O Remix Midiático Das Séries De Televisão Cowboy Bebop E Samurai Champloo
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O remix midiático das séries de televisão Cowboy Bebop e Samurai Champloo Roberta Regalcce de Almeida Centro Universitário Senac Índice como as modulações desse processo na cul- tura pop ao longo do século XX como Lev Introdução1 Manovich (2005), Eduardo Navas (2008), 1 Um samurai sem clã3 Nicolas Bourriaud (2009) e Lucia Santaella Conclusão8 (2007). Referências 10 Palavras-chave: Animê, Remix, Japão, Televisão, Comunicação. Resumo O artigo propõe analisar duas séries de Introdução animações japonesas para TV, Cowboy Be- O uso original do termo remix surgiu nas pis- bop (1998) e Samurai Champloo (2004) de tas de dança ou ainda como uma faixa bônus, Shinichiro Watanabe. Trata-se de duas séries em singles de determinadas bandas e artis- emblemáticas por remixar em um mesmo tas do mundo Pop ou em destaque na agenda cenário o tradicional e o moderno, a cultura cultural. É um produto Pop, seu papel é o japonesa e a ocidental, engendrando meta- consumo imediato e a promoção de um es- morfoses inusitadas e criando múltiplas in- paço (no caso de pistas de dança), de even- terfaces entre vários contextos e experiên- tos (partys, raves etc.) de artistas e ban- cias midiáticas (TV, cinema, jogos eletrôni- das. Historicamente, remete-se à música e cos, mangás etc). a figura do DJ. Esse personagem começa a Assim, a análise se concentra em desven- ter destaque a partir do uso de ferramentas dar as estratégias de remix, típicas da eletrônicas e depois computacionais na cri- chamada pós-produção, em sua dinâmica ação/produção e até mesmo na performance de seleção/apropriação de produtos midiáti- de bandas e artistas. O uso de sintetizadores, cos e/ou objetos de con-sumo, e em sua baterias eletrônicas e mixers abrem espaço reutilização em outras formas e contextos, para o DJ ser mais do que um orquestrador resignificando-os. de setlist de uma rádio, casa noturna ou festa. Para fundamentar a discussão, o estudo A possibilidade de alterar as batidas, os rit- traz autores que se dedicaram a rastrear mos e até a melodia das músicas originais as origens, funções e usos do remix, bem 2 Roberta Regalcce de Almeida pavimenta seu acesso a imprimir sua marca tilhamento (shareware), cuja dinâmica em novas versões. se desencadeia em seleção (search- O remix é um produto dirigido para ser re- ing/tags/keywords), apropriação (down- conhecido como tal e, quem o consome se di- loads/samplers), transformação (remix) e verte em tentar descobrir as portas de acesso transmissão (uploads). expostas para num segundo momento entrar As remixagens, em sua lógica de apro- em contato com as fontes, chamadas de ori- priações (ou samplers) de diversas fontes ginais (BOURRIAUD, 2009, p.13). As per- conjugadas dentro de um mesmo produto, guntas que nascem desse cenário visam en- caracterizam-se pelo aspecto de filtragem e tender se há uma autoria de fato no remix e se de deslocamento por entre contextos, estilos a remixagem tem autonomia suficiente para e autorias diversas. se tornar um produto tão importante quanto Em síntese, as suas características são: seu(s) original(is). Há casos em que essa 1. O remix é feito por quem está imerso no rivalidade eclode e a remixagem torna-se o universo da cultura Pop e dialoga dire- produto de referência eclipsando suas fontes. tamente com seus pares; Uma estratégia recorrente no campo de estudos de comunicação é a compreensão 2. Seu processo criativo opera na lógica de sobre o processo de seleção de produtos seleção, apropriação de amostras, des- midiáticos ou objetos de consumo e a sua construção e rearranjos desses elemen- reapropriação em outras mídias e contextos, tos em outro(s) contexto(s), corpo(s) e remixando-os e resignificando-os. Autores forma(s); como Lev Manovich (2005), Eduardo Navas (2008), Nicolas Bourriaud (2009) e Lucia 3. Essas amostras ou samplers funcionam Santaella (2007) dedicaram-se a rastrear ori- como fractais, pois um pedaço ou tre- gens, funções e usos desse tipo de lógica cho de um produto cultural utilizado remix. carrega consigo uma carga simbólica O que esses autores afirmam é que o que quando observada remete o leitor à remix é um reflexo de movimentos artísti- sua origem pregressa, isto é, a amostra cos em sintonia com o ambiente comunica- ainda que diluída em outras, contém e cional e modos de produção industrial do nos remete à referência inicial do filme, começo do século XX que se desenvolveram da música, do estilo, do programa de e evoluíram gerando acúmulo e sobreex- TV etc.; posição de produtos culturais, tais como 4. O autor de remix não apaga os vestígios livros, músicas, filmes, séries de TV, de- de onde tirou seus samplers. Ele con- senhos animados, histórias em quadrinhos, vida o público a reconhecer e acessar as pinturas, fotografias, composições musicais, suas fontes. São planos de navegação peças de teatro etc. de um aficionado (o autor) por cultura Imersos neste cenário comunicacional, pop a outro (seu receptor); esses materiais disponíveis transformaram a paisagem da sociedade globalizada no 5. A assinatura ou estilo do autor de remix final do século XX em modos de compar- aparece em sua capacidade inventiva de www.bocc.ubi.pt O remix midiático das séries de televisão Cowboy Bebop e Samurai Champloo 3 mesclar elementos de fontes diversas e ao transferir seu conteúdo sincrético, tor- fazer com que a obra adquira uma au- nando a obra remixada uma ponte entre tonomia própria. Não é uma questão várias culturas, criando uma rede simbólica de rivalizar com as fontes originais, de interação e interconexão com outras re- mas de preservar em sua composição, presentações. Neste sentido, a leitura de princípios organizativos coerentes que uma única obra, permite trafegar por ou- não agridem seu usuário. Em outras tras obras, revisitando-as, reconhecendo-as, palavras, um filme pontuado pelo remix recontando-as, em um jogo sígnico que redi- conta uma história própria, dentro da mensiona as fronteiras. dinâmica usual que compõe um enredo As séries de animações japonesas em de um filme, ainda que imerso nos sam- destaque – Cowboy Bebop (1998) e Samu- plers de diferentes fontes. Quentin rai Champloo (2004) do diretor Shinichiro Tarantino é um cineasta especializado Watanabe – trafegam dentro dessa lógica do em remix, como pode ser observado em remix, não se apropriando de trechos de ou- Kill Bill vol. I e vol. II(2003); tras obras, mas transitando dentro do campo simbólico midiático construído e produzido 6. A efemeridade sempre foi a tônica do ao longo do século XX. remix na cultura DJ e a mesma pode ser vista em outros nichos midiáticos. São obras de arte ou produtos que não rara- 1 Um samurai sem clã mente simbolizam uma época. Mas não Shinichiro Watanabe é de uma linhagem se submetem a esta. O autor de remix de diretores de séries de animês voltados é consciente disso e se vale das tempo- para televisão que se dedicaram a temáticas ralidades que cria para compor e tecer modernas como Serial Experiments Lain, novos arranjos; Ghost in the Shell – Stand Alone Com- 7. No remix, delimitações de gêneros e plex, versão televisiva do clássico Ghost in estilos são borrados. Há uma dificul- the Shell (1995) de Mamoru Oshii baseado dade para estabelecer inclusive rótulos no mangá de Masamune Shirow. Witch que consigam limitá-las a um campo Hunter Robin, Read or Die, Hellsing, Noir, ou área de atuação determinados. A Soultaker, Death Note, são alguns exemplos sua dinâmica transita entre formatos e do teor ao qual as séries trafegaram, con- padrões erigidos e impostos ao longo do solidando um entrecruzamento de vertentes tempo desestabilizando-os. referentes a cultura japonesa tanto ao que tange à tecnologia e seus desdobramentos, A hipótese principal deste artigo é de como, Inteligência Artificial, Realidade Vir- que a marca do autor de remix aparece tual quanto à religiosidade budista/taoísta, de fato em sua capacidade e habilidade abrigando ainda narrativas e estéticas en- de saber misturar, samplear, redefinir e re- contradas no ocidente como histórias de significar, conjugando contextos diversos em detetive ou filmes noir, mostrando inclu- um corpo que possa adquirir qualquer forma sive histórias de caça às bruxas e de vam- piros, desenvolvendo interfaces entre dife- www.bocc.ubi.pt 4 Roberta Regalcce de Almeida rentes gêneros colocando-os como pontos balizado, entrecruzado e miscigenado refe- convergentes dentro de novas releituras. rencialmente. É com a série Cowboy Bebop (1998) que Na série, Watanabe opta por um des- Watanabe inaugura um estilo mais autoral prendimento das convenções fechadas nelas tanto em direção quanto narrativa e cons- mesmas e propõe o trânsito, o livre acesso, o trução de personagens originais, gozando, navegar por entre as representações midiáti- portanto, de uma liberdade criativa nos ru- cas sedimentadas ao longo das décadas mos da série. Com 26 episódios foi ao ar transformado-as em material disponível para primeiramente na TV Tokyo, e depois na TV se apropriar e misturar. Wowow em 1998 até 1999. Cowboy Be- Existem referências marcantes às séries bop poderia ser rotulado como ficção cien- afro-americanas da década 1970 sobre tífica, mas seria pouco preciso tal rótulo, não mafiosos, a chamada BlaxExploitation. Na pelo fato de não seguir os moldes do gênero, série o destaque à máfia recai sobre uma porém por, ao longo dos episódios, Wata- espécie de Yakuza interplanetária chamada nabe inserir e remixar diversos gêneros. “Sindicato”. Há também, homenagens a A série chama a atenção por propor de filmes de Sergio Leone e Stanley Kubrick, forma deliberada e consciente, um des- misturando as artes e suas obras célebres prendimento dos gêneros, em que a releitura indo da Pop Art ao Jazz, do Funk amer- não preserva os moldes conceituais que sem- icano à musica clássica, passando até aos pre foram utilizados como parâmetros para filmes noir da década de 1930, inserindo em situar o ambiente típico do drama, (o tempo, um mesmo contexto, religiões como o xama- o espaço e a ação específica de uma história).