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Investigación original / Original research

Conglomerados de violência em , Brasil

Maria Luiza C. de Lima,1,2 Ricardo A. de A. Ximenes,1,3 Carlos Luna Feitosa,2 Edinilsa Ramos de Souza,4 Maria de Fátima P. Militão de Albuquerque,2 Maria Dilma de Alencar Barros,5 Wayner Vieira de Souza 2 e Tiago Maria Lapa 2

Como citar Lima MLC, Ximenes RAA, Feitosa CL, Souza ER, Albuquerque MFPM, Barros MDA, et al. Conglome- rados de violência em Pernambuco, Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2005;18(2):122–8.

RESUMO Objetivo. Analisar o padrão espacial das taxas de mortalidade por homicídio em homens com idade de 15 a 49 anos no Estado de Pernambuco, Brasil, nos períodos de 1980 a 1984 e de 1995 a 1998, e identificar conglomerados de violência. Métodos. Os dados sobre mortalidade foram obtidos junto ao Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. A média das taxas de mortalidade por homicídio foi esti- mada por município para os dois períodos. O coeficiente de Moran, que varia de – 1 a + 1, foi calculado para explorar a dependência espacial. Um coeficiente positivo indica um conglome- rado de valores semelhantes, enquanto que um coeficiente negativo indica a adjacência de va- lores dessemelhantes. Para localizar os conglomerados de municípios com taxas de homicídio altas e baixas, foi utilizado o indicador local de autocorrelação espacial (LISA). Por último, foi construído o mapa de Moran, que permite identificar os municípios com LISA estatisticamente significativo e, ao mesmo tempo, pode revelar se o agrupamento de municípios tem taxas de ho- micídio altas ou baixas. Resultados. Os resultados do coeficiente de Moran para os períodos investigados apresen- taram valores positivos (0,392 e 0,291, respectivamente) e altamente significativos (P < 0,001). Comparando-se os dois períodos analisados através do mapa de Moran, foi possível observar, no primeiro período, um conglomerado de altas taxas de homicídios predominante na Região da Mata Sul, próxima à Região Metropolitana. No segundo, foram identificados dois conglo- merados, um predominantemente urbano, situado na Região Metropolitana, e outro no inte- rior do Estado, no chamado Polígono da Maconha. Conclusões. O estudo sugere que não são exatamente as condições socioeconômicas as res- ponsáveis pelos conglomerados de homicídios, mas sim a sua associação com o tráfico e o co- mércio ilícito de drogas.

Palavras-chave Análise por conglomerados, homicídio.

1 Universidade de Pernambuco (UPE), Faculdade de 2 Fundação (FIOCRUZ), Centro de A questão da violência no Estado de Ciências Médicas, Divisão de Cursos da Coorde- Pesquisas Aggeu Magalhães, Núcleo de Estudos nação de Pós-Graduação, (PE), Brasil. Cor- em Saúde Coletiva, (RJ), Brasil. Pernambuco vem assumindo, grada- respondência e pedidos de separatas devem ser 3 Universidade Federal de Pernambuco (UFPe), tiva e insidiosamente, um papel cen- encaminhados a Maria Luiza C. de Lima no se- Hospital das Clínicas Bloco A, Programa de Pós- guinte endereço: Núcleo de Pós-Graduação, Di- Graduação em Medicina Tropical. tral no cotidiano dos indivíduos, visão de Cursos, Faculdade de Ciências Médicas, 4 FIOCRUZ, Centro Latino-Americano de Estudos sendo o homicídio a mais cruel forma Universidade de Pernambuco, Rua Arnóbio Mar- sobre Violência e Saúde (CLAVES). ques 310, Santo Amaro, CEP 50100-130, Recife, PE, 5 UPE, Faculdade de Ciências Médicas, Departa- de expressão dessa violência. A análise Brasil. e-mail: [email protected] mento de Medicina Social. da magnitude da violência, tendo

122 Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 18(2), 2005 Lima et al. • Conglomerados de violência Investigación original como referência a taxa de mortalidade pitais; segundo, o presente estudo in- por homicídio foram calculadas por por homicídio em todas as faixas etá- corpora novas técnicas de análise es- município e submetidas a uma análise rias para os estados do Brasil, revela pacial para identificar áreas de conglo- univariada, através da construção de que Pernambuco apresenta a mais alta merados de homicídios; terceiro, o gráficos de caixa, histogramas e gráfi- taxa de homicídios para o ano de 1998, Estado de Pernambuco oferece um ce- cos de normalidade (QQ plot). Para 58,8 por 100 000 habitantes, bem acima nário particular para análise, não só garantir maior estabilidade na análise da média do país, de 25,9 por 100 000 pela magnitude das taxas de homi- dos dados por município, estudou-se habitantes (1). Em 2001, a taxa de ho- cídios, mas também por conta da a taxa média de mortalidade por ho- micídios no Estado de Pernambuco se existência de importantes conflitos so- micídio agrupada para os períodos de mantinha em 58,8 por 100 000 habitan- ciais resultantes do tráfico de drogas, 1980 a 1984 e 1995 a 1998. A construção tes, ainda bem acima da média do principalmente na chamada área do dos coeficientes foi descrita anterior- país, de 27,8 por 100 000 (2). Um es- Polígono da Maconha, situada no inte- mente (3). tudo realizado por nosso grupo, com rior do Estado. A base cartográfica do Estado de foco na faixa mais atingida, ou seja, Assim, o objetivo deste estudo foi Pernambuco usada neste trabalho foi a homens de 15 a 49 anos, revelou, para identificar conglomerados de violên- referente ao ano de 1991, contendo 167 o período de 1980 a 1998, um incre- cia em dois períodos (1980 a 1984 e municípios digitalizados, cedida pelo mento nas taxas de homicídios da 1995 a 1998) das últimas duas décadas Departamento de Cartografia da Uni- ordem de 246,8% para o Estado. Para a do século XX, através da utilização do versidade Federal de Pernambuco capital, Recife, esse crescimento foi de indicador local de autocorrelação es- (UFPE). Assim, para utilizar a base 389,8%; para a Região Metropolitana pacial (LISA). cartográfica, foi necessário somar a po- da capital, de 273,3%; e para o interior, pulação e o número de óbitos ocorri- de 165,0% (3). dos nos municípios criados entre 1995 Vários estudos ecológicos em esta- MATERIAIS E MÉTODOS a 1998 aos dados dos municípios a par- dos do Brasil têm apontado a relação tir dos quais esses novos municípios se entre os homicídios e as condições de O Estado de Pernambuco está di- originaram. A análise espacial foi con- vida (4–7). Outros, além de buscar pos- vidido em 10 regiões de desenvolvi- duzida utilizando-se a matriz de vizi- síveis associações entre as desigualda- mento (RD) que representam sub- nhança como matriz de proximidade des sociais e a situação de violência, gerências administrativas: Região espacial baseada na existência de áreas têm, a partir das técnicas de análise ex- Metropolitana do Recife, Mata Norte, adjacentes (16). ploratória espacial, mapeado as áreas Mata Sul, Agreste Meridional, Agreste A fim de explorar a dependência es- e as populações de risco (8–12). Con- Central, Agreste Setentrional, Pajeú/ pacial, os autores calcularam o coefi- tudo, a maioria desses estudos tem Moxotó, Itaparica, São Francisco e ciente de Moran, o qual varia de – 1 a sido realizada em capitais, onde é pos- Araripe (15) (figura 1A). O presente es- + 1, sendo que os valores próximos sível localizar conglomerados de po- tudo também considerou como di- dos extremos (–1 ou +1) indicam uma breza. Quanto à determinação, os estu- mensão geográfica, para análise dos maior autocorrelação (um coeficiente dos abordam a violência estrutural, dados, a chamada área do Polígono da positivo indica um conglomerado de que, segundo a classificação de Minayo Maconha, que abrange municípios do valores semelhantes, enquanto que um e Souza (13), é configurada a partir das interior do Estado (figura 1B). coeficiente negativo indica a adjacên- desigualdades sociais que crescem pre- De 1980 a 1984, o Estado tinha 167 cia de valores dessemelhantes) (16). ponderantemente entre a população municípios. No ponto médio do pe- Para localizar os conglomerados ou urbana. Mello Jorge (14), ao identificar ríodo, a população masculina de 15 a clusters de municípios com taxas de os estados detentores dos maiores ín- 49 anos era de 1 364 377 habitantes, re- homicídio altas e baixas, foi utilizado dices de violência contra jovens, ou presentando 21,6% da população total o LISA. Por último, foi construído o aqueles com maior crescimento desses do Estado. No período de 1995 a 1998, mapa de Moran, que permite identifi- índices, verificou que o Rio de Janeiro, com a criação de novos municípios, o car os municípios com LISA estatisti- Pernambuco, o , do Estado passou a totalizar 184 municí- camente significativo e, ao mesmo Sul e correspondiam tam- pios. A população de homens na faixa tempo, pode revelar se o agrupamento bém aos estados em que se pode verifi- dos 15 a 49 anos era, no ponto médio de municípios tem taxas de homicídio car a existência de redes e a maior in- do período, de 1 833 280 habitantes, altas ou baixas (16–19). serção do narcotráfico. perfazendo 25,1% da população total. Dessa forma, o presente estudo di- As informações sobre homicídios fere da maioria dos trabalhos já publi- foram obtidas junto ao Sistema de In- RESULTADOS cados acerca desse tema por várias formações sobre Mortalidade (SIM/ razões: primeiro, na literatura brasi- DATASUS). Os dados foram analisa- A análise univariada revelou uma leira há poucos estudos sobre violên- dos com os programas Statistical Pack- distribuição aproximadamente normal cia com análise por conglomerados, e age for the Social Sciences (SPSS), Arc- para as taxas de homicídios em ho- os existentes foram realizados em ca- view e S-Plus. As taxas de mortalidade mens de 15 a 49 anos, calculadas por

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FIGURA 1. Regiões de desenvolvimento e Polígono da Maconha, Estado de Pernambuco, Brasila

A

Agreste Mata Setentrional Norte Araripe Sertão Pajeú/Moxotó Agreste Região Central Metropolitana Sertão Itaparica Mata Sul São Francisco Agreste Meridional

N

WE

S B

Polígono da Maconha Fora do Polígono Região Metropolitana

a A) Regiões de desenvolvimento; B) Polígono da Maconha. O mapa foi cedido pelo Departamento de Cartografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e a divisão em municípios reflete o ano de 1991 (167 municípios). Escala aproximada 1:4 600 000.

município, em ambos os períodos ana- os municípios com coeficientes eleva- baixas taxas de mortalidade por homi- lisados, o que justifica a utilização de dos de homicídios estão próximos a cídio. A figura 2A mostra as áreas que técnicas de análise espacial que pres- outros com o mesmo perfil, e aqueles apresentam dependência espacial com supõem normalidade. O coeficiente de com valores baixos situam-se nas vi- significância estatística para o período Moran para o período de 1980 a 1984 zinhanças de outros municípios com de 1980 a 1984. Verifica-se um padrão foi de 0,392, e para o período de 1995 a esta mesma característica. espacial não-aleatório, com conglome- 1998, de 0,291 (P < 0,001). O valor po- Através do mapa de Moran, foi pos- rados de municípios que apresentam sitivo do teste de Moran permite infe- sível identificar os municípios para os altas taxas de mortalidade por homicí- rir que áreas vizinhas possuem taxas quais os valores de LISA foram esta- dio; isso se observa em 11 municípios de homicídio semelhantes, indicando tisticamente significativos (P < 0,05), de um total de 24 na RD Mata Sul, em a existência de conglomerados. Assim, além dos conglomerados com altas e dois municípios de um total de 14 na

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FIGURA 2. Conglomerados de municípios com indicador local de autocorrelação espacial (LISA) significativo, Estado de Pernambuco, Brasila

A

Municípios com LISA não significativos Agrupamento de municípios com LISA significativos (Alto-Alto) Agrupamento de municípios com LISA significativos (Baixo-Baixo)

N

WE B S

Municípios com LISA não significativos Agrupamento de municípios com LISA significativos (Alto-Alto) Agrupamento de municípios com LISA significativos (Baixo-Baixo)

a A) Período de 1980 a 1984; B) período de 1995 a 1998. O mapa foi cedido pelo Departamento de Cartografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e a divisão em municípios reflete o ano de 1991 (167 municípios). Escala aproximada 1:4 600 000.

RD Metropolitana, e em um município três municípios na RD Mata Sul, de DISCUSSÃO de um total de 26 na RD do Pajeú/ um total de 24, e oito na RD Metropo- Moxotó. A figura 2B, referente ao pe- litana, de um total de 14. No outro A análise do padrão espacial de mor- ríodo de 1995 a 1998, revela dois pólos pólo está caracterizado o processo de talidade por homicídios no Estado de com LISA significativo de alto valor. interiorização, com nove municípios Pernambuco revelou conglomerados No primeiro pólo, verifica-se um pro- situados nas RDs de Itaparica e São de municípios com áreas distintas nos cesso de transição da violência, que Francisco e uma extensa área na RD do dois períodos estudados. No primeiro predominava na RD da Mata Sul e Pajeú/Moxotó, áreas estas localizadas período (1980 a 1984), identificou-se passa a predominar na RD Metropoli- na região denominada Polígono da um conglomerado de violência na tana; nesse período, aparecem apenas Maconha, que abrange 21 municípios. RD da Mata Sul, que foi se deslocando

Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 18(2), 2005 125 Investigación original Lima et al. • Conglomerados de violência ao longo dos anos. De 1995 a 1998, terna, subemprego e altos índices de mais populosos do Estado—Recife, verifica-se a formação de dois pólos de desemprego sazonal (20). Na Mata Sul, Jaboatão dos Guararapes, Olinda e homicídios no Estado de Pernambuco: a área explorada com a agricultura ca- Paulista. Juntos, esses municípios o primeiro que se deslocou da Mata navieira é mais extensa, e as reper- abarcam 79,63% da população da Re- Sul para a Região Metropolitana do cussões da estagnação dessa atividade gião Metropolitana e 33,23% da popu- Recife, e o segundo no interior do Es- parecem mais intensas. Quanto aos va- lação de Pernambuco. O ritmo de cres- tado, situado no Polígono da Maconha. lores culturais, observa-se que ainda cimento populacional entre 1991 e Minayo e Souza, ao classificarem a persiste, nessa região, desde o tempo 1996 foi de 1,14%, superando o do inte- violência estrutural que ocorre nos colonial, um padrão hierárquico, com rior, em torno de 0,49%. A população países em desenvolvimento, apontam predominância do poder senhorial, está concentrada predominantemente como causa os níveis excessivos de po- marcado pelo favoritismo, quando não nas áreas urbanas, que abrigam 94,76% breza relativa e desigualdade social pela violência física (21). dos habitantes da região (22). (13). O indicador de condições de vida Conforme depoimento dos delega- Um outro dado importante diz res- (ICV) (19) para o ano de 1980 para as dos regionais dessa mesorregião, a peito à situação educacional na Região regiões da Mata Norte, Mata Sul e Re- violência na Mata Norte difere daquela Metropolitana do Recife, que, apesar gião Metropolitana apresentou valores praticada na Mata Sul pela ocorrência de mostrar uma clara tendência de de- medianos de 0,418, 0,415 e 0,512, res- intensa, nesta última, da pistolagem clínio nas taxas de analfabetismo e au- pectivamente, o que indica condições (crimes por encomenda praticados por mento nas de escolarização, no con- de vida semelhantes. Em 1991, a RD pistoleiros, assassinos de aluguel, auto- junto da população ainda apresenta da Mata Sul apresentou um ICV de res materiais dos crimes de enco- altos percentuais de analfabetismo na 0,470, a RD Metropolitana de 0,613, a menda), originada em um período em população adulta e baixos índices de RD do Sertão Pajeú/Moxotó de 0,502, que era absoluta a impunidade dos cri- escolaridade na população de 10 anos do Sertão Itaparica de 0,522, do Sertão mes praticados contra os trabalhadores ou mais (22). Esses insatisfatórios ní- do São Francisco de 0,515, e do Sertão rurais por proprietários de terra (21). veis de escolaridade têm reflexos nega- do Araripe de 0,463 (19), valores tam- Atualmente, o próprio desemprego tivos na inserção da população em bém semelhantes entre si. tem contribuído para a redução desse idade ativa no mercado de trabalho; de Nas regiões em que predominaram tipo de ocorrência. Todavia, o ma- forma geral, esses indivíduos ocupam os conglomerados, além do ICV, fo- chismo e a impunidade, aliados à postos de baixa qualificação e, con- ram analisados outros processos so- ausência de condições de trabalho e de seqüentemente, baixa remuneração, ciais que fazem parte da teia de causa- uma vida digna, propiciam este cenário constituindo um alvo preferencial para lidade da violência. A Mata Sul foi de desrespeito aos direitos humanos e ingressar no mundo das drogas. É tam- uma dessas regiões, pois apresentou o de agressões sem limites. A essas con- bém na Região Metropolitana que ocor- maior número de municípios violentos dições específicas somam-se os proble- rem com maior intensidade as desi- no primeiro período: 11 dos 16 municí- mas comuns à estrutura do meio rural: gualdades sociais e, devido à maior pios que compunham os conglomera- conflitos pela posse da terra, rixas entre densidade demográfica, os conflitos dos se localizavam nessa região. Por vizinhos e, ainda, problemas seme- interpessoais e a formação de galeras, isso foram investigados outros proces- lhantes aos do meio urbano, como o al- ou grupos de jovens que se reúnem sos que pudessem explicar a diferen- coolismo e o uso de drogas (21). com o objetivo de praticar atos lícitos ciação na mortalidade por homicídios No período de 1995 a 1998, o mapa (esportes, artes ou outra atividade so- na RD da Mata Sul em relação à Mata se modifica, mostrando dois pólos níti- cial ou religiosa) ou ilícitos (roubos, Norte. dos: um na Região Metropolitana e furtos, consumo de drogas e outras in- Tanto na RD da Mata Norte quanto outro no interior do Estado, no Polí- frações ou crimes). Às vezes esses gru- na da Mata Sul, a atividade econômica gono da Maconha (no primeiro pólo, pos competem com outros de áreas predominante é a monocultura da aparecem três municípios da Mata Sul diferentes, como uma forma de res- cana de açúcar. Contudo, alguns as- e oito municípios da Região Metropo- guardar sua atuação em um determi- pectos culturais e sociais diferenciam litana; no segundo, aparecem 10 muni- nado território. Esses são processos so- essas duas regiões. Estudos sobre a cípios, sendo nove localizados no Polí- ciais que a literatura tem destacado mesorregião da Mata Pernambucana gono da Maconha). O deslocamento como estando associados com as cres- indicam que este espaço passa por espacial da violência da RD da Mata centes taxas de homicídio nos últimos uma grave crise econômica e social, Sul para a Região Metropolitana pa- 20 anos (4–7, 11). cuja raiz estrutural está exatamente na rece ser, em parte, decorrente da pro- O sertão do São Francisco, consti- elevada concentração da base produ- ximidade com a Região Metropolitana, tuído pelas RDs de São Francisco e Ita- tiva na atividade sucroalcooleira, com que se constitui em um pólo de atração parica, apresenta especificidades na baixos índices de produtividade da devido às melhores condições socio- ocupação social do espaço que vão cana-de-açúcar, perpetuando um qua- econômicas dessa região. configurar realidades sociais distintas. dro de estagnação e ineficiência econô- É na Região Metropolitana do Recife O expressivo dinamismo econômico mica, instabilidade e dependência ex- que se situam os quatro municípios ocorrido na região do São Francisco re-

126 Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 18(2), 2005 Lima et al. • Conglomerados de violência Investigación original presentou um aprofundamento das dos sobre a violência no Polígono da rados de homicídios, mas o fato de desigualdades sociais intra-regionais Maconha em Pernambuco reconhece a áreas com condições socioeconômicas preexistentes nesse espaço. Essas desi- área (limitada pelas margens do São precárias (como favelas) serem tam- gualdades foram se acentuando a par- Francisco e pelas cidades de Petrolân- bém assoladas pelo tráfico e comércio tir da década de 1970, quando houve dia, Salgueiro, Ouricuri e Petrolina) ilícito de drogas (26). Zaluar et al. (27) um investimento com alocação de como pólo produtor de substâncias chamam a atenção para o papel do recursos públicos em torno da micror- entorpecentes, com destaque para o crime organizado, bem como do tráfico região de Petrolina, com o desenvol- plantio da maconha. O documento re- de drogas e de armas, como fatores vimento da agricultura irrigada desti- lata que organizações criminosas lo- predominantes na estruturação da cri- nada à exportação. Esse lado dinâmico cais, denominadas “comandos caipi- minalidade metropolitana, particular- da microrregião atraiu habitantes de ras”, têm interligação com indivíduos mente quando associados a uma polí- várias outras localidades, que se esta- do crime organizado do Rio de Ja- tica exclusivamente repressiva de beleceram principalmente em Petro- neiro, e que suas ações são respalda- combate às drogas e a escolhas políti- lina, concorrendo para a criação de das pela venda clandestina de mu- cas e institucionais inadequadas para o bolsões de pobreza. nições ilegais, pela receptação do fruto enfrentamento da pobreza urbana (27). Diferentemente, na RD de Itaparica, de roubos de comerciantes locais e Apesar da simplificação diante de o grande deslocamento populacional pela proteção de famílias influentes tantos processos sociais imbricados na resultante da formação do lago de Ita- nas regiões onde atuam. As atividades determinação da violência, os resulta- parica, em 1989, gerou mudanças cujo do narcotráfico na região, acrescenta dos desta pesquisa encontram res- impacto ainda se faz sentir, notada- o relatório, empregam mão-de-obra paldo em uma literatura que enfatiza o mente no que se refere às populações local no plantio, além de pistoleiros incremento dos homicídios como asso- reassentadas. Nas áreas destinadas nas ações criminosas. Este cenário é ciado a uma criminalidade cada vez aos projetos de reassentamento e irri- ainda secundado por disputas entre mais decorrente do tráfico de drogas. gação, a falta de infra-estrutura e de famílias da região por terra, poder po- Isso de forma alguma significa que preparo das pessoas, capacitando-as lítico e, em certa escala, pelo controle apenas esse tipo de causalidade ocorre para assumir um novo modo de vida, do tráfico de drogas e armas pesadas. nas regiões estudadas, mas indica que gerou ociosidade, consumo de bebidas A repressão policial ao plantio muitas o incremento resultante da violência e drogas e violência. A partir daí, sur- vezes ocasiona um recrudescimento associada ao narcotráfico contribui giu o cultivo da maconha como alter- da violência, fazendo com que os gru- para a formação de conglomerados de nativa de sobrevivência para os peque- pos passem a realizar assaltos nas ro- violência. nos agricultores da região, com base dovias que cortam as localidades (25). na ação de grupos criminosos organi- Beato Filho et al. (26), em estudo rea- zados, que pagam pela erva 10 vezes lizado em , Estado de Agradecimentos. Projeto financiado mais do que os agricultores recebiam , com foco na análise es- pela Fundação de Amparo à Ciência e pelos cultivos tradicionais (15, 23, 24). pacial dos homicídios, revelaram que Tecnologia do Estado de Pernambuco O relatório de maio de 1997 da co- não são as condições socioeconômicas (FACEPE), processo n° 23-CD-08/00- missão externa da câmara dos deputa- em si as responsáveis pelos conglome- 01/01-26.

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ABSTRACT Objectives. To analyze the spatial distribution of homicide mortality rates among males 15 to 49 years old in the state of Pernambuco, Brazil, for the periods of 1980 to 1984 and 1995 to 1998, and to identify violence clusters. Violence clusters in Methods. Mortality data were obtained from the Brazilian Ministry of Health’s Mor- Pernambuco, Brazil tality Information System. The mean homicide mortality rate was estimated for each municipality in the state for the two periods. The Moran coefficient was calculated to determine spatial autocorrelation. (The Moran coefficient ranges from –1 to +1, with a positive coefficient indicating a cluster of similar values, and a negative coefficient indicating adjacent dissimilar values.) To identify clusters of municipalities with ei- ther high or low homicide mortality rates, the local indicator of spatial association (LISA) was used. Finally, a Moran map was constructed to identify municipalities with statistically significant LISA values and to identify clusters of municipalities with either high or low homicide mortality rates. Results. The Moran coefficient for 1980–1984 was 0.392, and for 1995–1998 it was 0.291 (P < 0.001). In the 1980–1984 period, one cluster of high homicide mortality rates was found in the Mata Sul region of the state, close to the metropolitan region of the state capital, Recife. In the 1995–1998 period, two violence clusters were identified: a predominantly urban one in the Recife metropolitan region, and the other in the state interior, in an area known as the “Marijuana Polygon” (Polígono da Maconha). Conclusion. This study suggests that the violence clusters are not the result of the socioeconomic conditions per se, but rather the consequence of the interaction be- tween poor economic conditions and drug trafficking.

Keywords Cluster analysis, homicide.

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