UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Programa de Pós-Graduação – Stricto Sensu Arquitetura e Urbanismo

NÚRIA MOLENA

Grafite. Da transgressão à integração, 1950-2015.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Fernando Guillermo Vázquez Ramos

São Paulo

2015

UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Programa de Pós-Graduação – Stricto Sensu Arquitetura e Urbanismo

NÚRIA MOLENA

Grafite. Da transgressão à integração, 1950-2015.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, para obtenção do título de mestra.

ORIENTADOR: Prof. Dr. Fernando Guillermo Vázquez Ramos

São Paulo

2015

UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Curso de Pós-Graduação – Stricto Sensu Arquitetura e Urbanismo

Núria Molena

Grafite. Da transgressão à integração, 1950-2015.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, para obtenção do título de mestra.

Aprovada em dezembro de 2015 por:

Prof. Dra. Paula de Vincenzo Fidelis Belfort Mattos ______

Prof. Dra. Lóris Graldi Rampazzo ______

Prof. Dr. Fernando Guillermo Vázquez Ramos______

São Paulo

2015

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho ao meu filho Miguel.

AGRADECIMENTOS

A Universidade São Judas Tadeu, pela bolsa e oportunidade de realizar este curso.

Às professoras mestras e amigas Mônica Cristina de Paula e Sandra Vita, pela amizade, orientação, apoio е confiança.

À minha coordenadora Dra. Paula de Vincenzo Fidelis Belfort Mattos pela oportunidade е apoio na elaboração desta dissertação.

Ao mеυ orientador, pelo emprenho dedicado à elaboração desta dissertação.

Ao Maicon Andrade Machado pela cooperação com nosso filho.

Agradeço ao Edgard Leite pela ajuda, estímulo e compreensão.

Aos meus pais, pelo amor, incentivo е apoio incondicional.

RESUMO

MOLENA, Núria. Grafite. Da transgressão à integração, 1950-2015. Dissertação. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade São Judas Tadeu. Mestrado em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, 155 p, 2015. Orientador Prof. Dr. Fernando Guillermo Vázquez Ramos.

Já é sabido que o homem se comunica através do espaço urbano, e utiliza a imagem como processo de manifestação de suas ideias e como um meio de eficaz comunicação de massa.

A apropriação do espaço público para a realização de grafites acontece a partir de 1952 com os movimentos contraculturais de Nova Iorque, e de 1968, em Paris, como meio de protesto. Depois disso, o grafite ganhou reconhecimento pela sociedade e pelo poder público gerando interesse na indústria cultural em reproduzi- los como produto de arte.

Palavras-chave: , arte urbana, grafite, pichação, arte contemporânea.

ABSTRACT

Molena, Núria. . From transgression to integration, from 1950 to 2015. Dissertation. Graduate course Stricto Sensu, the São Judas Tadeu University. Master of Architecture and Urbanism. São Paulo 155 p, 2015. Advisor Prof. Dr. Fernando Guillermo Vazquez Ramos.

It is known that man communicates through the urban space and uses the image as his thoughts manifestation process and as an effective means of mass communication. The appropriation of public space to carry out graffiti happens from 1952 with the countercultural movements of New York, and in Paris at 1968 as kind of protest. From these events, graffiti gained recognition by the society and the public power. Generating interest in the cultural industry to play them as art product.

Keywords: Street Art, Urban Art, Graffiti, Contemporary Art.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Spray Art: Técnica de pintura em Spray em telas e superfícies lisas, artistas pintavam e vendiam seus trabalhos nos centros das cidades...... 22

Figura 2. Art: Pulverização de desenhos em recortes previamente demarcados...... 22

Figura 3. Colagens de Stickers em objetos urbanos, Porto Alegre...... 23

Figura 4. Momento em que o artista Xadalu cola Stickers em um viaduto de Porto Alegre, em 2010...... 23

Figura 5. Muro e objetos públicos com Lambe-lambes, São Paulo...... 24

Figura 6. Lambe-lambes com objetivo comercial, Campo Grande, Mato Grosso. Erro! Indicador não definido.3

Figura 7. Desenho Free hand, de Ramon Martins. Fachada do Senac na Rua Scipião. São Paulo...... Erro! Indicador não definido.

Figura 8. Spray Cam ou Estilo americano da década de 1940, Nova Iorque...... 26

Figura 9. Taki 183, o primeiro artista a assinar o nome no grafite, meados década de 1960 em Nova Iorque...... 26

Figura 10. Técnica Sgraffiti em Praga, República Checa, século XVI...... 27

Figura 11. Técnica Sgraffiti na Casa de Engadine, Suiça, século XVII...... 28

Figura 12. Grafite em vagão de trem em Nova Iorque, 1970...... 29

Figura 13. Grafite Estilo americano em trem de Nova Iorque, 1970. Foto: Bernard Chatreau...... 29

Figura 14. Grafite no edifício , Nova Iorque, 2013...... 30

Figura 15. Grafite em Bogotá, Colômbia, 2013...... 31

Figura 16. Grafite de Paulo Ito, crítica social à Copa no Brasil, São Paulo, 2014. .... 32

Figura 17. Grafite de , Boston, EUA, 2013...... 32

Figura 18. Grafite de Muretz, São Paulo, 2015...... 33

Figura 19. Grafite de Banksy em Los Angeles, EUA, 2010...... 34

Figura 20. Grafite apagado de Blu, JR e Reclaim, Berlim, 2007. Foto: Frank M. Rafik...... 34

Figura 21. Grafite de Jef Aerosol, Boston, EUA, 2008...... 35

Figura 22. de Jef Aerosol em Paris, França, 2011...... 35

Figura 23. Grafites no Muro Berlim, Alemanha, 1989...... 36

Figura 24. Grafites no Muro de Berlim, Alemanha, 2010...... 37

Figura 25. Pôster em Paris, Movimento Contracultural de 1968...... 38

Figura 26. Keith Harring grafitando o metrô de Nova Iorque, década de 1970...... 38

Figura 27. Vagão de trem em Nova Iorque, década de 1970. Foto Henry Chalfant. . 39

Figura 28. Grafites em objetos urbanos de Nova Iorque, década de 1970...... 40

Figura 29. Prédio conhecido como “Templo do Grafite” americano, 5 POINTZ. Construído em 1982 em Nova Iorque...... 41

Figura 30. Manifestação em 1968 e a aparição de faixas e grafites...... 43

Figura 31. Primeiros grafites nos muros de Paris, 1968...... 43

Figura 32. Grafite derivado no Movimento Contracultural de Paris, 1968...... 44

Figura 33. Grafite derivado no Movimento Contracultural de Paris, 1968...... 44

Figura 34. Grafite de Basquiat, década de 1980...... 46

Figura 35. Basquiat utilizava a palavra “SAMO” em alguns grafites, que significa “same old shit”, ou “a mesma merda de sempre” em português...... 46

Figura 36. Monalisa de Basquiat, 1983...... 47

Figura 37. Mural de Haring, próximo à Av. Sumaré em São Paulo...... 48

Figura 38. Primeiro grande mural de Haring em Nova Iorque, 1982...... 48

Figura 39. Mural de Haring na cidade de Pisa, Itália,1989...... 49

Figura 40. Mural de Haring em Berlim, Alemanha, 1986...... 49

Figura 41. Mural de Haring em Barcelona, Espanha, 1989...... 50

Figura 42. Grafite de Banksy, Palestina, 2005...... 51

Figura 43. Grafite de Banksy, Faixa de Gaza, 2014...... 52

Figura 44. Grafite de Banksy, Mona Lisa com laçador de foguetes, Soho, Manhatan, Nova Iorque, 2001...... 52

Figura 45. Figura 45. Grafite de Banksy, Old Street, Londres, 2006...... 53

Figura 46. Grafite de Banksy. Bomb Hugger, Brighton, Inglaterra, 2003...... 53

Figura 47. Grafite de Banksy. O que você está olhando? Londres, Inglaterra, 2004...... 54

Figura 48. Grafite de Banksy. 18 minutos, Londres, Inglaterra, 2006...... 54

Figura 49. Grafite de Bansky. Monkey. Londres, Inglaterra, 2006...... 55

Figura 50. Pichação no Rio de Janeiro contra a ditadura militar...... 57

Figura 51. Foto pichação voltada a publicidade. Cão Fila km 26, década de 1980. . 58

Figura 52. Artista Miguel Cordeiro e seu personagem Faustino, São Paulo, 1979. .. 58

Figura 53. Pichações de frases enigmáticas, São Paulo, década de 1980...... 59

Figura 54. Pixações e inscrições de gangues...... 60

Figura 55. A pichação ilegal produzida por gangues em São Paulo...... 60

Figura 56. Grafite nos Arcos do Jânio, São Paulo...... 61

Figura 57. Grapicho: mistura estética entre o grafite e a pichação...... 62

Figura 58. Obra de Keith Haring na Bienal Internacional de Arte de São Paulo, 1983...... 62

Figura 59. Grafite de Alex Vallauri, São Paulo, década de 1980...... 63

Figura 60. Grafite de Mauricio Vilhaça e Julio Barreto, São Paulo, 1990...... 64

Figura 61. Arte de rua e a liberdade de expressão. Grafite de OsGemeos...... 65

Figura 62. , Vila Madalena, São Paulo. Foto Ricardo Kenski...... 65

Figura 63. Grafites como forma de protesto. Foto Yuri Ribeiro...... 66

Figura 64. Grafite contratado por empresa privada. Foto Márcio SWK...... 66

Figura 65. Grafites nas Pilastras do Minhocão, São Paulo...... 67

Figura 66. Instalação A festa na casa da Rainha do Frango, 18ª Bienal Internacional de São Paulo, 1985. Foto Simone Catto...... 68

Figura 67. Detalhe da Rainha do Frango Assado...... 69

Figura 68. Bota...... 70

Figura 69. Rainha do Frango Assado em Pic-nic no Glicério, São Paulo. Foto Kenji Ota...... 70

Figura 70. Detalha Rainha do Frango Assado e a sensual bota preta...... 71

Figura 71. Detalhe das Acrobatas, um dos personagens mais conhecidos, produzidos em estêncil...... 71

Figura 72. Carpa em pilastra do viaduto Minhocão, São Paulo...... 72

Figura 73. Avenida 23 de Maio, São Paulo, 2015...... 72

Figura 74. Carpa na exposição Matilha Cultural, em 2010...... 73

Figura 75. Caramujo, em São Paulo...... 73

Figura 76. Grafite em Toronto, Canadá, 2012...... 74

Figura 77. Grafite em Los Angeles, EUA, 2013...... 74

Figura 78. Grafite no Bairro Liberdade, São Paulo...... 75

Figura 79. O drible...... 75

Figura 80. Traços lúdicos e sua personagem feminina de olhos grandes. São Paulo, 2008...... 76

Figura 81. Castelo Kelburn, Escócia, 2007...... 77

Figura 82. Figuras femininas de olhos grandes são a identidade dos desenhos de Nina...... 77

Figura 83. Grafite na Ligação Leste/Oeste, São Paulo...... 78

Figura 84. Projeto Muros da Memória, São Paulo, 2009...... 79

Figura 85. Projeto Muros da Memória, Av. 23 de maio, São Paulo, 2009...... 80

Figura 86. Malala, Itália, 2014...... 80

Figura 87. Buarque e Ariano Suassuna na Fnac da Pedroso de Moraes, Bairro Pinheiros, São Paulo, 2014...... 81

Figura 88. Welcome to , Av. Paulista x Av. Rebouças, São Paulo...... 81

Figura 89. Diego Rivera, O homem, controlador do universo, 1934...... 82

Figura 90. Di Cavalcanti. Fachada do antigo Teatro Cultura Artística, São Paulo. ... 82

Figura 91. Bailarina, Paraisópolis, São Paulo, 2015...... 83

Figura 92. Lambe-Lambes, Largo da Batata, Bairro Pinheiros, São Paulo, 2015. Foto: Mateus Bonomi...... 83

Figura 93. O beijo, Nova Iorque...... 84

Figura 94. Pintura 3D produzida no Rio de Janeiro...... 84

Figura 95. Pintura 3D no bairro de Santa Cecília, São Paulo, 2015. Foto Luís Carlos Murauskas...... 85

Figura 96. Grafite na Av. Consolação, São Paulo, 2013...... 85

Figura 97. Grafite expressando a cultura e a situação política e social brasileira. Disponível em: ...... 86

Figura 98. Grafite em, São Paulo...... 86

Figura 99. Mensalão-Devolve, São Paulo, 2013...... 87

Figura 100. Copa de Mundo, São Paulo, 2013...... 87

Figura 101. Índio Rei, São Paulo, 2012...... 88

Figura 102. Mural no Museu de Arte Moderna, Parque do Ibirapuera, São Paulo. Foto Eduardo Enomoto...... 88

Figura 103. Detalhe do mural, ligação Leste/Oeste, São Paulo...... 89

Figura 104. Painel na Av. 23 de maio, São Paulo. Apagado na gestão do prefeito Gilberto Kassab...... 89

Figura 105. Galeria Fortes Vilaça, São Paulo, 2006...... 90

Figura 106. O Estrangeiro, Vale do Anhangabaú, São Paulo, 2009...... 90

Figura 107. Capa da revista The village VOICE, produzida por Banksy e OsGemeos, 2013...... 91

Figura 108. A pichação transforma a cidade em caderno de mensagens desenhos...... 92

Figura 109. Muros da Estação Pinheiros após acidente em 2006...... 92

Figura 110. O uso inapropriado do espaço urbano para inscrições de mensagens. . 93

Figura 111. Expressões e mensagens espalhadas pela cidade...... 93

Figura 112. Gangues atuando clandestinamente no espaço público de São Paulo. Foto: Choque Fotos...... 94

Figura 113. Pixação nas ruas de São Paulo. Foto: Leandro Mantovani...... 95

Figura 114. TAG Reto, tipo de escrita exclusiva da cidade de São Paulo...... 95

Figura 115. Grapicho realizado na região do Grande ABC, São Paulo...... 96

Figura 116. Letras grandes, contornos, volume e a mistura entre a pichação e o grafite...... 96

Figura 117. A Arte elétrica, contestatória e colorida de Basquiat...... 99

Figura 118. Keith Haring, Nova Iorque, 1986...... 100

Figura 119. Banksy, Soho, Nova Iorque, 2005...... 100

Figura 120. Banksy, Stencil de grandes proporções grafitado em Israel, 2009...... 101

Figura 121. Grafite de Alex Vallauri, São Paulo, 2009...... 102

Figura 122. Grafite contestando o problema do lixo, São Paulo, 2009...... 102

Figura 123. Grafite de Nunca, São Paulo, 2010...... 103

Figura 124. Figura 124. Grafite de Daniel Melin, São Paulo, 2011...... 103

Figura 125. O Saci Urbano, São Paulo, 2012...... 104

Figura 126. Artista Mundano, São Paulo, 2014...... 104

Figura 127. Grafite de autor desconhecido...... 105

Figura 128. Diego Rivera, O Mundo de Hoje e de Amanhã, 1935...... 106

Figura 129. David Alfaro Siqueiros, mural para universidade do México, 1952-1956...... 106

Figura 130. Juan O´Gorman, O Crédito transforma o México, 1965. Cidade do México...... 107

Figura 131. Jose Clemente Orozco, Miguel Hidalgo, 1937...... 108

Figura 132. Mural de Di Cavalcanti, projeto do arquiteto Paulo Bruna para o novo prédio da Sociedade de Cultura Artística em São Paulo...... 109

Figura 133. Candido Portinari, mural Guerra e Paz...... 109

Figura 134. Grafites não autorizados, São Paulo, 2009...... 111

Figura 135. Saci Político, São Paulo, s/d...... 111

Figura 136. Grafite de Donatão, São Paulo, 2015...... 112

Figura 137.Grafite de Donatão, São Paulo, 2014...... 113

Figura 138. Grafite de Allan Reis, Guarulhos, 2013...... 113

Figura 139. Allan Reis, Pow Pow, São Paulo, 2015...... 114

Figura 140. Grafite de Cranio, 2013...... 116

Figura 141. Grafite de Cranio, São Paulo, 2012...... 116

Figura 142. Grafite recente de Binho Ribeiro, Vale do Anhangabaú, São Paulo, 2015...... 117

Figura 143. Grafite de Binho Ribeiro, Avenida Radial Leste, São Paulo, 2014...... 118

Figura 144. Grafite de OsGemeos, Mural em Boston, EUA...... 118

Figura 145. Tate Modern, Londres, Inglaterra, 2008...... 119

Figura 146. Vancouver, Canadá, 2014...... 119

Figura 147. Mural Oscar Niemeyer, São Paulo, 2013...... 120

Figura 148. Grafite em tanques industriais, Cubatão, 2014...... 121

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 17

1. O GRAFITE COMO ARTE DE RUA ...... 20

1.1 – História do grafite no mundo...... 27

1.1.1 - Contracultura em Nova Iorque ...... 39

1.1.2 - 1968 – Movimento Contracultural de Paris ...... 41

1.2 – Precursores internacionais do grafite ...... 45

1.2.1 - Basquiat ...... 45

1.2.2 - Keith Haring ...... 47

1.2.3 - Bansky ...... 50

2. HISTÓRIA DA PICHAÇÃO E DO GRAFITE NO BRASIL ...... 56

2.1 – Alex Vallauri ...... 67

2.2 – Binho Ribeiro...... 72

2.3 – Nunca ...... 74

2.4 – Nina Pandolfo...... 76

2.5 – Eduardo Kobra ...... 78

2.6 – Cranio (Fabio de Oliveira Parnaiba) ...... 85

2.7 – OsGemeos ...... 88

2.8 – As misturas nacionais: Pichação x Pixação, e o Grapicho ...... 91

2.8.1 - A Pichação ...... 91

2.8.2 - Pixação ...... 94

2.8.3 - Grapicho ...... 96

3. A VALORIZAÇÃO DO GRAFITE COMO ARTE URBANA...... 98

3.1 – A arte contestatória do grafite ...... 98

3.2 – A cultura muralista ...... 105

3.3 – O grafite independente x o grafite patrocinado ...... 110

CONCLUSÃO ...... 123

REFERÊNCIAS ...... 126

ANEXOS ...... 139

ANEXO 1 - Entrevista exclusiva - Artista Diego Donatão ...... 140

ANEXO 2 - Entrevista exclusiva - Artista Allan Reis ...... 141

ANEXO 3 - Entrevista exclusiva - Artista Rogério Vicari ...... 142

ANEXO 4 - Entrevista exclusiva - Artista Cranio ...... 143

ANEXO 5 - Entrevista exclusiva - Artista Binho Ribeiro ...... 144

ANEXO 6 - Entrevista - Artistas OsGemeos ...... 145

ANEXO 7 - Entrevista - Artista Kobra ...... 150

ANEXO 8 - Entrevista - Artista Kobra ...... 152

17

INTRODUÇÃO

O grafite como forma de expressão e meio de comunicação espontânea, contestatória e livre de museus e galerias, vem ganhando força e credibilidade nos

últimos anos. A valorização da imagem, seu crescente impulso criativo na arte urbana e a proximidade com a realidade cotidiana da população produzem grandes mudanças na paisagem urbana, modificando de forma inusitada a informação, a opinião e a percepção do espaço e dos transeuntes.

Como manifestações artísticas culturais, políticas e sociais, o grafite e a pichação exercem forte apelo popular e têm recebido o devido reconhecimento a fim de apropriar-se e modificar o espaço urbano de modo interativo, criativo e informativo. Hoje, grafite e pichação entram em questionamentos sobre arte, vandalismo e apropriação indevida de prédios, muros e objetos da cidade. Ambos derivaram do mesmo suporte e da mesma intenção de comunicação de massa e de uma demanda por visibilidade, mas apresentam diferenças plásticas e sociais no que diz respeito às suas formas de expressão no espaço urbano.

Como aprofundamento do tema, esse trabalho visa analisar o grafite contemporâneo e sua aceitação junto à sociedade e ao poder público, e dessa forma, analisado e transformado como produto de valor agregado. Observando o grafite contemporâneo como um método de intervenção urbana, o mesmo vem ganhando expressividade e credibilidade como obras de arte que se relacionam momentaneamente e objetivamente com o espaço urbano, por isso, devido a 18

essa valorização e aceitação da sociedade e do poder público, o grafite ganha força e se transforma em produto de arte, sendo aceito não só na paisagem urbana, mas como valor agregado em produtos e objetos do cotidiano.

Essa dissertação tem como base a pesquisa bibliográfica com o intuito de levantamento histórico acerca do tema, além de levantamentos de tipologias utilizadas na arte urbana; entrevistas exclusivas com os artistas e outras retiradas de sites, também compõem o trabalho, bem como o levantamento histórico do surgimento do grafite e sua valorização como produto de arte inserido na indústria da cultura.

No primeiro capítulo, apresentam-se informações sobre o surgimento do grafite e da pichação no mundo, suas origens históricas, os movimentos contraculturais de Nova Iorque e Paris, além dos primeiros registros, modalidades, artistas precursores, obras e suas possíveis vertentes na arte urbana.

No segundo capítulo, será exibida a trajetória da pichação e do grafite no

Brasil a partir da Ditadura Militar como forma de protesto e revolta da população. Após esse período, percebe-se o crescimento do grafite como forma de comunicação de massa e demonstração de arte na paisagem urbana. Serão mostrados também os pioneiros dessa modalidade no país e os principais artistas contemporâneos, além da diferenciação teórica entre as nomenclaturas pichação e pixação, terminologias encontradas apenas no Brasil.

No terceiro e último capítulo, será abordado o grafite como força de expressão contemporânea e contestatória, e o reconhecimento da modalidade pela sociedade e pelo poder público. Será explicitado ainda o conceito entre o 19

grafite patrocinado e o grafite independente percebido em entrevistas cedidas à autora dessa dissertação, por grafiteiros consagrados e independentes.

Como conclusão, será abordada a percepção do grafite contemporâneo e a inclusão dele pela indústria cultural como produto de arte e produto comercializável e valorizado pela sociedade, e pela indústria. É possível perceber ainda que seu objetivo principal como instrumento de comunicação de massa e método de aproximação entre artistas, poder público e sociedade não se perderam, e que o grafite continua sendo um dos principais modos de divulgação da realidade e do cotidiano da cidade, seus problemas sociais,

éticos, políticos e ambientais. 20

1. O GRAFITE COMO ARTE DE RUA

A evolução do grafite como arte de rua, sua diversidade e tendências, confronta o impacto social de sua aparição, as convicções e a influência do momento político, além de trazer uma nova visão sobre seus significados e valores artísticos.

O grafite é considerado uma forma de intervenção urbana1, definida como inscrições escritas, ou desenhadas, em paredes e muros dos centros urbanos, espaços e objetos públicos ou privados, mas que se encontram no espaço público

Para sua realização, são utilizadas técnicas diferenciadas, como arte em spray2, estêncil3, sticker4 (figuras 3 e 4), lambe-lambe5 (figuras 5 e 6), free hand6 (figura 7), transparências, relevos, e o uso de diversos materiais como tinta látex, corantes, canetões, giz, compressores, máscaras, luvas, esponjas, rolos e estiletes.

Para Gitahy, artista plástico e especialista em estêncil, antes de chegar ao reconhecimento contemporâneo internacional, o Grafite era nomeado Spray Art, cujo o ato valorizava as cores, utilizando-se diversas delas (Figura 1); logo depois, a denominação passou a Stencil Art, em que se utiliza o molde valorizando o desenho (Figura 2).

1 Manifesto artístico executado de forma efêmera no espaço urbano. 2 Arte em spray: ilustrações feitas à mão com o uso de latas de spray. 3 Uso de matriz com formas ou desenhos já previamente recortados, que, quando usado o spray ou rolo de tinta, reproduz fielmente os orifícios já demarcados anteriormente. 4 Etiquetas adesivas que têm como objetivo transmitir mensagens ou simplesmente enfeitar a cidade. 5 Pôsteres artísticos de vários tamanhos, pintados à mão e reproduzidos em copiadoras ou xilogravuras. Existem também os pôsteres com finalidades comerciais. 6 Desenho à mão livre, sem demarcações ou recursos de desenhos antecipados. 21

Figura 1. Spray Art: Técnica de pintura em Spray em telas e superfícies lisas, artistas pintavam e vendiam seus trabalhos nos centros das cidades. Disponível em: .

Figura 2. Stencil Art: Pulverização de desenhos em recortes previamente demarcados. Disponível em: .

22

Figura 3. Colagens de Stickers em objetos urbanos, Porto Alegre. Disponível em: .

Figura 4. Momento em que o artista Xadalu cola Stickers em um viaduto de Porto Alegre, em 2010. Disponível em: .

23

Figura 5. Muro e objetos públicos com Lambe-lambes, São Paulo. Disponível em: .

Figura 6. Lambe-lambes com objetivo comercial, Campo Grande, Mato Grosso. Disponível em: .

24

Figura 7. Desenho Free hand, de Ramon Martins. Fachada do Senac na Rua Scipião. São Paulo. Disponível em: .

Por isso, sendo o grafite considerado um manifesto livre, de cunho social, político ou artístico, desenvolvido no espaço urbano, o artista expressa, por meio de seus desenhos, significados e convicções inseridos no contexto atual.

A arquiteta e urbanista Assis (2012) define grafite como: “A forma de Arte que dispensa galerias, museus e prestígio. A Arte marginal, criativa e surpreendente [...]”. 25

O intuito do grafite é um alcance social amplo, para que a arte e a informação sejam acessíveis ao povo, e que sua atuação transforme o espaço público através da arte.

Como um meio de comunicação espontânea, livre e gratuito, desprendido de regras e normalmente de valores comerciais, o grafite destaca-se nas paredes e muros do espaço urbano, trazendo curiosidade, (des)conforto visual e, muitas vezes, gerando certa dose de humor aos expectadores. Assim como qualquer intervenção urbana, o grafite apropria-se do espaço público e, com ações muitas vezes efêmeras, modifica a cidade de forma marcante. Às vezes pode ser descontraído e belo, por outras, agressivo e grotesco.

Segundo Githay (1999), a partir dos anos 1930, utilizado nos Estados

Unidos como mídia alternativa, o estilo Spray Cam7 (Figura 8) invadiu as ruas e, a partir de então, surge outro estilo, o TAG, em que o artista passa a assinar seu nome juntamente com o número de sua rua, (cf. exemplo TAKI 183, Figura 9).

7 Nacionalmente conhecido como “estilo americano” ou Grapicho, aplicações de letras e frases excessivamente coloridas à base de tinta spray e com primorosa técnica. 26

Figura 1. Spray Cam ou Estilo americano da década de 1940, Nova Iorque. Disponível em: .

Figura 2. Taki 183, o primeiro artista a assinar o nome no grafite, meados década de 1960 em Nova Iorque. Disponível em: . 27

1.1 – História do grafite no mundo

Textos, palavras, imagens e desenhos representados em paredes, receberam e recebem, por variadas vezes, o nome de grafite. Segundo o pesquisador e designer gráfico Stahl (2009), a origem do termo grafite é uma memória do vocábulo italiano sgraffire.

O sgraffiti (figuras 10 e 11) é uma técnica italiana de decoração de paredes, fachadas e cerâmicas, produzido a partir de várias camadas de estuque ou gesso colorido e, antes do material secar, fazem-se talhos e riscos de tal modo que partes dessa camada superior levantem, e assim obtenha-se desenhos e formas. Ressalva-se que algumas dessas fachadas e decorações em paredes resistem até os dias de hoje.

Figura 3. Técnica Sgraffiti em Praga, República Checa, século XVI. Disponível em: . 28

Figura 4. Técnica Sgraffiti na Casa de Engadine, Suiça, século XVII. Disponível em: .

Contudo, ainda observado por Stahl (2009), nenhum texto, desenho ou símbolo que se vê nas ruas ou em paredes estão distantes ou desprendidos com o objetivo, ideia ou conceito do seu tempo, eles nos remetem ao senso estético e nos dão de forma histórica o bem comum associado à cultura e as soluções que artistas encontraram para expressar suas ideias, desejos e anseios.

Porém, neste momento, é importante informar que não foram encontradas outras informações relevantes sobre o grafite entre o século XVII e 1950.

Essa arte bastarda das ruas, tão menosprezada que mal é capaz de despertar a nossa curiosidade, tão incerta que as inclemências do tempo a podem apagar, transforma-se numa escala de valores. A sua lei é vinculativa, põe de pernas para o ar todos aqueles sistemas estéticos que tanto tempo levaram a introduzir. A beleza não é, na verdade, o objetivo da sua criação, mas é a sua recompensa. [...] Perante tal confronto, o que resta das obras contemporâneas? (BRASSAI apud STAHL, 2009, p.8).

A partir de 1968, o grafite inserido nas paredes de Paris e, a partir da década de

1970, nas linhas do Metrô e guetos de Nova Iorque (figuras 12 e 13), ganhou técnicas cada vez mais elaboradas e ousadas e conquistou um espaço importante na cena 29

artística da época. Com isso, Stahl (2009), coloca que as galerias tentavam diminuir a má fama da então arte de rua, marginal e revoltada, com desenhos domesticados, reprimindo seu ato contestatório, representados em telas e vendidos a colecionadores.

Mesmo com todo o esforço para tentar controlar o grafite, o movimento continuou a tomar conta das ruas no âmbito público, com a intenção de que todos tivessem acesso, independente de museus e galerias. Assim, com o tempo, o reconhecimento aconteceu e hoje se tornou comercialmente valorizado e bem visto pela sociedade.

Figura 5. Grafite em vagão de trem em Nova Iorque, 1970. Disponível em: .

Figura 6. Grafite Estilo americano em trem de Nova Iorque, 1970. Foto: Bernard Chatreau. Disponível em: . 30

Vale a pena refletir sobre a Street Art, tendo em conta um aspecto concreto: esta arte desenvolve-se em plena rua. Qualquer que seja a parede, a rua ou a cidade é também um tema relevante e objeto de discussão. (STAHL, 2009, p.10)

No seu processo como meio de comunicação, as paredes e os muros dos espaços públicos se transformam em grandes laboratórios para o grafite, seja pelo impulso de preencher um vazio, seja pelo objetivo de registrar uma marca, uma ideologia, ou uma manifestação política, social ou cultural. Não é à toa que, normalmente, é encontrado junto à obra o nome ou a assinatura e a data, e, de acordo com Stahl (2009), esse ritual é visto, simbolicamente, como um livro de visitas, é como um certificado de autenticidade (figuras 14 e 15).

Figura 7. Grafite no edifício 5 Pointz, Nova Iorque, 2013. Disponível em: . 31

Figura 8. Grafite em Bogotá, Colômbia, 2013. Disponível em: .

Stahl (2009) salienta que o ato de assinar o nome em uma obra cria, de certa forma, a identidade, a autoria com suas reflexões, pensamentos e experiências a serem partilhados com as pessoas que por passam e observam a obra. Para o autor, o grafite, na maioria das vezes, traz em sua essência a tradição em mensagens provocantes, que normalmente se referem a grupos sociais marginais. Observa ainda o fato do grafite ter sido definido, desde seu surgimento, como arte meramente urbana, ou seja, não apropriada para estar devidamente inserida em galerias de arte pois, conceitualmente, os artistas não querem suas obras aceitas apenas como obras de arte, mas que sejam admiradas também pela mensagem contestatória, ousada e pela ilegalidade, a fim de adquirir um significado figurativo e reflexivo de expressão e uma perspectiva contemporânea. (figuras 16 a 18). 32

Figura 9. Grafite de Paulo Ito, crítica social à Copa no Brasil, São Paulo, 2014. Disponível em: .

Figura 10. Grafite de Banksy, Boston, EUA, 2013. Disponível em: . 33

Figura 11. Grafite de Muretz, São Paulo, 2015. Disponível em: .

No âmbito político, abordam-se as razões pelas quais a Street art ou o grafite se relacionam diretamente com a política. O acesso ao cenário e à informação são abertos a todo o público, uma vez que se encontram na rua. Seu conteúdo, sua expressividade e criatividade não podem ser controlados devido à rápida ação dos grafiteiros, muitas vezes, utilizada para expressar a opinião sobre o cenário político e, claro, sem autorização oficial.

De uma maneira mais ou menos secreta, mais ou menos pública, os símbolos das paredes contribuíram sempre para a criação de opinião ou, pelo menos, para a agitação. (STAHL, 2009, p.71)

As imagens a seguir se referem à ideia da possível formação de opinião e à ação de reflexão pretendida pelos artistas, inseridas no contexto da situação política ou social atual (figuras 19 a 22).

34

Figura 12. Grafite de Banksy em Los Angeles, EUA, 2010. Disponível em: .

Figura 13. Grafite apagado de Blu, JR e Reclaim, Berlim, 2007. Foto: Frank M. Rafik. Disponível em: .

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Figura 14. Grafite de Jef Aerosol, Boston, EUA, 2008. Disponível em: .

Figura 15. Mural de Jef Aerosol em Paris, França, 2011. Disponível em:

Ainda para Stahl (2009) e Gareis (1998), as obras com cunho político mais elevado foram as mensagens e os grafites inseridos no muro de Berlim entre o final da década de 1960 e início de 1970. Esse ato ganhou um 36

significado político especial devido à situação política extrema daquele momento (figuras 23 e 24).

Grafiteiros de várias nacionalidades enfatizavam suas mensagens e ideias de forma que pudessem expressar de forma rápida, incisiva e criativa, suas opiniões e angústias sobre o momento vivido naquela ocasião, transformando o muro de Berlim em um meio de comunicação de massa, com grande visibilidade internacional.

Figura 16. Grafites no Muro Berlim, Alemanha, 1989. Disponível em: .

37

Figura 17. Grafites no Muro de Berlim, Alemanha, 2010. Disponível em: .

De acordo com a documentarista e escritora Fonseca (1982), o

Movimento Contracultural de Paris, em 1968 (Figura 25) e o Movimento

Contracultural de Nova Iorque, em 1972 (Figura 26) também apresentaram, em seu manifesto popular, palavras e frases de ordem de cunho político e social nos muros da cidade.

De fato, devido a maior disputa e ao grande controle dos espaços públicos nos

últimos tempos, os artistas do grafite deixaram de atuar tão diretamente na questão política, parecendo estar agora focalizados em questões mais sociais e comerciais nos espaços públicos. (STAHL, 2009) 38

Figura 18. Pôster em Paris, Movimento Contracultural de 1968. Disponível em: .

Figura 19. Keith Harring grafitando o metrô de Nova Iorque, década de 1970. Disponível em: .

39

1.1.1 - Contracultura em Nova Iorque

Os primeiros movimentos contraculturais surgiam partir de 1950, nos Estados

Unidos, com os Bets Generation, jovens intelectuais e artistas que contestavam o consumismo pós-guerra. Já na década de 1960, o movimento Hippie se opunha radicalmente a valores inseridos na sociedade, como o trabalho, o patriotismo e a estética pré-estabelecida da época. O que diferenciava esse tipo de movimento era o seu caráter não violento. Segundo Rink (2013), a partir de 1972, por intensa influência da mídia norte-americana sobre o Movimento Contracultural de Paris, grafiteiros e artistas, como Jean-Michel Basquiat, começaram a utilizar os muros da cidade como suporte para expressar suas indignações e contestações. Apareceram, então, os grafites e frases de efeito com criações gráficas ousadas e coloridas em muros, carros, galerias, monumentos históricos e metrô. Esse novo protesto derivou da revolta popular da periferia pela falta de moradia e qualidade de vida. Famílias negras e porto-riquenhas começaram a ocupar locais abandonados, como prédios e condomínios, e denunciavam as péssimas condições dos guetos da cidade.

De acordo com Fonseca (1982), essas manifestações estéticas utilizavam por vezes toda a extensão de um vagão de trem (Figura 27) e eram muitas vezes tão criativas e expressivas que, em pouco tempo, conquistaram grandes destaques nas revistas e jornais da cidade.

Figura 20. Vagão de trem em Nova Iorque, década de 1970. Foto Henry Chalfant. Disponível em: .

40

Desde então, o grafite nova-iorquino desenvolveu-se de forma intensa, ganhou notoriedade rapidamente “no circuito oficial da arte” (RINK, 2013, p.36), e nomes como Jean Michel Basquiat e Keith Haring ganharam forte reconhecimento internacional, transformando o grafite de Nova Iorque na maior influência artística do segmento para o resto do mundo naquele período:

Trata-se de uma ofensiva tão selvagem quanto as revoltas, mas de um outro tipo, uma ofensiva que mudou de conteúdo e de terreno, estamos face a um novo tipo de intervenção na cidade, não mais como lugar do poder econômico e político, mas sim como espaço/tempo do poder terrorista dos media, dos signos e da cultura dominante (...) é que os grafites são mais ofensivos, mais radicais – eles interrompem na cidade branca, e, sobretudo, eles são transideológicos, transartísticos, é quase um paradoxo. (BAUDRILLARD apud FONSECA, 1982, p.30)

De uma forma intensa e contestatória, esse modo de intervenção na cidade criou uma ruptura nos padrões de revolução e expressão popular. Sendo ela intencional, a transformação da cidade não acontece só por uma questão visual, mas, principalmente, pela mensagem da revolta e do objetivo percebidos e compreendidos pela população, de maneira que atinja um grande número de pessoas em pouco tempo (figuras 28 e 29).

Figura 21. Grafites em objetos urbanos de Nova Iorque, década de 1970. Disponível em: .

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Figura 22. Prédio conhecido como “Templo do Grafite” americano, 5 POINTZ. Construído em 1982 em Nova Iorque. Disponível em: .

1.1.2 - 1968 – Movimento Contracultural de Paris

Foi no final da década de 1960 que se deu o início do movimento contracutural de Paris. O ano de 1968 foi lendário no que se refere às transformações políticas, éticas, sexuais, artísticas e comportamentais, e transformou as sociedades da época de forma irreversível. Esse movimento atestava a oposição dos jovens à cultura, ao sistema educacional, à política e à economia conservadoras e dominantes da época, incluindo a defesa dos movimentos ecológicos, feministas, das ONGs, dos direitos humanos e dos defensores das minorias. Era possível perceber que novas formas de expressões surgiam a cada instante, a cada movimento. Seus manifestos espontâneos revolucionaram o dinamismo e a irreverência. A violência foi substituída por 42

pichações em paredes e muros, por manifestações de grandes multidões e greves em grande escala.

Essa inquietação trouxe, como maior forma de protesto, grafites com frases de efeito inscritas nas paredes de Paris. Esse ato, utilizado como forma de comunicação, foi uma maneira como as pessoas envolvidas no movimento encontraram para registrar e reconhecer os desejos que aspiravam no momento. O manifesto foi fonte de inspiração para sociedades alternativas que nasciam na

época e que continuaram posteriormente utilizando os muros da cidade para declarar suas insatisfações. (RINK, 2013)

Durante a revolta dos estudantes iniciada em maio de 1968 em Paris, vimos como o spray viabilizou que as mesmas reivindicações que eram gritadas nas ruas, fossem rapidamente registradas nos muros da cidade. (GITAHY, 1999, p.21)

Suas características singulares transformaram essas expressões em

“armas de reivindicações”. Os muros, objetos públicos e o spray, em um ato como esse, transformaram-se em cúmplices do movimento, mudando definitivamente sua funcionalidade e seu uso. Mesmo com inscrições em torno ou dentro da Universidade Sorbonne, sua repercussão foi imensa, influenciando inclusive os atos em Nova Iorque no início da década de 1970 e no Brasil entre

1979 e 1982, onde a espontaneidade, a mobilização feroz, e a apropriação do espaço público exaltava suas reivindicações. (FONSECA, 1982)

A ideia política da liberdade da palavra na parede e o pensamento estabelecido desde os anos 1960, que percorre os caminhos da arte conceptual, fez com que os artistas procurem uma fusão entre palavras e representações artísticas. (STAHL, 2009, p.113)

43

A possibilidade de uma nova liberdade de expressão, a espontaneidade e o desejo de mudança proporcionaram uma força de comunicação em massa capaz de mudar o comportamento de forma expressiva da população, e assim, auxiliar de modo comportamental e revolucionário a situação política daquele momento

(figuras 30 a 33).

Figura 23. Manifestação em 1968 e a aparição de faixas e grafites. Disponível em: .

Figura 24. Primeiros grafites nos muros de Paris, 1968. Disponível em: . 44

Figura 25. Grafite derivado no Movimento Contracultural de Paris, 1968. Disponível em: .

Figura 26. Grafite derivado no Movimento Contracultural de Paris, 1968. Disponível em: .

45

1.2 – Precursores internacionais do grafite

Foi a partir dos anos 1970, nos EUA, que começaram a surgir os primeiros grandes nomes do grafite internacional, como suporte para uma nova expressão artística urbana. Personagens importantes começaram a se aventurar a fim de expressar ideias, pensamentos e desenhos no espaço urbano.

1.2.1 - Basquiat

Jean-Michel Basquiat, personagem importante no universo do grafite nas décadas de 1970 e 1980, nasceu em 1960, no Brooklyn, em Nova Iorque. Segundo

Rink (2013) Basquiat é o percursor do grafite contemporâneo na arte urbana e influenciou o grafite internacional (figuras 34 a 36). Com um estilo original, bruto, espontâneo, humilde e visceral, suas representações formam imagens despedaçadas e incoerentes, normalmente desprezando qualquer tipo de unidade visual preestabelecida. Seus temas, baseados na vida cotidiana das grandes cidades e nas diferenças sociais, criaram tendência para uma “estética da grafitagem” e uma competência de desenvolver fortes conceitos de expressão e percepção social. Além de promover grande exteriorização da rua e do submundo nova-iorquino de um modo particular e intenso, foi responsável também pela legitimidade e reconhecimento do grafite como arte.

46

Figura 27. Grafite de Basquiat, década de 1980. Disponível em: .

Figura 28. Basquiat utilizava a palavra “SAMO” em alguns grafites, que significa “same old shit”, ou “a mesma merda de sempre” em português. Disponível em: .

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Figura 29. Monalisa de Basquiat, 1983. Disponível em: .

1.2.2 - Keith Haring

O artista plástico norte-americano Keith Haring, nascido em 1958 em Nova

Iorque, reconhecido internacionalmente, contribuiu muito para a área da pintura, escultura, colagens, desenhos e grafite no metrô, apropriando-se de muros e prédios da cidade. Sua maior preocupação era que suas obras pudessem alcançar o maior número de pessoas possível. Sustentava seu trabalho em prol da arte pública. Seus desenhos, que têm na primazia da linha sua maior força, sobrevivem até hoje. Keith

Haring abordava temas como a homossexualidade, a prostituição e o preconceito, por isso sua arte é considerada erótica. Em 1983, já reconhecido internacionalmente, foi convidado a participar da Bienal Internacional de Arte de São

Paulo e pintou um painel na avenida Sumaré, região nobre da cidade (Figura 37) 48

Figura 30. Mural de Haring, próximo à Av. Sumaré em São Paulo. Disponível em: .

[...] Keith Haring, conhecido principalmente por causa das suas intrusões não autorizadas nos painéis publicitários do metrô de Nova Iorque com cartazes a preto, ultrapassava, em contrapartida, a fronteira de outra maneira: para ele esta fronteira era igualmente permeável, e os meios artísticos e a linguagem do sinal continuavam a ser parecidos. No entanto, traçou uma marcada diferença entre a arte comercial e a que se realizava de forma voluntária e não remunerada [...]. (STAHL, 2009, p.117)

Figura 31. Primeiro grande mural de Haring em Nova Iorque, 1982. Disponível em: .

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Figura 32. Mural de Haring na cidade de Pisa, Itália,1989. Disponível em: .

Figura 33. Mural de Haring em Berlim, Alemanha, 1986. Disponível em: .

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Figura 34. Mural de Haring em Barcelona, Espanha, 1989. Disponível em: .

1.2.3 - Bansky

Banksy hoje é o artista “anônimo” mais conhecido no mundo do grafite, isso porque sua verdadeira identidade nunca foi exposta. Começou a grafitar na década de 1970 em sua cidade natal, Bristol (Inglaterra) e, devido a sua falta de habilidade com o spray, passou anos desenvolvendo uma técnica para aprimorar a qualidade e o tempo em suas intervenções. A partir da década de 1990, começou a usar o estêncil em seus grafites. Nos anos seguintes, continuou aperfeiçoando as técnicas que lhe garantiriam maior agilidade e, assim, fez diversas intervenções por várias cidades do mundo. Segundo Mai Magazine (2012), Banksy é o responsável por estabelecer artes irreverentes nas ruas, que incitaram a reflexão e alteraram a forma como o grafite é percebido dentro da arte contemporânea. Suas obras surgem em diferentes estilos e com o uso de materiais diferenciados, e seu maior objetivo é “elaborar duras e sarcásticas críticas à política, à sociedade em geral e à guerra do mundo contemporâneo”. 51

É preciso muita coragem para, numa democracia ocidental, se erguer anonimamente e clamar por coisas em que ninguém mais acredita – como paz, justiça e liberdade. (BANKSY, 2012, p.29)

Em 2005, Banksy grafitou imagens que remetiam ao mundo perfeito no muro que divide a Palestina de Israel (figuras 42 e 43) e a partir dessa intervenção teve grande repercussão internacional.

Ao contrário do que dizem por aí, o grafite não é a mais baixa forma de arte. Embora seja necessário se esgueirar pela noite e mentir para a mãe, grafitar é, na verdade, uma das mais honestas formas de arte disponíveis. Não existe elitismo ou badalação, o grafite fica exposto nos melhores muros e paredes que a cidade tem a oferecer e ninguém fica de fora por causa do preço do ingresso. [...] Algumas pessoas se tornam policiais porque querem fazer do mundo um lugar melhor. Algumas pessoas se tornam vândalos porque querem fazer do mundo um lugar visualmente melhor. (BANKSY, 2012, p.8)

Figura 35. Grafite de Banksy, Palestina, 2005. Disponível em: . 52

Figura 36. Grafite de Banksy, Faixa de Gaza, 2014. Disponível em: .

Figura 37. Grafite de Banksy, Mona Lisa com laçador de foguetes, Soho, Manhatan, Nova Iorque, 2001. Disponível em: .

53

Figura 38. Figura 45. Grafite de Banksy, Old Street, Londres, 2006. Disponível em:

Figura 39. Grafite de Banksy. Bomb Hugger, Brighton, Inglaterra, 2003. Disponível em: . Acesso em: 7 ago. 2015. 54

Figura 40. Grafite de Banksy. O que você está olhando? Londres, Inglaterra, 2004. Disponível em: .

Figura 41. Grafite de Banksy. 18 minutos, Londres, Inglaterra, 2006. Disponível em: .

55

Figura 42. Grafite de Bansky. Monkey. Londres, Inglaterra, 2006. Disponível em: . 56

2. HISTÓRIA DA PICHAÇÃO E DO GRAFITE NO BRASIL

O termo pichação é exclusivo do Brasil, por isso é importante mencionar que não foram encontradas em nenhuma obra literária, artigos ou sites pesquisados para esta dissertação, as nomenclaturas “pichação” ou “pixação” fora do âmbito nacional, quando está relacionada ao ato de grafitar ou escrever em suportes externos na paisagem urbana. As nomenclaturas abordam sempre as expressões graffiti, grafitti ou mesmo a Street art. (LASSALA, 2010)

No Brasil, estas duas vertentes, o grafite e a pichação, utilizam o mesmo suporte, o mesmo material, o mesmo conceito de espontaneidade e gratuidade, porém, a pichação advém da escrita, da palavra e da letra. Enquanto o grafite advém das artes plásticas e utiliza a representação da imagem como meio principal de expressão e comunicação. (GITAHY, 1999)

Quanto à pichação, o professor e pesquisador Gustavo Lassala (2010) aponta que está relacionada à ação de escrever e/ou desenhar dizeres e palavras em suportes externos na paisagem urbana. Expressões e comunicações que podem ser observadas, lidas e fotografadas na rua, sem a necessidade de se adentrar a um local fechado para admirar ou receber tais informações.

Já no grafite, Lassala (2010) e a artista plástica e mestra em psicologia

Anita Rink (2013) consideram pequena a influência dos grafites da Europa

(França e Inglaterra). Para eles, as primeiras aparições de expressão urbana da pichação são de meados da década de 1960 e início da década de 1970, dentro do período da Ditadura Militar no Brasil (Figura 50), e eram usadas como formas 57

de protestos de jovens e trabalhadores descontentes com a situação política do país, que utilizavam o espaço urbano para escrever frases de efeito e ordem contra o Regime Militar. Nesse período, a pichação era utilizada como uma das poucas formas de manifestação popular já que a liberdade de expressão era controlada de forma violenta. As pichações eram feitas muito rapidamente e, portanto, difícil de serem contidas.

Figura 43. Pichação no Rio de Janeiro contra a ditadura militar. Disponível em: .

Após a queda da Ditadura Militar, em 1985, a pichação praticamente deixou de ser um ato político e passou a conter frases misteriosas, muitas vezes com apelos sociais e aparências mais ousadas. Algumas mais criativas foram usadas como forma de propaganda (Figura 51). 58

Figura 44. Foto pichação voltada a publicidade. Cão Fila km 26, década de 1980. Disponível em: .

Além dessas características, o aparecimento de assinaturas simples começaram a demarcar as inserções (figuras 52 e 53).

Figura 45. Artista Miguel Cordeiro e seu personagem Faustino, São Paulo, 1979. Disponível em: .

59

Figura 46. Pichações de frases enigmáticas, São Paulo, década de 1980. Disponível em: .

Após esse período de frases enigmáticas, no início da década de 1990, inscrições com codinomes e desenhos de letras com pouco entendimento e legibilidade começaram a surgir causando grande indignação e repulsa na sociedade (figuras 54 e 55). Esse tipo de inscrição se fortaleceu e ainda pode ser observado nos dias de hoje. Por um lado é possível observar a pichação como forma de linguagem da ação do homem, como expressão da insatisfação e do protesto e da situação marginal em que determinados grupos se encontram, além da busca por adrenalina, da competição entre as gangues e do reconhecimento social; por outro, e talvez o que cause maior indignação à população, tem-se o fato da apropriação indevida do espaço, da poluição visual e do vandalismo observados na cidade.

60

Figura 47. Pixações e inscrições de gangues. Disponível em: .

Figura 48. A pichação ilegal produzida por gangues em São Paulo. Disponível em: .

Atualmente, a pichação é considerada um ato marginal, é ilegal e, segundo a Lei N.12.408, sancionada em 25 de maio de 2011, a venda de spray para 61

menores de 18 anos é proibida, e criminaliza a pichação em monumentos e edificações. A Lei autoriza o grafite em alguns casos, desde que praticado para valorização do espaço público e com autorização prévia do proprietário, ou do

órgão competente, em caso de bem público.

Se por um lado pichadores e grafiteiros defendem sua expressão e obra, é preciso perceber a longa distância entre um comum acordo sobre a apropriação indevida e o vandalismo atual e a nova percepção do grafite como meio legítimo de expressão e comunicação em massa.

A partir desse momento, é possível perceber que o grafite, no conceito artístico, social e/ou comercial, é bem-visto pela sociedade como valorização do espaço público, e aceito como arte (Figura 56). Em contrapartida, vê-se também o menosprezo e a marginalização das pichações, ainda que estas não possam ser desassociadas historicamente do grafite contemporâneo.

Figura 49. Grafite nos Arcos do Jânio, São Paulo. Disponível em: .

No final da década de 1970, a maioria dos pichadores no Brasil começava a se interessar por expressões mais elaboradas, por interferência do e dos grafites já consagrados em Nova Iorque. Foi então que surgiu o termo grapicho para 62

nomear as intervenções escritas com palavras mais elaboradas e coloridas e, às vezes, acompanhadas de algumas imagens, (Figura 57). (GITAHY, 1999)

Figura 50. Grapicho: mistura estética entre o grafite e a pichação. Disponível em:

O grafite propriamente dito, com figuras ilustradas e lúdicas, surgiu no Brasil no início da década de 1980, mais especificamente em São Paulo, quando artistas norte-americanos foram convidados a participar da Bienal Internacional de Arte em

São Paulo, em 1983 (Figura 58) (RINK, 2013).

Figura 51. Obra de Keith Haring na Bienal Internacional de Arte de São Paulo, 1983. Disponível em: .

63

Antes do surgimento do grafite no Brasil, formas artísticas como o Stencil art e as pichações poéticas ganharam grande destaque e visibilidade em São Paulo e em todo o país (Figura 59).

Figura 52. Grafite de Alex Vallauri, São Paulo, década de 1980. Disponível em .

Para Gitahy (1999), o artista Alex Vallauri é considerado um dos principais precursores do grafite no Brasil e suas obras surgiram a partir de

1979. No início da década de 1980, junto com Carlos Matuck, Waldemar Zaidler,

Mauricio Vilhaça foram os primeiros grafiteiros reconhecidos como artistas no país (Figura 60), recebendo, inclusive, convites para expor suas obras em galerias de arte e na Bienal Internacional de Arte de São Paulo em 1981 e 1983.

Os precursores da pichação e do grafite no Brasil defendem o movimento:

Devemos procurar entender essa manifestação humana. Se somos da mesma espécie, por que reprimir, tão drasticamente, uma atividade muito menos perigosa do que as barbaridades sociais, ecológicas e políticas, corrupções e violência que se sucedem a nossa vista e são enaltecidas pela mídia? (VILHAÇA apud GITAHY, 1999, p.25) 64

Figura 53. Grafite de Mauricio Vilhaça e Julio Barreto, São Paulo, 1990. Disponível em: .

A visibilidade e credibilidade que os artistas conquistaram nas Bienais de

1981 e 1983, gerou valorização e reconhecimento para o grafite na cidade de São

Paulo e em outras grandes cidades do país. Ainda assim, é possível analisar quem, a partir daquele momento, foi e é considerado artista e quem não se enquadra nessa nova realidade.

Os pichadores defendem a arte de rua, a arte acessível e a livre expressão e comunicação para todos porém, sofrem discriminação quando comparados aos artistas do grafite contemporâneo. São considerados vândalos que agem contra a lei quando interagem no espaço urbano, apropriando-se de prédios públicos ou privados sem a devida autorização.

A influência do grafite norte-americano no Brasil teve maior exposição a partir de 1989 com os artistas OsGemeos, Speto, Binho, Tinho e o grupo

Aerosol (figuras 61 e 62). Nesse mesmo ano, um renomado crítico de arte e 65

fotógrafo norte-americano, Enio Massei, em visita à cidade de São Paulo comentou:

São Paulo tem o privilégio de ser a única cidade do mundo a ter um grupo de artistas trabalhando dentro de uma coerência linguística com homogeneidade que não se encontra nem mesmo em Nova Iorque. Conheço todas as capitais do mundo e posso garantir que São Paulo é o centro do graffiti ocidental. (MASSEI apud GITAHY, 1999, p.55)

Figura 54. Arte de rua e a liberdade de expressão. Grafite de OsGemeos. Disponível em: .

Figura 55. Beco do Batman, Vila Madalena, São Paulo. Foto Ricardo Kenski. Disponível em: .

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Por isso, os grafiteiros e pichadores buscam comunicar seu pensamento, ideologia e criatividade de forma que possam ser percebidos e observados por uma grande quantidade de pessoas, pois o objetivo maior é a comunicação em massa, a expressão livre de formalidades (figuras 63 a 65).

Figura 56. Grafites como forma de protesto. Foto Yuri Ribeiro. Disponível em: .

Figura 57. Grafite contratado por empresa privada. Foto Márcio SWK. Disponível em: .

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Figura 58. Grafites nas Pilastras do Minhocão, São Paulo. Disponível em: .

2.1 – Alex Vallauri

Para o professor e historiador João J. Spinelli (2011), a obra de Alex

Vallauri era elaborada e pensada de várias maneiras, técnicas e suportes diversificados e imprevistos, inspirada na pop art e inserida no espaço público, baseada em questões políticas e, portanto, contrárias à elitização da arte.

Desenhos sempre baseados no humor, na alegria, na inovação e poesia em plena Ditadura Militar e, normalmente, com figuras humanas para compor as ideias e obras completas. Graduado em artes plásticas pela Fundação Armando

Álvares Penteado, fez vários cursos livres e de especialização fora do país para aprimorar cada vez mais sua técnica e seus desenhos.

Desprendido de falsos ideais vanguardistas, seu objetivo era a comunicação da arte para a população, uma arte incumbida de estética em que o humor, a ironia, a crítica e o prazer da vida fossem transmitidos e reconhecidos pelo maior número de pessoas possível naquele momento.

O artista percebeu que a obra de arte só poderia ser realmente entendida se o autor se preocupasse também com os anseios e as aspirações das pessoas. Por isso substituiu as técnicas gráficas tradicionais, executadas 68

entre as quatro paredes de seu ateliê, por grandes matrizes que à surdina estampava nos muros e paredes da cidade; criou assim signos imediatamente identificados, amados pela multidão anônima que diariamente passava por aqueles lugares. (SPINELLI, 2011, p.10)

Para Spinelli (2011), Alex Vallauri foi primordial para a arte contemporânea latino-americana com sua obra A festa na casa da Rainha do Frango Assado, de

1985 (figuras 66 e 67).

Figura 59. Instalação A festa na casa da Rainha do Frango, 18ª Bienal Internacional de São Paulo, 1985. Foto Simone Catto. Disponível em: . 69

Figura 60. Detalhe da Rainha do Frango Assado. Disponível em: .

Para o pesquisador e sociólogo do cinema mexicano Eduardo de La Vega

Alfarro (2006), o trabalho de Vallauri é cheio de espontaneidade, simplicidade visual, despojamento, criatividade, inovação, senso crítico e humor (Figura 68).

Embora utilizasse, na maioria das vezes, a forma humana em suas obras, não tinha, em nenhuma delas, a intenção de retratar a vida cotidiana (figuras 69 e 70).

(SPINELLI, 2011)

Transformar a cidade com uma arte viva e popular e induzir à efetiva participação da comunidade, eis a minha intenção. Alex Vallauri. (SPINELLI, 2011, p.8)

70

Figura 61. Bota. Disponível em: .

Figura 62. Rainha do Frango Assado em Pic-nic no Glicério, São Paulo. Foto Kenji Ota. Disponível em: . 71

Figura 63. Detalha Rainha do Frango Assado e a sensual bota preta. Disponível em: .

Pela intenção de democratizar a arte, dando acesso à população que nunca havia tido contato com um museu ou galeria de arte, Alex Vallauri, assim como outros nomes nacionais, Hudinilson Júnior, Waldemar Zaidler e Carlos Matuck, retomou, redescobriu e reinventou o uso da técnica do estêncil já utilizada há séculos pelos artistas de grandes murais e paredes. O estêncil, técnica bastante simples, utiliza máscaras recortadas, feitas

à mão (Figura 71) (SPINELLI, 2011).

Figura 64. Detalhe das Acrobatas, um dos personagens mais conhecidos, produzidos em estêncil. Disponível em . 72

2.2 – Binho Ribeiro

Segundo o artista plástico e pesquisador Nicholas Ganz (2004), Binho é um dos primeiros artistas a grafitar no Brasil e na América Latina. Seus desenhos apareceram a partir de 1984 e têm como maior preocupação enfatizar os preconceitos e a grande oposição de aceitação do grafite no Terceiro Mundo

(figuras 72 e 73).

Figura 65. Carpa em pilastra do viaduto Minhocão, São Paulo. Disponível em: .

Figura 66. Avenida 23 de Maio, São Paulo, 2015. Disponível em: . 73

O artista é editor da Revista Grafitti, foi curador de diversos eventos relacionados ao grafite e participou de diversos livros do segmento. Seu trabalho é encontrado em diversos países e por quase todos os estados brasileiros. Segundo o site Escritório de Arte, Binho Ribeiro tem um estilo arrojado, singular e expressivo, o que permite dar vida e destaque aos seus personagens (figuras 74 e 75).

Figura 67. Carpa na exposição Matilha Cultural, em 2010. Disponível em: .

Figura 68. Caramujo, em São Paulo. Disponível em: .

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2.3 – Nunca

Nunca faz parte das primeiras gerações do grafite no Brasil, seus desenhos e pichações se encontram em muros do país desde 1994. Francisco Rodrigues da Silva adotou o nome artístico NUNCA como lema a dizer nunca dizer não às limitações culturais e mentais em que acredita. Com seu trabalho desprendido, de proporções e cálculos, improvisa desenhos de traços fortes e cores cruas que transmitem uma realidade cruel das ruas, sem disfarces, chocante, intenso e áspero, e aborda diversos temas de forma muitas vezes brutal, aflita e angustiante, sobre a cultura, a política e o preconceito (figuras 76 a 79).

Figura 69. Grafite em Toronto, Canadá, 2012. Disponível em: .

Figura 70. Grafite em Los Angeles, EUA, 2013. Disponível em: .

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Figura 71. Grafite no Bairro Liberdade, São Paulo. Disponível em: .

Figura 72. O drible. Disponível em: .

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2.4 – Nina Pandolfo

Segundo Ganz (2004), Nina, paulistana nascida em 1977, começou a grafitar em 1990. Como sua pintura não está ligada a questões sociais, ela usa de elementos infantis, normalmente representando animais, insetos e outras formas da natureza de maneira lúdica e aliada às suas personagens femininas sensuais e de olhos grandes (Figura 80).

Nina Pandolfo (2011) comenta que, no início de suas pinturas, seu traço simples remetia às figuras de mangás japoneses. Em 2000 foi convidada a participar do evento comemorativo dos 50 anos da Fundação Bienal e teve sua inauguração na arte contemporânea de São Paulo.

Havia um planejamento inicial, mas muito do que fizemos foi decidido na hora, veio de lá mesmo. E uma das coisas mais legais é como cada intervenção de um artista dialoga com a do outro. (PANDOLFO, 2011, p.20)

Figura 73. Traços lúdicos e sua personagem feminina de olhos grandes. São Paulo, 2008. Disponível em: .

77

O projeto que deu maior evidência ao seu trabalho aconteceu em 2007, quando grafitou a fachada do castelo Kelburn, na Escócia (Figura 81), junto com outros colegas: OsGemeos e Nunca.

Figura 74. Castelo Kelburn, Escócia, 2007. Disponível em: .

Atualmente, amadurecida em seu traço e dedicando-se a projetos nacionais e internacionais, no Brasil, Nina está integrada a grandes murais nos quais homenageia o cenário brasileiro e o mar (figuras 82 e 83).

Figura 75. Figuras femininas de olhos grandes são a identidade dos desenhos de Nina. Disponível em: .

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Figura 76. Grafite na Ligação Leste/Oeste, São Paulo. Disponível em: .

Com temas críticos e sarcásticos sobre feminismo, política, intelectualidade e questões sociais, diversos personagens ilustram o trabalho da artista: bonecas, meninas, fadas, animais, todos com um detalhe especial que é sua marca registrada, os olhos. Os olhos grandes dos personagens e a explosão de cores inseridas no grafite remetem a boas lembranças e desejos.

2.5 – Eduardo Kobra

Eduardo Kobra, artista plástico, nascido em 1976, iniciou sua atividade como pichador e grafiteiro aos 12 anos, sob grande influência do hip hop e dos grafites de

Nova Iorque da década de 1970 e 1980. Suas obras surgiram a partir de 1987 na periferia da cidade de São Paulo e logo ganharam o restante da cidade.

Reconhecido como o grande artista no grafite e no muralismo brasileiro, recebeu 79

projeção nacional e internacional em 2014, a partir do projeto “Muros da memória”, no qual buscou transformar a paisagem urbana por meio da arte e resgatar a memória da cidade (figuras 84 e 85).

A verdade é que me sinto um privilegiado por pintar na rua. O maior museu é a rua, ao ar livre e que faz que a arte possa chegar a todas as pessoas, pobres ou ricos. (MELO, 2014)

Figura 77. Projeto Muros da Memória, São Paulo, 2009. Disponível em: .

80

Figura 78. Projeto Muros da Memória, Av. 23 de maio, São Paulo, 2009. Disponível em: .

Com o traço realista, Kobra mistura o estilo do grafite com luz, sombra e brilho, e cria uma série de murais que encantam o público com alegria e um visual irreverente, enchendo de cores as ruas de cidades de todo mundo (figuras 86 a 88).

Não quero ser hipócrita, mas para mim não está ligado à questão financeira, obviamente que se uma pessoa me contrata ela tem que pagar por isso, mas independentemente de qualquer coisa sempre vou pintar na rua porque amo fazer isso. (Kobra apud Revista em Dia, 2013)

Figura 79. Malala, Itália, 2014. Disponível em: . 81

Figura 80. Chico Buarque e Ariano Suassuna na Fnac da Pedroso de Moraes, Bairro Pinheiros, São Paulo, 2014. Disponível em: .

Figura 81. Welcome to Brazil, Av. Paulista x Av. Rebouças, São Paulo. Disponível em: .

82

A inspiração para seus murais nasceu de grandes pintores muralistas mexicanos, como Diego Rivera, e o brasileiro Di Cavalcanti (figuras 89 e 90).

Figura 82. Diego Rivera, O homem, controlador do universo, 1934. Disponível em: .

Figura 83. Di Cavalcanti. Fachada do antigo Teatro Cultura Artística, São Paulo. Disponível em: . 83

De uma forma romântica e em clima nostálgico, o artista elabora murais dos mais variados temas, sendo eles culturais, motivadores, românticos ou de protesto.

Sempre com muita energia e agitação que remete à realidade dos dias de hoje

(figuras 91 a 93).

Figura 84. Bailarina, Paraisópolis, São Paulo, 2015. Disponível em: .

Figura 85. Lambe-Lambes, Largo da Batata, Bairro Pinheiros, São Paulo, 2015. Foto: Mateus Bonomi. Disponível em: .

84

Figura 86. O beijo, Nova Iorque. Disponível em: . Acesso em: 6 ago. 2015.

Além de seus murais, Kobra foi o pioneiro na pintura anamorfose em pavimentos do Brasil. A técnica de grande complexidade consiste em “enganar os olhos” com uma grande sensação de profundidade e realismo (figuras 94 e 95).

Segundo o próprio artista, seu trabalho “surgiu na rua, primeiramente faço porque é o meu hobby.”

Figura 87. Pintura 3D produzida no Rio de Janeiro. Disponível em: .

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Figura 88. Pintura 3D no bairro de Santa Cecília, São Paulo, 2015. Foto Luís Carlos Murauskas. Disponível em: .

2.6 – Cranio (Fabio de Oliveira Parnaiba)

Paulistano da zona norte de São Paulo, nascido em 1982, começou a grafitar em 1998. Encontrou no personagem Índio (figura 96 a 98), uma identidade para relacionar a figura brasileira com cores fortes e traços marcantes. Suas obras promovem discussões atuais sobre o consumismo, identidade e meio ambiente.

(MUBE, 2013, p.98)

Figura 89. Grafite na Av. Consolação, São Paulo, 2013. Disponível em: . 86

Figura 90. Grafite expressando a cultura e a situação política e social brasileira. Disponível em: .

Figura 91. Grafite em, São Paulo. Disponível em: .

De forma criativa e bem-humorada, seus personagens estão sempre em envolventes e vibrantes, e o objetivo maior é promover um pensamento reflexivo sobre o tema abordado (figuras 99 a 101). (RANGEL, 2014)

87

Figura 92. Mensalão-Devolve, São Paulo, 2013. Disponível em: .

Figura 93. Copa de Mundo, São Paulo, 2013. Disponível em: .

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Figura 94. Índio Rei, São Paulo, 2012. Disponível em: .

2.7 – OsGemeos

Irmãos gêmeos Otávio e Gustavo Pandolfo, paulistanos, iniciaram suas atividades em 1986 no bairro do Cambuci, em São Paulo. De um modo lúdico, intuitivo e dinâmico, encontraram no grafite uma forma de se comunicarem com a cidade e com o público.

Hoje, reconhecidos mundialmente, abrem caminho para aceitação da arte urbana brasileira, usam linguagens visuais combinadas e improvisadas, e um mundo surreal para criar uma variedade de projetos pelo mundo (figuras 102 a 104).

Figura 95. Mural no Museu de Arte Moderna, Parque do Ibirapuera, São Paulo. Foto Eduardo Enomoto. Disponível em:

89

Figura 96. Detalhe do mural, ligação Leste/Oeste, São Paulo. Disponível em: .

Figura 97. Painel na Av. 23 de maio, São Paulo. Apagado na gestão do prefeito Gilberto Kassab. Disponível em: .

Para Ganz (2004, p.85), OsGemeos utilizam criativos personagens de estilo distorcido, muito próximos aos desenhos em quadrinhos. Pintam de forma que o expectador tenha um entendimento e sensações, a fim de explorarem suas emoções e experiências (figuras 105 e 106). 90

Segundo entrevista concedida à Revista Vírgula (2009), os artistas explicam:

Nós começamos a grafitar no início dos anos 80, no bairro do Cambuci em São Paulo. Na época, nossas referências eram a cultura hip hop, mas logo fomos buscando outras influências, como a própria cultura brasileira, folk art, arte popular, nossos sonhos, Tritrez e a cidade. As viagens também influenciaram muito o nosso trabalho.

Figura 98. Galeria Fortes Vilaça, São Paulo, 2006. Disponível em: .

Figura 99. O Estrangeiro, Vale do Anhangabaú, São Paulo, 2009. Disponível em: .

Em 2013, OsGemeos se uniram ao Banksy para a criação de um grafite e, com o resultado posterior, para duas capas de revistas (Figura 107). 91

Figura 100. Capa da revista The village VOICE, produzida por Banksy e OsGemeos, 2013. Disponível em: .

2.8 – As misturas nacionais: Pichação x Pixação, e o Grapicho

Para muitos, como visto anteriormente, a pichação é vista pela sociedade, geralmente, como vandalismo, mas é importante diferenciar as situações, os momentos e os formatos nos quais está inserida no espaço urbano. Suas características induzem a determinadas ações e momentos distintos da arte urbana.

2.8.1 - A Pichação

A Pichação tem, na maioria das vezes, a intenção de marcar presença, de comunicar ou relatar algo. Normalmente, prefere o uso da caligrafia, palavras e letras e, quando desenhos ou formas são utilizados, aparecem de modo bastante simples. A pichação se restringe ao ato de escrever, rabiscar ou desenhar dizeres em suportes 92

externos onde qualquer observador poderá vê-la, fotografá-la ou analisá-la sem ter de adentrar um espaço fechado como um museu, por exemplo (figuras 108 a 110).

(LASSALA, 2010, p.47)

Figura 101. A pichação transforma a cidade em caderno de mensagens desenhos. Disponível em: .

Figura 102. Muros da Estação Pinheiros após acidente em 2006. Disponível em: .

93

Figura 103. O uso inapropriado do espaço urbano para inscrições de mensagens. Disponível em: .

Normalmente, o tempo dedicado a uma pichação é curto. Sua produção, embora possa ser utilizada com auxílio de várias ferramentas como, spray, estêncil ou rolo de tinta, é pouco rebuscada ou expressiva devido a sua forma aleatória ou desordenada. Na maioria das vezes, o texto se apresenta em apenas uma cor ou no máximo duas. Os suportes são os mais variados, e como nunca autorizados ou cedidos, os pichadores acabam fazendo suas inscrições em árvores, muros, monumentos, pontes e postes (Figura 111).

Figura 104. Expressões e mensagens espalhadas pela cidade. Disponível em: . 94

2.8.2 - Pixação

Conforme Lassala (2010), existem diferenças entre Pichação (com CH) e a Pixação (com X). Em São Paulo, particularmente, a diferença se dá pela competitividade dos grupos, tribos e gangues em conquistar o acesso mais difícil para o seu ato. Este, por sua vez, pode acontecer sozinho ou em grupo.

Culturalmente, existe certo respeito entre os grupos, pois uma das maiores ofensas na arte de rua é, seja para o pichador, pixador ou grafiteiro, apagar ou denegrir a intervenção do outro.

Assim como a Pichação (com CH), a pixação utiliza da tipografia para demarcar seu território e possui gramática e desenho próprios. Na grande maioria das vezes, as escritas não são legíveis para a população em geral, somente as compreende quem faz parte dos grupos de pichadores (figuras 112 e 113).

Figura 105. Gangues atuando clandestinamente no espaço público de São Paulo. Foto: Choque Fotos. Disponível em: .

95

Figura 106. Pixação nas ruas de São Paulo. Foto: Leandro Mantovani. Disponível em: .

Assim como em Nova Iorque, é possível observar no Brasil pixações grandes e agressivas, duas das características mais fortes dessa arte (Figura

114). Em São Paulo, especificamente, o desenho encontrado nas pixações é diferente. O estilo TAG RETO se tornou a assinatura da cidade.

Figura 107. TAG Reto, tipo de escrita exclusiva da cidade de São Paulo. Disponível em: .

96

2.8.3 - Grapicho

Para Gitahy (1999, p.31), esse tipo de inscrição intermedia a pixação e o grafite, com adição de cores excessivas, contornos, arabescos, sombreados e volumes nas letras (figuras 115 e 116). Normalmente, apresenta um caráter de protesto e palavras de ordem.

Figura 108. Grapicho realizado na região do Grande ABC, São Paulo. Disponível em: .

Figura 109. Letras grandes, contornos, volume e a mistura entre a pichação e o grafite. Disponível em: .

97

Apesar de diferentes técnicas aplicadas, de movimentos e momentos distintos, o grafite vem se aperfeiçoando nas últimas décadas e cumprindo um importante papel na arte pública e contemporânea.

As apropriações de paredes, muros, fachadas de prédios, viadutos e escadarias do espaço urbano permitem que a arte fique à disposição da população, além de acessível, cumprindo seu papel social e pioneiro, de levar arte a todas as pessoas, independente de objetivos políticos ou comerciais. 98

3. A VALORIZAÇÃO DO GRAFITE COMO ARTE URBANA

A pichação e o grafite originalmente, surgiram como formas de contestação social e de divulgação de uma arte deslocada de holofotes e museus, um manifesto livre, de cunho social, onde se reflete a realidade da rua e se priorizava a arte na rua, com acesso livre para todos.

É uma arte que visa as inquietudes e preocupações dos jovens nas grandes cidades, constitui um universo extremamente rico, complexo e dinâmico de expressão, representação e significados. Estes vão do inconformismo com o estabelecido à chamada à ação, da irreverência insolente à revolta dolorosa, da ternura lírica à violência desmedida, do humor ácido à crítica feroz, da denúncia política à tomada de consciência. Um olhar mais acurado deste universo permite perceber que, mais que sujeira, anarquia, caos ou poluição visual, como é vista por grande parte da sociedade estabelecida (poder público, proprietários, gerações mais velhas, classes média e alta), esta é uma arte comprometida com a realidade social, política e ecológica atual. (PROSSER, 2006, p.1)

Hoje alguns grafiteiros têm grande reconhecimento e seus grafites têm alto valor comercial, além de grande aceitação da sociedade e do poder público, quebrando de certa forma o conceito original de contestação.

3.1 – A arte contestatória do grafite

Como um dos maiores objetivos, a contestação social, alguns artistas iniciaram e mantiveram suas carreiras no grafite a fim de usarem sua arte como forma de reflexão e contestação sobre o mundo em que vivem. 99

Segundo Prosser (2006), esses grafites não autorizados que podem ser encontramos nas cidades, que incomodam ou que causam grande interesse e beleza, compõe um significado especial para os artistas pois, além de demandarem tempo e conterem expressões de desabafos, sentimentos e exposições sobre a situação social onde vivem ou que enxergam, também significam uma atitude de coragem, irreverência, ousadia e revolta, já que podem ser surpreendidos a qualquer momento, serem agredidos e até presos.

Para citar alguns artistas internacionais e brasileiros que realizaram e ainda realizam de forma coesa esse objetivo (figuras 117 a 120).

Figura 110. A Arte elétrica, contestatória e colorida de Basquiat. Disponível em: .

100

Figura 111. Keith Haring, Nova Iorque, 1986. Disponível em: .

Figura 112. Banksy, Soho, Nova Iorque, 2005. Disponível em: . 101

Figura 113. Banksy, Stencil de grandes proporções grafitado em Israel, 2009. Disponível em: .

Com relação à protestação da arte de rua como forma de expressão, sua extensão vai desde a pichação, que compreende o ato de perturbar, sujar, competir com outros participantes, e/ou chamar atenção para determinado local, até a arte politicamente compromissada, a arte da expressão social, da intervenção urbana como meio de comunicação de massa e embelezamento da cidade, os grafites.

“Enfeitar a cidade, transformar o urbano com uma arte viva, popular, da qual as pessoas participem, é a minha intenção”. (VALLAURI apud A ARTE DE

TRANSFORMAR, 2010)

Para Prosser (2006), se bem observado o que supostamente é referenciado como caos, protesto e anarquia encontrados nos espaços urbanos e denominados arte de rua (figuras 121 a 127), pode-se desvendar um alto nível de informação, empenho e envolvimento desses artistas com a situação real em que vive a sociedade de seu tempo.

De arte marginal, suas construções passam a manifestação artística comprometida com o presente e com a história e a cultura. Quanto aos 102

seus conteúdos, sua ação passa a exercer o papel conscientizador. (PROSSER, 2006, p.24)

Figura 114. Grafite de Alex Vallauri, São Paulo, 2009. Disponível em: .

Figura 115. Grafite contestando o problema do lixo, São Paulo, 2009. Disponível em: .

103

Figura 116. Grafite de Nunca, São Paulo, 2010. Disponível em: .

Figura 117. Figura 124. Grafite de Daniel Melin, São Paulo, 2011. Disponível em: .

104

Figura 118. O Saci Urbano, São Paulo, 2012. Disponível em: .

Figura 119. Artista Mundano, São Paulo, 2014. Disponível em: .

105

Figura 120. Grafite de autor desconhecido. Disponível em: .

Mais que palco, cenário, arena, documento histórico, ponto de encontro e suporte da arte, a cidade é, para o artista de rua, um organismo vivo em constante mudança, no qual ele vive, sobre o qual ele atua, com o qual ele dialoga continuamente e do qual faz uso para expressar suas posições, inquietações e inconformismos. Companheira, cúmplice, sua igual, no seu silêncio e na sua eloquência ela participa com ele da sua ação.” (PROSSER, 2006, p.1)

3.2 – A cultura muralista

Atualmente, são percebidos, em grande número, murais e grafites patrocinados e realizados por artistas considerados consagrados. Como referência, tem-se Eduardo Kobra, um muralista contemporâneo que baseou parte de seu trabalho no Muralismo Mexicano (figuras 128 e 129), adicionando em sua arte o evento plástico e estético daquele movimento, aliado à integração social do grafite no muralismo contemporâneo.

106

Figura 121. Diego Rivera, O Mundo de Hoje e de Amanhã, 1935. Disponível em: .

Figura 122. David Alfaro Siqueiros, mural para universidade do México, 1952-1956. Disponível em: .

O muralismo ou pintura mural se apresenta de forma peculiar a outros modelos de arte pictórica. Por estar totalmente ligado à arquitetura, o muralismo se apresenta em grandes proporções espaciais e faz uso de fortes cores e desenhos, de modo que se destaquem no espaço urbano em que está inserido. 107

Sua arte é apoiada pelo poder público e tem uma conotação social, cultural e política. (Figura 130).

Figura 123. Juan O´Gorman, O Crédito transforma o México, 1965. Cidade do México. Fonte: ADES (1997, p.161).

Segundo a historiadora e crítica Dawn Ades (1997, p.151), o Movimento

Muralista Mexicano produziu uma importante arte revolucionária e foi fonte inspiradora em toda a América Latina a partir de 1920, representando a arte popular mexicana (Figura 131). Durante a sua produção foi possível encontrar, a partir da década de 1930, vestígios em outros países da América Latina, como

Nicarágua, Chile, Colômbia, Equador, Brasil e Argentina, além de alguns países da Europa e nos Estados Unidos.

108

Figura 124. Jose Clemente Orozco, Miguel Hidalgo, 1937. Disponível em: .

Segundo Amaral (1987), no Brasil, os artistas Di Cavalcanti e Candido

Portinari (figuras 132 e 133) declaravam abertamente seu respeito e admiração pelos murais mexicanos.

Enquanto grande parte da arte ocidental se preocupa com experiência individual ou relações entre os sexos, a maior parte das principais obras da literatura latino-americana e mesmo algumas de suas pinturas são muito mais preocupadas com fenômenos sociais e ideias sociais. (AMARAL, 1987, p.19) 109

Figura 125. Mural de Di Cavalcanti, projeto do arquiteto Paulo Bruna para o novo prédio da Sociedade de Cultura Artística em São Paulo. Disponível em: .

Figura 126. Candido Portinari, mural Guerra e Paz. Disponível em: .

Desse modo, a partir dessa nova perspectiva urbana, o muralismo brasileiro acompanha todo esse crescimento cívico e cultural, e mergulha com a mesma intensidade, e de forma incomum, no ambiente do diálogo contemporâneo. Assim, a arte não mais se coloca como uma mera transmissora dos apegos religiosos, éticos, morais e sociais da sociedade. A arte deseja mais, deseja uma comunicação direta e criativa com o seu público. Uma experiência de 110

diálogos mais íntimos e reais, mais estéticos e fiéis pelo momento presente, em que o público tem a liberdade em formatar seu repertório de opinião e o seu julgamento de realidade e liberdade.

A arte não está mais ligada aos conceitos oficiais da ética e do misticismo. Ao contrário, a produção artística afasta-se da louvação dos regimes políticos, das religiões, das eventuais possibilidades de dominação ideológica. O que se afirma, na arte contemporânea, é o primado do individualismo e do direito humano a desenvolvimento da percepção. (ARTISTAS do muralismo brasileiro, 1988, p.12)

O mural, seguindo essa mesma atitude de liberdade, permite ao público uma exploração de seus desenhos em vários ângulos, a qualquer momento e por qualquer pessoa, organizando-se voluntariamente no espaço e na grandeza da vida cotidiana contemporânea.

O mural pode ser entendido, (...) como o registro da vida, como uma exposição de caráter didático, como cenário sacro de experiências transcendentais. (ARTISTAS do muralismo brasileiro, 1988, p. 8-10)

Contudo, é possível perceber estilos e personalidades diferentes nas obras atuais, mas, em comum, encontra-se o diálogo aberto ao público, a possibilidade da experiência coletiva e da explosão emocional inserida no tecido urbano. A amostra das vivências e a representação do cotidiano registram de forma majestosa a força e a estrutura emocional do povo brasileiro.

3.3 – O grafite independente x o grafite patrocinado

Segundo Stahl (2009), os espaços públicos estão sendo controlados de forma mais severa nos últimos tempos, por esse motivo, o grafite deixou de atuar de forma mais constante na questão política (figuras 134 e 135), e a partir da 111

concessão e patrocínio do espaço público pela propriedade privada e até mesmo pelo poder público, parecem focalizar agora em questões sociais e comerciais.

Figura 127. Grafites não autorizados, São Paulo, 2009. Disponível em: .

Figura 128. Saci Político, São Paulo, s/d. Disponível em: .

Por meio de entrevistas cedidas por grafiteiros independentes e grafiteiros consagrados, é possível perceber sintonia entre eles, além do interesse em manter o grafite, independente do termo escolhido, já que o mesmo traduz, de forma expressiva, não só a arte, mas a história e os sentimentos daqueles que o produzem. 112

Para Diego Donatão (ver Anexo 1), estudante de design e grafiteiro (figuras

136 e 137), ainda existe espaço para o grafite independente, pois a grande maioria dos grafiteiros se encontra nessa situação, e utilizam seus próprios recursos para realizar a sua arte.

Figura 129. Grafite de Donatão, São Paulo, 2015. Disponível em: . 113

Figura 130.Grafite de Donatão, São Paulo, 2014. Disponível em: .

Para o artista Allan Reis (ver Anexo 2), quando questionado sobre o mesmo tema, afirma que “sua arte é a expressão de seus sentimentos, e que a liberdade de expressá-los faz parte do seu trabalho” (Figura 138).

Figura 131. Grafite de Allan Reis, Guarulhos, 2013. Disponível em: .

114

Para o professor, arquiteto, artista plástico, designer e grafiteiro Rogério Vicari

(ver Anexo 3), o grafite independente nunca deixará de existir. Ele percebe a permissão de uso do espaço público ou privado como algo burocrático, de tal forma que se perde o conceito explosivo e transgressor.

Embora exista muita divergência na prática e no conceito entre o grafiteiro independente e o grafiteiro patrocinado, para Diego Donatão não importa se o muro, que é o suporte do grafite, é autorizado ou não. O que importa é que o grafite está lá, de forma democrática, efêmera e interativa.

Já para Allan Reis, o conceito original do grafite nunca foi alterado, as mudanças ficaram por conta das técnicas e da atenção ao estilo do grafite na atualidade (Figura 139).

Figura 132. Allan Reis, Pow Pow, São Paulo, 2015. Disponível em: .

115

Vicari menciona ainda que o conceito de transgressão do grafite nem sempre é uma verdade, pois com o interesse e reconhecimento da sociedade e do poder público, o grafite se tornou uma manifestação legítima de arte urbana, criando referências visuais e, quando não em excesso, embelezam a cidade. Dessa forma, Donatão percebe o grafite contemporâneo como elemento estético comercializável, “pois desde a sua origem ele vem sofrendo essa mutação e as pessoas vão se adequando, se acostumam a ver e até começam a consumir aquilo”.

Outro item importante percebido nas entrevistas, é como esses grafiteiros independentes entrevistados enxergam o grafite patrocinado. Todos veem com bons olhos esse método, já que beneficia a classe e mostra o potencial do grafite como arte. Embora para Vicari, a diferença pode existir:

[...]as diferenças estão na atitude e no resultado. Quanto à atitude, supostamente transgressora, o primeiro sempre terá méritos. Já quanto ao resultado estético, varia caso a caso. Quanto à mensagem, alienada ou politicamente engajada, a existência de um projeto, sujeito à aprovação, certamente inibi manifestações espontâneas.

Já para o grafiteiro Fabio de Oliveira, o Cranio (ver Anexo 4), a questão do grafite patrocinado “É diferente pra quem está de fora, porque pra quem faz graffiti, sempre vai fazer com satisfação os dois, o graffiti apoiado através de projetos, financiado pelo governo e/ou empresas privadas ou não” (Figura 140). 116

Figura 133. Grafite de Cranio, 2013. Disponível em: .

Cranio afirma ainda que seus grafites não se modificaram após sua consagração, e que seus temas continuam focalizados na questão social e política, e mesmo com patrocínio, tem toda a liberdade de criação (Figura 141).

Figura 134. Grafite de Cranio, São Paulo, 2012. Disponível em: .

117

Binho Ribeiro, outro grafiteiro consagrado (ver Anexo 5), afirmou em entrevista que vê o dilema entre o grafite independente e o patrocinado de forma natural, pois ambos fazem parte do mundo do grafite, e é importante a produção da “arte contraventora” e também “arte conquistadora” de novos espaços (Figura 142).

Figura 135. Grafite recente de Binho Ribeiro, Vale do Anhangabaú, São Paulo, 2015. Disponível em: .

Afirmou ainda que sua arte mudou, não apenas com o reconhecimento, mas principalmente com seu amadurecimento, e considera seu trabalho surrealista e fantástico. Mesmo tendo sua arte reconhecida, o artista ainda produz o grafite independente e, normalmente, tal como Cranio, mesmo quando patrocinado, tem a liberdade de criação preservada (Figura 143). 118

Figura 136. Grafite de Binho Ribeiro, Avenida Radial Leste, São Paulo, 2014. Disponível em: .

Em entrevista para a revista Trip, a dupla de grafiteiros OsGemeos (ver

Anexo 6) (figuras 144 a 146), reconhecidos internacionalmente revela: “No começo, todo mundo morria de medo da polícia. Hoje é diferente. O cara te aborda e, se bobear, vai pedir para você pintar a viatura dele”. (KAISER, 2013)

Figura 137. Grafite de OsGemeos, Mural em Boston, EUA. Disponível em: . 119

Figura 138. Tate Modern, Londres, Inglaterra, 2008. Disponível em: .

Figura 139. Vancouver, Canadá, 2014. Disponível em: .

Em entrevista para o site Feito para Homem, Eduardo Kobra (ver Anexo 7), grafiteiro e muralista brasileiro consagrado nacional e internacionalmente, comenta sobre o grafite patrocinado pelo poder público em São Paulo e afirma existir uma comissão avaliadora na cidade, onde os grafites autorizados pela 120

prefeitura passam por uma espécie de avaliação para depois obterem a autorização oficial. Para ele esta é a maior diferença entre o mural e o grafite, o fato de ser ou não autorizado.

Na mesma entrevista, Kobra responde a discussão entre o conceito original do grafite independente e o patrocinado, revela o artista (Figura 147):

Hipocrisia, ao longo dos anos que estou nas ruas, vi muitos dizerem isso, e quando tiveram a primeira oportunidade foram e fizeram, ou seja, todos falam até uma Coca-Cola da vida tocar a campainha e solicitar um trabalho, em relação as galeria acontece da mesma forma, todos querem estar em alguma galeria, mas em minha opinião, manter as pinturas nas ruas e algo fundamental, quando o artista abandona as ruas para fazer apenas trabalhos comerciais ai sim algo estranho está acontecendo, caso contrário, com as devidas preocupações acho que os artistas precisam mesmo de apoio para continuar pintando, e por outro lado artistas respeitadíssimos como Jean Michel basquiat e Keith Haring, Banksy já participaram destes processos sem perder a integridade de suas obras.

Figura 140. Mural Oscar Niemeyer, São Paulo, 2013. Disponível em: .

Em entrevista para o site Revista em Dia (ver Anexo 8), Kobra diz (Figura 148): 121

Cerca de 90% dos murais que tenho nas ruas da Cidade não foram feitos com patrocínios. Muitas vezes estou passando em determinado lugar, vejo uma parede que quero fazer e peço autorização. Por exemplo, pintei um indiozinho na esquina da Consolação com a Maria Antônia. Vi aquela parede e quis pintar, fui até lá e pedi autorização do proprietário.

Figura 141. Grafite em tanques industriais, Cubatão, 2014. Disponível em: .

Dessa forma, conforme pesquisa e entrevistas com esses artistas, conclui- se que o grafite contemporâneo, na maioria das vezes bem aceito pela sociedade e pelo poder público se tornou um produto comercializável, um produto de consumo que se corrobora nas palavras de Guerra e Mattos:

A burguesia só se interessa pela cultura, quando percebe que é capitalizável. E, para que funcione, é necessário estendê-la a um maior número possível de pessoas. Adquirir cultura dá status e reconhecimento de poder, principalmente com relação a objetos raros e valiosos. Os problemas surgem quando não há o entendimento do produto cultural. (GUERRA; MATTOS, 2008, p.17)

Os autores destacam também que a cultura é percebida e compreendida por uma série de fatores e contextos como materiais, técnica, habilidades e 122

simbologias que constituem valores sociais e que por si criam referências para a cultura.

Sendo assim, a indústria da cultura é capaz de transformar algo específico, como a arte de rua, em produto de alto valor agregado, tanto para a elite quanto para a massa, como forma de entretenimento e marketing. Essa contribuição cultural abre portas para novas manifestações, estilos e artistas. “[...] elementos da cultura popular se massificaram, tornando-se atraentes para o grande público

[...]” (GUERRA; MATTOS, 2008, p.5).

Os autores afirmam ainda que tudo é e pode ser transformado em produto de consumo:

Sim, de literatura a música, passando pelo cinema, teatro, TV, objetos artísticos, quadros, esculturas, cartazes, óperas etc. Tudo pode ser coisificado, de cultura clássica a cultura de massa. De escultura clássica a magneto de geladeira. (GUERRA; MATTOS, 2008, p.13)

123

CONCLUSÃO

O objetivo dessa dissertação foi apresentar uma linha de construção da pichação e do grafite, desde seu surgimento na década de 1970, como linguagem transgressora e recurso disponível aos artistas para a tentativa de uma transformação social a partir da divulgação de seus desenhos e ideias, onde a apropriação do espaço público como meio de comunicação é uma das maiores características, mantendo-se, até os dias de hoje, como produto de arte de grande valor agregado e comercializável.

Com a intenção da democratização da arte, a dissipação da amplitude da cultura de massa e a exposição da condição social de rua, o grafite foi ganhando espaço e agradando os olhares da sociedade e do poder público.

Suas cores e expressões deram vida a espaços e objetos urbanos muitas vezes ignorados ou abandonados das cidades e, com o tempo, ganharam magnitude no mercado de arte.

Entretanto, alguns princípios se mantiveram fiéis a sua aparição, o principal deles com o objetivo de comunicação e disseminação da realidade da periferia, fez com que fosse criado um idioma cultural, um estilo e um vocabulário próprio para sua absorção e interpretação de sua identidade.

O contexto que permeia o grafite e a pichação se difere do conceito de produto cultural pois, sendo a pichação uma atividade ilegal, a sociedade também a interpreta de forma particular e diferente do grafite, de modo que a pichação 124

seja, normalmente, avaliada como destrutiva, e de uma forma geral, vista como vandalismo. Isto distancia os estilos de expressão como organismo comercializável e indesejável, como aceitável e não aceitável, como o habilidoso e o grosseiro, de tal forma que foi possível à sociedade admitir o grafite como arte e criar o conceito produto sobre ele. Porém, mesmo com este panorama, é possível concluir que a pichação, em geral, como elemento inaugural da linguagem transgressora e marginal, ainda ocupa um espaço bastante importante no âmbito público, um lugar expressivo como forma de comunicação de massa, como meio de divulgação da indiferença e do menosprezo do poder público para com a população menos favorecida, ou mesmo com relação às questões sociais e políticas contemporâneas.

Assim, a inconstância do grafite na questão do dinamismo e na forma com que é absorvido pela sociedade, foi possível criar esse diálogo entre o grafite e o consumidor. Esse acolhimento e reciprocidade podem ser considerados também a partir da sua vulnerabilidade e gratuidade, já que muitos grafites são apagados em curto período de tempo, e o que sobra deles são apenas registros fotográficos.

A inserção mercadológica do grafite na arte se dá a partir da percepção de sua potencialidade criativa, pelo fato de que a inovação constante traz curiosidade, desperta interesse e cria desejos de produtos que possam ser comercializados e colecionáveis. Por esse motivo é possível encontrar produtos de marcas notoriamente conhecidas associados ao grafite e aos seus artistas, onde todo o repertório produzido pode ser mercantilizado e reproduzido em diversos objetos, ampliando de forma grandiosa as oportunidades de venda e negócio a partir da arte. Assim, o grafite é compreendido como arte em outra 125

dimensão, como manifestação artística dinâmica no espaço público e como negócio criado pela indústria cultural, um produto de alto valor agregado nos dias de hoje, um produto de arte.

É importante perceber que, mesmo como produto de arte, a função principal do grafite não é perdida. A função comunicativa continua intacta, aumentando cada vez mais a aproximação e a aceitação dele na sociedade, além de criar um elo cognitivo entre o artista, a população e o poder público, os quais recebem, interpretam e consomem suas ideias, divulgando cada vez mais o movimento e trazendo novas oportunidades para novos artistas.

A partir dessa visão, é possível compreender que serão poucos os artistas que terão reconhecimento. Ainda assim, toda essa mercantilização do grafite é muito positiva, pois aumenta nos jovens, tanto da periferia quando de áreas nobres, o interesse pela arte, pelo design e pela sua própria realidade, elevando e estimulando sua autoestima, criando, assim, conhecimentos culturais que podem lhe proporcionar uma melhor qualidade de vida.

Conforme pesquisa e entrevistas realizadas para o desenvolvimento deste trabalho, conclui-se que o grafite contemporâneo é, atualmente, observado como um produto comercializável, um produto de consumo, um produto de arte e de valor agregado. Seu reconhecimento como negócio traz benefícios não só às cidades, mas aos artistas, com grande reconhecimento ou não, e também às empresas que os patrocinam e que, por sua vez, fortalecem a divulgação do grafite. 126

REFERÊNCIAS

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ANEXOS

A seguir serão apresentadas entrevistas exclusivas de alguns artistas cedidas a mim, e outras encontradas em modo digital. Nelas, os artistas foram questionados sobre o conceito original do grafite como forma de comunicação contestatória e marginal, a percepção e polêmica sobre a consagração de alguns grafiteiros e o grafite patrocinado versus o grafite independente.

As perguntas elaboras por mim, juntamente com parte da pesquisa já redigida, foram enviadas para oito artistas independentes e três deles responderam.

Foi enviada também para artistas consagrados como OsGemeos, Kobra, Nina

Pandolfo, Nunca, Cranio e Binho Ribeiro, e, dentre eles, somente os dois últimos responderam. Além disso, foram utilizadas também algumas entrevistas digitais cedidas pelos OsGemeos à revista Trip e pelo Kobra aos sites Feito para Homem e

Revista em Dia. 140

ANEXO 1 - Entrevista exclusiva - Artista Diego Donatão

1. Como você vê essa mudança conceitual do grafite? Tem seus prós e contras. Todos os pixadores que conheço ainda mantem o mesmo discurso de vandalizar e fazer no ilegal, assim como muitos dos grafiteiros que eu conheço. Eles fazem uma modalidade chamada Vandal, que são os bombs e os trow ups. Porém hoje em dia ambas as ações foram reconhecidas como arte assim como o grafite a pixação também vem tomando conta das galerias. Não acho que isso seja uma perda de valores dos conceito. Eu mesmo quando comecei a 5 anos atrás gostava mais de fazer no ilegal pela adrenalina e pela ideia de pegar lugares mais movimentados, hoje em dia eu já não faço muito, porém a crítica está sempre presente nos meus trabalhos de forma direta ou indireta. Na minha opinião o muro é só um suporte independente da forma como você consegue ou não autorização pra intervir. Ele vai estar lá sendo democrático, efêmero e Interativo e o que é mais legal, de sacralizado.

2. Ele hoje pode ser considerado como elemento estético elitizado? Sim, pois desde a sua origem ele vem sofrendo essa mutação e as pessoas vão se adequando, se acostumam a ver e até começam a consumir aquilo.

3. Ainda existe espaço para o grafite originalmente conhecido, a arte marginal? Existe sim, na realidade a maioria dos grafiteiros são independente. Eu acho que isso é uma coisa muito louca! Pelo simples fato do cara fazer aquilo por amor. Uma lata de spray boa está custando em média de R$ 18,00, isso pode não parecer muito. Mas quando o cara usa de 10 a 15 cores em um trampo isso se torna algo bem caro. E ver a galera fazendo isso gastando as vezes a grana que não tem pra fazer arte para os outros sem esperar nada em troca é uma coisa linda!

4. Como você enxerga os grafiteiros que conquistaram espaço e se integraram junto ao poder público? Acho bacana quando isso é usado de forma a beneficiar a classe. Eu mesmo faço parte de um coletivo chamado Lado Sujo da Frequência. Nos promovemos eventos de grafite aqui no bairro aonde eu moro chama-se Art in Home e nós conseguimos uma verba da prefeitura através do VAI que é de grande utilidade para que o evento seja realizado. E nesse evento nós buscamos dar o melhor suporte para os artistas que participam e dar uma nova cara para a comunidade que por sinal está ficando cada vez mais colorida.

5. Existe diferença entre o grafite independente e o grafite patrocinado? Acho que isso é muito relativo, depende da proposta, depende do projeto depende do artista. O problema é que as vezes quem patrocina se acha no direito de intervir no seu processo de criação. Eu particularmente não gosto desse tipo de situação. Apesar de termos um projeto patrocinado pelo poder público nós não deixamos isso intervir no que fazemos. 141

ANEXO 2 - Entrevista exclusiva - Artista Allan Reis

O homem das cavernas jamais teve a pretensão de contestar algo. Ele simplesmente expressava suas vontades nas paredes. Discordo do seu entendimento, mas respeito. O homem das cavernas foi o primeiro pixador do planeta, com a sua arte rupestre...

1. Como você vê essa mudança conceitual do grafite? O 'conceito' jamais foi alterado. Ele sempre esteve presente. O que ocorreu é que os artistas passaram a explorar mais as técnicas e darem mais atenção à esse estilo.

2. Ele hoje pode ser considerado como elemento estético elitizado? A arte não tem dono. Todos podem dispor, uns dão mais valor por terem suas necessidades básicas supridas, e por isso dispõe de mais tempo livre p melhorar sua qualidade de vida incluindo arte nela. Quem está à margem disso tem o seu tempo todo tomado com trabalho, transito e os problemas sociais que afetam os menos favorecidos.

3. Ainda existe espaço para o grafite originalmente conhecido, a arte marginal? Vejo a arte como a expressão dos meus sentimentos, e eu quero ter a liberdade de expressa-los como eu bem entender, e penso que cada artista pode dispor da arte da mesma maneira.

4. Como você enxerga os grafiteiros que conquistaram espaço e se integraram junto ao poder público? Já tive a visão de que esses artistas eram 'vendidos', ou cúmplices da corrupção do governo... mas se a arte tem sido mais aceita até mesmo na política, acho válida essa parceria. O artista que recebe um convite p trabalhar em conjunto com os poderes públicos já deve ter tido o seu trabalho apreciado previamente e certamente deve ser de qualidade, e por isso deve SIM ser aproveitado de várias formas, DESDE QUE seja utilizado de forma benéfica à sociedade, e ao artista. É como se o dinheiro que você pagou com impostos voltasse à você em forma de reconhecimento pelo fruto da sua dedicação e suor derramado durante anos de estudo e trabalho.

5. Existe diferença entre o grafite independente e o grafite patrocinado? Um trabalho comercial pode variar de acordo com a necessidade do cliente. Ele tem uma necessidade, quer usar a sua arte para representa-la. Consequentemente você fará conforme o solicitado para desempenhar o trabalho. Se o 'grafite original' que se refere está relacionado à expressão dos sentimentos do artista como um todo, existe sim uma diferença notória entre liberdade de expressão, e limitação contratual. 142

ANEXO 3 - Entrevista exclusiva - Artista Rogério Vicari

1. Como você vê essa mudança conceitual do grafite? O grafite, na cidade de São Paulo, ganhou total aprovação do poder público na atual gestão, pelo que se pode perceber. Transgressão nem sempre foi uma característica do grafite, uma vez que tais manifestações, de um modo ou de outro, causam interesse em que as vê e não repúdio, como é o caso da pichação. O aval da Prefeitura vem sacramentar o grafite como uma manifestação legítima de arte urbana, gera novas sensações para o cidadão, cria referências na cidade e, quando não são em excesso, a embelezam e a valorizam.

2. Ele hoje pode ser considerado como elemento estético elitizado? Não sei bem o que significa “elemento estético estilizado”. Como se trata de uma manifestação, na maioria das vezes, de criação individual, o estilo do grafiteiro surge naturalmente. Quando a ser algo “estético”, pode variar de acordo com a conotação deste conceito. Se “estético” adquirir um valor qualitativo, ou sinônimo de bom ou ruim, muitas são as interpretações possíveis. Se o significado de “estético” o aproxima da valorização do ambiente, até elevá-lo à condição de arte, considero possível, dependendo do objetivo do criador e do resultado, dentro do contexto urbano.

3. Ainda existe espaço para o grafite originalmente conhecido, a arte marginal? Na minha opinião, o grafite “marginal”, porque é espontâneo e aplicado sem o consentimento dos “donos” do espaço (não em função da mensagem), nunca deixará de existir. A permissão oficial me parece burocratizar uma atitude que é explosiva, naturalmente “transgressora”.

4. Como você enxerga os grafiteiros que conquistaram espaço e se integraram junto ao poder público? Embora não saiba como eles chegaram até lá, se foram chamados ou se se ofereceram, acho uma conquista importante e que poderia ser estendida a quem se interessasse. Não sei se há algum critério de seleção para permitir que alguém se manifeste oficialmente, mas como o espaço público é um bem comum, deve ser respeitado, embora nunca haja unanimidade na aceitação de todos os grafites.

5. Existe diferença entre o grafite independente e o grafite patrocinado? Estes conceitos não me são tão familiares, mas presumo que o “original” seja o não oficial e o “comercial”, aquele que se faz com o apoio dos órgãos públicos. Se estiver certo, as diferenças estão na atitude e no resultado. Quanto à atitude, supostamente transgressora, o primeiro sempre terá méritos. Já quanto ao resultado estético, varia caso a caso. Quanto à mensagem, alienada ou politicamente engajada, a existência de um projeto, sujeito a aprovação, certamente inibi manifestações espontâneas. 143

ANEXO 4 - Entrevista exclusiva - Artista Cranio

1. O que mudou na sua arte na questão crítica e contestatória após seu reconhecimento? Nada.

2. Você ainda produz o grafite independente? É diferente do que costuma produzir com patrocínio? Grafite tem diversos estilos, e acredito que me enquadro em todos eles.

3. Quando contratado para grafitar murais e espaços públicos, existe um briefing pré- estabelecido ou você tem a liberdade de criar? Tenho sempre a liberdade de criar.

4. Como você enxerga essa mudança e aceitação social do grafite atual? Vejo como um ponto positivo na sociedade e também bem importante na vida de muita gente, inclusive a minha.

5. Conversei com alguns grafiteiros e parece existir uma polêmica sobre o grafite independente e o grafite consagrado e apoiado pela sociedade e o poder público, qual sua opinião sobre esse assunto? É diferente pra quem está de fora, porque pra quem faz grafite, sempre vai fazer com satisfação os dois, o grafite apoiado através de projetos, financiado pelo governo e/ou empresas privadas ou não. 144

ANEXO 5 - Entrevista exclusiva - Artista Binho Ribeiro

O que mudou na sua arte na questão crítica e contestatória após seu reconhecimento? As mudanças na arte vieram com o amadurecimento, isso trouxe o reconhecimento. Após compreensão do universo expressivo das cores e das figuras meu trabalho começa a tomar um rumo mais surrealista, menos real e muito fantástico.

Você ainda produz o grafite independente? É diferente do que costuma produzir com patrocínio? Sim, produzo bastante! O estilo de vida do grafite faz parte da minha rotina em todas as formas. Artes na rua desprendidas de contratos e projetos também fazem parte da vida do artista e grafiteiro.

Quando contratado para grafitar murais e espaços públicos, existe um briefing pré- estabelecido ou você tem a liberdade de criar? Cada projeto tem seu formato, diferentes possibilidades, portanto, normalmente tenho liberdade para criar, e mesmo com briefing, que acaba entrando no estilo e universo artístico.

Como você enxerga essa mudança e aceitação social do grafite atual? Resultado de muito trabalho, dedicação e força de vontade que levaram ao reconhecimento. Tanto a mudança dos artistas, quanto a população que ao absorver o grafite diariamente, seja nas ruas, museus, expos ou atividades culturais, cria empatia e admira as maneiras de intervenção.

Conversei com alguns grafiteiros e parece existir uma polêmica sobre o grafite independente e o grafite consagrado e apoiado pela sociedade e o poder público, qual sua opinião sobre esse assunto? Natural, é importante que haja os dois lados e que haja diálogo. Que haja arte contraventora e também arte conquistadora de novos espaços pois ambos fazem parte do grafite. 145

ANEXO 6 - Entrevista - Artistas OsGemeos

Vocês nasceram e cresceram no bairro do Cambuci? Otávio: Isso. Nesta mesma rua, algumas casas pra cima. E hoje moram onde? O: Não moramos mais no Cambuci, é tudo que podemos falar. Como foi crescer lá? O: O Cambuci era um bairro residencial, mas ao mesmo tempo industrial. No fim de tarde, as tiazinhas ficavam na porta de casa vendo a vida passar, ia todo mundo pra rua bater papo. Havia muitas gráficas também. Gustavo: A rua era nosso melhor brinquedo. A gente vivia fora de casa. Fazia fliperama com elástico e madeira, jogava bola, soltava pipa. O: A gente aprendeu tudo na rua. Era nossa escola. Aprendeu a respeitar. Você vê uma parede, quer pintar, mas às vezes tem um cara que mora lá. Você tem que ir trocar ideia, não dá pra chegar chegando. E na escola de verdade, como era? O: Sempre estudamos em escolas públicas. Eram todas muito boas, as mesmas onde nossa mãe estudou. Tinha até aula de francês! Cantávamos o hino todo dia. G: Engraçado que outros artistas saíram de lá, como Speto, Nina Pandolfo [esposa do Otávio], Onesto... Ficava todo mundo desenhando o tempo todo. A gente levava fotos dos grafites que fazia na rua para o professor dar nota. A linha do trem passava bem em frente à escola. Era demais: pela janela, a gente via passar os trens que a gente tinha grafitado no dia anterior. Vocês eram bons alunos? O: A gente desenhava a aula toda. Repetimos alguns anos, mas era só por causa disso. Quando a gente tinha que estudar, estudava. Teve uma vez que um repetiu só para poder ficar com o outro, que tinha repetido. G: É! Tentavam separar a gente em salas diferentes. Teve um concurso de desenho na escola uma vez. O prêmio era uma passagem para Brasília. Foi louco: os dois ganharam, um em cada sala, com o mesmo desenho. Eu não estava vendo o que meu irmão estava desenhando, mas fizemos exatamente a mesma coisa. O traço de vocês sempre foi parecido, então? O: É o mesmo desenho. Vocês são daqueles gêmeos grudados? Já ficaram longe um do outro? O: Nunca. Mesmo longe, estamos perto. Sabemos o que o outro está sentindo sem nem perguntar. Já brigaram? O: Também não. A gente nem troca muita ideia, na verdade. A gente se entende sem precisar falar. Quanto tempo já ficaram sem se ver? G: Nunca. A gente tá longe, mas tá perto. Sempre sabe o que o outro está sentindo. Havia alguém na família que desenhava também? O: O tio da nossa mãe, Nicanor Ferracciu, pintava bem pra cacete. Paisagens, queimadas... A mãe fazia aula com ele. O Arnaldo, nosso irmão mais velho, também sempre desenhou, inventava brinquedos. Foi o cara que segurou nossa onda, ensinou as coisas da vida. G: Na real, não sabemos muito bem por que desenhamos. Acho que é uma coisa que veio de antes de a gente nascer, meio espiritual. Nossos pais contam umas histórias e a gente vai tentando montar esse quebra-cabeça. Mas não conseguimos completá-lo ainda. Como assim, espiritual? O: Nascemos prematuros, de sete meses. Nossa mãe só foi descobrir que estava grávida de gêmeos na hora do parto. Foi um erro médico. O doutor disse que a gente ia morrer. “Se eles vão morrer, que seja nos meus braços, na minha casa”, ela disse. G: Ela conta que quando a gente tinha 5 anos já dizia que nossa missão aqui na Terra era desenhar. E é louco, porque tem coisa que a gente faz hoje, em termos de desenho e escultura, que a gente já fazia nessa época. O: Todo mundo sabia que nosso tesão era desenhar. A gente nem trocava ideia um com o 146

outro. Só desenhava e ficava narrando o que estava acontecendo ali no papel. Tudo tinha uma narrativa. G: A gente modificava todos os brinquedos que ganhava. Esquentava a faca no fogão e cortava tudo. Pegava caixa de sapato e fazia prédio, casinha, construía uma cidade inteira na sala de casa. Os bolos do nosso aniversário também eram muito importantes. A gente discutia o tema com nossos pais e fazia tudo junto com eles. Tinha bombeiro apagando fogo, carros, gente na rua, tudo. Quase uma maquete. O que dessa época, exatamente, ficou no trabalho atual de vocês? O: Cara, os anos 80 eram uma época com muitos detalhes. As roupas, os aparelhos de televisão, tudo tinha muita coisa. Essa quantidade enorme de informação influenciou muito a gente. Nosso trabalho tem muito detalhe. A gente tem vontade de dizer um monte de coisa e tenta colocar tudo ali. Como o grafite entrou na vida de vocês? G: Quando conhecemos a cultura hip-hop, por volta de 85. Pouca gente sabe disso, mas ela era bem forte no Cambuci. Tinha a turma do Fantastic Break, os primeiros caras que vimos fazendo grafite e dançando break. O que pegava antes era dançar igual ao Michael Jackson. Aí, depois, a onda era a dança do robozinho, o break. Começamos a treinar sem parar. Ficamos bons, fazíamos até apresentação nas festinhas de aniversário. E começamos a fazer uns raps também. O: Saíram os filmes Beat Street e Breakin [ambos são de 1984], que falavam sobre esse universo, sobre o que estava rolando em Nova York e em outros centros do mundo. Fomos assistir aos dois em um cinema no centrão. Mano, foi uma injeção de informação aquilo. Vimos as roupas, o som, tudo. Todo mundo pirou. Queria se vestir igual aos caras, usar tênis Nike, Puma... Mas vocês tinham grana pra isso? O: Nada. Nossa avó era costureira. A gente comprava o tecido e falava para ela fazer um agasalho, por exemplo. Ou fazia rolo com gente que tinha acabado de voltar de fora. G: A gente chegava a bordar o símbolo da Nike nos tênis! Quando rolou o primeiro spray, o primeiro grafite, mesmo? O: Depois que vimos o pessoal usando no bairro, imploramos pra nossa mãe comprar uma lata pra gente. Mudou nossa vida. Pintamos nosso quarto, depois o jardim, depois o telhado, depois os telhados dos vizinhos. A gente teve essa preocupação de aprender o negócio antes de ir pra rua mesmo. Era uma mãe moderna, não? Dar um spray para uma criança naquela época não devia ser comum... O: Grafite era uma coisa muito nova, não tinha nem essa conotação de vandalismo ainda. Eu lembro que a gente andava horas na linha do trem só pra ver um grafite. Chegava lá, tirava foto e depois ainda ficava dias admirando a fotografia. Os tempos eram outros... G: Completamente. A gente ia na biblioteca municipal e folheava um monte de livro e revista só para ver uma foto de grafite, que muitas vezes aparecia só no fundo da foto. Quando alguém descolava uma revista especializada, ficava todo mundo meses mergulhado naquilo, analisando cada detalhe. Vocês lembram qual foi o primeiro desenho que fizeram na rua? O: Acho que escrevemos “crime” e fizemos um personagem. Isso foi só uns dois, três anos depois que ganhamos nossa primeira lata. Lá por 86, 87. E a estação São Bento (berço do hip-hop em São Paulo), vocês frequentavam? O: Porra, a São Bento era indescritível! Um lugar mágico. De longe, você já escutava o som. O coração disparava, os pelos arrepiavam. Nosso pai que levava a gente lá, quase todo fim de semana. A gente tinha 14 anos, o resto do pessoal tinha 20. G: Era uma realidade paralela, o tempo corria diferente. Tinha a coisa de você respeitar, mas ser respeitado também. Ter humildade, mas saber chegar. E nós éramos uns alemãozinhos no meio de um monte de negão. Mas a gente chegou no estilo, com as jaquetas já grafitadas, já sabendo uns passos de break. A galera recebeu bem. O primeiro cara que conhecemos foi o Thaíde [rapper e apresentador de TV]. O: Foi aí que começou essa coisa de pintar 147

na rua aos domingos. De dia mesmo. Isso foi muito importante para a cena do grafite brasileiro. Até hoje domingo é o dia do grafite. E a polícia não ligava? G: Ligava muito! Era repressão total, estávamos na ditadura ainda. Todo mundo morria de medo da polícia. Você tinha que sempre ter RG no bolso, se não, ia pra delegacia. Hoje é diferente. O cara te aborda e, se bobear, vai pedir para você pintar a viatura dele. Vocês viviam então de rap, break e grafite, basicamente... O: Não só. A gente trabalhava desde os 14 anos. Primeiro numa funilaria, onde era ótimo para conseguir tinta. Depois numa fábrica, lavando picles, numa locadora... Chegamos a ser boys em um banco. Mas não tínhamos futuro nenhum ali, era claro. Isso de trabalhar com outras coisas só nos deu mais certeza de que o que queríamos mesmo era desenhar. Chegou uma hora que não dava mais para fazer outra coisa que não fosse isso. Pedimos demissão e resolvemos que íamos tentar viver da nossa arte. Aí começou, talvez, o período mais especial da nossa vida. Ficamos praticamente trancados na casa da mãe, pintando sem parar por uns três anos. Aprendemos a usar aerografia, aquarela, tinta a óleo... Fomos atrás do nosso estilo. Encontrá-lo era o que mais queríamos na vida. Varávamos a noite ouvindo Afrika Bambaata, Led Zepellin e Pink Floyd, tomando vinho e pintando à luz de velas. G: Era tipo uma meditação. Por que à luz de velas? O: Porque tudo que pudesse desviar nossa atenção, nós descartávamos. Vinha visita lá em casa e a gente nem dava oi. Descia só pra comer, às vezes nem isso. A gente queria saber por que a gente preferia desenhar a qualquer outra coisa. A gente escrevia muito nessa época, tipo um diário. Escrevia sobre o nosso desenho, para poder encontrar ele. Até que se abriu uma janela. E nós vimos tudo. Parece a descrição de uma revelação divina. G: E foi. Cada dia a gente via mais um pouco desse mundo. Era só fechar o olho, parecia um filme. Uma coisa espiritual mesmo. Um dia a gente resolvia como seria o nariz dos nossos personagens, no outro, a perna. Foi indo. É esse mundo que vocês chamam de Tritrez? O que significa esse nome? G: Começamos a estudar nossa vida, e muita coisa tinha a ver com os números três e 32. Não vou te contar mais nada porque isso é uma coisa muito íntima nossa. É algo muito complexo, de onde vem tudo o que a gente faz. Na real, só de ter descoberto esse universo já estava ótimo. Resolvemos desenhar para dividir ele com as outras pessoas. Outras pessoas podem acessar Tritrez? G: Cada um tem o seu próprio Tritrez. Mas muitos não têm coragem de mexer nele. É um abismo, dá medo mesmo. Nós temos medo até hoje. É difícil se jogar. Demanda desgaste físico e mental, criação, recriação... E por que os seres que vivem lá são amarelos? O: São Paulo é muito cinza. Mas a gente não queria, não conseguia ver a cidade desse jeito. O amarelo veio dessa época em que a gente estudava na casa da mãe. A gente gostava de desenhar principalmente no fim da tarde, quando o céu ficava laranja. O amarelo é uma tentativa de reproduzir essa luz que entrava pela janela. G: Desmembramos o laranja em amarelo e vermelho, que também é muito presente no nosso trabalho. O contorno dos nossos desenhos não é preto, é vermelho bem escuro. De certa forma, Tritrez parece ser outro nome para inspiração, talvez até para Deus. Vocês acreditam nele? G: Acreditamos nesse nosso universo. Acreditamos em Deus também. Mas não seguimos nenhuma religião. Quando o trabalho autoral começou a dar grana? O: Antes, passamos a pintar fachada de loja de skate, fazer ilustração para uma revista. Mas era osso. Cada trampo que rolava era uma festa, nossa mãe ia lá ver toda orgulhosa. G: Nosso trabalho autoral mesmo começou a ser mais reconhecido quando um grafiteiro americano que a gente amava, o Barry Mcgee, veio para São Paulo fazer uma residência artística. Ele viu um grafite nosso na rua, gostou e ligou pra gente. Na época a gente 148

botava o telefone nos desenhos [risos]! Foi nosso primeiro contato com um grafiteiro de fora. Piramos. O: Daí o Barry falou do grafite brasileiro para um amigo que tinha uma revista gringa superimportante sobre arte de rua. A revista veio até São Paulo fazer uma matéria, passou um tempo na nossa casa. Depois, outro artista alemão, o Loomit, veio também. Curtiu nosso trampo e nos chamou para expor em Munique, na Alemanha. Isso era 1999, mais ou menos. "No começo, todo mundo morria de medo da polícia. Hoje é diferente. O cara te aborda e, se bobear, vai pedir para você pintar a viatura dele" A porta das galerias se abriu antes lá fora, então? O: Pois é. Em 2000, engatamos outra exposição em San Francisco, na Califórnia, numa galeria que lançou um monte de nomes foda da artes. Depois rolou outra em Nova York, na Deitch Gallery. Entre 2000 e 2005, fizemos muitas exposições e projetos fora do Brasil. G: Engraçado que, no começo dessas viagens, a gente se preocupava muito em fazer nosso trabalho exatamente do jeito que fazíamos no Brasil. A gente levava lata de Colorgin no avião [risos]! Chegamos lá e nos deparamos com lojas só de tinta, spray de tudo quanto é cor, escola de grafite... um outro mundo. Ninguém entendia como a gente podia usar nossos sprays, diziam que a tinta era muito aguada. E não entendiam também como a gente usava tinta látex em grafite. Pra gente, fazia todo o sentido: era mais barata e secava mais rápido. Batia um desapontamento por ter bombado primeiro fora do Brasil? O: Não. A gente pensava: “Se neguinho não viu a gente, não viu. Paciência”. Nos preocupávamos mais em trabalhar com o mercado que se abriu pra gente. Até que a Márcia Fortes, sócia-diretora da galeria Fortes Vilaça, ficou sabendo da gente e nos chamou pra fazer a primeira exposição no Brasil. Vocês separam o trabalho que fazem na rua e nas galerias? O: Completamente. Grafite é ilegal, é pintar sem perguntar nada para ninguém. O universo da arte contemporânea é outra coisa, não dá pra misturar. G: Usamos técnicas semelhantes nos dois, mas não chamamos de grafite o que fazemos nas galerias. O picho então também não pede permissão para nada. A diferença para o grafite é apenas estética? O: Desculpe, mas não falamos sobre picho. Vocês acham que a arte contemporânea abraça os artistas que vêm da rua? G: Não sei se existe preconceito na arte contemporânea. Mas vejo cada vez mais artistas que vieram das ruas indo para as galerias. Na visão de vocês, como está o grafite brasileiro atualmente? O: Tem e sempre teve muita gente boa. Aqui temos uma vantagem de poder ir na rua num domingo e pintar na cara de todo mundo. Se você faz isso em Nova York é preso em 2 minutos. Suas exposições costumam agradar a pessoas com idades e backgrounds completamente distintos. Por quê? O: Nossa arte é muito simples. Não tem explicação, conceito. Na real, tem muito. Se quiser, a gente escreve um livro para cada tela que a gente pinta. Mas não precisa. Queremos mexer com o imaginário das crianças, dos senhores de idade, de todo mundo. A gente quer que a pessoa sinta antes de entender. G: Essa coisa de exposição é muito louca pra gente. Ainda é. Abrimos portas que pareciam que sempre estariam fechadas pra gente. Ver o número de pessoas que vai ver o que a gente faz é muito forte. É uma quantidade de público que não existe muito na arte contemporânea. De repente, mostramos pra um moleque que está começando na rua que há um mercado pra ele, que ele pode viver com o trampo dele. Falemos de São Paulo. Qual a leitura que vocês fazem da cidade hoje? G: Uma das coisas mais legais daqui é que não tem praia. Faz a gente pegar outros tipos de onda. E aprender a surfar nelas, todo dia. O: Cara, acho que São Paulo piorou. Está mais violenta do que nunca. Os políticos estão mais corruptos, roubando mais descaradamente. 149

Essa onda de manifestações pelo país não deixa vocês mais otimistas? O: Quem foi às manifestações entende a força e seus significados. Cansamos de ver o mundo inteiro se mobilizando, enquanto nós brasileiros aceitávamos tudo de cabeça baixa. Estávamos acostumados a sermos enganados e excluídos das decisões que regem a sociedade brasileira, e é por isso que a coisa foi tão longe. Os 20 centavos foram apenas o estopim para acordarmos de um grande pesadelo. Será que essa mudança não começaria justamente por São Paulo, a maior metrópole brasileira? G: Acho que sim. A cidade vai ficar insuportável e algo de novo pode surgir disso. O caos já está instalado. Aliás, foi por isso que resolvemos pintar: para abrir uma janela para fora dele. Vocês vivem numa queda de braço com a prefeitura, que costuma apagar grafites de vocês dos muros da cidade. G: Cara, nem temos muito o que falar sobre isso. Chegamos a ir lá falar com eles na gestão do Kassab, mas continuaram apagando nossas coisas. Nosso recado já foi dado. Vamos continuar fazendo. Não vamos deixar de falar o que queremos falar. Isso é certo. Só não entendo como eles podem se preocupar com grafite com tantos outros problemas por aí. Eles vão lá e passam a tinta cinza, paga pela própria população. Drogas. Usam? Defendem? Condenam? G: A gente adora dormir e sonhar. Nosso trabalho depende dos sonhos que temos, eles nos inspiram. Se você não está bem, não está no controle, não sonha. Por isso não usamos nada, apenas bebemos socialmente. Quais são os planos para o futuro? G: Queremos experimentar muitas coisas ainda. Quem sabe fazer roupas. Já desenhamos tantas... Se você reparar, cada boneco nosso tem uma roupa diferente. Nunca repetimos nenhuma. Já somos estilistas, de certa forma. O: Esse universo nosso é tão real que pode virar filme, musical, peça de teatro, performance, música. Nossa única preocupação é fazer bem-feito e não passar por cima de ninguém. Somos muito caprichosos. Queremos fazer o melhor que podemos. 150

ANEXO 7 - Entrevista - Artista Kobra

FPH: Impossível não te perguntar isso, já que é uma figura significativa na cidade, como você vê os rolezinhos? KOBRA: Periferia é a maioria, merece respeito, nenhum tipo de discriminação deve ser aceito, todos tem o direito e o dever de lutar por igualdade e liberdade, nenhum tipo de exclusão racial ou de classe social deve ser tolerada, porque somos todos interdependentes e interligados, dependemos uns dos outros, chegou realmente a hora de acordarmos para os reais fatos que há muito tempo vem sendo camuflados.

FPH: Em novembro de 2013 você fez um trabalho a convite da prefeitura de Moscou para pintar o mural em homenagem a bailarina Maya Plisetskaya, qual a diferença entre trabalhar lá fora e aqui no Brasil? KOBRA: Arte e universal, os murais representam uma das formas mais democráticas de intervenções artísticas, em alguns países percebo nitidamente a diferença cultural e intelectual, por várias vezes vi crianças de 4, 5 anos de idade visitando museus e galerias de arte, no Brasil isso já não e tão comum, Mas temos uma vantagem, o fato da street art ser um movimento de arte relativamente novo, e estamos na Vanguarda com pintores urbanos que se destacam em vários lugares ao redor do globo, e este respeito e percebido nas ruas em qualquer lugar por onde passamos.

FPH: Qual sua percepção do grafite hoje na cidade de São Paulo, temos visto inúmeros grafites que a qualidade artística e técnica deixam a desejar, um exemplo é a Avenida 23 de Maio, onde tem uma das suas principais obras e ao mesmo tempo paredes com grafites pouco significativos para a cidade. Você acredita que deveria haver uma aprovação de layout previa da prefeitura? KOBRA: Na Realidade, já temos uma comissão que atua em conjunto com a lei Cidade limpa, todos os painéis na cidade devem passar por esta aprovação junto a prefeitura da cidade de SP, o mural feito na 23 de maio, obteve autorização desta comissão, outros murais como o da Av. Paulista, com o Oscar Niemeyer também obtiveram estas autorizações, vale a penas ressaltar que os grafitti originais são feitos de forma ilegal, sendo assim não seria coerente obter autorizações, esta a diferença entre mural e grafite, justamente o fato de ser ou não autorizado, mas de qualquer forma SP precisa ter um cuidado especial sobre as intervenções artísticas feitas nas ruas.

FPH: Como o Brasil é visto em relação a street Art. Somos realmente os pioneiros? KOBRA: Não somos pioneiros, mas eu diria tranquilamente que o Brasil e sem dúvida um dos principais lugares do mundo para ver obras de Street art, isso se dá principalmente por conta da qualidade e diversidade dos trabalhos feitos em cidades como SP, BH, RJ. Em SP, por exemplo, os artistas tiveram mais tempo para trabalhar em seus murais e grafites, diferentes do que acontecia no exterior, em lugares como NYC, Paris, Londres, existem até esquadrões anti-grafitti, e cidades como SP, adotaram a street art como algo importante da cidade, como um opaco de turismo inclusive. 151

FPH: Esses trabalhos encomendados ou exposições em galerias na visão dos mais radicais foge no conceito underground do Grafite, como se fosse um problema elevar a arte… O que você tem a dizer? KOBRA: Hipocrisia, ao longo dos anos que estou nas ruas, vi muitos dizerem isso, e quando tiveram a primeira oportunidade foram e fizeram, ou seja, todos falam até uma Coca-Cola da vida tocar a campainha e solicitar um trabalho, em relação as galeria acontece da mesma forma, todos querem estar em alguma galeria, mas em minha opinião, manter as pinturas nas ruas e algo fundamental, quando o artista abandona as ruas para fazer apenas trabalhos comerciais ai sim algo estranho esta acontecendo, caso contrario, com as devidas preocupações acho que os artistas precisam mesmo de apoio para continuar pintando, e por outro lado artistas respeitadíssimos como Jean Michel basquiat e Keith Haring, Banksy já participaram destes processos sem perder a integridade de suas obras.

FPH: Quais são as suas principais obras reconhecidas pelo grande publico e quais são as mais significativas pra você. KOBRA: Difícil mensurar, meus trabalhos estão espalhados em diversos pontos da cidade, e algumas importantes cidades do Mundo, mas de qualquer forma, o mural da Avenida Paulista, e o De NYC em Manhattam possuem um valor especial.

FPH: Qual seu “muro dos sonhos”. KOBRA: As colunas vermelhas do MASP

FPH: Quem vê sua arte já identifica que é do Kobra, você pensa em ampliar sua marca com venda de produtos assinado por você? KOBRA: No momento estou analisando algumas propostas, meu trabalho e virgem neste aspecto, acho importante analisar uma serie de critérios para não banalizar o trabalho.

FPH: Como você enxerga o futuro das artes de rua e também uma cidade que seja exemplo de respeito a essas manifestações artísticas? KOBRA: Estou nas ruas desde os 12 anos, hoje tenho 38, não pretendo parar, hoje existem muitos artistas que estão saindo das galerias e indo para as ruas, vice e versa, acho modismo, os que são de verdade vão permanecer nas ruas, penso na street art como o mais importante movimento artístico desta época, sendo assim, deve ocupar os mais inusitados e respeitados espaços reservados para arte no mundo, incluindo grandes museus e galeria.

FPH: O Feito Para Homens é um espaço que busca valorizar os homens que fazem a diferença, que modificam seu meio. Qual o recado você deixa para nossos leitores de como conseguir ser referência no que faz? KOBRA: Ser verdadeiro, fazer o que realmente gosta, dedicação de vida, e em minha opinião visar diretamente o dinheiro nunca e uma boa opção, penso que se tiver um alicerce bem firmado, o reconhecimento vai chegar em algum momento. 152

ANEXO 8 - Entrevista - Artista Kobra

EM DIA – Quando o seu lado artista foi despertado?

EDUARDO KOBRA - Comecei com 12 anos mais ou menos, mas meu primeiro contato com a arte de rua foi relacionado à pichação. Eu fazia parte de grupos que saíam e pichavam prédios, depredavam toda a Cidade. Não tinha muita noção do que estava fazendo. O que eu fazia naquela época é o oposto do que faço hoje.

ED – Foi a partir da pichação que o seu trabalho evoluiu para o que é hoje?

EK - Não acredito que seja uma evolução, porque conheço pichadores da época em que comecei que permanecem pichando até hoje. No meu caso, com 8 anos, eu já tinha um caderno de desenho, gostava de pintar, foi algo natural, autodidata. Mesmo no tempo da pichação eu mantinha meu caderno de desenho, só ainda não sabia da possibilidade de desenhar no muro.

ED – E quando você conheceu o grafite?

EK - Através de dois livros americanos, um chamava “” e o outro “Spray Can”. Ambos mostravam os grafites dos trens e metrôs de Nova Iorque nas décadas de 1970 e 1980. Fiquei alucinado com aquilo, era algo feito na rua totalmente livre. Pensei: ‘Pô, já fui detido fazendo pichação, se continuar acabarei novamente preso’. E assim tive a oportunidade de desenhar nos muros, mas fazia de forma ilegal. É bom explicar que são três coisas diferentes: a Arte Mural, o Grafite e a Pichação.

ED – Você se posiciona em qual?

EK - Atualmente o meu trabalho é muralismo e grafite. Vou explicar o porquê: a pichação é ilegal, o cara faz o nome dele nos muros, quer o proprietário queira ou não. E a pichação é só caligrafia, letras. O grafite já vem do desenho, são formas mais elaboradas, mas também é ilegal, corremos o risco de o proprietário ou a polícia chegarem. Então eu saía com as minhas tintas e fazia desenhos mais elaborados. É superefêmero, você não sabe se vai ficar ali ou não. Já a definição de mural não é uma questão de técnica, é uma questão de autorização da Prefeitura e até de um rótulo que existe na rua. Hoje a maior parte do meu trabalho é autorizada ou contratada.

ED – Já aconteceu de fazer um painel maravilhoso e depois jogarem tinta nele?

EK - Hoje determinado artista tem um trabalho bacana e ocupa um espaço na Paulista ou na 23 de Maio, por exemplo, aí a Prefeitura vai e apaga. Acho isso ruim para a Cidade, que já é cinza e poluída, o bacana seria se houvesse alguém que pensasse melhor sobre o assunto para que esse tipo de coisa não acontecesse. Se você está pintando de forma ilegal, corre o risco de amanhã sua pintura não estar mais lá, isso faz parte do universo Street Art, do grafite, é o fato de ser efêmero e estou acostumado com isso. E faço coisas que são até mais efêmeras, como a pintura em 3D no chão, feita com um giz chamado chalk, imagina ficar 10 dias pintando algo com giz…

ED – E como funciona a ética na rua?

EK - Desde pequenos eles já sabem, os mais velhos falam: ‘Não pinta em cima deste cara’. Não é uma questão de hierarquia, é uma questão de respeito por quem pintou. 153

ED – Por que você ainda sente a necessidade de fazer grafite?

EK - O meu trabalho surgiu na rua, primeiramente faço porque é o meu hobby. Não quero ser hipócrita, mas para mim não está ligado à questão financeira, obviamente que se uma pessoa me contrata ela tem que pagar por isso, mas independente de qualquer coisa sempre vou pintar na rua porque amo fazer isso. Por exemplo, se eu for fazer uma viagem internacional e tiver a oportunidade de pintar, isso terá um valor muito maior do que se eu for como turista. Se estou nos lugares, vou visitar as galerias, museus, teatros, pois me interesso realmente. Aliás, não me interesso por prati- camente nada (risos), só me interesso por isso, é um pouco difícil conversar comigo sobre outras coisas (risos).

ED – Você tem projetos como o “Muros das Memórias”. É remunerado por isso?

EK - Cerca de 90% dos murais que tenho nas ruas da Cidade não foram feitos com patrocínios. Muitas vezes estou passando em determinado lugar, vejo uma parede que quero fazer e peço autorização. Por exemplo, pintei um indiozinho na esquina da Consolação com a Maria Antônia. Vi aquela parede e quis pintar, fui até lá e pedi autorização do proprietário.

ED – Então esse indiozinho é um mural porque teve autorização?

EK - Sim, é um mural como o da 23 de Maio, não tive patrocínio. Recentemente fizemos aqui no beco, na Helio Pellegrino, temos dois na Rebouças, na verdade tenho vários que não são trabalhos encomendados, mas pedi autori¬zação para fazer.

ED – A ideia do projeto foi porque você percebeu que a Cidade não preserva sua memória?

EK - Coleciono livros antigos de São Paulo e também curto muito arquitetura, mas acho realmente que São Paulo não preserva nada, é um absurdo. A ideia do primeiro muro surgiu quando eu estava na avenida Paulista visitando uma exposição de fotos antigas. Olhei da janela vi que não havia quase mais nada daqueles casarões e pensei: ‘Pô, posso fazer algo para criar um contraste aqui’, e assim pintamos o primeiro na Paulista representando a própria avenida na década de 1920, já mostrando como era e no que se transformou. Não sou contra os prédios novos e modernos, mas não era necessário ter derrubado tudo. Eu estava agora em São Petersburgo e lá os prédios históricos são todos preservados, porém por aqui não se preserva nada. Estão derrubando tudo e construindo prédios. E a Cidade fica sem uma identidade visual, cada um vai fazendo um puxadinho como acha e fica sem estética.

ED – Quando vi o mural da 23 de Maio, pensei: ‘Imagina se a Cidade ficasse toda assim, seria linda!’.

EK - Esta é uma ideia que não estão fazendo aqui em São Paulo, mas estamos sendo convidados para festivais no mundo inteiro e é algo muito simples. Em Miami temos um bom exemplo, há um bairro chamado Wynwood, que era tipo o Brás, cheio de galpões e uma área um pouco degradada, então passaram a convidar artistas do mundo inteiro para pintar todas as paredes do lugar, o que acabou virando um local turístico, melhorando todo o visual. São Paulo poderia fazer isso, por exemplo, aqueles prédios do Minhocão oferecem tantas possibilidades, mas falta organização, é muito por esforço individual, me esforço para fazer, fulano se esforça… O meu forte são trabalhos em galerias, telas que estou fazendo lá fora com outro artista. Poderia muito bem não fazer mais na rua, mas é esforço individual, pego parte do que ganho, invisto e continuo fazendo o trabalho na rua, agora qual o custo para isso?! É muito baixo e torna a Cidade uma galeria a céu aberto. 154

ED – Também contratam você para realizar trabalhos na área da decoração?

EK - Sim, já fiz muitas pinturas em residências, tanto em São Paulo quanto em outros Estados. Dentro deste projeto “Memórias” já pintei muitas residências também. Além disso, trabalhei para a Casa Cor durante 6 edições, pintando espaços dos arquitetos.

ED – Você fez um mural em 3D para a Hot Wheels no São Paulo Fashion Week. De quem foi a ideia?

EK - Neste trabalho utilizei um carro, mas a ideia de criar um personagem que interagisse com ele foi minha.

ED – Qual o nome dessa técnica utilizada no painel?

EK - Essa pintura se chama anamórfica. É totalmente distorcida e só funciona de um ângulo, dando aquele efeito de abismo. Existem dois nomes que são os principais desta técnica: e o Kurt Wenner. Na realidade ela existe desde 1500, da época do Renas¬cen¬tismo.

ED – Há quanto tempo trabalha com ela?

EK - Como o meu trabalho já tem caracte¬rísticas de tridimensional, imagens mais realistas, com luz e sombra, há cerca de 10 anos comecei a receber e-mails de algumas pessoas com imagens dessa técnica e eu queria aprendê-la. Comecei a fazer testes em pequenas escalas até compreender como ela funcionava, principalmente através do trabalho de Kurt Wenner. Tenho um amigo, Márcio, que é arquiteto da USP, que também me ajudou.

ED – Consegue catalogar quantos trabalhos já realizou?

EK - Tenho o Flickr e mais de três mil fotos de trabalhos, obviamente que na Cidade eles vão apagando. Mas hoje respeitam mais, já pintei muito, sou hiperativo, estou sempre fazendo algo, termino um já vou para outro. Tanto é que agora depois do Fashion Week vamos para os EUA fazer quatro cidades durante um mês.

ED – Como é o processo de execução e criação?

EK - Mais três pessoas pintam, tenho outros integrantes que trabalham comigo há 10,15 anos, já temos uma similaridade.

ED – Eles têm liberdade para criar então?

EK - Não, na verdade as criações são sempre minhas. Nunca decido no muro o que vou pintar. Sempre tenho uma foto da parede, faço a pesquisa, criação e depois do layout pronto, com tudo resolvido, nós quadriculamos a parede. Por isso consigo trabalhar com uma equipe.

ED – Quanto tempo demora para fazer um mural?

EK - Como trabalho numa linha mais realista com luz e sombra, posso levar 10, 15 ou 20 dias até um ano, depende da quantidade de detalhes de luz e sombra e tempo disponível que tenho.

ED – Você e sua equipe são convidados para exposições?

EK - Agora recentemente, estávamos em Los Angeles, estou trabalhando em parceria com um artista chamado Mr. Brainwash (Senhor Lavagem Cerebral), que fez um documentário sobre o Banksy, artista anônimo britânico número 1 do mundo em Street Art. Pintei dois muros grandes em Los Angeles, um deles o título era “Olhar a Paz”, e tinha apenas os olhos do Martin Luther King, Nelson Mandela e Madre Tereza de Calcutá. Depois fomos convidados pela prefeitura de Moscou para pintar um mural grande lá. 155

ED – Se você fosse fazer um ranking mundial da Street Art, São Paulo estaria em qual posição?

EK - Acredito que São Paulo vive um momento de notoriedade, é um tipo de arte que no Brasil chegou junto com o acontecimento. Se pegarmos outros movimentos artísticos da história, o Brasil fica um pouco para trás, mas a Street Art começou em Nova Iorque em 1970 e nos anos 1980 já estava rolando aqui em São Paulo. Quando comecei fui detido, existia uma discriminação grande quanto a isso, mas vários artistas surgiram e chegou um momento em que a população da Cidade passou a ser favorável a esse movimento artístico que estava acontecendo nas ruas. Enquanto lá no exterior os artistas tinham que fazer rapidinho e sair, aqui eles tiveram mais tempo para elaborar o trabalho, não tinham muito medo da polícia e isso fez com que o trabalho tivesse mais destaque artisticamente e fosse mais elaborado. Hoje tenho certeza que São Paulo é uma das cidades mais importantes do mundo no circuito de Street Art e de Arte Pública. Ainda pode ser mais explorado, mas há um movimento importante aqui, principalmente na diversidade de estilo e de linguagem. Temos 5, 6 artistas ou até mais que estão expondo em galerias, museus e sendo convidados no mundo inteiro.