UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO

ROZALIR BURIGO COAN

OS PARATEXTOS NAS (RE)TRADUÇÕES DE LO CUNTO DE LI CUNTI DE GIAMBATTISTA BASILE AO ITALIANO: PREFÁCIOS E POSFÁCIOS

Florianópolis 2015

ROZALIR BURIGO COAN

OS PARATEXTOS NAS (RE)TRADUÇÕES DE LO CUNTO DE LI CUNTI DE GIAMBATTISTA BASILE AO ITALIANO: PREFÁCIOS E POSFÁCIOS

Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Estudos da Tradução do Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do grau de doutorado em Estudos da Tradução.

Orientadora: Profª. Drª. Andréia Guerini

Florianópolis 2015

À Michelli e Luiz Fernando

AGRADECIMENTOS

Ainda que um projeto de Doutorado seja, pela sua finalidade acadêmica, um trabalho individual, há contribuições de natureza diversa que não podem e nem devem deixar de ser realçados. Por esse motivo, desejo expressar o meu mais profundo agradecimento, primeiro àquele que me deu a vida, e a todos aqueles que tornaram possível a realização deste trabalho. Agradeço à Professora Doutora Andréia Guerini, minha orientadora, pelo acompanhamento do trabalho, pela disponibilidade demonstrada em todas as fases que levaram à concretização deste trabalho, assim como pelas críticas, correções e sugestões relevantes feitas durante a orientação. Gostaria ainda de agradecer a todos os meus professores da Graduação, do Mestrado e Doutorado, pela extrema competência científica e pelo apoio demonstrado durante todo o curso. A todos os colegas que, nesse tempo acadêmico, se interessaram por este trabalho, me apoiaram e me incentivaram à sua concretização, de modo particular à Professora Doutora Karine Simone e à Professora Doutora Tânia Mara Moysés pelo carinho e pela valiosa ajuda em apoio bibliográfico. À Capes, pela bolsa de estudos. A todos os meus amigos pelo apoio e incentivo incondicional. À minha família pelo inestimável apoio, disponibilidade, paciência e, sobretudo, por tudo o que representam para mim. Aos meus amigos caninos, cujos olhares me acalentavam. Mais uma vez, a todos os meus sinceros agradecimentos.

Il Cunto non lo si può spiegare. Se dovessi spiegarlo non direi nulla, non racconterei nulla... piuttosto quello che dovrei raccontare potrei solo provare a scriverlo fra le righe e forse non lo si capirà... De Simone

RESUMO

Esta tese analisa os prefácios e posfácios das cinco traduções para o italiano de Lo cunto de li cunti, ovvero lo trattenemiento de peccerille, obra escrita por Giambattista Basile (1575-1632) e publicada postumamente entre 1634-1636, O corpus da tese é composto pela primeira tradução feita por , em 1925, e as retraduções de Michele Rak, em 1986, Ruggero Guarini, em 1994, Roberto De Simone, em 2002, e a última, de Carolina Stromboli, em 2013. Esta pesquisa se insere no campo da tradução literária e tem por objetivo analisar as diretrizes tradutórias que orientaram a primeira tradução e as quatro (re)traduções integrais da obra de Basile, do napolitano para o italiano, a fim de identificar, nos respectivos prefácios e posfácios, o horizonte tradutório que norteou os projetos dos tradutores. Esse estudo afirma também a importância dessa obra barroca, que através das suas (re)traduções fomentou o universo da Literatura Infantil em diferentes momentos históricos.

Palavras-chave: Literatura italiana, Basile, Lo cunto de li cunti, (re)tradução, paratexto.

ABSTRACT

The propose of this thesis is to analyses the foreword and the afterword from five Neapolitan to Italian translations of Lo cunto de li cunti, ovvero lo trattenemiento de peccerille, published text posthumously between 1634-1636, wrote by Giambattista Basile (1575-1632). The thesis’s corpus is made by the first translation by Benedetto Croce, in 1925, and the retranslations by Michele Rak, in 1986, Ruggero Guarini, in 1994, Roberto De Simone, in 2002, and the last, by Carolina Stromboli, in 2013. This research is in the literary translation area and it aims to analyses the translational guidelines that oriented the first translation and the four full (re)translations from Balise´s work, from Neapolitan to Italian dialect, with the objective to identify, on the respective forewords and afterwords, the horizon translational that guide his projects. This study also reveals the importance of this baroque work, which from it´s (re)translations fostered the children's literature universe on different historic moments.

Keywords: Italian literature, Basile, Lo cunto de li cunti, (re)translation, paratext.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Tavola delli cunti...... 43 Figura 2 - Imprimatur ...... 44 Figura 3 - Sem título...... 777 Figura 4 - Lombada...... 777 Figura 5 - Folha de rosto...... 788 Figura 6 - O autor ...... 78 Figura 7 - Normas I...... 82 Figura 8 - Vistas ...... 82 Figura 9 - Golfinho ...... 83 Figura 10 - Mitologia ...... 85 Figura 11 - Tradução ...... 86 Figura 12 - Cavaleiro ...... 88 Figura 13 - Uma página ...... 888 Figura 14 - Uma história ...... 888 Figura 15 - Foto ...... 988 Figura 16 - Lo cunto ...... 988 Figura 17 - Primeira capa ...... 988

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 21 2 O BARROCO LITERÁRIO DE BASILE ...... 26 2.1 A LITERATURA BARROCA NA ITÁLIA: POR UMA POÉTICA INQUIETANTE ...... 26 2.2 O AUTOR ...... 36 2.3 LO CUNTO DE LI CUNTI ...... 42 2.3.1 A estrutura ...... 51 2.3.2 Conflito, viagem, metamorfose. Um misto de comicidade ...... 57 3 LO CUNTO DE LI CUNTI: TRADUÇÃO E RETRADUÇÕES .. 70 3.1 A TRADUÇÃO DE CROCE. IL OSSIA LA FIABA DELLE FIABE...... 70 3.2 AS RETRADUÇÕES ...... 80 3.2.1 Michele Rak e Lo cunto de li cunti ...... 81 3.2.2 Ruggero Guarini e Il racconto dei racconti ...... 84 3.2.3 Il cunto de li cunti di Giambattista Basile nella riscrittura de Roberto De Simone ...... 87 2.2.3.1 Tradução intersemiótica de De Simone: La Gatta Cenerentola 89 2.2.3.2 Tradução intralinguística: Do antigo napolitano para o napolitano moderno ...... 94 3.2.4 Carolina Stromboli e Lo cunto de li cunti ...... 97 3.3 LO CUNTO DE LI CUNTI EM OUTRAS LITERATURAS ...... 100 4 PREFÁCIO E POSFÁCIO NAS (RE)TRADUÇÕES DE LO CUNTI DE LI CUNTI PARA O ITALIANO ...... 119 4.1 OPÇÕES DE TRADUÇÃO ...... 119 4.2 SOBRE UM PROJETO DE TRADUÇÃO ...... 121 4.3 PREFÁCIO E POSFÁCIO: FUNÇÕES ...... 123 4.4 ANÁLISE DOS PREFÁCIOS E POSFÁCIOS: CROCE, RAK, GUARINI, DE SIMONE E STROMBOLI ...... 128 4.4.1 O prefácio de Croce ...... 129 4.4.2 O posfácio de Rak ...... 136 4.4.3 O prefácio e o posfácio de Guarini ...... 142 4.4.4 O prefácio de De Simone ...... 148 4.4.5 Prefácios e posfácio na tradução de Carolina Stromboli ...... 156 4.5 DIVERGÊNCIA E CONVERGÊNCIAS NOS PROJETOS DE (RE) TRADUÇÃO DO CUNTO ...... 163

5 CONCLUSÃO ...... 175 REFERÊNCIAS ...... 178

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1 INTRODUÇÃO

Fábula, conto de fada, conto maravilhoso e fantástico são termos usados para designar um tipo de narrativa que se desenvolve não para mostrar necessariamente sensações cotidianas, mas para colocar os seus heróis universais diante de grandes tarefas, enviá-los ao encontro de perigos distantes e, ao final, o que importa não é o tesouro, o reino ou a esposa conquistados, mas a aventura em si. Nicoletta Mora diz que esse tipo de narrativa propõe a possibilidade de vislumbrar mundos possíveis e desencadeia em nós sensações, transportadas através das próprias reelaborações, “la storia del mondo” (1999, p. 7). No século XVII, Giambattista Basile (1575-1632), sob o pseudônimo de Gian Alesio Abbattuis, compõe uma importante e significativa coletânea de contos com o título de Lo cunto de li cunti overo lo tratenemiento de’peccerille. O livro foi escrito em dialeto napolitano e publicado, postumamente, entre 1634-36, em Nápoles. A coletâna também é conhecida sob o título não basiliano Pentamerone. Este título aparece pela primeira vez em uma edição de 1674, aos cuidados de Pompeo Sarnelli, e se justifica pela estrutura do livro que engloba cinquenta contos1 distribuídos em cinco dias (dez contos a cada dia). Cada conto é introduzido por uma síntese inicial e se conclui com um provérbio que expõe uma intenção moral. Todos são envolvidos em uma “moldura”. O enquadramento de histórias em uma narrativa moldura é, provavelmente, de inspiração boccacciana; mas, nesse caso, não é um fato histórico que cumpre esse papel e sim um conto, que é o “cunto de li cunti” (o conto dos contos), como define o autor cuja narrativa se desenrola em torno de uma princesa que jamais havia estampado um sorriso em seu rosto. No momento em que sorri começa a desventura dela. Para revertê-la deve andar exatos sete anos, meses, dias, horas e minutos e fazer o caminho de volta trazendo consigo o efeito encantatório de ouvir “cunti”. Começa aqui o continuum narrativo que se estenderá por cindo dias, evocando o riso em cada narrativa, surgindo de modo grotesco, sublime, cômico, carnavalesco, historicizado. Era

1Neste trabalho, utiliza-se o termo “conto”, traduzido do napolitano “cunto”, que, segundo o Nuovo vocabolario dialettale napoletano, de Francesco D’Ascoli, pode significar “racconto, fiaba, novella” (1993, p. 237). De acordo com Enrico Malato, “nell’uso popolare napolitano cunto non è genericamente il “racconto”, ma proprio e soltanto il racconto fantastico, fiabesco, che l’italiano definisce fiaba, voce ignota al dialetto” (2004, p. 317). 22

também um riso motivador: era preciso encontrar Cinderela para que calçasse o sapato, despertar a bela adormecida, pedir desculpas a um gato esperto, aceitar casar-se com um ogro ou com uma serpente, encontrar a Casa do Tempo e fazer parar o tempo retirando os contrapesos do relógio. Em outros momentos era preciso sair de casa e seguir em direção a países desconhecidos para aprender ofícios extraordinários – roubar, construir barcos, reconhecer a erva que ressuscitaria os mortos, compreender a linguagem dos pássaros, entre outras incumbências. Mas era preciso, sobretudo, encontrar um leitor conivente e, consequentemente, um tradutor cujo horizonte literário não diminuísse nem aumentasse a lógica desses eventos. O Cunto2 é o protótipo de uma literatura em série que se faz com motivos buscados na comédia de arte, nas ações dos saltimbancos, nos mitos antigos, nas histórias contadas “ao redor do fogo”, na tradição popular. Um antigo e difícil dialeto napolitano protagoniza essa obra. Na opinião de De Simone, trata-se de uma língua inventada (2002), “maccheronica”, de acordo com Croce (1911), e literária morta, na acepção de Rak (1986). Vem daí uma complexa e fascinante história de traduções, retraduções, adaptações que se estende por toda a Europa e Estados Unidos até os dias de hoje. Graças à iniciativa de Adriana Basile (1925)3, o Cunto teve várias reedições nos séculos XVII e XVIII na Itália. Ficou esquecido por algum tempo e reaparecendo em época romântica na primeira tradução integral para o alemão, realizada por Felix Liebrecht, em 1846, com prefácio de Jacob Grimm4. Em 1846 foi traduzido parcialmente para o inglês por Robert Taylor5 e em 1893 foi traduzido integralmente para o inglês por Richard Francis Burton6. Mesmo com esse interesse internacional, na Itália a obra permaneceu no anonimato até a sua

2É dessa forma que a obra de Basile será mencionada no decorrer deste trabalho. 3Adriana Basile (1580-1642), irmã de Giambattista Basile, foi uma cantora italiana bastante influente e famosa na época. Cf. CROCE. “Giambattista Basile e l’elaborazione artistica della fiaba” (BASILE, 1925, p. XI). 4Der Pentamerone oder das Märchen aller Märchen von Giambattista Basile, aus dem Neapoletanischen übertragen von Felix Liebrecht, mit einer Vorrede von Jacob Grimm, Breslau, Max u. Komp, 1846. 5The Pentamerone or the Story. Fun for the little ones, by Giambattista Basile. Translated from the Neapolitan by John Edward Taylor, with illustrations by Georges Cruikshank. London: David Bogue, 1848. 6Pentamerone or the Tale of Tales. Translated by R.F. Burton. Henry end Co.: London, 1893. 23

redescoberta no século XX, com a primeira tradução integral para o italiano realizada por Benedetto Croce, em 1925. Se as traduções mantêm vivas diferentes obras, as retraduções as colocam em contínuo movimento literário e, na ciranda da interpretação, abrem espaço para as mais variadas reflexões. Por isso, esta pesquisa se insere no campo da tradução literária e tem por objetivo analisar as diretrizes tradutórias que orientaram a primeira tradução e as quatro (re)traduções integrais da obra de Basile, do napolitano para o italiano, a fim de identificar, nos respectivos prefácios e posfácios, o horizonte tradutório que norteou os projetos dos tradutores. O corpus desta tese é formado pelas primeiras edições das seguintes traduções: 1- BASILE, Giambattista. Il Pentamerone ossia La fiaba delle fiabe. Tradução de Benedetto Croce. Napoli: Bibliopolis, 1925, 660 p. 2- BASILE, Giambattista. Lo cunto de li cunti. Tradução de Michele Rak. Milano: Garzanti, 1986, 1155 p. 3- BASILE, Giambattista. Il Racconto dei Racconti ovvero Il trattenimento dei piccoli. Tradução de Alessandra Burani e Ruggero Guarini. Milano: Adelphi, 1994, 668 p. 4- BASILE, Giambattista. Il cunto de li cunti nella riscrittura di Roberto De Simone. Tradução de Roberto de Simone. Torino: Einaudi, 2002, 949 p. 5- BASILE, Giambattista. Lo cunto de li cunti, ovvero lo trattenimento de’peccerille. Tradução de Carolina Stromboli. Roma: Salerno, 2013, 1053 p.

Neste estudo busca-se o tradutor, seu horizonte e a sua poética, tendo em mente que, como diz Berman, tais concepções, não são noções abstratas, mas sim meios de observar e compreender a tradução como processo histórico e dialético capaz de por em movimento o texto de partida. Esta tese divide-se em três capítulos. O primeiro, seguindo as orientações críticas e históricas de Stefano Calabrese, Benedetto Croce, Vincenzo De Caprio, Giovanni Getto, Mario Petrini, entre outros, discorre sobre o Barroco na Itália. O barroco foi uma tendência social, artística e literária que atravessou o século XVII, com máxima expressão na Espanha e na Itália, e que determinou uma transformação na sensibilidade e no gosto do passado. Um novo jeito de fazer literatura projetava-se nas figuras retóricas, na acuidade e no conceptismo; os poetas barrocos eram levados a atingir, a todo custo, o inusitado, caindo, às vezes, no absurdo 24

e na estranheza. De Giambattista Marino, com sua “poetica della meraviglia”, à prosa científica de Galileu Galilei, o Seiscentos presenciou o desenvolvimento da lírica, do romance, do melodrama, e se deu conta de uma crescente literatura em dialeto que crescia, reelaborando valores e sentimentos populares, e Basile é um de seus expoentes. O segundo capítulo versa sobre a recepção da obra de Basile no contexto europeu. Contextualizo o autor e a obra, no discutido período barroco. A obra de Basile se insere num contexto que abarca uma pluralidade dos costumes e de geografias sociais, onde a imagem de um Theatrum mundi é a metáfora mais instigante desse período histórico, que vemos regido pelo desejo de representação, cuja convicção é a de que o mundo é uma cena, e os espectadores são deuses, que não se deleitariam com as coisas humanas, se elas não seguissem, metaforicamente, o criativo movimento de um tear, em que as palavras, assim como os fios, resultam em uma produção textual. Na Itália, a sua fortuna crítica foi marcada por seis edições no século XVII e outras cinco realizadas no século XVIII, depois parece não ter tido outras divulgações até a iniciativa de Croce, que em 1891 organizou e publicou uma nova edição incompleta das duas primeiras jornadas. Mais tarde, em 1976, Mario Petrini contribui com uma edição crítica completa em napolitano. Fora da Itália, a primeira tradução integral é feita em língua alemã, por Liebrecht, em 1846, seguida da versão inglesa, por Taylor, e da tradução completa realizada por Richard Burton, em 1893. Essas traduções marcam o início de um período de outras iniciativas que, provavelmente, motivaram a tradução para o inglês americano, por iniciativa de Nancy L. Canepa, em 2007. A partir da apresentação do contexto histórico e literário da obra de Basile, o terceiro capítulo traz as bases teóricas que dão suporte à análise dos prefácios e posfácios do corpus selecionado, apresentado no capítulo anterior. Basicamente, o percurso contorna as reflexões de Emilio Mattioli (1983) que, juntamente com Henri Meschonnic (2010), aborda a poética do traduzir. Para esses críticos, é preciso considerar em tradução a poética do autor e a do tradutor, que devem embasar todo e qualquer projeto de tradução. Essas reflexões se relacionam com as de Antoine Berman (1995; 2002; 2013) e juntas dão suporte teórico ao capítulo. Ademais, apresenta-se a teoria relacionada aos paratextos desenvolvida, principalmente por Gérard Genette (1982; 2009), e traz a sistematização dos conteúdos dos prefácios e posfácios de cada tradução e a investigação das concepções tradutórias que nortearam os projetos. 25

Os paratextos são instâncias textuais que, em uma obra literária, acomodam justificativas de leitura, de crítica literária, de modos de traduzir. Por isso, ressalto a importância desses discursos de acompanhamento, no sentido de estreitar a relação autor-tradutor-leitor. Com efeito, os discursos paratextuais de cada tradutor do Cunto têm em comum a finalidade de apresentar Basile e as formas com que cada tradutor do Cunto, entendeu trazer ao leitor a obra seiscentista. De tal modo, a partir de uma proposta interpretativa, entende-se desvendar a grande contribuição desse relevante espaço de paratextualidade, para compreensão de um texto traduzido, tanto quanto mitigar a quase ausência de Basile nos estudos literários brasileiros. Esta tese dá continuidade aos estudos sobre Basile, que começou quando determinei o objetivo da minha Dissertação de mestrado, apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina. Nesse estudo, objetivei analisar a influência de Lo cunto de li cunti nas narrativas populares de e dos irmãos Grimm. Procurei traçar um perfil das narrativas de natureza popular, com que são elaboradas as respectivas coletâneas, cujo meio de divulgação era, preferencialmente, a oralidade, desde a sua origem, quando os gestos e as falas identificavam culturalmente uma comunidade, passando por diversos contextos históricos até o ponto em que estas narrativas estabeleciam uma reciprocidade entre autor e narrador. A conclusão a que cheguei, ao termino a minha Dissertação, e que se confirma na conclusão desta Tese, é a de que a obra de Basile precisa ser mais divulgada entre nós, não só porque suas histórias já são bastante conhecidas entre nós, mas também pela importância que essa obra teve, e tem, na história cultural italiana. Consequentemente, uma tradução dessa obra acrescentaria valor aos estudos italianos nessa Instituição. 26

2 O BARROCO LITERÁRIO DE BASILE

Para entender, interpretar e proceder a uma análise dos paratextos, especificamente dos prefácios e posfácio nas (re)traduções italianas da obra de Giambattista Basile, bem como sustentar o tema escolhido para justificar esta tese, que visa analisar as diretrizes que orientaram os projetos dos tradutores, parece necessário abordar alguns aspectos do Barroco, cuja poética literária contorna a obra basiliana. Há aqui a reflexão sobre um século bastante polêmico, que se apresenta como um grande modelo de cultura que se espalharia por todo o Ocidente. Nesse modelo, são as figuras retóricas a indicar “un’idea visiva” (RAIMONDI, 1995, p. 11) de um abstrato conceito do real. Este capítulo limita-se a apresentar um panorama do Barroco e de que forma a obra de Basile se insere nesse contexto histórico, isto é, em quais circunstâncias históricas, sociais e culturais o Cunto foi pensado e escrito. Pretende-se situar e delimitar, literariamente, a gênese do Cunto, e assim poder dialogar com os tradutores, particularmente os que contribuem para o corpus deste trabalho, e elucidar as escolhas deles em relação aos seus projetos de tradução.

2.1 A LITERATURA BARROCA NA ITÁLIA: POR UMA POÉTICA INQUIETANTE

O barroco é uma gramática de busca de clareza que avança e recua ou avança recuando ou recuando avança. Uma mesma coisa é dita vinte vezes porque dezenove não são suficientes para a tornar clara, e talvez nem a vigésima o seja... Saramago

O movimento da Contrarreforma se estende desde o Concilio de Trento (1545) aos anos oitenta do século XVII. Apresenta, historicamente, duas divisões sucessivas: a primeira chega ao segundo decênio desse século, e é caracterizada, do ponto de vista econômico, por promover e manter o desenvolvimento e, do ponto de vista literário, pela resistência ao classicismo – é o que conhecemos como maneirismo; a segunda fase é marcada por uma forte crise econômica e, no plano artístico, pelo abandono dos critérios clássicos e pela formação de uma nova concepção de mundo – é o que conhecemos como Barroco. O estilo barroco permanece por todo o século XVII, e entra em crise com a fundação da Arcadia, em 1690, que sinaliza uma posição às ideias do Barroco. 27

O Barroco marca esse período histórico com grandes descobertas, contradições e contrastes. As questões pertinentes se debatem num vai e vem, entre a soberba do poder, entre o empenho religioso e o cínico oportunismo político; entre a vontade de reestruturação cultural, inspirada no fanatismo ideológico; entre a ânsia irrequieta do novo, em detrimento de uma restauração classicista. Alternam-se, nesse movimento, o nascimento da ciência moderna e a persistente crença na magia, o ímpeto fantástico, na arte e na poesia, além das mais rígidas censuras. Esse quadro revela uma crise de antigas certezas e a emergência de uma nova consciência e prenuncia o absolutismo: forma-se uma ordem política que mais tarde, ao final do século XVIII, se tornaria conhecida como “o ancião regime”, sustentado também por contradições que vão desde a oposição ideológica dos intelectuais àquela realmente implícita nos fatos (DE CAPRIO, 2003). Asor Rosa acredita que essas concepções não representam uma contradição ou uma ruptura em relação ao século precedente; ao contrário, diz ele, é possível perceber uma relação quase de dependência, onde há um público disposto a buscar sabores novos, horizontes novos. Assim, para ele,

La “rottura delle regole” diventa così un esercizio sperimentale, che spesso trova in sé il proprio fine e la propria giustificazione. Si tratta peraltro [...] di una rottura delle regole, che il più delle volte non intacca la sostanza delle posizioni spirituali precedenti. [...] Rottura delle regole ha perciò per questi scrittori un valore eminentemente retorico: essa significa [...] la capacità di combinare insieme in fogge nuove e inusitate le sparse membra della cultura precedente, ridotta a un grande ammasso di temi, a una specie di enorme “enciclopedia” degli argomenti e delle forme poetabili (2009, p. 17-18).

O termo Barroco pode ter várias origens, mas seja que indique um silogismo, seja um tipo de pérola irregular, é evidente a acepção negativa que seus princípios entendem sublinhar, ao valorizarem, tendencialmente, os aspectos bizarros e irreverentes das normas, em todos os sentidos. Por muito tempo, a crítica manteve essa concepção negativa do barroco: um “cattivo gusto”, diz Croce (1911, p XVII). Outro autor que evidencia a acepção negativa do Barroco é Francesco De Sanctis, os escritores barrocos “si sentivano innanzi ad una letteratura esaurita nel suo repertorio e nelle forme [...] non solo la letteratura nelle sue forme e nel suo contenuto, ma è anche esaurita la vita religiosa, morale e politica 28

[...]” (2009, 730). De Sanctis via a realidade da época representada em “un mondo ipocrita e inquisitoriale, dove la vita religiosa e sociale fuori della coscienza è meccanizzata e immobilizzata in forme fisse e inviolabili” ( p. 732). A conclusão a que chegou o historiador italiano, criteriosamente a favor da beleza, da forma e da arte, é a de que todos

[...] si sentivano innanzi a un mondo poetico invecchiato, e volevano rinnovarlo, e non vedevano che bisognava innanzi tutto rinnovare la coscienza. Aguzzarono l’intelletto, gonfiarono le frasi, e non potendo esser nuovi, furono strani. L’attività si concentrò intorno alla frase, e il mondo letterario segregato dalla vita, e vuoto di ogni scopo serio, divenne un esercizio accademico e rettorico (2009, p. 732).

Entre os escritores neoclassicistas, o termo “barroco” é usado com o intento de evidenciar, negativamente, as características da arte e da literatura barrocas. Escritores como Giovan Mario Crescimbeni (1663- 1728), Gian Vincenzo Gravina (1664- 1718), Ludovico Antonio Muratori (1672- 1750) estão entre os que defendem a continuidade da cultura clássica. Muratori, por exemplo, em Della perfetta poesia italiana (1971, p. 14) exalta o século XVI como “il più fortunato per l’italica poesia”, colocando-o sob a aura de Petrarca. Não se trata, entretanto, de julgar/rejeitar uma inteira cultura, como diz Getto, mas somente de observar o quanto possível,

[...] una tendenza del gusto, una scuola di poesia, un linguaggio particolare, quello delle acutezze e dei concetti, una questione di arte retorica [...]. Il concetismo (divenuto poi negli sviluppi della polemica, con nuova – cronologia – indicazione, “seicentismo”) doveva alimentare l’opposizione, del resto mai venuta meno, dei letterati del primo Settecento, che battagliavano in nome del nuovo gusto, di quello che si disse il “buon gusto”, e doveva entrare come termine negativo e passaggio obbligatorio di recriminazioni e condanne nelle prime opere della nostra storiografia letteraria, nate appunto come storie delle vicende del buon gusto, per rimanervi nella stessa luce negativa, in una meccanica trasmissione, fino ai documenti 29

ultimi della storiografia ottocentesca (2000, p. 380).

O termo “barroco” tem uma gênese incerta e a sua etimologia apresenta algumas controvérsias. Giovanni Getto nos dá conta de que W. Weisbach (1921) reconduz o vocábulo ao adjetivo francês baroque, derivado do espanhol barrueco e do português barroco. Segundo ele, o Dictionnaire de l’Académie française de 1694 registra o termo Baroque para indicar um tipo de pedra de formato irregular (em italiano “scarasmazza”). Mais tarde, em 1740, o termo ganha um sentido figurado, e passa a representar o que é irregular, bizarro, desigual. Aparecem expressões do tipo “espírito barroco”, “figura barroca”. O Dictionaire de Trévoux (1771) registra três significados: “terme de joaillier”, “irregulier, inégal, bizzare” e um significado extensivo aplicado “en peinture, un tableau, une figure d’un goût baroque”, onde as regras não são respeitadas e tudo é representado segundo o capricho do artista. A língua italiana reconhece outra fenomenologia da palavra barroco, “quella che ha come punto di partenza il termine tecnico scolastico [silogismo] e come linea di sviluppo l’uso polemico irrisorio di esso”(GETTO, 2000, pp. 391-393). O termo, então, passa de uma terminologia empírica e concreta (o significado de pérola disforme) a um uso muito mais amplo para indicar tudo o que se distancia das regras e formas clássicas. Entre os artistas e poetas do Barroco a ideia é organizar uma nova visão de mundo e um novo modo de perceber as coisas, fruto da revolução científica e de velhas incertezas, por de meio de analogias, metáforas e alegorias. Principalmente, por meio de metáforas, a retórica barroca pretende indicar a capacidade de produzir conceitos, ou seja, estabelecer conexões surpreendentes entre fenômenos distantes e contrapostos, desencadeando um efeito de “maravilha”, com mais ênfase na literatura. Nessas circunstâncias, a literatura é produto de um fazer concentrado em um espaço e em um tempo infinitos e decentralizados. Para os escritores, o mundo se revela nos seus particulares, e fragmentado. Isso coloca em crise um saber que abriga verdades absolutas, e, diante de uma realidade complexa e caótica, o homem do barroco busca, através do seu intelecto, unir elementos isolados da realidade. Esse procedimento, que é alegórico, nasce do desejo de buscar um significado para as conexões entre as coisas e as relações, entre os fragmentos dispersos de um universo que os sentidos captam casualmente. 30

Para Getto, a metáfora barroca antes de ser um argumento retórico,

sembra [...] una visione della vita, sicché per questa civiltà si potrebbe addirittura parlare di un “metaforismo” e di un “metamorfismo” universali come di essenziali modi di avvertire ed esprimere la realtà (2000, p.427).

Em outros termos, segundo Getto, a metáfora é, entre outras figuras retóricas, a que melhor desempenha a função de envolver o leitor-espectador, chamando-o à interpretação, e assim, colaborar na criação dos significados e na descoberta incansável dos muitos vultos com que a realidade se apresenta aos seus olhos. Se de um lado a valorização da experiência e a exaltação da “maravilha” restituem uma ampla abertura para as novidades, por outro lado, a crise dos sistemas tradicionais e a incansável busca por possíveis significados às coisas revelam um sentido trágico de existência, através da percepção ilusoria e incerta da vida. Afinal, o que era a “maravilha” senão “la traduzione in termini psicologici del rivelarsi di un profilo sconosciuto e insospettato dell’essere, infinitamente vario e mutevole?” (2000, p. 428). Nesse clima de novas pespectivas, o poeta não é mais um filósofo, mas um pensador de si mesmo, e, ao buscar novas formas de interpretar a realidade obriga-se a reconhecer a relação entre a linguagem e a concepção de mundo que ele descobre e propõe ao leitor. Nesses termos, os leitores e espectadores são conquistados, suscitando- lhes a “surpresa” e a “maravilha”. Sob essas articulações de formas e de estilos, a literatura barroca italiana prossegue numa perspectiva indefinível. Todavia, encontra amparo e êxito no escritor, naquele fazedor de uma literatura subjetiva, aberta às novas descobertas e ao dinamismo. Esse novo sentido de valor dado às coisas e aos acontecimentos, antes que fossem apreciados não só como um novo momento da história e da arte, mas também como uma reivindicação à literatura, foi contemplado, em todas as suas variações, com novos gêneros literários. Uns se renovam, como acontece com a iniciativa do napolitano Giambattista Marino (1569-1625), que aprimorou os elementos da lírica do século anterior e a deixou como modelo fundamental para a lírica 31

barroca7. Marino retomou a tradição do “poema” italiano, inovando-o com temas clássicos e mitológicos, inserindo-os em um quadro de costumes contemporâneos. A sua poesia concentra-se no uso de antíteses, nas descrições exageradas e na musicalidade do verso. É um poeta “experimental”, diz De Caprio, que inovou com a “poetica della meraviglia”, ao extrair o maravilhoso e a engenhosidade tanto de coisas sublimes quanto de situações cotidianas, amparando-as em um codificado sistema metafórico (2003, p. 18). Outros gêneros inovam, como é o caso do poema herói-cômico que, à parte a propensão ao gosto pela paródia, se estrutura alternando os conteúdos sérios e cômicos, tendo em Alessandro Tassoni (1565-1635) a sua expressão máxima. Sua obra La secchia rapita, escrita em um arco de quatro anos, a partir de 1614, narra, jocosamente, a guerra entre Modena e Bolonha, motivada pela disputa por um balde de madeira, mistura o fantástico e o maravilhoso; personagens, bizarros e astutos compõem a narrativa. A obra foi censurada na Itália por conter passagens que remetem à realidade do tempo. Por isso, e por iniciativa do autor, ela foi publicada em Paris, em 1622. Entre os autores de poemas herói-cômicos estão também Francesco Brasciolini (1566-1645), que em 1618 publica Lo schermo degli Dei, cuja narrativa gira em torno da vida dos deuses do Olimpo, e Giovan Battista Lalli da Narcia (1572-1637), autor de La Moscheide overo Domiziano il moschicida, publicado em 1614. Seus escritos são sempre uma reescrita dos poemas clássicos. Em 1676 aparece postumamente Il Malmantile racquistato, de Lorenzo Lippi (1606- 1665), poema que busca sugestões fantasiosas para amparar a linguagem criativa que mistura locuções e formas dialetais. A tradição desse gênero literário continua no século seguinte, seja com reedições ou com publicações de novos poemas, como é o caso, por exemplo, de La Marfisa bizzarra de Carlo Gozzi (1720-1806), poema que satiriza a sociedade do seu tempo com traços épicos cavalheirescos (DE CAPRIO, 2003, p. 13). A prosa é outro gênero que ganha destaque nesse período. Entre os escritores que preferiram esse gênero estão Giovanni Ambrosio

7Seu modelo seria a referência para Gabriello Chiabrera (1552-1638), autor de Canzonette, e Fulvio Testi (1593-1646) que compôs Rime. Ambos poetas líricos; o primeiro é inovador, enquanto o segundo, bastante ligado aos clássicos, se dedica principalmente à escrita de cartas importantes para a história política e diplomática do século (DE CAPRIO, 2003, p. 18; GETTO, 2000, p. 91-151). 32

Marini, com o seu Calloandro fedele, publicado entre 1632-1653, e de Giovan Francesco Biondi (1572-1644), com Eromena, (1624), La donzella desterrata (1632) e Coralbo (1632), os quais inserem em seus enredos situações fantásticas e reais, a novelística popular, o romance picaresco espanhol, o poema cavalheiresco e também aspectos da literatura francesa (DE CAPRIO, 2003, p. 21- 59). Nesse meio, de conteúdos elaborados tendo como base temas mundanos e laicos, se projeta a literatura jesuítica, quase sempre em forma de tratado, que se vê na obra de Daniello Bartoli (1608-1685), autor empenhado em contar a Istoria della Compagnia di Gesù, de 1648, e na obra de Torquato Accetto (1586- 1598), autor de Della dissimulazione onesta, de 1648. Os versos desse último, segundo Croce, “sono un po’ prosaici e stentati, ma semplici, e dimostrano un animo fine. Nobile era la sua ambizione di segnare alcuna traccia di sé con la poesia” (1931, p. 83). Em forma de tratado é também a prosa científica de Galileu Galilei, com seu Dialogo sopra i massimi sitemi, escrito entre 1629 e 1630, não em latim, mas em vulgar, e de Emanuelle Tesauso (1592-1675), autor de Il cannocchiale aristotelico, publicado em 1654. Tesauro é reconhecido pelo entusiasmo que tem ao lidar com a arte e a língua do seu tempo, bem como por colocar “il concetto di argutezza al centro di una doviziosa e accurata analise del parlar figurato” (DE CAPRIO, 2003, p. 85). Com a afirmação do toscano como língua nacional, os dialetos, distintamente, são usados na comunicação oral, nas circunstâncias usuais da vida cotidiana. Em alguns momentos, o uso deles garante maiores possibilidades de expressão, em relação à língua “culta”. Benedetto Croce, em seu ensaio “Letteratura dialettale riflessa, la sua origine nel Seicento e il suo ufficio storico”8, recolhe e condensa toda a problemática da questão, que aparece já no título: o conceito de literatura “riflessa”, a sua origem e a sua função. Segundo Croce, trata- se de uma literatura “riflessa o d’arte”, onde os textos se diferem daqueles populares e espontâneos, justamente porque seus autores faziam do dialeto uma escolha voluntária e consciente, uma vez que também escreviam em italiano; talvez motivados pelo prestígio sóciolinguístico que esses textos possuíam, e pela sua ampla difusão entre a população, explica o filósofo (1943, p. 226). A significativa elaboração de obras literárias em dialeto que os séculos XVII e XVIII apresentam é um dos tantos aspectos que

8In: CROCE, Benedetto. Uomini e cose della vecchia Italia. Bari: Laterza, 1943. 33

distinguem a história cultural e literária italiana, com destaque para as obras do napolitano Giambattista Basile (1575-1632), que registra o seu primeiro texto em dialeto napolitano em um prefácio à edição de 1615, ao poema Vaiasseide, de seu amigo Cortese. Basile escreve também em dialeto Le Muse napoletane, Lettere e Lo cunto de li cunti overo lo trettenemiento de’ Peccerille, sua obra mais importante.9 Essa última chega ao conhecimento comum, escondida entre as coisas “che non si potevano ben dire se non in dialetto [...]” (CROCE, 1943, p. 228), senão pelo fato de Basile ter sido o primeiro autor a elaborar uma coletânea de contos, com temas fabulísticos populares, “approfondendo e rendendo umano il nudo e schematico fiabesco” (CROCE, 1925, p. XXVI), através (re)traduções que passaram a fazer parte de vários sistemas literários. Com sua literatura, envolvendo as obras de Masuccio Salernitano, Il Novellino (1476) e de Pompeo Sarnelli, Posilicheata (1648), Basile deixa para trás os últimos resíduos de temas realísticos presentes no então movimento novelístico napolitano que acontecia entre os séculos XVI e XVII. Entre a prosa de Salernitano, cuja narrativa traduzia em ajustes e tentativas os motivos boccaccianos, alavancados pelo eros, e a de Sarnelli, que se ocupou em organizar guias históricos da cidade de Nápoles, se confina, segundo Adriana Mauriello, a parábola de uma tradição narrativa bastante singular, empenhada em conquistar seu espaço e seu reconhecimento, submetendo-se, talvez por isso, a uma contínua metamorfose confirmada na obra de Basile 2007, p. 25. O feito de Basile foi ter tirado do protagonista de seus contos o arbítrio de suas ações, transferindo-o para ogros, fadas, animais e árvores falantes. Mas, os recursos que esses personagens usam para que a história tenha um final feliz não bastam para fazer a diferença. Para tanto, explica Mauriello, é preciso entrar no campo linguístico e experimentar soluções inéditas, “imboccando la strada del dialetto: ed è cosi che la fiaba diventa ‘cunto’” (2007, p. 33),. Mas a Itália, naquele momento, não consegue absorver essa subjetividade literária, e não “divulgou”, a seu contento, personalidades autenticamente excepcionais (GETTO, 2000), embora autêntica tenha sido a intenção dos poetas e artistas barrocos de buscar novas formas de

9Entre os autores que escreveram em dialeto estão os napolitanos (1570-1640), com destaque para Vaiasseide (1612) na qual dá voz a um povo do qual se sente internamente próximo, ao mesmo tempo em que mostra uma adesão espontânea do dialeto falado; Felippo Sgrutendio de Scafato, autor de La tiorba a Taccone, cuja identidade é incerta (CROCE, 1911, p. 38). 34

interpretação à vida e à arte, expressa em uma literatura de inspiração subjetiva, que visa refletir a relação entre passado e presente, e que se abre para os séculos sucessivos, seja por afinidade ou por analogia. Relacionar passado e presente leva Ezio Raimondi a organizar um conceito de modenidade do período barroco, percebida nas artes, na música e na ciência, e bem menos na literatura, naquela italiana, em particular. Talvez, em consequência disso, o barroco literário, pelo menos italiano, não tenha recebido uma certificação de acesso às normas canônicas. Mesmo assim, ele diz que

Duvunque si volga lo sguardo critico, ora interrogando le forme figurative, ora le forme letterarie, emerge in modo inequivocabile che tutte e due queste esperienze del nostro tempo si sono nutrite della cultura barocca e hanno stabilito un vincolo permanente con quell’universo, facendo di esso l’origine di una modernità insieme artistica e spirituale (1995, p. 10).

A Itália barroca, segundo Croce, produziu conteúdos universalmente conhecidos no campo das artes, da ciência e da música, mas, no universo literário, alguns pontos não foram suficientemente explorados e aprofundados. Por exemplo,

La poesia sensuale e impressionistica, che si svolse o tentò di svolgersi dalla corruttela dell’umanesimo; quella arguta ingegnosa e autoironizzante che sorge dalla corruttela del petrarchismo; la poesia musicale; gli acceni di quella grotesca e un certo crudo realismo, che si manifestò segnatamente nella commedia dell’arte e che non fu senza effetto sul Goldoni (come sul Gozzi il mondo fiabesco, evocato per primo dal secentista Basile); la prosa di allora, che non seguì sempre, come si suole affermare, la tradizione boccaccesca e cinquecentesca, ma predilesse di frequente i periodetti brevi, sentenziosi e pungenti, e risentì l’influsso precipuamente di Seneca e di Tacito, e preparò l’agile prosa moderna; questi fatti e queste tendenze restano ancora da esplorare largamente e a fondo (1911, p. XX).

35

Por certo, é dificil descrever, na sua complexidade, um período histórico, tanto mais porque um período como o do Barroco, que reflete algo diferente: um estado de maturação em relação ao passado e à tradição, que indica elementos de novidade para as gerações sucessivas. Nesse sentido, é preciso reconhecer que o Barroco centraliza, na sua poética e na sua estética, temas fundamentais para essa modernidade, que se traduz em conscientização, bem mais que em conhecimento. Cabe aqui, citar Raimondi, quando ele diz que no Seiscentos

[...] non si ha soltanto la scoperta della scienza moderna della natura, ma anche della scienza dell’uomo, dell’antropologia, con l’analisi dei comportamenti, delle apparenze, della guerra permanente dell’uomo con gli altri uomini, in una realtà complessa dominata dal potere, mentre la società si incammina verso la costituzione degli stati assoluti e il singolo deve imparare a governarsi in un universo divenuto più buio e minaccioso (1995, p.12).

Sobre essa modernidade, Getto (2000, p. 427) diz que a época barroca, nas suas múltiplas dimensões, é uma interpretação real da vida que equivale a uma interpretação espiritual impregnada de certa conduta religiosa e filosófica; na busca sempre mais aprofundada, a única certeza que brota entre os escritores barrocos é a conscientização da efemeridade de todas as coisas, na aparência, quase sempre relativizada, das relações entre elas, na instabilidade do real. Nessa efemeridade, nessa relatividade que dinamiza o Barroco, se insere vivazmente a arte de Basile, que se renova e assume um preciso significado: “e quei germi fantastici che sarebbero altrimenti rimasti sterili, mentre giungono a maturazione, diventano [...] simboli eloquenti del nuovo sentimento del reale” (GETTO, 2000, p. 313). Certamente, o aspecto mais conotativo do Cunto é o dialeto napolitano, ou melhor, o que esse dialeto se torna sob a batuta do autor. Esse mesmo dialeto não impediu a circulação europeia do Cunto naquele momento histórico, mas conteve a fruição em tempos atuais, pelo menos na língua original. Todavia, as traduções da obra se difundiram, todas mais ou menos satisfatórias, dada à objetiva dificuldade de interpretação da rica língua em que fora escrita. Vemos, portanto, a importância da tradução literária cujo processo está destinado a alongar-se no tempo, garantindo a sobrevivência de uma obra. 36

2.2 O AUTOR

Non è chiù cosa goliosa a lo munno, magne femmene meie, quanto lo sentire li fatti d’ autro, né senza ragione veduta chillo gran felosofo mese l’utema felicità dell’ommo in sentire cunti piacevole, pocca ausolianno cose de gusto se spapurano l’affnne, se da sfratt a li penziere fastidiuse e s’allonga la vita, pe lo quale desideri vide l’artisciane lassare le funnache, il mercante li trafiche, li dottore le cause, li potecare le facenne; e vanno canne apertele varvarie e pe li rotielle de li chiacchiarune sentenno nove fauze, avise ‘mentate e gazzette ‘n aiero. Basile

Giambattista Basile nasceu em Nápoles por volta de 1575, e morreu, improvisamente, vitimado por uma epidemia no inverno, entre 1631 e 1632, depois de uma erupção do Vesúvio, e foi sepultado na Igreja de Santa Sofia, em Nápoles. Basile foi soldado e esteve aos serviços do exército de Veneza, na luta contra os turcos. Enquanto seria na influente colônia veneta ele encontra a oportunidade de demonstrar, pela primeira vez, as qualidades literárias que tinha, e é acolhido na Accademia degli Stravaganti, fundada pelo nobre Andrea Cornaro. No verão de 1607, participa do último serviço como soldado, completando suas obrigações militares. No ano seguinte, retorna à cidade natal, desejoso de se dedicar à atividade de escritor: de 1608 a 1612 consegue uma pequena, mas sólida notoriedade como poeta. Escreve em italiano Il pianto della Vergine (imitação de Lagrime di S. Pietro, de Luigi Tansillo); em 1609 agrupa uma série de composições no pequeno volume Madrigali et Ode, quase todas de argumentação comemorativa. Em 1611 publica Le avventurose disavventure (1611), um texto com indicações teatrais que é, para Croce,

[...] una delle solite favole marittime, col solito rapimento dei Turchi, che serve a confondere lo stato civile dei personaggi, coi soliti 37

innamoramenti che sbagliano il proprio oggetto, con la solita donna che va pel mondo in abito maschile, coi luoghi comuni del pastore o pescatore che non ama, dell’età aurea, dei lamenti contro i capricci della fortuna, e coi riconoscimenti e matrimoni finali (1911, p. 11).

Um repertório, portanto, bastante explorado que esconde, taticamente, uma necessidade que vai além de um consenso literário. Nos anos imediatamente sucessivos – que o encontram entre os fundadores da Accademia degli Oziosi, instituída em 1611, e em seguida, por um breve tempo, em Mantova, junto à corte dos Gonzaga – Basile publica uma série de trabalhos de mesma natureza: Egloghe amorose e lugubri (1612) e um drama musical em cinco atos, Venere addolorata, além de novas edições de Opere Poetiche, e a segunda parte de Madrigali et Ode (1613). Além dessas vinculadas composições, Basile se ocupa das edições das Rime di M. Pietro Bembo degli errori di tutte le altre impressioni purgate, aggiuntevi le osservazioni, le varietà dei testi e la tavola di tutte le desinenze delle rime, Nápoles (1616); Rime di M. Giovanni della Casa, riscontrate coi migliori originali e ricorrette (1617); Osservationi intorno alle rime del Bembo e del Casa con la tavola delle desinenze delle rime e con la varietà dei testi nelle rime del Bembo (1618) e a primeira edição das Rime de Galeazzo di Tarsia (1617). Em 1619 escreve Aretusa; em 1630 publica Sacri Sospiri e dois outros textos, Canzoniere, em língua italiana e espanhola, e Monte Parnaso, um texto para teatro, com música de Giacinto Lombardo. Escreve também Teagene, texto publicado postumamente em 1637, no qual ele faz uma releitura do romance grego Storie Etiopiche, de Heliodoro (CROCE, 1911, p. 4). Sob a “maschera anagrammatica”10 de Gian Alesio Abbattutis se esconde outra identidade de Basile, que é responsável por expressar, em dialeto napolitano, e de maneira bastante autêntica e criativa, os contrastes sociais, tanto quanto revelar um mundo indefinido e multifacetado, e os rascunhos de vida exaltados pela magia e pelo sonho da gente napolitana11. A propósito, Raffaele La Capria diz que

10CROCE, op. cit. 1911, p. 25. 11Algumas razões podem levar um autor a escolher um nome fictício. Ele pode, por exemplo, “por razões sociais, reconhecer obras sérias e profissionais e cobrir com um pseudônimo, obras romanescas ou poéticas a que ele, pessoalmente está mais ‘apegado’” (GENETTE, 2009, p. 51). Nesse caso, o 38

Scrivere in italiano e scrivere in dialeto sono due cose diverse, perché il dialetto a Napoli può contare su una buona dose di complicità e di consenso precostituito, mentre la lingua non può, li deve creare per virtù propria. E questa complicità, questo consenso implicito nell’uso del dialetto, questo ammiccamento, si paga perché è il più delle volte un limite che riguarda non solo l’espressione verbale, ma i sentimenti e i pensieri. (2009, p. 314).

O primeiro escrito em dialeto é uma correspondência, ou melhor, uma dedicatória A lo re de li vienti, que serve de prefácio ao “poema” Vaiasseide, de seu amigo Giulio Cesare Cortese, publicado em Nápoles, em 1612. Também são em dialeto as cinco cartas escritas entre 1604 e 1615, cujos títulos são: “Comme voi frate mio”, “A L’Uneco Shiammeggiante”, “A lo settemogneto de Messere”, “A notare cola Maria Zara” e “ Alo muto lostriss emo”, nas quais, segundo Petrini, é possível perceber um “copiscuo anticipo della prosa del cunto”. O dialeto volta nas nove éclogas em versos, as quais ele dá o nome Muse napolitane, obra publicada em 1635, e em Lo cunto de li cunti, overo Lo tratenemiento de’peccerille, publicada entre 1634 e 1636. O uso do dialeto napolitano pode ser explicado, seguindo as linhas do quadro histórico e cultural da cidade de Nápoles, no século XVII. A cidade de se apresenta como uma das grandes cidades da Europa, capital do vice-reinado espenhol; mostra uma realidade bastante complexa, com uma cotidianidade feita de objetos comuns, de gente comum e de lugares comuns. Do ponto de vista literário, conforme observa Petrini, há entre os escritores napolitanos certa inquietude, uma vontade vaga, quase nostálgica, historicamente pouco sustentável, de um governo “popolare”, dada a desintegração moral e material em que se encontra a cidade, especialmente pela falta de uma sólida classe burguesa, e por uma série de revoltas primordiais de crises de valores tradicionais (1989, p. 165). Basile descortina essa realidade em uma literatura que acontece entre dois momentos históricos bastante significativos: a revolta de 1585 e a de Masaniello, em 1647. Nesse período, conforme Petrini, a pseudônimo projeta uma personalidade literária, cujos propósitos de escrita, podem ser traduzidos a partir do efeito que esse nome fictício produz no leitor. 39

literatura em dialeto, com a sua característica de mero entretenimento (é assim que são apresentados os cunti), é considerada pela crítica contemporânea, uma literatura “minore” o “popolare”, no sentido de elementar, incapaz de organizar seus enredos com temas complexos (1989, p. 170). Entretanto, diz ele, se forem observadas algumas considerações bastante pertinentes, temos uma literatura dialetal “con una sua più o meno forte (a volte fortissima) tensione dramática” (p. 170); e isso já percebe Croce, ao falar de “letteratura dialettale riflessa” (1943, p. 226), dando ao adjetivo um valor de complexidade e de positividade. Uma parte significativa dessa literatura “riflessa” acontece nos suntuosos e poucos convencionais espaços dos palácios do Reino de Nápoles. Ali, nos momentos festivos, um narrador, vestido a rigor, se posiciona, dá um passo a frente e conta suas histórias. Na interpretação de Calabrese o cenário é este: “da un canto le parole seguono il gesto della mano, e quase vi si innestano in un connubio opaco, dall’altro esse si combinano in un astratto quadro di fiaba che può trovare un corrispettivo solo nel ritmo oblifero dei telai” (1984, p. 85). Calabrese associa esse quadro a uma teoria oculta e totalmente barroca12 que invoca “l’utopia di una scrittura che sappia nuovamente trovare entro di sé le trace di una manualità romanzesca, di una voce fisicamente ‘framed’ nel trepestìo operazionale del quotidiano” (p. 86). Então, como um artesão, o narrador parece obedecer a um ritual. As palavras dele se entrelaçam e se envolvem, exatamente, como os fios em um tear, ambos em um contínuo movimento das mãos, que relembram alguns gestos triviais da Comédia de arte, dos saltimbancos; juntamente improvisa alguns passos de dança, recita provérbios e cantarolas.13 Basile é o

12A difusão dos “versi intessuti” (combinações poéticas, evidenciadas no interior de um texto, de modo a ser o mesmo que cria uma imagem, uma figura) começa a manifestar-se no início do século XVII, modelando-se sob o exemplo de Rabano Mauro. Em 1613 um grupo expressivo de anagramas aparece em duas coletâneas poéticas: uma de Giambattista Basile (Opere poetiche), outra de Domenico Carrega. Em Basile os anagramas formam uma seção autônoma que conta vinte e quatro madrigais ou sonetos, quase todos dedicados às personalidades napolitanas. Em 1624 Basile publica uma coletânea de anagramas dedicada, exclusivamente, às mulheres napolitanas e, em 1630, publica I sacri Sospiri, de inspiração religiosa (POZZI, 2002, p. 189-231). 13Walter Benjamin acrescenta que “la arte di narrare storie è sempre quella di saperle rinarrare ad altri, ed essa si perde se le storie non sono più ritenute. Essa si perde perché non si tesse e non si fila più ascoltandole... Quanto più dimenticato di sé l’ascoltatore, tanto più si imprimi in lui ciò che ascolta. Se è 40

protagonista e se junta ao quadro histórico, diluído e metamorfoseado nos arabescos das histórias encantadas, endereçadas aos nobres da corte vigente como forma de entretenimento. Segundo Serrao, Basile se expressa,

dunque, nella lingua del luogo, ricondotta ad una “normatività” creativa e di comunicazione che, tuttavia, non può ignorare quegli apporti, comunque presenti nel tentativo di “purismo” linguistico praticato dai poeti. Tale letteratura scopre la possibilità di alcuni registri parodici e satirici, mettendo in forma di genere letterario materiali inusuali nella operatività corrente in lingua toscana e crea scandalo: la trasgressione e l’incontrollabilità sono i caratteri marcati di una produzione che si situa in uno spazio mediano fra cultura aulica e cultura “bassa” dei gruppi marginali. È una letteratura che ha ad argomento i comici moti dei villani, ma come modelli i generi della letteratura aulica (2005, p. 8).

Para Vittorio Imbriani, essa literatura marcou o século XVII:

Il Seicento fu il secolo de’ napoletani: il seicentismo fu cosa napoletana; ne’ meridionali è natura, negli altri è sforzo. Quando finalmente ci faremo a studiar sul serio quell’inclito secolo, riconosceremo, che il magior numero di grandi nomi letterari, ch’abbia prodotti, sono di meridionali: meridionali il Marini, lo Stigliani, il Basile, lo Sgruttendio, il Rosa, il Muscettola, il Cortese, il Camplanella, il Gravina; che valevan (se non altro) un po’ meglio de’ Chiabrera, de’ Testi, dei Bracciolini, de’ Lemene, de’ Guidi ed altri ingiustamente esaltati, quando come poeti non si levarono al di sopra della mediocrità. Ed i difetti del secolo [...], furono difetti napoletaneschi, difetti d’un popolo che ha più immaginazione che fantasia, più acume ed arguzia che sentimento e passione; il quale rimane con la occupato dal ritmo del lavoro, porge ascolto alle storia in modo che la facoltà de rinararle a sua volta gli si trasmette naturalmente. Questa è la rete su cui si fonda l’arte del narrare” (1995, p. 255). 41

testa fredda in mezzo agl’impeti più selvaggi ed arzigogola e sofistica anche quando sragiona. Questa parte del carattere comune Italiano è più spiccata nei Napoletani e si manifesta soprattutto nella letteratura del Seicento (1994, p. 631).14

Basile, com sua literatura em dialeto, dá continuidade ao que em tempos precedentes circulava em composições como a de Giovanni Boccaccio, que escreveu uma carta em dialeto napolitano endereçada a Francesco dei Bardi, intitulada Janetto di Parise, cujo conteúdo, na opinião de Croce estava “[...] imbevuto da una parte del latino curiale e dall’altra del toscano” (1911, p. 25). Basile dá continuidade, também a uma atividade cultural bastante praticada em Nápoles, manifestada em várias situações. Esses eventos aconteciam em ambientes públicos e se valiam do “napoletano delle villanelle”. Villanelle, segundo Serrao (2005), é uma espécie de canção agreste, polifônica, de inspiração popular, a maioria delas parodiava textos clássicos e optava por composições de caráter cômico e sentimental, adaptáveis para o teatro. É nesse meio, e com essa vivacidade, que nasce Lo cunto de li cunti. Especificamente nessa obra, Basile conjuga o esquema narrativo dos contos de fadas/ou maravilhoso, e a tradição popular, que se entrelaçam, situando a obra à época e à conveniência do dialeto, ao mesmo tempo em que a projeta para o futuro. Esse mesmo dialeto ganha respaldo nos exercícios tradutórios a partir do século XIX, e ganham escala nos séculos XX e XXI, se apresentando ao tradutor com características de um manuscrito. Após discorrer brevemente sobre a vida e a atividade literária do autor, a seguir será tratado o Cunto, com ênfase na sua fortuna crítica, na sua forma e conteúdo. A obra se apresenta como sendo um lugar de interseção entre o barroco culto (grifo nosso) e a cultura popular, entre a escolha do dialeto e os artifícios retóricos, entre maravilhoso e moralismo, entre os sinais do tempo presente e os traços de um imemorável passado.

14Esse ensaio de Imbriani, Il gran Basile, foi publicado no Giornale napoletano di filosofia e lettere, em Nápoles,1875. O texto está como Apêndice na tradução italiana de Lo cunto de li cunti, feita por riggero Guarini. O ano e a página, ao final da citação, são da referida tradução. 42

2.3 LO CUNTO DE LI CUNTI

Dice che cera na vota lo re de Valle Pelosa, lo quale avea na figlia chiamata Zoza che, [...] non se vedeva mai ridere [...] Basile

Nos raros documentos que testemunham os últimos anos de Basile não existe traços da circulação do Cunto ou de um prototexto. Postumamente a obra é publicada em Nápoles com o título de Lo cunto deli cunti overo Lo Trattenemiento de’ Peccerille, em cinco volumes separados, um volume para cada dia, entre 1634-36: I e II por Ottavio Beltrano; III e IV por Lazaro Scoriggio, e o V volume, novamente por Ottavio Beltrano. Dessa edição se tem notícia de três exemplares completos na Biblioteca Nazionale Braindense di Milano; na Biblioteca Nazionale di Palermo; na Biblioteca Nazionale di Torino, e quatro não completos em Berlim, Staatsbibliothek: terceira, quarta e quinta jornadas; em Florença, na Biblioteca Nazionale: terceira, quarta e quinta jornadas; em Nápoles, Biblioteca dell’Istituto di Studi Storici: quarta e quinta jornadas e, em Paris, Bibliothèque Nationale de France: quarta e quinta jornadas. Segue o elenco dos cinco volumes que compõem a primeira edição, conforme a descição de Michele Rak (1986, p. 1025- 1028).

43

Figura 1: Tavola delli cunti

Fonte: BORSELLINO & PEDULLÁ, 2004, p. 278.

1º volume Lo cunto deli cunti, overo Lo Trattenemiento de’ Peccerille. De Gian Alessio Abbattutis. In Napoli. Appresso Ottavio Beltrano, 1634. Con licenza de Superior. pp. [viii] [i] frontespizio, [ii] bianca, [iii-vi] dedica, [vii] bianca, [viii] Tavola de li cunte  1-160. La dedica a Galeazzo Francesco Pinello duca dell’Acerenza, marchese di Galatone, signore di Cupertino, Veglie, Liverano e Giuliano è datata Napoli, 3 gennaio 1634. L’impresa dello stampatore è un albero con un cartiglio Non tangitur igni.

2º volume Lo cunto deli cunti, overo Lo Trattenemiento de ‘Peccerille. De Gian Alessio Abbattutis. Iornata seconna. In Napoli. Appresso Ottavio Beltrano, 1634. Con licenza de Superiori. 44

pp. [iv] [i] frontespizio,[ii] bianca,[iii-iv] dedica,  1-106  [107] bianca  [108] Tavola delli Cunti. La stessa impresa dello stampatore Napoli 1634.

Figura 2 - Imprimatur

Fonte: http://www.balletto.net

3º volume Lo cunto delli cunti, overo Lo Trattenemiento de ‘Peccerille. De Gian Alesio Abbattutis. Iornata terza. In napoli. Per Lazzaro Scorriggo, 1634. Con licenza de Superiori. pp.[ii] [i] frontespizio, [ii] bianca, 1-126 (nella pagina della chiusura la Tavola de li cunti e un imprimatur s.d, : Felix Tamburellus Viv. Gern. Mag Fr. Dominicus Gravina Ord. Praedicator. Deput. vidit). L’impresa, una fenice nel fuoco che guarda il sole, è anche nell’edizione Napoli 1637 (1ª giornata) e nell’edizione cavallo 1645 (1ª giornata, chiusura).

4º volume 45

Lo cunto deli cunti, overo Lo Trattenemiento de ‘Peccerille. De Gian Alesio Abbattutis. Iornata quarta. In Napoli. Per Lazzaro Scorriggio 1635. Con licenza de’ Superiori (sic), pp [viii] [i] frontespizio, [ii] imprimatur. Felix Tamb. Vic. Gen. M.F. Dominic Gravina, Ord Praed. Cur. Archie. Theol. Dep., [iii-v] Al molto illustre Signor mio, e Patrone colendissimo. Il Signor Giuseppe de’ Rossi e Bavosa, Barone di Castelnuovo, [vi] lirica di Haratio Comite, [vii] Tavola de li cunte, [vii] bianca, [ix] altro frontespizio  3- 152. Alla dedica, firmata da Gio Antonio Farina e datata Napoli 20 luglio 1635, seguiva una lirica dedicata allo stesso Giuseppe de ‘Rossi da Horatio Comite.

5º volume Lo cunto deli cunti, overo Lo Trattenemiento de’ Peccerille. De Gian Alessio Abbattutis. Iornata quinta. In Napoli. Apresso Ottavio Beltrano, 1636. Con licenza de Superiori. pp.[xii] [ii] frontespizio, [ii] bianca, [iii-v] dedica Al molto Illustre, e molto Reverendo Signor mio osser. Il Sgnor D. Felice di Gennaro. Nella Sacra Theologia Maestro, e del Segnore Giulio Cesare Cortese, [ix] bianca, [x, xi] soneti, [xii] Tavola De li Cunte, 1-96.

Em 1637 houve uma nova edição das duas primeiras jornadas, em Nápoles, aos cuidados de Ottavio Beltrano, e em 1645 e 1654 foram reeditadas a terceira e a quarta, por Camilo Cavallo; a quinta edição foi reeditada em 1674, promovida por Antonio Bulifon, sob os cuidados de Pompeo Sarnelli. Essa edição serviu de base para todas as sucessivas: em Roma, 1679, 1697, 1714, 1722, 1728 e 1749, culminando na edição napolitana de 1788, incluída na coleção Tutti i poemi in lingua napoletana, aos cuidados de Giuseppe Maria Porcelli (Croce, 1911, p. 71). Conforme as informações de Croce (1911, pp. 78-79), nesse período, Lo cunto foi traduzido para o dialeto bolonhês, pelas irmãs Maddalena e Teresa Manfredi e Angela Zanotti, com o título La chiaqlira dla banzola, o per dir mìi fol divers tradôtt dal parlar napulitan in lengua bulgneisa, publicada em 1713. Trata-se da primeira tradução interlinguística do Cunto (de um dialeto para outro dialeto), na qual foram omitidas as divisões em dias, as éclogas, as introduções a cada uma das jornadas e a cada fábula; a introdução foi reduzida, ao final da quadragésima fábula segue a quinquagésima como Conclusão, e também a linguagem barroca de Basile deixa de ser predominante. Em 46

1754 tem-se registro de uma tradução anônima com o título de Il conto dei cunti, trattenimento dei fanciulli, na qual o tradutor também excluiu as éclogas e alguns contos, acrescentou outros e mudou também os nomes dos personagens. Pelas descrições de Croce, e também pela visão que se tinha sobre a tradução15, percebe-se que essas edições foram remanejamentos de conteúdo e de estilo, tentativas de adaptação para tornar a obra aceitável e adequada ao gosto de um século que restaurava as suas convicções, longe das exasperações barrocas. O texto fabulístico, pela sua natureza, isto é, por ser um texto pluralista, dinâmico e infinito, colabora para o exercício de tradução, não só nesse período, pois permite ao tradutor exercer a liberdade de atribuir-lhe novos significados, seja no histórico percurso de uma tendência literária, seja na correlação com a “arte del tessere”, como quer Calabrese (1984). Para ele, entrelaçando geométricas relações e reproduzindo-se linearmente, a arte de contar histórias é o produto de uma serena totalidade cósmica, absorvida e apreciada: “sia che tessa, sia che si appresti a un racconto, essa compie un lavoro di relazione. Annoda. Intreccia. Non sa differire il piacere di una coesione, di un’orditura omogenea se non per affidarsi al tracciato sinuoso di un filo” (1984, p. 75-76). E, acrescenta que

[...] nei postulati della moderna ermeneutica, autore e lettore non sono tuttavia soltanto dei “legatori”, come proponeva Dante, ma l’uso della lana e della forbice è divenuto altretanto necessario in chi sia reso conto che il filo portoci da Ariana può incatenarci nella epoché di una domanda insolubile. Il filo diviene allora qualcosa che deve essere steso, plasmato secondo una figura lineare oppure armonicamente serpentinata; ma possiamo anche tessere questo filo con molti altri sino ad ottenere la trama fitta di un tessuto e l’ordine di un tragitto da ripercorrere. Infine potremmo avvolgerlo sino a trasformare la sua temibile estensione [...] nel volume simmetrico di una sfera, di un gomitolo (1984, p. 96).

15No século XVIII, há uma preocupação do tradutor em relação ao leitor. A vontade de tornar compreensível a essência do texto leva a remanejamentos para adptá-los a contemporeidade da língua (BASSETT, 2009, p. 87). 47

Sobre tecer com palavras, Basile o faz com a gratuidade do fato de que uma rainha, de posse de um brinquedo fadado, cuja magia consiste em suscitar, em quem o possui, a vontade incontrolável de ouvir contos, dá continuidade aos quarenta e nove contos, onde o ato de tecer implica a ideia de uma produção textual. Para dar forma a esse desenho, textual e artístico, Basile trabalha uma seleção de gêneros literários que vai desde as primeiras leituras de As mil e Uma noites à literatura clássica com suas mitologias e suas alegorias: Apuleio e Ovídio; a lírica petrarquiana; a fala e as histórias populares, com as suas representações teatrais, sempre em consonância com os costumes vigentes em sua época. Basile, ao inserir literariamente contos em uma ação que é também um conto, por sua vez, remete ao Decameron, de Giovanni Boccaccio e às Mil e uma noites, na qual, como se sabe, há uma princesa que reenvia a própria sorte, prendendo a atenção de um príncipe com suas histórias. Quando Pompeo Sarnelli, em 1674, se ocupou da quinta edição da obra de Basile, a ofereceu não somente a um ilustre senhor das leis, mas também ao público, “Il Pentamerone/ Del Cavalier/ Giovan Battista Basile, /overo Lo cunto de li cunti/ Trattenemiento de li Peccerille/ di Gian Alesio Abbattutis/ Nuovamente ristampato, e co tutte le zeremonie corrietto” (RAK, 1986, p. XXIV), certamente o reportou a um Decamerone partido ao meio, pensado e elaborado, segundo o seu modelo. Por certo, conforme Getto, “non si può leggere il Pentamerone senza pensare al Decamerone.” (2000, p. 296). Mas, ele ressalta que

sarebbe senz’altro meglio escludere dalle intenzioni del Basile ogni ricerca di effetti parodistici, sia rispetto al Barocco, sia rispetto al Decamerone. [...] Cornice e novelle sono concepite come se l’autore tenesse presenti da un lato l’immobile perfezione del modello boccacciano e dall’altro la irrequieta visione del mondo della contenporanea civiltà barocca. Si verifica così una specie di variazione di quel modello, la quale avviene secondo la direzione imposta dalla nuova sensibilità, una variazione che è già di per se stessa frutto di quel gusto capriccioso, di quel desiderio di rottura di vecchi schemi che contraddistingue il Barocco. (2000, p. 297). 48

Mas, enquadrar histórias em uma narrativa moldura ou de encaixe16 não é um procedimento inovador. Todavia, nenhuma casualidade histórica ou alguma peripécia do destino justifica a “cornice” arquitetada por Basile, como é justificada no Decamerone. A sua “brigada” é composta por seres sobrenaturais e extranaturais da mitologia popular: fadas, ogros, animais falantes, vegetais e minerais da mais prodigiosa virtude, e assim por diante. Uma leitura crítica de Michelangelo Picone, que se entende não para explicar e nem para explorar o sentido da obra literária, mas para descrever o funcionamento do sistema produtor de significação, sublinha algumas aproximações e alguns distanciamentos entre a obra trecentista e a coletânea napolitana. Ele observa que

[...] Se l’ispirazione di Boccaccio proveniva da fonti storicamente attestate, l’ispirazione di Basile deriva dal gran libro della natura umana; il primo dialogava con testi determinati e definiti nel tempo, il secondo registra le voci di una cultura antropologica senza tempo (2004, p. 109).

Sabe-se que Boccaccio dialoga com textos determinados no tempo, e que Basile registra as vozes de uma cultura antropológica, sem tempo. Nas palavras de Salvatore Nigro,

Se Boccaccio aveva scritto “novelle piacevoli”, Basile scrive “cunti piacevoli” per “utema felicità” (cioè per “il fine felice” del novellare, esplicitato da Panfilo in Decameron,V1). Tuttavia i “cunti non sono novelle verossimili; [...] Appartengono al repertorio mirabolante di un venditore di fortune: imbonitore, banditore, suonatore di putipù. Sono, continuando la stringente triplicazione boccacciana, “nove fauze,

16 Para Todorov, “o encaixe é uma explicação da propriedade mais profunda de toda narrativa. Pois a narrativa encaixante é a narrativa de uma narrativa. Contando a história de outra narrativa, a primeira atinge seu tema essencial e, ao mesmo tempo, se reflete nessa imagem de si mesma; a narrativa encaixada é simultaneamente a imagem dessa grande narrativa abstrata da qual todas as outras são apenas partes ínfimas, e também da narrativa encaixante que a precede diretamente” (2004, p. 126). 49

avise ‘mentate e gazzete ‘n aiero”: novità fresche e gazzette” di un altrove prodigioso e magico che, consapevole della propria non-verità di castello privo di suolo su cui poggiare, è abitato da un capriccio ventoso che è il sogno di conquista della natura e della società senza riscontro alcun con la realtà (2007, p. 295).

Já, Mario Petrini acredita em um distanciamento entre as duas obras, e destaca alguns elementos contrastantes. Em primeiro lugar, a dimensão “magico-fiabesca”, e aparece logo na Introdução: há uma princesa que não sorri. Esse motivo é lendário e tipicamente fabulístico, vem acompanhado do intento difícil e perigoso de fazê-la sorrir; depois o príncipe adormecido, a tentativa de acordá-lo, a ajuda das fadas, a rival feia e malvada, o engano, os recursos aos objetos mágicos, o reencontro com o príncipe, o encanto do brinquedo, a vontade exagerada da falsa princesa, e por fim, a organização da narrativa. Essas diferenciações, segundo o Petrini, acontecem de modo compacto e de forma absolutamente original, combinando outros elementos, com destaque para o “realistico quotidiano” (1989, p. 54). Visitando ou não a obra boccacciana, as razões que motivaram a escolha poética de Basile, em relação àquela decameroniana, pode ser demarcadas, em alguns aspectos do texto: uma delas pode ser, talvez pela necessidade, que ele sentiu, de dar ao Cunto uma qualidade retórica, uma projeção que o distanciasse da novela pensada por Boccaccio, e com isso, se protegesse, retoricamente, daquelas intenções polêmicas, que sustentam ser a obra de Basile, a reprodução de um novo Decamerone, explica Petrini (1989). De resto, considera-se a motivação encantatória um ponto divergente entre essas duas obras: em o Decamerone é o caos histórico da peste, na obra napolitana é um brinquedo fadado que contagia quem é atingido por de um “omore malanconeco de sentire cunte” (Basile, 1634-36, p. 22).17 O póstumo título de Pentamerone se justifica pela estrutura. Sob a trama de uma princesa que não sorri, Basile constrói uma estrutura hierarquizante: o conto narrado na “Introdução”, primário e condutor, sela-se com a “Conclusão”, quando a protagonista não contará outra

17Todas as citações em napolitano são extraídas da edição que acompanha a tradução de Lo cunto de li cunti, de Michele Rak, de 1986, como também as traduções em italiano do texto napolitano. Nas próximas citações serão citados como referência apenas o número do conto, seguido do número da página. 50

história, mas a sua própria desventura, sob a forma de história vivida e não “inventada”. Não se trata de um conto especial, mas sim de um conto que está subordinado aos outros, enquanto os precede, os acompanha e os conclui: é o conto que faz começar e terminar o processo fabulístico imaginado por Basile e que pode ser resumido dessa forma: Era uma vez uma princesa de nome Zoza, que jamais havia estampado um sorriso em sua face. Seu pai, o rei de Vallepelosa, depois de tantas tentativas, a fim de ver estampado um sorriso no rosto de sua amada filha, faz construir, na praça diante do palácio real, uma fonte que jorra óleo, esperando que os que por ali passassem dessem saltos acrobáticos ou escorregassem no óleo, e essa cena cômica suscitasse o riso da princesa. O riso veio, mas não da forma pensada pelo rei, e sim de maneira grotesca18: certo dia uma velha se aproxima da fonte e enche um pote com o óleo. Um rapaz que passava por ali derruba propositalmente o pote. Irrompe entre eles uma série de insultos e gestos obscenos que provocam, finalmente, o riso na melancólica princesa. Irritada e ofendida a velha a amaldiçoa, por tão franco sorriso, condenando-a a casar-se com Tadeo, um príncipe acometido por um sacrilérgo que obrigava a um sono de morte em um sarcófago, distante dali; para acordá-lo precisaria ir até lá e, em três dias, encher de lágrimas um pote, como indicava a lápide. Zoza, então, sai em busca do desconhecido. Depois de tanto caminhar, chega ao castelo das fadas e recebe delas três amuletos: uma castanha, uma noz e uma amêndoa, que leva consigo. Depois de sete rituais anos de peregrinação, chega ao seu destino; deixou que seus olhos recitassem “la commedia degli spechiati con le ‘lacrime de crestallo’ di una Fontana: nel pianto lavò la sua colpa; e, penitente, verso lacrime (per olio) al fine di dar sangue e vita all’ignoto sposo” (Nigro, 2007, p. 301). Mas, acometida pelo sono, dá a vez a uma jovem que a observava, e essa, com pouco esforço, termina de encher o jarro; o príncipe acorda e casa-se com ela. Zoza ao acordar,

18 Sobre as diversas formas de obscenidade na cultura popular na Idade Média e no Renascimento, Bakhtin contextualiza dizendo que “a linguagem familiar da praça pública caracteriza-se pelo uso frequente de grosserias, ou seja, de expressões e palavras injuriosas, às vezes bastante longas e complicadas. Do ponto de vista gramatical e semântico, as grosserias estão normalmente isoladas no contexto da linguagem e são consideradas como fórmulas fixas do mesmo tipo dos provérbios. Portanto, pode-se afirmar que as grosserias são um gênero verbal particular da linguagem familiar. Pela sua origem, elas não são homogêneas e tiveram diversas funções na comunicação primitiva, essencialmente de caráter mágico e encantatório” (1999, p. 15). 51

vê o pote caído e a tumba aberta, mas não se deixa abater. Faz o caminho de volta e se instala em um cômodo em frente ao palácio real. Através da janela faz ver ao nobre casal os objetos mágicos que ganhou das fadas. A magia está no fato de que quem possuir esses objetos é tomado por um irresistível desejo de ouvir contos. A jovem princesa grávida não resiste à magia e sob pena de não pretender gerar um herdeiro, pede ao príncipe que lhe traga todos esses objetos. Então o príncipe, para satisfazer a esposa, e assim cumprir a lógica encantatória, reúne dez contadoras de histórias que narram, em cinco dias, dez histórias cada uma. No quinto dia, Iacova, adoentada, é substituída por Zoza, que narra não uma história inventada, mas a sua desventura em forma de história verdadeira. Tadeo, ao saber da verdade, manda enterrar viva a farsante e casa-se com a Zoza. Fecha-se, portanto, o ciclo com o conto que conta contos.

2.3.1 A estrutura

A obra está assim estruturada:

Primeira jornada

‘Ntroduzzione

1 Lo cunto dell’uorco 2 La mortella 3 4 Vardiello 5 Lo polece 6 La gatta Cebberentola 7 Lo mercante 8 La face de capra 9 La cerva fatata 10 La vecchia scortecata

Écloga: La coppella

Segunda jornada

1 Petrosinella 2 Verde prato 3 Viola 52

4 Cagliuso 5 Lo serpe 6 L’orza 7 La palomma 8 La schiavotella 9 Lo catenaccio 10 Lo compare

Écloga: La tenta

Terceira jornada

1 Cannetella 2 La penta Mano-mozza 3 Lo viso 4 Sapia Licarda 5 Lo scarafone, lo sorece e lo grillo 6 La serva d’aglie 7 Corvetto 8 Lo ‘ngnorante 9 Rosella 10 Le tra fate

Écloga: La stufa

Quarta jornada

1 La preta de lo gallo 2 Li dui fratielle 3 Li tre ri animale 4 Le sette cotenelle 5 Lo dragone 6 Le tre corone 7 Le doie pizzelle 8 Le sette palommielle 9 Lo cuorvo 10 Le soperbia casticata

Écloga: La vorpara

Quinta jornada 53

1 La papara 2 Li mise 3 Pinto smauto 4 Lo turzo d’oro 5 Sole, Luna e Talia 6 La sapia 7 Ninnillo e Nennella 8 Li cinco figlie 9 Le tre cetra Scompetura

A história de Zoza é o conteúdo da Introdução que antecede no primeiro dia; também os outros dias são precedidos, cada um, de uma pequena introdução que, na voz do narrador, traz a relação dos jogos, das danças que serviam “pe gabbare lo tiempo fi’all’ora de lo mazzecare” (Basile, 1634-36, p. 22). Também ao final de cada um dos dias Basile acrescenta um pequeno discurso em forma de nota, dando por encerrada a seleção de narrativas e anunciando outro tipo de discurso. Entre cada um dos dias Basile insere uma écloga, totalizando quatro: La coppella, La tenta, La vorpora, La stufa. São composições em versos, nas quais o tema é a contradição entre a aparência das coisas e a verdade que elas escondem. A avareza, a adulação, o tédio estão nesses discursos que dão coerência à obra, porque funcionam como uma espécie de obra dentro de outra obra, um discurso moral que corre paralelo em relação aos contos. Segundo Paolo Cherchi, esses textos modificam substancialmente a ideia de que o Cunto seja simplesmente um livro de histórias encantadas e o transformam em uma obra moral, em um livro “appunto, di ‘meraviglia’, in quanto le sue favole sono da leggere nella prospettiva del desengaño, prospettiva che lungi dal privarle del loro incanto le carica di un senso morale tipicamente barocco” (2004, p. 132). Da estrutura da obra passa-se à estrutura de cada conto. Todos têm a mesma estrutura formal. São precedidos de um texto breve, destacado do resto do texto e colocado logo abaixo do título. Colocados ali na abertura do texto, nos limiares da narrativa, esses resumos (rubricas) representam, conforme escreve Genette, “un des lieux privilegiés de la dimension pragmatique de l’oeuvre, c’est-à-dire de son action sur le lecteur” (1982, p. 9). Do ponto de vista funcional, segundo Thomas Stein, esses resumos exercem determinadas funções, conforme os efeitos que entendem sortir. Stein atribui três funções para eles: a 54

primeira assume um valor retórico e linguístico e as outras duas se situam em uma dimensão pragmática e cognitiva (2004, p. 194). Exemplifica-se com o que sintetiza o conto Petrosinella (IV,1)19:

Na femmena prena se magna li petrosine de l’uorto de n’orca, è couta ‘n fallo le prommette la razza che aveva da fare; figlia Petrosinella, l’orca se la piglia e la ‘nchiude a na torre.No prencepe ne la fuie e, ‘n virtù de tre gliantre, gavitano lo pericolo de l’orca e, partata a la casa de lo ‘nnammorato deventa prencepessa (Basile, 1634- 36, p. 284).

O texto inicia com uma citação proverbial, que para Calabrese é uma “sorta de quintessenza semantica del testo di cui è sigillo” (1984, p. 42) que antecipa uma constante estrutural em todas as narrativas onde os provérbios, além de estarem disseminados nas entrelinhas do texto, arrematam cada conto: “Fu proverbeio de chille stascioniato, de la maglia antica, che chi cerca quello che non trova quello che vuole [...]” (Basile, 1634-36, p. 10). Esses provérbios são partes estruturais do livro e obedecem, segundo Rak, à necessidade de controlar “una scrittura così fortemente irregolare con frequenti inserti correttivi dal punto di vista ideologico” (1986, p. 1100). Basile certamente não foi o primeiro a descobrir a funcionalidade dos provérbios. Mas, para Picone, a originalidade do autor napolitano consiste, justamente,

[...] nella valenza metanarrativa che egli attribuisce a questa simbiosi di proverbi e racconti. I proverbi infatti, e la tradizione fabulatoria che sta alle loro spalle, rappresentano per lui la manifestazione di una cultura antichissima (“stascioniata, de la maglia antica”): cultura di cui è depositario il popolo (napoleatano nella fattispecie) che l’ha fatta diventare una seconda natura. Ma è proprio a questa cultura originaria, a questa sorgente purissima e incontaminata del racconto popolare e folklorico, che attingono i narratori del Pentamerone, sia quello extradiegetico (Basile, o meglio Abbattutis)

19 O primeiro algarismo se refere à jornada, o segundo à história. 55

sia quelli intradiegetici (le dieci vecchie convocate dal principe Tadeo) (2004, p. 109).

A estrutura de cada conto está assim resumida. O exemplo é o conto Vardiello (1, 4), cujo protagonista tem o mesmo nome:

a) Resumo da história:

Vardiello, essendo bestiale, dapo’ ciento male servizie fatte a la mamma le perde no tuocco de tela, e volenno scioccamente recuperarela da na statola, deventa ricco (Basile, I, IV, p. 94)20.

b) Segmento da narrativa onde há um comentário da história anterior e a narradora, então, passa a palavra à seguinte:

Fenuto c’appe lo cunto Meneca, lo quale fu stimato niente manco bello dell’autre ped essere ‘nmottonato de curiuse socciesse, che tenne fi’ a la coda pesole lo pensiero de 1’auditure, secotaie, pe commandamiento de lo prencepe... (Basile, I, IV, p. 94).

c) Abertura com uma moral ideológica:

Se avesse dato la Natura a l’anemale necessità de vestire e de spennere pe lo vitto, sarria senz’autro destrutta la ienimma quatrupeda; però, trovando lesto lo civo senza ortolano che lo coglia, compratore che l’accatta, cuoco che l’apparecchia, scarco che lo trencia, lo stisso cuoiero lo defenne da lo chiovere e da neve, senza che lo mercante le dia lo drappo, lo cosetore le faccia lo vestito e lo guarzone le cerca lo veveraggio. Ma a l’uomo, c’have ‘ngiegno, non s’è curata de darele sta commodetate, perché sape da se medesimo procacciaarese chello che l’abbesogna; chesta è la causa che se vedeno ordenariamente pezziente lì sapute e ricche lì bestiale,comme da lo cunto che

20 Todas as citações em napolitano serão dessa forma: o primeiro algarismo se refere à jornada, o segundo à história, seguido do número da página. 56

vi dirraggio poterrite racogliere (Basile, I, IV, p. 94).

d) A narrativa em si:

Fu Grannonia d’Aprano femmena de gran iodizio, ma aveva no figlio chiamato Vardiello. Lo chiù sciagorato ‘nsemprecone de chillo paese: puro, perché l’uocchie de la mamma so’ affatturate e stravedeno, le portava n’ammore svisciolato e se lo schiudeva sempre e allisciava, comme se fosse la chiù bella creatura de lo munno [...] (Basile, I, IV, p, 94-104).

e) Fechamento com um provérbio:

nave che coverna buon pelota, è gran desgrazia quanno tozza a scuoglio (Basile, I, IV, p. 104).

Trata-se, como bem observou Rak, de um tipo de narrativa (de um modelo) com as seguintes características:

a) è replicabile (come un esperimento scientifico, secondo le regole della filosofia sperimentale in quei deceni); b) ha una struttura costante, anche nella varietà dei soggetti e delle circostanze narrative; c) è uno strumento efficace nella casseta degli attrezi prevista per il letterato cortigiano; d) assembla alcune componenti dei generi del racconto e del teatro usati nella conversazione in corte (2004, p. 14).

Em longo prazo, esse modelo teria sido capaz, através de mediações e adaptações, de contribuir para a configuração do que hoje é conhecido como “conto de fadas”. E, sobre a gênese do conto de fadas, Rak faz a seguinte observação:

Negli scenari della società letteraria di fine Seicento – che si chiamava allora repubblica de’ dotti o république des savants – il racconto fiabesco faceva parte degli studi ‘non gravi’, utili a sollievo della malinconia, il più temuto malanno intellettuale, e della noia, la più pericolosa 57

sensazione cortigiana. [...] era una pratica erratica e alla moda ma ‘leggera’, frequentata da nobildonne scrittici e fabulatrici rampanti in un’epoca in cui il racconto scritto si diffondeva in grandi quantità e a qualcuno sembrava che la librettistica (i ‘contes bleu’) e i periodici fossero già troppo diffusi – come ‘Le Mercure galant’ (dal 1672), che riportava notizie sui due mondi paralelli – la Corte e le sue feste, e i racconti di fate. Sollecitato dalla moda e dall’uso in corte il racconto di fate si avviava a configurarsi come un genere e a trovare una sua posizione nel sistema letterario, sia pure con modalità considerate irregolari dal punto di vista dei letterati di professione (2007, p. 151).

O conto de fadas, então, foi pensado como forma de entretenimento na Corte, e a sua relação com outros gêneros e outras tradições motiva a reelaboração da narrativa europeia. Particularmente na Itália e na França essa prática torna-se um costume literário. Basile, portanto, inaugura uma nova forma de fazer literatura, e oferece ao leitor o Cunto estruturalmente arquitetado. Na parte que segue, o leitor é convidado a conferir a arquitetura e o enredo do texto.

2.3.2 Conflito, viagem, metamorfose: um misto de comicidade

Basile escreve seus contos seguindo sempre o mesmo roteiro. Há em todas as histórias uma lógica – uma cenografia, uma sequência de eventos, uma série de ícones – que o autor trabalha e reelabora com conteúdos diversos, onde o elemento dominante, o núcleo central da ideologia é a mudança de posição social (status), que é de fato uma metamorfose. Seus personagens passam de um estado de pobreza a uma condição confortável, da solidão ao matrimônio, da feiúra à beleza, etc.21

21Segundo Propp,“a regularidade da construção dos contos de magia permite que se lhes dê uma definição hipotética, que pode ser formulada da seguinte forma: o conto de magia é uma narrativa construída de acordo com a sucessão ordenada das funções [...] em suas diferentes formas” (2002, p. 7). Na década de 1920, Propp analisou a estrutura de cem narrativas populares russas e atribuiu a elas uma possível origem nos ritos de iniciação dos povos primitivos. Em 58

Primeiro há um conflito em famíla, ele acontece, por exemplo, quando os filhos precisam livrar a família de uma condição de pobreza. Depois, os pais expulsam seus filhos, os abrigam a fazer uma viagem ou a praticar uma ação em um ambiente desconhecido e hostil, como acontece com Antuono, que se embrenha em um bosque e chega à gruta de um Ogro (I, 1), e a Perunto que é mandado recolher lenha (I, 3), a Vardiello que deve ir à cidade vender uma tela a quem fosse de poucas palavras. Quase sempre o percurso é feito através dos bosques, guardados por ogros e fadas, e o destino pode ser o reino do Gran Turco, e lá oferecer seu sangue para curar um leproso (III, 8); pode ser uma montanha altíssima onde se encontra a Virtude (IV, 2; ou em direção às Colunas de Hércules (V, 9) ou à Sardenha, para salvar uma princesa (V. 7). Ou, modestamente, o percurso é brevíssimo e termina na casa de um esposo mercante, de mesa farta (IV, 1). Em outros casos o afastamento do núcleo familiar começava no ventre da mãe: uma jovem grávida deseja comer salsa, entra no quintal de uma bruxa, come a salsa, por conta disso, conceberá uma filha de nome Prezzemolina, que será raptada no momento oportuno (II, 1). Em várias situações e para vários lugares são enviados os heróis do Cunto. Mas todos voltam e se recompõem, normalmente pelo matrimônio, ou por herança; todos mudam a sua condição primária, seja no amor, na riqueza, na dor ou na morte. Esse é o mundo possível das histórias encantadas, que têm a característica de suspender o leitor da realidade. Para Davide Pisano, esse é “il fascinio del fantastico fiabesco, che si basa, a livello semiotico, sull’audacia di postulare il nostro mondo reale,

Morfologia dos contos maravilhosos, publicado pela primeira vez em 1928, ele faz uma análise formal dessas histórias, que ele chama de “contos maravilhosos” e constata que as ações dos personagens são constantes, mas que suas características são variáveis. Nesse seu estudo, ele individualiza trinta e uma funções bem distintas. Em 1946, em As raízes históricas do conto maravilhoso, apresenta uma possível raiz originária dessas histórias. Sua teoria está fundamentada nas práticas religiosas das primitivas comunidades de caçadores, que tinham na caça a sua sobrevivência, antes mesmo que a agricultura e o pastoreio fossem inventados. Para ele, “é com a realidade histórica do passado que devemos confrontar o conto e ali procurar suas raízes” (2002, p. 7). Isto porque “o conto que perdeu suas funções religiosas, não é em si mesmo alguma coisa inferior ao mito do qual se origina. Ao contrário, liberto dos laços do convencionalismo religioso, movido agora por outros fatores sociais, ele irrompe livre da criação artística e começa a levar uma vida de conteúdo” (2002, p. 444). 59

di riferimento, come costrutto culturale al pari di un mondo narrativo” (1999, pp. 38-39). Outro aspecto bastante interessante nesse projeto textual de Basile é apontado por Rak; ele individualiza uma estrutura especular, isto é, ele ressalta que o quadragésimo conto, Le tre cetra (V, 9), tem um enredo especular ao conto principal, o que conta a história de Zoza e Tadeo; é um mise-en-abîme desse mesmo conto e da obra como um todo. Uma teoria “dello specchio” – o mundo é duplo e existe uma relação entre realidade e ficção – percorre essa e outras obras de Basile, e é um tema dominante na cultura barroca. Rak está convencido de que Basile convida o leitor a percorrer uma via textual filosoficamente elaborada, uma espécie de labirinto, onde ele irá descobrir que “la replicabilià dell’immagine del sé [no espelho] ha qualcosa a che fare con la replicabilità dell’esperimento della filosofia naturale e delle nuove scienze (2005, p. 256)”. O leitor irá descobrir também que essa “specularità” projeta aventuras, alusões e ambiguidades que podem tornar esse percurso bem mais agradável, isso se a cada obstáculo ele der a sua interpretação. Esse projeto literário revela uma simbiose artística, que Basile consegue juntando forma e conteúdo em um módulo que lhe possibilita uma diversidade de temas. A sua criatividade “in realtà finisce per parlarci di quel che gli sta nel cuore. [...] il colore dei suoi luoghi, delle sue fatiche e speranze, il suo ‘contenuto’” (Calvino, 1996, p. 76). O Cunto é um livro barroco e, barroca, por conseguinte, é a prosa de Basile. Mas nem tão barroca, diz Rafaelle La Capria, senão nos pontos onde ela é ostentosamente literária; na forma desse dialeto encontram-se muitos ritmos e estruturas da expressividade natural “del popolino napoletano” (2009, p. 309), que não fazem dessa obra uma “versione maliziosa del barocco”. Ao contrário, continua La Capria, trata-se de uma narrativa acumulativa, que se iguala a um “stregonesco miscuglio, a un intruglio fatato gettato in un melting pot, in un pentolone come quello delle streghe del Macbeth, a un ribollire di scrittura e immagini e metafore dotato dello stesso potere incantatorio” (2009, p. 309). Por esse motivo, Croce afirma que o Cunto “è un libro vivo e non ha che vedere con una mera raccolta di fiabe [...] como se ne hanno ora tante [...]”(1925, p. XIX), e o iguala, idealmente, à literatura italiana “d’arte” representada na obra de Luigi Pulci (1432-1484), Lorenzo di Medici (1949-1492), Teofilo Folengo (1491-1544), com interseções de Matteo Maria Bioardo (1441-1494), conhecido pelo poema Orlando innamorato, e Ludovido Ariosto (1474-1533), autor de Orlando furioso. 60

Mas Basile não se contenta em apenas dignificar os contos de ogros e de fadas, apresentando-os na disposição clássica decameroniana, dando voz não a Pampinea e Fiammetta, Neifile e Elisa, mas às suas Zeze, Ciule, Pope e Ciommetelle, que ele as decora com todos os artifícios da literatura seiscentista. Sob os cuidados dele toda a natureza se amina, toda a natureza se move e se transfigura ao ritmo de sua prosa, e, como bem observou Croce, “non sorge l’Alba e non tramonta il Sole [...]”(1925, p. XX), que ele não encontre um novo e bizarro modo de metamorfosear as fases do dia e da noite com metáforas desta natureza:

[...] e non vedde l’ora la matina che scesse lo Sole a dare li pinole ‘naurate a lo cielo, pe farele vaccoare l’ombra [...] (Basile, I, 9, p. 192);

[...]‘nante che scesse l’Alba a cercare ova fresche pe confortare lo vecchiariello ‘nmmorato suio [...] (Basile, V, 4, p. 928);

[...] ficché scette la Notte ad allommare lo catafarco de lo Cielo pe le pompe fonerale de lo Sole [...] (Basile, II, 5, p. 344);

[...] quanno lo gallo, ch’è spione de lo Sole, avisaie lo patrone ca l’ombre erano allentate e stracque e ca mo era tiempo, comme a sordato prattico, de darele a la coda e farene scafaccio [...] (Basile, V, 2, p. 902).

Em todos os contos somam-se metáforas dessa natureza e outras similares, que contam de bosques escuros e tenebrosos e de rios e fontes rumorejantes:

[...] vuosche, dove sotto la pennata de l’ombre steva la paura e lo silenzio a repararese da lo Sole [...] (Basile, III, 9, p. 604);

[...] no bellisssimo voschetto, dove l’ombre facevano palazzo a li prate che non fossero viste da lo Sole [...] (Basile,V, 9, p. 1000);

[...] a no certo pascolo ‘miezo a lo quale correva na fontana, che tavernara d’acqua fresca co la 61

lengua d’argiento li passaggiere a bevere na meza [...] (Basile, V, 4, p. 926).

O mundo das fábulas é “un mondo mattiniero” e : “si direbbe che per Basile il passaggio dalla notte al giorno (e così il suo inverso) faccia parte della punteggiatura, obbedisca a una necessità sintatica e ritmica, serva a segnare una pausa e una ripresa, un punto a capo” (Calvino, 1996, p 135). Já para Rak, esses enunciados são “microracconti” que possuem todos os componetes de uma narrativa (personagem, ação, enredo), e que “il giorno, la notte, l'aurora, le stelle e simili erano le caselle metaforiche vuote, in cui la lirica barocca collocava le sue celebrazioni ‘cosmiche’ del particolare” (986, pp. 1092-1097). O mundo encantado se dilata na linguagem barroca de Basile, sempre “conformi alle regole e ai modelli dei trattati di rettorica fiorita” (Croce, 1925, p. XXI). Nesse universo, a contraposição de beleza/feiura ganha ares de inventário no que elas têm de mais atraente e de repugnante, como é possível conferir no trecho que segue, extraído do conto Le tre fate que conta de Cicella: uma jovem que passa por um lugar onde há um penhasco, deixa cair um cesto que levava consigo. Ao olhar para baixo, para procurá-lo, vê um ogro,

[...] lo quale aveva li capille che comme a setole de puerco nigre nigre l’arrivavano fi’ a l’ossa pezzelle la fronte ‘ncrespata, c’ogne chiega ‘ncrespata pareva surco fatto da lo vommaro; le ciglia ‘ngriccate e pelose; l’uocchie gaize [...]; la boca storta e bavosa [...]; lo pieto vrogniuoluso e ‘muoscato de pile, che ne potive ‘ncgire no matarazzo; e, sopra tutto era auto de scartiello, granne de panza, sottile de gamma, stuorto de pede [...] (Basile, II, 10, p. 618).

A assustadora criatura é bondosa e a ajuda descer o penhasco para pegar o cesto. La embaixo ela encontra três fadas,

[...] una chiù bella de l’autra; avevano li capille d’oro filato, le facie de luna ‘n quintedecima, l’uocchie che te parlavano, le bocche che citavano sopra tenore de strommiento ad essere sodisffate de vase ‘nzoccarate; [...] na canna melese, no pietto ceniedo, na mano pastosa, no pede tienero e na grazia ‘nsomma ch’era na cornice ‘nnorata a tente belezzze (Basile, II, 10, p. 618). 62

Quanto à figura do ogro, ela é, na maior parte dos casos, um clássico antagonista que em certa fase da narrativa tem a função de levar o protagonista ao seu final feliz. São sempre amáveis e gentis e conscientes de suas diferenças. Mas, segundo Nancy Canepa, eles também podem interpretar o homem selvagem, figura bastante visitada nesse período barroco. Algumas vezes essa interpretação recai sobre um ente infernal, outras vezes, segundo a autora, “può diventare simbolo di un’essenza più genuina che l’uomo civilizzato vorrebbe ripescare dai fondi del suo essere iperacculturato” (2004, p. 47). Já as fadas conservam os seus atributos divinos, originais, que lhes fazem conhecer, predizer os destinos dos humanos. As fadas de Basile estão inseridas em uma profanação social e cultural, onde a arte da magia e o esoterismo estão fortemente presentes. Tanto que faz Croce pensar que é “questo barocco gaio [a] tener lo spirito dell’autore e dei lettori al disopra della materia delle fiabe” (1925, p. XXIII). As aparições repentinas, os improvisos, os eventos mirabolantes, as metamorfoses, tudo cria a perspectiva de um universo em constante transformação: Peruonto (I, 3), para satisfazer uma jovem, transforma um barril em uma nave, perfeitamente equipada à navegação; em La schiavetta (VIII, 2), a jovem Lisa dorme dentro de sete caixas de cristal, uma dentro da outra, e com o passar dos anos, conforme ela cresce, crescem também as caixas; Cinderela (I, 6) corre para a sua planta mágica, pronuncia as palavras que a fada lhe ensinou e logo é colocada sob uma carruagem, devidamente atrelada; Cannetella (III, 1) apunhala o chão e dele faz brotar uma fonte; em Lo turzo d’oro, (IV, 5) a protagonista, Parmetella, corre desesperada atrás dos instrumentos musicais, que deixou fugir da gaveta e que estão pelos ares fazendo toda sorte de sons. Ou, ainda, uma pétala de rosa pode engravidar Lilla (II, 8), assim como um coração de um dragão marinho pode engravidar a mobilia da casa (I, 9). Tem-se também a representação infundada de Cola Matteo, que propôs ao rei o matrimônio entre uma serpente e uma bela princesa (II, 5). Basile conta ainda a história de Penta, que para não casar-se com seu irmão, corta, ela mesma, as próprias mãos (III, 2), e de Viola que castiga uma tia má, cortando-lhe as orelhas (II,3). Outro aspecto que merece ser destacado é a forma como a literatura barroca trata os emblemas do tempo. E Basile o descreve de maneira engenhosa: Cianna deve ir à casa do Tempo, que era “no scassone de casa, che non s’allecorda quanno fu fravecata: [...] da ccà vide colonne rotte, da llà statue spezzate [...]” (IV, 8, p. 802). Basile lhe deu uma mãe, uma “vecchia”, 63

[...] co la varva tocca la terra e co lo scartiello arriva a lo cielo, li capille comm’a coda de cavallo liardo li coprono li tallune, la face pare no collaro a lattochiglia, co le crespe teseche pe la posema dell’anne, la quale sta seduta sopra n’alluorgio ‘mpizzato a no muro [...] (IV, 8, p. 802).

Ao entrar na casa, a protagonista deve fazer parar o tempo retirando os contrapesos do relógio, somente assim poderá escutar os mágicos conselhos e as orientações de que precisa. Mais uma vez percebe-se a presença de um paradoxo barroco: o da imobilidade/mobilidade do relógio. Episódios como esses reportam o leitor aos princípios da ciência que se desenvolve naquele período e que Basile transporta para os seus contos, nas mecânicas e engenhosas construções; no conto Pinto Smauto uma carruagem é feita “d’oro ‘ncrastato tutto di gioie” (V, 3, p. 916); no mesmo conto uma gaiola é feita de ouro para abrigar “no bellissimo auciello fatto de prete preziose e d’oro, che cantava a face de no rossegnuolo.” Ainda no mesmo conto, Betta constrói para si um marido de pasta real: “[...] commenzaie a fare no bellissimo Giovane, a lo quale fece i capille d’oro, l’uocchi di zaffire, li diente de perne, le lavra de robine” (1634-36, p. 916). Contrapõe-se a toda essa engenhosidade a figura do “idiota” que, segundo Calabrese, começa a ser bem vista nesse período. Justamente porque, “l’idiota è nemico della malinconia, le sue parole sembrano dettate dall’oracolo, ed è il custode di una arcaica saggezza [...]” (1984, p. 28). Basile se deu conta desse fato e criou o conto de Vardiello (I, 4) cujo protagonista de nome análogo é um idiota cuja mãe manda que vá à praça vender um pedaço de lona, com a recomendação de que fosse vendido a alguém de pouca conversa. Vardiello deixa a lona ao pé de uma estátua, justamente porque com ela não firmou nenhum diálogo, e volta no dia seguinte para pegar o dinheiro; vendo que a estátua não lhe respondia, ele a golpeia e, com o golpe abre-se uma cavidade donde saem moedas de ouro. Questionado sobre a origem de tanto dinheiro, ele responde que viu as moedas “a no palazzo drinto ‘n’ommo muto, quanno chiovettero passe e fico secche” (I, 4, p. 102). A resposta de Vardiello expõe a verdade enunciada literalmente: ele não apenas interpreta ao pé da letra o que lhe foi dito, como também o que realmente aconteceu. O idiota aqui se torna, na interpretação de Calabrese, o precedente imediato do bom selvagem, e ainda, ─ estabelece a sinceridade das relações do homem com o mundo 64

circunstante ─, “si mantiene al passo con il progresso scientifico dell’epoca: anzi, da un certo punto di vista, ne è il simbolo rovesciato, il versus mitologico e pre-rousseauiano” (1984, p. 29). Basile resgata esse contexto, o que indica uma propensão “trascontestuale”, diz Calabrese, e o idiota é figura histórica, convalidada na sua própria crença, “[...] attraverso il fittizio sostegno [...] di una cultura fiabesca che nelle loro stesse credenze dovrebbero a loro volta spiegare” (1984, p. 20). Basile não somente relabora artisticamente contos populares, mas constrói um texto onde se cruzam várias literaturas, as quais reconstroem, em um cenário suficientemente descritivo, uma função cultural, como se pode constatar nessa série de citações “ocultas” que Rak consegue rastrear:

[...] Il Plinio che compare in questi racconti è quello dei naturalisti semiculti, Ovideo è quello delle metamorfosi alchemiche, Virgilio era ancora il mago che aveva lavorato alle bellezze di Napoli, Petrarca era l’occasione e l’oggetto di uno scherno senza fine, al pari di tante altre autorità quando dovevano essere trascritte nel linguaggio del comico, così via di seguito le Sirene e Sisifo e altri mitici mostri erano quelli dei modi di dire correnti e comprensibili per un pubblico di distratti curiosi, e non per un pubblico di dotti (1986, p. 1071).

O Cunto, então, com o seu complexo sistema de falsificação e com o seu metamorfismo, se coloca sob a ordem de um artificioso “castello ‘n aiero” (IV, 5, p. 736), lugar onde predomina a não semelhança e tudo o que se ouve e se lê diz respeito a “chille appunto che soleno dire le vecchie pe trattenemiento de peccerille” (BASILE,1934-36 , p. 22). Esse elenco reformulado de personagens e lugares fabulísticos que vemos no Cunto reforça o teor crítico do texto, que reavalia a ordem, seja do mundo real, seja da própria história. No Cunto se descobre a permeabilidade de certas categorias morais, sociais e físicas – bom/mau; belo/feio; bem/mal, que nas fábulas parecem inflexíveis, tanto quanto se descobre uma linguagem carnavalesca típica de Rabelais, na qual, segundo Mikhail Bakhtin, “o utópico e o real baseavam-se, provisoriamente, na percepção carnavalesca do mundo, única no gênero” (1999, p. 9). 65

As formas expressivas e os motivos simbólicos compreendidos na noção de “carnavalesco” são coordenados segundo a abolição das leis, conforme a união dos opostos, de acordo com a profanação e pelo riso ritual (daqui procedem o riso e o cômico carnavalesco). Mas o termo “carnavalesco” não designa somente um conjunto de imagens e funções próprias da concepção popular de mundo. A tradição literária deu voz a essas manifestações culturais, inscrevendo novas formas de literatura, como a farsa e a comédia. Nesse sentido, os temas (o corpo, o alimento, a embriaguez, o sexo, a morte, etc) e as diversas formas paródicas “às avessas” ou a representação ambivalente, típicas das festas de carnaval, abrigam uma linguagem polifônica. Nesse sentido, Bakhtin diz que

todas as formas e símbolos da linguagem carnavalesca estão impregnados do lirismo, da alternância e da renovação, da consciência da alegre relatividade das verdades e autoridades no poder. Ela caracteriza-se, principalmente, pela lógica original das coisas “ao avesso”, “ao contrário”, das permutações constantes do alto e do baixo [...]. A segunda vida, o segundo mundo da cultura popular constrói-se de certa forma como paródia da vida ordinária, como um “mundo ao revés” (1999, p. 10).

O Cunto, como já foi dito, tem também a função lúdica e o caráter heterogêneo, flexível e adaptável, corresponde a um seguimento da literatura popular na interminável e complicada passagem da oralidade à escrita. Mas a penúria cotidiana e o sonho da abundância ilimitada não alimentam, de todo, as suas páginas, há um fio condutor que as percorre levando o riso carnavalesco que se alastra e se estabelece de modo ambivalente, entre as situações ridículas e risíveis, como é típico dos mais antigos ritos populares. É essa ambivalência que enquadra, na opinião de Bakhtin, o “riso ritual”, cujas formas estavam ligadas à morte e à ressurreição e ao ato da reprodução (1999, p. 22). Na mitologia e nos ritos, o riso quase sempre se manifesta em momentos em que morte e renovação se sucedem; com o riso velhas formas dão lugar a novas. Para ver estampado um sorriso no rosto de sua filha, o rei apela para as figuras comuns dos saltimbancos (teatro de estrada) e dos espetáculos carnavalescos da época:

[...] mo chille che camminano ‘ncoppa a le mazze, mo chille che passano dinto a lo chirchio, mo lo mattacine, mo Mastro Roggiero, mo chile che 66

fanno iuoche de mano, mo le Forze d’Ercole, mo lo cane che adanza, mo mo Vracone che sauta, mo l’aseno che beve a lo bicchiero, mo Lucia canazza e mo na cosa e mo n’autra (BASILE, Introdução, p. 10).22

No Cunto, o motivo da princesa que não ri se repete em outros contos, sempre alterando o desenrolar da narrativa, criando eventos decisivos graças aos quais os percursos se tornam destinos e atingem a fixa obrigatoriedade do fato. Por exemplo, explode em risadas o primeiro ogro do Cunto ao ouvir as perguntas desatinadas de Antuono, o bobo, que era “no figlio mascolo così vozzacchione [de] na femmena da bene chiammata Masella” (I, 1, p. 32). Expulso de casa, Antuono caminha até o pé de uma montanha, junto a uma gruta construída de pedra pome onde estava sentado um ogro “o mamma mia quanto era brutto!”

Ma Antuono, che non se moveva a schiasso de shionneia, fatto na vasciata de capo le disse: “A dio messere, che se fa? comme staie? vuoie niente? quanto ‘n’cè da ccà a lo luoco dove aggio da ire?”, L’uerco, che sentette sto trascurso da palo ‘m perteca, se mese a ridere (BASILE I, 1, p. 34).

Outro caso é o de Vastola, que “pe naturale malenconia no se arrecordava maie c’avesse riso”, ri ao ver Peruonto, outro bobo, fazer acrobacias sobre um feixe de lenha mágico;

Peruonto,[...] pigliaie la strada verso lo vosco, dove fece no sarcenone cossì spotestato che ce voleva no straolo a strascinarelo e, vedenno ch’era chiaieto scomputo a poterelo portante ‘n cuollo, se le accrovaccaie ‘ncopa decenno: “O bene mio, se sta fascina me portasse camminanno a cavallo!”. E ecco la fascina commenzaie a pigliare lo portante, comme a cavallo de Bisignano, e

22 Bakhtin diz que “todos esses acrobatas, funâmbulos e triagueiros, etc., eram atletas [...] vendedores de panacéias universais. O universo das formas cômicas que eles cultivavam era o universo do corpo grotesco nitidamente expresso” (1999, p. 309). 67

arrivato ‘nante a lo palazzo de no re, fece rote e corvette da stordire (BASILE I, 3, p. 76).

Também Milla (III, 5), outra princesa que não ria havia sete anos, ri diante de uma cena em que uma barata, um rato e um grilo tocam, cantam e dançam para ela, porque é prometida ao proprietário dos três animais prodigiosos: “[...] lo re, fatto venire la figlia e sedutose sotto lo bardacchino, Nardiello cavaie da la scatola li tre animale, li quale sonano, ballanone cantaro co tanta grazia e co tante squasenzie che la regina scappaie a ridere [...]” (III, 5, p. 542). Riem também as fadas ao ver uma velha, que conseguiu casar-se com um rei mostrando apenas um dedo fino e delicado, e que ao ser descoberta é jogada pela janela, permanecendo suspensa em um ramo de árvore. Pelo prazer desse riso as fadas lhe dão juventude, beleza, riqueza e um bom destino (I, 10). Assim como riem outras fadas que, passeando, se deparam com Saporita, uma jovem preguiçosa e ambiciosa que tenta grosseiramente trabalhar o linho que o marido lhe havia confiado, e lhe dão uma predestinação: que todo o linho da casa seja trabalhado, tecido e clareado; é quanto basta para que tenha uma vida tranquila (IV, 4). A última fada de Basile ri no quadragésimo conto, cuja estrutura é especular àquela do quinquagésimo conto que conta todos os outros. Para Bakhtin, em todos esses casos, “o riso não pode ser uma forma universal de concepção do mundo; ele pode referir-se apenas a certos fenômenos parciais e particularmente típicos da vida social” (1999, p. 57). Em todos esses episódios são as figuras grotescas e empobrecidas que mudam o destino, seja do sujeito ou do objeto do riso. O riso suscitado pelo corpo grotesco da velha que coleta óleo coincide com o abandono de Zoza, do lugar privilegiado em que se encontra e com a inversão de poder entre ela e a velha. Nesse momento, o riso carnavalesco sinaliza o que Canepa chama de dinamismo da cultura “povera” e pouco “abbellita”, a quem Basile se volta, e que no transcorrer do Cunto adquire nova conotação, ou sela as múltiplas inversões às quais submete a tradição “culta” (2004, p. 47). Por certo, segundo Croce, há uma considerável semelhança entre a obra napolitana e aquela de Rabelais, “Il gran libro del Pantagruel”. Para o filósofo, nessas duas obras o riso “[...] assunse, la materia della propria opera, una tradizione popolare [...] nell’uno e nell’altro, abbondano le lunghe enumerazioni enfatiche o scherzose, e si hanno effetti stilistici spesso assai simili” (1911, p. 59). 68

Assim como pontua Cappellini, “il compito di raccontare per dilettare una donna incita è affidato alle dieci vecchie, deformi e sagaci [...] brutte e soave come Muse sconsacrate, ben più inquietanti delle future nonnine favolatrici delle raccolte ottocentesche di tradizioni popolari” (2006, pp. 25-26). É nessa perspectiva que se projeta a obra do escritor napolitano cuja literariedade se manifesta num discurso metaforicamente poético que lhe permite exprimir, através da relação matéria e forma, as maravilhas, as contradições e as efervescências da sua época. Pode ser que os recursos arquétipos e estilísticos utilizados por Basile tenham sido não apenas para interligar, conceitualmente, objetos/pensamentos antagônicos, mas também para evidenciar uma relação concreta e inalienável entre metáfora e vida, e consequentemente, os insere numa relação metáfora-história.23 Tudo esse metamorfismo é interpretado por Calvino como sendo um “arabesco di metamorfosi multicolori che scaturiscono l’una dall’altra come nel disegno d’un tapeto soriano” (1996, p. 150), resultado do manuseio metafórico de um fio que perpassa, na ordem que subdivide os espaços, e que, numa relação de hiponímia (os dias, os contos) e no continuum trajeto arrematador, instiga o leitor a entender e apreciar, pelo menos em parte, o que Calabrese entende como sendo “il caratere tissulare della scritura basiliana [...] come ordine irreversibile di un metodo di invenzione testuale [...]”(1984, p. 85). Nessa trama, o leitor poderá identificar a mítica relação entre o mundo dos homens, dos animais, dos vegetais e dos minerais, a persistente interação entre o mundo encantado e o real, os diversos acenos de beleza, velhice, feiura, éticas, etc, que fazem dessa literatura uma metáfora do ser, um discurso secreto, mas perceptível nos limites do prazer, dos jogos e das filosofias. Vai perceber que Basile foi o protagonista de uma viagem para um reino e um tempo fantasiosamente indeterminados. Determinado, entretanto, foi o percurso da obra dele: alimentaria, direta ou indiretamente, as coletâneas de Charles Perrault e

23Para Wellek e Warren, “se da motivação da metáfora linguística e ritual passarmos à teleologia da metáfora poética, teremos de invocar algo muito mais lato – todo o campo da função da literatura imaginativa”. Para tanto teríamos que adotar os quatro elementos básicos implicados no conceito de metáfora: o da “analogia”; o da “dupla visão”, o da “imagem sensorial, reveladora do imperceptível” e o da “projecção animista”. Para os teóricos eles “nunca estão juntos em igual medida: as atitudes variam de nação para nação e de uma época estética para as outras” (1976, p. 248). 69

dos irmãos Grimm e entraria em nosso tempo por meio de adaptações, reescrituras e traduções e retraduções, assunto que será tratado no próximo capítulo. 70

3 LO CUNTO DE LI CUNTI: TRADUÇÃO E (RE)TRADUÇÕES

[...] traduzir é inventar uma constelação idêntica, em que cada palavra recebe o apoio de todas as outras e, gradualmente, tira benefício da familiaridade com a língua inteira. Ricoeur.

Este capítulo analisa a trajetória editorial do Cunto. Primeiro, na Itália, com descrição detalhada de cada (re) tradução, com ilustrações das capas, folhas de rosto, capas internas, etc, e em outras línguas estrangeiras, como na Alemanha, Inglaterra, França, Espanha, entre outras, onde a obra de Basile foi acolhida com bastante interesse. Também são focadas as sucessivas (re)traduções, e como elas acontecem do ponto de vista histórico, literário e cultural.

3.1 A TRADUÇÃO DE CROCE. IL PENTAMERONE OSSIA LA FIABA DELLE FIABE.

As primeiras edições do Cunto circulavam na forma de um singular “libretto”, lido, apreciado, imitado e criticado, principalmente por Ferdinando Galiani, cujas críticas a Basile foram dirigidas nestes termos:

A costui venne disgraziatamente per noi il capriccio di contraffare l’incomparabile Decamerone di Giovanni Boccaccio, e comporre un “pentamerone” da lui intitolato Lo cunto de li cunti nel dialetto napoletano [...]. A tanta impresa mancavangli intieramente i talenti per eseguirla. Privo in tutto e di genio elevato e di filosofia e di felicità d’invenzione e di ricchezza di cognizioni a potere immaginare e adornare novelle graziose o interessanti o tragiche o lepide o morali, altro non seppe pensare che d’ accozzare racconti di fate e dell’orco così insipidi, mostruosi e sconci, che gli stessi arabi, fondatori di questo depravatissimo gusto, si sarebbero arrossiti d’avergli immaginati. Alla stupidità dell’invenzione corrisponde la mostruosità dello stile. Prefissori di contrafare il Boccaccio, non solo ne imita servilmente le introduzioni e le conclusioni delle novelle e delle giornate, ma ne imita spesso il contorno 71

de’periodi e talvolta la sintassi. Or un periodo sullo stile di Boccaccio, messo in bassissimo napoletano ed aggiuntavi ad arte la più laida e forzata caricatura, diviene cosa così nauseosa che è impossibile leggerlo, anche a stomaco digiuno, e non vomitare [...] (1779, p. 160).

Provavelmente, as críticas de Galiani procedem das ideias reformistas e estéticas dos intelectuais iluminstas, as quais lhe eram empáticas. A doutrina iluminista retoma as linhas do naturalismo renascentista, que centra na razão e na ciência para explicar todas as coisas. E o Cunto, pela sua característica de obra encantatória, e por opção do seu autor, é escrito em uma língua “maccheronica” (CROCE, 1911), criado por razões artísticas, para explicar, metaforicamente, essas descobertas, acabaria influênciando na educação dos jovens napolitanos. Por esses motivos, segundo Galiani, trata-se de um “fatale libro, cagion primaria della deturpazione del nostro dialetto” (1779, p. 162). Mesmo sob as críticas dessa natureza, o Cunto foi publicado várias vezes nos séculos XVII e XVII, até culminar na edição de Porcelli, em 1788. Depois, a obra ficou esquecida por quase dois séculos, parecendo esconder, conforme La Capria, “a genesi della napoletanità [descrita em um] diario di pensieri”. Nápoles, ali “nascosta, e lì dietro”, parecia estar vivendo “soddisfatta dalle tante false immagini di sé”. Não era mais sentida aquela harmonia “solare e mediterranea” (2009, p. 8) de uma cidade que combinava Vico e Pulcinella com as grandes e efervescentes ideias, ao som de uma remanescente e tradicional canção. Mas não era um paraíso na terra, continua La Capria, “[...] perché c’era sempre là, il popolo dei vicoli e la miseria: ma l’Armonia di cui parlo è qualche cosa di diverso dalla giustizia sociale [...]. E poi, per uno di quei misteri, per una di quella fatalità [...] gli storici sanno spiegare e la mia favola no [...]” (2009, p. 39). A explicação sugerida por La Capria pode ser encontrada nos princípios da Teoria da tradução, de onde se subtrai a ideia de que traduzir é uma prática conciliadora de tempo e espaço, de ideias e objetivos, de literaturas. A primeira tradução integral para o italiano da obra de Basile é realizada por Benedetto Croce, em 1925. O filósofo italiano, convicto de que somente dessa forma a obra poderia circular facilmente entre os leitores, e assim retomar seu lugar na literatura nacional, finalmente dá à Itália “il suo gran libro di fiabe” (CROCE, 1925, p. X). 72

Croce é autor de vários ensaios sobre os mais diferentes temas, que vão desde a lógica à economia, da ética à estética, da filosofia à história, incluindo a crítica literária. Como tradutor engajou-se nas traduções de Heine, Goethe, Hegel, Ehrard, Rotterdam e Basile. Um trabalho considerável que se coloca ao lado da intensa atividade cultural que tinha. A questão que se apresenta é pensar como conciliar a hipótese crociana da intraduzibilidade versus a prática tradutória dele. Vale ressaltar que Croce não elaborou exatamente uma teoria autônoma da tradução, mas sim elaborou reflexões para discussões em torno do sistema estético e filosófico, no qual a problemática da tradução, mesmo não sendo para ele uma questão basilar, aparece em vários momentos de suas obras. O interesse de Croce pela obra de Basile vem de um “giovanile affetto”, e coincide com o interesse dele pela literatura e pela tradição popular. Seus primeiros e tímidos ensaios sobre Basile e a obra dele formam publicados em uma revista que, a propósito, se intitulava Giambattista Basile, dirigida por Luigi Molinaro Del Chiaro. Ampliando seus estudos sobre a literatura dialetal e adentrando na emaranhada selva dos poetas do século XVII, o tumultuado e polêmico Seicento, Croce encontra em Basile alguém que traduzia a sua “napoletanità”. Traduzir Basile o envolve em um “farsi antico”, e mostra, além de um sentido existencial e cultural, também a relação do homem com o mundo e com a história. Transpor um texto em dialeto, escrito, como diz Croce, em “uno di quei linguaggi, come il maccheronico o il fidenziano, creati dagli artisti e per ragioni artistiche” (1911, p. 69), para outra língua, pode ter despertado em Croce um desejo, inicialmente indistinto, de expressar, de algum modo, um “piacere” que consiste muito mais na tensão, no esforço, na sedução que provoca o desvendar do subjacente poético em dialeto do que na superação de significados e significantes. Assim, tomado pela concepção filosófica de arte, que tem como base a natureza da linguagem, a intuição, a interpretação e a crítica literária, Croce elabora um ambicioso projeto de tradução com uma igualmente ambiciosa intenção de conduzi-lo por um breve período de três meses, dedicando a esse trabalho a mesma atenção e pertinência que dedicava aos seus outros escritos. Em uma carta, de 25 de outubro de 1924, ao editor Giovanni Laterza, é notável entusiasmo que apresentava. Pela importância do conteúdo da carta, convém transportá-lo integralmente:

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CROCE a LATERZA

Napoli 25 ott. 24.

Caro Amico

Dopo la vostra partenza, ho cominciato ad attuare il pensiero venutomi quest’estate di una traduzione italiana del Cunto de li cunti, libro meraviglioso, tradotto in lingue straniere e anche in dialetto bolognese, ma che gl’italiani non conosco perché scritto in vecchio e difficile dialetto napolitano. La traduzione mi sta riuscendo benissimo, e alcune novelle che ho letto agli amici e alle mie bambine hanno avuto gran sucesso. Sospendo dunque gli altri miei lavori, e mi do tutto a questo, e spero di compierlo in 3 mesi. Si tratta di due volume di 350 pagine ciascuno. Fra un mese o poco potrò dare al tipografo il 1º volume. Credo che il libro avrà molta fortuna. Per ora, ne farete un’edizione simile a quella degli altri miei volumi; ma prevedo che più in là ne dovrete fare un’altra, con qualche castigamento di parole, per le famiglie; e più in là ancora potrete farne un’edizione di lusso, se si troverà un artista geniale, capace d’illustrarlo, come in Inghilterra ha fatto il Cruikshank24 e altri doppo di lui. Non consiglio per altro le riproduzioni d’incisioni inglesi a un libro italiano e napoletano. Quanto alle condizioni, saranno le stesse di quelle degli altri miei volumi: cioè il

24 Croce refere-se ao londrinense (1792-1878), ilustrador da célebre edição inglesa The Pentamerone, or the Story of stories, translated from the Neapolitan by J. E. Taylor, with illustrations by G, Cruikshank, London, D. Bogue, 1848. 74

10%. Non si tratta di una semplice traduzione, ma di un lavoro artistico e filologico insieme, che solo io posso fare, avendo sin da giovane studiato quel testo. La dificoltà principale che dovete risolvermi è questa: io ho la scrittura che ho, e non posso far copiare a macchina la mia scrittura se non da Nicolini, che si è offerto, ma che Dio sa quanto tempo impiegherebbe, e poi ho scrupolo di fargli perdere tempo a copiare 1000 e più cartelle. Ma quella mia scrittura, che la vostra tipografia non può leggere, è invece leggibilissima alla tipografia Vecchi. Dovreste perciò prendere accordi con Pietrarota affinché fra un mese sia pronto a cominciare quel lavoro, e me lo termini in tre o quatro mese, ossia per la primavera. È possibile? Spero di sì. Altrimenti sarà una disperazione. Ho detto che i due volumi possono essere simili agli altri miei. Ma la copertina no. Converrà fare una copertina con fregio, magari secentesco o barocco, che io potrò cercare prendendo poi accordi con voi. Siamo intesi? Salutti affetuosi.

Vostro Croce (2006, p. 212-213).

As expectativas de Croce em torno da sua tradução do Cunto são claras e visíveis pelo entusiasmo com que ele segue as fases e os detalhes técnicos da impressão. Em outra correspondência, ele apresenta ao editor os detalhes gráficos para a publicação dos volumes:

CROCE a LATERZA

Napoli 2. XI, 24 Caro amico

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Parlerò col figliolo di Nicolini e vedrò di combinare la copia. Un migliaio di lire (si tratta di copiare un migliaio di pagine) non sarà male speso, perché farà risparmiare un paio di correzioni alla tipografia. Io potrò rivedere accuratamente il testo sulla copia, e mandarlo definitivo o quasi. Quanto ai fregi, badate che, innanzi al volume, andrà un bel ritratto in istile barocco del Basile (avete il volume, guardatelo); e perciò anche il fregio della copertina dev’essere in genuino e simpatico barocco. Fate pure fare prove. Io avevo pensato di rivolgermi all’Ojetti, che potrebbe cercermi buoni modelli. Ma per ora non ne farò nulla. Il titolo è questo:

Giambattista Basile Il Pentamerone Ossia La fiaba delle fiabe

Tradotta dall’antico dialetto napoletano e annotata da Benedetto Croce Vol. I e vol II (CROCE, 2006, p. 216-217).

Ma ossevazioni: 1º) Caratteri non sono secenteschi. Prendere buoni modelli. La lettera più grande in mezzo al 1º rigo è da escludere assolutamente, perché non è del tempo. Bisogna collocare in modo la dicitura che non appaia stivata. 2º) Raccomando di fare attenzione all’ornamento riempitivo del vuoto dello scudo. Che roba è? Non va. Bisogna trovare altro di più adatto. 3º) Raccomandai di tener presente la Roma barocca del Munoz pubbl. da Bestetti e Tumminelli. 76

4º) Mi si mostri il modello delle lettere o la scritta intera in sbbozzo nuovo. Sono già al quinto del lavoro. La sera leggo la traduzione alle bambine ed agli amici, ed è un gran successo. Non leggevo quel testo da più di 30 anni. È veramente il più bel libro della letteratura italiana del Seicento: ma finora precluso al pubblico italiano per il difficile dialetto. Pensare che i tedeschi ne hanno due traduzioni e gli inglesi cinque edizioni! Le mie note poi saranno una piccola enciclopedia delle vecchie costumanze popolari. Ben preparato, dovrebbe essere un gran successo. Quando avrò terminato tutta la traduzione, e sarà copiato il 1º volume, ve lo porterò io stesso a Bari. Merito il premio di quei tali volumi. Saluti affettuosi.

Vostro B. Croce (CROCE, 2006, p. 217)

Enfim, em 1925, a tradução é publicada, em Bari, por Gius. Laterza e Figli. Os dois volumes, iguais, são em capa dura, reúnem 657 págians marcadas e não trazem o título ou alguma menção à obra na capa. A lombada faz esta função, conforme é possível visualizar nas figuras 3 e 4:

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Figura 3 - Sem título Figura 4- Lombada .

Fonte: foto da autora (2015)

O primeiro volume traz os contos da primeira e da segunda jornada, conforme elencado no capítulo anterior, e o segundo volume traz a terceira, quarta e quinta jornadas. O título traduzido aparece na página de rosto dos dois volumes, conforme figura 5:

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Figura 5 - Folha de rosto

Fonte: foto da autora (2015)

No verso da terceira página de rosto consta uma foto do autor e a repetição do conteúdo da página de rosto, mas sem as ornamentações, conforme a figura 6:

Figura 6 - O autor

Fonte: foto da autora (2015) 79

Nas páginas subsequentes, de um lado, se lê: PROPRIETÀ LETTERARIA, e ao final da página: APRILE MCMXXV – 67309; de outro, uma dedicatória a Fausto Nicolini, em que Croce se refere ao amigo “come a uno dei pochi che ancora amano le opere della vecchia letteratura dialettale napoletana”. É sabido, por Genette, que “a dedicatória de uma obra sempre depende da demonstração, da ostentação, da exibição, e essa mostra estar sempre a serviço da obra, como argumento de valorização [...]” (2009, p. 123). A dedicatória de Croce engloba essa função, de estar a serviço da obra; também porque transparece uma intenção literária que pretende reforçar os laços afetivos entre as duas partes. A menção de Croce a quem aprecia esse segmento literário parece fortalecer não apenas a iniciativa do autor como a do tradutor, pela parte que envolve a divulgação da obra. Na sequência, um prefácio do tradutor abre as portas para o texto e apresenta o trabalho dele, que se completa com as notas de rodapé. No segundo volume, na instância paratextual, consta a repetição da página de rosto, conforme figura 6, seguida das respectivas jornadas. Também, ao final de cada volume, um índice traz, sumariamente, os títulos dos contos, traduzidos. Depois da publicação, em 1925, a tradução teve as seguintes edições: em 1957, pelo mesmo editor e com Nota de Gino Doria; em 1974, e 1982, também pelo mesmo editor, com um prefácio de Italo Calvino (La mapa delle metafore); e a última em 2001, pela editora Bibliopolis (Nápoles). Croce não abandonou Basile, continuou seu trabalho de tradutor fazendo sucessivas anotações acerca da obra, as quais reuniu em Allusioni a usi e costumi nel “Pentamerone” del Basile, 1931, e em Apendice all’edizione italiana del cunto de li cunti”, 1939. Assim, ele recupera, do ponto de vista histórico e literário, tanto a prosa quanto a poesia italiana daquele século, em parte, concentrada no Cunto. Era necessário, portanto, que o texto napolitano fosse traduzido em italiano para que alcançasse um número maior de leitores, e assim fazer justiça ao autor. O trabalho de Croce constitui uma operação de “resgate”, mais precisamente, de “salvaguarda”, e tornou-se um valioso instrumento de debates críticos, como se pode conferir nas sucessivas (re)traduções da obra, que se elenca a seguir. Com a tradução de Croce o texto basiliano desvia-se das seiscentistas e setecentistas edições e prossegue a sua trajetória, apresentando-se às sucessivas gerações em (re)traduções, releituras, adaptações, e intertextualidades.

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3.2 AS (RE)TRADUÇÕES DO CUNTO NA ITÁLIA

Uma das questões bastante discutidas no universo da tradução é das (re)traduções. Pode-se pensar que retraduzir não é um procedimento novo: se os tempos mudam, se a língua muda, se o leitor muda, então, a tradução também deve mudar. É nesse espaço de incompletude que Berman situa as retraduções: “c’est seulement aux retraductions qu’il incombe – de temps en temps – l’accompli” (1990, pp. 1-7). As (re)traduções são o segundo momento, essencial, na história das obras literárias. A natureza delas permite a um único texto integrar, em várias versões, o sistema cultural de uma língua estrangeira. Para isso é preciso que cada tradutor considere a temporalidade do texto fonte, a temporalidade das traduções anteriores e a do seu próprio trabalho, em conjunto com a temporalidade da própria língua. Com efeito, a retradução evidencia o assincronismo da obra, especialmente, permitindo que ela continue a existir e a se perpetuar na textualidade. Berman diz que

O movimento de retradução do século XX esbarra imediatamente na espessa muralha que a filologia erigiu ao redor das obras clássicas. Mas se se trata, contra ela, de reencontrar o acesso a essas obras, não pode ser com um retorno a traduções a- filológicas ou pré-filológicas. Não: trata-se de explorar as aquisições positivas desta disciplina para oferecer versões com sentido de “exatidão” mais profundo, mais rigoroso, mais conforme às obras e a suas relações com as línguas do que as traduções filológicas. Trata-se de reinstituir uma tradição interrompida, de reinstaurar o antigo laço entre tradução e tradição [...] (2013, p. 163-164).

Para Berman, “toda tradução é solicitada a envelhecer, e é o destino de todas as traduções dos clássicos da literatura universal serem, cedo ou tarde, retraduzidas” (2002, p. 315). Toury diz que as traduções tendem a envelhecer quando o tradutor adota a estratégia de aceitabilidade, isto é, quando a tradução faz perder os traços do texto de partida (1995, p. 191). Já Meschonnic afirma que as traduções que envelhecem são aquelas que não se tornaram textos, ou seja, são as traduções que levam o texto para a língua de chegada, com os moldes da língua de partida (2010, p. 17). Segundo ele, essas são as más traduções, as não traduções. Para Mattioli, cabe ao tradutor não fazer da sua 81

escolha uma “cattiva” teoria, pois uma teoria é eficaz e verdadeira quando ela é crítica; é importante, também, que o tradutor não faça da sua atividade uma simples prática, e conclui que “se si pensa alla dimensione etica del tradurre – cioè a quella dimensione che fa del tradurre una forma priviligiata e alta del rapporto con l’altro – ci si rende immediatamente conto dell’importanza della riflessione sul tradurre” (2009, p. 55). Entre o texto de partida, com todas as suas implicações, conciliadas às sucessivas traduções, existe uma tradição a serviço da sobrevivência das obras literárias. Essa tradição não coincide inteiramente com a pura transmissão de certas obras, mas serve, sobretudo, para trazer ao conhecimento do público obras dispersas no horizonte cultural. O Cunto é um desses casos, cujas (re)traduções mantêm viva uma obra-prima da literatura barroca italiana.

3.2.1 Michele Rak e Lo cunto de li cunti

Um intervalo de sessenta anos distancia a tradução de Croce da subsequente (re)tradução do Cunto, feita por Michele Rak, em 1986, publicada pela editora Garzanti, e incluída na coleção “I libri della Spiga”, e republicada nessa mesma coleção, em 1987; o texto chegou à sua VI edição em 2009, publicado desta vez na coleção “I grandi libri”, pelo mesmo editor. Rak é teórico e crítico literário italiano, professor de “Teoria e critica della letteratura” na Università di Siena, dirige a Scuola di dottorato in Scienze del testo, o Osservatorio europeo sulla letteratura e la ricerca nazionale, “Il lettore di libri in Italia”. É um grande conhecedor da obra de Basile, com uma tradução de seu livro e com vários estudos sobre ele publicados. Entre eles, La maschera della fortuna. Letture del Basile “toscano”, de 1975; Napoli gentile. La letteratura in “lingua napoletana” nella cultura barocca, de 1994; Logica della fiaba. Fate, orchi, gioco, corte, fortuna, viaggio, capriccio, matamorfosi, corpo, de 2005; Da Cenerentola a Cappuccetto Rosso. Breve storia illustrata della fiaba barocca, de 2007. O resultado desse trabalho culminou na tradução do Cunto. O volume conta com 1160 páginas e vem envolvido em uma sobrecapa, onde é possível ler o nome do autor, o título e o nome da editora (Figura 8). Esta sobrecapa oculta, desnecessariamente, ou quase “exclui” uma capa dura de cor marrom. Não tem necessidade porque, segundo Genette, ela não exerce a função de, especificamente,

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chamar a atenção por meios mais espetaculares do que aqueles que não se pode ou não se quer permitir numa capa: ilustrações chamativas, menção de uma adaptação cinematográfica ou televisiva, ou por uma apresentação gráfica mais agradável ou mais individualizada que as normas de uma coleção não permitem (2009, p. 31) .

O que está escrito na sobrecapa repete-se na lombada da capa, conforme figuras 7 e 8:

Figura 7 - sobrecapa Figura 8- lombada

Fonte: foto da autora (2015)

O volume é custodiado por uma caixa que ampara as suas 1160 páginas. Nela consta o nome do autor, o título e uma ilustração bastante sugestiva que, por transposição intersemiótica, se reconhece o conto Li tre ri animale, onde é visto Rita, a terceira filha do rei de Verdecolle, que navega sobre o dorso se um golfinho: “Lo derfino nataie co Rita, ch’era la terza, sopra le spalle ‘miezo maro, dove, sopra no bello scuoglio, le fece trovare la casa che ‘nce averriamo potuto stare tre ri de corona” (III, 4, p. 702), conforme é apresentado abaixo, na Figura 9:

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Figura 9 - Golfinho

Fonte: foto da autora (2015)

O nome do tradutor consta na página de rosto, logo abaixo do título. Este aparece traduzido somente na quarta capa interna:

LO CUNTO DE LI CUNTI IL RACCONTO DEI RACCONTI Overo ovvero

LO TRATTENEMIENTO DE IL PASSATEMPO PER I PECCERILLE PIÙ PICCOLI de di GIAN ALESSIO ABBATTUTIS GIAMBATTISTA BASILE

Na ausência de um prefácio, o leitor é logo apresentado ao texto, sem qualquer formalidade ou referência, função diplomática que, por direito, cabe ao prefácio; já as notas, reunidas ao final de cada conto, dão indícios do “projeto de tradução”. Outros tipos de “notas”: Nota al testo; Nota bibliografica; e Nota biografica exercem a função de posfácios. O volume traz, ao final, um completo índice dos personagens, das plantas, dos animais, dos objetos, dos lugares encantados e dos títulos dos contos. O índice é em italiano (em alguns itens traz o correspondente em napolitano), mas faz referências às páginas do texto napolitano. A seguir descreve-se a próxima (re)tradução do Cunto na versão de Ruggero Guarini. 84

3.2.2 Ruggero Guarini e Il racconto dei racconti

Em 1994, Ruggero Guarini, com a colaboração de Alessandra Burani, traz o Cunto em uma nova tradução italiana, com o título Il racconto dei racconti overo il trattenimento dei piccoli, publicada pela editora Adelphi. Guarini é jornalista, autor dos romances Parodia (1973) e Yao (1993), do Breve corso di morale laica (1987), do poema Quando bisbiglio la parola Dio (1991), do panfleto “Compagni, ancora uno sforzo: dimenticare Togliatti” (1989), das coletâneas poéticas Un pizzico sulla mano (2006) e Chiunque tu sia (2009) e também tradutor do Cunto. Seu trabalho como tradutor parece ter sido motivado pelo fato de que, segundo ele,

Pochi italiani sanno che alcune delle più belle fiabe del mondo, da Cenerentola al Gatto con gli stivali, un po’ prima di finire dentro i libri di Perrault e Grimm, dove tutti le scoprimmo da bambini, erano giunte all’orecchio del napoletano Basile, che all’inizio del Seicento le acciuffò e inguainò nella sua lingua, infilandole in quel Cunto de li cunti che fu definito da Croce “il più bel libro barocco” e da Calvino “il sogno d’un deforme Shakespeare partenopeo”. Ancora oggi, infatti, per la più parte degli italiani [...], questo libro straordinario, insieme regale, insieme fastoso e plebeo, resta un capolavoro sconosciuto. A farlo diventare, come meriterebbe, un libro “popolare”, non sono purtroppo bastate, finora, né le referenze di Croce, che per primo lo volse, né qualche traduzione più recente. Questa nuova versione italiana, in una lingua accessibile e piana ma aderentissima al colore e al ritmo del testo originale, farà scoprire a molti uno di quei rari libri che tutti devono e possono legere (1994, 1ª orelha).

Com essas argumentações, Guarini se empenha em procurar no texto napolitano uma via que o leve a descobrir a pretendida acessibilidade à obra. Essa nova versão traz na capa, abaixo do nome da editora, o nome do autor e o título traduzido, Il racconto dei racconti, quase justificando a referida acessibilidade. A capa traz também uma ilustração que representa o mito de Pan e la ninfa, uma alegoria da 85

mitologia grega que conta a história de Eco, uma das Oréades, ninfas, divindades menores ligadas à sexualidade, que habitavam as montanhas. O mito diz que a ninfa Eco era amada por Pan, uma divindade não olímpica, meio homem meio bode, comumente reconhecido como filho de Hermes e da ninfa Driope (na pintura, ele está colocado atrás da ninfa, sob um limoeiro). Um dia, Eco se enamora de Narciso e, por não ser correspondida, se esconde em um bosque até se consumir em um único gemido (GUIMARÃES, 1933, p. 229). A figura 10 ilustra a capa:

Figura 10 - Mitologia

Fonte: foto da autora (2015)

A imagem que ilustra a capa parafraseia uma relação do Cunto com a mitologia: mitos e lendas estão estimulando a imaginação do autor. As marcas visuais encontradas na pintura convidam o leitor a novas interpretações relacionadas ao livro. Princesas escondidas nos bosques, sexualidade e, principalmente, as metamorfoses, quer sejam de inspiração ovidiana ou não, são temas recorrentes no Cunto. Por exemplo: “ca pe ssi vuosche ‘nc’è n’uerco de lo diantane, lo quale ogne iuorno cagna forma, mo comparenno da lupo, mo da leone, mo da ciervo, mo d’asino e mo na cosa e mo de n’autra [...]” (BASILE, I. 9, p. 188). Com tais referências ilustrativas o leitor, segundo Leo H. Hoek, “se coloca a serviço da obra de arte, para analisá-la, explicá-la, situá-la 86

em seu contexto” (2006, p. 172); ou ele pode poetizar uma imagem, gerando outros textos. Na parte externa do livro, na lombada, vem impresso o mesmo título que está na capa, além do sobrenome do autor e do logotipo da editora; na quarta capa apenas número de ISBN e o código de barras. Na parte interna o destaque é para as orelhas ou desdobras: na desdobra esquerda, além de uma pequena biografia do autor, aparece também uma reduzida menção à recepção da obra; na desdobra direita tem-se um pequeno trecho de um dos contos que formam o conjunto da obra, o nome do ilustrador e o custo do livro. Na quarta capa interna vem repetido o nome do autor e o título completo traduzido: Il racconto de i racconti, ovvero Il trattenimento dei piccoli, seguido da indicação: “traduzione di Ruggero Guarini a cura di Alessandra Burani e Ruggero Guarini”; o logotipo e o nome da editora – ADELPHI EDIZIONI – confirmam o registro da obra, conforme ilustração abaixo:

Figura 11 - Tradução

Fonte: foto da autora (2015)

No verso dessa folha consta o título Lo cunto de li cunti overo lo trattenemiento de’peccerille, o nome da editora, o ano de publicação e o número do ISBN. Na sequência um breve prefácio do tradutor, que enquanto texto limiar vem em forma de “Avvertenza”, é o lugar onde o tradutor apresenta as fontes que o auxiliaram na tradução. No final do livro um posfácio do tradutor, sem título, informa as intenções do 87

tradutor, que serão vistas adiante. Dois apêndices completam o volume: um corresponde aos dois capítulos do ensaio de Vittorio Imbriani (1994), Il gran Basile, e o outro é o ensaio de Benedetto Croce, Giambattista Basile e l’eleborazione artistica delle fiabe popolari, que corresponde ao prefácio à sua tradução, de 1925. O volume se fecha com uma relação de 294 títulos de obras publicadas pela editora Adelphi.

3.2.3 Il cunto de li cunti di Giambattista Basile nella riscrittura de Roberto De Simone

Roberto De Simone é músico, dramaturgo, diretor teatral, foi diretor artístico do Teatro San Carlo, (Nápoles), e do Conservatorio di Musica di San Pietro a Maiella, (Nápoles). Publicou para o teatro os volumes: La gatta Cenerentola (1977), Fiabe campane (1994), Il presepe popolare napoletano (1998), Il convitato di pietra (1998), L’opera buffa del giovedí santo (1999), La Cantata dei pastori (2000). É também tradutor e o seu interesse pela cultura teatral napolitana o manteve ligado ao Cunto. De Simone interpreta e devolve ao público a obra de Basile nas versões intralinguística, interlinguística e intersemiótica. A sua proposta de tradução interlinguística, publicada em 2002, apresenta-se em dois volumes, com o título Il cunto de li cunti di Giambattista Basile nella riscrittura di Roberto De Simone, pela editora Einaudi, e inserida na coleção I millenni. Trata-se de uma dupla reescrita: em dialeto e em italiano. A gênese desse trabalho é contada pelo próprio De Simone em uma entrevista concedida a Titti Marrone, em 2 de outubro de 2002, por ocasião da publicação dos dois volumes:

L'idea venne da Giulio Einaudi nel novembre 1994, quando venne a Napoli per la presentazione delle mie Fiabe campane. Mi disse: "Maestro, mi devi fare una riscrittura di Basile in un napoletano comprensibile". Io gli chiesi: "Potete farmi un contratto?". E lui: "Probabilmente sarò morto quando avrai finito". E andata proprio così, e dunque il libro reca una dedica, A Giulio Einaudi (2002, p. 21).25

25 MARRONE, T. La lingua musica. Intervista a Roberto De Simone. Il Mattino, 2 ottobre 2002, p. 21. 88

Uma fotografia do “Archivio di Storia Patria”, de Nápoles, ilustra frente e verso de uma caixa que custodia os dois volumes da tradução, com 949 páginas, conforme se vê na imagem abaixo:

Figura 12 - Cavaleiro

Fonte: foto da autora (2015)

Cada volume é coberto por uma sobrecapa que esconde uma capa dura de cor branca sem algum escrito ou ilustração. A sobrecapa, entretanto, traz em cada uma delas o título da obra e uma ilustração, como se pode conferir nas imagens abaixo:

Figura 13 - Uma página Figura 14- Uma história . .

Fonte: foto da autora (2015)

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Outras ilustrações, raras imagens do século XIX, reunidas por Genaro Vallifuoco, estão no interior do texto, agrupadas ao final de cada jornada, uma para cada conto, salvo a quinta jornada. Nas folhas internas dos dois volumes, na página subsequente à folha de rosto, está o nome da coleção, I millenni, no verso está o nome da editora, Einaudi, o ano de publicação e o número do ISBN. Na quarta capa, também nos dois volumes, consta o título Lo cunto de li cunti di Giambattista Basile nella riscrittura di Roberto De Simone, seguido de: “Note di Candida Iudicibus – Illustrazionie di Genaro Vallifuoco”, e, mais abaixo, Giulio Einaudi editore. O subtítulo aparece traduzido apenas na Introdução: Trattenimento dei piccerilli (do original Lo trattenemiento de’ Peccerille). Uma dedicatória a Giulio Einaudi pode ser conferida na página seguinte, do primeiro volume, e os índices estão nas quartas e quintas folhas, também do primeiro volume, e repetidos no segundo. Eles estão divididos em Índice (dos textos) e Índice das ilustrações, com especificações para cada imagem, isto é, para cada conto uma fotografia, registrada da tradição napolitana. Por exemplo: Il racconto dell’Orco, fotografia da coleção de Roberto De Simone; La mortella, fotografia da coleção de Gaetano Fiorentino, e assim por diante. As sobrecapas dos dois volumes contêm, cada uma, duas orelhas ou desdobras; nas desdobras do primeiro volume, de um lado se lê um pequeno discurso sobre a obra, e sobre o projeto de transcrição e de tradução, respectivamente; na desdobra do segundo, aparece um trecho do prefácio e uma pequena biografia do autor. O texto é precedido de um prefácio (Praefatio) do tradutor, em forma de um diálogo fictício, uma espécie de “cunto”, conforme análise no terceiro capítulo desta tese. A tradução interlinguística de De Simone é o resultado de um estudo que começou em 1976, com uma transposição intersemiótica para o teatro, de Cenerentola, o sexto conto da primeira jornada do Cunto, apresentado no Festival dei Due Mondi, em Spoleto (De Simone, 1977), e continuou com uma tradução intralinguística do antigo napolitano para o napolitano moderno, em 1989 (De Simone, 1989).

2.2.3.1 Tradução intersemiótica de De Simone: La Gatta Cenerentola

Nos contos de Basile, sob a vivacidade do dialeto napolitano, a oralidade, o ritmo e a performance são indicações mais que pertinentes para que eles sejam lidos ou recitados. E o foram na época, como forma de fazer passar o tempo de nobres napolitanos, na hora da sesta. O 90

Cunto, diz Rak, “é un copione teatrale [...] calibrato sulle regole della conversazione cortigiana” (1986, p. 1058). Por esse motivo, requer que seja lido em voz alta, confiando às representações cênicas a tarefa de transparecer a sua vocação teatral. Há uma evidente analogia entre os elementos performativos ligados à narrativa dos contos de fadas e o conjunto de componentes linguísticos e extralinguísticos que dão forma ao evento teatral: à voz dos atores, à entonação, aos gestos e à combinação de todos os códigos de teatro é confiada à transmutação do texto escrito. A encenação é um momento precioso para a vida do texto, para o seu movimento e o seu reformular-se por meio de inéditas e inesperadas iniciativas; um relacionamento dinâmico e vital com a tradição está na base da pesquisa etnológica e teatral de De Simone, que promove uma relação dialética capaz de tirar o texto da forma fixa. La Gatta Cenerentola na versão de De Simone dá corpo às palavras irriquietas de Basile e dá corpo, também, à narrativa na forma de melodrama, gênero novo e antigo ao mesmo tempo, assim como o são as histórias no momento em que são narradas. É de Basile a primeira versão literária ocidental de Cinderela. Nessa versão a protagonista napolitana tem dois nomes e aparece na sexta história da coletânea. Ela é Zezolla, a filha amada de um rei viúvo, e revela sua outra face ao matar sua primeira madrasta, instigada pela segunda, que até então era uma bondosa governanta. Para tanto, bastaria soltar a tampa do baú sobre a cabeça dela, enquanto estivesse procurando algo lá dentro. E assim se deu: Zezolla colocou em prática o diabólico plano. Mas, imediatamente, a nova madrasta revela a sua maldade e a existência das suas seis filhas, até então mantidas em segredo. Zezolla, então, passa dos salões suntuosos à cozinha, junto ao fogão e, por descaso, é chamada de Gatta Cenerentola. Para reverter a situação, por ocasião de uma viagem de seu pai à Sardenha, ela pede para que ele vá até a Gruta das fadas e lhe traga algo. As fadas lhe dão uma planta, um balde de ouro e um lenço de seda. Ela, então, cultiva a sua planta e, na hora precisa, recita as palavras mágicas; imediatamente se vê vestida para ir à festa. Na volta, era preciso desfazer o encanto, recitando, ao contrário, as palavras mágicas. Nessa trama, Basile propõe que Cenerentola (Cinderela) vá à festa por três dias. Nos dois primeiros dias, na hora marcada, ela foge da festa enganando o servo do rei com pérolas e moedas de ouro. No terceiro dia, na mesma hora, na correria, ela perde um dos sapatos. Um servo o recolhe e o leva ao rei que, encantado, sai à procura daquela a quem lhe serviria o sapato. O desfecho da trama é conhecido: um final 91

feliz. Assim, na análise de Rak, “Cenerentola é diventata l’emblema della ragazza che cambia status attraverso prove difficili nelle quali porta una sua caparbia volontà di cambiare attraverso il riconoscimento del suo valore di persona” (2007, p. 7). Seu arquétipo tem percorrido o mundo, através da oralidade e em muitas variantes. As versões mais conhecidas são a de Charles Perrault e a dos irmãos Grimm. Mas não foram essas e nem as modernas adaptações cinematográficas que inspiraram De Simone. A sua Cinderela foi pensada seguindo um roteiro das velhas lendas napolitanas, conforme o próprio De Simone esclarece em entrevista ao jornal italiano Corriere della sera:

[...] dove però c’è sempre una vergine, magari La Madonna di Piedigrotta, che perde una scarpa, que si trasforma in gallina e in gatta. Dove c’é sempre una madre-matrigna dai larghi fianchi, capaci di reggere una schiera di figli, e sei sorelle che “son tutte belle, tutte belle per far l’amor”. E magari, fra tante cenere, tante malie, tanti ingani e dolori, anche una picola morale. Come quella finale della “Gatta”: Tutte le donne dovrebbero essere un po’ uomini, tutti gli uomini dovrebbereo essere un po’ donne. O entrambi un po’di tutte e due (Corriere della sera, 2 dicembre,1999, p. 35).

Sob a intuição de Basile, De Simone elabora um texto que tem a estrutura de um conto moldura, coletados na tradição regional da Campania. O texto engloba, no contexto de Cinderela/Zezolla, “il popolo di Napoli”, sem “sperare che siano certi intellettuali [...] a condurla in Palazzo Reale e a incoronarla regina [...]” (SABATTINO, 2007, p. 299). De Simone coloca em cena um texto bastante denso, com uma estratificação de diversos fatos míticos, religiosos, de costumes, elementos históricos, intimamente ligados aos aspectos mais autênticos da tradição popular, daquela gente que pela primeira vez conheceu o Cunto. É, portanto, baseado na autêntica fonte literária basilana que De Simone constrói a sua transposição teatral, não omitindo nem mesmo o homicídio praticado por Cinderela. Em nenhuma das sucessivas versões desse conto esse fato é mencionado. Os irmãos Grimm substituem esse episódio cruel por outros de igual terror: sugere que uma das irmãs de Cinderela decepe o calcanhar para que o pé caiba no minúsculo sapato, e ainda que duas pombas furem os olhos das outras irmãs. Já na versão de 92

Perrault, Cinderela é o símbolo de perfeita bondade e beleza, menina dócil e obediente que acolhe as irmãs no palácio. Nesse trabalho, De Simone busca restituir justamente a parte representativa do Cunto, leva ao palco não tanto a dramatização do conto, mas a sua visionária vocação onírica, ritual, distribuída entre a recitação, o canto e a dança. Dos pressupostos inventariados no âmbito da tradução, entre a fidelidade e infidelidade, talvez se possa estabelecer certa “lealdade” frente aos diversos níveis de um texto a ser traduzido, no sentido de que quando se traduz um texto se traduz uma complexidade de signos. Segundo De Simone, eles se agravam, sobretudo, na tradução de um texto literário para o teatro. Em uma entrevista realizada em Nápoles, aos 10 de abril de 2010, e que Albanese a reporta como Apêndice em seu livro Metamorfosi del Cunto di Basile (2012),26 De Simone discute algumas das mais frequentes questões sobre a tradutologia: da posição do tradutor frente ao texto que irá traduzir às dificuldades que se apresentam no processo tradutório, sobretudo, quando se escolhe traduzir um texto complicado como o de Basile. O objeto da conversação com o diretor-tradutor são as suas reescritas da obra, em napolitano e em italiano, e a sua transposição teatral de La Gatta Cenerentola. A certa altura da entrevista, quando lhe é perguntado se “più che di fedeltà o infedeltà forse si potrebbe parlare di “lealtà” del tradurre nei confronti dei diversi livelli del testo da tradurre? Ele responde:

Certo. Soprattutto quando si traduce un testo teatrale. Il mestiere del tradurre è un po’ la stessa cosa del mestiere del compositore. Il mestiere del compositore implica la ricerca di un linguaggio. Molti trovano la cartina di tornasole subito, affidandosi a un grande modello, [...] ma questa è la cosa più sbagliata che si possa fare, perché l’epoca in cui è stato adoperato quel linguaggio è un’epoca completamente diversa da quella di chi compone o traduce. Le ideologie che giravano in quei tempi non ci sono più. Come si fa a restituire integralmente un linguaggio che oggi risulterebbe

26 Também em ALBANESE, Angela. Della riscrittura del Cunto di Basile e di altre storie: conversazione com Roberto De Simone. Revista Il lettore di Provincia, luglio-dicembre, XVI, 135, 2010, pp. 51-66. 93

vecchio, passato [...]. È necessario adattare l’opera al nuovo contesto in cui è fruita (2012, p. 242).27

Pensar a tradução intersemiótica como sendo uma ação complexa, um evento transcultural, dinâmico e funcional, levou Nicola Dusi a privilegiar, na sua análise semiótica, o termo transposição em lugar de adaptação, por entender que uma adaptação implica uma simplificação, uma passagem unívoca do complexo ao simples, enquanto uma transposição traz a ideia de uma estrutura ordinária, flexível, que sustenta uma relação dialógica. Nas suas palavras:

[...] il primo, addattamento, richiama una interessante “conformazione a esigenze particolare”, funzionale alla cultura e alle specificità del nuovo testo, ma al contempo impone l’idea di un processo traduttivo orientato univocamente, che considera rigidamente il testo di partenza come fonte, mentre quello di arrivo appare l’esito di una costrizione. Nel termine trasposizione, invece, l’uso del prefisso /tras (analogo a/trans/), comporta sia l’oltrepassare, come in “trasgredire”, che il trasferire (come in “trasfondere”), richiamando l’attenzione sull’andare al di là del testo di partenza, attraversandolo o, appunto, moltiplicandone le potenzialità semantiche (2003, p. 16).

O Cunto, como dito anteriormente, dá veste literária à história de Cinderela e se apresenta como fonte para outras variantes, no contexto literário ocidental, justamente porque, conforme a análise de Rak (1986, p. 1107), seu autor pensou e elaborou um texto “programaticamente aperto [...], disponibile all’esercizio di tutte le violazioni”. As versões de Perrault e dos Grimm “quase” substituem a versão basiliana, a ponto de serem referências para sucessivas transposições intertextuais e intersemióticas, no universo das adaptações cinematográficas. Cinderela é um personagem em fuga, a fuga no próprio conto, quando consegue despistar os servos do rei com seus disfarces. Depois da sua aparição napolitana e barroca, Cinderela foge para além da sua história. Sua liberdade, que interpreta qualquer registro, e permanece ela

27O ano e a página correspondem ao Apêndice, in: Albanese, 2012. As próximas citações de De Simone, referentes à sua entrevista, serão identificadas desta forma. 94

mesma, é a liberdade desse gênero e do seu percurso através das culturas. Fora do circuito literário, de modas e de repêchage, diz Rak (2007, p. 143), “Cenerentola è la prova del legame delle storie con la vita. La letteratura serve sempre a qualcuno”.

2.2.3.2 Tradução intralinguística: Do antigo napolitano para o napolitano atual

A tradução intraliguística de De Simone, de 1989, com o título de Il Pentamerone overo Lo cunti de li cunti trattenimento de piccerille, foi pensada, segundo o dramaturgo italiano, com o propósito de “riportare il testo originale a una lettura di immediata comprensione, che servisse a recuperare, oltretutto, la sua antica funzione di divertimento secondo le intenzioni dello stesso autore” (1989, p. 13). Com esse trabalho, De Simone entende conciliar passado e presente, reorganizando em sua reescrita aquilo que ele considera antigo e/ou moderno nesse dialeto, delimitando essa distância de acordo com um determinado momento da história de Nápoles. De Simone, na dedicatória à sua tradução, de 1989, explica que exatamente um século antes da publicação da sua tradução, depois de cinco anos marcados por uma epidemia de cólera, acontecia em Nápoles um desmantelamento histórico que transformaria a cidade e o seu dialeto. Ele explica que em nome “del moralissimo risanamento”, quarteirões antigos formam destruídos, incluindo aqueles “dove viva era la lingua del più vivo Cunto de li cunti”, obrigando ao êxodo os habitantes, “[...] figli della ‘Nunziata’, prostitute, scugnizzi, ladruncoli, femminilli, mendicanti veri e falsi devoti [...]”, e também o dialeto que os unia (1989, p. 11). Para De Simone, esse “progresso” sinaliza uma fratura entre o dialeto antigo, do século XVII, em parte ainda vivo e falado na segunda metade do século XIX, e o dialeto “moderno”, que nasce da diáspora e cresce em uma nova realidade com a inevitável perda do léxico e com a consequente criação de um novo. Sua tradução visa acompanhar essas mudanças, sem a intenção de ser uma paráfrese ou uma simples redução ou adpatação. Ao contrário, objetiva resguardar rigorosamente, a integridade e o espírito do texto fonte, conforme se pode conferir nas suas palavras:

Si è, infatti, cercato di conservare la complessità letteraria del testo, di cui sono mantenute le frequente e concettose metafore, espressioni di una mentalità e di un particolare tipo di linguaggio 95

che non ha alcun tema di affidarsi ad una fantasia estrosa, spregiudicata, ironica, talvolta addirittura delirante, e ad una pirotecnica bravura stilistica dai resultati esilaranti. Elemento assolutamente nuovo di questo lavoro è l’aver sostituito, qua e là, vocaboli ed espressioni, che oggi risulterebbero incompresibili, con un lessico che appartiene alla realtà odierna e quindi accessibile a tutti. Si è voluto, pertanto, evitare l’aggiunta di note esplicative che, interrompendo la narrazione, avrebbero spezzato, per così dire, l’intelaiatura del testo e reso faticosa la lettura [...]. Si è inoltre tenuto presente che il Cunto de li cunti fu pensato e scritto principalmente per essere recitato in pubblico e suscitare il divertimento e il riso degli ascoltatori (1989, p. 14-16).

Ele conserva, como já foi dito, a complexidade literária do texto, entretanto, para as éclogas ele dá outro destino: as substitui por outras composições que possam restituir ao leitor de hoje o sentido que aqueles diálogos expressavam na época de Basile. Essas composições são textos fragmentados di Velardiniello, versos de Salvatore Di Giacomo e di Ferdinando Russo, Giovani Capurro, Totò e de Eugenio Pragliola, conforme a explicitação que segue:

a) na primeira écloga: “Voglio campare”, em substituição a “La coppella”, são propostos versos de Velardiniello, poeta dialetal do século XVI, juntamente com alguns versos de Di Giacomo, e di Ferdinando Russo. “L'immagine che se ne ricava è quella di un canto lamentoso e struggente per la fine di un passato felice che non tornerà più”; b) na segunda écloga, para substituir “La Venta”, o tradutor busca com “Voglio magnare” introduzir alguns textos de Eugenio Pragliola, conhecido como Pucciariello, poeta ambulante que deixava suas composições em exposições cotidianas na cidade de Nápoles. As canções napolitanas com que Basile se dirigia às “villanelle” cederam lugar às “in toscanese”; c) a terceira écloga,“La stufa”, foi substituída por “Voglio cantare”, um conjunto formado por versos do próprio Basile (Le Muse), por algumas 96

formas de expressões injuriosas, extraídas de La Gatta Cennerentola, e por expressões derivadas do jargão “femminilli”; d) em substituição à quarta écloga, “la volpara” por “Voglio ca care”, o tradutor reuniu versos do acima citado Pragliola, de Giovani Capurro e de Basile. “Con tali versi si tratta il tema della morte così come viene affrontato nella tradizione letteraria napoletana” (DE SIMONE, 1989, p. 18- 19).

De Simone esclarece que ao eleborar o seu trabalho de tradução intralinguísica não pretendeu criar um modelo de escrita para o dialeto napolitano, ou uma espécie de gramática, mesmo porque, para ele, hoje as regras gramaticais são vagas e contraditórias. Ele diz que para tal empenho consultou autores como Luigi Molianro Del Chiaro, Gaetano Amalfi, Vittorio Imbriani e o próprio Croce. Com isso, há mais uma indicação que pode contribuir para a comprovação da hipótese sugerida neste trabalho sobre a participação da tradução de Croce nas subsequentes traduções da obra de Basile. Com essa produção, bastante ampla e importante, envolvendo os sistemas de tradução, De Simone espera que a obra de Basile possa continuar sendo um modelo vivo de uma cultura que cada vez mais vem sendo esquecida, e diz que seu trabalho de tradução poderá recuperar o autêntico significado de “trattenemiento de peccerille” [entretenimento para as crianças] que o autor entende projetar, como está subtendido no subtítulo, ou, como ele quer, a “tutti quelli per i quali la conoscenza deve essere strettamente collegata a un rituale gioco di nascita o di re- nascita” (1986, p. 20). Os três processos de tradução propostos por De Simone parecem ser igualmente necessários para compreender a cumplicidade do tradutor para com a obra de Basile. Necessários, justamente porque, conforme escreve Mattioli, “Ogni traduzione che è stata fatta è una risposta prammatica al problema del tradurre che ha un significato, un’intenzione, un valore” (1983, p. 176). Também pode ser que nesses processos tradutórios, De Simone tenha tido a “intenção” de apresentar, como diz Jorge Luis Borges, “un laberinto inestimable de proyectos pretéritos o la acatada tentación momentânea di una facilidad” (1998, p. 239). Em qualquer desses casos, pressupõe-se que as releituras e recombinações feitas em um determinado texto adequam-se aos gostos e às concepções culturais prevalentes no que se pode chamar de uma aceitável forma literária. 97

3.2.4 Carolina Stromboli e Lo cunto de li cunti

Carolina Stromboli é doutora em lingua e literatura comparada, dirige um projeto de pesquisa sobre Letteratura italiana contemporanea e Teoria della traduzione na Università di Modena e Reggio Emilia. Suas contribuições, nesse sentido, foram publicadas em várias revistas, entre elas, “Strumenti critici”, “ll lettore di Provincia”, “Letteratura e dialetti”, “Italica”. Entre as suas publicações mais recentes estão: Della riscrittura del Cunto di Basile e di altre storie: conversazione con Roberto De Simone, “Il Lettore di Provincia” (2010), Un trattato cinquecentesco sulla memoria: L’Arte del Ricordare di G.B. Della Porta, “Giornale Storico della Letteratura Italiana” (2011); Teoria e pratica del tradurre in Benedetto Croce, “Studi di Estetica” (2012); Metamorfosi del Cunto di Basile. Traduzioni, riscritture, adattamenti (Longo, 2012); I dilemmi del traduttore di nonsense (ed. con Franco Nasi, Longo, 2012). Stromboli também é tradutora, em 2013 é publicada em Roma, pela Editora Salerno, a mais recente tradução italiana do Cunto, por ela, com o título de Lo cunto de li cunti. A tradução integra a coleção I novellieri italiani, dirigida por Enrico Malato. O intuito dessa coleção é oferecer uma documentação do desenvolvimento da novelística italiana do século XIII ao século XX. Os dois volumes vêm acomodados em uma caixa que traz as seguintes ilustrações: de um lado o nome e um retrato do autor, o nome da tradutora e o da editora; do outro lado, a ilustração da capa da primeira edição de 1634, conforme é possível visualizar nas figuras a seguir:

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Figura 15 - O autor Figura 16- Lo cunto .

Fonte: foto da autora (2015)

Os dois volumes estão envolvidos em uma sobrecapa que registra o nome e o pseudônimo do autor, o título e o subtítulo, o nome da tradutora, o símbolo e o nome da editora, seguindo o padrão da coleção, conforme a abaixo:

Figura 17 - Primeira capa

Fonte: foto da autora (2015)

a) Nas orelhas das sobrecapas vêm impressos, na esquerda, os objetivos e os critérios da coleção; na direita a lista dos volumes 99

publicados pela editora. A coleção I novellieri italiani se articula em seis seções – uma para cada século, com exceção da primeira, que compreende o século XIII e XIV, e da última, que compreende os séculos XIX e XX. Foi elaborada segundo os seguintes critérios: os textos deverão ser integrais, em um ou mais volumes; cada volume deve conter uma ampla introdução que apresentará o ambiente histórico e cultural do autor e da obra, além de uma nota biográfica e outra bibliográfica; deve conter, também, notas de rodapé, nota ao texto, eventuais apêndices; dois índices, um de nomes próprios e outro de notas linguísticas. Nessa edição estão incluídos dois prefácios: o primeiro, “Premessa”, é de Enrico Malato. Neste espaço ele focaliza o fato de que não há uma edição crítica da obra, capaz de resgatar a autenticidade “daquele” dialeto. Segundo ele, até então, o Cunto se sustentou em “arrumadas” edições, apesar da edição crítica de Mario Petrini, em 1974, que reúne todas as obras do autor napolitano escritas em dialeto: Le muse napoletane, Lettere e Lo cunto de li cunti. Essa almejada edição crítica, então, é organizada por Carolina Stromboli que, segundo Malato, disponibiliza aos leitores um texto, rigorosamente reconstituído, acompanhado de uma pontual tradução literária, de modo a proporcionar ao leitor o deleite de uma leitura curiosa amparada por um número expressivo de notas. O segundo prefácio é o da própria tradutora, “Introdução”, em que ela situa o autor e a obra no contexto da literatura napolitana do século XVII e concentra a sua análise no estilo e na prosa de Basile, ao mesmo tempo em que antecipa e também justifica a iniciativa de transcrição do Cunto. Stromboli entende que a tradução de Croce tornou conhecido Basile e a sua obra, mas escondeu o texto fonte escrito, ela reforça, em um difícil dialeto e em estilo barroco (2013, p. XLIV). O segundo volume, nas páginas finais, o discurso “Nota al testo”, traz as descrições das primeiras edições, os critérios da sua transcrição do texto fonte e os do seu projeto de tradução, seguidos dos índices, ao que parece, sob recomendações editoriais. Postumamente publicado, o livro de Basile dependeu e depende de quem o conduza à sua sobrevivência, por meio de (re)traduções, no sentido mais amplo que o termo pode guardar. No conjunto de todas as especificidades tradutórias, e as implicitamente ligadas a elas, está o modo como o autor e a obra são recebidos. A tabela abaixo resume apenas as traduções italianas integrais, que formam o corpus desta pesquisa:

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Tabela1 - As traduções italianas do Cunto Data de Título Tradutor Cidade/Editora publicação Il Pentamerone Benedetto ossia La fiaba Bari/Laterza 1925 Croce delle fiabe Lo cunto de li Michele Rak Milano/Garzanti 1986 cunti Il racconto dei Ruggero Milano/Adelphi 1994 racconti Guarini Il cunto de li cunti di Giambattista Basile nella Roberto De Torino/Einaudi 2002 riscrittura de Simone Roberto De Simone Lo cunto de li Carolina Roma/Salerno 2013 cunti Stromboli

Essa tabela completa a descrição das cinco traduções integrais do Cunto, em italiano, e as páginas que seguem mostram o seu percurso fora da Itália, onde foi traduzido de formas parciais e integrais, conforme as dinâmicas históricas, sociais e ideológicas de cada momento.

3.3 LO CUNTO DE LI CUNTI EM OUTRAS LITERATURAS

Se na Itália a fortuna crítica da obra de Basile tem o seu percurso acidentado, em outras literaturas sua trajetória é bem diferente, e começa na França iluminista, em fins do século XVII. Lá, segundo Rak, os cunti napolitanos são acolhidos no ambiente aristocrático dos “contes des fées”. Tem reformadas as suas vestes barrocas porque os “narratore/i e ascoltatori non facevano più riferimento alla cronaca teatrale e irreale della Napoli barocca ma a quella fantasmagorica e regolata della corte del re Sole” (2007, p. 94). Um primeiro contato da obra de Basile com a cultura francesa é registrado em algumas histórias que compõem a coletânea Histoires ou Contes du temps passe avec des moralitez que Charles Perrault publica em Paris, em 1697, e traz na contracapa o título de Contes de ma mère l’Oye. Os estudos ainda não certificam o quanto a cultura napolitana está 101

presente nesses contos, mas ela é perceptível nas muitas analogias dos enredos e das reescritas, uma vez que o texto circulava por meio de adaptações e leituras indiretas (oralidade). Por exemplo, Cendrilon (Basile, Cenerentola, 1, VI); Le maître chat ou Le chat botté (Basile, Gagliuso, 2, IV); Les Fées (Le tre fate, III, 10); Peau d’âne (L’orsa, II, 6); La belle au dormant (Basile, Sole, Luna e Talia, 5, V) trazem em seus enredos derivações de Lo Cunto: Cinderela pede à fada madrinha para ir a dois bailes e não em três, como fora sessenta anos antes, e o fadado sapato era de vidro; em La Barbie-bleue a chave se mancha quando a curiosa esposa abre a porta proibida, como se manchavam os anéis das impudicas jovens no tempo de Basile (II, 4); Cagliuso e Le chat botté têm em seus enredos a história de um pobre jovem, que ao ficar órfão recebe de herança paterna um animal que lhe trará riqueza. Embora contenham diferenças em suas estruturas, são visíveis os elementos em comum. Basile escolhe uma gata, um mendigo, dois filhos, descreve uma cena de caça e pesca, chama um falso latifundiário, que deixa suas terras aos cuidados da gata; há um rei que busca pretendente para a sua filha; há casamento e, ao final, a ingratidão de Cagliuso. Em Perrault é um gato a servir de cupido, e é deixado de herança por um moleiro a um dos três filhos; as terras são as mesmas e não há cena de pesca; há um casamento e, ao contrário de Basile, Perrault sugere uma moral positiva, descrevendo a infinita gratidão do patrão. Com a Belle au Bois dormant dormem por cem anos o castelo inteiro: os governantes, as damas, as camareiras, os cozinheiros, os soldados com os seus cavalos, as panelas e o fogo. A participação desses seres e objetos no conto francês reporta a uma cena de La cerva fatata em que todos os objetos e seres da casa dão à luz aos seus similares (I, 9). O príncipe que encontra a princesa adormecida não a violenta, como fez, apressadamente, o rei do Cunto (V, 5), mas, gentilmente ajuda a jovem levantar-se de seu leito e a conduz ao salão dos espelhos. As crianças, supostamente mortas, deverão ser cozidas em finas ervas, e não em simples molhos como deveriam cozidas as mesmas crianças indicadas por Basile. Segundo Rak (2007), a atmosfera irreal, sem tempo nem lugar, dos contos napolitanos pode ser sentida nessas derivações, mas qualquer referência à cultura de Nápoles barroca é ocultada pelos costumes à moda de Versalhes. Para além das críticas e dos possíveis plágios, Basile e Perrault foram os primeiros a colocar em memoráveis textos um moderno conceito de fábula em uma época em que o termo tinha a conotação de resumo, história inventada. Em Basile, um brinquedo fadado motiva o encontro das narradoras; igualmente em Perrault, mamãe gansa se dá a 102

contar histórias a seus gansinhos, o que demonstra não apenas a estreita relação desses contos com a tradição popular, mas, sobretudo, uma fonte de onde os respectivos autores buscam inspiração. De maneira mais concreta, a obra de Basile aparece na França em 1777, precisamente, na Bibliothèque universelle des romans, onde se tem registro das traduções de três contos de Basile: Peruonto, Sapia Licarda e Rosella, que foram incluídos em uma coleção do gênero. O curador, Marquis de Paulmy, ao apresentá-los, sublinha o caráter grotesco e, ao mesmo tempo agradável, da estrutura, o ridículo das ideias e a ingenuidade dos seus particulares (DECROISETTE, 2004, p. 328). Um século depois, em 1878, Charles Deulin inclui em sua coletânea Les contes de ma mère l’Oye avant Perrault a tradução de quatro contos: L’orsa, Sole, Tale e Luna, Cagliuso, La gatta Cenerentola. Sobre esse trabalho ele diz o seguinte:

Nous avons traduit, dans l’édition de (1674), ceux des contes du Pentamerone qui sont bâtis sur le même fond que les histoires de Ma Mère l’Oye. Nous les avons rendus aussi littéralement que possible, estimant qu’en pareil cas il faut laisser toute sa saveur au texte original. Bien que ce texte soit en dialecte napolitain du e XVII siècle, et que nous n’ayons pas eu le secours d’un dictionnaire napolitain-italien nous devons déclarer que nous n’avons pas trouvé la difficulté aussi insurmontable que nous l’avions craint d’après les assertions de Génin et du marquis de Paulmy (1878, p. 44-45).

Em 1964, uma tradução anônima de apenas seis contos de Basile, publicada pela editora ODEJ, Paris; em 1989, circula sob título de Contes de la Renaissence italiene; e em 1986 uma transposição de apenas dez contos de Basile, traduzidos por Myriam Tanant, mantém a fortuna crítica da obra na França. Esse trabalho preanuncia ao leitor francês uma futura tradução integral do Cunto, que aconteceria em 1995, por iniciativa de Françoise Decroisette, sob o título de Le conte des contes ou le divertissement des petits enfants, e reeditada em 2002. O empenho da tradutora em manter atualizada a sua (re)tradução pode ser conferido nas palavras que seguem. Diz a tradutora:

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Mi è parso nondimeno utile, in ocasione di questo incontro con Basile, a tornare dopo tanti anni sulla mia traduzione del Cunto de li cunti, se non per altro perché, riaprendo il volume in previsione di una ristampa annunciata dal’editore Circé, con le illustrazioni della prima edizione napoletana (BASILE, 2002b), ho sentito la necessità di approfondire certe interrogazioni rimaste in sospeso nell’introduzione. Una di queste, di non poca importanza nell’orientazione del mio lavoro e nella decisione dell’editore, era la constatazione dell’assenza in Francia di una edizione integrale del Cunto, a differenza di quanto è avvenuto in Germania e in Inghilterra. Di quest’assenza mi ero chiesta allora se fosse causata dalla “concorrenza” dei racconti di Perrault, dalla barriera della lingua napoletana, oppure dalla paura, ereditata dal classicismo francese, degli esaltanti “profumi barocchi” di Basile celebrati a suo tempo da Croce. Questa interrogazione faceva allusione a diverse riflessioni dei primi traduttori francesi sul Cunto de li cunti, dei quali, volutamente, non avevo approfondito le scelte – “les partis pris” come dicono in francese i traduttori –, che invece oggi mi preme poter analizzare da un punto di vista teorico (2004, p. 327-328).

Do ponto de vista teórico, Decroisette faz uma análise das traduções parciais francesas acima citadas, por entender que se de uma parte elas impediram, mais do que em outros lugares, a circulação da coletânea napolitana, de outra parte, na França, evidenciaram as características primordiais do texto que, na prática da tradução, se apresenta não como uma simples coletânea de contos orais, mas como um texto que suscita, segundo ela, uma “riflessione di poetica sull’uso delle figure e sulla scrittura concettistica, allo stesso tempo condannata e esaltata, rivalutata e regenerata dal ricorso alla lingua napolitana” (2004, p. 330). O Cunto, diz a tradutora, é como um “‘zibaldoni’ o ‘generici’ dei comici, [pensado] come un repertorio personale di oggetti e modi di dire, e organizzato secondo un’idea letteraria, un’idea di autore [...] per lasciare memoria di sé e affermare anche un’identità artistica” (2004, p. 330). Para Decroisette, traduzir Basile é colocar em evidência o caráter literário de sua obra, os significados poéticos mais profundos dela. Para 104

tanto, diz ela, é preciso “[...] giocare con la propria lingua per imitare, o almeno tentare di imitare, il gioco di Basile, usando la letteralità per conservare lo straniamento[...]”(2004, p. 339). No seu entender, em um trabalho de tradução, conservar o estranhamento é não traduzir os nomes dos lugares reais, os títulos das canções e dos jogos, os provérbios, sem tentar encontrar para eles um equivalente, no caso, em francês, muitas vezes inexistente, ou se existir, necessariamente será diferente, certamente por razões culturais. Isso não quer dizer, todavia, ligar-se somente à forma, mas significa tornar claro o intento poético do autor. Desse modo, o tradutor deve estar ciente do conjunto de tradições, isto é, de um contexto histórico que o cerca, do conhecimento das línguas envolvidas, do texto literário que vai traduzir e da história da tradução. Pois, segundo Mattioli, a atividade de traduzir sempre esteve condicionada às exigências da tradução em si, à cultura do tradutor e à sua capacidade literária. Nessa conscientização “non c’è dubbio che l’aiuto più valido venga dalla conoscenza della poetica dell’autore che si traduce”(1983, pp. 178-179). Prosseguindo com a teoria de Mattioli, que induz pensar que cada (re)tradução é uma resposta pragmática à complexidade do ato de traduzir, que tem, ao seu tempo, um significado, uma intenção, um valor, e que à história da literatura corresponde a história das traduções, vê-se adiantar a fortuna crítica do Cunto em língua espanhola. Em 1998 é publicada uma seleção de somente cinco contos com o título de Cuentos de Basile, por Rafael Sanchez Mazas. Os contos Las siete palomas (Li sette palommielle, IV, 8), Los tre de reyes animales (Li tre ri animale, IV, 3), Las siete cortés de tocino (Le sette cotonelle, IV,4), El Archipámpano de las pulgas ( Lo Polece, I, 5), La fábula del orco ( Lo cunto dell’uerco, I, 1), já tinham sido publicados, separadamente, em folhetos, em 1936, nas Ediciones de Arbol, pela editora Cruz y Raya di Madri. Outra seleção de contos foi publicada em 1991 sob o título de El cuento de los cuentos, traduzida por Carmen Bravo-Villasante. A primeira tradução completa com o título Pentamerón. El Cuento de los Cuentos chega em 1994 por iniciativa de Cesar Palma, que tomou por base a histórica tradução de Croce de 1925. Entre os alemães, o texto de Basile ganha outras dimensões, seja pelo número de traduções ou pela quantidade de adaptações de seus contos. Em 1778 Christoph Martin Wieland faz uma releitura, em versos, de um conto de Basile, Peruonto (I, 3), intitulada Peruonte oder die Wilnsche. Uma referência ao dialeto napolitano e à obra de Basile pode ser confirmada na introdução aos Römischen Studien, por iniciativa de Ludwig Fernow, publicados em 1808. Essas iniciativas 105

abrem caminho para a celebração dos contos de Basile entre a geração de escritores em época romântica, com destaque para os trabalhos de Clemens Brentano e dos irmãos Grimm. O encontro de Brentano com a obra de Basile se concretiza na tradução, ou melhor, nas adaptações de alguns contos napolitanos, que ele realiza entre 1804 e 1817, onde a ação encantatória presentes nos contos cede lugar à trama romântica. A publicação dos seus Italienische Mürchen acontece em momentos diversos e em grupos distintos de contos, evidencia, segundo Albanese, o progressivo abandono do sentido de traduzir, em favor de uma exigência cada vez mais forte, de reelaboração dos contos basilianos, que nesse caso vêm depurados de todas as alusões barrocas. Quanto aos irmãos Wilheim e Jacob Grimm, é histórico o impulso que eles deram para a reavaliação e difusão do Cunto e suas (re)traduções, principalmente o linguísta Jacob. Eles o citam com frequência nas notas da coletânea Kinder-under Hausmarchen, publicada em 1812 e em 1815. No terceiro volume dessa coletânea alemã, publicada em 1822, algo como uma retrospectiva dos livros de fábulas, os irmãos Grimm destacam a importância do Cunto para o estudo desse gênero literário, como se pode conferir na citação abaixo traduzida por Croce para os seus Saggi sulla letteratura italiana del Seicento:

Questa raccolta, tra quante ne sono state fatte presso tutti i popoli, rimase per un pezzo la migliore e la più ricca. Non solamente la tradizione era, in quel tempo, più integra; ma l'autore possedeva altresì, insieme con l'esatta conoscenza del dialetto, una capacità affatto propria nel raccogliere le fiabe ed entrare nel loro spirito. Il contenuto è quasi senza lacune, e il tòno, almeno per i napoletani, perfettamente indovinato.... Si può, dunque, considerarla come fondamento delle altre raccolte; perché, quantunque nel fatto non sia così, essendo rimasta ignota fuori del suo paese e non tradotta nemmeno in francese, nell’insieme della letteratura popolare ben occupa quel posto. Due terzi delle fiabe, che vi si leggono, si ritrovano, nei loro tratti essenziali, in tedesco, è ancora viventi. Il Basile non ha fatto alterazioni, e di rado ha introdotto aggiunte di qualche importanza; cosa che 106

conferisce alla sua opera un valore singolare (GRIMM, 1822, apud CROCE, 1911, pp. 85-86).

Com essa importante recomendação, o livro de Basile deixa o lugar de simples livro escrito em dialeto, e em um dialeto da Itália meridional, e passa a ser matéria importante para estudiosos do Ocidente, principalmente, depois que alguns contos foram traduzidos pelos próprios irmãos Grimm. Em 1816, por exemplo, Jacob Grimm traduz Lo serpe (II, 2) com o genérico título de Ein Marchen. Trata-se, segundo Raffaella Del Pezzo (2007, pp. 127-139), de uma “tedeschizzazione”: juntamente com as estruturas barrocas, são eliminadas e reajustadas situações e expressões que eles entenderam serem triviais, tanto quanto as frases idiomáticas quando não era possível encontrar um correspondente na língua alemã; os nomes das plantas, dos pássaros e dos lugares são substituídos por outros familiarizados com a cultura do destinatário. Em 1846, Félix Liebrecht publica, em dois volumes, a sua tradução completa do Cunto28, com prefácio de Jacob Grimm em que o alemão comenta o trabalho do tradutor, que se pode conferir na tradução de Croce:

Tradurre in tedesco il Pentamerone, che offre in tutta la sua peculiarità il dialetto napoletano, cosi diverso dalla lingua comune italiana, non è impresa da pigliare a gabbo. Se già soltanto l'intendere bene tutte quelle immagini, comparazioni, giochetti, espressioni d'amore, di rimprovero, di maledizione, calde e vive come poesia orientale, è faccenda molto seria: la dificoltà diventa di gran lunga maggiore quando si debba trasportarle in una lingua, che non ha pieghevolezza sufficiente a rendere quello stile ampolloso in tutti i suoi ghirigori e le sue grazie. La nostra lingua moderna, e i tempi nostri, sono troppo seri da misurarsi a simili imprese. Se un Fischart, che disponeva del costume e del vocabolario del secolo decimosesto, si fosse trovato un simile libro tra mano, avrebbe potuto lasciare libero sfogo alla lingua, e, mercé le

28Der Pentamerone oder das Märchen aller Märchen von Giambattista Basile, aus dem Neapoletanischen übertragen von Felix Liebrecht, mit einer Vorrede von Jacob Grimm, Breslau, Max u. Komp, 1846, Vol. II (CROCE, 1911, p. 86). 107

indomite parole ed espressioni di allora, che dicono senza rispetto alcuno l'onesto e il disonesto, il pulito e il non pulito, raggiungere e superare il quadro originale. Da mia parte, avevo consigliato al traduttore (della cui profonda intelligenza del testo nessuno vorrà dubitare) di sopprimere tutto ciò che urterebbe un lettore odierno; e, pure rendendomi conto che gli dovesse sembrare pericoloso rompere la fedeltà e compiutezza del suo lavoro, osservo che le parole e le frasi, le quali suonano a noi basse e triviali, quand'anche rispondano alla lettera del testo, sono diventate per noi più dure e rozze perché abbiamo concetti afflitto diversi circa la decenza, e un'trattenimiento de peccerille', innocuo a Napoli nel Seicento, non si potrebbe dare più in mano alle nostre donne e ai nostri fanciulli (GRIMM, 1846, apud CROCE, 1911, p. 87).

Uma nova tradução em língua alemã, baseada na tradução de Croce e não no texto napolitano, se deve a Adolf Potthoff, em 1954; e, em 2000, com a colaboração de outros estudiosos, Rudolf Schenda também oferece a sua tradução completa do Cunto.29 Em língua inglesa o Cunto aparece em numerosas traduções parciais que se sucederam entre 1828 e 1834 até a versão de John Edward Taylor, em 1848, com ilustrações de George Cruikshank e limitada em somente trinta contos.30 A primeira tradução integral viria em 1893, por iniciativa de Richard Burton31, seguida de uma nova tradução, em 1932, por Norman M. Penzer,32 baseada na versão italiana de Croce.

29Giambattista Basile. Das Märchem der märchem; das Pentamerone; nach dem neapolitanischen Text Von 1634/1636 vollständig und neu¨bersetzt und erläutert von H. Helbling, A. Messerli, J. Pögl u.a. Herausgegeben Von R. Schenda, München, Beck, 2000 (ALBANESE, 2012, p. 77). 30The Pentamerone or the Story. Fun for the little ones, by Giambattista Basile. Translated from the Neapolitan by John Edward Taylor, with illustrations by Georges Cruikshank. London: David Bogue, 1848. 31Il Pentamerone or the Tale of Tales. Translated by R.F. Burton. Henry end Co.: London, 1893. 32The Pentamerone of Giambattista Basile, translate from the italian of Benedetto Croce, now wsitedwith a Preface, Notes and Appendixes by N.M. 108

O Cunto também foi traduzido na Romênia, em 1968. O texto, com o título de Pantameronul sau Povestea pove tilor, foi traduzido por Aurel Covaci e prefaceado por Petru Cretia. Basile também passou a fazer parte da literatura polonesa com uma reescritura datada de 1992, limitada em somente oito contos, intitulada Najpi kniejsze ba nie, aos cuidados de Rossana Guarnieri e traduzida por M. Zurowska (ALBANESE, 2012, p. 76). Direta ou indiretamente, a obra de Basile, através das suas (re)traduções, fomenta uma literatura que no século passado teve seu maior pico, chegando em diferentes partes do mundo através das telas da Disney. No século XXI a coletânea napolitana atravessa o oceano, agora com outra proposta: Nancy. L Canepa propõe apresentar a modernidade do Cunto em um trabalho que convida o leitor a interrogar-se sobre a continuidade das tradições. Em 2007 ela publica nos Estados Unidos a sua tradução integral do Cunto com o título de Giambattista Basile’s. The Tale of Tales, or Entertainment for little Ones. O volume inclui ilustrações de Carmelo Lettere e um prefácio de Jack Zipes, além de uma ampla introdução em que consta a biografia de Basile, a trajetória editorial de sua obra e a importância dela para a firmação do conto de fadas como gênero literário, algumas reflexões críticas, e termina com a apresentação do projeto que orientou a sua de tradução, que Canepa expõe desta forma:

To what degree should the text be “familiarized”? Translating Basile’s early modern version of a nonstandard language into standard American English is especially fraught with the risks is assimilating the status of Neapolitan to that of a dominant language. Specialistis in Italian literature know that Basile’s text has virtually no precedents, or epigones, for that matter, in Italian literature, and this exceptionality derives in part from its hybrid linguistic status. Should the translator attempt to reproduce Basile’s every stylistic quirk, every note of his polyphonic opus, possibly to the detriment of fluidity, or instead, to smooth the rough edges and coax the text into more orderly submission (2007, p. 29).

Penzer (London, John Lane the Bodley Head Ltd, 1932: in 4º, di pp. LXX-309, e 333 (Croce, 2001, p. 469). 109

Canepa pode ter sido levada a eleborar um projeto de tradução orientando-se pela teoria de Wilhelm von Humboldt que diz que “ogni buona traduzione deve prendere le mosse da un semplice e non pretenzioso amore dell’originale” (2009, p. 13), dessa forma, tem-se assegurado o fato de que o tradutor, por desejo de clareza, não altere nem dilua a problemática do texto fonte. Em seu texto prefacial Canepa diz o seguinte:

I have opted for a productively foreighzing translation, in which I attempt to preserve the distinctive literary language that is “strange” tone, as well as the idiosyncrasies, of Basile’s literary language that is “strange” even in , where all Italian except erudite Neapolitans read him in translation. […] A deceptively fluent translation that purported to re-create a transparency and accessibility that were absent in the original text would thus be the most un faithful to the spirit and letter of The Tale of Tale” (2007, p. 30-31).

E ainda,

Nonetheless, a good deal of the cultural references in The Tale of Tales may be unfamiliar to the reader of today, and to embace a defamiliarizyng strategy to the point of further obscuring these seems irresponsible. Elucidation of what otherwise might appear to be esoteric references with little meaning has thus been a priority, but I have preferred, as have most previous editors, to do this outside of the text in the in the form of abundant notes […] (2007, p. 30).

Todas as traduções do Cunto foram submetidas a reflexões diferentes que levam a soluções diferentes, cada uma, certamente, legitimada por um trabalho atento de escuta das necessidades do texto e das suas razões. A provável finalidade dessas traduções é incluir, na dinâmica histórica, social e ideológica dos novos tempos, o desconhecido autor, e evidenciar, entre parêntese, a cultura na qual o texto foi originado. O quadro a seguir sintetiza as principais traduções do Cunto em língua estrangeira:

110

Tabela 2 – Traduções do Cunto em língua estrangeira Cidade e Data de Título Tradutor Língua Editora publicação Der Pentamerone Feliz Breslau/Max oder das Märchen Liebrecht Alemão und Homp 1846 aller Märchen The Pentamerone London/Davi John Edward or the Story. Fun Inglês d Bogue and Taylor 1848 for the little ones J. Cundal Il Pentamerone or Richard F. London/Henr Inglês the Tale of Tales Burton y enda Co. 1893 London/John

The Pentamerone N. M. Penzer Lane and Inglês 1932 Bodley Head Hattingen/Hu Das Pentameron A. Pottho Alemão ndt Verlag 1954 Pentamerón. El Madrid/Sirue Cuento de los Cesar Palma Espanhol la 1994 Cuentos Le conte des contes ou divertissement Françoise Francês Belval/Circé 1995 des petits enfants Decroisette

Das Märchen der München/ Märchen: das R. Schenda Alemão 2000 Bech Pentamerone The Tales of Detroit/Wayn Tales,or Nancy L. Inglês e state Univ. 2007 Entertainmente for Canepa Press Little Ones

A obra de Basile, por meio das (re)traduções, tem movimentado vários polissistemas literários, e tem estado presente em vários momentos na vida dos leitores, principalmente, daqueles que, assim como Calvino, acreditam que as fábulas são verdadeiras e que são uma explicação da vida, nascidas em tempos remotos e conservadas no rumínio das tradições populares; especificamente,

[...] sono il catalogo dei destini che possono darsi a un uomo e a una donna, soprattutto per la parte di vita che appunto è il farsi di un destino: la 111

giovinezza, dalla nascita che sovente porta in sé un auspicio o una condanna, al distacco dalla casa, alle prove per diventare adulto e poi maturo, per confermarsi come essere umano. E in questo sommario disegno, tutto; la drastica divisione dei viventi in re e poveri, ma la loro parità sostanziale; la persecuzione dell'innocente e il suo riscatto come termini d'una dialettica interna ad ogni vita; l'amore incontrato prima ancora di conoscerlo e poi subito sofferto come bene perduto; la comune sorte di soggiacere a incantesimi, cioè d'essere determinato da forze complesse e sconosciute, e lo sforzo per liberarsi e autodeterminarsi inteso come un dovere elementare, insieme a quello di liberare gli altri, anzi il non potere liberarsi da soli, il liberarsi liberando; la fedeltà a un impegno e la purezza di cuore come virtù basilari che portano alla salvezza e al trionfo; la bellezza come segno di grazia, ma che può essere nascosta sotto spoglie d'umile bruttezza come un corpo di rana; e soprattutto la sostanza unitaria del tutto, uomini bestie piante cose, l'infinita possibilità di metamorfosi di ciò che esiste (1996, p. 38-39).

Max Lüthi, por sua vez, revela como esse gênero, ao contrário da lenda, não pretende interpretar, explicar, embelezar o mundo, nem mostrar-nos como deveriam ser as coisas, mas como elas são realmente. Sua característica típica consiste em tentar mostrar, de modo claro e transparente, aquilo que na realidade parece confuso e complexo. Pois,

[...] la fiaba non è la poesia di come dovrebbe essere il mondo, nel senso che ce ne mostra uno solamente possibile, un mondo che - contrariamente a quello reale- è così come dovrebbe essere, e sul quale si misura il mondo reale (...); non simula innanzi ai nostri occhi un bel mondo nel quale, per alcuni attimi, possiamo ristorarci lo spirito, dimenticando ogni altra cosa [..]. La fiaba intende piuttosto contemplare ed esprimere con le parole come le cose stanno in realtà in questo mondo [...], non ci mostra un mondo in ordine, ci mostra il mondo in ordine. Ci mostra che il mondo è così come dovrebbe essere 112

[...]. Anche agli orrori e le brutture della vita (morti, atrocità, prove) trovano una loro collocazione, cosicché tutto risulti in ordine (1992, p. 109-111).

Por outro lado, o pretérito imperfeito conjugado na frase “era uma vez” não permite ambientar uma história em um tempo e espaço reconhecíveis. Para Regina Machado,

“Era uma vez” é uma frase com tempo verbal compartilhado pelas histórias populares, pelas crianças pequenas que se reúnem para brincar [...] e pelos artistas. Um tempo que não cabe na história temporal, datada cronologicamente, como o do ontem ou o de amanhã. No tempo e espaço cotidianos eu fui, sou e serei. [...] essa possibilidade não faz sentido nem na gramática nem na conversa de todo dia. Mas faz sentido em outro lugar e em outro tempo, no domínio do imaginário presente na versão inglesa do “Era uma vez” (Once upon a time), que se poderia traduzir imprecisamente em português como “uma vez acima ou além do tempo”. [...] “Era uma vez” quer dizer que a singularidade do momento da narração unifica o passado mítico – fora do tempo – com o presente único – no tempo – daquela pessoa que a escuta e a presentifica (2002, pp. 22- 23).

Nos contos de Basile os intervalos espaço-tempo são arbitrários e inverossímeis: o leitor/ouvinte, não se fatigará em fazer uma viagem por lugares inexistentes, por sete anos, sete meses, sete dias e sete minutos para encontrar o amor e a riqueza, porque ele sabe que tudo se resolverá em um exato momento. Uma vez aceita essa atemporalidade e absorvida a lógica do “come se”, o leitor estará disposto a vivenciar e apreciar a história “como se” o que está sendo narrado fosse verdadeiro, e a conceder-se, por todo o percurso narrativo, a liberdade de acreditar, sem reticências, na lógica de tais eventos. Diante dessa experiência e em cumplicidade com o narrador, o leitor se transporta para um “lá”, que é, segundo Machado,

[...] o lugar da imaginação enquanto possibilidade criadora e interativa do homem. Quando 113

experimento estar dentro da história, experimento a integridade individual de alguém que não está no passado nem no futuro, mas no instante do agora onde encontro em mim não o que fui ou o que serei, mas a minha inteireza no lugar onde a norma e a regra – enquanto coerção da exterioridade do mundo – não chegam. Onde eu sou rei e rainha no mundo virtual das possibilidades, o reino da imaginação criadora (2004, p. 24).

Com isso, pode-se pensar que a literatura possui o abstrato poder de satisfazer a dimensão lúdica e criativa do homem, bem como as necessidades mais latentes que compreende o conhecimento de si mesmo e do mundo, a descoberta de aspectos habituais da realidade, construir a própria identidade, amadurecer afetivamente e encontrar sentido para as coisas ao seu redor. Essa busca, por outro lado, é sempre em função do contexto histórico e da ideia de senso comum implícita nele: a dialética entre credibilidade e incredibilidade acompanha a história humana, e passou por inevitáveis mudanças, as quais interferiram na concepção e compreensão do que está na esfera do prodigioso. Conforme Rodolf Schenda (1985), há várias indicações que apontam para o fato de que nos diversos e habituais encontros informais, comuns em qualquer sociedade, as pessoas não construíam enredos baseados somente em fatos reais, mas incluíam em suas narrativas, quase sempre e conforme a ocasião, estranhezas fantásticas e junto a elas até mesmo fatos cômicos. Portanto, acredita-se que narrar é um ato sócio/cultural, que pressupõe um narrador e um público interativo. Ministrar a função de uma das fabulae aniles, para usar as palavras de Giancarlo Alfano, indica observar um duplo sentido: entreter e instruir. Nada diferente da canônica cumplicidade narrativa que se concretizou ao longo da história: se de um lado são as mulheres (em tempos antigos, as velhas avós) que depois de terem vasculhado criteriosamente “[...] le casce vecchie de lo cellevriello [e buscado] tutte li scaracuoncole de la mammoria sciegliendo fra le cose che soleva contare chella bona arma de madamma Chiarella Vusciolo, vava de ziemo, che dio l’aggia ‘n grolia, ‘n sanetate vostra” (II, 1, p. 284) ), se dão a contar histórias; do outro estão as crianças que as escutam. Eis que se chega ao Cunto, que traz no subtítulo essa provável intenção: Trattenimiento de’Peccerille (entretenimento para as crianças) e que abrevia de maneira inseparável a relação entre fábula e infância, hoje, 114

indiretamente, nas várias apresentações dos contos de Perrault e dos Grimm. Mas, a complexa arquitetura do Cunto, com suas metáforas e considerações barrocas, “quase” anula esse subtítulo. Canepa questiona a destinação do Cunto a um público infantil dizendo que o trabalho de Basile “[...] is, in the end, decidedly not for little ones. Even a cursory review of a few of the distinguishing aspects of Lo cunto bears out its status as artfully labyrinthine text” (2003, p. 39). Croce reafirma dizendo que, embora o título indique um determinado leitor e os argumentos recolhidos sejam de histórias infantis e populares, o Cunto não foi pensado e nem escrito para o público infantil: “era, per contrario, composto per uomini, e per uomini letterati ed esperti e navigati, che sapevano intendere e gustare le cose complicate e ingegnose [...]” (1925, p. XVII). Mesmo assim, houve a intenção de levar o texto de Basile ao público infantil. Conforme Albanese (2012, pp. 180-181), a primeira iniciativa foi posta em prática, em 1889, em Florença, na versão de Giustino Ferri, com o título Fate benefiche. Racconti per bambini, com ilustrações de Enrico Mazzanti. Numa versão de somente dezoito contos, Ferri entendeu evidenciar o “suposto” propósito de Basile, de endereçar sua obra ao entretenimento do público infantil. Em 1928, três anos após a publicação da tradução de Croce, Anna Scalera faz uma adaptação de alguns contos de Basile, tendo como fonte a tradução crociana, sob o título de Le fiabe. Scelta e riduzione per fanciulli, 1928. Temos, aqui, mais uma indicação de que a tradução de Croce participa de uma série de reescrita, seja para fomentar a produção editorial destinada ao público infantil seja para atender ao leitor, de um modo geral. Para esse público diversificado, Elio Pecora reescreve vinte e cinco contos de Basile e os apresenta “con una lingua chiara e veloce”, enquadrados entre um conto introdutório e a conclusão, e com considerações morais no início e ao final de cada conto. Pecora explica o seu projeto de tradução e a finalidade da sua reescrita em um breve prefácio, onde se lê:

Le traduzioni in italiano del Pentamerone [...] ne restituiscono la notevole quallità letteraria, ma non ne attenuano le dificoltà di lettura. E, proprio per avvicinare queste fiabe al lettore di oggi, anzitutto al ragazzo e al bambino, mi sono posto in questa impresa. [...] Dal capolavoro del Basile 115

ho cercato di trarre la leggerezza e la gioia del narrare, riscrivendone in una lingua chiara e veloce il gioco degli eventi e l’eco degli ammaestramenti. Se ho svestito l’originale della sua forma ineguagliabile, credo e spero di averne salvata la meravigliosa sostanza (2003, p. 9).

Pode ser que nesse seu trabalho, Pecora, assim como Calvino, não tenha se protegido “dall’ impermeabilità della distinzione crociana, tra ciò che è poesia in quanto un poeta la fa propria e ricrea, e ciò che invece ripiomba in un limbo oggettivo quasi vegetale [...]”(CALVINO, 1996, p. 36). Ao contrário de Calvino, que se aventurou no mundo das narrativas populares, Pecora viajou em terra firme, e por ali também encontrou príncipes e mendigos; entrou em sacristias e casebres, atravessou selvas, assistiu a tormentos insuportáveis e alcançou prêmios inesperados. Certificou-se de que o cotidiano se confunde com o prodigioso, de que Cinderela e Petrosinella, gatos fadados, príncipes serpentes, irmãs invejosas, convidam o leitor a dividir experiências, sem esquecer que o contentamento sucede a superação de obstáculos. Mas, conforme Pecora, “ascoltando racconti piacevoli ‘si svaporanno gli affanni, spariscono le preoccupazioni’(2003, p. 15). Come se la vita stessa si fermasse ad ascoltare la vita che si racconta”. Os três exemplos de reescritas citados acima, isto é, a tradução de Ferri, a de Scalera, que teve como fonte a tradução crociana e a contemporânea versão de Pecora, são uma amostra dos diversos modos de fazer chegar ao público infantil o texto basiliano. Essa flexibilidade permite ao tradutor interagir com as necessidades linguísticas, culturais e ideológicas do polissistema para o qual o texto é endereçado. Tem-se como resultados tais reescritas etnocêntricas com a intenção de tornar os contos de Basile “adequados” aos jovens leitores. As escolhas tradutórias que implicam nas reescritas do Cunto direcionadas às crianças podem ser de ordem sintática, que o tradutor pode obter, por exemplo, organizando ou eliminando as frondosas locuções barrocas para descrever reis enamorados e princesas prisioneiras, e também filtrando, criteriosamente, alguma referência à sexualidade ou à atividade corpórea (se se pensa na relação da obra de Basile com a de Rabelais). Para esses casos, Lefevere (2007, p. 24), adverte que, o tradutor deve construir um texto, de tal modo, que chegue primeiro a um leitor atento, que saiba reconhecer na sua adaptação os sinais de manipulação tanto poética quanto ideológica. E mais, que saiba conviver com esse texto em seu próprio sistema, e que possa incluí-lo 116

entre as leituras destinadas ao público infantil. Nesse sentido, as reflexões de Even-Zohar são bastante sugestivas, pois apontam para o fato de que a literatura traduzida abrange toda forma de reescrita, adaptações, reduções. Esse conjunto de textos faz parte de um sistema literário que interage com outros sistemas culturais e ideológicos na cultura para a qual eles são destinados. Nas palavras de Even-Zohar,

[...] L’ipotese del polisistema può incrementare la nostra conoscenza non solo perché ci mette in grado di osservare le relazioni laddove dificilmente erano state cercate in precedenza, ma perché aiuta a spiegare il meccanismo di tali relazioni. [...] Il problema maggiore sembra essere non tanto la richerca di quali generi siano stratificati in alto o in basso, ma la ricerca delle condizioni per le quali certi generi partecipano al processo di cambiamento entro il polisistema (1995, p. 28-29).

Vera Teixeira Aguiar entende que as adaptações de textos para a infância devem estar associadas às relações cognitivas, sociais e afetivas dos leitores. Mas, diz ela,

[...] é preciso assegurar a coloquialidade da linguagem, a captação da energia viva da fala, com a sua espontaneidade e versatilidade. Escrever para a infância [...] não é escrever pobre, mas escrever fluente [...], não se fazem concessões empobrecedoras, da mesma maneira que se risca a linguagem pernóstica. [...]. O que é precedente [...] é a “limpeza estrutural” dos textos. Referimo-nos a digressões morais, religiosas, ou informativas, que são dispensáveis, e longas descrições que podem ser descartadas. O que importa é a história enxuta [...]. O estímulo à inteligência e à imaginação nasce, justamente, dessa economia estrutural (2003, p. 246).

No espaço tradutório da Literatura Infantil, a adaptação é um procedimento bastante recorrente, que para Mona Baker, “which can be used whenever the context referred to in the original text does not exist in the culture of the target text, thereby necessitating some form of re- creation” (2005, p. 5). 117

O “como” traduzir, segundo Umberto Eco (2007), implica uma colaboração, ou melhor, uma “negociação” conciliadora entre criatividade e criação: o tradutor administra uma relação específica com a sua atividade, isto é, ele concebe e percebe a tradução através dos sentidos, das finalidades, formas e modos. Não é, entretanto, uma interiorização puramente pessoal porque é marcada por um discurso histórico, social e literário, diluído, muitas vezes na inconsistência de conceitos e normas tradutórias. No caso dos textos destinados, principalmente, ao público infantil, alguns itens específicos requerem adaptações, como por exemplo, títulos, nomes, costumes, jogos, algumas formas dialetais. Em qualquer desses casos, o tradutor está livre para inserir notas explicativas no próprio texto, substituir, omitir ou encontrar um termo aproximado, reconhecível na cultura do leitor da tradução. Os gêneros que hoje foram incorporados à literatura para crianças: fábulas, mitos, lendas, cumpriam na antiguidade, funções bem complexas; faziam parte de uma grade de conhecimentos que ajudavam o homem a construir a sua identidade. Hoje são histórias mágicas, fantásticas, rituais, mitológicas, mas sempre histórias do homem. A propósito, Calvino escreve que essas histórias não tinham (e talvez não tenham ainda hoje) um destinatário específico, eram contos maravilhosos, pura expressão das necessidades poéticas de certo estágio cultural. Segundo Calvino,

La fiaba infantile existe sì, ma come genere a sé, trascurato dai narratori più ambiziosi, e perpetuato attraverso una tradizione più umile, familiare, con caratteristiche che si possono sintetizzare nelle seguenti: tema pauroso e truculento, particolari scatologici [...], versi intercalati alla prosa con tendenza alla filastrocca. [...] Caratteristiche in gran parte [...] opposte a quelli che sono oggi i requisiti della letteratura infantile (1996, p. 75).

A narrativa dirigida às crianças e aos adolescentes nasce e se desenvolve na Europa entre o século XVII e o XVIII com uma explícita intenção educativa. Especialmente na França, em 1697, a publicação dos Contes de ma Mère l’Oye de Perrault33 é o resultado de uma particular

33 Lajolo e Zilberman sustentam que Perrault “não é responsável apenas pelo primeiro surto de literatura infantil [...]. Seu livro provoca também uma preferência inaudita pelo conto de fadas, literalizando uma produção até aquele 118

moda literária, “La mode des fées”. No início do século XIX, esse gênero surge sombrio e truculento na literatura romântica alemã, como anônima criação do Volksgeist, mais precisamente, como diz Calvino, “da un’antichità ancestrale che aveva colore d’un atemporale medioevo, per opera dei fratelli Grimm” (1996, p. 32), e que depois se confinaria na Literatura Infantil. Jack Zipes dá conta de que “l’esplosione della fiaba francese e il suo acquistare una tale importanza fu parte, non va dimenticato, di una continuità storica che aveva preso avvio in Italia” (Zipes, 2006, p. 37). Basile e, antes dele, Straparola, com Le piacevoli notti, foram exemplos para os escritores de fábulas, principalmente entre os franceses, que usaram esse gênero para pontuar a atenção sobre conflitos envolvendo o processo de civilização da época, e ainda hoje é usado para discutir as noções de comportamento, explica Zipes, reportando-se ao filme Shrek, que encarna modelos de civilidade. Os tempos podem ter mudado, diz o autor,

[...] ma grazie alla creazione della fiaba da parte di Straparola e Basile, noi possiamo ancora contare sulla strategia narrativa che essa offre per comprendere quanto sia pericoloso pensare di vivere in un mondo più civile e migliore delle società del passato (2006, p. 50).

Após a descrição das diferentes edições da obra de Basile na Itália e em alguns países europeus, no próximo capítulo serão analisados os prefácios e posfácios das traduções italianas do Cunto, a fim de verificar nos referidos textos limiares da primeira tradução e das retraduções da obra para o italiano quais teorias da tradução nortearam os projetos dos tradutores, o que seus projetos têm em comum e em que eles se diferenciam.

momento de natureza popular e circulação oral, adotada doravante como principal leitura infantil” (1985, p. 16). 119

4 PREFÁCIO E POSFÁCIO NAS (RE)TRADUÇÕES DE LO CUNTI DE LI CUNTI PARA O ITALIANO

É assim que Hugo apresenta seu Prefácio, que é também, no seu espírito, um verdadeiro manifesto ... Victor Hugo

Neste capítulo apresentam-se as bases teóricas que dão suporte à análise dos prefácios e posfácios do corpus selecionado. Em 4.1, com base nas reflexões de Emilio Mattioli e de Meschonnic, foram abordadas questões sobre a poética do traduzir; em 4.2 discutem-se as reflexões de Antoine Berman sobre a posição, o projeto e o horizonte de cada tradutor; em 4.3 apresentam-se as teorias relacionadas aos paratextos desenvolvidas por Gérard Genette, mais especificamente a dos prefácios e posfácios; em 4.4 buscam-se as teorias da tradução que nortearam cada projeto analisado; 4.5 o resultado da análise foi apresentado com a comparação dos pontos em comuns e/ou divergentes em cada projeto.

4.1 OPÇÕES/POSSIBILIDADES DE TRADUÇÃO

Emilio Mattioli diz que o verbo traduzir, conjugado no sistema literário, é uma ação que, depois de ter sido debatida ao longo da história, “in una appassionante alternanza di entusiasmo e di disperazione” (1983, p. 135), parece confinada em um impasse irremediável. Mattioli desbloqueia uma situação ancorada em antigas ideologias, que veem a tradução como sinônimo de reprodução, e propõe substituir a tradicional pergunta “é possível traduzir?” a perguntas do tipo “como se traduz?” e “que sentido tem a tradução?” Isso, diz ele, equivale,

sostituire alla domanda di tipo metafisico la domanda di tipo fenomenologico. In questo modo eviteremo tutte le aporie che comporta il rispondere alla prima domanda e non ci precluderemo la comprensione di nessuno dei moltiplice significati che ha questa complessa operazione che indichiamo con la parola tradurre (1983, p. 163, grifo do autor). 120

Contra a ideia de uma tradução orientada segundo um único método, simplificando um problema complexo e ignorando o momento histórico. Mattioli propõe que o tradutor chegue à pluralidade dos métodos sem cair em um relativismo sem rigor. Na sua concepção, as poéticas podem ser de grande valia para evitar esse tipo de risco. O seu conceito de poética representa a reflexão que os artistas e poetas exercitam em seus trabalhos, indicando os seus respectivos processos, as suas respectivas ideias e métodos de tradução. Assim, Mattioli sustenta que “tener presente la poetica dell’autore che si traduce significa soltanto intenzionare e orientare il proprio sforzo nella maniera meno arbitraria possibile” (1983, p. 181) Desse modo, Mattioli evidencia a noção de poética desenvolvida por Meschonnic, cuja formulação se exaure na busca da especificidade literária e faz dessa especificidade, através da noção de ritmo, uma antropologia histórica da linguagem. A poética, diz Meschonnic,

é uma teoria crítica no sentido em que ela se encontra como teoria de conjunto da linguagem, da história, do sujeito e da sociedade, e recusa as regionalizações tradicionais, mas também no sentido em que ela se funda como teoria da historicidade radical da linguagem. A tradução desempenha aí um papel maior (2010, p. 5).

Portanto, o papel concedido à poética, no âmbito tradutório, é o de fazer emergir uma relação menos estática entre o texto de partida e o texto de chegada, uma relação que coloca em contato duas possibilidades mais que dois resultados. A tradução, então, nasce da relação entre duas poéticas e a sua análise parte dessa relação. Entretanto, para fundamentar essa relação, Mattioli diz que é importante, aprender e conviver com o que é provisório, e isso não significa uma renúncia, mas uma conquista,

[...] significa infatti riconoscere alla traduzione una partecipazione profonda e una funzione nell’ambito della vita dell'arte e aprirsi ad una comprensione non pregiudicata di questa attività, la cui centralità è fortemente presente nella coscienza culturale del nostro tempo tanto da 121

configurarsi come un punto di riferimento per il riassestamento in atto dei saperi (2001, p. 39).

As reflexões propostas neste trabalho, sobre as traduções italianas do Cunto, constituem um tarefa importante para compreedender a recepção dessa obra, em nosso tempo, a distância temporal, desde a sua escrita, no período barroco, até a última (re)tradução, em 2013. Detectar e compreender essa temporalidade, da qual fala Mattioli, permite acompanhar não só a atualização da linguagem como também o dinamismo das traduções, e consequentemente, evidenciar a incontestável intuição de cada tradutor.

4.2 PROJETO DE TRADUÇÃO

Para Berman, traduzir é traduzir a letra, não no sentido de uma tradução literal, “servil”, mas como capacidade de tornar visível o “corpo da letra” (2013, p. 15). Ele rejeita o modelo etnocêntrico (porque esquece a língua em que foi escrito o “original”), hipertextual (porque manipula o “original”) e platonizante (porque separa o sentido da letra). A esses modelos, ele contrapõe uma reflexão que delineia um tipo de tradução que ele classifica como: ética (contra a tradução etnocêntrica), poética (contra a tradução hipertextual) e pensante (contra a tradução planonizante). Ele é, portanto, a favor de um conceito de tradução que objetiva se manifestar-se, sobretudo, como experiência capaz de abrir-se ao estrangeiro, e acolhê-lo em um espaço de língua. Se na obra acima citada Berman reconhece essa acolhida, Em seu livro póstumo, Pour une critique des traductions: John Donne (1995), Berman ressalta a importância de uma relação tradutória dinâmica, ao mesmo tempo em que deixa uma importante contribuição metodológica, formulada a partir de um conceito de “crítica da tradução” e “crítica produtiva”. O propósito de Berman é dar forma e estabelecer algumas regras à “crítica da tradução”, com base em um conceito de “crítica” formulado por Friedrich Schlegel, de quem também deriva a expressão “crítica produtiva” (1995, p. 96). Segundo ele, quer dizer levar à luz “la vérite d’une traduction” (p. 14). Ocorre acrescentar que a tradução comporta em si mesma um momento crítico, sobretudo quando se trata de (re)tradução. A crítica da tradução é, ao mesmo tempo, crítica de uma atividade que já é por si só uma crítica. Nesse cenário, uma “boa” tradução é aquela que se ajusta em um determinado momento histórico, aquela que é aceita na cultura de chegada, que transmite e integra a obra estrangeira ao polissistema 122

literário que a recebe. E, entender esse processo, requer parte de um amplo exercício de leitura e de releitura, incluindo o texto que a originou. Esse trabalho de leitura permite selecionar e filtrar escolhas significativas, pontos decisivos para a análise de uma tradução. Mas, antes mesmo de avaliar uma tradução, é necessário interrogar-se sobre quem traduz, diz Berman, não em relação à sua biografia, mas segundo três categorias fundamentais: sua posição, seu projeto e seu horizonte tradutivo. Em outros termos, respectivamente, equivale buscar o que motivou a sua atividade e as intenções específicas que o orientaram. Isso corresponde ao estudo da poética do tradutor. Pois,

Tout traducteur entretient un rapport spécifique avec sa propre activité, c'est-à-dire à une certaine conception ou perception du traduire, de son sens, de ses finalités, de ses formes et modes. Conception et perception qui ne sont pas purement personnelles, puisque le traducteur est effectivement marqué par tout un discours historique, social, littéraire, idéologique sur la traduction (et l'écriture littéraire) (1995, p. 74).

Conforme a explicação de Berman, a posição tradutória é, por assim dizer, o compromisso entre a maneira como o tradutor concebe o ato de traduzir e o papel da tradução, e a maneira como ele trabalhou essas normas. Nesses termos, para o autor francês, ela é mais que compromisso, é o resultado de uma “élaboration: “elle est le se-poser du traducteur vis-à-vis de la traduction [...]”(1995, p. 75), e pode ser verbalizada, manifestada, e se transformar em représentation. Nem sempre essas representações expressam as suas verdades, justamente porque elas aparecem em textos codificados como os prefácios, as entrevistas; e é nesses espaços que o tradutor tende “a laisser parlar in lui la doxa ambiante e les topoi impersonnels sur la traduction” (1995, p. 75). A segunda categoria é a do projeto tradutório e foi pensada pelo teórico francês, tendo como princípio o pressuposto que “toute traduction conséquente est portée par un projet, ou visée articulée” (1995, p. 76). É o mesmo que reconhecer a necessidade de um prévio conhecimento da obra a ser traduzida, de modo que o tradutor, com base em seu projeto, pode determinar, a priori, o grau de autonomia e heteronomia que será direcionado para a sua tradução, a partir, 123

certamente, das exigências particulares do texto. Toda tradução, então, deve ser submetida a um projeto, e se consolidará mediante a aplicação e a constatação desse projeto, ele será específico e acessível somente a partir da própria tradução. Conforme Berman,

[...] tout ce qu'un traducteur peut dire et écrire à propos de son projet n'a réalité que dans la traduction. Et cependant, la traduction n’est jamais que la réalisation du project: elle va où la mène le projet, et jusqu'où la mène le projet (1995, p. 77).

Berman diz que “les formes de un projet de traduction, lorsqu’il est énoncé, son multiples” (1995, p. 77), e com elas o tradutor pode organizar o seu projeto tendo em mente uma edição monolíngue ou bilíngue, como por exemplo, trazer o texto fonte ao lado da tradução; pode apresentar uma edição com ou sem paratextos (prefácio, posfácio, notas, etc); pode optar por uma edição que leve o leitor até o texto, ou o contrário; pode incluir no seu projeto o autor e a sua obra, e justificar a sua tradução; ele pode mencionar uma possível influência de outras traduções, no caso de uma retradução. Por fim, o horizonte do tradutor acolhe as duas categorias: posição tradutória e projeto de tradução que para Berman, reunidas, formam “[...] l’ensamble des paramètres langagiers, littéraires, culturels et historiques qui ‘déterminent’ le sentir, l’agir et le penser d’un traducteur” (1995, p. 79). A seguir, analisam-se como essas categorias aparecem nas diferentes traduções do Cunto aqui selecionadas, especificamente nos prefácios e posfácios das referidas (re)traduções.

4.3 PREFÁCIO E POSFÁCIO: FUNÇÕES

Em 1972, Derrida propõe um estudo sobre a história e a tipologia dos prefácios e formula uma série de questionamentos sobre eles: “Mais que font les préfaces?”, “Ne faudra-t-il pas em reconstituer un jour l’histoire e la typologie?ˮ, “Forment-elles un genre?”, pois para Derrida, o prefácio

n’expose pas le devant frontal ou préambulaire d’un espace. Elle n’exhibe pas la première face ou sur-face d’un déroulement qui s’y laisserait ainsi pré-voir et présenter. C’est l’avance d’une parole 124

(praefatio, prae-fari). À telle anticipation discursive, le protocole substitue le monument d’un texte : première page a collée par-dessaus l’ouverture – la première page – d’un registre ou d’un ensamble d’actes (1972, p. 14).

Mas é com Gérard Genette que os prefácios e outros textos de acompanhamento adquirem mais atenção da crítica. Ele prescreve que os discursos preliminares “não tem por desafio principal ‘tornar bonito’ em volta do texto” (2009, p. 358), eles também consubstanciam o texto, tornando-o presente, e influenciam os leitores a formularem valores e conceitos acerca da obra, porque fornecem os aspectos biográficos do autor, sua notoriedade, bem como a contextualização histórica e literária da obra, o que permite uma leitura mais objetiva. Segundo Genette,

[...] o texto é incapaz por si só de adaptar-se às modificações de seu público, no espaço e no tempo. Mas flexível, mais versátil, sempre transitório porque transitivo, o paratexto é, de algum modo, um instrumento de adaptação: daí as modificações constantes da “apresentação” do texto (isto é, de seu modo de presença no mundo), em vida do autor por seus próprios cuidados, depois ao encargo, bem ou mal assumido, de seus editores póstumos (2009, p. 358).

Com estas palavras, Genette informa que o texto literário raramente se apresenta desacompanhado. Estão com ele outros discursos,

[...] verbais ou não, como um nome do autor, um título, um prefácio, ilustrações, que nunca sabemos se devemos ou não considerar parte dele, mas que em todo caso o cercam e o prolongam, exatamente para apresentá-lo, no sentido habitual do verbo, mas também em seu sentido mais forte: para torná-lo presente, para garantir sua presença no mundo, sua “recepção” e seu consumo, sob a forma, pelo menos hoje, de um livro (2009, p. 9).

A essa comitiva de textos, Genette batiza de paratexto. Assim, conforme a sua descrição, “o paratexto é aquilo que por meio de um 125

texto se torna livro e se propõe como tal a seus leitores, e de maneira mais geral ao público” (2009, p. 9). Organizando e definindo sistematicamente o discurso que acompanha a publicação de uma obra literária, seja o texto base/de partida ou as suas sucessivas traduções, Genette apresenta o paratexto como sendo “o conjunto heteróclito de práticas e de discursos de todos os tipos e de todas as idades [...]”, que forma não apenas uma “zona de transição [mas] de transação: lugar privilegiado de uma pragmática e de uma estratégia, de uma ação sobre o público, a serviço, bem ou mal compreendido e acabado, de uma melhor acolhida do texto e de uma leitura mais pertinente [...]” (2009, p. 10). Segundo ele, as mensagens paratextuais em torno do texto não possuem uma regularidade constante e sistemática. Seus estudos mostram que “existem livros sem prefácio, autores refratários às entrevistas e sabemos de épocas em que não era obrigatória a inscrição de um nome de autor, ou mesmo de um título” (p. 11). Os estudos de Genette mostram que os paratextos,

não cessam de modificar-se conforme as épocas, as culturas, os gêneros, os autores, as obras, as edições de uma mesma obra, com diferenças de pressão às vezes consideráveis: é uma evidência reconhecida que nossa época “midiática” multiplica em torno do texto um tipo de discurso desconhecido do mundo clássico, e a fortiori na Antiguidade e na Idade Média, época em que os textos circulavam muitas vezes em estado quase bruto, sob a forma de manuscritos desprovidos de qualquer forma de apresentação. Digo quase, porque só o fato de haver transcrição – mas também transmissão oral – introduz na idealidade do texto uma parte de materialização, gráfica ou fônica, que pode induzir [...] efeitos paratextuais. Nesse sentido, pode-se sem dúvida adiantar que não existe, e que jamais existiu, um texto sem paratexto (2009, p. 11).

Genette divide o paratexto em peritexto e epitexto. O peritexto trata das mensagens que se situam ao redor do texto, no espaço do mesmo volume; o epitexto abraça tudo o que está “ainda em torno do texto, mas a uma distância mais respeitosa [...] em geral num suporte midiático [...] ou sob a forma de comunicação privada [...]” (2009, p. 12). O prefácio, portanto, é uma forma de peritexto. Hoje, inúmeros 126

estudos mostram a importância desses discursos de acompanhamento na concepção e aceitação da obra literária, sobretudo na relação entre a obra e o leitor. Às teorias de Genette juntam-se as de Anne-Rachel Hermetet, para quem a função de um prefácio/posfácio é mais abrangente, justamente porque “un texte traduit appelle un effort majeur d’acclimatation puisqu’il parvient au lecteur privé de son contexte et qu’il doit trouver sa place dans une tradition littéraire qui n’est pas la sienneˮ(2000, p. 213). O tradutor, quando autor de um prefácio ou posfácio, tem a possibilidade de estar dentro e fora do texto, como um agente a instigar critérios que guiam a crítica literária; critérios esses não mais voltados para a busca de valores, mas para documentar a análise das funções que orientaram a criação de um novo texto. Nesse sentido, José Yuste Frias, diz que esses espaços deixam visível o tradutor como sendo aquele

[...] sujet traduisant et le premier agent paratraducteur car il est toujours ‹en para›, c’est-à- dire pas seulement à la fois des deux côtés de la frontière entre langues, entre cultures, que suppose tout texte à traduire ou traduit: il est aussi lui-même la frontière elle même où se déroule tout échange. Sujet en marge, le traducteur est le seuil entre le familier et l’étranger, l’entre-deux d’un espace intermédiaire situé toujours entre […] et, comme un pont, il rend possible le passage entre une rive et l’autre. Il unit et sépare en même temps (2010, p. 309).

Na colocação de Frías, esses espaços evidenciam uma relação de troca entre o auto/tradutor/prefaciador e o leitor. Há, nessa relação de troca, um “querer dizer”, que Derrida formula desta forma:

[...] reformant un vouloir-dire aprés le coup, le texte est un écrit – un passé – que, dans une fausse apparence de présent, un auteur caché et tout- puissant, en pleine maîtrise de son produit, présente au lecteur comme son avenir. Voici ce que j’ai écrit, puis lu, et que j’écris que vous allez lire. Après quoi vous pourrez reprendre possession de cette préface qu’en somme vous ne lisez pas encore, bien que, l’’ayant lue, vous ayes déjà anticipe sur tout ce qui la suit et que vous 127

pourrez presque vous dispenser de lire. Le pré de la préface rend présent l’avenir, le represente, le rapproche, l’aspire et en le devançant le met devant. Il le réduit à la forme de présence manifete (1972, p. 13).

Com base nos postulados de Derrida, Genette classifica o prefácio como sendo “toda espécie de texto liminar (preliminar ou pós- liminar), autoral ou alógrafo, que consiste num discurso produzido a propósito do texto que segue ou que antecede. Assim, o posfácio será considerado uma variedade de prefácio [...]”(2009, p. 145), e, “colocado no final do livro e dirigindo-se a um leitor não mais potencial mas efetivo, o posfácio é certamente de leitura mais lógica e mais pertinente”. Mas ele “é não obstante de eficácia muito menor, porque não pode mais exercer os dois tipos de funções essenciais que encontramos no prefácio: reter e guiar o leitor explicando-lhe por que e como se deve ler um texto” ( 2009, p. 212). Assim, continua Genette,

[...] faltando a primeira ação, talvez ele nunca mais tivesse a ocasião de chegar até um eventual posfácio; faltando a segunda, será talvez tarde demais para consertar in extremis a má leitura já feita. Por sua localização e seu tipo de discurso, o posfácio pode pretender exercer apenas uma função curativa e corretiva; a essa correção final é compreensível que a maioria dos autores prefiram (sic) as dificuldades e os dialates dos prefácios, cujas virtudes são pelo menos a esse preço monitórias e preventivas (2009, p. 212).

Diante desses enunciados é possível concluir que tanto os prefácios quanto os posfácios, ambos têm um papel fundamental na recepção de uma obra, traduzida ou não. Nos termos da tradução, os tradutores, algumas vezes autores desses discursos, enfatizam o papel da tradução como ferramenta de conhecimento do estrangeiro, e aproveitam esses espaços paratextuais para comentar e questionar tensões entre eles e os textos a serem traduzidos. Nesse sentido, Maïca Sanconie escreve o seguinte:

Préface et postface sont deux états du commentaire à la disposition des traducteurs dans l’espace du paratexte et, s’ils en disposent, c’est dans l’espoir d’apporter du sens supplémentaire 128

afin, par cet effort, de combler la perte de la langue originale induite dans le processus de traduction en renforçant le processus de naturalisation du texte original. Ce faisant, ils soulignent aussi les limites de l’opération de traduction et la relation du traducteur avec le texte cible, dont il est, en dernier lieu, l’auteur (2007, p. 20).

O Cunto é um livro ainda pouco conhecido do leitor em geral. Os motivos que levam a esse desconhecimento podem ser vários e alguns já foram elucidados ao longo desta tese. Por isso, o discurso de acompanhamento pode ser útil para melhor compreender determinados aspectos dessa obra tão complexa e rica. A seguir, apresenta-se um “trajet analytique possibile” do conteúdo dos prefácios e posfácios nas (re)traduções do Cunto.

4.4 PREFÁCIOS E POSFÁCIOS: CROCE, RAK, GUARINI, DE SIMONE E STROMBOLI34

Para chegar a um dos objetivos deste trabalho, que é o de buscar a(s) concepção(ões) tradutória(s) que orientaram os referidos tradutores em seus projetos, formulou-se a pergunta, de acordo com as três categorias de análise apresentadas por Berman: posição, projeto, horizonte tradutórios. Por que traduzir e retraduzir Lo cunto de li cunti? Em primeiro lugar, não se pode negar que esse movimento de (re)tradução conjuga profundas experiências culturais e históricas bem determinadas, que apontam para um “horizon d’attende” de um público italiano que talvez busque “resolver” a sua debatida “questione della lingua”, uma vez que as (re)traduções são de um de seus dialetos para a sua língua oficial, ou que pretenda resgatar as suas tradições, ou ainda de um público contemporâneo que, por meio de um tradutor, reforce as suas relações com a literatura. Ou quem sabe, ainda, um público que, como diz Calvino, queira encontrar nas fábulas “una spiegazione

34 Parte do conteúdo que será apresentado a seguir foi publicado em “Prefácios e posfácios na primeira tradução e última retradução para o italiano de Lo cunto de li cunti de Giambattista Basile”, artigo em coautoria com Andréia Guerini, que será publicado em 2015, na revista Caligrama (UFMG). Nesse artigo, as autoras buscam analisar quais as concepções tradutórias que norteram os projetos de tradução da primeira tradução da obra de Basile, feira por Croce (1925) e o da última retradução, por Carolina Stromboli (2013). 129

generale della vita” (1996, p. 38). Enfim, como diz Berman, “il est aisé de voir que tous ces paramètres forment l’horizon obligé du traducteur [do Cunto] et que cet horizon est lui-même pluriel” (1995, p. 80). Viu-se que Genette atribui várias funções aos discursos de acompanhamento de uma obra, dado que “a obra literária consiste [...] numa sequência mais ou menos longa de enunciados verbais mais ou menos cheios de significados” ( 2009, p. 9). A obra se oficializa quando o leitor dá “tom” à voz do texto; ele é, portanto, o destinatário destes paratextos. O prefácio, então, para dizer “em sua própria mensagem, postula de seu leitor uma leitura iminente, ou mesmo (posfácio) posterior à do texto” (2009, p. 173), e com isso, reveste estes discursos de sentido e de utilidade. A seguir, a análise dos prefácios e posfácio pretende mostrar o sentido e a utilidade desses discursos, que podem ser de apresentação e/ou de recomendação, na medida em que traz ao leitor as especificidades de uma obra traduzida.

4.4.1 O prefácio de Croce

A tradução de Croce traz somente prefácio, com o título “Giambattista Basile e l’elaborazione artistica delle fiabe popolare”, e inicia com a seguinte argumentação:

L’Italia possiede nel Cunto de li cunti o Pentamerone del Basile il più antico, il più ricco e il più artistico fra tutti i libri di fiabe popolare [...] Eppure l’Italia è come se non possedesse quel libro, perché, scritto in un antico e non facile dialetto, è noto solo di titolo, e quasi nessuno più lo legge, nonché nelle altre regioni, nemmeno nel suo luogo d’origine Napoli. [...] Intento di questa mia nuova fatica è di far entrare l’opera del Basile nella nostra letteratura nazionale, togliendola dall’angusta cerchia in cui ora è ralegata [...] e di accquistare all’Italia il suo gran libro di fiabe (1925, p. IX-X).

Com essas palavras, Croce confirma o pressuposto de que as traduções são um meio de manter vivos os textos, pois como diz Benjamin, “in esse la vita dell’originale attinge, in forma sempre rinnovata, il suo ultimo e più comprensivo dispiegamento” (2009, p. 224). A relação, portanto, que Croce estabelece entre o leitor e o seu 130

discurso gera a expectativa de uma tradução que se identifique com a mesma adjetivação com que ele identificou o texto de Basile. Para manter essa expectativa, Croce apresenta, resumidamente, uma biobibliografia de Basile, informando que Basile prestava serviços administrativos à corte napolitana do século XVII, enquanto escrevia canções, odes, quase sempre laudatórias, em italiano, elaboradas “nella forma tesa e contorta, che era di moda” (1925, p. XII), como estes versos escritos para Luigi Carafa:

Musa, di’tu il valore del gran Luigi, e s’ei tien forse vile che con mortal onore adombril il suo splendor caduco stile, gradirà ben che le sue lodi e ‘l vanto spieghi d’eterna Dea celeste canto...

ou, em espanhol, para o duque d’Alba:

Senõr, quien Alba te llamas, Menga ya tus resplandores, Pues em efecro mayores Son las obras de tu fama... (CROCE, 1925, p. XII).

Depois, inventou para si um nome, Gian Alessio Abbatuis, e um novo jeito de fazer literatura, escrevendo em dialeto napolitano, Lettere, Muse napolitane e Lo cunto de li cunti, overo lo trattenemiento de’peccerille, todas publicadas postumamente. Um resumo de quase todos os cinquenta contos que constituem a coletânea basiliana ocupa boa parte do prefácio de Croce, que é como um convite ao leitor, para que ele confira “i molti motivi sentimentali che risuonano in queste fiabe, sia che il Basile li prenda dal popolo e li ravvivi, sia che vi li introduca di proprio, sempre approfondendo e rendendo umano il nudo e schematico fiabesco” (1925, p. XXVI). Das vinte quatro páginas que compõem o discurso prefacial de Croce, somente as três últimas trazem o seu projeto de tradução, que parte de uma constatação: Basile “era un litterato aulico, un studioso di lingua e di stile [...] e in italiano mentalmente concepiva, e poi traduceva in dialetto per vaghezza dell’insueto e per sfoggiare la ricchezza del sermone partenopeo” (1925, p. XXX). Desse modo, acrescenta o filósofo, “[...] mettere in forma italiana la sua opera non è tanto darle una nuova veste, quanto ridarle quella primitiva e connaturata, e (fatta la 131

doverosa eccezione per le eventuali deficienze del traduttore) in italiano essa acresce e non perde virtù” (1925, p. XXX). Sua tradução, orientada tanto a dar ao texto uma nova veste, quanto restituir aquela primeira, segue os seguintes passos:

Ho tradotto sulla la rarissima edizione originale del 1634-36, spesso scorretta ma non alterata ad arbitrio [...]; e sono stato fedelissimo alle parole del testo, cercando di non scemare la quantità, e di alterare il meno possibile la qualità, delle immagini che contengono; ma mi sono condotto con piena libertà di rifacimento verso la sintassi, que nel Basile è difettosa e spesse volte pessima, force principalmente perché l’opera fu stampata ancora incondita e in molte parti quasi in abbozzo. Ho resistito alla tentazione, alla quale altri sarebbe soggiaciuto, di sostituire per equivalenza agli idiotismi napoletani vocaboli e frasi dell’uso fiorentino vivo; e mi sono studiato di lasciare al libro, non solo tutti i suoi ornati barocchi, ma anche un certo sapore napoletanesco. E poiché il testo ha frequenti acceni e allusioni a cose e costumi del tempo e paese suo, nelle note ho chiarito questi riferimenti, si da far intravedere ai lettori, di là dal racconto fiabesco, gli aspetti della realtà storica che Basile aveva nell’immaginazione (1925, p. XXX).

Também não consta nessa tradução as imagens que ilustraram a edição das duas primeiras jornadas, publicadas por ele, em 1892. Na referida edição, essas ilustrações, segundo Croce, tinham uma função “comparativistica delle fiabe”, e, se fossem incluídas, “si sarebbe trasferita l’attenzione all’astratta materia del libro di Basile, trattandolo come documento di demopsicologia, e non più nel suo intrinseco carattere di opera d’arte” (1925, p. XXXI). A sua preocupação, como se pode ver, é a de que o leitor possa, através da sua tradução, usufruir de uma obra singular, artística. Para ele,

che cosa può importare al lettore, al quale io indirizzo questa traduzione, di sapere, per esempio, che la Mortella del Basile risponde alla Rosmarina delle fiabe siciliane del Pitré e alla Mela do mesmo autor, e a Die Nelke da coletânea 132

dos Grimm? [...] e tutte quelle altre fiabe di simile argomento, [...] che il Pitré ricorda? Non solo non può importar nulla, ma servirebbe solo a infatidirlo, tirandolo inopportunamente or di qua or di là, fuori del suo punto di contemplazione (1925, p. XXXI).

Croce termina o seu discurso prefacial deixando, “subjetivamente”, uma recomendação aos leitores: “a me importa che essi siano d’accordo ora con me nel leggere il libro di Basile semplicemente come opera d’arte” (1925, p. XXXII). Com essas palavras, Croce está solicitando ao leitor, para que faça uma leitura artística do texto napolitano, traduzido. Com isso, ele está qualificando artisticamente a sua tradução, o que caracteriza uma relação dialética entre a poética do autor traduzido e a do tradutor, e é na medida em que permite divulgar essa cumplicidade, que prefácio está em conformidade com a voz do tradutor. Sobre o seu projeto de tradução Croce diz o seguinte:

a) “sono stato fedelissimo alle parole del testo, cercando di non scemare la quantità, e di alterare il meno possibile la qualità delle immagine che contengono”; b) “ho resistito alla tentazione di sostituire per equivalenza agli idiotismi napolitani vocaboli e frasi dell’uso fiorentino vivo”; c) “mi son condotto con piena libertà verso la sintassi”; d) “nelle note ho chiarito gli aspetti della realtà storica che Basile aveva nell’immaginazione” (1925, p. XXX).

No item “a”, ele diz que foi fiel às palavras do texto, procurando não diminuir o número delas, e de alterar no mínimo possível os significados. O termo “fidelidade”, usado por ele, está relacionado ao seu conceito de tradução estética, que explicada nestes termos:

Si può elaborare logicamente ciò che prima era stato eleborato in forma estetica, ma non ridurre ciò che ha avuto già la sua forma estetica ad altra forma anche estetica. Ogni traduzione, infatti, o sminuisce e guasta, ovvero crea una nuova espressione, rimettendo la prima nel crogiuolo e mescolandola con le espressioni personali di colui che si chiama traduttore (2009, p. 208).

133

O seu conceito de “fidelidade” tramita nas traduções poéticas, que Croce chama de “ri-creazione della poesia originale” (Croce, 2009, p. 218), pela subjetiva presença do tradutor, que processa “il poetare di un’antica in una nuova anima” (2009, p. 218). Se fosse um “poetare della stessa anima del poeta”, a tradução poética não nasceria, diz o filósofo. Essas são, respectivamente, as “brutte fedeli” e as “belle infedeli” (2009, p. 218). No item “b”, a inaceitabilidade da equivalência é um princípio que está na base da teoria da intraduzibilidade de Croce, e que foge do seu conceito de tradução poética porque se limita a equivaler, tecnicamente, os símbolos e os signos, tão somente “per la reciproca comprensione e intelligenza” (Croce, 2009, p. 216). Portanto, para Croce, a perfeita equivalência não existe, assim como é vã a tentativa de adequação do original. O item “c” reporta à liberdade do tradutor, de interferir no texto, pelo fato de que, segundo Croce, a sintaxe em Basile é “defettosa e spesse volte pessima” (1925, p. XXX). Em seu ensaio de 1911, Croce lamenta as cosntruções sintáticas exageradas, frequentes em Basile, escrevendo que

[...] egli affastella le frasi in lunghi periodi, deficenti nella coesione e nel armonia [...]. Il ritmo della prosa basiliana è, spesso, trascurato: vi si desidera maggiore rilievo e distaco, e quei riposi che la fantasia vede nello svolgersi di un fatto e vuoi sentire nell’andamento del racconto (1911, p. 67).

Trabalhar a sintaxe poderá, na intenção de Croce, restituir ao texto o seu contentamento. Para Albanese, esse procedimento pode levar o tradutor a acrescentar “cunhas” para melhorar o sentido da “letra”, “variando dove l’arte ciò richieda” (2012, p. 136). O resultado é uma obra pessoal capaz de deixar claro o estilo do tradutor, o que reforça o postulado de Mattioli e de Berman sobre “como traduzir”. O próprio Croce explica:

Dinanzi a lavori di traduzione, solo due disanime sono da fare: l’una di carattere ermeneutico, cioè se il traduttore abbia inteso e compreso il testo originale, la quale comprensione e intelligenza è la premessa della variazione che egli compie, 134

necessaria ma non però arbitraria e senza legge. L’altra, di mero carattere artistico, cioè se il traduttore abbia dato alla sua opera uno stile, mettendovi la sua personalità, più o meno affine a quella del poeta originale, più o meno energica, più o meno invadente, ma, insomma, una personalità e uno stile, senza di che una traduzione riesce un prodotto meccanico e frigido. [...] Comunque uno studio delle traduzioni in quanto opere d’arte dovrebbe mettere in rilievo, soprattutto, la personalità dei traduttori, che si esprime nella parola e nel ritmo, cioè il loro modo di sentire (1957, p. 42-43).

Um estudo das traduções, enquanto obras de arte, deve ressaltar a poética do tradutor que se expressa na palavra e no ritmo, diz Croce na citação acima, convergindo para o que Meschonnic chama de “organização do movimento da palavra na escritura, [...]” (2010, p. LXII). Ao pretender manter em sua tradução, não somente os ormantos barrocos, mas também certo sabor “napoletanesco”, Croce mantem o sentido, organiza uma semântica que é o próprio valor do discurso, e que, conforme Meschonnic, age “como dado imediato e fundamental da linguagem, e não mais em sua limitação formal e tradicional, renova a tradução e constitui um critério para a historicidade das traduções, seu valor. Sua poética e sua poeticidade” (2010, p. 41). O item “d” inclui o trabalho com as notas. O aparato de notas que Croce disponibiliza em sua tradução, para esclarecer os aspectos históricos da época de Basile, representa, coerentemente, a necessidade, do tradutor, de amparar a sintaxe e o léxico, na exata descrição que os distingue. Nesse sentido, uma abordagem fenomenológica, proposta por Meschonnic, diz que as notas amparam as modalidades de tradução, esclarecem os empréstimos, os neologismos, a omissão de um termo, a compensação, o deslocamento e a substituição homóloga. No texto de Basile, a matéria verbal regida principalmente pela oralidade reclama instâncias esclarecedoras, de maneira que as notas entram no texto sem nenhum prejuízo para “fazer o leitor entrar no ateliê destes problemas: os do texto são os da tradução, e os da tradução descobrem, ou ocultam os do texto” (Meschonnic, 2010, p. 251). O que, no decorrer de um processo tradutório, não elimina a estrangeiridade da obra e nem ofusca a visibilidade do tradutor. O projeto de tradução apresentado por Croce dá prova da visibilidade do tradutor um tradutor invisível, de que é um tradutor 135

comprometido com o seu trabalho, tendo explicitado e, de certa forma, justificado o seu horizonte tradutório. Isso é prova de um não radicalismo em relação às reflexões do filósofo sobre traduzir. No trecho a seguir Croce reconhece a possibilidade de tradução como aproximação e não como reprodução e questiona a relação do texto traduzido com o texto fonte:

Parrebbe che [...] si volesse negare ogni legame di somiglianza delle espressioni o delle opere d’arte tra loro. Le somiglianze esistono, e in forza di esse le opere d’arte posssono essere disposte in questo o quel gruppo. Ma sono somiglianze quali si avvertono tra gl’individui, e che non è dato mai fissare con determinazioni concettuali: somiglianze, cioè, alle quali mal si applicano l’identificazione, la subordinazione, la coordinazione e altre relazioni di concetti, e che consistono semplecemente in ciò che si chiama aria di famiglia, derivante dalle condizioni storiche tra cui nascono le varie opere, o dalle parentele d’anima degli artisti. E in siffatte somiglianze si fonda la possibilità relativa delle traduzioni; non in quanto riproduzioni (che sarebbe vano tentare) delle medesime espressioni originali, ma in quanto produzioni di espressioni somiglianti e più o meno prossime a quelle. La traduzione, che si dice buona, è un’approssimazione, che ha valore originale d’opera d’arte e può stare da sé ( 2009, p. 213).

A ideia crociana da tradução como relativa semelhança, com aria di famiglia, indica uma disponibilidade do autor de rever seu conceito sobre a impossibilidade de uma perfeita correspondência entre o texto fonte e a sua tradução. Essa questão o próprio Croce comenta:

La mia negazione della possibilita del tradurre si rivolgeva contro la inesatta teoria di quell’opera zione, intesa come adeguamento di un originale (il che è poi spesso causa di fallaci giudizî nelle disamine che si fanno delle traduzioni col pretendere da esse l’impossinile), e non fià contro il fatto del tradurre, perché si traduce da che mondo è mondo, e tutti traduciamo sempre che ci 136

bisigna, e bene operiamo nell’eseguire un così utile lavoro (1951, p. 308).

Se, conforme Croce, a tradução for pensada como um desafio, como uma competição, na tentativa de uma adequação e não visando uma obra singular, não atinge o objetivo, caba sempre secundária, gerando a tal impossibilidade. Cabe ao tradutor fazer a diferença, ele que “s’emmerge nella parola originale e ne risveglia e rifà in sé l’originale vibrazione”. Só assim, consegue criar no novo texto o que Croce chama de “secondo momento, che presuppone il primo e háa nel primo, il suo punto di riferimento” (1951, p. 309). Sobre a contradição crociana entre prática e teoria, Mattioli diz que

[...] se è possibile che in una traduzione “risuoni la voce del poeta o si trasmetta parte alcuna delle vibrazioni dell’originale” evidentemente la poesia è traducibile e non nei suoi elementi prosastici soltanto. Io credo che la contraddizione nasca dal fatto che Croce di fronte al problema concreto del tradurre era inavvertitamente spinto a varcare i limiti della sua teoria [...] (1983, p. 138).

A concepção de tradução que se pode detectar em Croce está baseada, primeiro, em um discurso em movimento, em uma tradução como processo e experiência; depois, em reforçar a sua tarefa como tradutor, que em nome de uma absorvida “napoletanità” o autoriza a acrescentar em sua tradução um tanto de sua poética e de sua ideologia.

4.4.2 O posfácio de Rak

Sessenta anos após a tradução de Croce, Michele Rak publica a primeira retradução do Cunto em italiano. Em seu projeto de tradução, Rak inclui uma edição bilíngue: uma edição “corrigida” do texto napolitano. Assim, compartilha-se a ideia de Berman, que diz: “le lecteur peut, s’il veut, proceder à confrontation. C’est comme si [o tradutor] nous dissant: c’est a vous de voir si notre choix (global) et nous choix (ponctuels) ont été bons; si nous “libertés” sont bonnes; si nous avons atteint notre bus, etc” (1995, p. 127). Os discursos prefaciais, elencados por Genette, que são introdução, prefácio, nota, notícia, aviso, apresentação, exame, preâmbulo, advertência, prelúdio, discurso preliminar, exórdio, 137

proêmio, e os posfácios, quase sempre se apresentam na forma de epílogo, pós-escrito, remate, fecho [...] (2009, p. 145). Mas, a lista a seguir, que se enquadrariam no rol dos prefácios, conforme descrito acima, são o conjunto dos posfácios que Rak inclui em sua tradução, até porque eles confirmam seus estados, estando no final do texto:

a) Nota al testo; b) Nota bibliografica; c) Nota biografica; d) Il racconto fiabesco.

O último discurso (Il racconto fiabesco) está subdividido em “Un nuovo modello di genere tra la società letteraria barocca e le tradizione della cultura popolare”, “Il fiabesco” e “Il sistema dei racconti” (1986, pp. 1025- 1111). Tem-se a presença de um tipo de discurso chamado “Nota”, que, segundo Genette, difere daquela cujo enunciado de tamanho variável está relacionado “a um segmento mais ou menos determinado do texto, e disposto seja em frente seja como referência a esse segmento” (2009, p. 281). Essa é, segundo o teórico francês, uma diferenciação formal e deixa, evidentemente, “transparecer um parentesco de função: em muitos casos, o discurso de prefácio [posfácio] e o aparato de notas estão numa relação muito estreita de continuidade e homogeneidade” (2009, p. 282). Em “Nota al testo”, o tradutor traz detalhados os cinco volumes das cinco jornadas publicadas, separadamente, entre 1634 e 1636, conforme informado no capítulo II; traz também os critérios de transcrição do texto napolitano que acompanha a sua tradução, bem como o seu projeto de tradução. Assim como Croce, Rak utiliza, direta ou indiretamente, o texto da primeira edição (1634). Direta ou indiretamente, segundo ele, “per la mancanza, a tutt’oggi, di autografi, di manoscritti e persino di testimonianze sulla stesura e sulla preparazione per la stampa”, do texto napolitano, explica o tradutor. Por isso, fez algumas alterações em vários itens lexicais, morfológicos, etimológico, por entender que o texto necessitava de certa normalização. Nessa interferência no texto, ele opta por um critério de “conservação”, salvo nos casos em que a grafia parecia atribuir mais a uma solução tipográfica que a uma variante de sentido. A sua intenção Rak é dar “una piena leggibilità del testo napoletano”, e a sua tradução, então, “consente un avvicinamento”, a fim de reforçar essa pretendida “leggibilità”: 138

La traduzione italiana consente un avvicinamento con un ridotto indice di dispersione delle componenti, strutturali e funcionali, del testo originale. [...]. Per questa traduzione è stato adottato il criterio di una introduzione alla lettura del testo napoletano. La traduzione è un testo parallelo da usare come preliminare per l’accesso ad una lingua letteraria e ad un’enciclopedia marginale e pressoché morta, nonostante la sua sopravvivenza in altri campi della comunicazione artistica. La traduzione è stata preparata utilizando un italiano corrente e “basso” degli anni ottanta, facendo attenzione a non abolire il registro letterario e la pragmatica del riso e del passatempo del originale. La traduzione è integrata di note che hanno unicamente la funzione di spiegare alcuni modi di dire il cui calco nell’ italiano corrente non avrebbe gli stessi effetti che l’originale prevedeva e di mettere in evidenza quali fossero i materiali probabilmente utilizzati, direttamente o indirettamente, dall’autore, per la produzione del testo (1986, p. 1040).

Do seu projeto de tradução, é possível extrair os seguintes procedimentos:

a) “Per questa traduzione è stato adottato il criterio di una introduzione alla lettura del testo napoletano”; b) “La traduzione è stata preparata utilizando un italiano corrente e “basso” degli anni ottanta, facendo attenzione a non abolire il registro letterario e la pragmatica del riso e del passatempo del originale”; c) “La traduzione è integrata di note che hanno unicamente la funzione di spiegare alcuni modi di dire il cui calco nell’ italiano corrente non avrebbe gli stessi effetti che l’originale prevedeva” (1986, p. 1040).

Esses critérios indicam, no conjunto das suas intenções, o aspecto funcional e pragmático dessa tradução. No primeiro item, é perfeitamente visível a intenção do tradutor de privilegiar o texto napolitano mais que a sua tradução, ao pretender dar a ela a função de uma “introdução”, de agir como um texto “paralelo”, preliminar, para auxiliar na difícil leitura do texto de Basile. E também por entender que 139

“i testi letterari andrebbero letti nella lingua in cui furono scritti” (Rak, 1986, p. 1038). Com isso, Rak parece dar menos valor à sua tradução, mas ao mesmo tempo, reconhece que “l’applicazione rigida di questo principio non avrebbe favorito sinora la grande corrente di conoscenza dei saperi di tante aree” (1986, p. 1038). Aproximar (no sentido de estar próximo) a sua tradução do texto fonte, trazendo-o ao lado da tradução, justamente para facilitar a leitura do texto napolitano parece indicar a não presença do agente tradutório com a sua interpretação. Ainda porque, segundo Meschonnic (2010), a história e a tradição literária de uma cultura são inseparáveis da tradução, que de uma forma ou de outra se relacionam entre si. Esse movimento é fortemente aceito, atualmente no âmbito dos Estudos da Tradução, em que é atribuído a ela o poder de renovar, de agregar valores e ampliar a língua e a literatura envolvidas neste processo. Ao pretender atribuir essa uma função de “aproximação” à sua tradução, Rak induz o leitor a buscar o conceito de equivalência elaborado por Gideon Toury, que é o de “função-relação”, isto é,

[...] quella stessa relazione [...] che, per definizione, permette di distinguere una traduzione da una non-traduzione in un determinato contesto socio-culturale in lingua di arrivo, cioè di discriminare tra un’adeguata o inadeguata performance linguistica rispetto ai modelli e alle norme dominanti in quel contesto (1995, p. 219).

O método de tradução baseado em uma perspectiva descritiva, proposta por Toury, diz que as traduções devem ser consideradas “funções” no momento em que colocam em relação os enunciados da língua de chegada com aqueles da língua de partida, observando sempre as respectivas posições contextuais desses textos no interior do próprio sistema literário. No segundo item, Rak pontua que as estratégias estilísticas, propostas para a sua tradução, visam aplicar “un italiano corrente e ‘basso’” dos anos oitenta, juntamente com a intenção do tradutor de manter a pragmática do riso e de entretenimento, assegurando à obra, que para Rak, “non era letteratura intenzionalmente né colta né aulica”. A sua prioritária função de passatempo e a sua pretendida “popolarità” (1986, p. 1064), relacionada, sobretudo, ao fato de que muitas expressões, costumes e usos presentes no Cunto, são reconhecíveis 140

também em outros momentos literários e em todos os níveis culturais. Nesse sentido, Rak pontua que

[...] si può leggere il Cunto anche come il primo grande lavoro di “ascolto” del livello più basso del narrato popolare e marginale, la prima consultazione storica di un racconto tradizionalmente trattenuto ai margini della scrittura e quindi della memoria storica (1986, p. 1065).

Esse é o projeto de tradução, pensado por Rak, em que ele pretende empregar o italiano “basso” e corrente dos anos oitenta, exatamente aquele pensado e finalizado por Basile, que conhecia e fazia uso de todos os outros gêneros “della letteratura di corti” (1986, p. 1065), e que tornava o texto evidentemente não terminado, isto é, um texto de literatura oral. Quanto a manter a comicidade que, intencionalmente leva ao entretenimento, Rak propõe outro olhar para essa característica da obra. Muitos são os motivos, sensações em que o riso se manifesta. Além daquele proveniente das irreverências literárias de Baubò, Rak seleciona três momentos em que aparece um riso histórico, que ele chama de “cortigiano”. Em primeiro lugar, nessas circunstâncias, o riso aparece no uso da língua: código adotado para ampliar o entendimento da narrativa, como no caso dos contos da tradição novelística, ritualiazada e converncional, “spesso poco divertente, della conversazione colta” (1986, p. 1062). O segundo momento concentra-se no dialeto, que começa a circular de forma escrita fazendo uso de um aparato de convenções cultas, projetadas em figuras retóricas, nos jogos de palavras, que vão além de simples paródias, pela riqueza cultural que encorpora, pela matéria popular com que é trabalhada na construção do texto (1986, p. 1062). O terceiro momento, diz respeito a um tipo de riso que o uso e, aparentemente, o “abuso” dessa matéria popular pode provocar: uma comicidade que compreende “la satira contro il vilano o contro le donne, o modi comunicativi correnti, come quelli della narrazione teatralizzata dei cantimbanchi”. Por fim, no último momento aparecem as notas, que estão todas enumeradas apenas no texto napolitano e elencadas no final de cada conto. Rak prefere dar a elas um caráter histórico, porque, segundo ele, 141

“ricostruiscono un primo insieme dei punti di riferimento coevi del testo e quindi definiscono, sia pure in modo ancora parziale, la più probabile enciclopedia dell’autore” (1986, p. 1040). O conteúdo de seus discursos que ocupam, segundo a tipologia de Genette, a instância do “pós- escrito” corresponde, basicamente, à sua interpretação da obra, em que Rak destaca, principalmente, as intertextualidades com a tradição popular, delimitada em uma “epica farsesca del mondo popolare”; enfatiza a pragmática do riso, sublinhando e contextualizando as várias passagens em que ele aparece e, sobretudo, detecta e explica um novo modelo de narrativa que Basile fornece com sua obra. Diz Rak, “questo modello venne quindi preparato attraverso un sofisticato lavoro di ingegneria letteraria che prevedeva la composizione, nella scrittura parlata del Cunto [...]”(1986, p. 1067). Nesse modelo, Rak identifica uma “logica interna” que sustenta a estrutura dos contos segundo regras que coordenam, em primeiro lugar, a cronologia: o enredo se desenvolve omitindo as convenções temporais; no máximo se fala de tempos absolutamente ritualizados, “come i sette anni i sette giorni e le sette ore di un discorso” (1986, p. 1068). Em segundo lugar, as geografias: lugares conhecidos: uma rua, um quarteirão, uma cidade, e lugares desconhecidos: um castelo sob uma árvore, um quarto na barriga de um peixe, uma torre às margens de um lugar indefinido; e em terceiro lugar, as ações determinadas por essa mesma lógica “fiabesca” (1986, p. 1068). As resumidas informações que Rak fornece sobre o seu projeto de tradução mostram a possível relação desse projeto com a teoria da “tradução como função”, proposta por Toury, pelo fato de Rak pretender que a sua tradução privilegie, ou seja, que ela contribua para o entendimento do texto napolitano. É possível também recolher indícios de suas escolhas tradutórias pela decodificação que Rak faz do texto basiliano, apresentada acima, e pela interpretação conforme seus escritos feitos a cerca da obra, uma vez que todo tradutor deve conhecer, estudar e se interessar pela obra que irá traduzir. Em seu livro Logica della fiaba, de 2005, ele deixa subentendidas as suas perspectivas tradutórias e alega que o texto de Basile, pela sua característica de “racconto fiabesco”, permite várias possibilidades de interpretação e manipulação. Para Rak, esse gênero “consente una espropriazione totale della vicenda narrata che il narratore fa sua inserendo i detagli che preferisce” (2005, p. 3-6). E ainda,

142

Per ricostruire la storia di un modello il ricercatore deve tenere conto di molti insiemi di testi e della loro coesistenza in un sistema del racconto e dei suoi generi, dei gruppi che li hanno commissionati e usati, dei fini per cui quei testi sono stati preparati, delle ragioni del loro uso, cioè della bellezza e dei piaceri che hanno prodotto (2005, p. 16).

Guardadas as considerações acima, que levam o leitor a pensar em uma tradução “manipulada”, vale retomar, aqui, o conceito de crítica produtiva, que na concepção de Berman, tal conceito sugere deixar à parte algum juízo de valor sobre a tradução, que não é positivo nem ao leitor nem ao tradutor, e analisá-la, sobretudo, como texto em si. Berman diz que: “L’exposition des principes de la retraduction ne doit être ni trop génerale ni trop fermée et exclusive, puisque la vie même de la traduction reside dans la pluralité imprévisible des versions successives ou simultanées d’un même œuvre” (1995, p. 97). Rak não faz qualquer menção à tradução de Croce. Mas, pelo fato de se tratar de uma (re)tradução, certamente ela foi consultada, pois, segundo Berman, toda (re)tradução atua como referência, como medidor literário, se é que se pode medir o tanto de literariedade em uma obra/tradução (2013, p. 137). Continuando a análise dos paratextos às (re)traduções do Cunto, a parte que segue traz a posição de Ruggero Guarini, que no prefácio à sua (re)tradução do Cunto, de 1984, desta à pouca, ou desconhecida importância que os italianos dão ao texto basiliano.

4.4.3 O prefácio e o posfácio de Guarini

Um breve prefácio à tradução de Guarini vem em forma de Avvertenza. Nele, o tradutor informa os procedimentos adotados para a sua tradução, conforme seu prefácio que se reporta na íntegra:

Nelle note a questa traduzione del Cunto de li cunti, condotta sul testo stabilito da Mario Petrini (Bari, 1976), si è tenuto conto non di rado delle indicazioni contenute nel glossario che lo completa. Sono state inoltre riportate molte delle note storiche ed erudite di Croce, che costituiscono tuttora un indispensabile sussidio alla comprensione dell’opera di Basile. Queste 143

note appartengono a tre diversi momenti del lungo lavoro di Croce sul Cunto: l’edizione annotata del testo originale delle prime due giornate (Napoli, 1981), la celebre traduzione di tutto il Cunto (Bari, 1925) e l’edizione della stessa versione curata da Gino Doria e arricchita nell’apparato in basi agli appunti lasciati da Croce (Bari, 1957); soltanto per le note del 1891 si è segnalata la data. Il lettore troverà in Appendice i due testi che maggiormente hanno contribuito alla riscoperta italiana del Cunto: Il gran Basile di Vittorio Imbriani publicato nel “Giornale napoletano” nel 1875 – e di cui riportiamo i due capitoli realtivi al Cunto – e il celeberrimo saggio di Croce del 1925 (1994, p. 11).

Em apenas duas linhas extraídas de uma breve nota apresentada na desdobra esquerda do volume, que já fora citado no capítulo 2, Guarini informa, precisamente, a maneira como conduziu a sua tradução. Da nota relativa aos critérios de tradução, bastante reduzida e aos cuidados da redação, subtrai-se a intenção de Guarini de tornar, com essa sua nova tradução italiana, finalmente acessível, esse livro “straordinario, insieme regale e cencioso, gentile e brutale, fastoso e plebeo (que) ancora oggi, resta, per la più parte degli italiani, un capolavoro sconosciuto” , explica o tradutor. Continua a nota:

A farlo diventare, come meriterebbe, un libro “popolare”, non sono purtroppo bastate, finora, né le referenze di Croce [...] né qualche traduzione recente. Questa nuova versione italiana, in lingua acessibile e piana ma aderente al colore e al ritmo del testo originale, farà scoprire a molti uno di questi rari libri che tutti devono e possono leggere (1994, p. 11).

A finalidade do tradutor é, portanto, restituir um texto “popolare”, e para isso emprega uma língua acessível, que seja, ao mesmo tempo, capaz de manter o colorido e o ritmo do texto de Basile. Seu projeto de tradução está bem mais detalhado em um de seus escritos, por ocasião de um debate sobre Croce e la letteratura 144

dialettale, que aconteceu na Biblioteca Nazionale di Roma, em 1996. Ao final daquele discurso ele diz:

Se [...] Croce, nella sua versione, conformemente a quella sua convinzione sull’autentica lingua del Cunto, cercò di evitare ogni troppo colorita traccia di dialetto per avvolgere le fiabe di Basile nel lieve e nitido lino del suo nobile idioma di umanista, io ho preferito, invece, talvolta rassegnandomi persino a conservare intatti certi termini e costrutti, tentare di volgerlo in una prosa il più possibile aderente al lessico e alla sintassi, al colore e al ritmo, e per ciò stesso alla virulenza, di quella specialissima lingua che è il napoletano di Basile (apud ALBANESE, 2012, p. 167).

Desse comentário, pode-se dizer que o projeto de Guarini tem como horizonte:

a) Conservar certos termos e construções dialetais presentes no texto, e tentar convertê-lo em uma prosa mais acessível ao leitor quanto ao léxico, à sintaxe e ao ritmo; b) Tornar o Cunto um livro “popular”.

Essas poucas indicações que Guarini disponibiliza para que se possa analisar o seu projeto de tradução, as quais indicam a sua intenção de acessibilidade ao autor traduzido, parecem convergir para a teoria de Toury que explica a atitude do tradutor quando ele pretende que o seu texto se torne acessível a uma cultura que não lhe é própria (1995, p. 191). Nesse caso, dois aspectos devem ser observados: o primeiro diz respeito à integridade do texto: o tradutor se concentra em pontos distintos do texto de partida que são língua, estilo e elementos culturais, de tal modo que isso lhe propicia estratégias de acessibilidade, isto é, com isso ele engloba o texto estrangeiro etiquetando-o como tal, mas oferecendo ao leitor a possibilidade de consultá-lo sem que ele perca as características de texto original. A esse procedimento Toury chama de “adequação”; o segundo ponto visa promover a facilidade de acesso, ou seja, produzir um texto compreensível em que linguagem e estilo estejam em plena harmonia com as convenções linguísticas e literárias da cultura receptora. A esse procedimento Toury chama de “aceitabilidade”. Esses dois procedimentos, aceitabilidade e adequação, segundo Osimo, têm riscos bastante evidentes: 145

Con l’adeguatezza si rischia di creare dificoltà ai lettori meno motivati, poiché il testo risulta a volte poco leggibile, strano, poco diregibile. Con l’accettabilità si rischia di far perdere le tracce della cultura diversa che ha generato il prototesto e di dare al lettore del metatesto l’illusione delirante che tutte le culture esterne alla propria le assomiglino molto, al punto di creare testi perfettamenti traducibili (2011, p. 107).

Quanto à preservação das expressões dialetais, o seu projeto prevê o não apagamento delas, mas tenta preservar o máximo possível do originário aspecto lexical, sintático e semântico que elas representam no texto fonte. As eventuais explicações para aquelas expressões, cuja tradução para o italiano não ficou bem resolvida, ele as fornece, oportunamente, nas notas de rodapé, que se tornam um recurso imprescindível no processo de tradução. Muito mais que isso, elas fixam uma dualidade, ou “conjunto contrastivo”, – o da verdade e o da falsidade, diz Steiner. Assim, conforme as suas palavras,

[...] as relações da linguagem natural com possíveis enunciados de verdade e/ou falsidade parecem ser fundamentais para a evolução da fala humana como a conhecemos, e [...] por si mesmas, podem nos conduzir a uma compreensão da multiplicidade das línguas. Falar de “linguagem e verdade” ou de “linguagem e falsidade” é, obviamente, falar das relações entre a linguagem e o mundo. Trata-se de investigar as condições de significação e referência e as condições que tornam a referência significativa para o indivíduo e seu interlocutor (2005, p. 227).

Por fim, em seu posfácio, que compreende 8 (oito) páginas e não tem título, Guarini analisa a obra e a sua fortuna crítica. Postumamente publicado, o Cunto dependeu e depende de quem o conduza à “aceitabilidade” por meio de (re)traduções, no sentido mais amplo que o termo pode guardar. No interior das especificidades tradutórias, e implicitamente ligada a elas, está a forma como o autor e a obra são tratados. Guarini é bastante crítico em relação ao fato de que entre os italianos a obra de Basile foi pouco apreciada, e consequentemente pouco divulgada, “giacché l’Italia possiede un libro che esige e implora 146

[...] di essere letto come dev’essere letto, ossia come un libro di fiabe” (1994, p. 605). Nas suas palavras:

Intanto oggi le fiabe sono tornate di moda, anche il barocco è tornato di moda, e ciò dovrebbe giovare a un grande libro italiano che è insieme fiabesco e barocco. Ma forse il Cunto non è italiano. È bellissimo, è barocco, è napoletano e anche europeo, na non è italiano, e potrebb’essere anche per questo che la sua stella, da noi, incominciò a declinare proprio quando spuntò quella dell’Italia unita. Dopotutto è stata proprio lei, l’Italia unita, a rifiutarlo. Che poteva farsene, del resto, la patria appena risorta di un libro in cui c’è tutto furché la patria? Ben altro le serviva che un libro di orche e di fate. La risorta esigeva dei libri in cui si parlasse di lei e soprattutto ne invocava uno che spiegasse agli italiani, specialmente ai giovani italiani, che con la patria doveva risorgere anche la sua letteratura, e che anzi dimostrasse che quella letteratura altro per secoli non era stata che una lunga marcia in versi e in prosa verso la sua resurrezione. Questo libro patriotico lo scrisse, com’è noto, Francesco De Sanctis: è la sua Storia della letteratura italiana, in cui del Cunto non si fa parola. Giustissimo: fatta l’Italia, occorreva rifare gli italiani, e con libri come il Cunto gli italiani non si possono certo rifare (1994, p. 605).

Guarini aborda ainda as críticas de Ferdinando Galiani, para quem o Cunto era a “cagion primaria [...] della totale corruzione de’nostri costumi” (1779, p. 60), tanto quanto um livro inútil que só fazia aterrorizar e divertir o leitor. Entretanto, diz Guarini, a intensidade com que essas histórias provocam o terror corresponde àquela que pode superá-lo. Não por acaso o texto de Basile começa com um gesto obsceno de uma velha, que faz rir uma triste princesa. Essa velha, diz Guarini,

[...] altro non è che Baubò, la diavolessa dal duplice aspetto: da un lato, come Empusa, Medusa e Mormo, spettro notturno del corteo di 147

Ecate infernale, dall’altro serva befffarda e saggia, giaché fu proprio lei, coi suoi motteggi sboccati e i suoi gesti indecenti, a rompere il digiuno di Demetra afflita per la figlia rapita da Aidoneo; e quel gesto è lo stesso che figurava al centro dei grandi misteri eleusini [...] (1994, p. 607).

E, no último parágrafo do posfácio, depois de expressar a sua crítica sobre a difícil aceitação do Cunto entre os italianos, Guarini diz que o segredo dos mistérios e mitologias com que Basile tece seus cunti reside em um saber que ainda hoje “sonnecchia in ciò che chiamiamo, timidamente, spirito popolare, che per tutti i bambini del mondo è una solare evidenza, e che Basile fiutò nelle più antiche favole del mondo e del suo popolo: l’osceno è il luogo in cui il terrificante si confonde con il riso [...]”(1994, p. 608). Guarini escreve seu prefácio como forma de ampliar o seu trabalho como tradutor. A sua crítica, do ponto de vista de um leitor atento, conjuga-se àquela do tradutor que talvez não tenha podido desvendar por inteiro os mistérios que residem em um saber que ainda hoje adormece naquilo que, timidamente, chama-se de “espírito popular”. Mas, conforme Eco,

As obras literárias nos convidam à liberdade da interpretação, pois propõem um discurso com muitos planos de leitura e nos colocam diante das ambiguidades e da linguagem e da vida. Mas para poder seguir neste jogo, no qual cada geração lê as obras literárias de modo diverso, é preciso ser movido por um profundo respeito para com aquela que eu, alhures, chamei de intenção do texto (2003, p. 12).

O conteúdo do posfácio de Guarini é, basicamente, a interpretação que ele deu ao texto de Basile, fundamento da sua tradução. Ele entendeu passar essa leitura por meio de uma tradução “acessível” em que ele manteve, como forma de reconhecimento do texto de partida, a sistematização de expressões dialetais. A acessibilidade, aqui, é uma via de mão dupla: ou o tradutor traz até o leitor as expressões usadas por Basile, ou ele as traduz por expressões correntes, atualizadas. Também nessa (re)radução nota-se a presença da tradução de Croce, e o próprio Guarini confirma ao notificar em seu prefácio que 148

reportou para a sua tradução muitas das notas históricas e eruditas que estão nos trabalhos de Croce sobre Basile, as quais se constituem em um indispensável subsídio para a compreensão do texto napolitano, explica o tradutor. Por isso, a tradução de Croce mantem uma correspondência crítica com as sucessivas releituras do Cunto. Da (re)tradução de Guarini, encaminha-se o trabalho à análise do projeto de retradução de De Simone, feita em 2002, que contém apenas prefácio.

4.4.4 O prefácio de De Simone

Um prefácio em forma de diálogo, escrito em latim e em italiano, precede o texto traduzido por De Simone. Para Genette, a inserção de alguma forma de paratexto age como escolha funcional, com certo pragmatismo: qualquer que seja a intenção estética, a finalidade principal do paratexto não é a de embelezar o texto, mas de assegura-lhe certa sorte, conforme os traços do autor (2009, p. 358). De maneira funcional, então, conforme Sabbatino, De Simone, “crea un “cunto” alla maniera di Basile e lo colloca tatticamente sulla soglia del testo einaudiano, come Prefazione alla sua riscrittura” (2007, p. 305). A forma desse discurso, “un dialogo mimetico”, que segundo Albanese lembra o prólogo de uma representação dramática ou uma peça teatral completa em si mesma, torna-se bastante funcional, diretamente vinculado ao projeto de tradução de De Simone (2012, p. 148). É como se o tradutor/escritor quisesse remarcar através desse seu “personalisssimo cunto” a forte característica teatral presente na obra de Basile. O diálogo é fictício e lúdico. Na tipologia de Genette essas duas funções, fictícias e lúdicas, parecem ser “mais ou menos equivalentes, no sentido de que o estatuto afirmado de seu destinador não exige realmente, ou duradouramente, ser levado a sério”. Sua funcionalidade consiste, essencialmente, “em sua ficcionalidade, no sentido de que [está] aí para efetuar uma atribuição ficcional” (2009, pp. 244-5). A ideia de escrever esse prefácio foi tomada em conjunto com o editor Einaudi, conforme explica De Simone:

[...] allora era vivo ancora Einaudi, fu lui a chiedermi di rendere esplicito quello che il lettore sarebbe andato a leggere, di rendere esplicito in qualche modo il mio progetto. Io scrivo “riscrittura” di Roberto De Simone, perché non mi sento di scrivere “traduzione” do Roberto De 149

Simone. Quella è una vera riscrittura con base critica però fedelissima all’originale dal punto di vista lessicale. E allora mi chiesi come potessi io mettermi a fare un’operazione critica, da professore universitario, chi me lo faceva fare? Ecco perché immaginai questo sonho... (2012, p. 248).

O prefácio de De Simone não representa, de todo um embelezamento do texto, mas é o lugar escolhido pelo tradutor/dramaturgo para explicar as escolhas e os critérios que orientaram a sua reescrita. Conforme Albanese,

La scelta ben ponderata del genere dialogico, e di uno specifico tipo di dialogo, permette a De Simone di recuperare la componente della dissacrazione comica caratteristica di certi dialoghi cinquecenteschi, anticortigiani e antifrastici, in cui a dominare era la contaminazione anche linguistica dell’alto e del basso, del dotto e dell’osceno, del serio e del comico a scapito del decorum, ossia di quel rapporto di necessaria congruenza fra la dignità dei personaggi e gli argomenti discussi (2012, p. 148).

Esse tipo de discurso pode perfeitamente se enquadrar na proposta dialógica de De Simone: se de um lado exalta Basile, de outro, responde ao seu perfil de dramaturgo e diretor, tanto quanto o de tradutor. De Simone é autor e narrador desse “sonho” e também personagem fictício. Nesse sonho se assiste a um diálogo entre Giambattista Basile, Benedetto Croce e Roberto De Simone. Em um segundo momento intervém Eugenio Pragliola, um saltimbanco. Todos mortos, menos De Simone. O “sonho” começa em um palácio, em Piedimonte Matese, aos 21 de fevereiro de 2002, quando De Simone se vê repousando em uma cama “tutta intagliata in legno dorato” que pertenceu a Basile:

BASILE: Quindi, a quanto vedo, cavalier De Simone, ci troviamo nel vostro letto. Mi 150

par di capire che stiamo vivendo in un vostro sogno.

DE SIMONE: Non ve la prendete. Per molto tempo io ho vissuto nel vostro Cunto (DE SIMONE, 2002, p. XXXII- XXXII).

Nesse fictício espaço cênico, o teor da conversa é a rescritura de De Simone, da obra de Basile: “Conventus causa fuit recentissima editio libri a Basile compositi, cui nomen est Il Cunto de li Cunti, typis librariae officinae Einaudi impressi” (2002, p. XIII). Mais precisamente sobre as suas interferências no texto. A esse respeito, a certa altura do discurso, os personagens conversam sobre essa manipulação. Primeiramente a conversa é entre Basile e Croce:

BASILE: Ha letto in qual modo egli si è condotto con il mio Cunto?

CROCE: Purtroppo sí.

BASILE: E come giudica l’operazione?

CROCE: Pessima, sia historicamente che letterariamente. Pensi lei que egli si è concesso la libertà di alterare il testo da lei composto per renderlo, a suo dire, più comprensibile agli stessi napoletani. La traduzione italiana è indigestamente farcita di neologismi e di grasse volgarità che possono strappare il riso ma non una stima culturale. Al testo originale, laddove si spone il catalogo dei giochi e di canti da lei compilato, egli ha aggiunto giochi e canti di tradizione napoletane più recente, in special modo all’inizio della quarta e della quinta giornata, in cui ha osato introdurre addirittura il singulto di poetrasti di un cosiddetto stile “rap”, né ho trovato il senso di questo barbarismo nel Devoto-Oli. Oh, voglia compatirmi, cavaliere! Sono desolato. [...] 151

BASILE: C’è dell’altro?

CEOCE: Altroché! Ha del tutto sostituito le egloghe originali, interpolate tra una giornata e l’altra, con delle illetterate composizioni di un giullare di strada, tale Eugenio, che, in vita, si produceva in stemporanei monorimi presso gli stazionamenti dei tram diretti in provincia. [...]

A certa altura do discurso, De Simone participa da conversa e dialoga com Basile, que lhe pergunta:

BASILE: Mi ha informato che ella ha modificato la lingua originale.

DE SIMONE: Sono trascorsi quattro secoli, cavalier Basile! Chi vuole che la Napoli intenda più talune espressioni uscite dall’uso? [...]

CROCE: Ma ciò che è scritto rimane scritto. Ne convenga.

DE SIMONE: Il Cunto è stato indirizzato a li “peccerille”, e i piccerille ascoltano, ma non sanno leggere. In ogni modo, ci troviamo qui per discutere non della sua riscrittura, ma della mia.

BASILE: Per la quale temo che m’incazzerò molto il merito alle egloghe, sostituite da tirate di strada.

DE SIMONE: Mi ascolti. Le sue pregevoli egloghe non trovano più alcun riferimento con la realtà atuale di Napoli, né la loro soppressione pregiudica il valore sostanziale del Cunto. E poi, se ho inserito i componimenti di Eugenio, c’è un motivo. 152

BASILE: Cioè?

DE SIMONE: Eugenio è della stessa patria di lei, cioè di Giuliano, anche se nacque per caso in America, negli anni in cui i suoi genitori erano lí emigrati (2002, p. XXI-XXV).

Ao término do prefácio, fora do contexto prefacial, se lê: “Il testo latino fu redatto da Giambattista Vico all’insaputa di Benedetto Croce” (2002, p. XXXII). A fictícia prosa latina é atribuída a Vico que narra o sonho de De Simone no passado e em terceira pessoa, e este, por sua vez, narra no presente e em italiano o diálogo dos três personagens. Na interpretação de Sabbatino, Vico desenvolve o papel de um narrador onisciente, enquanto conhece perfeitamente o sonho, e está presente no sonho de De Simone, como “testimone-spia”, por isso é considerado também um personagem (SABBATINO, 2007, p. 316). Tem-se, portanto, o projeto de De Simone para sua tradução, estrategicamente descrito no hipotético espaço cênico de um “cunto” e, resumidamente apresentado na segunda desdobra do primeiro volume de sua retradução. Conforme diz a nota, De Simone procurou em sua tradução,

a) Modificar a pontuação para facilitar a leitura do texto; b) Empregar o italiano atual, fazendo referência à teatralidade e a musicalidade do texto; c) Procurou usar notas que explicassem mais os pontos linguísticos e a tradição popular, que os históricos-literários.

Manter a construção dos períodos e empregar um italiano corrente e ainda manter a teatralidade e musicalidade, do texto, remete ao objetivo ético, poético e filosófico da tradução, pensado por Berman, que “consiste em manifestar na sua língua esta pura carga de novidade. E até, como dizia Goethe, em lhe dar nova novidade quando seu efeito de novidade se esgotou em sua própria língua” (2013, p. 98). Cabe aqui o conceito de fidelidade que para Berman está ligado à letra:

O objetivo ético do traduzir, por se propor acolher o Estrangeiro na sua corporidade carnal, só pode estar ligado à letra da obra. Se a forma do objetivo é a fidelidade, é necessário dizer que só 153

há fidelidade – em todas as áreas – à letra. Ser “fiel” a um contrato significa respeitar suas cláusulas, não o “espírito” do contrato. Ser fiel ao “espírito” de um texto é uma contradição em si (2013, p. 98).

Quanto a reduzir as notas, o próprio De Simone explica na já mencionada entrevista, de 2010, que tratou de reduzir o número delas, justamente porque

[...] La nota rallenta, arresta, disturba la musicalità e la godibilità della lettura ad alta voce. Pensiamo alle descrizioni iperboliche della bruttezza e della bellezza di cui il testo di Basile è pieno. Sono descrizioni da leggersi tutte d’un fiato, la distrazione dell’occhio e dell’orecchio causata da una nota esplicativa distrugge il ritmo vorticoso della narrazione. [...] in un certo senso, [...] non è più il tempo di guardare ad una letteratura “letteraria”, ma di guardare ad una letteratura che si coniugazione di oralità e scrittura (2012, p. 245).

O último item trata das alterações e o próprio De Simone, na mesma entrevista, ao ser questionado se está convicto de que a supressão das éclogas de Basile não prejudica substancialmente o Cunto, responde:

Non lo so, le dico la verità. Le tematiche sono oggi a mio avviso incomprensibili. La coppella... come si fa a pensare che quello della coppella sia un tema ancora sentito? La traduzione di Croce, per quanto ineccepibile anche dal punto di vista metrico, risulta letteraria e basta, rimane di frigorifero. Quello delle egloghe è davvero un problema che ha investito anche altri traduttori. Pensi alla traduzione italiana anonima del settecento che addirittura le elimina, perché probabilmente già a quell’epoca non si capiva più il senso della metafore della coppella, della stufa etc... Pragliola mi sembrava più aderente allo spirito del Cunto, perché lui recitava per strada. Il parallelo fra Pragliola, artista di strada, narratore 154

di storie, e l’oralità del Cunto di Basile mi sembrava assolutamente coerente (2012, p. 249).

Esse projeto de tradução de De Simone não se distancia dos outros dois que o orientaram nas suas duas traduções, intralinguística e intersemiótica, descritas nos subitens 2.3.3.1 e 2.3.3.2 do segundo capítulo. Seu projeto prevê uma reescrita do texto basiliano. O termo “riscrittura” que aparece no título dá a ideia de manipulação, texto modificado, que no caso de De Simone enfatiza o horizonte tradutório dele. Em todo caso, Lefevere diz

[...] a tradução é, certamente, uma reescritura de um texto original. Toda reescritura, qualquer que seja sua intenção, reflete uma certa ideologia e uma poética e, como tal, manipula a literatura para que ele funcione dentro de uma sociedade determinada e de uma forma determinada. Reescritura é manipulação, realizada a serviço do poder, e em seu aspecto positivo pode ajudar no desenvolvimento de uma literatura e de uma sociedade. Reescrituras podem introduzir novos conceitos, novos gêneros, novos artifícios e a história da tradução é também a da inovação literária, do poder formador de uma cultura sobre a outra. Mas a reescritura pode reprimir a inovação, distorcer e conter e, em uma era de crescente manipulação de todos os tipos, o estudo dos processos de manipulação da literatura, exemplificado pela tradução, poderá nos ajudar a nos tornarmos mais atentos ao mundo em que vivemos (2007, p. 12).

Com efeito, qualquer tipo de texto, pela sua intertextualidade, pode-se dizer que seja “manipulado”. Nesse caso, é evidente que os textos traduzidos, enquanto reescritos, são o reflexo de uma determinada ideologia. E o “horizonte” do tradutor está sempre inscrito no interior do texto e, por isso, é sempre possível traçar nas traduções de um determinado período histórico as tendências tradutórias da época em que foram realizadas. Não é apenas isso, em um trabalho de tradução são determinantes, também, as interpretações e traduções precedentes da obra, que podem condicionar, irremediavelmente, as sucessivas escolhas do tradutor. Diante disso, parece impossível não associar alguma forma de manipulação a qualquer forma de reescrita. Com alguma reserva, 155

pode-se pensar que o tradutor manipula o texto de alguma forma, senão com a intenção de recriar outro texto, pelo menos de buscar uma relação de semelhança com tal texto. Pode ser que o motivo de tal supressão seja o de que as éclogas originais não encontrem correspondência com a atualidade, e por isso não prejudicam a verdadeira intenção do texto. Pode ser também que as composições de Pragliola não tragam nenhum acréscimo literário para a leitura do Cunto, questiona Albanese. Todavia, o que fica claro, segundo a autora, é que o tradutor, enquanto dramaturgo, deixa seu registro remarcando “la dimensione di oralità e performatività che impronta tutto il corpus di favole di Basile” (2012, p. 157). Do mesmo modo, se no texto de Basile as éclogas estão em perfeita harmonia com os contos, conforme explica Cerchi, (2004, p. 124), em De Simone elas foram substituídas por composições que, segundo ele, garantem uma leitura fluente, uma leitura que saiba seguir uma leitura atenta, capaz de seguir o movimento contínuo do texto, assegurando a sua “circolarità, [e assim] aiutare a cogliere il senso e la necessità che questa prefazione ha per il traduttore, perché è da qui che il traduttore parte per privilegiare la dimensione orale e teatrale su cui si basa la sua riscrittura del Cunto” (2012, p. 157). Isso equivale privilegiar o aspecto rítmico e representativo do texto, que Mattioli coloca dessa forma:

L’oralità del testo scritto contraddice alla consueta e banale contrapposizione fra parola detta e parola scritta, ma è proprio il ritmo la traccia dell’oralità nel testo scritto, la dimensione della soggettività. Altrettanto importanti sono il rifiuto della trasparenza e della fedeltà. Il traduttore che si nega, la traduzione trasparente sono mistificazioni, la traduzione non deve nascondere la sua natura, altrimenti si nega l’esistenza dell’originale, il lettore deve sapere che legge una traduzione, altrimenti ignora i valori dell’alterità (2009, p. 54).

Na interpretação de Mattioli, a questão é colocada da seguinte forma: se de um lado o ritmo reconstitui e, ao mesmo tempo, dá ao texto escrito subjetividade, oralidade que se perde na transposição de uma língua para outra; de outro lado, recordando que a tradução que se esconde imobiliza o texto fonte, rouba a energia que lhe é dada, ao ser várias vezes reescrito. Ainda, os reescritores, ao produzirem traduções, adaptam e manipulam os originais com os quais trabalham, realizando 156

um processo de adequação a uma corrente ideológica ou pedagógica de sua época (LEFEVERE, 2007, p. 23). Com o seu prefácio o dramaturgo De Simone prepara o leitor para receber a sua tradução do Cunto e deixa claro os seus princípios de tradução ao explorar a sua subjetividade, que para Albanese se srrola “secondo l’identica logica rovesciata e sempre plurale delle favole, che è anche quella del teatro e dei sogni, dell’immaginazione e delle immagini che questa partorisce” (2012, p. 149). E um desses princípios respeita uma filologia atenta aos modos e ritmos de representação teatral. Observa-se aqui também a presença de Croce. O próprio De Simone, na já citada entrevista, dando indícios de que a tradução de Croce foi consultada, comenta: “io lo ammiro Benedetto Croce. Purtroppo non capiva nulla o quase di oralità, la sua era un cultura completamente letteraria che escludeva l’oralità” (2012, p. 248). Nas páginas que seguem, busca-se explicar o projeto de tradução que orientou a retradução integral de Carolina Stromboli em língua italiana.

4.4.5 Prefácios e posfácio na tradução de Carolina Stromboli

A última retradução italiana do Cunto é feita por Carolina Stromboli, em 2013. A tradutora recorre às instâncias paratextuais do prefácio e do posfácio para expor o resultado do seu estudo sobre Basile, isto é, a sua tradução, que entendemos ter começado com uma tese de doutorado em filologia moderna apresentada à Università degli studi di Napoli Federico II, 2005, com o título “La lingua dello Cunto de li cunti di Giambattista Basile”. Nesse trabalho, Stromboli organizava, segundo seus critérios, a sintaxe, a fonética e a morfologia do dialeto usado por Basile, com o objetivo de esclarecer linguisticamente o topos de uma “lingua inventada”. Esta tradução apresenta os seguintes discursos de apresentação, considerados como prefácio conforme a classificação de Genette:

a) Premessa b) Introduzione c) Nota biográfica d) Nota bibliográfica

E como discurso de conclusão que é considerada a “Nota al testo”. 157

Enrico Malato, diretor da coleção, ressalta a importância de uma edição crítica da obra de Basile do tipo apresentado por Stromboli para, “[...] superare in modo soddisfacente le molte e complesse difficoltà che per tanto tempo ne avevano resa più o meno claudicante la circolazione” (2013, p. IX). Nesse prefácio, Malato, ao mesmo tempo em que apresenta a obra de Basile, faz um discurso de apresentação das escolhas tradutórias da tradutora. Segundo ele, o articulado percurso literário da obra, desde a sua publicação em 1634-36, submeteu o texto a várias interpretações, às vezes pouco convincentes, dadas à língua em que fora escrita. Desse modo, lhe parece evidente a necessidade de uma edição crítica do texto napolitano, uma edição que restitua ao texto a “tessitura narrativa”. Para ele, restituir o aspecto morfológico e semântico das raras palavras do texto e o sentido das suas combinações com outras palavras afins da sua funcionalidade, no sentido de produzir o efeito do “maravilhoso” percorrido pelo autor, é fator obrigatório, sem o qual se perde muito da mensagem que ele entendeu transmitir a seu público. Isso só poderá acontecer, segundo Malato, se o tradutor, “non abbia predisposto un terreno adeguatamente dissodato e attrezzato di strumenti interpretativi idonei alla bisogna” (2013, p. XIV). Fica pressuposto, então, que este foi o caminho que Stromboli tomou para realização de sua tradução. Malato entende que com a edição crítica proposta pela tradutora, o leitor tem disponibilizado um texto napolitano linguisticamente reconstituído,

[...] fissato e messo in chiaro nei suoi passaggi più incerti e scabrosi [...] che sostiene il lettore in una lettura più o meno cursoria, secondo il suo gusto e la sua inclinazione, integrata da un apparato di note che puntualmente illumina su tutte le valenze semantiche dei passi dubbi, le implicazioni, le allusioni, i riferimenti alla cultura popolare (ma anche aulica) che esso propone; non rinunciando per altro a rimarcare, con vari artifici [...] le ambizioni di letteratura alta del suo testo (2013, p. XIV).

Malato antecipa, portanto, o projeto de tradução de Stromboli, que será confirmado por ela, em seu posfácio a esta tradução. O segundo prefácio, uma “Introduzione”, é o da tradutora. Neste espaço paratextual ela situa Basile e a sua obra no contexto da literatura napolitana do século XVII; ela ressalta o dialeto usado por Basile, e o 158

que esse dialeto representa, do ponto de vista linguístico e literário, para a literatura italiana. Segundo ela, Basile “si impadronisce dello ‘stromiento nuovo’ del dialetto, e lo gestisce come scrittore, e in modo pienamente moderno, adottando uno stile anti-naturalisco e un gusto metaforico e concettoso tipicamenti barocchi” (2013, p. XVII). O seu ponto de vista contradiz a opinião da crítica, que vê nesse dialeto somente um instrumento para o exercício da virtuosidade barroca. Entre os críticos está Croce, para quem o dialeto de Basile serviu para enquadrar o gosto barroco pelo novo e pelo estranho. Ao desvendar a estrutura e intertextualizar conteúdo do Cunto, Stromboli apresenta uma leitura criteriosa da obra, o que permite ao leitor inteira-se do texto napolitano que acompanha a sua tradução. Em vários momentos do discurso ela destaca a fortuna crítica de Basile, trazendo, por exemplo, o parecer de Croce sobre a poética do autor: diz ele, “col Cunto fecero ingresso aperto e rumoroso sfoggiando tutta la pompa dell’immaginazione popolare e parlandone l’ingenuo e pittoresco linguaggio” (1911, p. 52). Tem-se, aqui, mais uma vez a presença de Croce nas sucessivas retraduções, confirmada na seguinte frase da tradutora: “Il Cunto [...] è anche e soprattutto un’opera d’arte” (Stromboli, 2013, p. XXII), referindo-se à elaboração artística, adjetivo dado por Croce ao trabalho de Basile. Stromboli termina seu discurso afirmando que “l’obiettivo di questo lavoro è dunque ridare centralità al difficile testo del Cunto, e la traduzione che lo accompanha mira non a sostituirsi ad esso, ma a facilitarne la comprensione” (2013, p. XLIV). Os outros dois discursos de acompanhamento, “Nota biográfica” e “Nota bibliográfica” têm caráter informativo e mostram um pontual trabalho de pesquisa da obra de Basile feito pela tradutora. O segundo volume da edição de Stromboli traz nas páginas finais um posfácio da tradutora, que como já mencionado, vem em forma de “Nota al Testo” em que ela apresenta a trajetória editorial da obra de Basile, os critérios adotados para a preparação dessa nova edição crítica e o seu projeto de tradução, seguidos dos índices, conforme recomendação da editora. Seu discurso começa à página 987 com o primeiro item: “Le edizione de lo cunto de li cunti”. Nessa parte, a autora apresenta detalhadamente os cinco volumes que compõem a primeira edição do Cunto, com referência ao exemplar conservado na Biblioteca Nazionale Braindense di Milano, conforme explicado anteriormente. O segundo item, “Criteri di traduzione”, é dedicado à apresentação das interferências ou correções que ela entendeu fazer no texto napolitano, para então, receber a sua tradução. No terceiro item 159

estão “Le note di commento”, para dizer em quais pontos o texto fonte foi “corrigido”. O texto, diz ela,

[...] è accompagnato da note a piè di pagina, nelle quali si danno indicazioni su usi, costumi, credenze, fatti storici citati; si spiegano usi metaforici, idiomatici, gergali; si chiarisce il significato di alcune voci, soprattutto nei casi in cui la traduzione si allontani dal testo napoletano; si delinea la storia di parole considerate di particolare interesse o perché compaiano per la prima volta nel Cunto, o perché occupano un posto di rilievo nella storia del napoletano; si descrivono alcuni dei principali fenomeni linguistici del napoletano di Basile; in alcuni casi, si giustificano gli emendamenti apportati al testo della princeps. Costante è il riferimento alle note di commento di Croce, a cui si rimanda sistematicamente e da cui si traggono numerose citazioni (2013, p. 1001).

No quarto e último item, “La traduzione”, com apenas dois parágrafos e ocupando metade da última página do posfácio, Stromboli apresenta o seu projeto de tradução. Em primeiro lugar ela diz que a obra de Angela Albanese Metamorfosi del ‘Cunto’ di Basile. Traduzioni, riscritture, adattamenti (2012)35 e, sobretudo, os estudos de Croce, estiveram presentes na sua tradução. Para facilitar a leitura do texto napolitano, que é basicamente o propósito da sua tradução, a tradutora diz que trabalhou a sintaxe e o estilo, observando, tanto quanto possível, a prosa de Basile:

35A pesquisa de Albanese, que culminou nessa sua obra, foi de grande importância para a elaboração do seu projeto de tradução, assim como contribuiu para que esta tese alcançasse o seu objetivo, visto o seu valioso trabalho de pesquisa e a sua dedicação, no intuito de divulgar essa fração histórica e significativa da literatura italiana, e que esteve por trás da divulgação midiática das fábulas/contos maravilhos/contos de fada, que atualmente conhecemos. Uma resenha desse livro, escrita por Andréia Guerini e Rozalir B. Coan foi publicada na revista Letras 49, 2014, v. 24, n. 49. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria/Pós-Graduação em Letras.

160

Tale traduzione ha lo scopo di facilitare la lettura del testo napoletano. Sul piano sintatico e stilistico, si è cercato di rispettare il più possibile la prosa basiliana; per quanto riguarda il problema della traduzione dei composti e delle locuzioni idiomatiche e proverbiali, le soluzioni adottate sono state di due tipi: si è usato il corrispondente italiano, se esistente, oppure si è fatto un calco dal napolitano, con nota esplicativa nei casi in cui la traduzione italiana risultasse oscura; i giochi di parole basati sulla somiglianza del significante, frequentissimi nel testo di partenza, nella traduzione sono andati in buona parte perduti (si è cercato di conservarli soprattutto nelle parti in versi e nei casi in cui fossero basati su nomi propri) (2013, p. 1002).

Seu projeto de tradução pode ser resumido nos seguintes itens:

a) Facilitar a leitura do texto napolitano; b) Respeitar a prosa de Basile; c) Usar um correspondente em italiano para as expressões idiomáticas e proverbiais, se existir; d) Usar notas explicativas nos casos de não haver tais correspondentes.

Para o item a: facilitar a leitura do texto napolitano, se pode pensar que ler não é somente descrever o que está fixado no texto, mas dar corpo à leitura, recriar significados. É fundamental sublinhar que a leitura, na sua qualidade de ato criativo, é absolutamente indispensável e de vital importância para a existência do texto, e a partir daí, estabelecer um vínculo com a tradução, que por sua vez, nasce da leitura para depois desenvolver-se em forma escrita de texto traduzido. A leitura, diz Calvani,

[...] al pari della traduzione, è elemento fondamentale nella vita di un’opera letteraria, capace di riflettere come un prisma i mille raggi iridescenti che nascono da quell’unico getto di luce che è l’opera originale. Il lettore legge il testo per interpretarlo muovendosi nel labirinto delle pagine scritte, di volta in volta sciegliendo la 161

propria direzione in base a condizioni assolutamente uniche e irrepetibili. [...] Allo stesso modo il traduttore si muove nel testo per interpretarlo, dando vita ancora una volta a un percorso, il suo percorso, con in più l’ulteriore complicazione di dover poi riprodurre quello stesso in forma scritta, concretizzandolo in scelte che necessariamente lo condurrano a un testo che non può che essere “altro” rispetto a quello iniziale (2012, p. 170).

E, todavia, se reconhecido inegavelmente o valor da escrita, é também inegável a importância do destinatário, o leitor. Ao intencionar que a sua tradução facilite a leitura do texto basiliano induz a pensar que tradução é um dos espelhos do original. E eles são tantos quantos forem tradutores que os observam, e os textos traduzidos refletem a imagem deles nas paginas traduzidas. O leitor então, é chamado a observar “di volta in volta una figura sempre uguale e sempre diversa, creando a tratti l’illusione di un altro se stesso, che tuttavia si dissolve al lieve tocco di una mano” (CALVANI, 2012, p. 171). No item b: respeitar a prosa de Basile significa administrar a poética do ritmo, que, retomando Meschonnic se configura como ética e poética do traduzir o que significa respeitar a especificidade do texto (2010, p. 43). No item c: é considerável pensar o conceito de “fidelidade” como uma estratégia tradutória baseada no efeito de equivalência, que remete ao termo “correspondência”, mas essa posição parece superada em muitos aspectos da tradução, tendo em vista a finalidade e os contextos das traduções, muito mais que as semelhanças necessárias com o texto fonte. Tanto isso se confirma que Stromboli adota para a tradução das expressões idiomáticas e proverbiais duas alternativas: uma é buscar o correspondente em italiano, quando ele existir; a outra é: se não existir, a solução é fazer uso de notas explicativas. Não se trata aqui de um conceito amplo de equivalência, e sim, como explica Dusi (2006, p.35), de uma “gradualità che può variare a seconda di quale componente si focalizzi nella relazione tra testi” (2006, p. 35). Quanto ao item d, sobre as funções das notas, vê-se em Genette que orientar a leitura, tentar conseguir uma boa leitura, não passa apenas por instruções diretas (2009, p. 326). Consiste, igualmente, e talvez em primeiro lugar, em colocar o leitor – definitivamente suposto – de posse de informações necessárias a essa boa leitura que ele entende oferecer. 162

O projeto de tradução de Stromboli se junta aos já descritos e estabelece com os respectivos tradutores praticamente a mesma intenção de traduzibilidade que, todavia, por vias e métodos diferentes, levam o leitor até o original e o trazem de volta ao ponto em que está implícita uma ideia baseada no fato de que o tradutor deve se sentir livre, não se ater rigorosamente ao texto base, se essa liberdade melhor lhe servir para manter a intenção do autor. Também no trabalho de Stromboli consta-se a presença de Croce, cujos estudos pioneiros sobre Basile mantiveram correlacionadas às sucessivas traduções, tanto italianas quanto estrangeiras. Apresentada a análise do processo e horizonte tradutórios contidos nos paratextos das cinco traduções para o italiano da obra de Basile, a seguir apresenta-se uma comparação das posições tradutórias mediante uma seleção dos pontos divergentes e convergentes.

163

4.5 DIVERGÊNCIAS E CONVERGÊNCIAS NOS PROJETOS DE (RE) TRADUÇÃO DO CUNTO

O que o projeto das (re)traduções têm em comum? Elas são uma continuidade? Uma atualização? No âmbito da tradução literária estabeleceu-se a ideia de que se traduz não somente de uma língua a outra, mas de uma cultura a outra. Em cada processo tradutório permanecem as marcas do tradutor, que não atua em um vazio cultural, ele tem à sua disposição traduções anteriores, ensaios, histórias da literatura, antologias etc., que ele pode, eventualmente, consultar. Independentemente desses recursos, os tradutores tendem a transformar, em certa medida, o original, adaptando-o segundo alguma ideologia ou conforme as concepções poéticas do próprio tempo (LEFEVERE, 2007, p. 23). Nesse sentido, Wilhelm Von Humboldt sublinha que a linguagem constrói o pensamento, e que por isso, traduzir significa passar determinado conteúdo, de um momento em que há uma determinada concepção de mundo, a outro diversamente caracterizado. Mas, ele adverte que a tradução não deve fazer sentir a estranheza, e sim o estranho. Quanto ao tradutor, ele deve ter desprendimento e exercitar um tanto de severidade sobre si mesmo; somente assim estará em sintonia com os futuros leitores. Para Humboldt, as traduções são obras mais que duradouras, são trabalhos que põem à prova:

lo stato della lingua in una determinata epoca, [...] inoltre sono lavori che vanno sempre ripetuti. E così quella parte di nazione che non può leggere da sola gli antichi, li conoscerà meglio tramite più traduzioni che non ricorrendo a un’unica traduzione. Esse sono appunto altrettante immagini dello stesso spirito, poiché ognuno rende quel che ha potuto concepire e rappresentare: il vero spirito riposa soltanto nel testo originale (2009, p. 141).

As reflexões de Humboldt se juntam às já citadas de Mattioli e Berman, no sentido de que as traduções devem seguir a linha do tempo. O quadro abaixo resume o projeto e o horizonte de cada tradução do Cunto. Com base nele, procurar-se-á estabelecer as diferenças e convergências entre elas e verificar de que modo as teorias acima são absorvidas.

164

Quadro 3 - Paratextos

Croce Rak Guarini De Simone Stromboli 1925 1986 1994 2002 2013 Prefácio e Prefácio e Prefácio Posfácio Posfácio Prefácio Posfácio

Critério de Critério de Emprego de Interferência Facilitar a fidelidade; aproximação; uma língua na sintaxe; leitura do acessível; texto Manter os napolitano; ornamento Manter a prosa, Preservar as Manter a s barrocos a pragmática expressões teatralidade e a Respeitar a e um certo do riso e do dialetais; musicalidade; prosa de sabor entretenimento; Basile, napolitano; quanto à Uso de notas sintaxe e ao Uso de nota de rodapé; estilo; de rodapé. Uso de notas Poucas notas de rodapé. Manter o de rodapé; colorido e o Uso de notas ritmo da Substituição explicativas. prosa das éclogas basiliana. por composições recentes.

Em primeiro lugar é importante relembrar que as (re)traduções apresentadas são de um dialeto italiano, o napolitano, para a língua italiana e que o texto de Basile, segundo os tradutores estudados, apresenta uma sintaxe irregular. Há, portanto, um “diálogo” que se estabelece entre dialeto e língua nacional que “faz a língua comum ter acesso à sua dimensão própria” (2013, p. 198), colocando-se à prova e traduzindo-se em outros espaços da vida social e intelectual. Para Berman,

[...] A relação da língua com seus dialetos é uma relação mútua e diferenciada; os dialetos são dialetos dessa língua, só têm sentido de serem dialetos no espaço desta última. Mas inversamente, a língua comum tem necessidade dos dialetos, sob pena de empobrecer 165

infinitamente [...]. Os dialetos e, de modo mais geral, a criatividade dialetal constituem a mesma quantidade de fontes da língua, de um lado porque toda língua tem uma origem dialetal, de outro lado porque os dialetos, ligados a ela, mas diferentes dela, a alimentam assim como tantos rios alimentam o “grande rio” da língua nacional (2002, p. 297-298).

Um desses espaços é ocupado pelo texto de Basile, cujo “diálogo” com seus tradutores culminou num texto “arrumado” que serviu de base para as suas traduções. Croce teve como texto fonte a raríssima edição de 1634-36, “spesso scorretta ma non alterata” (1925, p. XXX)36; Rak usou a mesma edição, mas estabeleceu alguns critérios para a sua transcrição, como por exemplo substituição da letra j por i, a h foi abolida e foi feita a redução e normalização dos acentos, apóstrofos e pontuação; Guarini preferiu usar a edição de Petrini, de 1976, que é uma edição crítica, cujos critérios obedeceram a “una certa fedeltà alle prime edizioni, si intende non diplomatica; esse sono presumibilmente, anche secondo i risultati dell’apparato critico, più vicine alla volontà dell’autore” (PETRINI, 1976, p. 607); Roberto De Simone deu uma nova versão à sua tradução intralinguística, de 1989, fazendo dela o seu texto fonte; e Stromboli organizou uma edição crítica para que possibilitasse, por meio de suas convicções tradutórias, uma atenta leitura do texto napolitano adotando alguns critérios linguísticos, entre eles, a atualização da pontuação, a subdivisão dos parágrafos, a regularização das maiúsculas, dos acentos e apóstrofos segundo critérios modernos (STROMBOLI, 2013, p. 998-999). Cada tradutor, portanto, orientou-se por um texto subjetivamente corrigido. Provavelmente em cada tradutor, sob os critérios de “transcrição”, pesaram alguns fatores relacionados entre si, que segundo Gabriella Cavagnin, partem da vontade de reproduzir a fala popular, a voz autêntica e espontânea de uma cultura antiga e valiosa, sem atenuações ou recriações de qualquer ordem, modos e expressões, de cunho informativo, como ocorre nos documentos históricos; de outra, o

36 Sobre essa edição, o filósofo comenta que “in lunghi anni di reicerche, ho messo insieme quattro dei cinque volumetti che la compongono; ma un esemplare completo di tutte le cinque giornate si serba nella Biblioteca Nazionale di Torino, ed io, che già avevo adoperato nel 1892, vi sono ricorso di nuovo. Alcuni di quei volumetti ebbero una ristampa piú correta nel 1637, che altresí ho consultata con qualche frutto” (CROCE, 1925, p. XXX). 166

propósito de inserir tal cultura no quadro de uma cultura nacional, como parte integrante e funcional desta (CAVAGNIN, 2003, p. 104). Assim, a título de exemplo, encontra-se a seguir o texto fonte nas cinco versões e as suas respectivas (re)traduções, conforme os trechos retirados do conto Lo polece (La pulce) (I, 5). O objetivo aqui não é comparar as (re)traduções, mas dar, parcialmente, uma confirmação de seus projetos. O conto fala de uma princesa que é dada em casamento a um ogro. Obediente, mas assustada, a infeliz Porziela é levada a um bosque assustador onde mora o ogro.

Basile Texto fonte: La negra Porziella, che se vedde a ste retaglie, co na facce de connannato a morte, co n’uocchio de spiritato, co na vocca de chi ha pigliato lo domene Agostino, co no core de chi sta fra la mannara e lo cippo, pigliaje pe mano l’uerco. Da lo quale, senza compagnia, fu strascinata a no vosco, dove l’arvole facevano palazzo a lo prato, che non fosse scopierto da lo sole; li shiumme se gualiavano, che, pe cammenare a lo scuro, tozzavano pe le prete; e l’anemale servateche, senza pagare fida, gaudevano no Beneviento e jevano secure pe drinto chelle macchie; dove non ci arrivava maje ommo, si non aveva sperduto la strata. A sto luoco nigro comm’a cimmenera appilata, apaventuso comme facce de nfierno, nc’era la casa dell’uerco, tutta tapezzata e aparata ntuorno d’ossa d’uommene, che s’aveva cannariato (BASILE, 1981, p. 71, grifo nosso).37

Tradução de Croce: La sventurata Porziella, che si vide a tali estremi, con una cèra di condannato a morte, con occhi da spiritata, con una bocca di chi ha preso il domine Agostino, con un cuore di chi sta tra la mannaia e il ceppo, porse la mano all’orco. E l’orco se la trascinò, soletta, a un bosco dove gli alberi facevano riparo al prato affinché non fosse scoperto dal Sole; i fiumi si lagnavano che, camminando all’oscuro, urtavano contro le pietre; e gli animali selvatici, senza pagare fida, godevano un Benevento e andavano sicuri per entro le macchie, dove non capitava mai

37 Esse trecho é retirado da edição organizada por Croce, das duas primeiras jornadas, de 1891. 167

uomo se non aveva smarrito la strada. In questo luogo nero come un camino otturato, spaventoso come la faccia dell’inferno, era la casa dell’orco, tutta tappezzata di ossa d’uomini, che egli aveva mangiati (BASILE, 1925, p. 66-67).

Rak Texto fonte: La negra Porziella, che se vedde a ste retaglie, co na facce de connannato a morte, co n’uocchio de spiritato, co na vocca di chi ha pigliato lo Domene Agostino, co no core di chi sta fra la mannara e lo cippo, pigliaie pe mano l’uerco, da lo quale, senza compagnia, fu strascinata a no vosco – dove l’arvole pacevano palazzo a lo Sole, li shiumme se gualiavano che pe cammenare a lo scuro tozzavano pe le prete e l’anemale servateche senza pagare fida gaudevano no Beneviento e ievano secure pe drinto chelle macchie – dove non ci arrivava maie ommo si non aveva sperduto la strada. A sto luoco nigro comm’a cimmenera appilata, spaventuso comme facce de ‘nfierno ‘nc’era la casa dell’uerco, tutta tapezzata e aparata ‘ntuorno d’osso d’uommene che s’aveva cannariato (BASILE, 1986, p. 112-114).

Tradução: La povera Porziella, che si vide a questi estremi, con la faccia di condannato a morte, con l’occhio da spiritata, con la bocca di chi a preso la purga, con il cuore di chi sta tra la mannaia e il ceppo, prese per la mano l’orco, da cui senza compagnia, fu trascinata in un bosco – dove gli alberi facevano da palizzata ad un prato perché non fosse scoperto dal Sole, i fiumi si lamentavano perché procedendo al buio inciampavano nelle pietre e gli animali selvatici senza pagare gabelle godevano la loro Benevento e se ne andavano sicuri in mezzo a quelle macchie – dove non arrivava mai nessuno a meno che non avesse perduto la strada. In questo luogo buio come un camino otturato, spaventoso come la faccia dell’inferno, c’era la casa dell’orco, tutta tappezzata e pavesata tutt’intorno con le ossa degli uomini che si era mangiato (BASILE, 1986, p. 113- 115).

Guarini 168

Texto fonte:

La negra Porziella, che se vedde a ‘ste retaglie, co ‘na facce de connannato a morte, co ‘n’uocchio de spiritato, co ‘na vocca de chi ha pigliato Domene Agostino, co ‘no cuore de chi sta fra la mannara e lo cippo, pigliaie pe mano l’uerco, da lo quale senza compagnia fu strascinata a ‘no vosco, dove l’arvole facevano palazzo a lo prato che non fosse scopierto da lo Sole, li shiumme se gualiavano che pe cammenare a lo scuro tozzavano pe le prete, e l’anemale sarvateche senza pagare fida gaudevano ‘no Beneviento e ievano secure pe drinto chelle macchie, dove non ci arrivava maie ommo si non aveva sperduto la strata. A ‘sto luoco nigro comm’a cimmenera appilata, spaventuso comme facce de ‘nfierno ‘nc’era la casa de l’uerco, tutta tapezzata e aparata ‘ntuorno d’ossa d’uommene che s’aveva cannariato (BASILE, 1976, p. 47-48).38

Tradução:

La povera Porziella, vistasi a questi estremi, con la faccia da condannato a morte, con l’occhio da spiritata, con la bocca di chi ha preso il domini Agostino, col cuore di chi sta tra la mannaia e il ceppo, pigliò per mano l’Orco. E da quello, senza compagnia, fu trascinata a un bosco, dove gli alberi facevano da palazzo al prato perché non fosse scoperto dal Sole, i fiumi si lamentavano perché, dovendo camminare nell’oscurità, cozzavano contro le pietre, e gli animali selvatici senza pagare fida godevano un Benevento e andavano sicuri dentro quelle macchie, dove non capitava mai nessuno se non aveva perso la strada. In questo luogo nero come un camino otturato, spaventoso come la faccia dell’inferno, c’era la casa dell’Orco, tutta tappezzata e apparata intorno delle ossa degli uomini che lui aveva divorato (BASILE, 1994, p. 76).

De Simone Texto fonte:

La negra Porziella, che se vide a ste retaglie, co na faccia de condannato a morte, co n’uocchio de spiritato, co na vocca

38 Relembramos que essa edição foi organizada por Mario Petrini, 1976. 169

de chi ha pigliato lo purgante Domene Agostino, co no core de chi sta tra la mannara e lo cippo, pigliaie pe’mano l’Uorco. Da lo quale, senza compagnia, la misera fu strascinata a no bosco, dove l’albere facevano palazzo a lo prato, affinché non fosse scopierto da lo Sole; li sciume se lamentavano che pe’ cammenare a lo scuro, tozzavano pe’ le prete; e l’anemale servatiche, senza pagare tassa, gaudevano zona franca, e ghievano sicure pe’ drinto chelle macchie, dove non ci arrivava maie ommo, si non aveva sperduto la strada. A sto luogo, nigro comm’a cemmerara appillata, spaventuso comme faccie de ‘nfierno, ‘nc’era la casa de l’Uorco, tutta tapezzata e aparata ‘ntuorno d’ossa d’uommene che s’aveva cannariato (BASILE, 2002, p. 104).

Tradução:

L’affranta Porziella, vedendosi a tali stremi, con un viso di condannato a morte, con gli occhi di spiritata, con una bocca di chi ha ingerito un purgante, con un cuore di chi si trova tra la mannaia e il ceppo, dié la mano all’Orco. E dall’Orco, sola sola, fu trascinata a un bosco dove gli alberi facevano da impenetrabile copertura al prato, affinché non fosse scoperto dal Sole; dove i fiumi si lagnavano che, procedendo al buio, urtavano contro le pietre, e gli animali selvatici, senza pagare pedaggio, godevano zona franca e scorazzavano liberamente nell’intrico di quelle macchie, dove non giungeva mai persona viva, a meno che non avesse smarrito la via. In questo luogo, nero come la gola di un camino occluso, spaventoso come la porta dell’inferno, c’era la dimora dell’Orco, tutta tappezzata e decorata intorno con ossa d’uomini da lui divorati (BASILE, 2002, p. 105).

Stromboli Texto fonte:

La negra Porziella, che se vedde a ste retaglie, co na facce de connanato a morte, co n’uocchio de spiritato, co na vocca di chi ha pigliato lo Domene Agostino, co no core di chi sta fra la mannara e lo cippo, pigliaie pe mano l’uerco, da lo quale senza compagnia fu strascinata a no vosco, dove l’arvole facevano palazzo a lo prato, che non fosse scopierto da lo sole, 170

li shiumme se gualiavano che, pe cammenare a lo scuro, tozzavano pe le prete, e l’anemale sarvatiche senza pagare fida gaudevano no Beneviento e ievano secure pe drinto chelle macchie, dove non ci arrivava maie ommo si non aveva sperduto la strata. A sto luoco nigro comm’a cimmenera appilata, spaventuso comme facce de ‘nfierno, ‘nc’era la casa dell’uerco, tutta tapezzata e aparata ‘ntuorno d’ossa d’uommene che s’aveva cannariato (BASILE, 2013, p. 112).

Tradução:

La povera Porziella, che si vide a questi estremi, con una faccia da condannato a morte, con gli occhi da spiritata, con la bocca di chi ha preso lo sciroppo del domine Agostino, col cuore di chi sta tra la mannaia e il ceppo, prese per mano l’orco dal quale senza compagnia fu trascinata in un bosco, dove gli alberi facevano da riparo al prato, perché non fosse scoperto dal sole, i fiumi si lamentavano che, perché camminavano al buio, urtavano contro le pietre, e gli animali selvatici senza pagare fida godevano un Benevento e andavano sicuri per quelle macchie, dove non ci arrivava mai uomo se non aveva perduto la strada. In questo luogo nero come un camino otturato, spaventoso come la faccia dell’inferno, c’era la casa dell’orco, tutta tappezzata e attornata di ossa di uomini che lui aveva divorato (BASILE, 2013, p. 113).

Nos trechos acima, se percebe bastante semelhança entre os respectivos projetos dos tradutores, a começar pelas notas históricas e explicativas: Croce, por exemplo, indica para o termo “Agostino” uma nota que diz:

Agostino Nifo da Sessa (1462-1538). Medico e filósofo, fu “inventore (dice LUCIO SACCO, L’antichissima Sessa Pometia, Napoli, 1640) di quel mirabile sciruppo, senza il quale comunemente da medici e speziari è chiamato syrupus Dimini Agostini”. Nell’Antidotario napolitano di F. Greco (NAPOLI, 1642, p. 81) se ne legge la ricetta (CROCE, 1925, p. 66). 171

Outra nota é marcada na palavra “cippo” e esclarece o seguinte: “A Napoli, e in quase tutta Italia, s’usava nei supplizî capitali la ‘mannaia’, che cadeva dall’alto e aveva già la forma d’una primitiva e grossolana ghigliottina.” Ainda no mesmo trecho outras duas notas explicam o uso dos termos “fida” e “Beneviento”. Para o primeiro, a nota diz que o direito de fida (pedágio) era um direito que “si pagavano da coloro che menavano gli animali a pascolo nelle terre regie e comunali”, e para o segundo a nota esclarece que “Beneviento apparteneva allora allo Stato pontificio, ed era perciò pei fuoriusciti napoletani un vicino e agevole ‘luogo di asilo’” (CROCE, 1925, p. 67). Em todas as outras traduções, exceto De Simone, que se ausenta das notas, como já foi colocado, elas são trazidas com o mesmo significado. Stromboli, inclusive, transcreve exatamente como está em Croce. O texto de Basile, pelo tanto que cabe à interpretação da tradição popular, pede instâncias esclarecedoras, de maneira que as notas entram no texto sem nenhum prejuízo, para “fazer o leitor entrar no ateliê destes problemas: os do texto são os da tradução, e os da tradução descobrem, ou ocultam os do texto” (MESCHONNIC, 2010, p. 251). As notas amparam as modalidades de tradução, esclarecem os empréstimos, os neologismos, a omissão de um termo, a compensação, o deslocamento e a substituição homóloga. O que, no decorrer de um processo tradutório, não eliminam a estrangeiridade da obra, nem ofuscam a visibilidade do tradutor. Parece haver nessa movimentação tradutória o que Nasi chama de “competizione lacerante e faticosa, che muove da un duro lavoro sul testo, e continua con un duro lavoro sul nuovo testo” (NASI, 2009, p. 56). O resultado é a constatação de que, consideradas algumas alterações não só linguísticas, mas interpretativas, que cada reescrita processa em relação ao original, as alterações entre uma edição e outra não foram significativas a ponto de os resultados das respectivas (re)traduções não ocultarem o autor traduzido. Noções de “fidelidade”, mesmo que ela tenha, segundo Dusi, um efeito “globale di una strategia tradutiva basata sull’equivalenza” (2011, p. 68), critérios de aproximação, legibilidade, semelhança, ritmo e ética podem ser conferidos nos respectivos trechos acima. Esses conceitos são convergentes. O propósito de “fidelidade” começa em Croce e subscreve-se na intenção de Rak e de Stromboli, de que a sua tradução, ao lado do texto fonte, seja, em certa medida, capaz de auxiliar o leitor na leitura do texto napolitano; Guarini optou por uma fidelidade estendida à “preservação” das expressões dialetais; em De Simone está 172

implicito um critério de fidelidade, se se pensar como Humboldt: se a tradução tem o objetivo de acrescentar à língua e à nação aquilo que elas não têm ou têm diversamente, então deve ficar implícito um critério de fidelidade. Entretanto, completa Humboldt, “tale fedeltà dev’essere indirizzata al vero carattere dell’originale che non dev’essere tradito per le accidentalità” (2009, p. 137). Já De Simone procurou manter a originalidade do texto fonte trabalhado o caráter de entretenimento. Contudo, bem mais que de fidelidade ou infidelidade, se poderia falar de “lealdade” do tradutor em relação ao texto que vai traduzir (DE SIMONE 2012, p. 242), porque são épocas completamente diferentes. Nessa perspectiva, parece não haver um fim conclusivo para o critério de fidelidade em tradução. Para Eco, o termo fidelidade em tradução é sempre negociável e o que está sendo negociado é exatamente a relação entre o texto a ser traduzido e os propósitos de tal tradução. A vagueza dessa definição depende do fato de que “tradurre significa interpretare, e interpretare vuole dire anche scommettere che il senso che noi riconosciamo in un testo è in qualche modo, e senza evidenti contraddizioni co-testuali, il senzo di quel testo” (ECO, 1995, p. 138). Os conceitos de aproximação e legibilidade levam ao conceito de “reescritura” no sentido de que “no presente reescritores [criam] imagens de um escritor, de uma obra, de um período, de um gênero e, às vezes, de toda uma literatura” (LEFEVERE, 2007, p. 18) reescritores “manipulam até um certo ponto os originais com os quais eles trabalham” (2007, p. 23), segundo alguma corrente ideológica dominante de sua época. Outros dois temas são o ritmo e a ética, que no âmbito da tradução correspondem ao respeito pela poética do autor, conciliada à do tradutor. Croce, ao aceitar manter certo sabor napolitano, parece concordar, ainda que paradoxalmente, com a ideia de Meschonnic de que o ritmo, enquanto, “organização do movimento da palavra na escritura, [...] é a unidade de equivalência numa poética da tradução” (Meschonnic, 2010, p. LXII). Em conjunto, os tradutores estudados parecem ter aceito a ideia de que o ritmo dá continuidade ao sentido do texto, organiza marcas através da quais os significantes linguísticos e extralinguísticos (no caso a comunicação oral, sobretudo) produzem uma semântica específica, distinta lexicalmente, que é o próprio valor do discurso e “como dado imediato e fundamental da linguagem, e não mais em sua limitação formal e tradicional, renova a tradução e constitui um critério para a historicidade das traduções, seu valor. Sua poética e sua poeticidade” (MESCHONNIC 2012, p. 41). 173

Entre essa poeticidade está a distância e tempo da tradução, que não dilui o que não pode ser traduzido. Pois como diz Steiner, nem tudo pode ser traduzido, pelo menos em determinado momento histórico. Segundo ele, “há mistérios que podem apenas ser transcritos: traduzi-los ou parafraseá-los seria sacrilégio ou radicalmente errôneo. Em tais casos, o melhor é preservar o incompreensível” (2005, p. 272). Este “incompreensível”, diz Steiner, pode ser mantido

[...] por meio de alterações linguísticas, por meio de um refinamento de meios interpretativos, por meio de mudanças na sensibilidade receptiva, podem se tornar traduzíveis no futuro. A língua de partida e a língua do tradutor estão em duplo movimento: relativamente a si mesmas e uma em relação à outra. Não há qualquer eixo estático no tempo a partir do qual a compreensão pudesse ser vista como estável e definitiva. [...] provavelmente, pela primeira vez, cada ato de compreensão está ele mesmo envolvido na história, numa relatividade de perspectiva. Essa é a razão para a observação corriqueira de que cada época traduz de novo, de que a interpretação, exceto na primeira ocorrência transitória, é sempre reinterpretação ao mesmo tempo do original e do corpo interveniente de comentários (2005, p. 272).

O diferencial que se pode extrair de tais projetos de tradução reside no caráter funcional do horizonte tradutório de cada um dos tradutores. Podendo pensar no tradutor como um leitor particular: uma vez lido e interpretado o texto que irá traduzir, ele deve deixar traços da sua própria leitura naquele novo texto, que inevitavelmente levará os sinais de um processo precedente. Desse modo, a análise de uma tradução é necessariamente a análise da leitura que o tradutor faz do texto fonte, e ele tem ao seu dispor, se quiser, um espaço de paratexto para apresentar os problemas pertinentes ao processo tradutório. As análises feitas dos prefácios e posfácios estão baseados nas teorias da tradução, fora do espaço-tempo da tradução, pois o objetivo central desta tese não foca uma análise textual de certos traços fundamentais do texto de partida, por meio de uma interpretação da obra, ou de algumas passagens significativas e problemáticas. Até porque, segundo Berman,

174

sur les ‘raisons’ de mille petits ‘écarts’ dont la somme semble definir l’idiosyncrasie de la traduction [e porque] chaque traducteur a sa systemeticité, as sa cohérence à lui, as manière d’‘écarter’, d’ ‘espacer”, [...]. Et volià que pour comprendre la logique du texte traduit nous sommes renvoyés au travail tradutif lui-mème et, par-delà, au traducteur (1995, p. 73).

Quando utilizadas as teorias desenvolvidas por Berman acerca do “projeto de tradução” e as de Mattioli sobre observar as poéticas do autor e a do tradutor, entende-se poder dar crédito aos tradutores por terem tentado explicitar as suas posições tradutórias bem como terem dado forma a um projeto de tradução. Se se compreende que em tradução “respeitar” está para “fidelidade”, “equivalência” para “correspondente” e ritmo para poética, então, é possível concluir que esses horizontes se assemelham. O cumprimento desses critérios teóricos mostra tanto a viabilidade de tais teorias quanto a provisoriededade do traduzir. 175

5 CONCLUSÃO

Esta tese teve início com a discussão sobre o barroco literário de Basile e seguiu com o percurso literário de Basile dentro e fora da Itália. Viu-se também que a sobrevivência de sua obra dependeu e depende das diversas traduções para diferentes línguas. Então, por que e como traduzir o Cunto? Dessa perspectiva, surgiu o pressuposto de que os tradutores do Cunto tenham buscado um espaço singular para apresentar as suas motivações. Com base nas teorias de Genette de que os paratextos são instâncias disponíveis e que estão a serviço da obra, esta tese teve como objetivo principal analisar a concepção de tradução emergente dos prefácios e posfácios de cinco traduções italianas do Cunto, de Basile. A pesquisa confirmou que esses paratextos estiveram a serviço do tradutor, apresentaram suas motivações, a finalidade e o destino do texto traduzido sobre as condições ideológicas, culturais e literárias da sua recepção. Além disso, chegou-se à conclusão de que traduzir é um evento dinâmico capaz de abrir a obra a novos circuitos de significação, garantindo, por essa via, a sua permanência no universo literário. Pela análise dos prefácios e posfácios que acompanham as referidas (re)traduções, percebeu-se que o horizonte da interpretação posicionou os tradutores e os leitores na parte medial da “ponte”. Nesse ponto, os tradutores apresentam aos leitores o que conseguiram recolher do que estava retido, e às vezes oculto, nas camadas não imediatamente visíveis do texto, segundo um princípio, bem mais que de fidelidade, mas de lealdade, de uma lealdade que permiti ao tradutor exercitar, subjetivamente, a sua função de ponte entre o autor e o leitor. A tradução, vista por essa ótica, é, contemporaneamente, produção e reprodução, análise crítica e síntese literária, voltada tanto para o sistema linguístico estrangeiro quanto para próprio. Trata-se, assim, de tradução, não como palimpsesto, no sentido genettiano de escrita sobreposta, mas como resultado de uma interação verbal, de um texto criticamente recebido e, subjetivamente, trabalhado e, por conseguinte, devolvido. Viu-se ainda que os tradutores procuraram manter, em relação ao texto de chegada, o aspecto linguístico e cultural do texto napolitano; desse modo, a tradução mantém a sua vitalidade no tempo e no espaço. Essa visibilidade dos tradutores, portanto, é mais um ponto em comum entre eles. Ao adotarem em seus projetos de tradução caminhos que não apagam o texto de partida, os referidos tradutores ofereceram ao leitor a possibilidade de consultá-lo sem tirar-lhe a sua identidade. Mostraram 176

um “espaço-de-língua aberto e fundamentalmente acolhedor” (BERMAN, 2013, p. 190). Traduções dessa natureza não “envelhecem”, elas mudam. São sempre buscadas (sublinha-se o caso da tradução de Croce que influenciou outras retraduções) para dar continuidade a um processo, que por meio de retraduções movimenta o sistema literário local e universal, ao mesmo tempo em que corroboram para aprimorar algumas teorias sobre o traduzir. Atualmente a obra de Basile, através das (re)traduções, reanima as questões em torno da língua e também da Teoria da Tradução. Um dialeto inventado ou uma língua em movimento? Em qualquer dos casos é sempre um desafio para o tradutor. As releituras do Cunto revelaram um texto instigante e convidativo. Instigante porque estimula o leitor a organizar, através da imaginação, a lógica dos contos de fadas, a decifrar a hiperbólica escrita barroca; convidativo porque tudo isso se faz por meio de interpretações. Poder dizer “quase a mesma coisa” é um modo de dar continuidade à obra. Por fim, observou-se que os paratextos se colocam sempre como uma escolha funcional, qualquer que seja sua intenção estética o principal objetivo não é embelezar o texto; especificamente nas traduções do Cunto os prefácios e posfácios deram suporte aos projetos dos tradutores, favoreceram os leitores não familiarizados com o autor e apresentaram os passos do tradutor. Disponibilizaram um espaço cujas delimitações estiveram em conformidade com a dimensão do horizonte do tradutor. Esse tipo de paratexto é um gênero à parte? É provável, podendo servir como idéia para futuras pesquisas. O que ainda se entende sublinhar é que o tradutor, queira ou não, é “também” um teórico da tradução. Cabe dizer: ele é, entre todos, o melhor teórico da tradução, desde o momento em que as duas atividades (teoria e prática) estão intimamente ligadas. Sublinho também que encontrei no estudo dessas traduções uma perspectiva bastante ampla, que acolhe todos aqueles que ao longo da história se voltaram para o problema da tradução, interrogando-se “como” se deve traduzir, e “se” se pode traduzir. Assim, conclui-se que cada tradução é uma re-criação, uma versão própria que parte de uma interpretação: seja no plano semântico, lexical e formal. A obra de Basile, através das (re)traduções, reanima as questões em torno da língua, e também da Teoria da Tradução. Um difícil dialeto, inventado? ou uma língua em movimento? Em qualquer dos casos, é sempre um desafio para o tradutor. 177

Por fim, ressalta-se que Basile é um autor praticamente desconhecido no Brasil, o que dá a este trabalho um caráter inovador, além de trazer a obra à grande temporalidade, da qual fala Mikhail Bakhtin em Estética da criação verbal (1997).

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