesso ao ensino superior em todas as regiões do país.

da PNDR, assim como permanece o entendimento de que a Reforma Tributária é o caminho ideal para se promover um federalismo cooperativo ou menos competitivo. Ambos ideais, no entanto, estão lançados no difícil território real de lutas, interesses, disputas e contradições que atravessam os diversos aparatos do Estado.

196

Tabela 6.8 - Matrículas no ensino superior no Brasil e regiões

MATRÍCULAS1 TAXA DE ESCOLARIZAÇÃO ÁREA BRUTA2 GEOGRÁFICA 2000 2010 2000 2010 NORTE 115.058 413.455 5,2% 16,5%

NORDESTE 414.308 1.136.148 5,2% 14,1%

SUDESTE 1.398.309 2.953.504 12,4% 27,1%

SUL 542.435 1.291.021 14,6% 34,6%

CENTRO-OESTE 225.817 585.171 11,6% 28,5%

BRASIL 2.695.927 6.379.299 10,0% 23,4%

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira / MEC. 1 Matrículas em ensino presencial e a distância. 2 Compara o total de matrículas de determinado nível de ensino com a população na faixa etária adequada a esse nível (In: Sader, 2013: 170).

Assim, entendemos que, por um lado, após a insatisfação com o modelo neoliberal dos anos de 1990, justificada pelos indicadores econômicos negativos do final da década que demonstravam a incapacidade do mercado para promover

“equilíbrios”, e, por outro, os ganhos conquistados no primeiro mandato do

Presidente Lula, traduzidos inclusive numa maior confiança no Governo, o núcleo dirigente que estava à frente do comando do Estado no segundo mandato do

Presidente Lula passa a ter mais condições de processar conflitos sociais e promover novos e necessários equilíbrios.

Desse modo, após aquelas experiências, a retomada do planejamento, que nada mais é do que “uma forma transformada do conflito social, e sua adoção pelo

Estado em seu relacionamento com a sociedade é, antes de tudo, um indicador do grau de tensão daquele conflito, envolvendo as diversas forças e os diversos agentes econômicos, sociais e políticos”, indica um novo momento do desenvolvimento do capitalismo no Brasil (Oliveira, 1993a: 23).

As regiões foram integradas de forma particular em cada estágio desse desenvolvimento – entendendo aqui região como espaço socioeconômico, onde a

197 reprodução do capital se processa de forma particular (Lencioni, 2009; Oliveira,

1993a). Desse modo, dependendo das necessidades de cada estágio, as regiões são integradas de forma mais central no processo de desenvolvimento ou colocadas à margem dele e o padrão de atuação do Estado alinha-se às necessidades desse estágio.

Como vimos, quando o planejamento foi deixado a cargo do mercado, as regiões marginalizadas aumentaram significativamente, porém, diante das necessidades corretivas, já que as possibilidades de resultado do estágio neoliberal haviam se esgotado, recupera-se a ideologia de planejamento estatal, que se concretiza por meio de políticas territoriais, para se restabelecer o equilíbrio rompido no processo de desenvolvimento capitalista.

Nesse sentido, as políticas nacionais explícitas e implícitas de desenvolvimento regional só podem ser entendidas nesse contexto, na medida em que estão articuladas ao padrão de atuação econômico-político-social do Estado que, por sua vez, responde às necessidades do estágio do desenvolvimento capitalista.

Entendemos que diante da diversidade e complexidade dos aparatos que compõem o Estado, o caminho menos tortuoso para atender a essas necessidades estabeleceu-se por meio das políticas implícitas, uma vez que elas não passavam pelas arenas estaduais de conflitos, lutas, interesses e contradições. Assim, tanto as políticas de impacto social mais imediato, sob coordenação do MDS, MDA, entre outros, quanto aquelas de impacto econômico, coordenadas pelo Ministério da

Fazenda, MDIC, MTur, ou ainda aqueles programas voltados à infraestrutura, como o PAC, atendiam à necessidade de restabelecer ou estancar desequilíbrios regionais e, contraditoriamente, ao mesmo tempo em que concretizavam uma política nacional de desenvolvimento regional, enfraqueciam a atuação das políticas explícitas a cargo do MI.

198

Assim, é indiscutível que as políticas sociais e econômicas do Governo Lula trouxeram resultados positivos à região Nordeste, mas estes vieram muito mais em função das políticas implícitas do que propriamente como resultado das políticas explícitas (In: Sader, 2013).

Apesar do empenho inicial do Governo Lula com relação à recriação da

SUDENE, à aprovação da PNDR e do FNDR, acreditamos que as dificuldades enfrentadas ao longo do primeiro mandato serviram como aprendizado para que a atuação do Estado passasse por outros aparatos menos obstaculizados no segundo mandato do Presidente Lula.

Diante disso, a SUDENE que ressurge em 2007 é muito diferente daquela surgida em 1959. Primeiro por que o estágio do desenvolvimento capitalista é outro, de modo que a instituição já não desempenha mais o seu papel-chave de outrora.

Tanto que a SUDENE de 2007, além de estar submetida a uma política nacional de desenvolvimento regional ampla, já não responde mais diretamente à Presidência, mas a um Ministério que, como discutido no quinto capítulo, nunca esteve sob comando do PT ao longo dos dois Governos Lula, indicando que, embora as questões regionais se colocassem como problema central de Governo, sua solução mais efetiva passaria por outros aparatos do Estado.

Entendemos que os objetivos da PNDR configuram-se como essenciais para o enfrentamento das desigualdades regionais que atravessam o país, ainda mais quando levamos em consideração que os resultados obtidos durante os dois mandatos do Governo Lula, apesar de apresentarem resultados positivos para a região Nordeste, trouxeram crescimento regional insuficiente para se superar o recalcitrante “hiato” entre a base demográfica e a base econômica nordestina e apresentaram modesto impacto na desconcentração de produção de riquezas no país, conforme podemos observar nas tabelas 6.9 e 6.10:

199

Tabela 6.9 - Participação da Região Nordeste no PIB Nacional e Peso da População Regional no Brasil 2000-2010 (em %)

Participação da Região Nordeste no PIB Nacional e Peso da População Regional no Brasil 2000-2010 (em %)

INDICADOR 2000 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

PIB 13,0 12,8 12,7 13,1 13,1 13,1 13,1 13,5 13,5

População 28,12 27,83

Fonte: IBGE – Sistema de Contas Nacionais e Censo Demográfico

Tabela 6.10 - Participação das Macrorregiões no PIB Nacional – 2002-2010 (em %)

Participação das Macrorregiões no PIB Nacional - 2002-2010 (em %) Macrorregiões 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Centro-Oeste 8,8 9,0 9,1 8,9 8,7 8,9 9,2 9,6 9,3

Nordeste 13,0 12,8 12,7 13,1 13,1 13,1 13,1 13,5 13,5

Norte 4,7 4,8 4,9 5,0 5,1 5,0 5,1 5,0 5,3

Sudeste 56,7 55,8 55,8 56,5 56,8 56,4 56,0 55,3 55,4

Sul 16,9 17,7 17,4 16,6 16,3 16,6 16,6 16,5 16,5 Fonte: IBGE – Sistema de Contas Nacionais

Entretanto, a despeito do válido e necessário esforço para se promover a interação, coordenação e cooperação entre políticas setoriais e entes federativos, que deve sempre buscar o diálogo possível, já que o planejamento regional efetiva- se através de um conjunto de instrumentos capazes de induzir a ação de múltiplos atores representados nos respectivos aparatos do Estado, consideramos que a proposta de transformar a PNDR em política de Estado mostra-se desajustada da própria função do Estado capitalista, que deve continuamente processar e responder às necessidades particulares dos estágios do desenvolvimento capitalista, chamando para si o papel de planejador e indutor do desenvolvimento, de modo a restabelecer necessários equilíbrios rompidos pela atuação do mercado, ou entregando para ele essa função, afinal, “não é o planejamento que planeja o

200 capitalismo, mas é o capitalismo que planeja o planejamento” (Paul Baran apud

Oliveira, 1993a: 25).

Por fim, embora o FNDR seja essencial para viabilizar financeiramente a

PNDR, condicioná-lo à aprovação da Reforma Tributária o lança a um futuro incerto e distante de aprovação. Como discutimos, uma das finalidades da proposta dessa

Reforma é acabar com o mecanismo que engendra a “guerra fiscal” e que promove um federalismo competitivo e predatório. Entretanto, a padronização da alíquota estadual do ICMS, com punições legais aos eventuais descumpridores da lei, não interessa nem aos Governos estaduais, na medida em que limita sua capacidade de barganha na tentativa de atrair investimentos privados para seus respectivos estados, nem ao setor privado, que tira vantajosos proveitos desse mecanismo de competição. Por fim, consideramos que o arrefecimento da “guerra fiscal” durante os dois Governos Lula – que havia sido intensa na década de 1990 marcada por contexto de baixo crescimento econômico – ocorreu em função da retomada do crescimento econômico e da recuperação da capacidade de investimento do

Estado, entretanto, a principal engrenagem para seu retorno num cenário que se assemelhe ao da década de 1990 permanece, infelizmente, ativa.

201

7 CONCLUSÃO

Ao longo desse estudo, analisamos a SUDENE na condição de aparato estatal que se ajusta ao padrão de atuação político-social-econômica do Estado, que, por sua vez, não é estanque e se modifica em resposta às necessidades dos estágios e fases do desenvolvimento capitalista.

Analisamos ainda como os objetivos planejados pela instituição efetivaram- se e efetivam-se parcialmente, uma vez que estão inseridos no planejamento que é um processo essencialmente político e que se concretiza como “forma transformada de conflito social” inserida em possibilidades históricas concretas permeadas por lutas, interesses, conflitos e contradições.

Nesse sentido, a reprodução ampliada do capital industrial do Sudeste demandava, no momento de criação do órgão, condições para tornar-se nacionalmente hegemônica. O surgimento da SUDENE, como aparato do Estado voltado ao planejamento regional, vai atender a essa demanda. E assim o Estado, por meio de incentivos fiscais, que nada mais é do que uma forma de transformar a mais-valia arrecadada por meio de impostos em pressupostos da reprodução do capital, torna-se produtor também no Nordeste, a exemplo do que já fazia no

Sudeste do país. O padrão de atuação do Estado desenvolvimentista do período valia-se do discurso da necessidade de integração nacional para justificar seus atos e decisões, que, na prática, promoviam a integração do mercado nacional e atendiam às necessidades daquele estágio do desenvolvimento.

É indiscutível a eficiência do modelo implementado, tanto que durante o regime militar ele foi copiado e ampliado para outras regiões do país, por meio da criação da SUDAM e da SUDECO. O mercado nacional integrou-se e o país atravessou a fase do “Milagre Econômico”, que se fez por meio de um processo intensificado de concentração de riquezas, marcado por uma “superacumulação”

202 capitalista. Com isso, intensificaram-se e espalharam-se os bolsões de pobreza pelo país.

Quando as possibilidades de acumulação esgotaram-se com o modelo desenvolvimentista, observa-se uma inflexão no padrão de atuação do Estado, necessária para atender às demandas impostas pelo novo estágio do desenvolvimento, sob hegemonia do capital financeiro nacional e internacional.

A partir daí o Estado distancia-se do seu papel de produtor, indutor e planejador do desenvolvimento econômico. O planejamento é entregue ao mercado e o Estado passa a desempenhar um papel reativo e regulador da economia, tendo na manutenção dos pressupostos macroeconômicos neoliberais o seu principal palco de atuação. É nesse contexto que as instituições de planejamento regional são desmanteladas.

Entretanto, a combinação das heranças do modelo desenvolvimentista, das quais a concentração de riquezas coloca-se como importante marca, com as do neoliberalismo, cuja ausência de ações atenuantes de combate às desigualdades regionais é traço emblemático, contribuiu para a transformação da “questão regional” em “questões regionais”. Desse modo, no início do século XXI, o resultado dessa combinação impunha limites à reprodução ampliada do capital e exigia nova inflexão no padrão de atuação do Estado, num cenário de bolsões de miséria espalhados por todo o país.

Para atender às necessidades impostas, forma-se uma nova coalizão de forças entre frações de classe no poder e, sob o comando político da esquerda, o padrão aproximou-se do que se convencionou a chamar de modelo “novo- desenvolvimentista”, já que o Estado retoma seu papel de planejador, investidor e indutor do desenvolvimento econômico, embora não tenha aberto mão de seu compromisso com os pressupostos macroeconômicos neoliberais, dada a hegemonia do capital financeiro entre as frações de classe no poder.

203

Nesse contexto, a SUDENE ressurge, não mais como o aparato capaz de viabilizar a integração do mercado nacional e possibilitar a hegemonia nacional do capital industrial do Sudeste, mas como mais um aparato inserido numa engrenagem maior e responsável por promover a recuperação da estrutura produtiva regional.

Na medida em que as “questões regionais” tinham se espalhado pelo país, no bojo dos desequilíbrios promovidos pelo desenvolvimento capitalista, era necessário recuperar os aparatos regionais de planejamento, mas era preciso estabelecer também uma PNDR e, mais que isso, era preciso orientar a atuação do

Estado para a recuperação e elaboração de novos equilíbrios, para os quais o mercado já havia demonstrado sua incapacidade.

A reprodução ampliada do capital, que necessitava, entre outras, de expansão do mercado consumidor interno, dependia de um padrão de atuação em consonância com essas necessidades, que podiam ser atendidas por meio de políticas explícitas e ou implícitas. Assim, diferentemente do que havia destacado o documento elaborado para embasar o ressurgimento da SUDENE, de que “na falta de tal política [explícita], prevalecerão as políticas regionais implícitas, que canalizam o principal das atenções e dos recursos governamentais para as regiões economicamente mais desenvolvidas e politicamente hegemônicas no País”, o estágio do desenvolvimento carecia de uma atuação mais ampla do Estado no território nacional, já que os desequilíbrios promovidos pelas fases anteriores atingiram todas as regiões, que foram nacionalmente integradas no processo de reprodução ampliada do capital. (GTI, 2003: 32).

Dentre os dois caminhos possíveis, o Estado desempenhou sua “autonomia relativa” de forma menos obstaculizada por meio das políticas implícitas, já que as políticas explícitas dependiam de interação e integração num emaranhado de

“aparatos” do Estado, onde as lutas, os interesses e as contradições multiplicam-se exponencialmente entre os três entes federativos. Coube à SUDENE desempenhar

204 novamente seu papel na dimensão econômica, contribuindo para a retomada do desenvolvimento do setor produtivo regional, distanciando-se novamente dos fins que objetivava alcançar. Entretanto, muitos desses fins eram necessários à fase do desenvolvimento capitalista e foram, em parte, alcançados por meio de políticas setoriais implícitas.

A conclusão desse trabalho, no entanto, deixa em aberto algumas possibilidades futuras de investigação. Na dimensão política, vale destacar que, quando surge, a SUDENE tinha status de Ministério, uma vez que respondia diretamente à Presidência da República, porém, quando ressurge vincula-se ao MI.

Desse modo, discutimos algumas das dificuldades enfrentadas por esse Ministério no que se refere à interação, integração e coordenação com outros aparatos do

Estado, principalmente com aqueles que integram a esfera federal e são responsáveis pela implementação de políticas setoriais de Governo. Se, quando surge, o órgão tinha na sua concepção original a promoção de um “federalismo regionalizado” cooperativo, em que medida a sua recriação em 2007 e seus instrumentos de ação são capazes de viabilizar esse objetivo? Nesse sentido, embora as dificuldades enfrentadas pelo MI no tocante à aprovação do FNDR sirvam como um bom indicativo de resposta, o diálogo estabelecido entre a

SUDENE e os Governadores dos estados que integram a sua área de atuação, assim como a participação dos mesmos nas reuniões do Conselho Deliberativo, podem esboçar um caminho de resposta.

Outro aspecto que poderia ser elucidado em estudos futuros refere-se à distribuição territorial de ações setoriais do Governo. Como vimos, houve empenho do MI para que algumas políticas setoriais do Governo fossem direcionadas e ou levassem em consideração a tipologia de áreas prioritária estabelecida pela PNDR.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelo MI, as políticas implícitas de infraestrutura econômica e social atenderam ou não as regiões e sub-regiões mais carentes de atenção prioritária? Esse desenho territorial de políticas públicas pode ser pensado

205 para analisar a distribuição espacial das obras do PAC, do MCMV ou mesmo a expansão dos novos campi de Universidades Federais na Região.

Em relação aos instrumentos financeiros dos quais dispõem o MI e as

Superintendências Regionais (fundos, mecanismos de incentivos fiscais, entre outros), seria interessante investigar em que medida esses recursos são acionados por estados de estrutura produtiva mais frágil, de menor participação no PIB nacional. Ainda que o BNB (operador dos Fundos) siga os critérios estabelecidos pela tipologia da PNDR (áreas de baixa renda, estagnadas e dinâmicas) para orientar a seleção de projetos e investimentos na região Nordeste, corre-se o risco de que apenas os estados mais bem dotados de estrutura produtiva sejam contemplados pelos recursos, uma vez que o acesso pressupõe iniciativa do setor privado. Nesse sentido, sem atuação compensadora, informativa e formativa da

SUDENE, o mecanismo pensado para reduzir as desigualdades regionais pode contribuir para acentuar desigualdades intrarregionais.

Concluímos esse trabalho ressaltando a importância e a necessidade de políticas nacionais de desenvolvimento regional, sejam elas executadas por meio de políticas explícitas, seja por meio de políticas implícitas, uma vez que as disparidades regionais e sub-regionais que o desenvolvimento capitalista no Brasil produziu, apesar de alguns atenuantes positivos alcançados na primeira década do século XXI, permanecem.

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2) Documentos oficiais

(GTDN) MINISTÉRIO DO INTERIOR. SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE. ESTUDO ELABORADO PELO GRUPO DE TRABALHO PARA O DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste. Rio de Janeiro, 1959, Imprensa Nacional.

(GTI-SUDENE) MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. SECRETARIA DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL. GRUPO DE TRABALHO INTERMINISTERIAL PARA A RECRIAÇÃO DA SUDENE. Bases para a Recriação da SUDENE: por uma política de desenvolvimento sustentável para o Nordeste. Brasília, 2003. Em: file:///C:/Users/Vista/Downloads/Sudene_-_%20(2).pdf

(PNDR em dois tempos) MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. SECRETARIA DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL. A PNDR em dois tempos: a experiência apreendida e o olhar pós 2010. Brasília, 2010. Em: http://www.mi.gov.br/documents/10157/c5460640-8b23-43de-ba2a-1fd0ee391aa0

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(PNDR – avaliação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional) MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. SECRETARIA DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL. PNDR: Avaliação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional. Brasília, 2010. Em: http://www.iicabr.iica.org.br/wp- content/uploads/2014/03/PNDR_2012.pdf

3) Outros documentos

Carta ao Povo Brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, 2002. Em: http://novo.fpabramo.org.br/uploads/cartaaopovobrasileiro.pdf

(PAC, 2007-2010, material para a imprensa) Programa de aceleração do crescimento 2007-2010, material para a imprensa. Em: http://download.uol.com.br/fernandorodrigues/PAC/pac_versaoparaimprensa.pdf

(PG Lula, 2002) Programa de Governo 2002: Coligação Lula Presidente. Um Brasil para Todos. Em: http://novo.fpabramo.org.br/uploads/programagoverno.pdf

(PG Lula, 2006) Programa de Governo 2006: Lula de novo com a força do povo. Em: http://novo.fpabramo.org.br/uploads/Programa_de_governo_2007-2010.pdf

(MANO) Movimento Acorda Nordeste. Recriação da SUDENE: Retrato de uma Luta. 2008. Em:http://www.inad.com.br/publicacao/arquivos/20120730144000p_MANO_FINAL_2e d.pdf

4) Legislação

BRASIL. Lei nº 6.047, de 22 de fevereiro de 2007, que oficializa a Política Nacional de Desenvolvimento Regional. Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/D6047.htm

214

BRASIL. Lei Complementar nº 124, de 03 de janeiro de 2007, que institui a recriação da SUDAM e extingue a ADA. Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp124.htm

BRASIL. Lei Complementar nº 125, de 03 de janeiro de 2007, que institui a recriação da SUDENE e extingue a ADENE. Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp125.htm

BRASIL. Medida Provisória nº 2.146-1, de 04 de maio de 2001, que extingue a SUDENE e institui a ADENE. Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2146- 1.htm

BRASIL. Lei nº 3.692, de 15 de dezembro de 1959, que institui a criação da SUDENE. Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L3692.htm

5) Endereços eletrônicos consultados http://www.bcb.gov.br/pt-br/paginas/default.aspx http://www.bnb.gov.br/ http://www.ibge.gov.br/home/ http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaultcnt.shtm http://www.ipea.gov.br/portal/ http://www.ipeadata.gov.br/ http://www.mda.gov.br/ http://www.mdic.gov.br/sitio/ http://www.mi.gov.br/ http://www.mi.gov.br/desenvolvimento-regional http://www.pac.gov.br/ http://www.sudam.gov.br/ http://www.sudene.gov.br/

215

ANEXO A

CARTOGRAMA: TIPOLOGIA DA PNDR

Fonte: Cartograma elaborado por CGMA/DPO/SDR/MI

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ANEXO B

CARTOGRAMA: ÁREAS PRIORITÁRIAS DA PNDR COM ATUAÇÃO DO MI

Fonte: Cartograma elaborado por CGMA/DPO/SDR/MI