CAPÍTULO 1

Dee Dee Ramone: O primeiro álbum dos levou apenas dois dias pra ficar pronto. A gente tinha feito umas outras gravações, umas demo-tapes com Craig Leon e Marty Thau, mas não deu certo porque na volta do estúdio pra casa estávamos muito chapados – estávamos dirigindo por uma zona cheia de mato, nos perdemos e vimos partes de corpos humanos ao longo da estrada. Tipo um braço aqui, uma cabe- ça lá. Todo mundo viu. Ficamos felizes de voltar pra Nova York depois disto. Então decidimos fazer o álbum num estúdio dentro do Radio City Music Hall. Arturo Vega: Quando a gente estava gravando o pri- meiro álbum no estúdio dentro do Radio City Music Hall, eu sabia me achar por lá porque costumava entregar filmes lá nos tempos em que era um mensageiro. Eu conhecia todas as pas- sagens secretas e escadas; era maravilhoso caminhar sozinho nas passarelas em cima do palco. Então me esgueirava pra dentro do camarim dos Rockettes – os dançarinos, sabe, e roubava os trajes deles. Peguei umas calças maravilhosas de lamê dourado, uma capa e umas coisas maravilhosas de cetim. Foi perfeito. Pensei que os Ramones fossem ficar no estúdio por um tempo, mas depois de três dias eles disseram: “Fizemos!” Fiquei imaginando: “Oh, foi fácil.” : A gente fez o álbum em uma semana e gastou só seis mil e quatrocentos dólares – todo mundo ficou surpreso. Naquele tempo, as pessoas não davam muita bola pra dinheiro. Havia um monte de dinheiro na parada. Dinheiro em circulação pra coisas absurdas. O dinheiro ainda não esta- va curto – alguns álbuns estavam custando meio milhão de dólares pra serem feitos e levando dois ou três anos pra serem

8 gravados, como Fleetwood Mac e outros. Fazer um álbum em uma semana e produzi-lo por seis mil e quatrocentos dólares era inédito, ainda mais um álbum que de fato mudou o mundo. Ele inaugurou o e deu início àquela coisa toda – e também nos lançou. : Na primeira vez que saí da cidade com os Ramones fomos pra algum lugar medonho na Nova Inglaterra. Era na praia, um grande salão muito do vagabundo e fedendo a cerveja chamado Frolics. Não consegui descolar droga naquela manhã e fui ficando mal. Era inverno e estava frio, e depois do show a gente foi pra um motel pulguento. Era repugnante. Já estive nuns lugares ruins, mas aque- le hotel... Eu estava ficando doente. Estava surtando pela falta de droga, então peguei um cobertor e cobri a pia com ele e deixei a água correndo. Sentei embaixo do cobertor, embaixo da pia, e tentei fazer de conta que estava sentando embaixo de uma cachoeira pra esquecer de onde eu realmente estava. A gente estava louco pra dar o fora de lá, mas ainda tinha que ficar por mais três dias. No terceiro dia eu estava um caco, e aquela noite foi tipo a noite mais fria que já passei. No instante em que paramos de tocar, apareceu um tira que mostrou uma arma enorme e disse: “É melhor vocês tocarem mais!” Na manhã seguinte, a gente ligou pra e disse: “Danny, a gente nunca mais vai fazer isso!” Ele disse: “Bem, vocês vão tocar em tal lugar hoje à noite e naquele outro amanhã...” Danny Fields: Linda Stein, a mulher de Seymour Stein, que era minha partner como empresária dos Ramones, tinha uma visão muito internacional. Ela estava, eu diria, hipnotiza- da, e com toda a razão, pelas possibilidades lucrativas abertas aos Ramones no mercado europeu. Desde o começo, ela acertadamente percebeu que seria mais fácil pra gente achar um bom mercado no Reino Unido. Então, desde o começo, tentamos chegar na Inglaterra, especial- mente à medida que foi ficando cada vez menos provável que conseguíssemos ir além de Nova Jersey, do outro lado do rio.

9 Nosso primeiro show dos Ramones na Inglaterra foi em 4 de julho de 1976, o fim de semana do bicentenário, o que achei apropriado metaforicamente, porque era o segundo cen- tenário de nossa libertação da Grã-Bretanha e estávamos tra- zendo pra Grã-Bretanha esse presente que iria despedaçar pra sempre as sensibilidades deles. Dee Dee Ramone: Quando a gente foi pra Inglaterra as coisas aconteceram muito rápido, foi inacreditável. A grava- dora nos liberou o serviço de quarto, e pedi tantas garrafas de scotch que minha conta chegou a setecentos dólares em dois dias. Quando eles viram isso, disseram: “A gente pensou que vocês iam pedir uns sanduíches de queijo e Coca-Cola.” Não imaginei que pudesse me sair melhor. Me senti um grande rock star. Achei que fosse isto que esperavam que eu fizesse. Mickey Leigh: Acho que todo mundo ficou um pouco nervoso por estar em Londres, fora da sua terra pela primeira vez. Todos nós, os Ramones e os roadies, estávamos andando por um beco pra chegar na porta dos fundos da Roundhouse, e, parado no beco como um pelotão, estava o Clash. Todos eles estavam com jaquetas de couro pretas e ten- tando ser bem durões, e a gente ficou um pouco amedrontado. Tommy estava tomando Valium, e as mãos dele estavam tre- mendo porque ele estava nervoso pra caralho. Então, enquan- to a gente caminhava pra porta, eles disseram: “Somos o Clash, cara. Vamos ser maiores do que todo mundo.” Não foi do tipo: “Hey, gostamos do disco de vocês!” Era uma encenação. Estavam agindo como punks, porque é assim que pensaram que as bandas de Nova York agissem – duronas. Arturo Vega: Todas as bandas de Londres estavam cir- culando pelo beco, tentando entrar na Roundhouse pra ver os Ramones. Johnny Rotten me perguntou se poderia entrar pela porta dos fundos e se encontrar com a banda. Ele me perguntou: “Se eles não gostarem de mim, vão?” Ele pensou que os Ramones fossem uma gangue de verdade, ha, ha, ha.

10 Dee Dee Ramone: Os Ramones sempre colocavam umas gotinhas de mijo em qualquer coisa que davam pros seus con- vidados, como uma brincadeirinha. Quando Johnny Rotten veio ver os Ramones na Roundhouse, perguntou pra Monte se podia ir ao camarim dar um alô. disse que tudo bem e foi muito cordial com Johnny Rotten quando se encontraram. Apertou a mão dele, deu uns tapinhas nas cos- tas e perguntou se ele queria uma cervejinha. Ha, ha, ha. Johnny Rotten pegou e bebeu num trago. Nós todos ficamos prendendo a respiração, com a maior cara de pau. Então ele foi embora. Danny Fields: Mick Jones e Paul Simonon, do Clash, estavam lá. Paul estava sentado por ali com umas meias bran- cas, e elas estavam realmente imundas, e pensei: “Rapaz, isto é cool.” Fiquei muito a fim de Paul, o bonitinho, porque adorei as meias dele. Eram umas meias brancas realmente imundas e gastas. Dava pra perceber que era dentro do sapato que elas ficavam verdadeiramente imundas. Mas ele acabou tendo um caso com Patti Smith. Ela tinha bom gosto pra homens. Paul e Mick ainda não estavam no Clash, mas estavam começando. Estavam com medo de tocar até verem os Ramones. Quer dizer, Paul e Mick contaram pros Ramones: “Agora que vimos vocês, vamos fazer uma banda.” Os Ramones disseram: “Vocês só têm que tocar, caras. Sabe como é, saiam do porão e toquem. Foi o que a gente fez.” Basicamente os Ramones disseram pra eles o que disse- ram pra incontáveis outras bandas: “Vocês não têm que ficar melhores, saiam daí, vocês são bons como são. Não esperem até ficar melhores, como vocês vão saber? Saiam daí e façam.” Foi isso que os Ramones pegaram dos New York Dolls, sabe: “O que a gente está esperando?” Pra mim essa é a parte importante, a confiança que as bandas passam umas pras outras. Dee Dee Ramone: Sid Vicious me seguiu por todos os lugares. Isso foi antes dele estar nos Sex Pistols. Ele era muito legal e muito inocente. Vi ele o tempo inteiro. A pior vez foi

11 numa noite em que fizemos uma tremenda festa. Era verão, e em Londres não há ar-condicionado. Era num lugar chamado Country Cousin ou Country Club, onde todo mundo fazia suas festas. Estavam servindo vinho e cerveja, e todo mundo esta- va atrolhado. O banheiro inteiro estava cheio de vômito – na pia, nas privadas, no chão. Era completamente nojento. E alguém disse: “Dee Dee, você precisa de alguma coisa?” Eu disse: “Yeah, quero um pouco de speed.” De repente eu tinha uma enorme quantidade de speed na minha mão. Comecei a cheirar feito louco. Fiquei muito louco. E então vi Sid, e ele disse: “Você tem alguma coisa pra se chapar?” Eu disse: “Yeah, tenho speed.” Então Sid sacou um kit de apetrechos, botou um punhadão de speed na serin- ga e daí enfiou a agulha na privada, com todo o vômito e mijo, e encheu. Não pôs no fogo. Só sacudiu, enfiou no braço e saiu do ar. Fiquei só olhando pra ele. E eu que até ali achava que já tinha visto tudo. Ele olhou pra mim meio zonzo e disse: “Cara, onde você conseguiu essa coisa?” Legs McNeil: Sentei no alpendre da casa de Arturo na Rua 2 e esperei Joey Ramone voltar da Inglaterra. Antes dele ir, eu disse: “Pra que vocês têm que ir pra Inglaterra? Não vão pra Inglaterra. A Inglaterra é uma chatice.” Eu nunca tinha ido pra Inglaterra. Ou pra qualquer outro lugar. Só no Bowery. Outro verão no Bowery. Então sentei no alpendre de Arturo e esperei Joey voltar pra casa. Não tive que esperar muito, eles foram só pro fim de semana de 4 de julho. Quando Joey voltou, pelos olhos dele dava pra ver que tinha acontecido alguma coisa. Joey ficou dizendo: “Legs, você não vai acreditar! Você não vai acreditar! Eles adoraram!” Não fiz idéia do que ele estava falando, porque naquele tempo punk ainda era só a revista, os Ramones, Richard Hell, Johnny Thunders, Patti Smtih e os Dictators. Havia só umas cem pessoas andando no CBGB’s. E metade dessas pessoas não eram punks, eram do mundo das artes, levadas ao Bowery pelas lamúrias yuppies de David Byrne. Os Dictators mora- vam no Bronx e dificilmente circulavam. E parecia que todo

12 mundo, exceto eu e Joey, era junkie. Então punk, o movimento inteiro, parecia a nossa piadinha interna, destinada a ficar des- te jeito. Por isso, quando Joey me contou que o show na Roundhouse tinha sido bom, fiquei naquela: “Grande, estou contente, mas o que a Inglaterra tem a ver com punk? Quer dizer, quando a América vai gostar de nós?” Cheetah Chrome: Na primeira vez que os Ramones to- caram em Cleveland a gente se encarnou neles – tocou fitas pra eles e coisa e tal, e quando eles estavam deixando a cidade a gente foi na frente. Eles estavam procurando a rampa de acesso à highway, então Stiv Bators e eu pegamos um outro carro e os guiamos até lá. Foi quando Stiv subiu na tolda do carro. A gente estava a uns cento e trinta quilômetros por hora, e Stiv saiu pela janela, subiu na tolda do nosso carro e mostrou a bunda pros Ramones. Stiv estava dirigindo, então segurei o volante quan- do ele saiu pela janela. James Sliman: Stiv fazia isto toda noite quando a gente morava em Cleveland. A gente ficava bêbado, e Stiv tirava as calças e ia pro pára-brisa do carro – mantendo a mão no volan- te – e mostrava a bunda pra todo mundo. Este era o grande número dele. O pau dele ficava pressionado contra o vidro do pára-brisa, mas a bunda ficava à mostra pra todo mundo ver. Cheetah Chrome: Quando Joey Ramone voltou pra Nova York, falou sobre nós pra Hilly e nos conseguiu uma audição no CBGB’s numa segunda-feira à noite. Até então os Dead Boys não existiam de fato – montamos a banda depois de Joey Ramone nos conseguir a audição. Os Dead Boys só estavam juntos há uma semana. An- tes disto tínhamos uma banda chamada Frankenstein, que ti- nha se separado. Estávamos parados principalmente porque não conseguíamos fazer show. Stiv ficou dizendo: “Ouçam, em Nova York estão na mesma que nós. Não somos esquisitões lá. Vamos ser normais lá.”

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